Pancitopenias (Capítulo de Livro)

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 13

Quais são os diagnósticos

diferenciais de um
paciente com
pancitopenia?

10.1 INTRODUÇÃO
A pancitopenia caracteriza-se por quadro de diminuição de todos
os elementos figurados do sangue (hemácias, leucócitos e
plaquetas) que pode, ou não, estar associado a manifestações
clínicas. As etiologias são variadas e vão desde as doenças
congênitas sem produção de glóbulos, como a anemia de Fanconi
e a disceratose congênita, até o aumento de destruição e de
captação esplênica, como no hiperesplenismo.
10.2 COMO INVESTIGAR O PACIENTE COM
PANCITOPENIA
Inicialmente, devem ser solicitados exames gerais para
investigação:
▶ Hemograma completo com esfregaço;
▶ Reticulócitos, níveis de ferro, transferrina, ferritina, folato;
▶ TSH, eritropoetina sérica, vitamina B12, cobre sérico;
▶ Provas de funções renal, enzimas hepáticas, eletrólitos;
▶ Desidrogenase láctica;
▶ Haptoglobina;
▶ Teste de Coombs direto;
▶ Pesquisa de clone HPN-hemoglobinúria paroxística noturna (CD
55 e CD 59 por citometria de fluxo);
▶ Sorologia para hepatites B e C, HIV.
Exames específicos incluem mielograma (biópsia e aspirado) e
avaliação de ferro medular (coloração de Pearls) com citogenética
por cariótipo simples (banda G). A citometria de fluxo pode ser
complementar no diagnóstico de síndrome mielodisplásica
(SMD), nos casos de incerteza diagnóstica.
10.3 PRINCIPAIS DIAGNÓSTICOS
DIFERENCIAIS DA PANCITOPENIA
Os diagnósticos diferenciais da pancitopenia são:
▶ Drogas: podem estar relacionadas à dose, ao efeito sobre os
precursores hematopoéticos ou aos fatores imunológicos.
Exemplos: metotrexato, micofenolato de mofetila, ácido valproico,
ganciclovir, ciclofosfamida, tuberculostáticos;
▶ Doenças medulares: incluem as doenças primárias da medula,
como aplasia medular, mielodisplasia, mielofibrose e
hemoglobinúria paroxística noturna e as neoplasias, como
leucemias e infiltração medular por tumores sólidos;
▶ Doenças esplênicas: incluem esplenomegalias congestiva,
tumoral, infecciosa (calazar, tuberculose) ou reacional à
hipertensão portal;
▶ Deficiência de fatores essenciais: caracteristicamente na
anemia megaloblástica (deficiência de B12 e folato);
▶ Secundária a doenças sistêmicas: lúpus eritematoso sistêmico,
tuberculose e micobacteriose atípica, sarcoidose e brucelose.
A seguir, discutiremos alguns dos principais diagnósticos
diferenciais de pancitopenia.
10.3.1 Anemia aplásica
A Anemia Aplásica (AA) consiste na diminuição da quantidade das
células-tronco hematopoéticas, com substituição de grande parte
do tecido hematopoético por tecido gorduroso, resultando na
característica pancitopenia; habitualmente representada na sua
forma adquirida, apresentando dois picos de incidência: em
adultos jovens, particularmente dos 15 aos 25 anos, e após os 60
anos.
Das AAs adquiridas, 60% são idiopáticas e 40% são secundárias.
Entre as secundárias, destacam-se agentes físicos e químicos,
vírus e doenças autoimunes.
10.3.1.1 Quadro clínico e diagnóstico

A doença é de manifestação insidiosa, na maior parte das vezes


associada à sintomatologia secundária a citopenias, como febre e
infecções de repetição por neutropenia, hemorragia e síndrome
anêmica. Esplenomegalia e linfonodomegalia não estão
associadas à patologia e, quando presentes, sugerem outro
diagnóstico.
A suspeita da anemia aplásica é feito por meio da análise do
sangue periférico, em que há diminuição de pelo menos duas
séries celulares ou pancitopenia, e geralmente há hemoglobina
inferior a 10 g/dL, contagem de plaquetas menor que
50.000/mm3, contagem de neutrófilos abaixo de 1.500/mm3 e
reticulocitopenia. A biópsia de medula óssea revela conteúdo
hipocelular, com predomínio de tecido gorduroso.
Indica-se a biópsia de medula óssea — exame que confirma o
diagnóstico — para avaliar a celularidade global. Nesse exame,
encontra-se medula óssea hipocelular, com predomínio de tecido
gorduroso, em que as células hematopoéticas restantes são
morfologicamente normais, e não há infiltração medular por
outras células.
A análise do cariótipo é importante para descartar SMD
hipoplásica, e a pesquisa do aumento de quebras cromossômicas
induzidas pelo diepoxibutano é importante para afastar anemia de
Fanconi, principalmente em crianças, adolescentes e adultos
jovens.
É essencial a avaliação por meio da citometria de fluxo para
pesquisa de hemoglobinúria paroxística noturna, pois, até 30%
dos casos podem apresentar concomitância dessas duas
doenças.
Quadro 10.1 - Critérios diagnósticos da anemia aplástica
10.3.1.2 Tratamento da anemia aplásica idiopática

Não há necessidade de tratamento para os casos não graves de


anemia aplásica. Para os casos graves, o tratamento de escolha é
o transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas;
quando este não é possível, realiza-se a terapia
imunossupressora, com uso de globulina antitimocítica associada
à ciclosporina e ao análogo da trombopoetina-eltrombopague (o
corticoide também é utilizado para evitar o aparecimento da
doença do soro), causada pelo uso da globulina antitimocítica, a
fim de bloquear a ação citotóxica dos linfócitos T. A resposta é
esperada em quatro a 12 semanas, podendo ser apenas parcial.
Espera-se resposta em aproximadamente 60% dos casos.
A transfusão de hemocomponentes deve ser evitada sempre que
possível, estando indicada somente quando há sintomas (anemia
sintomática, sangramento de mucosas) ou risco de sangramento
(procedimentos invasivos, traumas), pois, se o paciente for
candidato ao transplante de células-tronco, o número de
transfusões estará relacionado à redução na sobrevida. É
interessante que os concentrados de hemácias sejam
submetidos ao filtro de leucócitos, para evitar a aloimunização.
10.3.2 Síndromes mielodisplásicas
As SMDs constituem um grupo de doenças hematológicas
clonais malignas caracterizadas por alterações displásicas das
células da medula óssea, hematopoese ineficaz e citopenias.
Um dos aspectos mais importantes observados nas síndromes
mielodisplásicas é a hematopoese ineficaz. Apesar da
celularidade abundante e do alto turnover celular, a apoptose
intramedular aumenta, em razão da displasia, resultando nas
citopenias encontradas no sangue periférico. Podem acontecer
por mutação genética “de novo” ou em consequência da
exposição a agentes mutagênicos (alquilantes, radiação).
A doença é frequentemente progressiva, com evolução para
leucemia aguda em cerca de 30% dos pacientes. A sobrevida
mediana nos casos de alto risco após o diagnóstico é de cerca de
dois a três anos, sendo a morte secundária a complicações
relacionadas à leucemia aguda ou à falência medular. Embora
possa ocorrer na infância, na maioria das vezes, manifesta-se na
população idosa: apenas 25% têm idade inferior a 65 anos.
10.3.2.1 Quadro clínico e diagnóstico

A SMD é geralmente assintomática e pode manifestar sintomas


relacionados às citopenias, sendo mais comuns as queixas
relacionadas à síndrome anêmica, como fadiga, intolerância ao
exercício, tontura ou déficit de atenção. Raramente, podem
ocorrer fenômenos autoimunes, como manifestações
paraneoplásicas (artrite, pleurite, vasculite, miosite).
Há alteração importante da imunidade, por vários motivos:
neutropenia, disfunção de neutrófilos, linfopenia e
hipogamaglobulinemia. Pode ocorrer hipergamaglobulinemia poli
ou monoclonal.
No exame físico, uma situação em que se encontra
esplenomegalia é na leucemia mielomonocítica crônica — que,
por sua vez, pertence às doenças
mieloproliferativas/mielodisplásicas), podendo apresentar
inclusive hepatomegalia e linfonodomegalia; as demais classes
não apresentam outras alterações ao exame físico além da
palidez cutâneo-mucosa e, a depender da plaquetometria,
petéquias e equimoses.
O diagnóstico é realizado por meio de vários exames. Os
principais são:
▶ Hemograma: podem-se encontrar anemia, geralmente
macrocítica — porém, esta pode ser normocítica ou microcítica —,
e leucopenia à custa de neutropenia e/ou plaquetopenia;
▶ Mielograma: as alterações morfológicas podem afetar um ou
mais séries, com o aparecimento de eritroblastos, granulócitos
com falhas na segmentação nuclear (formas pseudo-Pelger-
Huët), hipogranularidade, megacariócitos com núcleos
hipolobulados e outras aberrações — sendo considerado displasia
quando acima de 10% das células analisadas —, além da presença
de células imaturas (blastos). A coloração para ferro medular
(Perls) é fundamental para a distinção dos sideroblastos “em
anel”;
▶ Imunofenotipagem: importante para quantificar e definir a
etiologia dos blastos;
▶ Biópsia de medula: trata-se do método de escolha para avaliar a
celularidade medular, que geralmente está aumentada, pela
eritropoese ineficaz — medula hipercelular;
▶ Cariótipo: as aberrações cromossômicas são frequentes nas
mielodisplasias e comportam-se como fatores prognósticos
importantes.
10.3.2.2 Tratamento

Pacientes com idade inferior a 60 anos, bom performance status


e Revised International Prognostic Scoring System intermediário
ou alto beneficiam-se de terapias agressivas — quimioterápicos
agressivos e transplante de células-tronco hematopoéticas; os
demais devem receber quimioterapia de baixa intensidade e/ou
tratamento de suporte.
Dentre esses tratamentos de baixa intensidade, pode-se utilizar
os hipometilantes (azacitidina e decitabina) os quais geram
destruição de células doentes (com alto turnover) na medula
óssea, dando espaço para células saudáveis.

Quais são os diagnósticos


diferenciais de um
paciente com
pancitopenia?
Diversas condições são possíveis causadoras de
pancitopenia. Destacam-se as doenças da medula
óssea (leucemias, aplasias), as deficiências vitamínicas
(ácido fólico, vitamina B12) e drogas como o
metotrexato. Importante lembrar também da
pancitopenia secundária a doenças sistêmicas como o
lúpus eritematoso sistêmico.
Universidade Federal de São Paulo
Para o processo seletivo da Unifesp há duas fases. A primeira é
uma prova com 100 questões de múltipla escolha, enquanto a
segunda combina uma prova prática informatizada, com questões
de múltipla escolha baseadas em vídeos, imagens, esquemas e
gráficos, além de uma entrevista com análise de currículo e
arguição do candidato.
Estude com mais cuidado os temas de bioestatística aplicada à
análise de estudos epidemiológicos, estudos epidemiológicos em
si, Sistema Único de Saúde (SUS), Neonatologia, atenção primária
à saúde e Estratégia Saúde da Família, parto, medidas de
frequência, choque, infecções congênitas e análise dos métodos
diagnósticos. Foram esses temas que mais se repetiram nas
últimas avaliações.
Porém, na hora de estudar para a prova é preciso ficar muito
atento aos detalhes. Essa é uma avaliação muito densa, e são
grandes as chances de encontrar questões que exigem um
conhecimento mais específico, casos de exceção e até mesmo
doenças raras.
UNIFESP | 2021
Durante atividade na UBS, você se depara com dois pacientes
com astenia há 2 semanas e anemia grave.
Paciente 1: homem de 19 anos de idade, Hb = 8,4 g/dL (VR: 13,5 a
17,5 g/dL), VCM = 104 gL (VR: 80 a 96 gL), leucócitos = 940 mm3
(VR: 3.000 a 10.000 mm3), neutrófilos = 210 mm3 (VR: 1.800 a
7.800 mm3 56%) e plaquetas 22.000 mm3 (VR: 150.000 a
450.000 mm3).
Paciente 2: homem de 68 anos de idade, Hb = 9,4 g/dL (VR: 13,5 a
17,5 g/dL), VCM = 94 gL (VR: 80 a 96 gL), leucócitos = 220.000
mm3 (VR: 3.000 a 10.000 mm3), neutrófilos = 4.500 mm3 (VR:
1.800 a 7.800 mm3 56%), linfócitos = 215.000 mm3 (VR: 900 a
2.900 mm3) e plaquetas = 62.000 mm3 (VR: 150.000 a 450.000
mm3).
Qual paciente deve ter prioridade no encaminhamento para a
unidade de urgência e por qual motivo?
a) paciente 1, por apresentar anemia mais grave e risco de
descompensação hemodinâmica e sangramentos
b) paciente 2, por apresentar leucocitose intensa, risco de
hiperviscosidade e insuficiência respiratória
c) paciente 2, por apresentar linfocitose intensa e alto risco de
síndrome de lise tumoral espontânea
d) paciente 1, por apresentar pancitopenia com neutropenia
grave, tendo alto risco de neutropenia febril e sangramentos
Gabarito: d
Comentários:
a) Paciente 1 apresenta pancitopenia, com neutropenia grave
(neutrófilo abaixo de 500). Apresenta plaquetopenia importante,
porém sem necessidade de tratamento profilático. De acordo
com as recomendações de tratamento, só há indicação de
tratamento com plaquetas sem sangramento se plaquetas abaixo
de 20.000 em paciente com febre, outra coagulopatia ou uso de
medicações que levem à plaquetopenia. Não há diferença
importante entre a anemia entre os dois pacientes.
b) O paciente 2 cursa realmente com risco de hiperviscosidade,
devido à hiperleucostase. A síndrome de leucostase pode
acontecer quando há mais de 100.000 leucócitos/mm3, às custas
de blastos. A síndrome é provocada pela formação de plugs de
blastos obstruindo a microvasculatura. Pode haver na síndrome
hipoxemia, taquipneia, dispneia. O tratamento da leucostase está
associado ao tratamento da leucemia, esse quadro costuma
ocorrer quando o paciente tem leucemia mieloide aguda.
c) A Síndrome de Lise Tumoral (SLT) espontânea é uma
emergência oncológica em que a maciça destruição de células
tumorais — espontânea ou causada pelo tratamento oncológico
— acarreta liberação no sangue periférico de grande quantidade
de eletrólitos intracelulares e produtos do metabolismo dos
ácidos nucleicos. SLT laboratorial: hiperuricemia superior ou igual
a 8 mg/dL ou aumento de 25% do valor basal; hipocalcemia = 6
mg/dL ou aumento de 25% do valor basal; hiperfosfatemia
superior ou igual a 4,5 mg/dL ou aumento de 25% do valor basal.
Quadro clínico: náuseas, vômitos, astenia; lesão renal aguda;
arritmias secundárias a hipercalemia e hipocalcemia; convulsões
e tetania — secundárias a hipocalcemia; calcificação ectópica;
síndrome da resposta inflamatória sistêmica. O tratamento da
SLT deve ser feito com hidratação vigorosa e alopurinol.
d) O paciente 1 tem pancitopenia com neutropenia e
plaquetopenia graves. O risco de infecção grave começa quando
os neutrófilos ficam abaixo de 1.000 células/microL,
especialmente abaixo de 500. Devemos lembrar que alguns
pacientes neutropênicos podem ter infecções sem desenvolver
febre. Sendo assim, esses pacientes devem ser rastreados para
infecções.

Você também pode gostar