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Comunicar Ciência: Democracia, Cultura e Audiovisual

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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

C741

Comunicar Ciência: Democracia, Cultura e Audiovisual /


Organização Pedro Pinto de Oliveira, Benedito Dielcio
Moreira. – São Paulo: Pimenta Cultural, 2024.

Cadernos Multimundos. Volume 4

Livro em PDF

ISBN 978-65-5939-953-6
DOI 10.31560/pimentacultural/978-65-5939-953-6

1. Audiovisual. 2. Democracia.3. Cultura Científica.


4. Comunicação Pública de Ciência. 5. Negacionismo.
I. Oliveira, Pedro Pinto de (Org.). II. Moreira, Benedito Dielcio
(Org.). III. Título.

CDD: 302.3218

Índice para catálogo sistemático:


I. Comunicação Social - Democracia
II. Cultura Científica
Simone Sales • Bibliotecária • CRB ES-000814/O
Copyright © Pimenta Cultural, alguns direitos reservados.

Copyright do texto © 2024 os autores e as autoras.

Copyright da edição © 2024 Pimenta Cultural.

Esta obra é licenciada por uma Licença Creative Commons:


Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional - (CC BY-NC-ND 4.0).
Os termos desta licença estão disponíveis em:
<https://creativecommons.org/licenses/>.
Direitos para esta edição cedidos à Pimenta Cultural.
O conteúdo publicado não representa a posição oficial da Pimenta Cultural.

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Editora executiva Patricia Bieging
Coordenadora editorial Landressa Rita Schiefelbein
Assistente editorial Júlia Marra Torres
Diretor de criação Raul Inácio Busarello
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Organizadores Pedro Pinto de Oliveira
Benedito Dielcio Moreira

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Instituto Federal de Alagoas, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Universidade do Vale do Itajaí, Brasil
Alaim Souza Neto Bruno Rafael Silva Nogueira Barbosa
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Alessandra Knoll Caio Cesar Portella Santos
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Instituto Municipal de Ensino Superior de São Manuel, Brasil
Alessandra Regina Müller Germani Carla Wanessa do Amaral Caffagni
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
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Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil
Aline Wendpap Nunes de Siqueira Carlos Jordan Lapa Alves
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
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Universidade Federal do Pará, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
André Gobbo Cássio Michel dos Santos Camargo
Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul-Faced, Brasil
Andressa Wiebusch Christiano Martino Otero Avila
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Federal de Pelotas, Brasil
Andreza Regina Lopes da Silva Cláudia Samuel Kessler
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Angela Maria Farah Cristiana Barcelos da Silva.
Universidade de São Paulo, Brasil Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil
Anísio Batista Pereira Cristiane Silva Fontes
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Antonio Edson Alves da Silva Daniela Susana Segre Guertzenstein
Universidade Estadual do Ceará, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Antonio Henrique Coutelo de Moraes Daniele Cristine Rodrigues
Universidade Federal de Rondonópolis, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Arthur Vianna Ferreira Dayse Centurion da Silva
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Anhanguera, Brasil
Dayse Sampaio Lopes Borges Humberto Costa
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Diego Pizarro Igor Alexandre Barcelos Graciano Borges
Instituto Federal de Brasília, Brasil Universidade de Brasília, Brasil
Dorama de Miranda Carvalho Inara Antunes Vieira Willerding
Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Edson da Silva Jaziel Vasconcelos Dorneles
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil Universidade de Coimbra, Portugal
Elena Maria Mallmann Jean Carlos Gonçalves
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Federal do Paraná, Brasil
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
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Universidade do Estado da Bahia, Brasil Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil
Elvira Rodrigues de Santana Jónata Ferreira de Moura
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade São Francisco, Brasil
Éverly Pegoraro Jorge Eschriqui Vieira Pinto
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
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Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Fabrícia Lopes Pinheiro Juliana de Oliveira Vicentini
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Felipe Henrique Monteiro Oliveira Julierme Sebastião Morais Souza
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Fernando Vieira da Cruz Junior César Ferreira de Castro
Universidade Estadual de Campinas, Brasil Universidade de Brasília, Brasil
Gabriella Eldereti Machado Katia Bruginski Mulik
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Germano Ehlert Pollnow Laionel Vieira da Silva
Universidade Federal de Pelotas, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Geymeesson Brito da Silva Leonardo Pinheiro Mozdzenski
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
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Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Handherson Leyltton Costa Damasceno Lucimara Rett
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Metodista de São Paulo, Brasil
Hebert Elias Lobo Sosa Manoel Augusto Polastreli Barbosa
Universidad de Los Andes, Venezuela Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Helciclever Barros da Silva Sales Marcelo Nicomedes dos Reis Silva Filho
Instituto Nacional de Estudos Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
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Hendy Barbosa Santos Universidad Internacional Iberoamericana del Mexico, México
Faculdade de Artes do Paraná, Brasil Marcos Uzel Pereira da Silva
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Maria Aparecida da Silva Santandel Sebastião Silva Soares
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Maria Cristina Giorgi Silmar José Spinardi Franchi
Centro Federal de Educação Tecnológica Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Celso Suckow da Fonseca, Brasil Simone Alves de Carvalho
Maria Edith Maroca de Avelar Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Simoni Urnau Bonfiglio
Marina Bezerra da Silva Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Instituto Federal do Piauí, Brasil Stela Maris Vaucher Farias
Mauricio José de Souza Neto Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Universidade Federal da Bahia, Brasil Tadeu João Ribeiro Baptista
Michele Marcelo Silva Bortolai Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Universidade de São Paulo, Brasil Taiane Aparecida Ribeiro Nepomoceno
Mônica Tavares Orsini Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Taíza da Silva Gama
Nara Oliveira Salles Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Tania Micheline Miorando
Neli Maria Mengalli Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil Tarcísio Vanzin
Patricia Bieging Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil Tascieli Feltrin
Patricia Flavia Mota Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Tayson Ribeiro Teles
Raul Inácio Busarello Universidade Federal do Acre, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Thiago Barbosa Soares
Raymundo Carlos Machado Ferreira Filho Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Thiago Camargo Iwamoto
Roberta Rodrigues Ponciano Universidade Estadual de Goiás, Brasil
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Thiago Medeiros Barros
Robson Teles Gomes Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Universidade Católica de Pernambuco, Brasil Tiago Mendes de Oliveira
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Rodrigo Amancio de Assis Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Vania Ribas Ulbricht
Rodrigo Sarruge Molina Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Wellington Furtado Ramos
Rogério Rauber Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil Wellton da Silva de Fatima
Rosane de Fatima Antunes Obregon Instituto Federal de Alagoas, Brasil
Universidade Federal do Maranhão, Brasil Yan Masetto Nicolai
Samuel André Pompeo Universidade Federal de São Carlos, Brasil
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
PARECERISTAS
E REVISORES(AS) POR PARES
Avaliadores e avaliadoras Ad-Hoc

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Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Federal da Bahia, Brasil
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Francisco Geová Goveia Silva Júnior Weyber Rodrigues de Souza
Universidade Potiguar, Brasil Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil
Indiamaris Pereira William Roslindo Paranhos
Universidade do Vale do Itajaí, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Parecer e revisão por pares

Os textos que compõem esta


obra foram submetidos para
avaliação do Conselho Editorial
da Pimenta Cultural, bem como
revisados por pares, sendo
indicados para a publicação.
AGRADECIMENTOS
Nossos agradecimentos aos conferencistas, autores e tam-
bém às professoras doutoras que participaram do evento como
mediadoras de algumas das conferências: Vera Regina Veiga França,
da Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil) e Ana Catarina
Pereira, da Universidade da Beira Interior (Portugal). Agradecemos,
especialmente, aos coordenadores dos programas de Pós-graduação
da Universidade Federal de Mato Grosso, a Dr.ª Maristela Carneiro,
do Programa em Estudos de Cultura Contemporânea — ECCO, e o
Dr. Bruno Bernardo de Araújo, do Programa de Pós-graduação em
Comunicação — PGCOM. O acervo de conhecimento resultante do
evento está registrado em dois arquivos. O primeiro, à disposição
para consulta da comunidade acadêmica e outros públicos, são as
conferências gravadas em imagem e som, que podem ser acessadas
nas redes sociais dos dois programas de pós-graduação realizado-
res do seminário, PPGCOM e ECCO, ambos da Universidade Federal
de Mato Grosso. O segundo é a produção deste livro, a forma tradi-
cional de comunicação dos achados da ciência.
SUMÁRIO
Apresentação.............................................................................................12

CAPÍTULO 1
Jesús Ramé
Caterina Cucinotta
The creative process
that gathers dispersed matter:
Audiovisual essay and the editing.........................................................................21

CAPÍTULO 2
Pedro Pinto de Oliveira
Benedito Diélcio Moreira
Scientific Audiovisual Essay:
epistemological, methodological and cultural apprehensions...................................39

CAPÍTULO 3
João Massarolo
Dario Mesquita
Fluxos sob demanda
nas plataformas televisivas:
o caso Globoplay................................................................................................56

CAPÍTULO 4
Claudia Magallanes-Blanco
Decolonización, conocimiento
y pueblos originarios:
lo que no se lee también se aprende.....................................................................91
CAPÍTULO 5
João Carlos Correia
Para além do espaço público:
patologias da democracia na sociedade
da vigilância e da datificação............................................................................. 104

CAPÍTULO 6
Daniel H. Cabrera Altieri
Desinformación, “verdad”
y autoritarismo algorítmico................................................................. 125

CAPÍTULO 7
Gil Baptista Ferreira
Instituto Politécnico de Coimbra
Em quem confiar?
Comunicar ciência em tempos de desinformação................................................. 146

CAPÍTULO 8
Bruno Araújo
Da normalização eleitoral
do bolsonarismo à perversidade
presidencial na pandemia:
populismo, media e desinformação no Brasil ...................................................... 170

CAPÍTULO 9
Paula Guimarães Simões
Celebrization of scientists
in the context of the Covid-19 pandemic:
Átila Iamarino in Brazil...................................................................................... 197

CAPÍTULO 10
Maristela Carneiro
Comunicação Científica:
conhecimento, sensibilidades e afetos interdisciplinares....................................... 215
CAPÍTULO 11
Safira Campos
Jornalismo de ciência
e a democratização da cultura científica:
a cobertura do Seminário Internacional
“Comunicar Ciência” pelo PNB Online................................................................. 225

CAPÍTULO 12
Mirian Barreto Lellis
Paula Libos
Multimundos, uma experiência
interdisciplinar e intercultural........................................................... 238

Organizadores........................................................................................ 253

Autores..................................................................................................... 254

Índice remissivo..................................................................................... 258


APRESENTAÇÃO
Este livro é resultado dos debates e conferências ocorridos no
Seminário Internacional Comunicar Ciência, em 2022. Realizado de
modo remoto, o evento reuniu pesquisadoras e pesquisadores do Brasil,
México, Espanha e Portugal. Ele foi movido pela força de uma ideia do
presente emergente: situar a comunicação referenciada de ciência no
contexto contemporâneo da sociedade midiatizada, que vive sob a pro-
pagação intensa do negacionismo e da desinformação. Visto em retros-
pecto, ele resultou em discussões sobre a democracia, o audiovisual e o
papel da ciência no contexto das tensões contemporâneas.

O evento teve a participação de especialistas que estudam a


comunicação de ciência — novas escrituras em imagens e sons; fake
news, negacionismo e outras ameaças à democracia —, especialistas
que estudam figuras públicas e especialistas em tecnologias emergen-
tes. O mérito do evento, em nossa avaliação, foi ter reunido pesquisado-
ras e pesquisadores dedicados aos estudos de diversas temáticas em
um diálogo sobre as conexões possíveis entre suas pesquisas e a comu-
nicação dos seus achados entre os pares e também para a sociedade.

A realização desse seminário envolveu dois programas


de pós-graduação, o ECCO (https://ecco.ufmt.br/), Programa em
Estudos de Cultura Contemporânea, e o PPGCOM (https://ppg-
comufmt.com.br/), Comunicação e Poder, ambos da Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT), além do Grupo de Pesquisa
Multimundos (http://multimundos.org/). O propósito, em acordo
com a temperatura da ideia do nosso tempo, foi debater e refletir
sobre o lugar da ciência, dos cientistas e da comunicação de ciên-
cia no contexto digital, no qual os mundos virtuais, em especial das
redes sociais, são as arenas mais tensas e vitais dos embates coti-
dianos. São espaços públicos onde os confrontos se dão, sobretudo,
com imagens e sons e em que as mentiras se propagam e a informa-
ção circula sem fontes, sem autoria.

SUMÁRIO 12
Na medida em que o pensamento se distancia da tentativa
de buscar a verdade, seja pela ciência, pela fé ou pela vida vivida, no
seu sentido fenomenológico, menos pragmático, no dizer deweyano,
desenvolve-se a crença em uma verdade distante da realidade, pois
perde-se as rédeas e o pensamento se torna cego pela fé, pelo que se
acredita ser verdade e pelo que facilmente trafega pelos caminhos tor-
tuosos e perigosos dos extremismos. O pensamento científico precisa
ser democratizado e ocupar o seu lugar no universo digital contempo-
râneo, onde a comunicação por imagem é uma realidade que se impõe.

A temática interdisciplinar está na interseção entre comuni-


cação, ciência, arte e política em dois movimentos propostos para a
apresentação de pesquisadoras e pesquisadores convidados a tro-
car experiências, rever conceitos e apontar caminhos em duas ins-
tâncias de reflexão: a) as novas formas de comunicar ciência e a
transformação da cultura científica no contexto contemporâneo de
embates negacionistas nas mídias e b) a apreensão teórica e expe-
rimentação prática das escrituras de ciência a partir das imagens
e sons, com a experiência do Ensaio Audiovisual Científico e do
Podcast de Construção Científica.

QUESTÕES QUE MOVEM AS DISCUSSÕES


Assim como foi o Seminário, este livro parte de quatro per-
guntas condutoras para o debate sobre as questões que se apresen-
tam nas duas instâncias de reflexão propostas:

1. A política das instituições de produção de ciência: a trans-


formação da cultura científica passa, também, pela mudança
na validação das novas formas de comunicar ciência. Não
é uma luta do verbal vs. audiovisual, mas um acolhimento
pelos pares da ideia de que podemos e devemos também
“escrever” ciência por imagens e sons. A imagem não é só um
complemento ou um acessório, é autossuficiente enquanto

SUMÁRIO 13
escritura de ciência e se desdobra na possibilidade de tornar
comum, no sentido de compartilhar, o conhecimento produ-
zido na academia. A comunicação de ciência, nos moldes
atuais, em suas formas, e também em suas relações de poder,
ao se desdobrar em imagens e sons, passará a ocupar espa-
ços, muitos deles tomados por inverdades, na opinião apar-
tada do fato e na manipulação de informações. Somando-se
aos textos, a comunicação da ciência por imagens, palavras
e sons permite a inclusão da língua oficial da ciência na
mesma arena onde estão diversos saberes, em uma interlo-
cução tanto com os pares quanto com públicos diversos na
criação e disseminação (comunicação) da ciência.

2. De ordem política fora do âmbito acadêmico: se comunicar


mais e melhor com a opinião pública, considerando esse gesto
como relevante ao papel da ciência e dos cientistas na relação
com a sociedade e com a democracia. Um gesto político no
enfrentamento aos ataques à ciência e ao pensamento refle-
xivo, que está bem longe de ser ingênuo: a potência do utópico
se conforma na ação e na sua aplicabilidade no mundo da vida.
Produzir novas formas de comunicar ciência, como o ensaio
audiovisual científico, por exemplo, referenciadas pelos pares
e que, em desdobramento, estarão também disponíveis ao
público não acadêmico. O enfrentamento ao negacionismo, às
fake news, à desinformação, passa pela produção de conheci-
mento em formatos de acordo com o contexto contemporâneo
da emergência das imagens. Ou seja, temos aí uma discussão
na interseção da comunicação e política;

3. Formulação teórica na apreensão dos fundamentos das


Artes, do Cinema e da Filosofia: para refletir sobre a autossu-
ficiência e a potência da escritura de ciência em audiovisual
e das possibilidades do uso do podcast como instrumento e
parte do processo de pesquisa, além de sua capacidade de
disseminação dos fatos científicos. No âmbito da escritura

SUMÁRIO 14
audiovisual, as questões se relacionam à potência da ima-
gem para a construção do conhecimento e dos caminhos
acadêmicos e estéticos da escritura de ciência pela imagem
e som. A apreensão do ensaio acadêmico também comporta
uma instância relacional da comunicação: a interlocução
entre os sujeitos. O ensaio audiovisual é uma escritura para
os pares e estudantes do campo ao que o conteúdo se refere
e/ou ao campo dos estudos da experimentação da lingua-
gem audiovisual. A abertura para outros públicos se dá pela
própria possibilidade de acesso às plataformas de vídeo no
mundo digital e pela leitura mais acostumada de mensagens
construídas pelo audiovisual.

4. Formulação prática, de ordem metodológica, sobre a


experiência de escrever ciência com o ensaio audiovisual
e das bases dessa escritura: o texto audiovisual é a fusão
da imagem, da palavra e do som. Palavras, imagens e sons
combinam-se, portanto, com o objetivo de mostrar algo,
de significar algo. Partimos da discussão dos princípios
fílmicos de como organizar e como mostrar enquanto eixos
metodológicos aplicados à formatação da linguagem
audiovisual para acolher os conteúdos da ciência. No âmbito
do podcast de construção científica, discutimos a potência
desse instrumento também como parte do processo de
pesquisa; o entendimento ampliado da ideia de linguagem
sonora e o potencial narrativo da estética em áudio aplicado
à experiência dessa forma de comunicação de ciência.

Objetivamos com essa obra1 oferecer ao público, pesquisa-


doras e pesquisadores, estudantes de mestrado e doutorado, discus-
sões e questões contemporâneas sobre as relações entre ciência, arte
e democracia; novas formas de comunicar ciência; os embates com os

1 Foi mantida, nos textos escritos por autores de Portugal, Espanha e México, a forma de apresen-
tação das referências bibliográficas, conforme as normas dos respectivos países. E também foi
mantida a distinção entre a grafia do português do Brasil e de Portugal.

SUMÁRIO 15
ativismos de negacionistas que atacam a cultura científica, os cientis-
tas e a própria ideia do conhecimento como transformação da socie-
dade. A discussão proposta tem duas vertentes: a primeira de ordem
filosófica e política traz reflexões sobre os desafios atuais no âmbito
da cultura científica e a busca novos modos de comunicação entre os
pares e, em desdobramento, com a opinião pública; a segunda estabe-
lece a importância do conhecimento científico para o fortalecimento
da democracia, refém de mentiras e manipulações nas redes sociais.

O propósito de fundo nos textos aqui contidos é tanto o de


valorizar a democracia para o enfrentamento aos aventureiros auto-
cratas e aprendizes de ditadores quanto o de humanizar a ciência na
apreensão deweyana no sentido de mostrar sua utilidade no processo
de direção dos acontecimentos e, principalmente, de evidenciar sua
estreita continuidade com os traços fundamentais da existência e das
experiências humanas, entre as quais se torna particularmente impor-
tante o fenômeno da comunicação. Uma visada que reforça a insis-
tência de que valores e fatos são dificilmente separáveis um do outro.

Organizamos este livro em três momentos ímpares da dis-


cussão empreendida ao longo do seminário. No primeiro momento,
dedicado ao audiovisual, Jesús Ramé, da Universidad Rey Juan
Carlos, de Madrid e Caterina Cucinotta da Universidade Nova de
Lisboa, discutem o processo criativo presente na montagem de
um audiovisual. Para os autores, a montagem de um filme se dá
pela conexão da mente e das mãos, como um exercício de costura.
O costureiro pensa e costura. É o pensar e o agir em uma só ope-
ração, como se as operações do pensamento fossem as tarefas das
mãos ao costurar. O texto discute as aproximações históricas e sociais
estéticas dos modos de fazer uma costura e de montar um filme.

Em seguida, os organizadores deste livro, Pedro Pinto de


Oliveira e Benedito Dielcio Moreira, discutem “o Ensaio Audiovisual
Científico: apreensões epistemológicas, metodológicas e culturais”,
bem como aprofundam a discussão que os autores realizam desde

SUMÁRIO 16
2015 na Universidade Federal de Mato Grosso, no Brasil, sobre a
importância dos cientistas incorporarem o ensaio audiovisual na prá-
tica da comunicação científica entre os pares. Mais ainda, por força da
linguagem audiovisual e da intimidade da população com imagens em
movimento no cinema, na televisão e nas redes sociais, a tese é que o
Ensaio Audiovisual Científico é um alargamento da cultura científica,
ação necessária para a inserção da ciência do dia a dia da população.

O terceiro texto desta primeira parte debate um dos fenôme-


nos mais marcantes no mercado de audiovisual e as perspectivas de
interação com a audiência nas plataformas televisivas, tema discu-
tido por João Massarolo e Dario Mesquita, da Universidade Federal
de São Carlos, no Brasil. Com o título “Fluxos sob demanda nas pla-
taformas televisivas: o caso Globoplay”, os professores Massarolo
e Mesquita argumentam que a experiência de autoprogramação
encontrada na plataforma Globoplay, processo distinto dos modelos
verticalizados das televisões, permite uma interação da programa-
ção com a audiência “que estimula a fruição de conteúdos e o enga-
jamento da audiência de uma forma personalizada”.

O segundo momento do livro reúne textos sobre decoloni-


zação, democracia e desinformação. A discussão sobre a decoloni-
zação é conduzida por Claudia Magallanes Blanco, da Universidad
Iberoamericana Pueba, no México, com o texto “Decolonización,
conocimiento y pueblos originarios. Lo que no se lee también se
aprende”. A autora discute a comunicação enquanto processo deco-
lonizador capaz de enfrentar tanto a colonialidade do poder quanto a
colonialidade do conhecimento, da linguagem, do gênero e das repre-
sentações. Para a autora, todas essas formas de dominação estão
interligadas. Da dominação baseada na ideia de raça, no domínio
do conhecimento ocidental eurocêntrico, da crença na interiorização
dos dominados subjugados à prevalência da racialização linguística.

Na sequência, o professor João Carlos Correia, da Universidade


da Beira Interior, Portugal, coloca em discussão “as patologias da

SUMÁRIO 17
democracia”, em uma “sociedade da vigilância e da datificação”. O autor
discute inicialmente a contribuição teórica de Jürgen Habermas sobre
as mudanças na esfera pública e no entendimento de duas dimen-
sões do espaço público: a política e a cultura. Na sequência discute
a proposta de visão emancipadora de Habermas em “A teoria do Agir
Comunicacional”. Entende Correia que o modelo de Habermas des-
cortina a “colonização do mundo da vida” a partir dos vieses “adminis-
trativos e financeiros”, que tem como meios o dinheiro e o poder.

Com o título “Desinformación, ‘Verdad’ y Autoritarismo”, o


professor Daniel H. Cabrera Altiere, da Universidad de Zaragoza, da
Espanha, traz para o debate as fake news e a desinformação, assim
como a relação dessa prática, manipuladora de ideias e fatos, com
a democracia, principalmente nas redes sociais. No entendimento
do autor, tratam-se de estratégias intencionalmente instituídas para
“provocar uma deterioração da confiança do público a favor de deter-
minadas ideias, de um candidato ou de um grupo político”. Adotado
pelos populistas, esse modelo desorientador das sociedades tor-
nou-se um caminho para estabelecer em um regime democrático
“regras autoritárias de comunicação e gestão”.

Já o professor Gil Baptista Ferreira, do Instituto Politécnico de


Coimbra, de Portugal, toma como exemplo um estudo que realizou
em Portugal sobre a covid-19, após a decretação do primeiro estado
de emergência, com a questão “Em quem confiar? Comunicar ciência
em tempos de desinformação”. A pergunta se justifica diante do qua-
dro negacionista, de mentiras e de manipulação de informações nas
redes sociais, verificado sobre a pandemia. É fato já estudado que
“as plataformas de redes sociais são há muito reconhecidas como
grandes disseminadoras de desinformação sobre saúde”, assim
como estudos sobre a relação entre a utilização das redes sociais, a
desinformação e práticas populistas. O estudo mostra que indivíduos
com ideias mais populistas recorrem às redes sociais para obter e ou
adulterar informações, reduzir a confiança da população em ações
institucionais de prevenção e estão mais sensíveis a aceitar posturas
de anticiência sobre a doença do coronavírus.

SUMÁRIO 18
O professor Bruno Bernardo de Araújo, da Universidade
Federal de Mato Grosso, coordenador do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação e Poder, por sua vez, busca em uma das fábula da
cultura ocidental em que a verdade e a mentira se encontram e no
ensaio “Verdade e Política”, de Hannah Arendt, inspirações para travar
uma discussão sobre como a dissolução dos estatutos de verdade e
mentira nas redes sociais corroboram para a emersão de populistas
autoritários, postura comum aos extremistas de extrema direita.

No terceiro momento do livro, ainda sobre os fenômenos


comunicacionais verificados durante a pandemia de covid-19, porém
com foco na comunicação pública da ciência, a professora Paula
Guimarães Simões, da Universidade Federal de Minas Gerais, discute
a “Celebrização de cientistas no contexto da pandemia de covid-19:
Átila Iamarino no Brasil”. Para a autora, a sociedade contemporânea é
marcada por um processo de criação e ascensão de celebridades na
televisão, no cinema, no desporto, na política e na internet e como,
por conta do evento da covid, nomes de cientistas engrossam os
casos de celebridades. A ciência, então restrita às discussões entre
os pares cientistas e noticiários da imprensa, ganha as redes sociais.
O texto, a partir das atividades de Átila Iamarino, faz uma reflexão
sobre como as forças “do fenômeno de celebrização” atuam para
impulsionar novas formas de comunicar ciência.

A professora Maristela Carneiro, da Universidade Federal


de Mato Grosso, coordenadora do Programa de Pós-graduação
em Estudos de Cultura Contemporânea, destaca em seu texto
“Comunicação Científica: conhecimento, sensibilidades e afe-
tos interdisciplinares” a importância das discussões empreendi-
das no “Seminário Internacional Comunicar Ciência: Democracia,
Comunicação e Audiovisual”, sobretudo porque em uma rotina de
“ganho imediato” pode-se negligenciar “a busca pela compreensão
das complexidades que criamos para nossas vidas coletivas [...]”.
A cultura, nesse processo, assume uma dimensão crucial: ela nos
constrói enquanto a construímos, nos modela enquanto a modelamos.

SUMÁRIO 19
Somos animais sociais e comunicativos e todo enlace e interação
passa pela geração de significados, pela busca por sentido.

Em “Jornalismo de ciência e a democratização da cul-


tura científica: a cobertura do Seminário Internacional ‘Comunicar
Ciência’ pelo PNB Online”, a jornalista Safira Campos, mestre pelo
PPGCOM/UFMT, relata o trabalho jornalístico desenvolvido pelo site
PNB Online na cobertura do Seminário Internacional. O artigo dis-
cute também a importância do noticiário sobre ciência para o fazer
jornalístico, seus “desafios” e também suas “oportunidades”. Para a
autora, promover a cultura científica é democratizar o conhecimento.
Com a expectativa de contribuir para o fortalecimento da cobertura
científica, ela ainda detalha as estratégias comunicativas adotadas
pelo PNB Online para acompanhar e noticiar o seminário.

O Grupo de Pesquisa Multimundos, parceiro na realiza-


ção desse seminário juntamente com os dois programas de Pós-
Graduaçao, o PPGECCO e o PPGCOM, é apresentado neste texto
pelas pesquisadoras Mirian Barreto Lellis e Paula Libos. Com registro
no Diretório de Pesquisa do CNPq, Conselho Nacional de Pesquisa
Científica do Brasil, as autoras mostram a história do grupo de pes-
quisa, o percurso adotado, as parcerias nacionais e internacionais,
bem como as discussões empreendidas em seminários e publica-
ções de livros e artigos.

Boa Leitura.

Pedro Pinto de Oliveira


Universidade federal de Mato Grosso

Benedito Dielcio Moreira


Universidade Federal de Mato Grosso

SUMÁRIO 20
1
Jesús Ramé
Caterina Cucinotta

THE CREATIVE PROCESS


THAT GATHERS
DISPERSED MATTER:
AUDIOVISUAL ESSAY AND THE EDITING

DOI: 10.31560/pimentacultural/978-65-5939-953-6.1
INTRODUCTION TO AUDIOVISUAL
ESSAY AS AN ACADEMIC TOOL
Our text pertains to the genesis of the audio-visual essay, ‘De
la femme’ (Cucinotta and Ramé, 2021): we suggest viewing it prior to
engaging with the text (https://tecmerin.uc3m.es/revista-7-4/).

Film editing has always been an exercise in connecting hands


and thought: like sewing. Jacques Derrida, in Heidegger’s Hand, quoted
the author to represent this relationship between theory and praxis:
Thinking is the real acting [Handeln], if acting means to
help [an die Hand gehen: to go hand in hand with] the
essence of Being (Heidegger, 1976, p. 146-147).

Hence, emerges the notion that thinking is akin to manual


labor or the work of hands, linking reflection with the concepts of
manipulation and craftsmanship. Through this analysis, which
integrates the practices of assembly and sewing, we uncover certain
historical, social, and aesthetic connections inherent in these modes
of operation. Building upon these premises and establishing further
connections between the disciplines stemming from editing and
sewing, as delineated in our prior research, we embarked on creating
an audiovisual essay aimed at elucidating our contemplation on
these practices and their implications for film comprehension.
It is necessary to think about the hand. But one cannot
think it as a thing, an entity, still less as an object. The
hand thinks before it is thought, it is thought, a thought,
the thought (Derrida, 1985, p. 381).

If we were to adopt Derrida’s proposition as our point of


departure, stemming from the correlation between montage and
sewing, we unearth the notion of thinking with hands, wherein the
material (the fabric and the film) is necessitated to be arranged
within a mental framework but structured through craftsmanship.

SUMÁRIO 22
Indeed, numerous aspects of the sewing practice have been transposed
into the language of montage: machine, cut, spool...
From the question of materiality, costume making
materialised as a fundamental knowledge for the passage
to the laboratory, from the cutting and sewing of fashion
workshops to the editing and colouring rooms of film
production companies (Cucinotta, 2022, p. 18).

The objectives of this audiovisual essay are articulated in an


endeavor to translate our reflections into a language conducive to
a clearer comprehension of our analysis. We acknowledge that the
video-essay possesses specific particularities that establish, favor,
and delineate certain materialities which we can utilize to directly
explicate the subject of our research.

Our aim is to demonstrate how we undertake this task,


employing the concept of “thinking with hands” to elaborate on the
creative process of our video-essay, “De la femme.”

We start from a conception of the video-essay as an


audiovisual embodiment that seeks to strike a balance between
academic rigor and creativity, amalgamating these two elements in
a manner that constitutes an epistemological asset to encompass
the modes of relationship elucidated. Drawing from the approaches
outlined in Mínguez (2019), we assert that the audiovisual essay must
adopt a form of cinematic expression, thereby ensuring that the style
reflects the author in a manner inclusive of subjective elements.
Consequently, the creative and the academic realms converge
delicately. Another element we acquired from this reflection is the
use of film fragments, diverse materialities, put in relation to each
other (Bergala, 2007). Without hiding the creative process, we have
highlighted the idea of rehearsal as an attempt and experimentation,
which can make us run the risk of misunderstanding the audiovisual
work. This practice places us in the position of using all the expressive
elements of the audiovisual to focus the discourse: thus, the montage
is not a tool of invisibility, but is shown within the explanation of the
audiovisual discourse itself.

SUMÁRIO 23
The soundtrack and titles serve as epistemological allies,
facilitating a layered expression of messages-anchors that enable us
to position different viewpoints within the audiovisual piece, forming
a coherent articulation of meaning. Engaging the viewer is integral
to our academic intention, showcasing the creative process to be
followed and involving them in a form of metadiscourse where they
assume the role of author in their interpretative endeavor. When
considering Hartmann’s ontology (1956), this process engenders
a concrete necessity, certain possibilities, and an effectiveness, all
outcomes of our audiovisual endeavor. This entails the adoption of
three cinematic anthropomorphizations and the utilization of three
articulated materialities.

We adopt this notion from Lukács, who advocates for


new aesthetic categories in cinema that enable us to grasp
its artistic distinctiveness. On one hand, there’s a process of
de-anthropomorphization stemming from its technological
foundation—the capturing of moving images. On the other hand,
there’s an anthropomorphizing reflex that encompasses aesthetic
mimesis and artistic form. Cinema orchestrates the world in its
staging for recording and subsequently in the editing process. Thus,
there’s an anthropomorphization inherent in the staging process and
a re-anthropomorphization in the editing phase (the shots), which
ultimately shapes the cinematic material observed by the viewer.
Matter, that on which art takes form - for example, the
words with which a writer constructs the story. On the
other side of the mirror that unfolds the category of
Content - Hartmann continues - is the material, that is,
what emerges from the reception of the achieved form -
which, to continue with the example, could be the human
figures and relations that we apprehend in the work in
question (Claramonte, 2016, p. 263).

In the case of our audiovisual essay, the initial material


consists of fragments whose original purpose was not intended for

SUMÁRIO 24
the role they will play in “De la femme.” These fragments constitute
archival material, and even the sound will establish a connection
between the realms of sewing and cinema.

THREE SUBJECTS AND


THREE MATERIALITIES
We will delineate the materialities based on the three modes
of “thinking with hands” that we intend to employ in our audiovisual
project: writing, assembling, and sewing. Consequently, three
expressive-material elements emerge, which we will integrate into
the creative process:

A) Writing serves as a materiality that contextualizes and


prompts problematization within the video-essay.

B) The audiovisual fragment functions as a catalyst for


establishing connections through montage, aligning with the
pedagogical concept of FPR (fragments put in relation) as
proposed by Bergala (2007).

C) The sound component of the creative process acts as


a continuum, echoing the practices of both cinema and
sewing, embodied through the working tools—the camera
and sewing machine.

This leads us into a practice of vertical montage, wherein both


image and sound engage in a layered construction of meanings: the
imagery presented across multiple screens, text displayed on-screen,
oral narration, and interrelated sounds collectively generate diverse
strata of comprehension.

SUMÁRIO 25
The fragments prompt an external anthropomorphization of
the organization of the world: Bodies/Objects/Sounds are juxtaposed,
forming a clash of textures and facilitating a re-anthropomorphization
through textures relation.
The surface is here configured as an architecture: a
partition that can be shared, it is explored as a primary
form of space for the material world. Understood as
the material configuration of the relationship between
subjects and objects, the surface is also seen as a site of
mediation and projection (Bruno, 2014, p. 3).

We begin by showcasing the feminine gesture with the


aim of integrating it into practices that often render it invisible and
undervalue its contribution to the construction of the artistic world.
The feminine gesture is reinterpreted as a style and becomes the
focal point of cinematographic creation.
Since it is the gesture and not the image that is central,
cinema belongs essentially to the order of ethics and politics
(and not simply to that of aesthetics) (Agamben, 2021, p. 65).

Thus, we delve into the concept of montage-thinking,


drawing inspiration from Eisenstein’s notion of attractions (Godard,
2011, p. 180). In this context, gestures contribute to the layering of
expressive elements, facilitating both horizontal and vertical montage.
A clearer understanding of this can be gleaned by examining the
montage timeline figures (see Figure 1) provided below. By altering
a single word in a sentence by Godard, we arrive at our conclusion,
which we have placed at the beginning of the essay in an effort to
elucidate: “Some think, it is said, others act, but the true condition of
the (man) woman is to think with her hands” (Godard, 2011, p. 156).

SUMÁRIO 26
Figure 1 – Screenshot of the creative assembly process

Source: own photography.

Examining the reflected moment of montage in Figure 1, we


observe the combination of archival imagery with text and the animation
of crossing out a word, accompanied by the emergence of voices and
the sounds of creation mechanics. This exemplifies what we term
vertical montage, as these elements arise synchronously. However,
upon closer scrutiny, we discern that this image will soon be juxtaposed
with the appearance and disappearance of others, constituting a
horizontal montage that enriches the collection of attractions.

If we delve into the analysis of the first materiality, which


involves the written word and the crossed-out word, the audiovisual

SUMÁRIO 27
essay commences with an introductory segment that employs a phrase
by Godard (material) and reinterprets it to convey a new significance
(see Figure 2). While it possesses a sequential sense, it serves as
a conclusive segment in itself, prompting a careful examination to
decipher the new message and the gesture of manipulation.

Figure 2 – Images of the visual concept from the audio-visual essay De la femme

Source: own composition of photographs.

Simultaneously, the substitution of “l’homme” with “la femme,”


following the crossing out of “l’homme,” represents a post-production
practice that bestows the essay with its title, elucidating the academic
intentions through a creative gesture: to illuminate the professional
and artistic contributions of women in cinema. This entire introduction
unfolds without sound, aiming to direct the viewer’s attention without
distraction, ensuring that the creators’ intended significance of their
creative gesture is precisely conveyed.

SUMÁRIO 28
A kind of reminder that the sewing of the dresses that
made the figures of the film goddesses - of the films that
also shape thought - stand out, or so often the sewing
of the film on which the final results were printed, was
done by anonymous women. By conventional display or
persistent forgetfulness, the woman is often imagined in
front of a sewing machine, with a hoop in her lap, next to
a basket of wool, with a spinning wheel spinning, cutting,
weaving, knitting, sewing rags, cultivating and decorating
the fabrics of the world (Soares, 2022).

Another instance of material-writing emerges, characterized


by its sequential nature but allowing for more interpretative freedom,
engendering a process-oriented meaning. We are referring to the
utilization of chapters, each named, and their interaction in a dynamic
of change, crossing out, and rewriting.

As depicted in Figure 3, a progression unfolds wherein the


stereotype that typifies women in film is crossed out. Typically,
when we consider the work of women in film, we tend to focus on
actresses; similarly, when costume design comes to mind, we often
envision couture figures, typically male, rather than the artisans who
craft the garments for a film. The actress’s name, Audrey Hepburn,
symbolizes the narrow confines of women’s roles in film, and the act
of crossing it out signifies a rejection of this stereotype. Progressing
from chapter 1 to chapter 3, the transformation is epitomized by the
striking out of Audrey Hepburn’s name. The interpretation of the
significance of the red color used for the crossing out—whether it
signifies violence, sexism, manipulation, objectification of women,
subversion, feminism, or otherwise—is left to the viewer. The red
strikethrough serves as one of the elements that empowers the
viewer-author, allowing the material to be transformed by the very
observer contemplating the work.

SUMÁRIO 29
Figure 3 – Images from NO-DO, a Dviga Vertov movie
in the audio-visual essay De la femme

Source: composition of own photographs.

The epistemological gesture reaches its culmination with the


emergence of the name Elizabeta Svilova after Audrey Hepburn’s
name has been crossed out. We selected Svilova because she
exemplifies a woman filmmaker, notably serving as the editor of “The
Man with the Movie Camera” (Vertov, 1929) and appearing in a pivotal
editing role within the film. The title of the film itself is intriguing and
could aptly be extended to include “...and the woman who edits the
film,” as it could not have come to fruition without Svilova’s creative
involvement. We utilize her name to advocate for her significant
role in cinema and to counterbalance Vertov’s prominence, just as
Svilova’s contributions are marginalized in the title.

SUMÁRIO 30
Figure 4 – Image from Angelopoulos in the audio-visual essay De la femme

Source: own photography.

Within the realm of the second materiality, involving archival


material, our selection of images has been influenced by the pedagogy
of F.P.R. (fragments put in relation) as outlined by Bergala (2007) and
his analysis of creation. Our approach aims to juxtapose fragments
both synchronously across multiple screens and horizontally in
montage. In this context, we deliberately chose images that exemplify
specific discursive typologies we sought to explore.
Someone complex of properties and turn it into such a
typicity of social currency, linked to her own person; thus
appear popular ideals of beauty in Greta Garbo, of the
tragedy of the female condition in Asta Nielsen, of courage
and moral agility in Gérard Philippe, of all-encompassing
humour in Buster Keaton; the role she has in each film
is but an occasion, often only a pretext, to make intuible
such a typicity close to the people (Lukács, 1963, p. 228).

We begin with Audrey Hepburn’s costume tests for “Roman


Holiday” (W. Wyler, 1953), as documented by Art Baker in “The Asked
for It” (1953). Here, we observe gestures of preparation accompanied
by narration, illustrating the significance of clothing within the film.
These images are juxtaposed with scenes from “Roman Holiday”
itself, prompting a dual reflection on the work of costume designers,
notably the esteemed Edith Head. The juxtaposition of costume

SUMÁRIO 31
preparation and its eventual appearance in the film offers insight into
the creative and artistic intentions of this profession.

The initial attraction, aimed at generating a clash of images,


was intended to provoke a dialectic between the gestures of Audrey
Hepburn and those of Elizabeta Svilova in “The Man with the Camera.”
Here, we encounter a woman depicted and a woman concealed —
two pivotal figures in film history. Simultaneously, images from the
film continue to underscore the association of women with textile
production, reinforcing the cliché.

From Angelopoulos’ film, “To vlemma tou Odyssea” (1995), we


selected images depicting the origins of Greek cinema, showcasing
the gestures of weavers from the early 20th century. These filmed
depictions of craftsmanship within the cinematic material resonate
with the practice of creating textures, visually echoing the movements
of Elizabeta Svilova. These juxtapositions provide insight into the
various layers of feminine gestures within the visual narrative.

Figure 5 – Images from the audiovisual essay


De la femme: Hepburn, Svilova, the weavers

Source: own composition of photographs.

SUMÁRIO 32
All these depictions of women’s practices were juxtaposed
with the portrayal of women constructed by NO-DO (Noticiario
Cinematográfico Español), a visual component of dictatorship
propaganda. On one hand, we selected images of women’s groups
and activities that were promoted during the 1940s, including exercises
or tasks aligned with the regime’s ideology, such as sewing. On the
other hand, we included images of working women from the 1970s,
including seamstresses, alongside the portrayal of a “modern woman
of the home” capable of various roles. Additionally, we incorporated
a portrayal of a film star, such as Sofia Loren, and the stereotypical
roles she was often assigned in her films.

Figure 6 – Images used in the audio-visual essay


De la femme: Loren and women under dictatorship

Source: own composition of photographs.

Drawing from the “analysis of creation” (Bergala, 2007,


p. 125), we incorporated a transparency in the creative mechanisms,
leaving behind traces of the process. This approach compels the
viewer to remain attentive to the clashes between simultaneous and

SUMÁRIO 33
correlative images. Consequently, contrasting gestures, redundant
or complementary gestures may emerge. For instance, the gesture
of a seamstress could be juxtaposed with fragments from “Roman
Holiday,” as well as different simultaneous fragments depicting the
moviola editing process or visual rhymes, such as Svilova working at
her sewing machine alongside the same practice reflected in a doll.

Figure 7 – Images used in the audio-visual essay


De la femme: Svilova, Hepburn, hands editing, a doll

Source: own composition of photographs.

In the third materiality, sound, we built upon Marcel Martin’s


differentiation between natural noises and human noises (Martin,
2002, p. 126). Here, natural noises encompass sounds emitted by

SUMÁRIO 34
non-human objects and bodies, including environmental sound
textures. Our focus was on contrasting silence with human noises,
which encompassed both the mechanical sounds of technology and
spoken words perceived as noise. This allowed us to emphasize the
idea of labor that we aimed to highlight. The inclusion of sounds from
technology, such as the sewing machine, moviola, or projector, ver-
tically aligned with the images, suggests the presence of individuals
constructing the world behind what is seen.

We would like to extend our appreciation to Professor Burt


(2018) for his invaluable contribution to our understanding of the
transition from the sewing machine to film technology.

Hence, we opted to incorporate a mechanical-technological


sound that remains indistinct, as the instruments of analogue cinema
(cameras, projectors, moviolas etc.) share similar mechanisms
with the sewing machine. This aesthetic approach serves as an
explanatory advantage, facilitating the understanding, through
sensory perception, of the direct relationship between cinema and
sewing. The evocative power of sound enables us to create a metaphor
for the interplay of different feminine practices explored in the essay.
Sound material is transformed into symbolic material representing
technological evidence that impacted the realm of women’s work.
At this juncture, we recognize that sound, when combined with the
other two materialities, possesses an aesthetic-emotional-narrative
potency that can serve as an epistemological tool.

SUMÁRIO 35
FINAL MATERIALITY:
EXPERIENTIAL TONAL UNITS
AS A CONCLUSION
Lukács highlights the “emotional tonal units” (Lukács, 1963;
129) as the different parts of an artistic work, which put in relation the
totality of the work.
The mimetic-real character of film, its authenticity already
described, has the consequence that each image, each
series of images, primarily radiates a determined and
intense tonal unity; if it does not, it does not even exist
aesthetically (Lukács, 1963, p. 129).

Our audiovisual essay has intended that all materialities be


articulated in a total experiential tonal unity that expresses the fin-
dings of our research.
Cutting, editing, rhythm, speed, etc., are but means of
directing the receiver to move from one mood tonality to
another, within the ultimate tonal unity that characterises
the whole (Lukács, 1963, p. 129).

We aimed to underscore that montage and its practices are


deeply rooted in the traditions of fashion workers. Simultaneously,
we sought to assert the pivotal role of female editors in the history
of cinema, juxtaposing the cinema of trades, often relegated
below the line, against the prevailing portrayal of cinema as an art
dominated by directors and actors. As Villain (1994, p. 59) notes,
“Godard publicly commented on the opposition between male
filming and female editing,” a dichotomy embodied by Vertov in “The
Man with the Camera” as he ventures out to shoot while his wife
remains in the editing room, reminiscent of the working men and the
“housewife” depicted in NO-DO.

SUMÁRIO 36
Thus, we employed dynamic texts gradually modifying a
discourse, aiming to transform the viewer’s perspective on the history
of cinema. However, it’s essential to acknowledge that the montage
of images is guided by chapter numbering and prompts the viewer’s
reflection. Additionally, the multi-screen composition accentuates
certain elements over others, while the accompanying sound,
dominated by mechanical noises over oral expressions, underscores
its importance. Eventually, dialogues dissolve into incomprehensible
noise, highlighting the significance of gestures and sounds.

Repetition serves to immerse viewers more deeply into


the presented images. Male voices fade away, giving prominence
to female gestures—women working in groups or alone, whether
as housewives or actresses, engaged in assembly or sewing, thus
emphasizing their indispensable role in film or fashion creation.

BIBLIOGRAPHY
Agamben, G. (2021). Medios sin fin. Notas sobre la política. Madrid: Adriana Hidalgo Editora.

Bergala, A. (2007) La hipótesis del cine. Barcelona: Laertes.

Bruno, Giuliana (2014). Surface. Matters of aesthetics, materiality and media. Chicago:
Universidad de Chicago.

Burt, R. (2018). Medieval and Early Modern Film and Media. Basingstoke and New York:
Polgrave Macmillan.

Cucinotta. C. (2022). “Pellicola, tessuto e tela: per un’estetica dei materiali tra moda e
cinema”. dObra[s]. Nº 35 | Mayo-Agosto |, 14-29.

Cucinotta, C. & Ramé López, J. (2021) De la femme. Tecmerin. Revista de Ensayos


Audiovisuales, 7, 2021(1). ISSN: 2659-4269. https://tecmerin.uc3m.es/revista-7-4/.

Derrida, J. (1985) “La mano de Heidegger”. (2011-2012) Archivos de Filosofía, Nº 6, 365-410.

Godard J. L. (2011). Historia(s) del cine. Buenos Aires: Caja Negra.

SUMÁRIO 37
Hartmann, Nicolai (1956). Ontología. México: Fondo de Cultura Económica, Vol. I-II-III.

(1986) Estética. México: Fondo de Cultura Económica.

Heidegger, M. (1993). Ciencia y Técnica. Santiago: Editorial Universitaria.

Lukács György (1963). “El film”. 203-238. In (Ed.) Ramé, J. y Claramonte, J. (2019). No lo saben,
pero lo hacen. Textos sobre cine y estética de György Lukács. Madrid: Plaza y Valdés.

(1963). “Sistema de señalización 1’ en el comportamiento artístico”. 87-153. In (Ed.) Ramé,


J. y Claramonte, J. (2019). No lo saben, pero lo hacen. Textos sobre cine y estética de
György Lukács. Madrid: Plaza y Valdés.

Martin, M. (2002). El lenguaje del cine. Barcelona: Gedisa

Mínguez, N. (ed.) (2019). Itinerarios y formas del ensayo audiovisual. Barcelona: Gedisa.

Thompson, E. P. (1991). The Making of the English Working Class.

Villain D. (1994). El montaje. Madrid: Catedra.

FILMOGRAPHY
Angelopoulos, T. (1995). To vlemma tou Odyssea. Grecia-Francia-Italia: Paradis Films y
Greek Film Center.

Baker, Art. (1953). The Asked For It. EE.UU.: ABC.

NO-DO (Noticiario Cinematográfico Español). Cap. 81B (1944), 864B (1944) y 1447 (1970),
España: NO-DO.

Vertov, D. (1929). Chelovek s kinoapparátom. URSS: VUFKU.

Wyler, W. (1953). Roman Holiday. EE.UU: Paramount Picture.

SUMÁRIO 38
2
Pedro Pinto de Oliveira
Benedito Diélcio Moreira

SCIENTIFIC
AUDIOVISUAL ESSAY:
EPISTEMOLOGICAL, METHODOLOGICAL
AND CULTURAL APPREHENSIONS

DOI: 10.31560/pimentacultural/978-65-5939-953-6.2
INTRODUCTION
The present discussion deals with the experience of a science
writing in images and sounds: the Scientific Audiovisual Essay. This is
our proposal for a new way of communicating the findings of science
among peers. We understand, by the unfolding, that the audiovisual
essay has the power to reach broader audiences, beyond the scientific
community, pointing to the democratization of knowledge and mobilizing
young students in the fields of communication, cinema and arts, and
audiovisual professionals, alongside scientists, in the production of
these scriptures. The new scripture explores the audiovisual language to
accommodate the contents of science and presents itself as a game of
sum with the traditional verbal scriptures used by scientists.

We seek to answer why it is important to insert the production


of scientific audiovisual essays into the routine of researchers and
film, communication, journalism and visual arts faculties. The central
argument is epistemological: the practice, research and theoretical
studies of young students who learn to deal with the different traditional
forms of communication must be open to the new, to experimentation,
for example, of languages applied to science content. The audiovisual
essay makes one think that science communication cannot be
understood as something internal to academic teaching, a “thing
for scientists” and only in traditional academic formats. An attentive
pedagogy experiments, explores creativity and reinvents itself.

Our reflection also involves the idea of contributing to the


exchange of knowledge between peers and in the use of audios and
images captured as a method, still considered exclusive scientific
documents of the researcher: it is an unavailable memory, distant
from peers and also from society. If incorporated into a scientific
audiovisual essay, scientific memory becomes an accessible,
friendly format, with cinematographic and audiovisual skills already
recognized. Therefore, we have divided this text into three topics.

SUMÁRIO 40
In the first one, we discuss “The epistemology of the scientific narrative
in image and sound”. Next, we pay attention to the “Methodological
notes of the scientific audiovisual essay”. Finally, we talk about the
“Tensions and paths of the scientific culture in transformation”.

The path presented here aims to discuss epistemological and


methodological proposals as a starting point to advance in this fruitful
and critical debate (Oliveira; Moreira, 2022; Oliveira; Moreira 2019).2
To achieve these purposes, we point out some reflective paths that
are created, expanded and found where they arose: in the tireless
search for knowledge. They are: the essay as writing and the image
as a celebration of life.

The essay as scientific writing is the expression and celebration


of the sensitive in writing and audiovisual. An essay brings the reader
or viewer to the center of the debate: the essay in science and science
with images. A scripture located in the contemporary context of the
mediatized society; a communication of science submitted, like a
verbal text, to the methodological procedures of problematization,
reasoning, objectives, analysis and presentation of findings to peers.

Images as a celebration of life, on the other hand, are loaded


with knowledge, respect and affection. There is no knowledge in
the world that has not arisen from life. Still during pregnancy, when
life emerges in a process of affection, love and attention, when the
auditory system is ready, in the fourth month of pregnancy, the outside
world already maintains connections with the fetus (Wulf, 2007). And
the fetus responds by creating memories. It is the event of life. The
technical image of the baby, generated by ultrasound equipment, is
the first external contact of family members with that life about to
sprout, open its petals and fill the world with hope.

2 Our interest in scientific audiovisual essays began in 2015, when we produced essays on the
results of extension and research projects, audiovisual works for the completion of courses of
students of Social Communication at UFMT and of the Master’s Degree with the Postgraduate
Program in Contemporary Culture Studies, also at UFMT.

SUMÁRIO 41
A child nestled between the arms is an image that makes one
think and dream. This is the concreteness of life, in everyday life, in the
arenas where life happens, where people and institutions communicate,
where relating texts to contexts requires a great deal of faith and
trust. “Faith and trust play a much more important role in everyday
life than other spheres of life” (Heller, 2000, p. 33). The absence of
methods and results achieved by science in the world of life3 not only
elicitates scientific activity and glorifies scientists but also denies the
population a repository of words, sounds and images that would serve
as counterwords4 to face deniers and manipulators of information.

Faith and trust also take place in abstract systems, such as


the idea of democracy, or in extremist virtual bubbles whose digitally-
created and manipulated characters assume human features and
resort to the appropriation of the idea of faith and trust to validate
unacknowledged interests. This is the essence of a communicated
democracy: without counterpoints and without counterwords
communication can serve the corruptor, the dictator, and make the
critical attitude towards life unfeasible. Communication in democracy
needs to be free, ethical and responsible.

Online or offline cultural practices entangle the fabric of life, as


Geertz (1989) said about the webs we create with the relationships we
establish, and in the manner of Giddens (2002, p. 11), they lead to the “leap of
faith that practical involvement demands”. In fact, not before an evaluation,
an intentionality. The understanding occurs in the replicas we have, a
possibility that expands as our repertoire of counterwords becomes
broader. If words appear in dialogues, in communication practices, the
counterword belongs to the “uniqueness of each subject” (Geraldi, 2002).
It is in the understanding that each one can undertake.

3 We think here about the world of life in the manner of Alfred Schütz (1998) and Alfred Schütz and
Thomaz Luckmann (1977).
4 For Mikhail Bakhtin (2004), counterword is the opposition “to the speaker’s word”. It is the originator
of understanding: “To each word of the utterance that we are in the process of understanding, we
correspond a series of our words, forming a reply. The more numerous and substantial they are, the
deeper and more real is our understanding” (Bakhtin, 2004, p. 132).

SUMÁRIO 42
Scientific, philosophical and popular knowledge agree that
everyday life requires trust, which in turn is a fragile commodity
that always and increasingly needs its own trust to strengthen itself
(Gambeta, 2000; Dasgupta, 2000). Which means that to be reliable
and anchor the confidence acquired, scientific knowledge, instead of
being absent from the world of life, needs to intensify its presence to
sustain itself on a daily basis.

There is no scientific knowledge that has not originated from


life, and to it, it must return (Fleck, 2010). For Luhmann (2000), it is
through trust that risky situations are faced. It is like taking a child
to be vaccinated believing that the vaccine will immunize them
against a type of disease, or not taking them because you believe
that the vaccine will weaken them. It follows in life, whatever the state
of belief and confidence, believing that people will act as imagined
or predicted. In the fertile world of lying and manipulated everyday
images, science’s image offerings act as “counter-images” in the
service of understanding and singularities.

EPISTEMOLOGY OF SCIENTIFIC
NARRATIVE IN IMAGE AND SOUND
The scientific audiovisual essay inserts itself in the context
of multimodal communication.5 Multimodality includes, for example,
the creation of arts-based research, and intermediality in different

5 Multimodality is a term that encompasses the different experiences in research, practices and
disciplines. Conceptual inspiration does not explicitly focus on academic communication, but
situates in it the relationship between art and science. Multimodality in communication is the
study and practice of innovative and affective ways of producing knowledge, for example, from
images and sounds, which go beyond the primacy of words as the only legitimate vehicle. (IAMCR
Multimodal Academic Communication Task Force in a presentation made on July 11th, 2023 at the
IAMCR congress in Lyon, France).

SUMÁRIO 43
disciplines. Nico Carpentier (2023),6 in conversations with the
members of the IAMCR Multimodal Academic Communication Task
Force,7 emphasizes, in this epistemological view, that multimodality
is particularly present in the field of composition (situated in the
broader field of writing studies). The conceptual inspiration for this
approach comes from multimodal theory, which, of course, does
not explicitly focus on academic communication, he points out.
Carpentier (2023) shares the idea that academic communication
has never been, and cannot be, restricted to written texts, but at the
same time, the approach of multimodal academic communication
still suggests explaining the importance of other forms of writing
beyond verbal texts, such as images and sounds, applied to academic
communication between peers and with society. The multimodality
of these new scriptures expands the position of the academic subject
beyond the academic writer.

In our epistemological apprehension of the writing of the


scientific audiovisual essay, we start from philosophy. The value
of knowledge is not intrinsic to just one image, as the philosopher
Georges Didi-Huberman (2004) points out, nor does imagination
consist of passive involution in a single image. On the contrary, it is a
matter of setting the multiple in motion, of not isolating anything, of
making gaps, analogies, indeterminations and over-determinations
in the work. From another philosopher, we situate audiovisual
aesthetics in this epistemological approach. Galvano Della Volpe
(1967) postulates that the filmic image is constituted by determined
form and ideas that underlie its communication. A reflection on the
origin of the nature and essence of cognitive action, of the act of
knowing, of knowledge by images.

The power of expression and communication of the


audiovisual image is conferred at the moment in which it becomes a

6 President of the International Association for Media and Communication Research-IAMCR


7 IAMCR — International Association for Media and Communication Research. Available at: https://iamcr.org/.

SUMÁRIO 44
form, due to its symbolic character. This power of conversion is given,
contextually, in and by the culture, and in the creative process of the
director. The audiovisual discourse is structured in the combination
of the significant elements of audiovisual writing, among which is the
image itself with the different movements and planes captured by
the camera. Plane and movement constitute the form of the image/
camera signifier element. Distinct and determined forms in their
pluralities and in accordance with the proposed contents, triggering
rhythmic, emotional and intellectual dimensions in connection.
The form, for communication to be effective, is consolidated
by empirical or “full” ideas, embodied in a plurality
of determined and distinct forms. This full character
authorizes the remission of the idea put into form to a
sensitive or experienced content. The idea of something.
Given that form is in the principle of expression, that forms
are the intermediary that particularizes this expression
and that content is its reference, there is a reciprocal
functionality of form and content, at the end of the day
unified (Della Volpe, 1967).

In this conceptual procedure, we take one among the different


general notions about the audiovisual essay in the approach to the idea
of the form of the writing of scientific contents. The audiovisual essay
is a fusion of verbal, image and sound, and not a simple juxtaposition
of semantic layers. This fusion establishes the form of writing that
mixes, in the essay, several modes and figures that often escape the
categorization of the genre, perhaps because it is best thought of as
a way of communication. The audiovisual essay should not yet be
seen as a unique and independent form, nor as a traditional writing,
but as a mixture of different audiovisual genres, without affecting (we
include here the scientific character) its content (Grant, 2016).

Another conceptual relation we make is the approximation


between the symbolic systems of science and art, in this case
starting from cinema and audiovisual. The philosopher John Dewey,
as Rosa Calcaterra (2015) points out, tells us that distinctions

SUMÁRIO 45
are only formally capable modes of organizing and developing
primary experience, that is, the indistinct totality of images and
qualities concretely experienced at the most immediate levels of our
encounter with things.
Scientific activity consists of exercising a constructive
action that predicts the formation and use of relations
that are abstracted from the concrete of experiences
and that, precisely for this reason, can be used in always
different contexts. Artistic activity, on the contrary, shows
greater adherence to the concreteness of feeling, to the
continuum of its multiple contents, a greater adherence
that manifests itself in the search for an emphasis and an
improvement of that sense of wholeness that characterizes
all our effective experience. (Calcaterra, 2015, p. 118)

Art and science express two different attitudes towards a


single experience, says Calcaterra (2015). The point of approximation
between the symbolic systems of science and art in the aesthetic
experience represents, in Dewyean’s apprehension, the moment
in which the interactions between individual and nature, past
and present, the results of human intelligence and the values of
the community of which the person is a part of, are manifested in
all their richness.

In the writing of the scientific audiovisual essay, the aesthetic


force of art is linked to the construction of narratives in sequence of
images and sounds and the contents of science. Art and science are,
in this sense, the sum of procedures in connection, in and through
communication, of the writing process of the audiovisual essay.
Following Shklovsky’s line of thinking here, the separation between
form and content is meaningless. Communication implies precisely
the apprehension of the relation between form and content, without
disjunctions. In the scientific audiovisual essay, consisting of art
form and scientific content, we develop the aesthetic dimension of
instrumental and final communication.

SUMÁRIO 46
In the end, in this epistemological topic of the communication
of the findings of the sciences, between peers, through the audiovisual
essay, we highlight other accessory aspects of this discussion:

1. The scientific audiovisual essay is a means and an end,


in the own construction of knowledge by image; by the
creation and imagination inherent in the editing process;
in the experimentation of audiovisual language and in
the combination, in the different contexts of its signifying
elements: camera, sound, lighting, editing and mise en scène.
Such elements are arranged both by the director of a work
of art and by the scientist who wrote the essay, mere formal
choices applied to the respective distinct contents.

2. It is not possible to neglect the social context of art (and,


we add, science), according to Marc Jimenez (2021), when
quoting the philosopher Richard Shusterman, who defends
a pragmatist aesthetic close to everyday life. Art and science
are not separated from society. The beauty of the sensitive
and the knowledge of scientific facts and values must be part
of the world of life. Both need to return to individuals.

METHODOLOGICAL
NOTES OF THE SCIENTIFIC
AUDIOVISUAL ESSAY
A narrative in sequence of images forms the basis of audiovisual
writing. In the junction of form and content of the communication,
the proposed methodology of the scientific audiovisual essay relates
the general and the singular. The general is the investigation of
activities, the set of procedures for writing in operations carried out

SUMÁRIO 47
with the objective of determining relationships and undertaking the
construction of particular knowledge about a given object.

The creative method of writing the scientific audiovisual


essay does not follow just one, nor a generalizing, pattern, nor is
it given a priori, in Adorno’s conception. It must be thought of by
the singular character, in accordance with each case, with each
possibility of apprehending filmic materialities and the plasticity of
words transformed into images and sounds. And, specifically, in the
process of adapting the extrafilm — the verbal article —, it allows us
to imagine the audiovisual version in advance.

In the methodology of the audiovisual essay, creative power


is “between” art and science, fine lines that intersect in the writing of
this new way of communicating the findings of science among peers.
We take the scientific poetics applied to the significant elements of
the audiovisual, seeking to capture the essence of the existence
of the facts of science; the foundation of the object in accordance
with the theoretical view and the practical experience accepted by
the academic community in the field of knowledge; the personal
position of the researcher in the face of the facts in question, in the
reflections on values in the proper way of the essay, from which the
author’s view emerges.

The image can be taken among the circulating images


or can be created from the empiricism and/or concepts of the
research. Images embodied, by the Della Volpian idea, in a plurality
of determined and distinct forms. It is the author who establishes the
relationship between significant forms and meanings that operate
both as means to situate the experience and as ends of a common
and shared purpose in and by the academic community of which the
researcher is a part of.

In the process of creating the essay, we took two filmic


principles; “how to tell” and “how to show”. The first is part of the

SUMÁRIO 48
organization and selection of the facts of science to be communicated
to peers by the mode of the essay. The second deals with the
imagination and creation of the image in communicating symbols.
One can write an “original” script, that is, the researcher can write
directly for the audiovisual production, or one can follow the line of
the “adaptation”, or writing the script from an article or book chapter.
In this case, the verbal text is the extra-film base incorporated into
the assembly process.

The experience of audiovisual editing, script-realization-


editing phases, involves the operation of creating and transforming
the word and thought in the plasticity of images that give meaning
to the scientific discourse, either in an original or in an adapted
script. Knowledge is montage and image as communication in its
relations of form and content. This is the principle of audiovisual
writing from the verbal.

The audiovisual essay stresses and explores the relationship


between tradition and innovation. It is a scripture that we seek to
situate in the emergence of the contemporary context of innovations,
specifically at the intersection between communication and science.
They are interventions in the use of intermediaries between tradition
and innovation: adaptations of several audiovisual genres and
discursive structures into something “new”. The new and varied forms
of audiovisual writing are in fact the product of this whole process;
a constant process of creation through experimentation and mixing
of genres and previously constituted formats. And, in turn, they are
driven by a determination to establish new ways of communicating
the facts of science with peers: new spaces of thought and
new forms of dialogue.

The “technical manipulation” (expression related to the


process of cinematographic or audiovisual writing) is a part of the
writing method, it is a part of the nature of the technological basis of
the audiovisual and of the relations of signifiers and meanings in the

SUMÁRIO 49
construction of the narrative in a sequence of images. A narrative, in
the case of the essay, that marks the creative force of being “between”
art and science, marks, in unfolding, the authorship of the essay. The
genre of the essay also opens the examination of authorship as a tax
of the proposed target.

The process of adapting the verbal text to a filmic text is


a traditional procedure of film production, which gains its own
apprehension in the new writing of science communication:
We summarize and reiterate here our proposal for a
“new” methodology applied to the adaptation of the
verbal article in audiovisual essay: The verbal article
as an extrafilmic element for analysis in the adaptation
process, case by case, in what brings visual materialities,
mental images, and essence of the scientific information
that must be explored and preserved in the script; The
understanding of the mixture of the descriptive mode with
the poetic force of the audiovisual in the understanding
of the author’s point of view, of his opinion endorsed by
the scientific facts that he presents and discusses; The
specific adaptation of the citations of authors/works that
the author of the verbal article uses, mark of a scientific text
of various fields of study. (Oliveira; Moreira, 2022, p. 447)

TENSIONS AND PATHS


OF THE CHANGING
SCIENTIFIC CULTURE
In August 2006, Spanish sociologist Manuel Castells (2006)
published in the newspaper Le Monde Diplomatique8 a discussion
that is current in the heated clashes in traditional media and social

8 Available at: https://diplomatique.org.br/a-era-da-intercomunicacao/.

SUMÁRIO 50
networks, mainly provoked by groups opposed to science and
democracy. These are communication movements on a global scale
via the internet, which is, at least until now, incapable of any regulation.
As a free and at the same time mined field, we are all subject to
quality information such as true events, but also to manipulated, lying
and created facts. In fact, the Russian philosopher Alexandre Koyré
(2019) wrote in 1943: “never has there been so much lying as in our
days. [...] Nor have there ever been such dishonest, systematic and
constant lies”. What would Koyré say today about the avalanche of
lies on social media?

In his publication, Castells (2006) called the intercommunication


between individuals that was beginning to take shape in the 2000s as
Mass Self-Communication. The digital universe has indeed become
a conversation between individuals, where everyone and everything
is discussed. These kinds of discussions were previously restricted
to conversations between friends, family and co-workers. To support
his thesis, Castells (2006) discusses the pillars present in the history
of communication. First, he recognizes that social communication is
a driving instrument of the “dominant powers”. On the other hand, he
admits that if there is something guiding public thinking, it is because
it is present in the media, or, today, mainly in social networks.

Communication, in its different modes, especially audiovisual


communication, defines events in the daily life of social networks.
However, what attributes meanings to informational phenomena in
events, whether real, manipulated or invented, is the action of the
subject on what is given as happened (Alsina, 1989). If formerly it was
up to the journalist to turn a given fact into an event, today events
multiply without having any reference to its validity. Moreover, as
Alsina (1989) pointed out, success is the “paradigm” of an event.
Hence, influencers are born. They survive on the success achieved
with the audience, and this, in turn, leads to monetization paid by the
companies that manage social networks.

SUMÁRIO 51
Inserting the scientific audiovisual essay in this field is also a
contemporary challenge of doing science. Vogt (2006, p. 24) calls the
“deficit of information and scientific culture” the small presence of
scientific events in an arena occupied by celebrities and all kinds of
information. On the other hand, the model of scientific dissemination,
supported for decades by science institutions and the media, calls,
in view of the urgency of the contemporary, for more interactive
forms of communication that are close to the population. The central
issue of the insertion of science in the lives of the population is no
longer a problem of dissemination. For Lévi-Leblond (2006, p. 33),
the challenge lies in the “(re) insertion of science into culture, and this
requires a deep change in the very way of doing science”.

Lévi-Leblond’s (2006, p. 43) proposal is broader. It is the very


raison d’être of science, that is, it is centered on the idea that society
needs and must understand science more broadly, not only its results,
but the understanding “of the very nature of scientific activity”. And
it is precisely in this reflective point that our argument resides: the
scientific audiovisual essay adjusts to different audiences. First, it
is a communication to peers, in which the researcher presents the
findings of his research and situates his opinion in the face of the
facts of science in his respective field of knowledge, referencing
the production of communicated knowledge. Second, it provides
the population with both results and the methods adopted, in an
audiovisual language very close to the population.

We understand that innovation and the expansion of scientific


culture require the combination of traditional forms of scientific
texts with innovative forms that enhance scientific culture itself.
“Challenging hegemonic conceptions about legitimate modes of
investigation, analysis and academic representation”, is how Professor
Nico Carpentier (2023) pointed out, at the meetings of the Academic
Multimodal Communication Task Force, created by IAMCR, that we
should think about these alternatives of writing with the academic
community and their reflections for society as a whole.

SUMÁRIO 52
The scientific audiovisual essay is one of the modalities
proposed by us in this context of innovation in scientific culture. It
can reach audiences beyond peers due to the audiovisual language
that dominates the context of the current mediatized society. That
is, it has conditions of communicability inside and outside the
scientific community.

Science and scientists must occupy the contemporary digital


space with the production of referenced audiovisual material shared
on any technological platform. Authorial scientific communication
in audiovisual is one of the ways of confronting denialism and
disinformation. It is also a commitment to the democratization
of knowledge.

In the institutional field, confronting hegemonic conceptions


is a clash of power. Scientific communications in audiovisual need
to have the same score as traditional verbal texts, and research
projects need to raise funds for the communication of their findings
also in audiovisual form. The first prescription is to stimulate the
researcher to communicate in the audiovisual format with his or
her peers. The second prescription is the necessary condition of
a writing that involves technological apparatus and specialized
personnel, as it will also open job opportunities for young students
and video professionals.

The scientific audiovisual essay is a self-sufficient scripture


for the communication of any field of knowledge, from the human and
social sciences to the hard sciences (Oliveira, 2021). In this process,
thought materializes in the montage, in the images taken as symbols
of an audiovisual communication of the facts of science. Multimodal
knowledge production is referenced by peers and, and its unfolding
strengthens democracy through communication and culture.

SUMÁRIO 53
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SUMÁRIO 55
3 João Massarolo
Dario Mesquita

FLUXOS SOB DEMANDA


NAS PLATAFORMAS
TELEVISIVAS:
O CASO GLOBOPLAY

DOI: 10.31560/pimentacultural/978-65-5939-953-6.3
INTRODUÇÃO
Nos primórdios da televisão, a transmissão do sinal se res-
tringia aos grandes centros urbanos e as interações entre os teles-
pectadores eram feitas no ambiente familiar — ou na conversa junto
ao bebedouro com colegas de trabalho (Johnson, 2005). A visualiza-
ção era restrita aos espaços fechados como a sala de estar e a expe-
riência de “estar juntos” tinha uma série de significados históricos,
políticos e sociais. Com a evolução da tecnologia televisiva, a pro-
dução dos programas se tornou mais ágil e dinâmica, possibilitando
o desenvolvimento de narrativas envolventes e a consolidação de
uma grade de programação — sustentada pela gratuidade dos pro-
gramas. Esse modelo de negócio da televisão comercial, vinculado
à publicidade, determinou as ações de planejamento estratégico da
indústria televisiva nos seus mais de 50 anos de existência.

Atualmente, as plataformas9 de VOD se tornaram um ponto


de referência das novas formas de distribuição do audiovisual e de
autoprogramação10 do conteúdo, alterando o modo como as empre-
sas midiáticas operam seus negócios e os consumidores processam

9 No artigo Consumo transmídias de conteúdos televisivos: explorações em torno de uma agenda de


investigação, a pesquisadora Yvana C. Fechine (2016, p. 2), define plataforma como “a articulação
de uma mídia com uma determinada tecnologia. Nesta perspectiva, é possível identificarmos dis-
tintas plataformas de distribuição de conteúdos em um mesmo meio, como ocorre, por exemplo,
na tevê e na internet”. Na definição de Christy Dena (2009, p. 56), plataformas são um conjunto
de serviços, “especificamente a comunicação que ocorre através de múltiplos meios de distribui-
ção, canais de mídia ou meios de transmissão”. Em entrevista para a jornalista Lucia Moses (2014,
s/p.), o executivo Sanches, define plataforma como um aparato técnico conectado ao ambiente
da cultura participativa: “plataforma é um conjunto de ferramentas que garante a consistência
do trabalho criativo envolvido no dia a dia dos nossos editores e a forma como nossos leitores
experimentam o conteúdo”.
10 Conforme dicionário ITV on-line (2023) sobre terminologias aplicadas à televisão digital interativa,
a autoprogramação capacita os telespectadores a determinar a programação de TV que eles as-
sistem, bem como, onde e quando o assistem. (Assim, eles criam seu próprio horário de exibição).
A autoprogramação é o oposto da TV baseada em compromisso. Isso inclui o vídeo sob demanda,
o horário de verão e a TV móvel.

SUMÁRIO 57
a informação. Há, com isso, a emergência da cultura sob demanda,
na qual o público molda a sua própria programação, independente
da grade, e acessa conteúdos por diferentes telas (Tryon, 2014). No
Brasil, em função dos arranjos produtivos no campo do audiovisual,
a TV aberta vem perdendo audiência a cada ano, segundo pesqui-
sas do Kantar Ibope (2023), mas apesar disso ela ainda é relevante
nacionalmente, liderando o consumo de conteúdo por aparelhos
televisivos; em 2022, segundo pesquisa do Katar Ibope (2023) sobre
o consumo domiciliar de conteúdo audiovisual, 32,7% dos brasileiros
consumiram programas exclusivamente pela TV linear, 12,9% apenas
pelo VOD, e 19,6% por ambas as janelas. Na dimensão econômica,
uma pesquisa da Ancine (2022), a Agência Nacional do Cinema,
divulgada em 202211, abrangendo os anos entre 2007 e 2019, mostra
queda na participação das atividades econômicas da TV aberta no
setor audiovisual brasileiro de 63,7% para 30,42%.

Em relação à TV Paga, no Brasil houve um leve crescimento


de sua participação econômica no setor do audiovisual entre os anos
de 2007 e 2018, passando de 24,3% para 32,5% (Ancine, 2020). Por
outro lado, provedores de conteúdo audiovisual pela internet, a exem-
plo de plataformas de VOD, cresceram economicamente de 0% para
20,9% no mesmo período. Em 2020, segundo o Kantar Ibope (2023),
em relação a audiência por aparelho de televisão o streaming deteve
14,6% contra 14,1% da TV paga. É válido destacar também que no
último ano a Netflix alcançou a marca de 15 milhões de assinantes no
Brasil, enquanto o Globoplay obteve 20 milhões, estabelecendo-se
como a principal plataforma de VOD nacionalmente (Souza, 2020).

Geralmente, essas pesquisas são usadas para indicar que


a televisão tradicional vem perdendo público para outros serviços
de entrega audiovisual pela internet, como o VOD. Entretanto, a TV
aberta ainda é a principal mídia em captação de investimentos em

11 Disponível em: https://www.gov.br/ancine/pt-br/oca/publicacoes/arquivos.pdf/valor_adicionado


_2019_25-01-2022.pdf. Acesso em: 22 mai. 2023.

SUMÁRIO 58
publicidade no Brasil. Segundo dados do CENP-Meios (Conselho
Executivo das Normas-Padrões), a TV aberta deteve 52,8% das verbas
publicitárias em 2019, seguido pela internet com 21,2%12. Isso demons-
tra que a TV aberta por radiodifusão ainda é capaz de agregar valor
como espaço de divulgação comercial e de extenso alcance territorial.

Para Brennan (2016), os serviços de vídeo sob demanda não


criam movimentos de migração do público televisivo, mas promo-
vem a convergência de audiências para a grade de programação.
Para o autor, a internet transformou a televisão em uma mídia conec-
tada, capaz de adaptar-se às mudanças no ecossistema midiático e
de ocupar um espaço social privilegiado, que se expande para além
do ambiente doméstico e ganha mobilidade, alcançando audiências
remotas e pontuais, com maior conectividade social. Para Brennan
(2016, p. 68), a experiência da televisão conectada demonstra que
“há uma percepção crescente de que, para boa parte dos telespec-
tadores e na maioria das vezes, as grades de programação não são
uma prisão, mas proporcionam uma experiência de curadoria”.

Nesse sentido, uma estratégia multiplataforma adotada


pelas emissoras televisivas consiste em projetar a sua grade de
programação por meio dos serviços de vídeo sob demanda em
diferentes telas (Smart TVs, computadores e dispositivos móveis,
entre outros), buscando atingir e fidelizar públicos segmentados.
Holt e Sanson (2014, p. 1) denominam essa estratégia como visu-
alização conectada, uma “tendência maior nas indústrias de mídia
para integrar tecnologia digital e comunicação social em rede com
práticas de mídia de tela tradicionais”.

As ações combinadas permitem uma maior abrangência dos


produtos ofertados na plataforma e, em contrapartida, uma maior
quantidade dos conteúdos da grade de programação se transforma

12 Os dados de janeiro a dezembro de 2020 não foram consolidados até o fechamento deste artigo.
Para mais informações sobre a pesquisa de 2019, conferir: https://cenp.com.br/cenp-meios?id=14.
Acesso em: 18 jan. 2021.

SUMÁRIO 59
num fluxo sob demanda, a partir de uma ampla disponibilidade asso-
ciada a recursos computacionais de curadoria. Desse modo, a televi-
são se beneficia da internet não só pelas novas formas de distribui-
ção, mas também pelo modo como as emissoras, os anunciantes e
os próprios telespectadores visualizam os conteúdos nas redes em
diferentes níveis (narrativos, econômicos, participativos).

Neste trabalho, busca-se discutir um modelo em formação de


plataforma televisiva que denominamos como “fluxo sob demanda”,
a partir de um estudo do Globoplay, com base nos caminhos meto-
dológicos apresentados em Televisão: tecnologia e forma cultural, de
Raymond Williams (2016), no qual o autor analisa o fluxo da grade
de programação da televisão convencional. Observa-se que, nesse
modelo em formação, as audiências, assim como agrupamentos
sociais, são marcadas pela mobilidade e pelo fluxo de informações e
não podem serem vistas como entidades fixas, mas sim como redes,
com seus fluxos, circulações, alianças e movimentos (Latour, 2012).

Para a fundamentação do estudo, usa-se também o aporte


teórico-metodológico da convergência midiática (Holt; Sanson,
2014; Jenner, 2015; Moses, 2014), referências para o entendimento
da noção de binge-watching13 no contexto do consumo de vídeo
sob demanda (Matrix, 2014; Van Ede, 2015), além de pesquisado-
res das plataformas transmídia (Jenkins, 2009; Dena, 2009), um
campo de estudos incipiente no país. Ao final, é feita uma análise
da série Supermax (Globo, 2016) e as estratégias de seu lançamento
na grande televisiva e no Globoplay. A série foi selecionada por ser
uma obra pioneira em disponibilizar os primeiros episódios de forma
exclusiva na plataforma VOD.

13 Prática de assistir por horas seguidas conteúdos audiovisuais, especialmente um mesmo pro-
grama televisivo, como séries (Matrix, 2014). No país, tornou-se comum se referir a essa prática
como “maratonar”.

SUMÁRIO 60
DO FLUXO TELEVISIVO PARA
A GRADE DE PROGRAMAÇÃO
Desde seu estabelecimento como mídia, a televisão é forte-
mente caracterizada pelo seu fluxo contínuo de conteúdos organiza-
dos dentro de uma grade de programação, formatada em unidades de
tempo que determinam a duração de programas e intervalos comer-
ciais. Segundo Williams (2016), esse fluxo é a experiência ininterrupta
do telespectador que assiste à programação televisiva — planejada
para reter a sua atenção especialmente nos momentos iniciais de um
programa, com a promessa reiterada “que coisas excitantes estão
por vir, se permanecermos assistindo” (Williams, 2016, p. 104).

Para tanto, é requerido que a grade tenha alguma coesão


nos seus conteúdos e dê ritmo à experiência televisiva, com a com-
binação entre elementos de obras ficcionais, vinhetas, comerciais,
chamadas para os programas, dentre outros. Williams (2016, p. 100)
observa que a programação exibida na televisão não é composta
simplesmente por unidades separadas, postas em sequência e inter-
caladas com inserções comerciais, mas um “fluxo planejado, em que
a verdadeira série não é a sequência publicada de programas, mas
essa sequência transformada pela inclusão de outro tipo de sequ-
ência, de modo que essas sequências compõem o fluxo real, a real
“radiodifusão”. Acrescenta-se que tal fluxo não se restringe apenas a
grade de uma emissora, mas é construído na experiência de visuali-
zar vários canais de televisão.

Mesmo no ato de zapping entre emissoras, o público segue


um fluxo contínuo de conteúdos. Apesar de interferir na sua experi-
ência televisiva pela troca de canais, o telespectador é incapaz de
influenciar o fluxo, atendo-se a compreender as mensagens dis-
persas por programações distintas (Gambaro; Becker, 2016). A sua
atenção não é focada numa unidade específica da grade, mas na

SUMÁRIO 61
própria experiência de seguir os fluxos da televisão. Como o próprio
Williams (2016) comenta, alguns telespectadores podem declarar
que não ligam a televisão para assistir um determinado programa,
mas para acompanhar a sequência de programas exibidos na grade
que lhes detém a atenção.

Nesse sentido, é por meio de uma ação deliberada de confi-


guração da sua grade que uma emissora define sua identidade, seja
pela diversidade temática como na programação da TV aberta, ou
pela segmentação como nos multicanais da TV paga. Gambaro e
Becker (2016) comentam que, no caso da televisão aberta, os noti-
ciários são estrategicamente colocados lado a lado com filmes ou
ficções seriadas a fim de amenizar ou enfatizar determinados efeitos
no público. O conteúdo jornalístico e de entretenimento conjugam-
-se em uma relação de troca, na qual os assuntos podem ser enca-
deados por matérias jornalísticas sobre determinado fato e, no pro-
grama seguinte, o mesmo pode ser tratado ficcionalmente em séries
ou telenovelas. Para os autores, essa dinâmica cria um “ritmo fluido
do conteúdo da televisão, semelhante ao pensamento humano, e o
telespectador se concentra nas múltiplas mensagens da programa-
ção” (Gambaro; Becker, 2016, p. 350). Por outro lado, na TV paga, o
encadeamento de conteúdos é marcado pela sua consistência temá-
tica em relação aos nichos do mercado de cada canal disponível
(esportes, séries e filmes, noticiários, entre outros).

Na organização dos programas, o planejamento da grade


é realizado seguindo a lógica de horizontalidade e verticalidade
dos conteúdos televisivos (Borelli; Priolli, 2000). A horizontalidade
implica na disponibilização de uma atração em sequência, durante
vários dias, no mesmo horário. A verticalidade diz respeito à sequ-
ência de programas ao longo do dia, que são repetidos periodica-
mente a cada semana ou mês. A partir dessa lógica se tornou pos-
sível investigar o hábito diário de consumo televisivo e, desse modo,
estabelecer uma relação de afetividade entre o telespectador e os
seus programas favoritos.

SUMÁRIO 62
A constituição da grade de programação ajuda, assim, a pon-
tuar a rotina dos telespectadores, especialmente nos seus primórdios,
em que a sala da TV se estabelecia como um dispositivo de comu-
nhão familiar em determinados horários, e capaz de pautar os princi-
pais assuntos na sociedade. Para Campanella (2014, p. 9), que retoma
as reflexões de Michael Couldry sobre a midiatização da sociedade e
seus rituais, a televisão é o “conector basilar do mundo individual do
sujeito com o social que o cerca”. O ritual midiático criado em torno
da televisão fornece às emissoras, em especial da TV aberta, o status
de representantes sociais, pois elas “contribuem para a própria cons-
trução da sociedade”, por abrangerem diferentes públicos e regiões
geográficas distintas. Para que esse vínculo se efetive, são levados
em consideração critérios demográficos e socioculturais para a seg-
mentação do público na organização da programação.

A Globo, por exemplo, para manter o padrão de qualidade de


sua grade, em compasso com a diversidade de conteúdos ofereci-
dos e públicos distintos, desenvolve estratégias de monitoramento e
análise dos índices de audiência desde a criação do Departamento
de Análise de Pesquisa, em 1972. Nesse mesmo ano foi desenvolvido
um método de acompanhamento do desempenho da programação,
o sistema de trilhos, idealizado por Homero Sanchez para reforçar
as estratégias de manutenção do interesse do público pelas teleno-
velas. O sistema consistia em fazer o acompanhamento dos índices
de audiência, normalmente até o capítulo 30, que servia como ponto
de referência para traçar o trilho de desenvolvimento dos índices de
audiência desejados e prever e avaliar o desempenho da obra.

Segundo Ortiz e Ramos (1991, p. 127), “se a novela saísse do


trilho três vezes numa semana, alguma coisa estava errada, e era
convocada uma reunião com o autor”. Ou seja, o trilho pode ser
entendido como uma visualização do índice esperado de engaja-
mento do público, que antigamente se interpretava pelo Ibope, e atu-
almente pela participação em rede sociais e pelo acesso às multipla-
taformas vinculadas a uma emissora televisiva (websites, aplicativos,

SUMÁRIO 63
VOD, dentro outros). A partir da década de 1970 também foram cria-
dos pela emissora os primeiros grupos de discussão de telenovelas
composto por telespectadoras, além de entrevistas por telefone para
consultar opiniões sobre programas em exibição.

Para Brennan (2016, p. 69), essas experiências comprovam


que os programadores da TV aberta ou por assinatura “conhecem
seus espectadores e sabem quais programas funcionam melhor em
diferentes partes do dia e até em que dias da semana”. Assim, esta-
belecem formas de sincronizar as demandas de entretenimento e
informativos de acordo com as rotinas cotidianas do público. Além
da vocação de curadoria, que por vezes conduz a interpretações da
grade como uma ferramenta técnica, há outros atributos como a
capacidade da televisão de criar contextos por meio de programas
para o engajamento compartilhado dos telespectadores.

O engajamento representa a capacidade de a televisão envol-


ver o público de forma afetiva e emocionalmente, o que é dificilmente
quantificável (Brennan, 2016). A telenovela é um exemplo marcante
de produto televisivo com forte engajamento, pois, como Lopes
(2014, p. 8) comenta, ela é capaz de transportar o público para um
universo ficcional espelhado na realidade do seu cotidiano: “muito
além de apenas entreter, elas trabalham tanto no imaginário coletivo
quanto nas memórias históricas e afetivas”. Assim, um produto de
entretenimento é capaz de tratar a realidade social brasileira e suas
manifestações culturais populares e apresentar traços próprios, na
sua dimensão narrativa, de produção e de circulação na sociedade,
apesar das influências de diversas matrizes culturais (europeias, nor-
te-americanas e latino-americanas).

O horário nobre, no modelo tradicional da grade televisiva


aberta, é um espaço definidor do engajamento e da experiência com-
partilhada, tendo em vista que é no período noturno que o público
se encontra mais relaxado e propício a se envolver em atividades de
entretenimento, o que transforma esse horário no período com as

SUMÁRIO 64
maiores cotas publicitárias. Essa faixa horária é ocupada especial-
mente pelas produções ficcionais seriadas, pois elas associam bom
retorno financeiro a longo prazo e fidelização de público. Apesar do
alto investimento inicial, os custos de produção da obra são diluídos
no período de exibição com a venda de espaço publicitário e inser-
ção de merchandising.

Paralelamente ao modelo de negócio estabelecido pela


grade televisiva, o advento da tecnologia digital instaurou novas dis-
cussões sobre o futuro da televisão com a popularização da internet
e suas redes de conteúdos. Nesse processo, o acesso de conteúdos
por fluxo contínuo da TV analógica cede espaço para a noção de
arquivo na TV digital. Para Cannito (2009), no modelo analógico a
televisão é reconhecida como o reino do “eterno ao vivo”, com pro-
gramas que demarcam um aqui e agora comum aos telespectadores
que vivenciam o fluxo.

Por outro lado, a lógica de arquivo da TV digital instaura uma


visão da televisão em que “tal como uma imensa livraria e locadora,
o usuário escolhe o que quer acessar e chega facilmente a esse con-
teúdo apenas clicando nele” (Cannito, 2009, p. 25). De acordo com
a noção de TV digital, o sentido de fluxo é associado a um único
arquivo, selecionado pelo usuário, que tem sua experiência interrom-
pida ao final da exibição do vídeo. Com a consolidação da internet
de banca larga nos últimos anos, as antigas interfaces da noção de
TV digital não desapareceram, mas são redesenhadas para atender
as demandas do fluxo sob demanda, entendido como uma prática de
consumo audiovisual que engloba e transcende a noção de arquivo
unitário e independente, projetado nos primórdios da TV digital.

No trabalho Television’s Next Generation: Technology/


Interface Culture/Flow, o pesquisador Uricchio (2005) propõe um
reposicionamento da noção de arquivo nas plataformas VOD ao
analisar as relações entre tecnologias e interfaces que faziam uso do

SUMÁRIO 65
tratamento de algoritmos14 da Amazon.com (como o TiVO e o console
Playstation, entre outras). Segundo o autor, com o advento de uma
nova noção de fluxo, vinculada às interfaces digitais e subordinada
às possibilidades e limitações tecnológicas de cada plataforma, “nem
o espectador nem o programador de televisão dominam a noção de
fluxo. Em vez disso, um novo fator entra na equação: a combinação
de protocolos de metadados aplicados” (Uricchio, 2005, p. 251).

Ao conceber o fluxo como um processo de fruição contínua


e personalizada (ou seja, como um fluxo sob demanda) através de
recursos computacionais, Uricchio (2005) antecipou há mais de uma
década uma das principais mudanças na experiência que seria ofere-
cida aos usuários atuais de plataformas VOD. Para McCormick (2016)
no artigo Forward is the Battle Cry: Binge-Viewing Netflix´s House
of Cards, Uricchio percebeu o poder das tecnologias do audiovisual
de “escanear enormes quantidades de programação, no processo,
empacotando programas relevantes para um fluxo interminável de
prazer customizado” (McCormick, 2016, p. 253).

As plataformas de VOD disponibilizam catálogos com uma


extensa gama de conteúdos, mas diante disso as empresas buscam
organizá-los num modelo de autoprogramação para os usuários. Na
Netflix ou no YouTube, vídeos remetem a outros vídeos e os con-
teúdos acessados alimentam bancos de dados que, interpretados
por programas de computador e controlados por humanos, criam
uma curadoria inteligente (smart curation). Essa modalidade de cura-
doria é “uma forma de editorialização inteligente, que permite fazer
uma triagem, escolher e depois recomendar conteúdos aos leitores”
(Martel, 2015, p. 311).

Porém, em uma camada mais aparente, as interfaces das pla-


taformas estabelecem a comunicação entre o conteúdo e o usuário,

14 Segundo Danaher (2019, p. 5), algoritmo é uma sequência de “de regras que transforma um con-
junto definido de entradas em um conjunto de saídas”, utilizando computadores como ferramenta
para ajudar na tomada de decisões e na conquista de objetivos de um sistema computacional.

SUMÁRIO 66
procurando recriar no ambiente on-line o fluxo televisivo. A organi-
zação de arquivos e dados é planejada por designers gráficos e de
interação para proporcionar uma experiência agradável e contínua.
Para Levy (2006, p. 102), “a noção de interface pode ser estendida ao
domínio da comunicação como um todo e deve ser pensada hoje em
toda sua generalidade”, no sentido de comungar sob seu espaço sig-
nificados e potencialidades de ações, que organizam e transformam
dados primários em informação, e que por seguinte geram conheci-
mento pela agência15 do usuário (Bonsiepe, 2013).

A interface estabelece a comunicação e as condições obje-


tivas para que diferentes plataformas de vídeo sob demanda viabili-
zem a autoprogramação de seus conteúdos, dando ao usuário o con-
trole sobre o próprio comportamento de visualização. Isso, segundo
Jenner (2015), ajuda a incentivar a prática do binge-watching, popu-
larmente referida no Brasil como “maratonar”: o ato de assistir um
programa de forma intensificada por horas seguidas, com preferên-
cia por séries (Matrix, 2014). O binge-watching é distinto da forma
tradicional de maratonar séries por home-video ou canais televisivos,
especialmente por ser caracterizado pelas múltiplas telas e a auto-
programação, qualidades proporcionadas por plataformas como a
Netflix e a Globoplay — configurando a forma de consumo audio-
visual contemporâneo.

Entre a proliferação de telas, interfaces e tecnologias de


vídeo, a grade televisiva busca se adequar à realidade das platafor-
mas VOD e do consumo pela visualização conectada entre múltiplas
telas. Nesse processo, grande parte da programação televisiva se
integra à lógica das plataformas de vídeo sob demanda e a prática
de binge-watching passa a seguir a lógica de autoprogramação dos
fluxos sob demanda.

15 O conceito de agência neste artigo é visto pela perspectiva de Murray (2003, p. 127), como “a capaci-
dade gratificante de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas decisões e escolhas”.

SUMÁRIO 67
DA GRADE DE PROGRAMAÇÃO TELEVISIVA
PARA O FLUXO SOB DEMANDA
Nos últimos anos, houve um crescimento no Brasil das pla-
taformas VOD, sejam elas administradas por empresas de streaming
transnacionais, como a Netflix (2011), a Amazon Prime Video (2016) e
a Disney+ (2020), ou por empresas nacionais como a Looke (2015).
Segundo último levantamento da Ancine (2022), em 2022 havia mais
de 59 plataformas VOD no Brasil. Essas plataformas configuram-se
como um novo modo de consumo audiovisual, em que o usuário
exerce controle sobre o fluxo do conteúdo midiático, fazendo com
que a televisão (ou seu modelo de entrega por radiodifusão) perca a
sua centralidade. Plataformas, como a Netflix, são configuradas para
a prática de maratonas intensificadas, por meio do consumo multie-
pisódico e a imersão do telespectador no mundo de histórias.

As plataformas transportam o conteúdo da grade para um


catálogo, acessível mediante determinados aparatos técnicos (TV
conectada, smartphone, tablets, computadores). Desse modo, servi-
ços de VOD se notabilizaram pela capacidade de promover a imersão
dos usuários no fluxo de vídeos sob demanda, de modo fragmentado
entre diferentes telas conectadas sob uma interface integrada. Para
Brennan (2016, p. 88), “os espectadores parecem estar usando essas
novas oportunidades para manter o poder da programação, aumen-
tando sua fidelidade aos programas e séries que voltarão a ver nos
horários programados da próxima vez”.

Nessa perspectiva, o engajamento do usuário pode se dar


pela grade tradicional, pelo binge-watching, ou pela autoprograma-
ção e reassistida de conteúdos televisivos, que incentivam o hábito
de time-shifting — gravar e assistir a um programa fora do seu horá-
rio de exibição, permitindo assistir seus programas preferidos fora do
fluxo linear da televisão (Mittel, 2011). No entanto, o que se entende

SUMÁRIO 68
pelo ato de maratonar depende da tecnologia de cada plataforma e
do engajamento das audiências. Na televisão, esse ato é visto como
uma experiência condicionada pela imersão no fluxo televisivo. Um
elemento diferencial das maratonas é a produção de conteúdos
relacionados a um programa (textos, vídeos, áudios e imagens). Ao
utilizar as redes sociais, o usuário produz e compartilha suas opini-
ões sobre um determinado programa, personalizando desse modo, o
conteúdo veiculado pelo canal televisivo.

No ambiente das plataformas, os rastros deixados pelos usu-


ários são monitorados de forma diferente do tradicional sistema de
trilho citado anteriormente, que requeria medições do Ibope cons-
tantemente. Atualmente, esse monitoramento se efetiva por meio
da coleta de dados de visualizações e comentários nas plataformas.
Busca-se, assim, a complementariedade entre a grade e os recursos
possibilitados em plataformas. Para isso, modelos de análise para a
construção de trilhos não devem manter a audiência vinculada a um
programa ou uma mídia em específico, mas alcançá-la em diferentes
momentos, ou mesmo ajudar a conduzi-la por multiplataformas, reite-
rando a disponibilidade do conteúdo da grade no fluxo sob demanda.

O Globoplay, lançado em 2015 com o objetivo de disponibili-


zar os programas na íntegra para computadores, tablets, smartpho-
nes e Smart TV, se insere no cenário midiático atual que “envolve
uma transformação tanto na forma de produzir quanto na forma
de consumir os meios de comunicação” (Jenkins, 2009, p. 44). O
serviço é uma plataforma OTT (over-the-top), ou seja, que se uti-
liza da infraestrutura da internet para funcionar em diferentes dis-
positivos. Ele traz o conteúdo da televisão aberta e fechada (pelo
Canais), disponibilizado em canais ao vivo para assinantes ou por um
catálogo de séries, filmes, documentários e telenovelas nacionais e
estrangeiras, programas de variedade e reality shows, além de pro-
gramas jornalísticos.

SUMÁRIO 69
No Globoplay existem recursos de autoprogramação, como
a criação de uma lista de reprodução de programas, funcionali-
dade que é comumente encontrada em outras plataformas, como
o YouTube e a Netflix. Há também um sistema de recomendação no
qual cada página principal de um filme, série ou telenovela apre-
senta uma aba que mostra outras obras similares. A plataforma
possui um modelo de negócio flexibilizado para o acesso gratuito
ou pago de conteúdos, com pacotes que englobam programas da
TV paga ou acesso conjugado com outras plataformas VOD como
o Telecine — ou seja, também se caracteriza como um serviço por
SVOD (subscription vod).

O usuário pode escolher pagar uma taxa mensal para ter


acesso ilimitado ao conteúdo integral de programas exclusivos para
assinantes, como ficções seriadas. Além desse pacote padrão, o
usuário pode assinar um pacote adicional do Canais, que abrange o
acesso por streaming aos conteúdos dos canais do Grupo Globo para
serviços de TV paga (como Multishow, GloboNews, SportTV, Viva,
Gloob, Megapix, Canal Brasil, dentre outros). O não-assinante pode
ter acesso a fragmentos de curta duração de telenovelas apenas,
além de programas jornalísticos integrais. Os vídeos de curta dura-
ção são desmembrados do episódio central, categorizados como os
“melhores momentos”, e etiquetados individualmente de acordo com
os eventos narrados da cena.

Assim, a plataforma é qualificada como um modelo de negó-


cio freemium, com a combinação de serviços gratuitos (free) e pagos
(premium). De maneira geral, o Globoplay atualiza os serviços pagos
oferecidos pelo portal Globo.com, entre eles, a Globo.tv+, antiga pla-
taforma de vídeo sob demanda da emissora criada em 201216, que
exibia a programação televisiva e alguns programas locais, como o
telejornal de São Paulo SPTV e o Globo Esporte.

16 Disponível em: http://globotv.globo.com/globocom/assine-ja/v/conheca-o-globotv/2140201/. Acesso


em: 10 fev. 2017.

SUMÁRIO 70
Entre outras ações da Globo, o site GShow17, criado em
2014 , funciona como uma central de entretenimento da emissora.
18

Ele exibe em seu catálogo uma coleção de webséries originais, pod-


casts e conteúdos derivados (teasers e entrevistas de bastidores) de
programas exibidos na televisão, principalmente de telenovelas. O
Gshow foi desenvolvido como um produto híbrido TV/Redes Sociais,
e essa dispersão da televisão trouxe consigo novos desafios, como
por exemplo, gerenciar duas frentes de streaming de vídeo. O GShow
funciona, assim, como um complemento de variedades para a grade
televisiva — com algumas webséries exclusivas derivadas de pro-
gramas da emissora, como a série Os Desatinados (2015), spinoff de
Malhação (1995–presente), e obras originais, como a série de anima-
ção A Última Loja de Discos (2014), do cartunista Allan Sieber — que
não são destaque no site, porém, estão on-line19.

Em tempos de concorrência entre empresas de tecnologia


e de mídia, o Globoplay exibe um catálogo de obras exclusivas, que
recebem o selo Original Globoplay20, bem como programas jorna-
lísticos nacionais e de emissoras afiliadas nos estados, produções
de diferentes épocas da própria da emissora (telenovelas, telefilmes,
programas de humor, minisséries e séries), além de filmes e séries
nacionais e internacionais. Essa estratégia vai de encontro aos inte-
resses dos serviços VOD, visível na forma de organização e exposi-
ção dos conteúdos nas interfaces das plataformas televisivas — a
principal porta de entrada.

Nesse sentido, a organização da interface do Globoplay


muda a cada ano desde seu lançamento, o que demonstra sua busca
em inovar na forma de entrega de conteúdos. No início de 2024,

17 Disponível em: http:// http://gshow.globo.com/. Acesso em: 10 fev. 2017.


18 Disponível em: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2014/01/globo-lanca-novo-portal-de-entretenimento
-o gshow.html. Acesso em: 10 fev. 2017.
19 Disponível em: http://gshow.globo.com/webseries/. Acesso em: 20 nov. 2019.
20 A Estreia do selo ocorreu em 2018 com as séries Além da Ilha (2018) e Assédio (2018).

SUMÁRIO 71
os conteúdos do Globoplay são visualizados nas seções “Agora na
TV”, “Novidades” e “Catálogo”. Na seção “Agora na TV” o assinante
tem a possibilidade de assistir “ao vivo” a programação da TV aberta
e de canais do pacote Canais, com conteúdo da TV paga. A seção
“Catálogo” organiza os conteúdos por categorias como Novelas,
Séries, BBB, Documentários, Filmes, Originais, Novidades, Esportes,
Jornalismo, Infantil, Variedades, Realities, Música, Programas Locais
e Educação. Há também a categorização por gêneros (ex.: drama,
comédia, ação, etc.), bem como o acesso direto à podcasts e aos 19
canais que compões o pacote Canais.

Em relação aos conteúdos da grade televisiva transpostos


para o Globoplay, uma das estratégias iniciadas em 2020 consiste
em disponibilizar 50 telenovelas antigas21, restaurando-as para qua-
lidade de imagem HD. A primeira telenovela restaurada e transposta
foi A Favorita (1998) e, desde então, são lançadas mensalmente tele-
novelas clássicas, que até então somava 91 obras do gênero no catá-
logo da plataforma (Lopes, 2020). Para Brennan (2016, p. 68), a pre-
sença de programas regulares e antigos da grade da TV aberta nas
plataformas VOD22 deve-se ao fato de que “talvez, como a exibição
no cinema garante que um filme seja melhor do que um lançado em
DVD, as grades de programação dos canais forneçam as mesmas
garantias aos telespectadores”. Ao dar proeminência a programas
que possuem laços afetivos e emocionais com a audiência, a pla-
taforma amplia o seu catálogo com programas exclusivos e outros
programas de sucesso exibidos na TV aberta ao longo de mais de 50
anos de existência da Globo.

21 Entre as telenovelas planejadas para lançamento no Globoplay, podemos citar Tieta (1989), Explode
Coração (1995), Vale Tudo (1988) e Dancin’ Days (1978), entre outras.
22 Uma exceção à regra na Globoplay é o remake da minissérie norte-americana Raízes (History
Channel, 2016), produzida por Laurence Fishburne e Forest Whitaker, que estreou no Brasil no canal
Discovery e depois na Rede Globo, encontrando-se disponível na Globoplay.

SUMÁRIO 72
Aos poucos, o Globoplay expandiu o conceito de distribuição
exclusiva e passou a conceber projetos originais, liberando trechos de
programas gratuitos para os não-assinantes como forma de expan-
são de público e os produtos precificados para assinantes, para fins
de receita. Para Becker, Gambaro e Souza Filho (2015, p. 363), essa
estratégia “limita o engajamento do público como um todo”, pois os
conteúdos são exibidos gratuitamente na programação da televisão.
Uma ação estratégica da emissora foi a adoção de conteúdo digital
first — como o lançamento em primeira mão de quatros episódios da
série Justiça23 (Globo, 2016).

A experiência se repetiu com a série Ligações Perigosas


(Globo, 2016), escrita por Manuela Dias. O primeiro episódio foi entre-
gue em 4K antes se sua estreia na grade televisiva24, e os demais
após a exibição na TV. O mesmo procedimento foi adotado na série
Dois Irmãos (Globo, 2016)25, de Luiz F. Carvalho, baseada no livro de
Milton Hatoum, e com a série Nada Será Como Antes (Globo, 2016)26.

Outra ação implementada consiste na adoção do digital only


(exclusivo pela internet), através de suas produções do selo Original
Globoplay. Isso permitiu que o serviço adotasse o lançamento de tem-
poradas integrais de séries exclusivas, como em Aruanas (Globoplay,
2019-presente), com primeira temporada exibida em 2020 na tele-
visão aberta — invertendo a lógica da plataforma como uma ferra-
menta de reassistida de conteúdos televisivos. Em 2022, o Globoplay
lançou sua primeira novela original, Todas as Flores (2022-2023), de
João Emanuel Carneiro, com seis capítulos lançados a cada semana,

23 Os primeiros episódios foram entregues no fim de semana anterior à estreia. Depois, os episódios
eram lançados no Globoplay às 18 horas do dia da exibição e, em seguida, no horário da
programação da Rede Globo.
24 Disponível em: http://www.minhaserie.com.br/novidades/25473-ligacoes-perigosas-nova-serie-
da-globo-podera-ser-vista-antes-pela-globo-play. Acesso em: 15 fev. 2017.
25 Os episódios da série ficaram disponíveis na plataforma antes de ir ao ar na televisão.
26 A emissora adotou como rotina, a disponibilização na plataforma dos episódios semanais da série
Nada Será Como Antes, quatro dias antes do novo episódio ir ao ar na TV.

SUMÁRIO 73
sendo dividida em duas temporadas, a primeira com 40 capítulos, e a
segunda com 45. A exibição na plataforma de programas em primeira
mão ou exclusivos, representa uma porta de entrada para a inserção
de conteúdos personalizados e convenientes ao fluxo televisivo.

Segundo Perks (2015), as plataformas de vídeo sob demanda


e o comportamento dos maratonistas exige uma atualização das
ideias sobre o fluxo televisivo de Raymond Williams (2016). Para
a autora, o ato de maratonar é um modelo alternativo ao de fluxo,
porque se trata de uma forma de consumo audiovisual autoprogra-
mada e autocontida, independente do fluxo de outras mídias. Nas
plataformas, o usuário é conduzido por um fluxo isolado “caracte-
rizado pela atenção ampliada e direcionada para um único texto”
(Perks, 2015, p. XXIV). Esse processo cria um fluxo de entrada mais
personalizado e conveniente, porém, não necessariamente em um
único texto, mas em uma sequência deles, ordenados pelos usuá-
rios ou pela própria interface da plataforma.

Uma outra estratégia da emissora se aproxima do modelo de


binge-watching da Netflix, baseado na entrega de temporadas comple-
tas de suas produções originais. Uma experiência pioneira foi a série
Supermax (Globo, 2016), que teve onze de seus doze episódios dispo-
nibilizados quatros dias antes do lançamento na TV, e o último episó-
dio disponibilizado no dia de sua exibição na programação televisiva27.
O Globoplay adotou essa estratégia também em relação os quatro
episódios da quinta temporada da série Cidade dos Homens (Globo,
2002-2018), de Pedro Morelli, que foram entregues integralmente no
Globoplay28. Esse mesmo procedimento foi adotado em relação aos
quatro capítulos da minissérie Aldo (Globo, 2016), sobre o lutador de
MMA José Aldo, baseada no filme Mais Forte que o Mundo (Globo
Filmes, 2016), de Afonso Poyart, com Milhem Cortaz e Cléo Pires.

27 Disponível em: http://redeglobo.globo.com/novidades/noticia/2016/09/globo-antecipa-supermax


-e-nada-sera-como-antes-pelo-globo-play.html. Acesso em: 17 fev. 2017.
28 Os 4 episódios foram lançados no dia 3 de janeiro de 2017 no Globoplay e estrearam no dia 17 de
janeiro na TV aberta.

SUMÁRIO 74
A prática de binge-watching de obras atende demandas dos
assinantes por conteúdos inéditos e de qualidade, principalmente as
produções do horário nobre da TV, como séries e minisséries. Assim,
as emissoras reforçam o engajamento além da programação, pos-
sibilitando um acesso personalizado ao conteúdo por outros meios
que estimulam a participação da audiência através da circulação de
conteúdos conectados pelo ambiente de sinergia tecnológica. Para
Jenkins (2009), processos que são definidos de cima para baixo, em
que a participação do público é comercialmente estruturada, refle-
tem os propósitos da convergência corporativa, na qual “empresas
midiáticas estão aprendendo a acelerar o fluxo de conteúdo midi-
ático pelos canais de distribuição para aumentar as oportunidades
de lucros, ampliar mercados e consolidar seus compromissos com o
público” (Jenkins, 2009, p. 46).

SÉRIE “SUPERMAX”:
MODELO EM FORMAÇÃO
DO FLUXO SOB DEMANDA
Para o público que adquiriu o hábito recente de consumir tem-
poradas completas de séries inéditas nas plataformas de streaming,
o projeto experimental de binge-watching da série Supermax, se
insere no processo de mudanças da lógica de consumo, na qual o
telespectador acaba por deter o controle sobre o que deseja assis-
tir, enquanto a televisão busca transpor sua grade para o catálogo
das plataformas. Nessa perspectiva, a Globo desenvolveu estraté-
gias para dialogar tanto com os fãs brasileiros de ficção seriada,
quanto reconquistar o telespectador que migrou para as platafor-
mas. Historicamente, as maratonas de mídia se popularizaram nos
anos 1980, com o advento do videocassete. As redes de televisão,
por sua vez, passaram a maratonar reprises de séries populares ou

SUMÁRIO 75
de temporadas inteiras e até de episódios chave, para criar deman-
das pelos programas em DVD (Pena, 2015).

O ato de maratonar (binge-watching) é um fenômeno que


se popularizou recentemente e permanece circunscrito ao universo
das séries, em especial, nas plataformas de streaming. A pesquisa-
dora Perks (2015) aponta como origem da tendência de maratonas
de mídia a intersecção de três variáveis: tecnologias de entrega do
conteúdo, o engajamento das audiências e a crescente complexi-
dade dos conteúdos de entretenimento midiático. Nessa perspec-
tiva, o ato de maratonar decorre de uma configuração específica de
mídia e tecnologia, para a visualização multiepisódica e o consumo
autoprogramado de ficções seriadas.

Nesse sentido, a prática de binge-watching, que foi instituída


pela Netflix, busca tornar o fluxo sob demanda num modo específico
de espectatorialidade, com o objetivo de “ensinar” novas formas de
engajamento e de consumo de suas vastas ofertas à sua audiência.
Para isso, empresas de streaming como a Netflix fazem uso dos sis-
temas de recomendação.
Para produzir sugestões mais relevantes, o sistema de
recomendação algorítmica deve se adaptar continua-
mente ao apelo para mudanças de conteúdo e como as
preferências do visualizador evoluem com o passar do
tempo. Em outras palavras, a preocupação da empresa
com a ideia de consumo imersivo e personalizado está
incorporada em padrões tipicamente seriais de engaja-
mento do usuário (Pilipets, 2019).

Os sistemas de recomendação são alimentados pela tecno-


logia do post-play, que “facilita o desempenho do binge-watching,
com a publicação da temporada de uma série como um capítulo e a
temporada segmentada em episódios” (Van Ede, 2015, p. 67). Desse
modo, os sistemas de recomendação e o método de autoprogra-
mação objetivam capturar a atenção e, assim, promover a rendição
do telespectador. Esse percurso do fluxo sob demanda faz uso dos

SUMÁRIO 76
algoritmos para transformar a experiência do telespectador, tornando
a economia da atenção na principal ferramenta de engajamento e de
fidelização do público.

Como afirmamos anteriormente, para facilitar a experiência


de binge-watching de Supermax (Globo, 2016)29, a temporada inteira
da série foi entregue no Globoplay, com exceção do episódio final,
exibido em primeira mão na grade da televisão, e depois na plata-
forma. A série representa um reality show que se passa em um presí-
dio de segurança máxima em plena floresta amazônica, que adquire
contornos de terror quando os participantes percebem que foram
abandonados e terão que lutar contra o mal que habita a floresta
para sobreviver. O suspense se instala num ambiente em que as per-
sonagens são confrontadas com o passado tenebroso de cada uma
delas. Esses conflitos impulsionam a história para o seu desfecho,
mas o gancho dramático que fisga o telespectador e o faz maratonar
a série é saber a origem do terror e o destino dos personagens.

Supermax é uma coprodução internacional da Globo


em parceria com a produtora Oficina Burman30, a TV Pública da
Argentina31, a TV Azteca do México32, a uruguaia Teledoce33 e a
produtora de conteúdo espanhola Mediaset Spaña34. Franquias de
formatos televisivos35 como Supermax podem ser consideradas
como experiências de ficção seriada transnacional, estabelecidas

29 Projeto de José Alvarenga Jr., em parceria com Marçal Aquino e Fernando Bonassi.
30 Disponível em: http://oficinaburman.com/. Acesso em: 1 out. 2017.
31 Disponível em: http://www.tvpublica.com.ar/. Acesso em: 1 out. 2017.
32 Disponível em: http://www.tvazteca.com/. Acesso: 1 out. 2017.
33 Disponível em: https://www.teledoce.com/. Acesso em: 1 out 2017.
34 Disponível em: http://www.mediaset.es/. Acesso em: 1 out. 2017.
35 As franquias de formatos televisivos surgiram nos anos 1990, a partir do sucesso de reality-shows
como Survivor e Big Brother, como uma tendência de profissionalização do mercado, valorização
de vendas e a globalização dos conteúdos, abrangendo principalmente o comércio de programas
prontos, coproduções, vendas de roteiros e vendas de formatos.

SUMÁRIO 77
a partir de políticas culturais que estimulam acordos de produção
entre produtores em eventos internacionais. Segundo Lobato (2019,
p. 4), a “televisão transnacional, refere-se à propensão dos sistemas
de distribuição de televisão para cruzar uma ou mais fronteiras
nacionais. É um termo aparentemente simples que invoca uma
ampla variedade de cenários, incluindo a distribuição cosmopolita e
culturalmente intrusiva”.

Na versão da Globo, a trama de Supermax é ambientada no


interior da Amazônia, uma região que se configura como um “loca-
lismo” chamativo, capaz de tornar visível para a audiência interna-
cional, aspectos significativos da cultura brasileira que são de inte-
resse global. Na versão para o mercado latino-americano, a série
foi protagonizada por atores de língua espanhola, filmada no Brasil
pelo diretor argentino Daniel Burman, mas com uma história sem o
tom sobrenatural da série brasileira. A versão latino-americana de
Supermax estreou em abril de 2017, na TV Pública da Argentina36.

Inspirada nas séries norte-americanas que produziram nar-


rativas transmídia como forma de manter o interesse do público
entre uma temporada e outra, o Globoplay disponibilizou o pro-
grama Supermax por Dentro (Globo, 2016), com oito episódios cur-
tos que comentavam detalhes e curiosidades sobre as tramas da
série. Por sua vez, o Gshow realizou a enquete: Você sobreviveria
em Supermax? 37, enquanto o mobile game Supermax (para Iphone
e Android)38 foi criado num evento de hackathon39. A emissora RPC,

36 A série não obteve expressivo sucesso de audiência na Argentina, obtendo 0,5 pontos de média
em suas exibições nas terças à noite. Disponível em: http://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/
televisao/fracasso-no-brasil-serie-supermax-da-traco-na-argentina-e-leva-surra-de-novela-da-
record-14963. Acesso em: 1 out. 2017.
37 Disponível em: http://gshow.globo.com/tv/rapidinhas/noticia/2016/11/voce-sobreviveria-em-
supermax-faca-o-teste-e-descubra.html. Acesso em: 20 fev. 2017.
38 Disponível em: http://gshow.globo.com/tv/noticia/2016/11/jogo-de-supermax-saiba-como-fazer-
o-download-do-game.html. Acesso em: 20 fev. 2017.
39 Hackathon significa maratona de programação. O termo resulta de uma combinação das palavras
inglesas hack (programar de forma excepcional) e marathon (maratona).

SUMÁRIO 78
filiada da Globo, fez uma ação no antigo Presídio do Ahú40 convidando
o público para vivenciar uma experiência baseada no seriado dentro
do presídio desativado — uma campanha de marketing que busca
expandir a experiência lúdica da série, como fez o seriado Walking
Dead (AMC, 2010-2022), com o Walking Dead Scape41, um evento no
qual o público busca fugir de um espaço tomado por zumbis.

A forma narrativa adotada para fisgar a atenção do “público


Netflix” por meio da prática de binge-watching privilegia arcos dra-
máticos estendidos, o que impele a visualização da temporada com-
pleta como um longa-metragem de quase doze horas. Outro ele-
mento importante dessa forma narrativa é a presença de um maior
número de personagens (sete homens e cinco mulheres), e a mes-
cla de gêneros para tratar uma temática pouco convencional. Como
explica Mittel (2011, p. 36), os arcos dramáticos estendidos são pró-
prios de séries complexas, pois implicam numa “redefinição de for-
mas episódicas sob a influência da narração em série [...], não neces-
sariamente uma fusão completa dos formatos episódicos e seriados,
mas um equilíbrio volátil”. No entanto, essa estratégia foi responsá-
vel, em grande parte, pela queda de audiência de Supermax junto ao
grande público, apesar da boa aceitação entre jovens usuários de
plataformas (Stycer, 2016). A presença de Pedro Bial como apresen-
tador do fictício reality show (o que remete à sua atuação nas primei-
ras edições do Big Brother Brasil) contribuiu para reforçar a conexão
entre o universo da televisão e da plataforma de VOD da Globo.

Esse processo de desserialização da ficção seriada televisiva


convencional prescinde da existência de ganchos narrativos entre os
intervalos comerciais, próprios do espaço publicitário. Normalmente,
na estrutura episódica de obras audiovisuais da televisão aberta,

40 Disponível em: http://globotv.globo.com/rpc/rpc-tv-institucional/v/supermax-veja-como-foi-a-


experiencia-no-presidio-do-ahu/5398355/. Acesso em: 20 fev. 2017.
41 Disponível em: https://www.fastcocreate.com/1681279/tour-the-walking-dead-zombie-obstacle-
course-stunt-turned-apocalyptically-big-business-idea#1. Acesso em: 20 fev. 2017.

SUMÁRIO 79
são posicionados ganchos narrativos entre as cenas, blocos, sequ-
ências e no final de um episódio, capazes de criar o efeito suspensivo
e de capturar a atenção do público durante os intervalos comerciais
e a sua curiosidade em relação aos rumos da história no episódio
seguinte. O gancho tem a finalidade de criar a tensão no momento
de interrupção da narrativa, deixando lacunas em aberto que man-
têm as audiências em suspense até a semana seguinte, quando o
processo se reinicia. Desse modo, “o suspense não apenas delineia
as lacunas, mas também é usado como catalisador para fazer os
espectadores assistirem mais” (Van Ede, 2015, p. 52).

No entanto, a forma narrativa de Supermax não foi concebida


integralmente para o Globoplay, pois teve a exibição do seu episódio
final em primeira mão na grade de programação da televisão. Desse
modo, a experiência de binge-watching foi marcada pelos efeitos de
interrupção e de lacuna temporal excessiva na narrativa (o público
do Globoplay precisou esperar cerca de dois meses para conhecer o
desfecho da série). Evidentemente que o posicionamento dos gan-
chos exerce influência sobre a experiência de binge-watching, princi-
palmente se, após a apresentação e desenvolvimento dos conflitos, é
criada uma lacuna temporal (comum entre temporadas) na resolução
dos arcos dramáticos da história. Na estrutura episódica televisiva, é
nos espaços criados pelas interrupções e lacunas que as audiências
projetam a continuidade da história, mantendo a expectativa da ação.

Um exemplo de estrutura narrativa seriada fluida para con-


sumo de binge-watching pode ser encontrada na versão para o
Globoplay da novela Avenida Brasil (Globo, 2012), em que “foram
excluídas todas as marcas da interrupção do capítulo, tanto para
assinantes quanto para não-assinantes: créditos e vinheta de aber-
tura e de blocos” (Cazani, 2016, p. 44). Do mesmo modo, as séries
produzidas pela Netflix não apresentam segmentação em blocos,
recapitulações ou vinhetas de passagem, como pode ser observado
nas séries House of Cards, (Netflix, 2013-2018) e Bloodline (Netflix,
2015-2017). Para Van Ede (2015, p. 35):

SUMÁRIO 80
Assistir sem lacunas tornou-se tão popular que acabou
por inspirar o binge-publication: publicação de tempora-
das completas de séries. Com a compreensão de como
as inter-relações entre tecnologia e espectadores deram
origem ao binge-watching, o próximo passo é investigar
como a possibilidade de remoção das lacunas afetou a
forma serial e narrativa em série.

A estratégia de postergar a exibição do último episódio, que


ocorreu em primeira mão, na televisão, visava fazer convergir audi-
ências e mídias, mesclando de forma experimental o modelo de fluxo
sob demanda do streaming e o episódio-gancho da televisão. Mas
ao restaurar a lógica de consumo semanal por meio de um episó-
dio-gancho, com as interrupções para os intervalos publicitários, a
estratégia de convergência midiática não obteve o sucesso esperado
pela emissora — como se pode averiguar pelos índices de audiência
na televisão (Gráfico 3.1) e pelos números de visualização dos episó-
dios pelo Globoplay (Gráfico 3.2).

Gráfico 3.1 — Índice de Audiência da série Supermax medida pelo Ibope


20

15 14,9
12,9 13 12,8
10 11 10,6 10,3 9,7 9,5 9 9,3 9
5

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Fonte: Annyston (2016).

Segundo a pesquisa, houve uma recuperação da audiên-


cia televisiva apenas no episódio número oito, exibido no dia 15 de
novembro de 2016. Nesse dia, a série foi favorecida pela programa-
ção da grade, pois o episódio foi ao ar antes do jogo entre Peru e
Brasil, realizado às duas horas da manhã, válido pelas eliminatórias
da Copa do Mundo de 2018.

SUMÁRIO 81
Gráfico 3.2 — Visualizações da série do Supermax no Globoplay
200.000
169.038
150.000

100.000
88.197 82.922
76.652
66.914 66.865 61.376 59.308 67.516 72.545
50.000 58.297 54.640

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Fonte: Globoplay (2017)42.

Nas análises dos dados disponíveis no Globoplay43 (Gráfico


3.2), pode-se observar uma tendência semelhante, a queda de audi-
ência após o primeiro episódio se manteve constante, tal como na
televisão. Em outro gráfico divulgado pelo Globoplay (Gráfico 3.3),
é indicado o quanto, em porcentagem, a série conseguiu reter de
público entre os episódios. Observa-se que a partir do quinto epi-
sódio os usuários se mostraram mais dispostos a terminar a tempo-
rada. Esse episódio, em especial, é importante por instaurar o tom de
terror da série, com uma das personagens tendo a perna mutilada.

42 No período da coleta dos dados, as informações sobre visualizações de conteúdos eram públicas
no Globoplay. Atualmente, tal informação não é mais disponibilizada pela plataforma.
43 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/01/1846121-levantamentos-confirmam-
que-brasileiro-tambem-assiste-a-series-em-maratona.shtml. Acesso em: 21 fev. 2017.

SUMÁRIO 82
Gráfico 3.3 — Retenção dos telespectadores de Supermax pelo Globoplay

Fonte: Globoplay (2017).

No entanto, como é de praxe na Netflix44, a emissora bra-


sileira não informou o número de usuários únicos que acessa-
ram o programa na plataforma. A Netflix monitora a experiência de
binge-watching nos primeiros três meses após a entrega da tem-
porada completa. Esse é o tempo que a empresa leva para saber
se “depois de terem visualizado um episódio, 70% das pessoas se
mantiveram assistindo à temporada” (Kastrenakes, 2015, s.n.). Com
o Globoplay, a Globo abre uma clara possibilidade de poder inves-
tir na coleta e interpretação de dados para compreender os hábitos
de consumo de seu público, tal como a Netflix, para fazer frente às
empresas concorrentes do novo ambiente midiático que concorrem
com a lógica da grade de programação.

44 Disponível em: http://www.theverge.com/2015/9/23/9381509/netflix-hooked-tv-episode-analysis.


Acesso em: 25 fev. 2017.

SUMÁRIO 83
De certa forma, a Globo retoma o sistema de trilhos dos pri-
mórdios da televisão e o reformula, coletando dados sobre os hábitos
de consumo no contexto sociopolítico brasileiro, utilizando métricas
que se distinguem das administradas pelas empresas de streaming
para análises do mercado audiovisual. Nesse contexto, Supermax é
uma obra importante pelas singularidades estéticas e por ser uma
experiência pioneira que se situa entre os limites dos serviços de
fluxo sob demanda da TV conectada e da grade televisiva, num pro-
cesso de convergência entre lógicas opostas, que regem a televisão
tradicional e as plataformas de vídeo sob demanda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo parte da crescente fragmentação das audiências,
assim como do rápido desenvolvimento tecnológico das múltiplas
telas e da expansão mundial dos serviços de vídeo sob demanda,
buscando um maior entendimento do realinhamento da grade da
televisão aberta brasileira e, por consequência, da instituição de
uma nova experiência televisiva que denominamos como fluxo sob
demanda. Essa experiência televisiva flexibiliza o acesso à grade
televisiva, estimula a prática de autoprogramação e populariza o ato
de binge-watching como uma forma de consumo mais intensificada
de conteúdos. Para esse fim, foram realizadas análises da plataforma
televisiva Globoplay e da série Supermax, levando em consideração
que a TV aberta privilegia a entrada “ao vivo” e busca fortalecer um
espaço de representação comum a grupos sociais (Borelli; Priolli,
2000), ocupando o horário nobre com programas que buscam a qua-
lidade das séries internacionais.

O realinhamento da grade da TV aberta ao contexto da con-


vergência tecnológica ocorreu em função da transição do modelo de
radiodifusão analógica para a lógica de arquivo que, ao se configurar

SUMÁRIO 84
pelos sistemas de interfaces em catálogos de conteúdos nas plata-
formas, modificou a experiência televisiva ao conectar a programa-
ção ao fluxo sob demanda — passível de ser personalizado por meio
da autoprogramação, o que contribuiu para popularizar a prática de
maratonar. Perks (2015) considera que as maratonas são um modelo
alternativo da grade da TV aberta, mas, no caso da Globo, as ope-
rações seguem uma lógica mista e complementar, com a produção
de conteúdos tanto para a grade televisiva quanto para o serviço de
fluxo sob demanda do Globoplay.

A experiência pioneira de Supermax reiterou a centralidade


da grade da televisão na época de seu lançamento, instaurando
a atual lógica de produções originais do Globoplay, com desta-
que para as recentes séries originais, Ilha de Ferro (2018-2019),
Shipados (2019-presente), Aruanas (2019-presente), Desalma
(2020-presente), Anjo Renegado (2020), Verdades Secretas 2
(2021) e Rota 66: A Polícia que Mata (2022). Nesse sentido, o fluxo
sob demanda é um eixo de conexão e de complementaridade
entre os serviços oferecidos por plataformas VOD e a programa-
ção da grade televisiva, o que significa que a dinâmica da progra-
mação da TV aberta pode também ter algum nível de indepen-
dência da grade televisiva fixa de horários, principalmente nos
aspectos que definem o conteúdo que irá fazer parte do horário
nobre da emissora. Segundo a Ancine (2016, p. 16), a “visibilidade
das obras audiovisuais nos catálogos de vídeo sob demanda, tem
se revelado equivalente ao horário nobre na programação de TV
paga, no que concerne ao alcance de público do conteúdo dispo-
nibilizado em ambos”.

Neste trabalho, procurou-se analisar e compreender o


modelo em formação do fluxo sob demanda como uma experiên-
cia inovadora das plataformas televisivas. Nesse sentido, as análises
da série Supermax mostram que a autoprogramação possibilita uma
nova forma de fruição contínua — o fluxo sob demanda, responsá-
vel pela prática inovadora do binge-watching. Além disso, a forma

SUMÁRIO 85
de experiência individualizada pelo fluxo sob demanda estabelece
relações de complementariedade com a grade televisiva, própria da
lógica transmídia. Desse modo, a formação de um fluxo combinado
entre o Globoplay e a grade da emissora promove e reforça o engaja-
mento da audiência no ambiente das plataformas televisivas.

Assim, os fluxos pré-estabelecidos da grade televisiva são


reformatados para exibição nas multiplataformas, fazendo com
que a saga pioneira de Supermax inove o modelo de distribuição
da Globo, oferecendo uma experiência de entretenimento perso-
nalizada. O aspecto inovador em Supermax residiu na exibição do
último episódio da série na televisão, obrigando a migração da audi-
ência de uma plataforma para outra, resultando numa experiência
de consumo fragmentado, que é mais apropriado para o ambiente
das multiplataformas.

Desse modo, as plataformas televisivas inovam ao oferecer


serviços na modalidade do fluxo sob demanda e da autoprogra-
mação no consumo da ficção seriada audiovisual, transformando
o storytelling televisivo numa marca com alto valor agregado para
a produção de conteúdos multiplataformas. Resta averiguar ainda,
na medida em que os serviços de vídeo sob demanda crescem e
se expandem, de que forma essas mudanças impactam a economia
audiovisual, em especial a modelagem de negócios das empresas
brasileiras de televisão.

SUMÁRIO 86
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SUMÁRIO 90
4
Claudia Magallanes-Blanco

DECOLONIZACIÓN,
CONOCIMIENTO Y
PUEBLOS ORIGINARIOS:
LO QUE NO SE LEE TAMBIÉN SE APRENDE

DOI: 10.31560/pimentacultural/978-65-5939-953-6.4
En este capítulo discuto la comunicación como un proceso
decolonizador que responde a la colonialidad del poder (Quijano
1991), la colonialiad del saber (Mignolo 2007, Lander 2003), la
colonialidad del ser (Maldonado Torres 2007), la colonialidad del
lenguaje (Veronelli 2019), la colonialidad del género (Lugones 2014) y
la colonialidad de las representaciones (Magallanes Blanco 2022) ya
que todas estas formas de dominación están entretejidas.

La colonialidad del poder se refiere a la interrelación de formas


modernas de explotación y dominación a partir de la idea de raza. La
colonialidad del saber evidencia cómo la epistemología occidental
y racional y la producción de conocimiento científico perpetúan los
regímenes de pensamiento eurocéntrico restando valor a cualquier
otra forma de producción de conocimiento. La colonialiad del
ser es la la experiencia vivida de la colonización que tiene como
consecuencia que las personas dominadas y sometidas asuman un
lugar de inferioridad. La colonialidad del lenguaje da cuenta de un
proceso de racialización lingüística que despoja a las poblaciones
de su humanidad atribuyéndoles una inferioridad comunicativa y
mental natural. Por su parte la colonialidad del género evidencia
un sistema colonial moderno de género donde hay una división
entre personas humanas que son hombres o mujeres, y personas
no humanas con sexo pero sin género que pueden ser sometidas y
explotadas. Finalmente, la colonialidad de las representaciones da
cuenta de cómo las personas dominadas han sido sistemáticamente
impedidas de objetivar imágenes, símbolos, experiencias subjetivas,
sensibles, complementarias, aurales, orales, visuales y plásticas.

La matriz colonial que permanece hasta nuestros días generó


clasificaciones dicotómicas entre personas humanas y no humanas,
hombres y mujeres, personas “blancas” y “de color”, entre la vida
urbana y la campesina, entre la sociedad y la comunidad, entre el
conocimiento y el saber, entre dominantes y dominados. De esta
forma, el sistema colonial ha sometido a todas las personas de
color en todos los ámbitos de la existencia. Introdujo diferencias

SUMÁRIO 92
donde no existían subordinando todos los aspectos de la vida y
sometió y transformó la vida comunal con su dimensión espiritual
e intersubjetiva como sustento del entramado relacional que da
sentido a la experiencia vivida y es fuente de conocimientos.

EL SISTEMA COLONIAL,
CAPITALISTA Y PATRIARCAL
De acuerdo con Quijano (1991) el concepto raza se creó para
generar un patrón de dominación y jerarquización de las poblaciones.
La noción de raza y la clasificación racial dieron lugar a la represión
y al sometimiento de las identidades de los pueblos originarios del
territorio del Abya Yala, a quienes nombraron Indios. Usando la raza
como principio de clasificación poblacional se generaron relaciones
jerárquicas y desiguales en las que las personas racializadas fueron
consideradas menos: menos humanas, menos valiosas, menos
importantes, menos sujetas de derechos. A partir de esta clasificación
social se generaron una serie de mecanismos y de instituciones para
mantener la jerarquía entre los grupos poblacionales que justificó
relaciones de dominación y exlpotación. La jerarquía y la diferencia
basadas en la noción de raza se mantienen hoy en día y se identifican
con la visión eurocéntrica de la organización y funcionamiento del
mundo que ha generado una dependencia estructural histórica a la
matriz moderno, colonial, capitalista y patriarcal.

María Lugones (2014) argumenta cómo el sistema colonial


crea distinciones y divisiones de género y ha impedido que miremos
las interseccionalidades de raza, clase, género y sexualidad.
El binarismo de género es un producto de la colonialidad ya que
antes de la conquista y la colonia había otras nociones de género
y otras identidades sexo genéricas como, por ejemplo, las personas
que se consideran de doble o triple espíritu.

SUMÁRIO 93
La colonialidad del saber por su parte propone que el
eurocentrismo hegemónico basado en la racionalidad y soportado
en el método científico se ha impuesto como la única forma válida
para la producción de conocimiento (Mignolo 2007, Lander 2003).
Un ejemplo de esto se da cuando a una persona originaria que
practica la medicina tradicional se le dice que su conocimiento es
subcultura y que, para poder sanar personas, debería estudiar en
instituciones sancionadas para la producción y reproducción del
conocimiento blanco occidental y eurocéntrico. En pocas palabras: las
comunidades indígenas son sabedoras, no tienen conocimiento. La
colonialidad del saber tiene como trasfondo un epistemicidio (Santos
2018), es decir, la aniquilación de todo conocimiento no eurocéntrico.
La racialización le quita valor no solamente al conocimiento sino
también a las vidas humanas; el conocimiento de las personas
racializadas deja de ser conocimiento y es menospreciado junto con
su lengua, cultura e identidad. Esto genera el abandono de prácticas
relacionadas con lo sagrado, con la ancestralidad, con lo propio.

Lo anterior está conectado con la idea de la colonialidad del


ser, (Maldonado Torres 2007) una política de la identidad por la que
las y los individuos inferiorizados internacionalizan la categoría de
marginalización en la que fueron colocados arbitrariamente a partir
de la noción de raza, de tal forma que las personas colonizadas
devienen en indígenas, otros, inferiores a partir de los principios
raciales y patriarcales de la epistemología imperial y del conocimiento
de la matriz eurocéntrica. Por lo tanto, las exigencias o las demandas
contra-epistémicas y las políticas de los pueblos originarios no surgen
desde quiénes son, sino que emergen de la condición marginalizada
que tienen y a la que pertenecen por obligación, pero al mismo
tiempo que han ido interiorizado y de la cual deben decolonizarse.

Es importante entender la colonialidad del ser como la


experiencia vivida de la colonialidad y su impacto en el lenguaje como un
mecanismo de inscripción del conocimiento. Veronelli (2019) habla de la
colonialidad del lenguaje, que es el proceso de racialización lingüística

SUMÁRIO 94
que despoja a las poblaciones de su humanidad atribuyéndoles una
inferioridad comunicativa y mental natural; es decir, que las poblaciones
racializadas, al no hablar las lenguas dominantes, no piensan y, por
ende, no son interlocutores válidos. No existen naturalmente como
interlocutores porque no hablan una lengua racialmente aceptada. Por lo
tanto, es importante entender que el conocimiento no puede expresarse
en otro lenguaje que no sea el del poder. El lenguaje no es neutro, está
enraizado en las matrices del poder. El lenguaje es el soporte de las
representaciones, por ello es un espacio de resistencia y re-existencia
de las identidades y de la decolonización.

Quijano (1991), Mignolo (2007), Nakata (2007), Martínez Luna


(2012), Santos (2018), Magallanes Blanco (2021), entre otros, señalan
que los grupos o las personas dominadas quedan impedidas de
objetivar sus propias imágenes, símbolos y experiencias visuales y
plásticas porque hay una serie de patrones dominantes que les dijeron
que todo eso no es, no existe, no es válido, no sirve y, por lo tanto, hay
que dar significado a nuevos símbolos e imágenes impuestas desde
otra matriz transformando las propias imágenes, los sentidos, rituales
y patrones de origen para adaptarse y sobrevivir. El producto de estas
transformaciones refleja la colonialidad del poder, del género y del
ser y está en constante tensión y lucha desde diferentes lenguajes y
soportes comunicativos. La tradición oral adquiere menos valor que
las narrativas escritas y la alfabetización juega un papel importante
para civilizar o convertir a los ignorantes, a los analfabetas, a los que no
conocen, a los que no saben y no valen porque no pueden leer o escribir.

Lo que revela la colonialidad de las representaciones es la


incapacidad forzada de las personas racializadas de representar al
mundo como propio, desde sus conocimientos y referentes, mirándolo
como algo que es susceptible de transformación o de cambio. Por
ello es importante reconocer las formas de producción y circulación
de conocimientos de los pueblos originarios mediante diversos
lenguajes. El lenguaje no está adscrito exclusivamente a lo lingüístico
o lo idiomático. Yásnaya Aguilar Gil (2020), lingüista ayuuk, habla de la

SUMÁRIO 95
lengua como un territorio cognitivo. Señala que el lenguaje no necesita
un espacio para ocurrir, sino que el lenguaje hace que todo ocurra y
hay una interdependencia profunda entre la lengua como un territorio
cognitivo y la defensa del territorio geográfico, simbólico, material o
espiritual. Para ella, atacar una lengua es una acción de despojo del
instrumento de pensamiento a través de violaciones sistémicas a los
derechos lingüísticos.

El lenguaje es clave en el proceso de autorepresentación


de los pueblos originarios. No solo el lenguaje verbal, sino también
los lenguajes culturales y simbólicos como las ceremonias, las
peregrinaciones a los lugares sagrados, las danzas y su música
tradicional, las ofrendas y los objetos ceremoniales, el lenguaje del
territorio, las divinidades que están representadas en varios elementos
y seres de la naturaleza, la vestimenta o el arte. Los diversos lenguajes
de los pueblos orginarios son fuente de conocimiento y contribuyen
a los procesos de autodeterminación y autonomía que combaten el
sistema colonial, capitalista y patriarcal. No se trata de eliminar el saber
occidental, racional y científico, sino de darle a cada forma del lenguaje
y a cada forma de conocimiento el valor que tiene en un pluriverso de
experiencias que permiten comprender el mundo de manera amplia.

MEDIOS PARA LA DIVULGACIÓN


DE LOS CONOCIMIENTOS
DE PUEBLOS ORIGINARIOS
La comprensión diversa del mundo incluye múltiples historias
y discursos vinculados a la política de la vida cotidiana de los pueblos
olriginarios. Muchos de ellos circulan mediante herramientas y tecno-
logías de información y de comunicación con la finalidad de tener un
efecto positivo en la vida cotidiana de las personas, las comunidades
y la sociedad. Los ejemplos que discuto a continuación son resultado

SUMÁRIO 96
de la apropiación de Tecnologías de Información y Comunicación de
mujeres de pueblos originarios con la formación y capacitación de
Ojo de Agua Comunicación45. Son ejemplos de conocimientos pro-
pios que circulan desde soportes sonoros y audiovisuales, ejemplifi-
cando que lo que no se lee también se aprende.

RADIORETRATOS
DE MUEJERES INDÍGENAS
Mujeres radialistas indígenas de diferentes comunidades del
estado de Oaxaca, en el sureste mexicano realizaron una serie de
producciones sonoras que pesentan retratos de mujeres indígenas
desde sus historias de vida y los conocimientos que tienen enraiza-
dos en el cuerpo y en sus trayectorias. Las piezas sonoras, llamadas
Radioretratos, fueron producidas con el apoyo y la capacitación de
Ojo de Agua Comunicación.

Las experiencias y sabiduría narradas con dignidad y sensibili-


dad marcan pautas para reducir la grave discriminación y violencia de
la colonialiad de género que sufren las mujeres en nuestra sociedad.
La serie consta de veintiocho retratos radiofónicos, 19 en español y 9
en las lenguas ñuu savi, zapoteca y mixteca. Se trata de mujeres entre
8 y 68 años de edad y la mayoría de las historias hablan de la infancia,
la maternidad, el trabajo, de los hombres ausentes de su vida, de la
vida en las comunidades. Los rarioretratos presentan la fortaleza de
las mujeres como trabajadoras, con confianza y mujeres que saben.

45 “Ojo de Agua Comunicación (Comunicación Indígena S.C.) es una organización independiente sin
fines de lucro que desde 1998 se dedica a la transformación de los medios de comunicación para
el beneficio de los pueblos indígenas y de otros grupos comunitarios. Basada en la ciudad de
Oaxaca, México, actúa en cuatro líneas generales: producción, formación, difusión e incidencia
en políticas públicas. Nuestras acciones contribuyen a la autodeterminación de los pueblos y
comunidades y la democratización de los medios” (https://ojodeaguacomunicacion.org/)

SUMÁRIO 97
Uno de los episodios es narrado por una mujer mixteca de la
costa. Su testimonio de vida refleja mecanismos de diversas formas de
la colonialidad como la del poder, la del ser y la de género. Ella narra “No
te puedes igualar [casar], decía mi padre, con los de razón [mestizos],
porque ellos no te van a querer, siempre te van a discriminar y siempre
vas a ser la india. Esas ideas que nuestros padres nos impusieron o
nos metieron en la cabeza.” Estela, la mujer retratada en la pieza radial,
es una líder comunitaria que ha trabajado por la recuperación de la
lengua materna en su comunidad. El proceso fue complicado puesto
que al interior de la propia comunidad las autoridades tenían interio-
rizada la matriz eurocéntrica y le exigieron que creara un proyecto
escrito para dar validez a su petición. En el Radioretrato lo narra así:
Me eligen como directora de Cultura. Ahí yo quería que se
impartieran los talleres de la lengua materna. Yo estudié
segundo año de primaria, yo no estudié tanto, yo voy y le
digo, pero en palabras. Entonces me dice la síndica hacen-
daria “es que queremos un proyecto, no en palabras “¿Qué
no te dijeron a lo que venías aquí? ¿qué no te dijeron que
tenías que elaborar los proyectos? Si no sabías no te hubie-
ras metido.” Entonces le dije que no. “Nunca me dijeron que
yo iba a elaborar proyectos porque yo no soy ingeniero, ni
soy licenciado, soy una ciudadana. Pero yo creo, le digo,
que tú escuchas, ves, y mis palabras las escuchas, te estoy
diciendo lo que quiero que es más suficiente que un papel”.

La colonialiad del lenguaje y la colonialidad del saber quedan


manifestadas en la demanda de que el proyecto sea escrito, desvalo-
rizando el conocimiento y la palabra oral como fuente válida para un
programa de recuperación de la lengua. De la misma forma, hay una
interiorización (colonialidad del ser y del género) de que las mujeres
deben estar en el ámbito doméstico y que sus herramientas coti-
dianas no sirven como instrumentos del saber. No obstante estas
opresiones, Estela logró realizar los talleres que se propuso para tra-
bajar con mujeres en el proceso de recuperación del mixteco en su
comunidad. “Yo, como siempre les decía, yo lo que estaba manejando
en mi casa era mi comal y mi metate y mi molcajete ¿no?, eso era lo

SUMÁRIO 98
que yo manejaba, no manejaba computadora, ni siquiera un celular.
… pero sí, logré que ellas fueran a … los talleres de lengua materna”.

María Lugones considera que la deshumanización y el domi-


nio de las personas racializadas producto de la colonialidad han
llevado a que hombres racializados ejerzan diversas formas de vio-
lencia contra las mujeres racializadas y se muestren indiferentes (o
apoyadores) de la violencia estructural que sufren. En su Radioretrato,
Estela ejemplifica esto:
Pero me acuerdo que en el pasillo ahí en el Ayuntamiento
me dice un regidor:

- Usted no debe de estar aquí

- Le digo ¿por qué?

- Porque usted no sabe nada

- Por eso mismo debo de estar aquí, le digo, porque quiero


aprender y decirle a mi gente qué es lo que se hace aquí.
Está equivocado.

- Ah, dice, pero sí sabe contestar.

- Sí, porque soy igual que tú, tú me verás menos, pero


yo soy igual que tú.

Los Radioretratos como el de Estela son aportes que desde


las radios comunitarias se producen para reducir la discrimina-
ción y la violencia que enfrentan las mujeres en sus comunidades.
Desde la radio, a través de la oralidad y con un formato de divul-
gación comparten los conocimientos de las mujeres y los ejemplos
de cómo hacen aportes a la comunidad, a la cultura, a sus familias.
Estela cierra diciendo:
Por eso en el camino va uno aprendiendo muchas cosas,
valorando, viendo. Yo le diría a las mujeres, y más que nada
a las mujeres indígenas como yo, que yo soy una indígena
que habla el mixteco y también tengo un esposo y cuatro
hijos: dos hijas y dos hijos. Que luchen. Va a ser muy duro

SUMÁRIO 99
tanto en su hogar, como fuera, en lo social, pero que no
se detengan, hay que ser fuerte, valiente y salir adelante.
Más que nada para el bien de nuestra comunidad.

PARIR CON DIGNIDAD:


LAS SABIAS QUE CURAN
Ojo de Agua Comunicación y el Centro de Investigaciones
y Estudios Superiores en Antropología Social (CIESAS) produjeron
una serie audiovisual de tres episodios sobre la partería. La serie
abona de forma significativa a reconocer el conocimiento tradicional,
sobre todo, el conocimiento de las mujeres con respecto a la parte-
ría. Estos conocimientos son constantemente invisibilizados, dismi-
nuídos o castigados porque no provienen de los médicos, hombres,
científicos. La partería es parte fundamental de la vida, de la produc-
ción y de la reproducción de la vida en las comunidades indígenas
en México. En Parir con Dignidad, las mujeres parteras del grupo
Sanadoras del Alma y del Corazón, describen cómo es que piden a
dios que bendiga sus manos para recibir la nueva vida y acompañar
a la mujer en el proceso de parir en un contexto en el que no hay
médicos que estén disponibles las veinticuatro horas. Ellas, un grupo
de 11 parteras, a partir de sus propias experiencias de violencia gine-
cológica (atención poco cálida, cesáreas que no se requieren), ponen
énfasis en la “calidad y la calidez” para recibir nueva vida.

Las parteras en México han sido, primero desplazadas, luego


incorporadas al sistema médico únicamente como ayudantes y,
finalmente, se han profesionalizado aunque han tenido que enfrentar
muchos obstáculos que invalidan su conocimiento bajo el argumento
de que no tienen estudios en instituciones educativas formales, con
métodos eurocéntricos de la ciencia y la racionalilad. Como pro-
ducto de la colonidalidad del poder, del saber, del género las mujeres

SUMÁRIO 100
parteras y sus conocimientos de salud no son reconocidas, tampoco
lo es su trabajo y por ello no tienen cabida en los centros de salud.

La bata blanca, las manos limpias y un título universitario col-


gado en la pared son los argumentos para señalar a las parteras,
mencionan ellas, como ignorantes y apestosas. En la serie docmen-
tal una mujer embarazada ofrece este testimonio: “Es que el doctor
me dijo que es mejor que yo me alivie en el hospital porque ahí voy
a ser atendida mejor porque con una partera, ellas no tienen estudio
y ellos sí tienen estudio.”

Además de un conocimiento transmitido de generación


en generación, de la experiencia previa de ser madres, de la prác-
tica continua de su labor y de la capacitación que han recibido, las
mujeres parteras en Oaxaca –y en muchas partes de México, son
hablantes de la lengua de las mujeres que van a parir. Con la lengua
se comparte una comprensión del mundo así como una forma de
expresarlo, sentirlo y vivirlo. Así lo expresa una partera en uno de
los videos de la serie Parir con Dignidad: “una mujer embarazada
se siente en confianza con una paisana, habla el mismo idioma, le
entendemos mejor y ella se siente más en confianza, se abren, nos
platican qué es lo que sienten, cómo va su etapa de trabajo de parto”.

De acuerdo con la colonialidad del lenguaje, quien no habla


la lengua dominante no es una persona cognoscente, por ello la
mujer indígena que pare y no habla la lengua dominante no es una
persona cognoscente, de la misma manera que una partera que no
habla el lenguaje científico de la medicina moderno colonial no es
una persona cognoscente. No hablar el idioma dominante, el de la
supremacía social, es causa de discriminación.

El conocimiento científico eurocéntrico, el único válido para ser


considerado fuente institucional de trabajo, niega la humanidad de las
mujeres en trabajo de parto, las aísla para solamente recibir instruccio-
nes, que no explicaciones, y les impide ser protagonistas de su propio

SUMÁRIO 101
proceso. El atender a una mujer en trabajo de parto en una lengua ajena
a la suya es una forma de violencia obstétrica ya que la excluye de su
proceso de parto y la forza a vivirlo sin expresarse y sin ser tomada en
cuenta lo cual genera, entre otras emociones, miedo. Una mujer emba-
razada menciona en el documental, “tengo miedo, de estar sola, en cam-
bio así estoy acompañado de mi mamá, contigo [la partera], con otra
persona de confianza, con mi esposo, pero ir al hospital me da miedo”.

IDEAS FINALES
Los Radioretratos y la serie documental sobre la partería son
ejemplos de soportes comunicativos que dan cuenta de conocimien-
tos valiosos de mujeres indígenas. La matriz colonial ha validado
la lectoescritura como la única forma de registro y divulgación del
conocimiento, anulando todo conocimiento otro.

Los pueblos originarios tienen muchos conocimientos ances-


trales y contemporáneos que comparten de forma oral, táctil, visual,
sonora al interior de sus comunidades. Mediante la apropiación de
herramientas de comunicación como la producción sonora o el video
están ejerciendo su autonomía representacional registrando y com-
partiendo algunos de sus conocimientos.

El conocimiento científico, racional y eurocentrado perpetúa


la jerarquización racial, la marginalización y diferenciación con base
racial por la cual se ha discriminado y marginalizado a grandes sec-
tores de la población. Por ello, es necesario construir una ecología de
saberes, en donde los distintos conocimientos que emergen desde el
cuerpo, el territorio, la tradición, la ancestralidad circulen para apren-
der otras formas de ver, de sentir, de vivir y de habitar el mundo que
vivimos que es mucho más rico, diverso y complejo que lo que nos
muestra la matriz eurocéntrica moderno colonial y patriarcal.

SUMÁRIO 102
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SUMÁRIO 103
5João Carlos Correia

PARA ALÉM
DO ESPAÇO PÚBLICO:
PATOLOGIAS DA DEMOCRACIA
NA SOCIEDADE DA VIGILÂNCIA
E DA DATIFICAÇÃO

DOI: 10.31560/pimentacultural/978-65-5939-953-6.5
Entre os anos 60 e 70, Habermas (1984) descreveu,
particularmente em Mudança Estrutural da Esfera Pública, um
vínculo entre as duas dimensões do espaço público - a política e
a cultural - incluindo, nesta última, a imprensa, os mass media e
o associativismo, criando um contributo importante para a teoria
crítica, inscrevendo-se numa certa continuidade histórica e teórica
com a geração de autores que o precederam na escola de Frankfurt.

A partir dos anos 80 deu pouco interesse explícito às institui-


ções e à produção cultural, sob o ponto de vista de realização de uma
história social e conceptual.

Ao contrário dos pais fundadores da sua família intelectual,


para os quais teoria da cultura e crítica social sempre andaram jun-
tos, Habermas, sem jamais renegar tal convergência, manifestou-se
menos de forma sistemática sobre arte e cultura contemporâneas.
Refiro-me não apenas à abordagem estética da arte, mas a toda o
questionamento da esfera pública cultural incluindo estruturas de
produção, de consumo, de difusão e crítica e de apreciação pública.

Habermas nunca mais se referiu, com o detalhe histórico e


sociológico da obra de 1962 e dos textos dos anos 70, estes já de si
bastante circunstanciais, a esta temática.

Seguiu, em especial a partir dos anos 80, uma estratégia dife-


rente, consistindo não numa discussão pormenorizada de caracter
histórico-sociológico de evolução das estruturas concretas da esfera
pública cultural, mas numa análise conceptual dos tipos e processos
de racionalização e do lugar da cultura nesse quadro teórico.

Apesar disso, a importância crescente da mercantilização e


homogeneização da cultura e das audiências são passíveis de serem
subsumidas, no que diz respeito à mudança estrutural da esfera
pública, no conceito de dissolução da esfera íntima e da cultura do
consumo e, no caso da sua obra posterior, que tem a sua síntese
mais significativa na Teoria do Agir Comunicativo (2012), no horizonte

SUMÁRIO 105
conceptual da colonização do mundo da vida através da gestão e
manipulação de emoções. Nomeadamente, defendo que a síntese
efetuada em torno do conceito de “colonização do mundo da vida”
na Teoria do Agir Comunicativo e as leituras feitas, a partir dessa
síntese, em Between Facts and Norms (1996), aplicáveis ao espaço
público constituem uma chave hermenêutica importante para com-
preender o capitalismo tardio na fase da digitalização, entendendo
esta como uma fase aguda de autonomia sistémica e de crise das
estruturas do mundo da vida que carecem cada vez mais de uma
intervenção reguladora.

Para demonstrar este percurso e as possibilidades de recor-


rer a este enquadramento, recorre-se a uma revisão crítica de litera-
tura seguindo a metodologia habermasiana com a qual os diferentes
documentos são lidos com a preocupação interpretativa de depre-
ender de cada contribuição parcial os seus momentos verdadeiros,
procurando, através dos silêncios e das deformações dos textos, um
texto latente, cujo encadeamento “ constitui a trajetória do conheci-
mento” (Freitag e Rouanet, 1990, p. 28).

I
Um dos elementos determinantes da aproximação à esfera
pública política consiste no facto de a mesma ter a sua génese na
esfera pública literária. Esta aproximação inclui uma perspetiva polí-
tico-cultural em que ganham peso especial na economia conceptual
da obra habermasiana deste período, o livro A Mudança Estrutural
da Esfera Pública (1984); e o conjunto de trabalhos sobre o Estado e
as modernas formas de legitimação (Habermas, 1987, pp. 45-92, orig:
1968; Habermas, 2002/1973; e Habermas, 1983/1976; Cf. Freitag e
Rouanet,1990, pp. 14-15).

SUMÁRIO 106
Encarada como uma espécie de visão enviesada de uma
redenção inatingida, a produção cultural e artística reserva um
momento ambivalente, por um lado, inseparável das suas circuns-
tâncias sociais constituintes, por outro, marcado pela sua autonomia
em face de um campo social de produção meramente considerado
sob perspectiva económica.

Num nível mais geral, a esfera pública cultural tem em si


uma promessa de autonomia e de experimentação. Num nível mais
específico, constitui um lugar próprio de exercício de práticas sociais
alternativas: foi-o, indiretamente, na esfera pública burguesa em que
a literatura epistolar, a constituição literária de heróis que tipificavam
o espírito individualista e empreendedor da burguesia, a própria frui-
ção colectiva da crítica e do gosto permitiram a formação de subje-
tividades mais conscientes da sua autonomia e mais confiantes nos
poderes do discurso.

Habermas dedicou páginas importantes à evolução dos jor-


nais e à sua leitura pública, à constituição dos teatros, à libertação
da música da sua função de representatividade social dos mecenas
com a constituição de sociedades públicas de concertos, (1984, p. 55),
ao surgimento de público de arte constituído por leigos. Referiu-se à
orientação da pintura e das artes para a esfera do público através da
constituição de academias e de salões, ao surgimento de uma crítica de
arte associada à conversação dos amadores esclarecidos e de jornais
ligados à arte e à critica cultural. Habermas acompanhou Benjamin
no processo de des-ritualização da arte como parte de um processo
histórico de racionalização em que a arte se liberta dos contextos de
utilização ritual. O objecto artístico torna-se mercadoria liberta para o
prazer estético do publico burguês que frequenta os salões e as expo-
sições do século XIX. Libertada da religião e da vida da corte, a arte
torna-se mundana e um veículo de entretenimento de fruição popula-
res. No século XIX e XX, com as artes reprodutíveis, o publico burguês,
na visão Benjaminiana a que Habermas adere, dá lugar às populações
trabalhadoras das sociedades urbanas (Habermas, 1990, pp. 182-183).

SUMÁRIO 107
No domínio da teoria da arte, durante os debates publicados
em 1990 sobre a visita realizada por Habermas a Marcuse em
Starnberg (Freitag e Rouanet 1990, p. 31) na discussão sobre estética,
preferiu, mais uma vez conceitos benjaminianos, aproximando-se
de objetos como o happening e outras manifestações da arte
pós-aurática (surrealismo, pop-arte, dadaísmo) e entendeu que à
aproximação à vida por parte destas formas de arte contribuiu para
a crise de legitimação do capitalismo. Considerou que seria de uma
produção colada à realidade capitalista numa atitude de reformismo
radical e não de “Grande Recusa” – a atitude defendida por Marcuse,
centrada numa arte que mantém a sua distância em relação à vida
como recusa do princípio da realidade – que surgirá a elucidação do
discurso que permite a formação de um novo consenso. Habermas
admitiu, referindo-se às novas performances de vanguarda dos anos
60 e 70, a constituição de novos processos de reconstituição da
esfera política “em que se originará, através de novas relações entre
os grupos, as gerações e os sexos, entre os sujeitos e a natureza,
uma nova formação colectiva da vontade” (cf. Habermas, 1990, p. 13).

Nos textos que produz sobre o seu encontro com Marcuse,


sobre Benjamin e, também, sobre a revolta estudantil fica a sensa-
ção de que Habermas estaria disponível para avaliar positivamente
alguns dos valores de vanguarda que rodeavam nos anos 70 em
torno de uma certa interpenetração entre política e estética. A sua
abertura às ideias de relação com a vida por parte de uma arte que
capta o momento através do happening, da montagem, dos mixed
media, antecessores do multimédia, parece sugerir esta disponibi-
lidade (Habermas, 1990, p. 137). Nos anos da revolta estudantil, a
esfera pública que ali se forma está movida por uma objeção dirigida
contra a compulsão objetivada de uma sociedade autoritária base-
ada na obtenção de resultados (Habermas, 1997, p. 32). As agendas
expandiram-se e trouxeram elementos pós materialistas de politi-
zação do privado. Críticos conservadores como Daniel Bell viram a
evolução da cultura com desgosto imputando à modernidade uma

SUMÁRIO 108
litania familiar de sintomas patológicos como hedonismo, a falta
de identificação familiar, a ausência de obediência, o narcisismo e
o declínio da competitividade, os quais confirmam os efeitos con-
siderados perniciosos da estética modernista na ethos da família e
do trabalho. Os críticos com que Habermas partilha mais afinidades
assimilam a modernidade estética como um antídoto contra aspec-
tos restritivos da liberdade por parte do sistema económico e admi-
nistrativo e como um elemento de desmotivação dos impulsos do
capitalismo tardio (cf. Ingram, 1991, p. 69). Para os conservadores,
os princípios da contracultura revelam-se incompatíveis com a dis-
ciplina exigida pela vida profissional em sociedade e com uma con-
duta racional orientada para finalidades. Habermas considera que
alguns dos fenómenos detetados pelos conservadores resultam da
intervenção dos sectores administrativo e económico no mundo da
vida do decurso de um processo de modernização societal, cabendo
pouco à contracultura da responsabilidade pelas transformações no
plano dos valores. (cf. Habermas & Ben-Habib, 1981, p.6). Habermas
refere-se à “destruição das formas de vida tradicionais” que resultam
do impacto da monetarização e burocratização da força de trabalho
e das realizações do Estado (Habermas, 2012, v. 2, p. 580).

II
A análise habermasiana infletiu, a partir dos anos 70, na dire-
ção de um conjunto de reflexões filosóficas e antropológicas que
transcenderam a análise empírica das condições sociais, históricas
e culturais concretas favoráveis à participação dos cidadãos. Apesar
da substantiva ausência desse percurso sobre as estruturas cultu-
rais, é possível identificar um enquadramento a partir da reflexão
produzida ainda que se verifique a lacuna de uma história conceptual
sobre a sociologia do espaço público cultural.

SUMÁRIO 109
O conceito de refeudalização do espaço público, típico do
primeiro Habermas, prolongou de certa forma uma visão negativa da
indústria cultural. Sociologicamente, Habermas analisou, de modo
original, o significado histórico e político das transformações estru-
turais da sociedade burguesa percebendo algumas das suas mais
significativas nuances, mas concluiu num diagnóstico teórico que
não escapou à tendência pessimista da Teoria Crítica ainda que sem
a tornar um devir histórico inevitável.

Na conclusão da Mudança Estrutural, a cultura do capita-


lismo tardio difere da cultura burguesa primitiva pela ausência de
discurso racional entre os destinatários. A discussão de questões
culturais é, ela própria, integrada no ciclo de produção e consumo
(cf. Habermas, 1984, p. 191) A esfera pública passa a ser constituída
por um número cada vez mais pequeno de poderosas organizações
e só os públicos organizados podem exercer influência. A opinião
pública deixa de ser uma fonte de julgamentos críticos, tornando-se
uma variável psicossociológica destinada a ser manipulada. Gera-se
um fosso entre a ficção constitucional da opinião pública e a disso-
lução sociopsicológica do conceito, empreendida no âmbito de uma
pesquisa sociológica empírica.

A tese da refeudalização do espaço publico é, pois, um marco


teórico, a partir do qual é possível confrontar a realidade empírica
das estruturas culturais.

A partir do início dos anos 80, consolida-se a visão dual da


sociedade entre: 1) o enquadramento institucional de uma sociedade
ou mundo da vida, e 2) os subsistemas de acção racional relativa a fins
que se incrustam nesse enquadramento. Fala-se neste caso, a pro-
pósito do mundo da vida, de um mundo partilhado comum em que
sujeitos que “agem comunicativamente buscam o entendimento no
horizonte do mundo da vida” (Habermas, 2012, vol. 1, p. 138). No caso
específico da organização económica capitalista e da organização
estatal contemporânea são interpretadas como “subsistemas que

SUMÁRIO 110
se diferenciam do sistema de instituições, ou melhor, dos compo-
nentes sociais do mundo da vida pelos meios “dinheiro” e poder”
(Habermas, 2012, v. 2, p.576).
Quanto ao núcleo institucional da esfera publica é for-
mado pelas redes de comunicação intensificadas pelas
atividades culturais, pela imprensa, e, mais tarde, pelos
meios de comunicação de massa, os quais tornam pos-
sível a participação de um público de pessoas priva-
das na reprodução da cultura e na fruição da arte, bem
como a participação de públicos de cidadãos na integra-
ção social, viabilizada pela opinião pública (Habermas,
vol. 2, 2012, p. 577).

Habermas desenvolveu a tese da colonização interna do


mundo da vida segundo a qual a sociedade enquanto sistema, após
ter-se separado do mundo da vida, interfere neste último através
sobretudo de subsistemas regulados por meios não linguísticos,
como o poder ou o dinheiro, que penetram ou “colonizam” os domí-
nios da vida quotidiana (cf. Habermas, 2012, v. 2, pp. 691-2). Nos cam-
pos de ação que são organizados de modo formal, o mecanismo do
entendimento linguístico, fundamental para a integração social, vai
sendo substituído pelos meios de controle que envolvem as relações
de troca e de poder (cf. Habermas, 2012, v. 2, p. 572; p. 574; p. 576).
O problema consiste numa aceleração da dinâmica reificadora do
sistema de ação administrativo e económico que parece excluir e
dificultar a criação de instituições de liberdade capazes de proteger
as esferas de ação comunicativas estruturadas nas esferas publica
e privada (Habermas 2012, vol. 2, p 592). Habermas concluiu que
esta perda de sentido e de liberdade não é fortuita, mas induzida
estruturalmente no mundo da vida pelos subsistemas económico e
administrativo através dos meios “dinheiro “e poder”.

SUMÁRIO 111
III
Há, hoje, muitos indícios de refeudalização do espaço
público e de colonização do mundo da vida: fragmentação e apare-
cimento de câmaras de eco de pensamento consonante, empobre-
cimento da experiência partilhada, privatização maciça da opinião
e declínio das estruturas públicas de conhecimento, generalização
da vigilância por imperativos de eficiência securitária e económica,
datificação dos processos simbólicos a fim de assegurar a sua ins-
trumentalização, empobrecimento da razão comunicativa pública,
colonização do mundo da vida pelos imperativos económicos e fun-
cionais nomeadamente, e, de forma mais notável, os provenientes
do sistema económico.

Um dos elementos da democracia – o pluralismo e a capa-


cidade de um pensamento alargado capaz de se colocar no ponto
de vista de outrem – será severamente contrariado, mobilizando
aliás abordagens teóricas relevantes sobre fenómeno. “Capitalismo
de informação” foi o conceito cunhado por Byung-Chul-Han para
quem chamamos “regime de informação aquela forma de domínio
na qual a informação e o seu processamento por meio de algoritmos
e de inteligência artificial determinam de um modo decisivo os pro-
cessos sociais económicos, políticos e culturais” (Byung-Chul -Han
2022, p. 11) “capitalismo de vigilância”, no caso de Shoshana Zuboff,
caracteriza “Uma nova ordem econômica que reivindica a experiên-
cia humana como matéria-prima gratuita para práticas comerciais
dissimuladas de extração, previsão e vendas” (Zuboff, 2020).

Byung Chung Han considera que “a representação como


presença do outro na formação da opinião própria é constitutiva
da própria democracia como prática discursiva” e cita a propósito
Arendt: “Formo uma opinião, considerando um determinado assunto
de diversos pontos de vista, tendo em mente as opiniões dos ausen-
tes e assim, represento-os” (Han, 2022, p. 33). Lembra que presença

SUMÁRIO 112
do outro também é constitutiva da ação comunicativa no sentido de
Habermas. “Na acção comunicativa tenho de ter presente a possibi-
lidade de a minha declaração ser posta em causa pelo outro”. (Han,
2022, p. 33). Ora, “pode atribuir-se a crise actual da racionalidade
comunicativa ao metanível de que o outro está em vias de desapare-
cimento. O desaparecimento do outro significa o fim do discurso. Isto
priva a opinião da racionalidade comunicativa.” (Han, 2022, p. 34). A
personalização algorítmica cria um universo de informação fixo em
cada um de nós que altera completamente a maneira como acede-
mos à informação. Quanto mais tempo passado na internet, mais o
tempo de reforço das convicções próprios (Idem, 2022 p. 34-35).

Em 2009, o Facebook deu aos utilizadores uma forma de,


publicamente, dar “gostos” nas publicações com o clique de um
botão. Nesse mesmo ano, o Twitter introduziu o botão de retweet,
que permitiu aos utilizadores subscreverem publicamente uma
publicação, ao mesmo tempo que a partilhavam com todos os seus
seguidores. O Facebook copiou essa inovação com o botão de “par-
tilhar”, que ficou disponível para os utilizadores de smartphones em
2012. Adicionalmente, desenvolveu algoritmos para dar a cada utili-
zador o conteúdo mais provável de gerar uma interação “gosto” ou
qualquer outra, acabando por incluir também o “partilhar”. Estudos
posteriores mostraram que as publicações mais prováveis de serem
partilhadas são as que desencadeiam emoções — especialmente a
raiva - por grupos de pessoas. A enfâse nas emoções reconfigura
realidades sociológicas duvidosas sob o ponto de vista da sua con-
sistência histórica e científica e produz, nos discursos identitários,
um empobrecimento hermenêutico e argumentativo. Sob o ponto de
vista comunicativo, diversos tipos de narrativas falsas ou desinfor-
mação escolhem como critério principal a adequação aos s valores e
crenças pré-existentes no grupo que as partilha agravando as pato-
logias democráticas já referidas.

Embora o tribalismo não se deva apenas à personalização


algorítmica da rede, o fundo holístico de ação comunicativa que

SUMÁRIO 113
constitui o mundo da vida já não é suportado pelos contexto s cul-
turais e as tradições sãos diluídas pela globalização (cf. Han, 2022,
p. 36). Habermas num dos seus últimos ensaios, ao assinalar os 60
anos do livro Mudança Estrutural da Esfera Pública, identificou uma
comunicação encerrada em si própria, fragmentada e semipública
que se espalhou entre os utilizadores dos medias sociais. (Habermas,
2022, p. 146). Para Habermas, uma cultura política constitucional de
jaez liberal exige um “fundo holístico de acção comunicativa “pois
a sua aquisição é em larga medida implícita, “mergulhada numa
extensa e complexa rede de memórias históricas e de crenças, práti-
cas e valores tradicionais presentes de geração em geração graças a
padrões quotidianos de socialização política. Não se trata de fundar
a política exclusivamente na tradição mas de fazer depender o hábito
e a educação politica também da sua inserção no mundo da vida:
uma cultural liberal cujo cerne moral consiste na vontade dos cida-
dãos para reciprocamente reconhecerem outros como concidadãos
e colegisladores no sentido democrático do termo exige uma solida-
riedade cívica e uma prática continuada que não é possível com a
expansão centrífuga de comunicações não editadas nem seleciona-
das profissionalmente (cf. Habermas, 2022, p. 158).Os novos media
e as companhias suas titulares não são responsáveis pelos seus
próprios programas e pelos seus conteúdos não oferecem aos seus
utilizadores qualquer substituto para a seleção profissional ou para
examinação discursiva de conteúdos baseado em padrões cogniti-
vos geralmente aceites (cf. Habermas, 2022, p. 161.).

As estruturas do espaço público são feudalizadas através de


fórmulas em que prevalecem a racionalidade económica.

A mobilização do trabalho cultural em geral e até dos próprios


momentos de lazer em que os utilizadores das redes são responsá-
veis pela produção de conteúdos e pela produção de valor são mais
um elemento que contribui para a completa dissolução da separação
entre o espaço publico e o espaço privado.

SUMÁRIO 114
Estes fenómenos estão hoje patentes na forma como são
mobilizados os “utilizadores” de cultura, assim significativamente
designados, a participarem no processo de prestação do serviço nas
tecnologias da informação. A transformação da audiência em mer-
cadorias identificada primitivamente por Dallas Smythe (1977) diag-
nostica uma transformação que resulta do facto de os dados dos
participantes nos debates serem cada vez mais a mercadoria princi-
pal dos produtos culturais da indústria cultural e particularmente das
cultura digitais por força da importância concedida às visualizações.
Desde o princípio do século XX, os produtores investem na atenção
dos consumidores para lhes tornar os seus produtos desejáveis. A
atenção dos consumidores é comprada às companhias de media.
A atenção é vista como uma mercadoria e os media não são vistos
apenas como um elemento da superestrutura, mas como um ele-
mento da cadeia de acumulação de valor (cf. Fisher, 2015, p. 119).

Este olhar económico não esgota a totalidade do desempe-


nho mediático. Os media não são apenas elementos da cadeia da
acumulação de valor nem elementos da superestrutura rigidamente
determinados pela infraestrutura. São elementos de conflitualidade
que participam das dinâmicas de formação da opinião pública, a qual
é por sua vez, entendida como elemento de conquista de lealdade por
parte das forças que exercem uma posição dominante e como uma
oportunidade de abertura temática e de dinamização de agendas
por parte das forças que exercem uma pressão de baixo para cima
e da periferia para o centro do sistema. Mas este conceito de audi-
ência como mercadoria diagnostica uma dimensão específica dos
media que se torna particularmente relevante nos chamados media
sociais e que lhe imprime uma dinâmica acentuadamente mercantil
em torno das visualizações, dos utilizadores e dos seus dados.

Os atos de receção são cada vez mais configurados como atos


de consumo em que os consumidores são emocionalmente indu-
zidos a exponenciarem os comportamentos de consumo de forma
a gerarem mais visualizações, numa lógica em que a componente

SUMÁRIO 115
psicossocial das emoções e da gratificação individual é predomi-
nante. Num segundo passo, são acoplados ao sistema económico
por força de mecanismos de vigilância que simplificam a extração de
dados que são vendidos a plataformas que lucram com as mesmas
práticas e aos anunciantes que pagam por esses dados para garan-
tirem a colocação o mais personalizada possível dos seus produtos
e da publicidade respetiva. Os cidadãos minimizaram a sua autono-
mia em função do consumo, autorizando que os seus dados sejam
diretamente extraídos se processados por algoritmos em experiên-
cias corporativas e, indiretamente, por mecanismos de regulação
exclusivamente dependentes do mercado e do Estado. Prescindiram
de parte das hierarquias de valor que constituem o próprio espaço
público. O “capitalismo de vigilância”, termo reivindicado por Zuboff,
mobiliza unilateralmente a experiência humana como matéria-prima
gratuita que transforma em dados comportamentais.
Embora alguns desses dados sejam aplicados para
melhorar o produtos e serviços, o restante é declarado
como excedente comportamental do proprietário, alimen-
tando avançados processos de fabricação conhecidos
como “inteligência de máquina” e transformado em pro-
dutos preditivos que antecipam as nossas ações atuais
imediatas e futuras (Cf. Zuboff, 2020, p. 22).

Para tal, foram mesmo concebidos protocolos automatizados


para influenciar e modificar o comportamento e transformaram o mer-
cado num projecto de poder absoluto, num projecto que aos olhos
de Zuboff tem uma divida teórica para com o behaviorismo radical.

IV DISCUSSÃO
Se a Mudança Estrutural da Esfera Publica consistia um
esforço adicional de atribuição de uma densidade histórica empí-
rica ao processo de racionalização e secularização da vida política e

SUMÁRIO 116
cultural, a verdade é que a conclusão ainda terminava num processo
que fazia lembrar os habituais impasses teóricos da Teoria Crítica.

Já a Teoria do Agir Comunicacional, quer propor uma visão


emancipadora sobre as próprias estruturas comunicativas que iden-
tifica na sociedade, e reformular a teoria da reificação nos termos de
uma teoria da colonização do mundo da vida pelo sistema à qual se
opõe um processo de racionalização linguisticamente mediado. Ao
inserir as possibilidades emancipatórias em estruturas pré-existentes
na linguagem Habermas, creio, evita o risco de um devir unilateral da
racionalidade que culmine sempre numa história de dominação.

O que significam neste caso, a existência de fenómenos


patológicos antidemocráticos que parecem afirmar-se contra todas
as formas de diálogo assente no fundo comunicativo do mundo da
vida? Será que Han tem razão quando afirma que a tessitura do
mundo da vida, o seu fundo holístico e a racionalidade comunicativa
que lhe é inerente não suportam fenómenos como a personaliza-
ção algorítmica imposta pela NET, a polarização das redes sociais,
a pressão hiperculturalista e tribalista da globalização? Habermas
parece sentir a mesma pressão e alerta para o facto de que uma
democracia de certo tipo não pode existir sem uma cultura de um
certo modo partilhada. Ao fazê-lo, Habermas identifica uma condi-
ção constituinte da própria democracia. Uma teoria política, uma teo-
ria em geral, deve plasmar as condições de existência de um fenó-
meno, sendo que o facto destas condições se revelarem ameaçadas,
não retira razão à teoria quanto ao nexo de causa entre a existência
dessas condições e a existência do fenómeno. Ou seja, a existência,
em pano de fundo, de uma cultura interiorizada que presuma com
uma certa razoabilidade o pensamento e os interesses de outrem
e, adicionalmente, a sua consideração com adversário e não como
inimigo, é uma condição para a existência de democracia. A inexis-
tência dessa cultura não a transforma numa condição falsa, apenas
realça a sua necessidade ou mesmo a sua condição constituinte da
própria democracia. Nesse sentido, parece que faz algum sentido

SUMÁRIO 117
lembrar como condições apriorísticas de um trabalho sobre teoria
democrática que há condições apriorísticas da democracia. Fazem
parte dessas condições de democracia a existência de um certo grau
de universalismo. Não um universalismo desenraizado, abstracto,
alheio às condições concretas de existência concreta, mas a exis-
tência de uma certa dose razoável de universalismo e de uma certa
capacidade de imaginação sobre as pretensões, exigências e cir-
cunstâncias de outrem que permitam a aceitação de regras comuns
de convivência entre diferenças.

Ao pensar especificamente sobre o papel das redes digitais


na estruturação do espaço publico e na colonização do mundo da
vida convirá reflectir sobre o facto de que a comunicação publica
das redes sociais – aquela em que se verifica a polarização na sua
máxima força, em toda sua pujança- não pode ser vista como o todo.
Ela surpreendeu pela novidade, pelo ineditismo, e, talvez, pela distra-
ção democrática do pensamento crítico. A sua óbvia desregulação
começa a ser acompanhada já por uma tímida percepção da neces-
sidade da sua regulação. Os episódios sobre o Twitter, as eleições
de 2016, o Brexit já produziram algum sobressalto mesmo que este
não tenha ainda uma efetiva tradução legislativa à altura. Continuam
(se não o são ainda mais) preocupantes, mas já não vivem ocultas
sob um manto diáfano de fascínio tecnológico nem de ineditismo –
pelo menos ao nível dos decisores e dos estratos da população mais
atentos e informados.

A abordagem de Habermas contempla a colonização do


mundo da vida pelos subsistemas administrativo e económico, através
dos meios do dinheiro e do poder. Convém distinguir empiricamente
entre situações em que um dos subsistemas ou ambos exercem a
sua força colonizadora em composições diversas. A digitalização em
diferentes contextos ditou fórmulas diversas: o poder económico das
empresas e corporações- isto é a dominação exercida pelo subsis-
tema económico através do medium dinheiro é visível na extração de
dados pelas redes sociais, mas o seu uso pelo sistema administrativo

SUMÁRIO 118
através do meio poder é visível em países onde vigoram regimes em
que as liberdades individuais são reguladas – para usar um verbo
soft – pelo Estado. Basta pensar na rede social WeChat e no uso
que lhe é dado na República Popular da China. Será que é possí-
vel pensar num capitalismo de vigilância modelo Facebook e num
Capitalismo de Vigilância de Estado Modelo WeChat? De qualquer
modo será possível que as práticas empresariais (como parece acre-
ditar Zoboff ) consubstanciam um modo de produção novo? Apesar
de muito relevantes nem a proposta de Zoboff nem as pertinentes
observações de Chung Bul Han parecem afetar essencialmente as
possibilidades do modelo habermasiano. Não se tratará antes de
diferentes composições de propriedade e de diferentes composições
de modelos de regulação? A existência de diversos modelos de rede
com lógicas muito diversas e muito diversas podem-nos conduzir a
conclusões diferentes:

1. A definição de um novo de produção distinto do capitalismo


tradicional assente na extração de dados e que se designa
por capitalismo de vigilância.

2. O prolongamento de um modo de produção semelhante em


que se verifica apenas uma alteração de práticas empresa-
riais. É uma tese que parece frágil, instaurada em torno de
alguns ambientes políticos que minimizam o impacto das
redes como business as usual, minimizando algumas das
suas práticas notoriamente agressivas.

3. Algures entre as duas hipóteses, ensaia-se uma síntese que


considera que há uma claríssima mudança de paradigma em
termos do modelo de produção, distribuição, consumo, natu-
reza das mercadorias e das relações laborais que é compará-
vel à introdução da gestão moderna com o fordismo e a linha
de montagem, a introdução do direito laboral no século XX, a
criação da sociedade de massas.

SUMÁRIO 119
Tal como aconteceu com a automação, e a generalização das
linhas de montagem, existe uma diferença especifica introduzida pela
revolução tecnológica. Todavia, mesmo considerando estas possibi-
lidades, elas podem ser lidas no âmbito de um horizonte de autono-
mia sistémica e de um projecto reificado de colonização extrema do
mundo da vida em graus diferentes pelo dinheiro e pelo poder admi-
nistrativo. Quando o dinheiro e o poder se institucionalizam tornando
possível a diferenciação dos subsistemas económicos e administra-
tivos surgem sociedades modernas com projetos distintos. Isto é
Um caminho de modernização capitalista se abre quando
o sistema económico assume a liderança da sociedade
como um todo, desenvolvendo uma dinâmica de cresci-
mento própria. Ora, o caminho da modernização passa a
ser outro quando sistema de ação administrativo adquire
uma autonomia semelhante em relação ao sistema eco-
nómico, na base de uma estatização dos meios de produ-
ção e do domínio de um único partido institucionalizado
[…] Ora, as crises provocadas no mundo da vida pelos
subsistemas têm duas portas de entrada. Quando o sis-
tema económico é hegemónico, a crise entra pelas eco-
nomias domésticas privadas; quando essa hegemonia é
do aparelho de Estado, a crise entra através das filiações
politicas relevantes (Habermas, 2012, p. 691).

A partir deste modelo, é possível, tendo em conta que


Habermas pensava na comparação entre os modelos capitalistas
ocidentais e os modelos socialistas burocráticos do Leste da Europa,
considerar ainda a possibilidade de um quadro comparativo dos
tipos de tendências de crise e das formas de patologia atualmente
dominantes na era da digitalização? Por um lado, assiste-se a uma
dinâmica de profunda autonomização do sistema económico resul-
tante da globalização: isto é, verificam-se ao nível do emprego, das
condições de trabalho, da dicotomia igualdade/desigualdade, das
oportunidades de flexibilização do trabalho e de mercantilização
generalizada de domínios informais do mundo da vida, indícios que

SUMÁRIO 120
remetem para uma poderosa actividade hegemónica do sector eco-
nómico que configura um modelo capitalista típico.

Ao mesmo tempo, verificam-se entre países que seguem esse


modelo económico o surgimento de reações nostálgicas de natureza
distópica geralmente iliberais que parecem configurar reações tra-
dicionalistas também previstas por Habermas contra as dinâmicas
reificadoras do sistema económico e, em particular, contra o sistema
económico globalizador.

Simultaneamente, nalguns domínios, verifica-se um reforço


do sistema administrativo que, através das novas tecnologias, dis-
põe de competências reforçadas para exercer algumas das suas fun-
ções clássicas designadamente securitárias e de polícia. Ao mesmo
tempo, verifica-se um recuo do sector administrativo na regulação de
alguns sectores económicos, nomeadamente, na actividade empre-
sarial tecnológica e na actividade financeira. Este tipo de circunstân-
cia em que o sistema económico ganha uma força preponderante
e o sistema administrativo ganha-a tão só no domínio securitário
(Estado-Policia) recuando n atividade legislativa de regulamentação
económica recorda a situação anterior ao Estado Social e, como tal,
transporta-nos para a existência de um novo liberalismo que geral-
mente se designa por ordem neoliberal, configurado pelo recuo do
Estado para as funções de segurança em detrimento das funções
sociais e reguladoras , em detrimento também da transformação jurí-
dica do poder comunicativo em poder administrativo defendido por
Habermas, posteriormente, em Between facts and norms (1996).

Simultaneamente, nos países onde existe uma clara predomi-


nância do sistema administrativo, com forte restrição das liberdades,
concentração estatal, elevados graus de vigilância, como é o caso
da República Popular da China, realizaram-se privatizações e lan-
çaram-se empresas de capitais mistos, havendo uma preocupação
com reformas no sector económico que acentuam a sua autonomia
ainda que dadas as características do pais e do regime, a hegemonia

SUMÁRIO 121
do sistema administrativo não esteja em causa. Todavia, parado-
xalmente, parecem reforçar-se as dinâmicas securitárias em detri-
mento das dinâmicas reguladoras do Estado, o que parece sugerir
uma especifica leitura do liberalismo económico que resulta das exi-
gências de competitividade postuladas pelo posicionamento geoes-
tratégico de potência.

Neste sentido, não nos parece que as grandes sínteses


exploratórias estejam esgotadas até porque o problema do direito e
da proteção das estruturas de liberdade e de intercompreensão do
mundo da vida parecem ser uma questão central da regulação.

Concluindo, 60 anos apos Mudança Estrutural de Esfera


Publica e 41 anos apos Teoria do Agir Comunicacional, Habermas,
apesar de ter abandonado, nas suas sínteses fundamentais, as abor-
dagens histórico-conceptuais ao fenómeno da cultura, e consequen-
temente, dos media, este é susceptível de ser abordado em torno dos
conceitos fundamentais de “refeudalização do espaço publico” e,
particularmente de “colonização do mundo da vida”, vigorando ainda
como chave hermenêutica fundamental e activa para a concepção
do espaço público as obras posteriores de Habermas posteriores a
1981, nomeadamente Between Facts and Norms (1996). Obviamente.
este enquadramento é um ponto de partida para um trabalho empí-
rico onde serão válidas perguntas e categorias que carecem de inda-
gação noutro plano que não significam a sua substituição, mas ape-
nas a sua operacionalização e aprofundamento.

O centramento em patologias e disfunções da democra-


cia como o surgimento do populismo, a ruptura do diálogo demo-
crático, o discurso de ódio, polarização, vigilância e extração de
dados, são subsumíveis no âmbito da extensa conceitualização feita
pelo pensador alemão.

SUMÁRIO 122
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SUMÁRIO 124
6
Daniel H. Cabrera Altieri46

DESINFORMACIÓN,
“VERDAD”
Y AUTORITARISMO
ALGORÍTMICO

46 El autor agradece la financiación de la Unión Europea-


NextGenerationEU en el marco de la cual se realizó este
trabajo en estancia de investigación en el Instituto de
Filosofía del CSIC, Madrid.

DOI: 10.31560/pimentacultural/978-65-5939-953-6.6
La última década a nivel internacional se habla de fake news,
posverdad o desinformación como características del actual sistema
político-comunicacional en relación con la no concordancia a la
“verdad de los hechos”. En su conjunto se refieren a estrategias de
comunicación manipuladora para provocar deterioro de la confianza
pública en favor de unas ideas, un candidato o un grupo político.
En medio de una crisis social de credibilidad hacia las instituciones
de la modernidad y en la desorientación de la sociedad respecto
de los valores normativos heredados, el sistema político populista
ha encontrado, en la desinformación, un camino para un autorita-
rismo algorítmico, es decir un sistema formalmente democrático fun-
cionando con reglas de comunicación y gestión autoritarias. En el
presente texto se busca presentar algunos elementos introductorios
para el debate de la relación entre la desinformación, la “verdad” y la
posibilidad de una democracia.

1. DESINFORMACIÓN ALGORÍTMICA:
¿DECADENCIA DE LA VERDAD?
En 2018 la importante fundación conservadora RAND publicó
un informe titulado Truth Decay. En él se define la “decadencia de la
verdad” como un conjunto de cuatro tendencias relacionadas:

– desacuerdo creciente sobre hechos e interpretaciones analí-


ticas de hechos y datos;

– una difuminación de la línea entre opinión y hecho;

– un aumento en el volumen relativo y la influencia resultante


de la opinión y la experiencia personal sobre los hechos;

– y la disminución de la confianza en fuentes de información


fáctica anteriormente respetadas.

SUMÁRIO 126
Con la identificación de estos cuatro elementos se propone
escapar de una definición filosófica de “verdad” para centrarse en los
fenómenos puestos de moda los años anteriores con los nombre de
fake news y post-truth y que hoy se investigan como “desinformación”.
Antes, en 2016, el Diccionario Oxford había elegido “posverdad” como
palabra del año que califica (en inglés es adjetivo) una situación en la
que “los hechos objetivos son menos determinantes que la apelación
a la emoción o las creencias personales en el modelado de la opinión
publica”. El marco para estas alertas en el mundo anglosajón estaban
acompañadas por la campaña presidencial y por la propia presiden-
cia de Donald Trump (2017-2021) en cuyos días The Washington Post
abrió un contador de fact-checking para señalar las mentiras presi-
denciales en tiempo real (Fact Checker’s ongoing Database).

El fenómeno de la desinformación se ha convertido en un


problema de primer orden porque no solo se refiere a falsedades
políticas, sino también científicas como el terraplanismo, el negacio-
nismo respecto de las vacunas o los bulos que circularon respecto de
la pandemia de Covid-19.

¿Qué es la desinformación? Cuatro elementos componen la


posibilidad de explicar esté fenómeno: información, falsedad, daño
e intención (Wardle, Derakhshan 2017). Una información es errónea
(mis-information) cuando es falsa pero sin intención de daño. Por
malas prácticas profesionales o por pereza, por ejemplo, se puede
hacer circular datos que no corresponden con lo sucedido, con sus
personajes, con sus causas, etc. En segundo lugar, podemos hablar
de mala información (mal-information) cuando la información es ver-
dadera pero la intención es causar daño. Por falta de oportunidad,
por revelar detalles innecesarios, por promocionar lo íntimo sin rele-
vancia social, etc. Y finalmente, hablamos de desinformación (dis-
-information) cuando se trata de información falsa para causar daño
a personas, a partidos, empresas o a una causa. Se espera que ese
daño, además desestabilice a otros y haga más aceptable la propia

SUMÁRIO 127
posición. La desinformación se multiplica a gran velocidad por redes
digitales y llega a grandes públicos, sin costos de emisión y sin que
sea punible legalmente.

Para hacer frente a esta situación de “desorden informativo”


hace mas de una década se utiliza el fact-checking. Técnica de veri-
ficación datos y hechos publicados principalmente en Internet que
se ha convertido en una importante herramienta para el ejercicio
del periodismo y la necesaria transparencia del ejercicio de todo
gobierno. En cada época se ha utilizado la tecnología existente para
difundir falsedades, desde la imprenta, el telégrafo, la radio, la avia-
ción y el cine, hasta Internet y esas mismas tecnologías han servido
para combatir la falsedad y el engaño. Pero lo que está en juego
ahora, es la posibilidad de la Política y su relación con la verdad. En
ello la comunicación y la educación juegan un papel clave.

¿Qué decimos cuando afirmamos que estamos en épo-


cas de fake news, posverdad o desinformación? ¿El siglo XX era el
tiempo de la verdad?

Las fake news son noticias, imágenes u otro tipo de conteni-


dos falseados con una cierta intención. Sin embargo, la creación de
falsedades con una intencionalidad táctica forma parte de la histo-
ria de la comunicación y la política, en Occidente, al menos desde
Platón y pasando por Hobbes. La mentira y la falsedad y, en su modo
extremo, la propaganda -la mentira organizada en la esfera pública-
siempre han sido una parte de la política. Su uso ha buscado conse-
guir algún tipo de ventaja frente a los identificados como adversarios.

Entonces ¿qué es lo característico de la situación actual?


Ante todo, se relaciona con un sistema comunicativo de medios
digitales e internet que dan al fenómeno una escala global y una
velocidad sin precedentes en la producción y circulación de imáge-
nes y mensajes. La posverdad, las fake news y la desinformación son
posibles hoy debido a una compleja interacción entre tecnologías

SUMÁRIO 128
digitales, prácticas comunicacionales en red y una nueva sociedad
llamada “capitalismo informacional” (Castells 1996), “infocracia” (Han
2021) o “sociedades de control” (Deleuze 1991).

2. POLÍTICA Y VERDAD
La teoría política siempre hizo referencia a las creencias y a
la opinión como un problema al que debe enfrentarse. Entre otras
cosas, porque la mentira se utilizó como “una herramienta necesaria
y justificable no sólo para la actividad de los políticos y los demago-
gos sino también para el hombre de Estado” (Arendt 2017: 15) ¿Por
qué ahora de pronto descubrimos el “problema de la verdad” en polí-
tica? En este punto, es necesario hacer referencia al ensayo “Verdad
y Política” de Hannah Arendt por su relevancia.

2.A. - VERDAD Y AUTORITARISMO


Hannah Arendt plantea que la verdad y la política “nunca se
llevaron bien” pero, destaca que esa situación no tiene tanto que
ver con la verdad en sí misma, sino con el modo en que se la suele
defender como algo definitivo, absoluto e, incluso, más allá de toda
crítica. Analiza el fenómeno totalitario y su utilización sistemática de
la mentira en la vida pública que a diferencia de otras formas de
gobierno tiránicas, en las que la mentira, engaño u ocultamiento es
una estrategia deliberada para mantener el orden o sacar provecho
personal. La mentira totalitaria busca hacerse pasar por verdad.

Esa pretensión de verdad es algo común con el actual fenó-


meno de desinformación que no se trata solo del interés en un deter-
minado orden político. Mientras que la mentira corriente busca una
sintonía con los datos de la realidad, esforzándose en ser verosímil,

SUMÁRIO 129
la mentira totalitaria, como hoy la desinformación, busca ajustar los
datos a ella o leerlos de manera aberrante y con una difícil cone-
xión con la realidad.

La diferencia podría consistir que en el totalitarismo clásico


había una estrategia que consistía en hacer desaparecer los datos,
ocultarlos o, mejor aún, eliminarlos. La destrucción de la información
era un elemento más en la violencia y destrucción de la víctima. En
cambio en la desinformación se descalifica el dato -su verdad, su
relevancia-, se ningunea al mensajero -su lógica o su persona-, o se
ignora, de manera consciente o no, cuál sean los hechos.

El totalitarismo clásico, destruía expedientes, sustituía


registros, eliminaba personas, reemplazaba datos auténticos. En
el mediano plazo, el efecto era la pérdida de referentes confiables
para establecer un mundo y una historia común y, con ello, la posi-
bilidad de la cooperación interpersonal. Se producía una ruptura del
mundo por la continua sospecha de vivir en un mundo ilusorio, mani-
pulado, sin referencias confiables. Es cierto, que hay “secretos de
Estado” porque probablemente hay ciertos asuntos que son dema-
siado importantes para ser “negociados”, sin arriesgar el mundo que
se comparte. Pero, la desinformación del actual sistema autoritario
destruye la confianza publica con sospecha arbitraria generalizada
y manipula a su antojo los “hechos” por “hechos alternativos” (alter-
native facts) basados en suposiciones personales o en creencias
populares sin fundamentos. El caso de la pandemia del Covid-19 y la
cuestión de las vacunas mostró hasta que punto puede llegarse en la
sospecha y manipulación pública.

La argumentación de Hannah Arendt consiste en reconciliar


a la verdad con la política mediante el recurso de distinguir dos tipos
de verdades. La verdad factual, referida a los hechos duros, verifica-
bles por los sentidos que hace referencia a un estado de las cosas.
Y la verdad de carácter racional, que tiene que ver con ideas intan-
gibles, susceptible de apreciación sólo argumental. Defiende que la

SUMÁRIO 130
primera, la factual, tiene una significación política porque su objeti-
vidad es apreciable inmediatamente por todos. La otra, la racional,
admite una mayor manipulación al no estar al alcance de cualquiera.

Esto implica que en la democracia se incorpora dos dimen-


siones importantes de la verdad: una práctica, relacionada con la
participación inclusiva de todos; y otra epistémica, asociada a la deli-
beración. Lo que implica que una democracia estaría en peligro por
la exclusión de individuos o grupos, por la negación de su condición
política de ciudadanos, pero también si, estando todos incluidos, no
existe diálogo entre ellos. La tiranía totalitaria, comenta Arendt, sería
el primer caso. El segundo, la tiranía demagógica, podríamos decir
que corresponde el actual autoritarismo como los ejercidos por los
gobiernos de Trump o Bolsonaro. En este sentido, el actual fenómeno
de la desinformación consiste en la maniobra y deformación del diá-
logo público mediante el engaño con datos falsos, la descalificación
de los oponentes y de su discurso, la manipulación algorítmica per-
sonalizada de las opiniones de los ciudadanos/usuarios.

2.B. - DESINFORMACIÓN Y VERDAD


El fenómeno del totalitarismo suprimió la manifestación de
las opiniones plurales y con ello, la destrucción de la vida pública. Sin
ella, el sentido común, que nace en el espacio entre los ciudadanos,
no puede constituir un asiento firme para juzgar lo que sucede. La
destrucción sistemática de la verdad, no su ocultamiento, fue lo que
hizo el mayor daño al espacio público. Destrucción que, en la mayoría
de los regímenes políticos autoritarios, operó también mecanismos
de censura contra la expresión de las ideas y opiniones de la gente.

La desinformación es una estrategia del autoritarismo algo-


rítmico, una nueva manera de censura, no por la prohibición explícita
y abierta, sino por vía de negación de los hechos y las informacio-
nes mediante la construcción de discursos, sin justificación lógica

SUMÁRIO 131
ni datos contrastados, sólo sostenidas por la apelación a un mundo
común de creencias alternativas. La invocación de un “nosotros”
perseguido como si de una minoría se tratara aunque, esa es una
estrategia central, constituyen un grupo mayoritario y que, además,
ostenta el poder (económico y/o político).

Todo ello incluye un cambio de estrategia de lo político que


consiste en reforzar los grupos cerrados de redes sociales digitales
donde se refuercen las creencias con apelaciones al sentido común
del grupo en cuestión. La idea de pertenecer a un grupo frente a la
“mayoría” que serían los medios sociales convierte a las redes en
las “catacumbas” del autoritarismo algorítmico donde los creyen-
tes participan de sus rituales y creencias. El sentido de pertenencia
ocupa, entonces, un lugar central en grupos reunidos por creencias
y enemigos comunes. Lo que genera identidades políticas que se
sostienen en la medida que también se fabrican contextos “bélicos” y
estratégicos dentro de los cuales el grupo no solo tiene una creencia
sino también una misión.

En el sistema totalitario, sostiene Arendt, se aplica un tipo


de censura singular, presentada como una defensa de la verdad.
Se comienza con un disimulo u ocultamiento de una verdad cuyo
conocimiento público podría erigirse en amenaza para la estabili-
dad del gobierno. En la actual desinformación, interesan versiones
que permitan fortalecer la posición. Versiones inverosímiles que, por
inconcebibles que parezcan, siempre encuentran refuerzo en grupos
sociales digitales. Cualquier cuestionamiento se toma como parte de
una conspiración del “enemigo” con lo que esas versiones distorsio-
nadas se hacen irrebatibles.

¿Cómo podría falsarse un discurso político que argumenta,


por ejemplo, que un determinado país pertenece “al eje del Mal” y
en consecuencia debe ser invadido? No hay datos, ni hechos que
puedan discutirse. Se traslada el eje de la argumentación hacia lími-
tes de las opiniones y creencias. De esta manera, el propio discurso

SUMÁRIO 132
político manifiesta su pretensión de incuestionabilidad e, incluso, de
infalibilidad. Y con ello la autoridad, se convierte en el garante de lo
que debe ser opinado, es decir se transforma en autoritarismo. La
verdad siempre pone límites al discurso político. Uno no está auto-
rizado a opinar cualquier cosa, si al hacerlo pasa por alto los datos
objetivos de la realidad o abandona el terreno de la racionalidad. Por
esta razón, Arendt, reconoce que la verdad factual configura el pen-
samiento político por lo que “las opiniones, inspiradas por pasiones e
intereses diversos, pueden diferenciarse ampliamente y ser legítimas
mientras respeten la verdad factual”.

La verdades de hecho, las contrastables y verificables,


adquieren una importancia política fundamental cuando “lo común”
está en juego en su posibilidad de ser reconocido por todos como
tal, como “realidad común”. Las reacciones políticas ante la pande-
mia del Covid-19 planteó con claridad el desprecio hacia las defi-
niciones de la ciencia respecto de “contagio”, “virus”, “vacunas”, por
ejemplo, convirtiendo en opinable la investigación científica (Iranzo-
Cabrera, López-García, 2021). Con ello el propio método científico
parecía diluirse en el terreno de la opinión, en un peligroso juego
donde la verdad pertenece al que tiene mayor poder para imponer
sus creencias como válida para todos. Sucede en el caso extremo
de las verdades científicas asociadas al Covid-19 o el cambio climá-
tico, pero también, en la verdad histórica y en la memoria colectiva,
terrenos donde la discusión siempre es posible, en tanto se sustente
los hechos y la racionalidad. El abandono de la verdad implica un
enorme riesgo para la libertad humana. Es aquí donde el ejercicio de
la comunicación y la educación son instrumentos esenciales para la
conquista de la autonomía.

SUMÁRIO 133
3. COMUNICACIÓN POLÍTICA Y “VERDAD”
La teoría de la comunicación surgió a inicios del siglo XX
como un problema de comunicación política. Nuevos medios masi-
vos de comunicación aparecían desafiando la democracia por, se
suponía, gran poder manipulador de la prensa y la radio. La idea de
que los medios podían inocular con éxito cualquier mensaje en la
población se convirtió en un lugar común. Y, para colmo de males, la
prensa desde décadas anteriores luchaba contra la “prensa amarilla”.

En ese momento, uno de los “padres fundadores” de la comu-


nicación como disciplina, Edward Berneys, dio forma a este sentir defi-
niendo la comunicación política como la cristalización de la opinión
publica para mejorar la sociedad. Llamó a la actividad y la disciplina
que se encarga de esto “propaganda” primero, “relaciones publicas”
después. En estos casos, el eje verdad-mentira estaba modificado
por el “interés” de una empresa o de un gobierno que pagaba a una
empresa de comunicación con el objetivo de vender más y ampliar
su mercado a costa de la salud de la población como la campaña
“antorchas de la libertad” para que las mujeres fumen en 1929 o para
que una empresa como la United Fruit Company en conjunción con la
CIA de EEUU tuvieran vía libre para derrocar al presidente electo de
Guatemala en 1954 que no favorecía los “intereses” “americanos”.

Estos casos, entre muchos otros “éxitos”, justificaban la nece-


sidad y la importancia de la “Propaganda”, es decir, “la manipulación
consciente e inteligente de los hábitos y opiniones organizados de
las masas” para una “sociedad democrática” en la cual, el “verdadero
poder” lo detenta el “gobierno invisible” de “quienes manipulan este
mecanismo oculto de la sociedad”.
Quienes nos gobiernan, moldean nuestras mentes, defi-
nen nuestros gustos o nos sugieren nuestras ideas son
en gran medida personas de las que nunca hemos oído
hablar. Ello es el resultado lógico de cómo se organiza

SUMÁRIO 134
nuestra sociedad democrática. Grandes cantidades de
seres humanos deben cooperar de esta suerte si es que
quieren convivir en una sociedad funcional sin sobresal-
tos. A menudo, nuestros gobernantes invisibles no cono-
cen la identidad de sus iguales en este gabinete en la
sombra (Berneys, 2008: 15).

Quién gobierna no se interesa por la verdad sino por el


orden social, “la imposición de una disciplina en la mente pública
tanto como un ejército impone la disciplina en los cuerpos de sus
soldados” (ídem 34). Y la propaganda es, entonces, “el intento conse-
cuente y duradero de crear o dar forma a los acontecimientos con el
objetivo de influir sobre las relaciones del público con una empresa,
idea o grupo” (ídem 33). Esa influencia, mejor, manipulación la funda-
mentó en la disciplina creada por su tío, Sigmund Freud, “el estudio
sistemáticos de la psicología de masas reveló a sus estudiosos las
posibilidades de un gobierno invisible de la sociedad mediante la
manipulación de los motivos que impulsan las acciones del hombre
en el seno de un grupo” y por ello se preguntaba: “si conocemos el
mecanismo y los motivos que impulsan a la mente de grupo, ¿no
sería posible controlar y sojuzgar a las masas con arreglo a nuestra
voluntad sin que éstas se dieran cuenta?” (ídem 61).

Con una preocupación por el orden de la sociedad impuesto


por los poderosos que justifica la manipulación de la opinión Bernays
logró el éxito de una comunicación política donde la verdad o la
mentira no interesa como tal, sino en función de una organización
de la social concebida como institución al borde del caos. Un caos
que se despierta si cada individuo actúa según sus pulsiones. Ese
interés justificaba la manipulación de la opinión publica a través
de técnicas de comunicación englobadas en la “propaganda” y las
“relaciones públicas”. Unos años antes, Walter Lippman en “Opinión
Publica”, había destacado la importancia de los “asuntos públicos”
como aquellos “aspectos del mundo exterior que están relacionados
con comportamientos desarrollados por terceros y que en alguna

SUMÁRIO 135
medida interfieren con el nuestro”. Además insistía en la creación
de “imágenes mentales” colectivas y que “provocan reacciones por
parte de grupos de personas, o de individuos que actúan en nombre
de grupos” (Lippmann 1964: 30).

La comunicación política de la mano de los nuevos medios


(prensa, cine, radio), aparecía, en EEUU y en el mundo, como una
estrategia de manipulación de ideas e imágenes en función del
orden y el control social. Una influencia de los medios de comuni-
cación bajo la idea de la comunicación como modo de manipular la
mente humana para conseguir y sostener el poder.

Manuel Castells, ya en el siglo XXI, en “Comunicación y


Poder” (2008) plantea que el poder es una relación que consiste en
la capacidad de modelar mentes a través de procesos de comunica-
ción. El poder, sostiene, se construye, se ejerce, se cambia y se desa-
fía a través de la comunicación. Su teoría comunicativa del poder
busca explicar de qué forma se construye el poder en nuestra mente
a través de los procesos de comunicación. Para ello, estudia las for-
mas concretas de conexión entre las redes de comunicación y de
significado (en el mundo y en nuestro cerebro).

En ese sentido, el poder sería la capacidad de modelar men-


tes, una estrategia que se presume opuesta a la coacción. Castells
sostiene que el objetivo de la dominación tiene como medio lograr
el consentimiento o al menos para instilar miedo y resignación res-
pecto al orden existente y de esta manera, imponer las reglas que
gobiernan las instituciones y las organizaciones de la sociedad. Por
ello, insiste que la batalla primordial: gira en torno al moldeado de
la mente a través de la definición de las normas de la sociedad y su
aplicación a la vida diaria.

Castells defiende esta concepción del poder pero también


del contrapoder porque el proceso de comunicación influye deci-
sivamente en la forma de construir, pero también de desafiar las

SUMÁRIO 136
relaciones de poder en todos los campos de las prácticas sociales,
incluida la práctica política. Su análisis no se refiere a toda la socie-
dad sino a una estructura social concreta, a la sociedad red. Una
estructura social construida alrededor de (pero no determinada por)
las redes digitales de comunicación. Y cuyo análisis realizó en los
tres tomos de la “Sociedad de la Información” (1999).

Esta estructura instalada a finales del siglo XX y definida como


“sociedad informacional” implicó nuevas estrategias de manipula-
ción de “la verdad”. El caso de “Cambridge Analytica” y Donald Trump
llevo a un punto de no retorno de manipulación de la ciudadanía con
un objetivo político o comercial. La empresa Cambridge Analytica
analizó la personalidad de millones de usuarios de Facebook para
elaborar perfiles y dirigir publicidad microfocalizada (microtargeting)
a los ciudadanos norteamericanos seleccionados.

El microtargeting consiste en la gestión de grandes canti-


dades de datos buscando patrones comunes mediante criterios de
selección que distinguen inclinaciones, intereses, preocupaciones,
situación socio económica, nivel educacional, franja etaria, etc. con el
objeto de crear segmentaciones del conjunto total. Las personas que
componen cada uno de los subgrupos se convierten en destinatarias
de mensajes personalizados. Con ello se logra un incremento en el
impacto y la respuesta esperada en el apoyo a candidatos e ideas.

Gilles Deleuze en 1990 había definido un nuevo tipo de socie-


dad emergente como “sociedad de control” donde el instrumento de
control social estaba en manos del marketing y en su instrumen-
tación por los dueños de la sociedad. Para el filósofo el control se
ejerce a corto plazo y mediante una rotación rápida, aunque tam-
bién de forma continua e ilimitada. Esto se oponía a los que Foucault
había definido como sociedad disciplinaria que requería una larga
duración, infinita y discontinua. Por ello, Deleuze aseguraba que el
ser humano de esta sociedad se caracteriza por la deuda, es decir,
lo contrario del encierro foucaultiano, un ser humano libre pero

SUMÁRIO 137
conectado permanentemente. Este ser humano ya no encerrado sino
endeudado es la cara de la instalación progresiva y dispersa de un
nuevo régimen de dominación.

En nuestros días Byung-Chul Han en “Infocracia” (2021) habla


de un “régimen de información” como una forma de dominio en la que
la información y su procesamiento, mediante algoritmos e inteligencia
artificial, determinan de modo decisivo los procesos sociales, econó-
micos y políticos. Asociado al capitalismo de la información devenido
capitalismo de la vigilancia (Zuboff 2020), el poder y la información
producen una vigilancia psicopolítica para el control y el pronóstico
del comportamiento humano. Para el filósofo “la dominación se con-
suma en el momento en que la libertad y la vigilancia se aúnan” (Han
2021: 14) por eso, aunque la transparencia se presenta como “el impe-
rativo sistémico del régimen de información” (ídem 15) sin embargo, la
oscura sala de máquina algorítmica recuerda que la dominación en sí
misma no es transparente. En este sentido, “el capitalismo de la infor-
mación se apropia de técnicas de poder neoliberales” (ídem 18) como
los incentivos positivos, la motivación y optimización, y sobre todo, la
información como libertad y comunicación. Donde “libertad no signi-
fica actuar, sino hacer clic, dar al like y postear”.

El nuevos sistema digital de comunicación ha modificado el


modo en que la verdad-mentira circula entre los ciudadanos de una
sociedad. El medio de transmisión/construcción de las ideologías
parece haber pasado de las narraciones a las jaculatorias algorítmi-
cas. Frases/imágenes breves producidas y dirigidas a perfiles muy
específicos. En este contexto, puede producirse cualquier estrate-
gia de desinformación con grandes resultados de adeptos por ridí-
cula que sea una idea.

De los medios tradicionales y la propaganda a internet, apli-


caciones y redes sociales con su sistema algorítmico se ha experi-
mentado un cambio importante. A comienzo del siglo XX los medios
eran un instrumento del poder, una herramienta en la construcción

SUMÁRIO 138
del consenso y el orden social. Desde finales de siglo, es el poder
político el que está instrumentalizado por los medios. La mediatiza-
ción de la vida cotidiana y la sociedad ha modificado lo social donde
la presencia de lo distinto, del otro, de lo Otro se ha convertido en
problemas “mas cercanos” en tanto todo está apantalladamente en
nuestras manos, aunque distante en lo experiencial.

4. DESINFORMACIÓN Y
TECNOLOGÍAS ALGORÍTMICAS

4.A.- EL DESORDEN INFORMACIONAL


La desinformación tiene diferentes problema interrelaciona-
dos (Wardle; Derakhshan, 2017). Ante todo los derivados de las posibi-
lidades tecnológicas. En primer lugar, la amplificación computacional
que permite comprar la influencia a través del uso de bots para mani-
pular el resultado de peticiones en línea, cambiar los resultados de
los motores de búsqueda e impulsar determinados mensajes en las
redes sociales. En segundo lugar, la cuestión de la escala y el impacto
de las campañas que utilizan perfiles demográficos y el comporta-
miento on line para microdirigir información falsa o engañosa. En ter-
cer lugar, la llamada “cámara de eco” y “filtro burbuja” que implican
la fragmentación de los públicos en los medios tradicionales y sobre
todo, los medios on line. Y en este contexto, poder comprender los
principales medios de comunicación tradicionales, particularmente
la televisión (que sigue teniendo gran importancia en muchas capas
de la población) en la difusión y amplificación de la información de
mala calidad que se origina en las redes sociales. Pero también hay
problemas “de siempre” que han adquirido nuevas dimensiones.
En primer lugar, la cuestión del lenguaje que requiere pensarlo de
modo crítico para poder captar la cada vez mayor complejidad de los

SUMÁRIO 139
fenómenos sociales. Y, en segundo lugar, se trata también de com-
prender la disminución de la confianza en las pruebas y la dificultad
para separa hechos de opiniones.

Hablar de “desinformación” tiene algunas ventajas sobre la


expresión “fake news”. Ante todo porque este último es inadecuado
para describir el complejo fenómeno de la contaminación informa-
tiva; pero también porque los políticos de todo el mundo se han
apropiado del término para describir organizaciones de noticias
cuya cobertura les resulta desagradable. De este modo, se está con-
virtiendo en un mecanismo mediante el cual los poderosos pueden
reprimir, restringir, socavar y eludir la prensa libre.

En este contexto se destaca el problema de las “cámaras de


eco” o “filtro burbuja” (Pariser 2017) que nombra el problema deri-
vado, entre otras causas, de la pertenencia a grupos cerrados y al
seguimiento de recomendaciones algorítmicas. Las “cámaras de
eco” resultan atrayentes para los usuarios de redes sociales porque
en ellas se comparten creencias y visiones del mundo con los demás,
sin miedo a la confrontación o a la división. Permiten definir ante
otros con la misma visión del mundo nuestras identidades. El “filtro
burbuja” nombra a los algoritmos que seleccionan el contenido que
se ajusta mejor a nuestras preferencias. Mediante un proceso de acu-
mulación de datos, el algoritmo aprende sobre nuestras preferencias
a medida que navegamos por internet y utilizamos aplicaciones. En
un principio, esto aparece como una ventaja para los usuarios, pero
luego hace que el contenido al que se accede esté preseleccionado
y, por tanto, condicionado. Abunda la creencia que existe todo tipo de
información a nuestro alcance y que Internet es un medio de conteni-
dos libres, lo cierto es que al usuario se le presenta el contenido que
el algoritmo asocia a nuestro perfil de búsquedas y elecciones deter-
minando lo que puede ser interesante para nosotros. Esta estrategia
sociotécnica se refuerza por el lado de los usuarios “humano” con la
dimensión psicosocial y cognitiva del “sesgo cognitivo de confirma-
ción” y el “sesgo del falso consenso” o “espiral del silencio”.

SUMÁRIO 140
Este comportamiento por supuesto, no es nuevo, pero las
plataformas aprovechan estas tendencias humanas de reunirse con
los que piensan lo mismo o tiene gustos similares sabiendo que de
esta manera se tiende a pasar más tiempo juntos en sus sitios y
aplicaciones. En este sentido, se muestra que la comunicación no
es tanto la transmisión de ideas como el compartir espacio-tiempo
ritual de estar juntos en medio de un mundo en conflicto. Lo que no
parecía tan claro en los medios tradicionales (emisores con mensa-
jes unidireccionales) y que está presente en la esfera digital desde
la misma concepción conversacional del diseño de la plataforma,
aplicación o tipo de comunicación. Desde el diseño de interfaz de
usuario se optimiza todo para una navegación fácil, atractiva y adic-
tiva y, en la mayoría de ocasiones, el producto (ya sean aplicaciones,
webs con contenido informativo, redes sociales, etc.) es ofertado de
manera gratuita para facilitar aún más la entrada en “el ritual de la
comunicación”. Las características del enfoque sociotecnológico per-
miten la evolución de las estrategias de marketing basadas en datos
combinando con el microtargeting y el marketing relacional. Gracias
a lo cual se puede combinar una segmentación exhaustiva de los
públicos objetivo de las campañas con sus características psicoló-
gicas y personales. Cuando todo ello se utilizan para la propaganda
política se puede segmentar el público a tal nivel que es posible
adaptar el tono del mensaje y el contenido hasta que es posible que
vecinos reciban mensajes diferentes y totalmente adaptados a su
personalidad para buscar una determinada reacción. Aunque este
tipo de técnicas se utilizaron desde 2012 se ha llegado a un nivel
de sofisticación que hacen que hablar de “ingeniería social” sea una
descripción de la realidad.

4.B.-“INTERFERENCIAS ELECTORALES”
Un ejemplo de lo anterior lo podemos encontrar en algu-
nas de las estrategias de la Unión Europea. El Grupo de Trabajo East

SUMÁRIO 141
Stratcom del Servicio Europeo de Acción Exterior creó en 2015 el
proyecto “EuvsDisinfo” “para predecir, abordar y responder mejor a
las campañas de desinformación de Rusia que afectan a la Unión
Europea”. Su principal objetivo es que el público logre una mayor
conciencia y familiaridad acerca de las operaciones de desinforma-
ción del Kremlin. Junto a ello se propone ayudar a los ciudadanos “a
desarrollar resistencia a la manipulación de la información digital y
de los medios de comunicación”. EUvsDisinfo es un repositorio de
código abierto con capacidad de búsqueda de este tipo en 15 idio-
mas, que cuenta con más de 12.000 muestras de desinformación.
Puede consultarse sus interesantes artículos, análisis y bases de
datos en https://euvsdisinfo.eu/.

En 2019, antes de las elecciones, un informe sobre “10 méto-


dos de interferencia electoral” donde pone en contexto la manipula-
ción de la información. El informe se divide en cuatro categorías, la
primera es la “manipulación de la información” que se refiere ante
todo a las consecuencias de la creación y uso de identidades y cuen-
tas faltas para (1) la fabricación deliberada de noticias para engañar;
(2) para comprar anuncios on line, principalmente en redes sociales;
(3) para usar trolls y/o bots automatizados en redes sociales y foros
amplificando sentimientos contrarios; y (4) para suplantar identida-
des en sofisticadas operaciones de phishing.

La segunda categoría se refiere a la interrupción cibernética.


Concretamente a (1) operaciones de hackeo y filtración mediante el
robo de correos electrónicos o documentos a través de operaciones
de piratería informática o phishing, seguido de su publicación pública
estratégica, generalmente a través de un proxy para evitar la atribu-
ción; (2) piratería de reconocimiento contra instituciones estatales u
organizaciones de influencia pública, como grupos de expertos, ONG
y organizaciones de medios; y (3) ataques a la infraestructura en una
gran variedad de cibertácticas específicas (por ejemplo, penetrar el
sistema de votación electrónica, las bases de datos de votantes o las
redes informáticas relacionadas de un país).

SUMÁRIO 142
La tercera categoría es la preparación política mediante, pri-
mero la cooptación de élites mediante relaciones favorables con gru-
pos claves del sector público y privado. En segundo lugar, mediante
la financiación, abierta o encubierta, de partidos o campañas. La
cuarta categoria es la intervención extrema, es decir, el uso del poder
duro para intervenir en los desarrollos políticos y el proceso demo-
crático de un país, a través de una acción militar abierta o encubierta.

Las primeras dos categorías se refieren al fenómeno espe-


cífico de la desinformación, aunque enfocado a la intervención de
un Estado, puede aplicarse a la manipulación de partidos políticos
o grupos de interés en diferentes países, como sucedió en EEUU.
En algún sentido, sirve como ilustración del trabajo político, comu-
nicacional e informático que supone lo que los ciudadanos pueden
percibir como algo casual, acertado e incluso verdadero (Cano-Orón,
Calvo, Dafne; López-García, y Baviera 2021).

5. VERDAD, COMUNICACIÓN
DIGITAL Y POLÍTICA
El actual sistema de autoritarismo amenaza la esfera pública
con su desprecio por la verdad a través de la manipulación algorít-
mica de la comunicación y la sociedad. La verdad es ante todo el
espacio y el tiempo que una sociedad habita y que define conjun-
tamente en la educación y la comunicación. En su lugar, se promo-
ciona y construyen un régimen de creencias con jaculatorias micro-
dirigidas y leyendas de buenos y malos cuyos papeles y rostros cam-
bian constantemente según conveniencia. Conviene recordar que
las creencias, como ha comentado Ortega y Gasset, operan desde
un comienzo cuando se piensa en algo. Son un suelo a-problemático,
una base en la que se está y que permanece allí incuestionable, como

SUMÁRIO 143
una evidencia. Por el contrario una teoría, una idea, requiere ser pen-
sada, necesita ser formulada, discutida, contrastada. El sistema digi-
tal de comunicación facilita la tarea de refuerzo del suelo en el que
se está. Creencias, sospechas, leyendas apoyan el sesgo de confir-
mación del usuario. Podría también servir para convertir en hipótesis
para pensar pero para ello hace falta una educación que rompa con
la inercia del consumo a-crítico. Una población cada vez más conec-
tada pero, también, más aislada del debate publico constituye una
oportunidad para un sistema político con el mayor de los desprecios
por el conocimiento y el debate publico racional. La comunicación
algorítmica que hasta ahora parece una aliada para la arbitrariedad
autoritaria, podría ser también la oportunidad para una nueva educa-
ción ciudadana centrada en la conversación crítica y racional.

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SUMÁRIO 145
7
Gil Baptista Ferreira
Instituto Politécnico de Coimbra

EM QUEM CONFIAR?
COMUNICAR CIÊNCIA
EM TEMPOS DE DESINFORMAÇÃO

DOI: 10.31560/pimentacultural/978-65-5939-953-6.7
INTRODUÇÃO:
DA PANDEMIA À INFODEMIA
A pandemia de COVID-19 aumentou a relevância da ciên-
cia nas reportagens, no discurso dos media sociais e nos processos
de formulação de políticas, mais do que muitos outros eventos na
história recente: virologistas tiveram destaque em jornais, indivíduos
comuns discutiram conselhos médicos em sites de redes sociais e
políticos discutiram sobre as últimas evidências epidemiológicas em
debates parlamentares. A elevada importância da expertise cien-
tífica reacendeu as discussões sobre como as sociedades devem
comunicar sobre a ciência para garantir que as decisões individuais
e políticas sejam baseadas nas “melhores evidências disponíveis” –
e para explicar barreiras a essa comunicação, como a desconfiança
do público em relação aos cientistas e uma suposta superabundân-
cia de informações falsas e enganosas, descrita como “infodemia”
(Mede, 2022; Longstaff, 2005).

O presente capítulo parte e reproduz de muito perto um


estudo desenvolvido em Portugal (Ferreira, 2021), ao longo de apro-
ximadamente um ano (desde março de 2020 a fevereiro 2021), em
que o tema da informação acerca da pandemia COVID-19 dominou
a esfera pública em termos globais. Durante esse período, paralela-
mente à propagação global do próprio vírus, foi desde logo claro o
surgimento de outro tipo de pandemia. O diretor-geral da OMS, Tedros
Adhanom Ghebreyesus, alertava, nos primeiros meses da pandemia,
que com a chegada e a disseminação da COVID-19, “na OMS, não
estamos apenas a lutar contra o vírus, mas também contra os teóricos
dos trolls e da conspiração que espalham informações erradas e preju-
dicam a resposta ao surto.” Em certa medida, esta ameaça tinha já sido
antecipada, anos antes. Ainda em 2013, o Fórum Mundial Económico
(WEF) assinalava a existência de fenómenos de desinformação digi-
tal massiva, cuja proliferação, a partir das redes sociais, representaria

SUMÁRIO 147
uma das principais ameaças às nossas sociedades, nas suas diversas
dimensões (Howell, 2013). Encontram-se hoje identificados múltiplos
fenómenos de desinformação associados às plataformas de redes
sociais. Com efeito, caraterísticas como a abertura, a generalização do
acesso e a diminuição dos mecanismos de controlo, combinados com
automatismos de difusão massiva e/ou seletiva, vieram facilitar a cria-
ção e a disseminação de conteúdos de natureza diversa, geradores de
informações falsas, desde rumores e boatos não verificados a notícias
mal redigidas, conteúdos intencionalmente falsos ou ainda discursos
contrários às evidências científicas.

Neste trabalho, utilizaremos o conceito de desinformação


como forma de contemplar toda uma crescente quantidade de con-
ceitos com natureza e intencionalidade distinta (desde spam às fake
news), num sentido equivalente ao termo “misinformation”, enquanto
“guarda-chuva para incluir todas as informações falsas ou imprecisas
espalhadas pelos media sociais” (Wu, Morstatter, Carley, & Liu, 2019,
p. 91). Utilizaremos ainda, como contraponto ao discurso da ciência,
a noção de “teoria da conspiração”, em acordo com a caraterização
proposta por Freeman et al. (2020): entendimentos e narrativas que
partem de quatro pressupostos – de que a realidade (o mundo ou
um facto) é diferente do que parece; que há um ocultamento da ver-
dade por parte de entidades poderosas; que esta perceção, ou teoria,
é aceite por apenas uma minoria; e que, por fim, estas crenças não
são passíveis de sustentação em evidências científicas.

De forma viral e potencialmente perigosa, um vasto conjunto


de teorias anti-ciência e de rumores enganosos, com as caraterís-
ticas descritas acima, tem sido amplamente partilhado através dos
media online – os quais incluem todas as grandes plataformas de
redes sociais, de publicação de vídeos e de envio de mensagens
(desde o Twitter ao Facebook, Instagram, WhatsApp, Youtube, etc.).
Especulações, sem fundamento científico ou factual, sobre possíveis
causas, terapêuticas ou mesmo sobre os próprios desenvolvimen-
tos da pandemia, circulam de forma acelerada, causando confusão

SUMÁRIO 148
e originando comportamentos de risco (Allington et al., 2020).
Indivíduos que se definem como especialistas interagem através
redes sociais ou páginas web para informar sobre a doença, com
relatos relativos à sua prática clínica - ora argumentando que a
COVID-19 não provoca sintomas piores que uma gripe leve e, por-
tanto, não é um perigo para a saúde, ora desvendando realidades
assustadoras que os media profissionais ocultam. Para observado-
res propensos a crenças conspiratórias, mensagens deste tipo fun-
cionam como mecanismo de confirmação de suposições já laten-
tes (Goreis & Kothgassner, 2020). No todo que formam, as crenças
conspirativas online sobre a COVID-19 surgem expressas como um
“surto”, como a última onda de um “dilúvio de informações confli-
tantes, desinformação e informações manipuladas nas redes sociais”
(Allington et al., 2020, p. 1). Consideramos, assim, que a maior vítima
da desinformação científica é o público, muitas vezes exposto a dile-
mas agravados pela confusão, pelo conflito e por teorias da conspi-
ração que circulam nas plataformas de notícias.

Um estudo do Departamento de Estado norte-americano,


publicado inicialmente no The Washington Post (fev. 29, 2020), referia
que aproximadamente 2 milhões de tweets divulgaram informação
falsa sobre o coronavírus durante as três semanas em que o surto
começou a disseminar-se fora da China. Entre as publicações mais
comuns, encontravam-se as que descreviam o vírus como “uma arma
biológica”. Este e outros rumores falsos representaram 7% do total
de tweets estudados e foram caracterizados como “potencialmente
impactantes nas conversas mais participadas nos media sociais”,
segundo o relatório obtido pelo The Washington Post. Encontram-se
amplamente enunciadas as consequências negativas da desinfor-
mação, hoje particularmente abundante, sobre uma variedade de
questões nos domínios da saúde. Entre elas, encontra-se a dissuasão
de medidas preventivas eficazes e a diminuição da consciência das
pessoas sobre a grau de nocividade de vírus e doenças (Allington et
al., 2020; Vraga, Tully, & Bode, 2020). Diversos outros estudos suge-
rem que à crença em desinformação relacionada com a COVID-19

SUMÁRIO 149
estará positivamente associada a negligência na prevenção e a relu-
tância em relação a medidas de proteção (Barua et al., 2020), fatores
que, por si só, contribuem para o aumento de desfechos fatais.

Soluções que visam abordar um público supostamente des-


confiado e manipulável, e que possuem como meta ensinar às pes-
soas factos científicos, educando-as sobre os perigos da desinfor-
mação, são muitas vezes mal concebidas. Por um lado, baseiam-se
na premissa de que a desconfiança e a suscetibilidade à desinfor-
mação se devem meramente a défices de conhecimento ou de lite-
racia. É hoje sabido que orientações céticas em relação à ciência
e vulnerabilidade a informações falsas podem não apenas resultar
de falta de compreensão, mas também de preferências políticas e
de visões ideológicas do mundo – que as intervenções de literacia
pouco conseguem contornar (Ecker et al., 2022). Além disso, o racio-
cínio politicamente motivado pode impedir que os grupos-alvo des-
sas intervenções se envolvam prioritariamente nessas intervenções.
Em tempos de incerteza, com a pandemia COVID-19 a dominar a
esfera pública durante longos meses, e a afetar, sem exceção, todos
os domínios da vida social e política, aquilo que, à partida, se definia
enquanto crise de saúde pública, passa a apelar, para a sua análise,
ao recurso a um outro conceito relevante no quadro das análises
do nosso tempo: a noção de populismo. Com efeito, a relação entre
“crise” e “populismo” tem sido um dos temas constantes na literatura
social e política desde os inícios do século passado. Não apenas as
“crises” são perspetivadas como momentos particularmente oportu-
nos para o ressurgimento de atores populistas, como favorecem as
divisões sociais e políticas e potenciam os discursos que separam e
estimulam tensões - “povo” e “elites”, governantes e governados, sis-
tema e indivíduos comuns. É em contextos de crise que “populistas”
invocam e incorporam no seu discurso a expressão dessa mesma
crise, integrando e unificando queixas e frustrações, desse modo
mobilizando amplos setores sociais contra as “indiferentes elites”,
apontadas como culpadas, em alguma medida, pelo estado de crise
(Katsampekis et al., 2020).

SUMÁRIO 150
O papel dos media, neste processo, não é negligenciável. A
disseminação de perspetivas críticas, hostis e populistas contra o
conhecimento científico encontra-se intimamente ligada à ecologia
dos media contemporâneos (Mede, 2023). Enquanto os media jorna-
lísticos tradicionais tentaram adaptar as suas funções e a sua missão
a um contexto em rápida evolução, as redes sociais e as “notícias
alternativas na Internet” distinguem-se pelo viés específico que con-
ferem aos acontecimentos. Mesmo quando não se trata de “notícias
falsas” potencialmente perigosas e de teorias da conspiração, parti-
lham predominantemente mensagens com um forte tom crítico, até
mesmo anti-sistémico, opondo-se à visão dos media mainstream e
do establishment político. De um modo muito estrito, alguns auto-
res referem o surgimento de um populismo pandémico, que, neste
período, vem contribuindo para a consolidação de “visões contradi-
tórias, ameaçadoras e desconfiadas do mundo”. Perante este quadro,
faz parte dos esforços da pesquisa académica analisar as patologias
comunicativas que se desenvolveram paralelamente à pandemia, e
​​ populismo
procurar identificar conexões e padrões generalizáveis de
pandémico que, assinale-se, parecem co-evoluir com a propagação
do próprio vírus (Boberg et al., 2020).

São estes os propósitos deste texto.

REVISÃO DA LITERATURA

POPULISMO
A generalidade da literatura identifica um certo entendi-
mento de “povo” como o elemento mais importante da ideologia
populista. Desde logo, o povo é concebido como um grupo homo-
géneo ou monolítico, bom por natureza e detentor de todo um vasto
reportório de atributos positivos - pureza, sabedoria ou autenticidade

SUMÁRIO 151
(Albertazzi & McDonnell, 2008, p.6). Intimamente relacionado com
o povo encontra-se o conceito de soberania popular, que define o
povo como o soberano político legítimo e último, numa espécie de
versão renovada (e não fiel) da ideia de vontade geral proposta por
Rousseau. Na aceção populista, a soberania popular é uma premissa
central para o funcionamento da democracia – sem a qual o seu
funcionamento estará condicionado. É a partir deste argumento que
o discurso populista denuncia a figura das elites, que mais do que
acusadas de não representarem a vontade do povo, são responsa-
bilizadas por traírem essa mesma vontade, e desse modo retirarem
ao povo o seu direito legítimo de exercer o poder. As elites são ainda
acusadas de cumplicidade com outros externos ao povo, que favo-
recem em prejuízo das pessoas comuns. O “outro” em oposição ao
“povo” pode ser definido de diversas formas, a que correspondem
diferentes versões de populismo. De um modo genérico, o populismo
implica a oposição entre os cidadãos comuns e um establishment
(sistema) corrupto (Mudde, 2004). Algumas formas de populismo
acentuam perfis mais específicos de exclusão: grupos difusamente
apontados como externos à comunidade (refugiados ou emigrantes,
mas igualmente minorias étnicas, de género ou económicas), que,
entre outros aspetos, são acusados de privarem o povo nativo do seu
capital económico, simbólico e cultural (Mazzoleni, 2003).

De diversas formas, os atores sociais populistas apresentam-


-se como representantes, defensores e porta-vozes do povo. Nos
seus traços mais comuns, o seu discurso organiza-se em torno de
um desafio permanente: resgatar a soberania e devolvê-la ao povo.
Para cumprir essas funções, duas competências são importantes:
primeiro, uma sensibilidade muito apurada às opiniões e aos proble-
mas que, em cada momento, possuem uma maior ressonância em
setores amplos do público; depois, uma forma de comunicar que pri-
vilegie canais diretos e não mediados, sem a filtragem ou o controlo
de mediadores, sejam elas quais forem (Canovan, 2002, p. 34; Kriesi,
2014, p. 363). Por seu turno, cidadãos com sentimentos populistas

SUMÁRIO 152
são os que apoiam uma visão da vida social e política organizada e
expressa dentro dessa ideologia (Schulz et al., 2017). De um modo
mais concreto, os indivíduos com sentimentos populistas mostram
atitudes anti-elites e censuram a classe política, ou outras detento-
ras de poder, que acusam de terem perdido o contacto com o povo,
e não atenderem aos seus problemas e interesses. Além disso, os
cidadãos com sentimentos populistas exigem soberania popular ili-
mitada, de um modo que, nas suas formas mais extremas, permita
submeter, sem restrições, elementos democráticos liberais ou direi-
tos de minorias à expressão da soberania popular maioritária. Por
fim, estes indivíduos partilham a imagem mitificada do povo como
um grupo homogéneo e virtuoso, uma entidade coerente, honesta,
inerentemente boa, com os mesmos valores e interesses.

REDES SOCIAIS E POPULISMO


A ligação entre os media e o populismo não é nova. Num
primeiro momento, os meios de comunicação de massa propor-
cionaram aos populistas um canal mais direto para o povo do que
aquele que era fornecido através de meios mais institucionalizados
de comunicação política – como manifestos, discursos ou o próprio
discurso parlamentar. Ainda assim, os populistas necessitavam de se
submeter aos gatekeepers jornalísticos, aos seus critérios e rotinas e
ainda aos ciclos inerentes à própria produção noticiosa (Shoemaker
& Vos, 2009). Hoje, no ambiente criado pela Internet, esses fatores
desempenham um papel menos importante, pelo menos em potên-
cia. Entre outros fatores, o ambiente online permite contornar os
vários filtros tradicionais e criar formas de comunicação mais direta,
descrita por alguns como “one-step flow of communication” (Bennett
& Manheim, 2006; Vacccari & Valeriani, 2015).

A própria existência deste ambiente “livre” estimulou o sur-


gimento de um populismo anti-media (Krämer, 2018), um pouco

SUMÁRIO 153
por todo o Ocidente. Para os cidadãos com sentimentos populistas,
aquilo que que seria uma forma saudável de ceticismo em relação
aos media foi, progressivamente, substituído por um discurso de
desconfiança em relação aos media profissionais, que deliberada-
mente atuam contra os interesses do povo (Schulz, Wirth & Müller,
2018). Estudos que combinam variáveis de exposição seletiva e de
ceticismo em relação aos media (Stroud, 2008; Tsfatsi & Cappella,
2003) sugerem que os indivíduos com sentimentos populistas ten-
dem a afastar-se dos media informativos mainstream, que acusam de
mentir e de serem próximos das elites políticas.

É a partir daqui que as redes sociais surgem com um papel


cada vez mais central na formação de opiniões políticas, à medida
que assumem alguns dos papéis democráticos fundamentais que
antes pertenciam aos media de massa - como fornecer informações
e pontos de vista diversos sobre questões políticas e sociais da atu-
alidade. Em plataformas como o Facebook ou o Twitter, indivíduos e
atores políticos (populistas ou não) podem expressar os seus pontos
de vista sobre questões sociais importantes, sem o condicionamento
e a filtragem das regras profissionais e éticas que regulam os media
profissionais (Papacharissi, 2010). Tomando partido dessa liberdade
de expressão, tanto cidadãos como políticos utilizam estes meios,
com frequência, para enfatizar a divisão entre o virtuoso indivíduo
comum e o culpado antagonista externo. Alguns anos de pesqui-
sas têm vindo a descrever casos em que atribuições de responsa-
bilidades articuladas por atores populistas através das redes sociais
influenciaram, de forma decisiva, as atitudes de setores importantes
da opinião pública, em países distintos do Ocidente, com consequ-
ências relevantes do ponto de vista da vida social e política – que
vão desde resultados eleitorais à própria visão da sociedade como
um todo. Entre outros, um estudo de Hameleers, Bos & Vreese (2017)
mostrou que mensagens populistas culpabilizantes das elites políti-
cas afetaram negativamente as atitudes dos cidadãos em relação ao
sistema político. Outro estudo, realizado por Matthes & Schmucck

SUMÁRIO 154
(2017) revelou que publicações populistas, que atribuíram a respon-
sabilidade por problemas sociais a imigrantes e a minorias, ativaram
atitudes negativas em relação a esses grupos.

Se os atores sociais populistas possuem uma preferência


pelos media sociais, pelo seu caráter direto e sem mediação profis-
sional, diversos estudos têm mostrado que, de igual modo, na base,
os indivíduos com sentimentos populistas tendem a privilegiar alguns
tipos de meios sobre outros, enquanto fonte de informação. Os indi-
víduos populistas tendem a mostrar preferência por jornais tabloides,
televisão comercial e conteúdos difundidos nas redes sociais, parti-
cularmente na rede Facebook. Além disso, são esperadas tendências
de evasão em relação a jornais de qualidade (designados de referên-
cia) e notícias do serviço público de informação, que são associadas
pelos atores populistas aos interesses estabelecidos e à informação
manipulada. Outras caraterísticas relevantes dos indivíduos com
sentimentos populistas são a sua “relutância política” (Mudde, 2004,
547 e segs), a par com sentimentos de anomia e de falta de eficá-
cia política, que, em conjunto, envolvem um certo grau de alienação
sobre assuntos públicos e/ou políticos. Desta forma, estes indivíduos
compõem mais um grupo disponível para ser mobilizado do que para
ser autor das próprias iniciativas. Ao mesmo tempo, tende a emergir
um desinteresse e uma evitação de informação política, associada a
hard news. Esta tendência de evasão pode, por sua vez, ser reforçada
pelas frequentes mensagens de censura contra os media informa-
tivos de referência, provenientes tanto dos atores populistas como
disseminadas por outros indivíduos com sentimentos populistas, e
que alegam a existência de uma aliança entre esses media e as eli-
tes, contra os interesses do povo (Krämer, 2018). Na medida em que
esta perceção é interiorizada pelos indivíduos, ocorrerá o seu afas-
tamento das notícias mainstream – ou, pelo menos, o seu consumo
será marcado por ceticismo e por uma atitude adversativa.

SUMÁRIO 155
COVID-19 E DISCURSO ANTI-CIÊNCIA
O atual contexto, atravessado por uma crise pandémica
com consequências nas múltiplas dimensões da vida social (desde
o plano puramente sanitário ao campo económico, laboral, afetivo,
social), veio sublinhar a importância de analisar a relação entre
populismo e desinformação, e o modo como esta relação se desen-
volve nos novos canais de comunicação. São diversos os estudos
que têm vindo a valorizar o papel das redes sociais como foco de
desinformação. Entre eles, de um modo mais específico, Valenzuela
et al., (2019) sugerem a existência de uma associação positiva entre
a utilização de redes sociais social e a partilha de informações incor-
retas. Anspach e Carlson (2018) assinalaram uma maior propensão
nos utilizadores de redes sociais como o Twitter e o Facebook para
serem mal informados, tendendo, depois, a “relatar informações fac-
tualmente incorretas” (p. 697). A partir de dados recolhidos muito
recentemente, já durante a pandemia COVID-19, Allington et al.,
(2020) verificaram que quanto maior a dependência do Twitter, do
Facebook ou do YouTube como fontes principais de informação, mais
provável é a aceitação das diversas teorias da conspiração relacio-
nadas com a pandemia.

Estão identificadas algumas razões que explicam porque


a desinformação se torna facilmente viral no ambiente das redes
sociais. Chen et al., (2015) afirmam que as pessoas partilham desin-
formação devido às características específicas desse tipo de conte-
údos: geralmente, os conteúdos de desinformação são mais “inte-
ressantes”, “novos e atraentes” e “podem ser um melhor tópico de
conversa” do que os conteúdos compostos por informações autên-
ticas (p. 587). Sugerem ainda que, quando partilha informações nas
redes sociais, a maioria dos indivíduos não prioriza a precisão e a
autenticidade. Estes dados reforçam a tese de que a maior parte da
desinformação é baseada em teorias da conspiração, que, tipica-
mente, se propõem desvendar os propósitos maliciosos de certas

SUMÁRIO 156
organizações do sistema ou de indivíduos poderosos, deste modo
revelando segredos e histórias ocultas (Craft, Ashley, & Maksl, 2017).
É com estas qualidades que este tipo de conteúdos atrai maior aten-
ção e alcança níveis mais elevados de disseminação (Peter & Koch,
2019; Uscinski & Parent, 2014). Associado a isto, outros estudos
sugerem que a utilização excessiva das redes sociais tende a criar
fadiga dessas mesmas redes sociais, e, em consequência, a tornar os
indivíduos menos propensos a validarem a veracidade das notícias
que partilham (Ravindran, Yeow Kuan, & Hoe Lian, 2014). Estudos
posteriores não apenas confirmaram esta perceção, como observa-
ram uma associação positiva entre o uso excessivo de redes sociais,
a fadiga que daí resulta, e a partilha online de notícias falsas (Talwar,
Dhir, Kaur, Zafar e Alrasheedy, 2019).

É neste contexto, e em associação com as atitudes e crenças


de natureza populista, que emerge o designado “conspiracionismo”.
Nos seus principais traços, pode ser definido como a tendência para
assumir que grandes acontecimentos com impacto nas nossas vidas,
são secretamente orquestrados por entidades poderosas e malévo-
las, que agem em conjunto, de forma articulada (Douglas & Sutton,
2008). A ideia de que tais ações explicam a realidade social foi desig-
nada, de modo influente, como “teoria da conspiração da sociedade”
por Karl Popper (2012), e as suas diversas teses são hoje popularmente
conhecidas como “teorias da conspiração”. A pandemia COVID-19 e
as medidas de prevenção e confinamento que lhe estão associadas
criaram condições favoráveis ao desenvolvimento de crenças cons-
piratórias. Essas condições incluem a sensação de vulnerabilidade
física, psicológica, financeira, num quadro de incerteza desenhado
a partir de imposições vindas do poder formal (Governo, autorida-
des, elites científicas). Acresce que os efeitos das medidas restritivas
terão sido maiores naqueles que se encontram em circunstâncias
socioeconómicas mais frágeis, mais vulneráveis, sendo em muitos
casos detentores de menor literacia mediática. Ao confinamento
correspondeu ainda uma maior disponibilidade para o consumo de

SUMÁRIO 157
conteúdos online: indivíduos com mais tempo livre, isolados e com
acesso à Internet. A partir deste quadro, Freeman et al., (2020) cons-
tataram que uma minoria significativa da população suporta visões
excessivamente céticas, incluindo crenças conspiratórias falsas, em
relação às explicações oficiais sobre a pandemia COVD-19. Essas
ideias encontram-se ligadas a teorias da conspiração pré-existentes,
a uma menor conformidade com as orientações do governo e a um
maior ceticismo em relação às estratégias propostas pelas entidades
responsáveis pela saúde.

Com efeito, de forma abundante, nas redes sociais online,


este tipo de crenças tem surgido como explicação alternativa para
as causas e para os factos associados à COVID-19. Uma pesquisa
desenvolvida entre abril e junho do primeiro ano da generalização
da pandemia (2020) identificou uma relação forte positiva entre o
uso de plataformas de redes sociais como fontes de informação
sobre a COVID-19 e a manutenção de uma ou mais crenças conspi-
ratórias, tendo o YouTube tido a associação mais forte, seguido pelo
Facebook (Allington et al., 2020). Num verdadeiro surto de teorias da
conspiração, este tipo de mensagens constitui-se como uma ame-
aça global à saúde pública. Num segundo nível de efeitos, dados
do estudo de Allington et al., (2020) verificam a existência uma forte
ligação entre a crença em teorias da conspiração sobre o vírus e a
prática de comportamentos de risco, durante as restrições impostas
para evitar a sua disseminação.

DESENHO DE UMA PESQUISA


Como referido acima, o presente texto assume como referên-
cia um estudo anterior (Ferreira, 2021) sobre a relação entre atitudes
políticas, fontes de informação valorizadas e aceitação de perspeti-
vas conspiratórias/anti-ciência.

SUMÁRIO 158
Segue-se, de modo breve e em síntese, o enquadramento
e a identificação das variáveis e das questões de pesquisa for-
muladas nesse estudo.

As plataformas de redes sociais são há muito reconheci-


das como grandes disseminadoras de desinformação sobre saúde.
Estudos anteriores encontraram uma associação negativa entre
comportamentos de proteção da saúde e crenças na forma de desin-
formação popularmente conhecida como ‘teoria da conspiração’. Têm
sido abundantemente enunciadas preocupações sobre a dissemina-
ção de desinformação sobre a COVID-19 nas redes sociais. A atua-
lidade e a gravidade deste assunto justificam que este estudo pre-
tenda identificar fatores associados à aceitação de desinformação
(e, em específico, “teorias da conspiração”) relativamente à pande-
mia COVID-19, no contexto português. É conhecida a importância
que as redes sociais possuem, enquanto fonte, no atual ecossistema
mediático. Alguns dos conteúdos específicos que ali circulam pro-
põem-se a si mesmos como alternativos em relação à informação
dos media mainstream e das fontes oficiais. É expectável identificar
em indivíduos com sentimentos populistas, também eles com uma
atitude adversativa de partida, taxas superiores de desconfiança em
relação a instituições formais (Governo e Serviço Nacional de Saúde,
e o modo como gerem a crise pandémica). Está ainda descrita a
associação entre atitudes populistas, a valorização da informação
através das redes sociais e a aceitação de desinformação – desig-
nadamente de algumas das teses classificadas como “teorias da
conspiração/anticiência”.

As questões de pesquisa que servem de ponto de partida


deste estudo são as seguintes:

Q1: Sentimentos populistas possuem impacto negativo na con-


fiança na forma como o Governo se encontra a gerir a situa-
ção de crise pandémica?

SUMÁRIO 159
Q2: Sentimentos populistas possuem impacto negativo na con-
fiança na capacidade de resposta do Serviço Nacional de
Saúde à crise pandémica?

Respondidas estas questões, formulam-se as seguintes hipóteses:

H1: Identifica-se uma associação positiva entre sentimentos


populistas e o uso das redes sociais como fonte de informação
principal para obter informação sobre a pandemia COVID-19.

H2: Identifica-se uma associação positiva entre a crença em


“teorias da conspiração/anti-ciência” e a preferência por
redes sociais enquanto fonte principal de informação sobre
a pandemia COVID-19.

RESULTADOS:
POPULISMO, FONTES DE INFORMAÇÃO
E NARRATIVAS ANTI-CIÊNCIA
Ao revelar uma categorização de 34% de indivíduos com ati-
tudes populistas, a amostra estudada identifica um valor significativa-
mente baixo, se tivermos como referência dados de outros estudos.
Dados do Digital News Report 2019, do Reuters Institute for the Study
of Journalism, com as mesmas medidas, mostram um valor de 73%
para o nosso país. Mesmo para o país identificado com menor valor
de atitudes populistas, a Dinamarca, o valor encontrado é de 42%,
8 pontos percentuais acima dos dados encontrados neste estudo.
Consideramos como hipótese explicativa algum enviesamento da
amostra, devido à sua dimensão e à metodologia da sua construção
(técnica “bola de neve”). Mas, sobretudo, levamos em consideração o
facto de as atitudes terem sido medidas numa situação muito espe-
cífica de crise. Dados da atualização da primavera do Edelman Trust

SUMÁRIO 160
Barometer (2020), dedicados à confiança durante a pandemia COVID-
19, revelam uma mudança notável face a dados de janeiro: a confiança
no conjunto dos governos estudados subiu em 11 pontos percentu-
ais, tornando-os a instituição mais confiável pela primeira vez nos 20
anos de estudos desenvolvidos por este centro. Os dados do estudo
relevam, contudo, uma menor confiança na forma como o Governo se
encontra a gerir a situação de crise pandémica por parte dos indiví-
duos com sentimentos populistas, em comparação com os indivíduos
com sentimentos mainstream (54%-68%), e, igualmente, um menor
grau de confiança na capacidade de resposta do Serviço Nacional
de Saúde (47%-61%). As diferenças de pontos percentuais indicadas,
exatamente 14 pp em ambos os casos, possuem significado estatís-
tico, e permitem responder afirmativamente às Questões de Pesquisa
1 e 2, sobre o impacto dos sentimentos populistas na confiança nas
instituições sociais (política e sanitária), apesentando, desse modo,
consonância com as referências identificadas na literatura.

O cruzamento das variáveis “atitude política” e “principal fonte”


mostra que quase todos os meios são escolhidos por uma percenta-
gem superior de indivíduos com atitude mainstream. São resultados
em linha com uma tendência de aumento da confiança nas fontes
autorizadas em tempos de maior risco e incerteza, como os que mar-
caram este estudo. A exceção é a fonte “redes sociais”: os indivíduos
que a indicam como fonte principal dividem-se em 45,5% com “atitude
mainstream” e 54,5% com “atitude populista”. Analisados os dados de
forma parcelar, 6,2% dos indivíduos com atitude mainstream elegem
as redes sociais como fonte principal, contra 14,5% de indivíduos com
atitude populista. Estes dados confirmam os que identificámos na
literatura apresentada acima, que refere a preferência de indivíduos
populistas por jornais tabloides, televisão comercial e, de forma cres-
cente, por conteúdos distribuídos pelas redes sociais. Os dados per-
mitem assim validar a Hipótese 1, que sugere a associação positiva
entre sentimentos populistas e o uso das redes sociais como fonte de
informação principal para obter informação sobre a COVID-19.

SUMÁRIO 161
Igualmente, a análise do comportamento dos indivíduos
quando confrontados com as teses que associámos a teorias da
conspiração relevou resultados em linha com outros resultados
que citamos ao longo deste estudo. Designadamente: em relação
à crença conspirativa/anti-ciência “O coronavírus é uma arma bio-
lógica chinesa desenvolvida no Instituto de Tecnologia de Wuhan”
verifica-se a sua rejeição maioritária por parte dos indivíduos que
tiveram como fonte principal qualquer dos meios, exceto os que ele-
geram as redes sociais, situação em que há uma igual percentagem
de aceitação e rejeição (50% cada). Deve ainda assinalar-se que
os valores de rejeição são particularmente elevados nos meios que
implicam uma maior seletividade e uma atitude ativa na procura da
informação ( jornais digitais, 82,5%, e pesquisas na internet, 83,3%),
face aos meios de informação cujo consumo é tendencialmente pas-
sivo e acidental (televisão e redes sociais). O teste estatístico rea-
lizado comprovou a existência de uma associação com significado
entre as variáveis “fonte” e “desinformação”, positivamente correla-
cionadas. Estes dados validam a Hipótese 2, que sugere a associação
entre a utilização das redes sociais como fonte principal de infor-
mação sobre a COVID-19 e a aceitação de conteúdos associados
a teorias de conspiração/anti-ciência sobre a mesma problemática.

EM QUEM CONFIAR?
Os resultados alcançados apontam para várias perceções,
que atravessam e unem os conceitos que intitulam o presente estudo:
em quem confiar, perante a cacofonia discursiva e contraditória, em
que na aparência os discursos de contradizem e equivalem? Em
tempos de pandemia, acabados de entrar no estado de emergên-
cia, maioritariamente confinados, os indivíduos questionados consu-
miram informação em todas as fontes disponíveis (televisão, redes

SUMÁRIO 162
sociais, jornais digitais e Internet), mas atribuíram maior credibilidade
aos meios de informação convencionais – à televisão e aos jornais.
As redes sociais, apesar de regularmente consultadas, mereceram
a confiança de uma minoria. Destacamos o papel determinante que
continua a ser atribuído pelos indivíduos aos mediadores profissio-
nais – apesar da torrente contínua de informação a que são expos-
tos, de diversas formas, a televisão continua a ser a fonte de infor-
mação de referência, e os jornais digitais suplantam largamente a
importância que atribuem à informação sem filtragem profissional e
deontológica que atravessa as redes sociais. Podemos assim sugerir
a existência de elementos que apontam para competências de lite-
racia digital – ao verificar-se a atribuição de uma hierarquia na infor-
mação – com o jornalismo obter maior credibilidade face à veiculada
pelas redes sociais.

Assinalamos, de forma muito clara, que as atitudes populis-


tas não serão as únicas ou mesmo o preditor mais forte da aceita-
ção de crenças conspiratórias acerca da COVID-19; nesta medida,
identificar outras relações será trabalho para pesquisas futuras, no
sentido propor respostas e estratégias de comunicação adequa-
das a novas situações de crise global sem precedentes, como foi o
caso presente. Não obstante, este estudo identificou a associação
entre atitudes políticas de populismo e as escolhas que os indiví-
duos valorizam para se informarem sobre a doença. Indivíduos com
sentimentos populistas tendem a privilegiar as redes sociais como
fonte de informação; indivíduos com atitudes mainstream confiam
preferencialmente nos meios profissionais de informação. Em linha
com a literatura apresentada, este estudo sugere que indivíduos com
sentimentos populistas tendem a afastar-se dos media informativos
mainstream – que o ideário populista descreve como próximos das
elites e associados a interesses instalados. Para além da preferên-
cia informativa, os restantes dados que caraterizam os indivíduos
com sentimentos populistas são consistentes entre si – maior des-
confiança em relação aos governantes e à capacidade do Serviço

SUMÁRIO 163
Nacional de Saúde acompanham a maior percentagem de aceitação
de desinformação e o perfil de seleção de fontes. Em consequência,
estes indivíduos encontrar-se-ão numa situação de maior vulnera-
bilidade perante o surto infodémico a que são expostos. São estes
indivíduos os que menos rejeitam teorias falsas, neste caso sobre
a pandemia, sobre as suas causas e sobre a sua natureza. De uma
forma muito concreta, os dados deste estudo confirmam uma perce-
ção relativamente estabilizada: que quando usadas como fonte de
informação, as redes sociais podem representar um importante risco
para a saúde pública, na medida em que nelas se desenvolvem dois
papeis interligados, com consequências não negligenciáveis: o papel
de disseminador de crenças falsas e conspiratórias e o de descredi-
bilização de mensagens oficiais de combate à doença.

Identificamos, por fim, aquele que constitui, na nossa perspe-


tiva, o contributo mais relevante do presente estudo, e que atravessa
os campos científicos complementares e interligados dos estudos
dos media (da educação para os media à literacia mediática) e dos
estudos políticos (das práticas de cidadania à participação polí-
tica). Ao mostrar a associação de atitudes populistas à seleção e à
importância das fontes de informação, os resultados deste estudo
evidenciam a fragilidade desses indivíduos quando confrontados
com desinformação e crenças conspirativas, com consequências em
termos da formação da sua opinião e da ação pública que irão prota-
gonizar. Os tempos de crise agudizam os efeitos deste processo, mas
igualmente o seu impacto social. Sabemos que são as perceções de
risco, e não o risco real, que determinam como as pessoas reagem
às crises. A informação verdadeira, mas igualmente os vários tipos de
informações erradas (as informações imprecisas e as propositada-
mente falsas), ao serem aceites como válidas, moldam a forma como
as pessoas entendem e respondem a esta crise de saúde pública,
e igualmente a avaliação que fazem do modo como as instituições
estão a lidar com ela. Resulta daqui uma implicação prática: estas
perceções apontam a importância (e a necessidade) de ações de

SUMÁRIO 164
literacia mediática que dotem os indivíduos de mecanismos de aferi-
ção da credibilidade das fontes de informação. Sabendo que as cren-
ças conspirativas podem ser facilmente disseminadas através das
redes sociais, atuar sobre grupos que têm maior probabilidade de
obter informações nas redes sociais afigura-se como positivo para
quebrar esse círculo vicioso de desinformação.

Ao identificar fatores que influem no círculo descrito acima,


este estudo não deixará de ser um contributo positivo para a con-
ceção de estratégias que atenuem os riscos e as ameaças que este
mesmo processo contém – favorecendo dessa forma o achatamento
das curvas de infodemia e de desinformação. Dada a falta de con-
fiança de algumas comunidades na ciência e a existência de lacunas
de conhecimento, as novas informações deverão considerar o modo
como diferentes públicos enquadram essas informações. Décadas de
pesquisa em ciências da comunicação, sociologia, ciência política e
psicologia social mostram que a mesma informação é interpretada
de maneira muito diferente pelos diversos públicos – basta que seja
apresentada de maneiras que ressoem ou não com os seus esquemas
interpretativos e as suas visões do mundo. Sempre que os cientistas
comuniquem sem tomar em linha de conta tais enquadramentos (e os
valores e sistemas de crenças dos cidadãos em vez dos próprios), não
surpreenderá se as suas mensagens favorecerem os grupos à partida
mais interessados ​​em ciência, já alinhados com a comunidade cientí-
fica. Contudo, deixando para trás grupos geralmente mais vulneráveis​​
e com menor acesso à informação científica dos media de referência.

Uma última palavra para assumir que a designada “inocu-


lação de conhecimento”, entendida enquanto antídoto para a des-
confiança na ciência, traz também consigo importantes riscos.
Elenquemos três: o de ser normativamente questionável, enquanto
forma de “engenharia social” que transforma a opinião de cidadãos
submissos à vontade de decisores políticos e de cientistas (Freiling
et al., 2023); o de desconsiderar dinâmicas de ação social, de cidada-
nia ativa e posicionamento crítico face à ciência; e, por fim, o risco de

SUMÁRIO 165
ignorar que um certo grau de escrutínio público da ciência não deixa
de ser um importante contributo para o funcionamento de qualquer
democracia, sempre dependente de freios e de contrapesos a aplicar
aos decisores e aos responsáveis pela produção de conhecimento.

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SUMÁRIO 169
8 Bruno Araújo

DA NORMALIZAÇÃO
ELEITORAL DO BOLSONARISMO
À PERVERSIDADE
PRESIDENCIAL NA PANDEMIA:
POPULISMO, MEDIA E DESINFORMAÇÃO NO BRASIL

DOI: 10.31560/pimentacultural/978-65-5939-953-6.8
INTRODUÇÃO
Em um bonito dia de sol, a Verdade e a Mentira se encontra-
ram à beira de um poço. A Mentira convidou a Verdade para entrarem
juntas na água cristalina e desfrutarem da sua calmaria refrescante.
De início, a Verdade desconfiou e recusou a proposta. A Mentira, no
entanto, entrou no poço e insistiu: está muito refrescante! Venha!
Mesmo temerosa, a Verdade se deixou convencer; despiu-se e mer-
gulhou nas águas. Sem perder tempo, antes mesmo de a Verdade
levantar-se do primeiro mergulho, a Mentira saiu rapidamente do
poço, vestiu as roupas da Verdade e fugiu. Vendo o que acontecera, a
Verdade ficou furiosa e decidiu ir atrás da traidora, nua como estava;
queria recuperar suas vestes e denunciar a Mentira ao mundo. No
percurso, quando foi explicar às pessoas o que se passara, em vez do
apoio, a Verdade recebeu hostilidade. Sem darem a mínima impor-
tância ao que a Verdade lhes dizia, as pessoas olhavam-na escan-
dalizadas e, com desprezo, negavam-lhe ajuda. Elas odiaram ver a
Verdade naquele estado — nua e crua. Incompreendida e humilhada
pela falsa moral pública, a Verdade voltou para o poço e desapareceu
para sempre. Desde então, é a Mentira que vagueia pelo mundo; com
as roupas da Verdade, engana e confunde as pessoas, que sequer a
questionam; preferem conviver com a fraude disfarçada a admitir a
difícil crueza da verdade.

Reconstituída de forma livre para este texto, a estória per-


tence ao repertório de fábulas da cultura Ocidental e inspirou um
dos quadros mais famosos do pintor francês Jean-León Gérôme. Em
1896, Gérôme pintou o quadro A Verdade Saindo do Poço — La verité
sortant du puits — que retrata o exato momento em que a Verdade
deixa o poço, completamente sem roupa, mortalmente arrependida
de ter confiado na Mentira, e indignada com a traição que acabara
de sofrer. Pertencente ao acervo do Museu Anne de Beuajeu, em
Moulins, na França, a obra de Gérôme apresenta-se como uma
rica alegoria para pensarmos questões centrais das sociedades

SUMÁRIO 171
hodiernas, como o ressurgimento dos populismos autoritários, que
buscam confundir mentira e verdade deliberadamente, apostando
na desinformação como mecanismo de ação política.

Essa estratégia, que desestabiliza sistemas políticos ao redor


do mundo, não é exatamente nova; no entanto, tem, atualmente, um
poder de mobilização ainda maior. É que as transformações sociais
ocorridas neste século, com o surgimento de um ecossistema medi-
ático híbrido, em que as informações circulam de modo ininterrupto
e são impulsionadas por algoritmos que privilegiam o disruptivo e o
sensacional, garantem um terreno fértil para a circulação de todo o
tipo de informação, incluindo as fraudulentas. Criada e disseminada
com o objetivo de causar danos coletivos, a desinformação atinge os
diferentes segmentos da vida, produzindo efeitos deletérios para a
própria democracia, ante a paralisia das empresas de tecnologia, que
lucram com esse tipo de conteúdo.

As plataformas de media sociais e seus modelos de negócios


possuem um papel central nesse mecanismo de circulação da desin-
formação, atuando como mantenedoras da fraude em massa, ou, na
acertada expressão do jornalista Max Fisher (2023), como verdadei-
ras máquinas do caos. Em diferentes países, a desinformação tem
produzido um efeito perverso sobre normas e valores civilizatórios.
Esses conteúdos, quando fabricados e disseminados por certos seg-
mentos e lideranças da extrema direita, tendem a mobilizar medos
coletivos e incitar a violência política com discursos de ódio contra
adversários e grupos socialmente vulneráveis. Com efeito, estamos
diante de uma situação longe de ser um problema individual ou de
grupos específicos; ao contrário, trata-se de uma questão social do
maior relevo, que atinge o conjunto da população, e representa um
ataque direto às liberdades de ação política e à própria democracia.

No célebre ensaio Verdade e Política, Hannah Arendt (2014),


ao constatar que a mentira acompanha a política ao longo dos tem-
pos, argumenta que a supremacia daquela sobre a verdade factual

SUMÁRIO 172
corrói o espaço público e impede a própria existência de uma vida
política digna. Sem a devida separação entre o que é factual e o que
se destina a fraudar o real, as pessoas perdem os referenciais que
orientam a sua ação no mundo, comprometendo aquilo que as dife-
rencia de outros seres vivos, justamente a ação política. É que o agir,
sempre político — razão da nossa existência, na filosofia de Arendt —
depende do apego ao factual e ao exercício do pensar. Quanto este
perde força, e as pessoas abrem mão do pensamento, criam-se as
condições para a emergência do mal banalizado entre nós. De um
contexto assim é que os autoritarismos se nutrem e se fortalecem;
os seus vocalizadores encontram, nesse vácuo civilizatório, as condi-
ções políticas que os normalizam e legitimam. Como tal, confundir o
factual com a fraude, introduzindo o ódio como afeto político central,
é questão essencial do projeto autoritário que hoje assola o mundo e
que pode ferir de morte a vida democrática.

A reação ao populismo autoritário — caracterizado por Pippa


Norris e Ronald Inglehart (2019) como uma ideologia que constrói o
outro como um inimigo a ser combatido, destila ódio contra a ciência e
a cultura e nega valores políticos básicos — requer uma ação coorde-
nada por diferentes segmentos da sociedade, entre os quais se inclui
a Universidade, lócus principal da produção de conhecimentos cientí-
ficos no Brasil. A partir dos debates e da formulação de pensamentos
críticos que devem ser objeto de constante partilha com a comuni-
dade, a Universidade pode oferecer, como o faz historicamente, pistas
fundamentais para a construção das soluções que este tempo exige.

É com esse espírito e a partir desse lugar de questionamento do


mundo que interpreto o papel do Seminário Internacional “Comunicar
Ciência: Democracia, Comunicação e Audiovisual”, realizado no pri-
meiro semestre do ano letivo de 2022, na Universidade Federal de
Mato Grosso, numa parceria entre o Programa de Pós-graduação
em Comunicação e o Programa de Pós-graduação em Estudos de
Cultura Contemporânea. Organizado pelos professores Pedro Pinto
de Oliveira e Benedito Diélcio Moreira, dois incansáveis formuladores

SUMÁRIO 173
de boas ideias para tornar comum o conhecimento científico desen-
volvido na Universidade, sob múltiplos formatos, o Seminário
Internacional promoveu um profícuo diálogo de docentes e discen-
tes de ambos os Programas de pós-graduação com outros pesqui-
sadores e pesquisadoras de Brasil, Portugal, Espanha e México. Os
organizadores estimularam a construção de uma teia de pensamen-
tos críticos e um repositório de potentes contribuições científicas
cuja memória permanece no canal do PPGCOM no Youtube e agora
se materializa também nesta obra.

Nesse sentido, inspirado pelas discussões propostas no


Seminário, especialmente na sessão que tive a oportunidade de
mediar, com a presença do professor Gil Baptista Ferreira, do Instituto
Politécnico de Coimbra, acerca dos desafios de comunicar ciência
em tempos de desinformação, procurarei, nas páginas seguintes,
discutir um aspecto relevante desse desafio no contexto brasileiro.
Considerando a quadra vivida entre 2019 e 2022, que marca a presi-
dência de Jair Bolsonaro, discutirei o processo de normalização elei-
toral do populismo bolsonarista na imprensa nacional, o que implica
olhar para o ciclo de crises que nos levou à eleição do ex-presidente
da República, com uma atenção particular para o papel desempe-
nhado pelos media nesse processo. Por outro lado, examino a atu-
ação do bolsonarismo no poder, sobretudo na quadra pandêmica,
marcada pela tragédia da Covid-19, em que Bolsonaro aprofundou a
perversão que sempre caracterizou a sua ação política e comunica-
tiva, apostando na negação da crise, por meio de táticas de desinfor-
mação e de negacionismo deliberados, que aprofundaram o drama
do país. Em seguida, avanço para uma reflexão sobre o populismo,
a desinformação e as plataformas de media sociais como forma de
iluminar, a partir da literatura da área da comunicação, os dados de
contexto reconstituídos anteriormente.

Ao fechar o texto, destaco a importância da comunicação


científica, em seus múltiplos formatos e possibilidades, no processo
de enfrentamento do obscurantismo que ameaça democracias

SUMÁRIO 174
mundo afora neste início de século, a par da indispensável regula-
ção das plataformas de media sociais. Creio que, com isso, consiga
estabelecer não apenas uma conexão com as reflexões feitas no
Seminário, particularmente no eixo Democracia, mas também pro-
mover um prolongamento de discussões essenciais para a compre-
ensão do tempo presente, inspirado pelas boas provocações feitas
por aqueles a quem tivemos a oportunidade de ouvir.

O CAMINHO PARA O POPULISMO


BOLSONARISTA
A referência à pintura de Jean-León Gérôme, no início deste
capítulo, chama a atenção para um elemento central dos populismos
autoritários: a aposta na desinformação como estratégia de mobili-
zação e desconstrução de adversários políticos. Tal ocorre por meio
da fabricação de conteúdos sabidamente falsos, para causar danos,
e do sequestro de conceitos e valores democrático-liberais, como a
ideia de liberdade, mediante a orquestração de uma deliberada con-
fusão semântica. A metáfora nos alerta, ainda, para os perigos do
flerte com a mentira, o engano e a perversão anunciados.

Em 2018, o Brasil elegeu, pela primeira vez em sua história


republicana, um governo de extrema direita, liderado por Jair Messias
Bolsonaro. Ainda que a direita populista tenha chegado ao poder em
outros momentos — primeiro com Jânio Quadros, em 1960, e depois
com Fernando Collor de Mello, em 1989 — a direita radical tinha
permanecido às margens do sistema político brasileiro até aquele
ano. Figura pertencente, desde sempre, ao baixo clero do Congresso
Nacional e, portanto, com poucas chances de chegar à presidência,
Bolsonaro conseguiu construir uma candidatura competitiva graças
ao ciclo de crises que produziu o que a ciência política denomina de
eleição crítica (Key, 1955; Braga e Zolnerkevic, 2020). Eleições críticas

SUMÁRIO 175
são marcadas por realinhamentos políticos em função da centrali-
dade de certos temas, como a corrupção ou uma grave crise econô-
mica, razão pela qual tendem a levar parcelas expressivas do eleito-
rado a se afastarem de partidos do sistema, beneficiando outsiders,
ou líderes com pouca expressão.

Marcada pelo tema da corrupção e profundamente afetada


pela Operação Lava Jato, a eleição de 2018 apresentou alto grau
de criticidade. O seu resultado, com 55% dos votos válidos dados a
Bolsonaro (então, no Partido Social Liberal) no segundo turno, contra
45% obtidos por Fernando Haddad (do Partido dos Trabalhadores),
começou a ser concebido anos antes, nas manifestações de rua de
junho de 2013. Embora imbuídos, num primeiro momento, de uma
força democrática, que reivindicava melhorias no transporte público
e em outros serviços, os movimentos foram logo cooptados por gru-
pos de direita, que aproveitaram o clamor das ruas para radicalizar
um discurso de negação da política, com o objetivo de enfraquecer o
terceiro governo do PT, então liderado por Dilma Rousseff47. Rousseff
foi reeleita no ano seguinte, em 2014, mas não conseguiu efetiva-
mente governar. O partido do seu principal oponente, Aécio Neves,
do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), ingressou com
uma ação no Tribunal Superior Eleitoral com um pedido de audito-
ria que garantisse a “lisura” da eleição48, colocando em xeque, pela
primeira vez, na Nova República, o consenso político de respeito aos
resultados eleitorais. Essa tática seria recuperada, com muito mais
virulência, pelo bolsonarismo, quatro anos depois.

Saída de uma eleição altamente radicalizada e com uma vitória


apertada (Dilma Rousseff teve 51,64%, ante 48,36% de Aécio Neves),

47 Popularidade de Dilma cai 27 pontos após protestos. Disponível em: https://m.folha.uol.com.


br/poder/2013/06/1303541-popularidade-de-dilma-cai-27-pontos-apos-protestos.shtml. Acesso
em: 28 jun. 2023.
48 PSDB pede ao TSE auditoria para verificar ‘lisura’ da eleição. Disponível em: https://g1.globo.com/
politica/noticia/2014/10/psdb-pede-ao-tse-auditoria-para-verificar-lisura-da-eleicao.html. Acesso
em 12 nov. 2023.

SUMÁRIO 176
a presidente reeleita sofreria inúmeros revezes políticos. As mani-
festações da direita se acirraram e, logo em seguida, o Congresso
Nacional votou um controverso processo de impeachment, em
2016, com o apoio de grandes veículos de imprensa (Guazina; Prior;
Araújo, 2019) e sem nenhuma reação do Supremo Tribunal Federal.
Em seguida, o Brasil passou por um período de forte instabilidade,
para o qual colaboraram instituições que deveriam zelar pela integri-
dade institucional do país, como setores do Judiciário, do Ministério
Público e da imprensa (Albuquerque, 2021).

A Operação Lava Jato, surgida em 2014, cujos propósitos de


poder se tornaram mais evidentes nos últimos tempos, simboliza bem a
confluência de forças do próprio Estado na criação das condições para
a eleição de Jair Bolsonaro. Procuradores da Força Tarefa da Operação,
radicada em Curitiba, agiram em diversos momentos em franco des-
respeito ao devido processo legal. Foi o que revelou o site The Intercept
Brasil, ao publicar conversas entre o então juiz do caso, Sérgio Moro,
e procuradores responsáveis pela investigação (Albuquerque, 2021).
Numa conversa, o juiz dá orientações ao chefe da investigação, em ati-
tude claramente desviante das normas legais: “Não é muito tempo sem
operação? [...] Não pode cometer esse tipo de erro agora”49.

Esse tipo de articulação, proibida pela Constituição Federal e


pelas leis, além de outras evidências surgidas ao longo do tempo, leva-
ram o Supremo Tribunal Federal — que permaneceu, durante anos,
cooptado pela lógica discursiva lavajatista, repercutida na imprensa — a
declarar a suspeição de Sérgio Moro nos processos contra Lula. Isso
levou à anulação das sentenças condenatórias proferidas pelo juiz que
impediram o então ex-presidente Lula de participar das eleições de 2018.
Logo após o resultado do pleito que deu vitória a Bolsonaro, Moro acei-
tou o convite do vencedor para ser seu Ministro da Justiça, num movi-
mento que deixou mais evidente os propósitos políticos da Operação.

49 “Não é muito tempo sem operação?” Disponível em: https://www.intercept.com.br/2019/06/09/


chat-moro-deltan-telegram-lava-jato/. Acesso em: 28 jun. 2023.

SUMÁRIO 177
Em boa parte das ações da Lava Jato, a imprensa atuou como
caixa de ressonância dos procuradores de Curitiba, vocalizando, sem
nenhum comedimento, tudo o que eles apresentavam. O oficialismo
da cobertura, a recusa ao escrutínio crítico, somado a uma espé-
cie de fetiche pelo escândalo, impediram que mesmo as anomalias
mais visíveis fossem criticadas. A passividade jornalística diante da
Operação Lava Jato levou repórteres de grandes veículos a tomarem
como verdade inquestionável tudo o que o grupo de investigadores
enviava às redações, num exemplo de instrumentalização mútua, já
que ambos os lados retiravam dividendos daquela relação.

Assim, a permanente visibilidade mediática das operações


montadas pelos procuradores, para gerar o máximo espetáculo, ali-
mentava o imaginário popular de que a corrupção era mesmo o eixo
central da política nacional. A prisão coercitiva decretada pelo juiz
Moro contra Lula, sem que ele tenha se recusado a ir depor, foi um
dos exemplos das arbitrariedades cometidas50, mas revelou, de igual
forma, uma das lógicas por detrás da estratégia de mediatização da
Operação Lava Jato: a fabricação de imagens para serem repercuti-
das, repetidas vezes, na cobertura jornalística. Essas imagens, inclu-
ídas no fluxo comunicacional diário dos telejornais passaram a com-
por quadros de sentido, para recorrer ao conceito goffmaniano, que
reforçaram sentimentos antipolítica na esfera pública e se revelaram
importantes para o discurso político da extrema direita.

Além disso, a mediatização permanente obedecia a uma


estratégia, à qual os media responderam passiva e prontamente, para
suscitar o apoio da opinião pública à Operação, independentemente
dos meios ilegais adotados. A mesma tática foi adotada na Operação
Mãos Limpas que, na década de 1990, abalou o sistema político ita-
liano, introduzindo, naquele país, um componente de instabilidade,

50 “Condução coercitiva de ex-presidente Lula foi ilegal e inconstitucional”. Disponível em: https://
www.conjur.com.br/2016-mar-04/streck-conducao-coercitiva-lula-foi-ilegal-inconstitucional.
Acesso em: 25 jun. 2023.

SUMÁRIO 178
que dura até hoje, e que abriu espaço à emergência de lideranças
iliberais, desde Sílvio Berlusconi até Giorgia Meloni.

Certamente, ao cair no mero jornalismo declaratório, aquele


que subscreve sem temores o que chega de fontes consideradas
isentas de qualquer questionamento, com a construção de uma
cobertura centrada no escândalo e no conflito, a imprensa produ-
ziu quadros de sentido que foram estrategicamente mobilizados
por Bolsonaro, e por muitos dos que lograram chegar ao poder no
bojo do discurso anticorrupção, reforçado pelo antipetismo, nutrido
na imprensa ao longo de anos (Guazina, Gagliardi; Araújo, 2023).
Não bastassem as evidências do extremismo de Bolsonaro, nos
seus quase trinta anos como deputado federal, a atuação da grande
imprensa contribuiu para a legitimação da candidatura da extrema
direita em 2018 — espectro ideológico cuja referência passou a ser
invocada para qualificar o ex-presidente bastante tempo depois da
sua eleição. Logo após o resultado eleitoral de 2018, O Globo chegou
a interpretar a vitória de Bolsonaro como um sintoma da força da
democracia brasileira, a qual, segundo o jornal, teria vivido anos de
governos de esquerda e centro-esquerda (Araújo; Prior, 2021).

Todavia, a principal estratégia de normalização eleitoral de


Jair Bolsonaro na imprensa foi a construção de um discurso com
falsas simetrias entre o populista de extrema direita e o candidato
do PT. Em estudo anterior, mostramos como jornais brasileiros, dife-
rentemente da maioria dos estrangeiros, normalizaram Bolsonaro, ao
compará-lo com o adversário. O Estadão, autor do célebre editorial
Uma Escolha muito difícil, chegou a asseverar que, se houvesse ame-
aça à democracia brasileira, ela viria também do PT (Araújo; Prior,
2021). É certo que não se pode entender a ascensão de Bolsonaro
considerando apenas o trabalho da imprensa, tampouco que-
remos estabelecer aqui uma relação de causa e efeito entre uma
ação e outra. Obviamente, os processos políticos são bastante mais
complexos e fatores diversos concorreram para o desfecho daquelas
“eleições desviantes”, na expressão de Braga e Zolnerkevic (2020).

SUMÁRIO 179
De toda sorte, é possível argumentar que forças do sistemas
político, como o Congresso Nacional no impeachment contra Dilma,
do sistema judicial, com a paralisia bastante longa do Supremo ante
as arbitrariedades da Lava Jato, e do campo mediático, que operou
de forma a legitimar práticas inaceitáveis em democracia, tornando
o tema da corrupção a questão central da vida política nacional, tive-
ram papel relevante na criação da conjuntura política e discursiva
que permitiu a eleição do bolsonarismo em 2018.

O POPULISMO BOLSONARISTA NO PODER:


A PERVERSÃO PRESIDENCIAL NA PANDEMIA
De acordo com Mudde e Kaltwasser (2017), o populismo é
uma ideologia de baixa densidade, que considera a sociedade divi-
dida em dois polos antagônicos e irreconciliáveis; o nós versus eles,
em que o povo puro e bom se opõe às elites corruptas e autoin-
teressadas. Segundo os autores, o populismo entende que a polí-
tica deveria ser a expressão da vontade geral do povo, o que leva
o populista a negar e a deslegitimar outras instâncias de mediação
próprias das democracias constitucionais, como parlamentos, tribu-
nais e a própria imprensa. Em diálogo com essa definição, Albertazzi
e McDonnel (2008) acrescentam uma terceira dimensão à lógica
dualista em torno da qual o discurso populista se organiza. Para os
autores, podemos entender o populismo como
[...] uma ideologia que opõe um povo virtuoso e homogê-
neo a um conjunto de elites e “outros” perigosos, que são
retratados como se agissem juntos (ou tentassem agir)
para privar o povo soberano de seus direitos, valores,
prosperidade, identidade e voz (Albertazzi; McDonnel,
2008, p. 3, tradução nossa).

SUMÁRIO 180
Como se verifica, os autores argumentam que, para além das
elites, que podem ser políticas, econômicas, mediáticas ou culturais
(dentro das quais estão artistas, cientistas e outras instâncias produ-
toras de conhecimento), o populista se insurge contra os outros peri-
gosos. Esses dizem respeito a todos aqueles que não se enquadram
na noção de povo puro e que ameaçariam a sua integridade, os seus
valores ou identidade. Incluem-se, no grupo dos outros, minorias étni-
cas, religiosas, de gênero, ONGs, pessoas que cometeram crimes, ou
mesmo certos grupos políticos quando identificados de modo este-
reotipado como ameaça à nação. Poucos dias antes de ser eleito,
Bolsonaro chegou a prometer, em manifestação pública, que varreria
“esses radicais vermelhos” do país51. De acordo com o populista, os
out-groups — entendidos como verdadeiros estrangeiros internos —
agiriam em conluio com as elites, ou seriam por elas beneficiados,
em seu plano de dominação do povo (Engesser et al., 2016).

No governo, Jair Bolsonaro agiu segundo a mecânica popu-


lista, que apela a uma divisão permanente entre o povo puro — os
cidadãos de bem e patriotas, como se referia constantemente a seus
apoiadores — e os grupos que agiriam contra os interesses do povo.
Em diversas ocasiões, o ex-presidente acusou instâncias constitu-
cionais de agirem para impedi-lo de governar, estimulando a cólera
pública contra tais instituições, nas quais se incluíam sobretudo o
STF e o TSE. Já os partidos e políticos de esquerda costumam ser
taxados, na retórica do ex-mandatário, como comunistas, colocados
na condição de forças malignas e ameaçadoras.

O antagonismo bolsonarista, estimulado em lives semanais,


em manifestações nas ruas e em discursos públicos, levou parcelas
de seus eleitores a defenderem o fechamento do Congresso e do STF,
com pedidos de intervenção militar. Muitos entoaram a palavra de

51 “Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, diz Bolsonaro. Disponível em: https://
veja.abril.com.br/brasil/esses-marginais-vermelhos-serao-banidos-de-nossa-patria-diz-bolsonaro.
Acesso em: 12 jun. 2023.

SUMÁRIO 181
ordem “Supremo é o Povo”, como se maiorias circunstanciais pudes-
sem sobrepor-se aos ditames da Constituição Federal, num exem-
plo de como o populismo distorce a dinâmica da democracia liberal.
Nada disso pode ser dissociado dos acontecimentos de 8 de janeiro
de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro, inconformados com o
resultado eleitoral de 2022, invadiram as sedes do Três Poderes, em
Brasília. O ataque às instituições, ao longo de quatro anos, produziu
um efeito lesivo à ordem democrática, que começou, como referi-
mos, a ser fraturada nas crises anteriores a Bolsonaro, mas se apro-
fundou de forma virulenta durante a sua presidência.

Tomando os muitos acontecimentos críticos que marcaram


o seu governo, aquele que melhor explicita a perversão política com
que o Bolsonaro exercitou o poder foi, certamente, a postura ado-
tada por ele durante a pandemia de Covid-19. Um ano após a posse
presidencial, a crise sanitária chegou ao país e ganhou uma força
proporcional à negligência do governo federal. Em vez de respeitar
as recomendações das autoridades em saúde pública, o que teria
diminuído o tamanho da tragédia, o presidente minimizou a força
do vírus causador da Covid-19 e atuou como protagonista de uma
campanha desinformativa não só sobre a doença em si, mas sobre
a principal forma de combatê-la, as vacinas (Monari; Araújo; Souza;
Sacramento, 2021; Alcântara; Ferreira, 2020).

Em vários pronunciamentos na televisão, em suas redes


sociais e no tempo de antena a que tinha direito em canais alinha-
dos com o seu negacionismo, Bolsonaro e muitos de seus apoia-
dores propagandearam medicamentos ineficazes, como a hidroxi-
cloroquina e o chamado kit covid. Nas ruas, jamais usou máscara e
aproveitou o seu poder de mobilização para criar grandes aglomera-
ções em todo o país. Numa das cenas que melhor demonstraram a
perversão oficial, Bolsonaro respondeu a uma jornalista que pedira

SUMÁRIO 182
um comentário seu sobre a crise no país: “E, daí? Não sou coveiro”.
Naquele dia, o Brasil somara mais de dois mil mortos pela doença52.

Além de minimizar a pandemia, as ações e omissões do


governo ajudaram a fragilizar o programa brasileiro de imunizações,
construído, de forma sólida, durante anos. Dados mostram que,
após a crise da Covid-19, quando o presidente ajudou a construir a
desconfiança sobre as vacinas, houve uma queda significativa nos
índices de vacinação para outras doenças no país (Recuero; Volcan;
Jorge, 2022). O bolsonarismo agiu para causar dúvidas nas pessoas
sobre as vacinas e para atrasar ao máximo a chegada dos primeiros
imunizantes. Como destacam Maciel et al.,
Muitos foram os tropeços e embates do governo relacio-
nados à vacina e ao processo de vacinação. Desde o iní-
cio da pandemia, em meados de 2020, o governo federal
criou crises diplomáticas com a China e a Índia, os maiores
produtores de insumos farmacêuticos ativos do mundo,
que repercutiram na capacidade do Brasil em produzir
vacinas. As duas maiores instituições brasileiras produ-
toras de vacina, o Instituto Butantan, responsável pela
CoronaVac, e a Fiocruz, pela AstraZeneca, foram profun-
damente afetadas. Em 2020, o governo federal poderia ter
encomendado 200 milhões de doses da COVAX Facility,
a Aliança Mundial de Vacinas formada por 165 países que
buscavam garantir suas vacinas, mas se recusou a fazer
parte dessa coalizão e só de última hora se somou ao
grupo e encomendou apenas 42,5 milhões de doses, não
sendo suficiente nem para os grupos prioritários. A Pfizer
ofereceu a venda de 70 milhões de doses da vacina e
o governo nunca respondeu às repetidas consultas da
empresa. [...] O Ministério da Saúde também não assinou
contrato com a Janssen em 2020, mesmo com a empresa
afirmando que o Brasil seria prioridade para a entrega
de vacinas por ter sido sede do estudo clínico de fase 3.

52 “Não sou coveiro, tá?”, diz Bolsonaro ao responder sobre mortos por coronavírus. Disponível em:
https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/20/nao-sou-coveiro-ta-diz-bolsonaro-ao-responder-
sobre-mortos-por-coronavirus.ghtml. Acesso em: 30 jun. 2023.

SUMÁRIO 183
Até dezembro de 2020, o Brasil só havia estabelecido
acordo com a AstraZeneca para a realização de transfe-
rência de tecnologia para a Fiocruz. Nesse contexto, fica
claro o processo de fragilização do Programa Nacional de
Imunizações durante a pandemia da COVID-19 no Brasil
(Maciel et al., 2022, p. 953).

No contexto pandêmico, portanto, ao populismo bolsonarista


se associou também o negacionismo. A relação entre esses dois
fenômenos levou autores, como Lasco e Curato (2019), a proporem
o conceito de “populismo médico”, que se refere às estratégias de
minimização da pandemia adotadas por dirigentes populistas como
Bolsonaro, Trump e outros. Ao longo da crise, o antagonismo “nós”
versus “eles” foi mobilizado contra cientistas, jornalistas e autori-
dades sanitárias. Os jornalistas foram chamados de “urubus” por
Bolsonaro53, que os acusou de criar pânico nas pessoas. Para atrapa-
lhar o trabalho da imprensa e impedir a divulgação de dados corre-
tos, o governo tentou escamotear estatísticas oficiais sobre o número
de mortos, levando uma série de veículos a reunirem os dados por
conta própria com as secretarias estaduais de saúde54.

Cientistas, médicos, sanitaristas e instituições produtoras de


conhecimento foram acusados de causar medo deliberado nas pes-
soas e tiveram sua autoridade questionada pelo próprio presidente,
que passou a prescrever, por conta própria e em desrespeito à comu-
nidade científica, medicamentos sem eficácia comprovada. Por outro
lado, o bolsonarismo estabeleceu falsos dilemas, como a separação
indevida entre saúde pública e economia, sugerindo que havia um
complô de governadores para boicotar a economia e atingir o seu
governo. Com isso, o bolsonarismo incitou as pessoas a reagirem

53 “Não cheguei à Presidência para perder para esses urubus”, diz Bolsonaro em novo ataque à imprensa.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/nao-cheguei-a-presidencia-para-perder-
-para-esses-urubus-diz-bolsonaro-em-novo-ataque-a-imprensa.shtml. Acesso em: 9 jun. 2023.
54 Veículos de comunicação formam parceria para dar transparência a dados de Covid-19. Disponível
em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/08/veiculos-de-comunicacao-formam-parceria-
para-dar-transparencia-a-dados-de-covid-19.ghtml. Acesso em: 11 jun. 2023.

SUMÁRIO 184
contra medidas de lockdown nas cidades, alegando que isso afetaria
a liberdade de ir e vir dos cidadãos55. O resultado mais perverso das
constantes ações para desacreditar as estratégias de combate ao
vírus e atrasar a chegada das vacinas foi o aumento exponencial do
número de infectados e de mortos no país pela covid-19.

Não é, pois, exagero afirmar que as medidas da extrema direita


na condução da pandemia no Brasil, se tomadas em conjunto, confi-
guram uma verdadeira política pública da morte. Ao tomarmos as afir-
mações do presidente, de que a doença seria uma mera gripezinha56,
de que as pessoas deveriam ter coragem de sair às ruas para enfrentar
o vírus por conta própria57, além da sua recusa em aderir às medidas
sanitárias necessárias para diminuir a circulação do vírus, torna-se evi-
dente que Bolsonaro trouxe a desinformação para o centro da comu-
nicação pública, da qual a presidência da República é um ator central.
Nas palavras de Maria Helena Weber (2020), assistimos a uma perversa
narrativa presidencial, sem precedentes na história recente pós-1988.
Os discursos do presidente são essenciais na consecu-
ção dessas estratégias mórbidas, ou seja, seus destem-
peros e desequilíbrio ostensivo na propagação de suas
verdades particulares contra as quais a resposta é agres-
são e acusação. A covid-19 serve para que afirme “sou
eu quem mando nesta terra” e “a verdade nos salvará”.
A verdade não inclui os trabalhadores das chamadas
linhas de frente, o SUS e a sequência de mortes. Os faná-
ticos aplaudem e acreditam, porque precisam negar que
algo pode dar errado. O exemplo mais contundente des-
tas estratégias foi a campanha “O Brasil não pode parar”,

55 Bolsonaro defende liberdade e cogita decreto de livre circulação. Disponível em: https://
agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-05/bolsonaro-defende-liberdade-e-cogita-
decreto-de-livre-circulacao. Acesso em: 11 jun. 2023.
56 Há um ano, Bolsonaro chamava COVID de gripezinha em rede nacional. Disponível em: https://
www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/03/24/interna_politica,1250005/ha-um-ano-bolsona-
ro-chamava-covid-de-gripezinha-em-rede-nacional-relembre.shtml. Acesso em: 20 jul. 2023.
57 Brasil tem de deixar de ser “país de maricas” e enfrentar pandemia “de peito aberto”, diz Bolsonaro.
Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/11/10/bolsonaro-diz-que-brasil-tem-de-
deixar-de-ser-pais-de-maricas-e-enfrentar-pandemia-de-peito-aberto.ghtml. Acesso em: 20 jul. 2023.

SUMÁRIO 185
veiculada como “teste” nas redes sociais, mas proibida
por decisão judicial. Ou seja, nada da dimensão pública
interessa (Weber, 2020)58.

De acordo com o relatório produzido pela CPI da covid-19,


com base em estatísticas de especialistas, o país poderia ter evitado
a morte de ao menos 120.000 pessoas, com medidas sanitárias que
não foram estimuladas59. A desinformação propagada por Bolsonaro
sobre a pandemia, patrocinada pelo Estado, já que se trata de um
agente público, é o que parece justificar que em países governados
por populistas iliberais o número de mortos tenha sido muito maior do
em países liderados por políticos tradicionais60. Brett Meyer (2020),
em estudo realizado para o Instituto Tony Blair para a Mudança
Global, encontrou uma relação positiva entre governos populistas e
aumento no número de mortos por covid-19, mesmo em países cujo
governante populista adotou uma postura séria em relação à crise.

Segundo o estudo, que considerou dados até agosto de


2020, em países como o Brasil, onde o populista minimizou a crise,
os dados mostraram aproximadamente 2.200 mortes mensais adi-
cionais pela doença61. Como afirma Meyer (2020), alguns analistas
chegaram a afirmar que a crise pandêmica levaria à derrocada de
lideranças populistas, expondo as suas fraquezas, a exemplo do
que ocorreu com o ex-presidente Donald Trump, que perdeu as

58 O Covid-19 na perversa narrativa presidencial. Disponível em: http://compolitica.org/novo/


especial-coronavirus-3/. Acesso em: 20 jul. 2023.
59 Pesquisas apontam que milhares de mortes por covid poderiam ter sido evitadas no Brasil.
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/06/24/pesquisas-apontam-
que-milhares-de-mortes-por-covid-poderiam-ter-sido-evitadas-no-brasil#:~:text=Com%20
pol%C3%ADtica%20efetiva%20de%20controle,ano%20da%20pandemia%20no%20Brasil. Acesso
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60 Where the Virus Is Growing Most: Countries With ‘Illiberal Populist’ Leaders. Disponível em: https://
www.nytimes.com/2020/06/02/briefing/coronavirus-populist-leaders.html. Acesso em: 15 jun. 2023.
61 Did countries with populist leaders suffer more from COVID? Disponível em: https://blogs.
lse.ac.uk/covid19/2021/08/23/did-countries-with-populist-leaders-suffer-more-from-covid/.
Acesso em: 5 set. 2023.

SUMÁRIO 186
eleições, em grande medida, por causa da sua postura negacionista
na crise. Essa hipótese também pode ser aventada em relação a Jair
Bolsonaro, cujas atitudes na pandemia podem ter afetado a sua pre-
tensão de reeleição. No entanto, o que preocupa é que, apesar da
derrota eleitoral, não se pode dizer que o populismo desses líderes
causou uma desmobilização total dos seus eleitores.

Longe disso, quatro anos depois, mesmo com uma série de


processos judiciais e com a memória recente de sua ação na pande-
mia, Trump será o candidato do Partido Republicano à eleição pre-
sidencial de 2024 e, segundo as sondagens de momento, apresen-
ta-se como um candidato competitivo para retornar à Casa Branca.
Bolsonaro, apesar do histórico devastador da pandemia no Brasil,
que se tornou o segundo país do mundo com mais mortos, perdendo
apenas para os Estados Unidos, chegou muito próximo de vencer as
eleições presidenciais de 2022, ficando a pouco mais de dois milhões
de votos do candidato vencedor, Luiz Inácio Lula da Silva.

Esse cenário dá conta do tamanho do desafio das democra-


cias em face da resiliência de projetos populistas e autoritários. Para
lhes fazer face, no entanto, é necessário compreender os fatores que
estimulam e alimentam o extremismo. Certamente, a desinformação
e a sua ligação profunda às lógicas comerciais que organizam o fun-
cionamento das plataformas de media sociais constituem uma parte
importante da questão, como abordamos a seguir.

COMUNICAÇÃO POPULISTA,
DESINFORMAÇÃO E PLATAFORMAS
DE MEDIA SOCIAIS
Os conteúdos fraudulentos — ou, de forma mais ampla, a
desinformação — são disseminados em massa e de forma on-line

SUMÁRIO 187
com o objetivo premeditado de causar danos a determinados gru-
pos ou pessoas. Essa é a definição geral de um fenômeno que tem
despertado enorme interesse da literatura diante dos impactos
causados nas diversas esferas da vida social e política de diferen-
tes países. A desinformação é, nos dias atuais, um dos principais
vetores de difusão de ideias que servem ao ideário anticiência,
antissistema e anti-institucional a que lideranças como Bolsonaro
aderem e disseminam.

Hameleers (2020) identifica uma correlação entre a desinfor-


mação e o populismo, especialmente em ambientes digitais. Como
os conteúdos desinformativos apostam, geralmente, numa retórica do
escândalo e num discurso fortemente emocional, realçando a existên-
cia de uma suposta ameaça iminente contra as pessoas — Urgente!
Veja o que descobrimos! —, eles servem aos propósitos da comuni-
cação populista, na qual predominam as emoções, a negatividade, a
exploração de uma retórica da crise, do medo e da ameaça, além da
construção de quadros simbólicos de atribuição de culpas nos conte-
údos em circulação (Hameleers, 2020; Hameleers; Bos; Vreese, 2018).

Com efeito, a comunicação populista se nutre de elementos


retóricos que aprofundam o antagonismo em relação às elites e aos
outros, apontados como ameaças à integridade do povo; tal modo de
comunicar aposta, para isso, em conteúdos falsos para criar inimigos
e explorar anseios, medos e ressentimentos pulverizados no tecido
social. Pode mencionar-se, como exemplo, o célebre caso dissemi-
nado por grupos bolsonaristas, na eleição de 2018, sobre a existência
de uma mamadeira com formato de pênis que teria sido distribu-
ída em escolas públicas, durante a gestão de Fernando Haddad no
Ministério da Educação. Em 2022, apoiadores do ex-presidente dis-
seminaram conteúdos de desinformação, segundo os quais, líderes
de um famoso grupo criminoso estariam exultantes com a possibili-
dade da vitória de Lula, que os beneficiaria, segundo tais conteúdos,
com uma segurança pública benevolente.

SUMÁRIO 188
Ambos os casos, sobretudo o primeiro, serviram não apenas
de arma simbólica contra o adversário de Bolsonaro na eleição, mas
garantiram a mobilização de uma reação conservadora no interior
da qual outros conteúdos falsos foram sendo gerados em cascata.
Como se depreende da obra de Norris e Inglehart (2019), parte da
força do populismo autoritário vem da mobilização de afetos de ódio,
que surgem como reação a mudanças no campo dos costumes e
outras transformações culturais. Em 2018, do caso principal envol-
vendo a tal “mamadeira” erótica, derivaram outros conteúdos fraudu-
lentos, como a associação das esquerdas a uma suposta “ideologia
de gênero”, ou a ideia de que professores das escolas públicas atu-
ariam para doutrinar alunos segundo os ditames do que a extrema
direita denominou de “marxismo cultural”. Voltando à pandemia, a
retórica do medo, associada ao ataque às elites científicas, foram
patentes no discurso do presidente, que chegou a insinuar, em dois
outros casos de desinformação, que os imunizantes poderiam provo-
car Aids62 ou transformar as pessoas em jacarés63.

Além de diluir a complexidade dos temas e de promover o


engano deliberado, a comunicação populista, assim como a desin-
formação, adotam discursos facilmente assimiláveis pelas pessoas,
geralmente vinculados a visões que fazem sentido para elas e que
se acomodam bem ao seu sistema de crenças. Por outro lado, os
conteúdos deliberadamente fraudulentos costumam associar-se a
teorias da conspiração que tendem a ganhar enorme aderência em
certos espaços, contando com uma arquitetura digital que permite
a sua rápida disseminação. Podemos recordar as manifestações de
Bolsonaro na crise da covid-19, que, emulando a postura de Trump,

62 Bolsonaro vira alvo de inquérito no STF por ligar vacina contra covid à Aids. Disponível em: https://
www.cnnbrasil.com.br/politica/bolsonaro-vira-alvo-de-inquerito-no-stf-por-ligar-vacina-contra-
covid-a-aids/. Acesso em: 20 jul. 2023.
63 Bolsonaro sobre vacina da Pfizer: “Se você virar um jacaré, é problema seu”. Disponível em: https://
istoe.com.br/bolsonaro-sobre-vacina-de-pfizer-se-voce-virar-um-jacare-e-problema-de-voce/.
Acesso em: 20 jul. 2023.

SUMÁRIO 189
sugeriu que o vírus teria sido uma criação dos chineses, pondo em
dúvida a vacina produzida na China — chamada entre os bolsonaris-
tas de “Vachina” — que foi crucial no combate à pandemia no Brasil.

Apesar dos imensos impactos negativos que esse tipo de


discurso pode ter no seio da sociedade, eles tendem a ganhar visi-
bilidade nas redes, pois chamam a atenção, especialmente quando
disseminados por autoridades, intelectuais, religiosos e/ou políticos.
A desinformação patrocinada pelo Estado, tal como assistimos no
caso brasileiro, é um fenômeno ainda mais grave, diante das respon-
sabilidades que recaem sobre autoridades cujos cargos revestem o
discurso de caráter público. Também por isso, a desinformação que
propaga mensagens populistas, sobretudo quando difundidas por
líderes de opinião, tende a contar com ampla circulação no ambiente
digital e a promover efeitos negativos sobre o debate público ou,
mesmo, sobre políticas de saúde pública (Recuero; Soares, 2022).

Essa tendência vem sendo discutida na literatura e pode


se explicar tanto pelas características discursivas das plataformas
de media sociais quanto pelos modelos de negócios das grandes
empresas de tecnologias que as detêm. Como a literatura assinala,
existe uma relação de cumplicidade entre as redes e o populismo, na
medida em que os espaços digitais oferecem as condições técnicas
e discursivas para que as lideranças populistas estabeleçam uma
conexão direta com seus apoiadores, evitando a ação mediadora
dos media tradicionais (Gerbaudo, 2018; Postill, 2018; Mazzoleni;
Bracciale, 2018; Waisbord, 2018). Além disso, as plataformas — e suas
affordances — criam as condições para a produção de conteúdos
dramáticos e emocionais que interessam diretamente à mecânica
populista e também ao discurso desinformativo. Como argumentam
Mazzoleni e Bracciale (2018, p. 3, tradução nossa):
As redes sociais contribuem para a dramatização da
comunicação populista porque são plataformas adequa-
das para produzir conteúdo emocional, controverso e até
violento, típico de grande parte do ativismo populista,

SUMÁRIO 190
e para estimular uma atividade de “remix”, uma colagem
criativa de videoclipes, trechos de áudio, títulos chama-
tivos, grafites, paródias, memes e muitos outros conteú-
dos, incluindo insultos e notícias falsas, que podem ser
cruciais para impulsionar a popularidade do líder, de sua
crença e de seu movimento.

Além da afinidade discursiva e técnica, a proximidade entre a


comunicação populista, as redes sociais digitais e a desinformação,
possui, ainda, uma poderosa relação de ordem econômica, que serve
sobretudo ao lucro das grandes plataformas. Com efeito, o modelo
de negócios dessas empresas se baseia em lógicas algorítmicas
que estimulam, a partir do conhecimento dos dados dos usuários, a
circulação de conteúdos disruptivos, fortemente emotivos, e muitas
vezes vinculados a teorias conspiratórias, que possuem um enorme
potencial de engajamento. Como tal, a desinformação e os conte-
údos populistas passam a figurar como importante matéria-prima
para o aumento do lucro dessas empresas, que agem para impedir
qualquer grau de regulamentação sobre a sua atividade.

Não por acaso, a discussão sobre o PL 2630, conhecido


como PL das Fake News — que objetiva criar uma responsabiliza-
ção mínima das plataformas por conteúdos que incitem de crimes —
tenha encontrado forte oposição de dois grupos que lucram, econô-
mica e politicamente, com a ausência completa de controle legisla-
tivo: as grandes plataformas, como a Google, e as alas mais extremas
do bolsonarismo. Enquanto a empresa estadunidense liderou uma
campanha sem precedentes em maio de 2023, quando o Parlamento
brasileiro retomou a discussão do texto, bolsonaristas disseminaram
uma versão desinformativa sobre a proposta. Em suas páginas pes-
soais nas plataformas, eles acusaram a proposta de lei de ser uma
tentativa de censura das esquerdas à liberdade do povo. Numa rela-
ção de cumplicidade com a extrema direita, a Google, por sua vez,
anunciou, em sua página principal na internet, uma informação falsa,
segundo a qual, o PL 2630 pioraria a internet no país. Tratou de um

SUMÁRIO 191
expediente para influenciar o debate no Parlamento, em clara afronta
à soberania do Estado brasileiro, em face da possibilidade de vota-
ção de uma regulação da atividade das plataformas no país.

PARA TERMINAR:
SOBRE COMUNICAÇÃO DE CIÊNCIA
E DEFESA DA DEMOCRACIA
Este capítulo procurou discutir as relações entre o populismo
de extrema direita, os media e a desinformação no contexto brasileiro,
com foco na trágica experiência do bolsonarismo no poder, especial-
mente quanto aos impactos da sua perversidade no enfrentamento
da pandemia de covid-19. Antes disso, porém, reconstituímos o con-
texto de crises que conduziu Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto,
chamando a atenção para o processo de normalização eleitoral da
sua candidatura pela grande imprensa.

Como vimos, a desinformação não é resultado apenas da


ação deliberada de pessoas anônimas que povoam os media sociais.
Trata-se de um mecanismo com profundos efeitos políticos, sociais
e sanitários que, de um lado, serve à comunicação de líderes extre-
mistas, e, do outro, se conecta diretamente a interesses comerciais
de grandes empresas de tecnologia que atuam para evitar qualquer
nível de controle da lei sob o seu funcionamento. A resposta para
esse desafio central das democracias hodiernas não é simples; exige
a construção de múltiplas frentes de ação, a serem capitaneadas por
diferentes segmentos sociais. A principal forma de conter o avanço do
ódio e da desinformação nas redes, passa, sem dúvidas, pelo estabe-
lecimento de uma legislação adequada para garantir que conteúdos
incitadores de práticas que a nossa legislação já tipifica como cri-
mes não possam circular livremente, sob pena de responsabilização

SUMÁRIO 192
das empresas que os permitem. Não cabe o argumento de que
tais empresas não têm responsabilidade pelo que circula em seus
ambientes. São muitas as evidências de que conteúdos com desin-
formação aumentam os lucros das empresas, na medida em que cir-
culam com mais facilidade pelas páginas de usuários mundo afora.

Por outro lado, ao lado da necessária regulação legislativa da


atividade das plataformas, para evitar que conteúdos fraudulentos
aprofundem a desordem desinformativa, uma segunda frente de ação
passa pela elaboração contínua de iniciativas de divulgação científica
e de literacia política e mediática para que as pessoas possam tam-
bém construir antídotos contra a fraude e o ódio. A literacia política é
tão fundamental quanto a partilha de ferramentas de crítica de conte-
údos mediáticos que nos chegam de diversas formas e sob múltiplos
formatos. Não se trata da defesa de candidatos ou de preferências
partidárias específicas, mas de reforçar, junto a públicos estratégicos,
como as escolas, a importância do respeito ao consenso democrático
pelos players do jogo político, de forma que a tolerância, inconciliável
com os extremismos, possa retomar o seu lugar na cena pública.

Antes do fim, volto ao Seminário Internacional Comunicar


Ciência: Democracia, Comunicação e Audiovisual. Ao longo das
diversas semanas em que ocorreu, o evento produziu reflexões que
realçam, de forma transversal, a importância da comunicação de ciên-
cia como mecanismo estratégico para a democratização do conheci-
mento e, por consequência, para o enfrentamento do obscurantismo
que, por um período, incrustou-se no aparelho do Estado brasileiro,
contaminando ideias, políticas públicas e a ação de parte das insti-
tuições, mesmo aquelas às quais a Constituição de 1988 reservou o
dever de preservação da ordem democrática. As discussões feitas
no Seminário testificam que a comunicação científica, pensada em
múltiplos meios e formatos, aliadas a ações de educação mediática
e política, constituem estratégias indispensáveis, senão para eliminar
a presença do populismo autoritário entre nós, ao menos para evitar
que os seus ataques à democracia sejam facilmente normalizados.

SUMÁRIO 193
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SUMÁRIO 196
9
Paula Guimarães Simões

CELEBRIZATION
OF SCIENTISTS IN THE
CONTEXT OF THE COVID-19
PANDEMIC:
ÁTILA IAMARINO IN BRAZIL

DOI: 10.31560/pimentacultural/978-65-5939-953-6.9
Contemporary society is notable for a process of creating
celebrities in different fields – movies, TV, sports, politics, the Internet.
In the context of the Covid-19 pandemic, another field is also notable
for this process: science. The aim of the present text is to reflect on
the dynamics of celebrity creation involved in constructing the public
image of Brazilian scientists; more specifically, in analyzing the work
of the biologist Átila Iamarino. The purpose is to discuss how the
modeling forces of the phenomenon of celebrization (Driessens, 2012)
act in the configuration of this celebrity-scientist, who participates
in constituting new ways of communicating science to oppose the
denialism that marks the contemporary context.

Therefore, the present text is divided into four parts in addition


to the final considerations. In the first part, the pragmatist approach
to celebrities, that has been guiding research on this topic in Brazil,
is discussed. The second part returns, overall, to Driessens’ (2012)
reflections to think about the processes of celebrity creation in the
Brazilian context. In the third part, the configuration of the Covid-
19 pandemic in Brazil, the context from which scientist-celebrities
emerged, is presented briefly. The fourth part is dedicated to
presenting the empirical approach of the study (the scientist himself,
Átila Iamarino) and the methodological procedures that led to the
analyses presented in that section. The analysis of the interaction
seeks to understand: 1) how he positions and presents himself to
his interlocutors; 2) how he addresses them, who the intended
interlocutors are; and, 3) how he communicates the science. With
this, we try to pay attention to the role that this celebrity scientist
plays in the contemporary Brazilian context.

SUMÁRIO 198
1. FOR A PRAGMATIST APPROACH
TO CELEBRITIES
Studies about celebrities have been developed in different
parts of the world, with different objectives and approaches.64 Some
studies focus on the historic insertion of the phenomenon; others stress
the marketing dimension of fame; there are also those dedicated to
investigating the processes of reception and conformation of publics
in relation to celebrities. Studies developed in our research group
(Research Group on Image and Sociability at Federal University of
Minas Gerais, GRIS/UFMG) have taken a pragmatist approach to
celebrities, which inscribes the phenomenon in the field of human
experience and attempts to understand the actions undertaken by
personalities in their interactions with different publics.

Therefore, the analyses focus on the activity of public


figures, highlighting the developments and the consequences of
their behavior, recalling John Dewey’s (2010) classic concept of
experience that involves acting and suffering. In this transaction
between a celebrity’s action and the suffering arising from it (that
is, suffering as a consequence of that first action), we seek to
understand the values that are added to their public face and which
awaken both admiration and criticism in the society in which that
figure is inscribed (Inglis, 2012; França; Simões, 2020a; 2020b).
Thus, the social and historical insertion of the celebrity phenomenon
is highlighted. This phenomenon can reveal distinctive traits of a
society at a particular moment.

Based on their activities, celebrities enter into the contemporary


public scene evoking three feelings: knowledge, recognition and being

64 There are collections both in Brazil and in other countries, with several studies around the
Celebrity Studies. Cf. França; Freire Filho; Lana; Simões, 2014; França; Simões; Prado, 2020;
Marshall; Redmond, 2016.

SUMÁRIO 199
turned into a cult by part of a community (França, 2014). “They say
that anyone who becomes known by many people, recognized for
what they are or do, is turned into a cult as someone exceptional, who
is worthy of admiration and reverence” (França, 2014, p. 19). Upon
acquiring celebrated status, a person is endowed with a certain
discursive power, raising their voice above the others and making
them emerge as legitimate and significant in the media systems
(Marshall, 2006, p. X). Such emergence occurs in different social
fields, such as the singer Milton Nascimento in Brazilian popular
music, the footballer Marta, the actress Fernanda Montenegro, and
the three-term president of Brazil Luiz Inácio Lula da Silva in politics.

This diversity of fields of the emergence of celebrities drives


the formation of a broad, equally diverse panel of personalities that
we are seeking to map in the Celebrity Radar.65 Inscribed in our
Event Analysis Lab (the GrisLab), the Radar seeks to record different
profiles of celebrities who stand out in the Brazilian public scene,
presenting a short biography, events that mark their trajectory, as
well as the exposure channels of the celebrities. In addition, we
seek to understand the publics that are connected to them as well
as the values that may be found in their public image. After all, we
understand that “celebrity has become a valued resource to be used
in power struggles” (Driessens, 2012, p. 9), and it is important to
understand such disputes of values in the contemporary context.

Looking at this mapping and the different fields of emergence


of celebrities, we understand how they can emerge from different
strategies of celebrity creation, as we discuss in the next section.

65 Available at https://grislab.com.br/radar-celebridades/ . Accessed on 21 November, 2022. Deals


with a research project and extension that seeks to build a Celebrity Observatory (Observatório de
Celebridades) in Brazil, including a mapping of leaders in different fields.

SUMÁRIO 200
2. THE PHENOMENON OF CELEBRIZATION
AND THE BRAZILIAN CONTEXT
When discussing celebrity culture in contemporaneity, Olivier
Driessens (2012) focuses on two dimensions of the phenomenon
– one individual and one social – and distinguishes two concepts
related to it: celebrification and celebritization. For Driessens,
celebrification “comprises the changes at the individual level, or more
precisely the process by which ordinary people or public figures
are transformed into celebrities” (Driessens, 2012, p. 10). The term
celebritization, on the other hand, such as other concepts of -ization
(like globalization, colonization), should be reserved “for the societal
and cultural changes implied by celebrity” (Driessens, 2012, p. 10).

Focusing on the more individualized phenomenon of


celebrification, he highlights two configurative elements of that
process: personification and commoditization. The first refers to a
process of individualization of the celebrity, or a confirmation of its
individuality (Braudy, 1986). According to Driessens, this first element
consists of the embodiment of a subjectivity that unites
“the spectacular with the everyday, the special with the
ordinary” (Dyer, 2007(1979): 35). Notwithstanding the
paradoxical nature of celebrities as both ordinary and
extraordinary, they are still distanced from the ordinary.
Consequently, the transformation from ordinary person to
celebrity can be seen as a media ritual that both confirms
this separation and legitimates the “myth of the mediated
centre”, or the myth that the media are the essential
gatekeepers to the imagined society’s centre (Couldry,
2003). (Driessens, 2012, p. 10).

Such an approach points to the consolidation of a personality’s


public face and reiterates individualism as a defining axis of fame,
as has been discussed by several other authors in the discussion
of the history of the phenomenon (Lilti, 2018; Rojek, 2008; Smart,

SUMÁRIO 201
2005; Morin, 1989). The second element in this individual dimension
is commoditization, which refers to the commodification of figures in
the context of capitalism:
the stars and, by extension, the celebrities, “are both labour
and the thing that labour produces” (DYER, 2004 [1986],
p. 5). They are manufactured by the celebrity industry and
produce and help to sell other commodities. In this sense,
the celebrity presents and personifies “[t]he two faces of
capitalism—that of defaced value and prized commodity
value” (Marshall, 1997: 4). (Driessens, 2012, p. 10).

The marketing dimension of celebrities is centered on the


individual level, as already discussed by several researchers (Marshall,
2006; Turner, 2014; Torres, 2014). However, such characterization
also points to the social and historical context into which they are
inserted, guiding our discussion toward the social dimension of
the phenomenon of fame.

In discussing celebritization, the author highlights three


indicators of the phenomenon: democratization, diversification
and migration. The first indicator points to the new possibilities for
ordinary people to access stardom. The author thus highlights the
potential for ordinary people to reach such visibility in a process
marked by ambiguities:
While it enables underrepresented social and cultural
groups to gain media attention, the celebrity and media
industries exploit reality TV participants and do-it-yourself
celebrities in order to increase their profits. These
manufactured celetoids are turned into commodities that
implicitly support and reinforce both the inequality of the
celebrity system and the spread of neoliberal discourse.
(Driessens, 2012, p. 14).

Therefore, the author highlights how capitalism and


neoliberalism conform the social dimension of the phenomenon, thus
showing that “the democratization of celebrity is only relative and

SUMÁRIO 202
must be critically evaluated” (Driessens, 2012, p. 14). However, it is not
a noncritical celebration of celebrity culture, but the recognition of the
important place that it may occupy in contemporary democracies.

The second indicator is diversification, which refers to the


emergence of celebrity figures in different social fields (as seen
previously from the experience of our Celebrity Observatory).
As Driessens highlights, the phenomenon is not exclusive to
entertainment or sports, but permeates politics, academia and
gastronomy, for example. For Driessens, “the diversification of
celebrity proves to be a complex process, influenced not only by the
media (and mediatization), but also by the market and capitalism,
power struggles and internal dynamics.” (Driessens, 2012, p. 15).

Migration is the third indicator of celebritization discussed by


Driessens, and refers to the way in which a personality gains access
to another field of activity. That is, it is the “process through which
celebrities use both their relative autonomy as public personality
and their celebrity status to develop other professional activities”
(Driessens, 2012, p. 16). Hence, this mobility of celebrities ends up
capitalizing their celebrity status.

These three indicators of celebritization allow reflection on


some of the configurative axes of contemporary Brazilian society
and, more specifically, on how the scientific field intersects with
such indicators. Democratization can be understood from the
way technology has enabled digital social networks to expand the
possibility of visibility attainment by ordinary persons. For example,
in Brazil, in 2022 we saw the emergence of the profile Luva de
Pedreiro (https://www.instagram.com/luvadepedreiro/), a soccer
digital influencer who has become a phenomenon of engagement,
recording videos in an amateur soccer field in Bahia, with the slogan
“Receba (Receive)”. He has over 18 million followers on Instagram
and over 20 million on TikTok66.

66 Data collected from the influencer’s social networks on October 26, 2022.

SUMÁRIO 203
However, it is not only football or other fields linked to
entertainment that end up being marked by this democratization.
In the Covid-19 pandemic context, science itself has become, more
than at other times, affected by strategies for disseminating scientific
knowledge to address the health crisis and the spread of fake news.
As Mendonça and Castelfranchi (2022) point out, in this context,
trying to catch up with the capillarity of disinformation,
they [the scientists] did not only occupy novel territories
and media. They invented new repertoires for action. Funk
music, podcasts, YouTube channels, memes, lobbying
and even aggressive statements and anti-government
advocacy became central to a process in which public
scientists themselves had to become a message
(Mendonça; Castelfranchi, 2002, p. 160).

Therefore, scientists used their symbolic capital to seek visi-


bility capital in digital social networks. We can cite, for example, the
microbiologist Natália Pasternak, who was, and continues to be, an
important source for many newspapers, radios and TVs for releasing
scientific information to the public. On the Internet, she mainly uses
Twitter (https://twitter.com/TaschnerNatalia) to disseminate this to
her more than 300 thousand followers.

The second indicator of celebritization can be observed in the


Brazilian context from the diversity of fields of activity of celebrities
who attain a space in the public visibility scene. When looking at the
observatory that we built in the Celebrity Radar, in addition to singers,
actors and football players, there are also religious figures like Father
Fábio de Melo and Pastor Silas Malafaia, doctors like Dráuzio Varella
and political leaders like ex-president Dilma Rousseff. In this diversi-
fication, the fields of religion, politics and medicine intersect with the
visibility strategies traditionally used in the entertainment fields.

Finally, how does one think about migration in the Brazilian


context? We monitored public figures who move from one field to
another, using the status gained in one to develop another type of activity.

SUMÁRIO 204
This is the case, for example, of former judge Sérgio Moro, who
attained visibility and fame with Operação Lava-Jato (Operation
Car-Wash)67 and the arrest of president Lula, and later used
this projection to become a Minister of Justice in the Bolsonaro
government and was elected Senator of the Republic in the 2022
elections. This migration both triggers an existing celebrity status
and can reiterate and augment it.

Based on this theoretical framework, we propose to discuss


Átila Iamarino’s process of celebrization, joining the two phenomena
presented by Driessens. I use the term celebrization to conjugate
“celebrification” (the individual dimension) and “celebritization” (the
social dimension), grouping the five indicators discussed above:
personification, commodification, democratization, diversification,
migration. However, before presenting the methodology and the
analysis, it is necessary to situate – albeit briefly – the Covid-19 pan-
demic experience in Brazil.

3. BRAZILIAN CONTEXT
AND THE COVID-19 PANDEMIC
The first case of contamination by the new coronavirus was
recorded in Brazil at the end of February, 2020. However, prior to
that, the spread of Covid-19 was already being monitored in several
European countries and The United States. In the following month,
the disease advanced in the country, which recorded the first death
on March 12, in São Paulo. It is the moment when the restrictive
measures on the circulation of persons and social isolation were

67 Operation Lava-Jato consisted of a series of (frequently controversial) investigations conducted by


the Federal Police of Brazil between 2014 and 2021. An analysis of Sérgio Moro’s public image after
this event was carried out by Silva and Simões, 2020.

SUMÁRIO 205
begun in several Brazilian states and cities. Throughout the entirety
of the pandemic, the Brazilian government adopted positions
contrary to measures for prevention of the disease (like the use of
masks and, later, vaccination), which made facing the global public
health crisis more difficult.

When analyzing the Covid-19 pandemic as an event, in the


Diário da Quarentena, we sought to show some of the challenges
faced in the Brazilian context
Further stimulating positions that minimize the impact
of the pandemic, the behavior of the President of the
Republic, Jair Bolsonaro, was, from the outset, at the
center of attention of the Diário da Quarentena, keeping
in mind the role and the expectations created around
the performance of a public figure like a president, in
the context of a public health crisis. We highlighted
the criticism and presidential positioning contrary to
preventive measures, under the argument of protecting
the economy of the country. We noted that his posture
and insensitivity to those affected is consistent with the
reactionary-liberal project that he represented, choosing
profit and death over life. Those most affected by the
neglect of the government soon appeared: workers,
mainly domestic workers, who need to go to work to serve
their employers (França et al., 2020, p. 53).

At the end of October, 2022, Brazil counted more than 34


million contaminations and more than 680 thousand deaths since
the outset of the pandemic, according to data from the Ministry
of Health.68 About 85% of the Brazilian population received the
first dose of the Covid-19 vaccine, and 80% have already received
either the second dose or the single dose69. This was in spite of all

68 Available at: https://especiais.g1.globo.com/bemestar/vacina/2021/mapa-brasil-vacina-covid/.


(Accessed on: October 28, 2022).
69 Available at: https://especiais.g1.globo.com/bemestar/vacina/2021/mapa-brasil-vacina-covid/.
(Accessed on: October 28, 2022).

SUMÁRIO 206
the delays in the purchase of vaccines by the Brazilian government,
and all the disinformation spread about their safety during the
public health crisis.

In this context, science and scientists played (and play) an


indispensable role. Several researchers have taken on the role of
scientific dispensers to confront the negationism and the inefficiency
of the federal government in promoting the necessary measures
to overcome the public health crisis. This is how the biologist Átila
Iamarino stands out, using the digital social networks to spread
information about the disease and its treatment. In the following
analysis, we sought to understand how the indicators of celebrity
creation discussed by Driessens intersect with the projection of the
celebrity status of Átila Iamarino.

4. METHODOLOGICAL
PROCEDURES AND ANALYSIS
Before moving on to the analysis proposed here, a brief
biography of the scientist Átila Iamarino should be presented.70
Holding a bachelor’s degree in biology (2006) and a doctorate
in microbiology (2012) from the University of São Paulo, he did
post-doctoral work at the same institution (2013, 2015) and at Yale
University (2014). He presents himself as “Science communicator and
world explainer by choice”. He is the founder of ScienceBlogs Brasil,
the largest Portuguese-language science blog network in the world.71

70 Data incorporated from the Lattes curriculum (http://lattes.cnpq.br/4978322672579487) and the


digital social networks.
71 Available at: https://www.blogs.unicamp.br/sbbr/ . (Accessed on November 11, 2022.)

SUMÁRIO 207
He works in the Nerdologia72 channel and in his own YouTube73
channel, in addition to being a columnist for the newspaper Folha de
S. Paulo74. In 2022, he began to host the program Hiperconectado on
TV Cultura,75 as one more strategy in his work to disseminate science.
An exploratory observation of his digital social networks showed that
he makes several advertisements, as shown in his Instagram profile:
a film (#SonicOFIlme by @ParamountBrasil), college (@estacio_
brasil), car (@chevroletbr), computer (nvidiageforcebr) and genetic
test (meudna_oficial).

To proceed with the analysis in this article, I monitored Átila


Iamarino’s performance in different spaces in the month of July 2022.
On October 28, 2022, the scientist had 1.3 million followers on Twitter;
1.1 million followers on Instagram; 1.56 million subscribers on Youtube.
Observing the biologist’s performance, we chose to take an excerpt
from a live show that he did on March 20, 2020, which is the most
popular video on his Youtube channel, with 5.8 million views.

The present proposal is to develop an analysis of the interaction


undertaken by Átila Iamarino, inspired by the analytical grid proposed
by França and Leurquin (2022) to discuss the discursive changes
of the digital influencer Felipe Neto. The researchers looked back
at Eliseo Verón’s analysis of enunciation (2004), and proposed three
axes: “the image of oneself; the image of the other to whom one
is addressed and the conformation of the relationship established
with them; and, the treatment it gives to the content (image of the
world or of what is enunciated)” (França; Leurquin, 2022, p. 17). Thus,
observing the live show of Átila Iamarino, we sought to analyze:

72 Available at: https://www.youtube.com/c/nerdologia/featured . (Accessed on November 11, 2022.)


73 Available at: https://www.youtube.com/c/AtilaIamarino/featured . (Accessed on November 11, 2022.)
74 Available at: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/atila-iamarino/. (Accessed on November 11, 2022.)
75 Available at: https://cultura.uol.com.br/programas/hiperconectado/ . (Accessed on November 11, 2022.)

SUMÁRIO 208
1. How does he position himself and present himself to his
interlocutors?

2. How does he address them? Who are the intended interlocutors?

3. How does he communicate the science?

He begins the video by introducing himself to the public as a


scientist, educated at the University of São Paulo (USP), one of the
largest and best educational institutions in Brazil.
To begin, let me pull rank here, let me introduce myself
so that you understand why I am going to say what
I am going to say in this live presentation and what to
expect, going forward. […] I am a biologist, I graduated
in biology from USP […] and I went on to do a doctorate
in virology, how the virus evolves and how viruses spread
throughout the world.

He highlights his studies of different viruses like HIV, Ebola


and Zika, using his symbolic capital to justify conducting the live
presentations and inviting the trust of his interlocutors. He also says
that he did his post-doctorate at USP and at Yale University (in the
United States), noting that he will leave the link to his CV in the chat
for whomever wishes to verify the information about his trajectory.
Here, a personification (Driessens, 2012) of the scientist and an
individualization of the public face of this personality emerges (Rojek,
2008). A scientist who, committed to the truth and to science itself,
at the beginning of the pandemic began to consolidate his celebrity
capital (Kamradt, 2019).

Átila addresses a public that is concerned with the context


of the public health crisis that was beginning at that time. Further,
he warns them to the anxiety and stress that the uncertainties and
doubts regarding the new disease could arouse in his interlocutors:
“if you are anxious, if you are stressed with what is happening or if
you are very worried, I recommend that you skip this live presentation,

SUMÁRIO 209
do not watch it now because it is going to be a conversation with
numbers, with numbers that tell a story that is not very nice”, he says
in the analyzed video.

The biologist tries to draw closer to the public, adopting a


conversational tone that attempts to translate scientific data, thus
demystifying the science itself and performing a public utility service.
He adopts a summoning and cautioning tone to argue for social
isolation (“Do not go out, do not leave the house”); warns about the
nonexistence of medicines at that moment to fight the disease (“Do
not count on healing rituals”); and, reminds them of the pandemic’s
power over everyone (“Your lives have already changed”).

Thus, in his communication of science, he adopts simple,


accessible language, using graphics to explain the data that he
presents. He uses scientific studies to talk about the importance
of isolating confirmed cases, of quarantining at home and of social
distancing. These are strategies that could have implications for the
number of deaths from the disease. Átila stresses the role of science
and of scientists to offer information to support public policies.

It is also important to point out the way he circulates his content


in different networks, linking the YouTube channel with other digital
networks like Instagram and Twitter, which is an important strategy
for spreading the science. They set up the new action repertoires,
discussed by Mendonça and Castelfranchi (2022). In addition, he
assumed the role of the digital influencer (“a very specific type of
Internet celebrity who seeks to transform this online visibility into
a profitable digital career”, Abidin, 2021, p. 290). Átila thus migrates
from his place as a scientist at the university to that of entertainment
and science communication on the TV program, as well as the
production of digital content. He acts, in this way, to fight against
disinformation and for the dissemination of scientific truth, a central
role in confronting the negationism and the fake news in our society.

SUMÁRIO 210
FINAL CONSIDERATIONS
The aim of the present text has been to analyze the process
of celebrity creation of the biologist, Átila Iamarino, joining the two
phenomena presented by Driessens (2012): celebrification (the more
individual dimension) and celebritization (the social dimension).
With this, we focus on the five indicators discussed previously:
personification, commodification, democratization, diversification
and migration. Thus, the concept of celebrization is used to conjoin
the two dimensions of the phenomenon in the present analysis.

Starting with a pragmatist approach to celebrities, we


focus on the activity of this scientist in the Brazilian scenario,
specifically in the context of the Covid-19 pandemic. To do so, we
mapped his digital social networks to select a relevant corpus for
analysis in the present text: a live presentation given by Átila on
March 20, 2020, which is the most popular video on his YouTube
channel, with 5.8 million views76. The analysis of the interaction used
sought to understand: 1) how he positions and introduces himself
to his interlocutors; 2) how he addresses them, who the intended
interlocutors are; and, 3) how he communicates the science. In this
way, we attempted to focus on the role that this scientist-celebrity
plays in the contemporary Brazilian context.

The analysis showed the process of celebrization of Átila


Iamarino, from different indicators (Driessens, 2012). It was possible
to understand democratization and diversification in his activity: he
was a previously anonymous biologist who uses social networks to
consolidate his celebrity capital (Kamradt, 2021). This also shows
how science has become a field marked by visibility and the search
for fame at the present time. Further, it is possible to understand his

76 Available at: https://www.youtube.com/watch?v=zF2pXXJIAGM&t=3s. (Accessed on October 28, 2022.)

SUMÁRIO 211
migration among fields; that is, moving his activity from academia
to entertainment.

In the way Átila introduces himself to his public, we also notice


personification: he uses his symbolic capital to attempt to configure
himself as a recognizable and legitimate public face to disseminate
scientific information. The commodification discussed by Driessens
can also be understood in the biologist’s performance: seeking to
affirm himself as a digital influencer, he uses his place of visibility to
construct “a profitable digital career” (Abidin, 2021, p. 290), from the
commercials that he does on his social networks.

Finally, if “celebrity has become a valuable resource to be


used in power struggles” (Driessens, 2012, p. 9), Átila Iamarino has
set himself up as a scientist-influencer, important in the symbolic
disputes about the pandemic. The video analyzed here, with nearly
six million views by the end of October, 2022, is just one of the nodes
in the network of influence constructed by this scientist-celebrity
who acted (and acts) to disseminate science and to fight against
the negationism that marks contemporary Brazilian society. Átila
thus sets himself up as an influencer who promotes new ways to
communicate science, or new repertoires of action (Mendonça;
Castelfranchi, 2022), in his several fields of activity.

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SUMÁRIO 214
10
Maristela Carneiro

COMUNICAÇÃO
CIENTÍFICA:
CONHECIMENTO, SENSIBILIDADES
E AFETOS INTERDISCIPLINARES

DOI: 10.31560/pimentacultural/978-65-5939-953-6.10
Em 2022, um ano marcante em tantos sentidos, foi reali-
zado o Seminário Internacional Comunicar Ciência: Democracia,
Cultura e Audiovisual, coordenado pelos docentes Pedro Pinto de
Oliveira e Benedito Dielcio Moreira, com o apoio e admiração de
dois programas de pós-graduação da Universidade Federal de Mato
Grosso: o Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Poder
(PPGCOM) e o Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura
Contemporânea (PPGECCO). Transmitido via YouTube, o evento de
fato abraçou sua proposta: não foi apenas um espaço para debates
acadêmicos conservadores sobre os tópicos levantados, mas opor-
tunizou efetivamente um exercício de democratização do conheci-
mento, utilizando uma mídia audiovisual de amplo acesso para dis-
ponibilizar ao público as experiências de pesquisadores do Brasil,
Portugal, México e Espanha.

Para o PPGECCO, foi uma experiência única e inestimável.


Com frequência, discutimos sobre como tornar mais público o conhe-
cimento construído em espaços acadêmicos, usando as possibilida-
des que as redes oferecem para atingir audiências maiores, com-
bater preconceitos e despertar interesses. Vivemos um momento
crítico de nossa história recente, caracterizado por uma onda de
esforços para mobilizar multidões em torno da desinformação, da
massificação de opiniões e do ódio. Parte de nossa responsabilidade
social como pesquisadores é buscar ocupar os espaços midiáticos
e contrapor esses esforços com nuance, dados e conhecimento de
causa. Isso é fazer divulgação científica de fato, e o evento e seus
desdobramentos, incluindo a presente publicação, corroboram isso.

Sobretudo, que a pesquisa deve servir à coletividade, e pre-


cisamos estar cientes disso. Nossas investigações não podem ficar
restritas a revistas científicas e eventos herméticos: elas precisam
atingir, afetar e sensibilizar o maior número possível de interlocuto-
res. É, portanto, basilar que aqueles e aquelas envolvidas com pro-
dução científica se notabilizem e se evidenciem como atores impor-
tantes no palco social, de modo a expor as ciências que talham com

SUMÁRIO 216
profundidade e amplitude em todos os espaços possíveis — algo
fundamental para visibilizar o que se produz nas universidades coti-
dianamente. O que produzimos? Com o que nos importamos? Quais
são nossos afetos, afinal?

Nossa relevância aos olhos da sociedade contemporânea


é flutuante, o que impacta efetivamente em nossa sobrevivência e
em nossa capacidade de continuar produzindo e divulgando ciência
de qualidade. Em outras palavras, a manutenção de universidades e
outros espaços de pesquisa depende de nossa capacidade de dialo-
gar com outros setores da sociedade, demonstrando nossa relevân-
cia e ao mesmo tempo lutando para seguirmos de fato relevantes em
um mundo de oposições e contínuas lutas de significado.

Enquanto essa constatação é válida para todas as áreas de


estudo, ela é especialmente fundamental no caso de nossa área. Se
mesmo “ciências duras” enfrentam dificuldades para obter reconhe-
cimento social e recursos, o caso daqueles que estudam a cultura
e seus desdobramentos encaram desafios ainda maiores. Em um
mundo tão dirigido para a redução de todas as práticas à produti-
vidade febril e ao ganho imediato, a busca pela compreensão das
complexidades que criamos para nossas vidas coletivas pode facil-
mente ser negligenciada, até mesmo desprezada. Todo esforço para
combater essa tendência é crucial e é aí que reside a importância de
eventos como o Comunicar Ciência.

A cultura nos cerca e nos influencia desde o berço, mas tam-


bém emana constantemente de nós e dos vínculos que estabelece-
mos uns com os outros. Ela nos constrói enquanto a construímos,
nos modela enquanto a modelamos. Somos animais sociais e comu-
nicativos, e todo enlace e interação passa pela geração de signifi-
cados, pela busca por sentido. Não há prática em nossas vidas, da
alimentação aos usos que fazemos de tecnologias digitais, que não
esteja, de algum modo, sujeita às circunstâncias desenhadas pela
cultura; por outro lado, pode-se dizer que, em tudo que fazemos,
reforçamos ou mudamos culturas.

SUMÁRIO 217
Nas palavras de Stuart Hall (1997, p. 42): “Cada movimento
que fizemos é normativamente regulado no sentido de que, do iní-
cio ao fim, foi guiado por um conjunto de normas e conhecimen-
tos culturais”. A compreensão de que nossas ações são reguladas
por uma série de indivíduos e condições externos a nós mesmos
é fundamental para admitir a centralidade da cultura em nossas
vidas — assim como a constatação de que nós mesmos, de dife-
rentes maneiras, somos “reguladores”, ajudando sistemas culturais
a se perpetuarem e se transformarem por meio de nosso endosso
e nossas transgressões. Como sugere, provocativamente, Walter
Mignolo (2017), as camadas de colonização que nos encobrem são
tão densas e invasivas que se tornam naturalizadas. Quando não
refletimos acerca do recorrente, ele tende a tornar-se progressiva-
mente normalizado — e normatizado.

Descrever e discutir dinâmicas culturais é uma parcela indis-


pensável de nossa compreensão do real. Muito se discute diariamente
nos mais diversos círculos sobre as conclusões que cientistas emi-
tem acerca de doenças, fenômenos climáticos e da produtividade do
solo, mas, tanto quanto essas informações, nossas memórias, identi-
dades, ações políticas e expressões comunicativas são parte da rea-
lidade e clamam abordagens compreensivas e comprometidas.
Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores
de sentido. A ação social é significativa tanto para aqueles
que a praticam quanto para os que a observam: não em
si mesma mas em razão dos muitos e variados sistemas
de significado que os seres humanos utilizam para defi-
nir o que significam as coisas e para codificar, organizar
e regular sua conduta uns em relação aos outros. Estes
sistemas ou códigos de significado dão sentido às nossas
ações. Eles nos permitem interpretar significativamente
as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles cons-
tituem nossas “culturas”. Contribuem para assegurar que
toda ação social é “cultural”, que todas as práticas sociais
expressam ou comunicam um significado e, neste sen-
tido, são práticas de significação (Hall, 1997, p. 16).

SUMÁRIO 218
Como apontou Hall (1997), ao final do século XX componen-
tes do que entendemos como cultura, como as artes, a linguagem
e os sistemas de crença, foram frequentemente objetos de estudo
isoladamente no passado. Entretanto, menos comum foi a ideia de
que esses componentes existem como órgãos em um corpo, par-
tes interconectadas de sistemas culturais, que podem ser estudados
como grandes redes de significados. Mais recentemente, no século
XXI, tornou-se evidente que essas redes ocupam um lugar central
na experiência humana e que não é possível pensar nos aspectos
mais fundamentais da existência material, como a economia, a ali-
mentação e a reprodução, fora do que agora compreendemos como
horizontes culturais.

Mesmo quando observamos componentes tão essenciais e


orgânicos da vivência humana como o sono, a busca por abrigo e a
morte, nos deparamos com recomendações, fórmulas e tabus. Da
emissão de fluidos corporais ao bocejo, da expressividade do rosto
e das mãos à maneira de se sentar em um espaço coletivo, do grito
ao riso, nada do que nos ocorre naturalmente parece existir fora do
domínio da cultura. Mesmo quando buscamos deliberadamente a
transgressão, o fazemos em um desejo de subverter uma cultura, o
que é, em si, um gesto de validação da cultura.

Isso não quer dizer que tudo seja cultura (ou que cultura seja
qualquer coisa), mas é importante reconhecer que há uma dimen-
são cultural mesmo naquilo que pensamos como divorciado da cul-
tura, do mesmo modo que há uma dimensão política mesmo naquilo
que geralmente concebemos como “apolítico”. A esfera do cultural
não engloba toda a vida humana absoluta e inquestionavelmente,
mas é pertinente observar que qualquer tentativa de compreender a
vida humana sem considerar essa esfera resultaria em uma análise
severamente falha, uma espécie de negação, ainda que não-inten-
cional, ou mesmo inconsciente, de nossa humanidade. Como Hall
(1997, p. 33) salientou:

SUMÁRIO 219
O que aqui se argumenta, de fato, não é que “tudo é cul-
tura”, mas que toda prática social depende e tem relação
com o significado: consequentemente, que a cultura é
uma das condições constitutivas de existência dessa prá-
tica, que toda prática social tem uma dimensão cultural.
Não que não haja nada além do discurso, mas que toda
prática social tem o seu caráter discursivo.

Somos, afinal, “animais significantes”. Nos satisfazemos


na criação, na descoberta e na troca de sentidos e significados.
Certamente não é à toa que tantos estudiosos de renome se dedica-
ram e se dedicam à busca por esses valores, moedas valiosíssimas
na cruel economia da realidade, na qual o sofrimento é tão corri-
queiro. Enquanto, porém, alguns buscaram sentidos absolutos e uni-
ficadores, imanentes à realidade, os estudos culturais contemporâ-
neos perscrutam a realidade a partir das malhas de significação que
sabemos ser frutos de nossa própria criação.

Rastrear e compreender fenômenos culturais nunca foi uma


tarefa simples, mas os cenários contemporâneos, marcados por tro-
cas cada vez mais diversas e aceleradas, pelo crescimento das cida-
des, dos fluxos humanos e do alcance da internet, demandam aten-
ção especial e interdisciplinar, e esse é o foco do Programa de Pós-
Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea (PPGECCO).
As pesquisas acolhidas pelo PPGECCO, múltiplas em seus olhares
e formatos, tem desfrutado de merecido reconhecimento, o que
implicou na valorização do programa na instituição que o sedia, a
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Em 2023, nosso programa foi contemplado com R$ 84,5 mil


em recursos, a maior entre as concessões feitas a programas de pós-
-graduação da instituição, com a finalidade de oferecer uma forma-
ção cada vez mais qualitativa para os pesquisadores matriculados
no PPGECCO. Essa concessão é resultado do trabalho de excelência
que tem sido desenvolvido pelo programa, mesmo em face dos pro-
blemas estruturais que atingem a todos que trabalham e estudam

SUMÁRIO 220
em instituições de ensino em nosso país, e de circunstâncias trági-
cas e absolutamente arrasadoras, como a pandemia de covid-19 que
recentemente atingiu o país, afetando severamente a capacidade
de nossas universidades de atingir satisfatoriamente suas metas de
ensino, pesquisa e extensão.

As pesquisas desenvolvidas em nosso meio se debruçam


sobre uma variedade ampla de problemas envolvendo comunida-
des, sociabilidades, linguagens e mídia. Parte da importância social
das instituições acadêmicas é contemplar uma diversidade de ori-
gens, panoramas de formação e pontos de vista, efetivamente tra-
duzindo para os espaços de produção de conhecimento a com-
plexidade de nosso país, prezando pela crescente democratização
do conhecimento e pelo respeito às identidades que compõem
nossa unidade nacional.

Produzir conhecimento é, de modo geral, um desafio, tornado


ainda maior no Brasil em vista das condições conjunturais: as vagas
limitadas em instituições públicas, a baixa disponibilidade de espa-
ços e fomentos para pesquisa e a desvalorização dos profissionais
dedicados à pesquisa. Levando em conta todos os desafios enfren-
tados por quem se engaja em atividades de pesquisa nos campos
das Ciências, as pesquisas em Humanidades debatem-se, ainda,
com dificuldades adicionais por serem frequentemente incompreen-
didas no próprio meio acadêmico em razão de suas particularidades
estruturais. Como afirma a docente, Ludmila de Lima Brandão (2016),
é notável a redução de capital social sentida pelas Humanidades
diante de sua evidente carência de “eficiência” do modo como esse
valor é atribuído às ciências, ou seja, como uma atribuição de pri-
mazia do desempenho, da performance que produz resultados mais
quantificáveis e discerníveis, a certos campos de estudo, que faz com
que eles desfrutem de maior valorização aos olhos da sociedade. Por
exemplo, com exceção do cientista social, é raro que a denominação
“cientista” seja atribuída a pesquisadores da área de Humanidades.

SUMÁRIO 221
A distância entre essas práticas de conhecimento aqui
discriminadas como Ciências e como Humanidades tem
motivado diversas metáforas e brincadeiras, desde a ideia
de que umas são exatas e outras inexatas, de que umas
são duras e outras moles, até, finalmente, a pilhéria de
que, se umas são humanas, as outras resultarão desuma-
nas. Gracejos à parte, pode-se afirmar que, se antes as
Humanidades já sofriam com acusações de inconsistên-
cia científica, falta de rigor metodológico e incapacidade
de gerar consensos, a exigência da performance agrava
ainda mais sua posição (Brandão, 2016, p. 326).

Dito isso, embora a convencional distinção entre Ciências e


Humanidades comumente se origine de uma percepção preconcei-
tuosa que reduz o segundo grupo, a citada distinção não precisa
caracterizar um demérito. Diferentes campos de conhecimento
demandam abordagens diversas, posto que não se dirigem à com-
preensão dos mesmos ângulos da existência. É importante ainda
frisar que, da mesma forma que os conhecimentos científicos não
estão jamais isentos de vieses políticos e nuances performáticas que
prejudiquem sua pretensa objetividade, os estudos desenvolvidos no
campo das humanidades não são incapazes de desdobrar vislumbres
reveladores de aspectos cruciais da realidade, embora produzidos
por pesquisadores que assumem abertamente seus vieses. Afinal de
contas, a objetividade não é de todo objetiva, tampouco a subjetivi-
dade é absolutamente subjetiva. Antes, podemos dizer, todo estudo
acadêmico responsável deve buscar resultados relevantes, mas tam-
bém deve ser capaz de evidenciar suas inclinações ao público.

Não há como estudar as relações humanas em uma atmosfera


rigorosamente controlada, nem mesmo é possível criar as condições
estéreis empregadas em um laboratório de química para garantir as
melhores respostas possíveis no uso dos reagentes. As Humanidades
se debruçam sobre comportamentos, tradições, interações, sensibili-
dades e dinâmicas de poder que compõem a vida social e precisam
ser estudadas dentro dela — inclusive, não faz sentido que sejam

SUMÁRIO 222
estudadas fora dela, quando nossa meta última é justamente ter uma
compreensão mais apurada da sociedade contemporânea.

Ou seja, nosso trabalho não resulta no desenvolvimento de


um aparelho com funções bem definidas, na supressão de um vírus,
no desenvolvimento de um grão resistente a condições ambientais
específicas. Com frequência, em vez de soluções categóricas, satis-
fatórias, amplamente reprodutíveis e lucrativas, nossos trabalhos fin-
dam em inquietações, em lembretes alarmantes das ambiguidades,
desconexões e carências que caracterizam a vida humana. Sem a
consciência dessas inquietações, todavia, é possível dizer que segui-
mos alheios a parte de nossa existência.

Nossas considerações são sim mais difusas e desprovidas


dos cortes limpos que aprendemos a esperar do conhecimento
em suas designações mais positivistas, mas isso não é um defeito,
e sim uma consequência dos olhares multifacetados e interdisci-
plinares que objetos de pesquisa fundados nas relações humanas
demandam. O consumo e a produção de arte, feminismos, os usos
da cidade, o impacto de políticas públicas e militâncias de diversas
naturezas são tópicos que não podem ser observados a partir de
uma lente única. O fio condutor que une essas pesquisas é a neces-
sidade de encontrar sentido nas múltiplas mensagens que trocamos
dia a dia, e nos modos, formatos e plataformas que empregamos
para trocá-las. Como salientam Iara Bonin et al. (2020, p. 3) acerca
dos pesquisadores envolvidos com os Estudos Culturais,
os praticantes destes estudos não buscam assumir o
papel de privilegiados propositores de soluções imediatas
para problemáticas que afetam as sociedades contempo-
râneas — preocupam-se, no entanto, com a indicação de
tais problemáticas, com o mapeamento de suas condi-
ções de possibilidade, com a investigação dos modos ou
das circunstâncias de sua emergência, bem como das
práticas e dos sujeitos implicados em tais problemáticas,
sendo essas as ações políticas com as quais tais estudos,
predominantemente, se ocupam.

SUMÁRIO 223
Essa é, de certa forma, a meta última das pessoas que se
dedicam aos estudos de cultura contemporânea: examinar e pro-
vocar. Um passo fundamental para a elaboração de conhecimento
significativo é a identificação de realidades que ainda não foram
devidamente observadas, de narrativas ainda não prestigiadas, de
debates e questionamentos que ainda não foram promovidos. As
inquietações que emanam desses trabalhos são fundamentais para
uma sociedade que busca olhar criticamente para si mesma. Esse
ímpeto pela inquietação, pelo rastreamento do que foi naturalizado e
está sujeito a novas análises move os estudos do PPGECCO e cons-
titui um eixo central para nossas ações, que esperamos desenvolver
de forma cada vez mais democrática, diversa e perscrutadora.

REFERÊNCIAS
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v. 45, n. 2, p. 1-22, 2020.

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MIGNOLO, Walter. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Brasil, v. 1, n. 1,


p. 12-32, 2017.

SUMÁRIO 224
11 Safira Campos

JORNALISMO DE CIÊNCIA
E A DEMOCRATIZAÇÃO
DA CULTURA CIENTÍFICA:
A COBERTURA DO SEMINÁRIO
INTERNACIONAL “COMUNICAR CIÊNCIA”
PELO PNB ONLINE

DOI: 10.31560/pimentacultural/978-65-5939-953-6.11
INTRODUÇÃO
A comunicação científica é uma das formas mais impor-
tantes de divulgação de conhecimento, uma vez que permite que
a população em geral tenha acesso às descobertas e avanços da
ciência. Nesse contexto, o jornalismo de ciência surge como uma
área fundamental para a promoção da democratização da cultura
científica e para a disseminação de informações precisas e confiá-
veis sobre temas científicos.

O jornalismo de ciência e a divulgação científica têm sido


cada vez mais reconhecidos como importantes meios de aproxi-
mar a ciência da sociedade em geral. De acordo com Vogt (2003),
a cultura científica é uma espiral, na qual o conhecimento científico
é transmitido da comunidade científica para a sociedade e, por sua
vez, a sociedade retorna o conhecimento e as perguntas que levam
a novas pesquisas científicas.

Nesse contexto, o jornalismo de ciência desempenha um


papel fundamental na disseminação de informações atualizadas
sobre as descobertas científicas para um público mais amplo. Isso
é especialmente importante em um mundo em que a ciência está
em constante evolução e as informações podem ser distorcidas
ou mal interpretadas.

Já a divulgação científica, por sua vez, é uma ferramenta que


visa aproximar o conhecimento científico da sociedade, não apenas
apresentando novas descobertas, mas também explicando concei-
tos científicos e sua relevância para a sociedade. Isso é importante
para que a sociedade possa compreender e tomar decisões informa-
das sobre questões relacionadas à ciência, como mudanças climáti-
cas, saúde e tecnologia.

SUMÁRIO 226
Portanto, o jornalismo de ciência e a divulgação científica são
essenciais para a construção de uma cultura científica sólida e para
promover uma sociedade mais informada e participativa. É necessá-
rio que haja um compromisso da mídia e dos cientistas em tornar a
ciência mais acessível e compreensível para a sociedade em geral.

Entre maio e julho de 2022, o Seminário Internacional


“Comunicar Ciência: Democracia, Comunicação e Audiovisual” reu-
niu pesquisadores de diversos países para discutir novas formas de
comunicar ciência e promover a democratização da cultura cientí-
fica no contexto atual. O evento, promovido pelo Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Poder (PPGCOM) e pelo Programa de
Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea (PPGECCO),
ambos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), teve como
objetivo refletir sobre os desafios que a cultura científica enfrenta
para se transformar e buscar novas formas de comunicação com
a sociedade em um momento em que notícias falsas se propagam
de maneira veloz e sem identificação de seus autores, invalidando
o valor da ciência.

A proposta foi oferecer ao público e pesquisadores a oportu-


nidade de debater questões contemporâneas sobre a relação entre
Ciência, Arte e Democracia, novas formas de comunicar ciência,
embates com negacionistas que atacam a cultura científica e a pró-
pria ideia do conhecimento como transformação da sociedade. Com
a presença de convidados de diversas instituições públicas e priva-
das do Brasil, México, Argentina, Espanha e Portugal, foram aborda-
dos temas de grande relevância como ensaio audiovisual científico,
celebrização de cientistas no contexto da pandemia, relações entre
ciência e opinião pública, plataformização da televisão brasileira e
como comunicar a verdade em tempos de desinformação.

Neste contexto o presente artigo tem como objetivo relatar a


experiência do site PNB Online na cobertura do evento, bem como
discutir a importância do jornalismo de ciência para a promoção da

SUMÁRIO 227
cultura científica e a democratização do conhecimento. Serão apre-
sentados os principais temas debatidos no seminário, bem como
as reflexões dos pesquisadores e profissionais presentes sobre os
desafios e oportunidades para o jornalismo de ciência atualmente.

O PAPEL DO JORNALISMO DE CIÊNCIA


NA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA
A divulgação científica é um processo fundamental para tor-
nar a ciência acessível à sociedade e promover a cultura científica. O
jornalismo de ciência é um dos principais agentes nesse processo,
sendo responsável por traduzir os conhecimentos científicos para a
linguagem cotidiana e ampliar o alcance da divulgação científica.

De acordo com Vogt (2003), a cultura científica é um com-


ponente crucial para a formação de uma sociedade mais crítica e
engajada. Para o autor, é essencial que haja uma aproximação entre
ciência e sociedade, por meio de iniciativas que promovam a intera-
ção entre os dois campos. Nesse sentido, ele enfatiza que é preciso
estimular debates, exposições e programas na mídia que possam
levar a ciência para além dos círculos acadêmicos e torná-la mais
acessível ao público em geral. A divulgação científica, portanto, se
configura como uma das principais formas de disseminar a cultura
científica, e pode contribuir significativamente para a promoção
da educação científica e para a formação de uma sociedade mais
informada e crítica.

Lévy-Leblond (2006) complementa essa discussão, desta-


cando que a cultura científica é impossível e necessária ao mesmo
tempo, ou seja, é impossível alcançar um conhecimento científico
completo, mas é necessário ter um mínimo de conhecimento para
entender as implicações da ciência na vida cotidiana. Para ele,

SUMÁRIO 228
a divulgação científica deve se preocupar em fornecer informa-
ções precisas e contextualizadas, de forma a tornar a ciência com-
preensível para todos.

Moreira (2017) destaca que ciência permeia o cotidiano da


sociedade, manifestando-se em diversos aspectos, como a ener-
gia elétrica, a alimentação e a tecnologia presente nos dispositivos
móveis. Tais avanços científicos e tecnológicos são, em especial
em países como o Brasil, frequentemente financiados por recur-
sos públicos, por meio de agências de fomento à pesquisa. Nesse
contexto, uma política de divulgação científica deve ser guiada por
dois princípios fundamentais: a prestação de contas à sociedade e
a geração de informações técnicas de qualidade, apresentadas em
uma linguagem acessível a todos.

Esses princípios visam socializar o conhecimento cientí-


fico, promover a consciência cidadã e aumentar a participação da
sociedade nas decisões públicas. Assim, seja por meio de publica-
ções ou de espaços de visitação, como museus, diferentes aborda-
gens e modelos de divulgação científica e cultural contribuem de
maneira eficaz para valorizar a cultura científica e reduzir as desi-
gualdades sociais. Diante disso, o papel do jornalismo de ciência
é essencial para a promoção da cultura científica e da democrati-
zação do conhecimento.

A LINGUAGEM E AS ESTRATÉGIAS
NA PRODUÇÃO DE JORNALISMO
DE CIÊNCIA
Como destaca Bertolli Filho (2006), muitas análises ado-
tam uma perspectiva que concebe o jornalista de ciência como um
intermediário entre a linguagem complexa da ciência e o público

SUMÁRIO 229
leigo. Este conceito é caracterizado como “tradução interlinguística”
(Pereira, 2002), denotando, assim, o ato de converter o discurso cien-
tífico para um léxico mais acessível. A percepção, entretanto, limita
o entendimento do papel desempenhado pelo jornalismo científico.

Lílian Zamboni (2001) argumenta que o discurso de divulga-


ção científica não pode se resumir meramente a uma simplificação
do discurso científico original, mas deve estar preocupado em cons-
tituir um gênero textual independente, resultante de um processo de
formulação discursiva.
O que defendo, portanto, é a ideia de que o discurso de
divulgação científica constitui um gênero de discurso
científico, resultado de um efetivo trabalho de formulação
discursiva, no qual se revela uma ação comunicativa que
parte de um ‘outro’ discurso e se dirige para ‘outro’ desti-
natário (Zamboni, 2001, p. XVIII XIX).

Em consonância com essa perspectiva, os jornalistas de ciên-


cia podem lançar mão de diversas estratégias ao elaborarem seus
textos de divulgação científica. Primeiramente, é imperativo realizar
uma adaptação criteriosa do vocabulário utilizado, evitando a inclusão
de terminologia técnica e priorizando a seleção de termos acessíveis
ao público leigo. Como vimos com Zamboni (2001), essa adaptação
vocabular, contudo, não deve ser interpretada como uma simplificação
desmedida, mas como uma escolha deliberada e estratégica visando à
transmissão de conteúdo científico de forma clara e precisa.

Além disso, o emprego de metáforas e analogias representa


uma ferramenta eficaz para simplificar conceitos complexos, tornan-
do-os mais compreensíveis ao público-alvo (Bertolli Filho, 2006). No
entanto, a utilização desses recursos linguísticos requer prudência, a
fim de evitar distorções ou interpretações inadequadas (Löwy, 1996).

Destacamos ainda que a contextualização das informações


é outra estratégia fundamental. Os jornalistas de ciência devem
contextualizar os temas abordados, elucidando sua relevância e

SUMÁRIO 230
estabelecendo conexões com a vida cotidiana das pessoas. Tal abor-
dagem contribui para estabelecer uma ponte entre o conteúdo cien-
tífico e o interesse do público.

Assim como nas demais editorias, a construção de uma nar-


rativa que envolva o leitor também se mostra indispensável no jor-
nalismo de ciência. Através da apresentação de casos reais, histórias
de cientistas ou relatos de descobertas científicas, é possível cativar
o leitor ou espectador, tornando o conteúdo mais atraente e de fácil
assimilação. Como destaca Norval Baitello Júnior (1999), a narrativa é
uma forma fundamental de a humanidade dar significado e estrutura
aos eventos que percebemos e vivenciamos.
Narrativizar significou e significa para o homem atribuir
nexos e sentidos, transformando os fatos captados por
sua percepção em símbolos mais ou menos complexos.
vale dizer, em encadeamentos, correntes associações de
alguns ou de muitos elos sígnicos (p. 37).

É também de suma importância que os jornalistas de ciência


fundamentem suas informações em fontes confiáveis e estudos cien-
tíficos reconhecidos, a fim de conferir credibilidade ao texto. Ademais,
deve-se evitar o sensacionalismo e a distorção dos fatos em busca das
manchetes meramente, uma vez que a precisão e a integridade das
informações são de fundamental importância. Por fim, os jornalistas
de ciência devem estar abertos ao retorno da comunidade científica e
do público em geral. Se erros forem identificados, é imperativo que se
promovam correções de forma transparente e responsável.

A COBERTURA DO “COMUNICAR
CIÊNCIA” PELO PNB ONLINE
O portal PNB Online, com sede em Cuiabá, Mato Grosso, tem
se dedicado nos últimos cinco anos a aprimorar sua cobertura de

SUMÁRIO 231
jornalismo científico. No período compreendido entre 2019 e 2021,
promoveu uma série de entrevistas com destacados pesquisado-
res da Universidade Federal de Mato Grosso, abordando as cres-
centes ameaças enfrentadas pela ciência, com ênfase nas áreas
de humanidades e ciências sociais, por parte do Governo Federal
então em exercício. Entre as entrevistas realizadas, destacou-se o
diálogo com a Professora Doutora Maristela Carneiro, intitulado
“Arte como Fundamento para a Preservação da Humanidade e
o Reconhecimento de uma Perspectiva Futura”, que chegou a ser
republicado pela Revista Tel (Campos; Oliveira, 2021).

Dentro da editoria, o veículo vem atuando principalmente


na cobertura de meio ambiente e ciências sociais, ao publicar
notícias, reportagens e entrevistas com especialistas nacionais e
internacionais sobre estes temas. No ano de 2023, o portal con-
quistou o Prêmio Aprosoja-MT de Jornalismo em virtude de uma
reportagem de cunho científico e ambiental intitulada “Integração,
Adaptação e Produtividade: Como os Sistemas de Integração com
Florestas podem Conferir Suporte aos Produtores de Mato Grosso
na Mitigação dos Desafios Climáticos no Setor Agropecuário”. Em
2024, com a mesma reportagem, conquistou, em âmbito nacional, o
Prêmio Rede ILPF de Jornalismo.

Um momento importante na trajetória de cobertura cien-


tífica realizada pelo PNB Online foi a ampla abordagem do
Seminário Internacional intitulado “Comunicar Ciência: Democracia,
Comunicação e Audiovisual”, em 2022. Este evento reuniu pesquisado-
res de diversas nações com o propósito de debater novas estratégias
de comunicação científica e a promoção da democratização da cul-
tura científica na contemporaneidade. A concepção desse seminário
foi atribuída ao jornalista e pesquisador Pedro Pinto de Oliveira, que
desempenhou um papel fundamental em sua organização.

O grupo de organizadores incluiu também a professora


doutora Maristela Carneira, o professor Bruno Araújo, coordenador

SUMÁRIO 232
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM), e
o professor Benedito Diélcio Moreira, líder do Grupo de Pesquisa
Multimundos. Além disso, o evento foi realizado em parceria com
o Núcleo de Estudos do Contemporâneo (NEC). Todas as palestras
foram realizadas de maneira remota e foram transmitidas no canal
do Youtube do PPGCOM/UFMT. Até setembro de 2023, essas pales-
tras já haviam sido assistidas mais de 1700 vezes, demonstrando o
impacto e o interesse gerados pelo evento.

Dentre os palestrantes, o Prof. João Massarolo, da


Universidade Federal de São Carlos, trouxe interessantes perspec-
tivas sobre a “Plataformização da Televisão Brasileira: Empresas de
Mediatech”, abordando como as empresas de mediatech têm impac-
tado a televisão no Brasil. A Profa. Claudia Magallanes Blanco, da
Universidade Iberoamericana em Puebla, México, realizou a palestra
“Experiencias de transmisión de conocimientos indígenas en pod-
cast y vídeo”, explorando como os conhecimentos indígenas estão
sendo transmitidos por meio de novas mídias no México.

A palestra “Ensayos Audiovisuales Tipos, Métodos y


Prácticas” foi apresentada pela Profa. Ana Mejón e pelo Prof. Vicente
Rodriguez Ortega, ambos da Universidade Carlos III de Madrid e da
Revista Tecmerin de Ensaios Audiovisuais. Eles discutiram os tipos,
métodos e práticas de ensaios audiovisuais na comunicação cientí-
fica. Já os professores Caterina Cucinotta, da Universidade Nova de
Lisboa, e Jesús Ramé, da Universidade Rei Juan Carlos em Madrid,
colaboraram na palestra “Um processo de trabalho entre a criativi-
dade e o rigor académico”, explorando a interseção entre criatividade
e rigor acadêmico na comunicação científica.

O Prof. Daniel H. Cabrera, da Universidade de Zaragoza,


Espanha, apresentou a palestra “Comunicar ‘la verdad’ en épocas de
desinformación”, abordando os desafios de comunicar a verdade em
tempos de desinformação. Os Professores Pedro Pinto de Oliveira e
Benedito Diélcio Moreira, da Universidade Federal de Mato Grosso,

SUMÁRIO 233
compartilharam suas experiências na palestra “Conhecer por ima-
gens: a experiência do Ensaio Audiovisual Científico”, destacando a
importância das imagens na pesquisa científica.

O Prof. Gil Baptista Ferreira, do Instituto Politécnico de


Coimbra, Portugal, discutiu a crítica questão de “Em quem confiar?
Comunicar ciência em tempos de desinformação”, refletindo sobre
como comunicar a ciência de maneira confiável em um contexto
de desinformação. O Prof. João Carlos Correia, da Universidade da
Beira Interior, Portugal, explorou a dinâmica entre “Ciência e opi-
nião pública: Diferendo e Deliberação”, destacando como as opi-
niões públicas podem afetar a percepção da ciência. Por fim, a
Profa. Paula Guimarães Simões, da Universidade Federal de Minas
Gerais, abordou a “Celebrização de cientistas no contexto da pan-
demia”, discutindo como os cientistas se tornaram figuras públi-
cas durante a pandemia.

Em consonância com a perspectiva defendida por Zamboni


(2001), foi possível observar que, durante a cobertura do evento, o
veículo buscou realizar uma adaptação do vocabulário utilizado em
seus textos em comparação ao vocabulário utilizado pelos pesquisa-
dores. Houve a priorização de termos mais acessíveis ao público em
geral, não limitando-se, entretanto, a uma simplificação desmedida,
mas sim em uma abordagem estratégica para transmitir o conte-
údo científico de forma clara e precisa. Outra estratégia adotada foi
empregar recursos linguísticos como analogias para simplificar con-
ceitos complexos, tornando-os mais compreensíveis ao público.

É possível ainda destacar como estratégia adotada pelo


veículo o compartilhamento integral do link de todas as palestras
realizadas no YouTube, permitindo que os interessados pudessem
acompanhar o evento completo, mesmo que não estivessem dispo-
níveis em tempo real. Isso demonstrou o compromisso do site com
a acessibilidade à informação científica. Além disso, a utilização de
links que direcionavam os leitores para a palestra mais recente do

SUMÁRIO 234
cronograma e forneciam informações sobre a próxima palestra faci-
litou o acesso contínuo e atualizado às discussões. Isso favoreceu
participação ativa dos leitores no evento, mantendo-os informados
sobre as próximas atividades.

A incorporação das falas dos cientistas nos textos, acompa-


nhadas de explicações contextuais também teve um papel impor-
tante, tornando o conteúdo das palestras mais compreensível para
um público amplo. Como vimos, traduzir a linguagem técnica em ter-
mos mais simples e relacionáveis ajuda a transmitir as mensagens
dos cientistas de maneira eficaz.

A manutenção constante de uma explicação do objetivo cen-


tral do evento, que era a democratização e divulgação da ciência, foi
um aspecto importante a ser destacado cobertura. Cada texto refor-
çou a importância desses temas e como as discussões no evento
contribuíram para alcançá-los. Isso manteve os leitores conectados
com o propósito do evento e sua relevância.

Por fim, ao compartilhar os pontos mais importantes do cur-


rículo de cada palestrante especialista ao final de todos os textos, o
site O PNB Online levou aos leitores informações adicionais sobre
a experiência e credibilidade dos apresentadores. Isso enriquece a
compreensão do contexto das palestras e ajuda os leitores a avaliar
a autoridade dos palestrantes, algo importante dentro do jornalismo
de ciência, como vimos anteriormente.

CONCLUSÕES
O papel do jornalismo de ciência na divulgação científica
é inegavelmente crucial para a promoção da cultura científica e a
democratização do conhecimento. Este artigo abordou a importância

SUMÁRIO 235
dessa área, destacando como a comunicação científica desempe-
nha um papel fundamental na aproximação entre a ciência e a socie-
dade, permitindo que o conhecimento científico seja acessível, com-
preensível e relevante para um público amplo.

No contexto do Seminário Internacional “Comunicar Ciência:


Democracia, Comunicação e Audiovisual”, o site PNB Online demons-
trou um compromisso com a disseminação do conhecimento cientí-
fico. Por meio de estratégias planejadas, como o compartilhamento
das palestras completas, o uso de links para acesso facilitado, a
incorporação de falas dos cientistas com explicações contextuais, a
manutenção do objetivo central do evento e a divulgação dos des-
taques dos palestrantes, o site buscou proporcionar uma cobertura
informativa para os leitores. A adaptação da linguagem, a contextu-
alização das informações e a construção de narrativas também se
mostraram ferramentas importantes no processo de tornar a ciência
acessível e interessante para o público.

Como vimos ao longo deste artigo, o jornalismo de ciência


desempenha um papel fundamental na promoção da cultura cientí-
fica e na capacitação da sociedade para tomar decisões informadas
sobre questões científicas. No entanto, é essencial que os jornalistas
científicos atuem com responsabilidade, baseando suas informações
em fontes confiáveis e evitando sensacionalismo ou distorções.

Como sugestão para futuras pesquisas e aprimoramento


do campo de atuação do jornalismo de ciência, é importante inves-
tir em estudos que avaliem o impacto das estratégias de comuni-
cação adotadas na compreensão e na aceitação das informações
científicas pelo público. Além disso, a formação contínua dos pro-
fissionais de jornalismo de ciência e a colaboração estreita com a
comunidade científica podem contribuir para uma comunicação
mais eficaz e precisa.

SUMÁRIO 236
REFERÊNCIAS
BAITELLO JUNIOR, Norval. O animal que parou os relógios. 2 ed. São Paulo: Annablume, 1999.

BERTOLLI FILHO, Claudio. Elementos fundamentais para a prática do jornalismo


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CAMPOS, Fernanda Safira Soares; DE OLIVEIRA, Pedro Pinto. Arte é fundamental para não
embrutecermos e sabermos que há uma luz mais adiante: Entrevista com a Professora
Doutora Maristela Carneiro. TEL — Tempo, Espaço e Linguagem, Brasil, v. 11, n. 2, 2021.

LÉVY-LEBLOND, Jean-Marc. Cultura científica: impossível e necessária. In: VOGT, Carlos


(org.). Cultura científica: desafios. São Paulo: Edusp, 2006. p. 28-55.
LÖWY, Ilana. Les métaphores de l’immunologie: guerre et paix. História, Ciências, Saúde-
Manguinhos, Brasil, v. 3, p. 7-23, 1996.

MOREIRA, Benedito Dielcio. Desafios da Divulgação Científica: os primeiros passos na


UFMT. In: MOREIRA, Benedito Dielcio; SILVA, André Chaves de Melo. Divulgação Científica
Debates, Pesquisas e Experiências. Cuiabá: EdUFMT, 2017. p. 14.

PEREIRA, R. P. Movimento e linguagem na divulgação científica. Ética e divulgação


científica: os desafios do novo século. São Paulo: NJR da ECA-USP, 2002.

VOGT, Carlos. A espiral da cultura científica. ComCiência, Brasil, n. 45, 2003. Disponível em:
http://www.comciencia.br/reportagens/cultura/cultura01.shtml. Acesso em: 25 nov. 2023.

ZAMBONI, Lilia Márcia Simões. Cientistas, jornalistas e a divulgação científica:


subjetividade e heterogeneidade no discurso da divulgação científica. Campinas:
Editores Associados, 2001.

SUMÁRIO 237
12 Mirian Barreto Lellis
Paula Libos

MULTIMUNDOS,
UMA EXPERIÊNCIA
INTERDISCIPLINAR
E INTERCULTURAL

DOI: 10.31560/pimentacultural/978-65-5939-953-6.12
A intensificação das transformações no espaço-tempo contri-
bui para as múltiplas problemáticas surgidas no processo de fragmen-
tação da cultura potencializadas pela aceleração da comunicação ins-
trumental, das tecnologias digitais de informação e, por conseguinte,
da “hiperdinamização, ‘dis-tanciando’ o espaço cultural” (Han, 2019,
p. 23). Nesse sentido, parece-nos fundamental olhar atentamente os
modos de comunicação e ciência e seus aspectos culturais que jus-
tificam os caminhos que a sociedade tomou e que desenrolam-se na
contemporaneidade em uma série de discursos criadores de novas
hegemonias. Entendemos que a potência da cultura científica decorre,
além dos vários tipos de conhecimentos e atores envolvidos no pro-
cesso de produção, de um elemento muito importante que possui raí-
zes profundas do viver e pensar: o cotidiano. Assim, pautamos o coti-
diano como fio condutor para os estudos desenvolvidos pelo Grupo de
Pesquisa Multimundos sobre as tensões contemporâneas.

O Grupo de Pesquisa (GP) Multimundos nasceu com o obje-


tivo de discutir as tensões e transformações contemporâneas que sur-
gem no cotidiano. Com um caráter multi e interdisciplinar, buscamos
compartilhar experiências com diferentes pesquisadores, atuando no
processo de construção de uma pesquisa, em sua configuração, recon-
figurações, definições de procedimentos metodológicos, condução e
análise de resultados. É um diálogo no fazer, com trocas de experiên-
cias de implantação de modelos de trabalhos colaborativos, com des-
taque para a diversidade de pesquisadores e trocas de conhecimento.
Discutir e analisar os modos e saberes da comunicação é explorar as
diferentes formas sobre como as pessoas se comunicam e como utili-
zam as inúmeras multiplataformas hoje disponíveis.

Existem diversos modos de comunicação: oral, escrita, ges-


tual, visual, digital, entre outros. Cada um deles possui caracterís-
ticas distintas e requer abordagens específicas, como por exem-
plo o Ensaio Audiovisual Científico, que traz uma nova escritura
em imagem e som para a comunicação de ciência entre os pares
(Oliveira; Moreira, 2022). Essa forma amplia e diversifica os formatos

SUMÁRIO 239
ao apostar na diversidade de abordagens, no discurso híbrido, não
específico, apanhando características inseridas no cinema, nas
artes, nos fenômenos da comunicação, entre outras práticas, a fim
de que as informações “aconteçam”, comuniquem, na perspec-
tiva de Marcondes (2004; 2019) e Wolton (1999; 2010). A circulação
de conhecimentos em formato audiovisual amplia a “[...] Cultura
Científica de acordo com o processo de democratização da ciên-
cia nestes tempos sombrios de negação e desinformação” (Oliveira;
Moreira, 2022, p. 435, tradução nossa).

A comunicação não se resume apenas à transmissão de infor-


mações, mas envolve também a compreensão, interpretação e cons-
trução de significados. Por isso, compreender os diferentes modos de
comunicação permite que possamos nos adaptar às diversas situa-
ções e contextos em que nos encontramos, bem como desenvolver
habilidades para uma interação comunicativa mais ampla e eficaz.
Sendo assim, as pesquisas realizadas pelo grupo visam contribuir
nesse processo de fortalecer a comunicação do conhecimento cien-
tífico entre cientistas, estudantes e demais públicos, sobretudo com
relação às novas descobertas da ciência.

TRABALHOS COLABORATIVOS
E PARCEIROS MULTIMUNDOS
Instituído em 2018, o Multimundos é um grupo de pesquisa
em construção e abrange diferentes áreas: comunicação, filosofia,
educação, história, cultura, artes, audiovisual, design, tecnologias,
ensino a distância, conflitos étnico-raciais, entre outras. O objetivo é
questionar como são construídos os novos modos de conhecimento
e as formas contemporâneas de comunicação e cultura, a partir
das tensões no mundo da vida (Schutz, 1998). Os estudos também

SUMÁRIO 240
buscam identificar o papel de novas linguagens, como a audiovisual,
na constituição e compartilhamento de conhecimento.

O grupo surge em meio ao avanço das mídias digitais, à


ampliação de espaços não formais de educação, à disseminação de
informação e à presença constante de processos audiovisuais no dia
a dia. Nesse contexto, ainda se destacam os trabalhos colaborativos
em rede, a circulação de notícias falsas e o autoaprendizado. Tudo
isso exige pesquisas sobre a comunicação contemporânea e sobre
os novos modos de aprender e compreender os impactos na educa-
ção, no pensamento filosófico e nos saberes populares.

O grupo surgiu com os professores Dr. Benedito Dielcio


Moreira e Dr. Pedro Pinto de Oliveira, pioneiros no estudo do Ensaio
Audiovisual Científico. Dedicado a investigar como são construídos
os novos modos de conhecimento e as formas contemporâneas de
comunicação e cultura, o grupo Multimundos dialoga em seminários,
artigos e publicação de livros com diferentes pesquisadores, sobre
os quais trataremos mais à frente. Os temas e problemáticas cen-
trais do grupo estão assim articulados: (a) comunicação e ciência;
(b) comunicação e linguagens; (c) ciência cinema e outras artes e
(d) educação, cultura, ciência e outros saberes.

TEMPORALIDADE DO GRUPO
Muitas atividades marcam a formação e concepção do Grupo
Muntimundos. A sua gênese, efetivamente, se dá com o evento de
lançamento em 23 de agosto de 2018: o 1º Encontro Multimundos
Brasil contou com a palestra “Celebridades como diagnóstico e
farol de valores do mundo contemporâneo”, proferida pela Prof.ª
Dra. Vera Regina Veiga França, docente da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Na oportunidade, a palestrante abordou a

SUMÁRIO 241
complexidade das figuras públicas, articulando os valores represen-
tados por elas, o contexto cultural em que se inserem, as formas de
visibilidade, bem como os atributos pessoais que ostentam. A pes-
quisadora do Laboratório de Análise de Acontecimentos (GrisLab) e
do Radar de Celebridades, também falou dos projetos que monito-
ram e analisam acontecimentos de repercussão social e figuras de
referência na sociedade brasileira, respectivamente.

Vera França foi uma incansável colaboradora, juntamente


com o professor João Carlos Correia, da Universidade da Beira
Interior, Portugal, na construção das bases conceituais e práticas do
Grupo Multimundos. Um momento especialmente importante foram
as conexões pensadas por Vera França a partir das tensões que o
grupo observa: “na medida em que celebridades revelam valores e
valores dão um retrato de setores de uma sociedade, a aproximação
e comparação entre celebridades de diferentes áreas e diferentes
regiões/países nos permitirá vislumbrar flashes de ‘multimundos’”.

A data também é marcada pela publicação do primeiro


Dossiê do Grupo em um periódico. A Revista Missões, da Fundação
Universidade Federal do Pampa — Unipampa, contou com produ-
ções científicas de colaboradores da Rede Multimundos do Brasil
(UFMT), Barbados e Portugal.77 A proposta vem intensificar o debate
com pesquisadores da América Latina e Europa por meio de encon-
tros de saberes que, de um lado nos provocam e, de outro, eviden-
ciam as problemáticas e as tensões mais urgentes do mundo con-
temporâneo, com as transformações que se apresentam em diversos
lugares, contextos e realidades.

No ano de 2018 também ocorreu o 1º Seminário Internacional


Multimundos com o tema: “Educação Globalizada, história, Imigração
e Cultura”. O grupo recebeu os pesquisadores de Barbados, Elaine

77 Disponível em: https://periodicos.unipampa.edu.br/index.php/Missoes/issue/view/36. Acesso em:


23 nov. 2023.

SUMÁRIO 242
Pereira Rocha, professora doutora do Departamento de História e
Filosofia da University of the West Indies (UWI) e Anthony Oliver
Fisher, diretor executivo do China Institute of Information Technology
no Caribe. Nesse evento, o Multimundos propôs discutir a interna-
cionalização da educação. Além disso, buscou examinar o desen-
volvimento brasileiro, desde a independência, sob a perspectiva das
parcerias internacionais.

Outra marca temporal para o grupo foi a sua primeira parti-


cipação em evento científico para Grupos de Pesquisa. As Jornadas
Internacionais GEMInIS (JIG 2019/2021) teve como objetivo conso-
lidar um espaço de diálogo e debate entre os Grupos de Pesquisa
do campo da comunicação e do audiovisual de todo o Brasil por
meio da exposição e discussões dos resultados de suas pesqui-
sas, tendo como temas principais Entretenimento, Transmídia e
Multiplataformas. Na oportunidade, o Grupo Multimundos apresen-
tou vários trabalhos resultantes das pesquisas de mestrado e douto-
rado de pós-graduandos.

Em 2019, o Multimundos inicia os Ciclos de Seminários


Temáticos internacionais. O 2º Seminário Multimundos trouxe o
tema “Comunicação e Sensibilidade” com o objetivo de aprofun-
dar as discussões sobre comunicação e cultura e as interfaces
que aproximam os pesquisadores do grupo, bem como ampliar o
intercâmbio entre os pesquisadores. Entre os painéis apresentados
estão: “As Percepções: da Experiência Sensível à Sociabilidade”;
“Estéticas Contemporâneas: O Fofo, o Bobo e o Interessante”, pelo
Prof. Dr. Aclyse Mattos, pesquisador do grupo e docente do curso de
Publicidade e Propaganda da UFMT; e “O que é real na ‘sociedade
Excitada?’”, pelo Prof. Dr. Benedito Dielcio Moreira.

O Prof. Dr. Cristóvão Almeida, docente do PPG em Estudos


de Cultura Contemporânea e do PPG em Comunicação e Poder,
ambos da UFMT, e Professor no curso de Graduação em Publicidade
e Propaganda da UFMT, apresentou o painel “Cultura e sensibilidade

SUMÁRIO 243
na comunidade Quilombola”. Outro palestrante foi o Prof. Dr. Pedro
P. de Oliveira, com o painel “Conhecer por imagens em movimento:
montagem e duração cultural das imagens”. Ele trouxe reflexões
sobre a imagem como uma impressão, um rastro, um traço visual
do tempo e dos costumes na sociedade. A Prof.ª Dra. Rita de Cássia,
docente associada ao PPG em Estudos de Cultura Contemporânea
e Professora no curso de Graduação em Música da UFMT discutiu a
“Estética das impurezas e as Culturas Contemporâneas”.

Nesse mesmo ano, em 2018, o grupo publicou o livro


“Educomunicação e Transmídia, um Encontro na Escola dos Media,
Ciência e Saberes Populares”, sob o selo da Editora da Universidade
Federal de Mato Grosso (EdUFMT). O livro é fruto de pesquisas rea-
lizadas sobre a coordenação do prof. Benedito Dielcio Moreira nas
escolas públicas no interior do estado de Mato Grosso. O propósito foi
o de discutir e desenvolver, conjuntamente com professores e alunos
de escolas públicas do Ensino Básico, processos e produtos que tives-
sem relação com o conteúdo escolar e com o dia a dia do estudante.

O livro conta também com a participação de professores


do Ensino Básico e de professores de outras instituições do Ensino
Superior, como Ismar Soares, da USP, que discute a relação da educo-
municação com direitos humanos; João Massarolo, da Universidade
Federal de São Carlos, que participou conosco das primeiras oficinas
sobre narrativas transmídias; e Nilda Jacks, da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, com quem a nossa equipe trabalhou em um grande
projeto nacional sobre jovens e as tecnologias digitais. Participam tam-
bém do livro Luciana Borges e outros autores da Unifesp, André Silva
e Leandra Martins da USP e pesquisadores com projetos na interface
da Educomunicação, como Thiago Cury, Antônia Alves Pereira, Pedro
Pinto de Oliveira, Cristiane Parente e Gilson Moraes.

O 2º Seminário Internacional funcionou como disciplina


vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura
Contemporânea da UFMT. O evento organizou cinco sessões com

SUMÁRIO 244
dois painéis de pesquisadores nacionais e internacionais convidados
a debater o tema “Cultura e o Outro”. Entre os convidados estavam
os professores doutores João Carlos Correia e Valeriano Naval, da
Universidade Beira Interior (UBI), de Portugal.

Na oportunidade João Carlos Correia esteve à frente do painel


“A possibilidade ou impossibilidade do reconhecimento de outrem:
Oswald Spengler e Samuel Huntington”. A questão foi o debate sobre
até que ponto somos capazes de lidar com o outro. Questões liga-
das às identidades religiosas, ultradireita no mundo, políticas con-
tra imigrantes e refugiados, direitos humanos e diversidade também
foram tema da palestra. Já Naval, com o painel “Patrimônio cultural e
turismo: considerações baseadas na comunicação on-line dos des-
tinos ibéricos”, debateu sobre as experiências que os indivíduos bus-
cam quando assumem o papel de turistas. Naval levantou questões
sobre o fator identitário de cada povo como algo definidor dos des-
tinos. Além disso, refletiu sobre a relação dos turistas com a pauta
social e ecológica nas visitas aos pontos turísticos.

Ana Catarina Pereira, professora da Universidade da Beira


Interior (UBI), de Portugal, apresentou o painel: “Cinema e Filosofia:
Pedagogia nas Artes e no Feminismo”. A professora adota uma pers-
pectiva filosófica para suas análises sobre a mulher no cinema ao expli-
car a importância dos estudos feministas nas artes, com foco especial
para o cinema, que é “uma importante área de estudo e de debate
para questões fundamentais que envolvem, entre outros, os conceitos
de corpo, sexualidade, representação, minorias e invisibilidades”.

A Professora Dra. Anabela Gradim, da Universidade da Beira


Interior (UBI), de Portugal, ministrou a palestra “O contributo das teo-
rias de framing para o diálogo intercultural”. A exposição buscou refle-
tir sobre convivência pacífica e construtiva num mundo multicultural,
bem como o desenvolvimento de um senso de comunidade e de
sentimento de pertença, proposições interessantes e atuais que
colaboram com as interrelações do nosso cotidiano.

SUMÁRIO 245
A Professora Dra. Elaine Pereira Rocha, da University of the
West Indies (UWI), de Barbados, apresentou o painel “Outros sujei-
tos, outras culturas e a luta pelo meio ambiente”. Sua fala se concen-
trou sobre o atual momento que o ocidente vive com a proliferação
do fenômeno das fake news, em especial sobre a relação do homem
com o meio ambiente.

O ciclo de seminários ainda contou com discussões relevan-


tes e contemporâneas sobre inteligência coletiva e divulgação cien-
tífica na dimensão cultural do outro. O Professor Dr. André Chaves,
da USP, esteve à frente do painel “Ciência, Cultura e o Outro: As
Relações entre a Divulgação Científica, o Sistema Brasileiro de
Pesquisa e Inovação e as representações da Sociedade sobre o cien-
tista e as universidades brasileiras”. Ele trouxe reflexões sobre o papel
da comunicação na compreensão do que fazemos pelo outro (pelas
pessoas que não estão diretamente inseridas no cotidiano da pes-
quisa), elemento fundamental para a manutenção do sistema e, em
última instância, para a existência da democracia.

Já o painel das pesquisadoras da Unifesp Dra. Izabel


Patrícia Mister e a Dra. Valéria Sperduti Lima, com o trabalho
“Inteligência Coletiva: Uma forma de aprender colaborativamente
nas Comunidades em Rede”, discutiram os conceitos de inteligência
coletiva e de aprendizagem colaborativa na constituição de comuni-
dades em rede, especialmente no contexto digital on-line.

Nesse mesmo ano, o Multimundos participou e publicou na


Espanha o ensaio com o título “Novas formas de comunicar ciência:
a experiência do ensaio audiovisual científico” na Tecmerin — Revista
de Ensaios Audiovisuais.78 O vídeo apresenta as primeiras discussões
e resultados do estudo sobre o ensaio audiovisual científico, desen-
volvido pelos coordenadores do grupo, Professores Dr. Benedito
Dielcio e Pedro P. de Oliveira. A proposta do estudo é o desenvolvi-
mento de uma nova forma de comunicar ciência.

78 Disponível em: https://tecmerin.uc3m.es/project/nuevas-formas-de-comunicar-la-ciencia-la-


experiencia-del-ensayo-audiovisual-cientifico/. Acesso em: 23 nov. 2023.

SUMÁRIO 246
A proposta do ensaio audiovisual científico parte da consta-
tação teórica e prática de que a comunicação do conhecimento cien-
tífico em formato audiovisual é autossuficiente, pois “amplia o diálogo
com outros pesquisadores e aproxima a população dos cientistas e
da ciência, especialmente porque os audiovisuais científicos podem
e devem ocupar um espaço fundamental nas escolas e na democra-
tização do conhecimento científico” (Oliveira; Moreira, 2019).

Os coordenadores do grupo Multimundos também ministra-


ram um minicurso “Audiovisual Científico: novas formas de comuni-
car Ciência” para os alunos de Mestrado em Cinema da Universidade
da Beira Interior (UBI), na cidade de Covilhã, em Portugal. Com a
proposta de discutir essa nova forma de comunicar pesquisas, o
curso refletiu sobre o percurso histórico da ciência no cinema e na
internet, analisando os papéis de filmes de ficção científica, docu-
mentário científico, filme científico e programas de ciência-entrete-
nimento. Além da análise dos procedimentos metodológicos para a
organização e construção do Ensaio Audiovisual Científico, ele dis-
cutiu os valores éticos e democráticos da nova escritura.

No ano de 2020 o Grupo lançou o Cadernos Multimundos em


dois volumes, com o resultado dos estudos desenvolvidos a partir dos
seminários de pesquisa. O primeiro volume, “Comunicação, Cultura e
Sensibilidade”79 traz as contribuições de pesquisadores convidados
de Portugal e Espanha e da Unifesp e também a participação de mes-
trandos e doutorandos do PPG ECCO/UFMT. O segundo volume,
com a temática “Cultura e o Outro”,80 traz textos dos conferencistas
da Alemanha, Barbados e da Universidade Federal de Viçosa, além
dos alunos de mestrado e doutorado do ECCO/UFMT.

79 Disponível em: http://www.editorafaith.com.br/ebooks/grat/978-65-89270-07-2.pdf. Acesso em:


23 nov. 2023.
80 Disponível em: http://www.editorafaith.com.br/ebooks/grat/978-65-89270-06-5.pdf. Acesso em:
23 nov. 2023.

SUMÁRIO 247
Ambos os Cadernos levam em consideração a forma
interdisciplinar do grupo, que abarca as áreas de Comunicação,
Filosofia, Educação, Cultura e Artes, Cinema, Audiovisual, Design e
Tecnologias, Media Arts e Poéticas Contemporâneas. O Cadernos
Multimundos volumes 1 e 2 foram publicados sob o selo da Editora
Faith em versões impressa e e-book.

Em 2021, ainda sob os reflexos da pandemia de covid-19, o


Multimundos organizou o 3º Seminário Internacional com a temá-
tica “Comunicação, poéticas e mediações culturais”. Participaram
como conferencistas vários pesquisadores de instituições nacionais
e internacionais, convidados a discutir a comunicação e as poéticas
contemporâneas como gatilho para aproximação e distanciamento
entre as pessoas e instituições, levantando a questão da dualidade
enraizada nas relações e nos processos culturais, sociais e políticos.

Entre os conferencistas, os pesquisadores de Portugal trou-


xeram inúmeras contribuições para o debate com os painéis: “Media,
populismo e desinformação na era digital: teorias da conspiração
em tempos de pandemia”, ministrado pelo Professor Dr. Gil Baptista
Ferreira, da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de
Coimbra. A professora Dra. Filipa Mónica de Brito Subtil, da Escola
Superior de Comunicação Social do Instituto Politécnico de Lisboa,
desenvolveu reflexões sobre “Comunicação e o jornalismo sob cons-
trangimentos da transmissão tecnológica e do mercado”.

Ainda tivemos a participação da Professora Dra. Caterina


Cucinotta, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da
Universidade NOVA de Lisboa, que debateu sobre “As materialida-
des cinematográficas e a experiência do ensaio audiovisual científico,
uma nova forma de comunicar os achados da ciência”. Entre os pes-
quisadores brasileiros, os conferencistas foram: o Dr. João Massarolo,
docente da Universidade Federal de São Carlos (UFScar), que tra-
tou da “Guerra das Imagens — campo da inovação”; o Dr. Juliano
de Oliveira, docente da Escola de Comunicações e Artes da USP,

SUMÁRIO 248
que apresentou o painel “Minimalismo na música”; o Professor Dr.
Hadriel Geovani da Silva Theodoro, da ESPM, que abordou a ques-
tão da “Imigração de pessoas LGBTQI+”; e o Professor Dr. Aclyse
Mattos, que falou sobre a “Tradição High-Tech: games, animes e
o mundo dos jovens”.

O Coordenador do grupo, Benedito Dielcio Moreira, partici-


pou do podcast Histórias de Boca do Site PNB Online, com direção
de Pedro P. De Oliveira, e na oportunidade falou sobre as novas for-
mas de comunicar ciência, além do tradicional paper, em acordo com
os tempos da comunicação digital e com a preocupação de demo-
cratizar o conhecimento e de enfrentar a desinformação na internet.

Outro evento muito importante, que ajudou a formar parce-


rias e a ampliar o diálogo e divulgar o grupo e seus estudos foi a
participação do professor Benedito Dielcio Moreira, representando
o Grupo Multimundos, no I Encontro da Rede de Pesquisadores
em Comunicação Multiplataforma (RedCom),81 evento apoiado pela
UFSCAR, a Universidade Federal de São Carlos. O Grupo passou
a integrar essa rede, que conta atualmente com 17 grupos de pes-
quisa. O Multimundos apresentou oito trabalhos desenvolvidos pelos
integrantes do mestrado e doutorado do PPG ECCO — Estudos de
Cultura Contemporânea.

Em 2022, o grupo Multimundos lançou o livro “Estudos inter-


disciplinares em Comunicação e Mediações Culturais: tensões con-
temporâneas”.82 Esse é o terceiro volume do Cadernos Multimundos,
um resultado dos debates e reflexões do Seminário Internacional
Comunicação, poéticas e mediações culturais organizado pelo grupo
no primeiro semestre de 2021. O livro traz uma coletânea de textos
escritos por professores e pós-graduandos do Programa de Pós-
Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade

81 Disponível em: https://www.encontroredcom.com.br/. Acesso em: 20 nov. 2023.


82 Disponível em: https://oikoseditora.com.br/obra/index/id/1254. Acesso em: 23 nov. 2023.

SUMÁRIO 249
Federal de Mato Grosso. Os textos nesse livro foram divididos em
duas partes: “Tensões Urgentes” e “Tensões Contemporâneas”. Eles
trazem discussões sobre a comunicação, as relações e os processos
culturais, sociais e políticos problematizados no cotidiano.

No segundo semestre do mesmo ano o professor Pedro P. de


Oliveira coordenou o Seminário Internacional “Comunicar Ciência:
Democracia, Comunicação e Audiovisual”, em parceria com os PPG
COM — Comunicação e Poder e o PPG ECCO — Estudos de Cultura
Contemporânea, ambos da UFMT. Esse evento reuniu professores e
pesquisadores de instituições públicas de diversas regiões brasilei-
ras, além de cientistas do México, da Espanha e de Portugal, com o
objetivo de debater novas formas de comunicar ciência e a democra-
tização da cultura científica no contemporâneo.

A palestra de abertura foi com o professor Dr. João Massarolo


da Universidade Federal de São Carlos, com o tema “Plataformização
da Televisão Brasileira: Empresas de Mediatech”. Outros palestrantes
foram: o professor Dr. João Carlos Correia, da Universidade Beira
Interior (UBI), de Portugal, com o painel “Ciência e opinião pública:
Diferendo e Deliberação”. A Professora Dra. Claudia Magallanes
Blanco, da Universidad Iberoamericana (Puebla/México), esteve
à frente do painel “Experiências de transmisión de conocimien-
tos indígenas en podcast y vídeo”. Da Espanha, o professor Dr.
Daniel H. Carrera, da Universidad de Zaragoza, conduziu a palestra
“Comunicar ja verdad’ en épocas de desinformación: credibilidad y
nueva comunicación”. E teve ainda a participação dos professores Dr.
Vicente Rodríguez Ortega e Ana Mejón, ambos do Departamento de
Comunicação da Universidade Carlos III de Madrid, com a palestra
“Ensayos Audiovisuales: Tipos, Métodos y Prácticas”. Os professores
Dra. Caterina Cucinotta, da Universidade Nova de Lisboa (Portugal)
e Dr. Jesús Ramé, Universidad Rei Juan Carlos/Madrid (Espanha),
palestraram sobre “Um processo de trabalho entre a criatividade e o
rigor académico: mas afinal, o que é o ensaio audiovisual?”.

SUMÁRIO 250
Os Coordenadores do Multimundos também fizeram uma
palestra sobre “Conhecer por imagens: a experiência do Audiovisual
Científico”. No escopo da discussão está o debate sobre a comunica-
ção acadêmica no contexto digital, onde os confrontos com o nega-
cionismo se dão, sobretudo com imagens e sons; onde as mentiras
se propagam; onde a informação circula sem fontes e sem autoria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Multimundos é um trabalho coletivo de professores, par-
ceiros nacionais e internacionais, pós-graduandos do Programa
de Pós-graduação em Estudos de Cultura Contemporânea e pro-
fissionais do mercado, como a empresa Renca Comunicação
(https://renca.com.br/), responsável pela criação visual, vinhetas e
logomarcas Multimundos.

A experiência do Multimundos é interdisciplinar e multicultu-


ral em duas dinâmicas da comunicação multimodal. A primeira é ins-
trumental: como podemos tomar as variadas formas de comunicação,
enquanto meio, para produzir e comunicar conhecimentos, mobili-
zando em um projeto comum pesquisadores de diferentes campos.

O ensaio audiovisual científico é só uma dessas experiências


de comunicação multimodal, teórica e prática, de escritura interdisci-
plinar de ciência para os respectivos pares. Por exemplo, um ensaio
audiovisual sobre achados de física ou química mobiliza os pares
sobre os conteúdos e formulações teóricas aplicadas. Para os pares
da comunicação, do cinema e do audiovisual, o foco é na apreensão
dos elementos significadores utilizados; na estética da imagem e do
som; na plasticidade da palavra e, afinal, em como a escritura foi feita.
É multicultural porque os conteúdos mobilizam diferentes discipli-
nas, diferentes campos de saber para a produção e comunicação

SUMÁRIO 251
dos achados entre os pares e, em desdobramento, para a sociedade.
E aqui apontamos a questão da cultura pela potência da relação,
sempre tensionada, entre uma ideia universalista e normativa de
comunicação e a ideia comunitária e contextualista de comunicação.

No enfrentamento às ameaças do totalitarismo, a força da


cultura humanista é cada vez mais requerida no contemporâneo. E
a comunicação tem o seu papel chave para a democracia. O desa-
fio da ciência é saber trabalhar o jogo de soma de valores univer-
sais com os valores locais de diferentes culturas. No universo dos
Multimundos, pensamos que a ciência pode enfrentar melhor esse
desafio pelo modo interdisciplinar, superando a tradição de cons-
trução de conhecimentos fragmentados, isolados, sem conexão. A
inovação é tomar a ideia de montagem, sem hiatos, sem isolar nada.
Fazer as devidas conexões entre as disciplinas agregadas em um
projeto comum, sempre buscando, ao fim e ao cabo, a comunicação
com a sociedade, para onde o conhecimento deve voltar sempre.

REFERÊNCIAS
HAN, Byung-Chul. Hiperculturalidade: cultura e globalização. Petrópolis: Vozes, 2019.

OLIVEIRA Pedro Pinto de; MOREIRA, Benedito Dielcio Moreira. Nuevas formas de
comunicar la ciência: la experiência del ensayo audiovisual cientifico. Tecmerin – Revista
de Ensayos audiovisuales, Madrid, n. 2, 2019. Disponível em: https://tecmerin.uc3m.es/
project/nuevas-formas-de-comunicar-la-ciencia-la-experiencia-del-ensayo-audiovisual-
cientifico/. Acesso em: 30 nov. 2023.

OLIVEIRA, Pedro Pinto de, MOREIRA, Benedito Dielcio. A emergência do “novo”:


metodologia para a adaptação do artigo científico em versão audiovisual. In:
BARRANQUERO, Alejandro; RODRÍGUEZ GÓMEZ, Eduardo Francisco (coord.). De lo viejo
a lo nuevo: teorías, métodos e instituciones de la investigación en comunicación. 1 ed.
Madrid: Editorial Dykinson, 2022. p. 435-448.

SCHUTZ, Alfred. El problema de la realidad social. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1998.

SUMÁRIO 252
ORGANIZADORES
Pedro Pinto de Oliveira
Pesquisador Associado e Professor do Programa de Pós-Graduação em
Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO) e do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação (PPGCOM), ambos da Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT). Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São
Paulo (USP) e Doutor em Comunicação pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Pós-doutorado em Comunicação e Artes na Universidade da
Beira Interior (UBI/Portugal). Pós-doutorado em Comunicação e Política no
Instituto Politécnico de Coimbra (Portugal). Temas de interesse: Comunicação
e Política; Figuras Públicas e Comunicação Multimodal. Jornalista e editor do
site pnbonline.com.br.
E-mail: [email protected]

Benedito Dielcio Moreira


Pesquisador Associado e professor do Programa de Pós-graduação em
Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO), Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT). Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de
São Paulo (USP) e Doutor em Educação pela Universität Siegen, da Alemanha.
Integra o Grupo de pesquisa Multimundos (multimundos.org). Temas de
interesse: ensaios audiovisuais, cultura científica e educomunicação.
E-mail: [email protected]

SUMÁRIO 253
AUTORES
Benedito Dielcio Moreira
Pesquisador Associado e professor do Programa de Pós-graduação em
Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO), Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT). Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de
São Paulo (USP) e Doutor em Educação pela Universität Siegen, da Alemanha.
Integra o Grupo de pesquisa Multimundos (multimundos.org). Temas de
interesse: ensaios audiovisuais, cultura científica e educomunicação.
E-mail: [email protected]

Caterina Cucinotta
Professora auxiliar da Faculdade de Ciências da comunicação da Universidade
Rey Juan Carlos de Madrid. É doutora em Ciências da Comunicação, vertente
Cinema (2015) pela Universidade NOVA de Lisboa e licenciada e mestre em
Estudos Artísticos pela Faculdade de Letras da Universidade de Palermo (2003) e
de Bolonha (2006). Investiga os processos criativos da direção de arte no cinema
contemporâneo. Seu último livro foi publicado pela Humus 12/14: “Figurinos e
Figurinistas no Cinema em Portugal. Conceitos para novas materialidades.
E-mail: [email protected]

Claudia Magallanes Blanco


Professora do Departamento de Humanidades da Universidad Iberoamericana
Pueba, no México. Docente do Mestrado em Comunicação e Mudança Social
da IBERO Puebla. Doutora em Humanidades (Western Sydney University,
Austrália), Mestra em Estudos de Mídia (Texas Christian University, EUA),
Bacharel em Ciências da Comunicação (Universidad de las Américas-
Puebla, México) com especialização em Epistemologias do Sul (Conselho
Latino-Americano de Ciências Sociais).
E-mail: [email protected]

SUMÁRIO 254
Daniel H. Cabrera Altieri
Daniel H. Cabrera Altieri, PhD em Comunicação. Professor de Jornalismo na
Universidade de Zaragoza, Espanha. Atualmente, está em uma estadia de
pesquisa no Instituto de Filosofia do CSIC, em Madrid, financiada pela Unión
Europea-NextGenerationEU — 2022-2024. Foi professor na Universidade
Nacional de Córdoba, Argentina, e pesquisador sênior no Instituto de Filosofia
da Universidade de Veracruz, México. Foi Coordenador do Curso de Jornalismo
da Universidade de Zaragoza, Espanha, e Coordenador do Doutorado em
Comunicação da Universidade Nacional de Córdoba, Argentina.
E-mail: [email protected]

Dário Mesquita
Professor do Departamento de Artes e Comunicação (DAC) da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar). Doutor em Design pela Universidade Anhembi
Morumbi (UAM). Mestre em Imagem e Som pela UFSCar. Pesquisador do
Grupo de Estudos sobre Mídias Interativas em Imagem e Som (GEMInIS)
e do Obitel Brasil.
E-mail: [email protected]

Gil Baptista Ferreira


Professor Coordenador Principal no Instituto Politécnico de Coimbra, Escola
Superior de Educação, e Diretor da Licenciatura em Comunicação Social da
mesma instituição portuguesa. Doutor em Ciências da Comunicação pela
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
(ICNOVA). Desenvolve investigação no domínio da sociologia de novas mídias.
E-mail: [email protected]

Jesús Ramé
Professor da Universidad Rey Juan Carlos (URJC), em Madrid, no departamento
de Comunicação Audiovisual e Publicidade. Doutor em Filosofia (UNED,
2019), Mestre em Filosofia Teórica e Prática (UNED, 2015) e em Formação
de Professores para o Ensino Secundário e Formação Profissional na
especialização em Processos e Comunicação Audiovisual (URJC, 2018).
E-mail: [email protected]

SUMÁRIO 255
João Carlos Correia
Professor Associado, leciona Linguagem dos Media, Sociedade e Comunicação,
Teorias da Comunicação e Teorias da Cultura na Universidade da Beira Interior
(UBI), em Portugal. Possui Doutorado, Mestrado e Graduação em Comunicação
pela UBI. Entre seus interesses estão Estudos de Media e Jornalismo, Teoria Crítica
e Esfera Pública.
E-mail: [email protected]

João Massarolo
Professor Associado do Departamento de Artes e Comunicação (DAC)
da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Bolsista CNPq (PQ2);
Coordenador do Grupo de Estudos sobre Mídias Interativas em Imagem e Som
(GEMInIS); Editor responsável da revista GEMInIS.
E-mail: [email protected]

Mirian Barreto Lellis


Doutora pelo PPG em Estudos de Cultura Contemporânea pela Universidade
Federal de Mato Grosso. Mestre pelo mesmo programa Interdisciplinar. Graduada
em Comunicação Social — Jornalismo pela UFMT. É integrante do Grupo de
Pesquisa Multimundos. Áreas de interesse: Comunicação, Cultura Científica,
Divulgação Científica, Popularização da Ciência e Estudos do Cotidiano.
E-mail: [email protected]

Paula Guimarães Simões


Professora Permanente no Programa de Pós-graduação em Comunicação da
Universidade Federal de Minas Gerais (PPGCOM/UFMG) e atual coordenadora
do programa (2022-2024). Líder do Grupo de Pesquisa em Imagem e
Sociabilidade (GRIS). Doutora em Comunicação Social pela UFMG, possui
Graduação e Mestrado em Comunicação Social pela mesma instituição.
E-mail: [email protected]

SUMÁRIO 256
Paula Libos
Doutora pelo PPG em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade
Federal de Mato Grosso. Mestre pelo PPG de Física Ambiental pela mesma
universidade. Especialista em Mobilidade Urbana pela FAIPE. Graduada em
Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Civil pela Universidade de Cuiabá —
UNIC. É integrante do Grupo de Pesquisa Multimundos. Áreas de interesse:
Comunicação, Cultura, Arquitetura Escolar, Jovem do Século XXI e Espaço
Escolar na Era Digital.
E-mail: [email protected]

Pedro Pinto de Oliveira


Pesquisador Associado e Professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos
de Cultura Contemporânea (ECCO) e do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação (PPGCOM), ambos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e
Doutor em Comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Pós-doutorado em Comunicação e Artes na Universidade da Beira Interior
(UBI/Portugal). Temas de interesse: Comunicação e Política; Figuras Públicas e
Comunicação Multimodal. Jornalista e editor do site pnbonline.com.br.
E-mail: [email protected]

Safira Campos
Jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT). Atua como repórter no site de notícias PNB Online. É membro do Grupo
de Pesquisa em Mídia, Política e Democracia da Universidade Federal de Mato
Grosso (Midiaticus/UFMT) e do Grupo de Pesquisa Observatório do Populismo
do Séc. XXI (UnB).
E-mail: [email protected]

SUMÁRIO 257
ÍNDICE REMISSIVO
A capitalism 202, 203
Agência Nacional do Cinema 58 capitalismo tardio 106, 109, 110, 123
algoritmo 66, 140, 144 career 210, 212
América Latina 242 celebrities 52, 198, 199, 200, 201, 202, 203, 204, 211
américas 254 celebritization 201, 202, 203, 204, 205, 211, 213
art 24, 36, 43, 45, 46, 47, 48, 50 celebrity 198, 199, 200, 201, 202, 203, 205, 207, 209, 210, 211,
arte 123, 212, 227, 232, 237 212, 213
assembling 25 celebrity creation 198, 200, 207, 211
associativismo 105 celebrity industry 202
audiência 17, 58, 63, 69, 72, 75, 76, 78, 79, 81, 82, 86, celebrity radar 200, 204
87, 90, 115 celebrity-scientist 198
audiovisual 13, 16, 17, 19, 21, 39, 40, 87, 173, 193, 216, 227, ciência 11, 12, 19, 20, 55, 123, 173, 193, 195, 216, 217, 225, 227,
232, 234, 236, 239, 241, 247, 248, 250, 251, 255 232, 234, 236, 244, 246, 247, 250, 256
audiovisual language 40, 47, 52, 53 ciências duras 217
autonomia 106, 107, 116, 120, 121 cientistas 12, 14, 16, 17, 19, 147, 165, 181, 184, 218, 227, 231, 234,
autoritários 19, 172, 175, 187 235, 236, 240, 247, 250
autoritarismo 10, 125, 126, 129, 131, 132, 133, 143 cinema 17, 19, 24, 25, 26, 28, 30, 32, 35, 36, 37, 40, 45, 72, 213,
240, 241, 245, 247, 251, 254
autoritarismo algorítmico 10, 125, 126, 131, 132
cinematic expression 23
B
civilizatório 173
behavior 166, 169
climáticos 218
binarismo de género 93
CNPq 20, 256
Brasil 8, 10, 12, 15, 17, 19, 20, 54, 58, 59, 67, 68, 70, 72, 78,
colaboração 236
79, 80, 81, 87, 88, 89, 90, 145, 170, 173, 174, 175,
177, 183, 184, 185, 186, 187, 190, 194, 195, 196, colaborativos 239, 240, 241
207, 216, 221, 224, 227, 229, 233, 237, 241, 242, coletividade 216
243, 255 colonialidad de las representaciones 92, 95
Brazil 10, 194, 197, 198, 199, 200, 203, 205, 206, 209 colonialidad del género 92
brazilian context 198, 204, 205, 206, 211 colonialidad del lenguaje 92, 94, 101, 103
brazilian popular music 200 colonialidad del poder 92, 95
brazilian scientists 198 colonialidad del saber 92, 94, 98, 103
C colonialidad del ser 92, 94, 98, 103
caos 135, 172, 194 colonização 18, 106, 111, 112, 117, 118, 120, 122, 218

SUMÁRIO 258
commodification 202, 205, 211, 212 contemporary society 198
commodities 202 contexto cultural 242
commoditization 201, 202 corpo 219, 245
commodity 43, 202 costume making 23
communication 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 49, 50, 51, 52, Covid-19 10, 127, 130, 133, 156, 167, 169, 174, 182, 183, 184, 186,
53, 153, 166, 168, 169, 195, 196, 210 196, 197, 198, 204, 205, 206, 211
comportamentos de risco 149, 158 creative process 9, 21, 23, 24, 25, 45
comunicação 8, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 55, 57, 59, 66, 67, creativity 23, 40
69, 111, 114, 118, 147, 153, 156, 163, 165, 174, 184, credibilidad 126, 250
185, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 226, 227, 232,
crenças conspiratórias 149, 157, 158, 163
233, 236, 237, 239, 240, 241, 243, 245, 246, 247,
248, 249, 250, 251, 252, 254 crise 106, 108, 113, 120, 123, 150, 156, 159, 160, 161, 163, 164,
174, 176, 182, 183, 184, 186, 187, 188, 189
comunicação científica 17, 174, 193, 226, 232, 233, 236
crise de saúde pública 150, 164
comunicação de ciência 12, 14, 15, 192, 193, 239
crisis social 126
comunicação e poder 12, 19, 216, 227, 243, 250
crítica social 105
comunicação e sensibilidade 243
criticism 199, 206
comunicação multimodal 251
crueza 171
comunicação pública 19, 185
cultura 11, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 55, 57, 58, 78, 94, 99, 105,
comunicación 55, 97, 100, 103, 134, 136, 144, 194
108, 110, 111, 114, 115, 117, 122, 171, 173, 208, 213,
conflito 149, 179 217, 218, 219, 220, 224, 225, 226, 227, 228, 229,
conhecimento 8, 10, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 67, 106, 112, 150, 151, 232, 235, 236, 237, 239, 240, 241, 243, 250, 252,
165, 166, 174, 181, 184, 191, 193, 215, 216, 221, 253, 254
222, 223, 224, 226, 227, 228, 229, 235, 236, cultura científica 11, 13, 16, 17, 20, 55, 225, 226, 227, 228, 229,
239, 240, 241, 247, 249, 252 232, 235, 236, 237, 239, 250, 253, 254
conhecimento científico 16, 151, 174, 226, 228, 229, 236, cultura contemporânea 8, 12, 19, 173, 216, 220, 227, 243, 244,
240, 247 249, 250, 251, 253, 254, 256, 257
conhecimentos fragmentados 252 curtura 8, 12, 19, 38, 55, 87, 88, 98, 173, 208, 216, 220, 227,
Conselho Executivo das Normas-Padrões 59 237, 240, 242, 243, 244, 245, 246, 247, 248, 249,
Conselho Nacional de Pesquisa Científica do Brasil 20 250, 251, 253, 254, 256, 257
conselhos médicos 147 D
conspiração 147, 148, 149, 151, 156, 157, 158, 159, 160, 162, debates parlamentares 147
189, 248 decolonização 17
construção 15, 63, 69, 160, 173, 174, 179, 188, 192, 227, 231, défices de conhecimento 150
236, 239, 240, 242, 247, 252
democracia 10, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 104, 112, 117, 118, 122, 126,
consumidores 57, 115 131, 134, 145, 152, 166, 172, 179, 180, 182, 192, 193,
consumo 58, 60, 62, 65, 67, 68, 74, 75, 76, 80, 81, 83, 84, 86, 246, 252
105, 110, 115, 116, 119, 144, 155, 157, 162, 213, 223 democracy 42, 51, 53, 166, 194
contemporary brazilian context 198, 211 democrática 118, 134, 135, 173, 176, 182, 193, 224

SUMÁRIO 259
democratização 11, 20, 193, 216, 221, 225, 226, 227, 228, 229, ensino superior 244
232, 235, 240, 247, 250 entretenimento 62, 64, 71, 76, 86, 90, 107, 247
denialism 53, 198 epistemology 41
desinformação 10, 12, 14, 17, 18, 113, 146, 147, 148, 149, 150, esfera pública 18, 105, 106, 107, 108, 110, 128, 143, 147, 150, 178
156, 159, 162, 164, 165, 170, 172, 174, 175, 185,
espaço público 10, 18, 104, 105, 106, 109, 110, 112, 114, 116,
186, 187, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 196,
122, 173
216, 227, 233, 234, 240, 248, 249
espaços midiáticos 216
desinformação científica 149
espaço-tempo 239
desinformação digital massiva 147
especialistas 12, 149, 186, 232
desinformación 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 138, 139, 140,
142, 143, 233, 250 especulações 148
destinos ibéricos 245 estado 88, 106, 109, 116, 119, 120, 121, 122, 129, 130, 143, 149,
177, 186, 190, 192, 193
digital 12, 13, 15, 51, 53, 57, 59, 65, 73, 87, 88, 89, 138, 141, 142,
143, 144, 147, 163, 167, 168, 189, 190, 203, 204, Estados Unidos 88, 89, 90, 187, 195
207, 208, 210, 211, 212, 239, 246, 248, 249, 251 estética 38, 244
digitalização 106, 118, 120 estudos culturais 220
dinâmicas culturais 218 Estudos de Cultura Contemporânea 8, 12, 19, 173, 216, 220,
direitos humanos 244, 245 227, 243, 244, 249, 250, 251, 253, 254, 256, 257
discurso 107, 108, 110, 113, 122, 131, 132, 133, 147, 148, 150, 152, estudos feministas 245
153, 154, 156, 176, 178, 179, 180, 188, 189, 190, eurocentrismo 94, 103
196, 220, 230, 237, 240 Europa 120, 242
diversidade 62, 63, 221, 239, 240, 245 evidências epidemiológicas 147
diversification 202, 203, 204, 205, 211
F
divulgação 59, 184, 193, 216, 226, 227, 228, 229, 230, 235,
236, 237, 246 Facebook 113, 119, 137, 144, 148, 154, 155, 156, 158, 166, 195, 196
divulgação científica 193, 216, 226, 227, 228, 229, 230, 235, fact-checking 127, 128
237, 246 factual 130, 131, 133, 148, 172, 173
doenças 149, 183, 218 fake news 12, 14, 18, 126, 127, 128, 140, 148, 169, 204, 210, 246
dynamics 198, 203, 213 falsedad 127, 128
dynamic texts 37 female editors 36
E feminismo 103, 245
economia 214 figuras públicas 12, 234, 242
ecossistema 59, 159, 172 film 22, 23, 29, 30, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 40, 49, 50, 208
educação globalizada 242 filosofia 54, 173, 240
educación 103 Fórum Mundial Económico 147
EEUU 134, 136, 143 G
empiricism 48 Globoplay 9, 17, 56, 58, 60, 67, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 77, 78, 80,
ensino básico 244 81, 82, 83, 84, 85, 86, 88, 89, 90

SUMÁRIO 260
GP 239 J
gripe 149 jornalismo 163, 179, 226, 227, 228, 229, 230, 231, 232, 235,
GRISLAB 200 236, 237, 248
grupo de pesquisa 12, 20, 233, 239, 256, 257 jornalismo científico 230, 232, 237
jornalista 20, 57, 172, 182, 229, 232
H
jornalísticos 69, 70, 71, 151, 153
habilidades 240
hiperdinamização 239 L
história 20, 77, 78, 80, 90, 105, 109, 117, 147, 175, 185, 216, literacia 150, 157, 163, 164, 165, 193
240, 242 M
history 32, 36, 37, 51, 201 mass media 105
history of cinema 36, 37 materialidades 248, 254
horizontes culturais 219 materiality 23, 25, 27, 31, 34, 36, 37
human experience 199 matrices del poder 95
I mechanical noises 37
IAMCR 43, 44, 52, 54 media 10, 37, 50, 51, 52, 88, 90, 105, 108, 114, 115, 122, 123,
Ibope 58, 63, 69, 81, 89 147, 148, 149, 151, 153, 154, 155, 159, 163, 164,
165, 166, 167, 168, 169, 170, 172, 174, 175, 178,
identidades 93, 95, 132, 140, 142, 218, 221, 245
187, 190, 192, 194, 196, 200, 201, 202, 203, 204
identidades religiosas 245
media ritual 201
identitário 245
media sociais 115, 147, 148, 149, 155, 172, 174, 175, 187, 190, 192
Ideologia 123
media systems 200
imigração 242, 249
medios de comunicación 97, 136, 139, 142
imigrantes 155, 245
memórias 64, 114, 218
imprensa 19, 105, 111, 174, 177, 178, 179, 180, 184, 192
memory 40
indios 93
mentira 19, 55, 128, 129, 130, 134, 135, 138, 144, 145, 172, 175
infocracia 124, 138, 145
mercadoria 107, 115
infodemia 147
mercantilização 105, 120
informações conflitantes 149
metadiscourse 24
Instagram 148, 203, 208, 210
methodological procedures 41, 198
intended interlocutors 198, 209, 211
methodology 47, 48, 50, 205
interdisciplinar 11, 13, 220, 238, 239, 248, 251, 252
metodológicos 15, 60, 239, 247
interdisciplinaridade 11, 13, 220, 238, 239, 248, 251, 252
migration 202, 204, 205, 211, 212
International Association for Media and Communication
minoria 148, 158, 163
Research 44
modeling forces 198
interpretative endeavor 24
modelo de negócio 57, 65, 70
interseccionalidades 93
multicultural 245, 251

SUMÁRIO 261
multimodal 43, 44, 251 plataformas 9, 15, 17, 18, 56, 57, 58, 60, 65, 66, 67, 68, 69, 70,
multimodality 43 71, 72, 74, 75, 76, 79, 84, 85, 86, 116, 141, 148,
149, 154, 158, 159, 172, 174, 175, 187, 190, 191, 192,
multimundos 11, 12, 20, 233, 238, 239, 240, 241, 242, 243, 246,
193, 223
247, 248, 249, 251, 252, 253, 254, 256, 257
podcast 14, 15, 233, 249, 250
multiplataformas 63, 69, 86, 239
poder 14, 17, 18, 66, 68, 83, 87, 92, 94, 95, 98, 100, 111, 116, 118,
mundo 14, 15, 18, 55, 63, 68, 93, 95, 96, 101, 102, 106, 109,
119, 120, 121, 132, 133, 134, 136, 137, 138, 139, 143,
110, 111, 112, 114, 117, 118, 120, 122, 127, 130, 132,
144, 152, 153, 157, 172, 174, 175, 176, 177, 179, 180,
135, 136, 140, 141, 148, 150, 151, 165, 171, 172, 173,
182, 184, 192, 222
175, 183, 187, 193, 194, 217, 226, 240, 241, 242,
245, 249 política 13, 14, 16, 18, 19, 37, 94, 96, 105, 106, 108, 114, 116, 117,
123, 128, 129, 130, 131, 133, 134, 135, 136, 137, 141,
N 143, 144, 150, 153, 154, 155, 161, 164, 165, 172,
narrativas 57, 78, 95, 113, 148, 160, 224, 236, 244 173, 174, 175, 176, 178, 180, 182, 185, 188, 193,
narrativas transmídias 244 213, 214, 219, 229
narrative 32, 35, 41, 43, 47, 50, 90 políticos 57, 112, 119, 129, 131, 138, 140, 143, 147, 154, 155, 164,
165, 172, 173, 175, 176, 177, 179, 181, 186, 190, 192,
negacionismo 12, 14, 127, 174, 182, 184, 251 196, 213, 222, 248, 250
negacionistas 13, 16, 227 Politics 123, 167, 195
neoliberal discourse 202 população 17, 18, 118, 158, 172, 226, 247
O populismo 10, 122, 150, 151, 152, 153, 156, 160, 163, 170, 173,
obscurantismo 174, 193 174, 175, 180, 182, 184, 187, 188, 189, 190, 192,
ódio 122, 172, 173, 189, 192, 193, 216 193, 195, 248
opinião pública 194 Portugal 8, 12, 15, 17, 18, 147, 174, 194, 216, 227, 234, 242, 245,
247, 248, 250, 253, 254, 256, 257
opiniões 64, 69, 112, 152, 154, 216, 234
pós-graduação 8, 12, 174, 216, 220
opinión publica 127, 134, 135, 145
posverdad 126, 127, 128, 145
P power struggles 200, 203, 212
pandemia 10, 18, 19, 88, 127, 130, 133, 147, 148, 150, 151, 156, PPG 243, 244, 247, 249, 250, 256, 257
157, 158, 159, 160, 161, 162, 164, 170, 180, 182,
183, 184, 185, 186, 187, 189, 190, 192, 196, 221, PPGCOM 8, 12, 20, 174, 213, 216, 227, 233, 253, 256, 257
227, 234, 248 PPGECCO 20, 216, 220, 224, 227
pandemic 10, 145, 168, 197, 198, 204, 205, 206, 209, 210, pragmatist approach 198, 199, 211
211, 212 produtividade 217, 218
patrimônio cultural 245 Programa de Pós-graduação em Comunicação 8, 173, 256
pedagogia 245 Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Poder 19,
personalities 199, 200 216, 227
personification 201, 205, 209, 211, 212 Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura
phenomenon 198, 199, 201, 202, 203, 211 Contemporânea 216, 220, 227, 244, 249,
253, 257
philosophy 44
Programa em Estudos de Cultura Contemporânea 8, 12

SUMÁRIO 262
public face 199, 201, 209, 212 T
publicidade 57, 59, 116 tecnologias digitais 217, 239, 244
public image 198, 200, 205 tecnologias emergentes 12
R telespectadores 57, 59, 60, 62, 63, 64, 65, 72, 83
racialización 92, 94, 103 televisão 17, 19, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 68, 69,
71, 73, 75, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 84, 85, 86, 87,
reality TV 202
88, 89, 155, 161, 162, 163, 182, 227, 233
redes sociais 8, 12, 16, 17, 18, 19, 69, 117, 118, 147, 148, 149,
teoria crítica 105
151, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163,
164, 165, 182, 186, 190, 191, 194 teoria da conspiração 148, 157, 159
refugiados 152, 245 teóricos dos trolls 147
relaciones públicas 135 territorio cognitivo 96
research 22, 23, 36, 40, 41, 43, 48, 52, 53, 54, 145, 167, 198, Transmídia 243, 244
199, 200 Tribunal Superior Eleitoral 176
S TSE 176, 181
scenario 211 TV aberta 58, 59, 62, 63, 64, 72, 74, 84, 85
science communication 40, 50, 210 TV Paga 58
scientific audiovisual 40, 41, 43, 44, 46, 47, 48, 52, 53 Twitter 113, 118, 148, 154, 156, 195, 204, 208, 210
scientist 47, 198, 207, 208, 209, 210, 211, 212 U
scientist-celebrities 198 UFMT 12, 20, 41, 220, 227, 233, 237, 242, 243, 244, 247, 250,
scientist-celebrity 211, 212 253, 254, 256, 257
scientist-influencer 212 ultradireita 245
sewing machine 25, 29, 34, 35 Universidade 8, 12, 16, 17, 19, 20, 55, 88, 173, 174, 214, 216, 220,
227, 232, 233, 234, 241, 242, 244, 245, 247, 248,
sexualidade 245
249, 250, 253, 254, 255, 256, 257
sistemas culturais 218, 219
USP 209, 237, 244, 246, 248, 253, 254, 257
social networks 50, 51, 203, 204, 207, 208, 211, 212
V
sociedad 92, 96, 97, 126, 129, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 143
verdad 10, 18, 125, 126, 127, 128, 129, 132, 134, 143, 144
sociedade 10, 12, 14, 16, 18, 19, 63, 64, 104, 108, 109, 110, 111,
117, 119, 120, 154, 157, 173, 180, 190, 213, 217, 221, verdade 13, 19, 117, 148, 171, 172, 178, 185, 227, 233
223, 224, 226, 227, 228, 229, 236, 239, 242, 243, vertical montage 25, 26, 27
244, 252 video-essay 23, 25
sociedade midiatizada 12 violência 172
sociedades de control 129, 144 virologistas 147
society 90, 123, 124, 145, 169, 194, 196 vírus 147, 149, 151, 158, 182, 185, 190, 223
STF 181, 189 visibilidade 85, 178, 190, 242
Supremo Tribunal Federal 177 visibility 202, 203, 204, 205, 210, 211, 212
symbolic capital 204, 209, 212 visões ideológicas 150

SUMÁRIO 263

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