Os Vazios Urbanos Na Cidade de Joao Pessoa

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA


DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS

OS VAZIOS URBANOS NA CIDADE DE JOÃO PESSOA:


TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS

DANIEL DAVID FERNANDES DANTAS

João Pessoa – PB

Junho de 2018
DANIEL DAVID FERNANDES DANTAS

OS VAZIOS URBANOS NA CIDADE DE JOÃO PESSOA:


TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentada à Coordenação do Curso
de Geografia da Universidade Federal
da Paraíba, para obtenção do grau de
Bacharel em Geografia.

Orientadora: Profª Drª Doralice Sátyro Maia

João Pessoa – PB
Junho de 2018
AGRADECIMENTOS

À minha mãe Wilma Correia Fernandes, carinhosamente apelidada de Wilma


Querida por sempre me incentivar nos estudos e esperar meu melhor, por todo carinho e
amor que sempre me deu ao longo de todos os anos, muito obrigado por tudo e saiba
que é reciproco.

À minha orientadora Doralice Sátyro Maia pelos ensinamentos, orientações e


principalmente paciência e sabedoria, muito obrigado por suas contribuições nessa
jornada.

À professora Camila Cunico, a qual tive a oportunidade de ser monitor


voluntário duas vezes, que muito embora rigorosa é extremamente amigável. Obrigado
por seus ensinamentos cartográficos e de vida.

À Universidade Federal da Paraíba e aos professores do Departamento de


Geografia como um todo, por suas contribuições na formação acadêmica.

Aos órgãos da SEPLAN JP, setor de geoprocessamento e a CEHAP, pela


concessão de dados e diálogos que ajudaram a nos esclarecer.

Aos colegas de graduação da Turma 2013.1 bem como os que foram surgindo
durante esta caminhada, muito obrigado.

Aos colegas do Grupo de estudos urbanos – GEURB, em especial à Paula por


ouvir minhas ideias e Eliane por me conceder dados relacionados a habitação.

A todos que contribuíram de forma e indireta na pesquisa, muito obrigado.


RESUMO

Os vazios urbanos surgem na cidade de João Pessoa principalmente após as décadas de


1970-1980 associados ao modelo de urbanização dispersa implementado pelo Banco
Nacional de Habitação (BNH), e são áreas mantidas sem utilização a espera de
valorização. Após os anos 2000 percebe-se que a nova onda de programas voltados a
habitação reproduz os mesmos fenômenos sociais. Esta é uma pesquisa descritiva e
exploratória, tendo por finalidade entender como se deu o processo de produção de
vazios urbanos na cidade e sua distribuição atual. O trabalho foi realizado inicialmente a
partir de leitura bibliográfica e documental, em seguida houve à obtenção de dados em
órgãos públicos. As representações cartográficas e análises do banco de dados são
pautados em dados da Secretaria de Planejamento Urbano de João Pessoa referentes ao
uso e ocupação do solo. A pesquisa identificou a utilização destas áreas no início e
término do recorte (2006-2017), e analisou as transformações no uso do solo à luz das
mudanças legislativas, com isso constatou-se que 52% dos imóveis vazios
permaneceram ociosos por mais de uma década. Além disso, verificou-se uma brutal
concentração fundiária dos mesmos.

Palavras Chave: Vazios urbanos, Expansão urbana, Transformações e Permanências,


Plano Diretor, João Pessoa
ABSTRACT

The urban voids emerged in the city of João Pessoa mainly after the decades of 1970-
1980 associated with the dispersed urbanization model implemented by the Brazilian
National Housing Bank (BNH), and they areas are left unused waiting for real estate
valorization. After the 2000s is perceived that the new wave of housing programs
reproduces the same social phenomena. This is a descriptive and exploratory research,
aiming to understand how the process of production of urban voids in the city and its
current distribution took place. The research was done initially from bibliographical and
documentary reading, followed by obtaining data from government agencies. The
cartographic representations and analyzes of the database are based on data from the
Department of Urban Planning of João Pessoa, regarding land use and occupation. The
survey identified the use of these areas at the beginning and end of the cut (2006-2017),
and analyzed these transformations in the land use based on the legislative changes, and
with that found that more than 52% of the vacant properties remained idle for more than
a decade. In addition, there was a brutal land concentration in them.

Keywords: Urban voids, Urban expansion, Transformations and Permanencies, Master


Plan, João Pessoa
LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Mapa de propósito geral da pesquisa ............................................................. 14


Mapa 2 – Área urbana de João Pessoa em diversos periodos........................................ 32
Mapa 3 - Malha urbana e vazios urbanos em João Pessoa referente ao ano de 2006 ... 40
Mapa 4 - Áreas em João Pessoa no ano de 2017 que estão susceptíveis a utilização do
Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios ................................................. 44
Mapa 5 - Transformações e permanências dos vazios urbanos no ano de 2006 ........... 49
Mapa 6 - Bairros onde houveram construções do período pós Ministério das Cidades 52
Mapa 7 - Áreas de expansão da malha urbana de 2006 à 2017 ..................................... 55
Mapa 8 - Dinâmica dos vazios urbanos, no início e no termino da pesquisa ................ 56

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - População da cidade de João Pessoa ............................................................ 30


Tabela 2 - Número e a Taxa em porcentagem das utilizações que foram dadas aos
vazios urbanos de 2006 no ano de 2017 ......................................................................... 50
Tabela 3 - Concentração do número de terrenos retidos ociosos por mais de 10 e um
código para seu respectivo dono..................................................................................... 57

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Imagem obtida de um site de compra e venda de imóveis que atua em todo o
país.............................................................................................................................................. 63
SUMÁRIO

Introdução ..................................................................................................................... 10

Capítulo 1 ...................................................................................................................... 15

O processo de urbanização, a urbanização espraiada e a produção de vazios


urbanos .......................................................................................................................... 15

1.1 - Urbanização espraiada e a origem dos vazios urbanos ...................................... 18

1.2 - As abordagens teóricas sobre vazios urbanos..................................................... 20

Capítulo 2 ...................................................................................................................... 23

O uso do solo urbano e a especulação imobiliária ..................................................... 23

2.1 - Especulação imobiliária e Valorização de terrenos ............................................ 25

2.2 - Os prejuízos da especulação imobiliária nas cidades ......................................... 26

Capítulo 3 ...................................................................................................................... 29

Histórico e formação dos vazios urbanos em João Pessoa ........................................ 29

3.1 - Vazios urbanos: Quais os mecanismos legais para lidar com este problema? ... 35

Capítulo 4 ...................................................................................................................... 39

Análise dos dados sobre vazios urbanos em João Pessoa (2006-2017) .................... 39

4.1 - Adequações do Plano Diretor ao Estatuto das cidades ....................................... 42

4.2 - Transformações e permanências dos vazios urbanos de 2006 ........................... 48

4.3 - João Pessoa e os vazios urbanos no ano de 2017 ............................................... 54

Considerações Finais .................................................................................................... 60

Recomendações ............................................................................................................. 64

Referências Bibliográficas ........................................................................................... 66


10

Introdução

No Brasil os vazios urbanos surgiram com mais intensidade após as décadas de


1960 e 1970, graças aos programas de expansão urbana e de programas habitacionais
realizados nestas décadas. Essa mudança está relacionada com a prevalência dos
interesses mercantis sobre o processo de produção urbana, a terra urbana se torna um
bom investimento para o capital pois é uma reserva de valor que só se valoriza.
Isso não quer dizer que os vazios no interior dessas cidades não existissem, mas
que a partir desse momento ganham expressividade e passam a ser produzidos
propositalmente pelo mercado imobiliário.
As discussões a respeito dos vazios urbanos surgem associadas ao processo de
expansão urbana e sua lógica capitalista, onde a terra passa a se expressar apenas pelo
seu valor de troca e não valor de uso, muito embora houvesse uma grande expansão
periférica, havia ao longo destes caminhos uma grande quantidade de terrenos vazios, e
que acabaram apenas sendo alvos da especulação imobiliária uma vez que foi
implantado serviços de infraestrutura e saneamento.
Dessa forma se estabelece um verdadeiro mercado de terras nas cidades
brasileiras, de caráter altamente especulativo, se consolidando a partir das ações práticas
decorrentes do modo de expansão espraiada das cidades no século XX, mostra-se sendo
reproduzida novamente no século XXI, de forma que contribui para a manutenção da
escassez de acesso à terra.
Nesse quadro, os vazios urbanos, um fenômeno cada vez mais presentes no
espaço urbano, tem se tornado alvo de interesse de estudo pela Geografia Urbana, uma
vez que este tema oferece muito a ser explorado como tema de pesquisa.
Essa é uma pesquisa ainda não realizada em João Pessoa e contribuiria como
gatilho para a iniciação de um debate sobre a temática, trazendo olhares de estudiosos
para este aspecto. Este estudo surgiu não apenas na ideia de basear-se na relação entre
os vazios urbanos e a expansão urbana, mas também na observação de como estes
espaços passam a ser utilizados (ou não).
Desta forma, este estudo tem por objetivo geral estudar o processo de produção e
a distribuição atual dos vazios urbanos na cidade de João Pessoa dentre os anos de 2006
a 2017.
11

O objetivo geral divide-se em três objetivos específicos:


a) compreender a origem dos processos de formação dos vazios urbanos.
b) identificar os vazios urbanos no começo e fim do período bem como analisar
as transformações que ocorreram durante o período.
c) verificar o papel dos instrumentos do planejamento urbano da cidade no que
se refere ao tema.

A partir de pesquisa bibliográfica e documental, em nosso trabalho entendemos


conceitualmente os vazios urbanos como sendo áreas ociosas, lotes não construídos e
áreas subutilizadas, de natureza privada ou pública dentro do perímetro urbano e que
não cumprem a função social da propriedade previstas na Constituição Federal (1988),
Estatuto das Cidades (2001) e Plano Diretor de João Pessoa (2009).
Tanto as análises quanto as representações cartográficas sobre vazios urbanos se
pautam na base de dados oficiais referentes ao uso e ocupação do solo da Secretária de
Planejamento de João Pessoa (SEPLAN-JP), que datam do periodo de 27 de Dezembro
de 2006 à 27 de Fevereiro de 2017, no qual “vazios urbanos” são uma das categorias na
lista de “atividades” do uso do solo. Contudo, a pesquisa irá apenas representar apenas a
categoria de vazios físicos, ou seja, cujo índice de aproveitamento do solo é igual a zero.
Para as representações cartográficas foram utilizados programas de SIG (Sistema de
Informações Geográficas) uma vez que os dados nos foram disponibilizados em
Shapefiles. Tais dados foram obtidos mediante a requerimento via ofício e solicitados ao
setor de Geoprocessamento do órgão.
Além disso, também realizamos visitas aos órgãos da Companhia Estadual de
Habitação Popular (CEHAP), onde fomos recebidos pelo gerente do setor de
patrimônio, que, assim como a SEPLAN, gentilmente nos forneceu dados, estes por sua
vez se tratavam do número de habitações construídas pelo órgão ao longo dos anos e em
que bairro se localizavam.
Realizamos também uma visita à Secretaria Municipal de Habitação Social
(SEMHAB), em busca de dados voltados ao número de habitações construídas pelo
mesmo, contudo, o órgão não nos concedeu nenhum tipo de dados sobre a premissa de
que estavam com erro no banco de dados, principalmente depois que mencionamos o
título do trabalho. Retornamos ao órgão em outras ocasiões, mas, como muitas das
vezes os funcionários perguntavam se tinhamos filiação com movimentos sociais e
afins, é provável que este tenha sido o verdadeiro motivo.
12

Já quanto a análise de documentos oficiais e leis, realizamos leitura completa do


Capítulo 182 da Constituição Federal, do Estatuto da Cidade, do Plano Diretor de João
Pessoa, trechos do Código Tributário de João Pessoa e da Lei 6.766 que dispõe do
Parcelamento do Solo Urbano. Tendo por finalidade de entender o papel político destas
leis que regem a produção do espaço urbano, destacando seus propósitos e
contribuições. Ao longo dessa leitura foi sendo destacado os trechos que mais se
relacionavam à pesquisa, como os artigos, parágrafos e incisos que visassem combater a
ociosidade, mas não nos atemos apenas a isto, também observamos os limites e
permissões construtivas uma vez que estes são um dos principais fatores para se
entender a ocupação de áreas, principalmente as das zonas já dotadas de infra-estrutura.
Com base no que foi relatado, o primeiro capítulo contém uma revisão teórica
sobre o processo de urbanização, tanto nos países desenvolvidos quanto nos
subdesenvolvidos, para em seguida discutir o modo de expansão espraiado que ocorre
nos países subdesenvolvidos como é o caso do Brasil. Pra isso utilizando autores como
Santos (1993), Maia (2000), Souza (2003), Hansen (2016a) e (2016b),
Aqui, apontamos as características desse modelo de urbanização na qual se
destaca o processo de surgimento expressivo de vazios urbanos. Em seguida trazemos a
abordagem dos vazios urbanos segundo a literatura. Utilizando principalmente autores
como Dittmar (2006), Brito (2008) e Nascimento (2014). Buscamos assim demonstrar a
relação entre o processo de urbanização espraiada e o modelo mais comum de
segregação e perifização nas cidades brasileiras, que é o de centro e periferia.
No segundo capítulo trazemos uma discussão sobre o surgimento dos vazios
urbanos e outros processos que são causa / consequência deste fenômeno, abordando os
usos do solo no modo capitalista, enquanto valor de uso e de troca, pois uma das
repercussões do capitalismo sobre a produção do espaço geográfico é a transformação
da terra em mercadoria. Como uma das consequências diretas e indiretas da presença
dos vazios é o aumento do preço do solo, e que se mantêm devido a especulação
imobiliária, que irá acarretar na segregação social e na periferização da população de
menor poder aquisitivo, trazemos uma discussão entre estes tópicos.
O terceiro capítulo traz um histórico de formação da cidade de João Pessoa, das
políticas e das práticas que foram sendo implantadas ao longo dos anos e que acabaram
instaurando o quadro de dispersão urbana associada a formação dos vazios urbanos.
Enquadramos nesse o contexto de crescimento da cidade à época do êxodo rural, bem
como das políticas públicas da era BNH.
13

Utiliza-se para isso autores que resgatam o aspecto histórico da cidade e


discutem os problemas sociais do período, tal como segregação, periferização e etc.
entre eles Baracuhy Cavalcanti (1999), Lavieri e Lavieri (1999), Maia (2000),
Vasconcelos Filho (2003), Coutinho (2004), Sposati (2010), Martins (2014) entre
outros.
Após um panorama da expansão da cidade, vemos que a falta ou
descumprimento de leis para combater os vazios urbanos instala uma situação
contraditória. Neste sentido, o capítulo aborda até o início do século XXI, o surgimento
do Estatuto das Cidades (em 2001) e da formação do Ministério das cidades (2003) que
trazem um conjunto de ferramentas e medidas para regular o artigo da Política Urbana
da Constituição Federal que visam combater a ociosidade.
O quarto capítulo traz a aplicação dos dados da pesquisa, buscando seguir uma
sequência cronológica, iniciamos com o quadro dos vazios urbanos de João Pessoa no
ano de 2006, onde após as análises fazemos as abordagens sobre a adequação do Plano
Diretor da cidade à lei do Estatuto da Cidades no ano de 2009, bem como das aplicações
da mesma.
Uma vez entendidas as mudanças na legislação passamos a abordar os dados
relativos a mudança dos usos dos vazios urbanos detectados em 2006, iniciamos então a
discussão abordando aqueles que foram transformados em habitações, uma vez que no
ano de 2017 não mais se apresentam como vazios urbanos. Buscamos nesta parte da
pesquisa elencar os diversos motivos e explicações que fomentaram tais mudanças.
Após isso, apresentamos o quadro de 2017, abordamos um pouco da expansão
urbana e como surgem novos vazios próximos às áreas que foram ocupadas, fomentadas
pelas ações anteriormente explicadas no próprio capítulo.
Uma vez entendidas as transformações ocorridas, buscamos então abordar as
permanências, uma vez que 52,2% dos vazios permaneceram ociosos por mais de dez
anos. Aqui percebemos a incrível força de atuação dos agentes e a brutal concentração e
disparidade fundiária brasileira.
Posteriormente, fazemos uma crítica ao Plano Diretor da cidade que não
aparenta ter alcançado o que propunha, e pelo contrário, dá simplesmente a segurança
legal aos especuladores.
14

Como em partes das análises de dados na pesquisa são constantemente


mencionados os nomes de certos bairros, bem como da cidade de João Pessoa como um
todo, acreditamos que se faz fundamental uma introdução da área de estudo, assim,
elaboramos o mapa que delimita o recorte geográfico da pesquisa conforme a seguir:

Mapa 1 - Mapa de propósito geral da pesquisa e o número correspondente ao nome do bairro.


Fonte dos Shapes: IBGE / Seplan. Elaborado por: Daniel David Fernandes Dantas (2018).
15

Capítulo 1
O processo de urbanização, a urbanização espraiada e a produção de
vazios urbanos

A Urbanização tem diversos significados segundo os dicionários, podendo aludir


ao aumento da proporção entre população urbana em relação à população rural (taxa de
urbanização), uma mudança cultural entre o comportamento populacional urbano e
rural, pode também designar um processo de mudanças das características rurais de uma
área pelas características urbanas ao se implantar infraestrutura e equipamentos urbanos
(água encanada, energia elétrica, coleta de esgoto) e etc.
O processo de urbanização é uma tendência global e muito provavelmente
irreversível. A partir do início do século XX, houve um processo de urbanização em
massa não só no Brasil mas em todo o mundo, uma tendência de crescimento
demográfico associado ao processo de industrialização e à migração campo-cidade.
De acordo com Frigolleto (S/D), nos países desenvolvidos ou que já possuíam
algum tipo de industrialização, o processo de urbanização se deu em um período
anterior aos países subdesenvolvidos. Num período onde o número populacional era
menor, as taxas de crescimento populacional em todo o mundo ainda se davam de
maneira mais lenta e o aparato tecnológico era menos sofisticado. Dessa maneira, a
indústria contratava mais mão-de-obra.
Assim, a urbanização desses países ocorreu de forma mais lenta e gradual, o que
permitiu que estes fossem adaptando as suas infraestruturas e equipamentos urbanos de
suas cidades, como moradia, distribuição de água, saneamento, energia elétrica e etc,
atenuando os impactos negativos deste processo. Se compararmos com os tempos
atuais, existem cidades que possuem um crescimento tão rápido, que as vezes não é
possível adequar o planejamento com o ritmo de crescimento.
Por volta dos de 1930, de acordo com Hansen (2016a) as cidades nesses países
estavam bem distribuídas no sentido de que tinham um certo equilíbrio na oferta de
empregos, saúde e educação. Claro que certa cidade iria ter uma oferta maior ou menor
destes serviços, contudo, os habitantes não precisariam estar na cidade mais rica do país
para que pudessem ter uma boa qualidade de vida, e esse se deu graças a esta forma de
planejamento, que amenizou que as cidades com maior desenvolvimento econômico
recebessem grandes migrações.
16

Outra grande diferença da urbanização das cidades nos países desenvolvidos dá-
se pela relação entre as áreas centrais e áreas periféricas. No modelo de urbanização dos
países desenvolvidos as áreas mais periféricas são onde normalmente se encontram a
população de maior poder aquisitivo e nas áreas mais centrais, encontra-se a população
de menor poder aquisitivo. Conforme Hansen (2016a), essa dinâmica é bastante efetiva
pois, como as áreas centrais das cidades normalmente concentram maior oferta de
emprego, este fator atrai a massa mais pobre para morar próxima aos centros.
Essas áreas então tornam-se geralmente mais adensadas, com intenso fluxo de
pessoas e veículos, e são normalmente habitadas pelos moradores de menor poder
aquisitivo, enquanto que as elites vão em busca de locais mais sossegados e amenos nos
subúrbios. Nesta relação Centro-Periferia onde os pobres moram próximos ao centro,
ocorre uma maior facilidade no transporte diário dessa população aos seus postos de
trabalho, consequentemente há menos trânsito nessas cidades, bem como, diminui-se os
gastos desta população até a sua jornada de trabalho e não necessariamente exclui os
pobres das cidades.
A população rica, que tem melhores condições de mobilidade e de arcar com os
custos do transporte moram nos subúrbios1. Estão são áreas onde se tem uma maior
qualidade de vida, maiores propriedades, áreas verdes, onde muitas das casas sequer
possuem muros, diferentemente dos subúrbios dos países subdesenvolvidos.
Nos países subdesenvolvidos, no entanto, a realidade é oposta. O processo de
urbanização ocorreu em um período posterior ao dos países desenvolvidos, por
conseguinte, o aparato tecnológico industrial, as técnicas empregadas e até mesmo o
modelo de produção (inspirados no Fordismo de 1914) contratavam menos mão de obra
desqualificada. (HANSEN, 2016b)
Nesses países, inicia-se o processo de urbanização se intensifica principalmente
a partir da década de 1950, quando houve um processo de urbanização em massa e que
ocorreu de forma muito rápida. A industrialização gerou um aumento na oferta de
empregos nas áreas urbanas, enquanto gerava desemprego na zona rural,
principalmente, devido às mudanças causadas pela reestruturação produtiva das
atividades no campo. Entre elas podemos destacar as mudanças nas relações de
trabalho, os processos de mecanização da produção, associadas às grandes
concentrações fundiárias da realidade brasileira que fazem com que cada vez menos

1
Aqui entendidos como áreas mais afastadas do centro
17

mão de obra fosse absorvida. Isso se configura como um grande problema, pois a maior
parte da população morava no campo e possuía atividades voltadas à economia agrária.
Tais mudanças acarretaram em um grande processo de migração campo-cidade,
conhecido por êxodo rural. (SANTOS, 1993)
Estas cidades por sua vez não possuíam estrutura para suportar tamanho
aumento da população em um período tão curto. O grande crescimento populacional
causado principalmente pela migração, não permitiram a esses países um adequado
planejamento urbano, sendo assim conforme posto por Hansen (2016a), diferente dos
países desenvolvidos onde diversas cidades eram desenvolvidas simultaneamente para
que a população tivesse a possibilidade de ir para diferentes centros urbanos e ainda
assim obter uma melhor qualidade de vida, nos países subdesenvolvidos a maior parte
dos postos de trabalho, serviços e infraestrutura, se concentram em determinadas
cidades. Desta forma as migrações dos países subdesenvolvidos são extremamente
concentradas nestas cidades.
Tal concentração dos fluxos migratórios por sua vez, fez com que aumentassem
cada vez mais a população destas cidades, população essa que em sua grande maioria
era composta de mão de obra desqualificada. Dessa forma, muitos acabam não tendo
acesso ao setor formal da economia, conforme posto por Santos (1993), e mesmo
aqueles que conseguem trabalhos, não recebem uma quantia condizente para o acesso à
terra.
Retomando aqui o modelo Centro-Periferia, em países subdesenvolvidos como o
Brasil, as áreas mais centrais são os locais onde normalmente moram as classes mais
ricas, portanto, eram nesse contexto as áreas mais valorizadas.
Consequentemente, as parcelas mais pobres da população acabam sendo levadas
a áreas cada vez habitar áreas cada vez mais distantes, contudo, contraditoriamente,
percebe-se que isso não se deve a indisponibilidade de terras, pois identificam-se áreas
“vazias” nas cidades. Instala-se uma realidade em que as menores parcelas da população
constituída pelos ricos moram próximas as áreas com infraestrutura, comércios,
serviços, ofertas de trabalho e melhor qualidade de vida, enquanto a maior parte da
população vê-se distante de tais benefícios e tendo que gastar mais recursos para o seu
deslocamento, tornando a cidade mais cara para os que têm menos recursos.
Tal processo acarretou uma grande expansão horizontal das cidades que é
denominada por Santos (1993) como sendo uma urbanização espraiada. É nesse
contexto que se tem a expansão das metrópoles e das chamadas “cidades médias”.
18

1.1 - Urbanização espraiada e a origem dos vazios urbanos

Os crescentes investimentos no desenvolvimento industrial brasileiro


subordinaram o setor agrícola ao setor industrial. Entre as décadas de 1950 e 1970,
houve em escala mundial, o que ficou conhecido com o pacote da “Revolução Verde”,
que para Milton Santos (1998) se configurou como a Revolução do meio Técnico-
Cientifico-Informacional, o qual visava levar a mudança de diversos fatores no meio de
produção, tais como a mecanização e a utilização de alimentos transgênicos,
fertilizantes, agrotóxicos entre outros.
O meio rural brasileiro passou então por grandes transformações, entre elas
podemos destacar os processos de modernização do campo e as mudanças nas relações
de trabalho no campo. A grande concentração fundiária que já existia se mantém. No
decorrer destes anos, o setor de produção agrícola passa a absorver cada vez menos
mão-de-obra, fazendo com que as pessoas migrassem para a cidade em busca de
emprego e melhores condições de vida, e com isso, originando o processo de êxodo
rural.
As cidades por sua vez não possuíam meios para absorver tamanha mão de obra
tanto na indústria quanto no mercado formal. A urbanização acelerada provocou o início
de muitas formas de habitações precárias, uma vez que o Estado não tinha como suprir
toda essa demanda habitacional existente, nem contratar tanta mão de obra. Houve
assim o crescimento desordenado das favelas e periferias, geralmente, em áreas
irregulares e sem infraestrutura. Contraditoriamente Santos (1993) aponta que era
possível perceber diversos espaços vazios, sem utilização ao longo do tecido urbano.
Na literatura de um modo geral este modelo de urbanização brasileiro é
caracterizado sob diversas terminologias: urbanização espraiada, urbanização dispersa,
urbanização em mancha, urbanização extensiva, urbansprawl, entre outras. Acredita-se
que no Brasil este processo de expansão espraiada se afirma principalmente após a
construção dos conjuntos habitacionais nas décadas de 1960 e 1970.
As discussões a respeito dos vazios urbanos estão intrinsicamente ligadas a
lógica capitalista e ao processo de expansão espraiada cuja principal característica
consiste na grande expansão horizontal da malha urbana, partindo das áreas já
consolidadas para as periferias e deixando em seu percurso grandes vazios urbanos com
fins voltados a especulação imobiliária. Sobre isto Milton Santos (1993) afirma que:
19

As cidades, e sobretudo as grandes, ocupam, de modo geral, vastas


superfícies, entremeadas de vazios. Nessas cidades espraiadas,
características de uma urbanização corporativa, há interdependência
do que podemos chamar de categorias espaciais relevantes desta
época: tamanho urbano, modelo rodoviário, carência de
infraestruturas, especulação fundiária e imobiliária, problemas de
transporte, extroversão e periferização da população, gerando, graças
às dimensões da pobreza e seu componente geográfico, um modelo
específico de centro-periferia. Cada qual dessas realidades sustenta e
alimenta as demais e o crescimento urbano, é, também, o crescimento
sistêmico dessas características. As cidades são grandes porque há
especulação e vice-versa; há especulação porque há vazios e vice-
versa; porque há vazios as cidades são grandes. (p. 95-96)

Conforme o exposto, percebe que a correlação entre os vazios urbanos, a


especulação e o espraiamento são diretamente relacionados. Partindo deste princípio,
entende-se que os vazios urbanos presentes na expansão espraiada encarecem os custos
de fornecimento de infraestrutura por parte do Estado, uma vez que se trata de uma área
que será dotada de infraestrutura e equipamentos urbanos adequados, porém, que não
será utilizada.
Dessa forma, não só o investimento público fica prejudicado, aumentam-se as
distâncias a serem percorridas pelos habitantes, bem como o preço do transporte destas
pessoas até seu o seu destino. Ao mesmo tempo, esse solo dotado de infra-estrutura é
valorizado, passando então a ser especulado. Consequentemente se intensifica a
segregação social da massa pobre, conforme a afirmação de Pereira e Silva (2007 p. 80)
“o custo da habitação não tem sido incorporado aos custos necessários à reprodução do
trabalhador brasileiro, dificultando o acesso da população de menor poder aquisitivo a
moradia”, desta forma, o especulador não só enriquece se beneficiando dos
investimentos públicos como também inibe os cidadãos de baixa renda do acesso à
terra.
Estas pessoas por não ter emprego ou não receber salário adequado não tem
condições de adquirir a terra por meios legais, passam a morar em locais cada vez mais
distantes, ou passam a ocupar áreas ambientalmente fragilizadas ou áreas públicas.
Além do que, conforme Souza (2003), ocorre a intensificação do processo de
periferização, uma vez que elas vão ter que se afastar cada vez mais destes terrenos
valorizados, que indo se localizar predominantemente nas bordas do limite urbano,
agravando o acesso dessa população a uma boa infraestrutura, trazendo aqui mais um
20

problema: a transformação do parcelamento rural em parcelamento de solo urbano que


também fomenta a especulação imobiliária.
Souza (2003) ainda ressalta que quando tal processo se dá pelo rápido avanço
das cidades nas terras rurais e deixa marcada uma “faixa de transição entre o uso da
terra tipicamente rural e urbano” (p.27), denominada de espaço periurbano, este
processo é estudado por Maia (2000) na cidade de João Pessoa e a autora diz que dessa
forma: “a cidade vai engolindo o campo”.
O modelo de expansão dispersa perpetua uma dinâmica do processo de
urbanização produzindo de forma intencional, “áreas vazias” no tecido urbano como
forma de obter renda com negócios imobiliários, e também produzindo e reproduzindo a
precariedade das habitações mais populares, desta forma, conforme Bassul (2016), de
um lado tem-se pessoas sem um solo urbanizado, e do outro, solos urbanizados sem
pessoas.

1.2 - As abordagens teóricas sobre vazios urbanos

O estudo sobre os vazios urbanos de forma mais especifica são relativamente


recentes. As discussões sobre o assunto no Brasil surgiram com mais intensidade após
as décadas de 1960 e 1970, pela implantação dos programas de expansão urbana e de
programas habitacionais realizados nestas décadas. Contudo isso não implica dizer que
não houvesse vazios urbanos antes desse período. De fato existiam, porém, ganham
evidencia a partir desse período quando houve um significativo aumento dos mesmos
nas cidades brasileiras, pois segundo Nascimento (2014 p. 27) com as mudanças no
contexto de produção do espaço urbano eles “passaram a ser intencionalmente
produzidos como estratégia tanto pública, quanto privada, de estimular o negócio com a
terra urbana.” São diversas as nomenclaturas abordadas na literatura para a não
utilização do solo, tais como: terrenos baldios, terrenos inutilizados, terrenos
abandonados, espaços residuais, áreas remanescentes, áreas vazias, áreas ociosas, entre
outras. Todas essas remetem a uma determinada tipologia e subordinam-se a três
diferentes classificações de vazios urbanos, que são: vazio físico, vazio de uso, e vazios
físico e de uso.
Algumas dessas variações de designações remetem a ocorrência do fenômeno no
que tange a sua individualidade, quando diz respeito a materialização do processo no
21

espaço, contudo pretendemos aqui entender os vazios urbanos enquanto processo no


contexto de produção e reprodução do espaço urbano.
Dittmar (2006 p. 68) ao analisar os vazios urbanos na cidade de Curitiba - PR,
utiliza as três classificações de vazios “O vazio pode caracterizar-se pelas questões
físicas simplesmente, ou pelo esvaziamento do uso e, muitas vezes, pelas duas
situações" (p. 68). Desta forma, ela utiliza os termos “Área Ociosa” para designar os
vazios físicos que são os espaços não construídos, “Áreas remanescentes” para designar
os vazios de uso para áreas construídas porém não utilizadas e “Espaço residual” para os
vazios não construídos e não utilizados, como por exemplo áreas próximas a viadutos e
linhas de trem.
Já Brito (2008, p. 2459), ao estudar a cidade de Dourados – MS, entende que a
definição de vazios urbanos é contraditória, uma vez que a terra não está vazia, pois
carrega consigo o título de propriedade privada. A partir deste entendimento, a autora
explana “[...] vazios no sentido de estarem ociosos, sem construções (sem edificações),
ou os terrenos baldios que existem dentro do perímetro urbano da cidade, procurando
explicar os problemas que lhes são inerentes, como a especulação imobiliária e como
uma das consequências, o chamado ‘déficit habitacional’.”
Além disso, ao abordar a lógica e consequências destas dinâmicas, a autora
afirma que “[...] o estudo a respeito dos vazios urbanos se dará vinculado à questão da
produção social do espaço, uma vez que a maioria dos problemas sociais existentes é
produto da forma de apropriação do espaço, considerando que a análise não pode se
desvincular do contexto geográfico e histórico”. (p. 2455-6).
Nascimento (2014) ao fazer comparações entre os vazios urbanos em Presidente
Prudente em São Paulo e Londrina no Paraná, aborda os vazios urbanos como sendo:

[...] uma concepção geral de análise que o define como as áreas sem
edificações, loteadas ou não, particulares e públicas. Consideramos,
também, as áreas públicas pois estas áreas - e aqui não estamos
falando de praças e áreas verdes –, mesmo que não participem do
processo de especulação imobiliária, estão encravadas no tecido
urbano, sem a função social da terra, prevista por lei pelo Estatuto da
Cidade. (p. 54)

Concordamos com o autor ao considerar questões voltadas à função social da


terra, bem como também incluir áreas públicas que não são voltadas ao bem coletivo.
22

Assim, no nosso trabalho entendemos os vazios urbanos como sendo áreas


ociosas, lotes não construídos e áreas subutilizadas, de natureza privada ou pública
dentro do perímetro urbano e que não cumprem a função social da propriedade previstas
na Constituição Federal (1988), Estatuto das Cidades (2001) e Plano Diretor de João
Pessoa (2009).
Com base nisso, ao analisar os dados da Secretária de Planejamento de João
Pessoa (SEPLAN JP) percebemos que a instituição divide os vazios urbanos em
âmbitos Privados, Público Municipal, Público Estadual e Público Federal. Constatamos
que as áreas relacionadas ao âmbito Público Federal são grandes áreas verdes de
preservação, como por exemplo, a mata próxima a Universidade Federal da Paraíba.
Estas áreas, embora não sejam voltadas para a habitação, desempenham um papel
fundamental para a cidade e para a sociedade, enquanto área verde, portanto a
eliminamos da categoria de vazios urbanos em nossa análise.
É importante entender que o trabalho não tem o propósito apontar a causa ou a
origem dos vazios urbanos enquanto fenômeno pontual, cada qual com sua razão
individual. Aqui os vazios urbanos serão tratados enquanto um processo cada vez mais
presente na produção do espaço urbano, e que está diretamente associado à lógica de
acumulação de capital, pois compreendemos sua condição como uma das estratégias do
capital na produção do espaço urbano.
Por questões metodológicas, uma vez que nossa pesquisa utiliza dados em
ambiente de SIG (Sistema de Informações Geográficas) baseadas em informações
espaciais numa perspectiva “vertical” de observação do uso do solo, como também
imagens de satélite, trabalharemos apenas a categoria relativa ao Vazio Físico.
Utilizaremos tipologias como “áreas ociosas” e “terrenos” quando nos
referirmos à existência do fenômeno materializado no espaço, de forma que represente
uma determinada quantia ou porção mensurável do conjunto, que quando somadas
correspondam a uma totalidade, ou também para nos referirmos aos aspectos
mercadológicos da terra enquanto produto, pois a essência da criação e da permanência
das áreas ociosas nas cidades estão intrinsicamente ligadas à especulação imobiliária.
Desta maneira, abordaremos agora que práticas e lógicas que geram e
contribuem para o surgimento e a manutenção dos vazios no espaço urbano.
23

Capítulo 2
O uso do solo urbano e a especulação imobiliária

Acreditamos que para se ter uma maior compreensão dos vazios urbanos
existentes é necessário um entendimento sobre a produção e apropriação do espaço; as
relações sociais desenvolvidas; a ação dos agentes que produzem o espaço urbano; os
interesses que os motivam e ainda investigar como tais agentes podem influenciar a
criação do espaço e, desta forma, moldar a paisagem. Uma vez que uma das
repercussões do capitalismo sobre a produção do espaço geográfico é a transformação
da terra em mercadoria. Para iniciar esta discussão, utilizaremos as considerações de
Martins (1990) ao dizer que:

A apropriação da terra não se dá num processo de trabalho, de


exploração do trabalho pelo capital. (...) A terra é, pois, um
instrumento de trabalho qualitativamente diferente dos outros meios
de produção. Quando alguém trabalha na terra, não é para produzir a
terra, mas para produzir o fruto da terra. O fruto da terra pode ser
produto do trabalho, mas a própria terra não o é. (p. 159-160)

Complementando está ideia podemos utilizar Fraxe (2000, p. 155) ao afirmar: “a


apropriação da terra [...] não se dá num processo de trabalho, de exploração do trabalho
pelo capital. Portanto nem a terra nem a água possuem valor, no sentido de que não são
materialização do trabalho humano”.
Dessa forma é possível refletir que a terra não possuir valor, pois não é
produzida pelo trabalho, ela possui um preço. Preço esse gerado devido à apropriação
privada, e isso se torna atrativo para o mercado imobiliário porque é uma “mercadoria”
com grande demanda, que oferece a possibilidade de se valorizar sem que haja um
investimento adicional por parte do proprietário, conforme apontado por Saboya (2008).
A terra torna-se uma reserva de valor porque geralmente seu preço não decai
com o passar do tempo, diferente que quaisquer outros “produtos” como automóveis e
eletrônicos que facilmente ficam defasados, a terra é um bem perpétuo. Todos precisam
de um pedaço de terra, seja para habitar ou para trabalhar, e é por isso que no
capitalismo ela é transformada em mercadoria. É justamente pelo fato da terra ser
“imóvel” que pode ser tão facilmente monopolizada e se obter lucros com base dentre
outros mecanismos pela sua localização. Tal atributo é caracterizado por muitos autores
como renda diferencial.
24

A partir disso, pode-se utilizar as seguintes considerações de Paul Singer (1978)


ao afirmar que:
[...] o espaço é apenas uma condição necessária à realização de
qualquer atividade, portanto também da produção, entendido como
emanação do trabalho humano que a potencia. A posse dos meios de
produção é condição necessária e suficiente para exploração do
trabalho produtivo, ao passo que ocupação do solo é apenas uma
contingência que o estatuto de propriedade privada torna fonte de
renda para quem o detém. [...] O ‘capital’ imobiliário é, portanto, um
falso capital. Ele é, sem dúvida, um valor que se valoriza, mas a
origem de sua valorização não é a atividade produtiva e sim a
monopolização do acesso a uma condição indispensável àquela
atividade. (SINGER, 1978 p. 77 e 78)

Desta forma o capitalismo gera lucros sobre a terra na medida em que domina o
processo de produção e não através dos frutos do trabalho. Com isso, Brito (2008)
afirma que “para entender os vazios urbanos é preciso pressupor que a terra não está
‘vazia’, pois carrega o título de propriedade privada da terra.”
Contudo, o espaço não pode ser simplesmente visto como algum objeto a
venda frente ao capitalismo. A partir da afirmação de Corrêa (1993, p. 1) que “Eis o que
é espaço urbano: fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto
de símbolos e campo de lutas. É assim a própria sociedade [...], materializada nas
formas espaciais”.
Percebe-se com isso que o espaço é também um local de construção social,
onde, para o especulador, a terra é tratada como um produto com função de compra e
venda através de seu valor de troca, isto dificulta o acesso à terra das pessoas com
menor poder aquisitivo, para o qual a terra é um bem com valor de uso. Essa dinâmica
fica bem expressa conforme o pensamento de Neves (2003), ao afirmar que:

[...] a cidade é uns ‘lócus’ de produção ou de habitação, dependendo


apenas do ponto de vista que se utiliza para sua análise. Para o
produtor de mercadorias, ela é o seu campo para distribuição,
circulação e troca. Para o morador [...] a cidade é o meio de consumo
coletivo, é o local para a sua habitação e tudo o que este termo implica
(NEVES, 2003. p. 12 apud RODRIGUES, 2011. 19)

Dessa maneira o solo urbano não se constitui apenas de valores monetários, mas
também significado. Assim, para uma melhor compreensão de como ou porque a terra é
tratada como mercadoria, é necessário um melhor entendimento de alguns conceitos que
estão intrinsicamente relacionados aos vazios urbanos.
25

2.1 - Especulação imobiliária e Valorização de terrenos

O site Dicionário Financeiro (S/D) define o termo especulação imobiliária como


“o ato de investir em bens imóveis [...] esperando obter lucros acima da média dos
demais investimentos com sua venda ou aluguel em um momento futuro.”
De modo geral a abordagem sobre o que é a especulação imobiliária está
relacionada à compra de bens imobiliários com o intuito de vendê-los ou alugá-los
posteriormente, na perspectiva de que seu preço de mercado aumente em um período
futuro.
Apesar de sua localização não poder ser alterada, afinal, um terreno é um bem
imóvel, existem diversas mudanças que quando realizadas próximas a um terreno,
acabam valorizando-o, tais como: obras relacionadas à infraestrutura (acesso à água
potável, energia elétrica, esgotamento, iluminação pública, coleta de lixo e etc.), aos
serviços urbanos (escolas, hospitais e etc.) e às melhorias voltadas a mobilidade urbana
(abertura de vias, calçamentos, sistema de transporte público e etc.).
É importante notar que quase todas mudanças externas que melhoram a
qualidade da localização do terreno, são investimentos públicos, financiados com o
dinheiro dos impostos, consequentemente, são investimentos que são pagos por toda a
sociedade. Dessa forma, os vazios urbanos têm a intencionalidade de aguardar que os
investimentos voltados ao crescimento da cidade se encarreguem de valorizá-los, sem
que haja a necessidade de um segundo investimento por parte de seu proprietário.
Nesse sentido, são esclarecedoras as palavras de Campos Filho (2001), ao
entender a especulação imobiliária como:

[...] uma forma pela qual os proprietários de terra recebem uma renda
transferida dos outros setores produtivos da economia, especialmente
através de investimentos públicos na infraestrutura e serviços urbanos
que são os meios coletivos de produção e consumo ao nível de espaço
urbano. [...] (p. 48)

Assim é possível refletir que muitas pessoas contribuem para a valorização


dessas áreas através de seus impostos e do investimento público, enquanto o lucro
gerado é privado e irá apenas para o proprietário do terreno. Para Saboya (2008), ocorre
uma coletivização dos custos e apropriação privada dos lucros.
26

Com isso é possível perceber porque a especulação de imóveis é tão rentável,


uma vez que os investimentos públicos agregam “valor” à propriedade privada de um
indivíduo. Desta forma Bassul (2016) explica que:

No meio urbano o valor da terra não está propriamente na terra. Seria


aceitável se a valorização do imóvel fosse calculada pela quantidade
de capital e trabalho por parte do proprietário, contudo, quase que a
totalidade do que está à disposição do imóvel e que o valoriza não
foram realizados pelos esforços de seu trabalho.

Saboya (2008) descreve alguns fatores que valorizam o preço do solo, como as
ocupações ao redor de um terreno ou o simples fato de passar a existir residências ou
comércios ao seu redor, já valorizam um imóvel. Aqui é importante destacar que nem
toda a valorização fundiária é de origem especulativa, visto que a reprodução do espaço
urbano da cidade é um fator que também aumenta o preço dos terrenos.
O crescimento populacional é um outro fator que valoriza a terra, afinal quanto
maior a população maior a demanda de habitações. Quando a maioria das áreas ao seu
entorno estiverem ocupadas, os terrenos que continuam à venda são valorizados pela
simples lei da oferta e demanda. É uma prática especulativa comum determinados
grupos obter imóveis em grandes quantidades, ou em grandes áreas em uma mesma
região, criando uma valorização artificial nos preços de todos os imóveis do entorno.
Além disso, quanto melhor for sua infraestrutura, maior é o preço de um terreno,
do mesmo modo, terrenos sem infraestrutura são menos valorizados. O solo urbano se
valoriza a partir de sua localização e a sua estrutura, normalmente quanto mais
integrado ao sistema urbano maior é o preço de um terreno. Contudo a variação do
preço do solo depende à que grupos sociais se destina a área: alta ou baixa ou renda, isto
se reflete no tamanho dos lotes e na variação do preço por metro quadrado.

2.2 - Os prejuízos da especulação imobiliária nas cidades

Pelo exposto, a especulação destes espaços vazios dotados de infraestrutura, tira


da população de baixa renda a capacidade de obtenção destas terras por meios legais, e
no caso de João Pessoa, fez com que esta fosse excluída e passasse a ocupar áreas de
vulnerabilidade socioambiental, tais como margens de rios, mangues, encostas, falésias
e etc. Neste sentido, Singer (1978) coloca que:
27

[...] a cidade capitalista não tem lugar para os pobres. A propriedade


privada do solo urbano faz com que a posse de uma renda monetária
seja requisito indispensável à ocupação do espaço urbano. Mas, o
funcionamento normal da economia capitalista não assegura um
mínimo de renda a todos. Antes pelo contrário, este funcionamento
tende a manter uma parte da força de trabalho em reserva, o que
significa que uma parte correspondente da população não tem meios
para pagar pelo direito de ocupar um pedaço do solo urbano. Esta
parte da população acaba morando em lugares em que, por alguma
razão, os direitos da propriedade privada não vigoram: áreas de
propriedade pública, terrenos em inventário, glebas mantidas vazias
com fins especulativos etc., formando as famosas invasões, favelas,
mocambos etc. Quando os direitos da propriedade privada se fazem
valer de novo, os moradores das áreas em questão são despejados,
dramatizando a contradição entre a marginalidade económica e a
organização capitalista do uso do solo. (p. 87-88)

Como resultado tem-se que as práticas especulativas tendem a fomentar a


verticalização nas áreas centrais, criando espaços adensados que sobrecarregam a
infraestrutura, forçando posteriormente a substituição ou adequação da infraestrutura do
mesmo, simultaneamente, produzem áreas pouco adensadas devido a dispersão
horizontal rumo as periferias, aumentando o custo do Estado para levar a infraestrutura
para essas áreas ao mesmo tempo subutilizando a infraestrutura à qual é posta nesses
locais devido aos vazios urbanos, conforme discutido por Saboya (2008).
Podemos também utilizar as considerações de Bassul (2002, s/p) ao afirmar que:

Nas cidades, os altos preços do solo urbanizado determinam a


segregação populacional por estratos de renda e impõem ônus sociais
inversamente proporcionais à capacidade de pagamento de quem os
suporta. Obrigados a buscar alojamento em áreas distantes e
precariamente providas de serviços públicos, são exatamente os mais
pobres os que arcam com os custos mais elevados de transporte e de
acesso a bens e serviços urbanos.

Conforme Bassul (2016) é desta forma que a cidade se torna cada vez mais cara
para os que tem menos recursos. Os vazios urbanos induzem a especulação imobiliária e
vice-versa, asseguram à desigual valorização do solo urbano, afinal de contas o Estado
não pode equipar todas as áreas ao mesmo tempo, desta forma tornando o investimento
público mais caro e menos justo. Vale a pena aqui destacar que a implementação de
acesso à água, esgoto, pavimentação, canalização das águas pluviais (“boca de lobo”),
distribuição de energia elétrica e iluminação pública, entre outros, são serviços caros e
que precisam de manutenção esporádica, e quem custeia tais equipamentos urbanos é a
28

sociedade como um conjunto, para que no fim haja uma privatização dos lucros. Com
isso, percebe-se de que forma os vazios urbanos não cumprem a função social da terra.
Além disso a especulação fomenta a própria especulação, a valorização das áreas
já urbanizadas aumenta o preço da terra que leva à expulsão dos pobres para bairros
mais distantes no periurbano, intensificando a segregação e a periferização, forçando o
poder público a investir em novas áreas. Aqui ocorre outro tipo de especulação, através
da transição do parcelamento do solo rural em solo urbano, bem como, uma vez que o
investidor venda os seus imóveis em uma área ele irá procurar outros locais para
adquirir e repetir o processo em um ciclo vicioso conforme registrado por Campos Filho
(2001).
Além das formalidades em se dizer que o vazio urbano, ou “terreno baldio” na
linguagem popular, não cumprem a função social da terra, tais espaços também trazem
outros problemas, visto que, muitas vezes são sinônimos de locais de acúmulo de lixo,
proliferação de ratos e baratas, depósito de entulho, ponto de uso de droga, entre outros.
Com base nestes pressupostos iremos agora entender como que se difundiu tal
fenômeno na cidade de João Pessoa.
29

Capítulo 3
Histórico e formação dos vazios urbanos em João Pessoa

A cidade de João Pessoa foi fundada em 1575 na margem direita do Rio


Sanhauá, num ponto estratégico para os portugueses, tendo como objetivo a proteção do
território. Até o início do século XX, a cidade era subdividida em duas, de acordo com
seus usos e ocupações do solo: Cidade Baixa, também chamada de Varadouro, onde
ocorriam as atividades comerciais; e a Cidade Alta, onde funcionavam as atividades
administrativas e religiosas, e também onde localizavam a maioria das moradias,
segundo Vasconcelos Filho (2003).
Por mais de três séculos a cidade não apresentou considerável crescimento
significativo. Até 1910 seu núcleo se estendia do local inicial de sua fundação, ou seja,
do Varadouro até a área do atual Parque Solon de Lucena. Para além dessas áreas se
encontravam sítios, chácaras e vivendas, que estavam fora dos limites do núcleo urbano.
Foi a partir do início do século XX, através de políticas públicas, que obras de
infraestrutura básica foram realizadas e ruas e avenidas de expansão foram abertas,
sendo a principal delas a Avenida Epitácio Pessoa, a qual intensificou os processos de
expansão urbana e de ocupação ao longo de seu percurso rumo ao litoral.
Segundo Coutinho (2004), a ocupação da Epitácio Pessoa deu-se de forma
fragmentada ao longo do século XX. A partir da década de 1950, houve a construção
dos loteamentos e conjuntos habitacionais adjacentes à avenida, ocasionando uma
importante transformação na sua paisagem, bem como da cidade.
O crescente aumento do contingente populacional urbano em todo o Brasil
devido ao processo de êxodo rural e da industrialização começa a gerar altos índices de
desigualdade, violência, miséria, principalmente nas metrópoles. A partir de 1950, tal
contexto exige do poder público uma maior preocupação no tocante ao número de
habitações, rede de serviços e a estrutura da cidade.
É justamente a partir deste período que se pode verificar um alto índice de
aumento populacional na cidade de João Pessoa conforme a tabela a seguir:
30

Período População Absoluta Crescimento Absoluto Crescimento entre períodos (%)


1950 95.953
1960 142.916 46.963 48,9%
1970 221.546 78.630 55,0%
1980 330.176 108.630 49,0%
1991 497.599 167.423 50,7%
2000 597.934 100.335 20,2%
2010 723.515 125.581 21,0%
2017 811.598 88.098 10,8%
Tabela 1 - População da cidade de João Pessoa. Elaborado pelo autor. Fonte: IBGE

Percebe-se, a partir de análise bibliográfica, que, ao longo do tempo o Governo


Federal tenta impulsionar o desenvolvimento econômico do Brasil investindo no
transporte rodoviário e na industrialização. Assim, era necessário que os principais
municípios, suas áreas produtivas e seus portos se conectassem à malha rodoviária
federal em construção.
Sendo assim, a partir de 1960, as ações do Governo Federal geraram grandes
modificações na estrutura urbana do Brasil, como um todo, e de João Pessoa em
particular, por meio de um programa nacional de desenvolvimento e crescimento
urbano, principalmente, através da criação de um sistema de financiamento para
conjuntos habitacionais e da implementação de grandes obras de infraestrutura.
Nesse contexto, em 1964 foi criado o Sistema Financeiro de Habitação (SFH)
através da Lei n° 4.380, de 21 de Agosto de 1964, que instituiu a criação do Banco
Nacional de Habitação (BNH). Posteriormente, no ano de 1966 é criado o Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que possibilita a captação de recursos e foi o
que viabilizou e impulsionou a construção de conjuntos habitacionais.
Em se tratando de Joao Pessoa, especificamente, partimos do entendimento de
Martins (2014), o qual afirma que em 1968 inicia-se no eixo centro-orla ao longo do
entorno da Avenida Epitácio Pessoa, a construção dos conjuntos habitacionais, tais
como: 13 de Maio; Pedro Gondim e Bairro dos Ipês. Neste ano, ou seja, em 1968, um
total de 1.703 domicílios foram construídos na cidade. No ano seguinte, em 1969 tem
início a expansão da cidade de João Pessoa em direção ao eixo Sudeste, explicado por
Maia (2000, p. 16). Segundo a autora:

A partir do final da década de 60, tem-se início a construção da cidade


dos conjuntos habitacionais que integra o conjunto da cidade
31

modernizada. Iniciando com a construção do Conjunto Castelo


Branco (três etapas: 1969, 1970 e 1974), nas proximidades do vale do
Jaguaribe e ao lado do campus universitário, seguido pelo Conjunto
dos Bancários (1980), limitando-se com o rio Timbó, o Conjunto
Mangabeira margeando o rio Laranjeiras, e por fim, mais ao sul, o
Conjunto Valentina de Figueiredo (1985), transpondo o rio Cuia. Na
porção sul-sudoeste, vários outros conjuntos foram construídos como
o Costa e Silva (1971), Ernani Sátyro (1977), José Américo (1978),
Ernesto Geisel (1978), Cristo Redentor (1981) e Bairro das Indústrias
(1983). No período de 1970 a 1983, foram construídos um total de
15.632 domicílios financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação
[...]

A respeito dos conjuntos habitacionais construídos pelo BNH, é importante


trazer as considerações de Leite (2011, p. 19) que escreve que “os conjuntos financiados
pelo BNH eram considerados de grande porte, e como precisavam de grandes glebas
urbanas, a baixo custo para a produção em larga escala, centenas de unidades
habitacionais resultaram no modelo periférico de expansão, usualmente em bairros
distantes”. A partir dessas mudanças, pode-se entender que a expansão da cidade de
João Pessoa ocorre de forma dispersa e fragmentada, ou seja, descontínua na malha
urbana, diferente dos períodos anteriores quando as áreas urbanizadas eram no entorno
do tecido urbano consolidado.
Esse modelo de expansão que Maia (2000) caracteriza como “espraiado”, amplia
horizontalmente e expande a malha urbana e a infraestrutura da cidade para trechos
afastados do tecido urbano, deixando, em seu percurso, longos vazios urbanos a serem
preenchidos, além de transformar as terras rurais em urbanas.
Acrescenta-se que neste processo de expansão, produz-se uma periferia, num
primeiro momento de baixa renda que, por conseguinte, impulsiona a segregação
socioespacial. Pois, as construções dos conjuntos habitacionais se deram em áreas mais
distantes e com diversos problemas como a falta de pavimentação, saneamento básico,
problemas no abastecimento de água, transporte público entre outros, conforme
Cavalcanti (1999).
Todas essas expansões do tecido urbano e de infraestrutura urbana, irão resultar
no que Maia (2000) denomina de “cidade dos conjuntos habitacionais”, que configura-
se em um novo eixo de expansão Sudeste, reafirmado com a abertura da avenida José
Américo de Almeida, popularmente conhecida como “Avenida Beira Rio”, que se
estende desde o bairro da Torre ao Cabo Branco. Foram grandes obras que propiciaram
um grande aumento da infraestrutura da cidade e que por sua vez estimularam a
32

acelerada expansão da malha urbana, dentre estas destaca-se: a criação de um anel


rodoviário que conecta a BR 101 e a BR 230 à Avenida Cruz das Armas; a implantação
do Campus da Universidade Federal da Paraíba e da criação do Distrito Industrial pela
SUDENE, o que, por sua vez, impulsiona o setor terciário na área.
Tais obras aumentaram a possibilidade de mobilidade urbana no período, uma
vez que a BR 101 ao norte liga-se com a cidade de Natal, e no sentido sul liga-se ao
Recife enquanto a BR 230 conecta a cidade de João Pessoa ao interior da Paraíba e ao
oeste do território brasileiro, estendendo-se até a Amazônia com a chamada
transamazônica. Segundo Maia (1994), na década de 1960 a área ocupada da cidade de
João Pessoa era equivalente a 15km², já na década de 1980 a área urbana era de
aproximadamente 106km², o que equivale a um pouco mais de sete vezes o tamanho da
área, conforme o mapa 2 a seguir:

Mapa 2 – Área urbana de João Pessoa em diversos períodos, adaptado de Oliveira (2006)2

2
OLIVEIRA, José Luciano Agra de. Uma contribuição aos estudos sobre a relação transportes e
crescimento urbano: O caso de João Pessoa – PB. (Dissertação). Mestrado em Engenharia Urbana.
UFPB. João Pessoa, 2006. Acrescentamos a malha urbana de 2017 com base nos dados da Seplan JP.
33

É importante destacar que durante o mesmo período (1960 à 1980) a população


da cidade mais que dobrou passando de 142.916 para 330.176 habitantes.
Já na década de 1980, destaca-se o Projeto Comunidades Urbanas para
Recuperação Acelerada (CURA) que tinha por objetivos a melhoria da infraestrutura
urbana nas áreas mais desprovidas em pavimentação, drenagem e iluminação pública
(MARTINS, 2007). Porém, seus recursos na cidade de João Pessoa foram utilizados nos
bairros mais nobres, mais especificamente “nos bairros litorâneos – Cabo Branco,
Tambaú, Manaíra e Bessa – buscando dotá-los de melhores condições”. (MARTINS,
2014 p.56)
Tal processo gerou grandes aumentos no preço do solo dessas áreas, e o aumento
dos impostos que eram previstos nas áreas onde o CURA fosse implantado expulsou os
habitantes locais de menor renda para áreas mais longínquas. A valorização das terras
tornando-as inacessíveis, os altos índices de migrantes vindos do campo e o aumento
dos impostos locais acabou expulsando os antigos moradores desses locais e levou as
classes de menor renda às periferias ou para as áreas de domínio público, intensificando
a segregação e dando origem a uma grande quantidade de aglomerados subnormais de
acordo com as classificações do IBGE. Segundo Cavalcanti (1999, p. 29) “em 1970
haviam 16 favelas, em 1980 eram 31 e em 1982 já somavam 41 favelas em João
Pessoa”. Estas eram justamente os bairros ou áreas mais adensadas, conforme posto por
Maia (2000):

[...] são aquelas caracterizadas como favelas ou como bairros de


população de baixa renda: Mandacaru (185,1 hab/ha), Bairro São José
(antiga favela Beira Rio com 269,2 hab/ha), Favela dos Ipês (249,7
hab/ha) e Favelas Coqueiral (204,9 hab/ha) na porção norte/nordeste;
Rangel (122,7 hab/ha) e Cruz das Armas (116,5 hab/ha) a oeste e
Bairro do Novais (111,5 hab/ha) na porção sudoeste. (p. 42)

Ainda segundo a autora, com base nos dados da Fundação e Instituto de


Planejamento do Estado da Paraíba (FIPLAN), no ano de 1982 foram contabilizados
14.865 domicílios em áreas de favelas, que abrigavam a 73.791 habitantes.
Complementando sobre esta realidade em João Pessoa, podemos utilizar os
pensamentos de Farias (1990) quando coloca que:

[...] a política habitacional popular da década de 60 e 70 e a


modernização do espaço urbano de João Pessoa, com diversas obras
públicas, impulsionaram de certa forma a expansão da malha urbana, a
seletividade do espaço e a valorização do solo, o que apresentou
34

enormes ônus sociais. [...] contribuiu para a eclosão dos conflitos


urbanos, para a ampliação das carências, a nível de serviços urbanos
em geral, como serviços de transportes e infraestrutura básica, já a
cidade agora tinha um considerável número de favelas e a periferia
ocupada era desprovida de equipamentos de consumo coletivo.
(FARIAS, 1990 p.93 apud CAVALCANTI, 1999 p. 29)

O processo de segregação é ocasionado por diversos problemas referentes à


questão da moradia: o aumento do preço do aluguel e dos impostos locais, o déficit
habitacional, as ocupações irregulares e a periferização, entre outros.
No final do século XX, o cenário urbano da cidade de João Pessoa revela
desigualdades sócio espaciais nos termos definidos por Souza (2003). No ano de 1989
já havia 150 favelas em toda a cidade conforme Sposati (et al, 2010 p.43) a autora
conclui que:

Esta síntese é reveladora de contradições e desigualdades na ocupação


e formação dos territórios intraurbano de João Pessoa. Esse modelo de
desenvolvimento trouxe complexidades à questão social urbana. Os
dados demonstram que o crescimento e expansão de João Pessoa não
significou melhoria na qualidade de vida de toda sua população

Em 21 de Novembro de 1986 o BNH foi extinto através Lei n° 2.291 e foi


incorporado pela Caixa Econômica Federal (CEF), que se tornou o órgão público
responsável pelo financiamento da produção da habitação social. Conforme Botega
(2008), o motivo para o fechamento do BNH foi em decorrência dos altos índices de
desemprego e diminuição do poder de compra da população devido às altas
inflacionárias da década de 1980, o que acabou gerando grande inadimplência em
relação ao programa.
Pode-se entender assim que a política habitacional promovida pelo BNH não
resolveu o problema da moradia na cidade, pois o que era pra ser uma política
prontamente voltada a reduzir o déficit habitacional das cidades, adquiriu altas dívidas
ao financiar atividades voltadas à iniciativa privada atingindo um prejuízo na casa dos
bilhões. Além disso, as habitações implementadas sob o modelo de expansão espraiada
provocaram a periferização e a segregação espacial já que as construções dos conjuntos
habitacionais se deram em lugares afastados da cidade, com dificuldade de acesso e
infraestrutura limitada.
Em 1988 têm-se a nova Constituição Federal que é um marco para o direito à
habitação ao garantir a função social da propriedade através do artigo 5º da Constituição
35

inciso XXIII que diz que “a propriedade atenderá a sua função social”, esta será
discutida neste trabalho com mais detalhes adiante.
A década de 1990 registra tendências de verticalização nos bairros nobres,
atraindo a ação do mercado imobiliário uma vez que o edifício vertical aumenta as
oportunidades de lucro sobre o terreno através da possibilidade de multiplicação do solo
(por andar), o que acaba valorizando ainda mais o solo urbano da área. (CHAVES,
2008).
A lógica é a de que os proprietários de imóveis aumentem ainda mais seu
patrimônio através transações de compra e venda da terra com altos lucros em virtude
da especulação e valorização gerada por investimentos públicos, ou simplesmente
assegurassem o seu patrimônio com a retenção de terra sem a intenção de lucro imediato
em transações imobiliárias, mas usando-a como reserva de capital.
Conforme Maia (2014) do início da década de 1990 até os primeiros anos da
década seguinte, que marca o início do século XXI, algumas políticas públicas foram
criadas para a habitação popular, contudo, sem grande impacto na modificação da
cidade.
Desta forma, vimos que a expansão espraiada incentivada, sobretudo pelas
políticas habitacionais do BNH, instaurou diversos vazios urbanos na cidade de João
Pessoa, como de forma geral nas cidades brasileiras. A ausência de legislação específica
para combater tal prática foi um dos agravantes que permitiu a intensificação do
processo como um todo, desta forma, veremos o surgimento de leis que buscam reverter
esse quadro.

3.1 - Vazios urbanos: Quais os mecanismos legais para lidar com este problema?

Após a onda de expansão na cidade e a intensificação do processo de


segregação e criação de favelas na cidade de João Pessoa e de modo geral nas cidades
brasileiras, sobretudo durante o final da década de 1980 e a década de 1990, não houve
por parte dos governos nenhum tipo de ação para combater a prática de especulação
com os imóveis ociosos. É comum ouvirmos a frase: “Isto é falta de planejamento”, no
entanto, acreditamos que, ao contrário o que houve foi um planejamento posto a serviço
dos que dominam os setores estatais, ou seja, o grande capital. As coisas não estão dessa
forma porque “faltou planejamento”, elas estão assim porque o planejamento que foi
feito instaurou esta realidade.
36

Silva (1999) afirma que se os vazios urbanos são gerados como consequência do
modo de expansão da cidade, e pelas facilidades dadas pelas prefeituras, estes se
mantêm devido à ausência de instrumentos fiscais para penalizar a retenção de terras.
Nesse sentido, sobre as políticas públicas Teixeira (2002, p. 02) afirma:

‘Políticas públicas’ são diretrizes, princípios norteadores de ação do


poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder
público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado.
São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas
em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que
orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos
públicos. Nem sempre, porém, há compatibilidade entre as
intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas.
Devem ser consideradas também as “não ações”, as omissões, como
formas de manifestação de políticas, pois representam opções e
orientações dos que ocupam cargos.

Mediante essa afirmação, é importante entender que a omissão do Estado


também pode ser entendida como uma forma de política pública, como uma forma de
“planejamento”. Vale destacar ainda as considerações de Kandir (1983. p. 116 apud
Gonçalves, 2002. p. 44 e 45) o qual nos traz as seguintes reflexões:

A especulação imobiliária tem sido também a ‘parteira’ da corrupção


nos órgãos públicos. Esta tem-se desenvolvido não só em função do
‘valor’ das informações referidas acima, mas também, e o que é pior,
com o objetivo de influenciar as próprias decisões governamentais no
sentido de investir nas regiões de interesse dos especuladores,
aniquilando qualquer iniciativa na direção de realizar um
planejamento racional dos investimentos públicos, devidamente
ancorado nas necessidades sociais.

Dessa forma, podemos entender que a ausência de meios para combater a


ociosidade das terras na legislação brasileira fez com que os interesses populares fossem
prejudicados e agravou a condição social das cidades. Tal quadro ganha um novo olhar
a partir da aprovação da Lei conhecida como Estatuto das cidades, a partir da aprovação
da Lei n° 10.257 em Julho de 2001, que surge como a regulamentação dos artigos 182 e
183 da Constituição Federal, e estabelece objetivos, diretrizes gerais e instrumentos para
a gestão da política urbana.
Um dos grandes pontos do Estatuto da Cidade é buscar reforçar que a
propriedade deve cumprir a sua função social. Apesar de um indivíduo ser proprietário
de seu terreno, não necessariamente implica que ele tem o controle absoluto sobre o
37

mesmo, pois a cidade é um bem coletivo e o uso da cidade deve respeitar a coletividade,
desse modo busca-se subordinar o uso dos imóveis não edificados, subutilizados e não
utilizados a um aspecto voltado a melhoria da coletividade. (MARICATO, 2001)
.Esta política urbana, em suas diretrizes gerais, com base no Artigo 2, visa
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana
em prol do bem coletivo e do bem-estar dos cidadãos, buscando, entre outros, garantir o
direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao
transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, por meio de uma gestão
democrática com participação de diversos segmentos da sociedade na formulação,
execução e acompanhamento dos projetos de desenvolvimento urbano.
Tudo isso de forma a evitar a utilização inadequada dos imóveis urbanos, seja
pela retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte em sua subutilização ou não
utilização, seja pelo uso incompatível ou inconveniente como o parcelamento do solo, a
edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana de
modo a evitar a deterioração das áreas urbanizadas Desta forma seria capaz de buscar
gerar uma justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de
urbanização.
De acordo com o Art. 4°, serão utilizados para isso, entre outros instrumentos:
I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e
de desenvolvimento econômico e social;
II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões;
III – planejamento municipal, em especial:
a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
d) plano plurianual;
e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
f) gestão orçamentária participativa;
g) planos, programas e projetos setoriais;
h) planos de desenvolvimento econômico e social; (BRASIL, 2001)

A discussão sobre o Estatuto da Cidade e suas ferramentas é vasta, autores como


Maricato (2001), Bassul (2002) e Souza (2003) colocam que dentre os instrumentos há
aqueles que buscam diretamente o combate a ociosidade especulativa, de modo a fazer
com que os terrenos já infra estruturados porém não edificado, subutilizado ou não
utilizado venham cumprir a função social da propriedade, conforme posto no Art. 5.
Nestas ferramentas, destaca-se o parcelamento, edificação ou utilização
compulsória, IPTU progressivo no tempo e a desapropriação com pagamento em títulos
38

da dívida pública. A lei do Estatuto das Cidades diz que é competência dos municípios a
adequação dos planos diretores à mesma. Desta forma, iremos posteriormente analisar a
adequações realizadas pelo Plano Diretor da cidade de João Pessoa no ano de 2009 à
esta lei, destacando os principais instrumentos da política urbana no que diz respeito à
Legislação vigente.
Contudo, como o banco de dados é referente à um período anterior a
mencionada adequação, acreditamos ser importante inicialmente apresentar o quadro de
João Pessoa durante este período.
39

Capítulo 4
Análise dos dados sobre vazios urbanos em João Pessoa (2006-2017)

Para os fins práticos de execução da pesquisa, todas as análises espaciais com


base na localização e nos números de vazios urbanos nas cidades provém de dados
“shapefile” oficiais da Secretária de Planejamento de João Pessoa (SEPLAN) referentes
ao “Uso e ocupação do solo” na cidade, no qual os “vazios urbanos” são uma das
categorias na lista de “atividades” de uso de solo, o recorte temporal deste banco de
dados trabalhados na pesquisa são dos anos de 2006 e de 2017.
Tais dados, segundo o órgão, provém do primeiro grande levantamento realizado
pela Prefeitura e que se concluiu no ano de 2006, onde houve a criação do banco de
dados dos proprietários utilizando os registros documentais e imagens de satélite, e as
categorias de uso e ocupação do solo foram constatadas a partir da obtenção dos dados
primários por parte da prefeitura, fruto da ida a campo dos agentes.
No ano de 2012 houve um outro grande recadastramento e atualização do banco
de dados, de maneira semelhante ao ano de 2006. Todos os lotes de João Pessoa
possuem um “código cartográfico” distinto no banco de dados, quando um proprietário
solicita um alvará para construção, mudança na utilização do uso da propriedade ou
afins, a SEPLAN atualiza o valor dos dados referente ao código cartográfico da área,
para que na próxima grande atualização estes dados sejam de fato modificados.
Infelizmente não foi possivel se trabalhar com os dados obtidos referentes ao
ano de 2012, por causa de erros ao executá-lo no software, motivo pelo o qual iremos
então trabalhar os dados referentes ao periodo de 27 de Dezembro de 2006 que
corresponde ao primeiro levantamento da Prefeitura à 27 de Fevereiro de 2017, que é o
periodo mais recente desta base de dados ao qual obtivemos.
É importante lembrar que o espaço geográfico é algo dinâmico e em constante
transformação, entendemos que nem todas as mudanças que ocorrem em cada lote da
cidade serão computadas pela Prefeitura, contudo, estes são os dados sobre os quais a
mesma utiliza para fins de planejamento da cidade, seja para a elaboração de politicas
públicas, seja para a execução de obras, desta forma entendemos que isso não
compromete a qualidade da pesquisa. Com isso em mente, elaboramos um mapa
contendo a malha urbana e os vazios urbanos da cidade no ano de 2006 conforme a
seguir:
40

Mapa 3 - Malha urbana e os vazios urbanos em João Pessoa referente ao periodo de 2006

Totalizando uma área de aproximamente 105 km² de malha urbana, sendo 27,5
km² de vazios urbanos, dentre os 176.723 lotes presentes no shapefile, 44.064 lotes
eram marcados como “vazios urbanos” na coluna de “atividades” que se refere ao uso e
ocupação do solo, ou seja, aproximadamente um quarto dos lotes totais. É possível
observar a dispersão das áreas vazias, notoriamente nos bairros da zona sul nas zonas
mais periurbanas, destas áreas com grande quantidade de vazios partindo da direita para
41

à esquerda são os bairros de o Barra de Gramame, Paratibe, Muçumagro, Gramame e


Mumbaba por estarem nas porções mais externas. Conforme discutido por Souza
(2003) os baixos preços das terras periurbanas se veem como uma alternativa a
urbanização, dessa forma tem-se a especulação imobiliária das áreas até então não
ocupadas anteriormente, através da mudança no parcelamento do solo, as grandes
glebas não ocupadas tidas como parcelamento rural e que agora passam a ser
considerados solo urbano, imensos “vazios urbanos” na cidade à espera de valorização.
É importante aqui trazer que os bairros de Mumbaba, Mússure, Gramame,
Barra de Gramame e Costa do Sol eram considerado como rurais3 até os anos de 1998,
no mapa é possivel identificar áreas vazias que serão futuramente destinadas a conjuntos
habitacionais e que serão discutidas posteriormente nesta pesquisa.
Contudo, os vazios urbanos não se restringem apenas as zonas mais periurbanas,
na porção mais norte do municipio, os bairros do Bessa, Jardim Oceânia e Aeroclube
também apresentam uma grande mancha de vazios urbanos, diferentemente dos bairros
ao sul, conforme apontado Vasconcelos Filho (2003) estes foram sendo focos da
atuação de diversas empresas do ramo imobiliário, cujos fatores diferenciais das demais
áreas eram a sua “localização” e infraestrutura.
Desta forma houve no decorrer da década seguinte uma valorização imobiliária,
com consideravéis aumentos do preço do solo urbano nestas áreas em curtos periodos
de tempo. Diferente dos bairros do periurbano cujo atrativo é o baixo preço das terras,
estes bairros possuem uma especulação mais capitalizada.
Outro ponto a se destacar é que no bairro Costa do Sol, onde se localiza o atual
“Centro de Convenções”, existem áreas que são tidas pelo Zoneamento Urbano como
Zonas de Proteção Ambiental, dessa forma existem muitas tramitações juridicas sobre
permissão (ou não) de construções na área e que não serão abordadas na pesquisa.
Apresentado este quadro geral, pretendemos abordar as transformações e
permanências destes vazios urbanos após o periodo de 2006, contudo, paralelamente,
existem no contexto desse perodo diversas mudanças que irão mudar drasticamente a
apropriação deste espaço, fomentadas principalmente por politicas públicas, tanto de
habitação, como a construção de conjuntos habitacionais, como pelas diretrizes
politicas, como a adequação do Plano Diretor no ano de 2009.

3
Disponível em: http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2015/08/bairros-de-joao-pessoa-so-existem-
oficialmente-ha-menos-de-20-anos.html
42

De forma a entender o que aconteceu com esses vazios, é preciso portanto


entender a nova legislação que entrou em vigência na cidade, desta forma iremos agora
abordar as adequações no Plano Diretor da cidade.

4.1 - Adequações do Plano Diretor ao Estatuto das cidades

Como discutido brevemente no anteriormente no Capítulo III, o Plano Diretor de


João Pessoa se adequa à lei do Estatuto das Cidades, em 20 de março de 2009. Segundo
a Lei de 2001, o Plano Diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana, sendo assim o principal influenciador
das diretrizes de produção do espaço.
Um ponto importante do Plano Diretor encontra-se no Artigo III, dispondo dos
requisitos necessários ao cumprimento da função social, coloca como fundamental a
ordenação do solo de forma a evitar à utilização inadequada dos imóveis urbanos, de
modo a evitar usos incompatíveis a infra-estrutura instalada, combatendo a retenção
especulativa de imóveis urbanos seja pela não utilização ou sub-utilização. Desta forma,
como mecanismos legais para o combate à ociosidade o Estatuto das Cidades (2001)
fornece alguns instrumentos da política urbana, entre eles destacam-se:

a) Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios

Nos termos do Artigo 5° do Estatuto da cidade (Brasil, 2001)4, que trata sobre
o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, está expresso que a partir da Lei
Municipal específica para área incluída no Plano Diretor poderá ser determinado o
parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória do solo urbano não edificado,
subutilizado ou não utilizado. Devendo assim, serem fixadas as condições e os prazos
para implementação da referida obrigação; sendo tido como subutilizado o imóvel cujo
aproveitamento seja inferior ao mínimo estabelecido pelo Plano Diretor do município.
Com isto, o proprietário será notificado pelo Poder Executivo Municipal para o
cumprimento da obrigação (Artigo 5; Parágrafo 1, Inciso 1).
O Parágrafo 3 deste artigo determina ainda que, caso não cumpra com esta
determinação, o proprietário do imóvel receberá uma notificação que se fará através de

4
Disponível em: Estatuto da cidade. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm
43

funcionário do órgão competente do Poder Público Municipal ou por Edital quando


frustrada, por três vezes, as tentativas de notificação na forma anterior. Já o Parágrafo 4
determina que os prazos referentes a execução desta ferramenta não poderão ser
menores que um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no
órgão municipal competente. Ou dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar
as obras do empreendimento.
Ao analisar o citado Estatuto da Cidade, em comparação ao Plano Diretor da
Cidade de João Pessoa5 percebe-se, a partir da análise do Artigo 48 do Plano que cabe
ao Poder Executivo exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado, ou
não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena de aplicação
sucessiva das ferramentas de Parcelamento, edificação e utilização compulsórias, tais
como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo no tempo e ainda a
desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública.
Desta forma, como estabelecido pelo Artigo 49 do Plano Diretor, as áreas
passíveis de aplicações destas ferramentas seriam os “lotes ou glebas não edificados”,
ou os “lotes ou glebas não edificados, subutilizados ou não utilizados e que não estejam
cumprindo sua função social”. Aqui vale lembrar que segundo o Artigo 7, incisos XVIII
e XXX, é tido urbano subutilizado aquele terreno cujo aproveitamento é inferior a 1,0
vez a área do terreno.
Contudo, é importante aqui relembrar que por questões metodológicas esta
pesquisa aborda apenas os vazios físicos, ou seja, as áreas não construídas, cujo
aproveitamento é igual a 0. Desta forma, temos no Artigo 49, Parágrafo 3, Inciso g:

Excetuam-se da aplicação do parcelamento, edificação ou utilização


compulsórios os imóveis: g) imóvel que se enquadre como vazio
urbano, desde que não ultrapasse 450,00 m² (quatrocentos e cinquenta
metros quadrados) de área, cujo proprietário não possua outro imóvel
nessas condições.

Com isso, trabalhando sobre o banco de dados, selecionamos os lotes marcados


como vazios urbanos no ano de 2006, e exportamos esses dados para um novo shapefile
à parte, e então utilizamos a ferramenta “clip” para recortar do banco de dados do ano
de 2017, utilizando os moldes de recorte do ano de 2006, assim, identificamos assim as
áreas em 2017 que permaneceram ociosas desde o ano de 2006. Após isto selecionamos
todos os terrenos que possuíam área igual ou menor que 450.00 m² e os retiramos, em

5
Plano Diretor da Cidade de Joao Pessoa 2009. Disponível em
http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-content/uploads/2012/04/planodiretor2009.pdf
44

seguida retiramos também todos aqueles cujos proprietários só possuíam apenas um


terreno como vazios urbanos.
A partir desta exceção estabelecida na Lei, produzimos o mapa 4 com base nos
imóveis aos quais esta Lei pode ser aplicada na cidade, conforme abaixo:

Mapa 4 - Áreas em João Pessoa no ano de 2017 que estão susceptíveis a utilização dessa
ferramenta
45

Percebe-se de forma mais visível uma concentração no bairro Portal do Sol, na


zona leste da cidade, com 1431 terrenos nestas condições, bem como no bairro Barra de
Gramame, na Zona Sul da cidade, com 906 terrenos. Pode se dizer que em ambos os
bairros estas terras estão esperando a valorização dos imóveis.
Outras observações são notórias nos bairros de Altiplano, na zona leste que
possui 211 terrenos, bem como nos bairros da zona norte como o Jardim Oceania,
Aeroclube e Bessa, que possuem 183, 145 e 89 terrenos nestas condições
respectivamente. Diferente dos bairros que estão à espera da valorização, estes são
bairros já valorizados com boas condições de acesso e infraestrutura, contudo existem
tantos vazios nestas áreas por causa do preço do metro quadrado ser muito elevado.
Vale destacar que percebeu-se, a partir da análise da tabela de atributos do
banco de dados que a grande maioria dos vazios urbanos em João Pessoa possuem área
menor que 450m². Além disso, dos imóveis que se enquadram neste tamanho ou são
maiores que isso, também há uma boa parte de proprietários que não possui outro
imóvel como vazio urbano, sendo assim também estariam isentos desta lei. Dos 23.577
terrenos ociosos por mais de 10 anos identificados, apenas 3.800 destes estão sujeitos ao
parcelamento e edificação compulsórios, o que corresponde a aproximadamente 15% do
total de terrenos.
Dentre os instrumentos legais que podem ser utilizados para tratar dos
problemas dos vazios urbanos, iremos abordar dois: o Imposto Territorial Predial
Urbano Progressivo, mais conhecido como IPTU progressivo e ainda a Desapropriação
com pagamentos em títulos de dívida pública. Vale lembrar que estas ferramentas são
aplicadas sucessivamente a cada ano de não cumprimento do Parcelamento, Utilização
ou Edificação compulsórios.

b) Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) progressivo no tempo

No Artigo 7° do Estatuto da Cidade que trata sobre o Imposto Predial Territorial


Urbano está expresso que após o descumprimento das condições e dos prazos previstos,
ou não sendo cumpridas as etapas previstas no Parcelamento, Edificação e utilização
compulsórias, o Município poderá aplicar o IPTU progressivo no tempo, cuja cobrança
do valor é crescente até que atinja a alíquota máxima no prazo de cinco anos
consecutivos. Os valores da alíquota são, por sua vez, estabelecidos pelo Plano Diretor
46

Municipal, cuja alíquota máxima pode chegar à quinze por cento (Artigo 7°. Parágrafo
1).
O parágrafo 2 determina que caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar
não seja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança da alíquota máxima,
até que seja cumprida a referida obrigação ou garantida a possibilidade de
desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública. Já o 3º§ expressa que não
devem ser concedidas isenções ou perdão das cobranças progressivas a estes imóveis.
Ou seja, o IPTU Progressivo é um regime que se aplica às propriedades já sob o efeito
do parcelamento, edificação e utilização compulsórias.
Na adequação do Plano Diretor da Cidade de João Pessoa, a definição do IPTU
progressivo é tida conforme o Artigo 7º, inciso XXV, como sendo o aumento da
alíquota do IPTU pelo prazo de cinco anos consecutivos, até a alíquota máxima de dez
por cento (10%) do valor venal6 do imóvel. O IPTU progressivo de João Pessoa
escalona de dois em dois por cento ao ano sucessivo de não cumprimento do
parcelamento, edificação ou utilização compulsórias.
É importante aqui fazer o destaque de que o Estatuto das Cidades dava a
possibilidade de estabelecer a alíquota máxima com o valor de até quinze por cento
(15%) do valor venal do imóvel, contudo, ficaria competido a responsabilidade do
município estabelecer o topo da alíquota através do Plano Diretor, no caso da cidade de
João Pessoa o limite se estabeleceu como sendo dez por cento (10%) do valor venal do
imóvel.
Aqui é importante salientar que identificamos, com base nos dados os terrenos
que estão vazios a mais de 11 anos, pois estes já se encontravam vazios antes mesmo do
primeiro levantamento da Prefeitura. Dessa forma, na teoria, todas essas áreas estão
sujeitas a cobrança do IPTU progressivo e, muito possível, da desapropriação. Contudo,
esta representação será apresentada posteriormente, pois estará contextualizada com
outros processos.
Passados cinco anos ou mais as alíquotas do IPTU progressivo se mantem no
limite máximo estabelecido e o imóvel então estaria sujeito a aplicação sucessiva da
próxima ferramenta.

6
O valor venal é a base de cálculo para o IPTU.
47

c) Desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública

Nos termos do Artigo 8° do Estatuto da Cidade7, que trata sobre a


desapropriação com pagamento em título da dívida pública está expresso que decorridos
cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a
obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à
desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.
Desta forma, o § 1 determina que os títulos da dívida pública terão prévia
aprovação pelo Senado Federal e serão resgatados no prazo de até dez anos, em
prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros
legais de seis por cento ao ano, onde o valor real da indenização (§2) refletirá o valor da
base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras
realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação do
proprietário e não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros
compensatórios.
Segundo as observações de Souza (2003, p. 125) “a indenização se fará
mediante títulos da dívida pública, resgatáveis em até 10 anos, e não em dinheiro. As
únicas indenizações em dinheiro, prévias e justas, serão aquelas que não possuem
caráter punitivo”. Sendo assim, percebe-se que na adequação do Plano Diretor da
Cidade de João Pessoa8 ao Estatuto da Cidade está definida a desapropriação
compulsória com pagamento em títulos da dívida pública é tida conforme o Artigo 7º,
inciso XIV, como sendo o pagamento de indenização por desapropriação feita em
imóvel não edificado, subutilizado ou não utilizado, por intermédio de títulos da dívida
pública municipal.
Com isso, segundo o Artigo 19F do Plano Diretor de João Pessoa temos que
decorridos os cinco anos de cobrança do IPTU progressivo no tempo sem que o
proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação e utilização, o
Município poderá proceder à desapropriação do imóvel com pagamento em títulos da
dívida pública, aplicando-se os dispositivos contidos no art. 8º da Lei do Estatuto das
Cidades.

7
O Artigo 8 do Estatuto da cidade aborda a desapropriação com pagamento em título da dívida pública.
Está disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm
8
Artigo 7, Inciso XIV do Plano Diretor da Cidade de Joao Pessoa 2008. Disponível em:
http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-content/uploads/2012/04/planodiretor2009.pdf
48

É importante contudo salientar que apesar de estar aqui sendo mencionado


enquanto ferramenta, por questões metodológicas relacionadas ao tratamento dos dados,
não nos foi possível neste trabalho identificar a ocorrência da desapropriação
compulsória com pagamentos da dívida pública, muito embora foi possível identificar
as áreas que possivelmente estão sujeitas a esta.
Com o devido entendimento das mudanças legislativas e sua relação com os
vazios urbanos, passaremos agora para as mudanças e incentivos ao uso e ocupação do
solo que ocorreram com estas áreas.

4.2 - Transformações e permanências dos vazios urbanos de 2006

Durante esta etapa da pesquisa iremos observar quais foram as mudanças e


permanências dos vazios urbanos identificados no início do recorte temporal da
pesquisa, e como estas repercutem na utilização que foi encontrada neles no final do
recorte temporal da pesquisa.
Para isto, foram utilizadas técnicas de Geoprocessamento utilizando apenas os
lotes marcados como vazios no ano de 2006, estas áreas foram selecionadas e
exportadas do Shapefile referentes a 2006, e então utilizando estas áreas como um
molde, foi utilizada a ferramenta “clip” sobre o banco de dados de 2017, assim,
obtivemos quais foram as mudanças nos usos e ocupações das áreas que eram marcadas
como vazios urbanos no 2006.
A partir da análise, constatou-se que dos 44.064 lotes consideradas vazios
urbanos em 2006, agora se apresentavam como sendo 45.164 lotes no ano de 2017, o
que implica que uma porção desses lotes se desmembraram ou fragmentaram em lotes
menores, tornando-se mais de uma propriedade e assim, resultando em novos 1.100
lotes. É importante entender que o tamanho da área total continua a mesma (27,5 km²),
apenas foram fragmentadas em lotes menores. Isso também pode ser um indicador da
ação da ferramenta de Parcelamento, utilização e edificação compulsórias previstas no
Estatuto das Cidades que veio em João Pessoa através da adequação do Plano Diretor
em 2009.
De modo a entender a de que forma se dispersou estes usos do solo elaboramos a
representação conforme o mapa 5 a seguir:
49

Mapa 5 - Uso e ocupação do solo encontrado no ano de 2017 das áreas que eram tidas como
vazios urbanos9 no ano de 2006

9
Na análise deste mapa identificamos através de uma sobreposição com uma versão georreferenciada do
Macrozoneamento (2012) algumas das áreas na porção ao leste do bairro Costa do Sol que permaneceram
como vazios urbanos, porém foram enquadradas como Zona de Preservação Ambiental – ZPA de acordo
com o novo zoneamento, desta forma excluímos desta representação as áreas públicas conforme os
parâmetros de vazios urbanos utilizados na pesquisa, as áreas privadas na ZPA contudo permanecem na
representação.
50

As áreas representadas pela cor laranja, permaneceram vazias desde 2006, até o
ano de 2017, totalizando mais de 10 anos de ociosidade.
As áreas representadas em verde neste mapa foram destinadas a habitações, não
fazendo distinção entre áreas residenciais comuns cujo valor de aproveitamento do solo
no mínimo igual a 1, condomínios edílicos residenciais (condomínios verticais) e
condomínios residenciais também chamados de condomínios horizontais.
Foram enquadrados como “outros”, diversos usos e ocupações que mesmo
agregados continuam tendo uma baixa porcentagem, foram eles:
Indefinido: 60;
Serviços relacionados a Educação: 20;
Serviços relacionados a Saúde:11;
Igrejas e Templos de qualquer culto: 17;
Hospital: 1, localizado no bairro do Tambiá (Santa Casa da Misericórdia da
Paraíba) e 1 área somada ao 15° Batalhão de Infantaria Motorizada de Cruz das Armas.

Ao analisar detalhadamente os resultados obtidos no banco de dados foi possível


entender a dinâmica retenção e de ocupação desses terrenos, conforme mostra a tabela 2
a seguir:

Uso e Ocupação N° das unidades em 2017 % das utilizações


Vazios Urbanos 23577 52,20%
Residências 18190 40,28%
Em construção 2668 5,91%
Comércio e serviços 619 1,37%
Outros 110 0,24%

Total de lotes 45164 100%


Tabela 2 - Número e a Taxa em porcentagem das utilizações que foram dadas aos vazios
urbanos de 2006 no ano de 2017. Elaboração: Daniel David Fernandes Dantas (2018) com base
nos dados da Seplan JP.

Desta forma fica claro perceber uma forte dinâmica relacionada a retenção de
terras com fins de especulação, uma vez que 52,20% de todos os terrenos tidos como
vazios urbanos desde 27 de Dezembro de 2006 continuaram como terrenos ociosos em
27 de Fevereiro de 2017, com base nos dados da SEPLAN.
Com base na representação do mapa, devido à vasta diferença entre as
proporções de utilizações que foram dadas a estes terrenos, pode-se perceber com maior
51

clareza a dinâmica de permanência desses vazios urbanos, de forma mais intensa nos
eixos do litoral norte, litoral sul10 e das zonas periurbanas e a dispersão das habitações
ao longo dos bairros do eixo sudeste e sul, impulsionados principalmente com a
construção habitacional com apoio de financiamento público.
Além disso, entendemos que a conversão de 46,0% dos vazios urbanos de 2006
em habitações, principalmente nos eixos sul e sudeste, é um fruto conjunto da
“urbanização natural” da cidade onde os preços das terras nestes locais não são tão
exarcebantes quanto por exemplo nas áreas centrais, associado a isto tem a ação do
Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e suas linhas de financiamento.
A partir de 2001, com a aprovação do Estatuto da Cidade, e em 2003, com a
criação do Ministério das Cidades, há uma retomada das construções de interesse social
em João Pessoa. Segundo Maia (2014), neste período, foram criados diversos
programas voltados à habitação popular ou a famílias com baixa renda, realizadas
principalmente pela Companhia Estadual de Habitação Popular (CEHAP) e pelo Fundo
Nacional de Habitação de Interesse Social (FHNIS).
É importante destacar que houve um atraso na adequação do Plano Diretor de
João Pessoa ao Estatuto das Cidades, uma vez que deveria ser elaborado em 2002, este
veio a ser instituído apenas em 20 de Março de 2009 através do Decreto N.°6.499,
durante a gestão do Prefeito Ricardo Coutinho (2005-2010) e trouxe a adequação aos
artigos 182 e 183 da constituição, bem como algumas mudanças no zoneamento da
cidade, podemos aqui incluir a mudança na permissão de uso no bairro do altiplano que
removeu algumas restrições de construção, aumentando o índice de aproveitamento para
construções. Sobre isso, podemos comentar com base em Bassul (2016) que o
patrimônio de um cidadão é formado não só por seus bens materiais, mas também pelos
direitos que este possui, desta forma, um proprietário de imóvel tem seu patrimônio
aumentado quando o potencial construtivo de seu imóvel passa a ser maior.
Segundo Leal (2014, p.59) “A fase Ministério das Cidades equivale à produção
pública de habitação de interesse social entre 2000 e 2012, totalizando 11.464
moradias”, distribuídas pela cidade de João Pessoa, sendo a Companhia Estadual de
Habitação a responsável pelas políticas públicas habitacionais, porém a autora destaca
que houve maior atuação nos bairros de Gramame e Valentina no eixo sul e no conjunto
Mangabeira no eixo sudeste. Conforme mostra o mapa a seguir elaborado pela autora:

10
Litoral sul aqui tido como o recorte geográfico trabalhado por Barbosa (2005).
52

Mapa 6 - Bairros onde houveram construções do período pós Ministério das Cidades,
representados por um círculo preto. Mancha urbana da cidade de João Pessoa até o ano de 2012,
juntamente com os conjuntos habitacionais produzidos no período entre os anos de 2000 e 2012.
Fonte: Leal (2014 p. 59)

A autora ainda afirma que a construção no bairro de Mangabeira deu-se pelo


grande estoque de terras públicas no bairro. Sobre isso, podemos acrescer que
realizamos uma visita ao órgão e obtivemos dados relacionados à construção de
habitações realizadas pelo mesmo. Com isso, vimos que nos bairros de Mangabeira11
foram construídas 1.389 unidades habitacionais dentre os anos de 2005 à 2016, em

11
É importante lembrar que Mangabeira que além destas habitações, também recebeu grandes
equipamentos urbanos, como por exemplo o Shopping Mangabeira em 2014 e o Trevo das Mangabeiras
em 2015.
53

Gramame foram construídas 910 habitações (Colinas do Sul I, II e III) dentre os anos de
2008 a 2012, e no bairro de Mumbaba o Condomínio São Rafael, que foi entregue no
ano de 2017 com 704 habitações. Outras 606 habitações foram construídas de maneira
dispersa na cidade em diversos bairros.
Desta forma totalizando 3.609 habitações realizadas pelo órgão desde o ano de
2005 à 2017, todas estas construções em terrenos de patrimônio estadual. Percebe-se
que isso condiz com as representações da autora, bem como de nosso mapa 5.
Não podemos deixar de mencionar aqui a criação do conjunto Gervásio Maia,
com 1.336 unidades habitacionais, localizado no bairro do Gramame, segundo Leite
(2011), o qual abrigou populações que viviam em estado de precariedade, sendo o
segundo maior conjunto popular na cidade, ficando atrás apenas de Mangabeira. Dita
autora ainda afirma que “A política habitacional do Governo municipal, através da
SEMHAB, entre os anos de 2006 até 2011, produziu de forma fragmentada e dispersa,
dentro do tecido urbano na cidade de João Pessoa, 7.270 casas populares.” (p. 27)
Contudo, esta política habitacional novamente é a de expansão dispersa, e
reproduz os mesmos fenômenos sociais que a implementada pelo Banco Nacional de
Habitação nas décadas de 1970-1980, quando a construção dos grandes conjuntos
habitacionais deslocou a população de baixa renda para uma área distante e com
infraestrutura precária, e aumentando os preços das terras tornando-as financeiramente
inviável a essa população, assim criando mais segregação.
Ainda com destaque para o Gramame, pois o bairro possui a maior área dentre
todos os bairros de João Pessoa e recebeu diversos conjuntos de habitações populares já
dotados de serviços de infraestrutura, segundo o site do Jornal da Paraíba12 (2011), nos
anos 2000 a população do bairro do Gramame era de 6,2 mil habitantes, já em 2010,
segundo dados do IBGE, o bairro contava com 24.9 mil habitantes.
Retomando Leite (2011 p. 54 e 55) a autora afirma que:

A produção habitacional continua se expandindo para a área


periférica, em direção sudoeste, tanto pela ação do Governo Estadual,
quanto Municipal e também pela iniciativa privada, gerando um
padrão de crescimento urbanístico nesta área, responsável por uma
“urbanização de baixos salários.

12
Disponível em: http://www.jornaldaparaiba.com.br/vida_urbana/ibge-mangabeira-e-o-bairro-mais-
populoso-e-gramame-cresceu-mais.html
54

Não podemos esquecer que o próprio crescimento populacional deve ser um


indicador do porque os vazios viraram residências, segundo as estimativas do IBGE13,
no ano de 2000 a população da cidade era de 597.934 habitantes, já durante o ano de
2010 a população da capital era de 723.515, já no ano de 2016 a estimativa é de que a
população atingiu 811.598 habitantes.
Conforme exposto o contexto de transformações destes vazios urbanos em
habitações na cidade, bem como do quadro de expansão urbana da mesma neste
período, o próximo passo é entender as permanências dos mesmos.

4.3 - João Pessoa e os vazios urbanos no ano de 2017

Com base nas análises, a malha urbana de João Pessoa no ano de 2017
apresentou um crescimento de aproximadamente 15 km² quadrados, atingindo agora
uma mancha urbana14 de aproximadamente 120 km², destes, 29.2 km² encontram-se
como vazios urbanos. Ou seja, aproximadamente 25% da área urbana de João Pessoa é
tida como vazios urbanos de acordo com os dados da SEPLAN, são terras não
ocupadas, que não cumprem a função da social da terra, e são apenas reserva de capital
a ser especulado.
No arquivo shapefile, contendo os dados referentes ao ano de 2017, existiam ao
todo 185,841 lotes, segundos dados da SEPLAN, dentre os quais 31.172 são vazios
urbanos, se comparamos com o banco de dados de 2006, onde, haviam 176.723 lotes,
dos quais 44.064, estes equivaliam a uma área de 27,5 km², categorizados de vazios
urbanos. Desta percebe-se que a quantidade do número total de lotes totais de 2017
aumentou, o número total de lotes vazios diminuiu se comparado a 2006, ainda assim, a
área equivalente aos vazios urbanos aumentou em 2,7 km².
Isso se deve principalmente à incorporação de novas áreas do periurbano com o
crescimento da malha urbana.
Com bases nessas informações elaboramos o mapa a seguir que mostra uma
sobreposição da malha urbana do ano de 2006 sobre a de 2017, conforme a
representação a seguir:

13
Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pb/joao-pessoa/panorama
14
Malha urbana computa tanto as áreas ocupadas quanto não ocupadas, afinal são vazios – urbanos -.
Utilizado aqui de maneira que se assemelha ao empregado por Silva (et al. 2015).
55

Mapa 7 - Áreas de expansão da malha urbana da cidade dentre os anos de 2006 e 2017

É possível identificar os eixos de expansão da cidade ao sul nos bairros de


Mumbaba, Bairro das industrias, Gramame, Valentina, Geisel, Muçumagro, Paratibe e
Barra de Gramame, impulsionados por essa nova onda de programas sociais e baixo
preço das moradias quando comparado a outras áreas, e a leste com a especulação nos
Portal do Sol e Costa do Sol e a expansão do bairro de Mangabeira.
56

Retomando aqui as considerações feitas no capítulo anterior, uma vez que estas
refletem o que aconteceu com os terrenos vazios em 2006 e sua utilização em 2017.
Como nele já explicamos as dinâmicas relacionadas as transformações ocorridas com os
vazios urbanos na cidade, iremos agora tratar das dinâmicas de permanências dos
mesmos. Desta forma elaboramos um mapa 8 com os vazios urbanos presentes em
2017:

Mapa 8 - Dinâmica dos vazios urbanos, no início e no termino da pesquisa, das suas
transformações e também das suas permanências
57

Vale a pena reforçar que as partes representadas em verdes não mais se


encontram como vazios urbanos, pois já lhe foram dadas um uso e ocupação do solo
diferente, contudo foram acrescidas a representação para demonstrar a proximidade com
as novas áreas vazias acrescidas pela expansão urbana.
Ambas as representações em tom de laranja e vermelho retratam vazios urbanos.
As representações em vermelho no entanto correspondem as áreas acrescidas após 2006.
Contudo, com base do banco de dados dos vazios urbanos que permaneceram ociosos
por mais de 10 anos, desde 2006 até o ano de 2017, representados pela coloração laranja
no mapa foi possível identificar a quantidade de imóveis retidos por pessoas ou
empresas, totalizando 23.577 terrenos que passaram a última década ociosos, conforme
vimos na tabela 2, estes por sua vez concentram em apenas 9.210 proprietários.
O objetivo da pesquisa não é de forma alguma atacar indivíduos ou empresas, e
pretendemos manter aqui à ética e o respeito a tais pessoas ou empresas, bem como suas
informações.
Para demonstrar a força de tamanha concentração fundiária foi feita uma breve
representação onde foram escolhidos os primeiros 48 maiores valores, pois embarcam
os dois únicos órgãos públicos com quantias numerosas de terrenos: a Prefeitura
Municipal de João Pessoa (ID 2) e a Companhia Estadual de Habitação Popular (ID 48).

Tabela 3 - Concentração do número de terrenos retidos ociosos por mais de 10 e um código


para seu respectivo dono. Elaboração: Daniel David Fernandes Dantas (2018). Fonte: Seplan JP.
58

Foram utilizados números de maneira ordinal em relação a quantidade de


propriedades de tais empresas ou pessoas de modo a manter sigilo das informações das
mesmas.
Destes, a Prefeitura Municipal de João Pessoa (ID 2) possui 627, a Companhia
Estadual de Habitação Popular (ID 48) apresenta-se com 33 e, por último os donos não
identificados (ID 9) correspondem a 169, os demais proprietários são de natureza
privada.
Pode-se perceber de modo geral que o modo de distribuição dos terrenos destes
agentes imobiliários se dá de forma concentrada, e em áreas muito próximas, a hipótese
é de que eles já possuíam ou adquirem diversos imóveis no mesmo bairro a fim de,
simultaneamente, causar uma valorização no preço através de uma escassez artificial de
terrenos, bem como de diminuir a concorrência de outras imobiliárias no mesmo setor,
se fazendo verdade principalmente para os bairros já consolidados. Já no caso dos
bairros do periurbano obter lucros através da valorização decorrentes mudanças de
parcelamento dos solos a medida em que este for sendo urbanizado15.
O ID 1, por exemplo, possui 2887 terrenos apenas no Bairro de Gramame, já o
ID 3 possui 561 terrenos apenas no bairro de Paratibe, bem como, de modo geral estes
outros proprietários que possuem um maior número de terrenos estão localizados nas
periurbano da cidade, como Gramame, Muçumagro, Bairro das Industrias, Mumbaba,
os quais são justamente bairros que receberam a ação dos programas de habitação
popular nestes últimos anos, demonstrando uma clara intenção de antecipação espacial
para obter lucro com a mudança do parcelamentos das terras, bem como do
investimento das ações públicas
Outros proprietários concentram os terrenos localizados nos bairros mais
valorizados como Altiplano, Bessa, Aeroclube, Jardim Oceania. Conforme o exposto,
pode-se reforçar que a atuação dos agentes são os principais responsáveis pela dinâmica
de produção e reprodução dos vazios urbanos. Desta forma, percebemos como a
ausência de meios para combater a ociosidade das terras na legislação brasileira até o
início do século XX fez com que os interesses populares fossem prejudicados e agravou
a condição social das cidades brasileiras.
Um ponto que nos chamou a atenção durante a pesquisa e levantou alguns
questionamentos foi o bairro do Portal do Sol, muito embora não seja um dos bairros

15
Aqui entendido enquanto mudanças das características rurais de uma área pelas características urbanas
ao se implantar infraestrutura e equipamentos urbanos.
59

“vendidos” pela mídia pessoense, à uma primeira vista foi até surpreendente a
quantidade de vazios urbanos na área, além de que o bairro também se destacou durante
as representações onde identificamos os vazios ociosos por mais de 10 anos, bem como
nas representações das áreas que não são isentas do Parcelamento, Edificação
compulsórias, ou seja, aqueles terrenos com mais de 450,00 m².
Associado a isso quando georreferenciamos o macrozoneamento urbano atual16,
afim de entender melhor algumas dinâmicas, muito embora não tenhamos nos
aprofundado nele nesta pesquisa, percebemos que o bairro Portal do Sol se encontra na
mesma condição de zoneamento que boa parte do bairro Altiplano que possui as
restrições construtivas, ambos se enquadrando como Zona não adensável – ZNA.
Retomamos então uma leitura do Plano Diretor da cidade e vimos que, segundo o
Artigo 13:

Zona não adensável é aquela onde a carência da infra-estrutura básica,


da rede viária e o meio ambiente restringem a intensificação do uso do
solo e na qual o limite máximo de construção é o índice de
aproveitamento básico.
§ 1° Nas Zonas não adensáveis a indicação das áreas para efeito de
elevação de índice de aproveitamento básico de até 2,0 (dois),
consultado o Conselho de Desenvolvimento Urbano – CDU, será feita
mediante ato do Poder Público.

Devido a sua localização extremamente bem posicionada na capital paraibana, o


bairro tem proximidade com o mar, é cercado pelos bairros de Cabo Branco ao nordeste
de sua localização, ao norte o bairro de Altiplano, Bancários ao noroeste, Jardim Cidade
Universitária ao oeste que dá acesso a BR, e à Sudoeste fica o bairro de Mangabeira, por
alguns autores como Silva (2013) e Rodrigues (2016) considerados um subcentro da
cidade.
Conforme exposto, levando em consideração o tamanho de seus terrenos vazios,
a sua localização, caso ocorra uma mudança em seu zoneamento como houve com parte
do bairro Altiplano, em que se aumente sua permissão de construção é muito possível
que este venha a se tornar um bairro com alto interesse imobiliário.

16
Macrozoneamento de João Pessoa disponível em: http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-
content/uploads/2012/04/ANEXO-I-MAPA-1-DIVISAO-DE-ZONAS-A3-JANEIRO-2012.pdf
60

Considerações Finais

É difícil elaborar considerações finais sobre questões urbanas estruturais tão


complexas e que são um desafio para qualquer gestão pública: as desigualdades do
acesso à terra e os interesses do capital. Como visto nos primeiros capítulos, tal questão
não se restringe apenas a João Pessoa ou as cidades brasileiras, mas se encontra presente
nas cidades dos países subdesenvolvidos de modo geral.
Por se tratar de uma pesquisa exploratória, uma vez que é a primeira pesquisa
que aborda prioritariamente este tema na cidade de João Pessoa, foram diversos desafios
encontrados, não necessariamente no que se refere ao teórico mas principalmente
relacionado aos dados em certas áreas.
Pudemos ver quais políticas geraram este quadro, e que práticas contribuíram
para a manutenção dos mesmos, bem como a ausência de leis para fiscalizar e punir este
tipo de ações derivou neste quadro que se instaurou.
Com a pesquisa, conseguimos identificar áreas que estão ociosas desde o
período de 2006 até o momento atual, conforme a representação do Capítulo 4, mapa 5,
valendo aqui ressaltar que estas áreas não estão ociosas apenas durante esse período de
pouco mais de dez anos, mas desde o momento de quando houve a expansão espraiada
para o eixo desses locais. Pudemos identificar as áreas ociosas que estão sujeitas à
aplicação das três ferramentas. Ainda com base nesta representação conseguimos
explicar num quadro geral a expansão urbana a partir da ocupação terrenos que estavam
ociosos.
Associado a isto este trabalho também conseguiu apontar para uma forte prática
de antecipação espacial, ou seja da antecipação do capital privado emparelhado com as
ações do Governo do Estado, no que diz respeito aos loteamentos intensivos nas terras
do periurbano, principalmente próximas aos setores que estão recebendo atuação das
ações do Estado, (conforme o mapa 8 e a tabela 2), onde vemos que grandes empresas
possuem centenas, senão milhares de terrenos nestes bairros.
Além disso observamos cautelosamente as leis no tocante à temática,
conseguimos identificar as áreas sujeitas à aplicação das ferramentas do Estatuto das
Cidades e de que forma elas são aplicadas (ou não) na cidade.
A reflexão sobre o tema nos faz entender que a forma que a cidade é pensada e
produzida não é para a sociedade como todo, para o coletivo. Para promover uma cidade
61

mais inclusiva seria necessário mudar as lógicas de sua produção. Trazer à tona um
debate sobre vazios urbanos não tem por objetivo tornar a cidade compacta, mas refletir
sobre a lógica de produção desse fenômeno, alertando sobre a produção de novos vazios
urbanos que sempre vêm associados com a expansão territorial da área urbana via de
regra espraiada, e que são regidos e/ou atendem principalmente o interesse da expansão
imobiliária com intuitos especulativos, fazendo com que o poder público invista para
qualificar uma área que não será utilizada. Como mencionado por Saboya (2008) isso
torna um gasto público pago pelos impostos da sociedade em um lucro privado, e o
único retorno disso para a sociedade são os custos econômicos, sociais e ambientais.
É preciso entender aqui que a especulação é nociva também para o próprio
Estado, visto que se houver a necessidade de construir uma creche, um hospital, uma
escola, ele terá que adquirir terras ao preço de mercado. João Pessoa ainda não é
considerada metrópole e vem recebendo um aumento populacional considerável, se não
tomar ações firmes para combater tal problema, este só tende a se agravar.
Evidentemente, até mesmo no país menos desigual do mundo irá de haver uma
distribuição desigual dos espaços urbanos mas essa desigualdade não pode ser tão
brutal. Desta forma, percebe-se que o Plano Diretor em sua lógica de execução só
impacta os especuladores com pouco capital, enquanto beneficia os grandes agentes
imobiliários através de cobranças e qualificações irrisórias, propiciando o processo de
acumulação de terras servidas de infraestrutura e agravando ainda mais as contradições
sociais.
Em contrapartida tem-se o acúmulo de carências e dificuldades representadas
na forma de infraestrutura precária, dificuldade no acesso à saúde, educação, transporte,
lazer, e etc. tornando expresso que o espaço urbano vai sendo regido apenas pela relação
de preço da terra e o padrão de quem possa pagar por ela, conforme discutido por
Moreira Junior (2010).
A “solução” ou medida para combater os vazios urbanos não são fáceis, não há
por parte do poder público uma medida que de fato instigue a ocupação destes vazios
urbanos, uma vez que as ferramentas do Plano Diretor apesar de atuarem nestas áreas de
ociosidade não se fazem como solução do problema à medida em que “não pesam no
bolso”.
A primeira ferramenta, o parcelamento, edificação e utilização compulsórios, se
estende por até três anos, além disso, conforme vimos no Capítulo IV, esta ferramenta
isenta todos os vazios urbanos menores que 450m² e maiores de 450m² cujo proprietário
62

só possui um terreno nestas condições, desta forma, vimos também a partir do Mapa 4
que apenas cerca de 15% das propriedades estão sujeitas a esta aplicação. Em seguida
vem a aplicação de IPTU progressivo, que nas palavras de Saboya (2008) é “irrisório”.
É importante ressaltar que o preço do IPTU progressivo é sobre o valor venal dos
terrenos, que de modo algum condiz com o valor de mercado.
Imagine por exemplo um lote que custe 200.000 reais no valor de mercado, e
que tenha valor venal de 15.000 reais; o imposto vai ser abatido na base dos 15.000,
totalizando 1.500 reais e não pelo valor de mercado do terreno, que seria 20.000 reais.
Sendo assim, um especulador pode muito bem manter a terra ociosa por vários anos
mesmo com o IPTU Progressivo na sua alíquota máxima, pois este será cobrado sobre o
valor venal do terreno.
A valorização do terreno por si só, frente a dinâmica de mercado consegue
cobrir muito facilmente tais custos. Além do mais o teto da alíquota previsto pelo
Estatuto da Cidade para o IPTU Progressivo era de 15%, em João Pessoa este teto é de
10%.
No documento da Assessoria técnica da SEPLAN comentado sobre a Lei
tributária N. 12.145, a qual impõe o IPTU Progressivo no Plano Diretor da cidade,
disponível no site da própria prefeitura17, aborda o IPTU Progressivo tanto para o
imóvel construído e não utilizado (vazio de uso) quanto para o imóvel não construído
(vazio físico). O jurista responsável, Neto (2011, s/p) afirma:

Isso equivale a 33,58% em 5 anos. Não representam nada! Deste


modo o prazo se dilata para 8 anos, senão vejamos: 1 ano após
notificação (art. 49 C), 02 anos para concluir o parcelamento (§ 1º do
art. 49 C). Digamos que o proprietário desista do parcelamento, logo
será aplicado o imposto progressivo por 5 anos, perfazendo 8 anos
para se possa efetivamente desapropriar o imóvel com pagamento de
títulos da dívida pública.

O IPTU progressivo no tempo na realidade só irá pesar aos proprietários que


possuem muito pouco capital e não impede de maneira alguma a prática especulatória
por parte dos médios e grandes empresários da terra, uma vez a valorização do terreno é
geralmente muito maior que a alíquota da cobrança do mesmo.
Podemos utilizar aqui as considerações de Silva (1999, p.6) que alertava que:

17
Disponível em: http://www.joaopessoa.pb.gov.br/secretarias/seplan/leis-importantes/
“IPTU Progressivo 02”. Acessado em Maio de 2018.
63

Essas medidas teriam como intenção estimular a transferência de


terrenos daqueles que não querem (ou não tem recursos) para utilizá-
los para aqueles que querem (ou têm esses recursos). No entanto, não
se pode menosprezar o risco de que essas medidas tenham por efeito a
concentração da propriedade em mãos de proprietários mais
capitalizados, penalizando apenas aqueles sem renda para investir.

Assim, as possibilidades do poder público frente aos imóveis puramente


ociosos se resumem ao artigo Art. 19F. “Decorridos os cinco anos de cobrança do IPTU
progressivo no tempo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de
parcelamento, edificação e utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do
imóvel com pagamento em títulos da dívida pública”. É importante perceber que o
“poderá” implica uma não obrigatoriedade. Além disso na tabela 2 foram vistas a
quantidade que 23.577 imóveis permanecem vazios desde 2006, mesmo que o Plano
Diretor tenha se adequado apenas no ano de 2009, completando 8 anos de adequação
em 2017 que é o fim do recorte temporal de nossa pesquisa.
Tomando as considerações de Bassul (2016), a quase totalidade do que está à
disposição de um terreno e que o valoriza são investimentos públicos, não o fruto de
seus esforços, é então desta forma que no Brasil os proprietários de terra enriquecem
sem investir nem capital nem trabalho.
Tenhamos aqui por exemplo um terreno bem localizado no bairro do Bessa,
encontrado no site Vivareal18, especializado em compra e venda de imóveis, conforme a
imagem a seguir:

Figura 1 - Imagem obtida de um site de compra e venda de imóveis que atua em todo o país.

18
Disponível em: https://www.vivareal.com.br/ Acessado em: Maio de 2018.
64

Este terreno foi identificado em nossas analises como ocioso por mais de 10
anos apenas especulando, e está, ao mesmo tempo, suscetível às três ferramentas de
Parcelamento, Edificação ou Utilização compulsórias, IPTU progressivo na alíquota
máxima e portanto está sujeito a desapropriação com pagamentos da dívida pública
Contudo, temos consciência que, muito embora o poder público possa atuar com
a desapropriação em pagamentos da dívida pública nos terrenos que estão plenamente
ociosos não implica que ele esteja fazendo isso ou que tenha intenções de fazê-lo.
Tomando as considerações de Correia (1993) ao discorrer sobre os agentes que
produzem o espaço, percebe-se que nesta fase do capitalismo, Estado, proprietários dos
meios de produção e setor imobiliário estão extremamente ligados, quase como um
único agente.
Apesar disso, muito embora se possa discutir sobre a eficácia ou não destes
mecanismos, é indubitavelmente um primeiro passo no avanço destas questões.

Recomendações

Recomenda-se para futuros trabalhos que se relacionem este assunto a questões


econômicas é possível analisar o impacto dos custos da urbanização espraiada da cidade
e sua relação com os vazios urbanos de acordo com as metodologias encontradas em
Mascaró (1987).
Devido à falta de dados oficiais relativos a questão do déficit habitacional (a
qual nem mesmo a CEHAP foi capaz de dar um valor aproximado), não foi possível ter
uma análise tão aprofundada sobre tal tema, os portais de mídia por sua vez vinculam
um dado diferente ou dados sem fontes, desta forma não abordamos esse tema com
grande intensidade.
Para trabalhos que procurem entender a dinâmica dos vazios urbanos ou terrenos
em um determinado bairro ou até mesmo ruas pode ser feito um levantamento
comparativo de preços de terreno em diferentes períodos de tempo para entender melhor
a relação do preço do metro quadrado do terreno ao longo do tempo, fazendo assim um
cálculo da valorização do terreno nesse período.
É possível trabalhar à relação entre os terrenos e sua especulação / ocupação a
partir da construção de equipamentos urbanos, baseando-se na Morfologia Urbana,
65

método muito comum entre arquitetos e urbanistas, abordando aqui questões como
renda diferencial.
Pode-se também utilizar da Planta Genérica de Valores, que é uma ferramenta a
qual o município dispõe para a cobrança tributária do IPTU, desta forma seria possível
entender a relação entre a cobrança do IPTU Progressivo destes terrenos que pode
atingir 10% sobre o valor venal, contudo este valor não chega nem a 2% do valor de
mercado de determinadas áreas que é na verdade o valor real do preço do terreno.
Para trabalhos de menor escala recomenda-se elaborar o próprio banco de dados
a partir da utilização de imagens de satélite para delimitar os polígonos, assim, é
possível ter um banco de dados com uma maior acurácia.
É possível associado a este tema realizar discussões de diversos aspectos como a
questão da renda da terra, o papel das áreas de zoneamento urbano, os agentes
produtores do espaço conforme discutido por Corrêa (1993), o capital incorporador
conforme discutido por Smolka (1987), entre outros.
66

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