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RESUMO

A presente tese se insere entre as investigações sobre o trato com o conhecimento da Cultura
Corporal e Matrizes Africanas (CCMA) na formação de professores de Educação Física (EF).
Foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU) da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), no Grupo de Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer, da
Faculdade de Educação (LEPEL). Parte da realidade concreta e delimita três âmbitos das
problematizações do objeto: (A) a negação do conhecimento das matrizes étnicas africanas e
do movimento negro, subsumidos na história brasileira; (B) o marco histórico da Lei
10.639/03 evidenciando que as Instituições de Ensino Superior (IES), Secretarias de Educação
(SEC) e Escola Básica (EB) tem a necessidade de dar conta desta pauta vigente, há 20 anos,
na Educação Brasileira, que diz respeito ao conteúdo da história dos povos africanos e
indígenas na formação de professores e no currículo escolar; (C) os ataques da extrema direita,
ultraneoliberal, no período de 2016-2022, à educação, às universidades públicas e aos
professores(as), através do Projeto Escola sem Partido PL 246/19 que tramita no Parlamento
Brasileiro e que propõe dar preferência no currículo escolar, aos valores de ordem familiar
burguesa nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, desautorizando o
Ministério de Educação (MEC) a distribuir livros às escolas públicas que versem sobre as
questões étnico-raciais, de gênero e de classe. A pergunta cientifica síntese respondida
consiste em entender qual a realidade, as contradições e as possibilidades superadoras, no
trato com o conhecimento da Cultura Corporal e Matrizes Africanas na formação de
professores de Educação Fisica (EF) na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
e na Universidade Estadual da Bahia (UNEB), evidentes nos currículos dos Cursos de
Educação Física. Além disso, interroga sobre quais as possibilidades de tratar o conteúdo
danças a partir da Teoria Pedagógica Histórico-critica, da Abordagem Critica Superadora do
Ensino da Educação Física e do Pan-Africanismo? Objetivamos investigar a realidade, as
contradições e as possibilidades do trato da Cultura Corporal e Matrizes Africanas na
formação de professores dos Cursos de Educação Física, a partir das propostas curriculares da
UFRB e UNEB. Especificamente, apresentamos elementos sócio-histórica do Patrimônio da
Cultura Corporal tendo como referência o continente africano; Levantamos as concepções e
contradições expostas no trato com o conhecimento da Cultura Corporal e Matriz Africana
(CCMA) no currículo dos Cursos de licenciatura em EF; elaboramos uma proposta
teórico-metodológica para o trato com o conhecimento da Dança de Matrizes Africanas na
Educação Física (EF) a partir da Pedagogia Histórico-Critica (PHC), da Abordagem Crítico
Superadora (ACS) do ensino da Educação Física e do PanAfricanismo. Os fundamentos
teórico-metodológicos da tese têm por base a teoria do conhecimento marxista e o movimento
Pan-Africanista. Os dados coletados e analisados nos permitiram reconhecer a contradição
da negação do conhecimento das Matrizes Africanas e a possibilidade de elaboração de uma
proposta teórico-metodológica para o trato com o conhecimento da CCMA na EF a partir da
PHC, da ACS e do Pan-Africanismo, a fim de avançar na teoria pedagógica levando em conta
as questões étnico-raciais, de gênero e de classeno ensino da Educação Física no currículo de
formação de professores, na perspectiva de uma educação antirracista, omnilateral,
emancipatória.

Palavras Chave: Cultura Corporal e Matrizes Africanas; Formação de professores; Educação


Física.
14

1 INTRODUÇÃO
Proletários negros e brancos, uni-vos para forjar a
sua sociedade, não a dos capitalistas.
(FLORESTAN FERNANDES, 2017).

Em uma sociedade estruturada em classes sociais antagônicas, onde prevalecem


relações históricas capitalistas na produção da vida, baseadas na opressão e exploração de
seres humanos e na exploração da natureza, onde existe trabalho análogo ao trabalho escravo,
onde são negados o acesso aos bens culturais produzidos pelos/as trabalhadores/as, onde o
Estado atua através da legislação para retirar direitos e restringir orçamentos públicos para as
políticas sociais, bem como atua para perseguir e calar os/as professores, o questionamento se
faz presente: é possível, na formação de professores/as, um currículo que leve em
consideração, no trato com o conhecimento da Cultura Corporal e Matrizes Africanas e o
Pan-Africanismo, na perspectiva de uma Educação antirracista, como possibilidade
superadora, para a formação humana omnilateral e emancipatória da classe trabalhadora?
Nesse sentido, defendemos na presente tese a ideia de que existem possibilidades
superadoras e para demonstrar isto apresentamos um acervo cultural de Matriz Africana e
uma proposta de trato com o conhecimento da dança a partir deste acervo, com base na teoria
pedagógica histórico-critica (PHC), na Abordagem Crítico Superadora da Educação Física
(ACS) e no Movimento Internacional Pan-Africanismo. Para isto foi necessário, também, uma
investigação sobre a realidade dos cursos de formação de professores de Educação Física, em
especial os existentes nas Instituições Federais de Ensino Superior, Universidade Federal do
Recôncavo Baiano (UFRB) e Universidade do Estado da Bahia (UNEB), sobre o trato com o
conhecimento da Cultura Corporal de Matriz Africana e os fundamentos da PHC, da ACS e
do Movimento Pan-Africanista.
O que estamos expondo como resultado da pesquisa1 está inserido no debate travado
sobre o trato com o conhecimento da Cultura Corporal, a formação de professores de
Educação Física e a referência do continente Africano, considerando o movimento mundial do
Pan-Africanismo.

1
Este estudo compõe um conjunto de pesquisas desenvolvidas sob a base da pesquisa matricial do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer (LEPEL/FACED/UFBA), se enquadrando no eixo
Trabalho Pedagógico. Essa pesquisa matricial do Grupo LEPEL compreende a pesquisa científica na educação
física sob a base do materialismo histórico-dialético a partir dos seguintes eixos de trabalho: Formação de
professores, produção do conhecimento, Políticas públicas de esporte e lazer e Trabalho pedagógico. Para saber
mais sobre o Grupo de pesquisa, acessar o sítio do Diretório de Grupos de pesquisa do CNPq através do link
http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2484039016815522.
15

O objeto de estudo consiste no trato com o conhecimento da Cultura Corporal de


Matriz Africana na formação de professores de Educação Física na Bahia. Especificamente,
estudamos o currículo de formação de professores de Educação Física da UFRB e UNEB,
apresentamos uma exemplificação do trato com o conhecimento da dança de Matriz Africana.
O Trato com o conhecimento significa materializar a transmiss-assimilação, o ensino e
a aprendizagem do conhecimento escolar em sua forma cientifica, objetivando a elevação do
pensamento teórico dos estudantes (MARTINS, 2013). Para tal, segundo o Coletivo de
Autores (2012), o trato com o conhecimento no campo da Educação Física é norteado por
princípios comoseleção, organização e sistematização dos conhecimentos, fundamentados
pela teoria pedagógica de nome “Pedagogia Histórico Crítica” (SAVIANI, 2008).
A investigação ocorreu no período do Governo de Jair Messias Bolsonaro e durante o
período da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, o vírus causador da COVID-19.
Provavelmente, um dos períodos mais dramáticos da história do Brasil, visto o genocídio
ocasionadopela necropolitica (MBEMBE, 2018), que foi implementanda conforme consta no
Relatório da CPI do Senado Brasileiro2. O Professor Pedro Hallal da Universidade Federal de
Pelotas, epidemiologista, em depoimento à CPI da Covid, demonstrou que ¾ da população
não morreria se as medidas cabiveis tivessem sido adotadas conforme recomendação da
Organizção Mundial da Saúde, como a vacinação e outras medidas (CALCAGNO; CARDIM,
2021). Uma parte da apresentação de dados da pesquisa contratada pelo Ministério da Saúde,
EpiCovid, na CPI do Senado, foi censurada pelo Palácio do Planalto. O levantamento de
Hallal indicou que, entre maio e junho de 2020, a infecção por covid-19 atingiu em média
cinco vezes mais indígenas do que brancos e duas vezes mais os negros do que a população
branca.
Abdias do Nascimento (2016), em sua obra “O Genocídio do negro Brasileiro:
Processo de um racismo mascarado”, inicia explicitando o conceito de genocídio, a partir de
um dicionário inglês e o dicionário Escolar do Professor, organizado por Francisco da Silveira
Bueno e publicado pelo Ministério da Educação e Cultura, Brasilia, 1963, p. 580:

.2
Comissão Parlamentar de Inquerito (CPI) da Covid-19 foi criada no Senado após determinação do Supremo. A
comissão, formada por 11 senadores investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do
coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi
enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações. Mais informações disponíveis em:
https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2441;
https://static.poder360.com.br/2021/10/relatorio-final-renan-calheiros-cpi.pdf;
https://www.brasildefato.com.br/2021/10/20/leia-a-integra-do-relatorio-final-da-
cpi-da-pandemia-apresentado-por-renan-calheiros-no-senado.
16

GENOCIDIO – geno-cidio.
O uso de medidas frlibradas r sistematicas) (como morte, injuria corporal e
mental, impossiveis condições de vida, prevenção de nacimento, calculadas
para a exterminação de um grupo nraciial, politico ou cultural, ou para
destruir a lingua, a religião ou a cultura de um grupo (NASCIMENTO, 2016,
p. 15)

GENOCÍDIO – geno-cidio
Genocidio s.m. (neol.) Recusa do direito de existencia a grupos humanos
inteiros, pela extreminação de seus mindividuos, disintegração de suas
instituições politicas, sociais, culturais, linguisticas e de seus sentimentos
nacionais e regigiosos. Ex: perseguição hitlerista aos judeus, segregação
racial, etc. (NASCIMENTO, 2016, p. 16)

Neste trágico tempo histórico de genocídio, principalmente do povo indígena e negro,


trabalhamos no Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA), na Linha de Pesquisa em Educação, Cultura
Corporal e Lazer, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação,
no Grupo Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer (LEPEL). O
trabalho de investigação contou com o acúmulo de conhecimentos gerados anteriormente
eapresentados em nossa dissertação de mestrado, versando sobre a aplicação da Lei n. 10.639
de 09 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003; CLIMACO, 2018). A Lei 11.645 de 10 de março
de 2008 alterou a Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996 e modificou a lei 10.639 de 09 de
janeiro de 2003, estabelecendo diretrizes e bases da Educação Nacional para incluir no
currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
afro-brasileira e indígena” (BRASIL, 2008).
Apesar da Lei 10.639 completar 20 anos em 2023 e da modificação ocorrida em 2008,
com a Lei 11.645 (BRASIL, 2003, 2008), constatamos que não existe acompanhamento,
monitoramento e avaliação da aplicação da Lei que trata do Ensino da História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena nos currículos escolares e nos Cursos de Formação de Professores.
Para constatar isto averiguamos como este conteúdo entra nos currículos de formação de
professores de Educação Física, onde fica evidenciado a necessidade do trato com o
conhecimento da Cultura Corporal e Matriz Africana, não somente como um conteúdo de
alguma disciplina, mas sim como fundamento e base da formação de professores. Estas
constatações, ampliadas com a revisão de dissertações e teses, justificam
epistemologicamente, socialmente e politicamente a presente tese de doutorado. Isto porque
existem limites na produção do conhecimento, nas práticas sociais, nos currículos e no próprio
monitoramento e avaliação da legislação vigente.
17

Apresentamos na presente tese elementos do acervo das práticas corporais e


manifestações culturais de Matrizes Africanas, a serem tratadas no currículo de formação de
professores e no currículo escolar considerando a Teoria Pedagógica Histórico-Critica (PHC)
(SAVIANI, 2013), a Abordagem Crítico Superadora do ensino da Educação Física (ACS)
(COLETIVO DE AUTORES, 2012), e o PAN-AFRICANISMO (ADI, 2022) na perspectiva
de uma educação antirracista, omnilateral, emancipatória.
A defesa da educação antirracista está ancorada em contribuições relevantes entre as
quais destacamos o trabalho de Neli Edite dos Santos (2022) que organizou, com a
colaboração de Fernanda Cassia dos Santos, Gabriela Martins Silva e Léa Aureliano de Sousa,
a obra intitulada “Construindo uma Educação Antirracista: reflexões, afetos e experiencia”,
publicada pela Editora CRV, em 2022, e que apresenta a culminância de um projeto
desenvolvido em um Colégio de Aplicação Federal (CAP), com o objetivo de construir uma
educação antirracista. O livro ressalta a necessidade urgente de superar o racismo que também
estrutura as instituições escolares e seus currículos. Segundo as autoras Gabriela Martins Silva
e Neli Edite dos Santos:

A educação antirracista é revolucionária, pois desloca e convoca ao


rompimento de relações étnico-raciais hierarquizadas. Assim, pensar em
educação antirracista é assumir a contramão dos movimentos de exclusão e
violência, compreender as marcas coloniais que persistem, com força, no
cotidiano contemporâneo e atuar por sua superação. (…). Finalizado o
projeto, a conquista da equidade étnico-racial e a implementação de práticas
educacionais antirracistas seguem como desafios e sonhos compartilhados.
(…) A publicação deste livro comprova que a Lei 10.639/2003, a Lei
11.645/2008 e o reordenamento que elas provocam nos currículos brasileiros
continuam convocando e demandando suleamento de nossas ações e
reflexões (SANTOS et al., 2022, p. 5).

Consideramos também as investigações de Ana Celia da Silva que estudou a


discriminação do negro no livro didático (SILVA, 2019), realizou uma retrospectiva da
trajetória de ações afirmativas precursoras à Lei nº 10.639/03 (SILVA, 2020) e apresentou
proposição para a desconstrução da discriminação do negro no livro didático (SILVA, 2021).
Juntamo-nos, portanto, com os que defendem uma educação antirracista e o fazemos
nos valendo das contribuições da Pedagogia Histórico-Critica, da Abordagem Crítico
Superadora (ACS) do ensino da Educação Física e do Movimento Internacional
Pan-Africanista.
Juntamo-nos também com os que desenvolvem trabalho pedagógico nas disciplinas
escolares buscando contribuir a partir dos fundamentos da pedagogia histórico-critica
(PAGNONCELLI; MALANCHEN; MATOS, 2016).
18

Segundo Saviani (2013), o precursor da PHC, o homem não nasce homem. Ele se
forma homem. Ele não nasce sabendo produzir-se como homem, ele necessita aprender a ser
homem, precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do homem é,
ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo. A origem da
educação coincide, então, com a origem do homem. O ato de produzir a própria existência,
transformando a natureza em função de suas necessidades e criando o mundo humano (o
mundo da cultura), se dá pela particularidade humana de antecipar mentalmente a finalidade
da ação (orientação teleológica). Nesta perspectiva, “dizer, pois, que a educação é um
fenômeno próprio dos seres humanos significa afirmar que ela é, ao mesmo tempo, uma
exigência do e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria, um processo de
trabalho” (SAVIANI, 2008, p. 12).
Nas obras de Saviani e Duarte, sobre “Pedagogia histórico-critica e luta de classes na
Educação Escolar” (2012) ena obra “Conhecimento escolar e luta de classes: A Pedagogia
Historico-critica contra a barbáries” (2021) os autores destacam a problemática da formação
humana, do projeto histórico e da luta de classes na defesa da educação pública. É nesta
perspectiva que nos colocamos na presente tese, pelaluta em defesa da educação pública
contra a barbárie.
A Abordagem Crítico-Superadora (ACS) (COLETIVO DE AUTORES, 1992; 2009),
em linhas gerais, trata a cultura corporal do ponto de vista ontológico e histórico e delimita,
como objeto de estudo da Educação Física, a Cultura Corporal. Com isso, o estuda desde sua
gênese, debruçando-se sobre seu desenvolvimento e grau atual, em sua aparência fenomênica,
na sua essência estrutural e no seu movimento histórico, em suas determinações ocorridas em
dados modos de produção da vida. A ACS vincula a produção das práticas corporais, sua
seleção, sistematização e trato no currículo escolar considerando os interesses de emancipação
humana da classe trabalhadora e, ainda, os destinatários do ensino, o conteúdo a ser tratado e
o método. Essa metodologia fundamenta a organização do trabalho pedagógico considerando
a necessidade de que a escola trate do conhecimento historicamente produzido e acumulado
pela humanidade, visando à elevação do pensamento teórico dos trabalhadores, fato esse que
se conecta também com os anseios da teoria pedagógica histórico-crítica e com o Movimento
Pan-Africanista.
Segundo Adi (2022), o Pan-Africanismo é um movimento entre teoria e prática,
consiste emagir no mundo visando a sua transformação, tendo como referências históricas as
Matrizes Africanas, em especial as lutas contra imperialistas, colonizadores, exploradores e
devastadores do continente Africano.
19

O Pan-Africanismo, segundo Mario Soares e Graciano Soares, tradutores da obra de


Hakim Adi, intitulada “PAN-AFRICANISMO: Uma história”, emerge como mediação
teórico-metodológica especificas, com vistas à investigação da história das lutas
emancipatórias na África e na diáspora Africana” (ADI, 2022, p. 19).
O Pan-Africanismo é um movimento internacionalista de enfrentamento concreto ao
imperialismo econômico-político-cultural e ao genocídio do povo negro na África e na
diáspora Africana (ADI, 2022, p.21). A opção em fundamentar o estudo no movimento
internacionalista Pan-Africanista. Com isso, fica evidenciado que é impossível separar
premissas teóricas de premissas programáticas de acordo com a Tese de doutoramento de
Ivson Conceição Silva (2020), quando se trata de não mais somente pensar o mundo, mas sim
de transformá-lo. Decorre, também, da contribuição de Mário Soares Neto, doutorando em
direito da USP, tradutor para a língua portuguesa, da obra de Hakim Adi, primeira pessoa de
origem Africana a se tornar professor de história na Grã-Bretanha, Coordenador do primeiro
programa internacional de mestrado em Pesquisa sobre a História da África e da Diáspora
Africana.
Mario Soares colaborou com textos publicados no Jornal a Tarde sobre o
Pan-Africanismo com a manchete: (a) A luta é internacional: contra o racismo estrutural
(SOARES, 2020a); e (b) Racismo & Fascismo: dimensões da acumulação capitalista
(SOARES, 2020b).
O Pan-Africanismo foi construído pelas contribuições concretas nas lutas
revolucionárias na África, por militantes culturais e antirracistas que combateram o
colonialismo e suas heranças até o enfrentamento do mito da democracia racial no Brasil.
Manoel e Landi (2019) apresentam, como contribuidores nestas lutas, Franz Fanon, Kwame
Nkrumah, Amílcar Cabral, Eduardo Mondame, Samora Machel, Agostinho Neto, Thomas
Sankara, Sair Amim, entre outros (MANOEL; LANDI, 2019). Pablito, Afonso e Parks (2019)
também nos apresentam intelectuais orgânicos da luta de classes na revolução Áfricana
mencionado C.L.R James e as mulheres africanas na linha de frente da luta anti-apartheid. A
tratar da questão negra, a luta pela consciência negra e o combate pela revolução (SOUSA,
2019) destaca que “(...) Conhecer a nossa história enquanto população negra brasileira, para
intervir no nosso presente, perpassa por conhecer os pontos avançados de resistência do povo
negro (...) (SOUSA, 2019, p. 7).
A presente tese, portanto, alinha-se com estas formulações reconhecendo que é
possível, nas aulas de Educação Física, ao transmitir o conteúdo da cultura corporal, fazê-lo
levando em consideração os fundamentos que nos advém da história da África.
20

O Pan-Africanismo consiste, também, no enfrentamento concreto do racismo


científico. Racismo cientifico é aquele que esconde, oculta e nega um conhecimento científico
de Matriz Africana, para com isto alienar uma população e não permitir que se rebele contra a
barbárie do escravismo.
A abordagem da Cultura Corporal e Matriz Africana aqui tratada, é defendida como
objeto de estudo da Educação Física nos currículos de formação de professores, para que
assim, pelo domínio do conhecimento, por parte de professores/as, possamos constituir o
currículo escolar, não somente em datas comemorativas como o dia da “Absolvição da
Escravatura” e o dia da “Consciência Negra”, mas, sim, como bases e fundamentos no
currículo escolar, na perspectiva antirracista, omnilateral da formação da classe trabalhadora
para a emancipação humana. Superação do jugo capitalista que está destruindo forças
produtivas. Destruindo os trabalhadores, a natureza e as condições de vida dignas para a
maior parte da humanidade.
Tratamos da reflexão teórica sobre o acervo da cultura corporal, produzido por homens
e mulheres em relações sócio-históricas nos diversos modos de produção da humanidade –
modo primitivo, comunal, asiático, escravista, feudal, capitalista (MARX, 1986) – não só no
continente europeu, mas no continente asiático e, especialmente, no continente africano, com
destaque ao período de desenvolvimento do modo capitalista baseado no colonialismo, no
escravismo,ou seja, trata-se de considerar os conteúdos da cultura corporal como os jogos,
as brincadeiras, as danças, as lutas, as ginásticas, os esportes, as atividades atléticas em geral,
ou seja, as manifestações da cultura corporal que devem ser tratadas pedagogicamente,
principalmenteno ensino, através do componente curricular Educação Física, considerando a
Matriz Africana de conhecimentos e valores.
A ACS do ensino da Educação Física sinaliza que:

(...) o objeto de estudo da Educação Física que tem como conteúdo


específicos: os jogos, os esportes, as ginásticas, as danças, as lutas, a
capoeira como luta e marco de resistência do povo negro na história
brasileira, os jogos, as brincadeiras e manifestações culturais produzidas
culturalmente pela humanidade desde a Pré-história até a contemporaneidade
[...] (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 25-44)

Esta formulação inicial é aprofundada na presente tese de doutorado quando considera


e exemplifica como a reflexão pedagógica se traduz na pratica do currículo escolar, no ensino
do conteúdo dança de matriz africana.
A ACS defende a concepção de reflexão pedagógica constituída por três características
específicas (COLETIVO DE AUTORES, 2012):
21

a) diagnóstica: porque realiza uma leitura dos dados da realidade, assim partimos do
pressuposto, que a educação brasileira tem a necessidade de transmitir o conhecimento sócio
histórico das matrizes que a compõe de forma igualitária e não subsuma os fatos em
detrimento da hegemonia do capital;
b) judicativa: porque julga através dos valores e interesses de uma classe social, neste
caso a abordagem crítico superadora defende um projeto de sociedade socialista em prol da
classe trabalhadora, classe esta que nos séculos XX e XXI estão a maioria do povo brasileiro,
onde negras e negros (pretos/as e pardos/as) são 54% da população, segundo IBGE (2018);
c) teleológica: porque tem um a direção a seguir e através do diagnóstico e julgamento,
propõe onde quer chegar, em nosso caso à apropriação do conhecimento negado aos
brasileiros e brasileiras durante séculos na educação brasileira.
Neste sentido, vamos considerar o ensino da Cultura Corporal e Matriz Africana nas
aulas de EF, partindo da realidade concreta, tendo uma posição de classe e um projeto
histórico para além do capital (MESZÀROS, 2000) para superar a barbárie rumo ao
socialismo cientifico (ENGELS, s/d).
De acordo com o pensamento de Sabino e Lody (2011) a “cultura de matriz africana”
é todo acervo de práticas corporais ressignificadas dos negros africanos pelos negros da
diáspora, resultante do tráfico de africanos escravizados submetidos à travessia transatlântica
que se deu entre os séculos XV e XIX (ADI, 2022), ou seja, pelos negros dispersos para além
do continente Africano por motivos da economia-política entre os séculos XV E XIX
(SCHWARCZ; GOMES, 2018). Assim, a compreensão do diálogo entre as referências,
“Cultura Corporal e Matrizes Africanas” é todo acervo de práticas corporais desenvolvidas
por estes em África e sua diáspora principalmente entre os séculos XV ao XIX, quando se
desenvolve o modo de produção capitalista monopolista, colonizador e escravista.
Engels em sua obra “A origem da Família da Propriedade Privada e do Estado”
(ENGELS, s/d, pp. 07/143), menciona o período pré-histórico da cultura e seu
desenvolvimento, e sinaliza que isto se dá pelo trabalho e pela linguagem de acordo com o
progresso dos meios de subsistência. Da produção dos meios de existência, ampliam-se as
fontes do gênero humano e isto decorre da relação com a natureza e seus domínios para
satisfazer necessidades da existência. A produção da cultura é, portanto, milenar, e se dá
pelo trabalho de modo a indicar o desenvolvimento filogenético e ontogenético, da
hominização e da humanização. Decorre, assim, da relação dos seres humanos com a natureza
para garantir as condições de sua existência (ENGELS, s/d, pp. 267/280). É dentro deste
longo percurso da humanidade que vamos apreender os mais ricos elementos para demonstrar
22

que da África nos vem uma matriz de conhecimentos que não podem ser negligenciados,
ocultados, silenciados, negados na formação de professores e no currículo escolar, sob pena
de estarmos nos desumanizando.
Esta produção de bens culturais ocorre em situações concretas que configuram uma
problematização mais geral, própria do modo de vida capitalista. Delimitamos, neste sentido,
para problematizar e, com isto, identificar a necessidade vital do presente problema de
investigação cuja resposta resulta nesta tese, assim conduzimos a pontos referentes a negação
do conhecimento, a luta antirracista, a legislação, aos ataques ao trabalho docente, a
desvalorização da formação inicial e continuada, e a desvalorização do magistério:
(A) A negação do conhecimento das matrizes étnicas raciais, em especial as de
matrizes africanas são subsumidas na história brasileira
Segundo Fernandes (2008), a sociedade brasileira é formada por população Indígena,
“os donos da terra”, brancos, “colonizadores”, e Negros, “que foram escravizados como mão
de obra para construção do Brasil”, fatos estes que os historiadores invisibilizam, negam,
ocultam e distorcem em vários campos científicos, desconsiderando a contribuição histórica,
política, social, tecnologia e cultural de Negros (as) e Indígenas em todas as áreas de
conhecimentos e, também, no campo da Educação.
Ainda segundo Fernandes (2008), a história do Brasil, a partir de uma análise
histórico-sociológica, traz uma compilação de estudos e fatos eurocentrados que negam à
população brasileira o acesso sistematizado da história e cultura destes povos, validados
através do “Mito da democracia racial”:

Os mitos existem para esconder a realidade. Por isso mesmo, eles revelam a
realidade íntima de uma sociedade ou de uma civilização. Como se poderia,
no Brasil colonial ou imperial, acreditar que a escravidão seria, aqui, por
causa de nossa “índole cristã”, mais humana, suave e doce que em outros
lugares? Ou, então, propagar-se, no ocaso do século XIX, no próprio país no
qual o partido republicano preparava-se para trair simultaneamente à
ideologia e à utopia republicanas, optando pelos interesses dos fazendeiros
contra os escravos, que a ordem social nascente seria democrática'! Por fim,
como ficar indiferente ao drama humano intrínseco à Abolição, que largou a
massa dos ex-escravos, dos libertos e dos ingênuos à própria sorte, como se
eles fossem um simples bagaço do antigo sistema de produção?. Entretanto,
a idéia da democracia só se arraigou. Ela se tornou um mores, como dizem
alguns sociólogos, algo intocável, a pedra de toque da “contribuição
brasileira” ao processo civilizatório da Humanidade (FERNANDES, 1989, p.
13).

Não podemos negar, diante de tais afirmações, o quão é perverso este processo de
forma estrutural e institucional que nos condicionou à uma sociedade de racismo velado, em
23

parte, mas, escancarado e não admitido, ou invertido, pela ideologia política dos que mantem
meios de produção e riquezas acumuladas nas mãos de poucos exploradores e opressores,
verdadeiros “assassinos sociais” (ENGELS, 2008). Sendo assim, em uma sociedade
estruturada em classes sociais (MARX, 2017, pp. 947/948), onde a classe trabalhadora,
constituída predominantemente pela população de negros e negras, maioria que movimenta a
base econômica da pirâmide social, existe concretamente o controle ideológico das classes
dominantes, proprietárias dos meios de produção, que negam o acesso ao patrimônio cultural
e aos bens materiais produzidos pela classe trabalhadora. Negam-se políticas públicas e com
ela, nega-se a educação pública socialmente referenciada em matrizes culturais africanas.
Forjam-se, assim, os preconceitos, o racismo e a discriminação. Formam-se, deste
modo, as novas construções de racismo, dentro da qual está o trabalho análogo ao trabalho
escravo que vem sendo sistematicamente denunciado no Brasil.
Silvio Almeida (2018), em seu livro “Racismo Estrutural”, demonstra como através da
história se gerou o racismo individual, institucional e estrutural. Demonstra, ainda, como o
racismo, decorrente do escravismo, foi naturalizado e serviu ao Estado, onde está alojada a
burguesia (GORENDER, 2004) escravocrata, liberais, neoliberais e ultra neoliberais. Além
disso, o autor demonstra como a luta por direitos forja-se a luta antirracista, evidenciando os
nexos e as relações entre racismo, economia e desigualdades.
Mario Soares Neto (2020a; 2020b), baseado em Abdias do Nascimento, que denunciou
o mito da democracia racial, explicando as contradições raciais na formação econômica e
social, propõe a emergência de uma “práxis Pan-Africanista”, o Quilombolismo, como
estratégia internacional de luta. Sustenta, assim, a tese de que a luta contra o racismo
estrutural, institucional e individual é internacional.
Clóvis Moura (2020) em sua obra “Quilombos: Resistencia ao Escravismo”, destaca a
contradição entre a presença negra explorada em todo o território Brasileiro, sustentando uma
economia escravista e a classe opressora. Desta contradição, vem as formas de luta e de
resistência por parte dos negros, como as guerrilhas, as insurreições e os quilombos. Portanto,
apagar os feitos do povo negro em sua resistência é contribuir com o genocídio.
Nesta luta contra o escravismo, contra o racismo individual, institucional e estrutural,
cabe uma função social: a Educação em geral e, em especial, a formação dosprofessores/as
que tratam da cultura corporal. Com isso, considerar o seu ensino na escola a partir de
matrizes referenciais africanas é indispensável.
Quando nos referimos a “matrizes africanas”, nos referimos a conceitos, categorias e
leis do pensamento dialético, que levam em consideração a realidade, as contingências, as
24

mediações, as possibilidades superadoras de toda uma lógica de construção das condições da


existência e de construção do conhecimento cientifico para superar a lógica necessária para
manutenção do modo de produção capitalista. Nos referimos à história da rebeldia dos negros
que, segundo conta C.L.R. James (2019, p. 23) “o único lugar onde os negros não se
rebelaram é nos livros dos historiadores capitalistas”. Referimo-nos a paradigmas científicos
desenvolvidos pelos povos africanos que chegaram ao Brasil pelo processo econômico
político do escravismo. Nos referimos ao sistema filosófico, de conhecimentos científicos em
várias áreas, como saúde, agricultura, engenharias, ciências sociais, educação e em especial a
área da cultura corporal. Trata-se, portanto, da apropriação de um patrimônio cultural da
humanidade.
No modo de produção capitalista, baseado em matrizes científicas, lógico-históricas
capitalistas, de procedência europeias e norte-americanas, os bens imateriais como a cultura, a
educação, a saúde e o lazer não se tornam estruturalmente acessíveis e são totalmente
inacessíveis à maioria da população negra que constituem a classe trabalhadora. O que
reverbera institucionalmente uma normalidade que estes bens devem ser apropriados por uma
pequena parcela da sociedade: a classe dominante branca.

O racismo é uma imoralidade e também um crime, que exige que aqueles


que o praticam sejam devidamente responsabilizados, disso estamos
convictos. Porém, não podemos deixar de apontar o fato de que a concepção
individualista, por ser frágil e limitada, tem sido a base de análises sobre o
racismo absolutamente carentes de história e de reflexão sobre seus efeitos
concretos. É uma concepção que insiste em flutuar sobre uma fraseologia
moralista inconsequente – “racismo é errado”, “somos todos humanos”,
“como se pode ser racista em pleno século XXI?”, “tenho amigos negros”
etc. – e uma obsessão pela legalidade. No fim das contas, quando se limita o
olhar sobre o racismo a aspectos comportamentais, deixa-se de considerar o
fato de que as maiores desgraças produzidas pelo racismo foram feitas sob o
abrigo da legalidade e com o apoio moral de líderes políticos, líderes
religiosos e dos considerados “homens de bem” (ALMEIDA, 2018, p. 25).

Nossa Constituição (BRASIL, 1988) afirma que todos os brasileiros são iguais perante
a lei, independente de religião, raça/cor, gênero e todos têm direito assegurado à educação,
moradia, trabalho e saúde, no entanto, segundo Soares (2007):

[...] os cinco séculos de presença negra no Brasil foram marcados por


grandes batalhas pela liberdade e pela preservação da cultura de matriz
africana, pela igualdade de direitos, por direitos humanos, pois quanto mais
aumenta a consciência da população pelo seus direitos, aumenta também a
busca por educação como um direito social (SILVA, 2007, p.239).
25

A luta travada pelos movimentos Negros e Indígenas no século XX no Brasil revela


uma parcela da sociedade que pauta ações para equidade de condições digna de vida e direitos
na nação. Este contexto gerou o debate sobre as ações afirmativas, especificamente em
educação, que resultou na implantação no sistema de Cotas raciais, Lei n. 12.711/12 (BRASIL,
2012), e como marco histórico, que também pauta este estudo, evidenciamos as Leis
10.639/03 e 11.645/08 (BRASIL, 2003; 2008), sancionadas respectivamente no Governo de
Luiz Inácio Lua da Silva (leis de ensino que alteram a Lei de diretrizes e bases da educação
brasileira (BRASIL, 1996), em seu artigo 26A, que tornavam obrigatório o ensino da historia
e cultura Africana, Afro Brasileira e indígena na educação básica) que possuem como
objetivo possibilitar a reparação histórica sobre o legado cultural do povo africano e afro
brasileiro negado nas escolas, diante de um país formado por vários povos, entre relações de
divisão de classes, de raça e de gênero.
A fim de sistematizar e envidenciar a importância dessas leis, organizamos
informações sobre os decretos sancionados: a) a sanção da Lei n. 10.639/2003 e da Resolução
CNE/CP 1/2004 (BRASIL, 2003; 2004) consiste em um passo inicial rumo à reparação
humanitária do povo negro brasileiro, pois abre caminho para a nação brasileira adotar
medidas para corrigir os danos materiais, físicos e psicológicos resultantes do racismo e de
formas conexas de discriminação, que altera a Lei de diretrizes e bases da educação brasileira,
Lei n. 9.394 (BRASIL, 1996); b) a Lei n. 12.711 (BRASIL, 2012), sancionada em agosto
deste ano, garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades
federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos
integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e
adultos. Os demais 50% das vagas permanecem para ampla concorrência. c) por fim, a Lei n.
12.990 (BRASIL, 2014) que reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas
nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da
administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas
e das sociedades de economia mista controladas pela União.
Essas leis possibilitam o acesso e transformação social de muitas famílias negras.
Ressaltando que a maioria delas no Brasil são asseguradas financeiramente por mulheres e,
especificamente, mulheres negras.
Diante deste contexto, o movimento negro é educador, tal qual como aponta Gomes
(2017), que afirma ser sistematizador e articulador de saberes este ponto de vista, que nos
coloca em contato com o pensamento pós abissal, este, por sua vez, rompe os muros entre o
conhecimento e as experiências sociais.
26

(B) A segunda problematização dialoga com o marco histórico da Lei 10.639/03


evidenciando que as instituições de ensino superior, secretarias de educação e escola básica
tem a necessidade de dar conta desta pauta vigente na Educação Brasileira.
Porém, vinte anos se passaram da promulgação da Lei 10.639 (BRASIL, 2003) e com
isso, pode-se afirmar, através dos estudos de Munanga (2005) e Silva (2011), que se
encontram lacunas na seleção, organização e sistematização deste conteúdo tanto na formação
de professores em geral como na organização pedagógica das escolas. Podemos ir mais além,
institucionalmente, ao entender que somos um Estado laico, mas as pessoas condicionam o
racismo, a intolerância religiosa e dogmas que invibializam a condução deste conhecimento
nas instituições de ensino:

Entre as nações modernas, onde a escrita tem precedência sobre a oralidade,


onde o livro constitui o principal veículo da herança cultural, durante muito
tempo julgou -se que povos sem escrita eram povos sem cultura. Felizmente,
esse conceito infundado começou a desmoronar após as duas últimas
guerras[...] (HAMPATÉ BÂ, 2010, p. 167).

Este pensamento Ocidental permanece nas estruturas de nossas instituições, o ensino


no Brasil inicialmente foi marcado pela organização e consolidação da educação jesuítica
(SAVIANI, 2010), esteprocesso excomungava tudo que se referia à cultura africana e
indígena.
O Brasil, de acordo com SAVIANI (2010), desde o período colonial até a
contemporaneidade tem um ensino que se manifesta em várias correntes e tendências
pedagógicas como é possível observar no Quadro 1:

Quadro 1 – Periodização das ideias pedagógicas no Brasil


Período Intervalo de tempo Ideias
1 1549-1759 Monopólio da vertente religiosa da pedagogia tradicional.
Coexistência entre as vertentes religiosas e leiga da pedagogia
2 1759-1932
tradicional.
3 1932-1947 Equilíbrio entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova.
4 1947-1961 Predomínio da influência da pedagogia nova.
5 1961-1969 Crise da pedagogia nova e articulação da pedagogia tecnicista.
Predomínio da pedagogia tecnicista e configuração da concepção
6 1969-1980
pedagógica produtivista.
7 1980-1991 Emergência da pedagogia histórico-crítica e propostas alternativas.
8 1991-2001 O neoprodutivismo e suas variantes: neoescolanovismo,
27

neoconstrutivismo e neotecnicismo.
Fonte: Dados obtidos de Saviani (2010, p. 14, 19-20).

O quadro expressa uma educação pautada em teóricos e culturas altamente


relacionadas ao colonizador. Diante disso, como um país tão diverso etnicamente pode pautar
a hegemonia de apenas um grupo étnico? Podemos afirmar que este quadro reflete o
alinhamento de projeto histórico de educação que atende aos interesses da burguesia para
manutenção do modo de vida capitalista.
Quando nos referimos a burguesia brasileira estamos levando em conta o seu
surgimento na gênese do capitalismo que se assenta no monopólio escravista colonial.
Decorre daí a burguesia industrial, a burguesia agrária e os latifundiários que hoje são as
principais classes dominantes no Brasil. Marx, no Livro III, da obra “O Capital”, ao tratar das
classes sociais destaca que:

Os proprietários da mera força de trabalho, os proprietários de capital e os


proprietários fundiários, que têm no salário, no lucro e na renda da terra suas
respectivas fontes de rendimento, isto é, os assalariados, os capitalistas, os
proprietários fundiários, formam as três grandes classes sociais da sociedade
moderna, fundada no modo de produção capitalista. (MARX, 2017, p. 947.)

Sendo assim, constatamos que esta conclusão de Marx continua atual e temos no nosso
país a burguesia dona do capital e das terras, as duas classes que impõe sua hegemonia
dominando a classe trabalhadora e impondo o racismo estrutural, o trabalho análogo ao
trabalho escravo. A luta antirracista, antiescravista, anti-imperialista é permanente, vital e
necessária para a emancipação da humanidade.
Desde 2003 as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História, Cultura Africana e Afro Brasileira legitimam a
pauta antirracista nos currículos de formação de professores e nas escolas em todo país.
Com isso, possibilita a incorporação de novos conteúdos e provoca deslocamentos
epistêmicos nas universidades. A intencionalidade é alterar o projeto de educação pautada no
projeto neoliberal e eurocentrado de sociedade:

Art. 26. A acrescido à Lei 9.394/1996 provoca bem mais do que inclusão de
novos conteúdos, exige que se repensem relações étnico-raciais, sociais,
pedagógicas, procedimentos de ensino, condições oferecidas para
aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas
escolas (BRASIL, 2004, p. 17).
28

Assim, podemos questionar como os cursos de licenciatura em Educação Física


contribuem, através de seus componentes curriculares, com a seleção, à organização e a
sistematização dos conteúdos relacionados a cultura de matrizes africanas. Levando a
interrogação sobre como os professores de Educação Física na escola materializam estes
conteúdos no currículo escolar? Para tal, defendemos que estes profissionais devam ter acesso
a este conhecimento em sua formação inicial e continuada para organizá-los e sistematizá-los.
(C) A problematização de destruição da educação publica pela via dos ataques
governamentais à educação, as universidades públicas e aos professores(as), a
desvalorização da formação inicial e continuada e desvalorização do exercício da docência.
O fato concreto é que continuam ocorrendo práticas de cerceamento do direito de
cátedra e de silenciamento pela opressão e censura ao trabalho docente, principalmente
quando tratamos de conhecimentos referentes as artes, a filosofia, a ciência de matrizes
africanas. Atualmente, damos enfrentamentos ao Projeto Escola sem Partido PL 246/19 que
tramita na Assembleia legislativa do Brasil, que propõe dar preferência ao currículo os valores
de ordem familiar sobre a Educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral,
sexual e religiosa, desautoriza o Ministério de Educação (MEC) a distribuir livros às escolas
públicas que versem sobre orientação à diversidade sexual de crianças e adolescentes e
segundo autores, proibir a doutrinação política, moral, religiosa ou ideologia de gênero nas
escolas. Abranger a diversidade religiosa de gênero e étnica da sociedade também papel
primordial nas escolas, galgando o ensino do respeito às diferenças.
A humanidade não é única tem suas singularidades e interseccionalmente deve ser
estudada para avançar nas políticas públicas de equidade para o desenvolvimento da
sociedade. Para tratar deste conhecimento, é necessário que a formação de professores vise
uma consistente base teórica, bem como a consciência de classe, a formação política e a
inserção dos professores/as em formação em movimentos de luta de classes sociais
(TAFFAREL, 2016) em defesa das reivindicações da classe trabalhadora, dentro do que se
situa a luta pela escola pública e pela formação dos profissionais de Educação.
A entidade que vem se destacando neste momento histórico é a Associação Nacional
pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), que luta pela revogação do marco
regulatório autoritário imposto a partir do Golpe de 2016, contra a presidenta Dilma Rousseff,
dentro do que consta a revogação das Diretrizes 06/2018, que trata da formação dos
professores da Educação Física e as Diretrizes 02/2019, 02/2022 que tratam da formação
inicial e continuada de professores para a Educação Básica.
29

Desta forma, esta problematização contextualiza a condição de investigação sobre


quais pressupostos teóricos e metodológicos se dá à materialização do ensino da Cultura
Corporal3 em relação ao ensino do legado de matriz africana a partir da formação de futuros
professores de Educação Física, área do conhecimento que contribui para uma formação
humana integral na escola, mesmo diante das contradições da atual conjuntura brasileira.
Frente a esta delimitação da problemática nestes três pontos temos: (a) a negação do
conhecimento, (b) o marco regulatório (c) os ataques aos/as professores/as, que nos foi
possível levantar a hipótese de que a filosofia e o conhecimento cientifico no âmbito da
cultura corporal de matriz africana vem sendo sistematicamente negado na formação de
professores e nos currículos escolares; que os professores/as vem sendo atacados pelas
políticas da extrema direita, que visam uma educação para a manutenção do modo de
produção da vida capitalista, mantendo-se rebaixado o padrão cultural da população, em
especial, a população negra da classe trabalhadora; que as matrizes da cultura em geral e em
especial da cultura corporal africanas nos apresenta conhecimentos e valores extremamente
relevantes para superar os valores individualistas, meritocráticos, do empreendedorismo
capitalista e, que existem possibilidades concretas na formação inicial de professores/as, nos
currículos escolares de tratar o conhecimento da cultura corporal (ensinar e aprender), com
uma abordagem critica superadora do ensino da Educação Física, que enfrenta tais
contradições na perspectiva da superação.
A partir da problematização do objeto, que é o trato com o conhecimento da cultura
corporal de matriz africana, na formação de professores/as e no currículo escolar, nos foi
possível delimitar a pergunta de investigação, cuja resposta é a tese que ora defendemos.
Assim, apresentamos o seguinte problema de pesquisa: qual a realidade, as
contradições e as possibilidades superadoras do trato com o conhecimento da Cultura
Corporal com base nas matrizes africanas4, na formação de professores de Educação Física
nos cursos da UFRB e UNEB, na Bahia?
Ontologicamente, justifica-se este estudo, pois a Bahia é um dos estados mais negros
deste país segundo dados do IBGE (2010) e o Recôncavo da Bahia tem como
representatividade histórica e política a herança Cultural Africana e Afro brasileira deste país,
a exemplo de ter como Patrimônio Histórico e Imaterial da Humanidade, ou seja, conteúdos
30

clássicos que trazem em sua historicidade os saberes tradicionais, valores civilizatórios e


representatividade de resistência e cultura do povo negro que tanto contribuíram para
formação cultural e social deste Brasil.
Outro ponto relevante que justifica esta pesquisa é o balanço sobre a produção do
conhecimento sobre as seguintes categorias: cultura corporal e cultura afro brasileira; cultura
corporal e matrizes africanas. Ao acessar os bancos de teses e dissertações das Universidades
Baianas, pouco se tem produzido cientificamente sobre esta temática para alicerçar o trabalho
educativo de professores de Educação Física.
Enquanto professora de Educação Física na Rede de ensino básico no Estado da Bahia,
dialogo com a coordenação de diversidade da Secretaria de Educação, que visa avançar e
implantar as diretrizes curriculares para o ensino das relações étnicas raciais no estado da
Bahia, porém tem dificuldades de materialização nas unidades escolares.
Destaco que vivencio esta realidade, enquanto professora de uma Instituição de Ensino
Superior privada através dos componentes curriculares Cultura Corporal Afro brasileira e
Indígena, Prática Pedagógica Interdisciplinar II, bem como orientadora de inúmeros trabalhos
de conclusão de curso ainda, supervisora do Programa Institucional de Bolsas e Iniciação à
Docência – PIBID Subprojeto Educação Física UFBA no período de 2011-2018.1. Ao
realizarmos intervenções pedagógicas em escolas municipais e estaduais no Recôncavo da
Bahia e em Salvador nos deparamos com profissionais formados e em formação que
apresentam lacunas e até mesmo desconhecimento sobre a História e Cultura Afro Brasileira
em relação a contribuição de sistematização no currículo escolar.
Portanto, com base nos estudos anteriores e na sistematização de dados concretos
sobre a consideração da cultura corporal de matriz africana nos currículos de formação de
professores/as, confirmamos a hipótese de que tais conhecimentos são negados na formação
de professores/as e na escola básica, o que configura uma contradição, visto que o Estado da
Bahia é constituído em 80% pela população negra e indígena e o conhecimento das raízes é
negado. Esta contradição pode ser enfrentada e superada pela possibilidade concreta de
essência e de desenvolvimento de uma proposta para tratar o conteúdo da cultura corporal, em
especial a dança, considerando as matrizes africanas, e que a Abordagem Critico Superadora
(ACS) da Educação Física, presente na obra Metodologia do Ensino da Educação Física
(COLETIVO DE AUTORES, 2009; 2012), pelos seus fundamentos, sustenta esta proposição
superadora do ensino da dança, considerando a matriz africana.
Portanto, defendemos a possibilidade de a escola cumprir sua função social, que é dar
acesso ao conhecimento sistematizado e contribuir para uma formação humana integral, ou
31

seja, qualificada para classe trabalhadora e sua emancipação de classe, através de uma
educação antirracista, omnilateral. Partindo destas constatações, traçamos os seguintes
objetivos alcançados e que responderam ao problema da pesquisa a fim de investigar a
realidade, as contradições e as possibilidades do trato da Cultura Corporal e Matrizes
Africanas na formação de professores de Educação Física no Estado da Bahia apresentando
uma exemplificação com o trato do conteúdo dança de matriz africana. Com isso, objetivamos
especificamente: (a) apresentar, elementos para uma reconstrução sócio- histórica do
Patrimônio da cultura corporal tendo como referência contribuições do continente africano; (b)
levantar as concepções e contradições expostas no trato com o conhecimento da CCMA no
currículo da licenciatura de professores/as de EF; (c) elaborar uma proposta
teórico-metodológica para o Trato com o conhecimento da Dança e as Matrizes Africanas na
EF à luz da Abordagem Crítico Superadora (ACS).
Quanto a delimitação teórico-metodologica, a pesquisa está baseada na a teoria do
conhecimento que argumenta sobre a necessidade de considerarmos a origem, o
desenvolvimento, as mediações, as contingencias, as contradições, as múltiplas determinações
e, o grau mais avançado do desenvolvimento do objeto em estudo. Epistemologicamente
trata-se da abordagem epistemológica Materialista Dialética da História. Quanto a Teoria
Pedagógica vamos nos valer dos fundamentos da Pedagogia Histórico-Crítica e, da
Abordagem Crítico Superadora (ACS) para o Ensino da Educação Física, especificamente
para tratar do conteúdo dança de matrizes africanas, porque ambas estão referenciadas no
marxismo. Dentro desta perspectiva, consideramos o movimento Pan-Africanista nos
baseando, em especial, nas contribuições de autores que construíram um movimento
internacional de luta pela libertação do jugo explorador e opressor do capitalismo.
A este respeito, afirma Aguessy, (s/d, apud MACEDO, 2016):

(....) tem-se um vasto conjunto de saberes acumulados pela experiência


ancestral, alimentado e transmitido por meio da oralidade, com acesso
relativamente restrito a grupos especializados que são tradicionalistas. Esta
esfera do conhecimento africano, que poderia ser qualificado como
endógeno, desenvolveu-se em paralelo aos conhecimentos escritos desde
tempos recuados, e preservou elementos essenciais das culturas que lhes
deram substâncias por vezes com maior eficácia do que os saberes escritos
antigos que acabaram parcialmente desaparecendo em virtude da pressão do
tempo (AGUESSY, s.d, p.113-114 apud MACEDO, 2016, p.11-12).

Tendo em vista a realidade imposta pela colonização africana, os embates territoriais e


a oralidade enquanto um dos princípios civilizatórios africano, se faz uma resistência e forma
32

de preservação do patrimônio sócio histórico e cultural. Enquanto que a escrita fora


invisibilizada propositalmente na história.
O pensamento não tradicional (MACEDO, 2016, p. 12) é demarcado por explicar as
realidades específicas do continente. Desta forma, o deslocamento de povos africanos e seus
descendentes reconfiguram em termos espaciais, temporais e culturais que repercutem no
plano identitário (ZOUNGBO, 2012). Assim, o pensamento panafricanista em dialogo com o
materialismo histórico dialético nos colocará em condições de analisar o objeto de estudo:

O certo é que, para nós, americanos, latino-americanos, em busca de


referências que nos capacitem a problematizar os pressupostos hegemônicos
do pensamento ocidental, etnocêntrico, é fundamental recuperar, em
conjunto, o aporte do pensamento africano e do pensamento afro-americano,
afro latino, afro brasileiro. Se no primeiro caso, a aproximação nos permite
reavaliar nossa própria condição de subalternidade advinda da herança
colonial; o segundo caso trata-se da apropriação do pensamento mantido
praticamente em silêncio nas esferas acadêmicas[...] (MACEDO, 2016, p.
13).

Visando responder ao problema e atingir os objetivos, nos valemos da análise de


conteúdo propostos por Bardin (1995) da qual consta a pré-análise, a exploração do material e
o tratamento dos resultados. Assim, é necessário, salientar que a escolha entre as categorias de
análise de conteúdo a seguir não é aleatórias:
a) Concepção de currículo – segundo o Coletivo de Autores (2012, p. 29), o eixo
curricular é o princípio norteador e referência básica do currículo, que está diretamente
vinculado aos seus fundamentos sociológicos, filosóficos, antropológicos, psicológicos,
biológicos. Constata-se que o currículo tem uma função social no campo de formação de
professores, este deve orientar a reflexão pedagógica e organizar a formação em relação a
realidade social, afinal estes professores em formação adentrarão as escolas. Em nosso caso,
objetivamos diante da realidade brasileira a busca de elementos e referências antirracistas e
que atenda o desenvolvimento da classe trabalhadora.
b) Concepção de formação humana – segundo Leontiev (1978) a formação humana
responde, primordialmente, como o ser humano torna-se humano, o que possibilita localizar
esta categoria no debate filosófico mais geral sobre idealismo versus materialismo.
Objetivamos, portanto, localizar se a concepção de formação humana apresenta como
teleologia a unilateralidade ou a omnilateralidade (ALVES, 2015, p. 24).
Destaca-se, assim, que a tendência unilateral se orienta por um projeto histórico de
manutenção da meritocracia e a tendência omnilateral prima por um projeto histórico que visa
uma transição entre o modo de produção vigente em defesa de um projeto de sociedade
33

socialista. Questionamos então se nossos currículos colonizados e colonizadores e exigem


proposições emancipatórias. Epistemologicamente, quais são as respostas no campo da
Educação Física a esse movimento? Estes podem ser determinadas teorias educacionais e/ou
pedagógicas.
Nesse contexto se encontra a demanda curricular de introdução obrigatória do ensino
de História da África e das culturas afrobrasileiras nas escolas da educação básica. Ela exige
mudança de práticas e descolonização dos currículos da educação básica e superior em
relação à África e aos afro-brasileiros. Mudanças de representação e de práticas. “Exige
questionamento dos lugares de poder. Indaga a relação entre direitos e privilégios arraigada
em nossa cultura política e educacional, em nossas escolas e na própria universidade”
(GOMES, 2012, p. 100). Perspectivamos, assim, encontrar conteúdos, referências nos
componentes curriculares que pautem questões de territorialidade, identitárias e políticas que
faça uma dura articulação com as condições materiais de existência da vida.
Desta forma, trava-se o debate epistemológico, composto por duas vertentes uma que
questiona o caráter monolítico do cânone epistemológico e se interroga sobre a relevância
epistemológica, sociológica e política da realidade de práticas científicas; e a outra que se
interroga sobre a exclusividade epistemológica da ciência e se concentra nas relações entre a
ciência e outros conhecimentos, ou seja, aquela que diz respeito à análise do real concreto.
Compreendemos em diálogo com a autora, que este exige um debate epistemológico interno e
externo, um árduo exercício que nos tira do mimetismo enquanto pesquisadores/as. O estudo
institui-se através da necessidade de constatarmos a realidade sobre o trato com o
conhecimento da Cultura Corporal e Matrizes Africanas no processo de formação de
professores/as de Educação Física na Bahia, dar-se com a análise dos currículos dos cursos de
Licenciaturas em Educação Física Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
(C) Quanto ao objeto de estudo da Educação Física destacamos que a partir do
Coletivo de Autores (1992; 2009), e da obra “Metodologia do Ensino da Educação Física”, há
uma referência superadora que evidencia concepções que defendiam que o objeto de estudo
da Educação Física era a “aptidão física”, “o movimento Humano”, o “corpo”, a “atividade
física e saúde”, a “cultura corporal de movimento”. A este respeito, Taffarel (1997)
apresentou uma sistematização sobre as concepções não propositivas e as propositivas não
sistematizadas e sistematizadas. Destacamos a proposição sistematizada crítica superadora e
nos valemos de sua formação mais avançada sobre o objeto de estudo da Educação Física
34

presente na obra “Metodologia do Ensino da Educação Física”. Deste modo, destaca-se a obra
que é função social da Educação Física na Escola:

[...] desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de


representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história,
exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios
ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo, mímica e outros, que
podem ser identificados como formas de representação simbólica de
realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente
desenvolvidas (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 38).

Ampliando a concepção de que o objeto de estudo da Educação Física é a “Cultura


Corporal”, Teixeira (2014) em sua tese de doutorado sustenta que:

Cultura Corporal é [...] o conjunto de atividades humanas que surgem,


historicamente, a partir das relações sociais de trabalho [...] Buscam, na
reprodução social, satisfazer outras necessidades humanas não menos
importantes e que concorrem no processo de humanização do ser, em geral
são valorizadas em si mesmas [...] se caracterizam por envolver ações e
operações conscientes orientadas por motivos sociais, sejam eles advindos da
competição, da exercitação, do agonismo, da sublimação, do lúdico, do
estético, da expressão rítmica, e tantos outros que surgem no curso do
processo histórico. Com efeito, os motivos das atividades da Cultura
Corporal sofrem as determinações das condições materiais de existência
(modo de vida), contudo, nesse processo, sempre haverá um motivo que irá
assumir a função de momento predominante, que guiará a atividade numa
dada direção [...] O ensino escolar destas atividades passa obrigatoriamente
pela apropriação dos fundamentos (técnico-objetal, axiológico e
normativo/judicativo) destas atividades humanas onde é possível estabelecer
uma relação consciente com a Cultura Corporal (TEIXEIRA, 2018, p. 49-50,
grifo nosso).

Com este arcabouço conceitual, analisamos os currículos dos cursos de Licenciatura


em Educação Física da UFRB e da UNEB. A etapa da pré analise demonstrou a organização
inicial dos dados, ou seja, os currículos do curso de Licenciatura e a organização do trabalho
pedagógico no trato com o conhecimento da CCMA. Realizamos a leitura geral do currículo e
discutimos a seleção/explicação das categorias de análise desenvolvidas em consonância com
os objetivos e hipótese da pesquisa e a preparação formal no material, visando um trato
científico para organizar o processo de categorização, análise, interpretação, síntese e
exposição.
No que diz respeito a exploração do material – etapa onde mapeamos os
componentes curriculares que trataram sobre os conteúdos específicos da cultura corporal
Afro Brasileira no curso supracitado- visualizamos a apropriação dos planos de ensino e
planejamentos dos componentes curriculares, o que nos permitiu a elaboração de quadros de
35

referenciais de análise de conteúdo de cada componente levando em consideração a sua


ementa, objetivos, carga horária, fundamentação teórico metodológica, conteúdos tratados na
Licenciatura de EF regularidades e contradições diante da realidade do trato deste
conhecimento nos componentes curriculares.
Realizamos, assim, nossa intenção de pesquisa, que consistiu em localizar
especificamente em cada componente curricular as informações necessárias à compreensão do
conteúdo, a partir das categorias de análise determinadas – Projeto Histórico, Concepção de
Formação Humana e de Objeto de estudo da Educação Física.
Por fim, tratamos os resultados em diálogo com Gamboa (2013), levando em
consideração suas orientações, em especial quando nos alerta que:

[...] A pesquisa científica deve ter uma fundamentação lógica e uma


dialética entre perguntas e respostas. Com esta perspectiva o
pesquisador deve problematizar a realidade sempre buscando novas
indagações, ou seja, outras problematizações para apontar
possibilidades (GAMBOA, 2013, p. 13).

Ressaltamos também que as categorias teóricas, realidade, contradições e


possibilidades são estruturantes da presente tese de doutorado. A Realidade diz respeito ao
real concreto que o objeto manifesta de imediato, sua estrutura e suas determinações.
Contradições dizem respeito a luta dos contrários, que constituem o objeto e as possibilidades
dizem respeito ao que poderá vir a se configurar como real concreto quando as condições
objetivas para tal estiverem colocadas, forem construída (CHEPTULIN, 2004). A definição da
natureza das categorias, de seu lugar e de seu papel, no desenvolvimento do conhecimento está
diretamente ligada à resolução do problema da correlação entre o particular e o geral na realidade
objetiva e na consciência, assim como à colocação em evidência da origem das essências ideais e da
relação destas últimas com as formações materiais, com os fenômenos da realidade objetiva
(CHEPTULIN, 2004, p. 5).
Portanto, como possibilidade superadora, para exemplificar, apresentamos a
elaboração de uma proposta pedagógica sobre o Trato da Dança de Matrizes Africanas,
primando por um processo de seleção, organização e sistematização do conhecimento que
vise a qualificação da formação de professores/as de Educação Física da Bahia e, contribua
com o trato do conhecimento cientifico do conteúdo dança de matriz africana na escola, com
fundamentos na PHC, na ACS e no Pan-Africanismo.
A tese está dividida em 6 capítulos a saber: a) a introdução que expõe a justificativa, as
problemáticas os referenciais teórico-metodológicos, a pergunta cientifica, as hipóteses, os
objetivos, que nos permitiram elaborar a presente tese; b) a análise de conjuntura sobre o
36

período de escravização à situação da classe trabalhadora no Brasil; c) apresentação das


contribuições do continente africano sobre a cultura corporal; d) os resultados da pesquisa; e)
a proposição sobre o Trato com o conhecimento das Danças de Matrizes Africanas,
considerando as contribuições da PHC, da ACS e do movimento internacional do
Pan-Africanismo; (e) as conclusões com indicações dos limites da investigação e as
sugestões com possibilidades de continuidade da pesquisa.
37

2 DA ESCRAVIZAÇÃO À SITUAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA NO


BRASIL - UMA ANÁLISE DO GERAL E DO PARTICULAR
O fato histórico-social mais importante para a
formação brasileira - quase quatrocentos anos de
escravismo colonial - parece, no entanto, que não
sensibiliza ou estimula os nossos cientistas sociais,
mais voltados para assuntos tópicos, centrados em
fatos e processos secundários, fugindo, assim, de
analisar mais profundamente o modo de produção
escravista, como ele se manifestou no Brasil e as
muitas (e profundas) aderências sociais, econômicas,
políticas, culturais e psicológicas que deixou na nossa
sociedade atual (CLÓVIS MOURA, 1983, p. 124).

Para descrever sobre a classe trabalhadora brasileira, não podemos omitir como se deu
a construção desta no Brasil, os deslocamentos no sistema produtivo da nação desde a
colonização, o processo de escravização às novas composições da força de trabalho presentes
no início do século XX.
Estas fases são decisivas para que o processo organizativo da classe trabalhadora seja
mediado pela sua inserção produtiva no mercado de trabalho através da compreensão dos
sujeitos que a compõem, mesmo que apartados do produto que produzem:

Com o desenvolvimento da produção capitalista durante o período


manufatureiro, a opinião pública européia perdeu o que ainda lhe restava de
pudor e consciência. As nações se jectavam cinicamente de toda infâmia que
constituísse um meio para acumulação de capital (MARX, 2013, p. 829).

De acordo com Marx (2013), o que ocasionou a acumulação primitiva para os reinos
europeus, a exemplo da Inglaterra, foi a escravização e a colonização de indianos, países em
África, América do Norte e, também, o Reino de Portugal que invade países Africanos e
Brasil da mesma forma.
Em prol da acumulação primitiva constitui-se a devastação humana para o
desenvolvimento da produção capitalista na Europa. Segundo Marx (2013, p.785)
“acumulação primitiva é a prévia à acumulação capitalista, uma acumulação que não é
resultado da produção capitalista, mas seu ponto de partida.”.
Podemos afirmar, então, que é um resultado político entre os abastados e a religião,
uma forma de acumular mais riquezas sem nada vender, sem trabalhar. Constitui-se a partir da
acumulação de terras da Igreja, os saques coloniais, a devastação da África e outros
continentes e a escravização de africanos, o que é fundante para nosso capítulo.
38

Origina-se a pobreza em grande massa e usa de mecanismos para explorar outros


territórios e escravizar outras pessoas, a fim de produzir matéria prima para o
desenvolvimento Europeu. Partindo desta premissa, se estabelecem a exploração e o tráfico
negreiro para o território brasileiro.

2.1 DA ACUMULAÇÃO PRIMITIVA À ACUMULAÇÃO POR ESPOLIAÇÃO


O Escravismo no Brasil tem particularidades
substantivas em relação aos demais países ou regiões
da América. Ele percorre um périplo de tempo de
quase quatrocentos anos, espraia-se na superfície de
um subcontinente e mantém a sua estrutura em todo
esse imenso território durante um período. Por outro
lado, a quantidade de africanos importados até 1850
mostra como a sociedade escravista conseguiu
estabilizar-se e desenvolver-se em decorrência da
injeção demográfica permanente vinda de fora
(MOURA, 2020, p. 20).

Foi David Harvey (2004) que cunhou o termo “acumulação por despossessão” (ou
espoliação), para definir as práticas fundantes da busca por lucro no neoliberalismo, incluindo
a financeirização, a manipulação de crises e a privatização. A princípio, a despossessão era a
incorporação de áreas ainda não atingidas pelas relações capitalistas, especialmente no mundo
colonial, como o saque/desterritorialização das terras indígenas para a pecuária e agricultura
no Brasil. Na era da globalização, caracterizada pela mercantilização imposta pelo
neoliberalismo, regiões novas foram incorporadas ao mercado mundial, a exemplo daquelas
funcionais do agronegócio brasileiro. Nesse processo de acumulação, para Harvey (2018),
identifica-se o uso de mecanismos extra-econômicos para realização da acumulação como o
roubo, a fraude e a violência. Por isso, como afirma Harvey (2018, p. 171), no capitalismo
neoliberal a “loucura da razão econômica” tornou a vida cotidiana “refém da loucura do
dinheiro”.
O dinheiro tornou-se, assim, o centro do mundo e neste sentido é preciso compreender
“O Capital e seus limites” (HARVEY, 2013a; 2013b). Harvey (2004) suscita a reflexão sobre
alternativa ao neoliberalismo eapresenta dados demonstrando a necessidade de perpetuação
do capitalismo, às mudanças na política externa dos Estados Unidos, de consensual para
coercitiva, e suas implicações mundiais, evidenciando o declínio da hegemonia norte
americana e a ascensão de novos centros de poder.
O cerne da acumulação primitiva é a expropriação direta dos trabalhadores do campo
na Europa, porém para o Brasil no período colonial a expropriação deu-se através da expulsão
39

dos indígenas de seus territórios e a escravização. Desta forma, converte-se os meios de


produção de vida em capital e se apropria com violência dos meios de produção.
Segundo Moura (1983) devemos analisar as limitações estruturais, as contradições, as
limitações do ritmo de produção e, finalmente, a alienação total da pessoa humana –
escravizados – que o autor também denomina imigrante forçado, escravizadores e
imigrantes.

A história do negro no Brasil confunde-se e identifica-se com a formação da


própria nação brasileira e acompanha a sua evolução histórica e social.
Trazido como imigrante forçado e, mais do que isto, como escravo, o negro
africano e os seus descendentes contribuíram com todos aqueles ingredientes
que dinamizaram o trabalho durante quase quatro séculos de escravidão.
Em todas as áreas do Brasil eles constituíram a nossa economia em
desenvolvimento, mas por outro lado, foram sumariamente excluídos da
divisão dessa riqueza (MOURA,1992, p. 7).

O autor, em sua análise a partir das categorias da dialética do geral e o particular


(CHEPTULIN, 2004), revoluciona ao determinar as questões de classe e raça. Ele define que
sistema escravistaviu o cativo como coisa, a sua humanidade foi esvaziada pelo escravizador
até que ele ficasse praticamente em condições desprezíveis e insignificantes. A sua
(re)humanizacão se dava no ato de rebelar e de lutar pela liberdade.
O colonizador tinha a lógica de não desejar a mudança em nenhum dos níveis da
sociedade. Sistema fechado marcado pela barbárie, servidão, alienação, imposição de valores,
cultura e expropriação das identidades.
Compreendemos como geral a sociedade brasileira, é a análise do todo, mas este todo
é formado por partes, essas partes estabelecem semelhança e a diferença, portanto, ao
analisaro autor, opõe o geral ao particular. O geral significa o processo do movimento e do
desenvolvimento da sociedade brasileira e o particular expõe as faces, os sujeitos, as
determinações de condições objetivas de vida de cada um. O que nos permite identificar a
diversidade das particularidades no âmbito da formação da sociedade brasileira e seu
desenvolvimento histórico.
Vejamos como se deu a expansão demográfica do negro no Brasil de acordo com
estatísticas aduaneiras, a partir do que Moura (1992) explícita, ao dizer que os dados são
inexatos e/ ou incompletos:

A apuração da nossa realidade étnica excluiria o branco como representativo


do nosso homem. Daí se procurar subestimar o negro do passado e a sua
significação atual. Essas estimativas variam desde a do historiador Rocha
Pombo, que calcula mais de 10.000.000 de negros Africanos entrados, às de
Renato Mendonça que afirmou ter sido 4.830.000. Esse autor, fez seus
40

cálculos, baseados nas estatísticas aduaneiras, pois em 1831 o tráfico era


considerado ilegal (MOURA, 1992, p. 9-10).

Atentemos para o seguinte quadro abaixo:

Quadro 2 – Número de escravos entrado no Brasil

NÚMERO DE ESCRAVOS ENTRADO NO BRASIL


ENTRADAS TOTAL DE
PERÍODO REGIÃO TOTAL ANUAL
ANUAIS IMPORTAÇÃO
Século XVI Todo o Brasil - - 30000
Século XVII Brasil Holandês 3000 8000 8000
Pará 600
Recife 5000
Século XVIII 250000 2500000
Bahia 8000
Rio de Janeiro 12000
Século XIX
Rio Janeiro 20000 50000 1 500000
(Até 1850)
Durante o tráfico - 4.850.000
Fonte: (MENDONÇA, 1935 apud MOURA,1992, p. 10).

Devemos destacar que, obviamente, estes números não foram computados, afinal era
contrabando. Outra questão foi ocultar intencionalmente que o negro africano povoou o Brasil
de norte a sul e estava em curso o projeto de sociedade capitalista. Se o negro é coisa, não é
considerado cidadão brasileiro, forma que o racismo estrutural é estruturante socialmente.
Ramos (1943) demonstra tais elementos a partir das informações no quadro abaixo:

Quadro 3 - Comparação entre Livres e Escravos por Província


PROVÍNCIAS LIVRES ESCRAVOS TOTAL % ESCRAVOS
Amazonas 13.310 6.000 19.350 31,6
Pará 90.901 33.000 123.901 26,6
Maranhão 66.668 133.332 200.000 66,6
Piauí 48.321 12.405 60.726 20,3
Ceará 145.731 55.432 201.170 27,6
Rio Grande do Norte 61.812 9.109 70.921 12,8
Paraíba 79.725 16.723 96.448 17,4
Pernambuco 273.832 97.633 371.455 26,3
Alagoas 69.094 42.879 111.973 38,3
Sergipe 88.783 26.213 141.996 22,8
41

Bahia 330.649 147.263 477.912 30,8


Espírito Santo 52.573 20.272 72.845 27,7
Rio de Janeiro e a
363.940 146.060 510.000 23,4
Corte
São Paulo 160.656 77.667 238.323 32,6
Paraná 49.251 10.191 59.442 17,2
Santa Catarina 34.859 9.172 44.031 21,9
Rio Grande do Sul 63.927 28.253 92.180 30,7
Minas Gerais 463.342 168.543 631.885 26,9
Goiás 36.368 26.800 63.168 42,5
Mato Grosso 23.216 14.180 37.396 38,6
Fonte: (RAMOS, 1943).

Moura (1992), através destes dados, problematiza a presença nacional do negro, o que
coloca como um dinamizador demográfico. O povo negro é deslocado para todas as regiões
para compor a força de trabalho:

A produção de uma economia colonial, e por isso destinada a um mercado


externo cada vez maior, era fruto desse trabalho negro-escravo. Essa
economia que passa pela produção açucareira, pela mineiração, produtos
tropicais e termina na fase do café, é feita pelo negro. No entanto, esse fato
não contribui em nada para que ele consiga um mínimo dessa renda em
proveito próprio. Pelo contrário, toda essa produção é enviada para o exterior,
e os senhores de escravos ficam com todo lucro da exportação e
comercialização (MOURA, 1992, p.12).

Destacamos que o povo negro teve total resistência ao trabalho escravo e para sair do
processo de coisificação, ao fugir das senzalas, organizava-se em povoados chamados
Quilombos. O que Moura (1992) denomina como Quilombagem, é o ato de rebeldia e
auto-organização de negros(as) em todo território nacional contra o escravismo.
Movimentos na luta abolicionista, em busca de um projeto de sociedade coerente, são
primordiais para compreender o processo de transição entre uma população escravizada
(negros e negras), abolição e a situação populacional pós abolição. Porém, os movimentos e
rebeliões como a República de Palmares (1604-1694), Revolta dos Búzios (1798) e Revolta
dos Malês (1835) marcaram historicamente a resistência contra o trabalho escravo.
A República de Palmares, segundo Moura (1983), significou a articulação política e
organização de modo de vida socialista no Brasil, o Quilombo dos Palmares, situado na Serra
42

da Barriga, no interior da Capitania de Pernambuco (atual estado das Alagoas), assim como
era chamado, recebeu em média 30.000 mil fugitivos dos engenhos, que se organizaram
socialmente, todos e todas contribuíam para limpeza, construção de casas, acolhimentos,
alimentação, enfim, o trabalho socialmente útil, com a perspectiva do cooperatismo.
A Revolta dos Búzios, segundo Arquivo Público do Estado da Bahia (2019), fora
inspirada nos ideais da Revolução Francesa em defesa da liberdade, fraternidade e igualdade.
Os estados de Minas Gerais e Bahia são exemplos, tendo em vista seus interesses e conjuntura,
porém o que lhes integram são a luta por dias melhores.
Eram os últimos anos do século XVIII 1798 e Salvador não era mais a capital do
Brasil, mas ainda era uma das regiões coloniais mais importantes das Américas.
Hegemonicamente mantida pela mão-de-obra africana escravizada e seus descendentes, a
cidade portuária era povoada pela miséria, violência, desigualdade social e racial. Poucos
brancos com muito, muitos negros com nada. Abarrotada de gente, era um barril de pólvora
das desigualdades e hierarquias coloniais.
A Revolta dos Males, com protagonistas considerados negros mulçumanos da Bahia:

O movimento, que durou em torno de três horas, com os revoltosos


percorrendo uma grande área urbana de Salvador e protagonizando conflitos
com a polícia, demonstrou que os escravos tinham grande poder de
mobilização e mobilidade, além de significativo conhecimento dos hábitos
senhoriais e da cidade que passaram a habitar. A rebelião havia sido
programada estrategicamente para o amanhecer do dia 25 de janeiro de 1835.
O dia 25 de janeiro além de ser uma data estratégica no calendário de festas
católicas – a festa de Nossa Senhora da Guia, que levaria uma multidão ao
seu festejo, esvaziando a cidade – janeiro, como destaca João Reis, coincide
com o mês do Ramadã no calendário islâmico. Desta forma, os rebeldes
escolheram uma data coberta de significados e presságios para o momento
que significaria sua liberdade (BAHIA, 2019b).

A Quilombagem como agente de mudança social nos referencia que diante da barbárie
social e política no Brasil, temos a necessidade de nos aquilombar.
Desse modo daremos um salto histórico para compreender a transição entre os séculos
XIX e XX e reconhecendo nossas estratégias de Quilombagem, destacamos os processos de
articulação significativos dos anos de 1930 no Brasil, tais como a formação da Frente Negra
Brasileira (1931-7) e o movimento de articulação de Negros em todo país, nascido em São
Paulo, que pautava o desenvolvimento desta população.
A riqueza desse momento histórico esclarece a necessidade de analisar a complexidade
constituinte da formação da classe trabalhadora brasileira, inseparável do processo
organizativo da população negra no Brasil.
43

Segundo Moura (1989), com a intervenção do Estado Novo, golpe deflagrado por
Getúlio Vargas em 1937, dissolveu partidos e movimentos sociais, tudo que tivesse cunho
democrático e a luta por direitos para classe trabalhadora, assim em 1938 a Frente morre:

E as informações que os negros poderiam utilizar em busca de dignidade,


identidade e justiça lhes são sonegadas pelos detentores do poder. O
processo tem sua justificativa numa alegação de “justiça social”: todos são
brasileiros, seja o indivíduo negro, branco, mulato, índio, ou asiático. Em
verdade, em verdade, porém, a camada dominante simplesmente considera
qualquer movimento de conscientização afro-brasileira como ameaça ou
agressão retaliativa. E até mesmo se menciona que nessas ocasiões os negros
estão tratando de impor ao país uma suposta superioridade racial negra…
Qualquer esforço por parte do afro-brasileiro esbarra nesse obstáculo. A ele
não se permite esclarecer-se e compreender a própria situação no contexto
do país; isso significa, para as forças no poder, ameaça à segurança nacional,
tentativa de desintegração da sociedade brasileira e da unidade nacional
(NASCIMENTO, 2016, p. 69).

Haja vista que, historicamente, o pós abolição foi impactante negativamente para
organização da população negra. Enquanto o Brasil em 1888 fora o último país a realizar a
abolição da escravatura, na Europa a população fugia dos conflitos territoriais, o Brasil
instaurava política e também no início do século XX, o pós guerra em que muitos vieram para
o Brasil.
Porém, qual foi o lugar dos imigrantes neste processo de construção da sociedade no
pós abolição do Brasil? Os imigrantes foram recebidos com privilégios, a exemplo do direito
às terras, à educação e à moradia. Os negros e negras libertos não tiveram a mesma sorte, ou
seja, os mesmos direitos.

A escravidão concentrava-se nas partes mais modernas da economia e


tornara-se menos relevante nos setores atrasados ou decadentes. Em 1887, o
Ministério da Agricultura, em seu relatório anual, contabilizava a existência
de 723.419 escravos no País. Desse total, a Região Sudeste (São Paulo, Rio
de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo), produtora de café, abarcava uma
população cativa de 482.571 pessoas. Todas as demais regiões respondiam
por um número total de 240.848. Ao mesmo tempo, o País passara a
incentivar, desde 1870, a entrada de trabalhadores imigrantes –
principalmente europeus – para as lavouras do Sudeste. É um período em
que convivem, lado a lado, escravos e assalariados. Os números da entrada
de estrangeiros são eloquentes. Segundo o IBGE, entre 1871 e 1880, chegam
ao Brasil 219 mil imigrantes. Na década seguinte, o número salta para 525
mil. E, no último decênio do século XIX, após a Abolição, o total soma 1,13
milhão (IPEA, 2011, p. 1).

Segundo Florestan Fernandes (2008, p. 260), “como a economia de trabalho livre se


organizou sobre um patamar pré-capitalista e colonial, seria lamentável se ignorássemos como
as determinações de raças se inseriram e afetaram as determinações de classes”:
44

Fato inquestionável é que as leis de imigração nos tempos pós-abolicionistas


foram concebidas dentro da estratégia maior: a erradicação da “mancha
negra” na população brasileira. Um decreto de 28 de junho de 1890 concede
que “É inteiramente livre a entrada, nos portos da República, dos indivíduos
válidos e aptos para o trabalho […] Excetuados os indígenas da Ásia ou da
África, que somente mediante autorização do Congresso Nacional poderão
ser admitidos”(NASCIMENTO, 2016, p. 63).

Essa análise é pertinente para entender o princípio do capitalismo brasileiro, ela


também nos apresenta elementos para compreender a formação da classe trabalhadora no país.
As classes sociais, de acordo com Marx (2013), são constituidas a partir do modo de produção
capitalista e implica na apropriação da riqueza socialmente produzida pela classe dominante –
a burguesia – a partir da exploração da força de trabalho da classe trabalhadora, que vende por
meio de seu corpo a capacidade laborativa.
Todo esse processo constituinte do capitalismo, a exploração do homem pelo homem,
demarca uma sociedade dividida em duas classes: a dominante e a trabalhadora. Essa divisão
injusta produz iniquidades e desta forma, se estabelece a divisão de classes, uma divisão de
raça, que hieraraquicamente é estruturante nas relações sociais e também uma divisão de
gênero no Brasil que estabelece a Necropolítica.
O conceito de Necropolítica é novo, conhecemos no século XXI, porém constatamos
que através da história este foi fundante para o processo civilizatório no Brasil. Na economia
da Necropolítica (MBEMBE, 2018), o racismo tem uma função regulatória, distribui mortes e
torna possível as funções assassinas do Estado. O autor define Necropolítica como um sistema
que descarta pessoas (no Brasil Negros/as e indígenas) que não interessam, que não produzem
(servidão), instaura um estado de mínimo e de exceção. Com isso, afirma e demarca
territórios:

Do ponto-de-vista das estruturas de poder, no entanto, o que se queria era


apagar a mancha. Ruy Barbosa manda queimar os arquivos e o governo entra
em entendimentos com países europeus para conseguir substituir a nossa
população egressa da senzala por outra branca. Entra, então, em
funcionalidade a ideologia do branqueamento, que nada mais é do que uma
tática para desarticular ideológica e existencialmente o segmento negro a
partir da sua auto análise (MOURA, 1983, p. 127).

O papel dos imigrantes no país também significa uma forma de branqueamento da


sociedade, que também interferiu na formação da classe trabalhadora. Aos negros coube os
trabalhos braçais, reduzidos, enfim, ao que a burguesia execrava, baixos salários. Outrossim,
contribuiu para o (auto)imaginário branco na subjetividade de muitos negros, afinal devido à
miscigenação, o ser negro não é apenas uma questão de melanina.
45

Fanon (2008, p. 85) afirma: “Defendemos, de uma vez por todas, seguinte princípio:
uma sociedade é racista ou não o é. Enquanto não compreendermos essa evidência,
deixaremos de lado muitos problemas”.
Identificar e situar o outro é o exercício de organizar entre os brancos e os não-brancos
para reforçar a noção hierárquica. De tal modo que a burguesia passa a dar nome e identificar
o outro dentro de um esteriótipo de sub-humanidade, para justificar a ação de dominação –
física e espiritual – no que tange as suas necessidades de exploração e desenvolvimento
econômico, a manutenção dos privilégios para eles e compartilhado entre eles.
Esta diferenciação dos sujeitos é um movimento de oposição que Malomalo (2014)
chama de jogo de oposição categorial, em que este percebe a necessidade objetiva e subjetiva
de sua inserção em um sistema de oposições homólogo, tais como: alto/baixo,
direita/esquerda, fora/dentro, público/privado, claro/escuro, branco/preto etc, para estabelecer
as relações de poder.

Com isso, continua dizendo que “o jogo de oposição categorial não é


simplesmente um jogo semântico, metafórico, estético. É, antes, um jogo que
tem a sua correspondência na vida social de homens e mulheres, de brancos
e negros. É um jogo de poder, feito pelo uso da linguagem” (MALOMALO,
2014, p. 179).

O autoraponta que “é através do jogo de oposições categoriais que os seres humanos


dominam uns aos outros” (Ibidem, p. 179). Foi assim que os colonizadores também se
impuseram como superior às sociedades não-européias.
Tendo em vista a construção do europeu branco através das epistemologias ao longo
da história das civilizações, teve a configuração colonial como veículo de disseminação desta
ideologia,

as sociedades que vieram a constituir a chamada América Latina foram


herdeiras históricas das ideologias de classificação social (racial e sexual) e
das técnicas jurídico administrativas das metrópoles ibéricas. Racialmente
estratificadas, dispensaram formas abertas de segregação, uma vez que as
hierarquias garantem a superioridade dos brancos enquanto grupo dominante
(DA MATTA apud GONZALEZ, 1988b, p. 73).

Então, libertos e libertas, sedimentam como em O capital de Marx, o segmento mais


baixo da superpopulação relativa:

A sociedade capitalista tem como característica fundamental a troca


mercantil. Desse modo, a existência da sociedade capitalista depende que os
indivíduos que nela vivem relacionam-se entre si, predominamente como
livres e iguais. Só é garantida esta troca entre os indivíduos quando a troca
46

mercantil se generalizar e se tornar lógica constitutiva da sociedade. Por isso,


caberá ao Estado assegurar o direito à liberdade individual, à igualdade
formal- apenas à lei - e principalmente à propriedade privada. Sem liberdade
individual, sem igualdade formal e propriedade não poderia haver contratos,
mercados e, portanto, capitalismo (ALMEIDA, 2018, p. 71).

Para manter uma sociedade individualista, pulverizada e a propriedade privada,


acirra-se os conflitos, o Estado terá o papel de manter a ordem, simulará um poder impessoal
e imparcial. Podemos evidenciar como o Estado Novo limitou a comunidade negra em sua
organização política e ideológica. Da mesma forma, foram os sindicatos e associações
culturais que ficaram sob vigilância de acordo com Moura (1989):

No Brasil, a constituição de sua burguesia, após a independência,


principalmente a partir de 1850 com a produção cafeeira, se apoiou na
grande propriedade fundiária e no trabalho escravo. A diversificação de seus
capitais para a indústria, nas duas últimas décadas do século XIX, já com
trabalhadores assalariados imigrantes, excluiu a grande massa de negros e
mestiços saídos da escravidão ou que vegetavam em torno dela. Já no século
XX, após a Revolução Passiva de 1930, a sua fração industrial, aos poucos
se tornou hegemônica e impulsionou, apoiada e dirigida pelo Estado, a
industrialização por substituição de importações. No entanto, como ocorreu
desde a independência, essa burguesia não promoveu qualquer ruptura com
os grandes proprietários (latifundiários e oligarquias agrárias regionais)
(FILGUEIRAS, 2018).

O autor afirma que o Estado, exercendo este formato, é um Estado de classe, que tem
mecanismos repressivos e que institucionaliza os conflitos que mantém uma sociedade de
contradições, paradoxalidades e iniquidades insuperáveis.
Para plena manutenção do Estado burguês e alicerçado através do processo de
decadência do modo de produção capitalista, para se reerguer e/ou manter-se, tem a
necessidade de organizar e defender instrumentos em sua defesa (LUCENA, 2017) como as
frações de classe agrária (hoje agroindustrial), industrial, comercial e financeira. Para tal,
utilizam-se do aparato judiciário, as forças de segurança, criminaliza os movimentos sociais e
sindicatos:

O Estado, desse modo, não é um mero instrumento dos capitalistas. Pode-se


dizer que o Estado é de classe, mas não de uma classe, salvo em condições
excepcionais e de profunda anormalidade. Em uma sociedade dividida em
classes e grupos sociais, o Estado aparece como a unidade possível, em uma
vinculação que se vale de mecanismos repressivos e material-ideológicos
(ALMEIDA, 2018, p. 74).

É para isso que se cria e transforma–se, em conformidade com as necessidades


históricas dessas classes dominantes, o ordenamento legal, jurídico constitucional, com os
47

necessários aparatos do Poder Judiciário e das forças repressivas. Mas quando esse
ordenamento jurídico e constituinte trava, quaisquer que sejam os motivos, principalmente em
decorrência do avanço dos movimentos sociais e organizações políticas dos trabalhadores, a
garantia do pleno funcionamento da máquina do Estado em benefício da burguesia e o
controle do poder ou o ordenamento legal precisam ser alterados.

Em várias oportunidades no período de 1921 a 1923, a Câmara dos


Deputados considerou e discutiu leis nas quais se proibia qualquer entrada
no Brasil “de indivíduos humanos das raças de cor preta” [71]. Quase no fim
do seu governo ditatorial, Getúlio Vargas assinou em 18 de setembro de
1945, o Decreto-Lei nº 7967, regulando a entrada de imigrantes de acordo
com “a necessidade de preservar e desenvolver na composição étnica da
população, as características mais convenientes da sua ascendência
europeia” (NASCIMENTO, 2016, p. 63).

Processo de correlações de forças onde afirmamos que o racismo é estrutural e


estruturante para definir quem fica na base da pirâmide social. Os conflitos, não apenas entre
as classes, são raciais e sexuais. O racismo como estrutura delimita lugares e não lugares,
castra corpos, dita o padrão estético, histórico, político, religioso, epistêmico e cultural. É uma
forma de interditar o desenvolvimento do outro e quem hegemonicamente é padrão, detém o
poder e o capital.
Como nos alerta Florestan Fernandes:

Não é fácil responder-se às exigências intelectuais e morais da


responsabilidade científica dentro de uma cena histórica tão estreita e
intolerante. Como adepto do socialismo, todas as minhas preferências
pessoais encaminham-se no sentido de destruir a ordem social que engendra,
perpetua e revigora essa modalidade monstruosa de poder conservador,
iníqua por suas origens e por suas consequências. Em poucas palavras,
minhas convicções filosóficas e políticas são especificadamente
revolucionárias. Não vejo como sairmos da presente situação histórica por
meio de soluções conciliatórias, combinando-se de modo anacrônico um
liberalismo pervertido com um nacionalismo adulterado. Se colocasse diante
dos nossos problemas educacionais e dos nossos dilemas culturais em termos
de minhas convicções, só recomendaria uma saída, que é fornecida pelo
socialism. (FERNANDES, 1975).

Este é, portanto, o escopo principal desta tese.

2.2 A SITUAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA NO BRASIL


A situação da classe operária é a base real e o ponto
de partida de todos os movimentos sociais de nosso
tempo porque ela é, simultaneamente, a expressão
máxima e mais visível manifestação da miséria social
(ENGELS, 2010, p. 41).
48

Partindo da premissa de que a organização econômica e política brasileira sempre


serviram para acumulação de capital aos estrangeiros e, diante do exposto, os governantes
fazem uso desta prática desde a Monarquia até os dias atuais. Compreende -se que a crise
estrutural do capital impacta de forma globalizada, pulverizando o mundo e impõe sérios
ataques aos projetos de sociedade socialista em disputa. No entanto, Engels (1990) afirma que
mais do que explicar a sociedade capitalista, devemos compreender e intervir na realidade.
O século XX fora marcado por grandes acontecimentos mundiais, principalmente os
de cunho político e econômico, que impactou na configuração de nossa história, a exemplo
das duas grandes guerras mundiais e das crises dos anos de 1930 e 1970/80 que, dentre outros,
revelam o caráter absolutista e hegemônico do capital. Frigotto (2003) analisa as
consequências da crise de 30 para os aspectos sociais, destaca elementos bastante
significativos, os quais nos ajudam no entendimento acerca das relações de trabalho que se
estabeleceram a partir desse momento, sobretudo por evidenciarem que:

a problemática crucial de ordem político‐econômica e social da crise dos


anos 30 manifesta‐se tanto no desemprego em massa, quanto na queda brutal
das taxas de acumulação. Ambos incidiam na reprodução da força de
trabalho [...]” (FRIGOTTO, 2003, p. 60).

Mesmo assim, em nosso país, entre as décadas de 30 - 40 em pleno governo Vargas,


fora consolidada a organização da classe trabalhadora que culminou efetivamente num levante
aos direitos trabalhistas, assim neste governo exatamente em 1943 uma comissão elaborou
uma série de regras e criara a Consolidação de Leis do Trabalho (CLT) a partir do Decreto n.
5.452, de 1º de maio de 1943 (BRASIL, 1943).
Esta representou o marco legal que estabeleceu a proteção ao trabalhador/a no Brasil e
regulamentou as leis trabalhistas e o processo do trabalho, de forma que as regras ficassem
mais acessíveis. Desde a CLT, muitas leis foram incorporadas – desde leis específicas para o
fortalecimento da mulher no mercado de trabalho, até as mais recentes regulamentações para
empregadas domésticas.
Porém, todas as vezes que se estabeleceu no país governos que dialogassem com a
classe trabalhadora, estes foram ferozmente atacados pela classe dominante, prova disso os
vários golpes de estado na nação.
Observamos que esta lógica é absorvida pelos governantes desde o período da
Monarquia até os dias atuais. Segundo Lucena et al. (2017), durante a formação social
brasileira, os fatos não se repetem uma única vez, e tomando como objeto de debate o Golpe
49

de Estado, entendemos que várias vezes se repetiram ao longo do tempo, ainda que numa
qualidade intensificada do ponto de vista dos pilares do modo de produção capitalista
(apropriação privada da mais-valia e geração de lucro através desta para uma determinada
classe que detém os meios de produção).
Entendemos, enquanto conceito de Golpe de Estado, a derrubada de um governo
constitucionalmente legítimo, podendo ser violento ou não:

[…] é golpe porque promove uma ruptura institucional, contrariando a


normalidade da lei e submetendo o controle do Estado a alguém que não foi
legalmente 3 designado para o cargo. É golpe mesmo quando o impedimento
estiver previsto na lei maior de um país, mas as condições formais para tanto
não forem respeitadas pelos poderes do Estado – Executivo, Legislativo ou
Judiciário – como ocorrido em vários países da América Latina, ontem e
hoje (LUCENA et al., 2017, p.1).

Portanto, o Brasil passou por vários golpes de Estado que geraram sempre uma
ofensiva de ataques à classe trabalhadora. Mas quem são as pessoas que formam a classe
trabalhadora neste país? Especificamente, ao subsumir à ordem do capital, seus trabalhadores
– não negros(as), negros (as) e indígenas e demais grupos sociais, extraindo as condições
dignas e objetivas de vida.

No caso do Brasil, os golpes não foram mera disputa no campo das ideias, ou
de uma cultura golpista como herança maldita de um passado colonial.
Como ocorre em grande parte da periferia capitalista, certamente que é uma
ação política que vem desde os tempos da colônia; entretanto, não se pode
esquecer que o golpismo tem uma profunda base material, econômica, e que
no plano social e político expressa a luta entre classes e frações de classe
(LUCENA et al., 2017, p. 1-2).

Os autores afirmam que a história do golpismo no Brasil começa com a própria


Proclamação da República em 1889, nos períodos de 1930, 1937, 1954, 1958, 1961, em 1964,
1969, 1985, com o fim da Ditadura Militar e nos anos de 2016. Desta forma, o projeto do
capital também através das estratégias do golpe, paralisa o desenvolvimento humano no país.
Ademais, a onda conservadora que se instaura a cada golpe que esta nação sofre,
significando o retrocesso das conquistas obtidas nos momentos de um governo democrático
que paute a luta por equidade racial e social.
Parece óbvio, mas não é, nada é a mesma coisa. Ao cognominar a situação da classe
trabalhadora, uma análise do geral e do particular , dimensionamos a análise da realidade da
classe trabalhadora brasileira a partir da interiorização das partes, a diversidade de das
particularidades e que não podemos equiparar o que é semelhante e sim basearmos sobre as
diferenças, sobre o particular. Assim, teremos condições de apresentar como se manifesta e se
50

desenvolve a classe trabalhadora, enquanto geral temos a sociedade brasileira e o particular as


classes - a burguesa e a trabalhadora- raças - negros(as) e não negros - e a diversidade de
gêneros que a compõe. Porém, de acordo com a especificidade do que é primário ao nosso
estudo vamos desenvolver as questões em relação raça e classe.

No que concerne ao geral, seu comportamento é cambiante. Ele pode,


seguindo a natureza de suas relações, desempenhar, tanto seu próprio papel,
como o papel de particular. Nesse caso, em que ele anuncia a semelhança
das formações materiais confrontadas, ele encarna o geral, mas quando as
distingue uma das outras, então, desempenha o papel do particular
(CHEPTULIN, 2004, p. 197).

Debruçamos-nos para visibilizar o que por longos anos foi subnotificado e/ou ausente
sobre os diversos grupos da humanidade. Estas categorias nos permitem discutir as
desigualdades em todo mundo. Observa-se que mesmo com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, tal universalismo orientava organicamente os direitos através das
experiências dos homens. Assim, em pleno século XX homens e mulheres são sujeitos da
classe trabalhadora e reforçando o recorte racial, homens e mulheres negras foram
escravizados(as) e sempre estiveram presentes nesta classe trabalhadora. Para exemplificar,
retomamos Gonzalez (1984) quando disse:

Assim sendo, não foi por acaso que os imigrantes europeus concentraram-se
em regiões que, do ponto de vista político e econômico, detêm a hegemonia
quanto à determinação dos destinos do país. Refiro-me sobretudo à região
Sudeste. Por isso mesmo, pode-se afirmar a existência de uma divisão racial
do espaço, em nosso país uma espécie de segregação, com acentuada
polarização, extremamente desvantajosa para a população negra: quase dois
terços da população branca (64%) concentram-se na região mais
desenvolvida do país, enquanto a população negra, quase na mesma
proporção (69%), concentra-se no resto do país, sobretudo em regiões mais
pobres como é o caso do Nordeste e de Minas Gerais (GONZALEZ, 1984, p.
1).

A autora denuncia a naturalização da barbárie em relação a tomada de decisões sobre


os direitos de negras e negros e assim fundamenta a necessidade de aprofundar sobre como se
estrutura as classes e o sistema de estratificação social. Mesmo nas últimas décadas do século
XX, a racialidade imposta pelo capitalismo é determinante para o aprofundamento das
iniquidades e, em contraposição, acirra a luta dos movimentos sociais e frente ampla contra as
desigualdades em todo mundo.
51

O século XX fora demarcado historicamente pela Declaração Universal de Direitos


Humanos5 que garante o princípio da discriminação com base em raça. Essa garantia foi
melhor elaborada na Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial6 (International Convention on the Elimination of All Forms of Racial
Discrimination/CERD).
Compreendemos, histórica e politicamente, que o Brasil perpetuava um governo
militar, a constituição vigente não garantia tal princípio, mesmo com a promulgação do
Presidente Médici no Diário oficial da União em 10 de dezembro de 1969.
Assim, foi permitido um salto histórico, que já citamos, sobre a constituição de 1988
em artigo 5, em que a sociedade brasileira cresce e para contrariar a falsa democracia racial
que intrisecamente buscava um branqueamento da nação, o número de pardos (as), pretos (as)
cresceram no Brasil. A diáspora africana no mundo também aumenta, mas a violência da
discriminação permanece.
Tendo em vista o número de denúncias contra o racismo, violências, sexismo,
machismo, a organização e tensionamento dos movimentos sociais, os governantes e
sociedade mundial se encontram em Durban – África do Sul – para Conferência Mundial
contra discriminação racial, xenofobia e intolerâncias correlatas7.

5
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um documento marco na história dos direitos
humanos. Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a
Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, por
meio da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral como uma norma comum a ser alcançada por todos os
povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos. Desde sua adoção,
em 1948, a DUDH foi traduzida em mais de 500 idiomas – o documento mais traduzido do mundo – e inspirou
as constituições de muitos Estados e democracias recentes.
6
Adotada pela Resolução n.º 2.106-A da Assembléia das Nações Unidas, em 21 de dezembro de 1965.
Aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 23, de 21.6.1967. Ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968. Entrou
em vigor no Brasil em 4.1.1969. Promulgada pelo Decreto n.º 65.810, de 8.12.1969. Publicada no D.O. de
10.12.1969
7
Tendo reunido em Durban, África do Sul, de 31 de Agosto a 8 de Setembro de 2001, Manifestando o seu
profundo agradecimento ao Governo da África do Sul por ter acolhido esta Conferência Mundial, Inspirados pela
luta heróica do povo da África do Sul contra o sistema institucionalizado do apartheid, bem como pela igualdade
e justiça num clima de democracia, desenvolvimento, Estado de Direito e respeito pelos direitos humanos,
lembrando neste contexto a importante contribuição da comunidade internacional para essa luta e, em particular,
o papel central dos povos e governos de África, e observando o importante papel desempenhado pelos diferentes
agentes da sociedade civil nessa luta e nos esforços em curso para combater o racismo, a discriminação racial, a
xenofobia e a intolerância conexa, Recordando que a Declaração e Programa de Acção de Viena, adoptada pela
Conferência Mundial sobre Direitos Humanos em Junho de 1993, apela à rápida e completa eliminação de todas
as formas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância conexa, Recordando a resolução 1997/74 da
Comissão de Direitos Humanos, de 18 de Abril de 1997, a resolução 52/111 da Assembleia Geral e as resoluções
subsequentes destes órgãos relativas à convocação da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação
Racial, Xenofobia e Intolerância Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa 18 Conexa e
recordando também as duas Conferências Mundiais de Combate ao Racismo e à Discriminação Racial,
realizadas em Genebra em 1978 e 1983, respectivamente, Constatando com grande preocupação que, apesar dos
esforços da comunidade internacional, os principais objectivos das três Décadas de Combate ao Racismo e à
Discriminação Racial não foram atingidos e que inúmeros seres humanos continuam até aos dias de hoje a ser
vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância conexa.
52

Tendo em vista que a base da pirâmide social em todo mundo sofre com a
pauperização, a disputa de uma análise do geral e o particular materializa-se para conceber
uma observância de baixo para cima, dedicando-se a romper concepções genéricas. Assim,
institutos de pesquisas e estatísticas são pressionados a usarem os marcadores de raça, gênero
e classe e as políticas públicas, ao serem elaboradas, começam a basear-se por estes resultados
apresentados.
Se, por um lado, temos a necessidade de analisar o modo de produção capitalista, e o
método marxista enquanto uma das fundamentações deste estudo, temos, por outro lado, a
necessidade de aprofundar sobre a nossa realidade brasileira, enfim, como se manifesta a
herança do colonialismo e a égide do capitalismo na força de trabalho brasileira. Vejamos os
gráficos, na Figura 1, sobre a realidade da sociedade brasileira:

Figura 1 - População brasileira e Força de Trabalho Desocupada e Subutilizada

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019.

As figuras foram extraídas do Estudo de desigualdades sociais de raça e cor no Brasil


(IBGE, 2019), que apresentam a partir dos descritores de raça e classe como se configuram o
desenvolvimento humano no Brasil. Segundo o IBGE (2019) a maioria da população, leia-se
preta e parda, representam a maioria da população brasileira, a maioria
desempregada/desocupada, a maioria na força de trabalho e a maioria subutilizada (trabalho
informal).
De acordo com IBGE (2019) a força de trabalho subutilizada estão nos grupos que de
desempregados, daqueles que trabalham menos do que poderia, que não procurou emprego
mas estava disponível para trabalhar, também que procurou emprego formal mas não estava
disponível para a vaga (não atendia os requisitos) e ainda aqueles que estão no mercado
informal.
Quando revisitamos a história, desde o pós abolição, a grande maioria preta e parda
esteve no bolsão de força de trabalho precarizada. Como supracitado, a forte imigração no
53

período de 1870 a 1930, desenha como é formada a base econômica brasileira, alicerçando
políticas públicas que valorizam a mão de obra européia visando o processo de miscigenação
e instaurando uma falsa democracia racial, que transforma privilégios de brancos em direitos
e a população preta, parda e indígena reduzida a subempregos e/ou nenhum emprego.
Isso demonstra que nunca houve humanismo racial no Brasil, estes dados demonstram
que no Brasil não há apenas problema com divisão material, não temos um mero problema
apenas entre classes, devemos também refletir as categorias raça/cor. Portanto, classe, raça e
cor estão imbricadas para avançarmos no desenvolvimento de nossa sociedade. Poderíamos
avançar em outras categorias, porém, vamos nos ater ao objeto de estudo.
O racismo é estrutural e segundo Silvio Almeida (2018) é também institucional e
individual, considerando as atitudes de alguns para outras pessoas. Estes dados estampam a
exclusão social de um grupo de brasileiros e brasileiras que são da classe trabalhadora e
representam a maioria neste país.
Podemos exemplificar com a manutenção dos serviços domésticos, o motivo das
empregadas domésticas só conseguiram assegurar por lei enquanto categoria vosso trabalho
no século XXI? O serviço doméstico, “o servir”, faz parte do ranço do período de
escravização, não visto como emprego para a burguesia. Com isso, manter o baixo grau de
instrução, também é uma forma de segregação.
As figuras abaixo expõem que a população em relação ao nível de instrução e
subutilização, pretos/as e pardos/as, independentemente do nível, ocupam as maiores taxas.
Então, pode se constatar que o determinante para o subdesenvolvimento da população preta/
parda, é o racismo.
54

Figura 2 - População brasileira em relação ao nível de instrução e subutilização - Raça/Cor

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais (2019).

Observando os diversos segmentos da sociedade, em relação a representação política,


distribuição de renda, mercado de trabalho, moradia e educação as desigualdades continuam.
O projeto de sociedade capitalista sufoca a nação. Ao longo da história, não negros sempre
tiveram seus privilégios enquanto representatividade, enquanto condições dignas de vida.
As figuras apresentam importantes formas de manifestações das desigualdades de raça
e classe. Os padrões de usos do tempo apresentados pelos segmentos sociais são moldados
pelas estruturas sociais, normas culturais e arranjos institucionais específicos a cada
sociedade:

A ciência social da burguesia, a economia política clássica, só se ocupa


preferentemente daquelas consequências sociais que constituem o objetivo
imediato dos atos realizados pelos homens na produção e na troca. Isso
corresponde plenamente ao regime social cuja expressão teórica é essa
ciência. Porquanto os capitalistas isolados produzem ou trocam com o único
fim de obter lucros imediatos, só podem ser levados em conta,
primeiramente, os resultados mais próximos e mais imediatos. Quando um
industrial ou um comerciante vende a mercadoria produzida ou comprada
por ele e obtém o lucro habitual, dá-se por satisfeito e não lhe interessa de
maneira alguma o que possa ocorrer depois com essa mercadoria e seu
comprador. O mesmo se verifica com as consequências naturais dessas
mesmas ações. Quando, em Cuba, os plantadores espanhóis queimavam os
bosques nas encostas das montanhas para obter com a cinza um adubo que
só lhes permitia fertilizar uma geração de cafeeiros de alto rendimento pouco
lhes importava que as chuvas torrenciais dos trópicos varressem a camada
vegetal do solo, privada da proteção das árvores, e não deixassem depois de
si senão rochas desnudas! Com o atual modo de produção, e no que se refere
tanto às consequências naturais como às consequência sociais dos atos
realizados pelos homens, o que interessa prioritariamente são apenas os
primeiros resultados, os mais palpáveis. E logo até se manifesta estranheza
pelo fato de as consequências remotas das ações que perseguiam esses fins
55

serem multo diferentes e, na maioria dos casos, até diametralmente opostas;


de a harmonia entre a oferta e a procura converter-se em seu antípoda, como
nos demonstra o curso de cada um desses ciclos industriais de dez anos, e
como puderam convencer-se disso os que com o “crack” viveram na
Alemanha um pequeno prelúdio; de a propriedade privada baseada no
trabalho próprio converter-se necessariamente, ao desenvolver-se, na
ausência de posse de toda propriedade pelos trabalhadores, enquanto toda a
riqueza se concentra mais e mais nas mãos dos que não trabalham; [...]
(ENGELS, 1876).

Engels demonstra porque estamos em tal situação e aponta a necessidade de retomar


um projeto de sociedade que transponha o abismo social e a degradação humana. Passamos
por um processo sistêmico, grande parte da sociedade urgi por mudanças, mas não consegue
avaliar por onde começar e/ou realmente o país mostra sua cara, usam do fundamentalismo
revelando o “apartheid” que sempre escondeu através do mito da democracia racial. Estamos
em tempos que negam a desigualdade, naturalizam a desumanidade, reduz o/a trabalhador/a,
enfim em pleno século XXI o déjà vu da escravidão.
Exposto isso, podemos ainda afirmar que existe uma classe trabalhadora mais
precarizada que a precarizada, esta classe trabalhadora tem raça e tem gênero, segundo o
IBGE é preta, parda e feminina. Portanto, não podemos discutir e pensar em revolução no
Brasil a partir das lutas de classes sem visibilizar suas particularidades, ou seja, as questões de
raça e gênero. Então, retomando o mito da democracia racial:

O mito da “democracia racial”, tão corajosamente analisado e desmascarado


por Florestan Fernandes, orgulha-se com a proclamação de que o “Brasil tem
atingido um alto grau de assimilação da população de cor dentro do padrão
de uma sociedade próspera”. Muito pelo contrário, a realidade dos
afro-brasileiros é aquela de suportar uma tão efetiva discriminação que,
mesmo onde constituem a maioria da população, existem como minoria
econômica, cultural e nos negócios políticos. O estado da Bahia exibe
dramaticamente esta situação do afrobrasileiro despossuído (NASCIMENTO,
2016, p. 72).

E a desigualdade social, estes desencadeiam o processo:

escamotear o real, produzir o ilusório, negar a história e transformá-la em


‘natureza’. Instrumento formal da ideologia um mito é um efeito social que
pode entender-se como resultante da convergência de determinações
econômico-político-ideológicas e psíquicas. Enquanto produto
econômicopolítico-ideológico, o mito é um conjunto de representações que
expressa e oculta uma ordem de produção de bens de dominação e
doutrinação (SOUZA, 1983, p.25).

Assim, temos a necessidade de compreender: “O nexo interno entre o tormento da


fome que atinge as camadas operárias mais laboriosas e o consumo perdulário, grosseiro ou
56

refinado, dos ricos, baseado na acumulação capitalistas, só se desvela com o conhecimento


das leis econômicas” (MARX, 2013, p. 732).
Diante de todo este processo venal das desigualdades, denunciamos que a população
negra é exposta, de acordo com Mbembe (2018), existem várias formas de matar e quando o
Estado estabelece, por meio de suas instituições, quem morre e quem vive, neste caso
estabelece a Necropolítica.
A Figura 2 demonstra a ausência do Estado em todas as dimensões asseguradas pela
constituição brasileira e a Declaração dos direitos humanos que visa condições dignas e
objetivas do bem viver. A maioria brasileira, através da dominação é minorizada e segundo o
Atlas da Violência (2020) a cada três minutos morre um jovem negro.

Outro grande desafio, que demonstra os efeitos da desigualdade de raça no


Brasil e sobre o qual o país precisa avançar, refere-se aos homicídios de
adolescentes e jovens, que atingem especialmente os moradores homens de
periferia e áreas metropolitanas dos centros urbanos. De acordo com o Atlas
da Violência de 2019, em 2017, 75,5% das vítimas de homicídio eram pretas
ou pardas. Entre os adolescentes e jovens de 15 a 19 anos do sexo masculino,
os homicídios foram responsáveis por 59,1% dos óbitos (IPEA, 2020, p. 31).

A necropolítica (MBEMBE,2018) e o Genocídio do povo Negro (NASCIMENTO, 2016)


consistem em estratégias para solucionar a manha negra. Por isso, desde o século XI, estuprar
mulheres pretas, implementar políticas de esterilização da mulher preta, camuflar por longos
anos o quesito raça/cor do recenseamento, as mortes de nossos jovens através do Estado e do
tráfico, a dificuldade e até ausência de implementar políticas públicas sócio, culturais,
educacionais e econômicas, são formas de garantir o processo de dominação da burguesia e a
tentativa de embranquecimento do país ainda nos dias atuais, porém resistimos.
Alterar o modo de produção capitalista, alicerçar a luta antirracista e todas as
desigualdades, significa construir a possibilidade de romper com a exploração do trabalho
humano em geral e em específico (raça/genêro), romper com a alienação, tornar acessível o
conhecimento, a cultura, enfim reconhecer que a classe trabalhadora tem direito aos bens
materiais e imateriais da humanidade. Assim, este estudo visa a contribuição desta área do
conhecimento, reconhecendo que a Educação Física tem suas lacunas e contribuições para a
perpetuação com a manutenção do modo de produção capitalista, porém temos a condição de
reparar através do ensino da história negada com o objetivo de intervir na realidade concreta.

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