Boletim N° 071

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CAO – Crim

Boletim Criminal Comentado n° 071

Subprocuradoria-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais


Mário Luiz Sarrubbo

Coordenador do CAO Criminal


Arthur Pinto Lemos Junior

Assessores
Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Marcelo Sorrentino Neira
Paulo José de Palma
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha

Analista Jurídica
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal Comentado n° 071 – Outubro 2019

SUMÁRIO

SUMÁRIO --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 2
AVISOS ...................................................................................................................................... 3

ESTUDOS DO CAOCRIM--------------------------------------------------------------------------------------------------- 3
1- Tema: Art. 28 da Lei de Drogas e a “pena” de multa........................................................................... 3

2- Tema: Inovação legislativa - Lei nº 13.886, de 17.10.2019.................................................................. 5

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM ------------------------------ 5


DIREITO PROCESSUAL PENAL ------------------------------------------------------------------------------------------- 5
1- Tema: Lavagem de dinheiro. Denúncia. Condutas praticadas antes da Lei n. 12.683/2012. Crime
antecedente. Descrição exaustiva e pormenorizada. Desnecessidade. Lastro probatório mínimo.
Aptidão .................................................................................................................................................. 5

2- Tema: Habeas Corpus. Prejudicado. Superveniência de acordo de transação penal ......................... 9

3 - Tema: Violência doméstica e familiar contra a mulher. Dano moral in re ipsa. Valor mínimo para a
reparação civil. Art. 387, IV, do CPP. Posterior reconciliação. Irrelevância. Execução do título. Opção
da vítima. ............................................................................................................................................... 9

DIREITO PENAL------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 12
1- Tema: Associação para o tráfico- Livramento condicional ............................................................... 12

2- Tema: Crime de assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura. Art. 359-C do
Código Penal. Delito próprio. Sujeito ativo. Agente público titular de mandato ou legislatura. .......... 13

3- Tema: Art. 16 da Lei n. 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Delito considerado hediondo.


Lei n. 8.072/1990 alterada pela Lei n. 13.497/2017. Alteração legislativa que abrange o caput e o
parágrafo único ................................................................................................................................... 14

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Boletim Criminal Comentado n° 071 – Outubro 2019

AVISOS
No próximo dia 30 de outubro de 2019, às 10hs, no Auditório do Conselho Superior do MPSP, será
realizado evento sobre CIÊNCIA DE DADOS APLICADA ÀS COMPRAS PÚBLICAS E LAVAGEM DE
DINHEIRO. O Procurador-Geral de Justiça, Dr. Gianpaolo Smanio, fará a abertura dos debates. A
presidência da mesa será ocupada pela Dra. Mylene Comploier, Diretora do CAEX. Os expositores
serão Rafael Velasco, Consultor do Banco Mundial, e Danilo Carlotti, Professor do INSPER. Os
debatedores serão Arthur Lemos Jr, Coordenador do CAOCRIM, Camila Moura, Promotora de Justiça
de Carapicuíba, e Rodney Idankas, parceiro do MPSP no Tribunal de Contas do Estado. Trata-se de
discussão coerente com a política criminal voltada a fiscalização da probidade administrativa,
combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.

Na mesma data, dia 30 de outubro de 2019, em Recife, o Assessor do CAOCRIM e Promotor de Justiça
de Campinas, Dr. Rogério Sanches Cunha, levará os estudos desenvolvidos no MPSP sobre a nova Lei
de Abuso de Autoridade a todos os Juízes Criminais do Brasil. Ele participará do FÓRUM NACIONAL
DE JUÍZES CRIMINAIS – FONAJUC – www.fonajuc.com.br .

ESTUDOS DO CAOCRIM
1- Tema: Art. 28 da Lei de Drogas e a “pena” de multa

O legislador, na Lei 11.343/06, optou pela política da despenalização moderada do crime de porte de
drogas para uso próprio. Não prevê, para esse delito, sanção privativa de liberdade, mas somente
advertência, prestação de serviços à comunidade ou medida de comparecimento a programa ou
curso educativo.

Ao cabo do devido processo legal, o juiz, dentre as sanções anunciadas, elegerá uma. Com exceção
da advertência, as demais são aplicadas pelo prazo máximo de cinco meses (§ 3º), podendo ser
redobrado para 10 meses, em caso de reincidência (§ 4º). Aqui se percebe, claramente, a vedação da
prisão, eis que, mesmo reincidente, poderá ser beneficiado com uma das penas previstas na lei, só
que por prazo superior, de dez meses.

As penas podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, dependendo, por exemplo, da


quantidade de droga apreendida, das condições pessoais do condenado e demais circunstâncias que
rodeiam o fato.

Na advertência, a ser feita exclusivamente pelo juiz sentenciante, o Magistrado esclarecerá ao agente
sobre os efeitos nefastos do uso de drogas.

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Já a prestação de serviços à comunidade vem disciplinada no § 5º da lei. A lei não traz grande
inovação quando comparada à prestação de serviços à comunidade prevista no art. 46 do Código
Penal, seguindo, praticamente, o mesmo modelo. A diferença consiste no fato de que essa prestação
de serviços deve ser realizada, preferencialmente, “em entidades que se ocupem da prevenção do
consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas”.

Na medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, deverá o juiz indicar a


periodicidade (datas e horário) às quais se submeterá o agente. Na eventualidade do juiz da
condenação haver omitido a periodicidade de frequência a tal curso, cumprirá ao juiz da execução
fazê-lo, na dicção do § 3º, do art. 86 da Lei de Execuções Penais, in verbis:

“Caberá ao juiz competente, a requerimento da autoridade administrativa definir o estabelecimento


prisional adequado para abrigar o preso provisório ou condenado, em atenção ao regime e aos
requisitos estabelecidos”.

Caso descumpridas as sanções acima, o § 6º indica o caminho a ser seguido. O sentenciado deve ser
admoestado (inc. I). Não se emendando - e somente depois da admoestação verbal (é o que se
entende da expressão sucessivamente empregada pelo legislador) - caberá a aplicação de multa (inc.
II). Trata-se de multa coercitiva, para obrigar ao cumprimento da sanção imposta na sentença.

Diante do exposto, não parece correto o pedido de multa como pena principal. Além de não prevista
em lei, seu caráter no art. 28 é outro, qual seja, de “astreintes”, coercitiva, aplicada à parte que deixa
de atender decisão judicial. O instituto serve para coibir o adiamento indefinido do cumprimento de
obrigação imposta pelo Poder Judiciário. Nesse sentido:

TJSP- Apelação nº 0096282- 91.2016.8.26.0050

Apelação- Porte de droga para consumo pessoal- Sentença condenatória pelo art. 28, da Lei n.
11.343/06 – Recurso Defensivo com pleito de diminuição da pena de multa, e o não pagamento das
custas processuais, aduzindo ser pessoa pobre, nos termos da lei. Materialidade e autoria
comprovadas. Apreensão de sete gramas e quatro decigramas de 'maconha' réu que confirmou que
o entorpecente apreendido destinava-se ao consumo pessoal. Depoimentos dos Policiais Militares
esclarecendo as circunstâncias da prisão em flagrante do réu e da apreensão das drogas. Delito
consumado. Trata-se de crime de perigo abstrato e de mera conduta, não se exigindo para a
configuração do tipo penal, a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. Condenação que se mantém.
Dosimetria-pena de advertência mantida. Em caso de necessidade, manutenção das sanções
alternativas a serem aplicadas sucessivamente, tão somente em caso de recusa injustificada ao
cumprimento da medida educativa. Pleito de isenção de custas que não pode ser acolhido. Ainda que
eventualmente fosse cabível a isenção, ela somente poderá ser concedida na fase de execução, eis

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que nela é que se aferirá a real situação financeira do condenado. Sentença mantida. Recurso
improvido.

Essa questão foi enfrentada pelo colega Florindo Campanella, 3º. PJ do JECRIM da Capital, que
disponibilizou sua manifestação no Colégio recursal (clique aqui).

2- Tema: Inovação legislativa - Lei nº 13.886, de 17.10.2019 - Altera as Leis n os 7.560, de 19 de


dezembro de 1986, 10.826, de 22 de dezembro de 2003, 11.343, de 23 de agosto de 2006, 9.503, de
23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e 13.756,
de 12 de dezembro de 2018, para acelerar a destinação de bens apreendidos ou sequestrados que
tenham vinculação com o tráfico ilícito de drogas. O CAOCRIM tem o contato de empresas
especializadas na administração de bens sequestrados e cadastradas como leiloeiras oficiais, o que
pode auxiliar os colegas em casos concretos. Clique aqui para ter acesso a Lei.

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM

DIREITO PROCESSUAL PENAL:


1- Tema: Lavagem de dinheiro. Denúncia. Condutas praticadas antes da Lei n. 12.683/2012. Crime
antecedente. Descrição exaustiva e pormenorizada. Desnecessidade. Lastro probatório mínimo.
Aptidão.

INFORMATIVO 657 DO STJ- CORTE ESPECIAL

A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva
e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da
Lei n. 12.683/2012, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja
proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do
art. 1º da Lei n. 9.613/1998.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR:

Previamente às modificações realizadas pela Lei n. 12.683/2012, a imputação do crime de lavagem


de dinheiro exigia que a denúncia apontasse a suposta prática de um dos crimes antecedentes
previstos expressamente nos incisos do art. 1º da Lei n. 9.613/1998, pois, até então, a adequação
típica de uma determinada conduta ao crime de lavagem exigia que os bens, direitos ou valores
tivessem sido provenientes, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais enumeradas
no rol do citado dispositivo legal. Segundo a jurisprudência desta Corte, "tendo o crime sido praticado

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antes da alteração legislativa (Lei 12.683/2012), a denúncia [deve ter] o cuidado de imputar ao
paciente a conduta conforme previsão legal à época dos fatos" (HC 276.245/MG, Quinta Turma, DJe
20/6/2017). O STF adota o posicionamento de que "o processo e julgamento do crime de lavagem
de dinheiro é regido pelo Princípio da Autonomia, não se exigindo, para que a denúncia que imputa
ao réu o delito de lavagem de dinheiro seja considera apta, prova concreta da ocorrência de uma das
infrações penais exaustivamente previstas nos incisos I a VIII do art. 1º do referido diploma legal,
bastando a existência de elementos indiciários de que o capital lavado tenha origem em algumas das
condutas ali previstas" (STF, HC 93.368/PR, Primeira Turma, DJe de 25/8/2011). Desse modo, a inicial
deve ser considerada apta se contiver narrativa que demonstre, de modo indiciário, a probabilidade
da prática do crime antecedente e as condutas relacionadas ao suposto branqueamento de bens,
direitos e valores que provavelmente seriam proveitos desse anterior crime previsto no rol do art. 1º
da Lei n. 9.613/1998, permitindo a efetiva defesa do acusado.

PROCESSO: APn 923-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em
23/9/2019, DJe 26/9/2019.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

Não é exigível, para o início da investigação, processamento e, até mesmo, condenação pela prática
da lavagem de dinheiro, que tenha sido ajuizada ação penal ou obtida condenação judicial em relação
à infração penal antecedente. Na verdade, a lavagem de dinheiro perdurará mesmo que
desconhecido o autor da infração antecedente ou isento seu autor de pena. Como parte integrante
do aspecto subjetivo do delito de lavagem de dinheiro, torna-se necessária a demonstração de que
o agente praticou a conduta típica munido de consciência e vontade, tendo plena ciência acerca da
procedência ilícita dos bens objetos da lavagem.

Portanto, o que se faz necessário é a regular demonstração, quando da imputação da prática da


lavagem, que o recurso financeiro, objeto de suas manobras, era de origem ilícita.

Diante desse quadro, a denúncia deve descrever os fatos que se amoldam ao tipo penal de lavagem
de dinheiro, incluindo a narrativa relativa aos crimes antecedentes, de forma a demonstrar a
presença de indícios robustos quanto à ilicitude dos recursos que objetos das operações de lavagem.

A jurisprudência pátria tem sido pacífica no sentido de que não se considera inepta denúncia que
apresenta descrição detalhada dos atos de lavagem e informações suficientes quanto aos indícios da
prática do crime antecedente. Nesse sentido temos diversos julgados do STF, merecendo registro a
ementa de acórdão abaixo transcrito, de relatoria do saudoso Ministro Teori Zavascki:

PENAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DOS DEFENSORES PARA A SESSÃO DE JULGAMENTO DO HABEAS


CORPUS. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º, VI, DA LEI 9.613/1998
(REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 12.683/2012). EXTINÇÃO PREMATURA DA AÇÃO PENAL. QUESTÕES DE
MÉRITO QUE DEVEM SER DECIDIDAS PELO JUIZ NATURAL DA CAUSA. 1. Por não depender de pauta,

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a jurisprudência desta Corte tem acolhido a tese de que somente haverá nulidade do julgamento de
habeas corpus, por ausência de comunicação prévia, quando a defesa requerer que seja cientificada
da data do julgamento. Assim, ausente requerimento de sustentação oral, não há falar em
cerceamento de defesa. Precedentes. 2. A denúncia descreve de forma individualizada e objetiva as
condutas atribuídas ao recorrente, adequando-as, em tese, ao tipo de lavagem de dinheiro (art. 1º,
VI, da Lei nº 9.613/96), na medida em que expõe a suposta utilização de subterfúgio autônomo
com o objetivo de conferir aparência lícita a valores, em tese, provenientes de crime. Assim, por
não se cuidar de mera utilização do produto do delito dito ‘antecedente’, as ações descritas
possuem relevo para a esfera penal e, portanto, não cabe a esta Corte suprimir do Ministério
Público a produção de prova dirigida à demonstração de suas alegações. 3. Ademais, não há como
avançar nas alegações postas no recurso sobre a licitude do recebimento dos valores ou a veracidade
das acusações, pretensões, aliás, que demandariam o revolvimento de fatos e provas. Caberá ao juízo
natural da causa, com observância ao princípio do contraditório, proceder ao exame dos elementos
de prova colhidos e conferir a definição jurídica adequada para o caso. 4. Recurso ordinário improvido
(RHC 124313, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, j. 10/3/2015, Proc. Eletrônico DJe-
090, divulg. 14-5-2015, p. 15-5-2015).

No mesmo sentido do julgado acima, quando da apreciação de habeas corpus levada a julgamento
na 1a Turma do STF, o eminente Ministro Luiz Fux reafirma a independência da lavagem de dinheiro
em relação à infração penal antecedente, ressaltando a desnecessidade de juízo de certeza em
relação a esta quando do recebimento da exordial acusatória, in verbis:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. LEI Nº
7.492/86, ARTS. 4º, 16 E 22, PARÁGRAFO ÚNICO. CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI Nº
9.613/98, ART. 1º, VI E VII C/C ARTIGO 1º, § 1º, II C/C ARTIGO 1º, § 2º, II C/C ARTIGO 1º, § 4º.
CONEXÃO HÁBIL A FIXAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO PREVENTO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO
VERIFICADA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA QUE PREJUDICA A ANÁLISE DA AUSÊNCIA DE JUSTA
CAUSA. INOCORRÊNCIA DA INÉPCIA DA DENÚNCIA. COMPATIBILIDADE ENTRE OS CRIMES DOS
ARTIGOS 4º E 16 DA LEI 7.492/86. INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVA NA VIA ESTREITA DO
HABEAS CORPUS. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. (...) 4. A denúncia que descreve
minuciosamente fatos que se subsumem ao disposto no art. 1º, VI, da Lei 9.613/98, qual seja, o
crime contra o sistema financeiro nacional, não é inepta, porquanto traz a narrativa dos crimes
antecedentes. Para a instauração da ação penal ou para o ato de recebimento da denúncia, não se
faz necessária a certeza quanto aos crimes antecedentes. 5. O processo e julgamento do crime de
lavagem de dinheiro é regido pelo Princípio da Autonomia, não se exigindo, para que a denúncia
que imputa ao réu o delito de lavagem de dinheiro seja considera apta, prova concreta da
ocorrência de uma das infrações penais exaustivamente previstas nos incisos I a VIII do art. 1º do
referido diploma legal, bastando a existência de elementos indiciários de que o capital lavado
tenha origem em algumas das condutas ali previstas. 6. A autonomia do crime de lavagem de
dinheiro viabiliza inclusive a condenação, independente da existência de processo pelo crime
antecedente. 7. É o que dispõe o artigo 2º, II, e § 1º, da Lei nº 9.613/98: “O processo e julgamento
dos crimes previstos nesta Lei: II - independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes
referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país; § 1º A denúncia será instruída
com indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta

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Boletim Criminal Comentado n° 071 – Outubro 2019

Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime.” 8. A doutrina do tema
assenta: “Da própria redação do dispositivo depreende-se que é suficiente a demonstração de indícios
da existência do crime antecedente, sendo desnecessária a indicação da sua autoria. Portanto, a
autoria ignorada ou desconhecida do crime antecedente não constitui óbice ao ajuizamento da ação
pelo crime de lavagem. (...) Na verdade, a palavra ‘indício’ usada na Lei de Lavagem representa
uma prova dotada de eficácia persuasiva atenuada (prova semiplena), não sendo apta, por si só, a
estabelecer a verdade de um fato, ou seja, no momento do recebimento da denúncia, é necessário
um início de prova que indique a probabilidade de que os bens, direitos ou valores ocultados sejam
provenientes, direta ou indiretamente, de um dos crimes antecedentes. Não é necessário descrever
pormenorizadamente a conduta delituosa relativa ao crime antecedente, que pode inclusive sequer
ser objeto desse processo (art. 2º, II, da Lei 9.613/98), mas se afigura indispensável ao menos a sua
descrição resumida, evitando-se eventual arguição de inépcia da peça acusatória, ou até mesmo
trancamento da ação penal por meio de habeas corpus. (...) De se ver que, no momento do
recebimento da denúncia, a lei exige indícios suficientes, e não uma certeza absoluta quanto à
existência do crime antecedente” (in Luiz Flávio Gomes - Legislação Criminal Especial, Coordenador
Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha, Lavagem ou Ocultação de Bens – Renato Brasileiro, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 588/590). (HC 93368, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira
Turma, julgado em 9/8/2011, DJe-163, divulg. 24-8-2011, p. 25-8-2011, Vol. 2573-01, pp. 30).

Aliás, a jurisprudência do STF, de maneira coerente com os princípios que regem a lavagem de
dinheiro, tem decidido, quanto à imputação do tipo penal em questão, ser aceitável a demonstração
dos indícios de crime antecedente que vem sendo processado em feito diverso da lavagem, não
sendo estritamente necessária a reunião de processos em tal caso. Nesse sentido:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. 1. ALEGAÇÃO DE OFENSA


AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. ARGUMENTO DISTINTO DAQUELES APRESENTADOS NA INSTÂNCIA
ANTECEDENTE: IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 2. ALEGAÇÃO DE
IMPEDIMENTO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO PARA O JULGAMENTO DO
SEGUNDO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELO RECORRENTE: IMPROCEDÊNCIA. HABEAS
CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DENEGADO. 1. Se não foi submetida à
instância antecedente a alegação de ofensa ao princípio do juiz natural, não cabe ao Supremo
Tribunal Federal dela conhecer originariamente, sob pena de supressão de instância. Precedentes. 2.
O art. 252, inc. III, do Código de Processo Penal não preceitua qualquer ilegalidade em razão dos
julgadores terem exercido a jurisdição na mesma instância, notadamente quando os recursos de
apelação foram interpostos pela defesa contra sentenças penais proferidas em processos-crime
distintos. 3. A jurisprudência deste Supremo Tribunal assentou a impossibilidade de criação pela via
da interpretação de causas de impedimento. Precedentes. 4. A Lei n. 9.613/98 estabelece
expressamente a independência de processamento e julgamento dos crimes antecedentes em
relação ao crime de lavagem de dinheiro. 5. A identificação do crime antecedente em processo
diverso não impede o exercício da jurisdição no processo que trata do crime de lavagem de
dinheiro. 6. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado“ (RHC 105791,
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 11/12/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-022 DIVULG 31-1-2013 PUBLIC 1-2-2013).

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Boletim Criminal Comentado n° 071 – Outubro 2019

2- Tema: Habeas Corpus. Prejudicado. Superveniência de acordo de transação penal

INFORMATIVO 657 DO STJ - SEXTA TURMA

A concessão do benefício da transação penal impede a impetração de habeas corpus em que se busca
o trancamento da ação penal (PROCESSO:HC 495.148-DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta
Turma, por maioria, julgado em 24/9/2019, DJe 3/10/2019).

A defesa impetrou, perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, habeas corpus,
no qual aduziu a inépcia da denúncia e a ausência de justa causa para a ação penal. Nesse interregno,
sobreveio alteração da capitulação legal dos fatos narrados e, por conseguinte, a formulação de
proposta de transação penal, que foi aceita pela defesa, razão pela qual o referido writ foi julgado
prejudicado de forma monocrática.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

A transação penal, prevista no art. 76 da Lei n. 9.099/1995, prevê a possibilidade de o autor da


infração penal celebrar acordo com o Ministério Público (ou querelante), mediante a imposição de
medida restritiva de direitos ou multa, obstando, assim, o oferecimento da denúncia (ou queixa).

Trata-se de instituto cuja aplicação, por natureza e como regra, ocorre na fase pré-processual. Por
conseguinte, visa impedir a instauração da persecutio criminis in iudicio. E é por esse motivo que não
se revela viável, após a celebração do acordo, pretender discutir em ação autônoma a existência de
justa causa para ação penal. Como alertado, não há ação penal instaurada que se possa trancar.

Observou o STJ, ainda, que a impossibilidade de impetração de habeas corpus neste caso não significa
violação à garantia constitucional insculpida no art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal. Tal
entendimento decorre da constatação de que, por acordo das partes, em hipótese de exceção ao
princípio da obrigatoriedade da ação penal, deixou-se de formular acusação contra o autor dos fatos,
possibilitando a solução da “quaestio” em fase pré-processual, de forma consensual. Portanto, seria
incompatível e contraditório com o instituto da transação permitir que se impugne em juízo a justa
causa de ação penal que, a bem da verdade, não foi deflagrada.

3 - Tema: Violência doméstica e familiar contra a mulher. Dano moral in re ipsa. Valor mínimo para
a reparação civil. Art. 387, IV, do CPP. Posterior reconciliação. Irrelevância. Execução do título.
Opção da vítima.

INFORMATIVO 657 DO STJ - SEXTA TURMA

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Boletim Criminal Comentado n° 071 – Outubro 2019

A reconciliação entre a vítima e o agressor, no âmbito da violência doméstica e familiar contra a


mulher, não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo para
reparação dos danos causados pela infração penal.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que, nos casos de violência doméstica e
familiar contra a mulher, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral,
desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a
quantia, e independentemente de instrução probatória.

A Corte Cidadã, com fundamento nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (CF,
art. 1º, III), da igualdade (CF, art. 5º, I) e da vedação a qualquer discriminação atentatória dos direitos
e das liberdades fundamentais (CF, art. 5º, XLI), e em razão da determinação de que “O Estado
assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos
para coibir a violência no âmbito de suas relações” (art. 226, § 8º), tem avançado na maximização
dos princípios e das regras do novo subsistema jurídico introduzido em nosso ordenamento com a
Lei n. 11.340/2006, vencendo a timidez hermenêutica na censura à violência doméstica e familiar
contra a mulher, como deixam claro os verbetes sumulares n. 542, 588, 589 e 600. Refutar, com
veemência, a violência contra as mulheres implica defender sua liberdade (para amar, pensar,
trabalhar, se expressar), criar mecanismos para seu fortalecimento, ampliar o raio de sua proteção
jurídica e otimizar todos os instrumentos normativos que de algum modo compensem ou atenuem
o sofrimento e os malefícios causados pela violência sofrida na condição de mulher.

“A evolução legislativa ocorrida na última década em nosso sistema jurídico evidencia uma
tendência, também verificada em âmbito internacional, a uma maior valorização e legitimação da
vítima, particularmente a mulher, no processo penal. Entre diversas outras inovações introduzidas
no Código de Processo Penal com a reforma de 2008, nomeadamente com a Lei n. 11.719/2008,
destaca-se a inclusão do inciso IV ao art. 387, que, consoante pacífica jurisprudência desta Corte
Superior, contempla a viabilidade de indenização para as duas espécies de dano – o material e o
moral -, desde que tenha havido a dedução de seu pedido na denúncia ou na queixa. Mais robusta
ainda há de ser tal compreensão quando se cuida de danos morais experimentados pela mulher
vítima de violência doméstica. Em tal situação, emerge a inarredável compreensão de que a fixação,
na sentença condenatória, de indenização, a título de danos morais, para a vítima de violência
doméstica, independe de indicação de um valor líquido e certo pelo postulante da reparação de
danos, podendo o quantum ser fixado minimamente pelo Juiz sentenciante, de acordo com seu
prudente arbítrio. No âmbito da reparação dos danos morais – visto que, por óbvio, os danos
materiais dependem de comprovação do prejuízo, como sói ocorrer em ações de similar natureza -,
a Lei Maria da Penha, complementada pela reforma do Código de Processo Penal já mencionada,

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passou a permitir que o juízo único – o criminal – possa decidir sobre um montante que, relacionado
à dor, ao sofrimento, à humilhação da vítima, de difícil mensuração, deriva da própria prática
criminosa experimentada. Não se mostra razoável, a esse fim, a exigência de instrução probatória
acerca do dano psíquico, do grau de humilhação, da diminuição da autoestima etc., se a própria
conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo à
dignidade e ao valor da mulher como pessoa. Também justifica a não exigência de produção de prova
dos danos morais sofridos com a violência doméstica a necessidade de melhor concretizar, com o
suporte processual já existente, o atendimento integral à mulher em situação de violência doméstica,
de sorte a reduzir sua revitimização e as possibilidades de violência institucional, consubstanciadas
em sucessivas oitivas e pleitos perante juízos diversos. O que se há de exigir como prova, mediante
o respeito ao devido processo penal, de que são expressão o contraditório e a ampla defesa, é a
própria imputação criminosa – sob a regra, derivada da presunção de inocência, de que o ‘onus
probandi’ é integralmente do órgão de acusação -, porque, uma vez demonstrada a agressão à
mulher, os danos psíquicos dela derivados são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados
(STJ, Terceira Seção, REsp 1643051/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/2/2018).

Pois bem. No julgado em comento, decidiu a mesma Corte que a posterior reconciliação entre a
vítima e o agressor não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor
mínimo previsto no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, seja porque não há previsão
legal nesse sentido, seja porque compete à própria vítima decidir se irá promover a execução ou não
do título executivo, sendo vedado ao Poder Judiciário omitir-se na aplicação da legislação processual
penal que determina a fixação de valor mínimo em favor da vítima.

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Boletim Criminal Comentado n° 071 – Outubro 2019

DIREITO PENAL:
1- Tema: Associação para o tráfico- Livramento condicional

STJ- AgRg no HC 499.706/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado
em 18/6/2019, DJe 27/6/2019

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.


CRIME NÃO CONSIDERADO HEDIONDO OU EQUIPARADO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. REQUISITO
OBJETIVO. CUMPRIMENTO DE 2/3 (DOIS TERÇOS). ART. 44, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.
11.343/2006. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

1. A jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça reconhece que o crime de associação para
o tráfico de entorpecentes (art. 35 da Lei n. 11.343/2006) não figura no rol de delitos hediondos ou
a eles equiparados, tendo em vista que não se encontra expressamente previsto no rol taxativo do
art. 2º da Lei n. 8.072/1990.

2. No entanto, a despeito de o crime de associação para o tráfico não ser considerado hediondo no
que se refere à concessão do livramento condicional, deve-se, em razão do princípio da
especialidade, observar a regra estabelecida pelo art. 44, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006, ou
seja, exigir o cumprimento de 2/3 (dois terços) da pena.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

STJ- RECURSO ESPECIAL Nº 1.817.819 - SP

EMENTA

PENAL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PLEITO MINISTERIAL. LIVRAMENTO


CONDICIONAL. CRIME DO ART. 34 DA LEI N. 11.343/2006. LAPSO PARA OBTENÇÃO DO LIVRAMENTO
CONDICIONAL. 2/3. CONDIÇÃO OBJETIVA. ART. 44, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 11.343/2006.
SUMULA 568/STJ. RECURSO ESPECIAL PROVIDO

Esta jurisprudência foi incluída a pedido do Setor de Recursos Criminais Extraordinários e Especiais.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

Há quem sustente que o delito de associação para o tráfico (art. 35) é também equiparado a
hediondo, sofrendo todos os consectários da Lei 8.072/90. A maioria, contudo, discorda. A CF/88
etiquetou, num rol taxativo, os crimes equiparados a hediondo, quais sejam, tortura, terrorismo e o
tráfico ilícito de drogas e substâncias afins. Exclui-se, portanto, o delito de associação:

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Boletim Criminal Comentado n° 071 – Outubro 2019

“A jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça reconhece que o crime de associação para
o tráfico de entorpecentes (art. 35 da Lei n. 11.343/2006) não figura no rol de delitos hediondos ou
a eles equiparados, tendo em vista que não se encontra expressamente previsto no rol taxativo do
art. 2º da Lei n. 8.072/1990” (HC 429.672/SP, DJe 27/8/2018).

Apesar de excluído do rol dos crimes de máxima potencialidade lesiva, por força da atual Lei
11.343/06, este crime passou a ser inafiançável e insuscetível de sursis, graça, indulto e anistia (art.
44, caput).

No que tange ao livramento condicional para o condenado pela prática da associação para o tráfico,
o STJ tem sido provocado a decidir a respeito da fração de cumprimento da pena a ser cumprida.
Argumenta-se que, não se tratando de crime equiparado a hediondo, a regra aplicável deve ser a do
Código Penal, isto é, cumprimento de mais de um terço da pena, caso o agente não seja reincidente
em crime doloso e tenha bons antecedentes, ou mais de metade, se for reincidente em crime doloso.

O tribunal, no entanto, refuta a tese sob o fundamento de que o livramento condicional nos crimes
relativos a drogas é disciplinado inteiramente pelo parágrafo único do art. 44, que estabelece o
cumprimento de ao menos dois terços da pena, ainda que o agente não seja reincidente e não se
trate de delito equiparado a hediondo.

Clique aqui para ter acesso ao inteiro teor.

2- Tema: Crime de assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura. Art. 359-C do
Código Penal. Delito próprio. Sujeito ativo. Agente público titular de mandato ou legislatura.

INFORMATIVO 657 DO STJ -QUINTA TURMA

O delito do art. 359-C do Código Penal é próprio ou especial, só podendo ser cometido por agentes
públicos titulares de mandato ou legislatura.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR:

Registre-se, inicialmente, que não é cabível a tese de que o crime de assunção de obrigação admite
como autor outros funcionários públicos que tenham poder de disposição sobre os recursos
financeiros da Administração Pública. De acordo com a doutrina, o crime é próprio ou especial
porque somente pode ser cometido pelos agentes públicos titulares de mandato ou legislatura,
representantes dos órgãos e entidades indicados no art. 20 da Lei Complementar n. 101/2000 - Lei
de Responsabilidade Fiscal -, pois apenas tais pessoas têm atribuição para assunção de obrigações.
Ademais, o crime é cometido pelos gestores nomeados para o exercício de mandato, quando gozam
de autonomia administrativa e financeira, além de ser unissubjetivo, possuindo um único sujeito.

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Boletim Criminal Comentado n° 071 – Outubro 2019

PROCESSO: AREsp 1.415.425-AP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade,
julgado em 19/09/2019, DJe 24/09/2019

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

O art. 359-C do CP, com igual redação da LRF, tipifica a conduta consistente em ordenar (determinar)
ou autorizar (permitir) a assunção de obrigação:

a) nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa
ser paga no mesmo exercício financeiro. Assim agindo, o agente inviabiliza ou dificulta a gestão futura
(criminosa passagem de encargos e despesas já compromissadas). Ressalte-se que, se a dívida for
assumida em momento anterior aos dois últimos quadrimestres do mandato, o fato será atípico, pois
faltará o elemento temporal do tipo;

b) nos últimos oito meses do mandato, que resulte em parcela a ser paga no exercício seguinte, sem
contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa.

De acordo com a doutrina, trata-se de crime próprio, praticado por detentor de mandato (ainda que
não eletivo), com poder de decisão administrativa sobre o ente público que representa. O tema foi
explicado de forma impecável (com exemplos) nas lições de Cezar Roberto Bitencourt:

“Como todos os demais crimes deste novo capítulo do CP, trata-se de crime próprio, mas este é
especialíssimo, na medida em que não basta ser funcionário público, mas deve ser titular de mandato
(eletivo ou não), com poderes decisórios em nome da instituição ou Poder Público que representa.
Assim, sujeitos ativos são o Presidente (da República, do Senado, da Câmara, de Assembleias
Legislativas, de Câmaras de Vereadores, de Tribunais etc.), o Governador do Estado, os Procuradores-
gerais de Justiça, da República, dos Estados, o Advogado-geral de União, o Defensor-geral da União,
o Defensor-geral do Estado, do Município etc. (arts. 42 e 20, § 2º, da Lei Complementar 101/2000).
Tratando-se de mandatos, sujeito ativo pode ser o eventual substituto legal.” (Tratado de Direito
Penal, vol. 5, Saraiva, p. 474).

3- Tema: Art. 16 da Lei n. 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Delito considerado hediondo.


Lei n. 8.072/1990 alterada pela Lei n. 13.497/2017. Alteração legislativa que abrange o caput e o
parágrafo único.

INFORMATIVO 657 DO STJ - SEXTA TURMA

A qualificação de hediondez aos crimes do art. 16 da Lei n. 10.826/2003, inserida pela Lei n.
13.497/2017, abrange os tipos do caput e as condutas equiparadas previstas no seu parágrafo único.

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Boletim Criminal Comentado n° 071 – Outubro 2019

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR:

O art. 16 da Lei n. 10.826/2003 (Estatuto do desarmamento) prevê gravosas condutas de contato


com "arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito", vindo seu parágrafo único a
acrescer figuras equiparadas – em gravidade e resposta criminal. Dessa forma, ainda que algumas
das condutas equiparadas possam ser praticadas com armas de uso permitido, o legislador as
considerou graves ao ponto de torná-las com reprovação criminal equivalente às condutas do caput.
No art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 8.072/1990, com redação dada pela Lei n. 13.497/2017, o
legislador limitou-se a prever que o delito descrito no art. 16 da Lei n. 10.826/2003 é considerado
hediondo. Assim, como a equiparação é tratamento igual para todos os fins, considerando
equivalente o dano social e equivalente também a necessária resposta penal, salvo ressalva expressa,
ao ser qualificado como hediondo o art. 16 da Lei n. 10.826/2003, as condutas equiparadas devem
receber igual tratamento.

Proc. HC 526.916-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 1/10/2019,
DJe 8/10/2019.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

Dentre os delitos tipificados na Lei 10.826/03, há o do art. 16, que pune no caput as condutas de
possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que
gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo,
acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar.

O art. 16 da Lei 10.826/03 contém, ainda, um parágrafo com condutas equiparadas, mas que, na
realidade, não têm – ou não precisam ter – direta relação com aquelas das quais derivam. São elas:

I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou


artefato;

II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de


uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade
policial, perito ou juiz;

III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar;

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou
qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;

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Boletim Criminal Comentado n° 071 – Outubro 2019

V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou
explosivo a criança ou adolescente;

VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição
ou explosivo.

Pois bem, a Lei 13.497/17 alterou a Lei 8.072/90 para dispor que o crime de posse ou porte ilegal de
arma de fogo de uso restrito ou proibido passa a ser hediondo. Surge, então, uma dúvida diante da
menção genérica ao art. 16: todas as formas nele tipificadas passam a ser tratadas como hediondas,
ou só a forma básica, tipificada no caput?

Se analisarmos as justificativas do projeto de lei, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados,
veremos que a intenção era punir com mais rigor a conduta tipificada no caput. Com efeito, as
referências dos parlamentares que advogavam a aprovação do projeto eram todas à crescente
violência ligada à posse e ao porte de armamentos por criminosos, que normalmente fazem uso de
artefatos com grande poder de fogo, não raro maior do que os de que dispõem as forças policiais,
razão pela qual o maior rigor na punição seria um esforço a ser somado no combate a prática tão
nefasta. E, se analisarmos as condutas tipificadas no parágrafo único do art. 16, veremos que algumas
delas não estão necessariamente ligadas às circunstâncias descritas nas justificativas parlamentares,
como ocorre com os incisos I, IV, V e VI.

De fato, o maior perigo causado pela posse ou pelo porte de uma arma de uso restrito não tem
nenhuma relação com o ato de suprimir marca, numeração ou sinal de identificação de arma de fogo,
tanto que esta conduta pode ser cometida inclusive sobre armas de uso permitido. Exatamente o
mesmo pode ser dito dos demais incisos citados, pois todas as condutas neles tipificadas podem se
fundamentar tanto em armas de uso permitido quanto em armas de uso restrito.

Vislumbramos, neste caso, o surgimento de discussão semelhante àquela antes travada na doutrina
e na jurisprudência a respeito da hediondez dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor.
Tratava-se, naquele caso, de redação mais detalhada do que a referência feita agora ao art. 16 do
Estatuto do Desarmamento, mas que não impediu o debate sobre se as formas básicas daqueles
delitos deveriam ser também incluídas entre os crimes hediondos.

No caso da Lei 13.497/17 há mais motivos para o debate, justamente em virtude da referência
genérica ao art. 16 do Estatuto do Desarmamento e à frágil relação lógica que se estabelece entre as
figuras do caput e algumas das dispostas no parágrafo único.

Parece-nos, todavia, não ser possível limitar a incidência das disposições relativas aos crimes
hediondos apenas à conduta do caput do art. 16. O projeto da Lei 13.497/17 tramitou, entre o Senado
e a Câmara, por mais de três anos e foi objeto de extenso debate, tanto que foram diversas as
modificações promovidas ao longo do caminho (originalmente, aliás, o projeto contemplava o

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Boletim Criminal Comentado n° 071 – Outubro 2019

comércio ilegal e o tráfico internacional de armas de fogo, que lamentavelmente acabaram não
sendo incluídos). Fosse para limitar a incidência do maior rigor ao caput, temos de supor que o
legislador o teria feito expressamente.

Além disso, limitar a incidência da Lei dos Crimes Hediondos a uma parte do tipo penal criaria uma
situação desproporcional. Ora, ainda que se considere a natureza diversa de algumas das condutas
tipificadas no parágrafo único, trata-se de figuras equiparadas ao caput por expressa disposição legal.
Se, ao elaborar tipo do art. 16, o legislador utilizou a fórmula “nas mesmas penas incorre”, isso se
deu porque as condutas ali elencadas eram consideradas da mesma gravidade das anteriores. É,
afinal, o que fundamenta as formas equiparadas nos tipos penais. Ignorar isso e destacar, para os
efeitos da hediondez, o caput do parágrafo único seria nada mais do que conferir tratamento
diferenciado a figuras penais que o legislador erigiu à categoria de equivalentes. Diante disso,
qualquer conduta do art. 16, caput e parágrafo único, da Lei 10.826/03 passa a atrair os consectários
relativos aos crimes hediondos. Nesse sentido, aliás, já havia decidido, recentemente, o STJ (HC
460.910 - PR 2018/0184654-0).

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