CAO – Crim
Boletim Criminal Comentado n° 065
Subprocuradoria-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais
Mário Luiz Sarrubbo
Coordenador do CAO Criminal
Arthur Pinto Lemos Junior
Assessores
Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Marcelo Sorrentino Neira
Paulo José de Palma
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Analista Jurídica
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal Comentado n° 065 – setembro 2019
SUMÁRIO
SUMÁRIO --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 2
ESTUDOS DO CAOCRIM--------------------------------------------------------------------------------------------------- 3
1-Tema: Incidência do art.40, III, da Lei de Drogas. Elevação de pena e aplicação de regime fechado .. 3
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM ------------------------------ 5
DIREITO PROCESSUAL PENAL ------------------------------------------------------------------------------------------- 5
1- Tema: Para Terceira Seção do STJ, estelionato por meio de aplicativo deve ser julgado onde o
dinheiro foi recebido ............................................................................................................................. 5
2- Tema: Magistrados e membros do Ministério Público- Impedimento e suspeição- Interpretação
dos arts 252, 253 e 258, do Código de Processo Penal........................................................................... 8
DIREITO PENAL-------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 9
1- Tema: Sexta Turma decide que assédio sexual pode ser caracterizado entre professor e aluno ....... 9
2- Tema: Crime de latrocínio: consumação e tentativa........................................................................ 12
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ESTUDOS DO CAOCRIM
1-Tema: Incidência do art.40, III, da Lei de Drogas. Elevação de pena e aplicação de regime fechado.
O tráfico de drogas será majorado na sua pena se tiver sido cometido nas dependências (interior,
compartimentos, cômodos) ou imediações (redondeza) de estabelecimentos prisionais (cadeias,
penitenciárias e Fundação CASA), de ensino (escolas, faculdades, universidades, cursos técnicos) ou
hospitalares (postos de saúde, hospitais, manicômios), de sedes de entidades estudantis
(agremiações de estudantes, como sede da UNE), sociais, culturais (museus, exposições), recreativas
(clubes, parques), esportivas (hipódromo, estádios, ginásios), ou beneficentes (orfanatos, asilos,
casas de caridade), de locais de trabalho coletivo (empresas em geral, fazendas), de recintos onde se
realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza (cinema, teatro, shows, mesmo que ao ar
livre), de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social (ambulatórios ou
casas de recuperação), de unidades militares (batalhão) ou policiais (delegacias) ou em transportes
públicos (ônibus, rodoviárias, pontos de táxi).
Os locais foram aumentados em relação à Lei 6.368/76, trazendo amplitude (repetitivo em alguns
pontos) que dificilmente se verá um crime de tráfico que não seja majorado. Mesmo diante dessa
opção legislativa, são raras as investigações em que a majorante é explorada pelo Autoridade Policial.
Aliás, no que concerne ao tráfico cometido em transportes públicos, o STF tem decisões no sentido
de que a majorante só pode ser aplicada se o transporte público for utilizado (ou se o agente
pretender utilizá-lo) para o efetivo comércio da droga. Caso sua intenção seja simplesmente se
deslocar com droga utilizando o sistema de transporte, não há o aumento:
“O entendimento de ambas as Turmas do STF é no sentido de que a causa de aumento de pena para
o delito de tráfico de droga cometido em transporte público (art. 40, III, da Lei 11.343/2006) somente
incidirá quando demonstrada a intenção de o agente praticar a mercancia do entorpecente em seu
interior. Fica afastada, portanto, na hipótese em que o veículo público é utilizado unicamente para
transportar a droga. Precedentes” (HC 119.811/MS, DJe 01/07/2014).
O Superior Tribunal de Justiça, discordando do STF, tem posicionamento consolidado no sentido de
que, para a incidência da majorante prevista no artigo 40, III, da Lei n. 11.343/2006, é suficiente que
o crime tenha ocorrido nas imediações dos locais especialmente protegidos, sendo, pois,
desnecessária comprovação da efetiva mercancia aos frequentadores dessas localidades (PROCESSO:
HC 450.926/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2018, DJe
15/08/2018).
No que diz respeito à palavra “imediação”, prevista no art. 40, III, existe indisfarçável controvérsia.
Vejamos a lição de Vicente Greco:
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Boletim Criminal Comentado n° 065 – setembro 2019
“O termo ‘imediações’ não pode ser convertido em medida métrica rígida, mas deve ser entendido
dentro de critério razoável em função do perigo maior que a Lei procura coibir: as imediações,
portanto, abrangem a área em que poderia facilmente o traficante atingir o ponto protegido em
especial, com alguns passos, em alguns segundos, ou em local de passagem obrigatória ou normal
das pessoas que saem do estabelecimento ou a ele se dirigem” (Lei de Drogas, p.145)
Esses temas foram debatidos pela colega Nilza Pinheiro Chaim. Clique aqui para ter acesso a
Denúncia, a apelação e ao acórdão do TJSP.
Aproveitamos para registrar que a Polícia Civil de São Paulo, doravante, após ser instada pelo
CAOCRIM, irá elaborar nos inquéritos policiais digitais croquis em casos de tráfico de drogas para
demonstrar a eventual existência de estabelecimentos de ensinos nas proximidades do local de
apreensão de drogas, o que certamente irá facilitar a incidência da majorante.
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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1- Tema: Para Terceira Seção do STJ, estelionato por meio de aplicativo deve ser julgado onde o
dinheiro foi recebido
DECISÃO DO STJ- Publicado em notícias do STJ no dia 11/09/2019
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é competência da 5ª Vara Criminal
de São Bernardo do Campo (SP) a condução de inquérito policial e eventual julgamento de
estelionato praticado por meio de aplicativo, por ter sido lá que os valores efetivamente entraram
na esfera de disponibilidade dos acusados.
A vítima comprou uma carta de crédito para aquisição de um veículo Mercedez Benz por meio de
aplicativo especializado em anúncios dos chamados "carros de repasse". Seguindo as orientações dos
supostos vendedores, ele fez duas transferências – de R$ 40 mil e R$ 80 mil – para contas situadas
em agências bancárias da cidade de São Bernardo do Campo. Também efetuou um depósito em
dinheiro na boca do caixa, no valor de R$ 4 mil. As movimentações foram feitas pela conta bancária
da vítima, cujo banco se situa em Caxias do Sul (RS).
No conflito de competência julgado pela Terceira Seção, o juízo suscitado, da 5ª Vara Criminal de São
Bernardo do Campo, entendeu que ainda que as contas bancárias dos supostos vendedores
pertençam a agências situadas em São Bernardo do Campo, o local geográfico de destinação do
dinheiro integra o post-factum, não coincidindo com o local de consumação do crime, que seria o
lugar onde se realizou o depósito – Caxias do Sul.
O suscitante, juízo da 2ª Vara Criminal de Caxias do Sul, por sua vez, sustentou que a obtenção da
vantagem indevida ocorreu quando o dinheiro ingressou nas contas dos supostos estelionatários, em
São Bernardo do Campo.
Consumação
Segundo o relator do conflito, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, o artigo 70 do Código de
Processo Penal estabelece que a competência será, em regra, determinada pelo lugar em que se
consumou a infração, e o estelionato, crime tipificado no artigo 171 do Código Penal, "consuma-se
no local e momento em que é auferida a vantagem ilícita".
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Para o ministro, quando o estelionato ocorre por meio do saque ou compensação de cheque, a
obtenção da vantagem ilícita ocorre no momento em que o cheque é sacado, e o local da obtenção
dessa vantagem é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado,
ou seja, onde a vítima possui conta bancária.
Quando a vítima, voluntariamente – como no caso analisado –, efetua depósitos ou faz transferência
de valores para o estelionatário, a obtenção da vantagem ilícita ocorre quando o criminoso
efetivamente se apossa do dinheiro, no momento em que ele é depositado em sua conta.
"Como, no caso concreto, a vítima efetuou tanto um depósito em dinheiro quanto duas
transferências bancárias, para duas contas-correntes vinculadas a agências bancárias situadas na
cidade de São Bernardo do Campo, é de se reconhecer que a competência para a condução do
inquérito policial é do juízo de direito de São Bernardo do Campo", concluiu.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): CC 167025
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Da simples leitura do tipo do art. 171 do CP, percebe-se que, para existir o crime, necessário se faz a
presença de três elementos:
a) fraude: lesão patrimonial provocada pelo engano;
b) vantagem ilícita: se é devida a vantagem visada, desaparece o crime patrimonial e pode se tipificar
o exercício arbitrário das próprias razões;
c) prejuízo alheio: a vítima deve sofrer um prejuízo patrimonial que corresponda à vantagem indevida
obtida pelo agente.
Quando o tipo se refere a vantagem ilícita e a prejuízo alheio fica claro que a primeira pressupõe o
segundo, pois quem obtém ilicitamente algum bem está evidentemente lesando o patrimônio da
outra parte, impondo-lhe um prejuízo. O crime é, portanto, de duplo resultado, consumando-se
somente após a efetiva obtenção da vantagem indevida, correspondente à lesão patrimonial de
outrem.
Dadas as diversas circunstâncias em que o estelionato pode ser cometido, não raro surgem dúvidas
a respeito do juízo competente para julgamento, pois nem sempre quem sofre o prejuízo e quem
obtém a vantagem se encontram no mesmo local e, em tais situações, pode haver certa dificuldade
para estabelecer com precisão onde o estelionatário realmente alcançou o proveito de seu ardil.
É o caso do conflito de competência 167.025/RS (j. 14/08/2019), no qual o STJ decidiu a controvérsia
surgida a partir de um estelionato cometido por meio de aplicativo utilizado para a negociação dos
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chamados “carros de repasse”, oferecidos por preço médio abaixo do de mercado porque são
comprados e vendidos no estado em que se encontram, sem que o vendedor tenha a obrigação de
promover revisões estéticas e mecânicas. No caso julgado, a vítima, residente em Caxias do Sul/RS,
havia adquirido uma carta de crédito para a compra de um veículo Mercedes-Benz. O pagamento foi
feito por meio de duas transferências eletrônicas nos valores de R$ 40.000,00 e R$ 80.000,00 e por
um depósito no valor de R$ 4.000,00, tudo com destino a agências bancárias situadas em São
Bernardo do Campo/SP.
O juízo de São Bernardo do Campo declinou de sua competência sob o fundamento de que o local
em que recebido o dinheiro integra uma espécie de post factum, pois o crime havia se consumado
no lugar onde a vítima fez os pagamentos, ou seja, Caxias do Sul. Este juízo, por sua vez, suscitou o
conflito argumentando que a competência deve ser determinada pelo local onde foi obtida a
vantagem, isto é, São Bernardo do Campo.
A Terceira Seção do STJ lhe deu razão ao assentar que no estelionato em que a vítima efetua
depósitos bancários a obtenção da vantagem ilícita ocorre apenas quando o agente se apossa do
dinheiro, o que, no caso, ocorreu na cidade paulista:
“1. Nos termos do art. 70 do CPP, a competência será de regra determinada pelo lugar em que se
consumou a infração e o estelionato, crime tipificado no art. 171 do CP, consuma-se no local e
momento em que é auferida a vantagem ilícita. De se lembrar que o prejuízo alheio, apesar de fazer
parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato e não à conduta
propriamente. De fato, o núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão pela qual a consumação
se dá no momento em que os valores entram na esfera de disponibilidade do autor do crime, o que
somente ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente. 2. Há que se
diferenciar a situação em que o estelionato ocorre por meio do saque (ou compensação) de cheque
clonado, adulterado ou falsificado, da hipótese em que a própria vítima, iludida por um
ardil, voluntariamente, efetua depósitos e⁄ou transferências de valores para a conta corrente de
estelionatário. Quando se está diante de estelionato cometido por meio de cheques adulterados ou
falsificados, a obtenção da vantagem ilícita ocorre no momento em que o cheque é sacado, pois é
nesse momento que o dinheiro sai efetivamente da disponibilidade da entidade financeira sacada
para, em seguida, entrar na esfera de disposição do estelionatário. Em tais casos, entende-se que o
local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o
cheque adulterado, seja dizer, onde a vítima possui conta bancária. Já na situação em que a vítima,
induzida em erro, se dispõe a efetuar depósitos em dinheiro e⁄ou transferências bancárias para a
conta de terceiro (estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita por certo ocorre quando o
estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro, seja dizer, no momento em que ele é depositado
em sua conta. (…) 3. Tendo a vítima efetuado um depósito em dinheiro e duas transferências
bancárias para duas contas correntes vinculadas a agências bancárias situadas na cidade de São
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Bernardo do Campo⁄SP, é de se reconhecer a competência do Juízo de Direito de São Bernardo do
Campo⁄SP para conduzir o inquérito policial. 4. Conflito conhecido, para declarar a competência do
Juízo da 5ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo⁄SP, o suscitado.”
2- Tema: Magistrados e membros do Ministério Público- Impedimento e suspeição- Interpretação
dos arts 252, 253 e 258, do Código de Processo Penal
STJ- Pesquisa Pronta
Ao julgar o HC 478.645, de relatoria do ministro Ribeiro Dantas, a Quinta Turma considerou que são
taxativas as situações de impedimento e/ou suspeição previstas para magistrados e membros do
Ministério Público nos artigos 252, 253 e 258 do Código de Processo Penal.
"A consolidada jurisprudência dos tribunais superiores sustenta que as hipóteses causadoras de
impedimento/suspeição, constantes nos artigos 252, 253 e 258 do Código de Processo Penal, são
taxativas, não sendo viável interpretação extensiva e analógica, sob pena de se criar judicialmente
nova causa de impedimento não prevista em lei, o que vulneraria a separação dos poderes e, por
consequência, cercearia inconstitucionalmente a atuação válida do magistrado ou mesmo do
promotor", ressaltou Ribeiro Dantas.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
De fato, a jurisprudência dos Tribunais Superiores caminha no sentido de que, enquanto as causas
de impedimento do juiz, elencadas nos arts. 252, 253 e 258 do CPP, implicam em um rol taxativo, as
causas de suspeição do art. 254 constituem um rol exemplificativo, ou seja, admitem ampliação para
outras hipóteses além daqueles listadas no dispositivo em exame.
É que as causas de impedimento possuem um caráter objetivo, impondo uma presunção absoluta de
parcialidade do Magistrado, caso incorra em uma delas.
Já as hipóteses de suspeição possuem como característica a subjetividade, sendo inviável que se
exigisse do legislador a capacidade de prever todas as situações em que elas se manifestam, tamanha
a diversidade de situações que podem ocorrer, aptas a configurar a parcialidade do juiz.
Clique aqui para ter acesso as jurisprudências
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DIREITO PENAL:
1- Tema: Sexta Turma decide que assédio sexual pode ser caracterizado entre professor e aluno
DECISÃO DO STJ- Publicado em notícias do STJ no dia 09/09/2019
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, entendeu que o crime de assédio
sexual – definido no artigo 216-A do Código Penal (CP) e geralmente associado à superioridade
hierárquica em relações de emprego – pode ser caracterizado no caso de constrangimento cometido
por professores contra alunos.
No voto seguido pela maioria, o ministro Rogerio Schietti Cruz destacou que, embora não haja
pacificação doutrinária e jurisprudencial acerca do tema, é preciso considerar a relação de
superioridade hierárquica entre professor e aluno, nas hipóteses em que o docente se vale da sua
profissão para obter vantagem sexual.
"Ignorar a notória ascendência que o mestre exerce sobre os pupilos é, equivocadamente,
desconsiderar a influência e, mormente, o poder exercido sobre os que admiram, obedecem e, não
raro, temem aquele que detém e repassa o conhecimento", afirmou Schietti.
O caso
Segundo o processo, o réu, em 2012, ao conversar com uma aluna adolescente em sala de aula sobre
suas notas, teria afirmado que ela precisava de dois pontos para alcançar a média necessária e, nesse
momento, teria se aproximado dela e tocado sua barriga e seus seios.
Em primeira instância, o acusado foi condenado a um ano e quatro meses de detenção mais multa,
pela prática do delito descrito no artigo 216-A, parágrafo 2º, do CP. A sanção foi substituída por pena
restritiva de direitos.
A defesa apelou, e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu parcial provimento ao recurso para
reduzir, de um terço para um sexto, a fração de aumento pela majorante aplicada em virtude de ser
a vítima menor de 18 anos. Com isso, a pena final foi estabelecida em um ano e dois meses de
detenção.
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Boletim Criminal Comentado n° 065 – setembro 2019
No recurso ao STJ, o professor alegou que não foi comprovada a intenção de constrangimento com
fins de obter vantagem ou favorecimento sexual e que a aluna nem precisava dos pontos para
aprovação na matéria.
Ele afirmou ainda que o crime de assédio sexual não poderia ser considerado no caso, pois não havia
relação hierárquica com a suposta vítima.
Exemplo de conduta
Em seu voto, o ministro Schietti sustentou que o vínculo de confiança e admiração entre professor e
aluno pressupõe inegável superioridade, capaz de "alterar o ânimo da pessoa perseguida".
"Revela-se patente a aludida 'ascendência', em virtude da 'função' – outro elemento normativo do
tipo –, dada a atribuição que tem a cátedra de interferir diretamente no desempenho acadêmico do
discente, situação que gera no estudante o receio da reprovação."
Para fundamentar a tese que prevaleceu no julgamento, o magistrado citou o texto original da Lei
10.224/2001, que incluiu no CP o artigo 216-A, cujo parágrafo único estendia o conceito de assédio
sexual para os atos cometidos "com abuso ou violação de dever inerente a ofício ou ministério".
Schietti ressaltou que, embora o texto tenha sido posteriormente vetado para evitar bis in idem
(duplicação de punição por situações já previstas no artigo 226 do CP), "é notório o propósito do
legislador de punir aquele que se prevalece da condição como a narrada nos autos para obter
vantagem de natureza sexual".
"Faço lembrar que o professor está presente na vida de crianças, jovens e também adultos durante
considerável quantidade de tempo, torna-se exemplo de conduta e os guia para a formação cidadã
e profissional, motivo pelo qual a 'ascendência' constante do tipo penal objeto deste recurso não
pode se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes", disse o ministro.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
O crime de assédio sexual é tipificado no art. 216-A do CP e consiste em constranger alguém com o
intuito de obter vantagem sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico
ou de ascendência (condição de mando) inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. É, em
síntese, a insistência importuna de alguém em posição privilegiada, que usa dessa vantagem para
obter favores sexuais de um subalterno.
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Boletim Criminal Comentado n° 065 – setembro 2019
A doutrina sempre discutiu se é possível o assédio sexual do professor contra o aluno. A controvérsia
nascia a partir da interpretação que se pode conferir às expressões “superioridade hierárquica” e
“ascendência”, condições elementares do tipo.
Para Guilherme de Souza Nucci, ambas são inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, mas
a superioridade hierárquica retrata uma relação laboral no âmbito público, enquanto a ascendência
espelha a mesma relação, porém no campo privado. Dentro desse espírito, não configura o crime a
mera relação entre docente e aluno, por ausência do vínculo de trabalho entre os dois sujeitos.
Luiz Regis Prado discorda, assim argumentando:
“Superior hierárquico, como elemento normativo do tipo, é condição que decorre de uma relação
laboral, tanto no âmbito da Administração Pública como da iniciativa privada, em que determinado
agente, por força normativa ou por contrato de trabalho, detém poder sobre outro funcionário ou
empregado, no sentido de dar ordens, fiscalizar, delegar, ou avocar atribuições, conceder privilégios
(v.g., promoção, gratificação etc.), existindo uma carreira funcional, escalonada em graus.
Na ascendência, elemento normativo do tipo, não se exige uma carreira funcional, mas apenas uma
relação de domínio, de influência, de respeito e até mesmo de temor reverencial (v.g., relação
professor-aluno em sala de aula)”.
Sob esta ótica, portanto, é plenamente possível que o professor constranja um aluno com o intuito
de obter vantagem sexual.
Na decisão em comento, o STJ adotou a segunda tese sob o argumento de que não é possível ignorar
a ascendência exercida pelo professor, que, devido à sua posição, pode despertar admiração,
obediência e temor nos alunos, e, em virtude disso, tem condição de se impor para obter o benefício
sexual. No caso julgado, o professor havia se insinuado para uma aluna adolescente – tocando-a,
inclusive – porque ela necessitava de alguns pontos para ser aprovada.
Segundo o Ministro Rogério Schietti Cruz, era evidente “a aludida ‘ascendência’, em virtude da
‘função’ – outro elemento normativo do tipo –, dada a atribuição que tem a cátedra de interferir
diretamente no desempenho acadêmico do discente, situação que gera no estudante o receio da
reprovação (…) Faço lembrar que o professor está presente na vida de crianças, jovens e também
adultos durante considerável quantidade de tempo, torna-se exemplo de conduta e os guia para a
formação cidadã e profissional, motivo pelo qual a ‘ascendência’ constante do tipo penal objeto
deste recurso não pode se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes”.
Fez-se referência ainda à redação aprovada do projeto de lei que deu origem ao art. 216-A, que
deveria contar com um parágrafo no qual se equiparava ao caput a conduta de quem cometesse o
crime prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com abuso ou
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violação de dever inerente a ofício ou ministério. O parágrafo único foi vetado sob o fundamento de
que, “ao sancionar com a mesma pena do caput o crime de assédio sexual cometido nas situações
que descreve, implica inegável quebra do sistema punitivo adotado pelo Código Penal, e indevido
benefício que se institui em favor do agente ativo daquele delito. É que o art. 226 do Código Penal
institui, de forma expressa, causas especiais de aumento de pena, aplicáveis genericamente a todos
os crimes contra os costumes, dentre as quais constam as situações descritas nos incisos do parágrafo
único projetado para o art. 216-A”.
Isto, para o Ministro, deixa claro que a intenção é punir igualmente os atos de assédio sexual que
vitimam alunos.
2- Tema: Crime de latrocínio: consumação e tentativa
STJ- AgRg no AREsp 1291179/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em
07/05/2019, DJe 14/05/2019
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA
COLEGIALIDADE. INEXISTÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. CRIME DE LATROCÍNIO
TENTADO CONFIGURADO. SANÇÃO MANTIDA. PLEITOS DE EXCLUSÃO DA MAJORANTE DO ROUBO,
REDUÇÃO DE PENA E ALTERAÇÃO DE REGIME PREJUDICADOS. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Não há ofensa ao princípio da colegialidade quando a decisão monocrática é proferida em
obediência ao art. 253, parágrafo único, II, alínea "b", do RISTJ, que permite ao relator negar
provimento ao recurso, quando a pretensão recursal esbarrar em súmula do STJ ou do STF, ou em
jurisprudência dominante acerca do tema.
2. Se houve prova de que o acusado agiu com animus necandi, no crime de roubo, não ocorrendo a
consumação da morte por circunstâncias alheias à vontade do réu, conclui-se pela ocorrência da
tentativa de latrocínio e não o roubo qualificado pela lesão corporal de natureza grave. (AgRg no
REsp 1647962/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
09/03/2017, DJe 15/03/2017).
3. Mantida a condenação pelo delito de latrocínio tentado, ficam prejudicados os demais pleitos.
4. Agravo regimental improvido.
No mesmo sentido: RECURSO ESPECIAL Nº 1.354.471 - SP (2012/0246092-4) – SP
Esta jurisprudência foi incluída a pedido do Setor de Recursos Criminais Extraordinários e Especiais.
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COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
No tocante à consumação do delito de latrocínio, deve ser observado:
1) sendo a morte e a subtração consumadas, o latrocínio também será consumado, estando o tipo
perfeito (art. 14, I, do CP).
2) sendo a morte e a subtração tentadas, não há dúvida de que o latrocínio será também tentado
(nos termos do art. 14, II, do CP, houve início de execução de um tipo, que não se perfez por
circunstâncias alheias à vontade do agente).
Aliás, nesse tanto, decidiu o STJ ser irrelevante, para a caracterização do latrocínio tentado, que a
vítima não tenha sofrido lesão: “O reconhecimento da existência de irregularidades no laudo pericial
que atesta a natureza das lesões sofridas pela vítima de tentativa de latrocínio (157, § 3º, parte final,
do CP) não resulta na desclassificação da conduta para alguma das outras modalidades de roubo
prevista no art. 157 do CP. Isso porque, para a configuração daquele delito, é irrelevante se a vítima
sofreu lesões corporais. Efetivamente, a figura típica do latrocínio se consubstancia no crime de roubo
qualificado pelo resultado, em que o dolo inicial é de subtrair coisa alheia móvel, sendo que as lesões
corporais ou a morte são decorrentes da violência empregada, atribuíveis ao agente a título de dolo ou
culpa. Desse modo, embora haja discussão doutrinária e jurisprudencial acerca de qual delito é
praticado quando o agente logra subtrair o bem da vítima, mas não consegue matá-la, prevalece o
entendimento de que há tentativa de latrocínio quando há dolo de subtrair e dolo de matar, sendo que
o resultado morte somente não ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente. Por essa razão,
a jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que o crime de latrocínio tentado se caracteriza
independentemente de eventuais lesões sofridas pela vítima, bastando que o agente, no decorrer do
roubo, tenha agido com o desígnio de matá-la” (HC 201.175/MS, Quinta Turma, rel. Min. Jorge Mussi,
DJe 08/05/2013).
3) sendo a morte consumada, mas a subtração tentada, de acordo entendimento sumulado no STF
(610), o crime será latrocínio consumado. O Pretório Excelso, certamente, atentou para o fato de que
a conduta, no caso, atinge a vida humana, bem jurídico acima de interesses meramente patrimoniais.
4) por fim, sendo a morte tentada e subtração consumada, há tentativa de latrocínio (se o latrocínio
se consuma apenas com a morte, não havendo morte o tipo complexo do latrocínio não se perfaz).
Esta tese foi reafirmada na decisão em comento.
Clique aqui para ter acesso ao inteiro teor da decisão
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