O Teólogo e o Poeta: Teopoética
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Para muitas pessoas, o contato com os textos sagrados não é uma prática; diferentemente, a leitura dos textos de literatura o é. Por essa razão, é pertinente buscar nas obras literárias questões em que se pode encontrar a mesma mensagem contida na fé. Isto se dá pela intertextualidade, por meio da qual textos, totalmente diferentes, se relacionam. Esta pesquisa visa responder à pergunta, portanto, sobre se é possível identificar, no agir da literatura, uma forma de serviço espontâneo dela, em relação à teologia – o que será chamado de "diaconia".
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Book preview
O Teólogo e o Poeta - Joanicio Fernando Bauwelz
FERNANDO BAUWELZ
O TEÓLOGO E O POETA:
teopoética
logoEdipucrsPorto Alegre, 2025
CONSELHO EDITORIAL EDIPUCRS
Chanceler Dom Jaime Spengler
Reitor Manuir José Mentges | Vice-Reitor Marcelo Bonhemberger
Adriana Justin Cerveira Kampff Pró-Reitora de Graduação e Educação Continuada
Maurício Gregianin Testa Pró-Reitor de Administração e Finanças
Draiton de Souza Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Andrea Bandeira Pró-Reitora de Saúde
Luciano Aronne de Abreu (Presidente e Editor-Chefe), Adelar Fochezatto, Deivison Moacir Cezar de Campos, Antonio de Ruggiero, Cláudia Musa Fay, Lívia Haygert Pithan, Lucia Maria Martins Giraffa, Luis Rosenfield, Maria Martha Campos, Moisés Evandro Bauer.
MEMBROS INTERNACIONAIS
Fulvia Zega - Universidade de Gênova, Jaime Sánchez - Universidad de Chile, Moisés Martins - Universidade do Minho, Nicole Stefane Edwards - University Queensland, Sebastien Talbot - Universidade de Montréal.
Conforme a Política Editorial vigente, todos os livros publicados pela editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (EDIPUCRS) passam por avaliação de pares e aprovação do Conselho Editorial.
© EDIPUCRS 2025
CAPA CAMILA BORGES
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA CAMILA BORGES
REVISÃO DE TEXTO ARACELI PIMENTEL GODINHO
http://dx.doi.org/10.15448/1792
Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
B352t Bauwelz, Fernando
O teólogo e o poeta [recurso eletrônico] : teopoética / Fernando
Bauwelz. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : ediPUCRS, 2025.
1 Recurso on-line (302 p.)
Modo de Acesso:
ISBN 978-65-5623-503-5
1. Teologia (Literatura). 2. Literatura. 3. Teologia. I. Título.
CDD 23. ed. 242
Tamara da Rosa Silva CRB10/2812
Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.
Todos os direitos desta edição estão reservados, inclusive o de reprodução total ou parcial, em qualquer meio, com base na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, Lei de Direitos Autorais.
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Porto Alegre - RS - Brasil
Fone: (51) 3353 4536
E-mail: [email protected]
Site: www.pucrs.br/edipucrs
A Padre Wilton Moraes Lopes, CSsR
fundador da Copiosa Redenção.
Sumário
AGRADECIMENTOS
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APRESENTAÇÃO
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
1 O DIÁLOGO ENTRE TEOLOGIA E LITERATURA
1.1 PRINCÍPIO E FUNDAMENTO
1.1.1 Dialogar, fazer teologia
1.1.2 Teologia e literatura: relação
1.2 TEOLOGIA E LITERATURA: APROXIMAÇÃO E FORMA
1.2.1 Os primeiros séculos do cristianismo
1.2.2 Entre os séculos VI e XIX
1.2.3 Florescimento dos séculos XIX e XX
1.2.4 O Vaticano II e a cultura
1.3 A LITERATURA, INTERESSE DA TEOLOGIA
1.3.1 Após a Gaudium et Spes
1.3.2 Status do diálogo teologia e literatura
1.4 EUROPA
1.4.1 Alguns destaques
1.4.2 Tzvetan Todorov e a literatura em perigo
1.4.3 A escola italiana
1.5 ESTADOS UNIDOS
1.6. BRASIL
1.6.1 Primeira fase
1.6.2 Segunda fase
1.7 AMÉRICA LATINA
1.8 GRUPOS DE PESQUISA E PERIÓDICOS
1.8.1 Internacionais
1.8.2 No Brasil
2 A TEOPOÉTICA
2.1 A TEOPOÉTICA ENTRE CONTEXTO E MÉTODO
2.1.1 Quais obras?
2.1.2 Tessitura dos personagens, a humanidade que o autor vê
2.1.3 O autor, a realidade, a fraude e a estética
2.1.4 Consciência de si e criação
2.1.5 Crônica: fotografia e diagnóstico das circunstâncias
2.2 MODOS DE LEITURA
2.3 TEMAS DE CORRELAÇÃO
3 HERMENÊUTICA DE PERSPECTIVA DIACONAL
3.1 A QUESTÃO HERMENÊUTICA E A PROPOSTA DE UMA HERMENÊUTICA INTERCULTURAL
3.1.2 O surgimento da hermenêutica filosófica moderna
3.1.3 Breve introdução da hermenêutica teológica moderna
3.1.4 Orientação da questão hermenêutica para o campo literário
3.1.5 Diaconia como serviço-espontâneo
3.3 O RISCO DO REDUCIONISMO
3.3.1 Entre duas apreciações
4 LITERATURA E DIACONIA
4.1 A PERSPECTIVA DE ORTEGA Y GASSET E O PARADIGMA FILOSÓFICO-LITERÁRIO
4.1.1 Teoria literária como filosofia
4.1.2 Circunstâncias
4.1.3 Razón vital, histórica y narrativa
4.1.4 Amor
4.1.5 Conclusões sobre a literatura em Meditações do Quixote
4.2 SISTEMATIZAÇÃO DA QUESTÃO
4.2.1 Sobre as hipóteses
4.2.2 Sobre quanto é possível afirmar
4.2.3 Primeiro momento: a fisiologia do modelo de leitura
4.2.4 Segundo momento: uma hermenêutica intercultural
4.2.5 Terceiro momento: o comportamento diaconal da literatura
4.3 DESCRIÇÃO DAS FASES DOS LEITORES A E B
4.3.1 Fase da leitura e aquisição de sentido
4.3.2 Fase do despertar para os temas de correlação
4.3.3 Fase do horizonte de entendimento
4.3.3.1 Fase transitiva no leitor B
4.3.3.2 Fase da missão
4.3 MISSÃO, ESPIRITUALIDADE E MÍSTICA
4.3.1 A humanidade, interesse absoluto de Deus e do homem
4.3.2 A necessidade de uma sensibilidade ulterior
4.3.3 Levar a humanidade diante de Deus: a espiritualidade e a mística no diálogo com a literatura
4.3.4 Depois do diálogo, a diaconia
4.3.5 Horizonte das circunstâncias
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ANEXO
EINFÜHLUNG, EDITH STEIN E A QUESTÃO DA EMPATIA
Resumo
A Einfühlung de Edmund Husserl na origem da pesquisa de E. Stein
Einfühlung na fenomenologia steiniana
Os elementos steinianos sobre a empatia
A corporeidade
Empatia, enquanto experiência não-originária
Sobre a percepção interna e a percepção externa
A pessoa espiritual: a capacidade de transcender como parte da totalidade do ser
Bibliografia
SOBRE O AUTOR
AGRADECIMENTOS
Gostaria de expressar meu profundo agradecimento a todas as pessoas e instituições que contribuíram para a realização desta obra. Primeiramente, gostaria de agradecer à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), por proporcionar um ambiente de excelência acadêmica. Agradeço, especialmente, ao corpo docente e à estrutura oferecida.
Um agradecimento especial à Copiosa Redenção, minha congregação religiosa, por permitir-me dedicar tempo significativo de pesquisa teológica. Gostaria de expressar minha sincera gratidão ao Padre Wilton, fundador da Copiosa Redenção, por sua inspiração e seu incentivo. Sua condução e sabedoria foram constantes fontes de motivação em minha vida.
Por fim, minha profunda gratidão aos meus pais, irmãos, benfeitores e amigos. O apoio incondicional que recebi de cada um de vocês ao longo desta jornada foi fundamental para que eu alcançasse este importante objetivo. Suas palavras de encorajamento, amor e confiança motivaram-me a persistir, nos momentos mais desafiadores.
A todos vocês mencionados e àqueles que, de alguma forma, contribuíram para este livro, meu sincero agradecimento. A Deus, a honra e a glória!
LISTA DE ABREVIATURAS
E SIGLAS
AG Decreto Ad Gentes
EN Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi
GS Constituição Pastoral Gaudium et Spes
LG Constituição Dogmática Lumen Gentium
PP Carta Encíclica Populorum Progressio
VS Carta Encíclica Veritatis Splendor
APRESENTAÇÃO
O livro de Joanicio Fernando Bauwelz é uma das ricas contribuições sobre a pesquisa de teopoética no Brasil. Insere-se dentro da tentativa de repensar o discurso teológico confessional em diálogo com a literatura. Poderia ser entendido aqui como uma forma de explorar o ver literário para, a partir desse horizonte, estabelecer uma intertextualidade e, no caso da aproximação do contexto da teologia brasileira com a literatura espanhola, também atentar para a questão da interculturalidade. Poder-se-ia pensar a obra, parafraseando Ortega y Gasset, especialmente aqui trabalhada. A teopoética de Bauwelz se situa na triangulação hermenêutica da condição humana, Deus e as circunstâncias literárias em que emerge a refeitura do sentido de Deus na busca de sentido humano, tarefa que é entendida como uma diaconia à comunidade eclesial e à cultura contemporânea.
No primeiro capítulo, há uma oportuna proposta de análise do estado da arte do campo da teopoética, em que, além de percorrer elementos históricos da tradição teológica que corroboram sua perspectiva, também incorpora autores mais recentes e recolhe material que ajuda a ter uma noção panorâmica de como o campo tem-se desenvolvido, seja no contexto europeu, seja nas Américas, do Norte e do Sul, e, em especial, no Brasil.
O segundo capítulo se dedica a um arrazoado de questões de teoria literária a fim de cruzar com o debate da teopoética, visando incorporar a crítica literária à tarefa de aprofundar a tarefa teológica, nomeadamente convergindo questões que implicam pensar a condição humana a partir de elementos literários e, assim, repensar a questão teológica desde a antropologia teológica como ponto de partida. Tal empreitada aloca o texto literário na perspectiva da diaconia levinasiana, ou seja, o diálogo entre teologia e literatura se constrói como um espaço de acolhida da eleidade do outro através da eleidade do texto literário, nunca, portanto, redutível a mera instrumentalização teológica, mas um espaço que exige referência, respeito e compromisso de uma justa interpretação em face de seu potencial de infinito. Esse exercício de interpretar a infinitude de formas do Rosto do Outro ou do Rosto do Texto Literário se transpõe para a infinidade de formas que a tradição teológica julgou serem expressões do Rosto Divino e, como tal Rosto, sempre evocou um retorno de quem O busca ao Rosto do Outro, em especial ao Rosto de quem mais necessita. Dessa forma, o Rosto do texto é um exercício de reeducação do olhar para enxergar nos rostos de outrem outro rosto.
E então, no capítulo três, Bauwelz identifica, nesta forma de diaconia da tarefa hermenêutica, uma missão compartilhada entre teologia e literatura, incorporando a contribuição do filósofo espanhol José Ortega y Gasset para explorar a dimensão filosófica da literatura, propondo superar, assim, a dicotomia entre literatura e filosofia, para explorar outra forma de reflexão crítica e filosófica inerente ao próprio ato da escrita literária. Nesse ato da razão poética, busca-se encontrar novas conexões entre razão e vida, a partir das experiências concretas do cotidiano, tecido esse arraigado na história e suas circunstâncias, ao mesmo tempo que grávido da criatividade que brota do modo como os indivíduos reinventam sua condição de historicidade e circunstancialidade. Tal razão poética é doadora de vitalidade à vida, dimensão que Bauwelz pretende espelhar como tarefa compartilhada da teologia, não raro esquecida por seu excesso de racionalismo e autorreferencialidade. O autor analisa a obra orteguiana com especial atenção ao modo como os elementos do raciovitalismo se apresentam como um espaço metafísico entre o eu e as circunstâncias, destacando o livro Meditações do Quixote (1914), na tentativa de superar uma metafísica desassociada da realidade e do mundo.
No raciovitalismo, apresenta-se um desafio ao discurso soteriológico da teologia: não pode haver salvação de um indivíduo sem a salvação do mundo. Diante desse desafio, o autor propõe um instrumental de literacia que exige pensar a realidade como projeto e a literatura como oferta de possíveis horizontes alternativos para encetar novos caminhos para pensar a condição humana e seus desafios na inesgotável atividade de ressignificação da cultura, a partir da aprendizagem do que cada cultura tem de melhor. Este é um novo ponto de partida para o labor teológico proposto pelo autor deste livro: despertar no leitor (sobretudo o leitor de teologia) um anseio por encontrar correlações vitais e circunstâncias da vida contemporânea que permitam um exercício transitivo da missão ou, ainda, arriscaríamos dizer, um exercício de teologia em saída.
É nesse movimento de saída que se encontra a necessidade de mediação intertextual, intercultural e interdisciplinar do diálogo entre teologia e literatura. A mediação é uma tarefa soteriológica por excelência e, nesse caso, visa superar a hiperabstração de uma metafísica de corte platônico para pensar a dimensão soteriológica de conexão entre todas as coisas. Perceber as incontáveis formas de conexão entre as coisas é também conceber a possibilidade de incontáveis formas de estabelecer comunhão e, assim, alargar o horizonte de sentido soteriológico. Nessa devolução do infinito ao âmbito do teológico, entendido como formas ilimitadas (e não limitantes) de conectar o humano e o divino, este último elemento, visto sob essa ótica, pode ser reconhecido como fonte de esperança e inspiração para o labor humano de conceber formas de transcender as circunstâncias limitadoras da vida. A essa ilimitada força de aproximação da condição humana e inspiração à reinvenção da vida, a tradição teológica cristã chamou de ação de Deus, ou, ainda, teopoética.
Alex Villas Boas
Coordenador do Centro de Investigação em Teologia e Estudos de Religião (Citer)
Universidade Católica Portuguesa e professor na Universidade de Aveiro
PREFÁCIO
A teopoética é o conceito central da pesquisa de doutorado à qual este livro que estamos folheando se refere de maneira eficaz e interessante. Com ela, entende-se o resultado que surge do diálogo entre teologia e literatura: a teopoética
propriamente dita.
Não deve surpreender a associação entre teologia e literatura. Ambas estão enraizadas na palavra
. A teologia escuta e interpreta nas palavras humanas o falar de Deus. As Escrituras Bíblicas, de fato, ecoam o logos de Deus, que se dirige aos seres humanos por meio de suas próprias palavras. A reflexão teológica, com sua natureza hermenêutica, nada mais faz do que decifrar este falar divino, capturando seu significado salvífico que ilumina o sentido da existência humana. A literatura, por sua vez, expressa em formas elevadas e profundas o falar humano. A própria Bíblia é, em certa medida, um produto literário sugestivo. Mas, com suas palavras, a grande literatura – incluindo a Bíblia – não faz mais do que ressoar o eco do logos divino em diversas direções, dependendo dos contextos linguísticos, culturais e religiosos em que se manifesta. Os Padres da Igreja antiga já intuíam isso, considerando a poesia e a prosa narrativa, assim como a filosófica, como uma praeparatio evangelica, cheia de logoi spermatikoi, de semina Verbi. Antes deles, o salmista afirmava um critério que ainda é fundamental hoje para interpretar teologicamente a grande literatura mundial: Uma palavra Deus disse, duas ouvi
(Sl 62, 12). E um renomado crítico literário canadense, Northrop Frye, há algumas décadas, retomou e aplicou a lição do salmista, falando da Bíblia como o grande código
da história da cultura, ou seja, como o inesgotável poço de onde as produções artísticas e literárias, em várias partes do mundo, tiraram suas ideias, símbolos e metáforas. É por isso que a teologia pode (e deve) aplicar suas investigações hermenêuticas também a qualquer literatura digna desse nome, estudando-a de maneira análoga à forma como estuda as Escrituras. Se as Escrituras Bíblicas são o lugar teológico por excelência, as escritas literárias também podem constituir loci theologici em que a pesquisa teológica pode obter perspectivas úteis para elaborar um conhecimento confiável de Deus a partir de seu falar no mundo e na história.
Mas o que emerge do encontro entre literatura e teologia? Ao ler o ensaio de Joanicio Fernando Bauwelz, parece-me que emerge a qualidade poética
da literatura.
Na verdade, entre poetare e poietare, há uma sutil distinção a ser captada, que não degenera em afastamento. De fato, tal distinção é sinalizada pelo i
que se insinua no próprio poetare, conferindo-lhe a consistência do poietare.
Ambas as vozes verbais derivam do grego poiéō, que significa fazer
, operar
. É o verbo bíblico da criação. Na Bíblia traduzida para o grego pelos Setenta de Alexandria do Egito, essa voz verbal já aparece nas primeiras páginas do Gênesis, e indica o ato criativo de Deus, quando Ele – segundo o relato de Gênesis 1,26 – decide criar o ser humano à sua imagem e semelhança. Criar o ser humano à sua própria imagem equivale, para o Deus bíblico, a constituí-lo como um ser criativo
, além de criado
. Assim, o ser humano resulta da interseção entre criaturalidade e criatividade.
A criatividade, o ser-capaz-de-criar, é sem dúvida uma das duas características constitutivas do humano. Digo uma das duas características constitutivas do humano
porque a outra característica, não menos importante, consiste na criaturalidade, ou seja, em seu ser-criatura. Criaturalidade e criatividade, seguindo a mensagem bíblica e especialmente os relatos do Gênesis, têm caminhado juntas há muito tempo, expressando a complexidade do ser humano e de tudo o que é humano. No entanto, em alguns humanismos contemporâneos, as duas características constitutivas do ser humano, sua criaturalidade e sua criatividade, seu ser-criatura e sua capacidade de criar, suas inclinações cultuais de um lado e culturais de outro, sua origem em Deus e seu estar no mundo, se distanciam e até se opõem, como se o ser criativo fosse incompatível com o reconhecimento de si como criatura. Daí resulta para o ser humano da modernidade tardia a perda do pleno e positivo sentido de sua alteridade em relação a Deus e ao próprio mundo. E, consequentemente, esse ser humano perde o pleno e positivo sentido de sua própria identidade. Ele deseja transcender-se, superar a si mesmo, mas às vezes sem mais desejar entrar em relação com alguém al di lá di sé, além de si mesmo. No entanto, transcender-se sem abrir-se para alguém mais significa, no longo prazo, tornar-se esquecido de si mesmo, até mesmo refutar a si mesmo. De fato, a tendência ao niilismo de algumas concepções antropológicas do século XX – não apenas filosóficas ou científicas, mas também literárias e artísticas – deu origem a um certo pensamento negativo
, impregnado de pessimismo em relação ao ser humano e tudo o que é humano. Daí alguns graves contragolpes culturais que desencadearam metamorfoses decisivas em nossa maneira de conceber e viver a existência e suas projeções liminares, como a doença, o sofrimento, a morte.
Nesse sentido, a teopoética – como nos é apresentada por Bauwelz – parece consistir em uma reflexão teológica que rastreia na grande literatura o que podemos chamar de questões de sentido
que o ser humano sempre e em todos os lugares se coloca. Interpretar teologicamente a literatura produzida pelos grandes autores configura o esforço de verificar se, às questões de sentido, pode-se oferecer uma resposta. Uma resposta não simplesmente nivelada à pretensão da autossuficiência, como frequentemente ocorreu com a chamada virada antropológica
, que, apesar de ter produzido grandes avanços e registrado ganhos valiosos, muitas vezes resulta em uma resposta que sabe captar e decifrar, na própria criatividade humana, a memória do Outro e a referência ao Além: portanto, a recuperação da criaturalidade. Pois também e sobretudo para o ser humano, que é um eco vivo da Palavra divina no mundo, vale a constatação do salmista mencionado: Uma palavra Deus disse, duas ouvi
.
Dr. Massimo Naro
Membro da Pontifícia Academia Teológica (Path),
titular na Pontifícia Faculdade Teológica da Sicília
INTRODUÇÃO
Existe, na literatura, uma afinidade teológica que traduz a realidade humana em obras de prosa e verso, de onde a teologia pode conhecer interfaces da pessoa humana e sua realidade de sociedade, de experiência religiosa, de mundo-da-vida. Sabendo compreender bem o sentido mais profundo da narrativa literária, de uma boa obra, é possível chegar a uma leitura que ajuda a compreender as questões existenciais do leitor. Com método e atenção, é possível não apenas identificar os temas, mas, igualmente, buscar uma abordagem que presta à humanidade uma diaconia. Em outras palavras, a literatura pode servir, também, como mensageira de salvação. De modo que esta obra quer contribuir para o crescimento da teologia, desenvolvendo o estudo sobre a área, que considera a religião, o sagrado, o transcendente, na relação com os textos, em verso e prosa. Esta área é chamada de teopoética.
A proposta é identificar e sistematizar como um romance pode ser instrumento que leva consigo a mensagem cristã e entrega essa mensagem, de maneira espontânea. A boa obra literária desvela, ao leitor, uma compreensão de sua própria realidade, que, por muitas razões, ainda lhe permanecia velada. A literatura tem esta capacidade criativa, de revelar, ao leitor, coisas sobre si mesmo e suas próprias circunstâncias. Isto acontece, no processo hermenêutico, no ato da leitura. A teologia acolhe esta potencialidade da literatura como meio para a elaboração de temas, que lhe são próprios.
Para muitas pessoas, o contato com os textos sagrados não é uma prática; diferentemente, a leitura dos textos de literatura é. Por essa razão, é pertinente buscar, nas obras literárias, temas e questões em que se pode encontrar a mesma mensagem evangélica contida na mensagem cristã. Isto se dá pela intertextualidade, por meio da qual textos totalmente diferentes, de alguma maneira, se relacionam. Esta pesquisa visa responder à pergunta, portanto, sobre se é possível identificar, no agir da literatura, uma forma de serviço espontâneo dela, em relação à teologia – o que será chamado de diaconia
.
A atividade teológica tem a responsabilidade de encontrar os melhores meios de levar a mensagem da fé para as pessoas. A forma da sociedade, sua linguagem e os instrumentos que permitem alcançar as