Branqueamento Corais
Branqueamento Corais
Branqueamento Corais
ATUALIDADE Professor
Joubert
BRANQUEAMENTO DE CORAIS
RECIFES DE CORAL E "BRANQUEAMENTO" branqueadas podem recuperar completamente, em pou-
ALVARO ESTEVES MIGOTTO cos dias ou até mais de um ano, a coloração, dependen-
CENTRO DE BIOLOGIA MARINHA - CEBIMAR-USP do da espécie e do grau de branqueamento. Do mesmo
modo, dependendo da espécie, intensidade e duração
Uma associação extremamente importante para os reci- do estresse, a morte de parte, ou de toda, colônia pode
fes-de-coral é a simbiose que ocorre entre as espécies ocorrer logo em seguida ao inicio do branqueamento, ou
de corais e microalgas conhecidas como zooxantelas. mesmo algum tempo depois (semanas ou meses). Nes-
Essas algas vivem no interior dos tecidos dos corais tes casos, o esqueleto será rapidamente recoberto por
construtores dos recifes, realizando fotossíntese e libe- algas e animais sésseis, perdendo a cor branca. Há uma
rando para os corais compostos orgânicos nutritivos. Por diversidade relativamente grande de organismos endos-
sua vez, as zooxantelas sobrevivem e crescem utilizan- simbiontes fotossintetisantes (Dinoflagellata, Chlorophy-
do os produtos gerados pelo metabolismo do coral, co- ta, cianobactérias, Bacillariophyaceae, Crysophyta) en-
mo gás carbônico, compostos nitrogenados e fósforo. As contrados em associação com invertebrados marinhos
necessidades nutricionais dos corais são em grande (esponjas, medusas, anêmonas, corais, hidrozoários,
parte supridas pelas zooxantelas. Elas estão também moluscos, turbelários, ascídias, etc.). As ‘algas’, cuja
envolvidas na secreção de cálcio e formação do esque- densidade em corais chega a 106/cm2, provêem carbono
leto do coral. Apesar de espécies de corais serem en- para o metabolismo, o crescimento e a reprodução, reci-
contradas praticamente em todos os oceanos e latitu- clando eficientemente, também, os excretas (nitrogênio,
des, as espécies construtoras de recifes (corais hermatí- fósforo) do hospedeiro. Corais hermatípicos depositam
picos) estão restritas às regiões tropicais e subtropicais. carbonato de cálcio mais rapidamente que os ahermatí-
Os recifes necessitam, geralmente, de águas quentes picos, porque as algas criam um ambiente químico pro-
(25 – 30oC) e claras, longe da influência de água doce. A pício à cristalização e precipitação.
poluição (esgoto doméstico, vazamento de petróleo, Antes de 1980, todos os casos de branqueamento co-
etc.) e sedimentação (sedimentos terrígenos levados nhecidos eram de extensão geograficamente limitada e
para o mar devido ao desmatamento e movimentações causados por estresses claramente locais, geralmente
de terra) põem em risco muitos recifes de corais, incluin- em áreas de circulação restrita ou em recifes atingidos
do os inúmeros outros organismos que deles dependem por furacões. Eventos de larga escala, são conhecidos
(inclusive comunidades humanas que vivem da pesca e apenas após o início da década de 80, e desde então
coleta de animais marinhos recifais). têm se tornado mais freqüentes e intensos. Provavel-
mente o primeiro evento de ocorrência praticamente
Um fenômeno aparentemente recente - não ainda total- cosmopolita ocorreu em 1980, afetando todo o Caribe e
mente compreendido pelos pesquisadores – que tem regiões vizinhas, e grandes áreas do Pacífico. Eventos
ocorrido em todas as regiões recifais do globo de forma de grande amplitude ocorreram em 1982/83, 1987/88, e
maciça é o branqueamento (do inglês ‘bleaching’). Tra- 1993/94; outros, um pouco menores, em 1981, 1986,
ta-se basicamente da ‘perda’ dos organismos fotossimbi- 1989, 1990. No Brasil, o fenômeno só foi registrado no
ontes (zooxantelas) presentes nos tecidos do coral verão de 1994 (São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Per-
(zooxantelas ocorrem também em outros cnidários, co- nambuco) e observado novamente no início de 1996
mo anêmonas-do-mar, zooantídeos, medusas, e em (São Sebastião), afetando principalmente o coral Mus-
outros invertebrados, como ascídias, esponjas, molus- sismilia hispida e o zoantídeo Palythoa caribaeorum.
cos, etc., que também podem branquear). Como a cor
da maioria dos hospedeiros advém, em grande parte, da
‘alga’ simbionte, seus tecidos tornam-se pálidos ou bran-
cos. Nos corais, os tecidos ficam praticamente transpa-
rentes, revelando o esqueleto branco subjacente.
Geralmente, os tecidos de colônias branqueadas estão
vivos e intactos. Entretanto, a ausência das ‘algas’ sim-
biontes implica em 1) ‘jejum’ compulsório ao hospedeiro,
uma vez que as algas simbiontes suprem a maior parte
das necessidades nutricionais do hospedeiro (até mais
de 60% do carbono fixado na fotossíntese pode ser
translocado da alga para o hospedeiro na forma de gli-
cerol), e 2) diminuição das taxas de calcificação. Portan-
to, as partes moles e o esqueleto de um coral branquea-
do não crescem, e a colônia fica mais vulnerável a ou- Palythoa caribaeorum (zooantídeo) branqueado
tros possíveis estresses, como poluição, sedimentação (note a parte não branqueada, de cor marrom, à
excessiva, colonização por macroalgas do esqueleto
eventualmente exposto, etc. Apesar de tudo, as colônias
O branqueamento agudo é uma resposta a um estresse superiores aos corais), briozoários e cracas, que acaba
resultante de várias condições ambientais fora do limite por afetar o recrutamento dos corais e aumentar a bioe-
normal de um determinado local. Os estímulos indutivos rosão.
podem ser: Estudos recentes, entretanto, indicam que o aumento de
temperatura da água do mar seria o causador primário
1) temperatura anormalmente alta ou baixa: quando do branqueamento em larga escala, e, secundariamen-
se considera variações bruscas de temperatura, os co- te, o aumento da incidência de radiação UV.
rais são mais vulneráveis ao aquecimento do que ao Isto levou à hipótese de que os recifes de corais seriam
resfriamento da água. Muitas espécies vivem aparente- particularmente sensíveis e vulneráveis ao aquecimento
mente próximas ao limite superior letal de temperatura. global. Há, entretanto, controvérsia se os ecossistemas
O aumento de temperatura resulta num aumento da recifais como um todo têm sofrido estresse climático,
atividade fotossintetizante dos simbiontes e, conseqüen- porque uma série de outros estresses locais causam
temente, numa alta concentração de oxigênio nos teci- potencialmente bleaching, podendo atuar sinergicamen-
dos do hospedeiro. Isto causa um aumento nas taxas te com a temperatura (caso do UV, por exemplo). Não
metabólicas do coral (organismos metabólico- se sabe também se o branqueamento é realmente um
conformadores) e aumento nas formas tóxicas do oxigê- fenômeno recente, e se em nível sub-letal é patológico
nio (peróxidos), que podem danificar as células do hos- ou um mecanismo adaptivo. De qualquer forma muitos
pedeiro e interferir nas vias bioquímicas. O branquea- pesquisadores acreditam que os recifes de coral atuari-
mento geralmente ocorre após um período cuja tempe- am como indicadores do aquecimento global, através do
ratura superficial da água do mar se eleva alguns graus branqueamento maciço. Mundialmente, os recifes têm
acima da média histórica para aquele determinado perí- sido seriamente ameaçados pela atividade antropogêni-
odo e local. Exposição a temperaturas 4 a 5 ºC acima da ca: destruição física propriamente dita, sedimentação,
média, por 1 a 2 dias, pode ser suficiente para causar poluição, pesca predatória, coleta etc.
branqueamento e alta mortalidade, enquanto que a ele- O clima é comumente visto como algo estável, mesmo
vação de 2 a 3 ºC, e o mesmo tempo de exposição, leva considerando-se as variações sazonais e de curto prazo.
a um branqueamento gradual e menor mortalidade. O Entretanto, tem variado substancialmente no passado,
branqueamento têm ocorrido em áreas aquecidas pelo sendo previstas mudanças no futuro próximo, particular-
fenômeno ‘El Niño’, mas também em locais e/ou anos mente como resultado da atividade humana com relação
não afetados por ele. à composição dos gases da atmosfera. Ao longo de sua
2) turbidez (níveis baixos de radiação solar): porque evolução, os recifes de coral passaram por mudanças
as ‘algas’ simbiontes necessitam de luz para a fotossín- drásticas de clima, e se espera que sejam capazes de
tese, as comunidades recifais estão limitadas à águas sobreviver futuros eventos deste tipo (os cenários pre-
rasas. As taxas máximas de acresção e produtividade vistos são menos extremos que os sofridos em eras
ocorrem entre 5 e 15 metros. Esse intervalo pode ser passadas). Mas a combinação destas mudanças climáti-
reduzido em locais onde a claridade da água é afetada cas com os atuais estresses pode se mostrar letal para
por sedimentos em suspensão ou pelo aumento de pro- muitos ecossistemas recifais.
dutividade. Associado à turbidez, altos níveis de sedi- As mudanças climáticas que já estão ocorrendo, particu-
mentação podem ‘sufocar’ as colônias, diminuindo seu larmente na atmosfera mas também nos continentes e
crescimento e inibindo o recrutamento de larvas. oceanos, são parte do crescente impacto humano no
3) altos níveis de radiação UV: a radiação ultravioleta ambiente planetário. O efeito estufa (apesar de ser um
é capaz de danificar o material genético de todos os processo natural que possibilitou a evolução da vida na
organismos; em condições experimentais causa bran- terra, o equilíbrio natural dos gases estufa tem sido mo-
queamento em corais. Apesar disto e de poder penetrar dificado artificial e rapidamente pela humanidade) e o
consideravelmente na coluna d’água (até cerca de 20 m buraco de ozônio poderão afetar os recifes de coral de
em águas claras), alguns autores acham improvável que várias maneiras:
o UV seja uma causa importante de branqueamento em 1) aumento da temperatura devido ao efeito estufa: a
condições naturais, porque os corais contêm altos teores temperatura global deverá aumentar entre 0,16-0,37 ºC
de pigmentos protetores, que se mantêm mesmo após o por década, resultando num aumento global de 0,5-1 ºC
branqueamento. Além disso, corais branqueados são por volta de 2030. Deve-se levar em conta que o aumen-
geralmente vistos bem abaixo do limite de penetração to será maior nas latitudes altas e em terra. Este aumen-
da luz UV. Entretanto, uma vez que as condições de to não deverá ameaçar a sobrevivência dos recifes, mas
insolação que elevam a temperatura dos oceanos inclu- os freqüentes episódios de picos extremos de tempera-
em também o comprimento de onda ultravioleta, é difícil tura aumentará a incidência de branqueamento e morta-
separar os efeitos destes dois fatores. Não se sabe, lidade, tornado-os vulneráveis a outros estresses.
também, como a incidência da radiação ultra-violeta vai 2) aumento do nível do mar associado ao aumento de
aumentar, e se os mecanismos naturais serão suficien- temperatura: provavelmente o nível do mar subirá de
tes para a proteção adequada dos organismos potencial- 1-9 cm/década, devendo-se esperar um aumento entre
mente afetados. 15 e 90 cm até o ano 2100. Estes valores não devem
4) poluição: os recifes de corais se desenvolvem em ameaçar a maioria dos ecossistemas recifais (a taxa de
regiões de águas oligotróficas [a ocorrência de recifes deposição de carbonato de cálcio é de cerca de 10 kg/
diminui ao longo de um gradiente oligotrófico(oceânico)/ m2/ano, o que significa um crescimento de 3-8 mm por
eutrófico (estuários/ressurgência/poluição)]. Eles neces- ano), mas poderá devastar muitas ilhas e planícies cos-
sitam de poucos nutrientes externos, porque possuem teiras que são protegidas por recifes, incluindo nações
mecanismos internos eficientes de reciclagem de nutri- inteiras (insulares) e grandes cidades, tornando a vida
entes entre si e as zooxantelas. Recifes sujeitos a altos dos que dependem dos recifes difícil ou impossível.
níveis de nutrientes se deterioram devido ao aumento da 3) alterações nos padrões normais do clima e variações
turbidez decorrente da maior densidade de planctontes, em eventos climáticos extremos - precipitação, nuvens e
e crescimento excessivo de algas filamentosas bentôni- ventos: deverão ocorrer mudanças no padrão de chu-
cas (que nessas condições são competivamente vas, aumento na amplitude geográfica, freqüência e
intensidade das tempestades tropicais, e nos eventos de
seca e inundações. Conseqüentemente, grandes mu-
danças deverão ocorrer nas regiões costeiras em termos
de erosão e sedimentação.
4) mudanças na química da água do mar devido altas
concentrações de CO2: acarretará mudanças de pH e
do estado de saturação dos carbonatos nos oceanos. O
aumento da acidez das águas superficiais, devido à mai-
or concentração do ácido carbônico, poderá diminuir as
taxas de deposição de carbonato de cálcio pelos corais,
afetando o crescimento. Por outro lado, deverá estimular
o crescimento e aumento populacional de muitas algas,
afetando a relação competitiva entre elas e os corais.