Filosofia Na Carne

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AKOFF, George; JOHNSON, Mark.

Philosophy in the flesh: the


embodied mind and its challenge to western thought1. New
York: Basic Books, 1999.

Adriana da Silva Oliveira


Colégio Estadual Anísio Teixeira, Salvador, Bahia, Brasil.

Clotildes Maria de Jesus Oliveira Cazé


Colégio Estadual Adroaldo Ribeiro Costa, Salvador, Bahia, Brasil.2

P hilosophy in the Flesh: The Embodied Mind and Its Challenge To Western Thought,
livro escrito por George Lakoff e Mark Johnson dividido em quatro partes com
vinte e cinco capítulos, ainda sem tradução para o português, traz entendimentos
referentes às ciências cognitivas e à tradição filosófica ocidental, questionando a
maioria das crenças que atam à existência humana a racionalidade.
George Lakoff é professor de Linguística na University of California em Berkeley.­
Mark Johnson é professor de Filosofia na Southern Illinois University, Carbondale; ele
também publicou o livro The Body in the Mind: The Bodily Basis of Meaning, Imagina-
tion, and Reason2(1987).
Os autores apontam as três maiores descobertas das ciências cognitivas: a mente
é corporificada, o pensamento é em parte inconsciente e os conceitos abstratos são
em parte metafóricos. Analisadas em detalhes, estas descobertas mostram a inconsis-
tência de questões centrais da filosofia ocidental apontando a necessidade de revisão
de parte da filosofia analítica anglo-americana e pós-modernista. Para isto, abordam
a visão de filósofos em diferentes épocas, as implicações das descobertas da ciência
cognitiva na existência humana e na revisão de conceitos sobre o corpo, a mente e
seus enlaces.
Por mais de dois milênios, a razão tem sido a definidora das características dos
seres humanos. Inclui a capacidade de inferência lógica e a habilidade para condutas:
inquirir, resolver problemas, avaliar, criticar, deliberar sobre como agir e alcançar uma
compreensão de nós mesmos, de outras pessoas e do mundo. Uma mudança na com-
preensão de razão é, portanto, uma mudança na compreensão de nós mesmos.
O tema central discutido por Lakoff e Johnson é o entendimento da razão se-
gundo as ciências cognitivas a partir dos estudiosos da segunda geração. As pesquisas
explicam o realismo corporificado, o inconsciente cognitivo3 e o papel da conceitu-

1 Tradução das autoras: Filosofia na carne: a mente corporificada e o desafio para o pensamento ocidental.
2 Tradução das autoras: O corpo na mente: a base corporal do significado, imaginação e razão.
3 Inconsciente Cognitivo se refere às ações que são realizadas sem a intervenção consciente do sujeito, são as ações
que realizamos sem precisar focar a atenção no evento. Ex: respirar, caminhar, etc.

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alização e dos questionamentos, sendo estes intencionais e representacionais. Estas
ações dependem dos órgãos sensoriais, da habilidade para nos mover e manipular
objetos, da estrutura cerebral, da cultura e outras interações com o ambiente. Este
corpo transitório ocorre em nível neural, em nível fenomenológico e também no
inconsciente cognitivo.
Este tema é contemporâneo e tem provocado polêmicas entre adeptos da filosofia
ocidental tradicional e os novos entendimentos de corpo. Defendendo suas idéias, os
autores recorrem a argumentos das ciências cognitivas e da neurociência. Eles afir-
mam que a razão está no corpo, se concretiza a partir da natureza dos cérebros, corpos
e experiências sensório-motoras, sendo construída pelas peculiaridades do corpo hu-
mano, pelos detalhes da estrutura neural e pelas especificidades da função cotidiana
no mundo.
Lakoff e Johnson explicam que a razão é evolutiva, construindo e utilizando for-
mas de inferências motoras e perceptivas presentes em outras espécies; é o lugar de
continuidade entre nós e os animais. Ela é uma capacidade universalmente compar-
tilhada por todos os seres humanos; é consciente, tendo parte inconsciente. Afirmam
ainda que a razão não é totalmente literal, sendo em grande parte metafórica, imagi-
nativa e emocionalmente engajada, co-dependente do contexto.
A idéia predominante na obra está ligada à organização e à função dos cérebros
que se baseiam na integração corpo/mente. Estas idéias mudam os conceitos filosó-
ficos de razão, pois se contrapõem à epistemologia cartesiana, mecanicista e dualista
que por muito tempo perpassou os entendimentos de corpo e mente.
Na introdução, “Como a mente corporificada desafia a tradição filosófica ociden-
tal”, os autores reveem a compreensão de questões filosóficas centrais da existência
humana diante das mudanças do entendimento da noção de razão. O entendimento
do inconsciente cognitivo como parte constitutiva da consciência é fundamental para
o processo de construção do sistema conceitual mediado pela compreensão de mun-
do. Os autores consideram que a razão abstrata não é separada do sistema sensório-
motor, são construídos juntos a partir da ação sobre o mundo.
Lakoff e Johnson discutem as teorias que perpassam a construção das metáforas
simples, lembrando que, na fase da conflação4, as crianças pequenas não distinguem
as experiências subjetivas das experiências sensório-motoras e que as associações são
construídas automaticamente entre os dois domínios, sendo esta a base para o apren-
dizado das metáforas conceituais primárias. Afirmam também que mesmo após este
período as associações de domínio cruzado persistem.
No primeiro capítulo intitulado “Idéias filosóficas básicas da ciência cognitiva”,
os autores observam o experimentalismo como uma filosofia que emerge a partir da
segunda geração das ciências cognitivas, sendo importante para a compreensão de
idéias básicas como noção de tempo, relação causa e efeito, mente, “eu interior” e mo-
ral nesta perspectiva. Estas noções são metáforas constituídas pelo sistema conceitual
no inconsciente cognitivo. São dependentes da realidade e emergentes da biologia
humana pela associação das experiências subjetivas às experiências sensório-motoras.

4 Conflacão: fase anterior ao reconhecimento das experiências, dela depende a compreensão das metáforas primá-
rias e o aprendizado.

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No segundo capítulo, “A ciência cognitiva da filosofia”, realiza-se um desmonte
das bases epistemológicas da filosofia ocidental a partir da análise das metodolo-
gias empíricas da própria filosofia. São considerados exemplos de teorias e analisados
tópicos gerais como a metafísica, a epistemologia e a teoria moral examinadas por
filósofos, como os Pré-Socráticos, Platão, Aristóteles, Descartes, Kant e autores da
Filosofia Analítica a partir de argumentos das ciências cognitivas.
Lakoff e Johnson revisam também algumas das descobertas das ciências cogni-
tivas corporificadas para a filosofia, buscando uma nova compreensão dos conceitos
básicos vistos na segunda parte do livro. Estas novas concepções resultam do uso dos
instrumentos e métodos da ciência cognitiva corporificada para analisar conceitos
filosóficos.
Na parte final – “Filosofia corporificada5” – os autores propõem um diálogo entre
a filosofia e a ciência cognitiva, espaço no qual elas co-evoluem e mutuamente se
enriquecem. Argumentam sobre a importância da prática de uma “filosofia empirica-
mente responsável”, tendo por base a experiência na compreensão do que nós somos
nesta perspectiva da existência humana. Assim, são traçadas estratégias epistemoló-
gicas para o tratamento de questões referentes à pessoa, à evolução e à experiência
espiritual.
Os autores propõem o conceito de razão corporificada, isto é, a formação de
conceitos no/pelo corpo nas trocas entre os seres humanos e o ambiente, co-evolu-
tivamente, sendo caracterizados pelo uso da percepção, da imaginação e do sistema
sensório-motor na vida diária. Esse nível de compreensão possibilita a maximização
do contato com a realidade e permite o desenvolvimento da capacidade de projeção
imagética, reconhecida como uma faculdade cognitiva vital.
A espiritualidade corporificada concebida pelos autores sustenta-se nesta facul-
dade cognitiva, correspondendo à maior parte do que chamamos de experiência espi-
ritual. Neste ponto do discurso é enfatizado que parte das experiências ditas “espiri-
tuais” apoia-se em metáforas centradas no mecanismo corporal e requer uma atitude
ética e ecológica.
Finalizando, os autores discorrem sobre a filosofia corporificada lembrando que
somos animais filosóficos capazes de refletir criticamente sobre as nossas próprias
vidas, capazes de perguntar e, algumas vezes, explicar porque as coisas acontecem da
forma que elas são.
Para Lakoff e Johnson, a ciência cognitiva pode auxiliar a filosofia a perceber sua
importância e utilidade para o conhecimento e compreensão de conceitos ligados à
existência humana e ao corporificado a partir de uma visão focada na nossa existência
física: carne, sangue, nervos, células e sinapses e todas as coisas que encontramos no
cotidiano e que nos fazem quem nós somos.
Eles afirmam também que a mente não é puramente corporal, mas também pas-
sional, desejante e social; é dependente da cultura, possui uma história e também um
aspecto inconsciente sobre o qual não temos domínio, mas que é conhecido indire-
tamente. Observam que nosso sistema conceitual é limitado; sendo, entretanto, um

5 Filosofia Corporificada: parte do entendimento que corpo/mente são eventos únicos e a razão não está fora do
corpo; a razão é o próprio corpo sendo uma rede tecida entre a emoção e a razão.

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sistema em expansão que tem a possibilidade de formar novos entendimentos. Res-
saltam ainda que todas as experiências são corporificadas e fazem parte da vida dos
seres humanos em qualquer parte do mundo correspondendo às metáforas primárias.
Desta forma, os seres humanos se constroem no trânsito entre natureza e cultura.
As ideias apresentadas na obra tornam instigante a leitura por profissionais que
trabalham com o corpo, possibilitando novos entendimentos da existência humana,
da atuação do sistema sensório-motor e conceitual, da razão e emoção em redes te-
cidas em um corpo único. Estes entendimentos possibilitam estabelecer sistemas de
conectividade entre o eu, o outro e o ambiente em um contínuo processo co-evolutivo
de possibilidades de movimento, pensamento, linguagem, comunicação, comporta-
mento e aprendizagem.
Perceber a necessidade destes conhecimentos para uma reorganização de con-
ceitos e a possibilidade de atuar de forma consciente a partir destes novos entendi-
mentos de corpo é o que faz este livro interessante, pois para Lakoff e Johnson (1999;
566): “A corporalidade humana é parte da corporalidade do mundo”.

Referências

JOHNSON, Mark. The Body in the Mind: The Bodily Basis of Meaning, Imagina-
tion, and Reason. Chicago, IL: The University of Chicago Press, 1987.
LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Philosophy in the Flesh: the embodied
mind and its challenge to western thought. New York: Basic Books, 1999.

Recebido em: 30/03/2008


Revisado em: 27/05/2009
Aprovado em: 05/05/2009

Endereço para correspondência


Adriana da Silva Oliveira.
Colégio Estadual Anísio Teixeira
Lad Paiva, 40 - Caixa D’Água
Salvador - BA, 40320710
[email protected]

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