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15-Archangel S Resurrection (Guild Hunter) - Nalini Singh (RevR&E)

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Tradução

Books4You
Sinopse
Por milhares de anos, a paixã o entre Alexandre, Arcanjo da Pérsia, e
Zanaya, Rainha do Nilo, queimou furiosa e brilhante, aparentemente
sem fim. Mas ser arcanjo é estar vinculado a um poder violento e
exigente.
Impulsionados por sua energia primordial, Alexander e Zanaya lutaram
tã o ferozmente quanto amaram, presos em um ciclo interminável de
devoçã o e desgosto. É apenas a decisã o de Zanaya de dormir que
encerra sua histó ria de amor.
Eons depois, a Cascata da Morte desperta os dois. A paixã o entre eles é
uma chama que ainda queima, Alexander e Zanaya estã o juntos em uma
ú ltima batalha contra a escuridã o final. Mas mesmo um arcanjo
guerreiro nã o pode vencer todas as guerras. O grito de Alexander
destró i o mundo enquanto Zanaya cai, quebrada e silenciosa. . . apenas
para ressurgir em um milagre que pode ser uma maldiçã o devastadora.
Pois é realmente a Rainha do Nilo que ressuscitou?
Apenas uma coisa é clara: esta é a ú ltima batida de sua dança
apaixonada e raivosa. A mú sica final para Alexander e seu Zani. . .
Archangel’s Resurrection
A imortalidade é um dom incandescente.
A imortalidade é uma maldição obscena.
—Estudioso desconhecido
O primeiro final
CAPÍTULO 1
Lijuan, Arcanjo da Morte e Deusa Acima de Tudo, glorificou-se no uivo
de seu poder enquanto a batalha se desenrolava ao seu redor, a cidade
outrora brilhante de Raphael agora quebrada e queimada. Criança
insolente.
Ele deveria ter ouvido Lijuan, ouvido sua deusa! Ela lhe disse o que
fazer, tentou guiá -lo. Mas nã o, ele fez a escolha errada. Ele escolheu
amarrar-se para sempre a uma mortal chorona.
Nã o importava nada que sua consorte agora tivesse asas e outras
armadilhas da imortalidade. Ela nã o era nada, um verme a ser
esmagado sob a bota, como Lijuan uma vez esmagou seu pró prio
verme. Porque os vermes cavavam dentro de você, criando tú neis e
buracos. Fraquezas. Fraturas.
Vulnerabilidades.
Raphael tinha tudo isso. E hoje pagaria o preço. Todos pagariam.
Ela riu da temeridade dos arcanjos que se reuniram numa aliança
contra ela. Juntos, pensaram que poderiam derrotá -la. Quando tudo que
fizeram foi facilitar as coisas para ela, reunindo-se num só lugar.
Podiam ter sido os principais predadores do planeta uma vez, mas
Lijuan sozinha detinha esse trono agora.
Nã o eram nada além de seus servos.
Ignorando o caos ao seu redor, ela examinou a á rea até que localizou a
arcanjo que mais queria remover da equaçã o. Lá estava ela. Pequena
em estatura, com pele “como a noite, olhos que seguravam as estrelas e
cabelos de luar violeta” – ou assim foi descrita pelo poeta idiota que
escreveu um pergaminho dedicado a Zanaya, Rainha do Nilo.
Lijuan pesquisou Zanaya como parte de sua investigaçã o sobre todos os
possíveis Adormecidos que poderiam ser um problema no futuro... mas
prestou um pouco mais de atençã o à chamada Rainha do Nilo. Nã o
porque era mais poderosa do que os outros, mas porque Zanaya
conseguiu obter a ú nica coisa que Lijuan nunca conseguiu capturar: o
amor de Alexander, Arcanjo da Pérsia.
Oh, ele foi gentil com Lijuan, disse que ela era muito jovem e que talvez
depois de outros sete mil anos poderiam se unir. Só mais tarde
percebeu que ele simplesmente a estava dispensando com bondade -
até
que entã o, ela viu a verdadeira paixã o nos olhos de um homem,
entendeu com clareza amarga que o que viu nos olhos de Alexander
foi... suave, sim.
Entrelaçado até com carinho. Mas paixã o? Nã o. Nem mesmo a menor
suspeita.
Por que ela e nã o eu?
Uma pergunta atormentadora dentro dela desde que soube da histó ria
de Zanaya e Alexander. Porque era assim que a maioria dos
pergaminhos antigos foram escritos – com seus dois nomes ligados.
Como se fossem tanto uma unidade que se entendesse que se Zanaya
andasse na terra, Alexander pertenceria a ela e a mais ninguém.
A raiva queimou através de Lijuan.
Como ele ousava escolher esta mero arcanjo no lugar de Lijuan, que era
uma deusa? Como ousava ainda olhar para Zanaya de uma maneira que
nunca olhou para ela! Ela nã o deveria notar como seus olhares se
encontraram, nã o deveria notar nada além do que era necessá rio para
vencer esta guerra, mas o fez – e a lembrança de seu patético passado a
enfureceu.
Alimentada pela força vital daqueles que se sacrificaram à sua deusa, se
tornou incorpó rea... e entã o voou direto para a arcanjo que zombou de
Lijuan com sua pró pria existência. Lijuan nã o tinha fraquezas. Depois
que matasse Zanaya, cuidaria de Alexander. Consumiria os dois, e uma
vez que estivessem dentro dela, os controlaria.
Zanaya nunca teve chance.
Aparecendo atrá s dela, Lijuan afundou suas presas no pescoço da
arcanjo e bebeu de sua vida. Essas presas geralmente só emergiam em
anjos durante a Criaçã o de um vampiro, mas Lijuan podia convocá -las à
vontade.
Mais um sinal de sua diferença dessas criaturas que procuravam
humilhá -la.
Ventos selvagens repentinos chicotearam o cabelo de Lijuan quando
Zanaya convocou seu poder, o corpo da arcanjo se contorcendo para
responder ao ataque, mas foi um esforço inú til. Lijuan engoliu muito do
poder potente que compunha um membro do Cadre, e Zanaya estava
desaparecendo, desaparecendo.
A raiva de Lijuan, no entanto, oh, continuava a ferver.
Por isso, ela cometeu um erro crítico. Ela aliviou seu controle de ferro
sobre o poder vicioso que fez dela uma deusa - e criou um vazamento.
Um sussurro de seu pró prio poder fluiu para Zanaya, um presente do
qual ela
era totalmente indigna. Mas nã o importava. Zanaya estava morta de
qualquer maneira. Pelo menos agora, Lijuan sabia que nã o deveria ficar
tã o fascinada com o processo de reabastecimento que ela perderia o
controle sobre o infinito grito que era sua gló ria.
Saciada no momento, largou o cadáver enrugado de Zanaya e se tornou
incorpó rea mais uma vez. Nunca mais haveria um pergaminho escrito
que combinasse Zanaya com Alexander.
Que pena terrível que sua histó ria de amor chegasse a um fim tã o
ingló rio.
Seu lá bio se curvou quando viu Alexander de cabelos dourados e asas
prateadas correr para pegar o corpo ressecado de sua amante antes que
p p p g p q
pudesse quebrar contra a terra. Que tolo ele era; tã o indigno da deusa
que se tornou. Que estranho que uma vez o quisesse. Agora, tudo que
queria era a sua morte. Seu fim. Nada poderia existir neste mundo que a
lembrasse do fracasso pessoal.
Ela era uma deusa. Ela. Nã o. Falhava.
CAPÍTULO 2
Alexander viu Lijuan atacar Zanaya.
Lutando para chegar até ela, testemunhou as asas de Zanaya caírem,
seu corpo ficar mole.
Mas sua mente ainda era funcional, tinha poder suficiente para alcançá -
lo ao longo de um caminho tã o antigo que era parte de seu ser mais
elementar: Xander... me mata. Ela deve ser pa...
Mesmo que tivesse coragem de seguir seu apelo sussurrado, era tarde
demais. Lijuan ficou incorpó rea novamente, derrubando Zanaya do céu.
E as asas de sua Zani estavam amassadas, seu corpo caindo, semelhante
ao de um pá ssaro quebrado. Zani! Zani!
Silêncio, nada além de silêncio de sua amante esperta com sua língua
perversa.
Ele a pegou antes que pudesse atingir a terra dura, sua Zani, seu
espírito tã o brilhante e bonito. Fazendo uma curva fechada no ar, se
dirigiu para a enfermaria da Torre. — Espere, Zani. Aguente! — Era
uma ordem,
mas ela estava além de ouvi-lo.
Seu corpo era um sussurro, tã o leve que era como se fosse feita de ar.
Sua pele se transformou em papel, a carne de suas curvas simplesmente
sumiu e sua pele estava fria, tã o fria. Embalando-a o mais perto que
podia sem machucá -la, continuou falando com ela, tentando fazê-la
responder.
Mas tudo que ouviu foi um silêncio sem fim.
Entã o, e por todas as horas que se seguiram.
— Você prometeu que falaria comigo depois da batalha, — ele
sussurrou para ela depois que derrotaram o monstro que Lijuan se
tornou, e carregou o corpo quebrado de Zanaya para o fogo de
Cassandra.
A vidente lendá ria prometeu mantê-la segura.
Mais uma vez, sua Zani, que nunca hesitou em falar ao seu redor, nã o
disse nada. O seu silêncio era uma ferida maior do que qualquer outra
que poderia infligir a ele.
Ele pressionou um beijo trêmulo em seus lá bios, e sentiu o gosto do sal
de suas lá grimas. — Nã o posso existir num mundo onde você nã o
existe.
— Ele só viveu tanto tempo porque, nã o importando sua raiva, sabia
que ela dormia inteira e ilesa. — Volte para mim, minha Zani.
Silêncio.
Até o exato momento em que se obrigou a entregá -la nos braços de
Cassandra. O cabelo lilá s da vidente era lambido pelo ouro e laranja da
enorme e impossível fissura profunda na terra acima da qual pairavam,
e as auroras de espuma do mar de seus olhos assombrados -
assombrosos - eram ternos, seus braços cuidadosos enquanto embalava
Zanaya contra a flutuaçã o suave de seu vestido.
— Você vai cuidar dela. — Saiu uma ordem.
Cassandra nã o lhe disse que nã o tinha o direito de lhe dar ordens.
Com o olhar perdido no terrível dom que a levou a uma loucura que a
fez arrancar os olhos quando nã o aguentou mais, ela disse: —
Alexander, Arcanjo da Pérsia, Filho de Gzrel e Cendrion, antes que
descanse encontrará dois caminhos.
Seu tom era estranho, ecoando como se falado numa grande câ mara.
Com o estô mago apertado, Alexander cerrou os punhos. Levou tudo que
tinha para manter seu tom civilizado. — Nã o desejo profecias
embaçadas que possam significar qualquer coisa e precisem ser
interpretadas. Quero saber se Zanaya vai subir e quando.
Cassandra olhou para o corpo em seus braços, um corpo que já havia
envolto em sua chama. — Isso eu nã o sei. — Seu rosto estava suave
agora, sua voz mais suave. — Mas eu sei disso, Alexander, este é um
final... mas nã o é o ú ltimo final. Isso também virá . Escolha com cuidado,
pois será o ú ltimo para sempre.
Entã o ela se foi, levando consigo sua Zani com seu espírito brilhante e
coraçã o de guerreiro.
Seu pró prio coraçã o se partiu.
Sempre, nã o importa o quê, sabia que ela voltaria. Estava nutrindo
rancor contra ela por milênios, se preparando para ter a luta que lhe
era devida. Sabia que ela riria dele por se recusar a deixá -lo ir, mas
entã o teria brigado com ele. Depois disso, teriam acabado nos braços
um do outro. Era assim que deveria ser; esse era o futuro pelo qual
esperou por tanto tempo.
Este...
Dor um nó em carne viva dentro dele, nã o sabia como conseguiu passar
pelo tempo que se seguiu. Ele se sentiu colado por nada além de sua
pró pria vontade quando finalmente retornou ao seu territó rio. Uma vez
em suas terras, nã o foi para seu forte, mas para um cume isolado de
montanhas onde ninguém podia ouvir seu coraçã o se estilhaçar.
Asas se abriram, ele gritou sua dor e sua raiva até que caiu de joelhos,
mas ainda assim a ferida dentro dele continuou a sangrar. Sobreviveu à
perda de Zanaya antes, mas nã o foi uma perda verdadeira. Sabia que ela
se levantaria novamente, que sua linha do tempo se cruzaria com a dele
novamente.
Ele nã o tinha mais essa garantia.
Sua Zani podia dormir para sempre.
Alexander gritou novamente, e sua dor derreteu a montanha, um rio de
ouro e prata e metais preciosos mais raros que rastejava por cada
rachadura e costura, onde congelariam em algum momento, uma
escultura de beleza surpreendente esculpida na dor de Alexander.
CAPÍTULO 3
Cassandra se contorceu e se virou, incapaz de descansar.
As chamas em que dormia eram conforto, barreiras contra as correntes
do tempo que lhe mostravam demais. Mas só podia escapar totalmente
dessas correntes quando estava num sono profundo e verdadeiro. E nã o
podia cair nele quando tinha dentro de seus cuidados anjos que eram
um grande peso de poder e histó ria.
Astaad, Michaela, Favashi e Zanaya, eles estavam todos... presos no
meio.
Mas nã o eram apenas esses arcanjos que Cassandra observava. Outra,
também, dormia um Sono nã o natural longe dela. No entanto, esse ser
estava conectado a ela por um fio amarrado a outro, seu sangue ligado
profundamente abaixo da superfície. Talvez seus pulsos batessem no
tempo... mas nã o hoje.
Hoje, nenhum dos Adormecidos tinha pulso, mostrava qualquer sinal de
vida.
Ela nã o sabia se eles sonhavam, mas sabia que nã o tinham consciência
do mundo. Isso era uma misericó rdia, devido aos seus ferimentos. No
entanto, podia sentir suas mentes, enormes e poderosas, e essas
mentes nã o estavam... em repouso.
Se um de seus irmã os lhe perguntasse como sabia desses fatos, nã o
poderia responder. Tudo que tinha eram suposiçõ es. Talvez fosse
porque os arcanjos feridos dormiam no abraço de seu fogo, suas
mentes ligadas a ela por fios tênues que lhe permitia monitorar suas
vidas. Pois, apesar de todas as aparências externas, eles viviam, a faísca
interior piscando, mas nã o extinta.
Ainda.
Ela nã o conseguia ver nenhuma de suas linhas do tempo futuras, nem
mesmo o mais leve vislumbre. Cada um levava a um nó emaranhado tã o
apertado que era pura escuridã o.
No entanto, pegou outras coisas nas correntes que colidiram com seu
descanso raso. Suas corujas esvoaçavam ao seu redor, suas penas
macias e brancas enquanto ela se sacudia e se contorcia em seu sono.
Sentindo o que a esperava, tentou nã o olhar para o turbilhã o. Estava tã o
cansada, sua mente era um vitral tã o fraturado com rachaduras que
nunca poderia ser inteiro novamente.
As cores dela eram as cores dele.
Qin, seu Qin.
Lá grimas escorriam por suas bochechas enquanto lutava contra a
compulsã o de olhar, mas nunca ganhou essa luta nas eras desde que seu
“dom” foi concedido a ela pela primeira vez. À s vezes, quando estava sã ,
se perguntava se parte de sua raiva era por causa de como sempre
perdia a batalha. Era tã o vaidosa e arrogante que ficava furiosa com sua
constante incapacidade de vencer?
Risos, um toque de loucura.
Ah, era ela.
Nã o, nã o estava com raiva. Há muito tempo passou da raiva, do terror e
da raiva, para uma tristeza tã o pesada que era sua pró pria respiraçã o.
À s vezes, achava que devia nascer de lá grimas, nada para ela além de
á gua salgada.
Sua mente um caleidoscó pio, estilhaçada novamente, mais fraturas no
vitral.
E o turbilhã o se abriu na sua frente, mostrando seus inú meros fios,
milhõ es de vidas, milhõ es de possibilidades. Uma escolha podia levar a
isso, outra a aquilo. Mas algumas escolhas... algumas escolhas levavam
sempre a uma ú nica coisa. Estradas afuniladas num ú nico ponto de
estrangulamento.
Esses eram os futuros gravados em pedra.
Assim como o futuro que pulsava vermelho na sua frente na forma de
asas escarlates que brilhavam.
Vermelho como sangue.
Mas bonito.
Mesmo quando o pensamento passou por sua mente, as asas
começaram a escurecer. Para um rubi rico que era adorável. Em
seguida, delineado com azul. Ainda adorável. Num suspiro que a fez
estremecer, o azul e o vermelho começaram a se misturar, mas ao invés
do tom violeta que deveria ter resultado, as asas ficaram de um verde
doentio.
Gotas de sangue rastejaram pelas penas, cada gota de um preto viscoso
que respingou na corrente de ar e revestiu suas estradas numa praga
que se espalhava rapidamente e dizimava todas as linhas do tempo
futuras. Penas caíram das asas, espalhando ainda mais a praga.
Ela estremeceu, seu coraçã o ecoando a tapeçaria retorcida do par de
asas apodrecidas.
— Nã o. — Um sussurro. — Nã o. Eles pagaram o preço. Eles
sobreviveram. — Este devia ser um tempo de reconstruçã o e esperança.
Mas as asas continuaram a contaminar os turbilhõ es com seu veneno.
Um.
Por.
Um.
Mais.
E.
Mais.
Até que as asas nã o fossem nada além de ossos apodrecidos com
infecçã o e a totalidade do futuro um estrangulamento nocivo sem saída.
Gritando, ela levantou as mã os para arrancar os olhos... mas suas
corujas pisaram em seus dedos, lembrando-a de que poderia dormir,
j p q p
poderia cair profundamente, bem abaixo da superfície e permitir-se
afogar no nada.
Mas nã o podia ouvir suas amadas corujas hoje. Nã o era possível vê-las.
Tudo que podia ver eram os ossos apodrecidos das asas, quebrando,
caindo, espalhando mais veneno. Cravando as unhas nos olhos, os
arrancou.
Sangue cobriu seus dedos, escorregadio e brilhante como ferro. Mas
nã o importava quanto dano fizesse a si mesma. Ela ainda via. Ela ainda
sabia.
Suas corujas, angustiadas, bateram as asas num esforço para acalmá -la,
mas ela ainda gritou.
Até...
Um ú nico fio do turbilhã o que brilhava com diamantes negros. Ele se
separou de uma linha mais grossa. A linha principal estava revestida de
veneno e entrou no nó que era o fim da eternidade, o fim de tudo. O
diamante escuro fluiu para um futuro além do qual havia mais
possibilidades infinitas, estrelas piscando para a vida uma apó s a outra.
Cassandra queria colocar suas mã os ensanguentadas em torno desse
ú nico fio de esperança, mas nã o era assim que seu dom funcionava,
como sempre funcionou, era por isso que sempre estava um pouco
louca. — Uma ú nica encruzilhada. — Seu murmú rio nã o alcançou
ninguém, preso nas chamas que ela criou para impedir que seus
pensamentos vazassem nas mentes dos outros.
Elena, aquela criança mortal que virou anjo, merecia um pouco de paz
dos sussurros de uma Antiga louca.
Entã o foram apenas suas corujas que ouviram seus gritos, suas
palavras.
Pois os arcanjos que ela segurava em seus braços nã o podiam ouvir,
nã o podiam ouvir, estavam num lugar muito além da dor, além deste
mundo, talvez além da cura.
Fechando os olhos que já estavam se regenerando, Cassandra caiu num
sono intermitente. Continuaria a ouvir suas acusaçõ es e para os outros.
Talvez um acordasse. Talvez pudesse vislumbrar uma alegre surpresa
no turbilhã o. Já aconteceu antes. Algumas forças eram maiores que o
pró prio destino.
Pois ela viu Elena viva em apenas uma linha de tempo frá gil.
A mortal caiu nos braços de seu arcanjo, quebrada e morrendo, em cada
linha do tempo. Mas em todos as outras, ela morria. Desaparecia, e com
ela, todas as linhas do tempo que se formaram nela, o mundo um lugar
totalmente diferente.
Um lugar fétido e de morte.
Um lugar tã o terrível que Cassandra interferiu. Colocou migalhas de
previsã o que levaram a açõ es que levaram a outras açõ es. Lijuan
acordou Alexander porque pensou que ele iria acordar, mas foi a
Arcanjo da Morte que colocou essa cadeia de movimento em açã o.
j q ç
Tantas migalhas de pã o meticulosamente colocadas, tantas asas de
borboleta no éter.
Porque, embora Cassandra nã o pudesse mudar o futuro, aprendeu que
podia influenciá -lo dependendo de qual de suas visõ es compartilhasse.
Compartilhar a que Lijuan governaria todo o mundo seria um peso nos
ombros de todos aqueles que lutaram, roubando sua vontade e sua
força.
Compartilhar que viu uma paisagem queimada e devastada e se
tornaria um horror sussurrando na nuca.
Entã o ela compartilhou outras coisas. Verdades sombrias... mas nã o a
mais sombria.
E hoje, em sua loucura, entendeu que alterou o futuro. Mas apenas até
certo ponto. Porque no final, tudo se resumia à vontade de viver de uma
mortal e à força do amor de um arcanjo. Que ela nã o podia mudar, nã o
podia manipular. Era aí que seu poder terminava.
Mas... talvez fosse o suficiente. Talvez pudesse viver vendo o futuro se
pudesse alterá -lo mesmo que uma fraçã o.
Um pensamento desaparecendo quando mergulhou mais fundo no
descanso.
No entanto, ao fazer isso, viu uma imagem final que se transformou
numa profecia silenciosa: os amantes caem e os amantes se levantam. O
rio para de fluir. Desta vez será o fim.
O início
CAPÍTULO 4
O menino nasceu com um choro alto o suficiente para assustar os
vizinhos. Nã o estavam acostumados a tal perturbaçã o da casa de dois
estudiosos conhecidos por seus modos calmos e postura firme. A cena
dentro daquela casa erudita de pedra e madeira e uma reverência ao
conhecimento era de ainda mais espanto — e de amor.
Nem Gzrel nem Cendrion pensaram em ter outro filho depois de muitos
milhares de anos sem tal bênçã o. Ora, seu filho Osíris já era um homem
de cerca de dois mil anos! Mas agora aqui estava ele, este menino tã o
feroz e com pulmõ es tã o fortes, suas asas nada além de um sussurro de
translucidez em suas costas.
Gzrel o embalou perto de seus seios macios, suas lá grimas
transbordando quando deu um beijo na redondeza de sua bochecha,
enquanto Cendrion pegou a mã o pequena e fechada de seu filho. —
Alexander, — ele murmurou, pois já haviam decidido que seu filho teria
o nome da mã e de Gzrel, Alexandre, que foi a razã o pela qual ela e
Cendrion se uniram.
Tã o tímidos Gzrel e Cendrion foram; nunca fariam um movimento que
pudesse ameaçar a amizade tranquila que sustentava os dois. Mas
Alexandre viu o amor deles um pelo outro, arranjou para que ficassem
presos juntos durante uma forte tempestade de inverno - tempo
suficiente para cada um ver a saudade e a devoçã o do outro. Agora aqui
estavam eles, milhares de anos de amor depois, com um segundo
símbolo vivo desse amor em seus braços.
A Osíris, eles deram o nome do pai de Cendrion, aquele que atravessou
o véu além do qual os imortais raramente viajavam. Ele caiu em
batalha, obliterado no fogo da ira de um arcanjo. Assim foi que os filhos
de Gzrel e Cendrion, Osíris e Alexander, carregariam pedaços da
histó ria de sua
família em ambos os lados.
— Ele é feroz, — disse Cendrion, sua voz profunda e o cinza de seus
olhos suave e quente contra o ouro pá lido de sua pele e o castanho
polido de seu cabelo. — Tenho certeza de que nã o gritei assim quando
nasci. —
Uma alegria atordoada em seu tom. — Osíris fez o mesmo, ou éramos
apenas mais jovens na época?
Essa alegria, esse choque de se tornar pais novamente ainda estava com
eles quando Ojewo, que se dizia ser um parente distante da pró pria
Cassandra, veio visitar Alexander alguns dias depois. Gzrel queria
abraçar seu precioso bebê, protegê-lo da visã o estranha do vidente e, ao
mesmo tempo, queria empurrá -lo nos braços do vidente para que
Ojewo pudesse lhes dizer que perigos o futuro reservava para o
menino.
Gzrel nã o era guerreiro e nem Cendrion. Evitaram o caminho da
violência eras passadas, mas a violência nã o era a ú nica escolha quando
se tratava dos problemas da vida. Ambos tinham mentes inteligentes de
pensamento. Certamente, se soubessem do perigo, poderiam encontrar
uma maneira de proteger Alexander dele?
Ojewo, com seu ar de juventude apesar de seus anos, sorriu ao entrar
em sua casa, e esse sorriso era tã o cheio de luz que Gzrel entregou seu
filho com um sorriso pró prio, certa de que Alexander estaria seguro nos
braços deste lindo anjo. Muitos suspiravam atrá s dele, sussurrando
sobre o verde esfumaçado de seus olhos e o marrom profundo de sua
pele, a esbeltez de sua constituiçã o e o mistério de seu sorriso.
Gzrel, em contraste, sempre quis ser mã e dele, embora soubesse que
Ojewo era um adulto antes que ela fosse uma faísca nos olhos de sua
mã e.
Talvez porque a lembrasse de um jovem Osíris, esbelto e lento para
sorrir, mas com olhos que se iluminavam quando o fazia.
— Você carrega um coraçã o jovem, — ela disse a ele uma vez, confusa o
suficiente sobre como foi possível que tivesse esquecido sua reticência
natural. — Sempre ouvi dizer que os videntes sã o assombrados pelo
que veem, que faz com que envelheçam antes do tempo. Estou tã o feliz
que este nã o é seu caso.
Ela corou logo apó s suas palavras, suas mã os voando para o rosto. —
Ah, o que deu em mim? Perdoe-me por pisar onde nã o tenho o direito
de ir.
Ojewo estaria certo em se sentir insultado pelo comentá rio pessoal,
mas deu uma risada calorosa e ousada que a abraçou até que ela nã o
pudesse fazer nada além de sorrir. — Ah, Gzrel, você nã o precisa temer
dizer isso para mim - ganhou o direito depois de suas muitas gentilezas
para com os outros.
Ele se inclinou para perto, como se compartilhasse um segredo. — A
verdade, — ele disse, sua pele quente com o cheiro das frutas silvestres
que cresciam por todo o Refú gio, — é que minha visã o é apenas um
sussurro em comparaçã o com a da minha ancestral mais lendá ria. Nã o
há registros, nem histó rias de nascimento, mas é dito em minha família
que ela e seu amado Qin tiveram um filho. No entanto, essa criança
nasceu antes de sua visã o natural se transformar em... uma fú ria e uma
agonia.
Nenhuma risada agora, nada além de tristeza por uma mulher que ele
nunca conheceu. — Entã o, mesmo que eu seja sangue do sangue dela,
um descendente direto, a visã o que herdei é uma pintura desbotada em
comparaçã o com a surpreendente verdade dela. E celebro esse dom
todos os dias da minha vida.
Gzrel recuou interiormente, sua angú stia por Cassandra tã o aguda
quanto seu horror. Pois Ojewo já via demais, carregava demais. Saber
ainda mais... Isso a fez desejar paz e conforto para Cassandra onde ela
estava, trancada num sono sem fim.
Imortais, no modo de pensar de Gzrel, deveriam ver o futuro ainda
menos do que os mortais. Qual era o sentido de ver um futuro sombrio
quando esse futuro sombrio poderia estar a milhares de anos de
distâ ncia?
Tudo que faria era sombrear o presente. Sempre foi grata por Ojewo
nã o prever para Osíris. Tudo que disse foi que, como a maioria dos
recém-nascidos, ele teria muitas oportunidades, muitas bifurcaçõ es no
caminho para seu destino.
— Se eu falar por ele um futuro, vou colorir toda sua existência, —
Ojewo murmurou enquanto segurava seu primogênito, e por um
momento, Gzrel pensou que ela vislumbrou a mais escura das sombras
cruzando o rosto do vidente, mas entã o Ojewo levantou a cabeça e
sorriu e a tolice do pensamento passou.
Osíris era um bebê, inocente como a neve recém-caída.
Aliviada pela lembrança da recusa do vidente em prever aos muito
jovens, ela se acomodou na visita e no orgulho de ser uma nova mã e.
Ojewo era tã o gentil com Alexander, tã o cuidadoso em como tocava os
pequenos punhos do menino.
Abrindo-os, Alexander agarrou o dedo do vidente.
Os dentes de Ojewo brilharam, seus olhos brilhando. — Ah, você vai ser
forte. — A menor mudança em sua voz no final, um certo tom que fez os
cabelos da nuca de Gzrel se arrepiarem.
Ela ouviu aquele tom antes, sabia o que anunciava. — Ojewo. — Ela ia
arrancar seu filho dos braços do vidente... Mas era tarde demais.
— Asas de prata, — Ojewo murmurou. — Tais asas. Tal força. Fogo de
prata. — Um piscar sú bito, depois a sensaçã o de um puxã o, como se o
vidente estivesse saindo da visã o com força.
Gzrel engoliu, esperou. Seu intestino era gelo, sua espinha ferro.
Mas o sorriso de Ojewo só se aprofundou. — Oh, me desculpe por
assustá -la assim, Gzrel. Este é inflexível em seu caminho – e será
glorioso. —
Levantando a criança que ainda segurava, Ojewo pressionou os lá bios
na testa do bebê. — Ele brilhará como as estrelas.
Gzrel respirou fundo, a mã o no peito. — Graças. Achei que você ia me
dizer algo horrível!
— E tudo que eu disse é que seu bebê será glorioso. — Ojewo riu
novamente. — Todos os pais nã o acreditam isso de seus filhos? É uma
lei, sim?
Gzrel ainda estava sorrindo horas depois enquanto contava a histó ria
para Cendrion, que teve que perder a visita por já ter planos com um
colega estudioso que estava prestes a deixar o Refú gio por muitos anos.
Cendrion riu aquela risada silenciosa que era sua pedra de toque. —
Ojewo está certo, — disse ele depois. — É uma lei. — Tirando
Alexander de seu berço, ele disse: — Oh, meu amor, um mensageiro
angelical me entregou uma carta de Osíris quando eu estava voltando
para casa. Está na minha bolsa.
— Oh! Já faz muito tempo desde que ouvimos falar dele. — Incapaz de
esperar até depois do jantar, encontrou a carta e a leu em voz alta
enquanto Cendrion brincava com Alexander.
Seu primogênito era um homem de estudo e inovaçã o, embora seu
trabalho fosse mais prá tico e experimental do que o deles. Ela e
Cendrion concordaram que Osíris era um estudioso brilhante, que há
muito os eclipsara — e nã o poderiam estar mais orgulhosos de serem
tã o eclipsados.
Nesta carta, enviou notas copiosas sobre seus projetos mais recentes.
O peito de Gzrel explodiu com calor. — Eu me pergunto que
descobertas Osíris fará em sua vida. Ele já está tã o longe.
— Mal posso esperar para ouvir mais sobre o projeto dele, — disse
Cendrion, e falaram sobre isso por um tempo enquanto Alexander os
observava com olhos que começavam a mudar de uma imprecisã o
infantil para um cinza tã o impressionante que estava indo para o
prata...
Ele já tinha cabelos tã o dourados quanto os de Gzrel e, por Ojewo, suas
asas também seriam prateadas. Ela já podia ver a forma do menino que
se tornaria, tã o bonito e inteligente e a menina dos seus olhos.
— Que descobertas acha que nosso vocal filho mais novo fará ? —
Cendrion disse num ponto durante a conversa. — Tenho certeza de que
fará os experimentos mais loucos de todos nó s!
Que Alexander também fosse um erudito parecia uma verdade
evidente. Cada anjo em sua linha materna e paterna, até onde a
memó ria podia alcançar, escolheu essa vida. Sem desvios, exceto na
especializaçã o.
Claro que Alexander seria uma criança estudiosa.
*
À medida que os anos passavam e seu filho crescia, Gzrel e Cendrion
esqueceram as palavras de Ojewo, exceto como uma feliz confirmaçã o
de que seu filho seria tudo que acreditavam que as crianças poderiam
ser.
A ú nica pessoa que nã o esqueceu o que viu naquele dia foi o pró prio
Ojewo.
Enquanto caminhava pelas trilhas cobertas de gelo das montanhas
irregulares além do Refú gio, pensou nas visõ es que irromperam em sua
mente com uma força tã o brutal que nã o puderam ser contidas: a gló ria
de um arcanjo de poder derretido, a escolha que um dia teria que fazer
contra o sangue de seu sangue, o murmú rio de uma névoa negra
pairando num horizonte tã o distante no futuro que nem a mente de
Ojewo podia alcançá -lo... e a consciência de que Alexander
experimentaria grande felicidade e grande tristeza em seu tempo.
Sua vida seria em grande escala e deixaria uma marca permanente no
mundo.
— Desejo-lhe tudo de bom, pequeno, — ele sussurrou para o gelo e a
neve, seu bafo branco no ar. — E espero estar acordado para
testemunhar
sua ascensã o.
Ojewo entendeu há muito tempo que prever uma criança era deixá -la
pesada até que se afogasse, entã o nunca falava sobre o que via.
Isso nã o significava que nã o via nada. Longe disso.
Restavam, é claro, bifurcaçõ es fracas na estrada, incluindo futuros em
que a criança nã o ascendia, mas Ojewo nã o acreditava que fossem
possibilidades reais.
As visõ es foram muito viscerais, muito cheias de cor.
O coraçã o de Ojewo doía pela dor e perda que viriam na vida de
Alexander, e esperava que além do horror e da agonia estivesse a
alegria.
Mas Ojewo nã o podia vislumbrá -la, incapaz de ver além da névoa negra
nociva. Talvez esse fosse o limite de sua visã o... ou talvez anunciasse
uma coisa tã o terrível que engoliria o mundo inteiro.
CAPÍTULO 5
Alexander adorava visitar seu irmã o mais velho. Ao contrá rio de muitos
de seus amigos que tinham irmã os mais velhos do que eles – embora
ninguém na escola tivesse um irmã o que fosse muito mais velho –
Osíris nã o ignorava Alexander, exceto por nã o estar presente no dia de
seu nascimento.
A mamã e disse que Osíris veio visitar Alexander quando ele era um
calouro com asas que nem abriam, e estava lá por Alexander desde
entã o.
Mamã e e papai ensinaram muito a Alexander, mas foi Osíris quem
realmente lhe mostrou as coisas. Seu irmã o permitiu que misturasse
pó s e líquidos no laborató rio para ver como reagiam, o levou para
observar os animais para que Alexander pudesse aprender seu
comportamento e até o ensinou a nadar!
Alexander tinha certeza de que seu irmã o era a pessoa mais inteligente
do mundo.
Hoje, Osíris deu-lhe um olhar pensativo enquanto Alexander corria de
volta pelas areias negras da distante ilha de sol e á gua onde Osíris vivia.
A areia queimava e ele corria o mais rá pido que podia, ganindo e rindo
ao mesmo tempo.
— Você é uma coisa tã o selvagem, — Osíris murmurou, uma inclinaçã o
de seus lá bios e o prata de seus olhos brilhando ao sol. Eles
compartilhavam aqueles olhos e até o dourado de seus cabelos, mas os
de Alexander eram lisos como os de seu pai e Osíris tinha cachos como
os de sua mã e.
Alexander adorava que fossem tã o claramente irmã os. A ú nica
diferença ó bvia era que a pele de Osíris era mais bronzeada do que a de
Alexander. O sol queimava tã o quente aqui que o irmã o de Alexander
usava principalmente uma tú nica que ia até o meio de suas coxas,
sandá lias e nada mais.
Alexander nã o se preocupava com roupas. Sabia que teria que fazer isso
um dia, mas agora todos ainda o tratavam como um bebê, entã o era
permitido. Sorrindo com o que seu irmã o disse, fingiu rosnar e ser um
tigre como aquele que viram no territó rio do Refú gio uma vez.
Osíris riu e esfregou a mã o sobre a cabeça de Alexander, assim que uma
vampira com grandes olhos castanhos e longos cabelos escuros, com
uma flor de frangipani atrá s de uma orelha, saiu das á rvores. Sua tú nica
era tecida de tiras de marrom e preto e tinha borlas que pendiam de
suas coxas.
— Meu senhor, — ela murmurou, seu olhar baixo. — Está quase na hora
de comer.
Alexander sabia que Livaliana era a concubina favorita de Osíris. Osíris
lhe explicou as concubinas, entã o Alexander sabia que eram amigos
especiais que seu irmã o amava, e Livaliana era a favorita. Alexander
também gostava dela — era gentil e meiga como sua mã e, e cantava
lindas cançõ es para ele na hora de dormir.
— Venha, criança selvagem. — Osíris estendeu a mã o. — Nossa senhora
nos chama.
Enquanto Alexander caminhava entre eles, uma mã o segurando a de
seu irmã o e a outra segurando a de Livaliana, Osíris disse: — O que
acha de experimentar o treinamento de guerreiro, irmã ozinho?
Alexander parou, olhou para Osíris, seu coraçã o batendo tã o alto que
nã o conseguia mais ouvir as ondas do mar. — Sério?
— Sim. — Um olhar tã o sério que Alexander podia senti-lo dentro dele.
— Acredito que nossos pais tímidos e nã o combativos podem ter
gerado uma criança guerreira – meus pró prios guardas seniores vieram
até mim para dizer que veem tanta energia em você, a mesma energia
que vive neles. Entã o pensei que deveríamos oferecer a você tanto o
caminho do
erudito quanto o do guerreiro, e permitir que você decida por si
mesmo.
Alexander nã o conseguia falar, nã o tinha as palavras; apenas se jogou
nas pernas de Osíris e segurou firme. Rindo, seu irmã o bagunçou seu
cabelo novamente. — Eu deveria saber. Você voou alto e em linha reta
antes que a maioria de seus irmã os pudesse sequer entrar no ar. Tenho
a sensaçã o, jovem irmã o, de que nã o foi feito para o estilo de vida
preferido da família.
A felicidade de Alexander era tã o grande que sentiu que sua pele iria
estourar e assim permaneceu até seu retorno ao Refú gio, a voltar a usar
roupas, e ao início de seu treinamento.
*
Ele conheceu Callie no segundo dia de treinamento. Ela tinha olhos tã o
azuis que quase doía de olhar, e era um pouco mais velha, mas como
nã o havia muitas crianças no Refú gio para esta “estaçã o da vida” –
como sua mã e dizia – todas tinham que praticar juntas.
Quando o treinador pediu a Callie que mostrasse a ele um exercício que
ela já havia aprendido, Alexander disse a si mesmo para ter cuidado –
porque, embora ela fosse mais velha, era menor, mais esbelta. Entã o ela
chutou as pernas dele, derrubando-o com força em seu traseiro, e ele
percebeu que ela era mais forte do que parecia.
Ele parou de se segurar.
Dado que era o membro mais novo da classe, nunca teve chance contra
ela, mas ela nã o riu dele por seus erros, apenas lhe disse por que ele
perdeu e o que poderia fazer para consertar isso. Uma semana depois
das aulas, ele foi se sentar com ela para o intervalo. Ela permitiu, mas
mais tarde, na caminhada para casa, ele decidiu subir numa á rvore e de
alguma forma caiu dela. O movimento deslocou um pesado cacho de
frutas maduras.
Eles respingaram e explodiram em sua tú nica limpa e arrumada.
— Alex! — Com o rosto vermelho, ela ignorou suas desculpas para ir
para casa.
Logo ficou claro que Callie nã o o considerava um amigo. Nã o que ele
estivesse triste. Gostava dela, mas nã o conseguia imaginar nada pior do
que ser convidado para um almoço ou festa onde tinha que estar em
suas
melhores maneiras, porque era isso que Callie gostava de fazer. Ele nã o
entendia. Ela era uma lutadora incrível... depois ia comer bolos de mel e
chá com as amigas, todas com suas melhores roupas.
No treino, porém, era diferente. Ele a entendia ali – ela continuava a
empurrá -lo a cada liçã o, cada vez que o colocava no chã o... até que um
dia, ele a colocou no chã o.
Ambos se olharam, os olhos arregalados.
Entã o ele jogou as mã os no ar e deu uma volta ao redor do ringue de
treinamento. — Um para mim, cem para Callie!
Deitada no chã o, o cabelo preto grudado no rosto, ela riu tanto que
chorou, e sabia que ela nã o se importava que ele a tivesse espancado.
Suas lutas ficaram cada vez melhores a partir de entã o, o corpo de
Alexander mais forte e flexível, seus pensamentos menos infantis – e
seu caminho futuro cada vez mais claro. Mas nã o contou isso a Osíris ou
a seus pais. Ainda nã o. Gzrel e Cendrion o ensinaram a considerar as
coisas antes de decidir, fosse sua opiniã o sobre um novo tipo de comida
ou seus pensamentos sobre uma informaçã o.
Alexander odiava esperar. Era uma perda de tempo. Sempre conhecia
sua mente imediatamente e nunca a mudava, mas também sabia que
sua família gostava de passar o tempo pensando. Ontem, encontrou sua
mã e apenas olhando para a parede onde ela desenhou a giz para fazer
seu trabalho, mesmo que devesse estar fazendo as malas.
Um nó duro se formou em seu estô mago quando se lembrou por que
tinham que fazer as malas: porque um membro sênior da corte de sua
arcanjo queria sua casa na beira de um penhasco. Ele discutiu com seus
pais que deveriam lutar contra a ordem de realocaçã o preventiva, mas
eles olharam para ele com sorrisos fracos em seus rostos que nã o eram
sorrisos.
Seu pai disse: — Nã o somos ninguém para a arcanjo, Alexander, apenas
dois estudiosos de baixo nível que só estã o ligados à corte dela porque
significa que outros nã o podem roubar nossa pesquisa sem brigar com
ela. Nã o é como se nossas especializaçõ es sozinhas dessem algum
prestígio especial à sua corte. Ela consideraria nosso pedido um
assunto mesquinho, ficaria irritada com isso.
— Nã o é mesquinho! — Alexander odiava que as pessoas pudessem
simplesmente empurrar seus pais dessa maneira.
— Oh bebê. — Sua mã e deu um tapinha em seu peito, deixando pó de
giz em seu rastro. — Nã o perdemos nada por nã o desperdiçar nossa
energia com isso. Nossa nova residência tem espaço para todos os
nossos pergaminhos e tabuletas e afins, e estaremos juntos. A política
nã o nos interessa, entã o nã o a jogamos.
Alexander poderia dizer uma coisa dura entã o, uma coisa cruel sobre
fraqueza e falta de coluna, mas nã o disse. Porque amava sua mã e e seu
pai e nunca fizeram nada para machucá -lo.
Foi também por isso que fingiu pensar, embora sua mente estivesse
decidida.
E esta decisã o... — Nã o quero ferir seus coraçõ es, — disse ele à Callie
um dia, quando era um jovem a meio caminho da idade adulta, de
pernas longas e esguio, e ela decidiu que poderia suportá -lo por
pequenos períodos.
Ainda nã o eram amigos, mas sabia que podia confiar nela e esperava
que ela soubesse que podia confiar nele. — Meu irmã o já adivinhou,
tenho certeza, — acrescentou, — mas meus pais têm uma visã o de uma
linha contínua de estudiosos.
Caliane bateu no ombro dele com o dela. — Eles nã o vã o se importar,
Alex. Nã o vã o entender, mas sã o tã o doces, vã o te amar de qualquer
maneira.
Alexander agarrou-se a essa garantia quando finalmente falou com seus
pais sobre sua escolha. — Desejo seguir o caminho do guerreiro, — ele
disse, engolindo em seco. — Ele se encaixa em mim como se sempre
tivesse sido feito para ser minha pele.
Nenhuma raiva ou decepçã o em seus rostos, apenas o amor que sempre
fez parte de sua vida.
— O que te fizer feliz, Alexander. — Seu pai apertou seu braço antes de
se virar para olhar para a mã e de Alexander com uma ternura que fez
Alexander corar. — Gzrel e eu sempre soubemos que você seguiria seu
pró prio caminho. Nã o foi, meu coraçã o?
A risada de sua mã e encheu o quarto de sol. — Lembro-me de lhe dizer
que nã o podia ficar com Osíris quando era pequeno, e os argumentos
que me deu sobre isso! — Olhos dançantes. — Outra criança poderia
fazer birra, mas você usou cada uma das palavras do seu vocabulá rio
para tentar me convencer de que eu estava errada, errada, errada. Se a
memó ria nã o me falha, acredito que usou exatamente essas palavras
nesse tom.
Alexander nã o pô de deixar de sorrir, e quando sua mã e colocou seus
braços esbeltos ao seu redor para abraçá -lo com força, ele a abraçou
também. E percebeu como ela era pequena e frá gil; ele já era mais alto e
mais forte que ela. As pessoas poderiam facilmente machucá -la.
Atingido por uma onda de emoçã o crua que entupiu sua garganta, a
abraçou ainda mais apertado.
Depois, seus pais lhe perguntaram se pretendia descartar sua bolsa de
estudos completamente, e Alexander balançou a cabeça. — Meu irmã o
p ç ç
sempre me aconselhou que os guerreiros que sobem mais alto sã o
aqueles que sã o inteligentes e habilidosos no campo de batalha.
— Aqueles que estã o nas cortes dos arcanjos, — Osíris disse, — sã o
mais do que mú sculos. Sã o pensadores altamente inteligentes e
estrategistas informados. Observe, aprenda.
Alexander fez exatamente isso, usando as habilidades que aprendeu no
joelho de seus pais para pesquisar os anjos e vampiros que eram os
segundos e altos cortesã os dos arcanjos. Nem um ú nico poderia ser
rotulado como apenas musculoso, embora vá rios deles fossem letais no
campo de batalha. Entã o vieram as surpresas. Um segundo era um
administrador sem qualquer experiência de batalha; ainda outro usava
as vestes de um curandeiro.
Alexander pretendia chegar ao cerne dessas escolhas - como seus pais
lhe ensinaram, queria entender. Nã o queria apenas saber. Um era a
superfície do lago, o outro as á guas profundas abaixo.
— Devo admitir que estou feliz em ouvir isso, — disse sua mã e por sua
resposta sobre sua bolsa de estudos contínua, seus dedos revirando o
pingente de â mbar que nunca tirava. — Embora seja um caminho que
exigirá muito de você. Vai cuidar da sua saú de, nã o vai, meu filho?
Quando reclamou com Callie sobre a preocupaçã o superprotetora de
sua mã e, ela disse: — Esse é o trabalho dela como mã e. Pelo menos é o
que meu pai me diz. — Nenhuma torçã o de emoçã o em seu rosto, uma
ausência de memó ria.
Callie nã o tinha mã e. Sua mã e morreu ao dar à luz a ela. Quando
criança, Alexander nã o entendia como isso poderia ser assim - os
imortais viviam para sempre exceto por algumas circunstâ ncias muito
específicas, a maioria das quais envolvia ferimentos graves ao corpo,
incluindo decapitaçã o.
Mais velho agora e percebendo que ainda nã o compreendia nada disso,
foi para casa e pediu à mã e que lhe explicasse.
Gzrel estava ocupada, mas largou o trabalho, enfiou o braço no dele, e
caminharam até a fenda na terra do Refú gio que estava lá desde que
Alexander conseguia se lembrar.
CAPÍTULO 6
— Apareceu há algumas centenas de anos, — disse sua mã e, seguindo
seu olhar, — e está procurando se transformar num desfiladeiro. Me
pergunto o que será daqui a mil anos, onde interromperá sua expansã o.
Alexander estava acostumado a tais non sequiturs de sua mã e,
especialmente quando se tratava do estudo das rochas e da terra, a
especialidade de Gzrel. — O que você acha?
— É muito cedo para ter certeza, — ela disse com uma carranca, —
mas discordo daqueles que estã o convencidos de que a rachadura vai
engolir o Refú gio. Acredito que vai parar de se expandir quando atingir
um equilíbrio – embora exatamente quando isso acontecerá permaneça
um mistério.
Alexander tentou pensar em como devia ser tã o velho quanto sua mã e
ou seu pai – milhares de anos! – mas parecia uma pedra em seu peito, a
ideia disso. Se perguntava à s vezes quem seria se chegasse a essa idade,
mas era muito longe para ele imaginar. Hoje era sua realidade, e hoje,
estava ouvindo sua mã e falar sobre a mã e de Callie. — Mã e?
— Sim? — Ela olhou para ele, piscou. — Oh sim. Desculpe, meu filho.
— Acariciando o seu braço com a mã o que nã o tinha enfiado nele, ela
disse:
— A morte no parto é infelizmente comum entre os mortais. Muitas
coisas podem dar errado ao dar à luz uma criança, mas como imortais,
nossas habilidades avançadas de cura melhoram tais feridas na medida
em que nunca as sentimos.
— O corpo da mã e de Callie nã o se curou?
Para sua surpresa, ela balançou a cabeça. — Até onde sabemos, sim.
Ela nã o morreu no parto, morreu no dia seguinte. Mesmo em sua dor, o
pai de Caliane foi inflexível para que os curandeiros cortassem sua
amada,
descobrissem o motivo, pois sua filha devia ter uma resposta. Deve ter
sido a decisã o mais difícil de sua vida, mas foi a certa. Nenhuma criança
deve acreditar em si mesma como motivo da morte de sua mã e.
Alexander engoliu em seco, sua garganta grossa. Nã o conseguia falar,
entã o apenas olhou para frente e deixou sua mã e pensar que estava
simplesmente se concentrando em suas palavras.
— O que descobriram foi que a mã e de Caliane estava destinada a
morrer – um elemento de seu coraçã o nunca se formou corretamente.
Embora tais irregularidades no crescimento sejam incomuns entre
nossa espécie, podem ocorrer e ocorrem.
Embora sua mã e tenha parado por aí, Alexander tinha idade suficiente
para entender que o coraçã o da mã e de Callie desmoronou o suficiente
para matar uma imortal por causa do poder necessá rio para dar à luz
uma criança.
Callie era inteligente. Também saberia disso.
E era por isso que Alexander nunca tocaria no assunto com ela.
Podiam nã o ser amigos, mas ela sempre cuidou dele e agora era a sua
vez de cuidar dela. Isso era o que significava ser leal, ser um bom
companheiro de batalha.
— Gzrel!
Sua mã e endureceu ao som de seu nome gritado numa voz masculina
desconhecida, embora sua expressã o permanecesse neutra. A pele
formigando, Alexander ficou em silêncio enquanto um guerreiro alto e
bonito com cachos castanhos escuros caminhava até eles. Os couros do
estranho estavam bem gastos, mas um bracelete de ouro e pedras
preciosas circundava seu pulso - um símbolo do favor de Rumaia, a
arcanjo a quem os três deviam fidelidade.
— Ah, quem é esse? — o homem disse com um sorriso largo que fez os
mú sculos de Alexander ficarem tensos. — Nã o me diga que este é seu
bebê?
— De fato. Este é meu filho Alexander. — A voz de sua mã e nã o estava
muito certa, sua alegria muito brilhante, muito forte. — Alexander, este
é Phiron, que está em quarto lugar da Arcanjo Rumaia.
O homem riu forte e longamente. — Oh Gzrel, nã o vai dizer ao seu filho
que quase fomos algo mais uma vez? — Olhos azuis pá lidos brilhando,
o homem olhou para Alexander. — Persegui sua mã e quando jovem, era
louco por ela. Mas ela só tinha olhos para Cendrion.
— Foi há uma era atrá s, — disse sua mã e. — Nó s mal crescemos.
— Muito certo! — Phiron concordou com um aplauso. — Mas você deve
me deixar dizer que ainda fala tã o docemente. O som é uma mú sica
delicada para meus ouvidos.
— É uma honra conhecê-lo, — disse Alexander antes que sua mã e se
sentisse forçada a responder, porque, ao contrá rio de seus pais, já sabia
jogar jogos políticos, dizer uma coisa e dizer outra.
Ele estudava manobras políticas tã o assiduamente quanto sua mã e
estudava as rochas e a terra.
Phiron lhe deu um tapa no ombro. — Ouvi dizer que está em
treinamento de guerreiro, — disse ele, revelando o fato de que sabia
mais sobre sua família do que inicialmente deixou transparecer. —
Talvez eu tenha tempo para lhe dar uma aula particular enquanto
estiver no Refú gio.
— Um sorriso. — E agora devo ir. Mas nos encontraremos novamente,
Gzrel.
Sua mã e segurou a língua até chegarem em casa, entã o se virou e
agarrou os braços de Alexander. — Meu filho, nã o aceite nenhum
convite para ficar sozinho com Phiron. Se nã o puder sair disso
educadamente, leve Callie com você - o pai dela é o mestre de armas de
Rumaia e de posiçã o igual a Phiron. Ela nã o é uma criança que Phiron
ousará maltratar ou intimidar em silêncio e entã o será forçado a tratá -
la bem.
Nunca tendo visto sua mã e tã o perturbada, Alexander lutou contra seu
estô mago para dizer: — Mã e, o que é isso? Aquele homem machucou
você? — A fú ria era um sol afiado e irregular dentro dele.
Um aceno de cabeça, seus olhos patinando para longe. — Nã o, mas...
Ele guarda rancor, Phiron, e nã o perdoa a rejeiçã o. — Ela agarrou o
pingente que pendia na cavidade de sua garganta. — Estou sendo tola –
faz tanto tempo e nã o éramos muito mais do que crianças. Ainda... Ele
rompeu com sua amante de muitos anos, e eu...
Ela mordeu o lá bio inferior. — Ele carrega raiva por trá s desse sorriso
falso, Alexander. Sua beleza é apenas uma má scara para a feiura
interior. E
nó s existimos na frente dele, uma família que ama. Pode nã o parecer
muito, mas, quando está de bom humor, Phiron nunca precisa de muito
para se banhar em raiva. Temo que esteja fixado em nó s desta vez.
Prometa-me que terá cuidado.
— Eu prometo, — ele disse sem hesitar, já odiando Phiron pelo pâ nico
que semeou em Gzrel. Também nã o era uma criança - sabia que sua
mã e mentiu. Phiron a machucou; ela só nã o queria contar a Alexander.
Com a mã o em punho, lutou contra o impulso de ir até o anjo guerreiro,
começar uma briga. Isso seria estú pido. Ele perderia. Era um menino e
Phiron o quarto de uma arcanjo. Ele espantaria Alexander como uma
mosca irritante.
Muito melhor para Alexander encontrar outra maneira de lidar com a
ameaça.
Mas Phiron atacou muito mais rá pido do que qualquer um deles
poderia esperar. Quatro dias depois, Alexander voltou para casa e
encontrou seu pai ensanguentado e espancado no chã o de sua casa, seu
rosto nã o muito mais que polpa. Os ossos da asa de Cendrion foram
esmagados, a marca sangrenta de uma bota ainda sobre eles, e perdeu
um olho, mas estava rastejando até a porta.
Uma longa mancha de sangue na madeira polida do piso que Alexander
varreu naquela mesma manhã era um testemunho silencioso de sua
horrível jornada.
— Papai! — Alexander caiu de joelhos ao lado de seu pai. — Papai!
Vou buscar o curandeiro!
Cendrion o agarrou com as mã os mutiladas, seus dedos de desenhista
quebrados e torcidos e seu pulso sem o bracelete de metal e â mbar que
era uma constante em seu corpo. — Nã o, — ele engasgou além do
sangue. —
Gzrel... Phiron... tem... Gzrel.
O pâ nico em Alexander se tornou gelado. Mas nã o congelou. Nã o, usou
o gelo para pensar, para criar estratégias, para preencher a lacuna entre
o menino que era hoje e o homem que pretendia se tornar. — Eu
entendo, papai, — disse com uma calma fria. — Eu sei o que fazer.
O medo queimava no ú nico olho remanescente de seu pai enquanto
tentava falar novamente. — Rum...
— Eu sei, — Alexander interrompeu, pois seu pai precisava conservar
suas forças. — Nã o irei à Arcanjo Rumaia. — Phiron poderia ter
cruzado uma linha que deveria ser imperdoável, mas era o quarto de
Rumaia e, como Alexander aprendeu quando foram forçados a entregar
sua casa a outro de seus favoritos, ela era indulgente com sua corte
interna; era mais provável que dissesse a Gzrel que era uma honra ser
tã o desejada do que punir
Phiron.
Movendo-se rapidamente agora que tinha um plano, encontrou um
cobertor e o colocou sobre o corpo quebrado de seu pai com carinho.
Quebrado, mas nã o fatalmente. Um anjo poderia sobreviver até mesmo
a essa surra desagradável. E sabia a escolha que seu pai gostaria que ele
fizesse. Entã o, em vez de ir ao curandeiro, voou forte e rá pido para o
general Akhia-Solay, segundo do Arcanjo Esphares.
Esphares e Rumaia eram inimigos mortais. E o general Akhia-Solay era
o confidente mais confiável de Esphares - o general também era um dos
segundos que Alexander mais admirava. De tudo que Alexander
observou e ouviu, Akhia-Solay era inteligente, era uma grande parte da
razã o pela qual Esphares detinha tanto territó rio.
Mas mais do que isso, Akhia-Solay tinha honra. Mesmo jovem como era,
Alexander entendia a honra, entendia o que era ser uma boa pessoa.
Foi criado por pessoas que eram honradas até o â mago - tã o honradas
que nã o entendiam a profundidade da maldade que existia nos outros.
Viu como sua mã e se questionou sobre Phiron apesar de ter
experimentado sua malícia em primeira mã o.
Ao entender isso, entendeu que a honra da Arcanjo Rumaia estava
manchada e sem valor; essa percepçã o vinha a ele aos trancos e
barrancos, mas depois de hoje, nã o tinha mais dú vidas. Phiron nã o
ousaria suas açõ es se acreditasse que poderia sofrer qualquer puniçã o
real.
A Arcanjo Rumaia só se preocupava consigo e com os que lhe eram
pró ximos; ela nã o protegia aqueles fora de seu círculo íntimo. E para
Alexander, proteger aqueles que eram mais fracos estava no cerne do
que significava ter honra. O general Akhia-Solay, em contraste com
Rumaia, era conhecido por levar pessoalmente crianças e outros nã o-
combatentes inimigos para fora do campo de batalha.
O Arcanjo Esphares também tinha o exército mais disciplinado no
Cadre dos Dez por causa de Akhia-Solay. O general nã o permitia
estupros e pilhagens na guerra, muito menos em tempos de paz. E
continuava vencendo, suas tropas confiantes no conhecimento de que
seu arcanjo -
j
informado por seu general - os recompensaria por sua fidelidade e
trabalho á rduo.
Dirigido pelo desespero, Alexander nã o se deu ao trabalho de procurar
sentinelas enquanto cruzava três fronteiras do Refú gio para chegar à
seçã o
que pertencia a Esphares. Sabia que devia ter sido visto, mas era uma
criança.
A maioria dos sentinelas tinha ordens para permitir que as crianças
voassem como quisessem.
Planejava ir à fortaleza do Arcanjo Esphares e perguntar pelo general,
mas o destino teve misericó rdia dele e viu o general parado do lado de
fora da fortaleza, conversando com um cortesã o bem vestido.
Com o coraçã o batendo e a respiraçã o dolorida, Alexander caiu para
aterrissar dolorosamente duro a meros dedos de distâ ncia dos dois.
Seus joelhos vibraram com o impacto, seus dentes cerrando. Em vez de
reagir com raiva, os adultos olharam para ele com diversã o assustada.
Mais uma vez, porque Alexander era uma criança ainda, nenhuma
ameaça para ninguém.
— Senhor. — Alexander caiu num joelho na frente do general. Nã o dois.
Porque Akhia-Solay também apreciava a força. Alexander nã o
imploraria. Trataria isso como se fosse um guerreiro adulto em vez de
um jovem, abordaria o general nesse avatar. — Eu falaria com você. É o
mais urgente.
Podia sentir o olhar penetrante do general no topo de sua cabeça. Os
olhos negros mortais de Akhia-Solay eram lendá rios, mas agora
Alexander levantou a cabeça e encontrou aquelas orbes misteriosas.
Elas se sentavam num rosto que era todo de linhas e â ngulos agudos
sob a pele de um rico marrom, a ú nica suavidade fornecida pelo cabelo
na altura dos ombros do general.
Um preto líquido, o usava solto hoje, apenas uma ú nica pena tecida nele
para falar de sua lealdade a Esphares. Porque aquela pena era marrom
salpicada de azul — a sombra na parte de baixo das asas de Esphares.
— Levante-se, criança, — ele disse, sua voz um pouco impaciente, entã o
se virou para se despedir do cortesã o.
Alexander esperou apenas até que o cortesã o estivesse fora do alcance
da voz antes de dizer: — Senhor, preciso de ajuda. — O general nã o era
conhecido por sua paciência com pessoas que nã o iam direto ao ponto,
entã o Alexander chegou lá . — Phiron, quarto da arcanjo Rumaia,
sequestrou minha mã e e feriu gravemente meu pai.
Akhia-Solay virou-se e cuspiu na grama que cercava uma á rvore
plantada no pá tio. — Rumaia administra sua corte como um bordel. —
Como insulto era grave, mas entã o o general disse: — Mas meu arcanjo
nã o vai guerrear com ela por isso.
Alexander tinha sua resposta pronta. — Eu sei. Nã o estou pedindo a
ajuda do Arcanjo Esphares. Estou pedindo a sua. — Ele continuou
j j p p
segurando aqueles olhos estranhos e perigosos. — Uma disputa entre
um segundo e um quarto será exatamente isso – uma disputa entre
guerreiros. Um assunto pessoal. — Phiron nã o gostaria de propaganda
caso perdesse, porque isso seria chamar a atençã o para o fato de que se
mostrou mais fraco que outro anjo sênior. O bastardo ficaria preso por
sua pró pria arrogâ ncia e orgulho.
Akhia-Solay encarou Alexander por um longo tempo. — Percebe que
isso vai acabar com a proteçã o de seus pais sob Rumaia?
Alexander nã o pô de evitar a raiva que semeou tremores em sua voz.
— Ela nã o dá proteçã o. Em vez disso, nos torna presas. — Uma
diferença gritante. — E meus pais sã o estudiosos altamente
inteligentes. Minha mã e lidera o campo no estudo das rochas e da terra
- e sei que o Arcanjo Esphares tem muitos tremores de terra em suas
terras. Ela seria um recurso valioso para ele.
O general deixou isso de lado. — Vou fazer isso, filhote, mas nã o por
causa da bolsa de estudos de sua mã e. Porque quero você sob minha
asa e sob meu comando. Você tem um coraçã o como o de um leã o – e
uma mente brilhante demais. Precisa de disciplina e do tipo certo de
orientaçã o para nã o tomar as decisõ es erradas à medida que crescer.
Ele agarrou o lado do pescoço de Alexander. — Agora, deve ficar aqui.
Phiron é um pavã o que posso esmagar com facilidade. Se pudesse
torcer seu pescoço e tirá -lo de seu corpo, mas isso poderia realmente
começar uma guerra. Vou deixá -lo vivo e extrair sua mã e. Nã o preciso
cuidar de um novato ao mesmo tempo.
— Vou para os curandeiros, senhor, — disse Alexander, seu pulso uma
besta debandada. — Pedir ajuda para meu pai.
— Bom. Desde que fique fora do meu caminho. Vou levar sua mã e para
a enfermaria. Vamos torcer para que ela nã o precise disso para si
mesma. — Dando um passo atrá s nisso, o general decolou numa rajada
de vento.
Esperando apenas até que nã o tivesse que lutar contra a corrente de ar
da fuga do general, Alexander subiu no ar e foi exatamente onde disse
que iria, nã o importando a ná usea que queimava sua garganta e
escaldava seu intestino. O general sabia como planejar um ataque muito
melhor que Alexander; Alexander nã o arruinaria a operaçã o sendo uma
criança que nã o podia ouvir as ordens necessá rias.
Seu peito apertou.
*
Mais tarde, muito mais tarde, enquanto seu pai descansava na
enfermaria, sua mã e – ilesa por fora, mas quebrada por dentro – pegou
a mã o de Alexander na sua trêmula. — Lamento que tenha sido
colocado nessa posiçã o, meu querido menino. — Lá grimas rolaram por
seu rosto. —
Nunca pensei que Phiron se rebaixaria a tamanho horror.
Alexander sentiu como se tivesse envelhecido cem anos nas horas
anteriores. Entã o nã o repreendeu sua mã e por nã o enfrentar a verdade
fria e dura. Apenas colocou o braço em volta dela e disse: — Está tudo
bem, mamã e. Nã o foi sua culpa. — Isso era tã o verdadeiro quanto o fato
de que seus pais preferiam ficar cegos para a escuridã o do mundo.
— Está tudo bem, — ele disse novamente enquanto sua mã e chorava
como se seu coraçã o estivesse partido. — Eu nasci para isso. Proteger.
Para lutar pelo que é certo.
E entender que o poder importava.
Outras pessoas poderiam esmagá -lo, menosprezá -lo e humilhá -lo.
Nã o. Nunca mais.
Para manter esse voto, precisava ganhar tanto poder que ninguém
ousaria tratá -lo como presa. Um objetivo em direçã o ao qual já havia
começado a caminhar – o general Akhia-Solay deixou claro que,
inexperiente ou nã o, Alexander estava agora sob seu comando.
Bom.
CAPÍTULO 7
Alexander já era um membro experiente de um esquadrã o jú nior sob
o comando de Akhia-Solay quando se formou na idade adulta aos cem
anos de idade. Callie, tendo atingido o marco do século antes dele,
também estava bem estabelecida – como mensageira angelical para
outra corte. Nã o a de Rumaia, pois Callie era esperta demais para nã o
ver a fétida corrosã o daquela corte.
Nã o, voou sob a bandeira da Arcanjo Sha-yi, ela que tinha idade
suficiente para ser chamada de Antiga, e que tinha olhos tã o profundos
e sá bios que até mesmo Alexander se via inquieto ao seu redor.
— Nã o está num esquadrã o? — ele perguntou quando Callie lhe contou
pela primeira vez sobre sua posiçã o.
— Todo guerreiro inexperiente que se junta à corte da minha senhora
deve primeiro servir uma década como mensageiro ao lado de nosso
treinamento físico usual, — ela explicou. — É para garantir que
conhecemos todas as trajetó rias de vô o de dentro para fora e
observamos nossos pró prios locais de pouso de emergência quando se
trata de voos mais longos sobre a á gua.
Impressionado com a importâ ncia de ambos os conhecimentos,
Alexander fez questã o de se voluntariar como mensageiro para sua
corte quando o pedido foi feito. E nã o tirou apenas de Callie –
compartilhou seu conhecimento com ela também, para que suas
informaçõ es fossem agrupadas e ambos se tornassem melhores, mais
fortes.
— Você tem tanta ambiçã o que, quando éramos mais jovens, eu
esperava que acumulasse tudo que aprendeu, — Callie disse a ele
muitos anos depois. — Por que compartilha?
Alexander tinha que pensar sobre isso. — Talvez porque eu tenha um
irmã o e pais que sempre compartilharam o que sabem comigo? — Ele
p q p p q g
esfregou o queixo. — E... Acho que também é porque quando olho para
os mais poderosos da nossa espécie, vejo equipes. Muitos poucos
arcanjos e anjos seniores sã o verdadeiros solitá rios. Ter laços de
confiança nos quais pode confiar é um aspecto importante do poder a
longo prazo.
Caliane olhou para ele com aqueles olhos tã o azuis que ofuscavam as
gemas raras cobiçadas por mortais e imortais. — À s vezes, Alex, você
me assusta.
Ele ergueu uma sobrancelha. — Você é apenas mais gentil em como usa
sua ambiçã o, Callie. Nenhum de nó s se contentará em continuar sendo
meros soldados de infantaria. Seremos generais.
Ele provou que estava certo e errado.
Ele foi quem se tornou um general, enquanto Caliane ficou como
segunda para Sha-yi. Discutiam essa causa com uma caneca de
hidromel de vez em quando, se ele estava certo ou nã o. Ele apontava
que ser o segundo era uma posiçã o ainda mais alta do que ser um
general, e ela apontava que ainda nã o era um general.
Ao longo do caminho, fez outros amigos, construiu outros laços de
confiança. Mas em tudo isso, permaneceu solto pelo coraçã o, um
homem poderoso que tomava amantes quando o desejo batia, e que as
tratava com bondade, mas nã o sentia vontade de se amarrar.
Entã o o destino riu dele.
CAPÍTULO 8
Zanaya nunca esteve cara a cara com um arcanjo. Dificilmente
incomum. Muitos jovens anjos nunca entraram em contato com um
arcanjo a menos que tivessem um na família, ou se deparassem com
eles por acidente enquanto o arcanjo estava visitando o Refú gio. Na
maioria das vezes, os membros do Cadre viviam em seus territó rios,
enquanto os jovens angelicais cresciam seguros nos braços protetores
do Refú gio.
Zanaya, no entanto, nem teve essa oportunidade. Era uma das raras
crianças que foram criadas longe da pá tria angelical. Essa também foi a
razã o pela qual nã o conhecia outros anjos de sua idade quando entrou
em serviço como estagiá ria nas forças do Arcanjo Inj'ra. Pelo menos,
graças ao seu mentor, Mivoniel, nã o estava chegando como uma novata
completa.
Pensou que estava preparada para isso, mas quando entrou no quartel,
onde deveria morar com outros dez jovens anjos, nã o tinha ideia do que
fazer. Todos cresceram juntos no Refú gio, estavam compartilhando
piadas ou conversando enquanto ela fingia estar ocupada guardando
suas roupas e botas no velho baú ao pé de seu saco de dormir – que ela
já havia colocado. Mais trabalho ocupado, mais coisas para evitar que
parecesse solitá ria.
Zanaya ignorou o sentimento. Estava acostumada a ignorá -lo.
— Zanaya, certo?
Ouvindo a voz suave em seu ombro, girou nos calcanhares para se
encontrar de frente com a pessoa que julgou menos provável de falar
com ela. Enquanto Zanaya estava vestida com uma tú nica rú stica com
uma corda no meio, Aureline usava couros macios de um marrom
pá lido que claramente foram feitos com intenso cuidado, depois usados
com tanta frequência que se moldavam ao corpo de quem os usava.
Zanaya tinha um par de couros - foi presenteada por Mivoniel, e
valorizava o conjunto, nunca o usaria enquanto estivesse no quartel.
Quanto à tú nica, nã o era como se nã o pudesse comprar melhor - seu pai
cumpriu seu dever com ela - mas ela nã o tinha ideia do que as mulheres
de sua idade usavam ou o que era aceitável.
A aldeia em que cresceu era povoada por guerreiros aposentados em
sua maior parte, nenhuma menina ou jovem entre eles. Couros velhos,
calças simples ou tú nicas á speras, esse era o có digo de vestimenta
usual.
Zanaya descobriu por si mesma que os vestidos preferidos de sua mã e
também nã o eram a escolha certa para sua nova vida. Entã o escolheu o
item mais simples, o menos provável de sujeitá -la ao ridículo.
Como foi, um dos outros jovens soldados riu e a chamou de “feral”
quando ela entrou. Queria chutá -lo no rosto, mas Mivoniel a avisou que
seu temperamento era sua maior fraqueza. — Controle-o ou você será a
ú nica a sair pior. Nenhum arcanjo quer um cabeça quente em suas
fileiras.
Entã o sufocou sua raiva e a guardou para si mesma.
Agora Aureline, com seus belos couros, sua pele como ouro escuro e sua
juba de zibelina espessa e brilhante, um tom que ecoava em suas asas,
estava falando com ela. Zanaya nã o sabia o que a outra garota queria,
estava pronta para uma facada nas costelas, mas mais uma vez, ela
voltou atrá s no que seu mentor aconselhou.
— Cuidado com a traiçã o, mas nã o espere isso de todos. Um lutador
sozinho sempre cairá . E nã o estou falando apenas de batalha. Trilhando
um caminho solitá rio pela vida... viu sua mã e fazer isso. É uma
existência difícil.
Nã o teria isso para você. E, para um guerreiro, companheiros de batalha
podem se tornar parentes com o tempo.
Zanaya nã o conseguia imaginar Aureline sendo qualquer tipo de
parente dela – viu a outra garota rindo com as outras, já podia dizer que
era uma das pessoas mais populares do grupo. Muito mais provável, ela
veio para poupar uma migalha para a estranha, se sentir bem consigo
mesma.
Mas Zanaya manteve seu tom civilizado quando disse: — Sim, eu sou
Zanaya.
O sorriso de Aureline se aprofundou, revelando marcas em suas
bochechas que a deixaram ainda mais adorável. — Sou Aureline, mas
todos os meus amigos me chamam de Auri. Você realmente cresceu no
mundo exterior?
Quando Zanaya assentiu, os olhos de Aureline - um castanho
translú cido impressionante - se arregalaram. — Nunca conheci
ninguém que fez isso! Você deve ter histó rias tã o incríveis. — Ela
revirou os olhos. —
Meus pais mal me deixaram passar da beira do Refú gio, mesmo depois
que eu nã o era mais um bebê.
Zanaya nã o sabia por que disse isso, mas disse. — Já andei a cavalo. —
Era uma coisa estranha de se dizer, mas Zanaya nã o ia fingir ser como
os outros. Porque ela nã o era. Toda sua vida foi diferente.
Aureline quase saltou, suas asas se abrindo um pouco para revelar
indícios de tons outonais mais brilhantes entre a zibelina. — Nã o! —
Seu grito atraiu a atençã o dos outros, mas ela os ignorou para dizer: —
Foi aterrorizante?
E esse foi o começo de Zanaya aprendendo que Aureline era legal.
Apenas... legal. Descobriu que a garota que se tornaria sua melhor
amiga no mundo inteiro nasceu de pais legais que a criaram com amor
e carinho, e que cresceu cercada por outros que também eram legais.
Como resultado, Aureline era aquele ser raro que era simplesmente
bom. Nã o tinha uma agenda oculta, nenhum lado astuto, nenhuma
consciência de que as pessoas podiam ter duas caras. Isso levava
Zanaya à distraçã o à s vezes, como Aureline apenas acreditava no
melhor dos outros, mas também percebeu que a maioria das pessoas
tentava ser o melhor com ela... porque era muito difícil ferir uma pessoa
que via apenas o melhor em você.
— Fui criada para ver essa abertura como uma fraqueza, — disse ela à
amiga cerca de dez anos depois, depois que se estabeleceram numa
amizade forte e verdadeira. — Minha mã e me ensinou que se abrir para
as pessoas é convidá -las a cortar um pedaço de você e depois descartá -
lo.
Aureline pegou uma fatia da fruta que acabara de cortar enquanto se
sentavam no muro baixo da sala de treinamento, observando os
guerreiros mais velhos lutarem. — Ela deve ter sido terrivelmente
ferida por alguém
em quem confiava.
— Sim. — O homem que gerou Zanaya alterou para sempre o caminho
de Rzia. Mas... — Acho que num certo ponto, uma pessoa deve assumir
a responsabilidade de ser sua pró pria pessoa. Olhar para sempre para
trá s...
— Ela pensou na pilha de cartas devolvidas que sua mã e guardava num
baú , cartas que Camio nem se deu ao trabalho de abrir. — É estagnaçã o
e obsessã o.
Porque nã o importava quantas vezes Rzia amaldiçoasse Camio por
destruir sua vida, também chorava por ele noite apó s noite. Zanaya
tinha certeza de que se seu pai voltasse à vida de Rzia, Rzia o aceitaria
em sua cama de braços abertos. Camio era o sol para ela, e ela murchou
e azedou sem a luz de sua atençã o.
— Você nã o tem medo? — disse a Aureline antes que a amiga pudesse
perguntar o que sabia sobre obsessã o. — De confiar e terminar em
traiçã o?
Aureline mastigou enquanto pensava. Porque essa era a coisa com Auri
– era gentil e generosa, mas nã o era nem um pouco simples.
Nesse momento, a gatinha malhada que se dignou a permitir que
Zanaya cuidasse dela, pulou na parede entre ela e sua amiga. Anisha
bocejou para mostrar seus dentes afiados, aceitou as exclamaçõ es de
Auri sobre sua beleza, entã o se enrolou para tirar uma soneca. O ú nico
sinal de sua afeiçã o por Zanaya era o rabo liso e escuro que descansava
contra a coxa de Zanaya.
Zanaya adorava a besta altiva.
— Acho que ainda nã o fui chutada pela vida, — disse Auri por fim. — E
nã o vou viver com medo de coisas que ainda nã o ocorreram. — Ela
pegou outro pedaço da fruta doce em forma de estrela. — Vou
continuar confiando até ser chutada com tanta força que comece a
estremecer.
Foi a vez de Zanaya pensar enquanto dava uma mordida na guloseima
crocante. — Suponho que também nunca fui chutada. — Ela nunca
pensou nisso nesses termos. — Mas ao contrá rio de você, é porque nã o
confio em muitas pessoas.
— Estou chocada. — A voz de Auri era suave. — Nã o é como se ainda
estivesse lutando contra o pobre Meher por chamá -la de selvagem.
Zanaya deu uma cotovelada em sua melhor amiga. — Pretendo guardar
esse rancor para sempre.
— Mesmo que ele tenha se curvado no chã o para implorar sua
misericó rdia e admitido que estava sendo um garoto estú pido tentando
parecer grande na frente de seus amigos?
Zanaya bufou.
Apontando sua pequena faca para Zanaya, Aureline disse: — Eu
acredito nele. Foi uma coisa horrível de se dizer, sem dú vida, mas ele
nã o é ruim quando nã o está balançando o pau por aí.
— Talvez eu enlouqueça e tente ser mais como você, — Zanaya disse
com uma carranca. — Dar uma chance à s pessoas. Até Meher.
Isso acabou sendo mais fá cil dizer do que fazer, mas... Meher nã o
quebrou sua confiança depois que ela lhe deu uma chance de má
vontade.
O idiota ruivo e de ombros largos realmente se tornou seu amigo, leal e
verdadeiro.
Foi essa Zanaya, uma mulher capaz de uma confiança incipiente, mas
com cicatrizes muito mais profundas e teimosas, que viu pela primeira
vez o general Alexander. Ela ouviu falar dele, é claro. Parecia que
metade das mulheres que ela conhecia – e metade dos homens, para ser
justa – nã o conseguia parar de suspirar por ele. Cabelos dourados,
olhos de relâ mpagos capturados, um corpo afiado saído de um sonho
febril, era o que diziam.
A metade que nã o estava suspirando por ele estava admirada com suas
tá ticas de batalha. Meher tornou-se lírico sobre o assunto em qualquer
oportunidade. — Dizem que ele é o herdeiro do campo de batalha de
Akhia-Solay, implacável, calculista e construído com honra.
Zanaya nã o idolatrava ninguém e nã o tinha intençã o de começar agora.
Também era imune a homens bonitos. Seu pai era um dos homens mais
bonitos do mundo angelical e, embora a obsessã o de Rzia fosse um
defeito dela, Camio nã o era inocente. Ele se alimentava da adulaçã o de
Rzia quando lhe convinha, nã o era? Ele alimentou seus sonhos para
sempre.
Entã o decidiu que estava entediado e seguiu em frente, deixando
carnificina em seu rastro.
Nã o, a beleza nã o influenciava Zanaya. Nem o tipo de arrogâ ncia que
Alexander, sem dú vida, possuía.
p
Ela nã o tinha dú vidas sobre sua capacidade de resistir ao seu fascínio...
até o momento em que trancou seu olhar com um de prata desumana.
Seu mundo parou. Apenas parou.
Todas aquelas palavras que as pessoas usaram sobre o General
Alexander? Nã o eram nada perto o suficiente. Ele era poder e era beleza
—e
era perigo. E tudo cantava para ela de uma maneira que nada mais em
sua vida fez.
CAPÍTULO 9
Alexander nã o estava pronto para Zanaya. Um general sanguiná rio de
três mil anos de idade, um homem temido e reverenciado, e ela o
derrubou como se fosse um jovem quando ela era a que mal tinha
passado da maioridade.
Seu cabelo era surpreendente – cachos que chegavam ao meio de suas
costas e eram de um tom diferente de qualquer outro: prata beijado por
roxo, macio e delicioso. Crepú sculo em forma viva. Mas sua beleza era
eclipsada pela de sua pele, pois era a cor da noite quando a lua nã o
surgia, impecável e suave. Ela era pequena, mas bem torneada, seus
olhos de um castanho escuro intenso que nã o revelava nada, suas asas
de meia-noite com uma camada de branco prateado.
Ele poderia ter lidado com sua beleza cativante; havia muitos anjos e
vampiros adoráveis no mundo, e se deitou com um grande nú mero
deles.
Mas nã o teve chance contra o seu espírito. Ela sustentou seu olhar com
uma ferocidade inesperada em alguém tã o jovem.
Atraído como estava por ela, nã o era um predador. Ela poderia
acreditar que estava pronta para se envolver com ele, mas em termos
imortais, era apenas um bebê. Nã o era o mesmo com os mortais – podia
se deitar com uma mulher mortal de uns vinte anos sem culpa, pois as
vidas mortais se moviam muito, muito mais rá pido.
Aquela mulher de vinte e poucos anos estava apta a ser temperada pela
vida e a conhecer a si mesma. A maioria dos mortais dessa idade já
estava casada há muito tempo, com seus pró prios bebês. Eles o viam
como outro adulto, embora bastante angelical. E mesmo ali, ele era
cuidadoso com as mulheres com quem se deitava. Nunca nenhuma que
fosse casada ou envolvida com outro, por exemplo. Depois disso, era
uma coisa de coraçã o e espírito. Podia contar suas amantes mortais
numa mã o - e se lembrava e lamentava cada uma delas.
Hanisha tã o doce e graciosa, mas com uma espinha dorsal de aço.
Sukhon, uma criança selvagem que teria vivido a vida nua se pudesse.
Adah, uma criadora de mú sica movida por sua arte.
Eir, rá pida de pé e á gil de corpo.
Isane, um vento calmo, seus olhos cegos vendo coisas que ele nunca
veria.
Alexander era apenas uma indulgência fugaz para todas elas.
Nenhuma mostrou quaisquer sinais de obsessã o – uma ameaça
significativa quando se tratava de relacionamentos entre mortais e
anjos e que alguns imortais desfrutavam.
Mas Alexander escolheu mulheres que eram todas obcecadas por
outras coisas: arte, desejo de ter filhos, expansã o da mente e muito
mais.
Contra elas, se sentia o jovem imaturo. Esse nã o seria o caso de Zanaya,
nã o importava o quanto ela acreditasse.
— Aos cento e quinze, — disse ele a Akhia-Solay, que percebeu seu
interesse em Zanaya e o viu ir embora, — eu achava que sabia tudo
quando, na verdade, era um menino inexperiente. Nã o serei o ú nico a
cortar suas asas ou remodelá -las como eu achar melhor.
O general, que passou de mentor a amigo, ergueu uma sobrancelha.
— Acho que ninguém vai moldar essa garota, Alex. Ela tem uma
vontade que é um fogo deslumbrante, mas sim, até mesmo os incêndios
podem ser apagados com um manuseio grosseiro. — Um aceno curto.
— Esta é a integridade que vi no menino crescido no coraçã o do
homem. Tenho orgulho de chamá -lo de meu amigo e companheiro de
batalha.
*
Na viagem de volta para casa, Zanaya disse a Aureline e seu terceiro
companheiro de esquadrã o para seguirem sem ela. Os três foram
enviados para diferentes partes do territó rio de Esphares, seu trabalho
entregar documentos ou pequenas mercadorias, e fazia sentido se
encontrar para voltar para casa. — Preciso de um tempo sozinha. Vou
tirar esse tempo.
A expressã o de Auri dizia que via muito mais do que Zanaya queria que
visse, mas nã o interrogou Zanaya. — Vamos voar num ritmo constante
e esperar por você ao anoitecer.
Depois que os dois desapareceram num cume distante de montanhas,
Zanaya pousou numa ilha remota no meio do nada apenas para que
pudesse pensar, encontrar o equilíbrio novamente.
Aquele ú nico momento de contato visual inesperado com o general
Alexander a deixou abalada, as fundaçõ es que pensava serem só lidas
como rocha de repente nada além de pedra desmoronada. Também
pegou a resposta dele. Uma consciência da loucura que poderia ser. Ele
nã o era à prova contra ela, mas pelo jeito que quebrou o contato visual,
sabia que ele nã o faria nada sobre isso.
Com a respiraçã o á spera e rá pida, chutou as pedras cobertas de cracas a
seus pés, liberando o cheiro de peixe morto no ar. O fedor parecia
adequado, parecia um julgamento adequado da insanidade que
ameaçava tomá -la.
Sabia o que ele diria a si mesmo, que ela era muito jovem, que nã o
conhecia sua pró pria mente, mas Zanaya nunca foi de vacilar numa
decisã o.
Sabia o que sentia, e sabia que estava à beira da obsessã o.
— Nã o. — Uma promessa rígida para si mesma.
Nã o tinha nenhum desejo por um amor româ ntico obsessivo.
Testemunhou muito disso na vida amarga e vazia de sua mã e e em sua
devoçã o patética e raivosa a Camio – que realmente nã o dava a mínima.
Assim como Alexander nã o dava a mínima para Zanaya; ela podia ter
chamado sua atençã o no momento, mas o homem nã o era um monge
abstêmio.
Assim como seu pai, Alexandre tinha muitas amantes e nenhuma delas
permanente.
Zanaya nã o seria mais um entalhe na cabeceira da cama do general.
Mú sculos tensos o suficiente para quebrar, decolou atrá s de seus
companheiros de esquadrã o, determinada a seguir o caminho que
traçou para sua vida. Mas à medida que as estaçõ es passavam, nã o
conseguia parar de ouvir as palavras de Alexander, mesmo quando
cerrava os dentes e se lançava para se tornar a melhor dos melhores.
— Você está além do resto de nó s, — Auri disse a ela um dia, seu rosto
ú mido de suor e seu peito arfando. — Você sempre foi melhor, mas
agora está superando tudo e superando todos, menos eu, e até eu mal
estou acompanhando.
— Você nã o pode nã o acompanhar, — declarou Zanaya. — Pretendo
que seja minha tenente quando eu for uma general.
Sua amiga empurrou mechas de cabelo de seu rosto. — Há , essa
confiança de Zan. — Palavras ditas com amor, Aureline bem ciente das
ambiçõ es de Zanaya. — E se eu quiser ser o general?
— Você nã o quer. — Zanaya conhecia sua amiga tã o bem quanto Auri a
conhecia. — Você é muito legal e odeia a ideia de disciplinar alguém.
Aureline estremeceu. — Talvez você tenha um ponto. Mas isso também
faria de mim um tenente terrível.
— Nã o, porque entã o estaria apenas seguindo as regras estabelecidas
pela sua general - e nunca teria nenhum problema com isso. — As
tendências de Aureline nã o a tornavam fraca, apenas diferente de
Zanaya.
Essa era uma sutileza que Zanaya aprendeu com sua melhor amiga. —
Agora, levante sua espada para que possamos corrigir o erro em sua
técnica que me permitiu vencê-la.
Suas espadas colidiram, a vibraçã o indo direto para os dentes de
Zanaya.
Na verdade, Zanaya nã o teve que fazer muito para garantir que Auri
progredisse na hierarquia com ela - sua amiga tinha habilidade, mas
nã o a ambiçã o de direçã o de Zanaya. Ela era, no entanto, leal até o osso
e disposta a amarrar sua bandeira à de sua melhor amiga.
— Entã o você nunca estará sozinha, — disse Auri a ela um dia,
enquanto o fiel cã o de caça de Zanaya, Balan - seu pelo liso preto e suas
orelhas pontudas - caminhava ao lado de Zanaya. — Entã o sempre terá
uma tenente em quem poderá confiar sem hesitaçã o.
O peito de Zanaya doeu. — Estou contando com isso.
— E nã o se esqueça de Meher, — Auri apontou com um sorriso
malicioso. — Ele ainda está se mantendo.
— Como deveria. — Zanaya há muito perdoou Meher por sua grosseria
inicial, mas ele nunca seria para ela o que Auri era - a amiga que a
abraçou antes que soubesse qualquer coisa sobre a habilidade ou
ambiçã o de Zanaya. — O mestre de armas me convocou para uma
reuniã o.
Os olhos de Auri se arregalaram com sua confissã o. — Ele vai promover
você.
Auri provou estar certa. Aos trezentos anos, Zanaya era brutalmente
jovem para ser líder sênior de esquadrã o, mas essa foi a posiçã o que
ocupou apó s a reuniã o.
Estava a caminho do tipo de poder que a colocaria no controle de sua
existência. Sem estar em dívida com os cuidados ressentidos de sua
mã e ou com a generosidade ausente de seu pai. Sem ter que se curvar e
ajoelhar aos anjos que a consideravam uma mancha sem educaçã o na
sociedade educada. Nenhuma pressã o para moldar e diminuir a si
mesma para se adequar ao mundo.
Zanaya pretendia fazer o mundo caber nela.
Quanto a Alexander... Suas bochechas queimaram, seu peito apertou.
Ela o vislumbrou à distâ ncia no verã o passado, e a loucura, a obsessã o,
a atingiu tã o forte e tã o baixo quanto antes.
Fosse o que fosse, nã o estava morrendo.
*
Alexander manteve um rastro silencioso de Zanaya nos anos que se
seguiram ao seu primeiro encontro, ergueu um copo para ela quando
soube que foi promovida a líder de esquadrã o sênior no exército de um
arcanjo do outro lado do mundo do arcanjo que Alexander uma vez
serviu. Nos dias de hoje, Alexandre nã o servia a ninguém, seu poder era
tal que era considerado uma ameaça pela maioria.
Todos esperando, observando, para ver quando ele ascenderia.
Quando aconteceu, no entanto, aconteceu primeiro com Callie, o céu um
caldeirã o de joias azuis vivas com relâ mpagos brancos, e todas as á guas
em todos os oceanos e lagos do mundo, fogo branco como gelo que
faiscou e reluziu.
Ela sempre foi forte, mas agora brilhava com o poder de um arcanjo, e
por um ú nico momento consideraram se ele poderia agir como seu
segundo
- mas havia uma repulsa entre eles que nã o deveria existir, e que
predisse o futuro por vir. Dois arcanjos nã o podiam ficar pró ximos por
longos períodos de tempo.
— Você vai ascender, — ela disse a ele um dia, um ano depois de sua
ascensã o, enquanto estavam lado a lado na frente de um lago congelado
no alto das montanhas do Refú gio, enquanto os ventos da montanha
uivavam ao redor deles. — Você será meu inimigo, Alex, ou meu amigo?
— Amigo, — ele disse imediatamente.
Mas Caliane balançou a cabeça. — Gostaria de pensar que sim, mas o
ç ç p q
poder de um arcanjo... É essa enorme força interior, que pode devorar
os mais fracos, e que empurra até os fortes. À s vezes me pergunto se os
arcanjos sã o construídos para a guerra, se somos o controle do mundo
que garante que nenhum de nó s se torne muito estabelecido, muito
arrogante, muito para esta terra.
Callie sempre foi a mais introspectiva dos dois. Alexandre era muito
mais pragmá tico. Agachando-se, pegou um pedaço de gelo quebrado e o
deslizou pelo gelo brilhante do lago. — Serei seu amigo porque será
vantajoso a longo prazo. Você nã o viu que os arcanjos que governaram
por mais tempo sã o os que têm fortes laços com pelo menos um outro
no Cadre?
O Cadre de Dez estava cheio no momento, mas pelo menos cinco
membros eram Antigos com um pé já fora deste mundo. Alexander
estava confiante de que, quando entrassem no Sono, nã o voltariam por
eras e eras
— se é que voltariam.
— À s vezes, — sua mã e lhe disse ultimamente, — vivemos demais.
Muito além do nosso tempo. Devemos dormir e dar tempo aos jovens.
O coraçã o de Alexander se apertou. — Minha mã e está pensando no
Sono, — ele disse a Callie, sem esperar que ela respondesse à sua
declaraçã o sobre o poder no Cadre. — Papai irá com ela, é claro. — O
amor de Cendrion por Gzrel era tã o duradouro quanto o dela por ele.
— Sabe o que sempre gostei sobre seus pais? — disse Callie. — Que sã o
gentis um com o outro. Você já notou? Sua mã e sempre faz o chá da
tarde para seu pai, e ele sempre coloca os chinelos dela de manhã para
que, quando ela saia para o jardim, seus pés nã o fiquem frios.
Sua voz tornou-se contemplativa novamente. — Quando era menina,
achava que amor significava alto romance e grande drama, mas agora
entendo que o amor que dura é uma constelaçã o de pequenas
gentilezas. —
Ela colocou a mã o em seu ombro, onde ele permaneceu agachado ao
seu lado, suas asas no gelo e na neve atrá s deles. — Você vai sentir falta
deles.
Ele deu de ombros, mas nã o com força suficiente para desalojar sua
mã o - ela era uma das poucas pessoas de quem aceitaria conforto, pois
nã o havia desequilíbrio entre eles, nem mesmo agora que ela era um
membro do Cadre. Se ele nã o fosse tã o poderoso, teria ficado como seu
segundo.
Podiam bater de frente, mas também confiavam um no outro sem
questionar.
— É tolice, — ele murmurou. — Nã o sou criança ou jovem. Sou um
homem adulto forte em meu poder.
— O amor nã o tem prazo de validade, Alex, — Callie murmurou. — Vai
amá -los por todas as eras de sua existência e sentirá falta deles
também.
Mas acho que se dormirem, nã o será para sempre, nã o quando têm dois
filhos que tanto adoram. Vã o acordar de vez em quando para cuidar de
você. Esse é o jeito deles.
Alexander nã o conseguia falar, seu coraçã o se expandindo
enormemente sob o poder de suas palavras. Se agarrou a elas uma
década depois, quando seus pais disseram a ele e a Osíris que
dormiriam agora. Um ú ltimo abraço dos braços de sua mã e, um ú ltimo
toque no ombro de seu pai, memó rias que esculpiu em sua mente em
pedra.
— Nó s tentamos tanto ficar acordados para o pró ximo passo em sua
jornada, — Cendrion murmurou para ele. — Mas o cansaço pesa em
nossos ossos agora, filho. Vamos acordar em tempos futuros para vê-lo
em sua gló ria. — Um olhar para onde Osíris estava distraído
conversando com Gzrel.
— Você vai cuidar de Osíris? Sei que é seu irmã o mais velho, mas se
perde em seus experimentos alquímicos hoje em dia, e nó s nos
preocupamos...
— Nã o há necessidade, pai, — Alexander assegurou ao homem que o
criou com uma mã o gentil – gentil demais para uma criança com a
inclinaçã o rebelde de Alexander se Osíris nã o ajudasse em sua criaçã o.
— Vou garantir que meu irmã o esteja seguro e protegido, mesmo
enquanto vagueia pelos caminhos da mente. — Era como se suas
posiçõ es na vida fossem invertidas, com ele sendo o mais velho agora,
cuidando de seu irmã o cada vez mais cerebral.
A ú ltima tensã o desapareceu de seu pai, seu rosto se tornando
surpreendentemente jovem.
Quando ele adormeceu com sua amada Gzrel, foi sob o olhar atento de
dois filhos que garantiram que o lugar de sono de seus pais fosse
protegido e inacessível a qualquer um, exceto os dois. Depois, Osíris
voltou para a ilha que transformou num laborató rio gigante.
Nã o havia concubinas agora, apenas um pequeno nú mero de
assistentes e outros funcioná rios.
— Nã o sou mais do corpo, irmã ozinho, — Osíris disse na ú ltima vez que
Alexander e ele falaram sobre o assunto. — Eu vejo tanto. — Um punho
batendo na palma aberta de sua mã o. — Se ao menos pudesse torná -lo
real.
— Eu te ajudaria se pudesse, Osíris, mas você sempre foi o mais esperto
de nó s dois.
Risos profundos, o calor de seu irmã o abraçando Alexander como fazia
quando era criança – e ainda assim havia uma qualidade quase maníaca
em Osíris agora, uma que inquietou Alexander. — Em alguns aspectos,
irmã o, —
disse Osíris, — e em outros você é o mestre – o estrategista que
ninguém jamais vencerá em batalha.
Quando Alexander voou para longe de Osíris neste dia importante, seus
pensamentos voltaram para aquele instante, aquela conversa, e teve o
sú bito pensamento ofuscante de que Zanaya um dia o superaria numa
estratégia. Deveria ser uma coisa irritante de se imaginar... mas nã o foi.
Porque se ela chegasse a esse ponto, seria velha e forte o suficiente para
que nã o precisasse mais lutar contra sua compulsã o por ela.
O corpo inteiro de Alexander queimou com a ideia.
CAPÍTULO 10
Já estava anoitecendo quando Alexander voou para o territó rio que ele
“administrava” para Esphares — a verdade é que fazia o que queria sem
nenhuma supervisã o, agora que Akhia-Solay também entrou no Sono.
Alexander recebeu a terra porque nenhum do Cadre o queria fora de
vista.
Ele se perguntou se achavam que ele fomentaria uma rebeliã o.
Alexander bufou enquanto trabalhava na terra batida de seu ringue de
treino em casa no amanhecer seguinte, com os pés descalços e o corpo
vestido com nada além de manchas de tinta feitas com os pigmentos
locais.
Alexander nã o era idiota. Sabia que nenhum anjo, por mais poderoso
que fosse, desafiava um arcanjo e saía vencedor.
Os arcanjos estavam tã o além dos anjos quanto a humanidade estava
além dos anjos.
Cravando seu cajado de luta no chã o, girou, entã o deu a volta para cair
com os dois pés, levantando nuvens de terra. Nã o houve aplausos, nem
gritos de encorajamento. Ele fazia essas sessõ es matinais sozinho,
levando-se ao limite e além. Para ele, um verdadeiro general deveria
estar na mesma ou melhor forma que seus soldados.
Isso era o que significava liderar.
Alexander planejava ser assim mesmo depois de sua ascensã o.
Mas com o passar dos anos, a ascensã o parecia nada além de uma tolice
colocada em seus ombros por outros. A falta de crescimento teve um
resultado positivo: Esphares começou a usá -lo como general de
verdade mais uma vez. Foi assim que Alexander voou para uma batalha
implacável contra o exército de outro arcanjo.
Mas onde o general daquele arcanjo ficou seguro atrá s da linha de
frente, Alexander estava bem na frente. Foi por isso que trouxe a vitó ria
para casa, conquistando outro enorme pedaço de terra para seu
arcanjo.
Quando Esphares se moveu na direçã o de Callie, no entanto, Alexander
o dissuadiu. — Ela é uma jovem arcanjo, mal nascida, — ele disse,
falando com o ego porque arcanjos tã o velhos eram todos ego e nada
mais.
— Ganhará mais ao se tornar seu mentor. A maior ameaça para aqueles
no Cadre é a idade e a distâ ncia – ela vai ancorar você no mundo, e o
poder dela se tornará seu.
O ú ltimo era uma mentira; Callie sempre saberia o que queria e nã o
seria marionete de ninguém. Mas o resto... sim, isso era verdade o
suficiente. Agora que estava trabalhando tã o de perto com o Antigo que
era seu arcanjo, começou a ver que esse ser nã o era de forma alguma
semelhante aos anjos. Metade do tempo em que Esphares olhava para
Alexander, parecia que uma inteligência alienígena, fria e distante, o
estava pesando como alimento.
— É isso que vou me tornar um dia? — Callie disse a ele quando
Esphares a convidou para jantar e ela aceitou para poder visitar
Alexander.
— Uma criatura desprovida de empatia e humanidade?
— Nã o sei. — Alexander nã o conseguia imaginar sua amiga assim – de
todo o grupo de colegas de infâ ncia, Callie era a mais empá tica, a mais
apta a falar em nome dos oprimidos. — Acho que vamos descobrir.
Risos, o cabelo de Callie um rio negro sob a luz do sol. — Oh, Alex, você
me impede de mergulhar muito fundo nas ervas daninhas.
Ele encolheu os ombros. — Qual é o sentido de se preocupar com um
futuro que nã o podemos ver, nã o podemos saber? Viva o agora e lide
com o resto depois. Cassandra nã o teria enlouquecido se pudesse fazer
isso.
— Você está certo, — disse Caliane, mas seus olhos eram suaves,
nebulosos. — Ainda assim, à s vezes tenho a estranha sensaçã o do
destino
caindo sobre mim, o conhecimento de que existe um futuro que eu
poderia evitar se soubesse dele. É uma pena que Ojewo tenha
desaparecido – nã o temos mais videntes vivos.
Suspirando, ela balançou a cabeça. — Ou talvez todos os arcanjos sejam
um pouco loucos. — Um leve sorriso quando olhou para ele. — Pode
ser você quem fará esses pronunciamentos em breve.
Carrancudo, Alexander balançou a cabeça. — Nã o vou ascender. Sou
forte, mas claramente nã o a pessoa certa para ser um arcanjo ou eu
teria me tornado do Cadre agora. Planejo ser o melhor general que o
mundo já viu.
Callie continuou a observá -lo. — Você nunca ficará satisfeito com isso.
— É o que é. — Toda a conversa sobre ascensã o falava com seu orgulho.
E um lutador orgulhoso era um lutador morto se nã o tivesse as
habilidades para se defender. — Talvez possa ser seu segundo depois
de tudo. Ainda nã o encontrou um segundo permanente?
— Nã o. Embora existam possibilidades. Mas você e eu? — Ela balançou
a cabeça. — Você tem muita arrogâ ncia em você, Alex. Estaríamos em
constante batalha sobre quem está certo e quem está errado.
Nã o podia discutir com ela sobre o ponto. — Entã o espero nunca ter
que liderar um exército contra suas tropas em batalha, Callie. —
Palavras calmas, mais calmas do que Alexander jamais falou. — Isso
machucaria meu coraçã o.
Um toque de seus dedos em seu braço, um rá pido estremecimento de
ambos como resultado do efeito de repulsã o que nã o parecia estar
desaparecendo, mesmo quando ficou claro que ele nã o estava
destinado a ascender. — Acho que você está seguro o suficiente por
agora, — disse ela, esfregando os dedos no tecido de seu vestido. — O
g g
que quer que tenha dito a Esphares, ele parece estar tentando se
estabelecer como meu guia no Cadre.
— Me desculpe por isso. — Alexander deu de ombros. — Minha culpa.
— Nã o. Ele é o arcanjo que conhece bem as regras tá citas do Cadre. —
Um olhar de aço. — Ele esqueceu que todos os membros sã o iguais. Mas
nã o importa. Posso aprender com os velhos sem nunca esquecer quem
sou.
Ela apertou os lá bios. — Sabe que ele deveria estar dormindo? Nã o vou
pedir sua opiniã o sobre o assunto, pois seria traiçã o se concordasse
comigo, mas ambos sabemos que falo a verdade. Nossa espécie pode
ser
imortal, mas nã o devemos ocupar tempo e espaço ilimitados.
— Somos jovens, — disse Alexander, simplesmente para irritar sua
amiga. — Me pergunto se sentiremos o mesmo quando formos velhos e
desajeitados Antigos.
Callie lançou-lhe um olhar afiado... e entã o ambos riram da ideia de
serem tã o velhos quanto Esphares e se recusando a dormir. Alexander
sabia que era altamente improvável que chegasse a uma idade tã o
grandiosa.
Como general de um arcanjo propenso à guerra, ia para a batalha muito
mais que a maioria de seus compatriotas.
Chegaria um momento em que se encontraria lutando contra alguém
mais rá pido, mais forte, mais bem treinado, e esse seria o fim de
Alexander, primeiro general do Arcanjo Esphares. Nã o protestaria
contra uma morte em batalha - nasceu para a batalha e fazia sentido
para ele que um dia morresse num campo de batalha.
Foi assim que continuou a voar em batalha apó s batalha nos anos que
se seguiram, enquanto Esphares ficava cada vez mais enlouquecido - a
ponto de Alexander começar a ver que o resto do Cadre estava
começando a se unir contra Esphares e considerou tal uma ameaça de
que estavam dispostos a deixar de lado suas pequenas queixas um
contra o outro.
E sobre esse assunto, Callie nã o podia falar com ele, porque isso seria
atraí-lo para a traiçã o, e o que quer que se diga sobre Alexander,
ninguém nunca o chamou de desleal. No entanto, também nã o era de
seguir cegamente. Assim, enquanto as nuvens escuras de uma guerra
para acabar com todas as guerras rodopiavam no horizonte, foi falar
com Esphares no fundo do pá tio em forma de caverna que mantinha
nas montanhas cobertas de neve e gelo constantes que faziam parte de
seu territó rio.
Esphares nã o tinha mais um segundo agora que Akhia-Solay entrou no
Sono, e passou a tratar Alexandre como se ele ocupasse essa posiçã o.
Hoje, vociferou e delirou enquanto andava em torno de uma mesa de
pedra na qual colocou marcadores para mostrar como queria que as
tropas se posicionassem para a ú ltima luta.
p p p
Alexander esperou até que seu senhor se esgotasse em sua primeira
raiva, entã o colocou sua vida em suas mã os. — Se colocarmos tropas
aqui,
— ele murmurou, apontando uma seçã o, — seus inimigos podem
derrubar o penhasco sobre eles, matando ou ferindo milhares de
pessoas num ú nico ataque.
Quando Esphares permaneceu em silêncio, com os olhos brilhando,
Alexander continuou a dizimar lenta e metodicamente o “plano” de seu
arcanjo.
As asas de Esphares começaram a brilhar, nunca uma visã o bem-vinda.
— Está me chamando de estú pido, filhotinho? — Fú ria transformou
suas feiçõ es numa caricatura do belo anjo que já foi.
— Nã o, senhor. Observei você por milhares de anos. O general Akhia-
Solay era brilhante, mas nã o poderia ter vencido tudo que ganhou sem
trabalhar lado a lado com um arcanjo tã o brilhante. — Ele encarou os
olhos de Esphares, embora fosse doloroso manter um olhar cheio de
poder arcangélico. — Nunca teria cometido um ú nico desses erros
entã o.
O brilho mortal nã o diminuiu, mas algo da paixã o de Alexander pareceu
chegar até Esphares e ele olhou para a mesa de pedra. — Por que nã o
vi? — Era uma pergunta quase para si mesmo.
Mas Alexander respondeu. — Porque está cansado, senhor, e um
lutador cansado sempre cai no campo de batalha. É uma lei que você
mesmo me ensinou, quando era um novato em seu exército.
— Arcanjos nã o se cansam, criança, — disse Esphares, e a maneira
como se dirigiu a Alexander foi um insulto deliberado.
Alexandre ignorou. — Quantas memó rias carrega, senhor? Quanto do
peso da histó ria suporta? Quã o poderosa é a força esmagadora de tudo
isso?
Esphares girou, suas asas abrindo e fechando num movimento violento
que criou uma poderosa rajada de vento e derrubou todas as peças na
mesa de batalha. — Sou um arcanjo! Tenho a capacidade de ser infinito!
— Sim, — disse Alexandre. — Mas há uma razã o pela qual o Cadre é
apenas de dez ou menos. Nunca mais. Caso contrá rio, nosso mundo
queimaria cada vez mais, pois os arcanjos viveriam em cima dos
arcanjos. Há uma razã o para dormirmos. Podemos ser infinitos, é
verdade, mas minha mã e costumava dizer que ser infinito também é
nossa maldiçã o oculta. Nã o vemos fim, e por isso vivemos sem urgência.
Começamos a escurecer de maneiras pequenas e terríveis sem nunca
ver isso.
Esphares olhou para ele, a morte em seus olhos. — Você diz que eu
escureço, Alexander?
Alexander caiu num joelho, suas asas queimaram atrá s dele. — Eu
nunca mais servirei a ninguém de sua habilidade estratégica, senhor.
Nunca
mais conhecerei um homem com tamanha riqueza de conhecimento de
batalha em sua mente. — Ele olhou para cima, segurou aquele olhar
que ainda poderia ser a ú ltima coisa que veria. E se manteve fiel à s suas
convicçõ es. — Mas prefiro morrer hoje do que viver para ver sua luz
desaparecer por esse pequeno erro.
Um piscar de olhos, uma sú bita ausência de movimento.
Entã o Esphares expirou. — É tã o ruim entã o, Alexander?
Consciente de que o perigo passou, Alexander ainda permaneceu de
joelhos, pois Esphares sempre teria seu respeito. — Está chegando lá ,
senhor. Mais um ano e nã o vai me ouvir. Vai me matar e acabar cercado
por aqueles que o temem e dirã o o que quiser que eles digam.
Esphares, a cicatriz num lado de seu rosto um elemento de sua histó ria
que nunca explicou e para o qual ninguém mais sabia a resposta – pois
desafiava as habilidades de cura dos anjos, veio até Alexander e
estendeu a mã o. Tomando-a, Alexandre permitiu que seu arcanjo o
levantasse.
— Você nunca foi meu segundo nos registros oficiais, — disse Esphares,
— mas agiu com a fidelidade e a coragem de um segundo, e nã o vou
esquecer isso. Vá agora, Alexandre. Eu devo pensar.
— Senhor. — Alexander curvou-se para fora da sala, quase certo de que
esta seria a ú ltima vez que veria o arcanjo com as asas de um falcã o
cinza por eras por vir.
Ele estava certo.
Esphares desapareceu num lugar de Sono secreto e desconhecido e as
nuvens de tempestade da guerra sussurraram, o Cadre agora com nove.
Alexander tinha a tarefa de guardar os pertences mais preciosos de
Esphares e cuidou da tarefa com todo o respeito. Só depois que isso
fosse feito para sua satisfaçã o, voltaria sua mente para buscar sua
pró xima posiçã o.
Ele há muito deixou atrá s todos os pensamentos de ascensã o. Foi assim
que veio sem aviso, um pico de poder impossível que o enviou voando
para o céu, ao lado de um corvo preso no inferno de sua corrente
ascendente. Entã o os dois caíram, o corvo queimando quando
Alexander foi atingido por um raio que espalhou metal através de seus
ossos e o fundiu à pedra do topo da montanha isolada em que ele
pousou.
As penas do corvo ficaram presas na fusã o, filamentos negros contra o
metal.
Alexander gritou e de sua boca derramou um relâ mpago prateado que
se transformou em ouro líquido que queimou. Em todo o mundo, o
metal derreteu, espiralou pelas paisagens, ficou congelado em formas
estranhas e belas. O céu brilhou prateado e depois dourado violento
com um brilho trêmulo.
Nã o havia noite.
Apenas um dia metá lico deslumbrante.
p
Quando terminou, ele saiu da pedra e sentou-se agachado no topo da
montanha, seu sangue parecendo metal líquido e seu poder tã o vasto
que se estendia para sempre. E entendeu por que Esphares nã o queria
dormir.
Entendeu o que era ser ganancioso com e pelo poder. Entendeu que
agora era um dos dez seres mais poderosos do planeta.
CAPÍTULO 11
Quando o céu se transformou em metal brilhante acima de Zanaya,
mortal como uma lâ mina, foi uma lança que atravessou seu coraçã o.
Sabia o que aconteceu antes mesmo que as notícias se espalhassem por
toda a espécie angelical de que o Primeiro General Alexander ascendeu.
Se ele estava além de seu alcance antes, agora estava impossivelmente
além.
Zanaya queria gritar para o céu, depois para si mesma.
— Nã o serei minha mã e, obcecada por um homem até que essa
obsessã o seja tudo que sou! — ela gritou para Auri enquanto lutavam,
sua melhor amiga a ú nica pessoa que sabia do fascínio relutante de
Zanaya pelo inalcançável Alexander. — Eu nã o vou!
Bloqueando seu movimento com um braço, Auri varreu os pés de
Zanaya debaixo dela, mas Zanaya rolou de volta com rapidez.
— Você nã o é sua mã e, — disse sua amiga, sua respiraçã o á spera
enquanto as duas circulavam uma a outra. — Nã o é como se você
tivesse se colocado em quase reclusã o e se recusasse a olhar para outro
homem. Se bem me lembro, deu uma mordida deliciosa na ú ltima
reuniã o de fronteira.
Zanaya girou com um chute perigoso, mas sua amiga foi rá pida, agarrou
seu pé e a virou, evitando as asas de Zanaya quando esta saltou para
derrubá -la. Zanaya se glorificava em lutar com uma guerreira que se
igualava a ela. Havia muito poucos movimentos que podia fazer que
Aureline nã o tivesse visto mil vezes. O que constantemente a
empurrava para ser melhor, mais rá pida, mais inovadora.
— Dificilmente vou permitir que meu sexo seque e exploda enquanto
ele está trabalhando num harém, — ela murmurou durante o pró ximo
período de silêncio quando recomeçaram a luta depois de uma briga
que terminou em empate. Nã o que estivesse com ciú mes das amantes
de Alexander. Isso seria uma loucura, de fato, quando os dois
literalmente nunca se tocaram, mas odiava esse poder que ele tinha
sobre ela, o que significava que estava ciente de quem ele estava na
cama.
Quanto a Zanaya... ela nã o era tã o ruim, era? Nunca prometeu nada a
seus amantes, deu-lhes apenas seu corpo e sua afeiçã o, e sempre cortou
as coisas antes que a paixã o pudesse se fundir com a emoçã o. — Minha
obsessã o está na forma da mente, — ela admitiu para Auri, enfurecida
consigo mesma por isso. — Como se agora que sei que Alexander existe,
nã o posso me entregar totalmente a nenhum outro. Me faz exatamente
como Rzia.
— Você disse que sua mã e ansiava por seu pai até que ela e seu mundo
se tornassem um lugar pequeno e tó xico, — argumentou sua melhor
amiga. — Zanaya, você pode ter um fascínio por Alexander, mas isso
nã o fez nada para sufocar seu crescimento.
Zanaya grunhiu e bloqueou um golpe de Aureline. — Prefiro nã o sentir
o fascínio de forma alguma, — ela rangeu. — É como uma abelha
zumbindo dentro do meu crâ nio. Quero me livrar disso!
Aureline se endireitou de sua postura de luta, ergueu a mã o para
sinalizar uma pausa. — Sabe, se fosse qualquer outra pessoa, Zan, eu
diria a eles para procurar um curandeiro, superar a obsessã o.
Zanaya corou. — Sim?
— Sim. Porque, a ideia de alcançar um arcanjo? Seria um objetivo sem
esperança. Mas nã o é outra pessoa. É você. — Os olhos adoráveis e
inteligentes de Aureline a mantinham no lugar com muito mais eficá cia
do que qualquer sparring.
— Sua motivaçã o é a primeira razã o pela qual nã o acredito que esteja
delirando, — disse sua amiga. — A segunda é que eu estava esperando
por você em sua corte quando você cruzou o caminho de Alexander.
Testemunhei como ele olhou para você por sua vez. Nã o está na sua
cabeça
– a reaçã o entre vocês foi... potente. Perturbadora em sua intensidade,
se
estou sendo sincera.
Aureline mordeu o lá bio inferior macio. — Mas vai ser uma longa
jornada, minha amiga. O homem que ele é? Quando se trata de estar
com um companheiro guerreiro, ele nunca se deitará com ninguém
abaixo de um general. Seria diferente se você nã o fosse uma guerreira.
Ele se sente atraído por você por causa disso, por quem você é. Mas ele
também nã o vai se deitar com você – fazer isso seria mudar o curso de
sua existência.
— Merda de burro, — Zanaya murmurou, batendo uma mã o fechada
contra a parede de pedra do ringue de treinamento. — Tenho total
controle sobre minha vida.
Aureline lançou-lhe um daqueles olhares curiosamente sá bios. — Você
pode acreditar que sim, Zan, mas os anos que os separam, o diferencial
de poder... nã o pode sentir isso ao redor até mesmo do nosso senhor? É
uma pressã o na pele, uma coisa de tamanha vastidã o que é elementar.
— E você nã o é mortal, — continuou Aureline, — para crescer no corpo
e na mente numa velocidade caó tica. Você é um anjo, seu crescimento
limitado pelas exigências e presentes da imortalidade. Você nã o é forte
o suficiente ou velha o suficiente para enfrentar um arcanjo e
permanecer você mesma. Sua mente ainda é muito maleável. —
Caminhando até a mesa que continha uma série de armas, pegou um
bastã o de combate. — Mas vamos levá -la lá .
— Minhas ambiçõ es sã o minhas. — Zanaya pegou o cajado que
Aureline jogou. — Nã o vou alterá -las por nenhum homem.
— Nã o disse que você faria. — Elas se chocaram no meio do ringue,
ambas segurando a pressã o em seus bastõ es. — Estou dizendo que o
Arcanjo Alexander vê esse poder em você e está esperando que você
cresça e que talvez possamos acelerar o processo.
Zanaya hesitou, acabou com o cajado de Auri em sua garganta.
Ignorando isso, ela disse: — Realmente acredita nisso? — Continuava
dolorosamente difícil para ela se permitir ser vulnerável, mas se havia
alguém a quem pudesse fazer essa pergunta que cortasse sua armadura
externa para revelar seu interior macio, era sua amiga mais pró xima.
Puxando atrá s seu bastã o, Aureline passou a parte de trá s de um
antebraço sobre a testa. — Sim. Vocês dois... aquele momento... Um
vínculo tã o exigente, nã o é para mim, Zan. É demais, muito violento.
Mas para você? Sim.
Aureline procurou seu rosto. — Mas você tem certeza? Nã o acho que tal
atraçã o jamais será confortável. Sempre exigirá tudo, ameaçará esmagá -
la na paixã o de seu domínio.
Zanaya pensou nos pais de Auri e sua doce bondade um com o outro.
Depois de testemunhar, decidiu que queria esse tipo de amor. Um amor
caloroso e do coraçã o, e nada parecido com a obsessã o sombria do
desejo de Rzia por Camio. E, no entanto, era filha de sua mã e - e o ú nico
homem com quem podia imaginar passar a eternidade era um arcanjo
que provavelmente nã o era bom para ela.
Assim como Rzia e Camio... mas por um fator crucial.
— Se eu estiver com Alexander, — ela disse finalmente, — será uma
coisa tã o só lida quanto a pedra das montanhas. Ele nã o vai jogar jogos
de confiança. O general que vive dentro dele tem muita honra para isso.
E a fidelidade, Auri, é mais preciosa para mim do que qualquer pedra
preciosa.
O aceno de cabeça de Aureline foi lento, seu olhar pensativo. —
Desejo-lhe sorte, Zan. Sabe que espero apenas as melhores coisas para
você.
Zanaya apreciava esse conhecimento mais do que Aureline jamais
poderia entender. — Todo o caminho, Auri, — disse ela. — Juntas.
General e tenente.
Auri sorriu e ergueu seu cajado. — Todo o caminho.
*
Dois dias depois, tiveram que lidar com uma escaramuça na fronteira
depois que o arcanjo vizinho entrou no estado por causa de alguma
ofensa ridícula ou transgressã o. Um contratempo tã o comum que todos
reviraram os olhos. Zanaya colocou comida extra para seus gatos
gêmeos certamente mimados, entã o continuaram com isso.
Era um dia normal no céu acima da fronteira, sem ninguém querendo
sangue... até que Aureline levou uma pesada lança de batalha
diretamente na garganta.
A arma era tã o brutal que quase a decapitou.
q q p
Gritando, Zanaya cortou a cabeça do anjo que ousou vir atrá s de sua
melhor amiga com um golpe tã o mortal quando todos sabiam que isso
era uma luta por show, por nada além de ego. O resto deles — de ambos
os
lados — tinha o cuidado de nã o fazer nada que pudesse levar a uma
morte final. Essa contençã o era uma regra tá cita quando se tratava de
escaramuças de fronteira que aconteceriam novamente no dia seguinte.
Seu esquadrã o travou numa linha viciosa acima de Zanaya, sangue em
seus olhos.
Atordoado pela velocidade do golpe e da retaliaçã o, o outro lado caiu
atrá s quando Zanaya pousou ao lado do corpo amassado de Aureline.
Terror como nunca antes sentiu em suas veias, frio como gelo. Ela nã o
queria ver a cabeça de sua melhor amiga separada de seu corpo, asas
torcidas e rasgadas. Mas se obrigou a olhar, pois nã o desistiria de Auri a
menos que toda a esperança estivesse perdida.
Sua melhor amiga era uma escultura quebrada pintada de vermelho.
Aquela lança horrível a prendeu no chã o, suas pernas e coluna
quebradas pelo impacto violento de sua queda do céu, e suas lindas
asas se dobraram tanto que parecia que estava deitada numa cama de
penas encharcadas de sangue. Mas seus olhos... — Auri! — O coraçã o de
Zanaya começou a bater mais uma vez. — Auri, espere.
Olhos de um castanho translú cido, as pupilas enormes piscinas negras,
agarravam-se desesperadamente aos seus, mas Zanaya já podia sentir a
vida dela se esvaindo. Aureline era jovem, sem a capacidade de cura de
um anjo mais velho. Mas se Zanaya pudesse evitar que sua garganta se
rasgasse, sua cabeça se separasse totalmente de seu corpo, poderia
manter Auri viva tempo suficiente para um curandeiro trabalhar nela.
Com as mã os trêmulas pela força de sua necessidade de fazer algo,
Zanaya deteve seu desejo instintivo de puxar a arma feia de sua
garganta.
Isso faria Aureline em pedaços. Em vez disso, gritou para o esquadrã o.

Meher!
Seu amigo pousou ao lado delas um instante depois, seu rosto uma
má scara de raiva e dor. — O que precisa que façamos?
Zanaya percebeu que acreditava que Aureline estava morta, estava
pronto para a vingança. — Ela está viva, mas preciso cortar a ponta da
lança para que possa levá -la a um curandeiro.
Expressã o se contorcendo por um segundo, Meher entã o se recuperou e
guardou seu machado de batalha para puxar a espada curta com dentes
serrilhados que trouxe da terra natal que seus pais escolheram depois
que ele tinha idade suficiente para deixar o Refú gio. Era uma lâ mina
tradicional
de uma tribo mortal de lá , dada aos jovens apó s a maioridade.
Onde muitos anjos acabariam por pegar a lâ mina sem levar em conta as
tradiçõ es dos mortais, Meher realmente completou as tarefas terrestres
necessá rias para conquistá -la. Foi uma odisseia difícil para ele por
causa de suas asas, e muitas vezes se gabava de sua destreza. Mas nã o
havia sinal daquele Meher risonho e cabeçudo hoje.
Com a pele esticada sobre os ossos do rosto, se agachou ao lado de Auri.
Enquanto Zanaya segurava firme o pescoço e a cabeça de Aureline,
Meher começou a serrar suavemente a ponta da lança que saía da
garganta de sua amiga. — Nã o vá , Auri, — ele sussurrou enquanto
serrava. — Ainda nã o criei coragem para pedir que você caminhe
comigo. — Lá grimas rolaram por seu rosto forte e estó ico, mas nunca
hesitou em serrar. — Fiz um presente de namoro para você. Por favor,
nã o vá .
O coraçã o de Zanaya estava partido, mas o transformou em pedra
enquanto segurava a cabeça de Aureline com as mã os. E quando viu os
olhos de sua amiga começarem a se fechar, ela disse: — Nã o, — em seu
tom mais á spero. — Você nã o pode morrer, Auri. Eu proíbo.
Os cílios de Aureline se ergueram, o menor indício de risada neles.
Mas nã o conseguia falar, sangue borbulhando de sua boca. Zanaya a
ouviu mesmo assim. — Sim, — disse ela. — Nã o tenho nenhum
problema com confiança. Agora você fica. Caso contrá rio, terei que
consolar Meher, e sabe como me sinto em relaçã o aos ruivos.
Meher continuou a serrar, pedaços de madeira caindo no rosto e no
peito de Aureline.
Levou um longo tempo. Zanaya sabia que nã o havia como se apressar
sem matar Aureline, mas cada um dos mú sculos de seu corpo estava
apertado pelo desejo de gritar para Meher ir mais rá pido. E no final,
Aureline nã o conseguiu mais ficar consciente. Nã o era uma questã o de
vontade; seu corpo nã o tinha mais força.
— Ela ainda está viva, — Zanaya disse a Meher quando ele começou a
respirar em baforadas curtas e duras, com as mã os tremendo. —
Complete o corte.
Ele fez isso com os dentes cerrados.
Nesse ínterim, um dos outros membros de seu esquadrã o desceu e
rasgou sua tú nica de um tecido fino tecido à mã o - para revelar uma
tanga
com saia e seios presos pelas bandagens largas usadas pela maioria dos
lutadores cujos seios nã o eram pequenos o suficiente para nã o se
tornar doloroso com o movimento intenso de combate. Como suas asas
nã o permitiam uma simples amarraçã o ao redor do corpo, o corpo nu
de sua companheira de esquadrã o era uma complexa matriz de linhas
em tecido.
Agora, seu foco estava na tú nica que ela estava rasgando em longas
tiras.
Quando Meher completou sua tarefa e jogou de lado o pedaço da lança
que cortou, Zanaya deslizou a mã o sob o pescoço de Aureline com
extremo cuidado e colocou os dedos ao redor da outra ponta da lança. A
transpiraçã o gelou sua pele. — A lança está enterrada muito fundo no
chã o.
Nã o podemos retirá -la sem machucá -la. — Ela pensou rá pido. — Nó s
libertamos Auri deslizando seu pescoço sobre a extremidade superior
da lança. — Era curta agora, o exercício factível.
Meher a ajudou a estabilizar a cabeça de Aureline enquanto
gentilmente, gentilmente, gentilmente a libertavam. Entã o trabalharam
em alta velocidade para envolver seu ferimento com as bandagens
formadas com a tú nica de sua companheira de esquadrã o. Nã o
importava se a apertassem; anjos podiam sobreviver sem ar por longos
períodos. Nã o seria confortável, mas era melhor que a cabeça de
Aureline se desprendendo de seu corpo.
Porque nã o havia volta disso para ninguém além de um arcanjo.
— Ela ainda está viva? — Meher perguntou quando terminaram de
embrulhar o curativo final.
— Sim, — disse Zanaya, embora nã o tivesse certeza. — Segure a linha.
— Com isso, pegou Aureline em seus braços. Sua amiga era mais alta
que ela, mas Zanaya construiu uma força considerável ao longo dos
anos – com toda a honestidade, era muito mais forte do que deveria ser,
dado seu tamanho e aparência externa. Um pequeno presente de seu
pai, sem dú vida, porque certamente nã o veio da linha esguia e etérea de
Rzia.
Apenas grata pela força que significava que nã o teria problemas para
fazer uma decolagem vertical com o corpo de Auri embalado em seus
braços, aconchegou sua amiga e, esperando contra a esperança de que
Aureline pudesse lutar um pouco mais, voou com sua amiga para casa.
CAPÍTULO 12
Alexander viu Zanaya novamente uma temporada apó s sua ascensã o,
enquanto tentava reunir sua corte. Ela entrou em seu mundo como uma
líder de esquadrã o encarregada de escoltar um renomado estudioso
que o Arcanjo Inj'ra gentilmente permitiu convidar na corte de
Alexander por um período, a tarefa do estudioso ajudar Alexander em
certos assuntos.
Se Zanaya foi um soco no plexo solar antes, ela agora era um aperto em
torno de sua garganta. Mas se ela era proibida na época, agora era mais
proibida ainda.
Um arcanjo e um anjo tã o jovem?
Seria uma abominaçã o.
No entanto, ela estava sob o estandarte que trazia seu brasã o - um
corvo em vô o - e segurou seus olhos com arrogâ ncia insolente,
desafiando-o a vê-la, conhecê-la, tê-la. Mas havia algo diferente sobre
ela desta vez, uma tensã o que sugeria dor. E que Alexander nã o
suportava, entã o fechou a distâ ncia entre eles.
— O que aconteceu? — ele perguntou, como se estivessem tendo essa
conversa ao longo dos anos entre o primeiro encontro e este. — Por que
está machucada?
Ela estaria dentro de seus direitos de dizer a ele que nã o era da conta
dele, mas ele a assustou fora de sua calma marcial ao caminhar para
ficar tã o perto dela. Entã o lhe disse a verdade. — Minha melhor amiga
está gravemente ferida. Ela pode morrer.
Alexander queria abraçá -la. Para enfrentar o espectro da morte tã o
jovem... — Ela ainda nã o está morta, — disse ele. — E Inj’ra tem um
corpo de curandeiros que supera qualquer outro.
— Sim. — Esperança em seu tom agora, seu rosto mais jovem e mais
inocente do que era um momento atrá s. — Obrigado, Alexander. — Ela
deveria tê-lo chamado de Arcanjo Alexander, mas é claro que nã o o
faria, nã o essa mulher guerreira que se recusava a tratá -lo com
desconfiança. —
Vai andar comigo hoje?
Com o intestino apertado contra o desejo de abraçá -la, confortá -la
ainda mais, ele disse: — Nã o tenho relaçõ es com bebês. — Era uma
coisa cruel de se dizer, mas tinha que ser cruel. Ou condenaria os dois.
Sua expressã o ficou dura como granito, toda suavidade apagada. —
Vai se arrepender de suas palavras um dia, Arcanjo Alexander.
Ele deveria ficar furioso com ela por falar com ele naquele tom, mas
Zanaya fazia suas pró prias regras quando se tratava de Alexander. A
ú nica regra que nã o permitiria que ela quebrasse era a que a levaria a
tocá -lo. Pelo menos nã o até que ela tivesse mil anos de idade ou mais.
Ele nã o podia – nã o iria – levá -la para sua cama enquanto ela
permanecesse orvalhada com a juventude. Viu essas coisas
acontecerem entre anjos e nunca terminou bem. Ou o jovem superava o
mais velho, ou o mais velho esmagava o crescimento do jovem. Tudo
isso pelo fato dos anjos crescerem lentamente, inclusive em sua
maturidade.
*
Precisando falar de Zanaya, mesmo que nã o se permitisse tê-la, se viu
contando tudo ao seu segundo - e amigo. — Pode ser condescendente
dizer isso, líder de esquadrã o ou nã o, — ele disse finalmente, — Zanaya
ainda nã o se conhece...
— ...mas isso nã o torna menos verdade, — Avelina completou para ele.
Alta e tensa com os mú sculos de uma guerreira afiada sob seus couros
bem gastos, ela tinha olhos de um marrom tã o pá lido que era â mbar, e
pele do mais puro ô nix. Embora tenha feito o chefe de operaçõ es
“suave” de Alexander, Zakariah, gemer com o “cruel desperdício de
beleza”, Avelina geralmente usava sua massa de cachos pretos
apertados em tranças finas enfiadas com fios de bronze cintilante.
— Sou uma guerreira, Zak, — ele a ouviu dizer secamente. — Vou
deixar a moda para você. Estou mais interessada em cabelos que
deixem meu campo de visã o claro e sejam fá ceis de manter.
Infelizmente, nã o há cabeleireiras no campo de batalha.
Avelina era sua tenente quando entrou na batalha como general,
concordou em ser sua segunda no momento. Nã o que ela nã o desejasse
estar em sua corte. Muito pelo contrá rio. — Sou uma boa tenente, — ela
disse a ele, — e é claro que vou andar ao seu lado enquanto você cresce
em seu poder. Mas segundos têm que ser muito mais do que tenentes e
nã o
vou atrapalhar você devido à sua lealdade.
Quando Alexander fez uma careta, ela riu, seu tom rouco a marca
registrada quente com carinho. — Ah, Alex, você sabe como é. Há
arrogâ ncia aí, mas é bem merecida - sua característica mais duradoura,
no entanto, é que você é leal à queles que escolhe como seus. Pode agora
ser um arcanjo, mas isso nã o significa que nã o é mais o mesmo
guerreiro que segui para a batalha e que eu sabia que me apoiaria em
qualquer situaçã o.
Poucas pessoas ainda falavam com Alexander com tanta franqueza.
Essa era uma realidade que nã o entendeu até ascender. Agora fazia
tanto sentido para ele que Callie nunca colocasse distâ ncia entre eles;
ela precisava da honestidade franca de um amigo. Esse era um
presente, que se tornava quase impossível de encontrar quando você
era um dos seres mais poderosos do mundo inteiro.
Hoje, Avelina acenou para onde Zanaya estava saindo da quadra, seu
esquadrã o alimentado e descansado, pronto para decolar das areias do
deserto tã o predominantes em seu territó rio. Grande parte de sua terra
p p
estava colorida nos tons do pô r do sol, e Alexander nã o queria que fosse
de outra maneira. Assim como Osíris tinha sua exuberante ilha tropical,
Alexander tinha sua terra de areias sussurrantes, tamareiras altas e
orgulhosas e oá sis de á gua-marinha escondidos.
Ele e Avelina estavam num parapeito alto do velho forte de rica pedra
vermelha que já estava no lugar quando Alexander assumiu essas
terras. Ele construiria seu pró prio forte, de acordo com suas pró prias
especificaçõ es, mas até entã o, nã o havia nada de errado com este -
construído por outro arcanjo guerreiro, foi projetado para defesa e
ataque.
— Ela é linda e forte, — disse Avelina, — e vejo como ela olha para
você. — Um leve estreitamento de seus olhos enquanto a brisa do
deserto soprava sobre os aromas do movimentado mercado do lado de
fora dos muros do forte. — Há arrogâ ncia lá também, mas nã o é
merecida. Ainda nã o. Ela é jovem, um pouco tola. Mas nó s também
fomos jovens. Você se lembra?
— Muito bem, — Alexander murmurou enquanto observava Zanaya
decolar num movimento de asas que o lembrava das estrelas à meia-
noite, pontinhos de diamante no preto. — É tudo que posso fazer para
nã o puxá -la de volta, nã o tê-la ao meu lado, mas sei que, ao fazê-lo, vou
mudá -la. — Era inevitável.
— Sim. — Avelina afastou-se do parapeito. — Um dia, ela vai entender
isso.
Até lá , pensou ele, o consideraria um covarde que nã o queria correr
riscos. Alexander teria se enfurecido contra qualquer outra pessoa que
ousasse ter esses pensamentos, mas Zanaya era jovem e um pouco tola.
Esse era o jeito das coisas.
— Venha, — disse ele a sua amiga e segunda, — precisamos terminar
nossa varredura na fronteira leste. As fortificaçõ es lá estã o
desmoronando.
— Sim, é uma sorte que você tenha Sha-yi nessa fronteira, — disse
Avelina enquanto colocava espaço entre eles para que pudessem
decolar sem emaranhar as asas. — Ela está velha e pensando em
dormir e nã o está com vontade de brigar com um jovem arcanjo.
Alexander fez uma pausa. — Você acha estranho? Tantos dos antigos
começando a escapulir?
Avelina fez uma careta. — Estas nã o sã o coisas que penso, senhor. Sou
uma mã o de batalha.
Nessa declaraçã o contundente, voaram para a fronteira que nã o tinha
nenhuma das montanhas proibidas e carregadas de gelo que poderiam
ser encontradas em outras partes de seu territó rio, mas a questã o ainda
estava na mente de Alexander quando se encontrou com Caliane no
pró ximo inverno... Ela voou para ele para uma visita, pois sua terra
agora era muito mais estável - ela tinha mais tempo como arcanjo, já
estava se tornando conhecida no Cadre por seu jeito calmo e coluna
inflexível.
Quando tocou no assunto com ela enquanto estavam sentados lado a
lado em rochas empoleiradas no topo de uma montanha nevada que
fazia parte de uma cadeia muito maior, os dois banqueteando-se com as
carnes secas, nozes e tâ maras gordas que trouxeram para o almoço, ela
disse: — Eu notei isso também. Até falei com o bibliotecá rio, perguntei
se tínhamos registros de Cadres anteriores.
— Quer dizer que ele ainda nã o caiu morto? — O bibliotecá rio era tã o
velho que Alexander tinha certeza de que devia ter teias de aranha
crescendo em sua barba branca cheia.
Caliane soltou uma risada. — Alex! — Um soco no ombro.
Alexander sorriu e arrancou um pedaço de carne seca. — Quero dizer,
ele deve ser velho, — disse ele depois de mastigar e engolir. — Ele
realmente parece velho! — Os imortais nã o mostravam a idade depois
de
atingirem um certo ponto da idade adulta, sua progressã o física a partir
desse momento era tã o imperceptível que era inexistente.
— Ele sempre teve cabelos brancos, seu idiota. Toda sua família tem.
Como você bem sabe. — Lá bios ainda curvados, ela cavou na bolsa para
suas frutas secas favoritas. — Mas sim, ele parece um pouco mais velho
do que o normal entre nossa espécie – o que o torna um grande
bibliotecá rio e historiador. Conhece tantos pedaços de nossa histó ria
que à s vezes me pergunto se ele conhecia os Ancestrais.
Um vento frio varreu os ossos de Alexander com a mençã o dos anjos
que diziam dormir abaixo do Refú gio. Anjos que eram tã o velhos que
poderiam ser de outra espécie. — Você já perguntou a ele?
— Uma vez, quando eu era criança. Ele me deu um sorriso inescrutável
e disse que eu era muito jovem para algum conhecimento. Talvez em
mais algumas eras ele compartilharia tudo comigo. — Um aceno de
cabeça. — Ele nã o tem medo de ninguém, sabe. Nem mesmo arcanjos.
— Isso é porque sobreviveu a todos eles, — Alexander apontou,
jogando um petisco para uma curiosa ave de rapina que pousou nas
proximidades. — O que ele disse sobre o Cadre?
— Que as coisas parecem acontecer em ciclos. Alguns longos, outros
curtos. Um grupo inteiro entra ou sai – a transiçã o pode se espalhar por
algumas décadas ou um século, mas é um padrã o que se mantém. Ele
diz que o ciclo atual foi um dos mais longos – muitos dos atuais no
Cadre nã o estavam nem perto de serem Antigos no início de seu
reinado.
Alexander assobiou. — Muito tempo para governar. — Considerando
essa nova informaçã o, ele disse: — Faz sentido, nã o é? O ciclo. Significa
que cada Cadre tem tempo suficiente para se tornar uma unidade de
batalha, caso seja necessá rio. Você nã o pode fazer isso de forma tã o
eficaz com mudanças constantes.
ç
— Pode imaginar uma tempestade que nos une a todos? — Caliane
murmurou, a tâ mara que ela esqueceu em sua mã o. — Teria que ser
uma ameaça terrível, de fato.
— Vamos torcer para que nunca chegue a isso. — Pode muito bem
augurar o fim do mundo. — Como vã o suas terras?
— Rumaia está se mexendo na minha fronteira sem motivo, exceto que
está entediada. É como um jogo para os Antigos, seus leais guerreiros
apenas corpos para serem jogados no fogo para alimentar uma breve
pausa
do tédio.
Os mú sculos de Alexander ficaram tensos, sua pele frígida – e isso tinha
pouco a ver com seu ó dio por Rumaia. — Esse é nosso futuro, Callie?
Uma existência sem objetivo, desprovida de desafio ou crescimento?
— Espero que nã o, Alex, — Caliane disse, mas sabia que o medo iria
assombrá -la, assim como ele.
— Vamos prometer permanecer jovens em nossos coraçõ es. Sempre.
— Ele estendeu um antebraço quando a neve começou a espanar seus
ombros. Um de seus corvos pousou em seu ombro no mesmo instante,
totalmente preto contra o branco que caía.
Embora Caliane tenha retornado ao controle no caminho dos
guerreiros, sua expressã o era solene através da neve. — Nã o tenho
certeza de que seja uma promessa que seremos capazes de manter. A
imortalidade é uma marcha lenta e implacável que esmaga tudo em seu
caminho. Somos apenas seus soldados de infantaria.
CAPÍTULO 13
Novecentos anos.
Foi quanto tempo levou para Zanaya ascender ao posto de primeiro
general do Arcanjo Inj'ra. Ninguém poderia prever que ela chegaria à
posiçã o tã o surpreendentemente jovem, mas ela se provou muitas
vezes - e trouxe Aureline e Meher com ela.
Pois sua melhor amiga sobreviveu ao golpe que assombrava Zanaya até
hoje.
Dois anos que passaram sem ela, enquanto ela dormia num sono
reparador. Nã o anshara, pois era muito jovem para entrar naquele
descanso projetado para permitir que um corpo angelical gravemente
ferido se curasse. Este foi um descanso induzido e imposto pelos
curandeiros.
Dois longos anos que o mundo de Zanaya ficou muito quieto, muito
solene. Seria fá cil dizer entã o que amar as pessoas nã o valia a pena, que
só levava à devastaçã o e à angú stia. Mas Aureline fez Zanaya melhor do
que isso, ensinou-a a entender sutilezas de emoçã o que a pró pria mã e
de Zanaya há muito abandonou. No entanto, Rzia também ensinou algo
a ela: que
manter a raiva para sempre era envenenar sua pró pria existência.
A cada passo que dava, Zanaya se afastava mais de Rzia e da criança fria
e isolada que ela tentou criar. Esses mesmos passos também a
trouxeram a este momento em que usava as bainhas de braço douradas
intrincadamente esculpidas que eram à direita do primeiro general de
Inj'ra.
Aureline e Meher, como primeiro e segundo tenentes, respectivamente,
receberam uma ú nica algema de metal cada. Os dois se forçaram a
acompanhá -la enquanto ela abria caminho pelas fileiras.
Nenhum deles queria Zanaya num papel de liderança sem suas pessoas
mais confiáveis em suas costas.
— Você tem ambiçã o suficiente para nó s três, — disse Meher naquele
dia memorável depois que Inj’ra promoveu Zanaya a primeiro general.
Ele estava deitado de costas na grama enquanto falavam, olhando para
o céu azul sem nuvens. — Estou exausto de apenas estar em sua
sombra. — Exceto que ele estava sorrindo ao dizer isso. — Meu clã
inteiro está ansioso – deveria ser a ovelha negra, o piadista que eles
amam, mas que nunca conseguiu nada importante, e aqui estou eu, no
esquadrã o de elite de um arcanjo.
Atirando uma saudaçã o a Zanaya de sua posiçã o deitada, ele disse: —
Obrigado por me forçar a ser ambicioso, embora eu tenha certeza de
que seria um vagabundo perfeitamente encantador.
— Eu nã o acho que fui eu, — respondeu Zanaya, divertida com suas
travessuras. — Você estava seguindo Auri. — A deles foi uma histó ria
de amor interessante para dizer o mínimo, mas quando finalmente
começou a sério, foi como assistir duas peças entrelaçadas se unirem
com um estalo satisfató rio.
Zanaya nunca foi nada além de feliz por eles. Bem, exceto pelas vezes
que a irritaram durante o namoro. Céus, mas eram jovens e dramá ticos.
Como ela era tã o dolorosamente jovem sem nunca estar ciente disso.
E pensar que acreditava que poderia lidar com um arcanjo!
Ela bufou por dentro. Confiança era uma coisa, arrogâ ncia tola era
outra.
Hoje, assistiu de sua posiçã o sentada contra uma á rvore quando
Aureline caiu de bruços ao lado de Meher, entã o se inclinou para beijá -
lo. —
Você se vende barato, querido. Você é firme, implacável e infatigável. Só
precisa de uma causa ou de um líder em quem confie – e nó s temos
isso.
Lá se foi Auri, sendo tã o gentilmente maravilhosa novamente, Zanaya
pensou enquanto pegava sua taça de cidra, seu cã o, Maslan, deitado
quieto sob sua mã o. Da linha de seu querido Balan, o casaco dele era de
um preto brilhante à luz do sol, seu corpo esguio e comprido. Olhando
para ele assim, nunca o reconheceria como um mestre da caça.
— Nó s dois estamos de folga hoje, nã o estamos, Maslan? — ela
murmurou com um sorriso enquanto o coçava entre suas orelhas
pontudas antes de tomar um gole de cidra.
Foi um presente de Aureline e Meher, a garrafa deixada para esfriar
numa corrente fria bem antes da cerimô nia que elevou Zanaya à sua
posiçã o atual. Aureline também persuadiu o pessoal da cozinha a
preparar um banquete para eles, e Meher procurou esse local
manchado de sol para se reunir.
Mivoniel se juntou a eles para a primeira metade da refeiçã o
comemorativa, sendo convidado para a cerimô nia pelo pró prio Arcanjo
Inj'ra. Foi uma grande honra para Zanaya que seu arcanjo a valorizasse
o suficiente para fazer tal esforço, mas ficou ainda mais honrada e feliz
por seu mentor ter viajado tã o longe para testemunhar seu triunfo.
— Se eu decidir que meus velhos ossos desejam mais uma vez se juntar
à s tropas de um arcanjo, — ele disse, — vou me candidatar a você. —
Um sorriso. — Tenho que usar essas conexõ es.
Era uma piada engraçada, mas Zanaya respondeu seriamente. — Teria
você nas minhas costas a qualquer hora, Mivoniel. Você é um dos
melhores lutadores que já conheci, mas mais do que isso, confio em
você profundamente.
Um olhar pensativo da figura mais influente em sua vida. — Sabe,
decidi que queria sair de tudo isso — um aceno para a fortaleza
arcangélica à distâ ncia — na época em que te conheci. Muitos anos de
luta, muitas batalhas por nada além de orgulho. Uma vida tranquila me
convinha... mas agora... Talvez me candidate a você um dia, afinal, minha
jovem Zanaya.
Agora, com Mivoniel voltando para casa, se sentou ao sol com seus
amigos e pensou no arcanjo que foi sua obsessã o num ponto do tempo.
Fazia nove séculos desde que se cruzaram pela ú ltima vez - um imenso
espaço de tempo para os padrõ es mortais, mas pouco o suficiente
quando se tratava de um arcanjo recém-ascensionado e uma mulher
determinada a controlar seu pró prio destino.
Especialmente quando Inj'ra e Alexander eram amigáveis. Zanaya nã o
tinha motivos para enfrentar ele ou suas tropas, e o mesmo para ele.
Seja honesta, Zanaya. Você o evitou propositalmente no início.
Era verdade, ela admitiu. Mas isso foi há uma era atrá s. As suas eram
apenas vidas que nunca mais se cruzaram. Os Anjos se espalharam pelo
mundo, seus nú meros aumentando no ú ltimo milênio como resultado
da paz que se manteve desde que Rumaia e outros Antigos guerreiros
desapareceram do mundo dos vivos.
Ainda estaria lá entre eles? Aquele raio brutal de atraçã o?
Deveria ser uma lembrança divertida, nada além de um lembrete da
loucura da juventude, mas ela nunca foi capaz de reduzi-la a isso. Parte
dela permaneceu presa ao eco de sua obsessã o de muito tempo atrá s.
Bem, teria a chance de confrontar a memó ria com a realidade em breve;
generais de sua nova estatura moviam-se em círculos que incluíam
contato frequente com membros do Cadre.
O que ela nã o esperava era ficar cara a cara com Alexander poucos dias
depois, durante uma visita ao territó rio de Inj'ra no Refú gio. Mú sculos
tensos de seu longo vô o, decidiu dar um passeio, sacudir as coisas. Mas
o gelo e a neve nos arredores da pá tria angelical a arrepiaram a ponto
de resmungar consigo mesma por ter ficado mole, quando sentiu um
formigamento na espinha.
Ela virou... e lá estava ele, neste mesmo canto remoto do Refú gio, longe
da agitaçã o do nú cleo habitado. Parecia como levar um golpe da bola
cravada no final do eixo duro de uma estrela da manhã – uma explosã o
brilhante de necessidade potente o suficiente para arranhar sua
armadura, quebrá -la. Mas ela nã o foi até ele, esse anjo dourado na neve.
De jeito nenhum.
Zanaya nã o imploraria por nenhum homem. Nunca.
Colocando as mã os nos quadris, segurou o olhar dele e levantou uma
sobrancelha.
Suas íris, aquele prata surpreendente que ela se convenceu de que nã o
se lembrava, ele caminhou até ela enquanto segurava suas asas com
perfeita precisã o de guerreiro. O ar entre eles de repente nã o era mais o
gelo do ambiente. Ardia tã o quente quanto o coraçã o do vulcã o
turbulento que ela sobrevoou em sua jornada.
— Primeiro General Zanaya, — ele disse, parando a menos de meio pé
dela. — Isso combina com você. Assim como Líder de Esquadrã o e
Comandante de Ala.
Embora seu coraçã o estivesse trovejando, ela manteve uma expressã o
externamente fria. — Acompanhando-me, nã o é?
— Sempre. Desde o primeiro momento que te vi.
A sacudiu, como ele admitiu isso sem hesitaçã o. — Alguns chamariam
isso de obsessã o.
Um ombro se ergueu num encolher de ombros á gil. — Você poderia
igualmente chamar isso de devoçã o. — Levantando a mã o, ele segurou
sua bochecha.
Zanaya poderia facilmente ter evitado ou rejeitado o toque. Mas nã o
estava aqui para jogar esses jogos. Nã o quando o leve contato
reacendeu uma tempestade de necessidade crua que só experimentou
com ele. Essa necessidade estava longe de ser apenas do corpo –
obsessã o, devoçã o, qualquer que fosse o nome que desse a isso, essa
coisa entre eles nã o permitia que nem coraçã o nem mente ficassem
separados.
Pedia tudo.
— Coloque suas cartas na mesa, Arcanjo Alexander. — Foi deliberado, o
uso dela de seu título completo. — Nã o estou aqui para adivinhar seus
motivos.
Relâ mpagos em seus olhos, ele baixou a cabeça para completar o beijo
que começou com o primeiro momento de contato visual. Foi... Nã o
houve beijo como este em sua existência. Cortou-a ao mesmo tempo
que a reclamou, e entã o era ela quem estava cortando, fazendo a
reivindicaçã o, cada um tã o faminto quanto o outro.
Os cortes se transformaram em cicatrizes, em marcas invisíveis que
nunca desapareceriam.
Um ú nico beijo e sabia que a jovem Zanaya nã o foi tola afinal. —
Sempre foi para ser assim, — ela disse contra seus lá bios machucados
pelo beijo quando pararam para respirar. — Sempre foi feito para
sermos nó s.
— Sim, — ele concordou, mas entã o endureceu sua mandíbula. — Mas
tomar você entã o seria tomar um bebê. Diga-me que você é a mesma
mulher hoje como era naquela época.
Zanaya gostava de ganhar discussõ es, mas nã o gostava de mentir.
Entã o fez uma careta... mas o beijou de novo, porque era a mariposa e
Alexander a chama que chamava — ou talvez fosse o contrá rio. Ele
podia ser
um do Cadre, mas nã o detinha o poder neste relacionamento. Nem ela.
Quando ele a tomou em seus braços e voou para o céu, ela foi uma
participante plena e entusiasmada de uma dança frenética e selvagem.
Ela esqueceu tudo que sabia sobre esse ato. Ele perdeu toda a técnica.
E se juntaram num prazer tã o profundo que era dor.
Depois, seus corpos nus brilhando de suor e protegidos pelo manto
arcangélico do glamour – o que os tornava invisíveis para todos, exceto
para outros arcanjos com o mesmo dom, ele a levou para sua casa no
Refú gio e para sua cama. Onde se deitaram lado a lado para dar tempo a
seus coraçõ es e respiraçõ es se acalmarem, e Zanaya disse: — Eu nã o
compartilho, Alexander. Aposente suas concubinas.
Zanaya nã o estava disposta a jogar nenhuma mulher nas ruas, mas
também nã o estava contente em ter as concubinas de Alexander
esvoaçando. Uma pensã o generosa nã o era apenas a coisa decente a se
fazer, mas removia qualquer culpa da situaçã o, porque, até onde ela
sabia, Alexander permaneceu tã o emocionalmente desapegado como
sempre. As concubinas nã o podiam ter ilusõ es de amor ou para sempre.
— Se nã o fizer isso, — ela disse, — vou cortar uma parte do seu corpo
sempre que eu te ver.
Ele nã o apontou que era um arcanjo e poderia esmagá -la num piscar de
olhos. Apenas disse: — Nã o tenho um harém há muitos anos, minha
Zani.
Desde o momento que ficou claro que você estava caminhando para se
tornar uma general sênior.
Um salto literal de seu coraçã o.
Virando a cabeça, ela olhou diretamente para ele para ver se ele estava
brincando com ela. Mas nã o, foi o guerreiro - sem corte e direto - que
olhou para ela, nã o o arcanjo bem versado na política do Cadre. Ela era
dura, mas nã o era dura de coraçã o, nã o quando se tratava dele.
Importava que ele tivesse feito isso, começado a tratá -los como uma
possibilidade no momento em que parecia que poderia se tornar uma.
Movendo-se para encará -lo completamente, o beijou com uma doçura
que vinha de dentro. No instante em que acabou, ela se sentiu solta,
vulnerável. Que tolice, mostrar seu coraçã o com tanta franqueza... mas
Alexander acariciou-a naquele momento, segurando-a com tanta
ternura.
Não use minha vulnerabilidade para me machucar.
As palavras ficaram presas em sua garganta. Porque falá -las seria
ensiná -lo que ele poderia machucá -la. Muito melhor esperar e ver o que
viria a seguir neste estranho relacionamento que se construiu ao longo
de mais de um milênio.
Este era apenas o começo deles... e como ela viu de Rzia e Camio, um
belo começo era um sinal de nada. Ainda poderia terminar em lá grimas,
recriminaçõ es e raiva.
CAPÍTULO 14
Mas o que veio a seguir foi uma coisa inesperada que torceu seu
coraçã o e ameaçou parar sua respiraçã o. Apenas três voltas da lua em
seu relacionamento, enquanto estava numa visita fugaz ao seu
territó rio, Alexander disse: — Tenho um presente para você, Zani. —
Movendo-se sobre os calcanhares, caminhou até o grande baú ao pé de
sua cama, todo musculoso e gracioso sob a luz do sol que entrava pelas
portas abertas da varanda.
Estava nu, exceto por uma saia de couro simples que protegia sua
masculinidade. Alexander era tudo menos tímido, só vestiu a roupa
curta porque pretendiam caminhar até os está bulos antes da viagem de
Zanaya.
Alexander prometeu mostrar a ela seu mais novo garanhã o, uma
"criatura grande e ousada com uma tempestade em seu coraçã o".
Zanaya adorava cavalos, embora raramente montasse nos dias de hoje.
Parecia injusto para seu corcel fazê-lo aturar asas tã o grandes - nas
raras vezes em que cavalgava, ficava nos estribos com as asas para trá s,
ela e o cavalo um ú nico organismo que voava pela paisagem. Hoje,
pretendia pegar uma guloseima para os animais na cozinha, passar
algum tempo acariciando e admirando-os antes de sair.
A lembrança de quã o cedo teria que voar foi uma facada no estô mago.
A dor gelou sua pele e gelou seu coraçã o, sua mente turva com imagens
de como Rzia esperava por Camio mesmo quando a amargura a engolia
inteira. Foi assim que terminou de vestir seus couros para voar num
pâ nico corrosivo. — Nã o sou uma de suas concubinas, — ela falou, as
palavras muito mais duras do que deveriam ser. — Nã o precisa me
mimar.
Rzia guardava cada lembrança de seu tempo com Camio, cada
bugiganga e bijuteria escondida numa caixa de madeira que Zanaya era
proibida de tocar. Mesmo em seu ressentimento amargo por Camio,
Rzia era mais protetora com ele e aquela caixa de memó rias cruéis e
frias do que com sua filha viva.
Pelo menos uma vez por mês, a mã e de Zanaya se sentava e abria a
caixa assim que o sol estava prestes a se pô r – entã o, sob o brilho
bruxuleante da luz das velas, Rzia tocava e acariciava os objetos bonitos
e sem sentido enquanto soluçava. Pelo menos foi assim quando Zanaya
era
mais jovem. Mais tarde, Rzia vomitava ó dio... enquanto continuava a
acumular as bugigangas que eram tudo que já teve de Camio.
— Posso comprar minhas pró prias bugigangas, — acrescentou Zanaya,
para garantir.
Alexander olhou por cima do ombro, nenhum insulto em seus olhos e
um sorriso perverso e lindo em seus lá bios. — Acha que nã o te
conheço, Zani?
Ele parecia jovem e selvagem e fez seu pulso acelerar. O que só
acrescentou combustível ao fogo de sua necessidade de dar um passo
atrá s, recuar da profundidade visceral do que ele fazia com ela.
Entã o ele abriu o baú e se abaixou para pegar o item.
Ela respirou fundo quando ele se levantou, porque sobre suas mã os
estava uma espada que sabia que foi feita pelo fabricante de armas mais
talentoso do mundo: Mestre Llisak. Dada a enorme extensã o de sua
lista de espera, esta espada devia ter sido encomendada há muito,
muito tempo.
Para ela.
Soube disso no instante que pegou o cabo em sua mã o, levantou-o.
Parecia ar e parecia perigo, uma arma projetada especificamente para
seu corpo e massa muscular e a maneira como ela lutava. A lâ mina era
uma graça letal, o punho cravejado de opalas que brilhavam na luz
enquanto eram profundos o suficiente para que nã o fossem
impedimento.
Quando balançou a lâ mina numa dança rá pida de movimento, ela
cantou.
Talvez, no aperto de seu pavor sobre a intensidade do que sentia por
Alexander, pudesse ter rejeitado qualquer outro presente, mas era
muito guerreira para rejeitar isso. — Amado, isso nã o é um presente, —
disse ela depois que parou. — Isso é um tesouro. — Sua voz estava
rouca, sua pele quente de vergonha por seu comportamento
desagradável anterior.
Quando encontrou seu olhar, esperava satisfaçã o, talvez um pouco de
arrogâ ncia presunçosa. Mas o que viu foi um brilho no prata, uma
chama que nã o era sobre a carne. — Você é magnífica em movimento.
Corando, sentindo-se como uma jovem desajeitada e desastrada, olhou
para o cabo, esfregou a mã o sobre uma opala azul com um coraçã o
vermelho que tremeluzia à luz do sol. — Firelight, — ela murmurou,
levantando a lâ mina para ver o sol beijar o metal reluzente dela. — Uma
espada como esta precisa de um nome. E esta é criada de fogo e luz.
— Assim como você. — Dourado pelo sol, Alexander cruzou para beijá -
la onde estava ao lado de sua cama caída.
Firelight ao seu lado, estava afundando no calor da conexã o luxuriante e
íntima, seus seios pressionados contra o mú sculo quente de um homem
que nasceu para ser um guerreiro, quando sentiu uma reentrâ ncia no
punho que assumiu fazer parte do projeto... mas agora franziu a testa. A
reentrâ ncia era muito profunda, tornando o punho um pouco
imperfeito. E
nenhum trabalho do Mestre Llisak era imperfeito.
— Espere. — Quebrando o beijo, o cheiro de Alexander em sua
respiraçã o e sua mã o em seu quadril, se moveu atrá s o suficiente para
que pudesse levantar a espada, olhar para o entalhe.
q p p p
Só que nã o era um recuo. Era o espaço para outra pedra preciosa -
mas essa pedra preciosa estava faltando. — Mestre Llisak nã o comete
erros,
— ela murmurou, confusa com o erro.
— Nã o. — O tom de Alexander... continha tempo e poder e uma fú ria de
emoçã o que a agarrou pela garganta.
*
Alexander sentiu seu coraçã o trovejar. Pensou que isso era um assunto
pequeno, um mero símbolo do que já era verdade, mas houve uma
ressonâ ncia potente neste momento que o surpreendeu. Engolindo
para molhar a garganta seca, voltou para o baú para pegar uma
pequena bolsa de cordã o que mantinha lá ao lado de Firelight.
Zanaya o observou em silêncio imó vel, suas pupilas dilatadas e sua
respiraçã o instável.
Como estava a dele.
Loucura.
No entanto, sua mã o tremeu quando ele voltou a ficar na frente dela,
entã o desfez o cordã o e deixou cair a pedra preciosa dentro de sua
outra palma. Um pedaço de â mbar de um tom tã o profundo que poderia
ser confundido com um rubi, nã o era liso e redondo, mas cortado em
facetas que se encaixariam perfeitamente no espaço vazio no punho de
Firelight.
Ele nã o tinha certeza de que qualquer um deles estava respirando
quando encontrou o olhar dela e disse: — Você vai usar meu â mbar,
Zani?
— Um rugido de som em seus ouvidos.
Alexandre nunca pediu a ninguém para usar seu â mbar. Â mbar nã o era
um presente casual ou frequentemente dado em sua espécie. Podia nã o
ser a mais rara das pedras preciosas, mas o â mbar guardava histó ria,
guardava tempo. Â mbar era interminável. E o â mbar era compartilhado
apenas entre amantes que estavam tã o profundamente enredados que
nã o desejavam se desvencilhar.
Sua mã e usava o dela como um pingente, seu pai como uma pulseira de
metal com uma peça central de â mbar, as joias eram uma parte tã o
familiar da infâ ncia de Alexander que realmente nunca notou, exceto
quando estava faltando. Isso aconteceu exatamente uma vez, o
momento sangrento e brutal esculpido em suas memó rias. Fora isso, o
â mbar de seus pais era apenas uma representaçã o constante de sua
tentativa de ficar juntos.
Zanaya, sua tempestuosa amante, apenas olhou para a gema em sua
palma.
Alexander nunca teve problemas em se manter firme, mas hoje, quase
fechou os dedos sobre a oferta, sua mente tentando fingir que nunca
aconteceu... mas entã o ela levantou a mã o e tocou um ú nico dedo no
â mbar.
Esse dedo tremeu.
Exalando rapidamente, ele deu uma meia risada. — Estamos agindo
como adolescentes estranhos.
Seus olhos estavam enormes quando olhou para cima, mas um sorriso
irrompeu em seus lá bios com as palavras dele. Entã o riu também, o
som um pouco á spero nas bordas, mas seus olhos brilhantes. — Nã o é
todo dia que um arcanjo me pede para usar seu â mbar.
— Eu espero que nã o. — Ele tentou um tom sombrio, mas estava muito
feliz por estar aqui com ela para conseguir. — Se precisar de tempo,
Zani...
— Nã o. — Uma palavra rá pida e firme. — Apenas me assustei. — Ela
piscou. — Nunca esperei â mbar na minha vida.
Quando ela desviou o olhar no instante depois que essas palavras
deixaram seus lá bios, percebeu que ela nã o pretendia dizê-las. E
embora soubesse pouco de sua família, sabia que, ao contrá rio dos seus,
seus pais nunca foram uma unidade. Para ele, â mbar com ela sempre foi
uma coisa
dada como certa. Para ela, foi uma surpresa.
Ternura o inundando numa onda, segurou a parte de trá s de seu
pescoço, a seda macia de sua trança uma carícia contra seus dedos. —
Pensei que se eu tentasse você com uma espada, estaria mais propensa
a usá -la.
Suas palavras provocaram um sorriso dela. — Acho que está certo,
general. — Entã o, finalmente, ela pegou a gema, segurou-a contra a luz.

Um tom tã o profundo. Onde achou isso?
— Num lugar secreto em minhas terras. Vou te mostrar quando puder
visitar por mais tempo. — Enquanto a observava, ela levantou Firelight
de uma forma que significava que poderia colocar o â mbar dentro do
local criado para ele no punho.
— Um ajuste perfeito, — ela murmurou. — Vai partir meu coraçã o
deixar Firelight aqui para que Mestre Llisak possa fixar o â mbar, mas...
— ela olhou para cima com um sorriso deslumbrante — isso me dará
tempo para encontrar seu â mbar.
O peito de Alexander se expandiu, sol em cada gota de sangue em seu
corpo.
CAPÍTULO 15
Apó s quatro séculos amando Zanaya, Alexander bloqueou um golpe de
luz ocre deslumbrante quando devolveu a rajada com seu pró prio
poder.
Nã o foi rá pido o suficiente e o fogo de anjo de Sha-yi o atingiu no
ombro.
Assobiando enquanto o fogo de anjo tentava queimar até os ossos, ele,
no entanto, manteve seu ataque agressivo. Era uma ferida de relance,
nada que seu sangue imortal nã o pudesse curar.
q g p
Nã o que isso o impedisse de doer como á cido.
Nã o se incomodou em pedir a Sha-yi que se rendesse. Sua vizinha, antes
sã , estável e sá bia, enlouqueceu durante o amargo inverno que acabava
de passar — ela demorou muito para dormir, para que sua mente
pudesse se recuperar. A Antiga se transformou numa antagonista
constante sem controle e ilusõ es de que seu poder era maior que o de
Alexander. Nã o era, os dois combinavam igualmente.
O que mudaria a maré aqui eram seus exércitos.
O de Alexander era uma má quina implacavelmente lubrificada, seus
soldados em sincronia. Entã o havia a Irmandada da Asa, que era um
ataque letal por conta pró pria. Uma unidade pequena e bem unida que
escolheu marcar sua pele com seu corvo, eram sentinelas avançadas e
lutadores furtivos experientes. E simplesmente nã o se rendiam.
O exército de Sha-yi, em contraste, era uma bagunça. Nã o era assim
enquanto Caliane agia como sua segundo, mas fazia muitos séculos
desde que Caliane deixou essa posiçã o. Talvez o primeiro sinal do
declínio de Sha-yi tenha sido o fato de nunca ter substituído Callie. Nem
substituir os generais que escolheram terminar seus contratos, entã o
seguir Callie para sua nova corte.
Este ú ltimo nã o era um movimento incomum. Nem era desonroso. O
povo de um novo arcanjo muitas vezes vinha de vá rias outras cortes -
muitos anjos e vampiros mais velhos gostavam do desafio de
estabelecer um territó rio sob um arcanjo recém-nascido. Era uma coisa
esperada que uma ascensã o sacudisse cortes há muito estabelecidas.
O problema era que, em vez de convocar guerreiros qualificados que
desejavam se juntar a um territó rio altamente estável, Sha-yi
simplesmente promoveu os mais jovens para os cargos superiores
abertos. Aquelas pessoas juniores nã o eram nem de perto adequadas –
e este era o resultado.
— Renda-se, seu arrogante! — a outra arcanjo gritou, seus olhos uma
vez satisfeitos vermelhos com fú ria de sangue e a luz do sol polida de
sua pele riscada por tinta dourada; era tudo que ela usava, exceto por
uma tanga curta, seus seios tensos também pintados de ouro.
A pintura de Alexander era prata, sua pró pria tanga coberta por uma
saia curta cravejada de metal. Ainda lutava nu à s vezes, mas havia algo a
ser dito por nã o ter suas partes íntimas expostas ao vento, à chuva e à
neve.
— Seu tempo acabou, velha! — Alexander gritou de volta, enterrando
Sha-yi num relâ mpago prateado. — Olhe abaixo! Meu povo invadiu sua
fortaleza!
Sha-yi olhou abaixo por apenas metade de um momento - e isso foi todo
o tempo que Alexander precisou para acertar um golpe fatal no coraçã o.
Nã o era um monstro sanguiná rio, nã o costumava dar um golpe mortal
quando lutava contra outro arcanjo. Na maioria das vezes, as
batalhas vinham de agressõ es reprimidas, sem que nenhuma das partes
estivesse disposta a lutar até a morte.
Sha-yi, no entanto, estava muito além de qualquer razã o ou sanidade.
Deixá -la viva seria prolongar a guerra, perder mais vidas inocentes.
Porque muitos estavam morrendo por sua loucura.
Agora ela gritou, uma estrela ardente de fogo de anjo em seu peito.
Alexander se encolheu, atingido por uma onda de pena tecida com uma
sensaçã o de perda de tirar o fô lego.
Sha-yi foi uma arcanjo inquestionavelmente boa uma vez, uma mulher
que Alexander admirava profundamente e desejava imitar. Ela o ajudou
inú meras vezes ao longo dos anos, e partiram o pã o sempre que o outro
sentiu a necessidade de conversar com um companheiro arcanjo sem
voar para um territó rio mais distante. De todos os arcanjos mais velhos
do Cadre, ela sempre foi sua favorita.
Agora, estava morrendo na sua frente.
A batalha parou no momento em que os exércitos perceberam o que
estava acontecendo, e o mundo ficou em silêncio quando Sha-yi caiu do
céu.
Nã o estavam tã o altos que ela fosse se quebrar... nã o que tal coisa fosse
mais um problema.
Alexander caiu com ela, e todos os lutadores abaixo recuaram para dar
espaço e privacidade aos dois arcanjos. Ela parecia tã o frá gil deitada no
chã o revolto, suas asas brancas agora enlameadas e seus membros sem
força. E
embora Alexander tivesse dado o golpe no coraçã o que ainda agora a
corroía, roubando a vida desta Antiga que fez tanto bem em seu tempo,
Sha-yi agarrou a mã o que Alexander estendia.
— Obrigada, meu jovem amigo, — ela sussurrou e embora o sangue
escorresse de sua boca, o rico marrom de seus olhos estava claro pela
primeira vez desde que começaram a lutar. — Eu esperei muito... —
Soltando a sua mã o, ela arqueou as costas, sua boca aberta num grito
silencioso.
A explosã o de fogo de anjo o cegou.
Quando finalmente pô de ver novamente, a Arcanjo Sha-yi se foi,
milênios de vida, de memó rias, de sabedoria obliterada. Nada foi
deixado no rescaldo além de uma cicatriz na paisagem que levaria
décadas para desaparecer.
Abalado e ferido de uma maneira que nã o podia ter previsto,
Alexander fez os movimentos necessá rios... mas quebrou quando
Zanaya atravessou as portas de sua suíte privada no meio da noite.
Seu cabelo estava encharcado de suor, seu rosto quente,
testemunhando o ritmo extenuante que ela se impô s. — Alexander, eu
ouvi.
— Ela abriu os braços.
Ele entrou neles, no ú nico par de braços no mundo que permitiria
segurá -lo enquanto lamentava a perda de uma vida magnífica que nã o
deveria ter terminado em dor e loucura. Nã o importava que Zanaya
fosse muito menor; ela o envolveu em suas asas e em sua ferocidade, e
ele poderia simplesmente ser.
*
Zanaya vigiava seu amante enquanto ele cochilava inquieto. Conhecia
Sha-yi através das palavras de Alexander sobre ela, podia entender a
profundidade de sua dor. A outra arcanjo foi uma grande ajuda para
Alexander quando ascendeu, e no final, foi forçado a acabar com sua
existência imortal. Seria como Zanaya ter que matar Mivoniel.
O fato de Sha-yi lhe ter agradecido por isso poderia um dia melhorar
sua dor, mas nã o hoje.
— Sh. — Ela passou os dedos pelo cabelo dele, acalmando-o enquanto
ele franzia a testa e se virava. — Durma, amado. Descanse.
Enquanto ele acabou caindo num descanso mais profundo, ela se viu
bem acordada e com medo de uma forma que nunca teve antes. Porque
Alexander também era um arcanjo. Tã o cheio de poder quanto Sha-yi
estivera. Poderia acontecer com ele? Uma loucura insidiosa e total?
Estreitando os olhos, prometeu a si mesma que nã o permitiria que ele
ignorasse a necessidade de dormir. Ele disse a ela que a pró pria Sha-yi
estava tentando dizer que ficou acordada por muito tempo. Zanaya faria
tudo ao seu alcance para garantir que Alexander nunca acabasse se
perdendo para a insanidade que transformou Sha-yi de arcanjo em
monstro enlouquecido.
— Alexander-meu, — ela murmurou, roçando seus lá bios sobre os dele.
— Você é o coraçã o do meu mundo inteiro. — Palavras que ela nã o diria
a ele enquanto estivesse consciente – talvez chegasse a esse ponto um
dia, mas ainda nã o podia ver esse futuro.
Especialmente quando ainda estava magoada com a notícia de que Rzia
e Camio se reconciliaram. Ela nunca viu sua mã e tã o tonta e feliz, uma
criança que encontrou seu brinquedo favorito depois de perdê-lo por
séculos e séculos. Seu pai, enquanto isso, era todo graça e calor, a chama
presunçosa da vela em torno da qual sua mã e pairava.
Nã o importava seus sentimentos sobre o relacionamento de seus pais,
ela nã o disse uma palavra. Havia alguns erros que você nã o conseguia
impedir as pessoas de cometerem. Mas dormir ou nã o? Sim, esse era
um erro que garantiria que Alexander nã o cometesse. Seu amante nã o
morreria porque era muito arrogante para descansar quando fosse sua
hora.
CAPÍTULO 16
— Somos nove agora, — disse Alexander a Caliane quando se
encontraram no Refú gio pouco depois da morte de Sha-yi.
— Temo que possa ser oito, — ela murmurou. — Dragan desapareceu
desde a meia-lua passada, e tenho certeza de que entrou no Sono. Caso
contrá rio, nunca ficaria tã o quieto.
Ela se provou certa na pró xima lua cheia, quando o segundo do Arcanjo
Dragan informou ao Cadre que seu senhor escolheu dormir.
Assim foi que o Cadre foi de oito por mil anos até uma ascensã o que
ninguém viu chegando.
Zanaya era a mã o direita de seu arcanjo até entã o, sua general mais
graduada em nome e sua segundo na verdade. O segundo e querido
amigo de longa data de Inj'ra morreu numa briga pessoal que foi longe
demais.
E embora a Zani de Alexander pudesse ser implacável, também era leal;
gostava e respeitava o segundo perdido, entã o o fato de que
efetivamente manteve sua posiçã o foi uma questã o de circunstâ ncia e
nã o um esforço consciente de sua parte. O fato dela nã o ter o título de
segundo foi uma açã o consciente, uma forma de homenagear o amigo
perdido que Inj'ra lamentaria por toda a eternidade. Pois assim como
Avelina estava ao lado de Alexander desde antes de sua ascensã o, o
segundo de Inj’ra também estava.
Hoje, ele acariciou a curva elegante do quadril de Zanaya, a beleza de
sua pele diferente de qualquer outra na espécie dos anjos. Mesmo o
vampiro mais deslumbrante nã o podia se comparar a ela; era ú nica,
uma chama escura tã o quente que incinerava. Ela podia ser pequena em
estatura, mas compensava isso com a violência de sua vontade e a fú ria
de seu temperamento.
Ele a viu lutar na batalha e rugiu com orgulho porque ela era dele.
Sonhava com ela quando ela estava no territó rio de seu arcanjo, e fez
amizade com Inj'ra pela razã o mercená ria que significava que poderia
visitar Zanaya quase à vontade.
Deslizando a mã o até seu pênis, ela o agarrou, apertou com força. —
Acha que nã o sei que você convenceu meu senhor a me posicionar em
sua corte para a virada da lua? Seus generais precisam da minha
orientaçã o tanto quanto os meus precisam da sua. — Aquele fogo negro
em seus olhos surpreendentes. — Nã o sou uma boneca para você me
mover como quiser, Arcanjo Alexander.
Ele podia ter encontrado raiva com raiva, mas segurou sua bochecha, o
ô nix fundido e o â mbar do anel forte e poderosamente ú nico que ela lhe
deu uma familiaridade calorosa em seu dedo. Ao contrá rio da maioria
desses anéis, o dele nã o apresentava um pedaço de â mbar - em vez
disso, o â mbar e o ô nix foram trabalhados juntos, de modo que a luz do
sol do â mbar se entrelaçava com a obsidiana do ô nix.
Ela rindo, se recusou a dizer a ele como fez isso. Mas que tivesse
tomado tanto cuidado com o â mbar dele quanto ele com o dela
significava tudo. — Nã o consigo dormir quando está longe de mim, —
disse ele. — Fiz isso uma vez, esperei mais de um milênio. Nunca mais.
Vou trapacear, mentir e barganhar para ter você por perto.
Um piscar de olhos assustado, seus dedos finalmente o liberando, sua
mã o vindo para se deitar contra seu peito. — Você nã o deveria dizer
essas coisas, amado, — ela murmurou. — Vou me aproveitar. Controlar
um arcanjo seria realmente um poder.
Ele sabia que ela dizia a verdade, essa parte dela era exatamente tã o
impiedosa – e a amava do mesmo jeito. Porque ela esqueceu um fator
crítico. — Você está no controle, entã o, Zani? — Um ú nico beijo foi o
suficiente, sua resposta no bombeamento primitivo de seus quadris
enquanto ela o montava, e nas mordidas que ela deixou por todo o seu
corpo.
— Eu vou possuir você, — ela disse, sua pele brilhando com o calor e
seus olhos brilhando. — Até que esteja em mim e eu nã o seja mais essa
criatura louca ao seu redor.
— Tente, — Alexander disse em desafio quando começou a beijar seu
caminho para baixo de seu corpo, para a junçã o sombreada entre suas
coxas.
Ela gritou seu prazer, suas mã os agarrando seu cabelo e suas coxas
apertando sua cabeça. Ele montou seu êxtase, lambendo-a até o
esquecimento enquanto derramava sua pró pria semente na cama como
um jovem imaturo com sua primeira mulher.
Ele deveria estar envergonhado, cheio de vergonha, mas nã o havia isso
com Zanaya. Ambos eram tã o gananciosos, ambos governados pela
obsessã o, e quando chegou a hora de deixá -la ir para que pudesse
retornar ao seu arcanjo, teve que lutar contra seus instintos mais
bá sicos. Eles queriam engaiolá -la, mantê-la.
— Preferiria cortar minha pró pria garganta do que viver numa jaula, —
ela disse a ele quando falou seu desejo em voz alta. — Esticaria meus
pró prios olhos para que as agulhas entrassem direto no cérebro.
Soltaria meu corpo num espinho que obliteraria meu coraçã o. Qualquer
coisa que fosse preciso, eu faria. Nã o serei um pá ssaro engaiolado,
Alexander.
Entã o o beijou, suas unhas deixando rastros de garras em seu peito.
*
— É insanidade, — disse ele a Callie na pró xima vez que se
encontraram. — Como somos um com o outro. Nã o é normal em
nenhum sentido da palavra. — À s vezes, sentia como se Zanaya fosse a
criatura mais perigosa para ele em todo o mundo. — E ainda assim nã o
posso deixá -la ir.
p
— Isso também me preocupa, — Callie murmurou. — Essa obsessã o
que vejo em você. Vai começar uma guerra por ela, Alex?
Ele apertou a mandíbula. — Nã o. Porque fazer isso seria perdê-la. Ela
lutará por seu arcanjo.
— Eu a odiaria por fazer isso com você, — Caliane disse, — mas existe o
coraçã o leal que vocês dois compartilham. Ela é implacável e arrogante
e
muito consciente de seu pró prio poder, mas também tem um coraçã o
cheio de devoçã o. Eu a observei, sabe. Por você. Verifiquei o que ela faz
quando está longe de você. Ela luta. Ela treina. Ela cuida de seus cã es e
mima seus gatos. Apoia seus amigos e camaradas. E nunca se deita com
mais ninguém.
Alexander nã o precisava que Caliane lhe dissesse isso; ele sabia. Como
Zani poderia deitar com mais alguém quando o que queimava entre
eles era um inferno que marcava até que nenhum deles pudesse estar
com outro?
Alexander nã o estava com nenhuma outra também, sua devoçã o tã o
sombria e tã o brutal quanto a dela.
Essa devoçã o continuou a crescer até ficar muito escura, muito
exigente. O ciú me se enraizou dentro dele em sussurros lentos que se
transformaram em raiva pela distâ ncia e solidã o, uma cobra de olhos
verdes que ansiava por possuí-la, mantê-la. A parte racional dele sabia
que era a pior coisa possível que poderia exigir dela, mas nã o era mais
racional.
— Eu te amo! — Ele deu um soco em seu coraçã o, os dois sozinhos no
topo de uma montanha desolada envolta em noite. — Mais do que é
sensato eu amar! No entanto, você prefere passar muito mais tempo
com outros homens!
— Sou uma general, seu idiota! Esses homens fazem parte dos meus
esquadrõ es! Sou a ú nica com espaço para reclamar! — Os ventos da
montanha uivavam enquanto se moviam pelos picos, soprando o cabelo
solto de Zanaya atrá s de seu rosto num emaranhado de prata em tons
de roxo. — Acha que nã o vejo todos aqueles anjos e vampiros agitando
seus cílios para você e quase caindo de suas roupas sempre que você
passa?
Ele acenou para o ridículo da ideia. — Está questionando minha
palavra?
— Está questionando a minha? — ela gritou de volta.
— Zani. — Ele cerrou os dentes. — É você que eu amo.
— Seu amor vem com condiçõ es, — ela retrucou. — Você me faria um
de seus lacaios, sorrindo aos seus pés.
A raiva fez suas asas brilharem, suas mã os se fecharam. — Ninguém
sorri na minha corte! — Alexander nã o desejava estar cercado por
aqueles que diriam sim, independentemente de suas verdadeiras
opiniõ es. Dessa forma ficava uma corte fraca e sem espinhas. — Como
ousa me acusar disso!
— Eu me atrevo porque você nã o é meu arcanjo! — Ela chutou os
restos de uma á rvore calcificada com o pé calçado. — Você nunca será
meu arcanjo! Nunca vou entrar em seu territó rio! Eu faço isso e nosso
relacionamento acabou!
— Isso é uma merda! — Empurrando as duas mã os pelo cabelo, ele
caminhou até a metade do topo da montanha numa tentativa fú til de
liberar a energia raivosa dentro dele - apenas para se virar e voltar para
ficar cara a cara com ela. — Arcanjos têm amantes que vivem em seus
pró prios territó rios! Os relacionamentos continuam!
— Nã o sou essas amantes, e você nã o é esses arcanjos, — foi a réplica
á spera, suas asas se abrindo num movimento marcial antes de se
fecharem com força. — Você nã o sabe ser outra coisa senã o o
governante de tudo que pesquisa. Nã o serei governada pelo meu
amante. Agora nã o. Nunca!
— Nã o desejo governar você!
— Desejos nã o importam quando você é um arcanjo acostumado a
conseguir o que quer! — Seu rosto estava incandescente de calor, seus
pés separados, os dois tã o pró ximos que seu peito roçava no dele a cada
respiraçã o. — Você diz todas essas palavras bonitas, mas quando se
trata disso, Arcanjo Alexander, você gosta de seguir seu pró prio
caminho.
— Eu me curvei e me curvei por você! Até me afastei da guerra contra
Inj'ra porque você o chama de seu soberano!
— Você consegue ouvir a si mesmo? — Um rosnado. — Você toma todas
as decisõ es com base na política de olhos frios – e agora, tenta usar uma
dessas decisõ es contra mim. Seu amor é uma coisa que estrangula!
Quando suas asas brilharam tanto que o brilho iluminou a noite, ele
decidiu que tinha que sair, deixar essa loucura. Entã o apenas deu um
passo atrá s e decolou, subindo para a nuvem alta, onde o ar estava tã o
frio que doía, e tã o fino que até os pulmõ es de um arcanjo protestaram.
Mas embora pudesse ter conseguido conter a implosã o, a necessidade
de mantê-la em suas mã os cresceu e cresceu. Assim como sua recusa
oposta em aceitar qualquer coisa dele. Como se o menor presente
pudesse levar à servidã o e escravidã o.
Cada rejeiçã o o enfurecia e cada tentativa de sua parte de possuí-la a
enfurecia... até que chegou um momento em que estavam literalmente
lutando um contra o outro, dois guerreiros que se transformaram nas
piores partes de suas naturezas. Ela nã o podia vencer, nã o contra um
arcanjo, mas o sangrou e ele ficou furioso porque ela o fez machucá -la
quando ela nã o
parava.
— Suficiente! — Foi um rugido quando ficaram cara a cara, peitos
arfando e corpos machucados.
p
Zanaya passou as costas da mã o sobre a boca. — Nã o posso mais fazer
isso. Isso está me levando à loucura espumante.
— Nã o terá nenhum argumento de mim.
Essa foi a primeira vez que se afastaram um do outro, e era como se o
universo estivesse sendo dividido em dois, dilacerado por mã os nuas e
cruéis. Alexander se sentia frá gil por dentro, uma parte dele
irreparavelmente danificada.
A separaçã o durou uma década, e entã o um dia, a viu numa rua estreita
numa cidade construída de pedra vermelha, uma guerreira vestida com
couro preto desbotado com uma espada na bainha da espinha e a gló ria
de seus cabelos numa ú nica pragmá tica trança.
As manchas brancas na meia-noite de suas asas captaram a luz,
tremeluziram.
Enquanto ele estava congelado, ela se moveu como se tivesse sentido
seu olhar penetrante. Seus olhos se encontraram... e o tempo
desvencilhou.
Nã o houve decisã o, nã o houve necessidade de uma decisã o. O pró ximo
passo foi tã o inevitável quanto as monçõ es de verã o e as neves de
inverno –
e logo estavam abraçados numa cama com um dossel branco
transparente no segundo andar de uma casa antiga, os sons do mercado
lá fora e o mundo dentro uma névoa.
Ele a tocou com mã os que doíam de necessidade.
Ela o beijou com um brilho molhado em seus olhos.
Nã o houve palavras a princípio, apenas um desejo tã o profundo que era
uma agonia. Se comunicavam pelo toque, pela respiraçã o, pelo
deslizamento de pele contra pele, asa contra asa. Ele estremeceu ao
sentir os dedos dela acariciando os arcos de suas asas; ela estremeceu
quando ele retornou a intimidade.
Doeu, sua necessidade de tocá -la e ser tocado por ela.
Ele mapeou o corpo dela com a boca, beijo por beijo.
Ela traçou as linhas dele com a mã o, um retrato tá til.
Por fim, quando parecia que iriam se separar em inú meros cacos, se
juntaram numa ternura primitiva que fez sua garganta queimar e seus
braços apertarem ao redor dela, sua pequena e feroz Zani.
*
Foi muito mais tarde, os dois tendo passado esse tempo entrelaçados
pele com pele num esforço para aliviar a dor contínua da necessidade,
que as palavras finalmente entraram nesta sala numa cidade à beira de
um deserto.
— Vai ser diferente desta vez, — disse Zanaya, seus dedos acariciando
sua bochecha. — Seremos diferentes. Somos mais velhos. Mais sá bios.
— Sim. — Alexander esfregou a bochecha contra sua mã o. — Eu senti
sua falta, minha Zani. Juro que nã o vou cometer o mesmo erro, nã o vou
tentar te agarrar com força, te manter em minhas mã os. — Seria como
tentar segurar o vento.
— Eu tenho... Eu olhei para trá s, — Zanaya disse, seu rosto duro. — E
rejeitei as coisas com muita força e rapidez à s vezes. Prometo nã o
reagir reflexivamente, prometo realmente ouvir.
— Eu também. Você começou a rejeitar minhas ofertas quando comecei
a encurralar você. — Ele passou muitas noites reclamando de si mesmo
por sua estupidez – devia estar realmente louco para tentar enjaular
uma mulher que lhe disse que preferia morrer a viver na gaiola mais
dourada. — Acabamos num ciclo de destruiçã o.
Uma suavidade em sua expressã o com a crua honestidade de sua
confissã o. — Você me persegue em meus sonhos, amado.
Eles estavam hesitantes um com o outro desta vez, mais cuidadosos
com as palavras que diziam e as feridas que infligiam. A hesitaçã o
parecia estranha, mas o tipo de constrangimento que podia ser
suportado pela promessa de coisas melhores – e havia tanta coisa boa
entre eles. Tanta risada, tanta aventura, tanta confiança.
Foram voando pelas ravinas da cordilheira recortada e gloriosa que
agia como uma barreira natural entre o Refú gio e o mundo mortal.
Acamparam no topo de um imponente pedestal natural nas
profundezas das terras de seu arcanjo. Visitaram Osíris nos tró picos e
comeram frutas azedas que fizeram seus rostos murcharem e suas
línguas ficarem dormentes.
Ele nunca se sentiu tã o jovem quanto quando Zanaya estava ao seu
lado.
Ela fazia o mundo ganhar vida para ele da maneira mais selvagem e
bonita. Seus momentos favoritos com ela, porém, eram os raros
momentos em que ela permitia que sua guarda caísse, revelando a
doçura em seu nú cleo. Uma doçura que significava que sempre
comprava guloseimas para os moleques em qualquer mercado por
onde passassem, e que a levava a resgatar animais perdidos ou
abandonados a ponto de contratar um vampiro para cuidar de seu
zooló gico.
Aquele vampiro, é claro, estava muito destroçado por seu passado.
Outro ser ferido para Zanaya pegar e levar para casa. Colocá -lo no
comando dos animais foi um golpe de gênio da parte dela. Ele se curou
através da cura deles, e era totalmente dedicado à s criaturas e a Zanaya.
— Minha mã e nã o tinha ternura nela quando eu era criança, — ela
disse a ele uma vez, enquanto estavam deitados no escuro olhando para
as estrelas, a grama dourada ondulante do territó rio de Alexander
criando um casulo isolado ao seu redor. — Ela me ensinou que o mundo
me esmagaria se eu nã o fosse mais rá pida, mais forte, com uma concha
blindada.
Alexander fez uma careta. Rzia estava longe de ser sua pessoa favorita,
mas nã o conseguia apagar o fato de que era a mã e de Zanaya. —
g p g q y
Entende que ela estava falando com raiva? — Uma raiva que nutria e
descontava em sua filha – criando um ambiente tó xico do qual o pai de
Zanaya nunca se preocupou em removê-la.
Nã o, Alexander nunca respeitaria nenhum dos pais de Zanaya.
Zanaya demorou tanto para responder que os insetos noturnos
começaram a zumbir novamente ao redor deles, iluminados pelo brilho
da lua grávida, e achou que a conversa havia terminado. Entã o ela falou,
suas palavras sem tom. — Ao longo dos anos, conheci pessoas que a
conheceram quando era uma recém adulta. Disseram que ela era
ingênua, suave, terna.
Sentando-se, colocou os braços ao redor dos joelhos, seu cabelo uma
suave cascata prateada pelas costas. — Nã o consigo imaginá -la assim,
nã o importa o quanto tente. Só me lembro de sua frieza e de como me
ensinou que os fracos sã o esmagados, que o mundo os usa e os cospe.
Um sorriso sem humor. — Meu pai, quando o conheci já adulta, sabe
que conselho me deu? Para nã o permitir que a vida ficasse estagnada.
Parece um excelente conselho para um imortal, nã o é?
— Mas para Camio, isso se aplica à s pessoas também. Ficou entediado?
Siga em frente. Muito quebrado? Siga em frente. Muito carente?
Siga em frente. — Uma bufada afiada de som. — Os bebês sã o carentes.
Uma criança é carente. Ainda bem que ele nã o é um dos nossos irmã os
mais férteis e sou sua ú nica descendência.
Alexander sentou-se, franziu a testa. — Ele foi a primeira experiência
de amor de Rzia?
— Nã o sei. Pode surpreendê-lo saber que minha mã e e eu nã o somos
pró ximas o suficiente para discutir tais intimidades. — Palavras secas.

Mas você vê o estoque de onde venho. Aquele que usa e descarta sem
remorso. Uma que se conserva em amargura e obsessã o. Isso nã o te
assusta?
Depois do jeito que quebraram tã o selvagemente, Alexander tomou o
cuidado consciente de nunca agir de forma arrogante com Zanaya – sua
necessidade de ser livre e independente era uma tempestade. Ele nã o
podia culpá -la. Alguns anos depois de seu relacionamento inicial, ela
compartilhou que Rzia queria criá -la em total isolamento, que ela só se
estabeleceu na aldeia e permitiu que Zanaya interagisse com os
guerreiros que moravam lá por causa do medo que tinha. Caso
contrá rio, receberia ordens para retornar ao Refú gio — que era um
lugar frequentado regularmente por Camio.
Rzia tentou sufocar o espírito de Zanaya a cada passo, no entanto,
cortar suas asas. Poderia dizer a si mesma que estava fazendo isso para
o pró prio bem de Zanaya, uma maneira distorcida de protegê-la, mas
nã o era nada disso. Era a açã o de uma mulher furiosa que nã o tinha
ninguém em quem gastar sua raiva, exceto uma menina pequena e
indefesa.
Entã o, sim, Alexander entendia a necessidade de liberdade de sua Zani
acima de todas as coisas. Podia ter feito uma bagunça uma vez, nã o
compreendendo a verdadeira profundidade das cicatrizes de sua
amante, mas ninguém nunca chamou Alexander de homem estú pido.
Entã o, hoje, nã o fez exigências; em vez disso, colocou seu coraçã o aos
pés dela e disse:
— Deixe-me abraçá -la, Zani. Preciso te abraçar.
Pela primeira vez em sua vida juntos, ela nã o discutiu, apenas se
aconchegou contra o seu peito e o deixou envolver seus braços e suas
asas ao redor dela. E por um momento sob o luar, foram o melhor que
podiam ser um para o outro.
Esperança e confiança e amor. Muito amor.
CAPÍTULO 17
Dois anos depois, enquanto Zanaya deveria estar no territó rio de seu
arcanjo por um período significativo, Alexander voou para ver seu
irmã o novamente. Osíris o recebeu na porta de seu amplo laborató rio
com o cabelo despenteado e um olhar sonhador em seus olhos.
Desapareceu para ser substituído por uma clareza nítida quando
reconheceu Alexander.
— Irmã o mais novo! — Ele abraçou Alexander com o calor alegre de um
homem para quem Alexander nunca seria nada além de seu irmã o mais
novo, nã o importa quã o velho ou poderoso se tornasse.
Sorrindo porque era exatamente assim que deveria ser, Alexander o
abraçou de volta. O corpo de Osíris estava mais magro que o ideal, mas
pela força de seu abraço, nã o estava esquecendo de comer a ponto de se
tornar perigoso.
— Nã o está um pouco escuro lá para experimentos? — ele disse
quando se separaram. — Por que cobriu todas as janelas?
Osíris sorriu. — Venha e veja.
Alexander respirou fundo depois que seu irmã o fechou a porta. Todo o
espaço brilhava com pontos de luz. — Osíris, o que é isso? — Era
glorioso, fosse o que fosse.

Um
organismo
oceâ nico
que
descobri
recentemente.
Surpreendente, nã o é? — Ele abriu a porta novamente. — Mas você está
certo. Estive no escuro por muito tempo. Vamos nadar e respirar ar
fresco em nossos pulmõ es e pode me dizer o que tem feito nos ú ltimos
anos.
Alexander nã o estava pronto para deixar a maravilha do laborató rio de
Osíris, mas nã o gostou da palidez no rosto de seu irmã o – Osíris
realmente devia ter ficado trancado lá por dias. — Vou ter que ver essa
maravilha novamente antes de partir.
— Quando quiser. — Osíris sorriu. — Devo admitir um orgulho vaidoso
em meu sucesso em replicar o organismo – fazendo com que eles se
reproduzam, por assim dizer.
Com a noite prestes a cair, o ar estava morno, em vez de
desconfortavelmente quente, e as areias negras esfriaram a uma
temperatura suportável. Alexander tirou as sandá lias e a tú nica quando
desembarcou, usava apenas uma saia curta de couro que protegia sua
modéstia. Nã o que tivesse muito disso; a maioria dos guerreiros nã o
tinha.
Mas era o jeito aceito das coisas nesta época da vida.
Osíris usava uma de suas tú nicas sem mangas até a coxa, mas também
tirou as sandá lias para poder andar descalço na areia. Foi prazer
suficiente para que nenhum deles mencionasse voar para seu pequeno
penhasco favorito à beira-mar – de onde sempre adoraram mergulhar
no azul tropical.
Alexander inspirou o ar quente e disse: — Quando começou a se
interessar por organismos vivos? Acreditava que seu principal interesse
estava em reaçõ es químicas?
— Sempre gostei de animais, — disse Osíris, assim que um pá ssaro
descarado com penas vermelhas e verdes guinchou no alto. — Até
mesmo aquele rabugento mal-humorado. — Rindo quando o pá ssaro
guinchou novamente, ele disse: — Acho que está na hora. Estou vivo há
muito mais tempo do que você. Alterar o foco dos meus estudos
mantém minha mente interessada e energizada.
Alexander assentiu, pois também gostava de desafios. — Você continua
sem amantes? — Ele normalmente nã o faria essa pergunta, mas estava
começando a se preocupar com o isolamento de Osíris; hoje em dia, seu
irmã o empregava uma equipe mínima e nã o interagia muito mesmo
com eles.
Alexander sabia disso porque tinha um espiã o amoroso entre os
funcioná rios - a governanta vampira de Osíris estava com ele há tanto
tempo que Alexander a considerava sua família. Ela sentia o mesmo por
ele e Osíris, e por isso nã o teve escrú pulos em relatar suas
preocupaçõ es sobre a falta de interaçã o de Osíris com os outros para
ele.
— Acho que estou além de tudo isso, — disse Osíris naquele momento.
— Sem interesse nenhum.
Alexander nã o deu uma resposta automá tica, em vez disso pensou no
assunto; estava ciente de imortais que de fato nã o tinham interesse no
lado carnal da vida. Cresceu com um companheiro de batalha que
nunca teve nenhuma inclinaçã o dessa forma – e nã o tinha até hoje.
Ao contrá rio daquele anjo, Osíris obviamente nem sempre foi assim,
mas era mais velho, já viveu uma vida cheia de concubinas e
carnalidade; podia muito bem ser que tenha se empanturrado e agora
estava acabado.
Justo o suficiente, mas isso nã o acalmava a mente de Alexander quando
se tratava de sua reclusã o geral. — Nã o se sente solitá rio passando
tanto
tempo sozinho?
Um tapa no ombro de Alexander. — Nunca! Minha mente adora o
silêncio, e crio meus melhores avanços nesse espaço sem outras vozes.

Com seu sorriso malicioso e afetuoso, ele disse: — Sei que Lemei
reclama com você, mas ela nã o precisa se preocupar. Só que estou me
tornando...
um ser mais centrado, um conteú do em mim mesmo.
Como Osíris parecia feliz e equilibrado, exceto por sua pele pá lida e
corpo magro, Alexander deixou por isso mesmo, e os dias que passaram
juntos passaram em risadas e na conversa fá cil de irmã os.
— Você veio em boa hora, — disse Osíris enquanto nadavam nas á guas
frias de uma piscina de rio um dia, a selva um verde tropical vibrante ao
redor deles e o pá ssaro guinchando repreendendo-os da costa. —
Estava tentando consertar um problema batendo minha cabeça contra
ele repetidamente e isso nunca funciona. Hoje, vejo uma soluçã o e nã o
estava pensando no problema.
— Eu visitaria com mais frequência, irmã o, mas o Cadre está em fluxo.
— Faltavam dois arcanjos, o mundo nã o estava numa posiçã o onde
pudesse desaparecer por longos períodos.
— Nã o se preocupe com isso, Alexander. A verdade é que eu seria um
péssimo anfitriã o se você voasse até mim com mais frequência —
preciso de muito tempo sozinho para trabalhar em minha pesquisa. —
Ele empurrou mechas molhadas de cabelo dos olhos do mesmo tom dos
de Alexander. —
Isso é outra coisa que preciso resolver.
Alexander ergueu ambas as sobrancelhas numa pergunta silenciosa.
— Minha á rea de trabalho, — disse Osíris, mudando da língua local que
estavam usando para a língua que foi a primeira. — Embora fosse
perfeitamente aceitável em termos da minha á rea de especializaçã o
anterior, trabalhar com organismos vivos requer um clima mais frio. —
Ele esfregou o queixo. — Eu, no entanto, nã o desejo deixar minha ilha.
— Se precisar de ajuda para localizar um lugar mais frio, — disse
Alexander, — vá rias á reas em meu territó rio nunca derretem –
principalmente nas montanhas.
— Obrigado, irmã ozinho. Posso muito bem aceitar essa oferta. —
Osíris olhou para o verde abundante ao seu redor. — Hesito apenas
porque há tanta vida aqui, tanta inspiraçã o. Nã o tenho certeza se estou
pronto para deixá -lo. Pelo menos posso adiar a decisã o por mais algum
tempo - por
enquanto, meus experimentos sã o estáveis o suficiente no espaço de
trabalho que construí. Camadas e mais camadas de terra formando as
paredes mantêm o interior fresco.
— Sim, eu notei.
— É uma técnica que alguns de nossa espécie consideram arcaica, mas
funciona muito melhor do que muitas inovaçõ es mais recentes. —
Osíris acenou com a mã o apó s suas palavras. — Mas chega disso.
Percebi que nã o mencionou Zanaya. Vocês dois se separaram de novo?
— Nã o. Estamos juntos. — Ele esfregou a mã o em punho sobre o
coraçã o. — Ela é a estrela mais brilhante do céu para mim.
Osíris ficou quieto por um momento. — Ela é sua fraqueza, nã o é,
irmã o?
Alexander nunca pensou nisso dessa maneira. — Zanaya nã o é nem um
pouco fraca. Mas se fala do ponto de vista de outros no Cadre, suponho
que esteja certo.
— Sim, foi isso que eu quis dizer. — Osíris baixou as sobrancelhas. —
Ela ainda se recusa a se juntar à sua corte para que você possa protegê-
la?
— Isso nos destruiria. Ela nunca pode ser minha subordinada.
— Acho que vejo isso. — Osíris suspirou. — Sei que nossos pais me
acharam perdido em meu mundo de alquimia e experimentos, mas eu
me preocupo com você também. A ú ltima vez que vocês se separaram,
você ficou... diferente de você. Mais irritado.
— Somos pessoas diferentes agora, — garantiu Alexander ao irmã o.
— Nossa relaçã o cresceu e amadureceu.
— Espero que sim, para seu bem, — Osíris disse antes de mergulhar
nas profundezas verde-escuras da piscina.
Alexander nã o deu importâ ncia à conversa deles até depois do inverno
seguinte, quando foi ver Zanaya e a encontrou rindo com um colega
general que tinha muito mais do que admiraçã o em seu olhar.
Claro que sim. Como nã o poderia quando Zanaya era uma estrela vívida
e atraente?
Seu ciú me no que dizia respeito a ela, sua necessidade de que a devoçã o
dela espelhasse a dele, veio à vida violenta dentro dele, uma coisa tã o
cruel que quase sinalizou o fim para aquele general. Enquanto o general
sobreviveu devido a Zanaya literalmente ficar no caminho de Alexander,
a fú ria de Zanaya era uma faca vindo em Alexander.
— Ou você confia em mim ou nã o, — disse ela na sequência. —
Decida!
— Nã o é em você que nã o confio.
— Consegue ouvir a si mesmo? Esse é o lugar-comum de um ser que
nã o consegue controlar suas pró prias emoçõ es. — Seus olhos
brilharam.
Alexander cerrou os punhos e abriu as mã os. — Entendo e aceito que
nã o pode viver sob meu governo. — Era difícil, tã o fodidamente difícil,
manter a voz calma, mas se recusava a permitir que isso se
transformasse em palavras duras sem razã o ou sentido. — Mas por que
nã o assume uma posiçã o num territó rio vizinho ao meu em vez de um
tã o distante?
— Porque sou minha pró pria pessoa, com meus pró prios sonhos e
meus pró prios planos. — Ela enfiou um polegar em seu peito. — Você
nã o é o sol em torno do qual eu giro!
Ele sentiu como se ela o tivesse esfaqueado. — Você é meu sol, — ele
disse calmamente.
— Amado, você é um arcanjo que só me visita quando a política
permite que deixe seu territó rio. — Ela ergueu a mã o, palma para fora,
quando ele teria falado. — Nã o estou te culpando por isso. É o que é.
Tudo que estou dizendo é que se eu fizer de você meu sol, o equilíbrio
entre nó s se rompe. Pois nunca serei seu sol, independentemente do
que você possa acreditar.
Aquele dia, aquela discussã o, machucou e golpeou os dois, e foi o
começo de uma podridã o. Nã o nascida da raiva desta vez, mas por uma
espécie de decepçã o que os fez se afastar do relacionamento enquanto
cada um cuidava de suas pró prias feridas emocionais, certos de que seu
amor nunca poderia ser correspondido da maneira que precisavam.
A pró pria devoçã o deles tornou-se um veneno em sua demanda voraz.
Pedia que caíssem um no outro — e apenas um no outro, excluindo o
resto do mundo, todas as suas responsabilidades, todas as suas
amizades, qualquer outra coisa que pudesse roubar o ar do inferno que
os escaldava.
Era uma loucura que nunca poderia ser satisfeita, uma devoçã o tã o
impiedosa que poderia levar ao assassinato e à guerra.
Ela se recusava a permitir que qualquer um deles respirasse.
E ao fazê-lo, conseguiu sufocar a vida do amor que os ligava um ao
outro, até que um dia... eles simplesmente nã o estavam mais juntos.
Doeu mais do que no primeiro rompimento, porque o amor deles era
mais
profundo desta vez, a compreensã o um do outro muito mais profunda.
Alexander nã o se enfureceu, apenas se jogou em seu trabalho como
arcanjo. E, depois de um século de silêncio entre eles, tomou uma
amante.
Ninguém que jamais seria para ele o que Zanaya foi, mas escolhas
seguras, mulheres que nã o pediam nada dele além do que estava
disposto a dar, mulheres que nunca o fariam questionar uma ú nica
decisã o, muito menos ameaçar empurrá -lo para o abismo. Sabia que
Zanaya deveria ter seguido em frente também, mas como uma vez ouvia
notícias dela, agora bloqueou todo o conhecimento da Primeira General
Zanaya.
Também começou a aceitar que eram muito inflamáveis juntos,
machucavam muito um ao outro. Amor tã o profundamente ferido,
machucado e destruído. A perda dela o deixou de joelhos, o deixou
vazio por décadas.
Muito melhor ficar com as escolhas seguras.
Entã o, uma noite, o mundo inteiro ficou escuro num rugido de silêncio
sedoso tã o opulento quanto a pele de uma pantera e ele soube. —
Zanaya ascendeu, — disse ele a Avelina enquanto olhava para aquele
céu luminoso, enquanto uma melodia além da capacidade de qualquer
q p q q
mú sico de imitar preenchia o ar... junto com aromas tã o exuberantes
quanto a noite de Zanaya. — Meu amor ascendeu.
Porque nã o importava o que acontecesse, isso sempre seria verdade:
ela era seu amor e sempre seria seu amor. Esse nunca foi o problema
entre eles. E agora, ela era sua igual em poder.
A esperança que acreditava morta há muito tempo abriu suas asas
dentro dele, o jovem que uma vez esteve vivo no coraçã o cheio de
cicatrizes do arcanjo.
*
Do outro lado do mundo, as costas de Zanaya saíram do arco vicioso em
que se curvaram no ar, suas asas de volta sob seu controle. O poder que
saiu de sua boca e olhos para encharcar o céu de meia-noite se desligou,
mas a tempestade de vento que a mantinha no ar nã o.
Isso a embalou, poder brutal e velocidade que a empolgava.
Rindo da beleza primitiva disso, dançou nas tempestades antes de
sugá -las em si mesma. Foi a dor que a enviou em espiral para pousar
com força no chã o – e foi o êxtase que fez seu cabelo cair para trá s
enquanto aromas sensuais e selvagens se entrelaçavam em sua pele,
através de suas veias.
Sua forma externa podia nã o ter mudado, mas estava muito maior do
que nunca, podia tocar todos os pontos do universo.
E sabia o que era agora, o que se tornou.
Um arcanjo. Um do Cadre dos Dez.
Um ser impossível de matar por qualquer um, exceto por um
companheiro arcanjo.
CAPÍTULO 18
Alexander planejava ir para Zanaya, cortejá -la até que fosse dele, desta
vez para sempre, mas ela veio a ele poucos dias depois de sua ascensã o,
apenas voou para seus braços. O beijo deles foi um feliz retorno ao lar,
lá grimas escorrendo pelos dois rostos. Ele estava tã o sobrecarregado
que levou um momento para notar os lampejos de luz prateada em sua
íris que deviam ter vindo com a ascensã o.
Estrelas ligadas à Terra. Como se ela realmente fosse um pedaço do céu
noturno.
— Zani, minha Zani. — Ele pressionou a testa na dela. — Arcanjo
Zanaya.
Ninguém previu isso, pois enquanto Zanaya era um poder, vá rios
outros anjos de sua idade também eram. No entanto, fazia todo o
sentido para ele que fosse ela. Zanaya sempre ardeu tã o brilhante
quanto uma estrela, magnética e impossível de ignorar. Agora, aquela
estrela controlava um territó rio, e eram iguais em todos os níveis –
incluindo poder bruto.
Também eram arcanjos que nã o podiam ficar no mesmo espaço por
longos períodos de tempo sem provocar violência um no outro, mas
faziam isso funcionar. À s vezes ficava irregular, e lutavam, mas eram
uma unidade durante cem dos melhores anos de sua vida... até que a
guerra estourou entre o Cadre e se viram em lados opostos da questã o,
nenhum dos dois dispostos a recuar.
Alexander estava convencido de sua escolha.
Zanaya estava convencida de sua escolha.
Ele viu em sua recusa em sequer considerar seu ponto de vista a
teimosia impulsiva de uma jovem arcanjo. Ela viu em sua rejeiçã o de
sua postura uma condescendência enfurecedora.
Nã o havia meio termo.
Mas Alexander se recusou a atacar contra ela e ela nã o iria atacar
contra ele. Entretanto também nã o apoiaram um ao outro. O rescaldo
foi tã o amargo quanto a fruta na ilha de Osíris que nem os animais
comiam, ambos zangados um com o outro por sua escolha e incapazes
de perdoar.
— É prejudicial para o que os mortais chamam de alma, — Caliane
disse a ele apó s o fim da guerra. — O que você e Zanaya fazem um ao
outro.
Talvez, meu amigo, essa histó ria de amor nã o tenha um final feliz.
Suas palavras tocaram uma ferida, pois Alexander começava a perceber
a mesma terrível verdade. Zanaya era para ele o que ninguém jamais foi
ou jamais seria - um pedaço literal de seu coraçã o - mas eles eram
semelhantes a dois elementos opostos que, juntos, poderiam criar
grande beleza... ou grande carnificina.
*
Apesar de sua aceitaçã o de que ele e Zanaya simplesmente nã o
deveriam ser, duas pessoas cujo amor nã o era suficiente para superar
as diferenças entre eles, Alexander caiu em sua ó rbita mais de uma vez
nas eras que se seguiram - enquanto ela caia na dele. Com o tempo,
superaram
a cobiça e o ciú me, sem dú vida de que seus coraçõ es pertenciam apenas
um ao outro. Era uma verdade evidente e inatacável que ninguém
jamais poderia realmente ficar entre eles.
Sua confiança mú tua era profunda, sua lealdade mú tua inquestionável
até mesmo por seus piores inimigos. Todos sabiam que Alexander
nunca faria guerra contra Zanaya, como ela nunca faria guerra contra
ele. Nã o havia sentido em tentar promover tal coisa, pois essa linha
Alexander e sua Zani nunca cruzariam, nem mesmo na boca mais
escura da raiva. Mas o resto... as lutas de poder, de duas forças opostas
imó veis com suas pró prias cicatrizes... isso, eles nã o podiam navegar.
— Nó s temos que parar de fazer isso, amado, — ela disse um dia
quando era um arcanjo há muito tempo, suas asas roçando contra ele
enquanto estava deitado nos lençó is caídos de sua cama enquanto ela
se sentava de lado com os pés no chã o. A pequena gatinha que ele deu a
ela dormia tranquila em sua cesta de pelú cia contra a parede oposta.
— Eu sei.
Entã o fizeram isso de novo e de novo e de novo, trancados num ciclo de
dor e amor até um dia brutal, quando Zanaya levantou as mã os. — Vim
aqui para fazer amor com você porque pretendo dormir. E você faz isso!
O sangue de Alexander gelou. — Dormir? — Agarrando os ombros dela,
ele disse: — Do que está falando?
— Estou cansada, Alexander. — Empurrando-o para longe, caminhou
até o outro lado da sala para olhar pela janela as areias ondulantes de
seu territó rio. — Nó s lidamos com mais guerras nos ú ltimos dez mil
anos do que em muitas eras anteriores.
Um giro em seus calcanhares, um olhar de volta para ele. — Você
também está cansado, embora seja muito teimoso para admitir isso.
— Arcanjos nã o se cansam.
Ela bufou. — Continue dizendo isso a si mesmo e vai acabar um arcanjo
louco como Sha-yi. — Um golpe infalível. — Prometi a mim mesma que
nunca permitiria que você fosse tã o longe, mas eu era uma tola
esperançosa. Nã o sabia como a atraçã o do poder iria prendê-lo ao
mundo -
a ponto de ignorar a ameaça muito real que paira sobre todas as nossas
cabeças!
— Estou no controle total de minhas faculdades!
— Você é velho! Eu também sou! — Passando as mã os pelo cabelo, ela
disse: — Seus compatriotas, incluindo Caliane, todos dormiram por
longos períodos. Você é o ú nico que se recusa! Nã o faça isso, Alexander!
g p q ç
Nã o seja o que Esphares quase se tornou! Nã o permita que sua fome de
poder o destrua! Lembre-se das palavras que me contou que disse a ele.
Deseja diminuir a cintilaçã o por pequena cintilaçã o?
Alexander empurrou de lado essa preocupaçã o irrelevante. — Quando
vai dormir? Onde? — Nã o podia suportar saber que ela planejava ir tã o
longe dele, para um lugar que nem mesmo um arcanjo poderia alcançar.
— Nã o, amado, farei isso em privacidade.
Ele congelou. — Nã o confia em mim para cuidar de você? —
Machucou-o profundamente que ela acreditasse que usaria sua
vulnerabilidade para machucá -la.
— Ah, Alexander. — Um suspiro, sua garganta se movendo. — Nã o é
que nã o confie em você. É que confio demais em você. — Atravessando,
pegou sua mã o, levantou-a para dar um beijo em sua palma.
Olhos salpicados de estrelas se encontraram com os dele. — Nó s somos
a obsessã o um do outro, meu amado. Se você souber onde durmo,
nunca vai dormir pela necessidade de cuidar de mim. — Um aceno de
cabeça. — Nã o vou fazer isso com você. Podemos ser o pior um para o
outro, mas isso nã o farei com você. Pois te amei mais do que amei
qualquer outra pessoa em toda minha existência.
— Nã o! — Ele estendeu a mã o para ela, com a intençã o de beijá -la, amá -
la até que nã o pudesse deixá -lo.
A espada que ela usava como se fosse sua joia favorita estava de
repente entre eles, a ponta pressionada contra o seu coraçã o. — Nã o,
nã o desta vez. — Um tom duro quebradiço nas bordas. — Estou nos
quebrando antes de quebrarmos um ao outro de maneiras que nã o
podem ser desfeitas. Vou dormir e quando acordar, estarei sã quando se
trata de você -
em vez dessa criatura meio louca que me tornei.
O calor corou sua pele, seus ombros com nó s. — Nosso amor nã o é uma
loucura! As coisas que fizemos juntos, Zani. As aventuras que tivemos,
as descobertas que fizemos!
— Os golpes que demos, as fraturas que criamos um no outro, as raivas
que incitamos. — Ela empurrou a ponta da lâ mina em mais um aviso
quando ele teria se movido para a frente. — Nó s nos machucamos,
Alexander. Fizemos isso uma e outra vez. Nenhum de nó s é inocente.
Ela continuou quando ele teria falado. — Olhe como você está com raiva
e fora de controle agora. Este nã o é o calmo e estável Arcanjo Alexander
que seu povo conhece e reverencia. Como sua Zani nã o é a bem-
humorada e equilibrada Arcanjo Zanaya que seu povo segue. Nã o gosto
de quem me torno com você quando caímos num de nossos períodos
sombrios.
Suas palavras o surpreenderam, ainda mais por serem pura verdade.
— Vamos encontrar nosso caminho, — disse ele. — Nã o vá dormir,
Zani.
Sentiria sua falta por toda a eternidade.
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Seus olhos brilharam por um segundo antes dela sacudir a cabeça com
força. — Sentirei sua falta até em meus sonhos, amado, mas já
repetimos muitas vezes que nã o sou a mulher certa para você. E me
recuso a ficar acordada e assistir você escurecer na loucura de um
arcanjo que nã o dorme por medo de perder o controle do poder. Me
esqueça.
Ele nã o correu atrá s dela quando ela saiu, furioso e com o coraçã o
partido em medidas iguais. E apesar de sua determinaçã o, ela deve ter
recuado de sua decisã o, porque nã o entrou no sono naquele momento.
Ainda zangado com ela por assustá -lo, por mostrar a ele quanto poder
emocional podia exercer sobre ele, ele manteve distâ ncia... e uma
década depois, mesmo sendo um imortal, nã o havia mais tempo.
Zanaya foi dormir num lugar de sua escolha do qual ele nã o tinha
conhecimento.
— Você partiu meu coraçã o, Zani, — disse ele para uma noite
pontilhada de luz das estrelas, mas nem de longe tã o bonita quanto a
escuridã o que anunciou sua ascensã o. — Nunca vou te perdoar por me
deixar.
Era mentira, claro. Se ela tivesse acordado entã o, teria lutado com ela,
entã o a beijado. Porque Zanaya era tã o parte dele quanto seu pró prio
coraçã o pulsante. Mas ela nã o acordou. Nã o naquele século. Nã o
naquele milênio. E nã o nos milênios que se seguiram.
Sua Zani dormiu era apó s era apó s era.
Cascata
CAPÍTULO 19
Zanaya sabia que havia algo errado com este despertar. O despertar de
um arcanjo deveria ser auto-mandado, mas isso parecia fora de si
mesma. Como se uma mã o enorme descesse pela terra e a arrancasse
de seu merecido descanso.
Ela nã o tomou a decisã o de dormir com pressa, pretendia ficar nesse
estado suspenso por milênios e milênios. Mas agora aqui estava ela,
sendo acordada por alguém que claramente nã o sabia que ela era uma
fera terrível pela manhã .
Talvez fosse Alexander. Impaciente com ela como costumava ser.
Outro puxã o violento, aquela mã o invisível viciosamente poderosa.
Mais poderosa que qualquer arcanjo.
Nã o Alexander entã o.
Nã o querendo desperdiçar energia quando nã o sabia nada do inimigo,
permitiu que o poder desconhecido a tirasse de seu descanso. As areias
do que uma vez foram o territó rio de seu amado se separaram ao redor
dela como á gua dourada enquanto ela se levantava do lugar secreto que
fez abaixo. Um lugar que apenas um arcanjo poderia fazer, e apenas um
arcanjo poderia sobreviver.
Seu poder se estendeu quando acordou, e sabia que o mundo agora era
uma noite sem lua. Foi assim quando ela ascendeu, uma exuberante
noite de ébano cheia de mil aromas que hipnotizavam e assombravam.
Dizia-se que mortais e imortais foram para a eternidade procurando
mais uma vez sentir o cheiro da misteriosa beleza de sua ascensã o.
O tecido fino e curto com o qual ela dormira, os tons da luz das estrelas
e do brilho, a abraçaram com graça delicada enquanto se levantava.
O tecido era tã o macio quanto a pele de um bebê e tã o fino. Cobria seus
seios e seu torso, e só caía até a parte superior das coxas, mas para que
um arcanjo Adormecido iria querer algo mais? Ela preferiu descansar
em beleza e suavidade, mas com Firelight, é claro.
Sua amada espada estava ao seu lado em seu descanso, mas ela a jogou
pela bainha ao longo de sua coluna enquanto se levantava. Seu vestido
podia ser nada além de luar e estrelas, mas por baixo havia uma
maciez de couro, uma bainha e arreios.
Sua primeira respiraçã o no ar do deserto foi mais fria do que o
esperado, a paisagem ao redor dela branca e brilhante, em vez das
areias douradas pelas quais ela ascendeu.
Sua testa franziu.
Uma agitaçã o no ar, um sussurro de uma batida de asa familiar.
Seu coraçã o suspirou... e nã o se surpreendeu quando ele pousou na
frente dela, um arcanjo de uma beleza tã o clá ssica que os mortais
queriam adorá -lo como um deus. Cabelo de ouro e pele beijada pelo sol,
seus olhos de uma prata surpreendente e suas asas iguais, Alexander
era o homem mais bonito que ela já conheceu.
Também era duro como pedra, um guerreiro afiado que derrubava
qualquer tentativa de adorá -lo. — Nã o sou nenhum deus, Zani, — ele
disse.
— Se tais seres exaltados existem, sã o muito mais evoluídos do que eu.
Arrogante o general pode ter sido, mas também era terreno e honesto.
— Xander, — ela disse, sua voz preguiçosa por causa do Sono e seu
idioma o que falavam com mais frequência antes de seu descanso. —
Nos encontramos novamente. — Parecia inevitável que ele estivesse
aqui quando ela acordasse; suas linhas de vida estavam entrelaçadas
por uma eternidade, nã o é?
— Esse é o nome do meu neto agora.
Deleite em sua respiraçã o, seus olhos se arregalando com a ideia de tal
coisa. — Você está brincando? Você é avô ? — Era impossível fazer
qualquer coisa além de sorrir com o pensamento. — Dormi muito.
— Isto é uma questã o de opiniã o. — Um resmungo.
O riso borbulhou fora dela, seu mau humor uma coisa familiar. — Oh,
Alexander, nã o diga que nã o está feliz em me ver. — Era tanta tentaçã o
brincar com ele, bater naquela cabeça dura. — Estou arrasada.
Sentindo-se rígida e precisando de movimento, estendeu os braços para
o céu quando o sol começou a emergir por trá s da noite sem fim de
Zanaya. Seus dedos dos pés descalços cavaram na neve, suas asas se
estendendo até sua largura má xima antes que as fechasse e virasse os
olhos para o chã o. — Nã o nevava neste deserto quando fui dormir. —
Agachando-se, pegou um punhado do branco frio. — Meu Nilo ainda
flui, ou é gelo?
— Começou a congelar, — foi a resposta mais inesperada. — Estamos
em uma Cascata. Você é a ú nica Antiga que conheço que acordou tã o
subitamente, mas há sinais de que Aegaeon também está se mexendo.
Caliane acordou antes de mim.
Sorriso apagado, toda brincadeira apagada, Zanaya ergueu-se em toda
sua altura. Uma vez, vidas atrá s, ela foi uma garota que criticava sua
baixa estatura, mas deixou aquela criança para trá s, estava em casa em
sua pele, em suas curvas. Curvas que este mesmo homem acariciou com
uma mã o possessiva tantas vezes que seu toque estava embutido em
sua carne.
Mas esses eram prazeres nã o para uma Cascata, aqueles pontos
imprevisíveis no tempo em que os poderes arcangélicos se tornavam
cruéis em sua força - e a loucura estava a apenas um batimento cardíaco
de distâ ncia. A pressã o de uma Cascata era um torno intenso que
fomentou muitas guerras. — Eu vou dormir, — ela disse de uma vez,
pois muitos arcanjos acordados seria igual a uma catá strofe. Pelo
menos isso explicava o que a arrancou de seu Sono. Uma Cascata nã o
respeitava ninguém, muito menos o Cadre.
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Inj'ra uma vez disse a ela que “arcanjos sã o brinquedos para a Cascata”.
Era a opiniã o de seu entã o senhor que a Cascata era um evento natural
que ocorria para “humilhar” as criaturas mais arrogantes do mundo: os
arcanjos.
Zanaya nã o tinha certeza se nã o acreditava em Inj'ra.
Mas Alexander deu um leve aceno de cabeça. — Nã o acho que a Cascata
vai deixar você dormir. — Cruzando os braços num repú dio silencioso a
ela, Alexander disse: — Vou convocar uma reuniã o do Cadre sobre você,
mas primeiro tenho que resgatar uma vila enterrada sob gelo e neve.
Ela nã o podia evitar; nunca conseguia quando ele ficava tã o rígido e
formal. — Por que tã o mal-humorado, amado?
Fogo prateado em seu olhar. — Sou um Antigo. Trate-me como tal ou...
— Ou o que? — Ela piscou para ele porque sabia muito bem que ele nã o
suportava que lhe piscassem, mas mesmo assim, seu coraçã o suspirou
ao vê-lo saudável e inteiro. Nunca iria querer estar acordada num
mundo onde Alexander nã o existisse, mesmo que fosse apenas no Sono.
— Entã o, me diga o que tem feito desde que decidi que causei caos
suficiente para
dez vidas imortais.
Seu olhar a avisou que nã o a havia perdoado por dormir enquanto eles
ainda estavam zangados um com o outro. Ah, era assim que ele
pensaria, ela tinha certeza. Esquecendo todas as muitas, muitas vezes
em que ela falou com ele sobre sua necessidade de dormir – e dele. Nã o
que ele alguma vez concordasse com ela. Nã o Alexander.
Agora, ele retrucou: — Tenho trabalho a fazer — e decolou.
Rindo porque conhecia esse homem, nã o importa se estivessem
separados por milênios, se levantou com ele, suas asas brilhando em
voo.
Ela estava prestes a perguntar mais sobre essa Cascata quando o
mundo ficou preto, plano, duro e frio. Tã o, tã o frio. Semelhante ao
interior de uma cripta humana. Com ele veio um silêncio que parecia
uma pressã o nos pulmõ es, uma força esmagadora que quebraria a
coluna e quebraria o crâ nio. Entã o... os gritos. Estridentes, feios, os sons
mais horríveis que já ouviu.
— O que é essa cacofonia! — Luz do fogo na mã o, procurou por um
inimigo, mas nã o encontrou nenhum. — Nenhum arcanjo que conheço
acorda com tanta escuridã o!
— Você nã o a conhece. — O tom de Alexander era sombrio quando veio
pairar ao seu lado , sua asa apenas roçando a dela. — O nome dela é
Lijuan.
Foi assim que Zanaya conheceu a Arcanjo da China, esse ser que podia
fazer os mortos andarem – e que acreditava que os cadáveres
arrastados que produzia eram iguais à “vida”. Alexander disse a ela que
Lijuan chamava suas criaturas de “renascidas”, mas parecia a Zanaya
que elas nã o eram nada além de mortos fétidos e espoliados, vazios e
irracionais.
— Esta Cascata, — disse ela a Alexander algum tempo depois, depois de
absorver tudo que podia do mundo atual, — nã o é como as outras.
Ambos viveram outras Cascatas, muitas pequenas, vá rias grandes.
Nenhuma ameaçou quebrar o mundo, deixá -lo uma ruína.
— Nã o, — Alexander concordou, seu rosto cansado de uma forma que
ela nunca viu antes. — Lijuan trata a todos nó s com desprezo, acredita-
se uma deusa acima até mesmo de seus ex-irmã os do Cadre.
De pé lado a lado com Alexander na varanda de sua fortaleza, Zanaya
olhou para a neve que ainda cobria suas terras. Os dois ajudaram a
limpar vá rias regiõ es do esmagamento de gelo, mas sabia, sem
perguntar, que tais
açõ es eram apenas uma soluçã o temporá ria. — Como vamos detê-la? —
Esse era o verdadeiro teste, a verdadeira pergunta.
— O Cadre deve se encontrar em breve. — Alexander esfregou a mã o no
rosto, depois colocou as mã os nos quadris novamente, os olhos fixos
nas terras além. — Muitos de nó s estã o acordados, Zani.
Ela podia ter provocado por descongelar o suficiente para voltar a usar
seu antigo nome carinhoso para ela. Mas aquela Zanaya era uma
criatura de tempos de paz. Agora era a hora de seu avatar guerreiro. —
Devemos ser necessá rios, — ela meditou, deixando de lado o choque
que ainda reverberava através dela em seu comentá rio anterior de que
Caliane acordou antes dele.
Se ele acordou, isso significava que dormiu em algum momento.
Zanaya queria perguntar o que ou quem o convenceu a dar esse passo.
Porque Zanaya nã o foi suficiente – e sim, aquela ferida latejava até hoje.
A dor da mulher, porém, podia esperar. Hoje, era a arcanjo que
precisava reinar suprema. — Talvez seja a ú nica maneira de derrotar
esta Lijuan. — E embora tivesse esquecido o medo há muito tempo,
esse era um pensamento aterrorizante. Como um arcanjo podia ser tã o
poderoso que a Cascata acordaria tantos Adormecidos para ficarem
contra ela?
Havia mais surpresas por vir, incluindo uma reuniã o do Cadre além de
sua experiência. Esperava que voassem para um ponto de encontro
central, ou presumia que usariam um poder mental que era apenas do
Cadre -
embora Zanaya recusasse o ú ltimo, o preço que exigia muito alto. Usar a
habilidade arcangélica era perder sua empatia por pelo menos meio
dia, tornarem-se monstros frios e sem coraçã o.
Zanaya usou exatamente uma vez. Nunca mais. Nã o se permitiria entrar
no Silêncio, tornar-se a mesma criatura que sua mã e tentou criá -la para
ser.
Se isso significava voar uma distâ ncia significativa, que assim fosse.
Alexander sabia de tudo isso e nunca a empurrou para usar seu poder.
p p p
Entã o nã o ficou surpresa quando ele nã o falou sobre isso. Ela ficou
surpresa quando a levou para uma grande sala interna com pinturas
pretas nas paredes.
— Se este é um novo estilo de arte, amado, — ela murmurou, curvando
o lá bio, — nã o tenho fé no estado atual da civilizaçã o.
Uma risada antes que pudesse lembrar que ele deveria estar com raiva
dela. — É um sistema de comunicaçã o, — explicou. — Nã o posso te
dizer como isso funciona. Deixo esse conhecimento para os jovens.
Tudo o que sei é que é ú til.
Intrigada, Zanaya saiu para o que Alexander chamava de “sala de
controle” e viu um vampiro chamado Richmond apertar botõ es e tocar
o que disse a ela que eram chamados de “telas”. Sua voz era nítida e
limpa e mantinha o ritmo preciso de uma linguagem desconhecida para
ela - mas a linguagem que ele usava quando falava com ela era a velha
língua angelical, que - por lei angelical - tinha que permanecer
inalterada em certos aspectos-chave.
Novo vocabulá rio poderia ser introduzido para incluir coisas novas no
mundo, mas o antigo tinha que ficar e a estrutura subjacente da pró pria
língua tinha que permanecer a mesma de quando foi falada pela
primeira vez. Um evento que ocorreu há tanto tempo que ninguém na
vida de Zanaya tinha conhecimento disso. Qualquer evoluçã o natural
era esmagada com força ou empurrada na direçã o da ramificaçã o da
língua angelical usada na vida cotidiana.
Essa ú nica língua, por mais desajeitada que pudesse parecer para
qualquer nova geraçã o que tinha que estudá -la na infâ ncia, teve que
permanecer constante ao longo de eras.
Nada mais funcionaria num mundo de imortais que dormiam.
Todos os membros do círculo mais íntimo de um arcanjo eram
ensinados, entã o ela nã o ficou surpresa quando Richmond provou ser
fluente.
— Está tudo pronto, senhor, — ele disse finalmente num pequeno
botã o preto em seu colarinho, e teve a polidez de continuar usando a
linguagem arcaica que Zanaya entendia. — Vou sair agora com sua
permissã o.
Zanaya estremeceu quando a voz de Alexander veio diretamente na
frente dela... embora estivesse dentro da sala sem janelas com os
painéis pretos planos. — Vá , — disse ele. — Keemat cuidará de
quaisquer novas emergências durante esta reuniã o – entre em contato
com ela se surgir alguma coisa.
Keemat, ela veio a saber, era sua general mais antiga, exceto por
Valerius. Este ú ltimo - um anjo leal, honrado e inteligente, embora
ocasionalmente enfadonho - também esteve com Alexander no tempo
de
Zanaya, e hoje era o terceiro. Curiosamente, dadas suas diferentes
personalidades e pontos de vista sobre tá ticas de batalha, Valerius e
p p
Zanaya sempre gostaram da companhia um do outro. Ela ansiou por
partir o pã o com ele mais uma vez.
Alexander, ao que parece, nã o tinha nenhum segundo neste momento,
pois Valerius estava firme em sua posiçã o de que nã o era a pessoa certa
para a tarefa. Na verdade, se continuava como era antes do Sono dela,
entã o concordava com ele. O terceiro de Alexander era muitas coisas,
mas dotado da sutileza exigida de um segundo? Nã o, aquele nã o era
Valerius.
— Senhor. — O vampiro, Richmond, levantou-se antes de se curvar
profundamente para Zanaya. — Senhora Zanaya. Por favor, dê-me
licença.
Nã o tenho permissã o para testemunhar uma reuniã o do Cadre.
Percebendo que ela estava em seu caminho, saiu. — É melhor que nã o
escute, jovem. — Zanaya sorriu, em seguida, fez uma careta ao pensar
no pomposo discurso bombá stico que estava por vir. — Pode perder
todas as suas ilusõ es sobre seus ilustres governantes.
Um piscar de olhos, um rubor sob o ouro escuro de sua pele. Seguido
pelo mais leve sorriso. — Estou feliz por ter a chance de viver num
mundo onde você está acordada, minha senhora.
O patife se foi um momento depois, fechando as portas pesadas com
firmeza atrá s de si.
— Zani!
Revirando os olhos com aquela chamada impaciente, voltou para a sala
com as telas pretas. No entanto, nã o estavam mais pretas. Cada uma
mostrava uma ampulheta girando com uma escrita embaixo que sua
mente processava como uma contagem regressiva, embora ela nã o
conseguisse entender o idioma.
Nã o demoraria muito até que o fizesse, no entanto.
Cérebros angelicais com idade suficiente para desencadear o estado de
Sono também absorviam novos idiomas numa velocidade que nã o
poderia ser explicada de maneira racional. E era por isso que a natureza
arcaica da língua antiga nã o importava; era usada apenas para facilitar
a transiçã o do sono para uma existência de vigília.
A primeira tela clareou, revelando um rosto. Seguido por outra tela, e
outra até que cada uma fosse preenchida pelo semblante de um
membro do
Cadre.
CAPÍTULO 20
Zanaya respirou fundo quando viu nã o um, mas dois pares de olhos de
um azul tã o distinto que era uma assinatura. Caliane teve um filho? ela
perguntou a Alexander.
Sim. Seu pai era Nadiel — que governou e morreu enquanto você dormia.
Um eco de dor em sua voz, uma indicaçã o de um final ruim para esse
Nadiel que venceu Caliane. Raphael é filho de dois arcanjos.
Era instinto querer tocar sua asa, seu braço, oferecer conforto para uma
ferida cujos parâ metros nã o conhecia, mas nã o era hora nem lugar.
Alexander nã o gostaria de reconhecer qualquer vulnerabilidade em tal
companhia. Em vez disso, tentou distraí-lo. Eu quero olhar. Isso é rude,
mas não posso evitar.
A mera sugestã o de uma contraçã o de seus lá bios. Acho que você está
segura para se entregar. Todo mundo está olhando um para o outro.
Entã o eles estavam. Afinal, nã o era todo dia que tantos Antigos
acordavam e sacudiam as teias de aranha. Entã o a discussã o começou e
ela chegou à conclusã o amarga de que vá rios desses velhos deveriam
ter ficado em seus bunkers cheios de teias de aranha.
Você não está ajudando, Alexander murmurou em sua mente quando ela
fez outro comentá rio malicioso destinado a irritar.
Aquele idiota de cabelo azul esverdeado me dá vontade de estourar meus
próprios tímpanos para não precisar mais ouvi-lo. Zanaya nunca foi
capaz de suportar grandes tipos barulhentos, embora tivesse que
admitir que estava encantada por Titus, filho da respeitada Primeira
General Avelina de Alexander. Ele podia muito bem ser uma gloriosa
exceçã o à sua postura habitual. Qual é o nome dele mesmo? Chefe idiota?
Aegaeon, sabe muito bem que o nome dele é Aegaeon. Vocês dois estavam
acordados ao mesmo tempo no passado.
Você também não gosta dele, então pare de fingir. E ele é um traseiro de
burro em qualquer momento.
Alexander estava muito controlado para levantar as mã os, mas
conhecia seu amante. No entanto, apesar de sua vontade – e tendência –
de mexer o pote, prestou atençã o quando Titus “tocou” algo que ele
chamou de “gravaçã o”. Alexander estava traduzindo mentalmente para
ela quando os outros deslizaram para línguas mais novas, e ela
arquivou as novas palavras em seu tesouro de construçã o rá pida do que
parecia ser uma língua de uso popular.
Logo percebeu que uma “gravaçã o” era uma maneira de tornar as
memó rias concretas, para que pudesse revivê-las à vontade.
Uma verdadeira maravilha, mas essa memó ria era tã o horrível que um
silêncio chocado se abateu sobre todos eles.
Uma névoa negra e oleosa que nã o parecia com nada que deveria existir
em seu mundo engoliu o territó rio de Lijuan. Pequenas criaturas que
vagavam por ele - pá ssaros, cã es vadios e afins - caíram mortos no local
ou emergiram com ferimentos tã o horríveis que a misericó rdia era a
ú nica opçã o.
Um lento deslizamento de gelo sobre sua pele. — Ela é o Arcanjo da
Morte. — O horror coalhou seu estô mago. — Eu vejo isso agora. —
Virando-se para dois Antigos que estavam soprando ar quente, ela
disse: — Você nã o vê? — Ela nã o conseguia entender a imprudência
egoísta deles. —
Acordamos antes da hora para cuidar dessa ameaça. — A compreensã o
do general que ela já foi. — Nã o fomos feitos para viver neste mundo.
Nã o é nossa hora.
Ela falou aquelas ú ltimas palavras - ou semelhantes a elas - para
Alexander uma vez, numa tentativa inú til de fazê-lo entender que
dormir nã o era rendiçã o. Era simplesmente um artefato da idade e
tempo. Ele nã o concordou entã o, mas embora nã o olhasse para ele
agora, sabia que estava com ela nisso: Lijuan precisava ser parada.
Mas muitos velhos estú pidos também estavam acordados. Eles se
recusaram a ouvir - e, finalmente, o Arcanjo Antonicus declarou que
voaria para a névoa negra assassina que cobria a China. Estava certo em
sua crença de que permaneceria inalterado.
— Ou ele tem muito mais poder do que sabemos, — Alexander
murmurou para ela apó s a reuniã o, — ou é movido por vaidade e
orgulho.
Zanaya inclinou a cabeça um pouco para o lado. — Você se tornou
sá bio, amado? Tempos atrá s, você era o mais arrogante de todos.
Uma pausa, olhos de prata encontrando os dela. — Fui considerado
um grande estadista na minha época, Zani. Cresci enquanto você
dormia.
Talvez tenha crescido muito além de você.
Lá estava; aquela pontada de raiva. Ele ainda nã o a tinha perdoado por
deixá -lo. E ela ainda nã o o havia perdoado por nã o ter vindo com ela. —
Ah, como você me fere. — Ela agarrou teatralmente seu coraçã o,
escondendo a extensã o de seu amor por ele, como sempre fizera.
Ele teria muito poder de outra forma, seguraria todas as rédeas. Pois o
Arcanjo da Pérsia era e sempre seria sua maior fraqueza. Enquanto o
poder era sua maior fraqueza e maior necessidade. Seu amor por
Zanaya nunca foi comparável, independentemente do que pudesse ter
dito a si mesmo.
Controlando um nervo pulsante em sua mandíbula, ele disse, — Nó s
temos um pouco de tempo antes de precisarmos voar para o territó rio
de Neha para testemunhar a tentativa de Antonicus de romper o
nevoeiro.
Estamos muito mais perto dela do que muitos outros. Estou voando
para ajudar uma regiã o atingida por uma enchente.
Nã o querendo estar perto de Alexander quando podia machucá -la com
tanta facilidade – e talvez até mesmo sem intençã o, o que era de alguma
forma pior – ela disse: — Vou voar sobre as regiõ es montanhosas mais
pró ximas, ajudar quem precisar. — Ela fez questã o de manter um leve
sorriso no rosto. — Estou ansiosa para aprender mais com você no
futuro, oh sá bio.
Com as mã os nos quadris, ele olhou para ela. — Por que sempre
consegue me fazer parecer ridículo?
Doeu um pouco menos quando viu que ele ainda estava vulnerável à s
suas farpas. — Alguém tem que mantê-lo humilde, Arcanjo Alexander.
— Passei metade da minha vida querendo estrangular você, eu juro, —
ele murmurou. — Vou com você. Valerius e seu esquadrã o nã o precisam
de mim para lidar com a enchente, e as á reas montanhosas sã o as mais
isoladas.
— Nã o. Nã o. — Ela deu-lhe um olhar plano. — Eu preciso de um pouco
de distâ ncia de você.
Desta vez, a pausa foi mais longa. Entã o ele disse: — Nã o teve o
suficiente, Zani? Eras de sono e ainda nã o quer ficar perto de mim?
Sua raiva desmoronou, sua fú ria se transformando numa paixã o
selvagem e necessidade que só tinha usado seu nome. — Maldito.
Atravessando a passos largos, tomou seu rosto em suas mã os,
pressionou seus lá bios nos dele.
E por um momento que pairou no tempo, eram apenas Xander e Zani,
dois amantes que sempre deveriam ser.
Entã o ela estava se afastando dele e saindo do quarto. Para que pudesse
pensar. Para que pudesse respirar. Porque, o amor deles? Sempre foi
demais. Muito grande. Muito exigente. Se ele queria estrangulá -la, ela
queria afastá -lo até que pudesse ficar inteira sem ele.
Exceto que era tarde demais. Já era tarde demais na primeira vez que
ela o viu.
Ela decolou numa explosã o forte. E nã o olhou para trá s, embora
quisesse fazê-lo com cada fibra de seu ser. Ele a culpou por deixá -lo e
entrar no Sono, mas ele também a deixou quando escolheu um reinado
incessante sobre seu desejo de curar suas mentes envelhecidas e deixar
o mundo para os jovens.
Nunca mais serei aquele garoto impotente, Zani. Nunca vou permitir que
alguém esmague a mim e aos meus sob sua bota.
Palavras que ele falou com ela incontáveis vidas mortais atrá s, quando
contou a ela como foi crescer como uma parte sem importâ ncia da corte
venenosa de Rumaia. Ela entendeu que o menino zangado e ferido que
ele foi era uma parte permanente da psique de Alexander; ele nã o se
contentaria com nada menos que uma posiçã o como predador de topo.
Mas ela também entendeu outra verdade imutável que ele escolheu
esquecer: os arcanjos nã o deveriam governar para sempre.
Veja Antonicus. Nã o deveria estar acordado; claramente nã o era desta
época e nã o era adequado para isso de forma alguma. Nã o era
simplesmente uma questã o de ser ultrapassado por novos
conhecimentos, como aquele que facilitou a reuniã o do Cadre. Ela viu
grandes e maravilhosas invençõ es durante seu reinado que - pelo que
experimentou do mundo atual até agora - pareciam perdidas no tempo.
Assim era, mesmo num mundo de imortais. As pessoas esqueciam e
novas descobertas eram feitas repetidamente. O mundo estava em
constante fluxo. Podia ser que daqui a milênios, pudessem viver mais
uma vez numa época de caos e poder bruto. Esse poderia ser o
momento certo para um anjo como Antonicus, ele poderia fazer o bem
num mundo assim.
Civilizaçõ es surgiam e caíam, até mesmo civilizaçõ es angelicais.
A grande civilizaçã o que Zanaya construiu, talvez tenha permanecido
nos ecos da histó ria, nas memó rias de alguns antigos, mas teria caído
no deserto em seu tempo, como era o caminho certo. À medida que o
Nilo fluía em novas rotas a cada era, a vida mudava, girava, se
transformava.
Eu cresci enquanto você dormia.
Ela soltou um suspiro, a ferida pulsando novamente. E se perguntou
tudo que perdeu da vida de Alexander enquanto nã o estava neste
mundo.
Ela perdeu uma criança, por exemplo.
Pensando nisso, considerou se estava com ciú mes.
Nã o.
As crianças eram um presente para ser estimado. E ambos sabiam a
verdade. Nenhum outro amante que qualquer um deles tivesse
assumido em suas longas, longas vidas poderia acabar com o vó rtice
tempestuoso que rodopiava entre eles. À s vezes, era demais, exigia
demais, e procuravam braços mais silenciosos e menos exigentes.
Nunca aceitando que inevitavelmente se encontrariam de volta no
vó rtice.
— Eu morreria se Meher se deitasse com outra, — disse Auri a Zanaya
uma vez, durante uma época em que Zanaya e Alexander nã o eram mais
um casal. — Como pode suportar isso?
— Porque quando terminamos, terminamos, Auri. — Seu coraçã o doía
pela memó ria de cada terrível ruptura. — Nó s nos quebramos em
lascas.
Nã o há nó s, apenas uma memó ria de nó s – e uma memó ria de angú stia
e má goa.
Um olhar solene de sua amiga mais pró xima. — Isso nã o soa como
amor, Zan. Isso soa como uma batalha campal.
Zanaya riu entã o, sua diversã o uma coisa irô nica. — Você fala a
verdade. Parece que nã o fui feita para um amor meigo e gentil. Sou feita
para a guerra. Ele também. — E era por isso que estavam condenados
para sempre.
Esse conhecimento pesando em sua mente, varreu as montanhas e
parou para oferecer assistência quando necessá rio. A grande maioria
dos comandantes de esquadrã o e equipes de terra nã o tinham ideia de
quem ela era, mas aceitaram sua presença porque era ó bvio que
Alexander tinha que saber que ela estava no coraçã o de seu territó rio –
o general nunca comandou nada além de um navio apertado.
Ela viu alguns deles falando em pequenos dispositivos retangulares e
estreitou os olhos, pensando nas “telas” através das quais falou com os
outros no Cadre. Parecia-lhe que eram versõ es em miniatura daquelas
telas, entã o provavelmente poderiam ser usadas para comunicaçã o.
Sem dú vida, estavam solicitando a confirmaçã o da fortaleza de que ela
nã o era uma ameaça para seu povo.
Bem, teria tempo para aprender sobre essas novas invençõ es depois
que a guerra terminasse. Por enquanto, era bom usar suas habilidades
para atos simples, mas necessá rios: limpar as á guas da enchente, tirar
pessoas ou animais do perigo ou explodir os misteriosos espinhos de
pedra que surgiram da terra sem aviso prévio, essa Cascata realmente
era uma coisa além.
Ondas de cansaço a atingiram mais de uma vez. Ela as ignorou, sabendo
que nã o estavam relacionados à exaustã o física, nã o tinham nada a ver
com a necessidade de descanso. Nã o, este era outro tipo de cansaço.
Desta constante batalha campal entre ela e Alexander.
Por que fazemos isso?
Ela nã o tinha resposta para sua pergunta quando teve que voltar pronta
para voar para o territó rio da Arcanjo Neha. Deveriam se encontrar em
sua fronteira com essa Zhou Lijuan que se considerava acima de todos
eles, pronta para testemunhar o heroísmo de Antonicus – ou idiotice, a
interpretaçã o dependia do indivíduo.
— Apesar do fato de eu acreditar que ele está colocando sua vida em
risco sem nenhuma razã o racional, — Zanaya disse a Alexander
enquanto voavam, —quero que ele tenha sucesso. Ao fazê-lo, nos
mostraria um caminho para sair dos horrores que ela gerou.
Alexander respondeu à sua abertura de conversa de arcanjo para
arcanjo na mesma moeda. Ambos foram educados desde o retorno dela,
bem cientes de que o que estava por vir nã o dava espaço para emoçõ es
estranhas.
— Eu sinto o mesmo, — disse Alexander. — Antonicus nã o é um arcanjo
com quem sinto qualquer afinidade, mas desejo-lhe boa sorte nisso.
Precisamos dele para ter sucesso.
Nã o falaram mais até que Alexander disse: — O territó rio de Lijuan nã o
está em nossa rota direta, mas sugiro que façamos um desvio por ele
para coletar informaçõ es.
— Estava considerando o mesmo. — Guerras foram vencidas com base
na informaçã o — ou na falta dela. — Vamos voar alto até vermos a
borda do nevoeiro. Nã o consigo imaginar que ela tenha o poder de
enviá -lo para a atmosfera superior, mas nã o vamos morrer porque nos
tornamos idiotas orgulhosos como certos bufõ es que dã o má fama aos
velhos anjos.
Riso em sua mente, quente e masculino e atingindo tanto seu sexo
quanto seu coraçã o. Um que ela poderia suportar; o outro ainda
poderia conseguir quebrá -la. Concordo.
Assim, estavam no alto do ar rarefeito e gélido quando sobrevoaram
pela primeira vez uma seçã o de fronteira das terras de Lijuan.
CAPÍTULO 21
Zanaya foi construída para resistir ao frio, mas sua pele estremeceu à
primeira vista da escuridã o estígia abaixo. Nenhuma luz espreitava,
nenhum indício de qualquer civilizaçã o. Nada. — É como se ela tivesse
jogado um cobertor sobre a pró pria existência.
Alexander, que estava pairando ao seu lado, apertou os lá bios. — Só
podemos esperar que seu povo nã o esteja sufocando lá embaixo.
Ela olhou para ele. Ele pegou seu olhar, assentiu. E voaram para uma
inspeçã o mais pró xima, mas nã o tã o perto que corressem o risco de
tocar o nevoeiro. O que descobriram foi que o nevoeiro estava longe de
ser uniforme. — Algumas manchas sã o quase viscosas, — ela
murmurou, apontando uma.
— Sim, mas mesmo as á reas mais finas sã o opacas. A China se tornou
uma sala trancada sem janelas. — As palavras de Alexander eram
sombrias.
Voaram, nã o pousando até chegarem ao telhado de um forte fronteiriço
no territó rio de Neha, Arcanjo da Índia. Nã o havia chance de cometer
um erro sobre onde deveriam pousar. Tã o perto, o local era um farol
para seus sentidos - pulsava com o poder agressivo dos arcanjos que já
haviam chegado.
Ela aterrissou, dobrou as asas e absorveu a configuraçã o da terra.
Alexander desceu ao seu lado, mas foi puxado para uma conversa com
Antonicus. Melhor você do que eu, ela murmurou em sua mente e
caminhou até a beira do telhado.
Tochas flamejantes se alinhavam deste lado da fronteira, lançando um
brilho vermelho-dourado contra a névoa negra que engolia toda a vida.
Os guerreiros de Neha estavam numa linha contra o preto - mas longe o
suficiente para que nã o houvesse risco de contato acidental com a
criaçã o assassina de Lijuan.
Preto era a assinatura de Zanaya. Adorava a noite, havia ascendido
numa escuridã o de veludo tã o opulenta que os bardos escreveram
cançõ es sobre ela. Sua pele era o mais pró ximo que um mortal ou
imortal poderia chegar daquele tom de meia-noite, e se tinha uma
vaidade em sua vida, era aquela pele tã o suave e rica em cores.
Mas isso... essa névoa nã o era preta. Era a natureza distorcida, com uma
sensaçã o perturbadora e oleosa. Como uma enguia... mas nã o, era
aberrante demais para comparar com aquele habitante escorregadio de
cursos d'á gua, seu pelo brilhando molhado e lindo na á gua salpicada de
sol.
Uma presença ao seu lado.
— Senhora Zanaya. — Titus inclinou a cabeça ligeiramente em
saudaçã o, grande e ousado e bastante bonito. — Alexander me contou
sobre você uma vez, há muito tempo.
— Oh? O que ele disse?
Baixando as sobrancelhas, ele disse: — Que você tinha a capacidade de
levar os ascetas dedicados à paz a uma fú ria flamejante.
Zanaya riu tanto que fez seu estô mago doer. Depois, ela disse: — Você é
um bom amigo para ele, de fato. — Havia muito poucas pessoas com
quem Alexander era tã o aberto.
— Ele é um bom amigo para mim também. — Titus a mediu com
aqueles olhos escuros, uma sú bita solenidade neles que lhe dizia que
ele tinha muito mais profundidade do que era aparente na superfície.
— Nã o tenho certeza, no entanto, que você seja boa para ele, Senhora
Zanaya.
— Oh, jovem Titus, — ela disse numa onda renovada de cansaço
doloroso, — nó s nunca fomos bons um para o outro. — Nã o era bem a
verdade – houve momentos incríveis, décadas, séculos de beleza e graça
entre eles. Era só que os anos foram temperados por tanta dor, raiva e
frustraçã o. — Talvez a questã o seja discutível apó s este despertar.
— Por que você diz isso?
Ela acenou com a cabeça para o nevoeiro peculiar e arrepiante. —
Acordei para um mundo terrível. Nã o sei se vou sobreviver a isso.
Um vento frio em seu pescoço, como se a pró pria Cassandra tivesse
roçado seus dedos sobre sua nuca.
Zanaya endireitou a coluna, acalmou seus batimentos cardíacos. A
morte nã o provocava medo nela. Viveu um vasto espaço de tempo.
Entã o uma voz masculina chegou até ela nas correntes noturnas,
familiar e querida.
Olhando por cima do ombro pensou, mas não o amei o suficiente.
Nunca será suficiente.
Esta vez, porém, nã o era deles, mesmo que já nã o estivessem brigando.
Esta vez era para o Cadre intensificar e eliminar uma ameaça que
nasceu de um deles. E foi para esse tó pico que logo se voltaram,
discutindo o conhecimento que tinham da névoa de Lijuan. Num ponto,
Neha mostrou a eles uma linha de pá ssaros caídos deste lado da
estranha fronteira. Como se tivessem começado a voar, apenas para
morrer.
Neha confirmou que, até onde sabiam, os pá ssaros morreram no
instante que fizeram contato com o nevoeiro. Caliane seguiu com a
informaçã o de que o povo de Neha descobriu outros pequenos animais,
incluindo cobras, com a cabeça no nevoeiro e o resto de seus corpos no
territó rio de Neha.
Mortos assim que tentaram entrar naquele miasma oleoso.
— É suficiente. — Antonicus exercitando sua voz novamente. — É hora
de eu fazer o que deve ser feito – nã o sou uma criança que se assusta
com histó rias de fantasmas. — Sua voz escorria de desprezo pelo que
ele claramente via como covardia.
Idiota. Um bom general revisava todas as informaçõ es antes de tomar
uma decisã o. Nã o mandavam as pessoas para o desconhecido. Mas se
Antonicus desejava se voluntariar para cometer erros, entã o Zanaya
usaria o conhecimento resultante. E como disse a Alexander, ela ainda
lhe desejava sorte.
Antonicus continuou. — Vou ver todos vocês depois que eu voltar de
falar com essa Lijuan que acredita ser uma deusa até mesmo sobre os
imortais.
Zanaya estava ciente de Alexander vindo para ficar ao seu lado
enquanto todos os arcanjos se alinhavam na beira do telhado para
observar o progresso de Antonicus sobre o mar negro. Ele concordou
em descer no nevoeiro num ponto que seria visível para eles, antes de
subir para ir mais fundo, em direçã o à fortaleza principal de Lijuan.
Ela prendeu a respiraçã o quando ele chegou ao primeiro ponto. Ele se
virou para indicar que estava prestes a mergulhar levantando o braço...
depois mergulhou no preto que nã o era preto. Seu peito apertou
enquanto os momentos passavam e ele nã o emergia. Ela realmente nã o
esperava que a névoa da morte afetasse um arcanjo – e um Antigo.
Nã o, lá estava ele!
Uma sú bita explosã o de esperança... despedaçada quando ficou claro
que Antonicus estava ferido.
Foi o filho de Caliane, Raphael – o ú nico arcanjo que, ela descobriu,
tinha imunidade comprovada a pelo menos alguns dos poderes de
Lijuan –
que voou para ajudar Antonicus. E foi Raphael quem trouxe de volta um
arcanjo perdido e oco, os olhos de Antonicus brilhando pela escuridã o
oleosa.
Deitando-o numa esteira no telhado, Raphael foi capaz de usar seu
poder para expulsar o preto dos olhos de Antonicus, mas foi um alívio
temporá rio.
Zanaya viu arcanjos morrerem, mas nunca dessa forma. Sempre em
batalha, sempre em chamas. Isto... Seu intestino se apertou. Ela se
agachou ao lado do corpo com o resto do Cadre, uma guarda de honra
dos arcanjos quando as asas de Antonicus começaram a se enrolar e
ficar pretas, quando sua pele ficou verde apodrecida e seu peito
afundou para dentro, como se seu corpo estivesse se tornando uma
sopa viscosa.
Até... tudo parar.
Antonicus ficou congelado num momento de decadência e morte.
Talvez porque os arcanjos pudessem voltar de muitas coisas.
Foi por isso que Zanaya nã o discutiu quando foi discutido que nã o
deveriam destruir seu corpo, mas enterrá -lo num lugar distante de gelo
e geada, onde nã o poderia espalhar a infecçã o que crivava seu corpo - e
onde poderia se deitar em paz por eras enquanto seu corpo lutava para
se reparar.
p
— Nã o sei se quero torcer para que ele esteja vivo ou nã o, — disse ela a
Alexander enquanto voavam à frente do grupo algumas horas depois, já
tendo se revezado carregando a funda que segurava o corpo. — Os
horrores em seus olhos, em seu rosto antes que nã o estivesse mais
presente...
imagine ficar preso naquele momento por toda a eternidade. — Pois
havia uma chance de que Antonicus nã o morresse, mas também nã o
acordasse.
Permaneceria para sempre um cadáver parcialmente apodrecido.
— Ele nã o tinha mente no final, — disse Alexander. — Tenho certeza
disso. Se dormir, será um Sono desprovido de qualquer conhecimento.
O
que pode ser o que o manterá sã o se ele estiver vivo.
Zanaya esperava que Alexander estivesse certo quando chegasse a hora
de realizar o enterro. Ela e o Arcanjo Elijah formaram o buraco onde o
corpo de Antonicus ficaria embalado em pedra impermeável. Em
seguida, todos se juntaram para baixar Antonicus no buraco.
— Para Antonicus!
Os olhos de Zanaya encontraram os de Alexander enquanto diziam o
nome do arcanjo gravemente ferido, e podia ler seus pensamentos em
seus olhos: o general estava com medo de que tivessem cometido um
erro, que apenas enterraram um problema em vez de lidar com ele...
Antonicus estava infectado com uma escuridã o além de qualquer coisa
que qualquer um deles já viu.
Se ele voltasse...
Devemos dar uma chance a ele, disse ela a Alexander, mentalmente. É
a única escolha honrosa.
Sim, ele concordou imediatamente. Mas vamos assistir. Estaremos
prontos.
CAPÍTULO 22
Depois, com humor sombrio, o Cadre se dividiu em vá rias direçõ es para
voltar para casa, todos sabendo que este era apenas o primeiro ataque.
— Como ela se tornou assim? — Zanaya perguntou a Alexander quando
finalmente pousaram na sacada de seu forte principal. — Zhou Lijuan?
Ela sempre foi uma grande potência?
— Eu a conheci quando jovem, — disse Alexander. — Ela era poderosa,
mas nã o mais do que você ou eu. Se nã o tivesse cedido a essa loucura,
poderia tê-la visto se tornando uma Antiga forte. — Ele passou a mã o
pelo cabelo enquanto a conduzia para dentro e por um corredor
esculpido na pedra vermelha local, pinturas gravadas na pró pria pedra.
— Eu culparia a Cascata, — disse ele, — mas Titus me informou que
havia sinais mais sutis de mudança nela antes desse mal. — Ele
começou a contar a ela sobre esses sinais; sempre foi generoso quando
se tratava de informaçõ es que eram negó cios do Cadre.
Parando na frente de um conjunto de pesadas portas douradas, ele
segurou seu olhar. — Estes sã o meus aposentos, Zani. Virá comigo neste
dia sombrio?
Talvez ela pudesse ter recusado em outro momento, ainda machucada
pela briga anterior. Mas depois de testemunhar o que aconteceu com
Antonicus, ela disse: — Sim. Mas você, meu general, vai me dar um
banho antes de tudo. — Ela nã o se deitaria com ele com o fedor da
morte.
Um puxã o de seus lá bios, um sorriso tã o aberto que lhe mostrou um
vislumbre da juventude que ela nasceu tarde demais para conhecer. —
Só você me mandaria preparar um banho para você. — Abrindo uma
das portas com uma graça fá cil, acenou para ela entrar. — Minha
senhora.
Rindo, ela entrou.
Ela nã o se surpreendeu ao ver os mó veis relativamente escassos na
á rea inicial de sua suíte. Ele sempre foi austero em seus aposentos -
exceto num lugar. — Ah, aí está . — Uma enorme cama de dossel
completa com cortinas que podiam ser amarradas e roupas de cama
luxuosas.
— Vai tirar sarro de mim pelo meu gosto contínuo de conforto quando
durmo?
— Nunca, — ela disse enquanto tirava sua espada e chutava as botas
que um membro da equipe de Alexander conseguiu encontrar para ela.

Nã o quando eu gosto tanto.
A á gua corria em algum lugar pró ximo e sabia que ele tinha começado a
encher a banheira. Caminhando em direçã o ao som daquela á gua,
deixou cair sua roupa até que estava nua, o ar beijando cada centímetro
dela.
Apoiando uma mã o contra o batente da porta da câ mara de banho, ela
olhou para os ladrilhos de um suave ouro do deserto rasgado com
listras de um ouro mais profundo; a cor se refletia no dourado escuro
das bicas de á gua, mas as paredes eram de um creme simples, assim
como as toalhas grossas que estavam empilhadas numa cesta de tecido
ao lado do que ela supô s ser uma tigela embutida para lavar o rosto.
A á gua jorrava de um dos bicos dourados e, devido ao vapor que subia
da banheira, aquela á gua estava quente. Nã o havia necessidade, entã o,
de fazer uma fogueira embaixo da banheira, ou de ter á gua aquecida em
outro lugar da casa em baldes. Que extraordiná rio... e ainda de alguma
forma nã o surpreendente.
Porque mesmo quando certas coisas mudavam ao longo das eras,
permaneciam as mesmas. Este mundo podia ter tecnologias muito além
do que os anjos descobriram quando ela foi dormir, mas as pessoas
ainda precisavam tomar banho, lavar o rosto.
Mas a coisa mais intrigante nesta sala era o anjo que estava ao lado da
banheira, meio curvado enquanto testava a á gua com a mã o. Suas asas
eram uma gló ria de prata contra as cores suaves do espaço, seu cabelo
brilhando na luz que se derramava de uma luminá ria no teto. Pois as
pessoas desta época também conseguiam aproveitar a luz.
— Alguém já entrou e encheu dois terços do caminho, — ele disse a ela
enquanto sacudia a á gua de seus dedos. — Você nã o terá que esperar...
— A fala foi interrompida numa inspiraçã o á spera quando se virou e a
viu.
Ela sorriu, e sim, foi orgulho que aqueceu seu sangue. Tantos anos
estavam separados e ele ainda olhava para ela com aquela tempestade
selvagem em seus olhos. Nã o havia escudo de um arcanjo poderoso e
remoto, e nenhum sinal do general tã o inescrutável que seus inimigos
nunca podiam adivinhar seus motivos ou movimentos planejados.
Este era o Alexander que só Zanaya via.
Precisando tocá -lo, fechou a distâ ncia entre eles. — Você está vestido
demais, amado. — Um ronronar rouco contra o peito dele enquanto
passava as mã os pelo marrom escuro batido de seus couros, mas era
uma alegria agridoce que corria por suas veias. — Quase imaginei que
este era o mesmo conjunto que lhe dei uma vez.
Ele fechou a mã o sobre seu pulso, seu aperto á spero com calor. — Os
usei até que se desfizeram. Estava tã o bravo com você, mas ainda assim
os usava. — Abaixando a cabeça para ela naquela confissã o á spera,
esmagou seus lá bios com os dele.
Ela nã o se importou.
O amor deles nunca foi uma coisa gentil.
Enfiando a mã o na seda grossa de seu cabelo, ela o agarrou com força
enquanto o beijava de volta com tanta fú ria, tanta necessidade. Ficar na
q j
ponta dos pés era seu estado habitual quando se beijavam, embora ele
sempre se inclinasse por ela, mas ela nunca se sentira em desvantagem.
Aqui, eles sempre, sempre, foram iguais.
Quando ele segurou seus quadris e a ergueu, ela se moveu com ele,
acabou com as pernas presas ao redor de sua cintura. Ele era tã o forte e
quente contra ela, o mú sculo fluido dele ó bvio mesmo através de seu
couro.
Estiveram nessa posiçã o tantas vezes que parecia tã o fá cil quanto
respirar.
Zanaya se lembrava de rir e correr para ele numa visita, envolvendo as
pernas ao redor de sua cintura enquanto ele a segurava enquanto se
beijavam, absolutamente encantados por se verem. Tantas vezes ela
correu para seus braços, este arcanjo que era o ú nico homem em toda a
eternidade que já teve o poder de causar sua dor.
Hoje, no entanto, quando se separaram com o peito arfando, nã o havia
dor, apenas uma dor que vinha de tê-lo perdido mesmo em seu Sono.
—Olá , amado, — ela murmurou.
Ele beijou as pontas dos dedos dela quando ela os passou pelos lá bios, e
ela se lembrou que nã o, nem sempre foram tã o apaixonados e quase
bravos um com o outro na cama. Houve sensibilidade também, muito
tempo atrá s, antes que as fraturas crescessem demais. Antes que ambos
sangrassem muito. Antes que as feridas se tornassem cicatrizes.
Incapaz de olhar atrá s a doçura insuportável do que foi uma vez, ela
devastou sua boca em outro beijo indomável enquanto arrancava seus
couros. Ele entendeu a mensagem, puxando atrá s apenas tempo
suficiente para arrancar a blusa sobre sua cabeça e jogá -la nos
ladrilhos. Caiu sem som, o couro além de macio depois de tantos anos
contra sua pele.
Passando as mã os sobre aquela pele, sobre o calor e os mú sculos dele,
ela se glorificava no agora, neste momento em que Zani estava com seu
Alexander. O vapor do banho flutuou no ar, permaneceu contra a pele
dele e dela, e quando ela baixou a boca para a garganta dele, sentiu
gosto de sal.
Um estremecimento, uma de suas mã os em punhos em seu cabelo.
Ele sempre foi sensível ao longo de sua garganta. Ela beijou a coluna
forte, suas lembranças dele uma marca em sua alma. Sempre ela se
lembrava de como ele gostava de ser tocado, como gostava de tocar por
sua vez. Mesmo quando nã o conseguiam falar um com o outro, mudos
de raiva, conseguiam se comunicar pelo toque.
— Zani. — Uma carícia á spera contra sua têmpora quando puxou sua
boca de sua garganta e a reivindicou com a dele mais uma vez.
Você pensaria que depois de toda a eternidade, ela teria o suficiente de
seu beijo, ele o suficiente dela.
Mas nã o.
Nunca seria suficiente.
O desejo nunca foi o problema entre eles.
Ela afundou no beijo, nele. E quando ele a soltou para beijar o topo de
seus seios enquanto usava uma grande mã o para acariciar cada um por
sua vez, suas asas bateram inquietas. Ela podia se sentir como um
pá ssaro preso se nã o combinassem tã o bem. Porque combinavam, ela
podia se render ao prazer que era um despertar de nervos há muito
adormecidos.
Estremecendo quando tomou seu mamilo em sua boca, ela disse: —
Dó i.
Ele parou imediatamente, olhou para cima. — Zani?
— Faz uma eternidade desde que senti tal sensaçã o. — Ela engoliu em
seco, pressionou os dedos em seus lá bios. — No entanto, a necessidade
me come viva. — Ela roubou um beijo, outro. — Fique comigo. O resto
pode esperar. — Ela ansiava pela sensaçã o de completude que vinha ao
segurar o corpo dele no seu, ao senti-lo se mover da maneira mais
íntima.
Segurando o lado de seu rosto, ele pressionou sua testa na dela. — Eu
senti sua falta.
Seus olhos ameaçaram lacrimejar. Se recusou a deixá -las cair.
Recusou-se a ser tã o vulnerável novamente. Em vez disso, o beijou até
que ele fez o que ela pediu e a colocou no chã o para que pudesse se
livrar do resto de suas roupas. Entã o a estava pegando de novo, e ela
estava deslizando sobre ele, esta dança deles há muito aperfeiçoada.
Ainda assim, arrancou um suspiro dela, aquele momento de conexã o.
Havia uma sensaçã o de inevitabilidade nisso, uma sensaçã o de
correçã o.
Incapaz de olhar muito para isso quando nunca acertaram o resto de
seu relacionamento, nã o importa quantas vezes tentassem, ela o
envolveu em seus braços enquanto ele a envolvia nos dele, suas asas
emaranhadas. O
prazer que esperava no final da dança nã o era sobre isso. Isso era
sobre...
ser. Apenas ser.
Lá grimas ameaçaram novamente.
Enterrando o rosto contra ele, deixou cair as gotas quentes de dor,
misturando-se com o suor entre seus corpos, o vapor em sua pele. Até
que, finalmente, se tornou á gua e todo seu eu se desfez em gotas
brilhantes que caíram no chã o e se despedaçaram.
CAPÍTULO 23
Zanaya estava sentada na enorme banheira circular de costas para o
peito de Alexander, suas asas abertas para que nã o ficassem
pressionadas desajeitadamente contra ele. Mesmo esta posiçã o deveria
ser estranha, mas de alguma forma, nunca foi. Sentava-se com as pernas
de cada lado das suas, as mã os ocupadas no cabelo dela enquanto o
alisava com o sabonete de cheiro glorioso que despejou de uma
pequena jarra de barro.
Uma pontada repentina em seu coraçã o, um medo gelado engendrado
por esse momento de cuidado, de carinho.
— Acha que estamos presos, Alexander? — ela murmurou. —
Obrigados a repetir os padrõ es de erros?
— Nã o, claro que nã o.
Uma resposta tã o direta. Tal resposta de Alexander. — Entã o acredita
que a imortalidade nos torna mais sá bios?
— Nem todos nó s. Alguns sã o imbecis, nã o importa quanto tempo
vivam. Caso em questã o: Aegaeon.
Ela riu, a alegria inesperada. — Se lembra de Rinri? Era um ser muito
honesto e robusto para ser chamado de imbecil, mas pode imaginá -lo
como um sá bio antigo?
Ele gemeu pela mençã o dela ao anjo que estava em seu grupo de
treinamento quando ela se juntou a um esquadrã o marcial. — Nã o
tenho nada contra Rinri. Ele nã o era nem um pouco mau. Também era
muito musculoso e leal à sua causa. Mas se aquele homem tinha algum
pensamento nã o relacionado a armas, luta ou carnalidade, comerei meu
pró prio pé com aquela atrocidade de molho que você criou uma vez.
Ombros tremendo, ela caiu contra ele, relaxando completamente por
fim. — Nã o era tã o ruim.
— Zani, tinha gosto de carvã o com um toque de manjericã o.
Ela bufou de rir pela descriçã o assustadoramente precisa. — Sabe o que
aconteceu com Rinri? — Ele podia nã o ser o conversador mais
brilhante, mas também nunca machucou intencionalmente ninguém
além de uma batalha. Nã o muitos poderiam fazer essa afirmaçã o.
Quando Alexander ficou quieto, ela soube. — Rinri está morto. — A
tristeza se espalhou por ela pelo amigável garoto obcecado por batalhas
que conheceu uma vez. — Quando?
— Ele teve uma boa vida, — Alexander disse a ela enquanto pegava
uma jarra cheia de á gua fresca e limpa. — Foi pai de dezessete filhos.
A boca de Zanaya caiu aberta. — O que?!
Alexander deu um tapinha em seu ombro para que ela soubesse que
estava prestes a derramar a á gua sobre sua cabeça e ela fechou os olhos
e a boca até que ele terminou de lavar o sabã o de seu cabelo.
Depois, a puxou de volta contra ele. — Vou te contar sobre os feitos de
fertilidade de Rinri se deitar aqui e me deixar passar este creme em seu
cabelo que Lemei continua me dizendo que vai deixar o meu macio e
brilhante. Apontei para ela em vá rias ocasiõ es que sou um general e um
arcanjo. Nã o preciso que meu cabelo seja o de um cortesã o mimado.
Seu sorriso se espalhou novamente. — Claro que Lemei faz parte da sua
corte. Ela provavelmente avisou seu empregador anterior no instante
em que você acordou. A vampira adorava Alexander e Osíris de uma
forma carinhosamente maternal.
— Ela se aposentou na minha ausência, — disse Alexander, o que disse
a Zanaya que Osíris também deve ter entrado no Sono em algum
momento no passado - senã o Lemei teria ficado com ele.
— Infelizmente, — continuou Alexander, — ela agora tem uma nova
vida e administra minha casa com mã o de ferro.
Palavras sombrias, mas ela captou o amor subjacente a cada uma. O
sorriso de Zanaya vincou suas bochechas agora. Parte do motivo pelo
qual sempre amou Alexander era que, embora ele pudesse ser
arrogante com seus colegas, nunca era nada menos que gentil com
aqueles que tinham muito menos poder ou posiçã o. Ele se permitia ser
carinhosamente intimidado por Lemei e outras governantas, comia
pratos ridículos para que seus chefs nã o se sentissem magoados e, em
tempos de paz, sempre fazia grandes festas para todos os seus
funcioná rios.
Era por isso que seu povo o adorava tanto. Nã o que um ú nico deles se
gabasse de qualquer um de seus atos de bondade para com os outros.
Oh nã o, estavam totalmente empenhados em manter a imagem
impiedosa de seu arcanjo. — Também sou um general, — ela apontou
em falsa indignaçã o. — Você diz que meu cabelo precisa ser macio e
brilhar?
Ele gemeu e deu um beijo em seu ombro, uma grande mã o segurando
seu braço. — Você é uma estrela, Zani. Brilha vestida em nada além de
sujeira e suor.
— Que charme você tem, amado. — Mas ela desacelerou. — Venha,
coloque este creme má gico no meu cabelo e me conte sobre Rinri. Ele
morreu em batalha pelo menos? Esse era seu desejo mais ardente.
— De fato, — Alexander confirmou. — Durante um confronto entre
arcanjos. Mas antes disso... bem, descobriu-se que Rinri tinha outro
talento: ser pai de filhos em uma e muitas amantes.
Entã o, enquanto ela estava ali deitada contra ele, com os olhos fechados
enquanto ele massageava seu couro cabeludo com mã os sá bias, contou
a ela sobre a vida de Rinri, e aquela surpreendente contagem de
crianças. — É um recorde, nã o acha? — ela perguntou no final, sua voz
um pouco lâ nguida. — Com a fertilidade angelical sendo tã o baixa em
geral, certamente deve ser.
— Sim, — disse Alexandre. — Até onde sei, ele teve mais filhos do que
qualquer outro anjo em nossa histó ria.
— Bem, posso dizer que ele teria morrido com um sorriso no rosto
depois de deixar um legado como esse. — Ela ergueu um copo
imaginá rio.
— Para Rinri. Que você descanse em paz, meu amigo.
— Para Rinri, — Alexander ecoou, sua voz ressonante e bonita.
Ele lhe contou mais coisas que ela perdeu durante o Sono, e ela lhe
contou coisas que ele perdeu porque nã o se falavam há algum tempo
antes dela entrar naquele Sono. — Independentemente de ser
q p
arrancada com força do meu descanso, — disse ela, — sinto-me muito
mais forte do que quando entrei naquele descanso, muito mais
presente. Nunca vou me arrepender de dormir.
Seus braços, que ele colocou ao redor dela sob a á gua, apertaram.
— Nã o, amado, — ela murmurou. — Nem mesmo por você eu arriscaria
a loucura. Leva muitos dos nossos antigos. — Como se a mente só fosse
construída para funcionar por um tanto de tempo sem parar, começava
a decair e fraturar quanto mais tempo estivesse em uso contínuo.
— Entrei no Sono uns quatro séculos atrá s, — ele disse a ela,
respondendo a pergunta que ela nã o foi capaz de fazer. — Meu
descanso foi encurtado pela Cascata. — Uma pausa, entã o, — Eu já te
falei sobre Naasir?
Franzindo o cenho, ela ia pressioná -lo sobre sua decisã o de dormir,
descobrir o que a precipitou, mas algo em sua voz a fez hesitar. Dor,
tanta dor. — Quem é Naasir? — ela disse em vez disso.
— A maior conquista de Osíris. — Sua voz ficou presa, engatada. —
Tive que executá -lo, Zani. Mais de meio milênio atrá s, tive que matar
meu irmã o porque, se nã o o fizesse, ele se tornaria um monstro cada
vez maior –
um que nã o tinha consciência de sua maldade.
Um ú nico respingo quente contra seu ombro.
Apunhalou-a mais profundamente do que qualquer lâ mina. Alexander,
sabia sem perguntar, nã o tinha confiado sua dor a ninguém em todos os
séculos desde a morte de seu irmã o. Porque Alexander simplesmente
nã o era esse homem quando nã o estava com Zanaya. Era só com ela que
se permitia ser um pouco mais suave, um pouco mais gentil.
Envolvendo os braços em volta dos que ele tinha ao seu redor, ela nã o
ficou em silêncio. Outro poderia ficar, pensando que ele contaria a ela
toda essa parte sombria de sua histó ria em seu pró prio tempo. Mas ela
conhecia o general — o fato dele ter tocado no assunto significava que
queria contar a ela... e o manteve trancado dentro dele até este instante.
Porque só com Zanaya podia rasgar seu coraçã o.
Seu pró prio coraçã o se abriu.
Nã o podia suportar quando estava ferido, queria matar qualquer um
que ousasse machucá -lo. Que fosse Osíris quem infligiu esta ferida
mortal...
Seus olhos ficaram quentes, ameaçaram vazar, mas hoje ela tinha que
ser quem o segurava. Entã o engoliu as lá grimas e se virou para
pressionar os lá bios no braço.
— Diga-me, amado, — ela murmurou. — Diga-me por que seu irmã o
deixou você sem outra escolha. — Porque se tivesse, Alexander faria
outra escolha. Amava Osíris, o admirava como um irmã o mais novo,
embora tivesse passado por Osíris em maturidade emocional há muito
tempo.
Alexander respirou fundo e estremeceu. — Eu estava cansado, Zani. —
p
Palavras á speras. — Cansado o suficiente para que suas palavras sobre
desaparecer em lampejos moribundos viessem para me assombrar. —
Seus braços se apertaram, como se estivesse segurando-a como um
talismã contra a dor. — Mas até entã o, nã o conseguia dormir. Uma
terrível preocupaçã o corrosiva me mantinha acordado e no mundo.
E entã o caiu centenas de anos no passado, levando-a com ele... até que
estava falando com Titus no topo de uma montanha no territó rio de seu
amigo.
*
— Meu irmã o nã o é mais quem era, — Alexander disse a Titus. O
jovem arcanjo e filho de sua camarada de armas e general mais
confiável, Avelina, de alguma forma se tornou seu amigo, embora
estivessem separados por eras de vida.
Grande, impetuoso e honesto, Titus preencheu um pouco do vazio
deixado pela morte de Nadiel, a decisã o de Avelina de dormir e a
descida de Caliane à loucura e o subsequente desaparecimento. Nada
jamais preencheria o vazio que era a ausência de sua Zani, mas
aprendeu a viver com isso, chegou a ver a sabedoria de suas açõ es.
Se ela permanecesse no mundo, poderiam ter se matado por agora, sua
espiral de amor e raiva um ensopado tó xico. Ela o libertou para ser um
homem melhor, um arcanjo melhor – até hoje era conhecido como
sá bio, um Antigo que até atuava como pacificador. Isso nã o significava
que ainda nã o estava meio zangado e meio apaixonado por ela. Como
aceitou a sabedoria de sua escolha, aceitou que ela estaria para sempre
separada da tapeçaria de sua existência, mesmo que nunca se
encontrassem novamente.
Hoje, estava com Titus no topo de uma montanha verdejante, os
macacos selvagens tagarelando nas á rvores e a brisa ú mida
transportando a miríade de aromas desta terra cheia de flora e fauna
invisíveis em qualquer outro lugar do planeta. Quando jovem anjo,
Alexander muitas vezes sobrevoou esta regiã o, correndo com a chita
abaixo e fazendo companhia à s criaturas aladas, mas se sentia velho
demais para esses jogos agora, seus ossos pesados e seu coraçã o à beira
da exaustã o.
Titus era frequentemente acusado de nã o ter um osso sutil em seu
corpo, mas hoje ele disse: — É por isso que você nã o dorme, mesmo
sabendo que já passou da hora.
Alexander estreitou os olhos para o jovem filhote que nunca reteve suas
palavras, que era a razã o pela qual era amigo íntimo de Alexander. —
Está me chamando de velho, seu jovem idiota?
Jogando a cabeça atrá s, Titus riu aquela risada estrondosa que o tornou
um favorito entre todos. Era grande e quente e seduzia todos os
espectadores a rirem com ele. Mesmo Alexander, preocupado com uma
pedra pesada esmagando suas costelas, nã o pô de evitar o puxã o de
seus
lá bios para cima.
Titus bateu em seu ombro. — Eu te disse que vi um cabelo branco em
seus cachos dourados.
— Cuidado, criança, — Alexander disse em seu tom mais pomposo, e
Titus riu novamente.
Depois, enquanto caminhavam pelo platô , o outro homem disse: —
Você nunca fala muito sobre Osíris.
— Nã o, suponho que nã o. Nã o desde que você me conhece. — Titus,
afinal, ainda nã o havia completado seu terceiro milênio de vida. — Eu o
adorava quando menino, admirava-o em todos os sentidos, estava tã o
orgulhoso de suas descobertas, de suas invençõ es. — Osíris foi
responsável por muitas inovaçõ es que entrariam na histó ria angélica.
— Ouço você falar apenas do passado, meu amigo, — Titus disse, seu
peitoral brilhando na luz do sol da manhã . — O que mudou para que
nã o fale mais de seu irmã o com orgulho?
Alexander olhou para longe, para as vastas florestas cheias de vida. Ele
viu um leopardo rondando com confiança felina enquanto sobrevoavam
o verde, a criatura parando para olhar para os anjos com um olhar que
dizia que os derrubaria se tivesse metade da chance.
Sua confiança tinha a memó ria penetrante através dele – de um arcanjo
cuja risada o tornou um homem mais jovem, e que tinha olhos que
sustentavam a luz prateada das estrelas. Oh, como Zanaya adorava seus
felinos famintos e cã es leais, mimando a todos. Ela até fez amizade com
os pá ssaros barulhentos da ilha de Osíris.
O que ela diria sobre seu irmã o agora?
— Osíris, — ele explicou a Titus, — começou sua vida trabalhando com
elementos naturais – e esse trabalho, eu entendi. — O pró prio poder de
Alexander estava ligado à terra, mais especificamente ao metal. —
Depois de um tempo, ele começou a se mover para as plantas, depois
para pequenos organismos como os que vivem nos oceanos.
Alexander nã o compreendeu esse trabalho também, mas o apreciou.
Foi Osíris quem foi pioneiro no musgo bioluminescente que muitos
vampiros e até mortais usavam em estruturas subterrâ neas para
iluminar com segurança seu caminho.
Embora pudesse nã o ser uma inovaçã o que fosse diretamente ú til para
os anjos – pois a maioria dos anjos nã o gostava de estar no subsolo –
você nã o podia dizer que nã o foi de grande benefício para sua espécie.
Seus servos vampíricos e mortais agora podiam usar com segurança
porõ es e similares sem ter que entrar com tochas ardentes ou velas
bruxuleantes.
— Eu, — continuou ele, — fiquei um pouco perturbado quando Osíris
começou a fazer experimentos com organismos oceâ nicos maiores, mas
ele afirmou que seu trabalho nã o era muito diferente de caçar comida e,
de tudo que vi, ele nã o fez nada que pudesse ser considerado
abominável. Ele realmente fez o mesmo que o pescador que esfaqueia
q p q q
sua presa com uma lança – só que em vez de comer sua presa, ele
dissecava para aprender tudo, pedaço por pedaço.
O estô mago de Alexander se revirou com a ideia, mas Osíris era tã o
ló gico e metó dico sobre toda a operaçã o que sua pró pria reaçã o parecia
ingênua, desprovida de maturidade. — Ele nunca tomou mais do que
precisava e muitas vezes muito menos do que eu teria na minha pró pria
mesa como comida.
— Seria hipó crita argumentar contra suas açõ es simplesmente porque
nã o apreciei sua erudiçã o. E, no final, seus desenhos anatô micos de
criaturas marinhas se tornaram – e ainda sã o – um recurso bá sico para
outros cientistas e estudiosos.
— Entã o, o que agora faz você se preocupar tanto que é uma sombra de
chuva pairando constantemente sobre sua cabeça?
— É isso aí, Tito. Nã o sei. — Alexander passou uma mã o pelo cabelo.
— Osíris tornou-se secreto ao longo dos anos. Distanciando-se de seus
colegas, seus amigos e sim, de seu irmã o. Meia-lua atrá s, de repente
percebi que nã o sei mais onde ele mora e trabalha – e nã o sei há algum
tempo.
Que manter o controle de seu irmã o escapou de sua mente era mais
uma indicaçã o de que ele deveria estar dormindo; o general que foi
nunca cometeria um erro tá tico tã o significativo. — Fui primeiro ao
grande laborató rio que ele montou numa á rea fria das minhas terras –
mas ele estava limpo e fechado há tanto tempo que teias de aranha
emaranhavam as portas e havia danos significativos de neve nos
edifícios.
— Você nã o teve notícias de sua partida de seu povo?
— O local era isolado nas profundezas das montanhas – e dei aquela
terra a Osíris. Ele era meu irmã o. Nunca o tratei como alguém a ser
vigiado por minhas forças.
— Sim, claro. Eu faria o mesmo com minhas irmã s.
— As ú nicas coisas que encontrei no laborató rio foram algumas de suas
combinaçõ es. — Ecos do joguinho que seu irmã o costumava jogar para
diversã o e admiraçã o de todos. — Um béquer fundido a uma mesa para
que pareça estar prestes a cair, uma estante de livros fundida ao teto e
moldada para parecer ondular, um livro fundido a uma faca para que as
pá ginas fluam como um líquido pelo metal. — Esse ú ltimo era
surpreendente, uma verdadeira obra de arte.
— Nunca conheci nenhum outro anjo que pudesse fazer uma coisa
dessas, — disse Titus.
— Sim, é um dom ú nico. Osíris acredita que ganhou durante uma
Cascata passada. — Alexander levou o livro e a faca derretidos para sua
casa, para que nã o fossem danificados pelos elementos. — Me ocorreu
que talvez ele tenha se cansado do frio depois de tantos anos e fugido
para sua ilha tropical, entã o fui visitá -lo lá – apenas para encontrá -la
vazia, sem sinais de habitaçã o recente.
ç
A vegetaçã o tropical tomou conta do laborató rio, enquanto uma
bananeira inteira crescia através do telhado quebrado do que foi a
residência de Osíris. Trepadeiras pendiam e rastejavam por toda parte,
e ouviu o canto dos pá ssaros de dentro dos prédios do complexo. Flores
enormes que eram claramente estranhas e adoráveis híbridas
desabrochavam com abandono, seu perfume enjoativo.
O trabalho de seu irmã o, Alexander entendeu, o perturbava num nível
que nã o conseguia articular.
— Acha que ele está fazendo algo que nã o quer que você veja? —
Titus franziu a testa, linhas sulcando sua testa. — Nã o apenas sendo
reservado como os estudiosos à s vezes sã o com seus projetos mais
preciosos?
Alexander acenou. — Eu sei que sim. Pois enquanto ele limpava o
laborató rio em minhas terras, vi restos perturbadores em seu
laborató rio abandonado na ilha. — Minú sculos insetos repulsivos
rastejaram sobre ele.
— Grandes ossos de animais deitados perto de correntes – como se ele
tivesse confinado as criaturas dentro de seu espaço de trabalho escuro
e sem janelas. Outros ossos mostravam sinais de desnutriçã o e
queimaduras nã o naturais – nã o semelhantes a ossos numa pilha
queimada, mas como se o membro do animal fosse amputado e depois
cauterizado.
Ele viu outras coisas também. Pedaços de couro que pareciam
desconcertantemente como pele mortal ou imortal, uma tá bua de pedra
esquecida com a imagem esculpida de um corpo angelical dissecado,
até os ossos das asas expostos... e o pior de tudo, uma pilha de ossos
que à primeira vista pareciam os de crianças mortais. Felizmente,
provaram ser de pequenos macacos, mas o grande nú mero deles...
Que utilidade tinha Osíris para tantas criaturas tagarelas e travessas?
— Meu territó rio tem muitos predadores, — Titus murmurou, olhando
para a paisagem abaixo, — mas muito poucos desses predadores
brincam com suas presas. Tal crueldade é coisa de anjos, vampiros e
mortais. — Sua mandíbula estava apertada. — De que ajuda precisa
para encontrar respostas, meu amigo?
— Nã o posso falar disso para outros do Cadre. Nã o condenaria Osíris
por simplesmente ser reservado. Muitos com sua inteligência e
peculiaridades sã o assim. E ele pode ter uma explicaçã o razoável de
que nã o somos eruditos o suficiente para adivinhar.
Titus acenou. — Arcanjos menos amigáveis também podem ver sua
preocupaçã o como uma fraqueza a ser explorada.
— Também isso. Preciso encontrá -lo antes que mais alguém perceba
que meu irmã o desapareceu e preciso garantir que nã o esteja fazendo
nada que nã o deva ser feito.
Tensã o travando seus ombros, acrescentou: — Aquele arrogante,
Raphael, tem me perguntado sobre meu irmã o, dizendo que ouviu
p p g q
rumores preocupantes. — Alexander nã o tinha conhecimento desses
rumores e nã o queria mostrar sua mã o pedindo esclarecimentos a
Raphael. O que deixava apenas uma opçã o. — Preciso encontrar Osíris
antes que Raphael o faça.
Titus ergueu uma sobrancelha. — Nã o confia no jovem Rafe?
— Ele pode ser sangue de Caliane e Nadiel, mas é um filhote, —
murmurou Alexander. — Nem mesmo mil anos. Esta é uma questã o de
adultos e de família.
Titus nã o disse nada sobre esse ponto, ambos cientes de que Titus e
Alexander eram da família do coraçã o. — Vou colocar meu ouvido no
chã o,
— Titus disse em vez disso, — e instruir meu mestre espiã o a fazer o
mesmo.
Ozias cortaria o coraçã o dela antes de me trair, entã o a localizaçã o de
seu irmã o será mantida em segredo por ela caso ela descubra.
No final, no entanto, foi o filhote arrogante de Callie que descobriu a
localizaçã o de Osíris.
CAPÍTULO 24
Raphael deu a Alexander a localizaçã o da nova residência de Osíris, mas
se recusou a revelar a fonte de seu conhecimento. Isso teria irritado
Alexander se nã o fosse uma questã o de urgência. Porque os rumores
recolhidos pelo povo de Raphael diziam que Osíris nã o estava fazendo
experimentos em animais, mas em crianças mortais.
— Nã o. — Alexander cortou com a mã o, assombrado pela lembrança
daquela pilha de ossos de macaco. — Ele nã o faria. Meu irmã o nã o é
mau.
Nã o faria mal a uma criança. — Nã o o homem que foi tã o caloroso,
generoso e gentil com seu irmã o mais novo.
Para sua surpresa, Raphael acenou. — Também nã o posso acreditar.
— Os olhos do filhote eram tã o ardentemente azuis quanto os de sua
mã e, a cor do céu de uma montanha alta ao meio-dia.
Uma onda de desejo varreu Alexander com a visã o. Oh, o que nã o faria
pelo conselho calmo de Caliane agora. Mas Callie enlouqueceu e agora
dormia num lugar desconhecido de todos, até mesmo de seu filho.
Um filho cujo corpo ela quebrou em pedaços quando ele tentou
confrontá -la. Essa mesma mulher uma vez quase chorou porque seu
“menino” tinha um joelho esfolado. As pessoas mudavam de maneiras
sombrias e terríveis.
O conhecimento era um peso de chumbo nas asas de Alexander.
— Nã o importa nossa crença nele, devemos investigar esses rumores,
— acrescentou Raphael. — Algo assustou tanto os mortais numa regiã o
adjacente à sua residência que abandonaram aldeias estabelecidas há
muito tempo. Aqueles que podem ser persuadidos a falar sussurram
sobre um monstro que vem à noite e rouba seus filhos. Pode ser que
Osíris tenha disparado inadvertidamente uma arma contra a populaçã o.
Alexander quase estremeceu de alívio. Uma arma fora de controle ainda
era um resultado melhor do que seu irmã o assassinando crianças. E
embora nã o quisesse ninguém em seu negó cio de família, deu um breve
aceno de cabeça. Nã o poderia cortar Raphael disso quando ele fez a
coisa honrosa e veio até ele ao invés de voar direto para Osíris. — Você
tem certeza de que todas as trilhas levam de volta à terra da neve e do
gelo?
— Tenho. As aldeias afetadas estã o na ponta do continente mais
pró ximo. Uma longa viagem de navio, mas nã o para um anjo voando.
O que Raphael nã o disse, mas Alexander ouviu alto e claro foi que nã o
seria um vô o difícil para um anjo da idade e força de Osíris, mesmo que
aquele anjo estivesse carregando uma criança mortal.
— Nó s vamos agora. — Alexander nã o suportava ficar no limbo, nã o
com uma acusaçã o tã o horrível pairando sobre suas cabeças. — Nã o
preciso de preparaçã o. Você pode me seguir se precisar de mais tempo.
— Nã o. Mesmo que as crianças perdidas nã o tenham nada a ver com
Osíris, devemos descobrir o que está acontecendo. Embora precisemos
voar para as aldeias, teremos que obter o acordo de Elijah. É territó rio
dele, e a ú nica razã o pela qual ele ainda nã o sabe das perdas é porque a
á rea é muito isolada.
— Por que você sabe? — Alexander disparou.
— Tenho um amigo que gosta de caminhar por trilhas duras e isoladas
– ele vê e ouve muito, — foi a resposta fria, que nã o disse
absolutamente nada a Alexander. O informante de Raphael podia ser
qualquer um, vampiro, anjo ou mortal.
Nã o que isso importasse. O que importava era encontrar Osíris.
*
Assim foi que Alexander voou, nã o exatamente lado a lado com o filho
de Caliane.
Deixou seu pró prio filho no comando de seu territó rio. Enquanto Rohan
era oficialmente seu mestre de armas, na verdade se tornou o segundo
temporá rio de Alexander na ú ltima década. Nã o era um caso de
nepotismo – Alexander nã o acreditava em promover o sangue sobre
aqueles com mais habilidade. Rohan conquistou cada uma de suas
posiçõ es e promoçõ es.
O filho de Alexander era muito, muito bom no que fazia.
Tã o bom que outros membros do Cadre tentaram roubá -lo como seu
mestre de armas, e quatro séculos antes, Rohan aceitou uma dessas
ofertas.
Porque era filho de Alexander, cheio de orgulho guerreiro, e nã o queria
que se dissesse que seu título nã o passava de um presente do pai.
Quando finalmente retornou à corte de Alexander, os anjos nã o o
conheciam como Rohan, filho de Alexander, mas como Rohan, mestre
de armas de um arcanjo. O orgulho de Alexander por seu filho era
imensurável.
O garoto era tudo que poderia querer que ele fosse, a melhor surpresa
da vida de Alexander.
Nã o amava a mã e de Rohan, nã o tinha certeza se ainda tinha
capacidade para tanto amor, e sua uniã o foi breve. Quando ela veio até
ele com notícias de uma criança, foi o choque de uma vida.
Um belo choque.
— Desejo ir com você, pai, — Rohan disse quando Alexander lhe deu
um breve resumo antes de sair com Raphael. — Você precisa de pessoas
em quem possa confiar ao seu redor.
— Isso nã o é uma emboscada, filho. Raphael nã o é construído dessa
maneira. — O filho de Callie lembrava Alexander de si mesmo – talvez a
razã o pela qual estava tã o irritado com o filhote. — E preciso de você
aqui.
Nã o tenho ideia do que vou encontrar na nova casa do meu irmã o, ou
por quanto tempo ficarei ausente. Nó s dois nã o podemos ficar longe da
p q p p g
corte.
Rohan, sua pele de um castanho claro polido, o mesmo tom de sua mã e,
e seus olhos mais escuros de ébano, suas asas de prata pá lida que se
fundiam em cinza carvã o, finalmente concordou. — Espero que os
rumores sejam muito exagerados. Histó rias assustadoras contadas por
mortais assustados. A á rea nã o tem gatos selvagens de vá rios tipos?
Talvez sejam esses gatos que estã o caçando seus filhos. As criaturas sã o
conhecidas por se tornarem ousadas contra os mortais.
Alexander torceu para que seu filho estivesse certo, mas quanto mais se
aproximavam do coraçã o gelado da nova casa de Osíris, mais seu
sangue começava a gelar. Seu irmã o escolheu um lugar tã o remoto que
mesmo os anjos raramente passavam por ali. Nã o estava em nenhuma
de suas rotas de vô o habituais e, mesmo que estivesse, a casa de Osíris
estava posicionada à sombra de uma enorme saliência. Essa saliência o
protegeria da neve e de quaisquer avalanches resultantes, mas também
forneceria um escudo contra os voadores acima.
Para Raphael encontrar isso... bem, o filho de Caliane a deixaria
orgulhosa.
— A residência é menor do que eu esperava, — disse ele depois que os
dois pousaram silenciosamente na neve que caía.
Flocos de neve pegando o tom da meia-noite de seus cílios, Raphael
disse: — Para ter espaço para um laborató rio, ele deve continuar no
subsolo. Faz sentido neste ambiente.
A mente de Alexander se agitou, vomitando uma conversa há muito
esquecida sobre a necessidade de Osíris de um lugar mais frio para
fazer seu trabalho. A discriçã o com que Osíris abandonara exatamente
esse espaço no pró prio territó rio de Alexandre era agora combustível
para o fogo frio em suas entranhas. Por que se instalar neste lugar
desolado quando já tinha acesso seguro a um ambiente de constante
gelo e frio?
Alexander também nã o gostou da ideia de seu irmã o se esconder na
terra. Essa nã o era a inclinaçã o natural de sua espécie. Pertenciam ao ar
e ao céu. Mas Osíris escolheu esse nada remoto e frio por uma razã o.
Coisas mortas podiam ser impedidas de apodrecer por um frio tã o
forte.
O estô mago de Alexander embrulhou, uma ná usea gelada ameaçando
tomar conta. — Vamos lá . — Ele caminhou à frente.
Raphael nã o negou seu direito de ser o ú nico a confrontar Osíris.
O filho de Callie tinha boas maneiras, pelo menos.
Quando foi empurrar a porta, no entanto, ela estava trancada. A ná usea
se transformou em bile escaldante. Por que que Osíris necessitava
trancar uma porta neste lugar tã o distante de qualquer outro indício de
civilizaçã o que era uma extensã o de nada branco?
Incapaz de falar além do medo que o estrangulava em sua garganta,
usou um pulso de poder arcangélico para quebrar a fechadura.
p p g p q
Ele esperava calor quando entrou pela porta aberta, mas o interior da
casa mostrou-se tã o gelado quanto o exterior. — Isso nã o está certo.
Os anjos foram construídos para sobreviver ao frio extremo, mas isso
nã o significava que ficavam confortáveis. Ele e Raphael estavam
vestidos com couros pesados, o interior forrado para isolar contra uma
paisagem tã o dolorosamente inó spita.
Osíris também viveu nos tró picos por tanto tempo porque nã o gostava
de climas mais frios. Alexander ainda podia se lembrar de como seu
irmã o gemeu com a temperatura quando estavam explorando um local
para ele montar um laborató rio nas terras de Alexander. A antipatia de
Osíris pela neve e pelo gelo também era o motivo pelo qual raramente
visitava o Refú gio depois que Alexander nã o era mais criança,
preferindo de longe que Alexander fosse até ele e um lugar “onde
nossas regiõ es inferiores nã o
congelariam, meu irmã o. ”
A risada de seu irmã o mais velho era um eco fantasmagó rico em sua
cabeça, percebeu os pingentes de gelo que pingavam das prateleiras do
outro lado, a camada de gelo fino que brilhava em manchas no chã o.
Tendo entrado atrá s dele, Raphael se agachou para tocar o dedo no
gelo. — Nã o se firmou solidamente. — Uma vez de volta à posiçã o
vertical, colocou uma bota no gelo e as rachaduras se espalharam para
fora, a casca fina se fraturando para liberar um fio de líquido. — Isso
nã o é como os pingentes de gelo – que acho que se formaram de
condensaçã o presa. A á gua derramou aqui, começou a congelar.
Alexander apontou um jarro de metal que estava virado no canto. —
Lá .
— Nã o há nenhum outro sinal de problema. — Raphael se virou
lentamente, absorvendo todo o espaço. — Os livros ainda estã o nas
prateleiras, e olhe lá – um prato de comida intocada na mesa da qual o
jarro caiu.
— Conhecendo meu irmã o, ele se distraiu com um experimento ou um
pensamento repentino. — A ná usea de Alexander começou a diminuir,
sendo substituída por uma onda de afeiçã o divertida. Pois isso era
exatamente como Osíris. — Ele permitiu que o fogo se apagasse,
ignorou o jarro caído em sua pressa para chegar ao laborató rio.
Quando caminhou até o pesado forno de ferro e abriu a porta, viu
algumas brasas, o calor o mais leve beijo em sua pele. Nada suficiente
para conter a atmosfera desta terra de neve e gelo tã o desolada que até
os anjos lhe deram um amplo espaço.
— Osíris deve ter outros meios de aquecer sua casa. — Alexander
fechou a porta do forno. — Este forno mal faria diferença. — Foi
quando avistou a explosã o de canos que emergiam da parte de trá s do
forno e percebeu seu erro. — Condutores de á gua, — disse ele. —
Devem correr por toda esta residência. O forno pode ser suficiente
quando o sistema estiver em operaçã o estável.
q p ç
Raphael nã o o estava ouvindo; estava olhando para uma parte da
parede oposta que parecia ter sido danificada para revelar blocos de
pedra do outro lado. Enquanto Alexander observava, Raphael colocou a
mã o na pedra, franzindo a testa.
— O que foi, Rafe? — ele disse, voltando ao nome que uma vez o
chamou de menino - quando Nadiel estava vivo e Caliane nã o corria
risco de loucura.
Naquela época, Raphael era o filho querido de um amigo querido.
— Nã o sei. — Levantando a mã o da pedra, Raphael olhou para ela,
entã o curvou os dedos para dentro. — Isso me perturba por algum
motivo.
Apesar de sua crescente crença de que Osíris estava apenas sendo
Osíris, Alexander nã o desconsiderou as palavras do jovem anjo; o
menino podia ser arrogante, mas era filho de dois arcanjos, seu sangue
formado de poder violento.
Nesse momento, porém, Alexander nã o teve tempo de olhar para as
paredes. — Osíris deve estar lá embaixo. — Ele avistou escadas à
direita, logo além do que parecia ser a cozinha e a sala de jantar de seu
irmã o.
Ele foi por ali, Raphael ao seu lado. Olharam para uma escada sem
janelas para ver gelo pingando do corrimã o, a cena iluminada pelo
brilho esverdeado do musgo bioluminescente que estava morto em
grandes manchas. — O frio, — disse Alexander. — O musgo nã o foi
projetado para sobreviver a ele. — Mas restava o suficiente para
iluminar as escadas.
Sem á gua, sem gelo naquelas escadas, mas também nã o havia espaço
extra para manobrar. Alexander olhou ao redor, franziu a testa. — O
interior desta casa nã o é tã o grande quanto deveria ser se medirmos
pelo tamanho da estrutura externa.
— Como se houvesse espaço escondido ao redor. — Raphael virou
aqueles olhos familiares para a parede ao lado deles. — Mas o que
toquei atrá s dos painéis de madeira era pedra. Seu irmã o construiria
tú neis de pedra ao redor de sua casa?
— Isso significaria um enorme gasto de poder sem razã o aparente, —
Alexander murmurou. — Nã o é como se ele precisasse esconder coisas
de intrusos – além de Osíris, provavelmente somos os primeiros anjos
que pisaram aqui.
— Acredita que ele construiu este lugar com suas pró prias mã os? —
— Sim. Osíris tem muitos dons, muitos pontos fortes — e é paciente.
— Para manter sua casa um verdadeiro segredo, teria transportado
cada pedaço de material de construçã o aqui pedaço por pedaço
cuidadosamente.
— Eu vou primeiro.
Mais uma vez, Raphael nã o tentou detê-lo. Porque isso era uma questã o
de família.
Ele ouviu o sussurro das asas do outro anjo enquanto o seguia, mas
tudo o mais estava em silêncio... até pouco antes dele estar prestes a
dobrar a esquina para a parte final da escada - que se alargou o
suficiente para permitir que ficassem lado a lado.
Ouve isso? ele disse mentalmente para Raphael, pois sem surpresa, o
filho de dois arcanjos exibiu a capacidade de se comunicar dessa
maneira muito jovem.
Alexander raramente iniciava contato mental com aqueles fora de seu
pá tio interno, mas era fá cil com Raphael - porque Alexander falou com
o menino antes dessa maneira, nos anos apó s o desaparecimento de
Caliane.
Sharine, que sempre foi a amiga mais pró xima de Callie, assumiu a
liderança em ajudar Raphael a se recuperar dos ferimentos
catastró ficos que sua mã e louca infligiu ao filho que Alexander sabia ser
um pedaço de seu coraçã o, mas Alexander estava lá nas sombras.
Ele se certificou de que ninguém ousasse condenar ao ostracismo ou
maltratar o filho de Caliane - porque havia aqueles na espécie dos anjos
que começaram a sussurrar que certamente o menino logo acabaria
louco, já que seus pais caíram nessa afliçã o.
Ele se perguntou se Raphael se lembrava. A criança falante que uma vez
montou em seus ombros enquanto Alexander caminhava com Callie e
Nadiel foi... danificado pelas açõ es de sua mã e, e Alexander nã o tinha
certeza se estava realmente presente em grande parte das
consequências imediatas.
Nã o que isso importasse.
Embora Alexander gostasse de Raphael – filhote iniciante ou nã o –fez o
que fez por Callie, a amiga que ficou ao seu lado por toda a eternidade.
A amiga que permitiu que ele gritasse sua raiva e sua perda quando sua
Zani entrou no sono.
Pequenos sons, Raphael disse agora. Movimento.
Sim, mas nã o de um anjo adulto. Esses movimentos eram menores,
quase... secretos. Provavelmente é um animal.
Você provavelmente está certo.
Sem mais palavras, os dois se movendo silenciosamente para a seçã o
mais larga da escada... e entã o entraram num grande laborató rio
iluminado por vá rias lanternas bruxuleantes. O ó leo estava prestes a
acabar Alexander pensou, enquanto Raphael examinava a metade
direita da sala, Alexander a
esquerda.
Ambos viram Osíris ao mesmo tempo.
CAPÍTULO 25
O irmã o de Alexander estava deitado de costas no chã o, com os braços e
pernas abertos... e seu rosto uma má scara de sangue com garras.
Sombras tremeluzentes dançavam sobre o pesadelo dele. Sua garganta
se foi, rasgada em pedaços até estar perto de uma decapitaçã o. Mas isso
nã o era o mais assustador.
Um pequeno, minú sculo menino mortal, nu, exceto pelo sangue que
cobria a escuridã o quente de sua pele, agachado na asa esquerda de
Osíris, sobre a cavidade aberta de seu peito. Seu cabelo desgrenhado
era um choque de prata, impressionante em sua pureza de cor. O
menino segurava algo escuro e ú mido em suas pequenas mã os, estava
dando mordidas rá pidas e vorazes.
A criança está comendo o fígado do meu irmão. As palavras mentais
saíram frias de choque, com a impossibilidade do que estava vendo.
Como essa criancinha poderia ter acabado com Osíris?
Entã o um gorgolejo soou do anjo no chã o e Osíris começou a se
levantar, sua mã o em punho movendo-se com intençã o bruta, como se
fosse dar um soco no menino.
Um raio de poder - o poder de Raphael - atingiu Osíris, empurrando-o
de volta para baixo antes que pudesse fazer contato com a criança.
Alexander nã o fez nenhum movimento para parar Raphael. Tudo que o
outro homem fez foi proteger uma criança. Os anjos nã o atingiam os
jovens.
Por que Osíris, esse irmã o mais velho que sempre protegeu a criança
que Alexander foi, tentou tal ato?
Irmão. A voz mental de Osíris, trêmula e fraca. Ajude-me.
Ao mesmo tempo, a criança virou a cabeça para Raphael e Alexander.
Um som de rosnado emergiu do fundo de seu peito. Mesmo enquanto
Alexander olhava, tentando dar sentido a esta situaçã o, uma espécie
de...
ondulaçã o sombreou a pele da criança. Listras. Como as de um tigre. E
por um momento, o menino era um tigre em forma humana, seus olhos
prateados tã o puros quanto os de Alexander, mas muito mais ferozes.
Assobiando quando Raphael se moveu na direçã o dele, o menino correu
atrá s, deixando pequenas pegadas de sangue na asa de Osíris e
deixando cair seu prêmio, o fígado de Osíris, nas penas salpicadas de
sangue de seu irmã o. Aqueles olhos prateados dispararam para
Raphael, depois para o fígado, de volta. A criança estava tentando
calcular se podia chegar antes de Raphael.
Uma criatura faminta pronta para lutar por sua comida mesmo contra
um predador maior.
O cérebro de Alexander finalmente processou como os ossos do menino
empurravam contra sua pele, como suas bochechas estavam escavadas.
A criança precisava comer. Antes que pudesse dizer qualquer coisa
sobre pegar comida na cozinha, Raphael se agachou, pegou o pedaço de
fígado... e estendeu para a criança.
Alexander sabia que deveria intervir, deveria matar Raphael por tratar
Osíris com um descaso tã o insensível, mas tinha a sensaçã o doentia de
que seu irmã o devia a essa criança seu sangue e sua carne. Entã o ficou
em silêncio enquanto a criança pesava a oferta de Raphael antes de
correr para frente com velocidade desumana para pegar a oferta; ele
entã o correu para se esconder nas sombras sob uma grande mesa para
devorá -lo.
Raphael olhou para Alexander enquanto Alexander descia ao lado
direito de seu irmã o, seu estô mago em agonia. — Eu acredito, —
Raphael murmurou, — que a criança já mordeu o coraçã o de Osíris. —
Era um murmú rio baixo, do tipo que uma pessoa usaria se nã o quisesse
assustar um animal selvagem. — Ele tem velocidade quase arcangélica.
Olhos prateados brilharam para Alexander debaixo da mesa, o rosto da
criança mais uma vez uma ondulaçã o listrada que nã o era bem humana.
— Irmã o, — ele disse a Osíris, e pegou sua mã o, — o que você fez?
Osíris respondeu mente a mente. Consegui, Alexander! Cumpri a
promessa do meu dom de fusão! Fiz uma quimera! Tanta excitaçã o nos
olhos que estavam cercados por sangue seco e vísceras crostosas. Os
orbes foram arrancados, Alexander percebeu, entã o regenerado. Mas
nã o havia nada de dor no tom de Osíris, apenas alegria, tanta alegria.
Meu nome será conhecido por toda a humanidade! Ficará escrito para
sempre em nossa história.
Alexander olhou mais uma vez para a pequena criança faminta que se
comportava mais como um animal, e sentiu seu coraçã o se partir em
dois.
Como fez isso? Qual foi o custo?
Valeu a pena, meu irmão! Fiz uma nova criatura! Um novo ser! Uma fusão
estável de um tigre e um mortal!
Enquanto Alexander lutava contra as lá grimas que queimavam sua íris,
viu Raphael se levantar e se virar para explorar o resto do laborató rio.
Os olhos da criança brilharam e entã o ele estava saindo de seu
esconderijo escolhido para seguir Raphael. Pulando nas mesas com a
facilidade de um gato, o menino rondava com olhos curiosos.
Deixando atrá s um rastro vermelho-rosado de pegadas e marcas de
mã os.
A criança era surpreendente e selvagem e nã o deveria existir. — Um
mortal nã o é para ser um tigre e um tigre nã o é para ser um mortal, —
ele disse a seu irmã o, sua voz como cascalho.
Eu vejo dois lobos mortos numa grande jaula à esquerda, Raphael disse a
ele ao mesmo tempo. Pela rigidez de seus corpos, morreram há algum
tempo. Parecem ter sido dilacerados por garras. Sangue velho cobre o
interior da gaiola.
g
Alexander tentou nã o pensar no menino trancado dentro da jaula com
lobos, mas seu cérebro se recusou a parar de fazer a conexã o. Por que
Osíris faria uma coisa tã o feia?
A criança tem presas. A voz sombria de Raphael em sua mente
novamente, o outro anjo de pé perto da parede oposta com a criança
selvagem numa prateleira acima dele. Aquele cabelo prateado
extraordiná rio pendeu ao redor do rosto do menino quando ele se
inclinou para ver o que Raphael estava fazendo.
Você o fez, irmão? Isso seria uma abominaçã o ainda pior. As crianças
nã o foram feitas para serem transformadas em vampiros. Nunca. Era
um crime tã o grave que a ú nica e irrevogável puniçã o era a morte.
Os mortais eram lampejos de vaga-lume num mundo imortal, mas as
crianças ainda eram crianças, para serem protegidas e amadas. Nunca
para serem abusadas e quebradas.
Não, Osíris disse, mas nã o segurou o olhar de Alexander.
Simplesmente usei uma ou duas gotículas da toxina de fabricação como
parte do experimento. Sua mã o estremeceu em Alexander quando ele
mencionou a perigosa toxina que se acumulava em corpos angelicais, e

poderia ser purgada num mortal – levando assim à criaçã o de
vampiros.
Osíris continuou a falar na mente de Alexandre. Ela se fundiu com seu
sangue. Excitaçã o febril, uma alegria atordoada e brilhante. Ele não é
anjo, mortal, animal ou vampiro. Ele é uma verdadeira quimera. Tosse
sangrenta quando o som de Raphael rasgando a parede de trá s encheu
o ar. Ajude-me, Alexander... irmãozinho.
— Eu vou, — Alexander disse gentilmente. — Eu vou, Osíris.
Um som de rosnado.
Olhou para cima para encontrar a criança olhando para Raphael com as
presas à mostra enquanto Raphael estava na frente de uma seçã o da
parede traseira que ele arrancou para revelar o que havia além. Tijolos
de pedra. O estranho era que cada tijolo tinha uma forma ú nica – como
se a pedra fosse trabalhada por poder angelical.
— O que está aqui? — Raphael perguntou à criança, como se o menino
selvagem pudesse entender.
Os olhos de Osíris mudaram novamente, e Alexander soube. Seu
coraçã o já partido sofreu um golpe mortal. Ainda assim, tinha que ter
certeza além de qualquer dú vida. — Onde enterrou as outras crianças?
As outras criaturas selvagens? As quimeras fracassadas?
Nada de seu irmã o.
Mas Alexander podia ler o rosto ensanguentado de Osíris. São caixões,
Raphael. Meu irmão se cercou com os corpos de todas aquelas crianças e
animais que ele torturou. Lá grimas rolaram por seu rosto, suas asas
caíram no chã o.
Alexander, isso dói. Osíris sugou um á spero suspiro de ar. Por favor, me
tire deste lugar frio para que eu possa me curar.
Não se preocupe, irmão. Alexander voltou sua atençã o para Raphael.
Leve o menino daqui, Rafe.
O anjo mais jovem nã o discutiu. Nem tentou agarrar a quimera
selvagem. Em vez disso, apenas estendeu os braços, as mã os
manchadas de pó por rasgar a parede e sangue seco de quando pegou o
pedaço do fígado de Osíris.
O menino o observava com olhos prateados desconfiados... antes de
pular direto em seus braços e se agarrar a ele com garras afiadas. Nã o
estremecendo, embora Alexander pudesse ver que aquelas garras
cortaram seu couro, Raphael saiu sem olhar para trá s.
A quimera assobiou e rosnou para Osíris enquanto passavam, até
mesmo esticando uma pequena – tã o pequena – mã o com garras, como
se fosse arrancar ainda mais pedaços de seu algoz.
Onde o está levando? Ele é minha criação! Osíris lutou para se levantar,
estava muito fraco.
Não se preocupe, meu irmão. Tudo está bem. A justiça dizia que Osíris
deveria sofrer dor e tortura pelo que fez, que deveria gritar como suas
vítimas inocentes devem ter feito, mas Alexander nã o podia fazer isso
com o irmã o que uma vez segurou sua mã o e o ensinou a nadar.
No entanto, sabia que Osíris nã o podia viver. Ficou claro que acreditava
que tinha feito uma grande coisa, que os anjos iriam honrá -lo. E a
terrível verdade era que alguns na espécie dos anjos o fariam, se sua
atrocidade se tornasse conhecida. Porque o mal existia em todas as
espécies, mortais e imortais. Permitir que Osíris vivesse seria espalhar
um câ ncer que levaria a mais mortes inocentes, pais mais devastados e
pequenos corpos quebrados.
Entã o executou seu irmã o com misericó rdia, usando um pequeno pulso
de poder arcangélico para acalmar seu coraçã o e cortar a conexã o com
seu cérebro. Antes de fazê-lo, no entanto, entrou com graça delicada e
tomou todas as memó rias de Osíris para fazer a quimera. Aquele
menino selvagem e raivoso, se sobrevivesse, se fosse sã o e capaz de
entender, mereceria conhecer sua histó ria um dia.
Ele garantiu que Osíris nã o sentisse nada, que morresse acreditando
que em breve seria festejado como um pioneiro lendá rio. Ele foi em
paz...
mas Alexander nã o sentiu nenhuma. Ao pegar as memó rias de seu
irmã o, descobriu uma coisa ainda mais terrível do que o acontecido
antes: Osíris ainda mantinha concubinas, mas nã o eram nada parecidas
com a inteligente e espirituosa Livaliana, que já foi tã o querida por
Osíris.
Em vez disso, Osíris tinha como alvo especificamente mulheres com
mentes simples e sem curiosidade, mulheres que ficariam felizes com
enfeites e uma vida de luxo e nã o exigiriam mais nada dele. Abrigou
g g
todas as quatro numa grande fortaleza longe de outros anjos. Embora
visitasse suas amantes, mas raramente, as quatro concubinas eram
todas anjos.
Osíris tentou gerar uma criança imortal para experimentar.
Alexander agachou-se com a mã o do irmã o morto na sua e chorou.
Por uma perda que o assombraria para sempre. Cada memó ria de Osíris
manchada, suas risadas compartilhadas, uma crueldade agora. Tudo
doía. —
Sinto muito, — disse ele, falando nã o com seu irmã o, mas com todas as
crianças mortas que jaziam neste lugar.
Poderia jurar que um sussurro frio passou por seu pescoço.
Olhando para seu irmã o, sabia que Osíris era indesejado aqui. Ele era o
intruso agora. Entã o, apó s um ú ltimo toque da mã o de seu irmã o,
Alexander transformou Osíris em cinzas, entã o usou seu poder para
reunir todas as cinzas num dos recipientes do laborató rio. — Ele nã o
vai te machucar mais,
— ele prometeu aos pequenos fantasmas que estavam olhando para
ele.
Um pingente de gelo quebrou para cair no chã o quando se virou para
sair e sabia que era indesejado também. Sangue do homem que fez esta
abominaçã o.
No peito uma teia de rachaduras, deixou as vítimas de seu irmã o em sua
paz gelada.
Saindo, procurou Raphael e o encontrou ao longe, a criança em seus
braços e o que parecia ser um saco a seus pés. O anjo tirou seu casaco
externo quente e fortemente forrado e colocou a criança nele. O fato de
nã o ter mangas nã o importava – a criança era pequena o suficiente para
envolver seu corpo nu. Nã o que a quimera selvagem parecesse
impressionada com a peça de roupa. Continuava mordendo o couro,
mas pelo menos nã o estava tentando escapar dos braços de Raphael.
Raphael também envolveu os pés do menino em algo e provavelmente
estava usando seu pró prio calor angelical para mantê-lo aquecido.
Ainda assim, pelo que Alexander captou da mente de seu irmã o, a
criança nã o duraria muito neste frio. Tinham que tirá -lo daqui. Mas
primeiro — Raphael, desejo transferir o conhecimento de Osíris para
você. Eu não deveria ser o único que conhece a história do menino. Até os
arcanjos podem morrer – ou entrar no Sono.
Concordo com a transferência, Raphael respondeu. Também peguei o
que parecem ser os diários de seu irmão da estante no andar de cima. A
criança pode preferir lê-los em vez de ser contada sua história por você
ou por mim.
Alexander viu o terrível sentido nisso... mesmo quando sentiu uma
repulsa sombria por tocar nos diá rios que sabia que seu irmã o estava
curvado com paixã o faná tica. Essas memó rias eram impressõ es vívidas
na mente de Osíris. A mã o de Osíris fluía pela pá gina, a tinta ameaçando
borrar
com a velocidade de sua necessidade de colocar de lado os
pensamentos de sua descoberta.
Ele chamou o início de sua descida ao mal de “um momento glorioso de
gênio”.
Alexander nã o desafiou o direito de Raphael de manter os diá rios em
confiança para o menino. Tudo que disse foi, vou completar a
transferência de memória agora. Assim foi feito, o terrível conhecimento
agora um fardo carregado por dois. Não posso destruir esta fortaleza,
disse ao filho de Caliane. É um cemitério. Mas não pode ficar aqui para
ser descoberta. O que aconteceu aqui não pode ser conhecido. Com isso,
ele subiu no ar.
À distâ ncia, Raphael fez o mesmo, o menino, bem como os diá rios em
seus braços.
Entã o, com as cinzas de Osíris numa mã o, Alexandre usou seu poder
para derrubar o chã o sob a fortaleza de tal forma que formou uma
cratera uniforme que embalou a casa. E embora nenhum corvo pudesse
voar neste lugar frio, a pena de um corvo voou para pousar no topo do
telhado.
Ele se certificou de que a fortaleza permanecesse intacta enquanto
cavava a cratera cada vez mais fundo. Até que, finalmente, a fortaleza
estava tã o profunda que ninguém jamais a encontraria acidentalmente.
Para ter certeza disso, Alexander transformou a plataforma de pedra
abaixo da qual ela se abrigava em pó .
Apagou todas as outras estruturas rochosas nas proximidades também.
Nã o havia mais nenhum ponto de referência aqui para alguém rastrear,
encontrar. Vá, aqueça o menino, disse a Raphael. Vou cobrir a fortaleza
com a terra escavada, depois observar a neve cair até que a paisagem
fique intocada. E os crimes de seu irmã o serem enterrados. Esse nã o era
o jeito de Alexander - acreditava na condenaçã o pú blica, mas esse
segredo, se conhecido, poderia gerar mais maldade.
Entã o era assim que tinha que ser. A criança poderia ser passada como
uma criaçã o desastrosamente fracassada de um anjo desconhecido, sua
natureza selvagem um subproduto de crescer em condiçõ es adversas -
e seus olhos distintos resultado de Alexander usando seu poder
arcangélico para tentar melhorar o dano causado a ele.
Ninguém iria desacreditar. Que motivo teriam? Afinal, as quimeras
eram criaturas míticas, nada mais que um voo da imaginaçã o.
Alexander
podia prever com segurança que nem uma ú nica pessoa pensaria nisso
como opçã o. E se uma criança maltratada pudesse ser salva, noventa e
nove por cento dos anjos tentariam; nessa situaçã o, os anjos nã o
achariam nada estranho que um arcanjo gastasse seu poder num mero
mortal.
Ainda assim... Concorda com minha decisão, jovem Rafe? Ele nã o podia
garantir que seu amor por seu irmã o nã o estivesse nublando seu
julgamento.
O fogo azul nos olhos de Raphael era aparente mesmo a esta distâ ncia.
Sim. Esse conhecimento não pode se espalhar. Encontraria um ponto de
apoio nos cantos mais feios da nossa sociedade e levaria a mais matança,
mais maldade.
Alexander nã o era de pedir conselhos a ninguém, mas hoje assentiu. A
criança está sob minha proteção. Torne-o conhecido. Ele tinha a sensaçã o
de que nã o seria necessá rio por muito tempo - a quimera se ligou a
Raphael e todos sabiam que o jovem filhote ascenderia mais cedo ou
mais tarde.
O poder do jovem anjo podia ser considerado catastró fico para alguém
de sua idade, exceto que Raphael tinha uma maturidade sombria nele.
Assistir sua mã e executar seu pai, depois ter essa mesma mã e jogando-
o no chã o, esmagando-o em pedaços... sim, tudo marcou o menino de
Callie.
Raphael hesitou. Sinto muito, Alexander. Nunca tive um irmão, mas sei
como é perder a família para a loucura.
O menino estava sendo gentil ao atribuir o horror de Osíris à loucura.
A verdade, como Alexander viu na mente de seu irmã o, uma verdade da
qual tinha certeza de que Raphael também estava ciente, era que seu
irmã o estava muito ciente do mal do que estava fazendo – ele
simplesmente nã o se importava. Osíris achava sua versã o distorcida do
“progresso científico”
mais importante.
Mas Alexander apenas acenou para Raphael, esperando apenas até que
o outro anjo voasse com o símbolo vivo da descida de Osíris ao abismo
antes de começar a usar seu poder para enterrar a fortaleza. Seu
coraçã o era um bloco de gelo quando terminou, mas aterrissou e ficou
na neve caindo para observar a ú ltima parte dela, o manto branco que
seria a mortalha desse cemitério.
E entã o, embora nã o entendesse o porquê, enviou seu poder para o céu
numa chuva de faíscas. Por todas as crianças tã o brilhantes e bonitas
que nunca tiveram a chance de florescer.
Elevando-se no ar no rescaldo, deixou o lugar onde os mortos agora
podiam descansar, e voou e voou e voou, até estar o mais longe possível
do local do enterro. Entã o jogou as cinzas de seu irmã o no coraçã o de
um vulcã o. O final definitivo. Porque, em vez de ser conhecido em todo
o mundo, Alexander garantiria que ninguém falasse o nome de seu
irmã o.
Como Osíris apagou os nomes e futuros de todas aquelas crianças
perdidas.
A eternidade era muito tempo; Osíris seria esquecido em breve.
Uma puniçã o adequada para um crime tã o malévolo e frio.
p ç q p
Ele voou para casa com outra rachadura em seu coraçã o, outra cicatriz
que tirou um pedaço do jovem que já foi. Ele se tornou mais duro ao
longo dos anos - o crescimento era inevitável, e seu crescimento incluiu
eras de ser um arcanjo e ter um vasto poder e, com isso, a
responsabilidade por inú meras vidas.
Mas esta dureza... Será que sua Zani o reconheceria quando acordasse
de seu sono? Ou olharia para ele e veria um estranho sombrio e cheio
de cicatrizes a ponto de nã o ter mais nele o homem que ela amou?
Você vai reconhecê-la?
Um sussurro do nú cleo mais pragmá tico de sua natureza, uma pergunta
que quase o deteve no meio do voo.
Zanaya dormiu por milhares de anos enquanto ele estava mudando,
crescendo. Nã o era apenas possível, mas provável que fossem pessoas
muito diferentes quando se encontrassem novamente em algum futuro
distante.
Seu coraçã o se partiu ao meio desta vez, e a cicatriz que se formou
sobre ele era rígida, sua dureza uma coisa de granito inquebrável.
CAPÍTULO 26
Zanaya nunca poderia prever o horror da histó ria que Alexander estava
prestes a contar. — Oh, meu amor, — ela murmurou quando ele ficou
em silêncio, sua garganta grossa. — Você nã o teve escolha.
— Como vou encarar meus pais quando eles acordarem? — As palavras
de um filho, nã o de um arcanjo. — Eles me encarregaram de cuidar
dele.
— Você fez. — Ela apertou os braços. — Você cuidou dele por um
período interminável de tempo. E mesmo no final, nã o o julgou à
primeira vista, nã o o condenou sem provas.
Mas o crime de Osíris nã o deixou outra opçã o para Alexander.
Os anjos podiam nã o valorizar os mortais, exceto pela funçã o que
forneciam quando chegava a hora de purgar a toxina do sangue
angelical, mas as crianças eram sagradas, independentemente da
duraçã o futura de suas vidas. Anjos salvaram inú meras crianças
mortais ao longo dos milênios.
Alguns até criaram crianças mortais ó rfã s.
A ú nica coisa que os anjos nunca deveriam fazer era prejudicar uma
criança.
— Osíris, — ela disse quando Alexander permaneceu em silêncio, —
fez uma escolha que deixou você com apenas uma.
Ele nã o respondeu. Apenas a abraçou, este guerreiro com um coraçã o
enorme que o fez em pedaços por uma das poucas pessoas que já se
permitiu amar. Como podia acreditar que o coraçã o estava duro como
pedra quando sua dor era tã o potente hoje quanto naquele dia frio na
neve?
Mas um mero suspiro depois, nã o havia mais tempo para eles ficarem
quietos, para ela segurá -lo e deixá -lo saber que nã o havia problema em
lamentar. Alexander enrijeceu, suas pró ximas palavras foram de um
general.
— Valerius me diz que renascidos estã o saindo da direçã o da fronteira
com Neha.
Zanaya nã o fez mais perguntas, apenas se moveu com velocidade
guerreira para se preparar.
Voaram logo depois, e desta vez, ela usava couros que se encaixavam
surpreendentemente bem por terem sido feitos por seu pessoal no
curto espaço de tempo desde sua ascensã o. Eram macios, o couro
funcionava bem
e podia se mover com facilidade.
Bom.
Alexander já havia lhe dado informaçõ es suficientes sobre os
renascidos para que estivesse preparada para o que poderia ver
quando passassem pela linha formada pelo esquadrã o que mantinha as
criaturas sob controle.
Estranho, mas os guerreiros pareciam hesitantes em matar, estavam
apenas afastando os seres nã o vivos com golpes pró ximos, mas nã o
perto o suficiente para acabar com eles.
Entã o ela viu. — Alexander, sã o crianças. — Seu sangue coagulou com
horror á cido, nã o conseguia parar de olhar para a atrocidade abaixo, a
feiura do que Lijuan fez tã o terrível que ultrapassava até mesmo a
memó ria dos terríveis crimes de Osíris.
— Sim. — Nenhuma surpresa no tom de Alexander. — Recebi a
informaçã o enquanto estávamos voando para cá . Deveria ter passado
para você.
— Nã o importa. — Ela entendeu por que ele ficou em silêncio. As
notícias eram demais em cima das memó rias que acabava de reviver;
ele precisava de tempo para chegar a um acordo antes que pudesse
falar sobre isso.
— Eu estava esperando, talvez, — acrescentou Alexander, seu tom
á spero da forma como estava segurando uma forte emoçã o, — que
pudessem ser salvos.
Zanaya entendeu sua esperança. Mas olhando para aqueles rostos
retorcidos, aqueles corpos meio apodrecidos, sabia que nã o havia como
salvar essas almas inocentes. — Devemos oferecer misericó rdia. — As
palavras ficaram presas em sua garganta; nunca em toda a sua
existência ergueu a mã o para uma criança.
— Ela fez isso de propó sito. — A voz de Alexander era aço afiado. —
Sabe que vai desmoralizar nossas tropas ter que matar crianças.
Que maldade, pensou Zanaya. — Devemos ir primeiro. — Porque
ambos eram generais que lideravam no front.
— Sim. — Alexander foi para a frente, parou com a cabeça inclinada
para o oeste. — Há mais. — Palavras duras. — Ninhos se abrindo em
todo o meu territó rio. Ela semeou a paisagem com sua malevolência. —
Sua mandíbula apertou. — Neha deve estar enfrentando o mesmo, e
possivelmente até Michaela. Nó s somos os três arcanjos mais pró ximos
de Lijuan. Ela nos quer ocupados.
— Espero conseguir matá -la. — Os olhos de Zanaya ficaram vermelhos
de fú ria. — Depois disso, nã o pode haver mais argumentos sobre
interferir no territó rio de outro arcanjo. Ela deve morrer.
Alexander deu um aceno sombrio, entã o voou à frente.
Ela permitiu que ele fizesse isso, pois este era seu territó rio e ele tinha
que dar o primeiro golpe. Isso quebraria seu coraçã o, ela sabia. Porque
Alexander nã o era Osíris; seu general nunca machucou uma criança em
sua vida.
E assim começaram incontáveis horas de horror.
Eles se separaram em algum momento, voando com velocidade
arcangélica para diferentes á reas do territó rio. Antes que o fizessem,
g p q
ele disse a ela que Michaela estava voando para se juntar a eles. Seu
territó rio felizmente provou-se livre dessa infestaçã o esmagadora de
espíritos.
Mesmo com três arcanjos na mistura, no entanto, a batalha parecia
interminável, as crianças mortas com vida falsa acusando-os com olhos
silenciosos enquanto caíam sob seu poder. Zanaya chorou mais de uma
vez e nã o tinha vergonha disso.
Nã o havia vergonha em chorar pelo assassinato da inocência.
Zani?
Estou aguentando, ela disse a Alexander, sabendo exatamente por que
ele estendeu a mã o. Como você está?
Morrendo pedaço por pedaço, foi a resposta pronunciada em voz rouca e
marcial. Mas isso deve ser feito. Eles não estão mais vivos, não importa o
que Lijuan possa ter convencido a si mesma.
Ela tentou manter esse pensamento em sua mente nas horas que
passou nos campos banhados no sangue de seres que nã o tinham nada,
nada a ver com esta guerra. Ela foi tã o misericordiosa quanto possível,
usando seu poder onde quer que pudesse – para que morressem num
ú nico golpe, transformados em cinzas antes mesmo de sentirem um
toque de dor.
Tal ato também poupou os guerreiros que lutavam ao seu lado... pelo
menos um pouco. Porque havia muitos ninhos, e os renascidos eram
lamentavelmente pequenos. Eles corriam em direçõ es diferentes. Se
escondiam. E assim os guerreiros, seus rostos manchados de lá grimas e
olhos em carne viva, tiveram que usar suas espadas para derrubá -los.
Cada golpe partia o coraçã o de cada guerreiro.
Zanaya sabia pelos olhares vazios em muitos de seus rostos que
Alexander perderia um pedaço de seu exército angelical para o Sono
assim que esta guerra terminasse. Quanto aos vampiros, se refugiariam
no isolamento que era sua versã o do Sono.
Eles eram leais e corajosos de coraçã o, mas isso...
Mesmo a inabalável e feroz Irmandade da Asa de Alexander podia nã o
passar por este julgamento.
Zanaya nã o culpava nenhum deles.
Especialmente depois que chegou a centímetros de uma criança que
parecia tã o viva que seria fá cil acreditar que era um bebê mortal
perdido, preso neste pesadelo. Horrorizada que pudesse ser verdade,
olhou em sua mente... e ouviu apenas um grito de nada. Sem mente.
Nenhum sussurro do que os mortais chamavam de alma.
Nã o... lá estava ela, uma pequena cintilaçã o.
A raiva tomou conta dela ao perceber que algum pequeno fragmento de
personalidade sobreviveu. Mas esse fragmento estava preso dentro do
horror, seu corpo apodrecendo enquanto essa criatura se alimentava de
seres vivos. Nã o havia como salvar aquele fragmento.
— Sinto muito, pequenino, — ela disse enquanto levantava sua espada.
p q q p
A criança gritou e correu para ela, seus olhos ficando vermelhos.
Entã o estava feito, a cabeça se separava do pescoço, e ela tinha que
passar para o pró ximo e para o pró ximo. Muitos. Uma onda
interminável de morte. Ela matou as crianças de seu território! A fú ria
de Zanaya era uma nuvem negra que se agitava com trovõ es. Essa é a
única maneira que ela pode ter criado tantos.
Sim, foi a resposta sombria de Alexander. Eu teria notado se crianças
mortais começassem a desaparecer com tanta regularidade dentro do
meu próprio território. Um peso terrível em suas palavras, um lembrete
de porque ele era tã o sensível ao assunto. Estas são as pessoas dela.
Pessoas que ela era obrigada a proteger. Essa é nossa aliança tácita com
os mortais.
Ela concordava com ele, embora muitos de sua espécie nã o
concordassem. Muitos acreditavam na espécie dos anjos acima dos
mortais e era isso. A verdade era muito mais complexa: os anjos seriam
um abismo de loucura espumante sem os mortais. Ela nunca soube os
porquês disso,
mas a toxina que se acumulava em corpos angelicais só podia ser
purgada com segurança de uma maneira: através da conversã o de
mortais em vampiros.
No entanto, seus ancestrais angelicais fizeram um trabalho tã o bom em
convencer os mortais de que se tornar um vampiro era um privilégio
que os mortais solicitavam. Se soubessem... Mas isso mudaria alguma
coisa?
Improvável. Porque qualquer revolta mortal só poderia ter um fim: a
morte para os mortais.
Mas nã o desta forma. Nunca desta forma.
Este ato de Lijuan quebrou a fé entre imortal e mortal no aspecto mais
fundamental. Zanaya esperava que nã o houvesse outro arcanjo neste
mundo que concordasse com Lijuan. Se houvesse, pensou enquanto
estava num campo de mortos recebendo uma vida terrível, entã o iria
acabar com eles tã o brutalmente quanto forçaram ela e Alexander a
acabar com essas crianças.
*
Até os arcanjos tinham que descansar em algum momento.
Nenhum deles — Alexander, Zanaya ou Michaela — fizeram isso por um
período de vinte e quatro horas, mas cientes de que seriam inú teis se se
deixassem queimar, voltaram como um para a fortaleza mais pró xima
de Alexander quando as ondas de crianças renascidas chegaram a uma
calmaria.
— É apenas um pequeno adiamento, — disse Alexander depois de usar
um pano ú mido para limpar o suor, a sujeira... e outras coisas, de seu
rosto.
Zanaya acenou com a cabeça agradecendo ao membro pequeno e
magro de sua equipe que trouxe as toalhas e pegou uma para ela.
g q p q p g p
Michaela fez o mesmo, antes de dizer: — Sim. Pelo que ouvimos dos
outros territó rios, Lijuan planejou isso a muito longo prazo. Haverá
vá rias ondas. — Ela limpou o rosto, mas mesmo com sujeira nele, nã o
havia como ignorar sua beleza surpreendente. Pele de um castanho
suave e suntuoso, olhos de um verde impressionante, uma massa de
cabelos desgrenhados em ricos tons de marrom e dourado, suas asas de
um bronze brilhante e seu
corpo alto, mas com todas as curvas certas.
Até seus couros eram requintados, um vermelho escuro que se moldava
ao seu corpo.
— Houve um anjo chamado Gavriel no meu tempo, — Zanaya
murmurou, pensando em voz alta. — Sua pele é um tom ou dois mais
pá lida que a dele, mas você tem uma versã o mais feminina do rosto
dele. — O anjo era bonito além do suportável, cobiçado por muitos.
Zanaya sempre o achou bonito demais, sem nenhum limite, mas de uma
perspectiva puramente estética, apreciava que ele fosse perfeito.
Deixando cair a mã o para o lado, Michaela olhou para Zanaya. — Meu
pai. Ele desapareceu depois que eu estava bem na idade adulta. Nã o sei
se ele dorme ou se está morto.
Zanaya se perguntou se estava imaginando a pergunta na voz de
Michaela. — Nã o posso ajudá -la. Mas ele era conhecido por dormir com
frequência.
Michaela olhou para Alexander. — Você nunca me disse que conhecia
meu pai. — Uma mordida nela.
Ah, então a criança tem o que faltava ao pai.
Nã o reconhecendo o aparte mental de Zanaya, Alexander disse: —
Nã o o conhecia. Ele nasceu no territó rio de Zanaya, fazia parte de sua
corte.
O menor arregalar dos olhos de Michaela, a primeira indicaçã o da
mulher por trá s da má scara de beleza e poder arcangélico. — Nã o sabia
que meu pai estava na corte de um arcanjo.
— Ele era muito bom com as crianças e estava sempre esperançoso de
ter seu pró prio bebê, — disse Zanaya à outra mulher, sem esclarecer
que Gavriel nã o estava nem perto de sua corte interna. Em vez disso,
fazia parte da multidã o bonita e frívola que suavizava os planos severos
de uma corte dirigida por uma ex-general. — Gostei muito dele.
Afinal, uma posição importante, não é, amado? Os que não são
guerreiros, mas que fazem valer a pena voltar para casa? Com suas doces
canções e suas cores e sua capacidade de rir.
O olhar de Alexander foi para o dela. Eu não saberia, Zani. Um tom tã o
azedo quanto limã o. Pareço ser atraído por lâminas desembainhadas.
Esconder sua risada exigia esforço... e mesmo aquela vontade de rir
durou apenas um momento. — Vou contar tudo que me lembro de seu
pai,
— prometeu Zanaya a Michaela, — mas acho que, por enquanto,
devemos
nos concentrar no que está acontecendo dentro deste territó rio e nos
dos outros.
Michaela inclinou a cabeça, régia como uma rainha. Mas como ela foi
para o campo com Zanaya e Alexander, e lutou com coragem, Zanaya
pensou que havia mais nessa mulher do que poderia ser visível na
superfície.
— Que notícias você teve, Alexander?
— O exército de Lijuan alcançou o coraçã o do territó rio de Raphael e é
uma força além da imaginaçã o. — Conduzindo-os ao comando de
batalha da fortaleza, foi até uma grande mesa de areia e expô s os fatos
com uma clareza brutal. — Keemat recebeu as seguintes informaçõ es
sobre seus nú meros enquanto estávamos em campo.
A essa altura, Zanaya aprendeu que a general sênior Keemat era a mais
tecnologicamente proficiente dos generais de Alexander e, como tal, era
responsável por manter a comunicaçã o com as cortes dos arcanjos ao
redor do mundo.
— Isso nã o faz sentido. — Michaela franziu a testa. — Meu mestre de
espionagem estava em seu territó rio antes do nevoeiro negro e nã o viu
nenhuma indicaçã o de uma força desse tamanho. Esqueça as
montanhas e outros terrenos onde ela poderia ter escondido uma tropa
– simplesmente nã o há lugar onde pudesse ter escondido um grupo de
guerreiros tã o grande.
— Concordo. — Zanaya agarrou a borda da mesa de areia. —
Precisariam de comida, á gua, latrinas, alojamentos enquanto treinavam.
Nã o, isso nã o pode ser feito.
Alexander assentiu. — Eu disse o mesmo. Keemat entã o me perguntou
se eu queria o resumo completo do pesadelo enquanto ainda estava em
campo. — Seu sorriso estava cansado. — Decidi nã o. Nã o há nada que
possamos fazer por Nova York agora e queria toda nossa atençã o na
situaçã o no terreno. É terrível o suficiente.
Zanaya queria se irritar com sua arrogâ ncia ao fazer essa ligaçã o, mas
na verdade teria feito o mesmo. À s vezes, nem mesmo um general
conseguia lidar com tudo de uma vez. Ao seu lado, Michaela suspirou.
Zanaya esperava raiva do arcanjo mais jovem, mas Michaela a
surpreendeu novamente. — Aquela cadela fez isso com mais gente dela.

Ela segurou os olhares de Zanaya e Alexander. — Se pode fazer essa
coisa feia com suas crianças, nã o tem nenhuma linha moral, certamente
nenhuma
que a impeça de infectar adultos.
Alexander a encarou. — Está falando de nú meros tã o surpreendentes
que desafiam a probabilidade.
— A neblina negra, — disse Zanaya, pensando nos destroços de
Antonicus. — O mal dela vive dentro dela. Ela usou isso de alguma
forma para converter seu povo a essas coisas que chama de renascidos.
— Vamos descobrir em breve. Keemat me disse que tem imagens em
movimento capturadas em Nova York.
CAPÍTULO 27
Michaela passou a mã o pelo cabelo, que puxou atrá s numa trança solta
em algum momento, mas estava quase todo desfeita. — Preciso estar
limpa. Meu estô mago se agita por estar coberta por esse horror – serei
rá pida.
— Ela está certa. — Zanaya mexeu em sua pró pria roupa; grudava em
sua pele com suor e sujeira e sabe o que mais. — Alguns minutos nã o
farã o uma diferença significativa.
Podia ver Alexander lutando para contradizê-las; Alexander sempre
teve seus pequenos pontos cegos. Todos eles tinham. Mas ele deu um
breve aceno de cabeça, e deixaram a sala de comando. Lemei estava a
espera e levou Michaela para uma suíte de hó spedes, enquanto Zanaya
e Alexander voaram pelo nú cleo central da fortaleza até chegarem ao
nível de suas câ maras de banho.
Alexander nã o a convidou para a dele, e ela nã o o convidou para a dela.
A guerra nã o permitia uma sensaçã o tã o exuberante.
Assim, se lavaram o mais rá pido possível e se vestiram de prontidã o
para voltar ao comando de batalha.
Mais uma vez, Zanaya se viu puxando couros que se encaixavam
perfeitamente em seu corpo pequeno e curvilíneo. Desta vez, a cor era
preto meia-noite, o mesmo tom que ela preferia em seu tempo - e veio
com uma bainha embutida para sua espada. Alguém tomou muito
cuidado para fazer isso para ela.
Amado, ela disse mentalmente, isso é uma coisa pequena no esquema do
que está acontecendo agora, mas pode perguntar a Lemei a identidade
das pessoas por trás das minhas roupas? Desejo agradecê-los.
Uma pausa. Organizado pela própria Lemei. Feito por Shahira e sua
equipe. E Zani, não é pouca coisa que se importe em agradecê-los.
Ela sorriu ao sair de seu quarto, sentiu ainda mais alegria quando um
gato laranja elegante usando uma coleira cravejada de joias se
aproximou dela pedindo carinho. — Ah, um gato da corte, eu vejo, —
ela murmurou, dando à criatura o que lhe era devido. — Você é o mais
magnífico.
No entanto, a explosã o de felicidade foi apenas passageira; desapareceu
quando entrou no comando da batalha e na realidade da guerra. O
comando era um espaço cavernoso, mas ao contrá rio de salas
semelhantes no passado, continha nã o apenas a mesa de areia e os
mapas nas paredes, mas muitas das telas que Zanaya já havia
testemunhado. Vá rios outros dispositivos que piscavam com luzes e
apitavam de vez em quando também estavam na sala, junto com seus
operadores. Vá rios desses operadores eram vampiros magros que
nunca passariam no treinamento de guerreiros.
As guerras não são o que eram em nosso tempo. A voz de Alexander em
sua cabeça, o general a trouxe de volta.
Nã o estava surpresa por ele ter adivinhado a direçã o de seus
pensamentos. Não diria isso, amado. Os mais inteligentes do Cadre
sempre atraíram grandes mentes para nossas cortes. Pessoas cujos
corpos não eram construídos para o ato físico da guerra, mas cujas
mentes poderiam mudar a maré. Não me diga que esqueceu Ibanaya?
Um sorriso assustado que vincou suas bochechas assim que Michaela
entrou na sala. Nunca pude vencê-lo num jogo de estratégia.
Nã o havia mais tempo para falar do passado, porque a general sênior
Keemat se aproximou para afirmar que o “arquivo” estava “pronto para
ser reproduzido”. Baixa e compacta com mú sculos, seus olhos afiados
de um marrom escuro e sua pele um tom mais claro do mesmo tom, seu
cabelo bem preso de um preto rico, a comandante tinha asas do verde
mais escuro com fios de ouro.
Agora, ela os levou para a maior tela da sala, entã o usou um pequeno
dispositivo em sua mã o para iniciar a exibiçã o da memó ria capturada.
Zanaya se preparou e ainda prendeu a respiraçã o com a onda
ininterrupta de maldade de olhos negros sobre a cidade de Raphael. —
Esses lutadores nã o sã o como os renascidos com os quais lutamos.
— Nã o, — disse Keemat, e sua voz tinha uma cadência que lembrou
Zanaya das pessoas de seu Nilo. — Dmitri – esse é o segundo de
Raphael, Senhora Zanaya – me diz que essas criaturas têm um certo
nível de inteligência em comparaçã o com os renascidos. Quase como se
outra mente estivesse controlando seus corpos.
— Se Lijuan é capaz de fazer isso com tantos... — A voz de Michaela
sumiu, mas todos entenderam a magnitude do perigo que ela deixou
sem falar.
Alexander, sua mandíbula uma linha brutal, disse: — Nó s devemos
ajudar, mas primeiro temos que controlar a situaçã o aqui. Caso
contrá rio, Lijuan vencerá comendo todos nó s em pequenas mordidas.
Zanaya sentia pelo povo de Raphael. Para enfrentar tal exército...
teriam que lutar com coragem além da coragem. Mas Alexander
também estava correto em sua decisã o; se deixassem seu territó rio
agora, as crianças provavelmente se espalhariam, criando mais
renascidos.
Nã o importaria se ganhassem a batalha em Nova York - a guerra estaria
perdida para essas criaturas, pois teriam gerado e gerado massacrando
qualquer um que viesse em seu caminho. Todo o sistema de anjo-
mortal-vampiro entraria em colapso sem mortais suficientes deixados
vivos para processar a toxina.
— Há mais? — perguntou Michaela.
Keemat os informou sobre tudo que ela tinha, e conversaram sobre esse
conhecimento enquanto comiam com velocidade rá pida. Era apenas
combustível neste momento, necessá rio para alimentar seus corpos.
p p
Depois, decidiram colocar-se em campo em rotaçã o, para que os
esquadrõ es e a infantaria tivessem sempre o apoio de um arcanjo.
— Vou fazer a primeira vigília solitá ria, — disse Alexander. — É meu
territó rio e minha responsabilidade. Vocês duas descansam até que
possam assumir. Vamos voar para o territó rio de Raphael depois de
limpar esses renascidos. Nã o podemos nos queimar até os ossos,
precisamos ser capazes de fazer o voo.
Zanaya saiu com ele, enquanto Michaela entrou numa sala privada
montada com um sistema de comunicaçã o para fazer contato com seu
pró prio povo. A Arcanjo de Budapeste desejava garantir que seu
territó rio
permanecesse intocado pela ameaça renascida.
Zanaya esperou até que ela e Alexander estivessem na entrada sem
mais ninguém por perto antes de pegar a sua mã o; sua discriçã o nã o
era esconder quem eram um para o outro. Qualquer um que conhecesse
um pedaço de sua histó ria conhecia Zanaya e Alexander.
Nã o, tratava-se de lhe dar um momento para deitar a cabeça.
Entã o o puxou para si em silêncio, e ele veio no mesmo silêncio para
envolvê-la em seus braços. E por um fragmento de tempo, ela o
abraçou, esse general que ela amou durante toda a sua vida. Ela o
beijou na mandíbula quando ele se afastou e entã o o viu colocar sua
pele de guerreiro mais uma vez.
— Obrigado, minha Zani.
Ele tocou seus dedos em seus lá bios numa carícia familiar e ressonante.
Entã o estava caminhando para fora.
Ela saiu a tempo de vê-lo subir aos céus, seu general que teria seu
coraçã o partido vá rias vezes neste dia. — Se o inferno mortal existe,
Lijuan,
— ela sussurrou, — eu te condeno a isso.
*
Nos dias que se seguiram, no entanto, foram eles e outros ao redor do
mundo que viveram no inferno – um inferno da criaçã o de Lijuan. Como
adivinharam, Alexander nã o era o ú nico territó rio que Lijuan infestou
com crianças renascidas. Neha estava lidando com o mesmo – com a
ajuda de Caliane.
Enquanto isso, Titus e Charisemnon lutavam contra uma onda diferente
de renascidos, enquanto Astaad e Aegaeon lutavam contra uma onda
crescente de insetos nocivos que carregavam infecçõ es perigosas para
vampiros e anjos. O Arcanjo das Ilhas do Pacífico e o Antigo recém-
acordado tiveram que queimar vá rias ilhas, arrasando o verde
abundante até as pedras, para conter a praga que se espalhava
rapidamente.
Mas nada era tã o ruim quanto a situaçã o em Nova York. Aquela cidade
mantinha a linha até agora, seu povo se recusando a se render, mas nã o
podiam continuar para sempre.
p p p
Entã o Zanaya nã o ficou surpresa quando Michaela disse: — Devemos ir
para Nova York. A situaçã o é terrível!
Alexander apertou a mã o na mesa de areia ao redor da qual os três
estavam trabalhando numa estratégia para canalizar um grande
nú mero de renascidos num vale sem saída. — Nã o vou abandonar meu
povo.
— A situaçã o aqui está quase sob controle, — argumentou Michaela,
suas mã os segurando a borda da mesa. — Mais algumas horas e seus
generais estarã o em posiçã o de manter o status quo, se nada mais.
Alexander balançou a cabeça. — Como posso deixar esse horror para
meu povo lidar?
— Porque vamos perder o mundo se nã o ganharmos Nova York!
Michaela e Alexander continuaram a discutir por mais alguns minutos
antes de ficar claro que estavam num impasse. — Nã o posso concordar,

disse Michaela finalmente. — Vou voar para casa, garantir que tudo
esteja bem no meu territó rio e depois irei para Nova York.
Alexander deu um aceno brusco. — Você ajudou muito e por isso, eu lhe
agradeço.
Talvez, em outra época, Zanaya nã o tivesse gostado dessa mulher.
Pela pequena conversa que ouviu sobre a Arcanjo de Budapeste, ela
tinha uma reputaçã o de vaidade e capricho. Zanaya nã o sabia se isso
era verdade, nã o podia saber. Tudo que sabia era que a Michaela que
conheceu neste despertar era uma guerreira e uma com coraçã o. Ela
sangrou por cada criança que teve que executar. — Eu lutaria com você
em qualquer batalha, Michaela.
Um leve estreitamento daqueles impressionantes olhos verdes, como se
a outra arcanjo estivesse desconfiado das palavras de Zanaya, mas
finalmente, ela assentiu. — Como eu faria com você, Zanaya. — O mais
leve amolecimento. — Depois que a guerra terminar, convido você para
Budapeste. Talvez me dê a honra de compartilhar histó rias da
juventude de meu pai.
— Vai me deliciar fazer isso. Gavriel era o favorito pela alegria que
trouxe à minha corte.
Michaela saiu entã o.
— Outros dizem que ela é vaidosa e muito consumida consigo mesma,
— Zanaya murmurou depois que ela se foi. — Seja como for, sob todo o
brilho, ela é uma verdadeira arcanjo.
Alexander ficou quieto por um momento. — Esta é uma Michaela
diferente da que já conheci. Há alguma coisa... — Ele balançou sua
cabeça.
— Nã o consigo colocar meu dedo sobre isso. Mas seja o que for,
agradeço.
Nã o lidaria bem com uma arcanjo caprichosa e exigente neste
momento.
Quando os lá bios de Zanaya se curvaram, ele fez uma careta. — Nunca
fui tã o ruim, Zani.
— Nã o, amado. Você era pior... do seu jeito.
— Vamos lidar com essa situaçã o.
Assim o fizeram, ficaram suados e sujos e um pouco mais
emocionalmente quebrados no rescaldo, o vale abaixo deles cheio de
cinzas dos ataques arcangélicos que acabaram com a existência de mais
de duzentas crianças renascidas.
Só depois que terminou ela disse: — nã o interferi na sua discussã o com
Michaela porque sou recém-desperta neste mundo, mas amado, acho
que ela está certa.
Ela olhou para as areias ondulantes do deserto ao longe. — Você nã o
abandona seu povo se for agora. Eles sabem disso — e você tem
generais de força e inteligência. Valerius é um comandante de batalha
extraordiná rio, e Keemat é igualmente brilhante por si só . Juntos, eles
podem terminar a limpeza.
O maior defeito de Alexandre sempre foi sua teimosia. Hoje viu em sua
mandíbula e seus ombros rígidos. — Você vai para Nova York entã o,
Zani?
Ela sentiu seu coraçã o quebrar. — Nã o é mais sobre nó s, Alexander. —
Quando ela levantou a mã o para tocar sua bochecha, ele se encolheu. —
É
sobre o futuro do mundo. Devemos ir. Sabe disso. Você nã o mancha sua
honra fazendo essa escolha. É a coisa certa.
Um brilho em seus olhos. — Você sempre pode me convencer a fazer as
coisas.
Soltando a mã o, ela deu um passo atrá s. — Nã o convenço você de nada.
— Saiu um chicote. — Simplesmente peço que pare de ser cego por
seus instintos territoriais.
Com os dentes cerrados, ele passou a mã o pelo cabelo. — Para onde
vou voltar se eu deixá -los agora?
— O que o futuro reserva se Lijuan matar o ú nico arcanjo com alguma
imunidade a ela?
— Um duro golpe, Zani. — Ele suspirou. — E verdade. Vou voar para o
territó rio de Raphael ao seu lado. Vamos acabar com Lijuan de uma vez
por todas.
CAPÍTULO 28
O vô o para Nova York foi cansativo, os dois levando seus corpos ao
extremo. Michaela já teria chegado enquanto ainda estavam a muitas
horas de distâ ncia, e Elijah já estava na cidade há algum tempo, seu
territó rio livre do flagelo renascido.
Zanaya só podia esperar que outros no Cadre estivessem em posiçã o de
fazer a mesma escolha. Sabia, no entanto, que Charisemnon nã o era
mais uma opçã o – a partir do relató rio urgente que foi enviado para ela
e Alexander do povo de Raphael, Charisemnon foi exposto como um
traidor; nã o era aliado do Cadre, estava trabalhando com Lijuan. O
relató rio foi há algum tempo, entã o nã o sabia seu estado atual.
Sabia, no entanto, que pelo menos um arcanjo morreu ultimamente.
Nã o havia como perder essa notícia - veio na forma de um estrondoso
som que reverberou em todo o mundo.
Tudo que podia esperar era que o bem tivesse ganhado neste caso, que
fosse Charisemnon quem estivesse morto.
Mas esperava que os outros se juntassem a eles em Nova York. Porque
pelos relató rios visuais que viu saindo da cidade de Raphael, estava
perto de cair.
Há alguma palavra sobre os outros? Virão para lutar contra Lijuan?
Embora voassem lado a lado, nã o conseguia falar com Alexander em
voz alta. Estavam se movendo muito rá pido, utilizando o má ximo de
energia.
Nenhuma palavra. A voz mental de Alexander era sombria. Lijuan fez
bem em semear tanto caos em tantos territórios diferentes. Ela nos
quebrou em pedaços.
Zanaya sentiu seu pró prio rosto apertar. Se não fosse má, ela poderia ser
uma grande líder.
Ela manteve um pouco dessa posição no Cadre antes dessa descida à
loucura. Isso foi antes de qualquer Antigo acordar.
Zanaya deu de ombros. Como discutimos antes do mundo se
transformar em dor, morte e tristeza, viver muito tempo não nos torna
sábios. Apenas nos torna velhos e desgastados e – na pior das hipóteses –
uma ameaça para o mundo.
Uma longa pausa do homem que ela amou por toda a eternidade, mas
nã o o suficiente para ficar acordada para sempre. Como ele nã o a
amava o suficiente para dormir por um milênio ou dois.
Quando ele falou, foi para dizer: Falaremos sobre isso depois da batalha.
Por enquanto, ela é a ameaça.
Concordou. Nã o eram jovens anjos à beira de seu primeiro amor; eram
antigos e arcanjos, suas prioridades moldadas pelas necessidades das
pessoas que governavam.
Eles voaram.
Até que finalmente chegaram à fronteira da cidade chamada
Manhattan, onde a batalha estava ocorrendo. Zanaya sabia que deviam
ser vistos por sentinelas muito antes, entã o nã o foi surpresa encontrar
Raphael esperando por ela e Alexander no céu. Mas fascinada como
estava por esse filho de Caliane, estava ainda mais compelida pelo anjo
que pairava ao seu lado.
Elena Deveraux. Esse era o nome dela.
Zanaya fez questã o de descobrir essa informaçã o depois que soube
desse ser tã o incomum. Pensou em ficar cara a cara com uma jovem
inexperiente, ou talvez uma mortal assustada lançada no mundo dos
arcanjos. Mas esta mulher com seu cabelo da cor da chama branca e sua
pele de ouro escuro, suas asas formadas de fogo selvagem, era uma
guerreira.
Apesar do fato de que a consorte de Raphael estava cheia de armas,
sempre seria reconheceria como uma. Mas Elena Deveraux era outra
coisa também. — Uma mortal que virou anjo, — Zanaya disse, dando
voz ao seu espanto. — Que extraordiná rio. E essas asas.
A anjo recém-nascida segurou o olhar de Zanaya sem vacilar, e Zanaya
se viu impressionada novamente. Sim, podia ver por que esta jovem era
consorte de um arcanjo. Ela tinha dentro dela uma faísca rara e
preciosa.
Elena abriu os lá bios como se fosse responder, mas desviou o olhar
para a á gua ao longe um segundo depois. — A aurora marinha está de
volta.
Zanaya olhou para a ondulaçã o de luz multicolorida no azul mais
escuro que se tornou translú cida, assombrosa e adorável, e deu um
pequeno sorriso. — A lenda de Qin, é assim que a chamamos nos contos
infantis. Um antigo. — Mais antigo que Alexander ou Caliane. — Ele vai
se levantar, acha?
— Ele o faz ou nã o. — O tom de Alexander soou á spero, mas sabia que
era por causa de sua preocupaçã o com as pessoas que deixou para trá s,
com os soldados lutando uma guerra que eram facas em seus coraçõ es.

Devemos nos preparar para a batalha.
Dando um breve aceno de cabeça, Raphael e Elena os levaram para a
lança de prata que era a Torre perfurante do céu de Raphael, e para o
que Raphael disse a eles ser a sala de guerra. O arcanjo também fez a
cortesia de informá -los de que o resto do Cadre já estava presente.
Exceto, é claro, a inimiga, Lijuan, e aquele maldito traidor Charisemnon
– as esperanças de Zanaya se tornaram realidade nesse ponto e este
nã o estava mais entre os vivos. Titus o despachou antes de vir para
Nova York.
Armado com a presciência da presença do Cadre, Zanaya entrou na sala
de guerra preparada para a vibraçã o do poder no ar, a sutil – e nã o tã o
sutil – postura.
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Revirando os olhos internamente porque alguns arcanjos nunca
aprenderiam, manteve seu silêncio como costumava fazer ao coletar
informaçõ es. Alexander, em contraste, foi direto ao ponto.
— Deixei meu territó rio invadido por renascidos para vir aqui. — Sua
mã o era um punho contra a mesa em torno da qual estavam reunidos, o
campo de batalha disposto em detalhes intrincados. — Devemos acabar
com isso aqui e rapidamente.
A discussã o mudou para tá ticas e nú meros e as melhores abordagens.
Zanaya estava prestando atençã o - era uma general há muito tempo,
morreria como uma - mas nã o conseguia deixar de olhar para Raphael e
sua consorte. Intrigou-a que Elena Deveraux nã o fez nenhuma tentativa
de entrar na discussã o do Cadre, nã o procurando tratar o poder de
Raphael como seu.
Alguns veriam nisso uma desconfiança que traía suas raízes mortais.
Seriam tolos. Esta era a confiança de uma mulher em casa em sua
pró pria pele e seu pró prio poder. Ela nã o tinha necessidade de confiar
no de seu amante. Acho que vou gostar de você, Elena Deveraux, Zanaya
pensou consigo mesma.
— Antes de irmos adiante, — Raphael disse num ponto, enquanto
aquele idiota do Aegaeon estava vociferando como um pavã o com seu
guincho horrível, — vocês todos deveriam assistir isso.
As imagens em movimento que jogavam contra uma tela que havia
caído do teto contavam a histó ria das batalhas que já ocorreram nesta
terra... e o mal negro que o povo de Raphael testemunhou. O intestino
de Zanaya congelou - porque o que estava vendo era o impossível: um
arcanjo se alimentando de seus feridos, as mesmas pessoas que
confiavam e olhavam para ela em busca de proteçã o. Em vez disso,
Lijuan os deixou como cascas desidratadas em seu rastro.
As penas ficaram empoeiradas e sem cor, a pele se tornou pergaminho,
os rostos congelados numa agonia retorcida, apenas cavidades onde
deveriam estar os olhos. Alguns ainda estenderam a mã o mesmo na
morte, como se implorassem ao arcanjo até o ú ltimo suspiro.
O silêncio pairou sobre a sala de guerra.
Bile subindo, fez a pergunta que precisava ser feita. — Pode este ser
que ela se tornou ser morto?
Os olhos de Caliane, tã o azuis que pareciam pedras preciosas,
continham infinita tristeza – e firme determinaçã o. — Tudo que
podemos fazer é tentar. A ú nica outra opçã o é jurar fidelidade à deusa
que ela acredita ser e ver o mundo se afogar na morte.
Com a atençã o voltada para a discussã o resultante das tá ticas de
batalha, Zanaya estava apenas perifericamente ciente de Elena saindo
da sala de guerra. A estratégia seria crítica aqui. O que a levou a dizer:

Devemos proteger Raphael.
— Senhora Zanaya, — Raphael começou, suas feiçõ es apertadas.
y p ç ç p
Ela cortou uma mã o. — Isso nã o é nada sobre você ser o mais novo de
nó s, Raphael. É sobre você ser nossa arma mais poderosa. Nossa tarefa
deve ser suavizá -la, a sua dar o golpe mortal.
Zanaya segurou o olhar do jovem arcanjo novamente e, curiosamente,
podia dizer a diferença entre mã e e filho agora. O mesmo tom
penetrante...
mas o de Caliane tinha um peso de idade impossível de quantificar,
enquanto o de Raphael... carregava uma faísca que ela nã o conseguia
colocar em palavras.
Talvez ela também, pensou de repente, tivesse olhos como Caliane.
Olhos velhos.
Deixando isso de lado, manteve isso para os aspectos prá ticos. —
Falando sem rodeios, Raphael, você terá a tarefa mais perigosa de
todas.
Você provavelmente precisará ficar cara a cara com ela para dar um
golpe mortal.
Alexander assentiu ao seu lado. — Zanaya está certa. Nã o podemos
lutar como unidades solo como estamos acostumados a fazer. Devemos
ser uma equipe, com um ú nico objetivo. — Um olhar para ela, um
milhã o de memó rias em seus olhos.
Do outro lado deles, Raphael deu um aceno lento. — Mas também nã o
podemos ter vocês desperdiçando energia em proteçã o ativa. Em vez
disso, precisamos estruturar nossa estratégia para que possam se
concentrar totalmente em feri-la – e de uma forma que deixe seu flanco
aberto para minha abordagem.
— Você pode eliminá -la com um ú nico golpe? — perguntou Neha.
A resposta de Raphael foi seca: — Nã o. Ela está muito sobrecarregada
com a força vital que roubou de seu povo.
— Eu realmente desejo apunhalar aquela cadela na cara, — Zanaya
murmurou. — Mas como é improvável que eu consiga meu desejo,
vamos descobrir como feri-la e enfraquecê-la mais. Sugiro que primeiro
aniquilemos suas tropas e estrutura geral de apoio, forçando-a a se
juntar à luta sem opçã o de alimentaçã o.
— Nã o sei por que vocês estã o todos preocupados, — Aegaeon
explodiu. — Ela é um arcanjo! Podemos acertá -la com força e rapidez e
voltar aos nossos deveres.
Neha se mexeu, seu rosto uma coisa de controle real. — Lembre-se do
que aconteceu com Antonicus. Simplesmente ser um Antigo, com
energias poderosas, nã o irá protegê-lo. — Um fio de cabelo solto de sua
trança tocou o lado de seu rosto. — Nã o seja um tolo arrogante.
Aegaeon se encheu de ar. — Lembre-se com quem você fala, garota.
Eu era um governante antes que você fosse um pensamento.
Ele poderia muito bem ser um touro, arranhando o chão. Devemos
buscar-lhe uma vaca no campo para montar?
Alexander abaixou a cabeça um pouco, e pensou que quase o fez cair na
gargalhada. Comporte-se, Zani. Este é o mais sério dos negócios.
Olhe-me na cara e me diga que discorda.
Um olhar para ela, o menor indício de humor. Agora você venceu e devo
me vingar.
Escondendo seu pró prio sorriso, Zanaya voltou sua atençã o para a
discussã o. Por alguma sorte ou misericó rdia, chegaram a um acordo
sobre os planos de batalha no momento que o amanhecer beijou os
céus.
— O cansaço de nossas tropas nã o é mais uma desvantagem, — disse
Raphael. — Nã o quando temos todos vocês. — Mã os colocadas contra a
borda da mesa e asas retidas com controle guerreiro, ele encontrou
cada conjunto de olhos arcangélicos por sua vez. — Mesmo os nú meros
absolutos à sua disposiçã o nã o podem superar o poder de dez arcanjos,
quatro deles Antigos.
Se suas primeiras palavras foram esperançosas, as pró ximas foram tã o
sombrias quanto a sepultura. — Se houver o risco de você ser tomado
pelo inimigo e o resgate for improvável, faça o que deve ser feito. Nã o
podemos saber o quã o forte ela se tornará caso se alimente de um
arcanjo.
Os grandes punhos de Aegaeon batendo na mesa. — Você realmente
acredita que ela ousaria cruzar essa linha?
Neha falou as palavras no coraçã o de Zanaya. — Ela transformou
crianças em vampiros infectados. Nã o há linha que ela nã o cruze.
— Duas horas até atacarmos. — O filho de Caliane ergueu-se em toda
sua altura. — Preparem-se para a batalha.
CAPÍTULO 29
O plano estava definido, suas tarefas determinadas. Antes de sair para
assumir a posiçã o de onde dizimaria as forças inimigas com suas
tempestades enquanto Titus quebrava a terra e Alexander derreteria
seus metais, Zanaya parou por um momento numa das varandas altas
da Torre, seu amor ao seu lado.
— Tenho uma sensaçã o de mau agouro, — disse ela, olhando para esta
cidade estranha e adorável já bastante marcada pela guerra.
— Decidiu que é parente de Cassandra entã o, Zani?
Rindo, ela se inclinou levemente contra ele, sobrepondo sua asa com a
dela. — Talvez, amado, talvez eu seja. — Nã o importa a leveza de suas
palavras, o peso de um futuro invisível e desconhecido pesava sobre
seus ombros.
Movendo-se para que se encarassem, Alexander levantou uma mã o
para cobrir o lado de seu rosto. Sua expressã o estava aberta de uma
forma
que ela raramente viu nos ú ltimos milênios de seu tempo juntos, mais
uma reminiscência do primeiro rubor de seu relacionamento. —
Prometa-me que falaremos depois que esta guerra acabar. Que nã o vai
simplesmente dormir de novo.
Ela sentiu que começava a se eriçar. — Amado, nã o pode pedir sem dar
ordens. — Mas com arrogâ ncia ou exigências, ela o amava do mesmo
jeito, e se virou e deu um beijo em sua palma. — Você está muito
acostumado a ter o mundo se curvando para você. Eu nunca vou.
Segurando aqueles olhos prateados que agora estavam em chamas, ela
colocou a mã o sobre o coraçã o. — Mas vamos conversar. Já passou da
hora, nã o acha? — Eles tinham que descobrir o que eram um para o
outro agora. Eras de amor deixaram sua marca, uma marca que nunca
poderia ser apagada, mas isso significava que era mais do que
memó ria?
— Talvez seja ver o jovem Raphael e sua consorte juntos, — ela disse a
ele. — Mas sinto isso, o que está faltando entre nó s. Já se foi há muito
tempo, nã o é?
Alexander deslizou a mã o para sua nuca, apertou. — O que está
dizendo, Zani? — Seu coraçã o trovejou, sua respiraçã o curta e rá pida.
Adoráveis olhos escuros segurando os dele sem medo, como ela sempre
fez. — Eu nã o sei, — foi a resposta suave. — Só sei que nã o podemos
continuar esse ciclo indefinidamente. — Ficando na ponta dos pés,
tocou seus lá bios nos dele. — Eu te amei mais do que jamais amei
alguém ou qualquer coisa em toda minha existência, Xander, meu
Xander. Mas você ainda ama mais o poder.
— Zani. — Seu coraçã o parecia estar sendo arrancado dele. — Você está
errada.
Um leve sorriso, aquele brilho em seus olhos. — Estou entã o? Bem,
veremos depois que esta guerra terminar. — Dando um passo atrá s, ela
abriu suas asas. — Falaremos mais tarde, amado. É hora de eu me
posicionar.
Ele a observou varrer a sacada, pegar uma corrente de vento
ascendente, antes de abrir suas pró prias asas. — Depois da guerra, —
ele prometeu ao ar, mais do que pronto para fazer isso. Porque se havia
uma coisa que sabia, era que Zanaya era seu ontem e seu hoje, e todos
os amanhã s por vir.
Seu poder se agitou enquanto ele se preparava para o que estava por
vir, sua intençã o de derreter todo o metal ao redor das forças inimigas.
Além do metal na terra, muitos, muitos dos edifícios nesta cidade
tinham hastes de metal que atuavam como suas espinhas. Ele sentiu no
instante em que chegou, e se perguntou se Raphael tinha esquecido o
que o Arcanjo da Pérsia podia fazer, o caos que poderia causar... mas
entã o, Alexander partiu deste mundo enquanto esta cidade – como era
agora – nascia.
Do jeito que estava, Raphael nã o tinha motivos para se preocupar.
Alexander nã o estava mais com disposiçã o para brigar com jovens
arcanjos apenas cuidando de seus negó cios. Nã o contou a Zanaya sobre
aquela parte irracional de sua histó ria, estava envergonhado agora que
olhava para trá s.
Jessamy estava certa em chamá -lo por sua postura idiota, certa em
lembrá -lo da sabedoria que ele possuía.
— Você é a ú nica que me chama de sá bio, — ele disse ao anjo esbelto
com bondade tecida em seus ossos. — Todo mundo acredita que sou
um ser de violência e guerra.
— Vocês é os dois, Alexander. Sempre foi. — Um lembrete de que ela
era a Bibliotecá ria deles agora, a guardiã de suas histó rias, sabia muito
mais sobre ele do que podia imaginar. — Acho que, se o teste viesse
novamente, você ficaria do lado certo.
— Você é tã o jovem, Jessamy. Tola, muitos diriam.
— Nã o chamaram você do mesmo jeito quando você se interpô s entre
dois Antigos em guerra?
Ele riu entã o, encantado com sua coragem e sua sagacidade. Ela era a
sabedoria, disse a si mesmo, que o enviou para o Sono. O que se
recusava a admitir até para si mesmo foi que estava exausto de viver
uma existência desprovida de sua Zani. Estava exausto antes mesmo de
saber dos crimes de Osíris - e ficou acordado desde entã o apenas para
vigiar a quimera selvagem.
Aquela quimera já estava adulta quando Jessamy falou com ele. E o
buraco em seu coraçã o onde Zani deveria viver pulsava com agonia a
cada dia. Nã o aguentava mais ficar acordado sem ela. Vê-la emergindo
das areias... sob sua raiva explodiu uma alegria incandescente.
Sua Zani estava acordada, estava de volta em seus braços.
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E agora entraram em guerra.
Mas nã o era a primeira e nã o seria a ú ltima. Sobreviveram eras e eras.
Sobreviveriam a isso também, e entã o falariam.
O mundo rugiu, Titus levantando a terra sob os pés do inimigo.
Aterrissando com força no asfalto da estrada abandonada além do
territó rio que o povo de Lijuan conquistou, se agachou num joelho e
colocou a mã o na terra que Titus havia levantado à superfície para ele,
rachando propositalmente esta seçã o da estrada.
A cançã o dos metais dentro zumbia através dele, pura e ressonante.
Sorrindo, liberou seu poder e cada pedaço de metal que estava tocando
a terra começou a derreter. Algumas armas, outras ferramentas.
Nada além de danos colaterais... porque o verdadeiro alvo de Alexander
era o metal dos edifícios que pairavam sobre o inimigo. — É hora de sua
Senhora aprender que nã o pode dançar com todo o Cadre e vencer.
O ar começou a uivar com ventos violentos no mesmo instante em que
os prédios começaram a tremer e cair.
Sorrindo novamente e ciente de que seus olhos tinham se tornado uma
prata líquida e desumana, olhou para cima.
Viu sua amante envolta num redemoinho tã o negro quanto o coraçã o da
meia-noite enquanto esmagava o inimigo, um poder que este mundo
nã o via há eras. Ah, como a amava. Contaria a ela depois da guerra, e
resolveriam tudo.
Estava tã o certo desse resultado que, quando as coisas deram errado, se
recusou a acreditar que estava acontecendo. Ele acabava de dizimar
uma ala inteira do exército de olhos negros de Lijuan enquanto Zanaya
lutava contra um dos generais de Lijuan a uma curta distâ ncia, os olhos
do homem um tom que dizia que era alimentado por seu arcanjo, seu
poder mais do que deveria ser.
Zanaya estava ganhando, claro que estava ganhando... quando Lijuan
apareceu bem atrá s dela, um pesadelo de névoa.
Zani!
Mesmo quando gritou o aviso mental e começou a voar em direçã o a
ela, Lijuan agarrou os braços de Zanaya com dedos finos como garras e
atacou com a velocidade de uma cobra para afundar seus dentes no
pescoço de Zanaya.
E o mundo de Alexander acabou.
Desolação
CAPÍTULO 30
Os amantes caem e os amantes se levantam. O rio para de fluir. Desta vez
será o fim.
Alexander acordou de um sono terrível, certo de ter ouvido uma voz
muito, muito antiga em sua cabeça. Mais velha que a de um Antigo. Uma
voz que conhecia... mas nã o, ele se foi agora, qualquer que fosse o
pesadelo que o assombrava.
Torcendo-se para sentar na beira da cama, os pés no chã o e a cabeça
nas mã os, tentou redefinir sua mente. Pela primeira vez, estava limpo,
seu corpo nu desprovido de listras de sujeira e outras substâ ncias mais
viscosas.
O cabelo que estava ú mido quando adormeceu agora estava seco, e suas
asas nã o carregavam mais o fedor do renascido.
Estava lutando dia apó s dia amargo para limpar seu territó rio dos
ú ltimos vestígios do mal de Lijuan, e finalmente – meses apó s a morte
daquela cadela – estava feito. Nenhuma criança renascida percorria a
paisagem, embora tivesse sentinelas em vigilâ ncia constante e todos os
líderes das vilas e cidades e aldeias soubessem entrar em contato com a
fortaleza imediatamente caso houvesse algum sinal de renascidos.
Foi entã o que finalmente se deitou para descansar por mais de uma ou
duas horas.
Estava cansado.
Até o osso e além.
Até os arcanjos podiam se cansar quando nã o descansavam e mal
comiam. Foi apenas Xander colocando comida em suas mã os que o fez
se lembrar de abastecer seu corpo. Seu neto, que já havia perdido seus
pais e nasceu muito depois de sua avó e avô terem adormecido, foi a
ú nica razã o pela qual Alexander se obrigou a continuar como mais do
que um autô mato encarregado de limpar a bagunça de Lijuan.
Alguns diriam que agora podia deitar-se num sono final e eterno,
deslizar para aquele profundo silêncio sem pensar, onde nã o tinha que
sentir desgosto toda vez que abria os olhos e lembrava que sua Zani se
foi.
A ú nica razã o pela qual nã o fez foi Xander.
Um anjo de duzentos e poucos anos com pele de ouro escuro e cabelo
de um castanho tã o escuro que estava a momentos de distâ ncia do
preto.
Alexander sabia que, embora suas asas parecessem pretas quando
dobradas, o preto desbotava em marrom com toques de ouro. A maior
surpresa, no entanto, era a parte de baixo de prata pura.
Um prateado idêntico ao tom das asas de Alexandre.
Família. Eram família. E seu neto estava lidando com uma dor que
poucos anjos de sua idade tiveram que experimentar, ambos os pais
perdidos num ú nico ato de violência. O jovem fazia isso com graça, mas
permanecia frá gil por dentro. Oh, a criança nã o colocaria dessa forma -
era um guerreiro, afinal - mas Alexander foi mentor de muitos jovens e
criou um filho.
Sabia que o menino ainda estava sofrendo. Como sabia que Xander iria
quebrar para sempre se perdesse seu avô também. A criança se curvou
em respeito a Alexander quando se conheceram, sem saber que
Alexander nã o queria tal formalidade - queria apenas segurar esse
menino que era o ú ltimo pedaço sobrevivente de Rohan. O filho do filho
de Alexander estava confuso e aflito na época, e nã o conhecia
Alexander.
Mas as coisas mudaram. Alexander nã o via mais seu neto como uma
lembrança de Rohan. Xander era muito pró prio para isso - e que jovem
surpreendente era; dotado na batalha, mas também com um jeito que
dizia que entendia a dor e o sofrimento dos outros.
Xander também o conhecia agora nã o como um Antigo poderoso, mas
como o avô que correria com ele pela planície e que riria com ele
quando o menino fizesse uma de suas raras – mas sempre divertidas –
piadas.
Nã o, Alexander nã o podia dormir. Nã o até que Xander se curasse e
crescesse a ponto de nã o precisar mais do velho que era sua ú nica
família viva no mundo inteiro. Porque Alexander se sentia velho pela
primeira vez em sua existência.
Oprimido pela dor e uma saudade que nã o acabaria.
Sempre antes, sabia que ela acordaria. Foi capaz de suportar porque
existia um futuro em que ela acordaria. Agora...
— Você sente falta dela, — seu neto disse um mês depois da guerra.
— Senhora Zanaya.
— Ah, Xander. — Ele agarrou o lado do pescoço do menino, tentou
desenterrar um sorriso. — Você é muito jovem para se interessar pelas
histó rias de amor de nó s, antigos.
Mas o teimoso Xander, sangue do sangue de Alexander, permaneceu
firme. — Gostaria de tê-la conhecido.
— Eu também. Mais do que tudo. — No entanto, o esquadrã o de seu
neto estava na fronteira mais distante da fortaleza no momento do
despertar de Zanaya, e Alexander pensou que teria tempo de sobra para
apresentar esse jovem e brilhante pedaço de seu coraçã o à mulher que
possuía esse coraçã o. — Ela teria gostado de você.
— Eu a procurei nas histó rias, — acrescentou Xander. — Sã o antigas,
essas histó rias, e a maioria dos capítulos sã o escritos a partir dos
relatos dos Antigos que existiam na época, mas uma coisa permanece
constante: muitos dos fragmentos dizem Alexander e Zanaya ou Zanaya
e Alexander, como se ver um fosse ver o outro.
Ele sorriu entã o, um sorriso formado de dor e tristeza e ecos de alegria.
— Ela ficaria muito zangada com tal interpretaçã o. Nunca diga isso para
g p ç g p
Zanaya.
Um sorriso questionador de seu neto.
— Ela é feroz e orgulhosa e um arcanjo de poder por direito pró prio.
— Mas você é mencionado lá também. E você era mais velho. Nã o está
com raiva das histó rias que vocês tanto entrelaçaram?
— Nã o. — Entã o comeu a comida que Xander trouxe, e balançou a
cabeça para o neto quando ele falou mais sobre Zanaya.
A ferida era muito recente, a dor de Alexander o sangrando.
Estava tã o fresco neste dia. Talvez fosse por isso que ele sonhou em
nadar com ela num rio de fogo derretido. Ela riu e depois mergulhou,
mas quando ele tentou segui-la, ele se perdeu, incapaz de encontrá -la,
embora pudesse ouvir o eco de sua risada ondulando de volta para ele.
Entã o uma voz, velha, tã o velha.
E de repente, se lembrou das palavras que ouvira antes de acordar: Os
amantes caem e os amantes se levantam. O rio para de fluir. Desta vez
será o fim.
O coraçã o de Alexander disparou enquanto olhava ao redor da sala.
Mas nenhum vidente com olhos de aurora estava sobre ele,
sussurrando palavras de condenaçã o. Nenhuma mulher de cabelo
violeta surgiu num canto escuro.
Os amantes caem e os amantes se levantam. O rio para de fluir. Desta
vez será o fim.
Esperança agarrou-se a ele. Levantar. A palavra levantar. Certamente,
certamente isso significava que havia esperança?
O rio para de fluir. Desta vez será o fim.
Seu coraçã o se apertou num punho, sua respiraçã o irregular. Ele se
recusou a ouvir essas palavras, recusou-se a aceitar seu significado. Ele
se concentraria apenas na primeira parte. Olharia para um futuro onde
sua Zani levantaria novamente.
O Último Final
CAPÍTULO 31
Zanaya acordou com um puxã o, sua mente embaçada e seus membros
se sentindo mal. Engolindo o ar frio dentro do casulo de fogo que a
abraçava, lutou para manter a calma. Talvez outra pessoa entrasse em
pâ nico, mas Zanaya nã o era outra pessoa. Era a Rainha do Nilo e sabia
que nã o havia poder neste mundo mais forte do que um membro do
Cadre.
O Arcanjo da Morte.
Um eco frio, uma cascata de lembranças de seu ú ltimo despertar.
Estava no territó rio de Alexander entã o, segura na escuridã o suave de
seu poder muito abaixo das areias quentes de sua terra. Ela manteve
sua decisã o e nã o disse a ele que pretendia dormir em sua terra. Fazer
isso seria amarrar um peso de amor em seu tornozelo, seu Alexander
teimoso e implacável, leal e honrado.
Nã o queria isso para ele, nã o quando nã o sabia quanto tempo ela
dormiria. E era fato aceito que uma vez que um arcanjo entrasse no
estado de Sono, seu poder desaparecia do mundo, nã o mais um
impedimento ou provocaçã o a qualquer outro membro do Cadre.
Caso contrá rio, o mundo seria um caos, fustigado por ventos de poder
concorrentes.
Dado o amor deles, sabia que Alexander poderia senti-la se tivesse
cavado abaixo da superfície no lugar exato em que ela dormia, mas por
outro lado, nunca adivinharia a presença de sua Zani.
Entã o se permitiu o conforto de dormir perto dele.
Ele foi Arcanjo da Pérsia por tanto tempo quando ela foi dormir que
nã o foi capaz de imaginar nenhum mundo futuro em que aquelas terras
nã o pertencessem a ele – e quando acordou, ela provou que estava
certa, pois lá estava ele. Foi capaz de saboreá -lo em cada respiraçã o, seu
amante cheio de arrogâ ncia e poder e um amor brutal por ela.
Mas nã o houve tempo para o amor entã o.
Ela franziu a testa, os fios do passado se desenrolando aos trancos e
barrancos.
E se lembrou de que nã o escolheu acordar, embora estivesse se
mexendo, seu corpo e mente rejuvenescidos de seu longo Sono. Teria
acordado em breve, mas algo a arrancou prematuramente de seu
descanso.
O nome dela é Lijuan.
Alexander disse isso para ela quando acordou, enquanto o céu se
tornava preto semelhante ao tú mulo, o ar rasgado por gritos e gritos.
Houve uma guerra.
Ela acordou porque precisava se levantar para ajudar a combater o
Arcanjo da Morte, ela que espalharia sua loucura e seu mal por todo o
planeta numa maré de morte que era uma có pia da vida.
Renascido.
Isso era o que ela chamava suas abominaçõ es cambaleantes.
Zanaya soltou um suspiro quente de raiva, ainda incapaz de
compreender como qualquer arcanjo poderia se permitir cair tã o longe
na loucura megalomaníaca que acreditariam que estavam fazendo uma
coisa boa ao fazer os mortos andarem.
Sangue na ponta dos dedos agora, os dedos dormentes dos pés
ganhando vida com dores lancinantes.
Apertando os dentes, montou a dor.
Nã o foi assim em seu ú ltimo despertar. Ela pode ter sido arrancada dele
prematuramente, mas acordou como deveria: em completo e total
controle de si mesma, seu corpo em plena capacidade de luta.
Hoje ela estava... incapacitada.
Rosto quente, procurou em seu casulo... e sua mã o se fechou sobre
Firelight. Nã o era a mesma espada que Alexander lhe deu há tanto
tempo, mas era uma digna sucessora do nome. E carregava seu â mbar.
Os dois estavam sempre entrelaçados — Firelight e o â mbar de
Alexander. Ela nunca usava um sem o outro.
Como nunca carregava Firelight quando ela e Alexander estavam
rompidos.
Com os dedos da mã o direita em volta do punho esculpido cravejado de
opalas – as pedras preciosas que Xander – nã o, ele era Alexander agora

Xander o nome de seu neto – e que espantoso que ele tivesse um neto!
Seus pensamentos deslizaram de um lado para o outro, reunindo as
bordas mais desgastadas de suas memó rias. Isso nã o era normal, ela
continuou pensando, mas ao mesmo tempo nã o havia sentido em
chafurdar nas irregularidades. Tinha que descobrir o que estava
acontecendo, o que era...
Uma facada penetrante que a fez derrubar Firelight para bater com a
mã o na lateral do pescoço... onde Lijuan a mordeu. Agarrando-se a ela
como um cã o mestiço e sugando seu sangue como se ela fosse um
vampiro e nã o um arcanjo.
Mas nã o...
Zanaya fechou os olhos com força, desembaraçou mais fios
emaranhados. Lijuan nã o queria sangue. Ela era capaz de se alimentar
da força vital de outros – até arcanjos, ao que parecia. Ela se alimentou
de Zanaya.
A raiva era um vó rtice de tempestade dentro dela.
Ela lutou, lembrou, chamou os redemoinhos que eram seu poder de
marca registrada, mas Lijuan, esse mal que cresceu enquanto Zanaya
dormia, era muito poderosa, um monstro desencadeado.
Zanaya sentiu seu corpo esfriar enquanto Lijuan sugava toda sua
energia, todo seu calor, toda sua vida! Viu seus membros começarem a
murchar, sentiu seu coraçã o gaguejar. Sua visã o se desvaneceu em alta
ç g g j
velocidade, até que a ú ltima coisa de que se lembrava era um cinza
borrado.
Entã o... nada.
Ela deve ter caído do céu, suas asas amassadas e seu corpo emaciado.
Meio apavorada que permaneceu naquele estado mumificado, que
Lijuan de alguma forma a transformou num de seus renascidos, uma
paró dia cambaleante da vida, levantou um de seus braços. Iluminada
pelo brilho do casulo de fogo, sua pele mostrou-se tã o escura como a
meia-noite como sempre, e sua carne tã o suave como deveria ser.
Sua respiraçã o pulsava numa expiraçã o irregular, mas segurou a onda
de alívio. Porque nã o se sentia ela mesma. Algo estava errado. Talvez
fossem suas pernas que permaneceram murchas.
Soltando o braço, dobrou uma perna no joelho, e o fogo vivo do casulo
ondulou ao redor dela para abrir espaço. Ela olhou, sua pele fria, mas
sua perna também estava inteira, sua carne rejuvenescida. Ainda
incerta, passou as mã os pelo corpo e percebeu que usava uma simples
camisola de linho que parava no meio da coxa. Ela fez uma careta.
Zanaya nã o usava roupas de linho ou simples, exceto quando estava
treinando ou indo para a batalha.
Mas supô s que foi uma medida de emergência, a escolha feita por
curandeiros, que tendiam a ser pragmá ticos por natureza. Cuidaria
disso assim que se levantasse e tivesse acesso a seus pró prios recursos.
O
pensamento a fez se perguntar onde emergiria desta vez - nã o podia
prever isso, nã o quando nã o foi ela quem escolheu o local de descanso.
Alexander.
Sua respiraçã o doía em seus pulmõ es. Estava tentando nã o pensar nele,
mas nã o pensar em seu amado general era uma impossibilidade. Ela o
vislumbrou lutando enquanto Lijuan a chupava até secar, mas nã o sabia
o que aconteceu a partir daquele momento. Ele também foi vítima do
monstro? Alexander estava preso num estado mumificado?
Ou ainda pior... ele sofreu danos semelhantes aos de Antonicus?
O pâ nico bateu suas asas dentro dela, sua respiraçã o vindo em rajadas
curtas e afiadas. Podia aceitar qualquer coisa, menos um mundo em que
Alexander nã o existisse mais.
Zanaya. Você acorda. A voz estava além da antiguidade, um eco de um
tempo sem limites.
Zanaya ficou rígida, uma mã o no punho de Firelight. Quem é Você? A
exigência imperiosa de um arcanjo.
Risos, o tom tã o antigo que fez os ossos de Zanaya doerem. Seu
estô mago mergulhou. Você é um dos Ancestrais? Os antigos que,
segundo rumores, dormiam abaixo do Refú gio, os primeiros da espécie
angelical.
Talvez, criança. Talvez eu seja. Não acredito, mas não consigo mais me
lembrar da minha infância. Um suspiro. Não esperava que nenhum de
f p p q
vocês acordasse tão cedo, mas dormi com um ouvido aberto, ouvindo.
Espere. Seus irmãos continuam a dormir, presos no meio.
Os mú sculos de Zanaya começaram a relaxar. Odiava estar nesse lugar
desconhecido, com essa voz desconhecida, e ainda assim... Ela nã o
sentia
nenhuma sensaçã o de ameaça. Foi calor e proteçã o que ouviu, que
sentiu.
Aquela bruxa me mordeu em batalha.
A voz mudou, tornou-se uma cançã o: Deusa do Pesadelo. Espectro sem
sombra. Subindo em seu Reino da Morte.
Cada minú sculo cabelo no corpo de Zanaya estremeceu numa onda
formigante. E alguma migalha de conhecimento nos recessos distantes
de seu cérebro vindo à tona, ela disse, Arcanjo Cassandra?
Eu já fui ela, veio a resposta. Agora, não sei quem me tornei. Qin, meu
Qin, ele me conhecia. Um mundo de tristeza. Sonhei com você, criança.
Muito tempo atras. Eu esqueci.
Céu de prata.
Céu da noite.
Tempestades selvagens e uma tempestade de ouro.
Rainha do Nilo.
Guerreira amada.
Nascida para a batalha.
Morte e ressurreição.
Zanaya nã o percebeu que estava prendendo a respiraçã o até que
Cassandra parou. — É isso? — Ela ergueu as mã os, interrompendo o
fogo líquido de seu casulo. — Eu sei tudo isso! Preciso saber o que o
futuro reserva.
Risos em sua mente, nã o utilizados, enferrujados e ainda
estranhamente contagiosos por todo seu peso. Tantos caminhos eu vejo
para você, anjo das tempestades nascidas. Pode pegar qualquer um deles.
Se eu lhe disser o fio mais forte que vejo, você certamente pegará o
oposto, então minha visão não tem sentido para você.
Zanaya desejou que a Antiga estivesse errada sobre as contrariedades
de Zanaya, mas nã o estava.
— É o que me faz amar você – e o que me enfurece, — Alexander disse a
ela uma vez, o riso naquele olhar prateado. — Se eu disser que o céu é
azul, você argumentará que é verde sem motivo algum.
Desculpe, ela disse a Cassandra. Não sei porque sou assim.
Não? Eras em sua voz, um peso tã o grande da idade que ameaçou
esmagar as costelas de Zanaya, comprimir seus pulmõ es. Sua mãe era
uma mulher que ouvia apenas uma voz. A dela própria.
Fazia muito, muito tempo desde que Zanaya pensou em Rzia, amarga
e decididamente solitá ria, mas agora seu estô mago estava tenso. Eu fui
muito além disso. Ela era um arcanjo, um ser de grande poder. Não sou
criança.
ç
Somos todos filhos de nossos pais, foi a resposta calma de Cassandra.
Mas você... você carrega um pedaço da outra agora.
Gelo no sangue de Zanaya, cacos em seus ossos. — Lijuan. — Ela cuspiu
o nome como uma maldiçã o. — Ela me infectou com sua maldade?
Não tenho resposta para isso, Zanaya nascida em batalha. O que sei é que
você não é a mesma arcanjo que acordou antes da guerra. Deseja subir
agora? Eu te protegi em meu fogo, mas não é uma jaula.
Zanaya olhou para os dourados e vermelhos ondulantes das chamas,
pensou em Sono... e parou de repente. Não consigo iniciar o Sono. Era
um dom que vinha com séculos de idade adulta e era dado como certo;
todos os anjos além dessa idade podiam escolher entrar no estado que
os suspendia entre a vida e a morte.
Algo está quebrado em mim. Você sabe o quê? Zanaya podia ser
orgulhosa, mas nunca foi estú pida; estava com Cassandra, Vidente das
Videntes. Nã o fazer a pergunta seria desperdiçar um recurso precioso.
Uma longa pausa. Tantos caminhos, Cassandra murmurou novamente.
Tantas escolhas.
Zanaya ficou em silêncio, relutante em interromper os pensamentos da
vidente.
Não está quebrado... mas danificado, disse Cassandra finalmente.
Realmente não consigo ver seu caminho além de hoje, então não posso
dizer se a ferida é permanente ou temporária. Mas uma coisa sei agora,
Rainha das Tempestades: você acorda porque é sua estação para acordar.
Zanaya olhou para o fogo ao seu redor. Dormindo ou nã o, poderia
permanecer neste estranho lugar intermediá rio por muito tempo sem
enlouquecer. Ela tinha vontade. E se o mundo precisasse, o faria. Talvez,
no entanto, tal sacrifício nã o fosse necessá rio. — Quantos arcanjos
estã o acordados no mundo? Você sabe?
Escuto enquanto observo meus Adormecidos. Deslizo para um descanso
mais profundo de vez em quando num esforço para evitar os
deslizamentos do tempo, mas então acordo, e minhas corujas me dizem o
que perdi. Nove. Existem nove.
Zanaya exalou. — Entã o eu me levantarei. — O Cadre deveria ter dez,
era mais forte e mais estável com dez. E, a menos que um do Cadre
quisesse acumular terras, havia bastante territó rio para dividir entre
dez. —
Cassandra?
Sim, Rainha das Tempestades?
Com a garganta seca, se obrigou a dizer: Alexander está acordado ou
dorme? Nã o podia nem sussurrar a outra opçã o: que estava morto,
morreu na batalha contra Lijuan.
O guerreiro de asas prateadas anda pelo mundo. Uma pausa, seguida por
palavras suaves quase abafadas pelo rugido nos ouvidos de Zanaya.
Asas prateadas e ventos de tempestade. Tempestades sem restrições.
Desta vez...
será o fim.
O fogo líquido ao redor de Zanaya se abriu enquanto ela lutava contra o
choque daquelas palavras finais. Espere! O que isso significa?
Sua ú nica resposta foi um suspiro sussurrado, o roçar de um velho,
velho poder sobre sua pele... e entã o Cassandra se foi, voltou para seu
repouso vigilante.
Zanaya se levantou.
CAPÍTULO 32
Dez anos depois da guerra que pô s fim ao reinado da Arcanjo da Morte,
e Alexander conseguiu continuar, conseguiu fingir que era o mesmo
homem de antes da guerra. Enganou Xander, mas nem tentou com Titus
ou Callie. Seria inú til; ao contrá rio de seu neto, seus amigos o
conheciam há muito tempo, o viram em muitas estaçõ es da vida.
Agora estava no topo do Kilimanjaro, esta montanha exigente nas terras
de seu amigo. Nuvens cercavam a montanha, escondendo as copas
planas das á rvores que sobrevoou em seu caminho até aqui, junto com
as formas das muitas espécies de fauna que vagavam por esta terra. Em
contraste, a á rea imediata ao seu redor era uma esterilidade alpina.
Sozinho nas nuvens, o Arcanjo da Pérsia se viu perdido de uma forma
que nã o esteve durante toda sua existência.
Sua mã e, cujo coraçã o gentil iria quebrar quando acordasse, muitas
vezes comentava sobre sua confiança. — Oh, meu Alexander — ela dizia
com uma risada, — você sempre conheceu sua mente. Tinha uma
vontade tã o forte, mesmo quando era um mero bebê - ora, até
conseguiu que o pró prio Ojewo lhe desse um futuro quando ele nunca
deu um a nenhuma criança!
Esse futuro era inespecífico ao extremo. Quando, como um adolescente,
pediu ao vidente que lhe contasse seu futuro, Ojewo olhou para ele com
um sorriso suave e disse: — Você moldará seu pró prio futuro.
—Uma coisa, — um Alexander frustrado e descalço negociou. — Diga-
me uma coisa.
Ojewo estava vestido com um manto esvoaçante do azul mais escuro na
época, seus pés calçados em sandá lias formais e o verde escuro de seus
olhos delineados com kohl. Estava a caminho de uma funçã o da corte
quando Alexander o emboscou.
Mas Ojewo nã o estava zangado ou impaciente.
Inclinando a cabeça um pouco, com um brilho malicioso nos olhos, o
vidente disse: — Ela será um vento luminoso e feroz que iluminará sua
existência.
Alexander, jovem e cheio de si, gemeu. Esperava histó rias de gló ria na
guerra e de territó rios conquistados. Em vez disso, Ojewo deu a ele o
que Alexander rotulou em particular como uma tolice româ ntica. Entã o
veio Zanaya e finalmente percebeu que o vidente lhe contou a parte
mais importante de seu futuro.
Porque Zani era o eixo sobre o qual sua existência girava.
Tantos anos que passaram separados e, no entanto, quando ela
acordou, foi como se tivessem se beijado apenas um dia atrá s. Ele a
conhecia em seus ossos, a amava com cada célula de seu corpo.
... nã o é o ú ltimo final.
Palavras que Cassandra falou quando entregou Zanaya aos seus
cuidados. Palavras à s quais se agarrou por dez longos e solitá rios anos.
Ainda mais do que se agarrou ao eco daquela profecia fantasmagó rica
que ouviu enquanto dormia. Isso poderia muito bem ser um sonho,
enquanto as outras eram palavras que Cassandra falou em sua cara.
Se quisesse, teria mantido sua Zani por perto, cuidando dela ele
mesmo. Mas sabia que sua orgulhosa amante odiaria isso com cada
fibra de seu ser. A sua sempre foi uma relaçã o de iguais. Meia-noite e
prata, dois riachos que se cruzavam uma e outra vez... mas nunca
misturados.
Alguns podiam chamar isso de amor quebrado, mas Alexander sabia a
verdade: tinha que ser assim para o amor deles funcionar. Ele e sua
Zani, nenhum deles foi feito para dobrar. Foram, no entanto,
construídos para serem leais e manter aqueles que amavam.
— Você é tã o arrogante quanto eu, — ele disse a ela num dia
memorável, depois que o derrubou no chã o em treinamento de
combate e estava segurando uma lâ mina afiada estilete em sua
garganta. Ela estava vestida com um daqueles vestidos curtos que
gostava de usar para lutar, seus braços musculosos, seu cabelo puxado
atrá s numa trança e sua pele gloriosa à luz do sol.
Seu comentá rio foi a continuaçã o de uma discussã o que estavam tendo
durante o café da manhã , e naquele dia, ela jogou a cabeça para trá s e
riu antes de se levantar e estender a mã o para que ele pudesse se
levantar... Ele nã o precisava da ajuda, mas pegou a mã o dela mesmo
assim.
— Bem, talvez esteja certo, Xander. — Uma faísca perversa em seus
olhos. — Pelo menos nã o sou velha e arrogante. — Entã o ela decolou
para o céu com um sorriso impenitente.
Rosnando, ele saiu atrá s dela.
Zanaya era a ú nica que o provocava muito tempo depois que ambos se
estabeleceram no Cadre, a ú nica que brincava com ele. Ele e Caliane,
seu relacionamento nunca foi assim. Callie sempre foi calma, centrada,
um pouco velha antes de seu tempo. Só com Nadiel a vira tornar-se uma
jovem, despreocupada e risonha.
Como só com Zanaya, Alexander se tornou um jovem brincalhã o.
Alexander? Está planejando se esconder na montanha por muito mais
tempo? Ou vai se juntar a nós para uma refeição?
Alexander fez uma careta, lembrando que agora tinha outra pessoa em
sua vida que o tratava com irreverência. Sua mãe ficaria horrorizada
com seus modos, filhotinho.
Ainda bem que ela ainda está dormindo. Tenho o suficiente para lidar,
dada a recusa de minhas irmãs em me reverenciar como um arcanjo.
Praga que elas são.
Bem ciente de que Titus adorava suas irmã s, e muitas vezes as visitava
para ser tã o zoado e atormentado, para ser chamado de “Tito” e tratado
como seu amado irmã o mais novo, Alexander foi atingido por uma onda
de melancolia penetrante. Oh, como sentia falta de seu irmã o como
Osíris foi antes de se tornar um monstro. Sentia falta de rir com ele
como Titus ria com suas irmã s, sentia falta de suas conversas e de seus
mergulhos.
Era como se sua dor por Zanaya desse nova vida à quela dor mais antiga.
Seu coraçã o estava pesado como pedra na maioria dos dias, mas tentou
nunca revelar esse lado de si mesmo para Xander. Para seu neto, era seu
avô , forte e bem recuperado e de volta a si mesmo. Xander podia
acreditar porque nunca conheceu Zanaya; se a tivesse conhecido, se a
visse com Alexander, saberia que nenhum homem poderia superar uma
mulher como a Zani de Alexander.
Para dar-se forças para manter o ato, Alexander muitas vezes fazia
questã o de pensar na luz em sua vida.
Ele tinha bons amigos em Titus — e agora, Lady Sharine. Ela sempre foi
a amiga mais pró xima de Caliane e era capaz de permanecer assim por
toda a eternidade, mas Alexander passou a conhecê-la melhor ao longo
dos anos através de seu relacionamento com Titus. Passou a entender
por que Caliane prezava tanto seu vínculo com um anjo que Alexander
sempre pensou como uma artista perdida em seu pró prio mundo.
Entã o havia a centelha mais jovem e mais preciosa de todo seu
universo: Xander.
Está brincando? Você é avô?
Com a garganta apertada pela lembrança do alegre espanto de Zanaya,
se ergueu no céu do pô r do sol. Como era seu costume toda vez que
subia ao céu, olhava para o horizonte na direçã o de onde Cassandra
desapareceu com Zanaya em seus braços.
O fogo da vidente estava no territó rio de Rafael na época, mas
Alexander nã o era crédulo o suficiente para pensar que permaneceu lá .
Uma Antiga nunca seria tã o aberta sobre seu local de descanso –
especialmente quando também cuidava de vá rios outros arcanjos
gravemente feridos.
E Cassandra era mais do que antiga; ninguém tinha ideia da
profundidade de seu poder ou do que era capaz. Qin a conhecia melhor,
e certamente nã o estava dando nenhuma pista. O arcanjo que entrou
para vigiar o territó rio de Astaad raramente falava.
Foi quando aconteceu.
O pô r do sol começou a virar meia-noite numa corrida de onda. Nã o o
cinza escuro da noite invasora. A obsidiana pura e suave da Rainha do
Nilo.
Coraçã o trovejando, ouviu... e a ouviu. A mú sica doce e assombrosa que
era a melodia no vento. A mú sica de Zanaya.
Alexander! Isso aconteceu antes da guerra. A voz de Titus em sua mente.
É Zanaya. Alexander mal conseguiu evitar que sua voz mental tremesse
quando captou uma onda de aromas adoráveis e incognoscíveis.
Ela acorda. E desta vez, o faz em seus próprios termos, com sua música e
seus aromas.
Um segundo a mais, e tinha, sua localizaçã o. Nã o podia fazer isso com
nenhum outro arcanjo e nã o sabia se algum outro arcanjo podia fazer
isso com qualquer outra pessoa. Normalmente, os membros do Cadre
acordavam com um show, mas em segredo. Ninguém que nã o estivesse
pró ximo jamais os veria subir.
Ela está em seu território, ele disse a Titus mesmo enquanto se movia
com força na direçã o de Zanaya. Nã o queria que seu amigo fosse
surpreendido por uma açã o agressiva, queria que Zanaya tivesse um
despertar tranquilo. Em algum lugar do norte.
Bem, faz sentido, disse Titus com seu pragmatismo costumeiro.
Precisamos de um arcanjo lá.
Sim, precisavam. Titus era o Arcanjo de toda a Á frica apenas porque
nã o havia mais ninguém para assumir o dever. O outro arcanjo preferia
lidar com apenas metade do continente, realmente dar ao seu povo o
cuidado e atençã o que sentia ser o dever de um arcanjo.
Zanaya nã o teria que lutar por territó rio.
Ela deve estar curada. A voz de Titus era uma explosã o feliz de som.
Isso me dá esperança para Astaad, Michaela e Favashi.
Alexander nã o tinha espaço em seus pensamentos para os outros três,
Zanaya sua ú nica prioridade. Voando com fú ria arcangélica, seu corpo
uma foice através da intensa beleza do céu dela, logo pousou no topo de
uma duna numa pequena regiã o desértica logo além da fronteira
norte/sul quando Titus governava apenas metade do continente.
Suas asas doíam pela tensã o que as submeteu, seu coraçã o um tambor.
Confie em Zanaya para acordar no lugar certo, pensou numa onda
de esperança crua, mas embora o céu permanecesse um preto
aveludado evocativo com aromas requintados, nã o viu nenhum sinal
dela.
Isso o fez se perguntar se entendeu errado, afinal.
Ela acordou em outro lugar? Isso nã o importava para ele. A ú nica coisa
que importava era se ela tinha acordado.
Titus, há notícias de alguma outra parte do mundo de seu despertar?
Não. Sua noite cobre o planeta, mas ninguém ainda relatou um
avistamento.
Estava demorando muito. Dado o quã o distante ele estava, ela deveria
ter surgido muito antes de sua chegada. A preocupaçã o o atormentava...
quando a duna derreteu debaixo dele sem aviso.
Assustado, voou acima antes de descer no que era agora uma á rea
plana de areia que brilhava com fogo de diamante no centro. Ele deu
mais alguns passos atrá s, dando a ela o espaço que ela precisava.
A areia rodopiava enquanto subia, girando cada vez mais rá pido quanto
mais alto subia, até que o brilho prateado dela era um pequeno tornado
que jogou seu cabelo atrá s e o fez cambalear em seus pés. Com o braço
apoiado sobre os olhos para protegê-los da areia no ar, tentou vê-la
através do redemoinho, mas isso se mostrou impossível, o vento um
tornado.
O tornado caiu com uma rapidez inesperada, revelando as costas de
uma mulher com cabelos pú rpura-prateados, sua estatura pequena,
mas suas curvas perigosas. Ela tinha uma espada amarrada à coluna, o
punho cravejado de opalas, bem como um ú nico pedaço de â mbar
escarlate. Ele se certificou de que sua Zani tivesse Firelight com ela no
sono.
Agora, enquanto observava com esperança e descrença guerreando por
dentro, ela se espreguiçou luxuriante, um gato acordando de uma
soneca.
Ele procurou as partes do corpo dela visíveis para ele, nã o encontrou
uma ú nica cicatriz ou outra indicaçã o da maldade de Lijuan. Sua Zani
tinha curado.
Entã o ela se virou para encará -lo.
Ele respirou fundo. — Zani, seus olhos.
Com o sorriso apagado, puxou Firelight para examinar a si mesma no
metal reluzente. As maldiçõ es que saíram de sua boca estavam em uma
língua há muito extinta, mas que Alexander conhecia muito bem,
porque
seu repertó rio de maldiçõ es sempre foi o mais interessante.
— Aquela criatura nascida de um escaravelho e um burro meio morto
me marcou! — Ela cutucou a pele logo abaixo do surpreendente cinza
pérola de seus olhos.
Aqueles olhos deveriam ser escuros meia-noite salpicados de luz
prateada, uma riqueza linda e deliciosa que o seduziu ao longo do
tempo. —
Zani.
Avançando, tomou sua vida em suas mã os e a envolveu em seus braços.
Em vez de cutucá -lo com a lâ mina por sua temeridade, ela realmente
deixou cair sua espada favorita para abraçá -lo com força. — Ela está
morta? — Um sussurro á spero contra seu peito.
— Sim. Derrotamos Lijuan naquele dia.
— Bom. — Curto, afiado, satisfeito. — Espero que minha força vital
tenha lhe causado indigestã o.
Rindo, trêmulo, Alexander beijou o topo de seu cabelo, o lado de seu
rosto, e entã o seus lá bios se encontraram e foi como se nã o tivessem
sido separados por uma década fria e difícil. Eles se encaixavam
perfeitamente como se tivessem sido projetados para se encaixarem.
Seus lá bios tã o macios e suaves, os dele mais firmes. Seu aperto feroz,
suas asas um abraço protetor.
ç p
O gosto dela ameaçou deixá -lo de joelhos.
Os ventos os cercaram, a areia rodopiante enfiada pela meia-noite
brilhante enquanto Zanaya os envolvia numa privacidade selvagem que
fazia deste momento nada mais que os dois.
CAPÍTULO 33
O beijo foi tudo, alimentando sua alma ressecada e curando coisas
quebradas dentro dele. Mas nã o podiam ficar assim para sempre, e logo
as areias caíram e se separaram. — Estou diferente, — disse Zanaya,
sua expressã o perturbada. — Nã o os olhos. Poderia viver com isso. Há
algo que nã o está certo comigo.
Alexander segurou sua bochecha, precisando tocá -la, assegurar-se de
que estava realmente aqui. — Você foi a ú nica daqueles que caíram nos
poderes de Lijuan que acordou. Pensei que tinha ido embora para
sempre.
— Eu sei. — Marrom rico começou a sangrar de volta na pérola de sua
íris, o efeito estranhamente adorável. — Falei com Cassandra antes de
me levantar. Ela disse que eles ainda estã o “presos no meio”. — Abrindo
suas asas, entã o as colocou de volta com precisã o marcial.
— Há uma razã o pela qual estou acordada quando eles nã o estã o, —
Zanaya continuou antes que ele pudesse dizer a ela que seus olhos
estavam novamente como deveriam estar, — e nã o tenho certeza se é
uma boa razã o. Especialmente com estes. — Ela apontou dois dedos,
em um â ngulo em V afiado, em direçã o a seus olhos. — Aquele monstro
insano fez algo comigo. Talvez seguro no caso dela morrer.
Alexander ficou horrorizado com a ideia de que Lijuan pudesse de
alguma forma infectar Zanaya. — Você tem a voz dela na sua cabeça? —
Ele a apertou mais. — Alguma vontade de fazer coisas que nunca faria?
Com as mã os nos quadris, Zanaya olhou para o chã o. Quando
finalmente ergueu a cabeça, foi para sacudi-la. — Nã o, meus
pensamentos sã o meus.
— Assim como seus olhos, — ele disse, finalmente quebrando o contato
– mas apenas para que pudesse acariciar seus dedos sobre o arco de
suas asas. — O cinza desapareceu.
Ela estremeceu com a carícia íntima antes de dizer: — Pelo menos nã o
a verei quando me olhar no espelho. — Palavras mordazes, mas sua
expressã o estava tensa. — Como vou saber, Alexander? — Uma
pergunta grosseira. — E se eu estiver infectada com a ameaça dela, mas
de uma forma que nã o consigo discernir?
— Serei seu tenente nesta vigia, — Alexander jurou. — Conheço você.
Vou lhe dizer imediatamente se começar a agir de maneiras que estã o
fora de sua personalidade ou de sua moral.
Zanaya sempre teve um traço travesso que a levava a criar problemas,
mas nunca foi um problema mortal, perigoso ou feio. Nã o, era o tipo
perverso que quase o fez cair na gargalhada em mais de uma reuniã o
tensa do Cadre.
Zanaya adorava mexer no nariz do “general”.
Agora, ela apertou os lá bios. — Nã o gostaria que você cuidasse de mim,
amado, — ela murmurou. — Mas vamos considerar isso uma exigência
da batalha. Para no instante em que soubermos que sou eu mesma
novamente.
Alexander concordou com um aceno de cabeça. — Parece que você vai
governar a metade norte da Á frica. Seu Nilo receberá de volta sua
rainha.
Erguendo ambas as sobrancelhas, ela disse: — O Cadre se move mais
rá pido do que no meu tempo. — Ela se moveu para colocar uma mã o
sobre seu coraçã o antes que ele pudesse responder.
Como se também nã o suportasse ficar separada.
Ele fechou a mã o sobre a dela, falou através de uma garganta á spera.
— Nã o. Titus simplesmente deixou claro que nã o tem problemas com
outro arcanjo assumindo esta metade. Está cuidando disso porque nã o
havia outra opçã o, mas se sente disperso, acredita que isso prejudica
seu povo.
— Sabia que gostava de Titus. — Uma pausa, um toque de seu lá bio
inferior. — Entã o, quanto perdi desta vez? Outro neto?
— Faz apenas dez anos, — disse Alexander, sua voz irregular. — E
como poderia gerar outro filho quando nã o toquei em nenhuma mulher
desde entã o?
Sua expressã o se suavizou em ternura penetrante. — Ah, eu sinto muito
que teve que me ver cair, amado. — Dedos tocando sua mandíbula.
— Nã o queria me levantar até saber que você sobreviveu à guerra.
O peito doendo, a envolveu em seus braços e suas asas novamente.
Ela deslizou seus pró prios braços ao redor de sua cintura, deitou a
cabeça contra seu peito. E ficaram ali por um longo tempo, num abraço
que curou fraturas em ambos.
Quando os ventos frios da noite sopraram no cabelo de Alexander,
olhou para cima e viu que as estrelas do início da noite começaram a
aparecer. A escuridã o de Zanaya estava desaparecendo, para ser
substituída pelo estado natural do mundo.
Zanaya suspirou e deu um passo atrá s.
Lutando contra sua necessidade de a segurar, ele a soltou. E pegou o
manto do Cadre. — Vai ter que haver uma reuniã o.
— Sim. Quando pode ser arranjado?
— Um dia ou dois. Estamos em paz, entã o nem todos estarã o em suas
fortalezas.
Expressã o pensativa, Zanaya assentiu, mas linhas se formaram em sua
testa.
— Vai passar a noite comigo, Zani? — ele perguntou, estendendo a mã o
para suavizar essas linhas. — Antes que o mundo volte a entrar em
nossas vidas?
Eram arcanjos; era inevitável.
Um meio sorriso suave que continha tanto tristeza quanto alegria. —
q q g
Vamos começar nossa dança de novo? — Por um instante, ela parecia
cansada, olhando abaixo novamente antes de levantar a mã o e enfiar os
dedos pelos cabelos. — Nunca se perguntou se nã o deveríamos ser?
— Nã o.
Seus lá bios se ergueram. — O general está de volta, eu vejo. — Ela deu
um passo à frente, entã o franziu a testa, olhou para baixo mais uma vez.

Olhe.
Seguindo o olhar dela, viu os ossos esbranquiçados de um pá ssaro, o
buraco negro de sua ó rbita vazia olhando para eles. — Seus ventos
devem tê-lo exposto.
— Sim, acho que sim. — Zanaya parecia distraída enquanto olhava ao
redor, como se esperasse ver mais ossos.
— É apenas um ú nico pá ssaro, — ele a tranquilizou, e quando ela fez
uma careta, acrescentou: — Zani, todos nó s estávamos vendo pesadelos
em cada esquina por anos depois de Lijuan. Até hoje, estremeço toda
vez que passo por uma criança pequena. — Ele nã o conseguia esquecer,
nã o conseguia apagar aquelas memó rias de um flagelo tã o lamentável e
horrível.
Com traços marcantes, Zanaya disse: — Oh, Alexander... — e veio para
seus braços. — A resposta é sim, vou deitar com você. Preciso de você.
Preciso de nó s.
Querendo cada momento que pudessem roubar para si mesmos,
voaram a uma curta distâ ncia para uma floresta verdejante com vida e
desprovida de quaisquer habitantes mortais ou imortais. A noite
estrelada era seu teto, sua cama suas asas. Uma ú nica noite má gica
antes da realidade colidir com eles com o nascer do sol.
Ele acariciou cada curva, beijou cada centímetro de pele, a amou até
que seu cheiro estivesse nela e o dela nele. Mas nã o era carnal. Havia
muita ternura. Confiança demais.
— Perdi um quarto de minhas forças no rescaldo, — ele disse enquanto
se inclinava sobre ela enquanto estava deitada de costas em sua asa. —
Meus guerreiros estavam quebrados, queriam se retirar do mundo.
Como poderia culpá -los quando sinto a mesma tristeza no coraçã o?
Seus olhos brilharam, sua Zani que sempre teve um coraçã o muito mais
gentil do que a maioria das pessoas imaginava.
— Gostaria que as memó rias nã o me assombrassem, — ele confessou,
— mas é um memorial apropriado que elas fazem – porque nã o há
tú mulos para essas crianças, nenhum memorial além disso.
Enxugando uma lá grima, Zanaya falou com voz rouca. — Você ficou
sá bio em dez anos. — Ela beijou as pontas dos dedos dele, entã o
levantou sua mã o para traçar as linhas como ela fez quando se
tornaram amantes. —
Um mortal que conheci uma vez me disse que nossas vidas estã o
escritas nestas linhas.
— Ele leu sua palma?
— Sim. Me disse que eu teria um grande amor na minha vida. — Um
beijo pressionado em sua palma. — Nã o há divisõ es na minha linha de
amor.
— Estreitando os olhos, olhou fixamente para a palma da mã o dele. —
Ainda bem que também nã o vejo divisõ es na sua, general.
Quando ele se moveu para beijar as curvas arredondadas de suas
bochechas, ela sorriu, acariciou seus ombros nus e disse: — Você é o
homem mais bonito que já conheci.
Ele sentiu seu rosto esquentar. Ele, o Arcanjo Alexander, estava corando.
Isso a fez rir e beijar seu rosto todo, suas mã os tã o amorosas e ternas
sobre ele que a deixou. Enquanto a deixava amá -lo por sua vez, suas
mã os explorando todos os cumes e vales dele, seus lá bios uma delicada
bênçã o.
Adormeceram com a cabeça dela em seu ombro, uma de suas mã os em
seu coraçã o e uma de suas pernas jogadas sobre a dele. Ele fechou sua
asa sobre ela, segurando-a perto, sua Zani que retornou para ele e que
nunca mais deixaria ir.
Os amantes caem e os amantes se levantam. O rio para de fluir. Desta vez
será o fim.
— Você ouviu isso? — Zanaya murmurou, sua voz drogada pelo
descanso.
Acariciando o cabelo dela, Alexander disse: — Nã o é nada. Um sonho.
— Isso era tudo que permitiria que fosse, pensou enquanto o sono o
sugava.
Nosso rio nunca vai parar de fluir. Nosso amor nunca vai acabar. Esses
foram seus pensamentos finais antes de cair nas profundezas.
Acima deles, os galhos das á rvores farfalharam, o ar um suspiro.
Se Alexander estivesse acordado, poderia ter visto uma coruja branca
fantasmagó rica no ar, seu vô o tã o silencioso quanto o coraçã o da meia-
noite.
CAPÍTULO 34
Cassandra deveria estar em repouso.
Cumpriu seu dever por um de seus encargos. Zanaya estava segura.
Mas os turbilhõ es gritavam para ela olhar, ver!
Respiraçã o superficial e suas corujas inquietas, lutou para nã o ouvir os
gritos, lutou para nã o ver a propagaçã o da podridã o. Porque aquela
morte pú trida continuava a dominar os turbilhõ es, o ú nico outro fio
ainda fino, frá gil.
Uma respiraçã o. Uma agitaçã o.
Ela franziu a testa, mas suas corujas a asseguraram de que seus outros
Adormecidos ainda descansavam.
Astaad, Arcanjo das Ilhas do Pacífico.
Favashi, Arcanjo da Pérsia por um segundo na eternidade.
Michaela, Arcanjo de Budapeste e Rainha de Constantinopla.
Todos jaziam em silêncio e imó veis, suas vidas presas em nó no
turbilhã o que nã o se desfazia, nã o enquanto a podridã o espalhasse sua
putrefaçã o. Mas a respiraçã o voltou, pequena e furtiva e quase
impossível de ouvir.
Outro Adormecido estava acordando. Um Adormecido que Cassandra
nã o conseguia ver.
Um Adormecido que nã o queria que ninguém o visse, o conhecesse.
CAPÍTULO 35
Alexander acordou com Zanaya se mexendo.
Imediatamente vigilante, a encontrou olhando através de seu peito
para o que, para ele, parecia ser um pequeno animal ferido. Seu instinto
era ajudar a criatura, mas pelo estado de sua pele - manchas caídas
para revelar a pele verde manchada - e o cheiro que exalava, o pobre ser
tinha uma ferida que se tornou séptica.
— É doentio, — disse ele, acariciando a linha rígida da espinha de
Zanaya. — Vou ter misericó rdia - nã o há mais nada que possa ser feito
por ele agora. — Ele o fez de uma maneira rá pida e indolor.
Expressã o sombria no rescaldo, Zanaya o ajudou a enterrar a criatura
atormentada, e se limparam nas á guas geladas de um riacho pró ximo.
Foi só depois, enquanto estavam sentados em grandes rochas numa
clareira cinzenta ao amanhecer, que ela disse: — Se eu nã o tivesse visto
aquele animal se mexer, pensaria que estava morto. Tinha terra e restos
de folhas grudados nele como se rastejasse de onde foi enterrado pela
natureza.
Alexander sabia onde ela queria chegar com isso, balançou a cabeça.
— O animal sangrava vermelho. Seu sangue era espesso e claramente
afetado pela infecçã o, mas sangrava vermelho. As criaturas de Lijuan
nã o.
Um longo olhar antes de Zanaya exalar. — Fico muito feliz em ouvir
isso, amado. A criatura ferida devia estar desorientada e com dor. Um
punho esfregando seu coraçã o. — Entendo o que quer dizer agora,
sobre ver pesadelos onde quer que eu me volte.
— Vai passar, — ele prometeu, e lhe deu um punhado de frutas que
coletou enquanto ela estava considerando os eventos daquela manhã .
Um sorriso repentino. — Você me colheu bagas inú meras vezes ao
longo das eras, e amo tanto hoje quanto amei da primeira vez. —
Inclinando a cabeça num pedido silencioso de um beijo, ela era uma
adorável criatura caprichosa com um nú cleo de aço derretido.
Amava cada parte dela.
Seu primeiro beijo foi suave, mais doce do que qualquer um poderia
imaginar. O segundo beijo deles tinha gosto das frutas que ela comeu
enquanto ele procurava mais no arbusto pró ximo. E por uma batida
preciosa, poderiam ser apenas Alexander e Zani, dois amantes que nã o
tinham onde estar e nada para fazer.
Entã o o sol surgiu para acariciar o mundo em calor e nã o havia mais
bagas.
— Entã o, — Zanaya disse, — vamos ver Titus para que eu possa
discutir questõ es territoriais com ele, cara a cara.
*
Alexander teve pouco tempo a só s com Zanaya durante as pró ximas
vinte e quatro horas, momento em que se prepararam para entrar
numa reuniã o do Cadre.
Um encontro físico.
O Cadre nã o se encontrava pessoalmente há anos; nã o havia
necessidade, nenhuma urgência, e todos os arcanjos do mundo se
contentavam em permanecer e estabilizar territó rios fortemente
impactados pela guerra. Mesmo aqueles que pagaram um menor preço
físico tinham uma populaçã o traumatizada que testemunhou pesadelo
apó s pesadelo na guerra de Lijuan.
Este mundo moderno com todos os seus dispositivos capazes de
comunicaçã o... nã o, nã o havia um canto do planeta que nã o tivesse
testemunhado o que Lijuan fez. Começando com a montanha
descuidada de carne onde seu povo jogou seus combatentes feridos e
terminando com milhares de corpos em decomposiçã o espalhados por
Manhattan.
Entã o nã o, nenhum deles viu qualquer necessidade de perder tempo
em se encontrar pessoalmente.
A ressurreiçã o de Zanaya, no entanto, deixou o Cadre alvoroçado.
Todos queriam pô r os olhos nela.
— Nossos compatriotas, — disse Zanaya com humor amargo, —
querem ver com seus pró prios olhos que nã o voltei uma mú mia
enrugada –
nem uma insana renascida espumando pela boca.
Alexander foi forçado a admitir a verdade. — Eu faria o mesmo, —
disse ele com um gemido. — Somos criaturas bá sicas no coraçã o.
Mas entã o Zanaya riu, uma daquelas risadas profundamente
contagiosas que vinham direto de seu â mago. — Eu também, amado.
Fui transformada numa mú mia! Se tivesse testemunhado isso, também
nã o acreditaria na minha ressurreiçã o.
Foi assim que se encontraram, o local era um forte extenso no norte da
Á frica. No pá tio no qual Alexander estava agora com Titus, o espaço era
amplo e plantado com vá rias á rvores carregadas de frutas ou vibrante
de flores.
— Costumava pertencer à quele excremento de burro, Charisemnon.
— Titus, o tom de mogno profundo de sua pele brilhando sob a luz do
sol, cuspiu no chã o depois de proferir o nome do arcanjo morto. — Mas
Euphenia nã o gosta de desperdício e se lembrava deste lugar como um
refú gio de beleza e arte antes que Charisemnon o estragasse, entã o se
encarregou de limpá -lo e arrumá -lo de outra forma. Sharine me disse
que antigos rituais de fogo angelical estavam envolvidos. Phenie
também pediu a um respeitado curandeiro mortal de lugares para fazer
seus cantos e cerimô nias.
— À s vezes, os métodos antigos sã o os melhores. — Alexander nã o
podia discutir com os métodos de Euphenia quando o resultado era
p p q
este espaço brilhante e vital que nã o carregava nenhum eco dos
costumes sujos de Charisemnon.
— Verdade. — Titus olhou ao redor. — Tem um bom ar, devo admitir.
Fiquei cético quando Phenie disse que poderia acabar com o fedor
daquele furú nculo de pus, mas acredito que ela conseguiu. Há um
frescor nisso agora, como se estivesse esperando seu novo mestre.
Titus sorriu enquanto entravam no prédio principal. — Talvez seja
porque – junto com suas outras medidas – minha irmã enviou um
convite aberto para crianças mortais na cidade local. Deu a seus
pequenos visitantes tintas e bastõ es de cor e os libertou dentro do
forte. A tarefa deles era colorir as paredes com sua arte. Por essa
atividade foram recompensados com muito bolo e chocolates e afins.
Intrigado, Alexander olhou para as impressionantes cortinas na parede
ao redor, as paredes de outra forma imaculadas. — Onde estã o suas
criaçõ es? Certamente Euphenia nã o permitiria que seu engenhoso
método de banir energias ruins fosse apagado? Alexander conhecia a
irmã mais velha de Titus muito bem para acreditar nisso.
Com um sorriso ainda mais brilhante, Titus levantou a parte inferior de
uma pesada tapeçaria... para revelar uma imagem de flores desenhada
pela mã o cuidadosa de uma criança. — Escondidos por todo o forte –
Phenie diz que sã o um presente de alegria para os moradores
descobrirem.
Alexander se agachou para traçar os dedos sobre as pétalas
cuidadosamente criadas. — Zanaya vai adorar isso.
Uma pausa antes de Titus dizer: — Meu amigo, espero que me desculpe
algumas palavras simples. — Deixando cair a borda que levantou, o
grande anjo se moveu em seus pés, estranhamente hesitante.
— Fala, Titus. — Alexander se levantou de sua posiçã o agachada, ele e
Titus de uma altura que quando seus olhos se encontraram, foi um
contato direto e inabalável. — Nunca fomos formais. — Nem mesmo
quando Titus era menino.
Alexander viveu o suficiente para saber que algumas pessoas
simplesmente ressoavam umas com as outras. A idade nã o importava
além de um certo ponto. Um amigo era um amigo.
— Nã o conheço Zanaya além do nosso encontro fugaz durante a guerra.
Mas, embora, exceto pelo comentá rio estranho que deixou escapar,
sempre foi de boca fechada sobre o assunto, alguns dos antigos da
minha corte estavam por perto quando vocês dois estavam juntos.
Alexander assentiu, ciente de que um nú mero maior do que o normal
de anjos mais velhos acordou na ú ltima década. De acordo com a
pesquisa de Jessamy, era provável que fosse um efeito prolongado da
Cascata, ondas de perturbaçã o se espalhando no tempo. — E o que
ouviu te preocupa?
— Francamente sim. — Titus cruzou os braços musculosos sobre o
ouro brilhante de seu peitoral – no qual estava embutido um beija-flor
p q j
feito de â mbar. Titus vestindo sua devoçã o a Sharine, a Colibri, de uma
forma que nã o poderia faltar.
Alexander parou de usar â mbar um milênio ou dois em seu
relacionamento com Zanaya. Nã o foi uma decisã o consciente. Seu anel
quebrou durante uma batalha com outro arcanjo, e quando Zanaya o
substituiu, passou a nã o usá -lo onde poderia ser danificado... até que
nã o usava mais.
Eu te amei mais do que jamais amei alguém ou alguma coisa em toda a
minha existência... Mas você ainda ama mais o poder.
O eco da acusaçã o de Zanaya doeu. Nã o se preocupou em usar o â mbar
porque a amava muito. O mundo inteiro sabia que Alexander pertencia
a Zanaya, nunca estaria verdadeiramente disponível para qualquer
outra. Que necessidade havia de anunciá -lo?
Ela perguntou sobre isso uma vez e nunca mais tocou no assunto
depois que explicou seu raciocínio... mas ela também nunca parou de
transferir seu â mbar de um punho de espada para o outro. E só usava
aquelas espadas, carregava aquele â mbar, quando estavam juntos. A
Firelight original há muito caiu na batalha e no tempo, mas sempre que
ela
transferia seu â mbar para o punho de uma espada, essa espada se
tornava a nova Firelight.
Eras de tempo, e tinha o primeiro pedaço de â mbar que ele deu a ela –
junto com a memó ria de como ele fez isso. Numa espada projetada para
ela por Alexander e trabalhada por um mestre, entã o considerada
preciosa e segura por Alexander até que pudesse dar a ela... enquanto
estavam beijados pela luz do sol, ele e sua Zani tã o assustados e
oprimidos pelo presente do â mbar.
Nunca esperei âmbar na minha vida.
O símbolo importava para ela. Como pô de ser tã o cego? Tã o certo de
que estava certo? Como podia ter esquecido a ternura e a
vulnerabilidade daquele momento em que ambas as mã os tremiam? Ou
a maravilha do instante em que ela lhe deu seu anel mais
extraordiná rio? Sabia que era arrogante, mas ir tã o longe? Isso
machucou a Zani dele? Seria uma coisa se ignorasse sua histó ria e o que
usar â mbar significava para ela, mas ele nã o ignorava.
— Perdoe minhas palavras, meu amigo, — Titus disse mesmo quando
Alexander cambaleou sob o peso de sua percepçã o, — mas parece que
vocês dois brigaram tanto quanto amaram! — Ele ergueu as mã os. —
Onde está a alegria nisso?
Lutando para encontrar seus pés novamente enquanto sua cabeça
girava, Alexander olhou para seu jovem amigo. — Quando nó s nos
amamos, meu amigo, — ele disse, sua voz á spera pelas emoçõ es que
rugiam através dele, — foi por milhares de anos. E quando brigamos, foi
por centenas. É
uma coisa de grandezas.
g
Titus ficou em silêncio por um longo tempo antes de dar um aceno
lento. — Vejo seu ponto. Nã o consigo compreender muito bem, mas
entã o, pela sua medida, me apaixonei apenas neste segundo. Ainda...
Nã o consigo me imaginar longe de Sharine. — Ele olhou para
Alexander. — Como passou todo esse tempo longe de Zanaya?
— Nó s dois somos tã o teimosos quanto o outro, e nossa raiva pode
alimentar guerras. — Nã o era nenhum orgulho, apenas um fato; os dois
tinham os mesmos defeitos. Era por isso que se amavam - e porque se
separaram tantas vezes ao longo das eras.
Tendo conseguido conter suas emoçõ es para que nã o vazassem entre o
Cadre, deu um tapinha nas costas de Titus. — Nã o me preocuparia que
o
mesmo aconteça com você e Lady Sharine, Titus.
— Oh? Por que você parece tã o certo?
— Você, meu amigo, é incapaz de guardar rancor contra ninguém,
exceto para o maldosamente maligno, como Charisemnon; e Lady
Sharine tem mais sabedoria em seu dedo mínimo do que eu ou Zanaya
jamais conseguiremos acumular. — Palavras secas que infelizmente
eram verdadeiras, ele e sua Zani eram ambos muito cabeça-quentes.
— Você é duro consigo mesmo, — Titus disse, entã o sorriu. — Um dia
prometo guardar rancor contra você. Por pelo menos o período de uma
lua.
Primeiro, deve me insultar. Entã o vou cozinhar em ira justa.
Alexander sentiu seus ombros tremerem. — O problema é que você
acha hilá rio a maioria dos insultos falados contra você, sua ferida
malcheirosa no pé de um escaravelho.
Jogando a cabeça atrá s, Titus riu aquela gargalhada estrondosa que
sempre fazia Alexander rir com ele. Foi assim hoje também, e entrou na
sala de reuniõ es com um sorriso no rosto.
O que é tão engraçado, amado? Zanaya estava do outro lado da antiga e
totalmente nã o modernizada câ mara de pedra no centro do forte. Pela
primeira vez, Alexander concordou com a escolha de Charisemnon. Este
lugar era atemporal e deveria permanecer assim. Construído para se
refrescar nos meses mais quentes do ano, nã o tinha luz natural, mas
Zanaya brilhava à luz do fogo lançada pelas tochas contra as paredes.
Sua Zani, dura de batalha... mas com uma suavidade que permitia que
só ele visse. E a machucou. Sem saber, mas isso nã o era desculpa. Era
um homem inteligente, e ela nunca escondeu seu pró prio â mbar. Ele foi
muito hipó crita sobre sua decisã o de aceitar a evidência de seus olhos.
Pelo menos podia se redimir um pouco. Tinha o â mbar dela também.
Nã o o primeiro pedaço, pois este se transformou em cinzas num golpe
de fogo de anjo que foi um raio mortal sob sua pele enquanto percorria
seus dedos e ao longo de seu antebraço antes que ele interrompesse
seu progresso literalmente cortando seu pró prio braço.
Os braços voltariam a crescer.
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Mas nã o havia retorno do fogo dos anjos que conseguisse atingir o
coraçã o ou o cérebro.
Entã o aquela peça se foi para sempre, e sabia que Zanaya nunca o
culpou por isso. Ele tinha a segunda peça, aquela que ela lhe dera para
substituir seu anel perdido. Ele podia ser um idiota, mas a amava. Ter
descartado aquele presente mais precioso? Nã o, nunca. Ele foi dormir
com ele, e estava a salvo na câ mara do qual ele foi tã o rudemente
despertado.
Ele o recuperaria no instante em que estivesse de volta ao seu
territó rio.
Por enquanto, respondeu à pergunta de Zanaya sobre sua risada: tentei
insultar Titus comparando-o a uma ferida no pé de um escaravelho.
Ele achou muito divertido.
Uma ligeira inclinaçã o de sua cabeça, o olhar de Zanaya passando
rapidamente para o rosto de Titus enquanto seus lá bios se curvavam.
Ele será um bom vizinho, acho. O violeta profundo de seu vestido de um
ombro só cintilou e reluziu à luz das tochas.
Você, minha Zani, é muito mais provável que seja a vizinha que provoca
brigas.
Vou lembrá-lo de que nunca tive problemas na minha fronteira, exceto
quando meus vizinhos enlouqueciam. Sou perfeitamente racional quando
se trata de governar meu território.
É só com você que eu sou irracional.
As palavras nã o ditas permaneceram no ar, verdadeiras o suficiente
para ambos.
CAPÍTULO 36
Neha entrou na sala naquele momento, sua pele de um marrom escuro
e suas asas de um branco nítido, exceto por fios de cobalto nas
primá rias. Ela delineou os olhos castanhos com kohl, mas estava de
outra forma em seu avatar de guerreiro hoje. Nenhum sari com fios de
ouro e prata, mas couros velhos e batidos do verde mais escuro que
abraçavam seu corpo. Uma lâ mina de kukri, sua curva de uma afiaçã o
perversa, pendia em seu quadril.
Usava o cabelo preto penteado para fora do rosto num coque elegante
na nuca e por um momento surpreendente de tempo, parecia
dolorosamente jovem e terrivelmente velha, seus ombros curvados pela
idade e pela dor. Mas o momento passou tã o rá pido quanto apareceu, e
era
simplesmente a Rainha da Índia, uma mulher de graça e poder.
Caliane já estava na sala, conversando com Elijah. O Arcanjo da América
do Sul se recuperou totalmente dos ferimentos que sofreu nas mã os de
Lijuan, suas asas de um branco impecável e seu cabelo de um ouro mais
rico do que os fios mais queimados pelo sol de Alexander.
Ouvi dizer que Elijah tem o relacionamento mais duradouro do Cadre.
A voz de Zanaya em sua cabeça, seguida por uma fungada mental.
Batemos esse recorde insignificante eras atrás.
Ela sempre foi competitiva. Conta se estivéssemos separados por dezenas
de milhares de anos, Zani?
Seus olhos se encontraram novamente, eras entre eles. Eras de gritos e
brigas. Eras de riso e prazer. Eras de histó ria. Tanta histó ria que
ameaçou destruí-los sob o peso dela.
Alexander poderia se chutar por lembrá -la de seu fracasso quando
acabou de recuperá -la. Titus diz que sua irmã limpou este forte com
antigos rituais de fogo angelical, os cantos de um mortal que cura lugares
e a arte de crianças pequenas, se viu dizendo. Agora está fresco e novo de
novo. Talvez devêssemos pedir as instruções para o ritual.
Os lá bios de Zanaya se contraíram, o peso recuando. Amado, não tenho
certeza se devemos adicionar fogo ao nosso arsenal. Lembra daquela vez
em que decidi ser romântica e encher seu quarto com lindas luminárias
de vidro? Espero que sua governanta durma para sempre. Ainda lhe devo
cem metros de cortinas, vários tapetes, horas de trabalho braçal e, claro,
minhas intermináveis desculpas. Se nunca mais tiver que encarar seu
rosto gravemente desapontado novamente, será muito cedo.
Seus mú sculos do estô mago doíam por conter sua risada.
Outra agitaçã o na porta e Qin, alto e esbelto, suas asas todas as cores de
uma aurora, e seu cabelo na altura dos ombros de á gua obsidiana, fluiu
para o quarto. Ninguém sabia sua idade, mas desde que teve um
relacionamento com Cassandra, tinha que ser o mais velho do atual
Cadre.
No entanto, foi Caliane quem recebeu oficialmente essa honra - porque
Qin estava... esmaecido. Um pé neste mundo, um pé no mundo onde sua
amada dormia.
Ouvi dizer que ele está deprimido desde que acordou, disse Zanaya.
Alexander deu-lhe um olhar eloquente. Verdade, Zani. Você não tem
coração? O homem lamenta a amante que nunca pode estar com ele.
Cassandra, com suas visõ es que a levaram a arrancar seus pró prios
olhos, nã o poderia existir no mundo dos vivos. Eu perdi você, mas por
um mero momento em comparação e senti como se fosse quebrar para
sempre. Sua respiraçã o faltava mesmo agora. Entendo por que ele é do
jeito que é.
Os olhos escuros de Zanaya seguraram os dele, apaixonados e atentos.
Mas você fez seu trabalho, Alexander. Nunca permitiu que seu povo
sentisse falta. Ele também é um arcanjo. Precisa cumprir seu dever e não
ser um fantasma deprimido que flutua como uma donzela num castelo
em decomposição.
Alexander lutou contra um estremecimento externo. Verdade seja dita,
e apesar de sua nova compreensã o, teve o estranho pensamento nã o
caridoso em relaçã o a Qin também. O arcanjo cumpria seu dever, mas
apenas o necessá rio. O territó rio que assumiu estava indo bem. Mas
bem nã o era bom o suficiente para Alexander ou Zanaya. Seus
territó rios sempre cantaram, sempre bateram com um coraçã o feroz,
seus povos orgulhosos de gritar sua fidelidade ao seu arcanjo.
O mesmo poderia ser dito do territó rio de Raphael, o mais jovem dos
arcanjos.
O Arcanjo de Nova York entrou nesse momento com Suyin, a mais nova
dos arcanjos. Alexander pegou a inspiraçã o mental de Zanaya,
entendeu. Ela podia ter visto Suyin na tela, e Alexander disse a ela que
Suyin era sobrinha de Lijuan, mas ver a nova arcanjo pessoalmente
tinha um impacto totalmente diferente. Pois com seu cabelo branco
como gelo e a mesma pele, Suyin tinha uma estranha semelhança com
sua tia morta -
exceto pela escuridã o quente de seus olhos e a marca de beleza sob um
olho. Embora suas asas fossem principalmente brancas, suas primá rias
de bronze e a energia vibrante em seus olhos a salvassem de parecer
um ser sem cor.
Hoje, usava couros bronze que ecoavam o tom de suas penas primá rias.
Raphael, por outro lado, usava calças pretas de um tecido resistente que
Alexander costumava usar, e uma tú nica sem mangas da mesma cor - a
tú nica era amarrada ao corpo por vá rios painéis de tecido que
terminavam em fivelas de metal fosco. O punho de uma espada enfiava-
se sobre seu ombro... e no dedo anular da mã o esquerda havia um anel
de â mbar escuro.
Alexander nunca viu Raphael sem aquele anel.
Seu coraçã o torceu mais uma vez quando Suyin sorriu para algo que
Raphael disse. O mais novo do Cadre e a mais nova do Cadre se
tornaram pró ximos depois que Raphael permitiu que um de seus Sete
se mudasse para a China por um ano inteiro para ajudar Suyin a
estabelecer uma corte em seu territó rio devastado.
Essa amizade continuou ao longo dos anos, e Alexander sabia que era
para Raphael e Caliane que Suyin ainda olhava quando precisava
conversar sobre algo com um colega do Cadre.
O amante de Caliane era digno dela? Zanaya perguntou, sua voz suave. É
estranho estar neste mundo com aqueles que conheço e, no entanto, suas
vidas mudaram de maneira notável e imprevisível.
Alexander pensou em seu pró prio despertar repentino, a notícia de
partir o coraçã o de que Rohan estava morto. Assassinado. No entanto,
sua espécie raramente falava sobre a desorientaçã o de acordar num
mundo conhecido, mas desconhecido.
Percebeu entã o que nunca contou a Zanaya sobre Rohan e o que
aconteceu com seu filho. Ele falou apenas sobre Xander porque falar
sobre Rohan partia seu coraçã o. Ela teria assumido que seu filho
dormiu ou estava em outro territó rio. E ele achava que tinham tempo
suficiente para conversar sobre tudo. Tanto tempo.
Nã o queria adiar novamente, mas este nã o era o lugar para
compartilhar suas memó rias de seu precioso menino, entã o respondeu
à pergunta que ela fez. Nadiel era esperto e bom com as mãos e a fazia
rir, e amava o filho com uma fúria selvagem. A descida do outro arcanjo
à loucura nã o eliminou tudo o que aconteceu antes. Ela nunca se
arrependeu de tê-lo amado.
Alexander falou, mas raramente, com Callie sobre o assunto de Nadiel,
ciente de que a perda e como isso aconteceu a marcaram por toda a
eternidade, mas a verificou depois. Antes de sua pró pria queda, sua
pró pria descida à loucura.
Um bom epitáfio para um amor perdido. Os olhos de Zanaya estavam
suaves com tristeza.
Ela fez um som sibilante dentro de sua cabeça no instante seguinte, e
soube sem se virar que Aegaeon, com seu cabelo verde-azulado, suas
asas de um verde mais escuro listrado de azul, e seu senso de si mesmo
insuportavelmente inchado entrou na sala.
— O Cadre está em sessã o. — A voz de Caliane fez com que parassem
de conversar e voltassem toda a atençã o para a reuniã o.
CAPÍTULO 37
— É bom ver você de novo, Zanaya, — Caliane disse logo apó s seu
pronunciamento, seu longo cabelo preto numa trança simples hoje e
seu vestido de um azul encharcado de cores que ecoava em seus olhos,
suas asas um palmo de branco, mas sua pele beijada pelo sol. Olhe para
ela assim e você a tomaria por uma donzela que nunca conheceu uma
lâ mina, muito menos ganhou muitas batalhas.
Claro, para fazer isso, teria que ignorar o zumbido baixo de seu imenso
poder.
— Ter você aqui, inteira e curada, — continuou Callie, — nã o era um
presente que ousamos esperar, muito menos tã o cedo.
Zanaya apreciou as boas-vindas de Caliane. Ela e a outra mulher nunca
foram amigas, mas eram uma espécie de aliadas distantes. E nunca
tiveram qualquer indício de ciú me entre elas. Zanaya deu uma olhada
em Alexander e Caliane juntos e viu o que tinha com Aureline. Uma
amizade rara e preciosa.
Nunca pensaria em quebrar isso de forma alguma.
— Curada, exceto por estes. — Ela apontou dois dedos para os olhos.
— Estavam cinzas quando acordei. Aquela cadela deixou um pedaço de
si mesma em mim, e nã o gosto nem um pouco disso.
Suyin se mexeu, sua mã o flexionando como se quisesse pegar a faca
amarrada em sua coxa. — Ela deixou algum outro rastro? Minha tia
pode ter sido um poder distorcido, mas era um poder mesmo assim.
Zanaya teve que lutar para nã o alcançar sua espada. Tinha a sensaçã o
de que Suyin nã o estava no controle de sua reaçã o, chocada com o
fantasma de sua tia assassina. Zanaya nã o podia culpá -la - a pró pria
reaçã o de Zanaya à nova Arcanjo da China foi menos do que controlada.
Sabia que Suyin nã o era sua tia, mas a semelhança era incrível.
Zanaya se perguntou se isso tornava mais fá cil ou mais difícil para Suyin
governar o territó rio que uma vez foi de Lijuan. — Eu nã o sei, — disse
ela em voz alta. — Espero muito que seja isso, nada além de uma
cicatriz superficial. — Mesmo enquanto falava, sentiu uma sensaçã o
estranha na parte de trá s de seu cérebro, uma sensaçã o de alongamento
que nunca experimentou antes.
Como se estivesse alcançando algo além de sua visã o.
Franzindo o cenho por dentro, se livrou disso. Tinha que ser um
resquício de seu recente – e estranho – Sono.
— Acho que todos nó s esperamos isso, — Aegaeon murmurou, os
mú sculos de seus braços saltando enquanto os cruzava sobre o peitoral
de prata que usava sobre calças de um preto apertado. — Se eu nunca
mais ver qualquer indício de Lijuan, será muito cedo.
Pena que o mesmo nã o podia ser seu destino, Zanaya pensou com os
olhos apertados. Alexander nã o sabia que Aegaeon tentou cortejá -la
num momento em que todo o Cadre sabia muito bem que ela nunca
estaria com nenhum arcanjo além de Alexander. Nunca contou a
Alexander porque, francamente, isso teria começado uma guerra e
desperdiçado um monte de vidas.
Seu amante era muitas coisas. Mas nã o perdoava facilmente tais
transgressõ es.
Zanaya, no entanto, nã o seria responsável por uma guerra. Nã o era uma
beleza idiota com uma cabeça vazia que considerava a violência em seu
nome a mais alta forma de bajulaçã o. Nã o precisava ou queria que
guerras fossem travadas por ela. Lutou em suas pró prias guerras – e
Aegaeon aprendeu muito bem que nunca deveria colocar as mã os em
Zanaya. Ou ela literalmente cortaria uma.
Gostou de recordar o olhar em seu rosto enquanto sangrava por todo o
corpo.
O total desrespeito da transgressã o de Aegaeon foi a ú nica coisa que já
escondeu de Alexander, e pretendia fazê-lo para sempre. Mencionou
que Aegaeon fez uma proposta a ela para que o grande asno azul nã o
pudesse pegar Alexander desprevenido, mas fez disso uma piada - e
teve o cuidado de nã o dizer quando a proposta ocorreu ou quã o
insistente Aegaeon foi.
— Eu o acertei como uma mosca, — ela disse com honestidade mortal
quando a expressã o de Alexander começou a escurecer. — Ele vai
sonhar comigo apenas em seus pesadelos. — Entã o começou a afiar sua
lâ mina favorita.
Nesse ponto, os ombros de Alexander começaram a tremer. Acabou
rindo muito, a raiva se difundiu e a guerra nã o era mais uma
possibilidade.
Porque Alexander sabia que Zanaya nã o iria agradecê-lo por fazer
violência em seu nome, mas também era um ser imperfeito, como todos
eles. E foi por isso que Zanaya lidou com isso.
Hoje, sorriu para Aegaeon do outro lado do círculo, desejando que ele
se lembrasse do dia em que ela separou seu pulso de seu corpo. Valeu a
pena a perda de uma de suas tú nicas favoritas - o borrifo de seu sangue
nã o sairia.
Zani, por que está antagonizando Aegaeon?
É um passatempo.
Uma gargalhada mental. Me desculpe. Continue.
Aegaeon, enquanto isso, estava evitando pegar seu olhar. Ela nã o achava
que estava com medo dela - o bundã o era muito arrogante para isso.
Nã o, o que mais o machucou foi o golpe em seu ego, a percepçã o de que

suspiro — nem todas as mulheres do mundo cairiam de joelhos ao
menor sinal de sua atençã o. Imbecil.
— Estamos aqui por uma razã o principal, — Titus explodiu naquele
momento, e embora também usasse um peitoral e fosse grande e
p g
musculoso, nã o tinha exatamente nenhuma outra semelhança com
Aegaeon. — Vamos tirar isso do caminho primeiro. Lady Zanaya,
conforme discutido, nã o tenho nenhum problema em reiniciar a
fronteira na Á frica que lhe daria reinado sobre a metade norte,
enquanto eu tomo o sul.
— Me chame de Zan, — Zanaya o lembrou, sorrindo para este jovem
arcanjo que de alguma forma se tornou tã o amigo de Alexander que fez
seu amante rir. — Ninguém nunca me acusou de ser uma dama.
Um sorriso de resposta de Titus. — Acho que nos daremos bem, Zan.
Com toda a honestidade, teria me conformado com um vizinho
meramente sensato depois de aturar aquela escó ria fétida do
Charisemnon por tantos séculos, mas você é muito mais do que isso.
Terei o maior prazer em chamá -la de minha vizinha.
Encantada, Zanaya disse: — E eu a você, Titus. — Ela olhou ao redor do
círculo. — Alguém discorda do nosso acordo territorial?
— Nã o - faz todo o sentido, — Neha murmurou, seu tom um toque
distraído.
Zanaya nã o sabia muito sobre a Arcanjo da Índia, exceto que era
destemida na batalha. Ela nã o segurou nada na luta contra Lijuan. E
pelo que Alexander disse a ela do período pó s-guerra, Neha lutou lado a
lado com seus esquadrõ es e forças terrestres para despachar as
crianças renascidas que permaneceram em seu territó rio.
— Ela nunca foi uma general, — Alexander murmurou, — mas, quando
foi necessá rio, se comportou como uma das melhores. Seu povo faria
qualquer coisa por ela.
Hoje, o resto do Cadre ecoou a declaraçã o de Neha, e a conversa mudou
para assuntos que foram arquivados até uma reuniã o presencial.
Zanaya manteve sua paz o tempo todo, ouvindo e aprendendo o status
do mundo. Parecia que a reconstruçã o de seus territó rios devastados
era o centro das atençõ es na ú ltima década até que, finalmente, viviam
uma época de paz e prosperidade.
— Será que esse tempo vai te entediar, Zanaya? — Caliane perguntou
depois que a reuniã o acabou e todos saíram para o pá tio ensolarado
para beber, comer e conversar. A comida foi fornecida pela equipe que a
irmã de Titus escolheu a dedo para esta fortaleza recuperada, e eles se
orgulharam.
Eram todos do povo de Zanaya agora, e, enquanto ela e Caliane
passeavam pelo labirinto do jardim de baixa altura que era a borda
esquerda do pá tio, fez uma nota para elogiá -los por seu trabalho. —
Você sabe que lutei em muitas guerras, — ela disse, — mas apesar do
que alguns possam pensar, prefiro a paz. Gosto de governar, de
construir meu territó rio para ser forte. A guerra destró i as coisas.
A expressã o de Caliane era pensativa. — Sim, vejo isso agora que olho
atrá s. Seu territó rio era uma joia na coroa do mundo. Só lamento que
Charisemnon tenha causado tanto dano à parte que ele governou
durante seu reinado.
A atraçã o veio novamente na parte de trá s do cérebro de Zanaya, e ela
quase podia jurar que ouviu um sussurro. Os minú sculos pêlos de seus
braços se arrepiaram, e sacudiu os olhos de um lado para o outro, mas o
jardim labirinto e o pá tio além estavam vazios, exceto por seus
companheiros arcanjos. A equipe e outros foram dispensados durante a
reuniã o.
Instintivamente tensa, manteve sua expressã o calma e continuou sua
conversa com Caliane. Depois, falou com outros do Cadre, inclusive com
Raphael. O jovem arcanjo com sua pele bronzeada, olhos azuis vívidos,
cabelos pretos e asas brancas com um brilho metá lico - um verdadeiro
ouro branco - era praticamente o mesmo de durante a guerra, exceto
pela marca extraordiná ria em sua têmpora direita.
Entã o, como agora, lembrava um dragã o mítico, mas embora as linhas
estivessem definidas, parecia... apagado ao seu olhar. Como se tivesse
perdido a vitalidade. Um sinal do fim da Cascata? Mas nã o era isso que
queria perguntar a ele. — Como está sua consorte? — ela disse, ainda
fascinada pelo fato dele ter se apaixonado por uma mortal – e a
transformado em anjo.
Os lá bios de Raphael se curvaram um pouco. — Ela diz que quando
você acordou pela ú ltima vez, olhou para ela como um inseto novo e
interessante.
Zanaya nã o costumava ficar sem palavras, mas seu queixo caiu com
essa declaraçã o. Entã o riu, encantada tanto por este arcanjo que ousou
dizer isso na cara dela – como sua consorte. — Infelizmente, devo me
declarar culpada por isso. Ela é o primeiro ser de sua espécie que vi em
toda minha existência.
Os mortais nunca registraram em sua consciência nada além de faíscas
fugazes na escuridã o. Apreciou a arte que criaram, o trabalho que
fizeram para manter o mundo, mas teve problemas para se relacionar
com eles - nã o conseguia esquecer o fato de que teriam ido embora
assim que fosse definida uma amizade.
— Vou tentar nã o examiná -la com tanta grosseria da pró xima vez que
nos encontrarmos, — ela prometeu, ignorando o crescente
alongamento no fundo de sua mente. Era perturbador, mas nã o
desconfortável. — Seu territó rio se recuperou da guerra?
— Na maioria dos sentidos, — Raphael disse. — Uma faixa de
Manhattan permanece queimada e escura, sem nenhum sinal de nova
vida.
— Uma severidade em sua mandíbula. — Suyin está certa – sua tia era
uma potência. Deixou sua marca no mundo de vá rias maneiras. —
Aqueles olhos tã o intensos na sombra que era impossível nã o
prenderam Zanaya no local.
— Nã o deveria estar acordada e inteira, Lady Zanaya. Nó s todos
sabemos isso.
Entã o, parecia que o belo filho de Caliane era muito mais direto do que
sua mã e diplomá tica. — Acredita que sou um dos seus renascidos? — A
ideia de ser uma daquelas coisas monstruosas que nã o deveriam existir
fez
seu estô mago revirar.
— Nã o. Um renascido nã o poderia manter essa conversa comigo. Mas,
dada a natureza de sua lesã o, você se curou muito rá pido. Devemos
saber a resposta do porquê.
Nunca se esquivando da dura realidade, Zanaya disse: — Sua
imunidade à habilidade dela. Você reteve alguma coisa depois disso? —
Os presentes da cascata costumavam ser violentos, mas o que deixavam
atrá s tendia a ser um beijo de poder mais suave.
Ele olhou para ela com intensidade inabalável, seu cabelo preto azulado
ao sol. — Por que pergunta?
Bem ciente de que ele nã o tinha motivos para confiar nela com quais
habilidades tinha ou nã o, ela estendeu a mã o. — Toque-me se quiser,
Raphael. Gostaria de saber se a sente em mim.
Uma pausa como se o tivesse assustado, mas entã o ele deu um aceno
curto e fechou a mã o sobre a dela. Ambos se encolheram com o
desconforto de seu contato arcanjo com arcanjo. Ela soltou um suspiro
por entre os dentes cerrados. — Nunca foi tã o doloroso.
Na maioria dos casos, era um mal-estar mesquinho que, se deixado
crescer, poderia se transformar em violência e raiva, jogar predador
contra predador. As guerras foram iniciadas por arcanjos levados à
violência por esse desejo mais primitivo, um desejo tã o cruel e brutal
que exigia vontade cerrada combinada com milênios de experiência
para combatê-lo.
Com ela e Alexander, no entanto, o efeito era maçante desde o início, e
se desgastou ainda mais com o tempo. Só tinham problemas se
passassem muito tempo juntos – mais de um mês de contato constante
faria isso, mas tinha que ser constante. Passando todas as noites nos
braços um do outro e estando pró ximos durante todo o dia. Dado seus
deveres como arcanjos, esse era um cená rio que raramente entrava em
jogo.
Quando o atingiam, levava tanto tempo - ou mais - num período de
intervalo para o efeito desaparecer. E foi por isso que aprenderam a
andar no limite, ir tã o longe e nunca longe demais. Muito melhor
separar uma semana a cada duas semanas do que ser forçado a manter
distâ ncia por um mês ou mais.
O efeito de repulsã o era pior com outros no Cadre, mas nunca
semelhante a esta lâ mina afiada de dor real.
— Nã o. — Rafael franziu a testa. — Normalmente – e especialmente
no início – é uma pequena irritaçã o no má ximo. — Apesar disso, nã o
soltou a mã o dela por um minuto inteiro. — Nã o gosto de nada da
maldade de Lijuan, — ele disse quando finalmente se separaram,
Raphael apertando sua mã o e Zanaya esfregando a dela em sua coxa. —
Mas... a força da repulsã o entre nó s pode ser uma resposta em si
mesma. Nã o reajo dessa maneira a mais ninguém no Cadre.
CAPÍTULO 38
As palavras do jovem arcanjo sussurraram em sua mente muito depois
que passou a discutir um assunto mais local com seu vizinho, Elijah.
Verdade seja dita, Raphael tinha apenas vocalizado o que Zanaya já
acreditava: algo estava errado com ela. E esse algo tinha a ver com
Lijuan.
Olhando para o som da risada de Alexander, o viu mais uma vez
conversando com Titus. Seu guerreiro dourado, um amante tã o bonito e
honrado, com seu jovem amigo de coraçã o aberto. Voltaram para os
melhores momentos de seu relacionamento depois que ela acordou...
mas agora o medo a beliscou.
O que carregava dentro dela?
Ela era infecciosa?
Poderia machucar Alexander?
Com a garganta seca, engoliu. E o alongamento em sua mente ficou mais
forte, mais poderoso... e indicava uma determinada direçã o.
Sozinha neste canto do jardim sombreado pelos galhos espalhados de
uma á rvore familiar a ela de seu reinado como Rainha do Nilo, se
moveu nos calcanhares até que o alongamento se acalmasse. Como se
ela apontasse uma bú ssola interna para o norte verdadeiro. Ela levou
um momento para se orientar, para perceber a direçã o em que estava
olhando.
Meio que esperava que fosse a China. Isso faria sentido.
Isso, porém...
Uma mã o na parte inferior das costas, uma asa familiar deslizando
sobre a sua.
Ela se afastou, sentindo-se viscosa e suja. Infectada.
Alexander olhou para ela com uma carranca. — Zani?
— Alguém verificou o tú mulo de Antonicus desde que o enterramos?
— ela desabafou.
A testa de Alexander franziu. — Sim, — disse ele. — Mantivemos as
patrulhas regulares dos territó rios de Elijah e Titus, e cada um de nó s
faz pelo menos um sobrevoo pessoal por ano. — Ele procurou seu
rosto. — Nã o vimos nenhuma mudança na ilha de gelo onde ele
descansa, nã o sentimos nenhuma indicaçã o de que ele se mexe.
O alongamento dentro de Zanaya persistiu. Insistiu. — Quero ver por
mim mesma. — Nã o dormiria tranquila até que soubesse.
— Zani?
— Estou diferente, Alexander. De uma forma sutil e insidiosa. — Nã o
adiantava se esconder disso. — Posso sentir Antonicus como se tivesse
dentro de mim um fio que nos une.
Expressã o sombria, ele disse: — Os outros? Michaela, Astaad, Favashi?
— Nã o, sinto apenas Antonicus. — Ela nã o tinha dú vidas de que era ele
quem a chamava. — Talvez porque os outros estejam dentro do fogo de
Cassandra, protegidos do mundo. — Era a ú nica coisa que fazia sentido,
embora nada disso fizesse sentido. — Preciso ver onde ele está . Nã o
vou descansar até ter certeza de que ele nã o anda. Porque ele nã o
poderia ter se recuperado, nã o considerando o que aconteceu com ele.
Entã o, novamente, ela também nã o deveria. Entã o talvez ambos
voltassem monstruosos.
— Eu irei com você.
Linhas ardentes em suas maçã s do rosto, olhou para os outros. — Nã o
quero que mais ninguém saiba. — Ainda nã o, nã o até que ela soubesse
o que se tornou.
— Nã o, — Alexander concordou, sua pele esticada sobre os ossos de
seu rosto. — Você também nã o pode sair logo depois de assumir seu
territó rio. Será notado.
Zanaya flexionou e apertou a mã o. — Farei parecer que estou fazendo
um voo de alto nível sobre minhas novas terras, absorvendo tudo que
agora é meu. Isso nos dará tempo suficiente para voar até lá e voltar.
A pele de Alexander estava tã o fria quanto o lugar onde colocaram
Antonicus para descansar. A ideia de Lijuan ter deixado um eco na forte
e honrada Zani era abominável. — Onde quer que você vá , estarei ao
seu lado.
Para sua surpresa, sua amante ferozmente independente nã o expressou
um protesto. Em vez disso, ela disse: — Acho que você deveria.
Apenas no caso de haver algo seriamente errado comigo e eu tentar
desenterrar Antonicus e trazê-lo de volta à vida ou cometer outro ato
igualmente repugnante.
A mandíbula de Alexander apertou. — Lijuan deixou pedaços de si
mesma em todos os lugares. Estava falando com Neha – ela diz que
acabou de descobrir uma pequena caverna cheia de ninhos de
renascidos que de alguma forma conseguiram sobreviver levando
apenas uma pessoa de cada vez de diferentes aldeias. Um nível mortal
de astú cia.
— Seguro, — Zanaya murmurou. — Lijuan realmente acreditava que,
nã o importa o que acontecesse, sobreviveria para voltar, mesmo que
perdesse a guerra. Se acreditava uma deusa, um ser muito além do
toque de qualquer um.
— Arcanjos que se perdem na loucura do poder geralmente o fazem.
— Seus olhos foram para onde Raphael falava com Elijah. — Eu me
tornei muitas coisas enquanto você estava fora, Zani. Um pai, o membro
mais antigo do Cadre por um tempo, e um anjo que quase se perdeu no
poder.
Ele acenou para Raphael. — Praticamente fui para a guerra com o
amado filho de Caliane por nenhuma razã o, exceto que ele era jovem e
tinha ideias pró prias e eu estava de alguma forma insultado por tudo
isso.
— Você? — Os olhos de Zanaya brilharam. — Você foi o mais selvagem
dos arcanjos, aquele que torceu o nariz para todos os membros
estabelecidos do Cadre.
— Sim. — Tantas eras atrá s. — Foi outra jovem, nossa atual
historiadora, que me fez confrontar o caminho que percorri. — Ecos
daquela conversa de muito tempo atrá s em sua mente. — Se você nã o
estivesse no Sono, teria se oposto ao homem que eu estava me
tornando. Teria lutado ao lado de Raphael.
Zanaya ainda estava olhando para ele. — Realmente chegou tã o perto
da borda que me forçaria a levantar minha espada contra você,
partindo assim meu coraçã o para sempre?
O peito de Alexander doeu com as palavras contundentes. Mas nunca
foi um mentiroso. Entã o disse: — Sim. Eu vejo agora, olhando para trá s.
Entã o, estava nas garras de uma presunçã o que roçava a beira da
loucura egoísta que consumiu Lijuan – que ela permitiu que a
consumisse.
Isso era o que Alexander nunca poderia perdoar, e por que nã o sentia
tristeza pela morte de Lijuan. — Ela poderia ter escolhido dormir. Você
sabe exatamente como foi cruelmente difícil para mim deixar meus
territó rios, deixar o mundo, mas tive um momento em que estava no
meu forte e pensei... Zani teria vergonha de mim se eu fizesse isso. E
assim eu dormi.
A garganta de Zanaya se moveu. — Eu sei pouco da histó ria de Lijuan,
mas acho que ela nã o teve um amigo ou amante parecido com o que
você é para mim e o que eu sou para você – um ser cuja opiniã o importa
profundamente o suficiente para nos fazer mudar nosso curso e
confrontar nossas naturezas arcangélicas menos que humildes.
Ela tocou os dedos no coraçã o de Alexander. — Você também é minha
pedra de toque, meu Xander. — Um puxã o de seus lá bios. — Desculpe,
continuo esquecendo que o nome é usado agora. Vai me apresentar ao
jovem Xander? — As palavras foram seguidas por um forte aceno de
cabeça.
— Nã o, nã o até que eu saiba o que está acontecendo comigo. O que
aconteceu comigo. Nã o machucaria inadvertidamente este pedaço mais
vulnerável do seu coraçã o.
Fechando a mã o sobre a dela, ele apertou. — Encontraremos a verdade
e depois encontraremos a soluçã o. Me recuso a perdê-la novamente.
CAPÍTULO 39
O Adormecido solitá rio podia sentir outros que eram parentes dele.
Bolsas pequenas.
Escondido.
Segredo.
Distante.
Mas o maior atrativo era um pulso que batia forte e forte e o chamava.
Como se fosse um cachorro para se aproximar.
A raiva ferveu seu sangue.
Nã o era o animal de estimaçã o de ninguém.
E era muito mais esperto do que aquela que o humilharia, que o
transformaria em presa.
Deitado tã o imó vel quanto os mortos, sem ar em seus pulmõ es, sorriu e
seu rosto rachou, um pequeno pedaço congelado caindo.
CAPÍTULO 40
A boca de Zanaya estava seca e seu coraçã o um tambor quando
atingiram a borda da “zona de exclusã o aérea” ao redor do tú mulo de
Antonicus. Foi um dos anjos mais jovens que ela conheceu nas terras de
Titus que usou esse termo pela primeira vez, explicando a ela que foi
criado quando os mortais começaram a voar em suas má quinas de
metal.
Zanaya gostou. Era direto e objetivo.
Hoje, cansada, mas com os nervos à flor da pele, ela e Alexander
deslizaram sobre as á guas geladas agitadas pelo vento, as placas
brancas e pedaços de gelo flutuando na superfície. Reconhecendo o fato
de que ficaria cada vez mais frio a partir deste ponto, vestiu um par de
couro preto.
Todo seu guarda-roupa atual foi um presente de Alexander. Ele tinha
vá rios conjuntos de roupas criados para ela em preparaçã o para o dia
em que acordasse, embora nã o tivesse nenhuma compreensã o de
quando isso poderia acontecer.
Ele podia ser tã o terno, seu general musculoso e duro.
Seu top nã o tinha mangas e fechava na frente usando uma invençã o
chamada “zíper” que era um forte golpe de prata contra a meia-noite do
couro, mas decidiu usar uma roupa chamada “térmica” por baixo do
couro.
De manga comprida, era decididamente quente e cobria seus braços.
Ela valorizava a roupa, pois era um símbolo do cuidado de Alexander
por ela, mas sentia falta de seus couros desgastados favoritos. No
entanto, havia um limite para quanto tempo alguém armazenava os
pertences de um Adormecido. Para crédito daqueles que entraram em
seu territó rio depois dela, deixaram seus itens armazenados no lugar -
e entã o um terremoto derrubou o local, junto com suas roupas há muito
transformadas em pó .
Ninguém nunca fala sobre ter que comprar um guarda-roupa totalmente
novo quando você acorda do Sono, ela disse a Alexander. Nós
literalmente acordamos com a roupa com que fomos dormir, e isso é tudo
o que temos.
O voador de asas prateadas ao seu lado lançou-lhe um olhar divertido.
— Estive dormindo apenas por algumas centenas de anos – e tive um
filho, assim como minha Irmandade da Asa. Eles permaneceram como
guardiõ es do que era meu e foram ativos na preservaçã o de meus
pertences. A maior parte da minha propriedade pessoal ficou ilesa.
Ela fez um gesto rude para ele.
Sua risada em resposta derreteu o gelo em seus pulmõ es. Lá estava ele
— seu Xander. Aquele por quem se apaixonou e ficou apaixonada para
sempre. — Pelo menos nã o tenho que lidar com uma crise de
consciência sobre os pertences de Charisemnon.
Sua respiraçã o soprou no ar enquanto ela falava em voz alta, e tinha
quase certeza de que viu o ar se transformar em cristais de gelo. —
Embora, tendo entendido um pouco do que ele fez, tenho certeza de
que nã o seria uma crise. Teria queimado alegremente tudo que ele
tocou com sua sujeira doentia.
— É por isso que o territó rio precisa de você, — disse Alexander. —
Titus fez um excelente trabalho para recuperar a confiança das pessoas,
entã o você nã o vai começar do zero. Mas estã o feridos e precisam de
um líder que possa se concentrar totalmente neles.
— Cuidar dos feridos nã o é uma das minhas características vencedoras.
— Uma triste verdade.
— Seu segundo ou outro pode assumir esse papel. Você será a guerreira
honrada que logo aprenderã o que os governará com justiça e
compaixã o.
Zanaya bufou. — Nã o me faça parecer melhor do que sou, amado. —
Ela tinha seus defeitos — podia ser mal-humorada, gostava de provocar
pequenos problemas sem motivo, e achava muito divertido quando
outros de sua espécie agiam com idiotice.
— Você nunca começou uma guerra, Zani, — foi a resposta de
Alexander. — Poucos arcanjos podem dizer isso. Nem eu.
Ela separou os lá bios para argumentar, fechou-os ao perceber que ele
estava certo. Ela podia gostar de provocar pequenos problemas, mas
isso era o má ximo. Oh, lutaria como uma leoa para defender seu
territó rio e seu povo, mas deixe-a em paz e seguiria seus negó cios sem
soltar as vespas da guerra.
Mastigando isso, voou em silêncio com Alexander. Nunca precisaram
preencher seus silêncios, como nunca precisaram pedir permissã o um
ao outro para falar. Era aceito entre eles que haveria longos períodos de
silêncio e que as interrupçõ es eram bem-vindas quando algo tinha que
ser dito.
Ela o observou quando ele cedeu ao jovem dentro e mergulhou em uma
queda íngreme, antes de voltar a subir em espiral. Ele era prata e ouro
contra a extensã o branca abaixo, o oceano escondido por uma camada
de gelo que estava ficando mais espessa a cada batida de asa.
O Cadre escolheu este como o local de descanso de Antonicus porque
estava longe de todos os lugares estabelecidos no mundo. Ninguém
disse isso, mas ela pensou que também escolheram porque era muito
frio. Para deter qualquer podridã o, talvez para permitir que ele se
curasse mais rá pido... se ia se curar.
Seu peito doía com a frieza do ar, mas mergulhou atrá s de Alexander,
entã o correu com ele para o céu. E por um momento, eram jovens
novamente, brincando um com o outro, ao invés de dois Antigos
sensatos e maduros que certamente deveriam saber melhor.
Mas o riso e o prazer desapareceram na meia hora seguinte, quando
chegaram à metade do caminho na zona de exclusã o aérea, depois se
moveram para além dela. Até que finalmente pairaram sobre o tú mulo
que construíram para marcar o local de descanso de Antonicus, Arcanjo
da cidade perdida de Elysium.
Enterrado na neve e no gelo, tornou-se uma pequena e banal colina no
meio de um oceano coberto de gelo. Sua respiraçã o gelando no ar,
Zanaya pousou numa á rea que lembrava como sendo rochosa. Suas
botas afundaram imediatamente, a neve chegando até suas coxas. —
Eca!
Alexander fez um trabalho terrível em esconder sua risada. Pairando
sobre a neve, ele disse: — Nã o esteve na neve por um tempo, Zani?
— Vou lidar com você mais tarde, General Alexander, — ela murmurou,
e usou o poder arcangélico para derreter a neve para que ficasse num
buraco seco.
Quando Alexander pousou ao seu lado, ele nã o se incomodou. Mas nã o
estava mais brincando e nem ela, os dois olhares na colina nevada que
segurava um arcanjo preso entre a vida e a morte.
Ela nã o viu sinais de qualquer perturbaçã o, mas ainda assim seus
tendõ es permaneceram tensos, seu estô mago contraído. Flocos leves de
neve começaram a cair, a cena pacífica e linda, estava tã o silenciosa e
branca.
— Você ainda sente isso? — Alexander perguntou. — O fio que te puxa
aqui?
Zanaya respirou o ar que era facas afiadas em seus pulmõ es. — Sim.
Quase dó i agora. Estou no lugar certo. — Respirando longamente o ar
gelado, o segurou por dez segundos antes de exalar. — Preciso saber
com certeza.
Um breve aceno de cabeça antes de Alexander erguer a mã o e começar
a derreter a neve do marco de pedras com delicada precisã o. Ela nã o
tentou ajudar. Ele sempre foi melhor do que ela quando se tratava de
um uso tã o sutil do poder. Da mesma forma que ela podia gerar bolas
de fogo angelical com o dobro de sua velocidade considerável.
Suas diferentes forças e fraquezas eram uma coisa sobre a qual nunca
lutaram. Em vez disso, viram isso como um presente que significava
que formavam uma equipe muito mais forte. — Por que nã o somos
assim com tudo? — ela se viu dizendo neste lugar frio e desolado que
era o tú mulo de um arcanjo.
Ele nã o desviou o olhar de seu trabalho exigente. — O que está falando?
— Cooperaçã o, disposiçã o para ser flexível. Por que sempre rompemos?
— Alexander foi seu ú ltimo pensamento antes de dormir, e seu ú ltimo
pensamento quando acreditou que estava morrendo.
Ele era tã o importante para ela, entã o por que nã o conseguia fazer isso
funcionar com ele?
Por que nunca alcançaram a graça que Raphael e sua consorte já
conseguiram depois de um pontinho de tempo? Ela sentiu aquele
conforto entre eles, aquela aceitaçã o de que eram um para o outro para
sempre e que nada podia ficar entre eles.
Zanaya e Alexander nunca chegaram perto de tal vínculo.
— A consorte de Raphael pode acreditar que eu a olhava como um
inseto interessante, — acrescentou Zanaya, — e talvez eu tenha sido
rude no começo, posso admitir. — Como todo o Cadre apareceu
pessoalmente para garantir que ela nã o fosse uma mú mia reanimada,
nã o era todo dia que um antigo arcanjo acordava e via uma mortal que
foi transformada em anjo e agora era consorte de um arcanjo...
— Mas, — ela disse, — a razã o pela qual observei ela e Raphael tã o
atentamente depois do meu primeiro choque foi porque eles...
encaixam.
Como duas peças de um quebra-cabeça de madeira jogado e amado por
tanto tempo que suas bordas sã o lisas com amor e tempo. Eles fluem e
se dobram e ficam.
Quando a neve caiu, sentiu seu coraçã o quebrar. — Por que nunca
encaixamos, Xander? — Mais uma vez, seu nome de estimaçã o para ele
escapou.
— Zani, eles sã o bebês, — foi a resposta do general Alexander. — Mal
juntos por um piscar de olhos. Estivemos juntos por milênios. —
Impaciente, aborrecido com o que pensava ser tolice.
— Nunca desse jeito, amado, — disse ela, muito velha para nã o ser
direta de volta. — Nunca fomos tã o pró ximos e perfeitos. Muitas arestas
irregulares em nó s dois.
Alexander lançou-lhe um olhar, este cheio de irritaçã o, mas continuou
com sua tarefa. E quando falou, nã o foi sobre sua histó ria fragmentada,
mas a razã o pela qual voaram para este lugar sombrio à beira do nada.
— Eu vejo um sigilo.
O símbolo brilhou naquele instante, reconhecendo o poder que o
tocava.
— Seu, — ela disse. — O meu estava do outro lado. — Parecia uma
metá fora adequada para todo o relacionamento deles: nunca
completamente juntos, sempre separados — nã o por continentes ou
distâ ncia, mas orgulho, teimosia, a incapacidade de ser vulnerável.
— E há o de Rafael. — Mesmo aqui, o filho de Caliane usava seu amor
abertamente, tendo alterado seu sigilo original para incluir sua
consorte.
Seu nome na língua angelical – entrelaçado ao redor da adaga dela.
Arcanjo e Caçadora da Sociedade.
Cadre e Consorte.
Rafael e Elena.
Zani e seu Xander nunca ficaram tã o entrelaçados, uma unidade contra
o mundo.
— Posso ver o de Caliane, — Alexander murmurou, sua testa franzida
enquanto lutava para conter seu poder num feixe fino.
Sem incomodá -lo mais, Zanaya apenas esperou, embora o “empurrã o”
dentro dela fosse tenso, dizendo-lhe para ir e...
Essa era a coisa. Nã o sabia o que a compulsã o queria que ela fizesse.
Seu rosto estava gelado quando Alexander desenterrou o marco inteiro.
A neve que caía levemente nã o foi suficiente para cobrir novamente
rapidamente, entã o Zanaya teve tempo de sobra para caminhar,
verificar qualquer sinal de agitaçã o de dentro ou qualquer indicaçã o de
que alguém tentou cavar do lado de fora.
Arcanjos geralmente emergiam sem nenhum esforço real, mas
Antonicus foi ferido além de qualquer coisa que já tinha visto ou
poderia imaginar. No entanto, nã o havia nada. Nem um sussurro. Nem
um suspiro.
Nem uma pedra fora do lugar.
Ainda nã o satisfeita, colocou a palma da mã o contra o marco de pedra,
pronta para sentir um pulso fraco, um calor. — Está frio, — disse ela.
— Gelo. — Como o corpo de Antonicus deve ter se tornado, seus ó rgã os
congelados em extase.
Levantando a mã o com um estremecimento, sacudiu a pontada de frio,
entã o verificou todo o marco mais uma vez. A neve começou a criar
pequenos desníveis nas bordas da estrutura, sem calor para derretê-la.

Nenhum sinal de vida. — Ela deu um passo atrá s. — Antonicus dorme.
— Concordo. — Alexander, sua expressã o sombria, verificou com tanto
cuidado quanto Zanaya. — Mas estou feliz por termos vindo para
confirmar. Lijuan era um poder estranho e desconhecido.
Inquieta ainda, Zanaya olhou para o tú mulo que a neve estava mais uma
vez a caminho de reivindicar. — Vou voar de volta aqui em intervalos
regulares. — Ela nã o descansaria de outra forma. — Até que eu esteja
convencida de que tudo que estou sentindo nã o passa de uma
ressonâ ncia de indícios desvanecidos do poder de Lijuan.
Até que soubesse que nã o retornou um monstro.
CAPÍTULO 41
— Vai ficar entã o? — Alexander perguntou nos calcanhares de seus
pensamentos. — Seu sono está completo?
Quando ela olhou para ele, nã o viu nada. Nã o a chocou. Ele se tornou
muito bom em vestir seu rosto de “Arcanjo no comando do universo” ao
longo dos anos de seu governo. Ela também. Era um rosto ú til para
possuir.
Especialmente ao esconder emoçõ es poderosas.
— Você está com raiva, — disse ela, pois a raiva era muitas vezes a coisa
que se interpunha entre eles.
Mã os nos quadris, ele deu de ombros. — Estava quando você entrou no
Sono pela primeira vez, mas já faz eras. Já superei isso há muito tempo.
— Ele cruzou os braços. — Só quero saber como membro do Cadre.
Palavras duras, exceto que ele nunca era tã o inquieto quando estava
realmente sendo frio. — Ah, — ela disse, uma suavidade em seu
coraçã o que era para ele e apenas para ele. Sempre fora, sempre seria;
era uma verdade tã o imutável quanto o céu e a terra. — Já estava
prestes a acordar quando fui puxada pela Cascata. Mais alguns anos e
teria ressuscitado.
— Isso é um sim? — Uma exigência dura.
A irritaçã o aumentou. — Sim, — disse ela, as pernas afastadas na
largura do quadril e seus pró prios braços cruzados sobre o peito. — O
que?
Esperava que eu ficasse esperando por você enquanto se relacionava
com concubinas e donzelas?
Bufando, ele disse: — Nã o me lembro de você ter entrado em reclusã o
dos prazeres da carne.
Um vento frio sussurrando que de repente a fez se sentir ridícula. —
Como se você se importasse, — ela murmurou, jogando as mã os para
cima.
— Nó s sempre fomos leais quando estávamos juntos. Sempre. Nã o
apenas no início ou no fim, mas por toda parte – e por décadas depois.
Alexander parecia lutar com suas palavras. Por fim, exalou e passou a
mã o pelo cabelo. — Você me faz esquecer que sou um Antigo, sou
considerado um líder de homens e anjos.
— Amado, nunca fomos essas coisas um para o outro. — Porque Zanaya
também tinha gló rias em seu nome. Nã o tantas quanto Alexander -
ele simplesmente estava inclinado a missõ es heroicas e enormes - mas
ninguém que conhecesse a histó ria da Rainha do Nilo poderia dizer que
nã o deixou sua marca no mundo.
Ela olhou para o marco de pedra, seu estô mago ainda frio e incerto. —
Vamos deixar este lugar. Nã o é onde quero ter essa conversa.
Alexander subiu no ar... depois dela. Ele sempre fez isso. Sempre
esperava para ter certeza de que estava em segurança no ar antes que
decolasse. Ela ficou furiosa com ele tantas vezes ao longo dos séculos
pelo que via como paternalista pairando, mas ele nã o se mexeu. O
confronto levou a mais de um rompimento na linha do tempo de seu
amor.
Agora, ela balançou a cabeça, triste por todo o tempo que perderam.
— Nó s éramos jovens anjos tolos, nã o éramos? — O que importava se
ele gostava de ter certeza de que estava segura antes de partir? Há
muito tempo Alexander parou de tentar atrapalhar seu caminho
quando se tratava de tarefas perigosas. Isto? Era um pequeno capricho
dele, e ela tinha seus pró prios caprichos.
— Fale por você, — ele murmurou sobre os ventos, claramente ainda
no controle de algum humor.
Revirando os olhos, o deixou em paz. E voaram num silêncio tenso com
as linhas emaranhadas de sua histó ria... sua histó ria de amor quebrada.
*
Alexander sabia que estava agindo tã o jovem quanto seu neto. Podia
olhar de fora e balançar a cabeça por seu pró prio comportamento. Mas
por dentro... por dentro, estava tã o tenso quanto na primeira vez que
ele e Zanaya brigaram. Porque suas emoçõ es por ela nunca se
desvaneceram.
Nã o importa quantos anos a amava, ou quantas vezes se separaram.
Levou séculos depois que ela entrou no Sono para ter outra amante.
Mortais – e até mesmo jovens anjos – nã o entenderiam tal devoçã o, mas
quando você vive tanto tempo, o tempo deixa de ter significado. Ele
esperou todos esses anos para que ela acordasse para que pudessem
terminar sua luta.
Mas ela nunca o fez.
— Você me deixou, — disse ele quando desembarcaram numa ilha
desabitada horas do local do tú mulo; sua grama verde-amarelada
roçava
suas panturrilhas, a á gua que batia na praia fria, mas sem nenhum
fragmento de gelo. — Como pô de me deixar, Zani? — A ferida dentro
dele nunca cicatrizou direito; fechou e torceu e se tornou rígida.
— Porque eu estava velha e cansada, seu tolo teimoso! — Levantando
as mã os, a paixã o dela uma gló ria, ela disse: — Você estava velho e
cansado também, mas se recusou a vir comigo. Perguntei vá rias vezes e
sempre teve um motivo para permanecer no mundo!
Alexander apertou a mandíbula. — Eu tinha um motivo. Parei guerras
enquanto você dormia. Criei um império que permanece até hoje.
— E quantas guerras começou? — foi a resposta amarga. — Bem? —
Ela bateu a bota contra o solo arenoso sob a grama.
Alexander olhou para ela, memó rias de uma guerra que quase começou
na vanguarda de sua mente. — Esse nã o é o ponto, — disse ele. —
g p
Tínhamos um acordo, você e eu. Nunca deixaríamos o outro dormir!
Os olhos de Zanaya brilharam, entã o ela balançou a cabeça. — Nã o,
Alexander. Você fez esse pronunciamento e esperava que eu
concordasse.
— Ela torceu os lá bios. — Você tinha o há bito de fazer isso. Só porque
tinha alguns anos a mais que eu.
— Alguns... — Com sua habilidade de falar se transformando em raiva
sem palavras, se virou e caminhou para a outra extremidade da ilha
varrida pelo vento, enquanto as aves marinhas olhavam curiosas com
seus brilhantes olhos negros.
Zanaya nã o o seguiu.
Quando voltou, foi para encontrá -la sentada na praia de conchas
esmagadas, suas asas abertas num show glorioso atrá s dela. — Olhe
para nó s, — ela murmurou quando ele se sentou ao seu lado.
Suas asas se sobrepuseram.
Uma intimidade tã o certa entre eles que mesmo a pior raiva nunca a
partiu em dois.
— O que? — ele disse enquanto tirava um pacote de frutas secas, nozes
e chocolate do bolso da calça e o passava para ela.
— Estou no mundo há menos de uma lua e já estamos brigando. —
Abrindo o pacote, comeu um pequeno punhado... e fez um som
profundo em sua garganta. — Isso é delicioso! Este mundo tem muitas
novas maravilhas para eu explorar, eu vejo.
Ele sentiu seus lá bios se curvarem; ela sempre gostou de experimentar
comidas diferentes. — Zani, eu te amo. — Uma coisa tã o verdadeira que
simplesmente era. — Eu sempre te amei. Nunca amei ninguém do jeito
que amo você. Você é parte da minha respiraçã o.
— Você sempre teve uma língua tã o prateada quanto suas asas, amado,
— Zanaya disse, seus olhos no oceano. — Conte-me sobre a mulher que
lhe deu um filho.
Uma facada em seu coraçã o, seus olhos queimando por uma perda que
nã o tinha certeza se aceitaria.
Deixando de lado o lanche que entregou a ela, Zanaya tocou os dedos
em sua bochecha. — Alexander, você está sofrendo. — Choque em suas
pupilas dilatadas. — Sinto muito, amado. Nã o sabia que ela passou além
do véu.
Ele balançou a cabeça e pegou a seu mã o, entrelaçando os dedos. —
Jhansi está viva, embora durma neste momento. Ela é uma criatura
gentil que nã o tem familiaridade com a raiva. Ela é... como o ar do verã o.
Agradável e tranquila. — Ele forçou um sorriso. — Nos encontramos
num festival da colheita, passamos a noite juntos. Essa era a extensã o
do nosso relacionamento.
— Ela tinha ferimentos no coraçã o naquele festival, e... Eu estava...
perdido, cansado. — Sua mã o apertou a dela ao admitir que sua decisã o
de ficar acordado enquanto Zanaya dormia começava a assombrá -lo. —
q y ç
Jhansi e eu, a nossa foi uma uniã o de circunstâ ncia e conforto. Nenhum
de nó s tinha planos de se encontrar novamente, até que ela veio até
mim com a notícia de que carregava meu filho.
Nunca duvidou que o bebê era dele, mesmo antes de Rohan sair
parecendo uma có pia carbono de Alexander, exceto por sua coloraçã o, a
maioria da qual herdou de Jhansi. — Ela é uma pessoa honesta e
generosa.
Você gostaria dela, mas sua natureza geral está no extremo do espectro
de qualquer uma das nossas. — Jhansi era tã o sem confronto quanto
um anjo poderia ser.
— Nunca tentamos aprofundar nosso relacionamento privado, mas com
o passar dos anos nos tornamos amigos, pois ambos estávamos muito
presentes na vida de Rohan. Jhansi foi uma boa mã e para nosso filho, e
me certifiquei de que nunca faltasse nada em sua vida imortal. — Jhansi
flutuou pela imortalidade, nã o acumulando muito. — Mas Rohan era
mais meu filho do que dela – éramos parecidos em muitos aspectos e eu
adorava passar o
tempo com ele.
Engolindo o nó na garganta, ele disse: — Ele era tã o inteligente e
destemido, meu filho. Me seguia por todo o Refú gio, e quando tinha
idade suficiente para que pudesse levá -lo ao meu territó rio, mal podia
esperar a noite cair para que eu o levasse em voos. — A salvo dos olhos
daqueles que veriam no filho de Alexander uma vulnerabilidade.
— Ele me chamava de papai quando criança, pai quando adulto, e
fomos amigos quando chegou à idade em que nã o precisava mais de
mim para guiá -lo, embora continuasse a me procurar para pedir
conselhos sobre vá rios assuntos. Estou orgulhoso disso. Que meu filho
me respeitasse como homem e também como pai.
Seu peito parecia estar entrando em colapso. — Meu Rohan se foi, Zani.
— Saiu á spero, sua garganta em carne viva. — Assassinado por Lijuan
porque se recusou a revelar meu lugar de sono. — Porque seu filho
conhecia aquele lugar. Claro que sim; Alexander nunca desaparecia sem
contar ao seu querido menino. — Sua amada, Citrine, também foi morta
nesse ataque e tudo que sei dela, sei por Xander.
— Alexander, sinto muito. — Quando Zanaya puxou sua cabeça para
baixo em seu ombro, ele foi, permitindo que acariciasse seus cabelos
com os dedos, confortando-o enquanto o vento cortante batia em seus
rostos e as aves marinhas caminhavam nas proximidades. — Sharine
alguma vez pintou um retrato de Rohan?
— Sim. — Essas pinturas eram seus bens mais preciosos. — Eu os
tenho em meu forte e terei orgulho de mostrar a você. — Queria que ela
conhecesse seu filho, tudo que Rohan foi. — Os retratos de Citrine de
Sharine foram perdidos quando o general Xi saqueou o palá cio, mas
Sharine a repintou silenciosamente de memó ria – um só dela, e um dela
com Rohan e um bebê Xander. Essas pinturas estã o penduradas nos
aposentos de Xander.
— Nã o me surpreende que seu filho tenha sido corajoso. — Zanaya
beijou seu cabelo numa carícia que nã o permitiria a mais ninguém. —
Coragem corre em seu sangue.
Ele se deslocou para deitar com a cabeça no colo dela, seu lindo rosto
iluminado por trá s pelo frio céu azul e seus dedos gentis enquanto ela
continuava a acariciar seu cabelo. — Titus me disse que Rohan se
tornou o general mais temido e respeitado de Favashi. Vejo isso em
como aqueles
que serviram sob ele falam dele, quanta lealdade ele mantém até hoje, e
meu orgulho, nã o tem limites.
— É assim que deve ser, amado. — Ela passou a mã o sobre a asa
pressionada contra ela; ele as havia dobrado cuidadosamente, mas as
asas de um anjo nã o eram exatamente pequenas. No entanto,
assumiram essa posiçã o um com o outro mais de uma vez ao longo da
eternidade e nã o era desconfortável para nenhum dos dois.
— Ele era uma criança travessa? — Zanaya perguntou.
Ecos do riso travesso de um menino em sua mente, um corpo
minú sculo “atacando” o dele enquanto Rohan tentava emboscá -lo, uma
pequena mã o o segurando, seus grandes olhos escuros olhando para ele
com uma confiança inocente e absoluta. — As histó rias que eu poderia
contar... — E porque tinham tempo neste pedaço isolado de rocha e
concha e grama, ele o fez, abrindo seu coraçã o, que levaria para sempre
a marca do filho que amava mais do que a pró pria vida.
Também lhe contou mais sobre Jhansi, uma mã e gentil e amorosa cujo
pró prio ser desmoronaria quando acordasse.
A ú nica coisa que nã o disse foi que desejava que Rohan tivesse
quebrado a fé e revelado o local de descanso de Alexander. Porque isso
seria desonrar tanto a coragem de seu filho quanto o sacrifício de
Rohan.
Nunca Alexander faria isso. Seu filho morreu protegendo-o, e esse ato
de amor estava gravado nas memó rias de Alexander, para nunca
desaparecer ou ser esquecido.
CAPÍTULO 42
— Citrine era escriturá ria, — disse ele depois que nã o conseguiu mais
falar de Rohan. — Mas nã o qualquer escriturá ria – era a escriturá ria
que administrava todo a corte de Favashi, a pessoa que fazia
malabarismos com inú meros detalhes pequenos e importantes para
garantir que todo o sistema funcionasse sem problemas. — Alexander
desejou ter conhecido essa mulher, inteligente e determinada. —
Xander diz que ela era uma general por direito pró prio – só que seu
campo de batalha era a corte e a política.
O sorriso de Zanaya estava encantado. — Uma imagem vívida. É o papel
que Mivoniel desempenhou para mim quando decidiu sair da
aposentadoria e se juntar à minha corte.
Precisando de um toque de suavidade, ele brincou com seu cabelo, tã o
luxuriante e grosso. — Xander me disse que ela o adorava, e tinha um
traço de travessura apesar de seu jeito aparentemente quieto. A
maneira como a colore com suas memó rias, posso ver por que meu
filho a amava. — Podia vislumbrar os olhos dançantes e o sorriso
brincalhã o.
— Meu neto tem o mesmo amor em sua voz quando fala de seu pai.
— Rohan foi a mã o mais firme dos dois quando se tratava de
paternidade, mas nã o de uma forma que machucou Xander. Muito pelo
contrá rio. —
Xander é muito mais atencioso do que Rohan, e diz que ele era uma
criança quieta, mas seu pai nunca o fez sentir como se isso fosse um
jeito errado de ser; Xander cresceu sabendo que era o orgulho de seu
pai.
Uma ú nica lá grima rolou pela bochecha de Zanaya. — Você criou um
filho com amor e respeito, Alexander, e ele e sua companheira escolhida
na vida carregaram esse amor através das geraçõ es.
Enxugando a lá grima dela enquanto a dele secava em seu rosto, ele
disse: — Tudo começou com meus pais. Temo o dia em que acordarã o,
Zani.
Ela nã o tentou dizer a ele que nã o iria doer, que suas vidas nã o se
despedaçariam com a notícia de que Osíris estava morto. Em vez disso,
se inclinou para beijá -lo com infinita ternura, seu cabelo uma cortina
perfumada em torno de seus rostos, o cheiro que se agarrava a ela só
dela.
Era o mesmo perfume assombroso com o qual ela ascendeu – e subiu.
Acariciando o lado de seu rosto, ele se deixou ser tã o docemente
amado, o gosto de sal e tristeza em seu beijo.
Sua respiraçã o estava quente contra a dele quando ela recuou, suas
feiçõ es suaves, e embora este fosse um lugar frio longe de ser o ideal
para intimidade, ela nã o o repreendeu quando colocou os dedos no
zíper de seu colete. Puxando-o para baixo, a viu encolher os ombros, em
seguida, remover a espada e a bainha de couro associada, amarrada ao
corpo sobre os ombros e com tiras que cruzavam a parte superior do
torso.
Ela estremeceu quando ele acariciou as mã os sob o preto de seu top
térmico, sua pele um calor suave que ele ansiava por acariciar, beijar.
Entã o sentiu, um pulso de seu poder... que criou centenas de pequenas
tempestades de vento ao redor deles, aquecendo o ar. De todas as
pessoas
em sua existência desde o fim da infâ ncia, apenas Zanaya cuidou dele.
Sentindo-se quebrado, apenas a segurou.
Ela o beijou novamente, segurando seu rosto com as duas mã os,
enquanto ele segurava sua cintura com a dele. — Alexander, meu
Alexander. — Um murmú rio contra sua mandíbula, ao longo dela,
descendo por sua garganta.
Incapaz de esperar para sentir o toque dela em sua pele, despiu a parte
superior do pró prio corpo. Ela suspirou, tirou a blusa para revelar a
firmeza redonda de seus seios... entã o se apertou contra ele, o contato
um beijo de carinho, de amor, de duas pessoas que sempre foram feitas
para ficarem juntas.
Correndo a mã o por sua espinha, ele beijou sua garganta enquanto ela
tocava o arco hipersensível de suas asas. Isso fez seu pênis doer, seu
coraçã o bater, um prazer tã o profundo que estava afiado com dor. E seu
coraçã o, batia apenas com o nome dela. Sua Zani.
Ficaram assim, se beijando e se tocando, por um longo tempo,
Alexander se curando sob a onda crua de seu afeto tã o feroz e terno.
Quando ela se levantou para se despir, ele simplesmente desfez as
calças para revelar seu pau endurecido. E entã o ela o pegou, descendo
para escarranchá -lo com uma facilidade que estava sendo construída há
eras.
Olho no olho, lá bios nos lá bios, sua Zani os balançou numa liberaçã o
que rasgou sua espinha e fez suas asas brilharem enquanto enterrava o
rosto na curva de seu pescoço. Ele a sentiu estremecer sobre ele, ao
redor dele, seu corpo ficando tenso antes que ficasse flá cida em seus
braços.
*
Estavam entrelaçados na areia, Alexander tendo usado seu poder para
afastar as conchas. Mesmo assim, fez Zani deitar em sua asa ao invés de
diretamente na areia, entã o enrolou aquela asa sobre seu corpo nu. Ele
ainda usava calças e botas, e seus redemoinhos ainda criavam um calor
que tornava possível o conforto nesta ilha remota e fria.
— Eu também te amo, — disse ela quando ele pensou que ela
adormeceu ao seu lado. — Até que você seja uma loucura, que nã o
posso me livrar.
Ele estava feliz por ela ter se afastado da dor; Alexander sentiu-se cru,
nã o podia suportar mais por hoje. — Encantador, — ele murmurou. —
Você me faz parecer uma afliçã o amaldiçoada.
Zanaya deu de ombros, sua mã o em seu coraçã o. — É o que é; também
deixei você um pouco louco ao longo dos milênios.
Forçado a admitir que ela estava certa, fez uma careta e se mexeu para
poder olhá -la enquanto ainda permanecia em sua asa. — O que está
dizendo? Que nã o estamos destinados a ser? — Seu intestino ficou duro
como aço. Porque, isso? Nunca, nem uma vez, considerou isso. O
caminho deles podia nã o ter sido fá cil, mas enquanto Zanaya existisse,
ela um dia seria dele e ele seria dela. Esse era o destino deles.
— Nã o, meu amor. — Os lá bios de Zanaya se curvaram num sorriso que
doía de tristeza. — Estou dizendo que você foi o ú ltimo pensamento na
minha cabeça quando entrei no Sono, e o ú ltimo lampejo em minha
mente quando aquela vadia malvada de arcanjo... — Ela mostrou os
dentes. —
Enquanto Lijuan sugava a vida de mim, tudo que eu conseguia pensar
era em me desculpar com você.
Ele fez uma careta. — Pedir desculpas? Por quê? — Ele sabia muito bem
que nã o seria por sua decisã o de dormir.
Dedos roçando seus lá bios. — “Sinto muito, Xander”, eu queria dizer,
“mas nã o posso voltar desta vez. Nã o há mais tempo para nos
consertar”.
Sua raiva, seu medo, sua frustraçã o, tudo desapareceu sob uma onda de
amor e necessidade. — Zani. — Mas ela o segurou quando ele foi se
inclinar, beijá -la com uma paixã o que apagou a escuridã o.
— Nã o, isso é o que sempre fazemos. — Olhos ardentes. — A gente cai
na emoçã o, na paixã o, sem nunca consertar as fraturas. Nossa fundaçã o
está podre, sempre foi podre. Nunca nos preocupamos em consertá -la
porque estava segurando bem o suficiente... mas nã o quero essa vida
agora, Alexander.
Seu mundo inteiro ameaçou virar cinzas.
Quando ela o empurrou, ele se afastou, liberando-a para se levantar e
vestir suas roupas e botas. Ele também levantou, tomando tempo para
encontrar o equilíbrio, se preparando para a batalha que estava por vir.
Porque nã o estava pronto para deixá -la ir embora.
Os redemoinhos desapareceram quando ela se sentou ao seu lado, suas
asas se sobrepondo mais uma vez enquanto olhavam para o oceano
cinza-azulado mais escuro. — Vejo aquele filhotinho ridiculamente
jovem, Raphael, — ela disse, — e vejo o que ele tem com sua consorte, e
sou uma velha amarga e ciumenta. — Uma carranca. — Se você repetir
isso, eu vou escalpelar você.
Ela falou antes que ele pudesse responder. — Nã o invejo a alegria deles.
Em vez disso, me pergunto por que nunca pudemos ter isso quando
tínhamos tanto amor.
Alexander respirou novamente porque pelo menos ela estava disposta a
falar sobre isso. O ar era lâ minas perfurando-o. — Muito orgulho, entre
nó s dois. Callie disse isso para mim. Nenhum disposto a se curvar ao
outro.
— O orgulho nã o importou quando eu estava morrendo. — A voz de
Zanaya era tensa, seus braços envolvendo seus joelhos e as opalas em
Firelight embaçadas.
— Nã o, — Alexander disse, seu peito tã o apertado que mal conseguia
respirar. — Eu te carreguei para seu lugar de Sono e tudo que conseguia
pensar era que acabou, que nã o tinha mais chances. O terror e a dor
com que tenho vivido desde entã o... Teria ido dormir para sempre se
nã o tivesse um neto para guiar em seu caminho na vida.
Zanaya pegou a mã o dele, entrelaçando os dedos da maneira que
sempre faziam. — Estou feliz por seu neto. — Sua voz estava rouca. —
Ter acordado sem você no mundo... — Ela apertou a sua mã o. — Nunca
vou me desculpar por ir dormir. Precisava dormir para me recuperar de
minhas eras de vida, para garantir que nã o enlouquecesse como tantos
de nossos irmã os... mas sinto muito por ter deixado você sozinho,
Alexander.
Nenhum de vocês está pronto para se curvar ao outro.
Alexander lutou por milhares de anos de existência, de personalidade,
para dizer: — E me desculpe por colocar você nessa posiçã o. Deveria
ter ouvido você. — Se tivesse, ela poderia ter concordado que os dois,
juntos, entrariam num sono mais curto. Mas ele se recusou a ouvir, e a
perdeu por milênios intermináveis.
Uma risada espasmó dica. — Olhe para nó s, sendo tã o maduros. —
Suspirando, colocou a cabeça em seu ombro, enquanto ao redor deles,
as aves marinhas faziam seus negó cios sem se importar, tendo
claramente decidido que Zanaya e Alexander eram simplesmente dois
pá ssaros extragrandes.
— Nã o posso fazer isso de novo, Zani, — Alexander confessou,
cortando direto ao nú cleo agonizante. — Nã o posso te perder. Nã o por
algumas semanas, muito menos por mais tempo. Perdi muito, estou
muito velho e cheio de cicatrizes. Quero um nó s absoluto e inatacável.
Zanaya nã o sentiu nenhum choque com suas palavras. Sabia
exatamente o que ele estava prestes a dizer, porque estava prestes a
dizer o mesmo. — Sempre foi você, Alexander. Nunca mais ninguém.
— Consortes entã o.
Isso a fez estremecer, olhar para ele. — Nó s somos arcanjos, — ela
disse, sua voz cheia de garra. — Se nos tornarmos consortes, nã o
teremos mais escolha sobre o que fazemos quando os tambores de
guerra rolarem.
Teremos que escolher o mesmo lado. — Porque o inimigo trataria um
da mesma forma que o outro.
Olhos de prata líquida travados com os dela. — Sim, — disse ele. —
p q
Podemos discutir o quanto quisermos a portas fechadas, mas para o
mundo apresentamos uma frente unida.
Zanaya passou toda sua vida lutando para ser ela mesma. Estava muito
velha agora para nã o ver o porquê – os esforços de Rzia para moldá -la
se transformaram numa espécie de prisã o emocional da qual Zanaya
esteve fugindo a vida toda. Mesmo agora, seu coraçã o gaguejou pela
ideia de estar tã o inextricavelmente ligada a este homem que lutaria
com unhas e dentes quando discordassem.
Ainda... nã o tinha se mantido firme com ele desde antes de sua
ascensã o? — Eu me recuso a ser congelada em â mbar, — ela
murmurou, principalmente para si mesma. — Rzia está há muito tempo
no meu passado. Nã o sou mais a criança que ela tentou moldar com
amarga vingança.
Alexander entendia como poucas pessoas raras em sua vida
entenderiam. — Como nã o sou mais o garoto impotente que podia ser
esmagado sob as botas dos outros. — Até a memó ria estava desbotada
agora, escondida pelo peso de um reinado que durou milhares e
milhares de anos. — Nã o preciso me apegar ao poder com cada grama
do meu ser.
Zanaya se moveu para que ficassem cara a cara, sua expressã o feroz.
— Consortes nã o rompem, aconteça o que acontecer. É um vínculo até a
morte.
— Eu morri quando você caiu, Zani. Tenho uma promessa a cumprir
com meu filho, mas é o ú nico fio que me prende a este mundo se você
nã o
estiver nele. E esse fio vai quebrar quando Xander se estabelecer na
idade adulta. — Ele apertou a parte detrá s de seu pescoço, sob a maciez
de seu cabelo. — Nã o estarei no mundo uma vez que isso aconteça, a
menos que você ande ao meu lado. Doeu-me até mesmo respirar nestes
ú ltimos dez anos. Sou seu.
Seus olhos chamejaram, entã o ela agarrou sua mandíbula. — Minha
capacidade de dormir está atualmente comprometida, mas vai se curar.
Já fui ferida muitas vezes para nã o sentir que nã o é um ferimento
permanente.
— A certeza de um arcanjo. — Mas mesmo que isso nã o aconteça, nã o
pretendo viver até que a loucura coma minha mente, engula tudo que
sou.
Pretendo que meu governo termine.
Essa era a ordem natural da vida, da imortalidade. — Nã o vou fazer
isso, amado, até que você prometa que vai dormir. Se eu nã o conseguir
dormir, bem... esse será o fim da Arcanjo Zanaya, e você estará livre.
Zanaya pressionou a mã o sobre a boca de Alexander quando ele teria
falado, seu coraçã o batendo como se estivesse mais uma vez no gelo do
Refú gio, Alexander na sua frente. Um momento que alterou a trajetó ria
de seu destino. — Nã o em breve. Você tem seu neto, e eu acabei de
acordar.
Em dez mil anos, no má ximo.
Uma carranca. — Por que dez? — ele disse quando ela baixou a mã o.
— Porque esse é um período de vida extenso, — apontou ela. — O
suficiente para amarmos... mas nã o tanto que vamos desperdiçá -lo
como desperdiçamos a maior parte da eternidade. Perdendo tempo
porque acreditávamos que sempre haveria mais, uma ampulheta
infinita.
Precisamos quebrar a ampulheta, pois é uma gaiola sedutora que nos
mantém presos no tempo.
Palavras duras. Brutais em sua verdade.
— E este Cadre? — ela adicionou. — Está muito cheio de Antigos. Está
desequilibrado e errado. Devemos sempre ter um equilíbrio entre
jovens e idosos, ou permaneceremos está ticos. A partir daí, nã o é uma
jornada muito longa para estagnar.
Alexander olhou para o oceano por um longo tempo. Ela nã o se sentiu
ofendida. Preferia que ele contemplasse o ponto, ter certeza de onde
estava. Porque uma vez que se declarassem consortes, nã o haveria
volta.
Tornar-se consorte era uma escolha e um risco tã o precioso que virar as
costas seria cuspir na pró pria estrutura da sociedade angélica.
E eles, nenhum deles, quebrava um juramento.
Alexander virou-se para ela. — Dez mil anos ou menos. — Era uma
promessa. — E Zani, se nã o conseguir dormir, se for além do véu, nã o
tenha dú vidas de que eu a seguirei.
Zanaya sentiu seu mundo inteiro tremer, quebrar, remodelar em uma
nova forma. Porque uma promessa do Arcanjo da Pérsia era uma coisa
cravada em pedra. — Alexander, consorte da Arcanjo Zanaya, — ela
disse, as palavras roucas, — eu prometo meu ser e minha vida a você.
Suas asas brilhavam, seus olhos ferozes. — Zanaya, Consorte do Arcanjo
Alexander, prometo tudo que sou e tudo que serei para você. Até o fim,
minha Zani. Até que sejamos o mero eco da existência no cosmos.
Com as mã os trêmulas, ela enrolou os dedos ao redor da sua nuca
enquanto pressionava a testa na dele. — Até o fim, meu general. Até que
o pró prio tempo pare.
CAPÍTULO 43
Alexander ficou cara a cara com Zanaya no ponto em que tiveram que
seguir caminhos separados. Nã o queria deixá -la com o vínculo entre
eles recém-nascido e frá gil, mas era um arcanjo – assim como ela;
tinham deveres para com as pessoas que procuravam estabilidade e
proteçã o.
As coisas se acalmaram nos anos desde a guerra, mas as cicatrizes
permaneceram. Especialmente depois da revolta vampírica do pó s-
guerra, onde milhares de vampiros em todo o mundo cederam à sede
de sangue e devastaram as populaçõ es mortais.
Alexander foi duro com os vampiros em seu territó rio, sua capacidade
de paciência assassinada quando Lijuan o forçou a matar crianças. —
Aqueles que ajudaram a conter a revolta, — ele disse a Zanaya depois
de alcançá -la sobre esse pedaço da histó ria, — e aqueles que sei que
têm sua sede de sangue sob controle vicioso, esses, claro, continuam a
ter minha confiança.
Alexander nunca foi de dar rapidamente – ou retrair – sua fé. — Mas os
outros devem agora reconquistar a confiança nã o apenas do Cadre, mas
do resto da sociedade. Muitos vampiros pensaram em tirar vantagem
das
consequências da guerra e alguns em suas terras podem considerar se
mexer durante a transiçã o de poder.
— Agradeço pelo aviso, — disse Zanaya, com as mã os nos quadris e
suas feiçõ es sombrias. — Ainda está contente em me emprestar alguns
de seu pessoal?
— Enquanto você precisar deles. Todos estã o ansiosos para ajudar a
estabelecer um territó rio e sei muito bem que corro o risco de
deserçõ es. —
Um sorriso. — Como posso culpá -los quando você possui meu coraçã o
também? Entã o, se deseja fazer ofertas por agora, nã o considerarei uma
traiçã o mortal. — Ele apertou seu coraçã o.
Sua risada foi assustada e brilhante. — Planejo roubar um grande
nú mero de seu povo, general. Esteja avisado.
— Entã o serei obrigado pela honra a atrair alguns de volta.
Sorrindo ainda com um brilho em seu olhar, ela disse: — Titus me
avisou que me emprestaria algumas de suas pessoas de confiança
também.
— Ela ergueu uma sobrancelha. — Nã o estou acostumada a confiar em
estranhos me dando presentes, mas nã o sinto nada além de boa
vontade dele.
— Pode acreditar nele sem questionar, — Alexander confirmou. —
Titus é tã o aberto quanto o céu. Nã o faz artimanhas - e realmente
deseja um arcanjo racional como seu vizinho.
— Esse foi meu sentimento também. — Zanaya balançou a cabeça. —
Continuo espantada com esta amizade, amado. Você, com todas as suas
artimanhas políticas, e este martelo contundente de homem.
— Ele me mantém honesto. Quando estava ansioso para começar uma
guerra com Raphael, Titus me escreveu para me dizer que ouviu
rumores sobre a mesma – e respeitosamente me chamou de idiota. —
Seus lá bios se ergueram. — Eu deveria ter ouvido meu amigo.
— Você tem muito a me contar sobre sua vida enquanto eu dormia.
— Eu vou te contar tudo, qualquer coisa que perguntar. Por enquanto,
posso confirmar que, se Titus confiar nas pessoas que se ofereceu para
enviar a você, nã o a trairã o. Claro, serã o espiõ es alegres para ele, mas
isso é de se esperar.
Os ombros de Zanaya tremeram. — Tem outra coisa – ele pareceu
suspeitosamente alegre quando mencionei que você ofereceu as líderes
do segundo esquadrã o Zuri e Nala. Existe algo que preciso saber sobre
as duas?
Alexander riu. — As gêmeas sã o suas irmã s mais velhas – duas de
quatro – e sempre prontas para contar ao irmã o mais novo seus
negó cios.
Portanto, ele provavelmente ficará encantado com a ideia de que você
as manterá ocupadas com as inú meras tarefas que acompanham a
criaçã o de uma nova corte. E aí você nã o poderia ter ajuda melhor –
Zuri e Nala sã o guerreiras poderosas e experientes que podem
substituir seu segundo por enquanto.
Os olhos de Zanaya se arregalaram. — Um arcanjo com quatro irmã s
mais velhas? Titus começa a fazer cada vez mais sentido para mim. —
Levantando a mã o, tocou os dedos em sua bochecha. — Devo ir agora,
meu consorte. Mas vou vê-lo novamente em breve.
Tomando a sua mã o, a pressionou contra sua bochecha. — Você virá
para meu territó rio? Agora que confirmamos que Antonicus dorme,
gostaria de apresentá -la a Xander, este jovem e brilhante pedaço do
meu coraçã o.
Alegria aberta na expressã o de sua Zani. — Irei assim que estabilizar a
situaçã o em minha nova terra. — Um beijo apaixonado antes que ela se
virasse para a direita, com as asas voltadas para casa. Mas olhou atrá s
vá rias vezes para onde ele pairava, observando-a.
Seu coraçã o se partiu em dois ao vê-la se afastar dele, sua mente
bombardeando-o com memó rias de como a perdeu da ú ltima vez.
Mova-se, amado. Uma ordem marcial... que segurava uma carícia.
Quanto mais cedo nós dois pudermos completar nossos deveres, mais
cedo poderemos nos encontrar novamente.
Dando um breve aceno de cabeça, embora ela estivesse agora muito
longe para vê-lo, se virou e se dirigiu para seu pró prio territó rio. Nã o
foi um voo longo no grande esquema das coisas, e chegou antes do
anoitecer...
para encontrar Xander voando em direçã o a ele da borda de suas terras.
— Vô ! — Seu neto acenou, seu sorriso enorme e seu rosto tã o parecido
com o de Rohan que o coraçã o cheio de cicatrizes de Alexander
ameaçou ter um espasmo de agonia.
— Xander. — Alexander desceu para voar asa a asa com seu neto, e se
perguntou se já foi tã o jovem. — O que está fazendo aqui? Está em
patrulha com seu esquadrã o?
— Nã o, avô . Vim ao seu encontro. — Seu olhar estava aberto, seu
coraçã o na manga.
A criança era hesitante e quieta quando conheceu Alexander, mas
Alexander nã o podia culpá -lo por isso. Ele nã o era nada além de uma
lembrança de Rohan para Xander – e o menino estava de luto pela
perda de seus pais.
Alexander nã o era um homem gentil, mas fez um esforço para ser assim
para este menino. Até que um dia, Xander quebrou durante uma sessã o
de luta particular. Alexander pegou seu neto soluçando em seus braços
e quando Xander tentou se desculpar, Alexander disse: — Nunca peça
desculpas por amar, Xander. Essa capacidade é o que nos impede de nos
tornarmos monstros.
O menino se estilhaçou naquele dia e depois se reconstruiu.
— Oh? — Alexander disse agora. — Como sabia exatamente de onde eu
viria? Certamente meu espiã o nã o está vazando meu paradeiro?
Risos de seu neto com a mera ideia do mestre espiã o de boca fechada
de Alexander respirando sequer uma palavra. — Estou aprendendo a
usar o dispositivo mortal que rastreia suas naves voadoras. Os anjos
nã o podem ser rastreados da mesma maneira porque...
— Ainda bem, — Alexander interrompeu, seu tom de granito. — Nã o
somos brinquedos para mortais. — Nisso ele nunca cederia — havia
uma hierarquia no mundo por um motivo.
— Mas, — Xander continuou, — toda vez que eu estava no dispositivo,
eu procurava por qualquer indício de uma “sombra” – assim é como os
mortais chamam os anjos vislumbrados no sistema. E particularmente
procurei por uma sombra com sua velocidade. Foi difícil ao extremo –
você era invisível, exceto por uma fraçã o de segundo.
Alexander queria ficar furioso porque os dispositivos mortais podiam
rastrear anjos, mesmo de uma maneira tã o fugaz, mas nã o podia
suportar a alegria de Xander. — Venha entã o, neto, — disse ele,
inundado de amor pelo filho de seu filho. — Já que me encontrou,
vamos correr para casa. Vou na metade da velocidade. — Caso
contrá rio, nã o seria nenhuma corrida, o menino ainda era um menino.
Dando um alto “Woop!” Xander partiu, um traço escuro na escuridã o
que caía. Olhe apenas para o topo de suas asas e nunca perceberá a
parte inferior metá lica.
Alexander riu e foi atrá s dele. E achava que um despertar de apenas dez
mil anos valia a pena ter tanta vida nas veias, tanta energia. Zanaya
p g y
estava certa, sempre esteve certa. Ele foi apenas um tolo teimoso por se
negar a ela.
Não será fácil, amado. Se fosse, teríamos acertado cem vezes. Nós não. Se
queremos para sempre, precisamos trabalhar mais do que nunca.
Esta é nossa guerra final e mais importante.
Ela disse isso a ele no voo para casa, um eco inconsciente da previsã o
de Cassandra: Desta vez será o fim.
CAPÍTULO 44
Antonicus sabia que estava danificado. Sabia que nã o era o arcanjo que
acordou...
Seus pensamentos fragmentados.
Nã o conseguia se lembrar por que ou quando acordou pela ú ltima vez,
as memó rias piscando em sua mente. Imagens de uma névoa negra
devoradora. De gritos tã o penetrantes que eram pequenos insetos em
seu cérebro. De agonia sem fim.
Ele se afastou deles.
Isso era passado.
Este era seu futuro.
Flexionando a mã o, ouviu a fratura do gelo. Estava envolto em gelo,
deixado trancado no frio. Eles pagariam. Todos eles.
Ele já tinha começado a ganhar, nã o tinha?
Sem fô lego. Nenhum calor. Nenhum sinal de vida.
Ela nã o o sentiu.
Uma pequena parte dele que uma vez foi um arcanjo, uma vez entendeu
a vida, sabia que deveria estar preocupado. Os anjos precisavam
respirar. Nã o morreriam sem respirar, mas era agonizante depois de um
período longo o suficiente. Mas Antonicus literalmente nã o precisava
respirar... nã o tinha certeza se esses ó rgã os funcionavam.
Ele desviou o olhar disso também.
O estado de seu corpo era... menos do que o ideal.
Mas podia consertar isso. Sabia como. Foi informado de como dentro da
névoa negra, um sussurro insidioso se infiltrou em sua mente enquanto
os mortais moribundos gritavam e gritavam e gritavam.
CAPÍTULO 45
Zuri e Nala provaram ser tã o habilidosas e confiáveis quanto Alexander
prometeu. Também estavam familiarizadas com o territó rio de Zanaya,
tendo cuidado dele para seu irmã o quando Titus estava na metade sul
do continente – e foram generosas em compartilhar seu conhecimento
com Zanaya.
— Estã o abertas a uma transferência permanente? — ela disse um mês
em seu novo reinado: — Alexander nã o vai se ofender se quiserem e
nã o vou me ofender se nã o quiserem. A escolha é inteiramente de
vocês. —
Ela teve outro pensamento. — Ou talvez nã o queiram ficar tã o perto de
Titus?
Risadas selvagens das duas belas guerreiras com suas longas caudas
negras de cabelo e olhos castanhos nitidamente oblíquos sobre maçã s
do rosto dramá ticas, sua pele uma riqueza de marrom e suas asas um
creme cor de â mbar polvilhado com verde que terminava em primá rias
de deslumbrante jade. — Adoraremos poder visitar mais. Nosso irmã o,
por outro lado, ficaria encantado em se livrar de nó s, — disse Zuri. —
Somos uma praga para ele.
Nala, a mais quieta das gêmeas, assentiu. — Nosso pobre irmã o. Ele é
assediado por irmã s que o amam e também pensam que sabem mais.
— Um sorriso. — Nã o podemos evitar. Para nó s, ele sempre será nosso
irmã ozinho que carregamos quando bebê.
Zanaya nã o podia imaginar como devia ser ter tantos irmã os que te
amam tã o abertamente. E apesar de todos os murmú rios de Titus sobre
suas irmã s, brilhava de orgulho quando a visitou ultimamente e ela
disse a ele o quanto valorizava suas irmã s. Ela nã o perdeu o fato de que
ele passou vá rias horas com as gêmeas por vontade pró pria.
Em seu vínculo, viu o que Alexander teve uma vez com Osíris, e
lamentou por seu amante. — Vã o considerar isso entã o? — ela disse
para Zuri e Nala.
As gêmeas se entreolharam e assentiram. — Nã o precisamos;
ficaríamos honradas em continuar. — Ambas as anjas caíram sobre um
joelho num ú nico movimento suave, suas asas idênticas se sobrepondo.

Nunca participamos da construçã o de uma corte e fazê-lo ao seu lado,
Lady
Zanaya, é um sonho. Precisamos apenas falar com o senhor e obter seu
consentimento oficial.
Zanaya nã o pedia demonstraçõ es ornamentadas de respeito de seu
povo, mas apreciou sua reverência formal ainda mais por ser feita por
escolha. — Nã o poderia ter comandantes de esquadrã o melhores ao
meu lado, — disse ela, entã o estendeu as duas mã os, uma para cada
gêmea.
Aceitando a oferta, se levantaram, e o resto da conversa foi ocupada
pelas necessidades da corte. Aquela corte ainda era um esqueleto.
Quase ninguém da antiga corte de Zanaya estava acordado – ou vivo.
Apenas três fizeram o caminho de volta para ela até agora.
Um nú mero infinitesimal, pensou enquanto estava numa varanda alta
olhando para o céu onde um anjo jovem e elegante voava em direçã o ao
territó rio de Alexander. Ela acabava de entregar ao mensageiro uma
carta para seu consorte, na qual solicitava a transferência do contrato
das gêmeas. Claro, nã o era nem um pouco formal. Na verdade, esperava
que sua alegria por ganhar sua lealdade o fizesse rir. Ela adorava
quando seu general ria.
Seu sorriso desapareceu enquanto pensava sobre a terra danificada que
agora era dela. — Auri, — ela murmurou. — Eu agradeceria muito se
você acordasse, minha amiga. — Ela já havia usado um dispositivo de
tela para falar com a morena esbelta que era a Bibliotecá ria e
Historiadora angelical; Jessamy passou por todos os registros
disponíveis e disse a ela que nã o havia registro de Aureline ou Meher
acordando no momento em que Zanaya dormia.
— Sinto muito, Arcanjo Zanaya, — Jessamy murmurou, a bondade em
seus olhos tã o inata que era impossível desconfiar dela em qualquer
nível,
— mas os registros sã o irregulares na melhor das hipó teses. Para ir tã o
longe, tive que confiar nas memó rias dos antigos que estavam
acordados durante os segmentos relevantes.
— Eu esperava tanto. — Zanaya sabia que dormiu muito, muito tempo.
— O que posso dizer, — Jessamy acrescentou, — é que porque Aureline
e Meher eram tã o poderosos, sendo sua segunda e terceiro, seu
despertar seria notado. O Cadre nã o gosta de deixar anjos tã o
poderosos fazendo o que quiserem.
Zanaya entendia bem isso; se lembrou de como os arcanjos de
antigamente observaram Alexander como um falcã o antes de sua
ascensã o.
Ela podia ser jovem na época, mas tinha olhos e ouvidos. E ele era seu
fascínio e sua obsessã o.
— Entã o, — Jessamy concluiu, — é altamente improvável que ambos
tenham acordado desde que entraram no sono.
Zanaya desligou a tela com um choque de esperança. Nã o estava
acostumada com essa nova maneira de se comunicar, e sua mente tinha
problemas com o conceito, mas nã o podia discutir sobre sua utilidade.
Tanto que pediu a Nala para ensiná -la a usá -lo. Exigiu esforço, mas
agora podia fazer ligaçõ es diretas sem assistência. Ela digitou o nome
de sua pessoa favorita, e logo o rosto dele – duro, bonito e amado –
encheu a tela.
— Eu odeio este dispositivo, — Alexander murmurou com uma
carranca.
— Isso é porque você é um homem velho, general.
Olhos estreitados. — Vejo que as gêmeas estã o tendo sua boa influência
de sempre.
Riso dançando dentro dela, pressionou a palma da mã o na tela.
Ele pressionou a mã o na tela ao seu lado, sua expressã o mais suave. —
Você tem algo em mente, Zani.
Ah, ele a conhecia tã o bem. Soltando a mã o apó s a comunhã o silenciosa
e familiar, ela disse: — Sabe se um arcanjo pode acordar uma pessoa
com quem tem um vínculo?
— Você está pensando em Aureline e Meher.
— Seria bom ter minha segunda e terceiro comigo enquanto reconstruo
minha Corte. As gêmeas me disseram que nã o se sentem adequadas
para a responsabilidade dessas posiçõ es, e tenho que concordar com
elas – sã o comandantes de esquadrã o brilhantes e essa é a força delas.
Alexander suspirou. — Você as roubou, nã o foi?
— Tenho certeza de que nã o tenho ideia do que quer dizer. Oh, receberá
a visita de um mensageiro em breve.
Braços cruzados, mas lá bios curvados, ele disse: — Nã o posso
responder sua pergunta sobre arcanjos, mas posso dizer que fui
rudemente acordado por um dos Sete de Rafael e sua companheira.
A boca de Zanaya caiu aberta. — Certamente você está brincando? —
Perturbar um arcanjo em seu sono era uma sentença de morte.
— Nã o, foi necessá rio. Lijuan.
Zanaya ecoou sua carranca. — Oh.
— Mas, — disse Alexander, — no meu caso, eles conseguiram localizar
meu lugar de Sono, entã o gritaram insultos para mim até que eu
acordei.
Acontece que um Adormecido pode ouvir tais abusos quando ocorrem
bem em cima dele. — Uma risada divertida que desmentia seu tom
severo. —
Você deve conhecer Naasir - ele é ú nico. — Seu sorriso desapareceu. —
A ú nica quimera em todo o mundo.
— Ele sobreviveu?
— Mais que isso. Prosperou. Osíris teria ficado exultante. — Com a
cabeça baixa, Alexander passou a mã o pelo cabelo. — Mas Naasir nã o
seria quem é se crescesse sob os cuidados sombrios do meu irmã o. O
Naasir que conhecemos hoje foi criado com amor e em liberdade, nã o
torturado e faminto numa jaula; ele é uma parte querida da corte de
Raphael, e o segundo de Raphael poderia muito bem ser seu pai.
Odiando a velha dor em seus olhos e odiando seu irmã o por causá -la,
Zanaya nã o perguntou mais sobre o assunto. — Devo ser capaz de
visitar em breve. As gêmeas podem segurar o forte na minha ausência.
E... Eu sofro por você.
p
Sua mandíbula apertou. — Eu sonho com você. Sempre que fecho meus
olhos.
Seus olhos ardiam, sua garganta em carne viva.
Os dois fecharam a conexã o sem se despedir. Nunca mais diriam adeus.
Pela primeira vez em sua existência, decidiram colocar sua teimosia
para trabalhar em busca de seu amor.
Afastando-se da tela com o desejo de abraçá -lo com força dentro dela,
pensou no que ele disse. Porque a coisa era, sabia o lugar do Sono de
sua segunda e terceiro. Ela os ajudou a criá -lo.
— Vai nos ajudar a encontrar um lugar que ninguém possa perturbar,
mesmo que a terra trema e se abra? — Os olhos de Auri - aquele
marrom translú cido familiar e amado - opacos e machucados pela
perda de seu bebê, uma perda ainda mais agonizante pelo quã o tarde
na gravidez chegou.
Auri sentiu seu bebê se mover em seu ú tero antes que seu filho ficasse
para sempre em silêncio.
Zanaya estava lá quando Auri deu à luz, pois seu bebê era grande
demais para ser liberado de qualquer outra forma. Ela segurou aquele
corpo pequeno, tã o pequeno em seus braços, lá grimas rolando pelo
rosto
enquanto dava um beijo em sua testa, a pele da criança azul ainda
quente por estar dentro de sua mã e. E segurou Auri e Meher enquanto
choravam até que nã o pudessem mais chorar.
O desejo de Auri de dormir nã o foi nenhuma surpresa. E Meher sempre
ia para onde Auri ia; ela era o sol em torno do qual ele girava.
Zanaya encontrou um local seguro para o casal. O bebê deles nã o estava
perto. Escolheram espalhar suas cinzas numa floresta dentro do
territó rio de Zanaya, para que se tornasse parte das á rvores, crescesse
como nunca teve a chance de crescer em vida.
Zanaya vigiou aquela floresta por toda sua vida antes de seu primeiro
Sono e, para sua grande alegria, sobreviveu a todos os arcanjos que
vieram depois dela, suas á rvores altas e fortes. Auri ficaria feliz em ver
isso também.
Zanaya também prometeu à sua melhor amiga que nã o perturbaria seu
descanso a menos que nã o houvesse outra escolha – e o mundo fosse
um lugar que Aureline gostaria de ver.
Ela olhou para a tela à sua frente, considerou as má quinas que voavam
no céu e rolavam nas estradas, os prédios que atravessavam as nuvens,
e pensou que Auri ficaria realmente fascinada. E Zanaya precisava dela
no nível mais profundo.
Titus fez muito para curar esta terra, mas ela permaneceu ferida nas
batalhas contra nã o apenas os renascidos, mas o reinado de mau uso de
Charisemnon. A populaçã o foi dizimada e as colheitas, por sua vez,
fracassaram. Todos esses anos depois, e a populaçã o ainda estava
lutando para voltar para onde estava.
p p
— Eles sã o um povo forte, — Titus disse a ela quando se encontraram
na fronteira dois dias antes, para discutir o que parecia ser uma nova
incursã o de renascidos no extremo do territó rio de Titus. — Mas nã o
pode espremer o sangue de uma pedra, e foram drenados até o osso no
momento em que o traseiro de arcanjo conseguiu seus merecidos
desertos.
Ele a encarou, como se quisesse matar Charisemnon novamente. — As
feridas persistem – e, temo, apodrecem. As notícias atuais nã o ajudarã o;
estava confiante de que limpamos o territó rio do veneno de Lijuan.
— Você tem certeza de que é o renascido?
— Todos os sinais apontam para isso, mas parece ser uma ú nica
criatura furtiva. Meu povo deve ser capaz de caçá -lo em breve.
Zanaya esperava que isso fosse verdade, e que nenhum renascido se
escondesse em seu pró prio territó rio. Seu povo já sofreu o suficiente. —
Auri também sofreu, — ela murmurou para si mesma. — Tenho o
direito de pedir para ela acordar?
O sono curava o físico. Talvez também tenha curado o coraçã o. E...
Auri nunca a condenaria por perguntar, nã o quando fazia uma
eternidade desde que ela e Meher deixaram o mundo.
CAPÍTULO 46
Titus se agachou para examinar o corpo aos seus pés. Trazia todas as
marcas de um renascido — o tom verde podre da carne, o branco
avermelhado dos olhos, até as unhas transformadas em garras que
apareciam em muitos, mas nã o em todos.
— O ú nico problema, — disse seu segundo Tzadiq, — é que está morto.
Sem ser decapitado ou queimado. — Ele encolheu os ombros. — Nã o é
um problema ruim.
— Mas preocupante porque levanta questõ es. — Titus usou o cabo de
uma lâ mina para cutucar a pobre criatura em suas costas para que
pudesse examiná -la. Nã o usou força extra - essa pessoa foi filha, esposa
ou mã e de alguém antes de ser vítima do flagelo e nã o tinha culpa pelo
que aconteceu com ela. — A ú nica marca nela é essa mordida em seu
pescoço. — Limpa, arrumada, uma impressã o perfeita dos dentes.
— Mostra um pouco de controle demais para meu gosto. — O sol batia
na pele pá lida do crâ nio de Tzadiq. — Os renascidos tendem a roer suas
presas como cã es selvagens.
Titus assentiu; tinha a mesma opiniã o. Predadores que podiam
controlar seus impulsos e regular suas matanças eram muito mais
perigosos do que bestas irracionais movidas por nada além do desejo
de se alimentar.
— Devemos levar o corpo para os curandeiros? — perguntou Tzadiq.
— Nã o. Mande os curandeiros voarem até aqui para examiná -lo. —
Titus nã o estava prestes a espalhar nenhum tipo de infecçã o.
Olhando para o corpo, sentiu um leve indício de familiaridade, mas esse
mortal nã o era alguém que pudesse conhecer. Independentemente
disso, nã o era o rosto dela que era familiar. Era... Ele soltou um suspiro,
incapaz de quantificar sua resposta. — Peça aos curandeiros para
verificar se há diferenças no cérebro da criatura em relaçã o aos outros
renascidos. —
Titus nã o tinha ideia do que estava acontecendo, mas sabia que era
aberrante. — Certifique-se de colocar uma guarda completa sobre o
corpo.
A criatura pode estar em alguma forma desconhecida de êxtase. A
ú ltima coisa que precisamos é que se levante e ataque.
Tzadiq assentiu, a névoa verde de seus olhos encontrando os de Titus
sobre o corpo. — Você notou a progressã o?
Titus assentiu. — Nã o há como perder. — Esta foi a descoberta mais
estranha até agora, mas suas tropas eliminaram vá rios renascidos
fracos e doentios nas ú ltimas semanas; o primeiro perto da ponta sul de
seu territó rio. Depois disso, cada novo renascido apareceu
progressivamente mais ao norte.
Como se o renascido que estava fazendo outro renascido estivesse indo
para um local específico.
— Pode estar ligado a Charisemnon, — Titus murmurou. — Algum
sinal de que é um anjo renascido? — Uma abominaçã o que ninguém
esperava que existisse. — Pode estar tentando chegar ao que já foi um
lar.
Tzadiq balançou a cabeça. — Mas também nã o há evidências de que
nã o seja. Nã o temos nada.
Com os pensamentos sombrios, Titus se levantou, Tzadiq ecoando,
ambos homens grandes com ombros largos e coxas musculosas – mas
aquela força era inú til contra aquele invasor astuto e furtivo. — Vou
avisar Zanaya. — Fosse o que fosse a criatura, permanecia longe dela
neste momento, mas ganharia força a cada morte.
Era possível que a Rainha do Nilo ainda tivesse que lutar contra esse
flagelo em seu novo territó rio.
CAPÍTULO 47
Zanaya pretendia agir em sua decisã o de acordar Aureline e Meher nos
dois dias seguintes, mas - depois de receber sua mensagem sobre a
atividade incomum de renascidos - acabou voando para Titus. Os dois
fizeram um voo combinado sobre uma enorme extensã o de territó rio,
procurando qualquer indicaçã o do caminho da criatura.
Nenhum deles encontrou nada... mas Zanaya sentiu sensaçõ es
estranhas que nã o eram dela. Grama farfalhando sobre sua pele quando
ela estava no ar, a brilhante corrente metá lica de sangue dentro de um
corpo, a sensaçã o de sujeira sob suas unhas. E entã o, sem aviso, o
mesmo puxã o que a levou ao tú mulo de Antonicus.
Ela aterrissou, seu coraçã o batendo forte enquanto se preparava para
enfrentar o arcanjo meio apodrecido ressuscitado... mas nada existia ao
seu redor além de grama e á rvores ondulantes com uma bela filigrana
de folhas.
O puxã o também se rompeu. Ou se desfez quando nã o encontrou o que
procurava?
Quando Titus desceu ao seu lado, tomou a decisã o de confiar nele com
o conhecimento de seu voo para verificar se Antonicus se mexeu - e por
quê.
— Lijuan deixou um pedaço de si mesma atrá s em mim, — ela gritou no
final.
Titus fez uma careta. — Posso ver isso, Zan. — Um aceno sutil de Titus
em direçã o aos seus olhos.
Apertando a mandíbula contra as maldiçõ es que queriam escapar,
assobiou entre os dentes. — Precisamos passar por esta á rea com um
pente fino, e entã o preciso voar para verificar o marco de pedra
novamente.
— Eu posso fazer o ú ltimo. — Titus levantou a mã o quando ela teria
objetado. — Você está no meio da criaçã o de um territó rio, enquanto o
meu está estável. E se Antonicus ressuscitou, isso afetará a nó s dois.
Confiar em outro arcanjo, exceto Alexander, tã o profundamente nã o era
fá cil para Zanaya. Mas havia uma integridade em Titus que brilhava
como o sol. Entã o assentiu. — Espero que você descubra que ele dorme,
Titus, e que o que estou sentindo nã o é nada além da consciência de um
renascido mais inteligente do que o normal.
*
Sua discussã o com Titus ainda estava no topo de sua mente quando
finalmente foi capaz de ir em direçã o a Aureline e Meher. Ela
cronometrou sua jornada para que chegasse na parte mais escura da
noite, escondida de qualquer observador. Era uma do Cadre que nã o
tinha glamour, mas sua
coloraçã o compensava isso nas horas da noite. Era um fantasma, as
manchas brancas em suas asas facilmente confundidas com estrelas se
ela voasse alto.
Ela permaneceu no ar rarefeito acima das nuvens até chegar ao ponto
ao longo das ricas á guas de seu Nilo, onde ajudou Auri e Meher a
dormir. Na época, a á rea estava desabitada devido à sua geografia
perigosa. Ficou satisfeita ao ver que, apesar da marcha da civilizaçã o,
isso permanecia verdadeiro até hoje.
Chegando a pairar sobre o rio, usou o poder de suas tempestades para
afastar a á gua e criar um tú nel até seu coraçã o gelado. Descendo
naquele tú nel enquanto a á gua girava ao seu redor numa espiral de
líquido perfeitamente controlada, desceu devagar até que suas botas
tocaram o leito do rio.
Aureline e Meher dormiam bem abaixo do leito de pedra e areia. Uma
vez que iniciaram o Sono, Zanaya fechou a câ mara de pedra que ela
construiu para eles usando seu poder como arcanjo - no entanto, cada
um deles era forte o suficiente para explodir a pedra e emergir sem sua
ajuda.
Eles se molhariam sem a ajuda dela, mas tinham idade para nã o
precisar respirar durante o período.
Nã o desejando quebrar o leito do rio se nã o tivessem vontade de subir,
colocou a mã o na superfície arenosa da cama e falou com sua segunda
com o poder de sua mente. Auri, você vai acordar? O mundo é um lugar
interessante, eu juro. Houve uma guerra, uma Cascata, e Cassandra até
acordou. Agora, preciso da sua ajuda na reconstrução.
Silêncio sem fim.
Zanaya aumentou sua voz mental ao má ximo e repetiu suas palavras,
além de adicionar mais algumas – jogando o má ximo de informaçõ es
surpreendentes e intrigantes que pô de num esforço para atrair sua
amiga para fora do Sono.
Ai, Zan. Uma voz tã o familiar que fez o tempo retroceder num rugido.
Por que você está gritando?
Zanaya moderou seu tom. Você está dormindo há muito tempo. Não
tinha certeza de que não tinha ficado surda.
Você não é engraçada, minha amiga, foi a resposta resmungada, Sono
ainda pesado na voz de Aureline. Você disse que um arcanjo fez os
mortos andarem?
E isso nem é a coisa mais estranha a acontecer. Ela me transformou
numa múmia. Gostaria de poder torcer o pescoço dela, mas os outros já a
destruíram.
Uma múmia? Aureline parecia bem acordada. Você manteve a promessa
de me acordar para um mundo interessante.
Auri? Peço-lhe que fique ao meu lado, mas apenas se a ferida do seu
coração não a fizer sangrar.
Ainda existe. Sempre existirá. Mas... as bordas não são mais serrilhadas.
Dor na voz de sua amiga, mas nã o a agonia quebrada que Zanaya ouviu
antes de se deitar para dormir. Deixe-me ver se Meher deseja acordar. Se
não, fico com ele. Você vai ficar com muita raiva, Zan?
Não, Aury. Nunca com você. Mas vou amaldiçoar Meher a cada
respiração.
Ah, então não mudou nada.
Sorriso quente de emoçã o, Zanaya esperou sua segunda falar com seu
amor.
A resposta, quando veio, estava no tom mais profundo de Meher. Zan,
você foi transformada numa múmia?
Claro que ele se fixaria nesse fato. Talvez fosse meu destino como Rainha
do Nilo. Afinal, seu povo inventou o processo de mumificaçã o.
Risadas bufando de ambos, um som amado que a fez sorrir.
Estamos acordando, Zan, disse Auri depois que recuperaram o fô lego.
Vai levar tempo. Eu me sinto... pesada. Como se estivesse acordando de
um cochilo da tarde muito longo e profundo. Dormimos eras, não
dormimos?
Sim. Ela deixaria Auri descobrir exatamente quanto tempo depois que
estivesse de pé e funcional. Leve o tempo que precisar, minha amiga.
Alexander vai me alertar se houver algum tipo de problema que precise
da minha atenção. Caso contrário, ficarei aqui.
Claro que você e Alexander continuam sendo uma unidade. As palavras
de Auri nã o causaram nenhuma surpresa. Mas você disse algo sobre
Cassandra acordar?
Bem...
Espera, espera. Auri riu. Diga-me quando eu estiver totalmente acordada.
Felicidade uma chama em seu sangue, Zanaya tomou seu lugar na
margem do Nilo, seu olhar nas á guas nutritivas do rio que poderia
muito
bem ser seu sangue fluindo fora de seu corpo, era uma parte dela. Para
onde quer que o Nilo viajasse, deixava atrá s um verde rico em vida e
terras férteis - sem sua generosidade, essa parte de seu territó rio seria
um lugar á rido e sem vida.
Zanaya respirou fundo, absorvendo o cheiro de terra do rio.
Alexander muitas vezes brincava dizendo que ela amava seu Nilo mais
do que o amava. Nunca poderia ser; ela o amava mais do que a pró pria
existência - e desta vez, eles se acertariam.
Uma voz irritante que era um ricochete fantasmagó rico das dú vidas
sussurradas e comentá rios passivos de sua mã e. Eles nã o conseguiram
fazê-lo funcionar por milhares de anos. O que mudou agora?
— Uma aceitaçã o de que podemos morrer, — disse ela em voz alta,
porque precisava ser falado.
Ela e outros de sua espécie estavam acostumados a nã o ter um conceito
real de tempo. Para eles, as vidas mortais nã o tinham importâ ncia.
p p
E ainda... Ela viu mortais lutarem com coragem e convicçã o apaixonada
nã o apenas nesta ú ltima guerra, mas em guerras anteriores.
Testemunhou sua bravura e testemunhou sua dor.
Tudo isso tã o potente, tã o cru.
Quando, antes desse despertar e da remoçã o de suas paredes, foi a
ú ltima vez que esteve tã o aberta à emoçã o, ao mundo... para Alexander?
A tristeza tomou conta dela quando percebeu que nã o conseguia se
lembrar.
Precisamos quebrar a ampulheta, pois é uma gaiola sedutora que nos
mantém presos no tempo.
Estava mais certa em dizer isso do que ela mesma entendeu na época.
Movimento em sua visã o periférica, Aureline e Meher saindo do tú nel
de á gua. Usavam apenas as tú nicas simples com que se deitaram para
descansar, os pés descalços e suas ú nicas joias o â mbar dado ao outro: o
de Aureline estava embutido num punho de metal que se encaixava
perfeitamente em seu pulso, o de Meher um ú nico brinco que nunca
tirou nenhuma vez.
O pulso de Zanaya acelerou, sua garganta travando. — Auri. — Voz
rouca.
Elas se abraçaram com afeiçã o feroz enquanto Zanaya permitia que as
á guas agitadas de seu rio voltassem ao lugar. E quando se separaram,
ela fez o mesmo com Meher. O relacionamento deles nunca seria o
mesmo que
tinha com Auri, mas o respeitava profundamente e o valorizava – ainda
mais pelas eras pelas quais compartilhou o coraçã o de sua
companheira com Zanaya.
Muitos achavam difícil aceitar uma amizade tã o querida na vida de seu
amado.
Alexander nunca o fez.
Um lembrete da parte dela que era estranhamente jovem e esperançosa
depois de seu longo Sono. Amava Alexander por muitas razõ es, uma das
quais era que aceitava que uma pessoa poderia ter muitos amores em
sua vida. Ele amava seus pais, seu irmã o e seu filho, agora amava seu
neto. Ela amava Auri e talvez até amasse um pouco Meher.
Nã o era o mesmo amor que sentia por Alexander, pois nenhum outro
amor seria aquele, mas mesmo assim era amor. E isso a fez maior. —
Nã o consigo descrever o quanto estou feliz em ver você.
— Até eu? — Um sorriso torto de Meher.
— Até você. — Ela nã o pô de deixar de sorrir de volta. — Bem, Auri, —
ela disse, olhando para sua melhor amiga, — você vai ser minha
segunda de novo?
— Acabei de acordar de uma soneca bastante longa, Zan, — disse
Aureline na velha língua angelical. — Me dê um momento. — Mas seus
olhos brilharam, uma visã o que Zanaya pensou que nunca mais veria.

Embora suponha que se você está se recuperando de ser uma mú mia,
eu nã o deveria provocá -la assim.
— Devo conhecer a histó ria da mú mia, — Meher colocou, seu cabelo
ruivo já caído. — Quem foi capaz de transformar um arcanjo numa
mú mia?
Foi assim que Zanaya contou aos seus amigos a histó ria da Cascata, do
Arcanjo da Morte e da guerra que quase devastou o mundo. O
amanhecer estava espalhando seus dedos dourados pela savana e
estavam a meio caminho de casa quando seus amigos superaram o
choque de queixo caído.
Querendo que conhecessem a beleza e a escuridã o do mundo atual,
pousou num platô da montanha. Suas terras caíam numa extensã o de
beleza selvagem abaixo deles, enquanto uma pequena cidade de metal
brilhante e vidro se erguia à distâ ncia. Charisemnon sufocou seu povo,
de modo que seu territó rio nã o tinha cidades tã o brilhantes quanto
algumas das de Titus, mas Zanaya já havia colocado em prá tica planos
para desfazer alguns desses danos.
Nã o se tratava de cidades, no entanto, mas de mordomia. Estava se
esforçando igualmente para reabilitar paisagens selvagens que
sofreram danos consideráveis pela caça descontrolada dos amigos
angelicais de Charisemnon. Em breve, essas regiõ es maltratadas
também floresceriam com vida e energia.
— Casa, — ela murmurou. — Estamos em casa.
Um pulso dentro dela, fraco e distante. Nã o dela pró pria.
Aureline respirou fundo no mesmo instante. — Zan, seus olhos
mudaram de cor.
Maldita Lijuan!
— Eu explico mais tarde, — disse ela, entã o se virou num círculo lento...
mas sempre acabava olhando diretamente para as terras de Titus.
Fosse o que fosse que estava sentindo, continuava a subir na Á frica.
CAPÍTULO 48
Titus nã o gostava do frio. Ele disse isso para Sharine.
Ela, amante da neve depois de sua longa residência no Refú gio,
inclinou-se para dar um beijo em sua bochecha. A carícia o derreteu de
dentro para fora. — Nó s voltaremos para casa em breve. — Suas asas
eram uma gló ria de índigo e ouro cintilante contra a extensã o
interminável de branco.
— Sim, mal posso esperar para estar longe daqui. — Com esse objetivo
em mente, começou a tirar a neve do marco de pedra que marcava o
lugar do Sono de Antonicus... e talvez a morte.
Sharine juntou-se, nenhum deles desejando usar suas habilidades e
inadvertidamente causar danos. Graças à premeditaçã o de Sharine,
ambos usavam luvas pelo menos. Ainda assim, levou tempo suficiente
para ele resmungar que seus dedos dos pés estavam ficando
dormentes.
Sua amante, seu coraçã o, disse: — Vou preparar um banho para você
depois que chegarmos em casa. — Um sorriso perverso que o mundo
nunca acreditaria vir da reverenciada Colibri.
Titus sabia melhor. — E pensar que uma vez acreditei que você era
calma e além de assuntos carnais. Estou chocado até os dedos dos pés
congelados, — ele murmurou em falso ultraje, pois adorava sua
maldade tanto quanto adorava todas as outras partes dela. E sabia que
ela tinha feito esse comentá rio porque podia sentir sua inquietaçã o
muito real: este lugar era ruim.
Segurando o calor de seu cuidado perto, voltou para a tarefa de limpar
o marco, agradecido pelo menos que nenhum floco de gelo branco caiu
do céu. O que já estava aqui era suficiente.
— Nã o vejo nenhum sinal de perturbaçã o, — disse Sharine depois que
terminaram, seus olhos afiados e claros. — O que vê, meu amor?
— Nada ó bvio. — Franzindo o cenho, Titus deu uma volta completa no
marco, enquanto Sharine fez o mesmo. — Nenhum dano aos nossos
sigilos, nenhum sinal de que alguém tenha explodido.
— Arcanjos nã o sã o conhecidos pela sutileza quando acordam.
— Hum. — Sem saber por que a cena o perturbava quando tudo estava
exatamente como sempre foi quando fez seus voos de rotina para o
marco, ele disse: — Vamos verificar toda a ilha.
Mas quando Sharine se separou dele, pegou sua mã o esbelta. —
Juntos, Shari. Tem alguma coisa errada aqui.
Ela exalou, o ar um sopro de branco. — Admito que faz os cabelos da
minha nuca se arrepiarem.
Mas, embora tenham vasculhado cada centímetro da ilha, nã o
encontraram nenhum destroço, nenhum sinal de um arcanjo
quebrando seu tú mulo e levantando-se triunfante.
— Olhe aqui, Titus.
Quando ele seguiu a linha de sua mã o apontando, viu o pequeno pedaço
de líquido preto esverdeado que congelou no lugar. Seu intestino se
agitou. — Cores renascidas. Como se uma das criaturas vomitasse.
— Pelo tamanho, poderia facilmente ser fezes de aves marinhas, —
apontou Sharine. — Poderíamos tentar tirar uma amostra para um
teste, mas amostras renascidas tendem a voltar como matéria em
decomposiçã o, sem outra especificidade. Illium explicou o conceito de
DNA e diz que o processo dos renascidos parece alterar
irreparavelmente o tecido que nos torna quem somos.
— Eu também ouvi isso. Devemos tirar uma amostra de qualquer
maneira, apenas no caso de Antonicus ser um arcanjo, afinal. Ele pode
nã o reagir da mesma maneira ao mal de Lijuan.
Assentindo, Sharine pegou um dos recipientes de amostra que trouxe
no bolso da jaqueta de aviador que Illium deu a ela. — Já que você é
uma aventureira agora, mã e, — o anjo de asas azuis disse com um
sorriso.
De couro marrom elegante forrada por dentro, combinava com a forma
esguia de Sharine. Mas ele sabia que ela teria usado com igual alegria se
nã o combinasse com ela. Porque Sharine sabia amar e amava seu filho.
Assim como Titus. Illium era um anjo difícil de nã o amar.
— Eu suponho, — Sharine disse depois que pegou a amostra, — que a
ú nica maneira de ter certeza é derrubar o marco, olhar embaixo.
Titus fez uma careta. — Perturbar o resto de um arcanjo sem motivo é
um ato de desonra, até mesmo na guerra. — Especialmente quando
aquele arcanjo foi tã o gravemente ferido. — Isto, nã o posso fazer
sozinho – devo ter o apoio de todo o Cadre. Caso contrá rio, se eu
encontrá -lo deitado frio no chã o exatamente onde deveria estar, isso
causará uma onda de desconfiança e agressã o.
— Porque se Titus, Arcanjo da Á frica Austral, pode perturbar tã o
rudemente um arcanjo no Sono, o que o impede de fazer o mesmo com
outro? — Sharine murmurou.
— Exatamente, Shari. — Titus nã o era um homem que gostava de se
afastar de um possível problema, mas simplesmente agir, criaria um
muito maior. O mundo deles mal havia se recuperado de uma guerra.
Nã o precisava de outra. —Nó s voamos para casa e eu reú no o Cadre.
*
A reuniã o que se seguiu, feita por meio de telas, ocorreu conforme o
esperado. Nã o houve consenso. Especialmente depois que Titus revelou
que os testes de seus cientistas na amostra voltaram como
inconclusivos. O
material foi contaminado antes de congelar, e poderia facilmente ser
um pedaço de destroços em decomposiçã o que foi levado para a praia,
como poderia ser a evidência de um renascido.
Aegaeon - e surpreendentemente - Qin nã o queriam um Antigo ferido
perturbado sem mais provas.
Neha se juntou a eles. — Devo concordar, — ela disse, seu rosto
contraído e nenhum sinal mais uma vez dos sá ris que sempre usou para
reuniõ es do Cadre; ela, no entanto, ostentava uma cobra fina laranja
brilhante como um colar.
A criatura mostrou a língua ao dizer: — Se reagirmos a qualquer
pequena perturbaçã o desenterrando Antonicus, ele nunca descansará .
Ela está certa, Titus disse num aparte mental para Zanaya e Alexander.
Por mais que me doa admitir.
Sim. A voz de Zanaya. Perturbá-lo quando seu túmulo está solene e
imóvel, também não consideraria isso se não tivesse a sensação de uma
terrível escuridão se aproximando.
Vai se contentar em assistir e esperar então?
Zanaya deu um pequeno aceno de cabeça, enquanto a conversa
continuava ao redor deles. E caçar, ela acrescentou. Algo está em seu
território e está chegando ao meu. Nenhum de nós pode baixar a guarda.
Se precisar de mais esquadrões ou de que eu me junte a você na caçada,
disse Alexander, só precisa pedir.
Podemos muito bem fazer isso, meu amigo. Mas, por enquanto, não há
surto. O que caçamos é uma criatura astuta.
A reuniã o terminou logo depois. Titus viu os lá bios de Neha se abrirem
antes que isso acontecesse, tinha certeza de que a Arcanjo da Índia
estava prestes a falar, mas entã o fechou a boca e desligou.
O Cadre nã o estava mais em sessã o.
CAPÍTULO 49
Antonicus deixou cair o corpo de seu ú ltimo pedaço de comida e o
sentiu, o alongamento despertando seu verdadeiro poder. O poder de
um arcanjo. Afinal.
Estava pateticamente fraco quando se arrastou para fora da sepultura
fria em que seus chamados irmã os o sepultaram. Mas ainda era
inteligente, nã o era? Nã o fez um show disso, usou os lamentáveis
lampejos de poder que restaram para abrir um tú nel até o oceano antes
de nadar de volta à praia para recuperar suas forças.
Nenhum vestígio de perturbaçã o. Nenhum sinal de um despertar para
alertar o inimigo.
Ainda podia sentir a á gua gelada entrando em sua boca e nariz,
envolvendo sua mã o gelada em volta de sua garganta, queimando seus
olhos. O frio foi imenso. Sabia disso... mas nã o sentiu muito isso.
Também nã o se afogou. Nã o morreu.
Porque você já está morto, Antonicus. Um sussurro do fundo de sua
psique.
Empurrando as duas mã os pelo cabelo, ele rugiu um “Não!” para a
floresta silenciosa ao seu redor, enquanto sua vítima se contorcia
abaixo.
Removendo sua espada, cortou a cabeça da comida. Antonicus teve o
cuidado de acumular sua energia, apenas fazer um certo tipo de
renascido.
Foi... perturbador a princípio, quando sentiu o desejo de compartilhar a
escuridã o nociva interior, criar outros como ele. Teve flashes de
criaturas trô pegas e irracionais, imagens de um arcanjo cujo poder era
a morte. E foi aí que entendeu: isso era poder. E nã o era uma das
criaturas cambaleantes de Lijuan; nã o, Antonicus era um arcanjo.
Aquela cadela nã o o fez renascido.
Ele roubou o poder dela, tornou-se um mestre dos renascidos.
Mas os renascidos de Antonicus eram melhores. Mais fortes, mais
inteligentes, mais rá pidos. O fraco que acabou de se alimentar nã o era
um de seus escolhidos, nã o era digno de renascer. Seu ú nico propó sito
era empurrar Antonicus para o limite da energia.
Ele nã o mentiria. Preocupava-o quando os elementos nã o refletiram
seu despertar, embora o silêncio fosse vantajoso para ele. As á guas nã o
ferveram, o céu nã o se alterou para o tom das flores escuras de violeta
que seu povo semeou em todas as suas terras em homenagem ao seu
arcanjo.
Isso o fez questionar a si mesmo, questionar o que era... mas agora
sabia que simplesmente despertou cedo demais. Seu poder precisava
de um pouco mais de tempo para se recuperar aos níveis apropriados
para um arcanjo.
Ele limpou sua espada no homem morto, entã o a deslizou na bainha em
suas costas. Pelo menos nã o teve que adquirir isso; os outros o
sepultaram com o que estava vestindo no dia de sua...
Sua mente zumbiu, cortando as imagens.
Ele nã o as perseguiu, uma parte dele consciente de que nã o queria ver
as coisas que viu naquela noite, muito menos ouvir os gritos do
pesadelo.
Uma vez, seu coraçã o pode ter batido pelo pensamento, mas hoje, seu
peito estava em silêncio.
Ignorando essa estranheza, flexionou a mã o e sorriu ao ver o rastejar de
poder sob a delicadeza tingida de verde de sua pele. Este era o seu
verdadeiro despertar. Seus poderes arcangélicos nã o desapareceram
afinal, como os outros logo veriam.
Antonicus, Arcanjo de uma cidade lendá ria chamada Elysium,
ressuscitou.
CAPÍTULO 50
Estranho como o tempo se movia lentamente quando estava longe de
sua Zani.
Agora, finalmente, chegou a hora em que Alexander a veria novamente.
Seu neto havia, nesse ínterim, assumido um posto num dos
fortes de Titus para aprender um conjunto específico de habilidades de
um guerreiro estacionado lá .
Foi entã o que Alexander e Zanaya decidiram que se encontrariam em
sua fortaleza. Isso daria a Xander tempo suficiente para chegar até eles,
ficar e depois voltar antes que sua licença acabasse. Mas Alexander
pretendia precedê-lo por um dia.
Precisava desse tempo para estar com sua consorte.
Os céus eram de um azul cerú leo quando decolou — o tom tã o puro e
tã o profundo que o lembrou dos olhos de Callie. Também o lembrou do
filho que teve com Nadiel.
Dois arcanjos apaixonados.
Isso poderia ser feito.
A histó ria de amor de seus amigos durou incontáveis geraçõ es mortais,
terminando apenas por causa da descida de Nadiel à loucura.
O que Alexander nunca disse a Caliane foi que - e estava bem ciente de
que Zanaya teria levantado uma sobrancelha irô nica se estivesse
acordada -
ele tentou convencer Nadiel a dormir. Mas em sua defesa, só fez isso
porque vislumbrou sinais do declínio sutil de Nadiel. — O sono existe
por uma razã o,
— ele disse num esforço para fazer seu amigo e companheiro arcanjo
interrogar seu pró prio comportamento. — Você nã o perderá nada
entrando nele.
Mas Nadiel foi intratável. Nã o sendo um homem propenso à raiva, riu
das preocupaçõ es de Alexander, deu-lhe um tapa no ombro e disse-lhe
para nã o ser “um Antigo tã o sombrio”. Tã o jovem e vibrante ele foi, com
seu cabelo de ouro mogno e olhos de um verde vital misturado com um
leve toque de azul, seu coraçã o transbordando de coragem. Raphael
podia ter herdado sua coloraçã o de Callie, mas suas feiçõ es eram uma
marca de seu pai.
Tanto que, à s vezes, se perguntava como Callie podia suportar.
Mas entã o... Xander carregava tantos ecos de Rohan em seu rosto e seus
modos. Alexander o amava ainda mais por isso, por ser um pedaço vivo
de seu filho. Devia ser o mesmo para Callie.
Estava pensando que talvez ele e Zanaya deveriam discutir uma
pequena reuniã o com seus amigos no futuro, quando o céu começou a
escurecer acima dele. Alexander fez uma careta. Podia lidar com o frio e
a umidade como qualquer outro anjo, mas isso nã o significava que
gostasse.
Especialmente porque estava usando seu conjunto favorito de couro,
preto com detalhes de prata nos fechos e fivelas.
Seu terceiro deu uma olhada nele e disse: — Indo namorar, senhor? —
um brilho no castanho esverdeado de seus olhos.
Alexander estava pronto com sua resposta. — Lemei mencionou que as
flores favoritas da general Keemat sã o narcisos. Caso tenha interesse
nesse conhecimento.
Valerius, atarracado e contido e nã o propenso a demonstraçõ es de
emoçã o, exceto com seus íntimos, realmente começou a ficar vermelho
sob o tom naturalmente pá lido de sua pele. — Você deveria decolar
agora, —
ele murmurou enquanto puxava a gola de sua tú nica. — Vá
impressionar Lady Zanaya com seu esplendor de alfaiataria e me deixe
em paz.
Alexander preferiria fazer exatamente isso do que aparecer na casa de
Zanaya enlameado pela chuva.
Mas o céu nã o se tornou o matiz machucado das nuvens pesado com a
chuva. Ficou um verde doentio, feio e pú trido... e uma reminiscência de
como a pele de Antonicus parecia quando o enterraram.
A vida em processo de apodrecimento.
Parando, pairou no céu, olhou primeiro para o leste, depois para o
oeste, depois para o norte e depois para o sul.
O céu inteiro estava doente.
Com o estô mago apertado, se virou e retomou sua jornada na maior
velocidade possível. Zanaya estava esperando por ele no telhado de sua
fortaleza e assim que ele pousou, ela disse: — É mundial. — Com os
lá bios apertados, ela acrescentou: — Titus viu primeiro, pediu para
iniciar uma reuniã o. Enviei uma mensagem que você estava a caminho,
entã o ele está adiando.
Com o couro cabeludo ú mido de suor e as asas doendo, Alexander
assentiu. — Vamos lá .
Mas quando os rostos começaram a aparecer na tela, dois do Cadre
continuavam desaparecidos. Foram, no entanto, substituídos por duas
pessoas que nã o eram arcanjos, mas que tinham o direito de falar no
lugar dos dois arcanjos desaparecidos.
— Elijah voou para o marco, — disse Hannah, consorte do Arcanjo da
América do Sul, ele que também se tornou conhecido como Rei da
Alcatéia apó s a Cascata. — Em termos absolutos, está localizado mais
pró ximo do
marco, pode tornar a jornada mais rá pida.
Hannah, uma artista de grande renome, tinha uma mecha de tinta verde
e branca nos cachos pretos apertados de seu cabelo e uma mecha
menor de azul-celeste contra a pele de ébano de seu pescoço. Usava o
p p ç
que parecia ser um avental branco de pintura sobre o qual se erguiam
os arcos das asas creme escuro. O avental estava salpicado de pigmento,
testemunha silenciosa da velocidade com que as coisas aconteceram
naquele dia sombrio. — Ele acreditava que era importante fazer isso de
uma vez.
Os olhos cinza-prateados de Elena Deveraux estavam firmes diante de
tanto poder quando ela disse: — Raphael fez o mesmo - estava indo
para uma reuniã o com o Arcanjo Elijah quando o céu mudou, entã o nã o
estará muito atrá s dele.
Com aquele cabelo quase branco puxado atrá s numa trança apertada e
sua parte superior do corpo vestida com uma jaqueta de couro preta,
sua expressã o sombria, poderia ser um anjo guerreiro experiente de
muitos séculos de idade. — Raphael nã o queria que o Arcanjo Elijah
ficasse sozinho se houvesse a possibilidade de que o Arcanjo Antonicus
pudesse estar subindo.
Ninguém discordou das açõ es de nenhum dos arcanjos.
— Isso nos deixa sem razã o para esta reuniã o, — Neha disse, sua voz
curta. — Vamos nos reunir novamente quando Elijah voltar.
Alexander considerou a outra arcanjo. Seu mestre de espionagem
repassou rumores sobre o crescente afastamento de Neha de sua corte,
e Alexander se perguntou se a Rainha da Índia era tã o curta com eles
porque a ressurreiçã o de Antonicus interromperia seus planos de
dormir.
Se, como os sinais indicavam, o Antigo ressuscitou, ele nã o poderia
estar de forma alguma saudável. A sombra feia do céu nã o era de forma
alguma parecida com o roxo profundo que anteriormente anunciou sua
presença. O melhor cená rio era que estivesse totalmente mentalmente
presente, apenas fisicamente danificado. Com isso, poderiam trabalhar;
mas se carregasse feridas no nível mental... isso poderia ser mortal.
Os arcanjos tinham muito poder para empunhá -lo com qualquer coisa
além de controle de ferro.
Quanto a Neha, nã o era difícil ver sua exaustã o. Sua dor.
Ele podia nã o ter entendido sua angú stia antes de perder Rohan, mas o
homem que era hoje sabia o que acontecia com uma pessoa quando
perdia um filho. A filha de Neha nunca voltaria, assim como Rohan
nunca voltaria. Mas onde Alexander tinha um neto, uma memó ria viva
de seu amado menino, Neha nã o recebeu tal graça.
Nã o. Ele franziu a testa. Neha tinha uma sobrinha, nã o tinha? Uma que
ela criou? Sim, se lembrou dela agora. Princesa Mahiya. Um anjo
adorável e com asas tã o deslumbrantes quanto o leque de um pavã o.
Claramente, havia coisas que nã o sabia sobre o relacionamento de Neha
e Mahiya se Neha estava tã o sozinha em sua dor quanto o espiã o de
Alexander havia relatado.
Em voz alta, ele disse: — Existe algum risco de ser um dos outros
Adormecidos?
Caliane balançou a cabeça. — Consultei Jessamy desde que os céus
mudaram. Ela diz que a Biblioteca nã o tem registro de um despertar tã o
perturbador para qualquer outro arcanjo em nossa histó ria.
Ela apertou a mã o ao redor do punho da espada que usava em seu
quadril, sua tú nica sem mangas de um creme desbotado e suas calças
de couro do mesmo tom. — Arcanjos acordam de inú meras maneiras,
mas os sinais sã o sempre uma maravilha e beleza. Isto é... sujo de uma
maneira que faz os mortais choramingarem e se esconderem e os
imortais fazerem o mesmo.
— Também nã o é um daqueles que entraram no Sono com Cassandra,
— Suyin disse em sua voz calma, enquanto Elena Deveraux se abaixava
para o lado como se estivesse ouvindo outra pessoa. — Apenas
Antonicus foi ferido de uma forma que se relaciona com essas cores.
— Nenhum dos outros estava nem perto de acordar quando me
levantei, — acrescentou Zanaya.
Elena Deveraux voltou toda sua atençã o para a reuniã o. — Nosso
esquadrã o líder acabou de sobrevoar a á rea onde o fogo de Cassandra
abriu no territó rio – eles nã o relatam distú rbios, — disse ela. — Nó s
entendemos que seu comportamento passado nã o é um preditor de sua
localizaçã o, mas parecia uma boa ideia confirmar.
Alexander assentiu, apreciando bem a cautela da consorte de Raphael e
da Torre.
— Entã o Neha está certa. — Isso veio de Aegaeon. — Nos encontramos
novamente apó s o retorno de Elijah.
Alexander nã o perdeu o fato de que Aegaeon nã o mencionou Rafael.
Nã o exatamente uma surpresa; Aegaeon continuava a ser humilhado
por seu filho ter escolhido servir ao Arcanjo de Nova York em vez de se
juntar à corte de seu pró prio pai. Alexander estava em plena simpatia
com o jovem Illium. Porque onde Aegaeon desperdiçou o amor de seu
filho, Raphael ganhou a lealdade do poderoso jovem anjo.
Agora, o Antigo foi um dos primeiros a desaparecer depois que
concordaram com o intervalo.
Titus permaneceu na tela depois que todos os outros seguiram o
exemplo. — Alexander, Zan, — ele disse. — Nã o tivemos sinais da
ameaça renascida nas ú ltimas duas semanas. Pode ser que a criatura
original tenha voltado a se esconder ou tenha morrido da mesma
maneira doentia que alguns dos renascidos que ela fez.
Ao lado de Alexander, Zanaya franziu a testa. — Nã o acha mais que é
Antonicus. — Uma afirmaçã o.
— Com o céu mudando de cor agora... — Titus deu de ombros. — Os
sinais nã o deveriam estar presentes antes se fosse ele?
Era uma boa pergunta. — Você o sente como sentiu antes de voarmos
para o marco? — Alexander perguntou a Zanaya, ciente de que ela
compartilhou sua habilidade desconcertante com Titus.
Ela fez uma careta. — Nã o, nã o como entã o... mas continuo a ter
fragmentos aleató rios de sensaçõ es. Sempre apontando na mesma
direçã o.
— Olhando para Titus, ela disse: — Eu pediria, meu amigo, que você
nã o diminua sua vigilâ ncia.
— Nunca, — Titus prometeu. — Nã o até que você confirme que nã o
sente mais nada. Porque mesmo que nã o seja Antonicus, parece ser um
renascido perigosamente inteligente. — Ele olhou para a esquerda. —
Posso ver o céu pela minha janela. Parece estar clareando da cor
amaldiçoada.
Poderia voar e sacudir o nervosismo das minhas asas.
— Vamos conversar de novo, Titus, — disse Zanaya.
Alexander acenou um adeus para seu amigo, disse: — Vamos esperar
que Elijah e o jovem Rafe tenham boas notícias para nó s.
Depois que terminaram a conversa, Zanaya se virou para ele. — Jovem
Rafe?
Estremecendo, ele pressionou a ponte do nariz entre o polegar e o
indicador. — Tento nã o fazer isso, e geralmente só sai em conversa com
amigos. Nã o consigo parar de pensar nele como o garoto travesso de
Callie –
ele uma vez voou para minha fortaleza do Refú gio e se infiltrou nela.
Era um bebê na época.
Risos de Zanaya. — Oh, deve me contar essa histó ria. Por que ele fez
isso?
— Porque decidiu se colocar num desafio. — Com as mã os nos quadris,
Alexander balançou a cabeça, entã o, enquanto os dois caminhavam lado
a lado para os aposentos de Zanaya, ele contou a ela a histó ria completa
da busca de Raphael. — Ele era um menino inteligente e destemido.
Sempre gostei dele. — O que era parcialmente porque estava tã o
mortificado pelo que quase fez antes de seu Sono.
— Nadiel e Caliane, — continuou ele, — o criaram com amor, mas
também o ensinaram a ser inteligente e autossuficiente. Com os dois
incapazes de viver sempre juntos, o menino estava bem acostumado a
trocar de fortalezas e cortes, e acho que isso lhe deu uma flexibilidade
de pensamento que muitos de nossa espécie nã o têm. Ele também era
intrépido – começou a voar sozinho entre as duas cortes por volta dos
setenta anos de idade.
Zanaya engasgou. — Tã o jovem? Nadiel e Caliane eram vizinhos como
você e eu?
— Nã o. Estavam separados por dois outros territó rios. — Os lá bios de
Alexander puxaram para cima. — Um deles era meu, e o outro estava
sob o reinado de outro aliado. Digamos apenas que o menino teve uma
escolta discreta nos primeiros anos, até que ficou claro para nó s quatro
que ele podia ser confiável para seguir as regras - e que era capaz de
pensar rá pido se atingisse uma tempestade inesperada ou algo
semelhante.
— Isso me faz perceber uma coisa, — Zanaya disse com uma carranca.
— Nã o conheci nenhum arcanjo quando criança antes de sua ascensã o.
Posso ver como você teria problemas com a transiçã o. — Ela empurrou
a porta de sua suíte com isso.
Como sempre, era um lugar de tecidos de pelú cia e arte, o ar docemente
perfumado. Mas nã o havia nada de pesado nisso. Os tecidos que ela
preferia eram macios e encantadores para a pele, a arte trazendo o
exterior para dentro: pedaços da Á frica capturados em tela, esculpidos
em madeira polida para brilhar ou tecidos feitos com o maior cuidado.
Uma vela queimava num suporte de vidro, uma planta verde pró spera
estava em outro, enquanto um pequeno gato branco pulava do
parapeito da
janela para pegar os animais de estimaçã o de sua dona. A criatura
furtiva se dignou a esfregar seu corpo contra a perna de Alexander
antes de sair da sala. — A Rainha do Nilo e seus familiares, — ele
murmurou com um sorriso, bem acostumado com o jeito que ela
sempre tinha um gato ou um cã o – e uma ou três vezes, um falcã o.
Um sorriso quando ela fechou a porta atrá s do gato. — Nã o tenho ideia
de onde ela veio, mas decidiu que eu sou aceitável. O nome dela é
Duquesa. Agora, general, tire a roupa.
Bem pronto para sair de sua roupa suada, Alexander começou a fazer o
que foi ordenado. Estava estendendo a mã o para desafivelar a bainha
da espada quando Zanaya congelou, entã o pegou sua mã o esquerda e a
levantou. — O que é isso? — Uma pergunta suave, a ponta de seu
polegar roçando o anel de ô nix e â mbar fundidos que ele usava em seu
dedo.
— Um anel que eu deveria estar usando por eras. — Respirando fundo
e trêmulo, ele disse: — Vai me perdoar, Zani? Nunca quis te machucar,
mas o fiz, e por isso, nunca vou me arrepender o suficiente.
Demorou muito para entender que sua maneira de pensar nã o era a
ú nica. — Mas saiba disso – foi o ú nico item além de minhas armas e
minhas roupas que levei comigo para o Sono. Assim estaria seguro,
protegido conforme as estaçõ es e os séculos passassem. Mesmo esse
guerreiro teimoso nã o era um idiota total.
Zanaya nã o falou por tanto tempo que sentiu seu coraçã o cair. Entã o ela
levantou a cabeça, seus olhos brilhando daquele jeito que ficavam
quando estava segurando emoçõ es fortes. Embora ela nã o falasse, levou
a mã o dele aos lá bios e deu um beijo carinhoso em seu anel.
Suas pró ximas palavras foram pragmá ticas... mas ela tocou seus dedos
em sua mandíbula numa carícia doce. — Vou pedir comida na cozinha
para que você possa reabastecer depois do voo, e as roupas que você
enviou estã o ao lado das minhas no guarda-roupa.
Alexander só queria se enredar com ela, mas sabia que ela estava certa.
Tinha que estar totalmente pronto para o caso das piores notícias dos
dois arcanjos que voaram para verificar o marco.
Os tambores de guerra ainda podiam soar novamente.
Mas... — Elijah e Raphael têm horas para voar, e nem Titus nem seu
povo relataram quaisquer distú rbios preocupantes, — ele murmurou, e
estendeu a mã o para ela. — Nã o podemos roubar apenas um momento
desse tempo?
CAPÍTULO 51
— Alexander. — Um ronronar de som contra os seus lá bios quando ela
permitiu que a puxasse para perto, permitiu que soltasse os dois fechos
em seu curto xale verde-gelo, permitiu que corresse uma mã o sobre a
suave pele escura enquanto a segurava com o outro braço.
— Você está vestindo renda, — disse ele quando seus dedos roçaram o
tecido preto macio que escondia seu sexo dele.
Riso rouco. — Estava bem preparada para ficar nua, mas acho que
gosto dessa espuma moderna. Cada uma é igualmente bonita e inú til e
eu reuni uma coleçã o delas.
Sorrindo porque a adorava em todos os sentidos, se mexeu para poder
rolar a roupa de baixo pelos quadris e pelas pernas. — Já que sã o tã o
queridos para você, nã o vou arrancá -los como um lobo faminto. — Nã o
era grande coisa ficar de joelhos na frente dela para que pudesse
terminar de se despir.
Estavam além desses jogos de poder mesquinhos, ele e sua Zani. Ela
ficava de joelhos na sua frente também, fazendo coisas com ele com
aquela boca exuberante que destruía todo o senso de razã o e o
transformava em nada além de um ser irracional que ansiava pelo
prazer que ela poderia lhe dar.
Hoje, ela levantou um pé e depois o outro para ajudá -lo a remover o
pedaço de renda. Esmagando-o na mã o, o ergueu até o nariz e respirou
fundo. Ela engasgou seu nome mesmo quando o cheiro de seu almíscar
o ingurgitou perto da dor. — Sempre, — disse ele, inclinando-se para
dar um beijo na junçã o de suas coxas, — você sempre foi meu vício.
Os dedos dela em seu cabelo, suas asas batendo inquietas.
Foi uma coisa simples separar as coxas dela quando deixou cair a renda.
Era ainda mais simples abri-la com a língua, saborear o seu nú cleo
líquido. Ela estremeceu, agarrou seu cabelo com mais força. Agarrando
a parte detrá s de uma coxa curvilínea com a mã o, a segurou no lugar
para sua exploraçã o, sua sede por ela era uma coisa que vinha
crescendo era apó s
era apó s era.
— Alexander.
O tremor em sua voz quando disse o seu nome apagou todos os
pensamentos estranhos, seu ú nico objetivo era o prazer. Ele tinha tanto
conhecimento de seu corpo, como ela tinha do dele, e usou todo esse
conhecimento para levá -la a uma liberaçã o trêmula, entã o a pegou em
seus braços para carregá -la para a cama.
Ela sorriu para ele, sua mã o subindo para correr pelo seu cabelo.
A suavidade do momento, a ternura que nã o permitiu a nenhum outro
em sua vida, parou seu coraçã o.
Quando a deitou na cama coberta pelos lençó is do pô r do sol, as cores
passando do laranja ao creme, foi com igual ternura. Ele nã o se
escondeu dela de forma alguma enquanto terminava de se despir – e
nã o tinha nada a ver com o físico. De todas as pessoas neste universo,
era Zanaya quem o conhecia por baixo da pele e por cima.
Todos os seus defeitos.
Todos os seus dons.
Todos os seus erros.
E ainda ela abriu os braços e o abraçou quando veio sobre ela, suas asas
abertas sobre eles. Olhos suaves, ela correu a ponta dos dedos sobre a
parte inferior sensível de um arco superior, fazendo-o silvar com o
pulso que disparou diretamente para seu pênis.
— Sempre de alguma forma esqueço como suas asas sã o muito bonitas,
amado, e entã o vejo você de novo.
Alexander nã o era um homem vaidoso. A força sempre foi mais
importante para ele do que a aparência, mas descobriu que era vaidoso
quando era Zanaya. — Farei truques do céu para você, como fiz quando
criança arcanjo. — Brincando com ela de uma maneira que nã o faziam
há milênios antes de seu sono. — Você pode agir como uma donzela e
me admirar.
Sua risada era a luz do sol sobre a pele dele. — Espero truques de voo
muito melhores agora, pois você teve séculos e séculos para praticar. —
Curvas redondas em suas bochechas, seu sorriso uma luz em seus
olhos.
— Para você, Zani, aprenderei tais truques aéreos que me colocarã o nos
livros de histó ria e me chamarã o de Alexander, Arcanjo das Acrobacias
Aéreas.
Ela ainda estava rindo quando ele a beijou, o contato íntimo além do
suportável. Atingiu seu coraçã o, fez com que se expandisse e se
expandisse, tã o grande que nã o sabia como poderia ser contido em seu
peito.
Entã o ela estava acariciando suas costas, envolvendo as pernas ao redor
de sua cintura, e tudo que sabia era ela, tudo que sentia era ela. —
Zani, minha Zani.
*
Zanaya esteve na cama com Alexander muitas vezes ao longo de sua
longa histó ria. Seus despertares favoritos sempre foram ao seu lado...
mas nunca disse isso a ele, percebeu. Nã o queria dar a ele esse poder,
nã o queria que soubesse o quã o importante era para ela.
Loucura.
— Espero acordar ao seu lado de novo e de novo, amado, — disse ela,
virando-se para olhá -lo enquanto estavam deitados lado a lado. —
Essas auroras sã o sempre as mais belas.
— Sim, — ele disse simplesmente e com o poder potente do general
que sempre seria, nã o importava quantos outros títulos usasse. —
q p p q
Precisamos descobrir exatamente quanto tempo podemos ficar juntos
antes que nossos poderes comecem a nos separar.
Franzindo o cenho, Zanaya disse: — Já sabemos disso. Mais do que uma
volta da lua de contato constante nos coloca no limite.
— Caliane e Nadiel conseguiram por mais tempo, — ele disse a ela. —
Eles também trocaram de territó rio no meio de cada período “seguro”,
para que nenhum dos dois ficasse sem seu arcanjo por muito tempo. E,
ao contrá rio deles, somos vizinhos, podemos nos encontrar para visitas
mais curtas com mais regularidade. Devemos fazer testes, encontrar o
melhor ritmo para nó s.
A esperança floresceu dentro dela. Todos sabiam que dois arcanjos nã o
podiam viver juntos sempre. Era uma lei natural. Ouvir que podiam se
ver com mais frequência... — Vai me contar sobre Nadiel? Sinto-me
perdida por nã o conhecer um elemento tã o importante da histó ria de
Caliane.
— Venha, — disse ele, um eco da velha tristeza em sua voz. — Vamos
conversar enquanto tomamos banho.
Como um de seus funcioná rios encheu a banheira depois que Alexander
voou e só tiveram que encher com á gua quente, logo estavam
afundando no calor. Ela se juntou a ele, entã o pegou uma jarra e
derramou á gua na cabeça dele para que pudesse esfregar o cabelo e o
rosto. Depois que isso foi feito, ele começou a limpar metodicamente o
resto de seu corpo e contar a histó ria de dois arcanjos que se
apaixonaram.
— Ele era jovem no grande esquema das coisas, — disse Alexander, —
mas era poderoso – e era um guerreiro que eu respeitava, apesar de
muitas vezes competirmos pela atençã o de Callie.
Zanaya levantou uma sobrancelha onde se ajoelhou na á gua na sua
frente. — Algo mudou enquanto eu dormia?
— Nã o. Caliane sempre foi amiga e compatriota. Suponho que fiz isso
por um tipo diferente de ciú me – o de um amigo que vê sua amiga
prestando mais atençã o em outro. — Ele olhou para cima. — Mais
ainda porque minha pró pria amante dormiu.
Zanaya pegou a borda ali. — Nã o, general, nunca vou tolerar sua raiva
nesse ponto. Te dei uma escolha. Você fez a sua e eu fiz a minha. — Ela
suavizou sua repreensã o com um beijo. — Nunca avançaremos se
olharmos apenas para o passado.
Seu consorte, o homem que liderou incontáveis exércitos na batalha,
sustentou seu olhar com um olhar implacável... que suavizou até que
deu um suspiro á spero. — Estou cometendo os mesmos erros, nã o
estou, Zani?
Sendo obstinado e inflexível.
Desacostumada a tal falta de confiança dele, Zanaya podia ter lutado
para encontrar uma resposta - exceto que ele já havia dado a ela
quando falou. Ela pegou a mã o em que ele usava seu anel, passou o
q p g q p
polegar sobre a suavidade do ô nix e do â mbar. — O Alexander que eu
conhecia antes de dormir nunca admitiria que poderia ser falível.
Segurando sua bochecha, ela pressionou sua testa na dele. — Nem eu.
Nó s dois estávamos dispostos a nos quebrar para conseguir nosso
pró prio caminho. Desta vez, nã o estou disposta a nos quebrar. — Foi
uma arma que ela deu a ele, esse conhecimento.
Mas ele a segurou perto e tomou sua boca num beijo tã o profundo e
sem limites que quebrou seu coraçã o. — Nunca mais, Zani. — Seu corpo
grande e musculoso tremia, sua pele escorregadia com a á gua e suas
asas brilhavam. — Nó s conquistamos nosso direito de acertar desta
vez, mas
agora Antonicus pode estar se levantando e trazendo de volta o mesmo
mal que quase levou você.
— Meu amor. — Ela beijou o lado de seu rosto, sua mandíbula, seus
lá bios, tentando compensar a dor que ela inadvertidamente lhe causou.

Sinto muito que teve que me ver cair. — Ela sabia exatamente como
ficar impotente para ajudá -la o afetaria.
— Você estava tã o quebrada, Zani. — As palavras saíram irregulares,
sua respiraçã o travada. — Tã o pequena e tã o... — Ele mordeu o resto do
que estava prestes a dizer, mas ela ouviu as lá grimas que ele se recusou
a permitir que caíssem.
Seus pró prios olhos ficaram ú midos, as lá grimas se misturando com a
á gua do banho. E era ela que o segurava agora, ela que confortava este
arcanjo de guerra e coragem. — Nó s vamos fazer isso desta vez, amado,

ela sussurrou. — O mal de Lijuan nã o nos separará novamente. — Foi
um juramento.
*
Alexander sentiu-se nu até o â mago quando saiu do banho e vestiu uma
simples tú nica sem mangas num tom creme, combinada com as calças
de um conjunto de couro marrom. A sensaçã o de vulnerabilidade mais
íntima o deixou querendo atacar, querendo erguer paredes, escudos
para se proteger. Criar uma guarda de frente para defender seu flanco.
Lutar contra esse desejo levou tudo que ele tinha.
Ela era sua consorte, tinha todo o direito de estar dentro de suas
paredes protetoras. Nunca a empurraria para fora.
Zanaya sorriu para ele, já vestida com um xale preto-azulado brilhante
preso por um fecho de joias em seu ombro e outro em seu quadril. O
prateado violeta de seu cabelo era uma queda pelas costas que ela
afastou do rosto com pentes cravejados de diamantes, sua pele
brilhando com saú de.
— Você é adorável, — ele murmurou. — Um pedaço de noite estrelada
ganhou forma.
— Você sempre foi um encantador, — disse ela, aproximando-se para
ficar na ponta dos pés e beijá -lo.
Ninguém mais o considerou encantador, nã o dessa maneira. Mas talvez
fosse porque ela era a ú nica pessoa que já pensou em encantar. —
Certifique-se de dizer isso ao meu neto quando ele chegar. Muitas vezes
acho que ele acredita em mim como um anciã o sem nenhuma
habilidade com mulheres.
Riso rouco. — Ah, ele é jovem. Nã o conhece o valor de uma safra rara e
envelhecida. — Uma pequena mordida em sua garganta antes que seu
rosto ficasse solene. — Devemos fazer um plano no caso de Antonicus
ter ressuscitado e nã o ser quem era antes. Nó s dois devemos estar na
mesma pá gina.
— Sim, — Alexander disse sem hesitaçã o, e entã o deixou de lado sua
arrogâ ncia e tomou a açã o mais ló gica. — Você deve ser a líder, Zani.
Tem uma conexã o com ele que é uma vantagem.
Zanaya olhou pelas grandes janelas à direita. — Espero que sim, amado.
Mais, espero que estejamos todos errados, que Antonicus dorme e o
que vimos nã o passou de um estranho fenô meno natural, um resquício
final de uma terrível Cascata.
No entanto, podia dizer pelo tom dela que nã o acreditava nisso mais do
que ele. Movendo-se para ficar ao seu lado, suas asas se sobrepondo,
olharam para a rica luz dourada do final da tarde... mas viram apenas
um horror que se aproximava rapidamente.
CAPÍTULO 52
Raphael alcançou Elijah nã o muito tempo depois que o Arcanjo da
América do Sul aterrissou no marco de Antonicus. Dificilmente uma
surpresa quando Elijah estava voando em direçã o à fronteira para o
encontro ao mesmo tempo que Raphael; nã o podiam estar tã o
distantes, e - graças a um dom remanescente da Cascata - Raphael era
agora um voador mais rá pido do que qualquer outro arcanjo no mundo.
Este ú ltimo nã o o tornava mais poderoso do que Eli, no entanto. Cada
um deles tinha talentos ou habilidades pró prias que mantinham o
Cadre em equilíbrio. Eli, por exemplo, sempre teve uma mente capaz de
uma estratégia tã o afiada que até mesmo o segundo igualmente
talentoso de
Raphael era conhecido por lhe dizer para nunca ir à guerra com seu
vizinho mais pró ximo.
— Nã o posso prometer que vamos vencer, — Dmitri disse, seus olhos
escuros brilhando. — Eli pensa dezessete movimentos à frente. Deve
ter sido um general infernal em seu tempo.
Já que foi Caliane quem Elijah chamou de sua suserana antes de sua
ascensã o, Raphael tinha uma excelente ideia de quã o bom general o
outro homem foi. Também conhecia a profundidade da capacidade de
lealdade de Elijah - demorou um pouco para entender, para entender
que Eli nunca o apunhalaria pelas costas, literal ou metaforicamente,
mas talvez isso fosse uma liçã o de idade.
Agora que aprendeu, nunca desperdiçaria o presente.
— Eli, — ele disse, seu coraçã o batendo com o esforço de seu voo
quando desceu ao lado de seu amigo. — Algum sinal? — Ele nã o viu
nada do ar.
— Sabia que você estaria logo atrá s de mim. — Elijah enfiou a mã o no
cabelo dourado escuro de suor. — Fiz uma caminhada completa e
vá rios voos de um lado para o outro. — Sua mandíbula apertou, o
branco puro de suas asas se misturando contra o fundo nevado. —
Nenhum sinal de um despertar arcangélico comum.
Fragmentos de pedra, pedras jogadas, metais derretidos, a ilha inteira
destruída para afundar no oceano, qualquer uma dessas coisas seria
um sinal claro de que um arcanjo surgiu aqui. — Nã o podemos ignorar
os céus.
— O suor que escorria pelas costas de Raphael começou a se
transformar em gelo - estava feliz agora que ouviu Elena e usava uma
peça de roupa que ela deu a ele.
— Ela vai absorver o suor, secar rapidamente e mantê-lo aquecido no
rescaldo, — ela disse a ele. — Os caçadores usam quando vamos a á reas
frias.
De manga comprida e preta, com fendas nas asas embutidas, ajustava-
se perfeitamente ao seu corpo. Ele usava um colete de couro forrado
sobre ele - uma peça de roupa que quase arrancou e jogou de lado no
voo para cá , mas agora apreciava. Sempre se esquecia do frio brutal
deste pedaço do mundo.
— Teremos que desenterrar Antonicus. — A voz de Elijah era sombria.
— Nã o sugiro isso facilmente…
— Mas deve ser feito, — Raphael completou, pois nã o queria que seu
amigo e aliado acreditasse que entrou sozinho nessa decisã o. —
Ninguém pode discutir conosco. Nã o depois da mancha biliosa nos céus
de todo o mundo.
— Teremos cuidado, — Elijah murmurou. — Vai demorar mais do que
se abrirmos, mas se ele estiver lá , e formos muito duros corremos o
risco de causar mais lesõ es a ele.
Rafael assentiu. — Concordo. — Antonicus pode ser um asno
insuportável, mas cumpriu seu dever como arcanjo e merecia sua
consideraçã o.
Os dois começaram a trabalhar, sem falar, exceto quando necessá rio.
Este nã o era o momento para conversa fiada ou mesmo conversa
amigável.
O trabalho foi mais rá pido do que esperavam e logo se viram olhando
para a mistura de rocha quebrada e solo congelado abaixo da qual
colocaram Antonicus para descansar.
— Eu deveria fazer isso, Rafe. Sou mais velho, menos propenso a ser
alvo de certos outros no Cadre.
Mesmo que Eli conhecesse Raphael quando criança, entã o um menino,
nunca escorregou e o chamou de seu apelido de infâ ncia depois que
Raphael se tornou um arcanjo. O fato dele fazer isso agora deu a
Raphael uma visã o da tensã o por trá s da expressã o fria de seu
companheiro arcanjo. — Nã o, Eli, fazemos isso juntos. Unidos.
Um olhar para ele com olhos castanhos dourados antes de Elijah
assentir.
E usaram seu poder para erguer a terra fria e pedregosa abaixo da qual
deveria estar um arcanjo.
CAPÍTULO 53
Alexander rastreou Zanaya até sua biblioteca depois que terminou de
falar com Xander; ela estava com as portas abertas para a noite amena,
examinava um mapa detalhado de seu novo territó rio. Seu cabelo era
chuva violeta sob as luzes do teto, suas asas escuras de veludo e
apertadas em suas costas com controle guerreiro.
— Meu neto continua com a intençã o de voar para nó s amanhã , —
disse a ela. — Diz que sua licença nã o foi revogada, pois nã o há surto
incontrolável ou qualquer sinal real de problemas. — Ele esfregou a
testa. —
Nã o posso discutir com ele –pode ser uma criança para mim, mas para
o mundo exterior, é um comandante de esquadrã o jú nior que costuma
fazer voos solo.
— Isso nã o significa que nã o vai se preocupar com ele. — Com o olhar
suave, Zanaya pegou sua mã o, apertou. — Mesmo que Antonicus ande,
o faz de forma furtiva e astuta. Nã o tem nenhuma razã o discernível para
atacar seu neto, se é que sabe que Xander existe.
Alexander franziu a testa, exalou numa onda de alívio devastador. —
Nã o, ele nã o pode saber. Nã o estava acordado o suficiente para
conversarmos muito – e nã o teria motivos para investigar minha família
por conta pró pria. Quanto ao passado, enquanto éramos cordiais
quando nossos reinados colidiram no tempo, nunca fomos íntimos ou
inimigos.
A percepçã o foi bem-vinda, mas nã o fez nada para aliviar a tensã o que o
mantinha esticado como um fio. — Acha que vai conseguir dormir antes
que tenhamos notícias de Elijah e Raphael?
Zanaya balançou a cabeça. — E fizemos o má ximo de planejamento
possível. — Seu olhar se desviou para as enormes portas da sacada
abertas para a noite que caía; os entalhes na madeira brilhavam com
manchas de tinta dourada que desbotaram e foram deixadas em seu
estado desgastado.
Combinava com todos os livros antigos contra as paredes, bem como o
tapete bem gasto feito por mortais talentosos em suas pró prias terras.
— Por mais que eu despreze Charisemnon, — Alexander murmurou,
— esta sala é ao mesmo tempo quente e rica em textura e histó ria.
— Imortais sã o seres complicados, — Zanaya murmurou, entã o fez uma
careta. — Mas neste caso, ele apagou tudo que fez no passado com as
açõ es que escolheu antes de sua morte. No que me diz respeito, este
quarto pertencia a um homem que morreu muito antes de Titus acabar
com Charisemnon em batalha.
— Eu me pego pensando o mesmo com Lijuan. — Alexander ainda
podia se lembrar de como Lijuan tinha o coraçã o brilhante antes de se
tornar viciada na droga do poder. — Ela olhou para mim com estrelas
nos olhos uma vez. — Uma memó ria antiga e frá gil, uma coisa
tremeluzente que quase havia esquecido até aquele momento. — Tã o
jovem ela era, tã o séria em sua devoçã o.
— Você fez...
Alexander balançou a cabeça antes que Zanaya pudesse completar sua
pergunta. — Nã o senti nada igual por ela, Zani. Mas nã o queria
machucá -la.
Disse a ela que era muito jovem, que ignorar a diferença de nossas
idades seria um ato desonroso da minha parte.
Riso suave. — Uma resposta previsível se alguém conhecesse sua
histó ria.
Alexander a tratou com um olhar zombeteiro. — Vai guardar esse
rancor por toda a eternidade?
— Sim, até o ú ltimo segundo de nossa existência.
Rindo, ele olhou para a noite novamente. — À s vezes me pergunto, —
disse ele, o riso desaparecendo, — se ela guardava um rancor muito
mais profundo por eu nã o a ter recebido em meus braços, se foi por isso
que assassinou meu filho e sua companheira.
Seu peito inteiro doía de dor. — Mas isso é tolo e arrogante, nã o é, Zani?
Ela era jovem, teria me esquecido em breve.
— Sim, — disse Zanaya. — No final, tudo que importava para ela era
estar inchada de poder. As identidades e histó rias de suas vítimas nã o
importavam.
Alexander tinha que acreditar no mesmo, senã o enlouqueceria. —
Que desperdício do que poderia ser uma vida extraordiná ria. — Ele
ainda podia ver Zhou Lijuan como era entã o, inteligente, determinada e
bonita em sua coragem. — A jovem anjo que eu conhecia era uma
pessoa diferente.
Posso chorar aquele anjo de muito tempo atrá s com suas esperanças e
sonhos sem sentir pena da pessoa que ela se tornou.
Com os dedos tocando os dele num acordo silencioso, Zanaya disse: —
Acho que precisa do abraço do céu, amado. — Em seu tom havia um
profundo conhecimento da dor que nunca o deixaria, o nome de Rohan
tatuado em seu coraçã o. — Vamos voar?
Seu peito se expandiu com a ideia de estar no ar. Esta terra podia nã o
ser sua, mas cantava com o espírito feroz de Zanaya, mesmo depois de
tã o pouco tempo sob seu reinado. — Sim.
Decolaram juntos, voaram de ponta a ponta de asa em silêncio por um
longo tempo, uma sensaçã o portentosa de um futuro que se aproximava
sobre ambos. Embora sua fortaleza nã o estivesse localizada perto de
nenhuma grande cidade, sobrevoaram vá rios assentamentos menores,
todos iluminados em dourado enquanto os moradores conversavam,
jantavam, faziam negó cios ou tinham reuniõ es centrais.
Tal como acontecia em suas pró prias terras, o calor do dia era uma
pressã o desconfortável no momento, a primeira parte da noite muito
p p p
preferida. Ele acabou superaquecido e enervado quando correu para a
casa de Zanaya depois que os céus adoeceram – e estava no ar frio das
nuvens, bem acima do brilho escaldante da terra.
— Devemos passear pelos mercados noturnos quando tudo estiver
calmo, — disse ele à sua consorte. — Agir como fazíamos quando
amávamos nas ruas do que hoje é a velha Marrakech.
Uma rouquidã o assustada de riso. — Vai me comprar bugigangas para
meus pulsos e orelhas de novo, amado?
— Já fiz isso, Zani. Mas pretendo mantê-los como reféns até que seja a
pró xima em meu territó rio. — Olhando para baixo, nã o ficou nem um
pouco surpreso quando aqueles que viram Zanaya contra o céu noturno
pularam para acenar, seus sorrisos ó bvios mesmo de tã o longe. As
reverências que se seguiram foram profundas e reverentes, seu povo já
apaixonado pela Rainha do Nilo.
Mais assentamentos do que nã o já estavam hasteando sua bandeira, as
cores de seu reinado violeta e preto. Pela natureza caseira dessas
bandeiras, Zanaya nã o enviou um mandato. Nã o, isso veio do coraçã o
daqueles que ela governava. — Você é amada.
— Nã o, amado, eu sou nova. — Um poder silencioso para ela. — Seu
jovem amigo fez muito para lançar as bases, mas está certo ao dizer que
as pessoas acreditavam que ele continuava a sentir mais lealdade ao
sul.
Agora, essas mesmas pessoas depositam suas frá geis esperanças em
mim, olham para mim para curar o que Charisemnon quebrou.
Sempre, ela viu com uma clareza dolorosa.
— As pessoas de suas terras ou das minhas nã o estã o prontas para
outra guerra, — disse ele finalmente, pensando em todos aqueles que
perdeu para o Sono ou para pesadelos torturados. — Posso dizer o
mesmo para o resto do mundo sem temer falar uma falsidade. Alguns
dos danos estruturais só recentemente foram totalmente reparados - e
vá rios jovens imortais que foram feridos ainda lutam para se curar.
Muitas vezes os mortais nã o percebiam quanto tempo podia levar um
jovem imortal para se recuperar dos piores ferimentos. Sim, um anjo
podia crescer um braço ou uma perna, mas nã o era algo feito sem dor e
sofrimento. No entanto, também podia ver do lado mortal, afinal, os
lutadores mortais que perderam membros na guerra nunca os
regenerariam, viveriam suas vidas num corpo alterado para sempre.
— A guerra nunca é boa para ninguém. — Emoçã o potente em cada
uma das palavras de Zanaya. — Tudo que deixa para trá s é carnificina
do corpo e fraturas da mente.
— Sim, — ele disse, inundado de memó rias das fileiras de mortos
imortais e mortais, dos anjos que caíram na névoa negra de Lijuan, dos
vampiros que perderam suas vidas à beira da liberdade apó s seu século
de serviço, das crianças que Lijuan transformou numa praga
lamentável... e dos gritos lancinantes dos sobreviventes.
g
Pais. Amantes. Crianças. Amigos. Camaradas.
A guerra nã o poupou ninguém.
— Nã o acredito. — Zanaya pairou no ar, acima de uma á rvore sob cuja
ampla copa dormia uma família de guepardos, seus corpos enrolados e
caudas balançando enquanto sonhavam. — O general está concordando
comigo quando se trata de guerra?
Parando em frente a ela, com as mã os nos quadris, ele abaixou a cabeça
um pouco. — Já testemunhei muito sofrimento para ver a batalha como
algo glorioso. — Sempre antes, ele se concentrou na estratégia, na
mecâ nica da guerra. Desta vez... — Esta guerra nã o foi “limpa” em
nenhum sentido. Lijuan cruzou linhas que nunca deveriam ser
cruzadas, e fez de todos nó s seus cú mplices.
Enquanto ele vivesse, nunca esqueceria ter que matar criança apó s
criança renascida. O sangue deles o manchou, o assombraria para
sempre.
— E enquanto a guerra existir, haverá aqueles que lutam de uma forma
sem
honra. Melhor entã o, ter um mundo sem guerra.
Suavidade em sua expressã o, ela disse: — Se ao menos pudesse ser
assim, amado, — antes que ambos varressem as terras banhadas pela
luz de uma lua fértil, redonda e pesada.
Sua consorte, sua Zani, acabou levando-o a um local de pouso em um
pasto que parecia se estender por quilô metros, interrompido apenas
pela forma majestosa de um ú nico baobá ao longe. Seu tronco liso era
um peso pesado de grossura, os galhos finos no alto coroados com
folhas.
Quando ele dobrou as asas e se virou, no entanto, viu outro grupo de
á rvores nas sombras da direçã o oposta. Mais parecido com uma
pequena floresta ou floresta nascente. Adivinhou que tinha crescido em
torno de uma fonte de á gua.
Foi em direçã o a essas á rvores que Zanaya caminhou. Ele passeou com
ela, contente por estar neste tempo e lugar com ela enquanto um
pá ssaro noturno cavalgava as correntes de ar acima. Nã o uma coruja
pela forma e tamanho. Provavelmente um noitibó .
Foi Zanaya quem falou primeiro. — Você estava certo numa coisa
durante nossos debates anteriores sobre o tema da guerra – tal
violência sempre ocorrerá numa raça tã o poderosa quanto a nossa. —
Sussurros de melancolia. — É tã o inevitável quanto as chuvas de uma
monçã o ou o caos de uma cascata, uma lei da natureza que nã o
podemos alterar.
Alexander viu muitas alianças arcangélicas vacilarem ao longo dos
séculos para discutir com ela nesse ponto. Ele pegou a sua mã o, seus
dedos se entrelaçando num padrã o familiar. — À s vezes, me pergunto
se somos presas de Cascatas mais sutis. Aquelas que nunca notamos,
mas que acendem uma chama de raiva lenta sob o caldeirã o do poder
arcangélico.
Sem responder em palavras, Zanaya se mexeu de modo que sua asa
roçou a dele. E caminharam pela grama alta enquanto a lua brilhava no
alto e outros noitibó s se juntavam ao voador solo. Pequenos insetos e
criaturas se acomodavam com sua presença e logo somavam seus
ruídos, agitados e ativos, ao farfalhar da grama.
— Tive muitos nomes ao longo do tempo, — Zanaya murmurou num
ponto, os dedos de sua mã o livre arrastando sobre a grama alta. —
Talvez um dia eu seja a Rainha da Savana. Gostaria disso, eu acho.
Alexander a amaria sob qualquer nome, em qualquer de suas formas.
Caminhando com ela, nenhum dos dois com pressa, esta noite era
repousante de uma maneira que nã o experimentava há muito, muito
tempo... até que Zanaya parou de repente.
— Eu sinto isso de novo, — disse ela, esfregando a mã o em punho sobre
o peito. — Um estranho batimento cardíaco espelhado. Como se eu
estivesse ouvindo meu pulso e o de outro ao mesmo tempo.
A mã o de Alexander apertou a dela. — Qual direçã o?
Parando, Zanaya se moveu - seu consorte se movendo com ela - até que
olharam na direçã o do deserto congelado onde enterraram um
arcanjo... mas essa direçã o também incluía todo o territó rio de Titus. —
Algum senso de distâ ncia? — Ele perguntou a ela. — O batimento
cardíaco está pró ximo?
Zanaya “ouviu” com mais atençã o, mas a batida era difícil de definir, o
“som” dela estranhamente confuso. — Nã o posso dizer, — ela disse
finalmente. — É tã o estranho, mas é quase como se a pulsaçã o que ouço
fosse o eco de outra pulsaçã o, uma batida feita em um esp...
Uma agitaçã o na grama que nã o era uma criatura inofensiva cuidando
de seus negó cios.
Era também... gelado. Frio como uma sepultura.
E podia sentir isso.
Com os cabelos arrepiados em sua nuca, soltou a mã o de Alexander
para tirar Firelight de sua bainha. Alexander mudou para a prontidã o
de guerreiro ao seu lado, uma mudança sutil, mas que era tã o ó bvia
para ela como se tivesse soltado um grito de guerra. Sempre estiveram
em sincronia quando se tratava do físico, fosse uma coisa de prazer ou
de guerra.
Mas o que veio até eles nã o era um inimigo ou uma ameaça.
Tampouco era uma das feras que rondavam esta paisagem e que Zanaya
acalentava de todo o coraçã o. O selvagem devia ser deixado selvagem;
ela nã o mataria nenhum animal se tudo que estivesse fazendo fosse
proteger seus filhotes ou seu territó rio.
— Alexander. — Sua voz saiu como um sussurro á spero, horror uma
serra esfregando em cada terminaçã o nervosa para produzir uma
melodia maníaca e estridente. — Você vê isso?
— Decole, — ele disse, sua voz entrecortada. — Suba acima para que
nã o possam tocar em você.
Zanaya nã o era de receber ordens, mas desta ela precisava. Seu choque
e recusa em aceitar que isso pudesse acontecer ameaçaram
congelá -la no lugar.
Abrindo as asas, fez uma rá pida decolagem vertical.
Alexander, sua pró pria espada na mã o, esperou até que ela estivesse no
ar antes de se levantar.
Agora que ela estava no ar, podia ver todo o horror disso. Um crâ nio
branco reluzente no qual se agarravam tufos empoeirados de cabelo,
braços e pernas quase esqueléticas, a pele adquirindo um tom estranho
e inumano de escuro esverdeado devido à decomposiçã o ou outro
processo que ela nã o entendia.
A terra cobria a brancura do osso onde o luar brilhava sobre ele.
A criatura parou de rastejar quando ela decolou, agora ergueu a cabeça
para encará -la através de uma ó rbita vazia... e esse era apenas o que
estava mais pró ximo dela. Outros rastejaram pelas pastagens, todos
numa forma semelhante – ou pior. Alguns estavam sem membros, como
se os ossos tivessem caído, mas cada um tinha uma cabeça que ainda
estava presa ao pescoço.
Com a boca seca e o estô mago revirado de ná usea, Zanaya disse: —
Renascidos? Nã o se parecem em nada com os que vi anteriormente,
nem mesmo os mais recentes renascidos nas terras de Titus.
— Nunca vi algo assim, — disse Alexander, a prata de seus olhos
sobrenaturais ao luar e suas asas uma chama de luz metá lica que era o
reflexo da lua. — Mas acho que eles renasceram. Foram perdidos na
varredura de Titus deste territó rio, ou...
— Ou? — Mesmo enquanto ela esperava por sua resposta, as criaturas
abaixo tentavam se levantar e alcançá -la, mas estavam muito fracas,
continuavam desmoronando num chocalhar de ossos.
— Houve um tempo em que os renascidos nesta terra puxavam os
mortos de seus tú mulos e se alimentavam deles, — disse Alexander a
ela. —
Esses mortos entã o ressuscitavam como renascidos. Pode ser que
alguns mortos que estavam muito massacrados nã o tenham
ressuscitado na época.
O estô mago de Zanaya ameaçou entrar em erupçã o. — Está dizendo...
— Ela parou, incapaz de pensar nas palavras certas. Que esses seres
miseráveis pudessem ser os mortos enterrados cujo sono foi
interrompido apenas tornava a coisa toda ainda mais obscena. — Essas
criaturas, — ela finalmente conseguiu dizer, — eles ressuscitaram de
seus tú mulos?
CAPÍTULO 54
— Titus ordenou que seu povo desenterrasse e cremasse seus recém-
mortos. — Palavras sombrias. — Mas os renascidos destruíram
assentamentos inteiros – fá cil para os esquadrõ es perderem um ou dois
cemitérios profanados, especialmente com o caos do que estava
acontecendo na época.
Zanaya ouviu um grito distante e miserável na parte de trá s de sua
cabeça quando a criatura que viu pela primeira vez, aquela que parecia
a mais forte de todas abaixo, tentou subir em direçã o a ela mais uma
vez, seu rosto exibindo apenas pele suficiente para revelar um
paroxismo de dor.
Incapaz de suportar, usou seu poder para limpar a á rea com um golpe
certeiro. Nã o havia mais esqueletos renascidos depois que ela
terminou, nada além de poeira onde antes rastejavam. As pastagens
ficaram em silêncio. Sufocados pelo peso daquele silêncio, ela e
Alexander voaram uma grade meticulosa e extensa para garantir que
nã o mais se escondessem na grama.
Encontrei o cemitério, Zani. A voz de Alexander em sua mente.
Escondido num canto da floresta que vimos enquanto caminhávamos -
fica ao lado dos restos de um vilarejo abandonado e é difícil de ver por
uma varredura aérea. Só fiz isso por causa de um símbolo deixado para
trás num túmulo - ele brilhava ao luar.
Vou voltar.
Não há necessidade. Posso dizer que todas as sepulturas estão vazias e
que trilhas de terra levam para longe de cada uma. Isto é de onde o
renascido apareceu. Os mortos devem ter sido parcialmente
desenterrados, depois abandonados - depois que os vivos que cuidaram
deles já estavam todos mortos ou renascidos. Uma pausa. Deixe-me
protegê-la desta vez, meu coração.
Bile escaldando sua garganta, Zanaya engoliu. E se permitiu a trégua
— e Alexander a necessidade de proteger. Não vejo sinais de qualquer
outro renascido. Vamos nos encontrar novamente na planície.
Quando ela pousou, o fez num pedaço de grama intocado pelos mortos
ressuscitados. — Estavam vindo na minha direçã o, — disse ela a
Alexander quando ele pousou ao seu lado. — Era ó bvio de uma
perspectiva
aérea.
Virando-se antes que ele pudesse responder, caminhou pela grama,
entã o voltou, a grama formigando contra suas asas onde antes estava
acariciando as lâ minas com os dedos. Todo seu corpo parecia ter sido
assediado por minú sculos insetos. — Aquela puta de coraçã o negro. —
Ela cuspiu as palavras. — Ela me infectou.
Alexander agarrou sua mã o quando ela teria girado para longe
novamente. — Zani, nã o. Pense... — Ele apertou o seu pulso. — Os
infectados eram escravos da vontade dela – você nã o é escrava de
ninguém.
Sente alguma compulsã o para servir a um mestre?
Incapaz de se livrar da sensaçã o de violaçã o, arrancou a mã o e
caminhou pela grama. Desta vez, caminhou até estar longe da memó ria
do rastejante renascido, sua mente esfriando a cada passo que dava.
Quando Alexander voou para pousar ao seu lado, ela exalou. — Nã o,
— ela disse. — Nã o sinto nenhuma compulsã o de servir a ninguém. —
Foi um alívio dizer isso em voz alta. — Mas... — Ela se cortou porque
nã o queria dizer isso, mas Alexander tinha que saber. — Eu os senti,
aquelas criaturas.
Como um zumbido dentro de mim. E... Ouvi um grito fraco, mas
lamentável.
Tremendo nã o pelo choque, mas pela mais negra raiva, ela olhou para
Alexander. — Como ela podia viver com esses gritos? Seriam tã o altos
para ela, os presos implorando para que fossem libertados.
— Porque ela era má . — Palavras planas, a prata de seu olhar tã o dura
quanto uma folha de metal.
— Eu posso nã o ser renascida, — Zanaya disse, — e meus olhos podem
ter se estabelecido em sua sombra normal...
— Eles mudaram para cinza quando os renascidos estavam vindo em
sua direçã o, estã o apenas desaparecendo em marrom escuro agora.
Emitindo um pequeno grito, Zanaya chutou a terra, forte o suficiente
para enviar uma moita voando. — Cadela. Cadela cruel e assassina!
O que quer que Alexander dissesse em resposta ao seu discurso foi
abafado pela voz de Aureline em sua cabeça: Zan! Recebemos um alerta
sobre um dispositivo moderno que traz o sigilo de Raphael e o de Elijah.
Não consigo acessar. É selado apenas para olhos arcangélicos.
Sangue frio, Zanaya compartilhou o que Auri disse a ela com Alexander.
Partiram num silêncio sombrio.
Que o Cadre enterrou Antonicus no gelo era um segredo entre arcanjos
e suas consortes – ninguém mais poderia saber que seus mais
poderosos poderiam ficar doentes, poderiam ser infectados com
doenças.
Era um conhecimento catastró fico demais, quebraria a crença na
invencibilidade do Cadre que mantinha o mundo relativamente estável.
Um arcanjo sendo morto em batalha contra outro de sua espécie era
uma coisa, mas ser mutilado do jeito que Antonicus foi? Nã o, essa
informaçã o nã o poderia se espalhar. O mundo deles era de vampiros
propensos à sede de sangue e mortais tã o vulneráveis ao poder
angelical que simplesmente nã o podiam lutar.
Nenhuma arma criada por uma mente mortal mataria um arcanjo.
Zanaya pegou um grande pedaço da histó ria mais recente nos ú ltimos
meses, entã o sabia que um mortal uma vez construiu uma coisa
chamada bomba e a usou para explodir uma casa angelical. O sabotador
conseguiu matar toda a família do anjo, vampiros incluídos, e ele
explodiu o anjo em pedaços.
Mas nã o pedaços suficientes.
A cabeça do anjo foi encontrada ainda presa à medula espinhal. Seu
crâ nio estava rachado, seu cérebro seriamente danificado, mas nã o
obliterado. Isso foi tudo que precisou. Porque aquele anjo era um dos
antigos cheios de poder.
Cinco anos e ele estava inteiro novamente.
Até entã o, o arcanjo que era seu suserano havia destruído todos os
vestígios do mortal e sua linhagem, nã o importa o quã o distante. Mortal
apó s mortal e até mesmo vá rios anjos de bom coraçã o alegaram que os
membros de sua família eram inocentes - com muitos parentes tã o
distantes dele que nem conheciam o homem-bomba.
O arcanjo se recusou a mostrar misericó rdia até mesmo para o menor
bebê.
O estô mago de Zanaya revirou enquanto ouvia essa histó ria. Nã o
acreditava numa política de puniçã o de terra arrasada, mas entendia
como a mente do outro arcanjo funcionava: mostrar até mesmo uma
gota de misericó rdia poderia ser encorajar os outros a agir.
A aniquilaçã o da linhagem do homem-bomba seguida pela ressurreiçã o
do anjo que foi despedaçado - um anjo, nem mesmo um arcanjo -
tornou cristalina a futilidade de tais ataques.
Bombas ainda existiam.
Assim como lança-chamas e mísseis.
Essas armas e outras foram usadas em guerras e batalhas angelicais.
Mas todos os humanos do planeta sabiam que tentar usá -los contra os
anjos como um todo só terminaria num tapete vermelho em todo o
mundo.
Porque mesmo que explodissem todos os arcanjos do mundo, esses
arcanjos voltariam.
De novo e de novo e de novo outra vez.
Pois apenas um arcanjo podia matar outro arcanjo.
Até mesmo a névoa negra que devastou Antonicus foi gerada por um
arcanjo.
Nã o havia como os mortais vencerem o Cadre, a destruiçã o da
humanidade era o ú nico resultado final... exceto, é claro, os anjos nunca
matariam todos os humanos. Sua necessidade da humanidade era o
maior segredo de sua espécie, um que foi mantido com ferocidade
implacável ao longo do tempo. Sem humanos em quem ejetar a toxina
que se acumulava em seus corpos, os anjos seriam uma loucura de asas
e sangue.
— Em vez disso, faça das criaturas gado – crie-as e use-as. — Ela ouvira
dizer isso em seu tempo, e tinha certeza de que havia aqueles que ainda
acreditavam no mesmo.
Os anjos podiam ser cruéis e sem coraçã o e sem piedade.
Zanaya nã o tinha ilusõ es sobre seu povo. Mas quaisquer outras
reflexõ es sobre o assunto teriam que esperar. Chegaram à sua fortaleza,
e logo viu uma forma familiar iluminada pela lua. Auri no telhado.
Pousaram como um na frente de sua segunda.
A outra mulher entregou um aparelho preto e elegante. Maior do que a
má quina chamada “telefone”, tinha muitas das mesmas funçõ es. Zanaya
pensava nele como um banco de conhecimento, pois continha todas as
informaçõ es do mundo.
Anexado a ele havia outro objeto pequeno e quadrado.
— Está programado para abrir para uma varredura de sua íris, — disse
Alexander antes que Zanaya pudesse solicitar o procedimento para
acessar a mensagem.
Ela se lembrou agora, como o Cadre solicitou que ela colocasse seu olho
numa má quina para que a imagem de seu olho pudesse ser gravada e
usada como chave, junto com sua voz. Estava recém-acordada entã o,
nã o
tinha processado muito do que isso significava.
Enquanto ela assentia, ouviu Alexander dizer: — Aureline, estou feliz
em vê-la acordada. É uma pena que nã o possamos nos encontrar
novamente em tempos menos tensos, mas esperemos que a paz no
futuro esteja por vir.
Auri, que sempre foi ambivalente sobre Alexander devido à sua
lealdade a Zanaya, deu um aceno educado antes de se retirar do
telhado.
Tendo descoberto que o dispositivo menor era o cadeado, ela o tocou
para ativá -lo como aprendeu a trabalhar com muitos desses
dispositivos, entã o permitiu que escaneasse seu olho. Depois disso,
pediu que ela falasse.
— Este é um dispositivo surpreendente. — Os olhos de Zanaya estavam
presos na tela preta que mostrava uma ampulheta girando, a pele do
rosto apertada sobre as maçã s do rosto. — Nã o é, Alexander?
— Ainda estou em cima do muro sobre todos esses avanços, — ele
murmurou enquanto abria sua asa atrá s dela, o contato tanto para ele
quanto para ela.
Uma frieza se espalhou por seus membros, uma premoniçã o de notícias
terríveis.
Uma imagem apareceu na tela principal no mesmo instante: a insígnia
do Cadre - um círculo simples com todos os seus emblemas dispostos
dentro dele. Mudava a cada mudança no Cadre, emblemas sendo
adicionados ou removidos.
O emblema de Zanaya, um ankh abaixo do qual corriam duas linhas
curvas representando seu Nilo, ficava em frente ao de Alexander: o
contorno de um corvo em voo. O emblema atualizado de Titus estava ao
lado dele - o contorno familiar de um baobá permaneceu inalterado...
mas agora, pairava acima dele um colibri.
Foi Sharine, a Colibri, Alexander lembrou-se de uma vez, quem
desenhou o contorno original de seu emblema icô nico. Aconteceu logo
apó s sua ascensã o. Estava conversando com Caliane sobre o que queria
que seu emblema fosse, enquanto sua melhor amiga quieta estava
desenhando por perto, o cabelo preto com pontas douradas brilhando
ao sol, e a pró xima coisa que percebeu, ela lhe mostrou seu bloco de
rascunhos e disse: —
Parecido com isso, Alexander?
Porque a coisa com Sharine era que ela nunca foi intimidada pela força
arcangélica; sempre teve um poder pró prio que ninguém conseguia
explicar.
Nã o era do Cadre, nã o era marcial. No entanto, agarrava-se a ela, um
manto tranquilo, mas potente.
Dragan, rude, mas perspicaz, uma vez olhou para ela e disse: — Talvez
ela seja a evoluçã o, Alex. Um de nó s melhor, mais gentil e mais
inteligente.
Que estranho que, até este instante, ele tivesse esquecido uma memó ria
tã o crítica e todas as outras ligadas a ela. Outro exemplo do
emaranhado da idade. Se perguntou se Sharine se lembrava da gênese
de seu emblema? Perguntaria a ela, talvez a deliciasse com uma
lembrança perdida há muito tempo.
Um flash na tela nas mã os de Zanaya quando a insígnia se dividiu em
dez emblemas ú nicos antes de desaparecer para revelar um visual
nítido de Elijah. Ao seu lado estava o filho de olhos azuis de Caliane,
ambos situados contra um pano de fundo de neve e pedra. O que Elijah
tinha a dizer era a pior notícia de todas: — Antonicus ressuscitou. Nã o
há corpo na sepultura.
CAPÍTULO 55
Antonicus se alimentou novamente. Quanto mais se alimentava, mais de
si mesmo voltava para ele... e mais desgosto sentia por...
O pensamento se fragmentou, seus olhos se estreitando enquanto
chutava o corpo meio enrugado cuja força vital ele adquiriu. A
princípio, pensou que precisava do sangue deles, mas o sangue,
vermelho rico e metá lico, era um mero mecanismo de transferência
para a energia que o alimentava. Em breve teria tanto que nã o
precisaria se preocupar com as distâ ncias...
Outra fragmentaçã o.
Frustrado, rugiu e chutou o corpo novamente. Novamente.
Novamente.
Até que quando parou, a forma uma vez inteira estava em pedaços
sangrentos, ossos quebrados para perfurar a pele, e os renascidos de
Antonicus agachados perto, esperando para limpar o que restava de
carne.
Plantas verde-escuras cresciam em suas costas, as folhas gordas e
ú midas em comparaçã o com seu estado emaciado.
Seu lá bio superior se curvando, acenou com a mã o e eles se
aglomeraram para se alimentar.
Repugnado por seus sugadores e falta de controle, estava prestes a se
virar quando captou um movimento no céu em sua visã o periférica.
Olhou para a luz do fim da tarde com a cautela instintiva de um homem
que ganhou mais guerras do que perdeu; era altamente improvável que
até mesmo um voador que deslizasse sobre o dossel visse Antonicus e
seus renascidos, pois ele escolheu seu local de alimentaçã o com
cuidado - no coraçã o de uma floresta tropical verdejante com vida e
densa com sombra.
Ainda assim, nã o havia sentido em se tornar descuidado agora.
O anjo estava roçando as copas das á rvores, mas nã o foi isso que
chamou a atençã o de Antonicus. Era a parte debaixo de suas asas. Prata
pura. O tipo de prata que nã o viu nas asas de nenhum outro anjo no
mundo, exceto Alexander.
Alexander nã o era seu inimigo.
Mas Alexander muitas vezes se deitou para dormir com aquela que era
o inimigo.
De repente, Antonicus soube o que tinha que fazer. E nã o ia usar seu
poder ressuscitado para fazer isso – nã o, tinha que acumular isso para a
luta até a morte por vir.
Em vez disso, pegou a besta que adquiriu de uma pilha de armas ao
lado do quartel de um esquadrã o remoto. Esse foi seu primeiro gosto de
poder retornando - se alimentou e logo depois foi capaz de vestir seu
glamour.
Ninguém podia vê-lo.
Besta na mã o, se levantou através do ar encharcado da floresta... e
atirou.
CAPÍTULO 56
Os raios do sol fluíram para vermelho-alaranjado com o pô r do sol que
se aproximava enquanto Alexander estava com Zanaya numa ampla
varanda que dava para a direçã o de onde seu neto voaria em direçã o a
eles. O peito de Alexander se esticou em antecipaçã o orgulhosa de ver
as asas poderosas de Xander em voo – e em alegria dolorosa ao pensar
em apresentar este
pedaço mais precioso de seu coraçã o para Zani.
Abaixo deles estendia-se uma extensã o ondulante de terra dourada e
rica através da qual serpenteava uma manada de elefantes enquanto
pá ssaros pegavam passeios em suas costas em troca de cuidar de
insetos problemá ticos. Um intrépido voador, preto como fuligem, seu
bico uma curva familiar, veio sentar-se na grade da varanda ao lado de
seu braço inclinado.
Alexander riu. — Temos um convidado de honra, Zani.
— Um corvo. — Zanaya sorriu. — Nunca vi um tã o ao norte, mas entã o,
você está aqui. Obviamente, ele veio para cumprimentá -lo.
Como se a ouvisse, o corvo virou-se e deu-lhe o olhar de verruma,
depois caminhou para bicar o braço de Alexander com força suficiente
para que franzisse a testa. — Meus corvos raramente agem dessa
maneira. — O
dele nã o era um dom verdadeiro; nã o podia controlar ou chamar corvos
como Elijah podia chamar os pumas e outros grandes felinos que
rondavam seu territó rio.
Independentemente disso, tinha um vínculo com eles - eles muitas
vezes agiam como arautos e mensageiros para ele, e uma vez, quando
estava em grande perigo, apareceram em massa para bicar os olhos de
seu inimigo.
Agora, empurrou o bico do pá ssaro para longe. Abriu aquele bico e
grasnou para ele daquele jeito que era característico dos corvos,
impaciente e exigente e muito mais profundo do que o grasnar de um
corvo. As marcas em seu braço eram inconsequentes, o chamado kraa
do corvo era familiar...
exceto que seu neto já deveria estar aqui.
Com o coraçã o envolto em gelo, ele disse: — Zanaya, pergunte aos seus
esquadrõ es se viram Xander.
Bem ciente do que os corvos significavam para ele, Zanaya soltou um
suspiro e ficou em silêncio enquanto se comunicava com seu povo. Os
guardas já haviam sido informados de que Xander tinha liberdade para
entrar e sair deste territó rio, entã o Zanaya nã o tinha motivos para dizer
a eles que o vigiassem hoje.
Com as mã os cerradas até a brancura dos ossos no parapeito da sacada,
ele olhou para o corvo. — Onde está o filho do meu filho?
O pá ssaro coaxou novamente, alto e furioso.
E à distâ ncia ergueu-se todo um bando de corvos, uma enorme asa
negra que voou para o sul com o mesmo kraa-kraa barulhento.
Como se estivesse gritando para ele seguir.
No mesmo instante, Zanaya disse: — Ele nã o foi visto. — Palavras
afiadas em aço. — Nã o pela guarda da fortaleza nem pela guarda da
fronteira.
Alexander já estava se afastando do parapeito para abrir suas asas. —
Siga os corvos.
Entã o estavam no ar e correndo por um céu em chamas em todos os
tons de chamas – em direçã o à fronteira que Xander nunca passou.
Zani?
Saiu curto, duro, pois Alexander tinha que ser um general agora e nã o
um avô .
Todos os esquadrões alertados, Zanaya respondeu num tom tã o curto e
marcial. A mensagem está sendo encaminhada para a fronteira, e de lá,
será passada para Titus. Ele sabe como usar o aparelho de telefone, está
apto a ter buscadores no ar em poucos minutos.
Alexander nã o conseguia falar, nem mesmo com a mente. Todo o seu
foco estava em encontrar seu neto. Mesmo agora, o corvo que pousou
na varanda voou para a esquerda, acompanhando um arcanjo em
velocidade implacável. Impossível. Talvez nã o fosse um corvo real, mas
o fantasma daquele que se incendiou durante sua ascensã o.
Assim foi escrito no mito: que o corvo de Alexander se ergueria com a
necessidade de Alexander.
Zanaya voou com a mesma velocidade ao seu lado, e sua voz quando
entrou em sua mente era feroz. Nós vamos encontrá-lo, meu amor. Ele é
forte e é inteligente.
Alexander engoliu em seco. Ele não é um arcanjo, Zani. Porque ambos
conheciam a maior ameaça lá fora: um arcanjo tocado por uma névoa
negra assassina, um arcanjo cuja ascensã o fez o céu adoecer.
Nenhum deles sabia o que retornou vestindo a pele de Antonicus.
Os dois voaram para a noite que se aproximava rapidamente, depois
ainda mais longe, parando apenas quando saudados por um
comandante de esquadrã o perto da fronteira. — Senhora, — ele disse
para Zanaya, — o Arcanjo Titus ativou todos os seus esquadrõ es e
procuram pelas rotas de voo mais prováveis de Xander. Até agora, nã o
há novidades.
A esta altura uma criatura de gelo, Alexander olhou para a frente.
Seus corvos, negros contra a noite sem lua, invisíveis exceto quando se
moviam, haviam pousado nos prédios da fronteira, mas agora coaxavam
com impaciência á spera.
Asas negras encheram o ar.
Zanaya saiu com ele no rastro dos corvos, quaisquer ordens ou
comentá rios que tivesse para seu comandante de fronteira dadas no
q p
nível mental. — Eles estã o cansando, — ela disse a certa altura, e ele
percebeu que ela estava certa. Membros do bando começaram a se
afastar, seus pequeninos peitos arfando e asas caindo enquanto
procuravam um lugar para pousar.
Alexander passou por seu arsenal de poder, mas nã o tinha nada com
que ajudar os pá ssaros que eram tã o leais a ele em sua pró pria maneira
independente. Inteligentes e capazes de muito mais do que a maioria
sabia, os corvos sempre foram seus pró prios mestres, mas nunca
esqueceram um favor ou um amigo. E por razõ es pró prias, escolheram
Alexander geraçã o apó s geraçã o.
Foi quando sentiu, um vento sutil que mantinha os pá ssaros no ar sem
forçar sua trajetó ria de vô o. Sempre esquecia que Zanaya nã o tinha
apenas tempestades na ponta dos dedos, mas esse controle muito mais
sutil sobre o ar. Era por isso que ela era a melhor voadora de resistência
entre os arcanjos vivos, mortos ou adormecidos.
Obrigado, ele conseguiu superar o medo entupindo sua garganta. Era
uma emoçã o que desprezava, mas que veio a aceitar junto com a fú ria
de amor e proteçã o que sentia por seu neto.
Estou aqui, Alexander - qualquer coisa que precise, foi a resposta feroz da
consorte que nã o esperava graça dele nesta interminável batida de
tempo onde seu coraçã o ameaçava quebrar dentro de seu peito.
Zani, eu sobrevivi perdendo Rohan só porque Xander existia. As palavras
foram arrancadas dele. Não posso… Ele empurrou o pensamento de
lado, incapaz de sequer tolerar isso.
Estive pensando por que Antonicus - se é Antonicus - teria como alvo
Xander. Friamente estratégica, a voz da comandante que ela já foi. Ele
não é seu inimigo.
Encontrando seu pé no familiar tabuleiro de xadrez da guerra e da
política, o cérebro de Alexander saiu do modo de medo e entrou em
marcha. Não. Como saberia que Xander era meu, de qualquer forma?
A parte debaixo de suas asas, Zanaya disse de repente. Você não disse
que elas são idênticas às suas? E é isso que uma pessoa no chão veria
quando olhasse para cima.
O fato dele ter perdido o ó bvio era uma prova de seu estado de espírito
atual – e foi um tapa frio na cara. Nã o poderia ajudar seu neto se nã o
estivesse pensando com clareza. Limpando toda emoçã o usando o
controle brutal que aprendeu ao longo de milênios de regrada
disciplinada, considerou as palavras de Zanaya. É possível que ele
pensou que estava me levando?
Talvez. Ou ele arriscou que isso poderia atraí-lo para ele. Ele pode muito
bem responsabilizar o Cadre por sua situação e querer se vingar de cada
um de nós.
Alexander cerrou a mã o quando o corvo ao seu lado – incansável, visto
apenas na periferia de sua visã o – gritou seu coaxar, entã o mergulhou.
Ele foi com o pá ssaro, o vento passando por seu rosto a uma velocidade
viciosa e suas asas alisadas até que se tornou uma flecha caindo.
Caiu agachado no chã o, uma mã o pressionada na terra. Os metais muito
abaixo cantavam ao seu toque, mas sua atençã o estava na ú nica pena ao
lado da qual estava o corvo: os filamentos de prata pura que brilhavam
no brilho lançado pelas asas de Alexander, estavam manchados com
uma substâ ncia que nã o queria ver, nã o queria tocar.
Zanaya pousou em frente, imediatamente viu o que prendeu seu olhar.
— É a minha vez de protegê-lo, Alexander, — disse ela e pegou a pena.
— Prata de um lado, tons de terra do outro.
Entã o passou o dedo sobre a mancha, levou o dedo ao nariz. —
Sangue. — Uma ú nica palavra que fez veias de metais raros escorrerem
da terra numa teia de aranha metá lica enquanto Alexander lutava para
controlar sua raiva e pâ nico. — Mas nã o há o suficiente aqui, nem
mesmo penas suficientes.
As pró prias asas de Zanaya também brilhavam, seus olhos cinza-pérola
brilhavam enquanto examinava a á rea. — Xander foi ferido, mas nã o
morreu aqui.
Zanaya estava certa, ele percebeu - podia ver mais de uma pena, mas o
nú mero era muito menor do que deveria ser para um grande ferimento
a um anjo da idade e tamanho de Xander.
Ele foi olhar para seu corvo... mas o pá ssaro havia sumido, embora
Alexander nã o o visse decolar. Quando procurou nas á rvores e no céu,
nã o
havia mais pá ssaros com bicos aduncos cavalgando os ventos ou
empoleirados nos galhos.
— Acredito que meus corvos disseram tudo o que desejavam ou
precisavam dizer. — Alexander nunca teve certeza de qual; os pá ssaros
tinham suas pró prias mentes e modos. — Ele deve estar por perto. —
Olhando nos olhos de sua consorte, ele disse: — Cinza.
Pela dura maldiçã o que escapou de seus lá bios entreabertos, ela sabia
exatamente o que ele queria dizer. — Nenhum pulso espelhado, mas
sinto...
uma ausência. Tã o estranho eu sentir o que está faltando, mas é tudo
que posso descrever. Uma dormência onde deveria haver um pulso. —
Sua cabeça virou para a esquerda. — Por aqui.
Alexander nunca foi para a batalha sem estar totalmente informado,
mas seguiria Zani a qualquer lugar — e sabia que o filho do seu coraçã o
agora era do coraçã o dela também. Porque Xander era importante para
Alexander.
Partiram para o frio de um cinza que lhe dizia que o amanhecer estava
se aproximando. Ele e Zanaya e seus corvos voaram pela noite. Ele
olhou para baixo, examinando em todas as direçõ es.
Mas quando a resposta veio, ela pairou no céu bem à frente deles.
— Antonicus.
CAPÍTULO 57
Zanaya saltou enquanto usava todas as habilidades de seu arsenal para
manter seu rosto inexpressivo. Nã o podia, no entanto, fazer nada sobre
o choque e a repulsa que enrolavam gavinhas rastejantes em seu
sangue.
Porque enquanto Antonicus podia voar, suas asas nã o estavam...
certas. Seus tendõ es e ossos finos das asas curaram o suficiente para
mantê-lo no ar, mas uma película esverdeada tã o transparente que
podia ver toda a estrutura inferior era tudo que conectava a miríade de
peças.
Ele nã o tinha penas.
A ú nica coisa com a qual podia comparar seu estado atual eram as asas
de um bebê angelical recém-nascido. No entanto, mesmo isso nã o
estava certo. As asas de um bebê podiam ser frá geis e transparentes,
além
de fá ceis de rasgar e quebrar, mas também eram assustadoramente
lindas em sua delicada translucidez.
Um sorriso esquelético num rosto de pesadelo, os olhos de Antonicus,
orbes molhadas num rosto encolhido. Essas orbes foram para o arcanjo
ao seu lado. — Gostaria de ver meu prêmio, Alexander? Seu filho, acho.
Os minú sculos pelos nos braços de Zanaya tremeram. A voz de
Antonicus estava... quebrada. Nã o havia outra maneira de descrevê-la.
Talvez pudesse dizer que ele tinha pedras quebradas entupindo sua
garganta.
— Onde ele está ? — A pergunta de Alexander foi baixa – e ainda mais
mortal por isso.
Com um sorriso malicioso no rosto, Antonicus caiu entre as brumas
acima das á rvores sem aviso prévio.
Zanaya o seguiu, Alexander ao seu lado. Sim, Antonicus os estava
atraindo para uma armadilha, mas eram dois contra um. Xander é sua
prioridade, Alexander. Antonicus é minha. Eu posso senti-lo. Como lodo
em sua cabeça, uma maldade pú trida que sussurrava coisas além de sua
capacidade de ouvir.
Zani, ele não é um arcanjo comum, disse seu consorte, que morreria por
dentro se seu neto morresse.
Zanaya nã o estava disposta a permitir que isso acontecesse. Sou uma
arcanjo e uma general, amado. Seu neto é apenas um jovem. Nosso dever
é claro.
Um momento doloroso de contato visual antes de pousarem.
Antonicus estava a alguns metros deles, as asas dobradas para trá s para
revelar os arcos nus sobre os ombros. Os arcos que ele tinha estavam
incompatíveis e mutilados. Para ela, parecia que seus ossos
permaneciam incrivelmente macios e maleáveis, Antonicus uma boneca
derretida.
— Você ainda está no processo de cura, — disse ela, sem conseguir
acreditar como ele chegou ao céu quando seu corpo estava tã o
emaciado, manchas de podridã o verde em seu rosto, pescoço, braços...
— Obrigado por nã o mencionar o cheiro. — Naquele momento, ele
parecia um Antigo culto.
— Nã o era sua hora. Mas ressuscitou. — Mas nenhum Adormecido
jamais saiu do Sono tã o danificado. Por outro lado, Antonicus era um
cadáver apodrecido quando foi enterrado, entã o talvez fosse de se
esperar.
— Onde está o anjo que você derrubou? — Ela tinha que ser a ú nica a
falar, porque Alexander estava vibrando com a necessidade de matar – e
estava claro que Antonicus o estava provocando.
Antonicus arreganhou os dentes, a pele solta de seu rosto tremendo de
um jeito que fazia parecer como se ele tivesse coisas rastejando por
baixo. — Eu o dei para minhas criaturas. — Uma risada pequena e
maldosa.
— Eles vã o encher suas barrigas com ele enquanto conversamos.
Ela estalou a mã o para pressioná -la contra o peito de Alexander quando
ele teria se aproximado. Ele quer você por perto. Uma fria constataçã o.
Quer nos fazer como ele. Estava lá na cobiça de seu olhar, no tremor sem
fô lego dele.
Preciso encontrar Xander.
Antonicus assobiou. — Por que ele está ao seu lado... Senhora? — A
ú ltima palavra pareceu arrancada dele, seu rosto se contorcendo por
uma centena de emoçõ es antes de se transformar numa de maior
devoçã o.
Desconforto nauseante em cada parte dela. Arcanjos nã o serviam a
ninguém, eram leis para si mesmos. Mas ela nã o estava disposta a fugir
dessa oportunidade. — Antonicus, onde está o anjo que você derrubou?
Um sorriso malicioso. — Eu o deixei no rio com meus renascidos. —
Suas feiçõ es se contorceram, suas pró ximas palavras saíram por entre
os dentes cerrados. — Perto do rio, senhora. Você pode ouvir a
cachoeira.
Alexander, vá! Salve o menino!
*
Alexander decolou, o cabelo de Zanaya soprando atrá s no vento de sua
passagem. Se ele possuía aquela coisa intangível que os mortais
chamavam de alma, agora estava rasgada em dois pedaços esfarrapados
que esvoaçavam no cinza frio da manhã da floresta tropical.
Nos jogos de poder dos arcanjos, Xander era o inocente, tinha que vir
primeiro.
Zanaya também sabia disso. Teria pedido a ele para fazer a mesma
escolha se tivesse se deparado nã o com um arcanjo renascido, mas com
p j
um Cadre inteiro deles. Voltarei o mais rápido possível, ele prometeu a
ela.
Mantenha-o falando.
Não consigo tirar dele nada além do rio. Consegue identificar a fita dele
de cima?
Não. A floresta inteira estava escondida pela pesada neblina matinal tã o
suave e acolhedora quanto a de Lijuan foi uma feiura de morte negra.
Mas sua beleza etérea nã o a tornava menos um impedimento para sua
necessidade.
Seu neto ainda nã o havia desenvolvido a fala mental, era muito jovem
para isso, entã o Alexander nã o podia contatá -lo dessa maneira.
Foi quando viu uma forma negra familiar à distâ ncia, circulando e
mergulhando. Meu corvo me mostra o caminho. Zani, fique segura! Volto
em breve!
Ela nã o disse nada em resposta, talvez agora estivesse em batalha.
Dentes cerrados quando ainda mais de sua alma foi arrancada, voou tã o
forte e rá pido que arrancou algo em seu ombro. A dor foi uma mordida
bem-vinda quando mergulhou através da nuvem de neblina onde seu
corvo havia circulado... e ouviu o trovã o de uma cachoeira.
Achava que sabia onde estava agora, as terras de Titus tã o familiares
para ele quanto as suas depois de muitas visitas ao amigo. Ele iluminou
o céu com seu poder ao pousar e, no brilho de ouro, viu Xander. Uma
das asas de seu neto estava rasgada e ensanguentada, enquanto a outra
foi cortada na parte de trá s e nã o cauterizada.
A perda de sangue devia ser catastró fica, mas Xander estava de alguma
forma consciente – e tinha uma faca na mã o com a qual estava
golpeando os renascidos que corriam ao seu redor, tentando cravar
seus dentes ou garras nele. Ele era mais rá pido, mais habilidoso, mas
estava cansado, e Alexander viu vá rios arranhõ es e mordidas nele.
Ele nã o rugiu sua raiva.
Simplesmente envolveu Xander numa bolha de seu poder, entã o matou
todo o resto. Tinha certeza de que nã o atingiu nenhum alvo além
daqueles que procurava; as criaturas selvagens que chamavam essa
floresta de lar teriam abandonado há muito tempo uma á rea repleta do
fedor dos mortos nã o naturais.
Renascidos apagados da existência, Alexander deixou cair sua bolha de
poder para ver seu neto atirar-lhe um sorriso feroz. — Sabia que você
viria, vovô , — disse ele.
Entã o Xander desmoronou, como se estivesse se dando permissã o
para se soltar agora que Alexander estava aqui. A faca que caiu de sua
mã o era uma que Alexander lhe dera, uma lâ mina que usava numa
bainha escondida em sua bota.
Já correndo para ele, estendeu a mã o para seu amor. Zani, ele está vivo!
Xander está vivo! Quebrado e maltratado, mas vivo.
A voz dela em sua mente, uma falta de ar. Queime cada arranhão e corte
que ele tem nele. Não sei se as criaturas de Antonicus carregam o mesmo
veneno que ele, mas não podemos arriscar. A extirpação profunda das
feridas pode impedir que atinja a corrente sanguínea de Xander.
A ideia de prejudicar seu neto era uma facada em seu coraçã o, mas
Alexander nã o hesitou. Zanaya morreria para proteger o que Alexander
amava, como ele faria por ela. Seu conselho tinha apenas cuidado.
Entã o deitou seu neto ferido no chã o e começou a usar o poder brutal
de um arcanjo para extirpar pedaços literais de carne do corpo de
Xander.
Seu neto se encolheu e gemeu, mas permaneceu inconsciente.
Uma pequena misericó rdia.
Mas o menino estava calado e frio como a morte quando Alexander
terminou. Pelo menos houve pouca ou nenhuma perda de sangue, já
que Alexander cauterizou as feridas enquanto cortava, embora o cheiro
da carne de Xander queimando fosse uma coisa difícil de suportar.
Envolvendo-o em seu poder, Alexander o pegou em seus braços. Sabia
por que Antonicus levou Xander agora. Filho ou neto, deve ter
percebido que a criança era da linhagem de Alexander – e Alexander
era conhecido por sua lealdade.
Também era conhecido por seu amor por Zanaya, ela por seu amor por
ele.
Encontre uma maneira de atrair um... e o outro viria também.
Xander foi tanto isca... como uma distraçã o para Alexander. Zani, o
objetivo era chegar até você!
Eu sei! Leve Xander para a segurança! Tire ele daqui agora!
Era a ú nica escolha. Xander estava gravemente ferido, precisava de um
curador o mais rá pido possível. Mas deixar sua Zani? Mas ele devia.
Porque sua consorte também era uma arcanjo, honrada e boa e com
coragem infinita.
Espere, Zani, ele pensou enquanto voava com Xander em seus braços.
Aguente.
CAPÍTULO 58
Empurrando atrá s as mechas de cabelo que caíram em seu rosto
durante a subida de Alexander, Zanaya respirou pela boca num esforço
para filtrar o fedor que saía de Antonicus. Ele cheirava... a podre. Nã o a
podridã o da terra, mofada e rica. Mas a podridã o da carne que ficou de
fora por muito tempo, até que as larvas começaram a se contorcer nela,
seus corpos rechonchudos brilhantes e molhados.
Mesmo quando seu estô mago ameaçava subir com a imagem, tentou
manter Antonicus falando. — Por que pegou o rapaz?
— Porque você é minha. — Dentes à mostra. — Sabia que ele estaria
com você. Zanaya e Alexander. Alexander e Zanaya. — Ele disse isso de
maneira cantante e zombeteira, depois cuspiu na terra. — Ouvi isso ao
longo da histó ria, mas está errado!
Era difícil manter essa conversa enquanto falava com Alexander, e teve
que lutar para nã o trair seu alívio quando seu consorte lhe disse que
seu corvo lhe mostrou o caminho para Xander.
Por favor, esteja vivo, Xander, ela disse dentro de sua pró pria cabeça.
Ele tem o coraçã o feroz de um guerreiro, mas quebrará além do reparo
se perder você.
Em voz alta, ela disse: — Conte-me sobre seu renascimento.
Uma torçã o em sua cabeça, seu rosto se distorcendo de maneiras que
deveriam ser impossíveis.
Ossos fundidos.
Ossos derretidos.
Ela quase deu um passo atrá s no verde rico da grama carregada de
orvalho, mas parou a tempo. Ao redor deles, a floresta estava tã o
silenciosa quanto a sepultura de onde Antonicus veio... mas uma coruja
branca com olhos dourados estava imó vel num galho da jovem
sumaú ma atrá s de Antonicus.
— Eu devo me levantar, — ele ralhou. — Eu devo... servir. — Ó dio em
seus olhos, mas respondeu sua pergunta como se estivesse compelido.
— Eu devo ser seu instrumento.
Um fio frio de compreensã o rastejou pelo cérebro de Zanaya. Foi por
isso que os mortos se levantaram de seus tú mulos para vir até ela.
Lijuan, aquela cadela de coraçã o negro, fez Zanaya um pouco parecida
com ela.
Mas mesmo Lijuan nã o foi capaz de controlar arcanjos vivos.
Seu peito arfava, sua respiraçã o cortando navalhas em seus pulmõ es
enquanto se lembrava do pulso que era uma ausência, um eco do que
uma vez foi... e nã o existia mais. E o cheiro que se agarrava a ele, tã o
nocivo e sem vida.
No entanto, certamente Antonicus era racional demais para estar
morto, para ser renascido. — Eles sã o como você? — ela perguntou. —
Seus renascidos?
Ele bufou, seu rosto uma ondulaçã o de distorçã o. — De uma forma
menor. O bá sico. Pensamento bá sico. Sã o vetores para espalhar sua
gló ria.
A voz de Alexander explodiu em sua mente no mesmo instante, com a
alegre notícia de que Xander vivia. Mas junto com sua felicidade veio
um medo rastejante. Queime cada arranhão e corte que tem nele. Não sei
se as criaturas de Antonicus carregam o mesmo veneno que ele, mas não
podemos arriscar. A extirpação profunda das feridas pode impedir que
atinja a corrente sanguínea de Xander.
Antonicus saltou para ela sem aviso, as garras à mostra e os olhos
vermelhos.
Explodindo com fogo de anjo, ela piscou enquanto ele se movia com
velocidade reptiliana para evitar o golpe. Isso nã o era normal, nã o era
natural, nã o para sua espécie. Agora, ele se agachou em frente a ela e
gritou: — Eu nã o sirvo a ninguém! Sou um arcanjo! Sou Antonicus! —
Enroscando raios de poder de um verde putrefato nas pontas de seus
dedos com garras antes que os atirasse em sua direçã o com uma
velocidade que era cruel.
Entã o Antonicus sorriu... e desapareceu.
Merda! Porra!
O bastardo sabia que Zanaya nã o tinha glamour. E aqueles sem glamour
também nã o podiam ver através dele. A voz de seu consorte em sua
cabeça, um aviso sobre os planos de Antonicus. Eu sei! Leve Xander para
a segurança! Tire ele daqui agora! Antonicus iria atrá s de Alexander se
Zanaya caísse, com danos colaterais para Xander.
Um sussurro de frio em sua nuca.
Recorrendo aos instintos que Mivoniel incutiu nela, ela caiu, rolou e
ficou de pé a alguma distâ ncia. Entã o voou no ar a uma velocidade
brutal, ao mesmo tempo chamando suas tempestades para golpear a
terra e o ar.
Um lampejo de poder verde-lama quando seus ventos esmagaram
Antonicus com força suficiente numa á rvore que interrompeu seu
glamour.
Soltando suas tempestades, o mirou com fogo de anjo, mas ele estava
invisível para seu olhar mais uma vez, e naquele momento, viu Lijuan,
sentiu Lijuan. Como a Arcanjo da Morte ganhou a habilidade de se
tornar incorpó rea, até que mesmo os arcanjos com glamour nã o
podiam mais vê-la. Como ela apareceu atrá s de Zanaya.
Desta vez, porém, Zanaya estava pronta.
Ela reativou suas tempestades tã o rá pido quanto ele desapareceu, e
torceu como o inferno que seus ventos estivessem rasgando a teia
gelatinosa de suas asas.
Entã o veio. Uma seta de besta disparou forte e com força suficiente para
rasgar sua asa esquerda - com outra seta atingindo-a no pescoço
g q g p ç
segundos depois. Gorgolejando com o sangue que ameaçava afogá -la,
agarrou a seta em sua garganta e a arrancou enquanto espiralava para o
chã o.
Mesmo seus ventos nã o conseguiam mantê-la no ar com sua asa tã o
danificada.
Ela caiu, mas nã o caiu. Sua garganta já estava se curando, mas
permanecia em desvantagem com sua falta de glamour. Mas tinha
outros ativos, incluindo sua mente. — Lute como um arcanjo, nã o como
um ladrã o furtivo! — ela desafiou quando sentiu garras passarem tã o
perto que quase afundaram nela.
Um silvo de raiva e entã o lá estava ele, seu rosto um ricto tã o apertado
que era animalesco, seus olhos já nã o tinham muito pensamento
senciente. Com os dentes cerrados, ele disse: — Te matar. Acabar com
você.
Sem Senhora! Sou Antonicus!
Muito ferida para se mover rá pido o suficiente para evitar seu poder, ela
levou um golpe direto no estô mago. Mas embora queimasse e ardesse e
a fizesse fazer careta de dor, nã o cavou em seus ossos como fogo de
anjo...
e ela soube. — Você nã o é Antonicus, — ela sussurrou, puxando
Firelight. —
Antonicus está morto.
Gritando, ele veio para ela com as garras à mostra, todo o sentido e
razã o desaparecidos. Ela empurrou Firelight profundamente em seu
coraçã o, entã o usou seus ventos para empurrá -lo de volta até que
estava preso na á rvore mais pró xima por sua espada. Tã o perto, o
cheiro dele entupiu suas vias aéreas e fez seu intestino querer se ejetar
pela boca.
Olhos vermelhos travados com os dela, ó dio em suas profundezas.
Mas quando ele tentou atingi-la com seu poder, nada saiu além de um
mero fio. — Comida, — ele rosnou. — Comida. Combustível.
Zanaya pensou no monte de mortos de Lijuan, os corpos de seus leais
guerreiros vazios e ocos de toda a vida. Silêncio onde tantas vozes
tocaram.
Mã os estendidas na morte, como se implorassem à sua amada deusa
por misericó rdia.
Crueldade além da crueldade.
— Nenhum arcanjo precisa atacar os outros para ganhar poder, — ela
disse a esta criatura que já foi um homem de integridade e honra. —
Mesmo Lijuan só usava os outros para se inchar – sempre teve um nível
inato de poder arcangélico. Você nã o é mais um arcanjo.
Ele gritou... mas as palavras que cuspiu depois foram inesperadas ao
extremo. — Me mate.
Ela hesitou, o tom da demanda tanto do Cadre que ela questionou sua
conclusã o de que ele renasceu. — Antonicus? Você existe? — Ela nunca
q
iria acabar com ele sem estar absolutamente certa. — Se tudo que você
precisa é de um Sono muito mais longo, entã o essa pode ser a melhor
escolha.
Uma ú nica lá grima rolou por seu rosto, os olhos que mantinham os dela
nã o mais ferozes, mas tã o tristes que eram desespero em sua forma
mais pura. — Farei o que minha Senhora deseja.
Era seu sangue através do qual a raiva queimava agora. — Nã o sou sua
Senhora, — disse ela. — Você é um arcanjo! — Obrigando-se a tocar seu
corpo em putrefaçã o, ela apertou a mã o sobre seu ombro à maneira de
camaradas.
Ele era um calafrio de ossos sob a pele que parecia que iria cair dele a
qualquer momento. Mas seu rosto estava tranquilo agora, um leve
sorriso nos lá bios. — O que deseja de mim, Senhora?
Dentro dos gritos fracos dentro de sua cabeça, no entanto, ela ouviu um
que era alto e claro e de um arcanjo. Acabe com isso! Acabe comigo! Eu
te imploro, Zanaya!
Ela cambaleou, seus olhos queimando. — Antonicus. — Um sussurro.
— Você é um Antigo. — Matar tanta vida, tanta histó ria quando poderia
haver esperança de recuperaçã o era uma abominaçã o.
Mas o grito dentro de sua cabeça foi subitamente ecoado por palavras
forçadas a sair de uma garganta que nã o queria cooperar. — Só sonho
com ela, — Antonicus murmurou, o meio sorriso estranho ainda em seu
rosto enquanto o homem que uma vez foi um arcanjo lutava contra o
mal nele que o compelia a se submeter. — Meu sono é um pesadelo.
Agora ela me fez um escravo.
Riachos de sangue escorriam por seu rosto enquanto sua pele se
rasgava com a força com que ele apertava a mandíbula. E esse sangue...
era verde e escuro, fétido e podre.
Na sua frente, ele lutou para encontrar sua voz novamente, enquanto
dentro de sua mente, seus gritos se tornaram guturais. Ele estava
perdendo os ú ltimos pedaços de si mesmo, ela percebeu. Em breve, nã o
seria nada além de uma besta irracional sujeita à vontade dela.
— Nã o, — ela disse, e o encarou pela ú ltima vez. — Nã o vou permitir
que ela faça isso com você, Antonicus, Arcanjo de Elysium. —
Arrancando Firelight de seu corpo, ela deu um passo atrá s, raiva e dor
travando sua garganta.
Zani! Alexander caiu ao seu lado, com tanta força que ela sentiu um
tremor de terra. Xander está seguro com Sharine. Ela voou para cá para
procurar com um esquadrão.
Sharine, a Colibri, era uma das poucas pessoas, sabia, a quem Alexander
confiaria seu neto. Ela deveria saber que o general encontraria uma
maneira de cuidar dos dois pedaços de seu coraçã o.
— Você está ferida, — disse ele, suas mã os em punhos enquanto olhava
para o buraco sangrento na sua garganta.
Está tudo bem, amado, ela disse mentalmente. Eu vou curar. Hoje,
estamos encarregados de uma tarefa terrível e necessária.
Em voz alta, ela disse: — Antonicus está pronto para ir, — como o
arcanjo que morreu na frente dos olhos deles apenas para ser forçado a
acordar quando um monstro conseguiu forçá -lo, embora seu peito fosse
uma goela sangrando, seu rosto rachado por riachos de morte.
Antonicus foi arrogante e muitas vezes um idiota, mas cumpriu seu
dever como arcanjo. Nã o merecia ser humilhado no final, toda sua
histó ria reduzida a essa criatura que nã o era mais Antonicus, mesmo
que alguma
parte de sua mente ainda existisse lá dentro. Mas ela daria paz a esse
lampejo final do ser que uma vez foi um arcanjo.
— Alexander, você e eu devemos jurar nunca revelar este Antonicus aos
outros, — ela disse. — Sua histó ria terminará no dia em que ele voou
para o nevoeiro negro. Com coragem e coraçã o. Diremos que nã o temos
nenhum outro conhecimento de seu paradeiro. Em breve, ele se tornará
uma lenda, o Adormecido perdido.
Alexander deu um breve aceno de cabeça mesmo quando o semblante
de Antonicus ficou agradecido – e orgulhoso. Seus ombros se
endireitaram tanto quanto possível, sua expressã o decidida.
— Nunca fomos amigos, você e eu, — Alexander disse ao arcanjo
moribundo, — mas você foi um grande arcanjo. Boa jornada além do
véu.
Antonicus nã o respondeu, seu rosto se contorcendo novamente
enquanto lutava para manter os ú ltimos pedaços de si mesmo, mas
dentro dela os gritos ficaram cada vez mais altos. Amado, isso deve ser
um ato privado. Ele é orgulhoso demais para aceitá-lo como testemunha.
Alexander subiu ao céu sem discutir.
E um pá lido raio de luz do amanhecer atingiu a carne em decomposiçã o
do rosto de Antonicus.
— Você nã o é escravo de ninguém, Antonicus, nem servo de ninguém.
— Ela fez suas palavras duras, absolutas. — Você é um arcanjo. E
escolheu seu final. — Entã o ela liberou seu poder.
Ele nã o revidou. Nã o era possível revidar.
Seu fogo de meia-noite, uma coisa nã o de calor, mas do coraçã o frio da
noite o engolfou. Seu rosto era um tormento de dor enquanto ele
morria, mas dentro de sua cabeça, ouviu a clareza das palavras ditas na
voz de um arcanjo respeitado e honrado – e em paz: Obrigado.
Acabou rá pido.
Isso lhe dizia mais do que tudo o quã o pouco de Antonicus permaneceu
dentro daquela casca apodrecida. Arcanjos nã o morriam fá cil.
O que se transformou em cinzas na sua frente era tanto um autô mato
quanto o renascido que rastejou até ela pela grama.
Lá grimas ainda rolavam por seu rosto com tal fim de uma vida gloriosa.
Recusando-se a deixar suas cinzas lá , criou um pequeno redemoinho
que sugou os restos. Entã o subiu ao céu com o redemoinho ao seu lado.
Alexander, que – como ela esperava – esperou perto o suficiente para
ajudar caso a situaçã o mudasse, juntou-se a ela, e voaram juntos até
que estavam nas profundezas das á guas ensolaradas do oceano.
Lá pararam, o redemoinho na frente deles.
Nã o havia necessidade de mais palavras, mas sentiu que deveria dizê-
las. — O Arcanjo Antonicus morreu há uma década. Mas o que fica aqui,
damos à á gua, na esperança de que também este ser encontre a mesma
liberdade.
Alexander pegou a sua mã o enquanto ela soltava o redemoinho, e as
cinzas caíram suavemente no azul brilhante. — Nó s cometemos um
erro naquela noite no forte da fronteira de Neha, nã o foi, Zani?
Garganta ainda grossa, ela balançou a cabeça. — Nã o, nã o poderíamos
condená -lo à morte quando ele poderia ter uma chance de vida. Deste
jeito... ele fez a escolha. Ele pediu a morte.
Os dedos de Alexander apertaram os dela. — Acha que os outros que
dormem vã o se levantar como ele?
— Eu diria nã o para Astaad e Michaela – eles foram feridos na batalha
contra Lijuan, e enquanto isso vem com seus pró prios perigos,
Antonicus voou para a névoa da morte. Você me disse que Favashi ficou
doente depois de estar na China?
— Sim, Lijuan deixou uma armadilha desconhecida para ela.
— Entã o, ela é a que está em maior risco. Mas ela também passou mais
tempo no abraço de Cassandra até agora - e nã o parecia nada com
Antonicus quando acordou antes da guerra. As chances sã o altas de que
esteja segura, mas nã o saberemos até que ela acorde. — Zanaya nã o
conseguia mais ver nenhum vestígio de cinzas, os ú ltimos ecos de uma
vida antiga sem deixar vestígios. — Tenho um pedaço do dom de Lijuan
com os mortos.
Alexander segurou seu rosto, sua pele dourada sob os raios do sol. —
Você é uma mulher de coraçã o, minha consorte. Você dá misericó rdia.
Você nã o os usa.
Palavras simples que tiveram um efeito profundo em sua compreensã o
de quem era agora - um arcanjo que podia atrair os mortos
remanescentes para ela, dar-lhes a verdadeira paz. — Sim. Aceito este
encargo e esta honra. — Nunca mais temeria os mortos infectados ou
os renascidos que restaram no mundo - pois eram criaturas presas e
gritando.
A cada um que desse misericó rdia, traria um pouco mais de luz para
este mundo ainda em cura.
— Abrace-me, general, — ela disse e, envolvendo seus braços ao redor
de sua cintura, colocou seu coraçã o em seu peito. — E vou te abraçar.
Nó s dois fomos feridos esta manhã .
A respiraçã o ofegante de Alexander era uma coisa dolorosa quando a
envolveu com os braços apertados onde pairavam acima da á gua, dois
arcanjos que confiavam um no outro o suficiente para depor todas as
suas armas, abaixar todos os seus escudos, revelar todas as suas
feridas.
Bem acima deles, uma solitá ria coruja branca voou até desaparecer nas
nuvens.
CAPÍTULO 59
Xander era muito da linhagem de seu avô , Zanaya pensou nã o pela
primeira vez quando abaixou a cabeça para verificar o neto de
Alexander.
Enquanto Sharine e o esquadrã o com ela o levaram primeiro para a
fortaleza mais pró xima de Titus, os curandeiros autorizaram uma
transferência para a fortaleza de Zanaya assim que Xander se
estabilizasse.
Entã o agora Zanaya tinha um hó spede muito divertido e inteligente –
que também possuía uma deliciosa tendência a corar apesar de seus
melhores esforços para reprimir o traço. Um comandante de esquadrã o
jú nior de duzentos anos, ele nã o era um menino, exceto para ela e
Alexander. E como comandante, era muito amado por sua ala e
companheiros mais amplos.
Tantos jovens anjos pediram permissã o para visitar a fortaleza que
Aureline designou um ajudante separado para a tarefa. — Eu tinha
esquecido a impaciência da juventude, — sua segunda disse na época.

Uma hora apó s a solicitaçã o e nos contatam para perguntar o motivo da
demora em nossa resposta. — Risada. — Tive que colocar um tom
extremamente severo de “antigo velho empoeirado” para fazer com que
todos se acalmassem e deixassem meu ajudante em paz.
Hoje, porém, Zanaya encontrou Xander sozinho. Com o cabelo
despenteado do sono tã o escuro quanto a semente de cacau e a pele de
um
ouro mais profundo, o neto de Alexander estava sentado ereto na cama;
sua parte superior do corpo esbelta e musculosa estava nua, exceto pela
pomada que cobria suas feridas em cura, sua testa franzida enquanto se
concentrava num “laptop”.
A palavra nã o fazia sentido para Zanaya. Sim, estava no colo dele. Mas
dificilmente era um piã o, era?
Ele olhou para a entrada dela, cheirou o ar... e colocou seu laptop de
lado, sua asa saudável farfalhando contra a cama com o movimento.
Nã o que a asa estivesse intacta; tinha feridas lá , mas provaram ser
menores no grande esquema das coisas e se curariam sem qualquer
intervençã o importante. Xander, no entanto, queria que a asa fosse
extirpada, para equilibrar seu corpo enquanto curava – uma escolha
comum entre os guerreiros. Mas, para seu desâ nimo, os curandeiros
vetaram essa opçã o: com os outros ferimentos de Xander sendo o que
eram, nã o desejavam que seu corpo desperdiçasse energia regenerando
uma asa que nã o apresentava danos significativos.
— Nã o tenho o há bito de amputar asas perfeitamente saudáveis, meu
jovem, — bufou o curandeiro mais antigo de todo o continente. —
Guerreiros.
Ao contrá rio do curandeiro irritável, Zanaya sentiu pena de Xander. Ela
perdeu uma asa em seu tempo e se livrou da outra como uma coisa
natural.
Caso contrá rio, teria sido inú til como lutadora de solo, seu
desequilíbrio e tensõ es musculares uma certeza – as asas angelicais nã o
eram exatamente pequenas ou leves, afinal.
Mas seu hó spede nã o estava de mau humor; gemeu com a decisã o,
entã o continuou aprendendo a ser o mais estável possível com uma asa.
Hoje, ele sussurrou: — Diga-me que meu nariz nã o mente, Lady Zanaya,
e que me trouxe hidromel de anjo.
— Beba rá pido, — disse ela, colocando a bebida â mbar em sua mã o
ansiosa. — Devemos nos livrar de todas as evidências antes que a
Curandeira Apania nos pegue.
Um brilho brincalhã o nos olhos de um marrom pá lido atravessado com
cacos de cinza, ele disse: — Nunca soube que os arcanjos tinham medo
de curandeiros antes.
— Todos os anjos inteligentes têm medo de curandeiros, — ela falou
lentamente, e se sentou na poltrona confortável ao lado de sua cama.
Era
uma de duas. Alexander retornou ao seu territó rio por um curto
período para lidar com um assunto inesperado, mas por outro lado,
frequentemente visitavam Xander juntos.
Que, depois de tomar uma bebida saudável, se inclinou para ela. —
Você vai me contar? — Embora sua asa decepada mal tivesse começado
a cicatrizar, a á rea contra sua coluna, onde foi tã o cruelmente cortada,
coberta de unguentos e coisas do gênero, e seus outros ferimentos
faziam parecer que um inseto gigante o mordeu, nã o havia como
diminuir a luz em seu olhar.
Os curandeiros estavam preocupados com traumas persistentes, mas
ele era mais neto de um general do que Alexander percebeu,
pragmá tico e cabeça-dura. Xander viu seu ataque do bando de
renascidos como nada mais do que um encontro desagradável com um
inimigo que lutavam há anos.
E embora nã o reconhecesse Antonicus na época, prometeu honrar a
promessa que Zanaya e Alexander fizeram ao Arcanjo de Elysium. —
Nunca vou falar dele como o vi, — ele disse. — No que diz respeito ao
mundo, direi que fui agredido por um renascido agressivo depois que
pousei para comer uma refeiçã o. Sem minha asa, nã o há evidências da
seta da besta, nenhuma pergunta a ser respondida.
Sim, esse filho de Rohan era um jovem que Zanaya se orgulhava de
chamar de família.
— Contar o que? — disse ela, divertindo-se muito com seu
conhecimento secreto.
— Por que o vovô ficou com um olhar atordoado no rosto enquanto
estava sentado bem ao seu lado e voou da varanda dois minutos depois,

foi a resposta seca. — Como se nã o estivesse me observando como um
falcã o sobre seu filhote.
— Nã o um falcã o, — Zanaya murmurou. — Um corvo. Como aquele
sentado na grade da varanda agora, de olho em você na ausência de seu
avô .
Uma pausa, uma ligeira inclinaçã o de sua cabeça enquanto ele olhava
através das portas escancaradas. O pá ssaro abriu suas asas e grasnou
uma saudaçã o antes de voltar para sua vigia sem piscar.
Xander olhou lentamente para ela. — Pensei que tinha imaginado o
corvo que me observava dos galhos enquanto eu lutava contra os
renascidos.
Zanaya deu-lhe um sorriso enigmá tico; deixe a criança descobrir os
mistérios de seu avô em seu pró prio tempo. — Se eu compartilhar o
que levou Alexander a sair do seu lado, deve manter isso para si mesmo
até que o conhecimento se torne generalizado.
— Eu prometo, — disse Xander imediatamente.
Ainda divertida, ela disse: — A Primeira General Avelina acaba de
acordar.
A boca de Xander caiu aberta. — Quer dizer a mã e do Arcanjo Titus?
Os ombros de Zanaya começaram a tremer de alegria. — Quatro irmã s
– e agora sua mã e está acordada! — Ela deu um tapa nas coxas. — E ela
deseja surpreender seus filhos. — Manter a boca fechada e a expressã o
composta em torno de Zuri e Nala estava consumindo toda a
considerável força de vontade de Zanaya.
Quanto a Phenie e sua outra irmã , Charo, sem dú vida ficariam perplexas
ao receber um convite formal para visitar as terras de Zanaya numa
semana para um jantar especial, mas dificilmente poderiam dizer nã o a
um arcanjo que “desejava conhecer a família de dois comandantes de
esquadrã o” que ela tinha na mais alta estima.
Alexander estava encarregado de levar Titus à mesa.
— Devo admitir que mal posso esperar para ver os rostos de seus
filhos, — ela confessou.
Um sorriso perverso que lembrou Zanaya de um jovem Alexander. —
O avô sempre fala sobre ela. Diz que ela deveria ser sua segunda
permanente, mas que ela nã o se sentia pronta para a posiçã o na época.
Acha que ela pode considerar isso agora?
Antes que pudesse responder, Xander acrescentou: — Tarek e outros da
Irmandade da Asa lidam com muitos assuntos da corte, mas Tarek
pediu ao Vovô para nomear um verdadeiro segundo - Tarek é um
sentinela, um guerreiro, quer voltar a se concentrar nisso.
— A posiçã o de Avelina está em discussã o. — No entanto, de acordo
com a ú ltima mensagem de Alexander, a primeira general se declarou
g p g
“velha e mofada o suficiente” para que estivesse disposta a assumir o
manto de segunda.
— Você a conhecia? — Xander perguntou com curiosidade juvenil. —
Vai me contar mais sobre ela? Ela é uma lenda entre os guerreiros.
Zanaya lhe concedeu seu desejo, mas suas pá lpebras começaram a cair
poucos minutos depois. Ela podia, no entanto, vê-lo lutando contra a
necessidade de dormir. — Descanse, Xander, criança do meu coraçã o. É
uma parte crítica da sua cura.
— Guerreiro, — ele murmurou, — nã o criança. — Mas sorriu quando
ela passou os dedos pelo cabelo dele.
Ela se sentou com ele até que caiu num sono profundo.
Seu coraçã o estava apertado, cheio de muito amor. — Tenho a honra de
conhecê-lo, Xander, filho de Rohan e Citrine, neto de Alexander e Jhansi,
— disse ela calmamente. — Mal posso esperar para ver quem você se
tornará . — Inclinando-se para dar um beijo em sua têmpora, entã o
puxou um cobertor sobre seu corpo curando e levou a caneca que
continha o hidromel.
Foi pega quando estava saindo do quarto dele.
— Esgueirando-se com contrabando, eu vejo. — Aureline ergueu uma
sobrancelha acima dos cílios decorados com pequenas penas que ela
coletou de suas pró prias asas.
A melhor amiga de Zanaya se apaixonou pela moda atual em
cosméticos e decoraçã o corporal, e estava experimentando as roupas
para ver qual gostava mais. O de hoje era um vestido curto e justo em
laranja outono com recortes triangulares alongados num ombro e na
cintura. Usava o vestido com os dispositivos de tortura chamados
“saltos altos”. O de hoje era um rosa dramá tico.
— Gosto do vestido, — disse Zanaya. — Como você entrou nisso é a
minha pergunta. — Ela se virou para procurar as fendas das asas.
— Nã o mude de assunto, — disse Aureline, falsamente severa. —
Como está nosso residente invá lido que nã o consegue ficar parado?
Sabe que tive que persegui-lo até a cama ontem depois que decidiu dar
voltas no jardim interno?
— Estou chocada.
Quando Aureline começou a rir da mentira totalmente transparente de
Zanaya, Zanaya entregou a caneca a um membro da equipe que passava
enquanto colocava um dedo nos lá bios. O vampiro de quatrocentos
anos sorriu. — Que hidromel?
— Exatamente assim. — Enfiando o braço no de sua melhor amiga
depois, ela disse: — Xander vai se curar. Vai levar tempo, mas ele ainda
é
jovem.
Com as asas se sobrepondo amigavelmente, as duas saíram para o
mesmo jardim carregado de aroma e cor que Xander escolheu para seu
exercício ilícito. — E você, Auri? — ela perguntou. — Está feliz por estar
acordada?
— Todos os dias, Zan, — foi a resposta imediata. — Este novo mundo é
muito estranho e adorável, embora sinta falta de nossa antiga fortaleza
no Nilo.
— Assim como eu. Pretendo reconstruí-la. — Ela fez uma pausa. —
Falando em nossa residência, Xander sugeriu que adicioná ssemos
mú mias falsas à entrada de nossa casa atual. “Para autenticidade, Lady
Zanaya.”
Também recomenda que eu adicione uma ao meu emblema.
O riso bufado de Aureline era algo maravilhoso e familiar.
Mas ninguém estava rindo duas horas depois, quando chegou a notícia
do general Rhys de que sua suserana, Neha, Arcanjo da Índia, Rainha
dos Venenos, das Cobras e Mã e de Anoushka Adormeceu.
— Ela estava cansada e com o coraçã o partido, — disse Caliane depois
que o rosto resoluto, mas aflito, do general desapareceu da tela. - Todos
nó s vimos, mas esperava que ela pudesse ficar mais um pouco.
Titus foi mais contundente em seu resumo. — Precisávamos que ela
ficasse mais tempo, — disse ele, sua mã o apertada em torno da lança
cerimonial que plantou no chã o. — O mundo acabou de se estabilizar.
Nenhum de nó s pode se dar ao luxo de deixar nossos territó rios e
assumir mais.
Zanaya meio que esperava que seu amante se voluntariasse para
absorver a Índia em suas terras. Alexander sempre esteve faminto por
mais, ainda mais. Mas hoje, seu olhar foi para outra. — Callie, os tempos
sã o exigentes. Você nã o pode mais governar apenas a cidade de Amanat
e a terra em que ela está .
Caliane suspirou. — Sim, e o pessoal de Neha me conhece como uma
aliada. Será uma transiçã o tã o suave quanto essas coisas podem ser.
Ninguém tinha qualquer objeçã o a isso. Se Zanaya tivesse que adivinhar,
diria que foi alívio que percorreu o Cadre. Certamente parecia assim
pela conversa alegre que eclodiu entre o grupo. Estamos, você acha, ela
perguntou a Alexander, num tempo de paz?
Olhos de prata pura encontraram os dela. Uma precária. Arriscaria que
Qin está se chutando por não ter desaparecido no instante em que você
apareceu em cena. Ainda podemos cair de nove para oito.
Zanaya lançou um olhar para o arcanjo que permaneceu em silêncio
durante toda a reuniã o. Mate esse pensamento. Governar com oito é
exaustivo – os vampiros continuam se convencendo de revoltas e anjos
estúpidos começam a acreditar que podem roubar e acumular território.
Não tema, arriscarei a vida e a integridade física e a condenação de sua
governanta adormecida para tentar o ritual do fogo para limpar o
cosmos de seu pensamento rebelde.
Ele abaixou a cabeça ligeiramente para esconder seu sorriso, enquanto
os outros do Cadre terminavam sua feliz discussã o. Bem, exceto Qin. Ele
Q
nunca estava feliz. E, na verdade, ela nã o era tã o dura de coraçã o que
nã o sentisse pena dele por sua separaçã o de Cassandra. Espero que Qin
encontre seu final feliz um dia, amado. Que angústia deve ser estar vivo
num mundo em que sua amada não pode existir sem ficar muito, muito
louca.
Uma coruja branca pousou no ombro de Qin naquele momento,
afofando suas penas antes de se estabelecer. Os olhos da criatura eram
de um ouro vívido.
CAPÍTULO 60
Alexander voou de volta para Zanaya cinco dias depois da reuniã o
sobre Neha. Chegando na luz cinzenta do amanhecer, olhou pelas portas
abertas da varanda do quarto de seu neto para garantir que Xander nã o
estava em perigo - uma preocupaçã o sem necessidade, mas nã o podia
evitar.
— Vô . — Nã o só Xander nã o estava angustiado, estava andando pelo
quarto vestido apenas com as calças de seda que costumava usar na
cama para nã o corar quando Zanaya vinha visitá -lo.
Sua alegria ao ver Alexander era irrestrita e aberta.
— Pensei que os curandeiros lhe disseram para nã o fazer exercícios.
Estremecendo, Xander deu outro passo. — Nã o me diga que você
concorda com eles?
Como Alexander nã o era hipó crita, deu o braço ao neto... e
gentilmente puxou a cabeça desgrenhada do menino para perto para
dar um beijo em seu cabelo. — Você é um pedaço pulsante do meu
coraçã o, Xander. Nunca esqueça isso.
— Eu também te amo, vovô , — disse Xander com a facilidade de um
jovem que nunca teve que questionar o amor de sua família.
Decidido a ajudar seu neto em sua pequena rebeliã o, Alexander o
ajudou a vestir uma jaqueta para proteger seu corpo devastado do ar
frio da manhã , entã o os dois saíram para a varanda e desceram os
pequenos degraus que levavam a um jardim que prosperava no solo
arenoso da regiã o, a terra em que as plantas enterravam suas raízes
uma mistura de marrom e laranja.
Ao redor deles, as folhas brilhavam com o orvalho, as flores já abertas à
luz da manhã , e a névoa que se enrolava no chã o um acento delicado. Os
pavõ es locais, de formas atarracadas e com penas iridescentes de azul,
verde e preto, pequenas cristas em suas cabeças igualmente
minú sculas, vagavam pelos caminhos limpos, enquanto ao longe vinha a
trombeta de um elefante.
Imaginou que podia sentir o cheiro de Zanaya neste espaço - embora
talvez nã o fosse sua imaginaçã o. Esta era sua casa, afinal. Sua casa
também.
Deles.
Um lugar que fariam onde quer que escolhessem estar juntos.
— Ela é incrível, Lady Zanaya, — disse Xander quando pararam para
que o neto ferido de Alexander pudesse recuperar o fô lego.
Ah, o menino já estava meio apaixonado por ela. — Você nã o terá
nenhum argumento de mim, neto. Amei apenas uma mulher em toda a
minha existência, e o nome dela é Zanaya.
Xander lançou-lhe um olhar, os olhos castanho-acinzentados beijados
pela luz do amanhecer. — Nunca vi você desse jeito, vovô .
— Suado de um longo voo?
— Jovem. — A palavra era suave. — Quando você ri com ela, sorri com
ela – se nã o te conhecesse como um Antigo, nunca adivinharia. Papai
era assim com mamã e.
O coraçã o de Alexander parava cada vez que seu neto usava esses
termos afetuosos para se referir a Rohan e Citrine. Saber que seu filho e
a companheira de Rohan amavam tanto seu filho que esse menino os
levaria para sempre em seu coraçã o? Significava uma quantia
indefinível.
— Nó s nã o falamos muitas vezes de sua mã e, — ele disse, tristeza em
seu coraçã o pela ausência de suas pró prias memó rias de Citrine.
Xander se iluminou enquanto falava de sua mã e. — Ela era inteligente,
mas gentil e calma com isso, enquanto papai era um lutador até os
ossos –
ele nã o era cabeça-quente, mas era... grande. Em suas emoçõ es, em
como falava, no que queria da vida.
— Sim, Rohan sempre foi uma criança ousada.
— Foi só depois dos cem anos que vi que mamã e tinha seu pró prio
poder — e isso vinha de estar em paz. A verdadeira paz, avô , percebi, é
uma mercadoria rara. Nã o sã o muitos, mortais ou imortais, que a
alcançam. Mas minha mã e teve isso toda minha vida. Até parece... como
se pudesse ouvir a respiraçã o do universo e estivesse sintonizada com
ela.
— Eu acho, — Alexander disse rudemente quando conseguiu falar
novamente, — que você tem mais do que um pouco de sua mã e em
você, Xander. Vejo Citrine claramente agora.
Um aprofundamento no sorriso de Xander. — Ela gostava de você, sabia
disso? — Quando Alexander balançou a cabeça, Xander disse: — Ela
costumava me contar histó rias sobre meu avô lendá rio e me ensinou
que meu pai era um pai tã o bom porque você era um bom pai para ele.
Alexander engoliu o nó na garganta. — Você me deu muita alegria hoje,
Xander.
Os dois andaram um pouco mais antes de Xander falar novamente. —
Posso perguntar como conheceu Lady Zanaya? — Adoraçã o em seu
tom. —
Nunca conheci ninguém como ela.
— Vai me desafiar por ela entã o?
Listras de cor nas maçã s do rosto de Xander. — Avô , eu nunca...
Alexander riu e abraçou os ombros do menino. — Sinto muito, criança.
Nã o pude evitar.
Um olhar afiado. — Viu? Você é mais jovem com ela, por causa dela.
Nã o tã o... oprimido pelo poder e pela vida.
*
Alexander se viu refletindo sobre as palavras de seu neto muito depois
que Xander estava de volta na cama, dormindo profundamente devido
q p
aos
seus esforços. Alexander já havia se lavado antes de se juntar a sua Zani
na cama. Quente e nua, ela o recebeu com seu beijo e seu coraçã o e ele,
um homem que sempre quis mais, ainda mais, estava feliz por apenas
ser.
Quando acariciou a curva de seu quadril, seus lá bios na parte de trá s de
seu pescoço, ela sorriu um sorriso suave e preguiçoso, e estendeu a
mã o para enrolá -la em torno de sua nuca. Se beijaram novamente, a
pele dela tã o quente, a dele ainda fria. Mas esquentava a cada beijo,
cada carícia, cada pergunta feita e respondida enquanto dançavam a
dança lenta de amantes que nã o precisavam se apressar.
*
— Acha que nó s paramos de viver em algum momento? — ele disse
para Zanaya enquanto estavam emaranhados no rescaldo, todos os
membros líquidos e prazer meloso. — Fazemos mais do que existir.
Cumprimos nossos deveres. Cuidamos do nosso povo. Mas... deixamos
de viver como antes?
A resposta de Zanaya foi simples. — Sim.
Atordoado pelo golpe, lutou para encontrar sua voz novamente. —
Você diz isso com tanta facilidade, Zani.
Ela desenhou um delicado padrã o na pele de seu peito enquanto estava
deitada em seu ombro, sua asa abaixo de seu corpo e uma das dela
arqueando sobre ele. Seu cabelo era uma maciez de seda contra seu
braço, o peso dela era muito leve para o poder em sua estrutura.
— Nã o foi nada fá cil quando percebi, — disse ela. — Lutei contra a
verdade disso por anos, mas tive que enfrentá -la. Onde antes minha
vida era fogo e cor semelhante a um pô r do sol sobre meu Nilo, tornou-
se uma paleta suave. Você permaneceu a faísca mais brilhante da minha
existência, e até mesmo você começou a desaparecer. Nã o podia
suportar isso, amado.
Alexander respirou dolorosamente, perguntou: — O seu mundo é pô r
do sol e fogo de novo, Zani?
Erguendo-se no cotovelo ao seu lado, ela passou os dedos pelo cabelo
dele. — É selvagem, bonito e brilhante. — Seu olhar procurou o dele. —
É o mesmo para você?
— Sim. Por sua causa. — Ela era o fogo em seu sangue.
Um longo silêncio cheio de memó rias faladas e nã o ditas.
— Eu queria pedir um presente seu, — disse ele finalmente.
Lá bios puxando acima num meio sorriso curioso, ela esperou.
— Gostaria de alterar meu emblema para incluir seu Nilo. Para que meu
corvo voe sobre seu rio.
Ela respirou fundo, suas pupilas se expandindo para sobrecarregar sua
íris. — Alexander.
Agarrando a mã o suavemente em seu cabelo, ele disse: — Eu te amo,
minha Zani. Te amarei até o fim dos tempos, seja amanhã ou daqui a
p j q
eras.
Olhos brilhando, ela correu dedos trêmulos sobre sua bochecha. — Eu
te darei meu Nilo, — ela disse, seu tom rouco, — se seu corvo pousar no
meu ankh.
Uma expansã o dentro de seu peito, uma sensaçã o de infinitas
possibilidades. — Está feito entã o. — Sem dú vida o Cadre tinha notado
seu anel de â mbar, talvez até mesmo o â mbar no punho de sua espada,
mas ninguém disse nada sobre o assunto. Essa mistura de emblemas,
no entanto, era uma declaraçã o que nã o podia ser ignorada – ou
desfeita.
— Até o fim dos tempos, amado. — O beijo de Zanaya era luz das
estrelas e chuva de ébano.
Alexander, Arcanjo da Pérsia, abriu os braços e se rendeu a isso, a ela, a
eles. Até o fim dos tempos.
*
Acima da fortaleza, um bando de corvos impulsionados por um vento
de força e direçã o perfeitas voou num padrã o intrincado. Se alguém
abaixo pudesse rastrear seus movimentos, colocar no papel, teriam
visto um presente entre os consortes.
Nã o muito distante, numa terra de areia e vida, as pessoas apontavam e
gritavam maravilhadas enquanto o Nilo ondulava com estrelas caídas
numa forma que nenhum mortal terrestre poderia esperar adivinhar,
mas alguns raros anjos sortudos no céu conseguiram ver: um ankh no
qual estava sentado um corvo.
E muito abaixo da terra, uma vidente louca com suas visõ es sorriu... e se
permitiu descansar.

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