Alecrim Memoria

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Alecr im

Carmen Margarida Oliveira Alveal


Raimundo Pereira Alencar Arrais
Luciano Fábio Dantas Capistrano
Marina Dantas Pinheiro
Gabriela Fernandes de Siqueira
Gustavo Gabriel de Lima Silva
Thaiany Soares Silva

Natal/2011

Trabalho aqui, trabalho agora.


EQUIPE DO PROGRAMA Andréa Paula Ferreira de Souza Garcia
“MEMÓRIA MINHA COMUNIDADE” (Chefe do SPH – Setor de Patrimônio Histórico)

Carmen Margarida Oliveira Alveal


(Professora Dra. do Departamento de História – UFRN)

Raimundo Pereira Alencar Arrais


(Professor Dr. Departamento de História – UFRN)

Luciano Fábio Dantas Capistrano


(Chefe do SDDI – Setor de Documentação e Disseminação de Informações)

Gustavo Gabriel de Lima Silva


(Aux. de Pesquisa - Estagiário - SEMURB)

Marina Dantas Pinheiro


(Aux. de Pesquisa - Estagiária – SEMURB)

Gabriela Fernandes de Siqueira


(Aux. de Pesquisa - Graduada em História – UFRN)

Thaiany Soares Silva


(Aux. de Pesquisa - Mestranda em História – UFRN)

Carlos Raphael de Souza Rolim


(Aux. de Pesquisa - Estagiário - SEMURB)

COLABORADORES João Galvão do Nascimento Neto


(Arquiteto Urbanista – SEMURB)

Victor Hugo Dias Diógenes


(Graduado em Gestão Ambiental – IFRN)

Fernando Antonio Carneiro de Medeiros


(Diretor do Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística)

Paulo Rikardo Pereira Fonseca da Cunha


(Graduado em História – UFRN)

Wandemberg Viana Crisóstomo


(Mostorista – SEMURB)

Marcia Gabrielle Lima de Sena


(Graduada em Gestão Ambiental – IFRN)

CAPA E CONTRA-CAPA Victor Hugo Dias Diógenes I Arthur Felipe Simplício de Morais

LAY-OUT E DIAGRAMAÇÃO Victor Hugo Dias Diógenes


PREFEITURA MUNICIPAL DO NATAL MICARLA DE SOUSA
PREFEITA

PAULO EDUARDO DA COSTA FREIRE


VICE-PREFEITO

SECRETARIA MUNICIPAL DE JOÃO BOSCO AFONSO


MEIO AMBIENTE E URBANISMO SECRETÁRIO

SUELDO FLORENCIO DE MEDEIROS COSTA


SECRETÁRIO ADJUNTO DE FISCALIZAÇÃO E LICENCIAMENTO

CARLOS EDUARDO PEREIRA DA HORA


SECRETÁRIO ADJUNTO DE INFORMAÇÃO, PLANEJAMENTO
URBANÍSTICO E AMBIENTAL

EUGÊNIO CARLOS DOS SANTOS BEZERRA


SECRETÁRIO ADJUNTO DE GESTÃO AMBIENTAL

FERNANDO ANTÔNIO CARNEIRO DE MEDEIROS


DEPARTAMENTO DE INFORMAÇÃO, PESQUISA E ESTATÍSTICA

Trabalho aqui, trabalho agora.


Normalização Bibliográfica:
Jose Targino Lopes
Samya Maria Queiroz Maia

Catalogação na fonte. Processos Técnicos do Setor de Documentação e


Disseminação de Informações.

A474m ALVEAL, Carmen M. O.

Memória minha comunidade: Alecrim / Carmen M. O. Alveal,


Raimundo P. A. Arrais, Luciano F. D. Capistrano, Marina D. Pinheiro,
Gabriela F. de Siqueira, Gustavo G. de L. Silva e Thaiany S. Silva –
Natal: SEMURB, 2011.
200p. : il. ; 25x25 cm.

ISBN: 978-85-62752-07-0

1. Aspectos históricos - Bairro Alecrim - Natal(RN). 2. Memória -


Alecrim - Natal(RN). 3.Aspectos urbanísticos - Alecrim - Natal (RN). I.
Título.

CDD 981.3

Todos os direitos desta edição reservados à SEMURB - Secretaria Municipal


de Meio Ambiente e Urbanismo
Rua Raimundo Chaves, 2000 - Lagoa Nova
CEP 59064-390
Cuidar da cidade também
é preservar sua memória
Pensar a cidade, projetá-la para o futuro é acima de tudo buscar conhecer seu passado, preservar sua memória.
Seguir o conselho de nosso cidadão mais ilustre, Luis da Câmara Cascudo. Historiador da cidade de Natal, provinciano
incurável, mestre de todos Canguleiros e Xarias (respectivamente moradores da Ribeira e Cidade Alta, na Natal do passado),
com seu testemunho hoje sabemos muito do passado desta linda cidade, por muitos chamada de “Cidade do Sol”. Câmara
Cascudo nos ensinou a valorizar a história, e, seguindo esta trilha, tenho buscado, à frente da administração municipal,
apoiar projetos e programas centrados na construção da história.
O Programa Memória Minha Comunidade, pensado e desenvolvido nesta administração, tem como objetivo
principal valorizar o passado dos diversos bairros de Natal, não se restringindo à coleta de dados para a elaboração de um
livro, o que já seria uma ação considerável, mas estimulando a formação de um grande banco de dados referente à história
urbana de Natal. A idéia é construir um Portal da Memória, oferecer aos diversos estudiosos da evolução da cidade um lugar
virtual à disposição de pesquisadores com todo o acervo do Programa.
Democratizar a documentação histórica, fotos, documentos escritos ou não, organizados durante a pesquisa é uma
das nossas intenções. Tudo disponibilizado num Portal alimentado constantemente com novos materiais pesquisados. Um
exemplo é o acervo referente ao conjunto Cidade Satélite e ao Alecrim, lugares pesquisados para o Programa Memória
Minha Comunidade. Ao selecionar, organizar e catalogar, a Prefeitura disponibilizará este acervo a todos que tenham
interesse ou curiosidade de conhecer a história da cidade de Câmara Cascudo.
No instante em que a cidade volta-se para ações de grande relevância, como a copa de 2014, destaca-se, sem dúvida,
no âmbito do turismo cultural, o trabalho de pesquisa, por exemplo, “História dos Bairros”. Procurar outros lugares a serem
visitados por turistas é, na verdade, ampliar a média de permanência do visitante em nossa cidade. Vocação para o turismo
cultural nós já temos. Necessário é diversificar os produtos a serem ofertados pelos operadores, criando novas vagas no
mercado de trabalho e tendo como resultado desejado uma ocupação por todo o ano de hotéis e pousadas, alimentando a
rede produtiva ligada direta ou indiretamente ao ramo turístico.
O bairro centenário do Alecrim tem, ao longo de sua história, demonstrado força social, cultural e econômica. Como
chefe do executivo municipal, fico feliz em poder oferecer à minha cidade um pouco da história deste que é o quarto bairro
criado oficialmente. Alecrim do Cemitério, Relógio, Praça Gentil Ferreira, Base Naval de Natal, do grupo de Escoteiros Luiz
Soares, da Feira, do antigo Quitandinha, palco de diversos eventos culturais e políticos. Um lugar de cultura. Tem, na origem
do seu nome, a marca da solidariedade, personificada em uma senhora sem nome que em frente ao seu humilde casebre,
localizado nas imediações da atual Praça D. Pedro II, ofertava ramos de Alecrim aos acompanhantes dos cortejos fúnebres.
História contada por Cascudo em sua História da Cidade do Natal. Lição de amor que fez brotar um dos bairros mais
importantes de nossa cidade. Parabéns alecrinenses, parabéns a todas e todos que, como eu, ecoam a poesia de Nei Leandro
de Castro: Natal: convém amá – la!! Tenham uma boa leitura.
Natal, dezembro de 2011

Micarla de Sousa
Prefeita do Natal
Conhecer a história, conhecer a cidade!
A cidade é resultado do encontro e desencontro de diversos fatores responsáveis por sua formação. A compreensão
deste processo urbano é fundamental na concepção e execução de políticas públicas pautadas no desenvolvimento com
qualidade de vida. Quando assumi a Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo, busquei construir ações conforme este viés
do desenvolvimento com sustentabilidade.
No exercício de gestor do meio ambiente e urbanismo, no âmbito do município, encontrei em andamento o
Programa Memória Minha Comunidade. De imediato passei a apoiar essa iniciativa por entender o conhecimento histórico
como uma ferramenta importante para construção de instrumentos de ordenamento urbano numa perspectiva de
melhorias para as cidadãs e os cidadãos natalenses. Um Programa, que vai além do aspecto meramente da pesquisa, pois,
tem se transformado em um verdadeiro laboratório de história urbana em nossa cidade. Com a orientação, voluntária,
metodológica do professor Raimundo Arrais e da professora Carmen Alveal, do Departamento de História da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, temos avançado na preservação da memória e construção do saber histórico dos diversos
bairros de Natal.
A primeira experiência foi o conjunto Cidade Satélite, piloto do Programa Memória. Com o bairro Alecrim
consolidamos essa boa idéia de construir um acervo histórico resultado das pesquisas realizadas para o Programa. Construir
um acervo documental para acessibilidade desde o cidadão comum até o pesquisador acadêmico. Este é nosso objetivo.
Numa proposta de democratizar as informações referentes ao município, desenvolvemos, então, uma série de
ações com o objetivo de compartilhar com a população e os visitantes as pesquisas realizadas por esta Secretaria. Um dos
exemplos, é a Cartilha “Circuito Histórico Alecrim” e o “Circuito Histórico”, realizações concebidas dentro das
comemorações dos festejos do centenário do Alecrim. Demonstrações do compromisso dessa administração com a
preservação histórica de nossa cidade.
A leitura deste Alecrim centenário é na verdade um convite a todas e a todos, para conhecerem um dos bairros mais
tradicionais de Natal, lugar de memória da cidade dos professores Luiz Soares e Evaldo Carvalho, personagens
importantes na história deste grande bairro.
Natal, dezembro de 2011

João Bosco Afonso


Secretário Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo
O Alecrim das muitas
apresentaçao
memórias 2
Esta publicação se volta para um bairro centenário, o Alecrim, explorando aspectos significativos de sua história. O
livro trata um pouco da urbanização, do cemitério, dos meios de transporte, das ruas numeradas, das escolas, da
religiosidade, da feira, da vida das crianças nas ruas do passado, da praça Gentil Ferreira, do carnaval, do futebol, das festas
tradicionais e do cinema. Noutras palavras, ele trata de instituições, das formas que as pessoas adotam para se divertir,
expressar sua fé, participar da vida política, dos lugares importantes no cotidiano das pessoas que passaram ali muitos anos
de suas vidas e que hoje chegam de modo tão vívido às suas memórias.
Entre os Alecrins que podem ser evocados num livro, esse foi o Alecrim que adotamos. A pesquisa histórica
convencional, no domínio da história administrativa e da história urbana, foi decisiva neste trabalho, mas o Alecrim que
estamos apresentando aqui não é aquele que se encontra dentro do mapa da cidade definida como o domínio territorial
delineado pela autoridade e obrigações do poder municipal e pelos deveres cívicos dos seus moradores. A cidade delimitada
pela lei, integrada pelos bairros, traçados e nomeados por resoluções e decretos (Cidade Alta, Ribeira, Petrópolis, Tirol,
Alecrim...), que para serem reconhecidos basta que nos debrucemos sobre o mapa e acompanhemos com os olhos as linhas
divisórias que os contornam e separam uns dos outros.
Na perspectiva que adotamos neste livro, o Alecrim se apresenta como um lugar específico e um lugar vivido e não
apenas uma abstração (um mapa, um nome). A força do que é experimentado, apreendido por meio da mobilização de
todos os sentidos, desejado e sonhado, decorre do fato de que os moradores vão se impregnando lentamente, no curso do
tempo, daquele tumulto do comércio, dos cheiros, das histórias de trabalho, amor, medo e aventura, concentradas num
território específico localizado dentro da grande extensão que é a cidade de Natal. O alecrinense vive (mas sobretudo vivia)
de modo mais intenso a existência dentro desse pedaço da cidade, o bairro do Alecrim. Foi esse Alecrim da intensidade que
privilegiamos neste livro. Fomos buscar esse Alecrim nos jornais antigos, nos livros de estudiosos do bairro e da cidade, em
fotografias antigas e atuais, mas fomos buscar esse Alecrim sobretudo no campo da memória, fomos recolhê-lo dos relatos
dos seus moradores...
Assim, a história do Alecrim, essa história intensa e cheia de calor humano, não pôde ser escrita sem ouvirmos a voz
daqueles que viveram e vivem o bairro. Seus depoimentos revelam uma riqueza difícil de encontrar em outros tipos de
registros. O relato deles dá conta dessa vida de todos os dias, vida que com o passar dos anos foi se incorporando nas
edificações (casas que ruíram, que continuam ali, na paisagem, outras que despontaram e foram sendo admitidas aos
poucos na nossa familiaridade), nas pessoas que dividiram experiências entre si, no movimento e na quietude das ruas, na
rotina e na excepcionalidade. Acontece no Alecrim o que acontece nos bairros de vida intensa: parte da existência de cada
um dos moradores vai sendo depositada nos lugares, nos acontecimentos, na existência daqueles que chegam e que
partem, vida e recordação se fazendo e se dissipando nessa teia urdida por tantas mãos, vizinhas e invisíveis, amigas e
inimigas. Este livro nos ajuda a compreender a natureza coletiva dos testemunhos que utilizamos. Ao falar sobre o bairro,
nenhum morador, por mais individualista que possa parecer ao leitor, consegue deixar de se reportar à vida dos parentes,
amigos, vizinhos, amores...
Por outro lado, os testemunhos falam de lugares em que transcorreram os fatos decisivos de suas existências, e, em
virtude de longa convivência, esses lugares parecem que vão assimilando sentimentos positivos e sentimentos negativos,
de solidão, medo, desencanto com as mudanças – isso que converte o Alecrim de hoje num Alecrim que não é mais o Alecrim
“do meu tempo”, mas que, ao mesmo tempo, não deixa de ser o Alecrim, porque nele tem alguma coisa que perdura e resiste
ao tempo. Por isso algumas ruas ficam “tristes”, por isso alguns cantos foram se tornando “temerosos”. A culpa não é dos
lugares. Foi o gênero de vida que (moradores e administradores) fomos construindo dentro deles, foi o abandono a que
relegamos os lugares que fizeram deles lugares temerosos ou tristes, foi a inconstância do amor pela calçada que passa
diante da nossa casa, o desinteresse do nosso corpo pelo descanso e paz da praça.
Mesmo sem a pretensão de apresentar a história oficial do bairro Alecrim, deixando de lado uma história
administrativa do bairro (por sinal muito necessária), mesmo sendo presenteado com a fala expressiva de alguns
moradores, este livro (como em geral os livros sobre os lugares) não pôde abarcar todo o Alecrim, nem todos os Alecrins. O
Alecrim é tão grande... E são tantos Alecrins... Este livro nunca poderia trazer de volta o Alecrim. Porque o livro é palavra e
não carne. Ele não tem a pulsação da existência, não devolve o calor e as cores dos lugares onde as pessoas deixaram suas
vidas, desenvolveram seus sentidos, atravessaram suas experiências.
O Alecrim deste livro é só um bairro de papel. Entretanto, resistindo contra esse vento incessante e destruidor que há
tanto tempo sopra sobre nossa cidade e vai corroendo a nossa memória, como escrevia há mais de meio século o natalense
Câmara Cascudo, ficarão impressas nessas folhas algumas cintilações do Alecrim de ontem. Esperamos que os alecrinenses
se reconheçam nas recordações desses moradores que se dispuseram a partilhar conosco suas memórias e suas velhas
fotografias, e que as memórias deles despertem as memórias de outros, e assim, no encontro e no confronto das
recordações, apareça o rico e multifacetado Alecrim da memória, encravado e misturado no Alecrim de hoje. Esperamos que
estas folhas deixem uma contribuição modesta para manter aceso o Alecrim de cada um de nós.

Natal, dezembro de 2011

Os autores
Sumário Prédio antigo na rua Presidente Quaresma - Foto: Fernando Medeiros
13 Urbanização rumo ao Alecrim

23 A cidade dos mortos dá origem à cidade dos vivos:


Como o bairro começou por meio do cemitério do Alecrim

31 Transporte dos vivos, transporte dos mortos

39 De 1 a 18
Versões para a história das ruas numeradas

51- As escolas no processo de transformação do Alecrim

61 Um local para ver, ouvir e sentir: A feira livre do Alecrim

73 Os reis da rua

83 Praça Gentil Ferreira, uma quitandilha no Alecrim

93 Carnaval vem sempre para tremer a terra:


A folia do Alecrim

101 Um Alecrim de muitas festas

- No Alecrim tem cinema? - Tem sim senhor!


As salas de cinema no bairro Alecrim
109
A arte imitando a vida 115
-
Quem torce pelo Alecrim F.C.?
A relação entre Clube e bairro de mesmo nome
123
Vozes da comunidade 131
Bairro memória 147
Alecrim passado e presente 185
Referências 195
Relógio do Alecrim / Foto: Esdras Rebouças Nobre
Urbanização rumo ao Alecrim
Urbanização rumo ao Alecrim

Urbanização rumo ao Alcecrim

Ao norte o rio Potengi e a Cidade Alta; ao sul Lagoa Nova e Dix-sept Rosado; a leste
Barro Vermelho e Lagoa Seca, e, finalmente a oeste as Quintas. Uma área de 3444,73ha, uma
população residente de 28.705, conforme o censo 2010 do IBGE. A maior densidade
empresarial, dentre os bairros de Natal, destacando-se como um dos maiores centros
contribuintes de impostos das três esferas de poderes. Este é o Alecrim.
Um bairro criado oficialmente em 1911. Neste ano a cidade de Natal, possuía 28.477
habitantes e vivenciava diversas intervenções urbanas. Governava o Rio Grande do Norte,
Alberto Maranhão, o mecenas potiguar, responsável pela grande reforma do Teatro, à época,
Carlos Gomes, e a urbanização da Praça da República, hoje Praça Augusto Severo. O serviço de
bondes elétricos, a iluminação pública, o embelezamento das principais vias, exemplo da
antiga avenida Junqueira Aires, instalação de um relógio importado de Paris, a Balaustrada “A maior
com postes ornamentais ao longo do trecho compreendido entre a antiga Square Pedro Velho, densidade
Escola Atheneu, Igreja Presbiteriana, antigo Congresso Legislativo, foram algumas de suas
empresarial,
obras. Tudo no esforço de colocar a urbe, de dunas, rio e mar nos trilhos da modernidade.
O bonde do alto de Petrópolis, olhando o mar e encantando os passageiros, símbolo dentre os bairros
desse novo tempo, encurtando as distâncias, chegou em novembro de 1911 (CASCUDO, 2010, de Natal,
p.384), ao Alecrim nas proximidades do antigo Hospital de Alienados (hoje Centro de Saúde
destacando-se
Reprodutiva), é lembrado na poesia modernista de Jorge Fernandes (1970):
como um dos
O Bonde Novo maiores centros
O bonde que inauguraram contribuintes de
É amarelo e muito claro...
Sua campa bate alegre e diferente das outras...
impostos das três
E seus olhos vermelhos indicam Petrópolis... esferas de poderes.
Anda sempre cheio porque é novo... Este é o Alecrim.”
Chega na balaustrada espia o mar...
E os passageiros todos nem olham pro mar...
Só vêem o bonde novo...
Só ouvem a campa nova...
Aquele bonde só devia sair aos domingos
Pois ele é a roupa domingueira
Da repartição dos Serviços Urbanos...

15
Alecrinm
O natalense como que embalado pelo canto da modernidade, procura esquecer a
cidade colonial, com ruas estreitas, apresentando um casario formado por residências
conjugadas, organizadas em um formato onde o espaço privado (parte interna da casa) e o
espaço público (a rua), eram separados apenas por uma estreita calçada. A cidade moderna
respira ares de uma Belle Époque vista na produção literária de poetas e cronistas, traduzindo
essa nova época, que viu nascer o bairro da elite republicana, a Cidade Nova (1904), hoje
Petrópolis e Tirol.

Apontado pelos estudiosos da expansão urbana de Natal como a primeira intervenção


planejada em solo Potiguar, o bairro Cidade Nova, nasceu dos traços de Antônio Polidrelli.
Agrimensor, Polidrelli, foi contratado pelo Pte da Intendência Municipal com a finalidade de
dividir as terras dos atuais Petrópolis e Tirol, em grandes lotes e ruas largas para servir de
moradia das famílias mais abastardas da sociedade natalense. O urbanista João Mauricio
Fernandes de Miranda em seu livro, A evolução Urbana de Natal: em 400 anos, afirma:

Esse plano de Polidrelli foi o responsável pela implantação do padrão de


avenidas largas para Natal. Posteriormente, em 1929, Palumbo
conservou o mesmo padrão e projetou seu plano de sistematização para o
restante da cidade. [...] Esta foi a primeira preocupação de que se tem
notícia com a ordenação e o crescimento futuro do platô até as dunas,
pois já havia indícios nesta área que induziam sua expansão e ocupação.
(MIRANDA, 1999, p.63-64)

Essa Natal moderna conheceu a região onde nasceu o Alecrim, muito antes da
publicação da resolução da Intendência Municipal criando o quarto bairro. O historiador Olavo
de Medeiros Filho, faz referências a Datas de Terras de 1677, doações realizadas na longínqua
região da antiga cidade colonial.

Terras concedidas ao cap. Pedro da Costa Faleiro, sitas no “rio, fonte


desta cidade.” Um alagadiço desaproveitado... desde da testada da Data
do vigrª Paulo da Costa Barros para baixo, tudo que se achar até o rio
Salgado [...] pelos mangues acima até o porto que chamam da Nau do
Refoles[...] O chamado rio Salgado era o Potengi. O porto de Refoles
correspondia ao local, onde atualmente acha-se construída a Base Naval
de Natal. A maior parte da terra ficava no presente bairro do Alecrim.
(MEDEIROS FILHO, 1991, p. 67)

16
Urbanização rumo ao Alecrim

Olavo Medeiros Filho, em Terra Natalense, ainda faz referencia a Estevão Velho de
Moura. Segundo o insigne historiador, documentos de doação de terras datados do século
XVII, indicavam o domínio de terras do senhor Estevão de Moura, abrangendo parte dos atuais
bairros de Bom Pastor, Quintas e Alecrim. A ocupação, então, remonta ao período do Brasil
Colônia. O Cais do Sertão, como assim foi denominado o bairro Alecrim, teve sua região
ocupada muito tempo antes do 23 de outubro de 1911. A marcha demográfica foi se
estendendo em direção as áreas afastadas dos bairros centrais, até serem, totalmente,
incorporadas aos limites urbanos da capital Potiguar.
O poder público se fazia presente através da doação de terras. Desse modo o longínquo A Natal
Refoles (onde hoje localiza a Base Naval de Natal), foi ocupado, por homens e mulheres,
caminhava então
surgindo os primeiros casebres, florindo as roças, constituindo fazendas e granjas centros
fornecedores de alimentos para os moradores da Cidade Alta, Ribeira e a Cidade Nova, para além do
primeiros núcleos urbanos. Oitizeiro,
Este processo de formação do quarto bairro aconteceu lentamente. Lembremos os buscando novos
limites urbanos da cidade, a cidade portuguesa tinha seus marcos chantados nas margens do
riacho do baldo, antigo Oitizeiro (onde está localizado a COSERN) e nas imediações da atual espaços,
transformando a
urbe colonial
numa cidade
moderna.

Av. Presidente Quaresma (Av. 1)


Acervo O Potiguar

17
Alecrinm
Praça das Mães. Estes eram os marcos fronteiriços erguidos
pelos colonizadores.
A urbe cresce alem das suas fronteiras rumo ao interior
da província. Neste processo de expansão urbana destaca-
se a instalação do primeiro cemitério (1856) e do Lazareto da
Piedade (1882), equipamentos urbanos, erguido para
abrigar os mortos e cuidar dos enfermos da cólera. Símbolos
da presença do governo em uma região, então, isolada da
cidade.
Verificamos em diversos momentos de formação do
quarto bairro, o desenvolvimento relacionado a instalação
de equipamentos públicos e a consequente consolidação do
Alecrim como unidade administrativa da cidade. A Cidade
dos Mortos e o Hospital são construções fundamentais neste
processo de evolução pois, em seu entorno e com o
funcionamento destas unidades passa a existir uma vida
mais intensa nesta região, caracterizada pela presença
abundante de arbustos de alecrim nos campos, antes, lugar
de criação e roçado.
A Natal caminhava então para além do Oitizeiro,
buscando novos espaços, transformando a urbe colonial
numa cidade moderna. Este foi o desafio proposto por Omar
Grant O'Grady. Primeiro prefeito a governar os destinos da
capital potiguar de 1924 a 1930, quando teve seu mandato
interrompido pela chamada Revolução de 1930. Homem da
engenharia, formado nos Estados Unidos, O'Grady,
caracterizou sua administração por uma política arrojada de
estabelecimento dos alicerces de uma ação planejada de
ocupação do solo urbano. Desde o começo de sua
administração, O'Grady procurou implantar um
ordenamento urbano, fundamental, quando pensamos no
desenvolvimento da cidade. Durante sua administração é
promulgada a Lei nº4/1929 responsável entre outras
medidas, pela regulamentação das construções realizadas
na cidade, aparelhando, deste modo, o Executivo Municipal
de instrumentos legais de fiscalização. Essa Lei refere-se
Trecho da Lei nº 4/1929 também ao zoneamento da cidade de Natal.
18
Acervo SEMURB
Urbanização rumo ao Alecrim

Em 1929, o prefeito de Natal contratou o arquiteto Giacomo Palumbo, com o objetivo


de elaboração do Plano Geral de Systematização da Cidade de Natal, projeto importante ao
pensar a cidade e seu crescimento futuro, organizando o zoneamento da cidade. O objetivo
era criar setores com funções específicas. Um plano que olhasse a Natal do futuro, este:

Plano Geral de Sistematização de Natal “projetava” uma cidade de cem


mil habitantes, número alcançado apenas a partir de 1950. Esta visão de
futuro deve ser destacada porque demonstra uma sensibilidade em fazer
da cidade um lugar melhor de se viver.(CAPISTRANO, 2008, p.44)

Neste aspecto o Alecrim ganhou uma dinâmica própria, transformando-se numa


espécie de “bairro mercado”, aproveitando a vocação da região e também o seu traçado
urbano que permitia uma maior ligação com outras regiões de Natal e do interior.
É interessante quando nos referimos a ocupação urbana do Alecrim, pensar Natal
como a região pólo, lugar em que existiam as melhores oportunidades. Emprego público,
atividades comerciais, como aponta o estudo da geógrafa Gersonete Sotero da Cunha:

Natal era considerado o lugar que oferecia alternativas de sobrevivência,


sede do comercio, dos organismos públicos e privados, e os imigrantes
constituíam a força de trabalho abundante e barata, ajudando os
comerciantes a acumular capital e riquezas. O Alecrim foi um dos bairros
que mais abrigou essa população. [...] Alecrim era o bairro de mais fácil
acesso ao poder aquisitivo dos imigrantes. Além disso, a existência de
sítios, vacarias, feiras, simplicidade de vida e outras características,
tornavam-no o bairro preferido por esses fluxos. Por isso, o Alecrim
chegou a se tornar o bairro mais populoso da cidade. (CUNHA, p.11, 1991)

Este crescimento populacional junto com outros fatores causaram as diversas


modificações dos limites do Alecrim. A Resolução nº151 delimitou os seus limites originais,
modificados em 1947 e 1994, com as novas Leis de limites de bairros.

19
Alecrinm

Mapa Limites do Alecrim


Elaborado por Victor Hugo Diógenes

20
Urbanização rumo ao Alecrim

O traçado urbano do Alecrim com


avenidas largas e caracterizado como bairro
irradiador de vias para o interior do estado, é
resultado, em parte, do Plano Geral de
Systematização, coordenado por Giacomo
Palumbo. Este modelo, pensado em 1929,
continua sendo o principal viés do
planejamento urbano, pois mesmo os
Planos Diretores iniciados em 1974
continuam tendo como matriz este formato.

Plano Geral de Systematização - Giacomo Palumbo


Elaborado por Aslan

21
Vista da Igreja São Pedro a partir do Rio Potengi / Foto: Esdras Rebouças Nobre
A cidade dos mortos dá origem
à cidade dos vivos:
Como o bairro começou por meio do
cemitério do Alecrim
A cidade dos mortos dá origem à cidade dos vivos

A cidade dos mortos dá origem à cidade dos vivos: Como o


bairro começou por meio do cemitério do Alecrim

Ainda no século XIX o Alecrim não era um bairro, mas sim uma localidade na região
limítrofe de Natal, que até então possuía somente dois bairros: a Ribeira e a Cidade Alta.
Poucos dos que habitavam a cidade foram observar o Presidente da Província do Rio Grande
do Norte, Antônio Bernardo de Passos, inaugurando o cemitério Público da cidade, no ano de
1856. O cemitério tornou-se o marco da ocupação das terras que deram origem a um dos
bairros mais populosos de Natal, o Alecrim.
Área de pouquíssimos moradores, no período inicial existiam poucas casas na região
do Refoles, nome mais antigo do Alecrim e cuja origem foi mencionada desde o século XVI. Por
ser o Potengi o rio preferido do pirata francês Jacques Riffault, onde ele escondeu tantas vezes
seu barco neste local. Esse fato marcou bastante a memória popular.
Por algum tempo a extremidade habitada era a Mangueira, onde
Fausto Leiros, cidadão comum, plantou um roçado. O Alto da Bandeira
era o cruzamento das ruas Fonseca e Silva com a Presidente Quaresma. “Área de pouquíssimos moradores, no
Ali foi fincada uma bandeira a fim de orientar os trabalhadores que período inicial existiam poucas casas na
passavam. região do Refoles, nome mais antigo do
Outro ponto de agrupamento de pessoas era conhecido
inicialmente como a Baixa da Égua. Posteriormente, o vigário João Maria
Alecrim e cuja origem foi mencionada
mudaria o nome para Baixa da Beleza e assim permaneceu. A região desde o século XVI”
próxima à Praça Pedro II teve as primeiras casas do bairro no fim do século
XIX, e o caminho até o Riacho do Baldo não possuía praticamente nenhuma
habitação.
O Alecrim era um dos pequenos povoados que dava assistência aos viajantes que se
destinavam ao núcleo urbano natalense, no século XIX. A maioria das residências eram
compostas por granjas e casebres. Surgindo ao redor do cemitério, o bairro do Alecrim foi
oficializado conforme a resolução municipal do dia 23 de Outubro de 1911.

Governo do Municipio do Natal


Resolve:
Art. 1º - É creado o “bairro do Alecrim” desmembrado do da “Cidade Alta”
desta capital tendo por limites ao norte uma linha que, partindo da ponta

25
Alecrinm
da Areia Preta, se dirija, pela rua Ceará-Mirim e Baldo, ao rio Potengy; a
leste o oceano até encontrar a Avenida Sul que demora ao extremo do
terreno patrimonial do municipio; ao sul a mesma Avenida limite do
patrimonio municipal até ao rio Potengy, e a oeste o mesmo rio Potengy,
“O nome do
até encontrar o ribeiro que banha o sitio denominado Oitizeiro.
lugar (Alecrim) Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrario.
tem origem em Sala das sessões da Intendencia do municipio do Natal, 23 de outubro de
diferentes relatos” 1911.
Joaquim ManoelT. de Moura – presidente,Theodosio Paiva, Padre José de
Calazans Pinheiro, Miguel Augusto Seabra de Mello, Dr. Pedro Soares de
Amorim, Antonio Joaquim Teixeira de Carvalho, Fortunato Rufino
Aranha.
(A REPÚBLICA, Natal, 24 out. 1911, s/pg.)

Logo recebeu a alcunha de “cais do sertão” por ser via de entrada dos imigrantes que
vinham do interior do Rio Grande do Norte e, de outros estados, oprimidos pelas secas e
atraídos pelas melhores condições de vida que a cidade ofereceria. Quando estes chegavam a
Natal, o Alecrim era uma opção de abrigo.
O nome do lugar tem origem em diferentes relatos. Um deles era o elevado número de
alecrim-de-campo na região, evidenciado pelo fato dos antigos moradores plantarem pés de
alecrim na frente de suas casas, janelas, ou em latas e jarras no jardim; o outro era a de uma
senhora, moradora da região do que atualmente é a Praça Pedro II, que enfeitava os caixões
das crianças com “raminhos de alecrim”. Os que conduziam o ataúde do “anjinho” até o
cemitério faziam questão de passar pela senhora do alecrim para que ela o ornasse com o
arbusto.
No ano de 1855, por meio da Resolução n. 323, de 2 de agosto, autorizou-se a quantia de
dois contos de réis para que fosse realizada a construção de um cemitério em Natal. Alguns
relatos afirmam que os não católicos e os estrangeiros que faleciam em Natal e não podiam ser
enterrados nas igrejas eram encaminhados para o cemitério dos ingleses, na gamboa
Maninbu, em uma das margens do Rio Potengi e nas proximidades da Redinha. Com a crença
de que os holandeses teriam enterrado ouro sob os coqueirais, os túmulos foram revolvidos e o
cemitério destruído, não restando nenhum resquício visual de que tenha havido um campo
santo naquele local. Câmara Cascudo, inclusive, considera que o cemitério dos ingleses foi o
primeiro cemitério de Natal e não o cemitério do Alecrim, como todos acreditam, já que os
indivíduos que professavam outra fé que não a católica não podiam ser enterrados nos campos
santos das igrejas. Assim, o cemitério dos ingleses tornaria-se uma alternativa que fora

26
A cidade dos mortos dá origem à cidade dos vivos

cemitério do Alecrim
Foto: Gustavo Gabriel
utilizada antes mesmo de 1856, data de inauguração do cemitério público do Alecrim.
Mesmo com indícios da existência de um cemitério anterior ao do Alecrim, muitas
pessoas ainda creem ser o cemitério do Alecrim o primeiro cemitério de Natal. Se de fato não o
foi, pode-se dizer que ao menos foi o primeiro local onde se sepultaram os cristãos, fora das
igrejas. “A principal
Escolhido o local, as primeiras sepulturas foram feitas no cemitério do Alecrim, que era
razão para a
considerado longe do centro da Cidade. Contratou-se o mestre Manuel da Costa que “se
obrigou a construir um cemitério na explanada que fica no caminho das Quintas, junto à
criação do
bifurcação da estrada de Pitimbu”. O primeiro administrador do cemitério foi João Estevão cemitério do
Barbosa em abril de 1856. Alecrim foi
Pela distância entre o cemitério e os bairros da Cidade Alta e Ribeira, fez-se necessário realmente a
um carro de transporte fúnebre, que veio de Pernambuco, adquirido por 750 mil réis. Muitas questão da
vezes os cortejos que saíam da Ribeira eram conduzidos em um trem. Do Baldo até o saúde pública,
sepultamento no cemitério do Alecrim as pessoas acompanhavam o cortejo à pé e os que
abalada pelo
conduziam o féretro o levavam à braço.
A principal razão para a criação do cemitério do Alecrim foi realmente a questão da
surto de 'cólera
saúde pública, abalada pelo surto de “cólera morbo”, nos anos de 1855 e 1856, que atingiu morbo', nos anos
também outras províncias do Brasil nesse mesmo período. Assim, seria necessário acabar com de 1855 e 1856”

27
Alecrinm

as exéquias dentro das igrejas, sobretudo na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação
e na de Nossa Senhora do Rosário.
Desse modo, construir um cemitério na cidade só foi possível graças à circunstância
social, o desenvolvimento científico e sanitário, e não ao processo de ocupação urbana. Essa
nova conjuntura advinha de novas formas de hábitos e comportamentos.
Aconteceu, inclusive, em algumas vezes, de o cortejo ter sido feito em um trem de
estrada de ferro até a Usina do Oitizeiro e desse local ser levado até o cemitério. Cascudo
afirma que a primeira lápide colocada no cemitério data de 1857, e ela teria sido retirada em
meados de 1900. O primeiro túmulo de mármore é de 1872. Não são encontrados registros do
Detalhe do cemitério do Alecrim
paradeiro da primeira lápide, nem foi identificado o primeiro túmulo.
Foto: Gustavo Gabriel O cemitério do Alecrim, localizado na Rua Fonseca e Silva, no bairro do Alecrim,
possui 200 m² de área. Atualmente, só são possíveis sepultamentos no cemitério das
pessoas que já possuem jazigos familiares, visto que não existem mais terrenos para
serem comprados desde meados da década de 1980.
O campo santo possui uma estrutura simples: são 18 quadras, 11 ruas e cerca de
6.300 túmulos, jazigos ou mausoléus, sendo que desses apenas 3.895 túmulos estão
registrados e regularizados.
Com o crescimento da população da cidade e a procura de pessoas de cidades
próximas para sepultar seus entes queridos no cemitério do Alecrim foi necessária uma
ampliação. Desde os primeiros anos do século XX já se falava em ampliação do
cemitério, mas apenas em meados de 1930, incentivada pelo prefeito Gentil Ferreira de
Souza, prefeito de Natal nos anos de 1931-1932 e de 1935-1940, realizou-se a grande
reforma que expandiu o espaço para sepultamentos no cemitério.
No início do século XX, o cemitério teve como administrador Cândido José de
Melo, que faleceu aos 84 anos. As imagens do cemitério e de seu “cuidador” eram tão
indissociáveis que muitas pessoas o tinham como proprietário do campo santo,
denominando de “o sítio de seu Candinho”.
É no cemitério do Alecrim que estão os túmulos de grandes personalidades da
política, sociedade, indústria, comércio e religião do Rio Grande do Norte nos fins dos
séculos XIX e início do século XX. Muitos procuravam o cemitério do Alecrim por só
existir ele em um raio considerável de Natal.
Muitos túmulos do cemitério são luxuosos e resguardam a memória de
personalidades de relevante importância na sociedade norte-riograndense. A
suntuosidade de alguns túmulos reflete a ideia de que o cemitério pode ser contado
como um espaço de rememoração, espaço de imortalização de pessoas e de histórias,

28
A cidade dos mortos dá origem à cidade dos vivos

espaço da lembrança e do esquecimento.


Os jazigos no cemitério são considerados locais onde se resguardou a memória de um
ou mais indivíduos e de sua família. O fato de deixar registrados na lápide os feitos de uma
pessoa era visto como importante no sentido de quando determinado sujeito deparasse-se
com o túmulo de um de seus ancestrais pudesse identificar-se, orgulhar-se, reconhecer-se,
criando um sentimento de pertencimento com a história de seu parente.
As personalidades mais importantes sepultadas no início do século XX no cemitério do
Alecrim foram: o comerciante Juvino Barreto em 1901; o Padre João Maria em 1905, o
professor e jornalista Coronel Elias Souto em 1906; Pedro Velho, homem público, fundador do
Túmulo do Padre João Maria
partido republicano e editor chefe do jornal A República, que ocupou diversos cargos no Rio Foto: Gustavo Gabriel
Grande do Norte e faleceu em 1907; João Câmara, grande investidor e
comerciante, que faleceu em 1948; e Café Filho, advogado e político que
chegou ao cargo de presidente da República e faleceu em 1970.
Um dos mausoléus mais belos é o da família Cicco, construído a
mando de Januário Cicco, para homenagear a sua filha falecida, Yvette.
Nesse mausoléu foram depositados vários pertences da filha de
Januário. Sendo todo construído em mármore, o mausoléu encontra-se
na quadra 11 do cemitério, na esquina da Rua Santo Antônio com a Rua
Santa Rita de Cássia. No túmulo existem duas estátuas confeccionadas
na Itália, representando a esposa de Janúario Cicco e sua filha sendo
arrebatadas pelo Anjo da Morte. A intenção de um mausoléu com essas
características, contendo estátuas e pertences do morto nele contidos,
era de preservar a memória, eternizar o ser querido ausente.

Um túmulo constantemente visitado e lembrado é o do Padre


João Maria. Devotos de vários lugares do estado não deixam de ver e
rezar perante o jazigo onde já estiveram os restos mortais do padre que
foi considerado um santo pela fé popular. Os restos mortais do Padre
João Maria estão depositados na Igreja de Nossa Senhora de Lourdes,
em Petrópolis. No entanto, os fiéis desconsideram essa informação e
continuam a acender velas e deixar ex-votos diante do túmulo.

Um exemplo de esquecimento é o mausoléu de Pedro Velho de


Albuquerque Maranhão. Esse homem foi um homem público influente
em fins do século XIX e início do século XX no Rio Grande do Norte. Além

29
Alecrinm
de criar o partido republicano criou também o jornal A República, e seu mausoléu encontra-se
abandonado por não existir mais nenhum membro da família que more em Natal ou na região,
para cuidar e manter a enorme sepultura que tem a forma de um templo romano. Tal túmulo
não possui aforamento por ter sido construído pelo governo do estado e talvez por isso não
exista nenhum familiar interessado em manter e cuidar do jazigo.
No abandono da quadra murada exclusiva para os membros da comunidade
judaica/israelita em Natal também é notório o esquecimento. O conjunto de lápides com
inscrições na língua hebraica e com a famosa estrela de Davi não chama tanta atenção quanto
as sepulturas enormes e suntuosas.
O cemitério do Alecrim é um lugar de memória para os natalenses pois resguarda a
memória de tantas personalidades importantes e de anônimos que fazem parte da história da
cidade. Mais ainda, a necrópole é um marco do povoamento do bairro, mesmo sendo o
cemitério algo banido pela sociedade, equipamento urbano que era evitado e segregado do
centros das cidades, o povo de menor poder aquisitivo da época não se limitou a contruir suas
casas nas proximidades do cemitério e a formar novas comunidades, em ampliar a cidade para
regiões mais longuínquas.
O Alecrim deve muito de sua existência à criação do cemitério, pois foi lá onde a cidade
dos mortos deu origem à cidade dos vivos, foi lá onde o bairro começou.

“O cemitério do
Alecrim é um lugar de
memória para os
natalenses”

Detalhe da faixada do cemitério do Alecrim


Foto: Gustavo Gabriel

30
Transporte dos vivos,
transporte dos mortos
Transporte dos vivos, transporte dos mortos

Transporte dos vivos, transporte dos mortos

Quando, no início do ano de 1908, organizou-se a Companhia Ferro Carril de Natal,


que proporcionaria à cidade a sua primeira forma de transporte público regular, consistindo
em pequenos bondes sobre trilhos puxados por uma parelha de burros, com lotação de 24
passageiros, o Alecrim ainda não existia como bairro, embora já fosse uma área povoada
(CASCUDO, 2010, p. 382). Mas em outubro de 1911 era criado, por força de lei, o bairro do
Alecrim, e isso ocorria três semanas depois da inauguração solene de um conjunto de
melhoramentos para a cidade, compreendendo luz elétrica, bondes elétricos e telefone, pelo
governador Alberto Maranhão1. Em novembro daquele ano os trilhos do bonde elétrico
chegaram até o Alecrim. Daí em diante a história do bairro estaria sempre associado à
evolução dos meios de transporte da cidade. A relação entre o crescimento do bairro e a linha
de bondes é evidenciada pela matéria do jornal A Republica, de 1912:

O Alecrim é o bairro do futuro.


Disto, acabamos por se convencer ontem, quantos estiveram presentes à
inauguração do ramal elétrico que fica magnificamente a servir.
Uma linhazinha de Tramways rápidos, cômodos e baratos, estavam a
calhar: os senhores verão como aquilo vai prosperar ainda mais,
aumentando extraordinariamente o número de habitações nas
vizinhanças do Cemitério Venerável . (A República, 1911)

A linha de bonde elétrico, estendida até o Alecrim, percorria uma


extensão de 1.150 metros (COSTA, 1998, p. 122). Para os moradores, as
vantagens desse serviço eram indiscutíveis. O bonde elétrico permitia
um deslocamento mais rápido e mais cômodo das pessoas que iam do
Alecrim a outras partes de Natal. Mas não era apenas a economia de tempo
que interessava às pessoas. Especialmente os proprietários, percebiam
que a linha de bondes contribuía para a valorização fundiária do Alecrim,
pois os transportes urbanos incorporavam valor aos seus terrenos. Assim,

1
A inauguração solene desses melhoramentos por parte do governador Alberto Maranhão ocorreu no
dia 2 de outubro de 1911. Cf. ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska; MARINHO, Márcia. O corpo e a
alma da cidade. Natal: EDUFRN, 2008, p. 98.

33
Alecrinm
nos anúncios de compra e venda de terrenos, publicados nos jornais, eles não esqueciam de
apontar as vantagens de uma propriedade situada nas proximidades da linha do bonde. Eis
uma amostra desses anúncios, de 1925:

ALECRIM - Optima vivenda para grande família, construcção nova, com


installações hygienicas, agua e luz electrica. Situada à rua Coronel
Estevam, próxima a linha de bondes e em frente ao Grupo Escolar Frei
Miguelinho (ALPHABETICOS, 1925).

Naqueles anos 1920 o serviço de bonde já andava em declínio, recebendo críticas


constantes dos moradores e sofrendo forte campanha nos jornais da cidade, que apontavam
os atrasos, a lentidão e os problemas técnicos que apresentavam, acarretando
aborrecimentos para os usuários atarefados. Uma estudiosa do assunto afirmou que, em
Natal,

A partir de 1915, as alterações limitavam-se a mudança de trajeto em


razão de algum reparo ou festa, reformas e adaptação dos carros,
manutenção. A Empresa Tração Força e Luz relega o serviço de bonde a
um segundo plano, permitindo que a qualidade do transporte fosse
caindo progressivamente (COSTA, 1998, p. 128).

E assim foi até que, em 1920, a empresa recebeu execução judicial e os serviços foram
assumidos pelo estado a partir de 14 de setembro de 1923 (COSTA, 1998, p. 130). Em 1926, o
governador José Augusto Bezerra de Medeiros ampliou a linha de bonde até Lagoa Seca,
transferindo o ponto final para o trecho localizado no cruzamento da Rua Amaro Barreto com a
Avenida Presidente Bandeira. Os bondes começavam a circular por volta das 5 horas da
manhã, indo até Lagoa Seca e retornando para a Ribeira (CARVALHO, 2004, p. 63).
As linhas de ônibus entraram em serviço pelo Decreto número 415, de 24 de janeiro de
1929, inicialmente com dois veículos (CASCUDO, 2010, p. 384). Depois da guerra, essas linhas
tinham aumentado para 12 linhas, servindo toda a cidade. Três delas estendiam-se até o
Alecrim, todas saindo do Grande Ponto, na Cidade Alta: uma linha percorria a Avenida Rio
Branco e chegava à Amaro Barreto, até o posto da Quintas; outra, passava pela Amaro Barreto
e Presidente Bandeira até Lagoa Seca; e uma terceira chegava até a rua Amaro Barreto e dali
terminava seu percurso na Feira do Carrasco (SERVIÇO DE ÔNIBUS..., 1946).
Nos anos 1930 a cidade era percorrida por carroças, bondes, caminhões, automóveis
de passeio – uma variedade de meios de locomoção que indicam uma intensificação do

34
Transporte dos vivos, transporte dos mortos

tráfego, colocando em choque meios de transporte os mais diversos. Afinal, aos poucos os
moradores, inclusive os moradores do Alecrim, foram percebendo que havia um preço a pagar
pelo progresso, particularmente nos acidentes que eles testemunhavam. Em fevereiro de
1936, por exemplo, as ruas do Alecrim foram cenário de um acidente noticiado na imprensa:

Hontem, por volta das 11 horas, nas proximidades da Pharmacia


Navarro, no Alecrim, o 'bond' n. 13, dirigido pelo motorneiro Severino
Pinto de Abreu, abalroou com o caminhão 522 - TRN - 1, guiado pelo
motorista Cicero Mustino. O caminhão ficou bastante damnificado (O
BOND ..., 1936).

Conforme a historiadora Madsleine Leandro da Costa, em 1955 os bondes seriam


extintos (COSTA, 1998, p. 152)). Em pouco tempo, nada mais restava deles senão a recordação
dos serviços que ele prestara aos moradores. A memória dos atuais moradores do Alecrim
alcança o início do serviço de transporte feito pelos ônibus, mas raros são os que são capazes
de se lembrar dos bondes antigos.
A cidade expandia-se e os moradores passavam a realizar “A memória dos atuais moradores do
grandes deslocamentos, em função de trabalho, estudos ou lazer. Mas
há 50 anos atrás, o trajeto dos ônibus não atendiam a toda a cidade. O
Alecrim alcança o início do serviço de
traçado das linhas de ônibus deixava de cobrir muitos espaços da transporte feito pelos ônibus, mas raros
cidade. As linhas de ônibus percorriam algumas das vias principais da são os que são capazes de se lembrar
cidade, com poucas conexões entre linhas, de modo que o usuário devia
dos bondes antigos.”
realizar percursos que alternavam o deslocamento de ônibus e largos
que deviam ser vencidos à pé. A consequência disso era que os
moradores faziam do caminhar pelas ruas do bairro do Alecrim e dos bairros
centrais um exercício cotidiano.
Esses percursos, para as crianças que iam para a escola, tornava-se oportunidade de
exploração de territórios do seu bairro e de outras partes da cidade. Os moradores do Alecrim
recordam esses percursos. Nos anos 60, para se ir do Alecrim a Petrópolis, na avenida Getúlio
Vargas, pegava-se o ônibus na 4, esquina com a 10, descia-se na Praça 7 de setembro. O
caminho daí até o Ateneu fazia-se à pé. Havia outro ônibus, o “amarelão”, que se pegava na 9
com a 4 e que levava até a Avenida Getúlio Vargas, nas proximidades do Hospital das Clínicas
(NASCIMENTO NETO, 2010).
Magno Vila recorda que eram poucas as linhas de transporte. Ele pegava o ônibus na
Amaro Barreto para ir até Petrópolis. O ônibus deixava-o na Avenida Rio Branco, onde estava

35
Alecrinm
localizado o mercado, e dali dirigia se ao Ateneu, onde estudava. O percurso da casa para a
escola ficou na memória, representando um mundo de sensações ricas de descobertas e de
aventuras dentro da cidade. O deslocamento é uma das formas de encher a memória com as
imagens e sensações das ruas.
A feira do Alecrim, por sua vez, desempenhou papel importante na dinamização da
vida do bairro, especialmente por atrair uma rede de serviços de hospedagens e transportes.
Francisco Derneval de Sá recorda a relação entre os transportes e o contato com o interior do
estado, destacando a praça Gentil Ferreira, à qual ele associa outro meio de transporte, os
“mistos”. Os “mistos” eram caminhões que conduziam ao mesmo tempo passageiros e cargas:

“A chegada do trem,
Os primeiros ônibus, os mistos e os caminhões que vinham carregados de
com efeito, era um haveres para a feira, primeiro paravam ali na Praça... Vinham as pessoas
acontecimento para que vinham comprar, e elas já ficavam ali porque o próprio público do
a meninada de um interior vinha e ficava hospedado nas hospedarias, iam resolver seus
problemas em Natal e depois voltavam para a hospedaria (SÁ, 2011).
tempo em que a rua
era o grande lugar O trem foi outro meio de transporte importante. Mas a particularidade que ele
de vivência e apresenta na memória das pessoas é que ele não é recordado tanto pelo fato de conduzir as
pessoas de um ponto a outro, mas pelo papel que ele desempenha no universo dos meninos do
aprendizagem entre Alecrim. João Galvão era criança no início dos anos 60. Sua rememoração mostra que o
os camaradagens.” percurso do trem era observado e acompanhado com excitação pelos meninos do bairro. A
chegada do trem, com efeito, era um acontecimento para a meninada de um tempo em que a
rua era o grande lugar de vivência e aprendizagem entre as camaradagens.

a grande referência que nós todos tivemos a vida toda era a passagem do
trem, o trem que vinha, que parava lá na estação do Carrasco, estação
Dix-Sept Rosado, Estação Padre João Maria, o nome da estação, e descia
para ir para o Alecrim, passava pela Guarita (NASCIMENTO NETO,
2010).

O trajeto do trem era acompanhado pela comunicação ligeira entre os meninos até a
sua parada na estação do Carrasco, na Guarita. Seu trajeto ia desenhando um rastro na
memória. Galvão prossegue narrando essa aventura de reconhecimento e exploração das
ruas em torno da passagem do trem:

Então, o trem era muito utilizado e a gente brincava muito. Quando o

36
Transporte dos vivos, transporte dos mortos

trem apitava, a gente não tinha o que fazer, brincando na rua mesmo,
corria todo mundo para ver o trem passar. Aí você já imaginou, uma ruma
de meninos correndo só para ver o trem passar. 'Não, mas eu perdi aqui!'
Então corre pra 12!' Você vinha na 5, subia na 10 ou continuava na 5 para
ver o trem passar na 12. Coisas de quem não tem o que fazer mesmo,
meninos brincando na rua! (NASCIMENTO NETO, 2010).

Contudo, antes deles, outras gerações de meninos do Alecrim brincaram pelas ruas do
bairro e chegaram a levar suas vidas aventurosas para territórios distantes, pois em 1936 o
cronista Edgar Barbosa, ao mencionar os tipos urbanos de Natal, destacava os meninos que se
amontavam na Cidade Alta, os “pequenos vendedores da cidade”, vendendo jornais, roletes
de cana e gulodices em tabuleiro, e além deles, “os que vendem bom-bons melados em sacólas
e os que pulam dos bondes para a calçada, em piruêtas de circo, sem vender cousa nenhuma”.
Alguns desses meninos eram do Alecrim e faziam parte de turmas de meninos pobres que
passavam parte do seu tempo em atividades que misturavam trabalho e brincadeira:

Esta nação de meninos que mal têm quinze annos não pertence a Natal:
uns vieram de bem longe, do sertão, dos brejos, tangidos com a família
pelas seccas; outros saem das Roccas, do Alecrim, da Solidão, desses fins
de mundo onde a cidade acaba e começa o matto desconhecido; outros,
nem sabem de onde vieram nem por que estão aqui, pulando nos estribos
dos bondes, morcegando automoveis, gritando jornaes, vedendo roletes,
ganhando a vida (VARIAÇÕES..., 1936).

Entretanto, o universo sonoro do bairro não consistia apenas no burburinho das


crianças nas ruas ou do ruído dos bondes sobre os trilhos ou dos automóveis. É facilmente
dedutível que a experiência com a morte – por meio dos cortejos fúnebres e das procissões,
não fosse estranha aos moradores do Alecrim, uma vez que o marco inicial de povoação do
bairro foi justamente um cemitério, para onde vinham repousar os mortos de toda a cidade de
Natal. O Alecrim por muito tempo permaneceu o lugar da morada final dos natalenses, e, por
conseguinte, suas ruas serviram como caminho de condução do féretro em cortejo fúnebre.
Até o início do século XX, quando o cemitério estava situado em um lugar isolado, sem
vizinhos, o féretro era conduzido à pé ao longo da penosa ladeira que o ligava à Cidade Alta. Um
memorialista, escrevendo no ano de 1962, afirmou que

Tão penosa era essa subida que nos enterros (isto era coisa sabida e

37
Alecrinm

Avenida Fonseca e Silva


Foto: Esdras Rebouças Nobre

passada em julgado) – os que acompanhavam o féretro sentiam-se


desobrigados da missão voltando d´ali.
A subida, íngreme, justifica isso. Por mais numeroso que fosse o
acompanhamento do cortejo fúnebre este chegava ao cemitério só com a
família e os carregadores. A ladeira afugentava os demais (MELLO, 2006,
p. 4).

O suplício terminou em 1912, quando a Empresa de Melhoramentos instalou o serviço


de bonde elétrico. Ela estendeu um serviço funerário até o cemitério, oferecendo serviços de
primeira e segunda classe (EMPREZA...,1912). As tarifas da primeira classe eram de 45 mil réis,
(45#000) e a companhia assegurava: “O coche funebre é rebocado por um carro especial de 1º
classe comportando 36 pessoas com direito a serem conduzidas a qualquer ponto do circuito”.
E, no mesmo comunicado, deixa perceber que os cortejos inscreviam-se em uma situação
excepcional dentro do bairro. Não apenas porque introduziam entre os moradores, a
lembrança inelutável da morte, mas porque introduzia uma movimentação incomum nas ruas
do bairro. Assim, precavida, a companhia avisava: “Para não perturbar o trafego, o coche
funebre que estará em um dos quatro desvios do circuito, sahida pontualmente na hora
combinada” (EMPREZ A...,1912).

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1
2
3
4
De 1 a 18:
Versões para a história das ruas numeradas
De 1 a 18

De 1 a 18: Versões para a história das ruas numeradas

O ato de nomear um lugar expressa os mais


diversos sentidos. Nomear pode indicar posse, Eu morei na 7, as pessoas
domínio ou pode ajudar nos processos de perguntavam: “Você morava aonde?”, eu dizia:
referência espacial e temporal. A nomeação “Na 7!”, porque as pessoas sabiam que era a Avenida dos
de cidades, ruas, praças, escolas e outras Caicós. “Você estuda aonde?”, “Na 8!”. A 8 era a Rua dos
instituições, muitas vezes também pode se Pajeús. Tinha uma feira de carros na 10, a 10 era a Rua Leonel
originar do desejo de homenagear Leite. O DETRAN era aonde? Na Avenida 9, a Coronel
indivíduos considerados significativos para o Estevam. Então, era interessante isso aí.
local. De fato, o ato de nomear algo ou alguém (BEZERRA, 2010).
pode expressar significados plurais e marcar a história
de um lugar ou indivíduo.
O depoimento no início desse artigo destacou a importância das ruas numeradas
para a população que morou, mora ou frequenta o bairro Alecrim. A numeração das ruas era e
ainda é fundamental para a localização dos moradores, mesmo que oficialmente a numeração
das ruas tenha sido substituído por nomes convencionais. As numerações das ruas
particularizam os locais do bairro e contribuem para a localização das pessoas que transitam
pelo Alecrim. A opinião de alguns moradores é que os números das ruas são mais conhecidos
do que as suas denominações.
Precisar a data em que as ruas do Alecrim receberam a designação de números é uma
tarefa árdua, exigindo-se o contato com opiniões diferentes, às vezes contraditórias. Alguns
moradores consideraram que as ruas numeradas foram fruto da influência ianque durante a
Segunda Guerra Mundial. No início da década de 1940, os norte-americanos utilizaram a atual
cidade de Parnamirim (RN) como pouso para seus aviões a caminho de Dakar (África), no
contexto do grande conflito mundial. As influências dos norte-americanos no Rio Grande do
Norte, durante esse período da Segunda Guerra, foram marcantes. Natal, até então permeada
por alguns elementos ainda provincianos, passou a entrar em contato direto e estreito com o
cenário internacional. As influências foram significativas na organização dos espaços, nas
formas de diversão, na linguagem, na gastronomia, nos hábitos de consumo, entre outros
aspectos.
Para Ana Maria Ubarana, que se estabeleceu no bairro no final da década de 1940, a
tradição urbanística norte-americana de nomear as ruas de suas cidades com números, teria
influenciado a denominação das ruas do Alecrim. Seria, portanto, mais uma influência

41
Alecrinm

estadunidense durante o período da Segunda Guerra Mundial:

(...) Porque isso foi vestígio da passagem dos americanos na Segunda


Guerra. Como nos Estados Unidos, por exemplo, Nova York, as ruas são
por números, então, aqui, eles começaram. Avenida 1, 2, 3, 4, 5, todas no
mesmo sentido. Aí vem 6, 7, 8, 9, 10, 11, que é aquela onde tem a
Assembléia de Deus, 12. Eles não chamavam “Rua tal, Avenida tal”.
Então, quando eu via isso aqui [a entrevistada aponta para a rua]:
Avenida 9; “Onde você mora?”, Avenida 9, ou, então, Avenida 2, que era
onde eu morava. Eu não estranhei, porque eu soube que tinha sido idéia
deles (UBARANA, 2011).

Ana Ubarana passou a morar no Alecrim quando a influência ianque estava na sua
efervescência. Possivelmente, sua opinião sobre as ruas do bairro sofreu interferências das
vivências do período de sua chegada na Natal do final da década de 1940, já que anteriormente
ela vivia no interior. Um indivíduo que chegasse a Natal na década de 1940, certamente
atribuiria muitas características de bairros da cidade à influência estadunidense. O
depoimento de Ana Ubarana não foi o único a apontar essa hipótese para a questão das “ruas
numeradas”. José Normando Bezerra também considerou que a designação das ruas do
Alecrim por números pode ter sido influência dos ianques: “Os números são muito
importantes. Esse costume dos números dizem que foi os americanos que colocaram. Por
exemplo, a Presidente Bandeira, que é a principal rua do Alecrim é conhecida como Avenida 2
(...)”(BEZERRA,2010).
Outras hipóteses foram levantadas nas entrevistas e trabalhos existentes sobre a
história do Alecrim. Conforme Edna Furtado (FURTADO, 2004), as ruas numeradas foram
consequências do “Plano de Sistematização de Natal”, também conhecido como “Plano
Palumbo”, elaborado pelo arquiteto italiano Giacomo Palumbo, em 1929. Segundo essa
versão, o então prefeito de Natal, Omar O'Grady (1926-1930), solicitou a Palumbo a
construção de um plano de sistematização urbana para a cidade, no intuito de
modernizar Natal, torná-la mais próxima, ao menos no que se refere ao planejamento
urbano, das cidades européias, consideradas, à época, padrões da modernidade.
Assim, a autora elucidou que as ruas do Alecrim foram identificadas por números
antes da Segunda Guerra Mundial.
O trabalho de Josué de Alencar, intitulado Reafirmação do bairro: um estudo
geo-histórico do bairro do Alecrim na cidade de Natal-RN também discorreu sobre a

42
De 1 a 18

questão das ruas numeradas. O autor destacou que existem controvérsias quanto à origem das
numerações, mas enfatizou que as discussões apontam que esse hábito de numerar as ruas já
existia antes da criação do bairro, ou seja, antes de 1911. Avenida Coronel Estevam (Av. 9)
Acervo SEMURB
Itamar de Souza também destacou que a
numeração das ruas do Alecrim foi anterior ao
surgimento do próprio bairro. A partir da Presidente
Quaresma, as avenidas do Alecrim receberam a
numeração de 1 a 18. De acordo com Souza, a
numeração das ruas não teria sido estabelecida pelo
plano de Sistematização de Natal, em 1929. O autor
afirmou que as avenidas e ruas na parte mais alta do
Alecrim foram traçadas em forma de xadrez,
semelhante ao projeto que Antonio Polidrelli
elaborou, em 1902, para a criação do bairro Cidade
Nova. Entretanto, Souza não identificou qual plano
ou legislação urbanística determinou o traçado das
ruas do Alecrim.
O bairro Cidade Nova, que posteriormente
fragmentou-se nos bairros Tirol e Petrópolis, a que se
refere Souza (2008), foi planejado no contexto da
transição do século XIX para o XX, em que as elites
visavam implantar em Natal características de uma
capital, uma vez que a cidade possuía, em pleno
século XX, “ares provincianos”. O novo bairro respeitaria os ideais higienistas e modelos
europeus, as ruas seriam em forma de xadrez, com distâncias iguais, respeitando
determinados padrões.
A Natal do início do século XX ainda enfrentava problemas vindos da época imperial. As
ruas eram estreitas, existiam problemas de higiene e salubridade. Na tentativa de importar “...as avenidas e
novos padrões europeus, muitas cidades brasileiras iniciaram a implantação de ações ruas na parte
higienistas durante o início do século XX. Existia uma preocupação em adotar modelos de mais alta do
comportamentos cosmopolitas. Entretanto, esses modelos europeus não foram importados
Alecrim foram
na íntegra nas cidades brasileiras. Ocorreram redimensionamentos, adaptações às realidades
locais, respeitando as necessidades específicas, as questões sociais que emergiam em cada
traçadas em
localidade (OLIVEIRA, 1999). Nesse cenário, o poder público de Natal promoveu diversas forma de
intervenções na cidade, visando solucionar problemas de insalubridade. Entre essas xadrez...”

43
Alecrinm
mudanças, além da construção de um novo bairro, encontram-se reformas de ruas, calçadas e
muros, introdução do sistema de água e esgoto, melhoria no sistema de iluminação,
transporte e comunicação, entre outras modificações que foram responsáveis por aproximar
Natal do “mundo moderno” e podem ser encontradas nas legislações e em matérias de jornais
da época.
A Natal do final do século XIX e início do século XX era administrada pelo Conselho da
Intendência Municipal, criado em 1890. Esse Conselho era formado por representantes
denominados intendentes. O presidente da Intendência exercia funções que, respeitando as
devidas diferenças, poderiam ser comparadas às funções que exercem, atualmente, um
prefeito. Esse Conselho publicava suas decisões na forma de resoluções, que eram
fundamentais para coordenar a gestão da cidade em todos os seus aspectos: economia,
“O bairro foi trânsito, regras para aforamento, saúde, ensino, educação, entre outros.
criado, As resoluções são documentos úteis para ajudar a conjeturar sobre a origem das ruas
numeradas do bairro Alecrim. A Resolução n.85, publicada no jornal A República em 09 de
formalmente, em
outubro de 1903, denomina e delimita as ruas e avenidas do novo bairro Cidade Nova. O texto
1911, e ruas dessa Resolução já apresentava, no seu artigo 2º, avenidas designadas por números.
denominadas por
números já são Resolução n.85
(...)Art. 2º - As avenidas, a partir do poente nos limites da “Cidade Alta” e
identificadas em “Ribeira” denominar-se-ão: “Deodoro, Floriano”, “Prudente de Moraes”,
1903 fora da área que, a partir do angulo noroeste da “Praça Pedro Velho”, tomará o nome
que de “Alberto Maranhão”, “Campos Salles”, “Rodrigues Alves”, “Setima” e
“Oitava” (grifo nosso); as ruas, a começar do Sul, nas extremas da area
corresponderia urbana, denominar-se-ão: “Ceará-mirim”, “Maxaranguape”, Apody”,
ao Alecrim.” “Jundiahy”, “Assù”, “Mipibú”, “Mossoró”, “Trahiry”, “Seridó”,
“Golandim”, “Garatubá”, Santos Reis” e Dimas; e as praças “Pedro
Velho” e “Pio X” (...) (A REPUBLICA, Natal, 09 out.1903).

As informações contidas na Resolução n.85 ajudam a desfazer a idéia de que a


designação das ruas por números foi uma novidade particular das ruas do Alecrim. O bairro foi
criado, formalmente, em 1911, e ruas denominadas por números já são identificadas em 1903
fora da área que corresponderia ao Alecrim. A Resolução n.124, que foi publicada no jornal A
República em 29 de dezembro de 1908, também apresentou ruas numeradas. Essas ruas e
avenidas estariam localizadas em uma área “suburbana”, formando um novo bairro, que viria a
ser o Alecrim, só oficializado três anos depois. Por essa Resolução, além da criação da Rua n.1,
tem-se a designação de outras ruas por números:

44
De 1 a 18

Resolução n. 124
A Intendencia Municipal do Natal
Resolve:
Art. 1º - A nova rua parallela a Avenida Almirante Alexandrino e ao Sul
desta, ligando á rua Coronel Estevam a Avenida oitava será designada
pelo n. 1.
§ 1º Sendo egualmente designadas por ns. as perpendiculares á mesma
rua n. 1 (grifo nosso), que devem ligal-o á Avenida Almirante Alexandrino,
formando um novo bairro suburbano (...) (A REPUBLICA, Natal, 29 dez.
1908).

As referidas resoluções são essenciais para demonstrar que a designação das ruas do
Alecrim por números foi anterior à criação do bairro, e não foi fruto do Plano Palumbo, que só
foi elaborado em 1929, nem decorrente das influências ianques após a Segunda Guerra
Mundial. Após quase 103 anos de publicação da Resolução n. 124, a população do Alecrim ainda
refere-se às ruas do bairro pelos números.
Evaldo Rodrigues de Carvalho, destacou em seu livro Alecrim, ontem, hoje e sempre
(2004), que as ruas numeradas abrangiam os números de 1 a 12, diferentemente de Souza, que Camelódromo
Foto: Esdras Rebouças Nobre

91
45
Alecrinm
elucidou que a numeração iria até o número 18. Essa divergência em relação à numeração
pode ser fruto das diversas transformações que a cidade tem sofrido ao longo dos anos,
modificando a denominação de suas praças, ruas, avenidas, escolas e outras instituições.
Conforme Carvalho, as avenidas do Alecrim que seguiam o sentido norte-sul receberam os
números de 1 a 5 e as que seguiam o sentido leste-oeste, a numeração de 6 a 12.
Segundo Carvalho, durante a elaboração do Plano de Sistematização de Natal ou Plano
Palumbo, em 1929, o então prefeito Omar O' Grady (1926-1930) também solicitou ao Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), como era comum no período, nomes
de personagens, para com eles batizar as ruas do Alecrim. Sendo assim, foram selecionados
nomes de indivíduos que governaram a província (que hoje corresponde ao estado do Rio
Grande do Norte) durante o período imperial. As avenidas de 1 a 5 homenagearam os cinco
presidentes da província do Rio Grande do Norte e as demais receberam nomes de tribos
indígenas e de outros personagens.

Av. 1 – Presidente Quaresma (Basílio QuaresmaTorreão): Governou entre 1833-1836.


Av. 2 – Presidente Bandeira (João Capistrano Bandeira de Melo): Governou entre
1873-1875.
Av. 3 – Presidente José Bento (José Bento da Cunha Figueredo Júnior): Governou entre
1860-1861.
Av. 4 – Presidente Sarmento (Cassimiro José de Morais Sarmento): Governou entre
1845-1847.
Av. 5 – Presidente Leão Veloso (Pedro Leão Veloso): Governou entre 1861-1863.
Em Homenagem a tribos indígenas:
“As avenidas de 1 a Av. 6 – Rua dos Canindés
5 homenagearam os Av. 7 – Rua dos Caicós
Av. 8 – Rua dos Pajeús
cinco presidentes da Av. 10 – Rua dos Paianazes
província do Rio Av. 12 – Rua dos Paiatis
Grande do Norte e As avenidas 9 e 11 receberam outras denominações:
Av. 9 – Av. Coronel Estevam (Cel. Estevam José Barbosa de Moura): Deputado entre
as demais
1841-1843.
receberam nomes Av. 11 – Av. Manoel Miranda (Manoel Tavares da Costa Miranda): Criador da festa da
de tribos indígenas bandeira. (CARVALHO, 2004).
e de outros
Alguns moradores do Alecrim comentaram que O'Grady teria sido o responsável por
personagens.” designar as ruas do Alecrim com números e não por fornecer denominações para as ruas já

46
De 1 a 18

numeradas do bairro. Para Francisco Derneval de Sá, que se estabeleceu no Alecrim no final da
década de 1950, a numeração das ruas do Alecrim foi fruto do plano Palumbo, durante a gestão
de O'Grady :

(...) era prefeito de Natal um cidadão chamado Omar O'Grady, um


cidadão de família abastada que viajava muito e conhecia as cidades
mundo afora, já um pouco civilizado. Então, ele conheceu um arquiteto
na Itália, chamado Giacomo Palumbo, e o convidou para vir a Natal, fazer
um projeto do desenvolvimento da cidade. Esse projeto foi tão bem feito
que até hoje perdura e é fato de elogio das pessoas que visitam Natal (...).
Quanto ao sistema da nomenclatura das ruas, a colocação dos números,
é pela falta exatamente de nomes naquela época. Como era um projeto,
ele estava no papel, não tinha nomes de pessoa. (SÁ, 2011).

Como o texto das resoluções destacou, a numeração das ruas do Alecrim foi bem
anterior ao Plano Palumbo. Poucos moradores do Alecrim conhecem o significado de uma
resolução, o que explicaria o desconhecimento da origem da numeração das ruas do bairro e as
diversas teorias sobre essa numeração. Mesmo assim, os documentos, os trabalhos e as
entrevistas realizadas, não foram suficientes para apontar a legislação ou plano urbanístico
que teria realmente estabelecido a numeração das ruas do bairro. Foram localizadas
resoluções delimitando e designando essas ruas por números, mas não foram encontrados os
argumentos que fundamentaram essa nomeação, permanecendo, assim, uma lacuna nessa
história/histórias das ruas numeradas do bairro e abrindo espaço para o surgimento de
variadas versões.
Ao longo dos anos, algumas ruas modificaram aquela denominação estabelecida
durante a gestão de O'Grady, mas muitos moradores do Alecrim, como o senhor Magno Vila,
que se estabeleceu no Alecrim em 1947 e ainda hoje mantém um comércio no bairro,
destacaram que a numeração não foi substituída por essas denominações:

Quando foi implantada essa mudança... Não é do meu tempo, eu não


enfrentei esse tipo de situação. Mas eu, como as pessoas de minha idade e
que estão com a idade mais avançada, ainda hoje nós só chamamos as
avenidas pelo número, principalmente o pessoal da minha faixa de idade
ou mais velhos, não se habituaram a chamar as ruas pelos nomes que
foram colocados pela Prefeitura. E não sei se vocês sabem, todas essas
ruas se chamavam avenidas, era rua 1, 2, 3, 4, 5, 6, até a 12, todas elas

47
Alecrinm

foram, na grande maioria, chamadas de Presidente, Presidente


Bandeira, Presidente Quaresma, Presidente José Bento, Presidente
Sarmento, Presidente Leão Veloso. Vocês sabem da origem desse
Presidente ou não? Não eram presidentes da República, seriam, na
época, presidentes de províncias que exerciam a função de governador
(...) (VILA, 2011).

Alguns moradores ainda não se habituaram com a nomenclatura e fazem confusões


com tais nomes, demonstrando que os números predominam sobre os nomes. João Galvão do
Nascimento Neto, que morou no Alecrim de 1953 até 1969, demonstrou que ainda não se
acostumou com as denominações das ruas:

Quem é do Alecrim chama pelos números. Chamar pelo nome é uma vez
ou outra. Eu que até guardo razoavelmente nomes, ainda faço confusão
com tipo Baraúnas, que eu achava que era a primeira, não é, é a
Presidente Mascarenhas, Baraúnas é a outra. Vocês vejam que eu sou da
área, vivi minha vida toda ali, ainda faço confusão. Como nas dos índios,
as dos índios você começa com Canindés, aí parece que a próxima é
Pajeús... Eu não sei...(NASCIMENTO NETO, 2010).

Avenida Presidente Bandeira (Av. 2)


Foto: Fernando Medeiros

48
De 1 a 18

Outros depoimentos demonstraram que muitas vezes a legislação não é cumprida na


íntegra, mas sim reelaborada, existindo, pois, uma brecha entre o que é determinado e o que a
sociedade realmente incorpora. Afinal, uma cidade não é fruto apenas da aplicação da lei, a lei
age como um molde ideal ou desejável, determinando apenas a menor parte do território
construído (ROLNIK, 1999). No caso do Alecrim, a legislação que nomeou as ruas com nomes
de presidentes de província e tribos indígenas não foi seguida totalmente. A população ainda
hoje se refere às ruas do bairro pela numeração ou combinam a denominação com o número.
Essas relações elucidaram a importância da numeração das ruas para os moradores e
frequentadores do bairro. Os números são referenciais fundamentais para a localização dos
transeuntes. Também marcaram e ainda marcam a história do bairro centenário, uma vez que
antecederam a formação do próprio bairro e são as principais referências para quem mora,
trabalha, compra, passeia ou simplesmente conhece o Alecrim.
A maior parte da comunidade utiliza a numeração das ruas para narrar suas
experiências e vivências no bairro, numeração essa que esteve e está presente nas
representações desses moradores, como ocorre na música intitulada Avenida 10, composta
pelo cantor e compositor Erivaldo Galvão, conhecido como Babal, que viveu sua infância no
Alecrim:

Avenida 10 - Babal

Desde o tempo de menino eu brincava


Com ar de sonhador
Conheci a natureza beijando meus pés
O movimento da vila, da rua
O ronco do tambor
Em todos os arredores da Avenida Dez
Os guaranis festejando na paz
O guerreiro bumbum
Éramos todos devotos, meninos fiéis
Quando não era possível ter sonho
A gente tinha um
E ele girava em torno da Avenida Dez
O movimento do parque
O jogo de bola na lama

49
Alecrinm
A bandeirinha, o poste
Com um barquinho eu quero passar
A lata no carnaval
Pra nós, tudo aquilo era vida
Em meio àquela alegria
A bagunça saía a tocar

Minha casa, a bananeira, o jardim,


Os meus amigos, eu
Tinham convívio Élcio, Neguinho e Moisés
Galvão, Fernando, João, Iomar,
Todos eram irmãos eris
Hoje nós somos saudade da Avenida Dez (...).

50
As escolas no processo de
transformação do Alecrim
As escolas no processo de transformação do Alecrim

As escolas no processo de transformação do Alecrim

Para grande parte das pessoas, os tempos de escola são os que mais deixam saudades.
É na escola que elas desenvolvem seu jeito de falar, agir, pensar, enfim, aprendem a ser. Assim,
o ambiente escolar exerce um papel crucial na formação do indivíduo, além da família e das
relações estabelecidas dentro do bairro, entre os vizinhos. No Alecrim, a vizinhança é “Exemplo dessa
recordada pelos moradores como se fizesse parte da família, por tanta proximidade, amizade
rigidez era a
e zelo que havia entre os moradores. E na escola, o relacionamento não era muito diferente.
Isso deve-se muito ao fato de, nas instituições de ensino alecrinenses, os estudantes serem,
Escola Ary
em sua maioria, provenientes da própria comunidade, tornando-se, dessa forma, amigos. Os Parreiras,
colégios eram, então, espaços de sociabilidades importantes na formação dos alunos. modelo de
Com o decorrer do tempo, o bairro, os alunos e as escolas foram crescendo, qualidade entre as
modificando-se. Transformações não somente físicas, fruto de um contexto social, político, instituições
econômico e cultural. Na década de 1960, por exemplo, a maneira como se ensinava era natalenses desde
distinta daquela dos anos 1990.
meados de 1940
Exemplo de rigidez era a Escola Ary Parreiras, um modelo de qualidade entre as
instituições natalenses de meados de 1940 até o início do século XXI. Francisco Derneval de Sá( até o início do
SÁ, 2011), um comerciante e antigo morador do Alecrim, narra a história de sua fundação, século XXI.”
contada a ele pelo fundador da escola, o cabo Francisco Luciano de Oliveira, que,
posteriormente, tornaria-se sargento da Marinha. Ele veio para a Base Naval de Natal em
1945, e, em um certo dia, foi comprar na Feira do Alecrim e pediu a um dos “balaieiros”
(meninos que levavam a feira das pessoas na cabeça, dentro de um balaio), que transportasse
suas compras até sua casa, escrevendo o endereço em um papel e entregando ao menino, que
não sabia ler. Do mesmo modo aconteceu com mais outros sete “balaieiros”. Foi então que
Francisco Luciano ofereceu-se para ensinar as crianças a ler, fornecendo-lhes café-da-
manhã, lanche, almoço, fardamento e material escolar.
A pequena escola estava crescendo, necessitando de um espaço e de um maior
contingente de professores. Foi então que o cabo pediu auxílio aos seus colegas da
Marinha. A situação chegou ao conhecimento do Almirante Ary Parreiras, que ofertou a
Francisco Luciano um terreno para abrigar o seu pequeno colégio. Ele, então, escolheu o
terreno do clube dos marinheiros, o Camana, segundo Derneval de Sá;
posteriormente, a Marinha retirou a escola de dentro da Base e colocou-a onde
é até hoje a Escola Estadual Ary Parreiras. Contudo, Evaldo Carvalho afirma
que, até 1948, a “escolinha” permaneceu em uma sala cedida pelo Sindicato

53
Alecrinm
dos Trabalhadores da Construção Civil, e só então que Francisco Luciano pediu ao comandante
da Base um novo local, na Rua Manoel Vitorino, onde a escola Ary Parreiras funcionou até 1965.
Depois, em 13 de dezembro de 1965, a Marinha inaugurou uma construção mais moderna para
a escola.
Desde sua fundação, a Escola Estadual Ary Parreiras é conhecida por sua rigidez.
Evânio Mafra, que estudou lá aproximadamente entre o fim da década de 1980 e o início da
década de 1990, diz que havia bastante rigor, a ponto de “O capitão que tomava conta da
escola” qualificar os alunos dentro de livros: o “fofinho”, para o turno matutino, o 'fofo', para o
Outro sinal do turno vespertino, e o 'fofão', para o turno noturno. “O terror da criançada era ir para esse livro
rigor das escolas do 'fofo'”. (MAFRA, 2011). Mafra, apesar de não esclarecer em que consistia cada um desses
livros, deixa subentendido que eles separavam aqueles alunos que “não andassem na linha”,
era o desfile do que não obedecessem à disciplina imposta.
dia Sete de
Setembro, dia da Como eu disse, a escola era de uma disciplina bem rígida, então, nós
procurávamos sempre andar na linha. (...) Era uma relação cívica também: por
Independência do ser uma escola da Marinha toda quinta-feira, era cantado o Hino Nacional e
Brasil, do qual hasteada a bandeira; era uma coisa que estava muito próxima do civismo, ainda
o resquício do militarismo. (MAFRA, 2011)
todas as escolas
participavam. O grêmio estudantil da Escola Estadual Ary Parreiras foi criado somente em 1989,
quando o país acabava de sair de uma ditadura militar e retornava à democracia. Evânio
Janeílson Mafra participou dessa fundação, e afirma que foi uma mudança de paradigma, na
qual os alunos puderam ter um diálogo maior e mais voz e liberdade no colégio.
Outro sinal do rigor das escolas era o desfile do dia Sete de setembro, dia da
Independência do Brasil, do qual todas as escolas participavam. Tal ocasião era também
carregada de beleza e as escolas realizavam um esforço conjunto para desfilarem bem, para
ganharem o desfile. (BEZERRA, 2010)
No Sete de Setembro, para José Normando Bezerra, também morador do Alecrim,
havia a demonstração de certa discriminação contra o bairro e suas instituições de ensino em
relação a outros, como Tirol e Petrópolis:

Pra vocês terem uma idéia, em 1975-76, minha irmã estudava no Padre
Miguelinho, a escola estadual do bairro, e uma diretora do Padre Miguelinho (...)
fez um desfile tipo “beija-flor”, fez um desfile pra ganhar primeiro lugar e não
teve nenhuma dúvida. Todos os alunos se envolveram, todo mundo trabalhou,
juntou dinheiro, e o Padre Miguelinho entrou na avenida pra ser campeão do
desfile de sete de setembro. E os jurados, aí eu atribuo uma discriminação, o

54
As escolas no processo de transformação do Alecrim

Padre Miguelinho é do bairro do Alecrim, perdeu para o Atheneu, porque o


Atheneu era um colégio tradicional de Natal, mas o Atheneu não merecia ter
ganho, o Padre Miguelinho fez um desfile mais bonito que eu já vi em termos de
escola, que foi um desfile belíssimo. (BEZERRA, 2010)

Para José Normando Bezerra, essa


discriminação também ocorria nos jogos estudantis,
nos quais as escolas privadas, e até mesmo as
públicas que fossem de outras localidades e mais
tradicionais, recebiam um respaldo maior.
Assim como a Escola Ary Parreiras, o Grupo
Escolar Padre Miguelinho constitui-se como uma
referência educacional entre as escolas públicas do
Alecrim. Ela foi a primeira do bairro, tendo sido
criada pelo governador Alberto Maranhão, durante
sua segunda gestão (1908-1914), por meio do
Decreto nº 277 B, de 28 de novembro de 1912,
segundo Evaldo Carvalho. O colégio, contudo,
começou a funcionar somente a partir de abril de
1913, sendo reformado em 1917, por ação do
governador Joaquim Ferreira Chaves.
Posteriormente, durante a gestão de Aluísio Alves
(1961-1966), passou a se chamar Instituto Padre
Miguelinho, no ano de 1963.
A partir de 21 de abril de 1913, o diretor do
colégio foi Luíz Soares, que realizou diversas benfeitorias para a juventude do Alecrim, tanto
Escola Estadual Padre Miguelinho
que em 18 de janeiro de 1954, segundo Evaldo Rodrigues Carvalho, ele recebeu uma Foto: Gustavo Gabriel

condecoração, a Medalha de Ouro, dos moradores do bairro. Soares participou ativamente


também da criação da Associação dos Escoteiros, em 1919, que funcionava no prédio do Grupo
Escolar e auxiliava enormemente a população não somente do Alecrim, mas de toda a Natal.
Outro benefício trazido por Soares ao povo do bairro foi a Escola Profissional do Alecrim,
criada em 1922 como anexo ao Grupo Escolar, e onde se ensinava marcenaria, sapataria,
serralheria e artes gráficas.
No Alecrim não havia somente escolas públicas, mas também particulares,
fundamentalmente de cunho religioso e, assim como as públicas, marcadas pela rigidez. As

55
Alecrinm

principais eram o Colégio das Neves, o Instituto Sagrada Família e a Escola Dom Marcolino
Dantas, que inicialmente era escola estadual. Tais escolas eram destinadas aos mais abastados
do bairro.
O Colégio Nossa Senhora das Neves foi formado por seguidores da Madre Francisca
Lechner, fundadora da Congregação das filhas do Amor Divino, em 28 de novembro de 1868 na
cidade de Viena, Áustria. Essa congregação então espalhou-se por vários lugares do mundo e,
no Brasil, a primeira foi fundada no Rio Grande do Sul, denominada Província Brasileira do Sul.
Ela agia na área educativa, em hospitais, paróquias, e em abrigos para idosos, e havia sido
fundada pela Irmã Terezinha Vermer, que, em 1920, aconselhada pelo padre Hutinger, veio
para o Nordeste, instalando-se na cidade de Caicó para criar a Comunidade Santa Terezinha
(casa cristã com fins educacionais). Após uma seca em Caicó, as Filhas do Amor Divino vieram
para Natal e, em 5 de agosto de 1932, foi criado o Colégio Nossa Senhora das Neves, ato
realizado por Alberta Garimberti, Imaculada Widdder, Anunciada Caldas e Luiza Dantas,
recebendo apoio de D. Marcolino Dantas (então arcebispo da cidade), dos padres da Sagrada
Família, e financiado por parte do governo do estado. Em 17 de janeiro de 1935, foi lançada a
pedra fundamental do atual prédio, na Avenida Coronel Estevam, que era um sítio do Sr. João
Tinoco. Como as irmãs tinham poucas condições, compraram apenas uma parte do terreno e a
construção do colégio foi sendo possível devido às inúmeras doações recebidas.

No Alecrim não havia somente


escolas públicas, mas também as
particulares, marcadas funda-
mentalmente por serem de cunho
religioso e, assim como as públicas,
pela rigidez.

Colégio Nossa Senhora das Neves


Foto: Agemiro Lima

56
As escolas no processo de transformação do Alecrim

Evaldo Carvalho apresenta um texto de Maria Auxiliadora Arruda de Oliveira,


coordenadora de comunicação e expressão do Colégio das Neves (2004), escrito quando da
comemoração de 60 anos do Colégio das Neves da preocupação da comunidade em formar
conscientes cidadãos, por meio de uma educação libertadora, criadora e aberta ao diálogo,
sendo assim um colégio respeitado por todos, que não renuncia ao seu dever de educar com
amor. (OLIVEIRA apud CARVALHO, 2004, p.112). No jornal A República, também é
apresentado um estatuto do colégio, que sublinha a nobreza e a excelência educacional:

O Collegio Nossa Senhora das Neves, dirigido pela congregação das Filhas do
Amor Divino, tem por fim dar as alumnas convicções serias e solidas da fé
christã, integrando-as no conhecimento pratico do próprio principio que poderia
se chamar religião do dever, e bem assim ornar gradualmente o espírito de suas
educandas com uma solida instrucção literária que aliada a formação de um
caracter nobre, preparado na escola do Evangelho, tornal-as-à o encanto da
familia e da sociedade. (ESTATUTOS,1936, p. 06).

Juntamente com este, havia outro colégio de grande expressão entre as escolas
particulares religiosas no Alecrim: o Instituto Sagrada Família. Fundado pelos padres da
Congregação da Sagrada Família, em 11 de janeiro de 1941, a escola primeiramente
estabeleceu-se na Casa Paroquial da Igreja São Pedro e apenas em 1954 mudou-se para a sua
localização atual, na rua Coronel Estevam. O primeiro diretor foi padre Martinho Stenzel, que,
em 1976 passou o cargo para padre Raimundo Lopes Ribeiro. Quando ele chegou, começou a
fazer reformas no colégio, cuja procura era muito alta. Construiu-se a capela, ampliou-se o
número de salas de aula e aproximadamente entre as décadas de 1980-90, foi feito o ginásio
existente até hoje.
Sob a direção de padre Raimundo Lopes Ribeiro (1976-2005) no Instituto Sagrada
Família, também houve um vasto desenvolvimento da filantropia, na qual se distribuíam
bolsas a estudantes carentes. Lopes informa que o número de alunos era bastante elevado,
chegando a 1600 só no período matutino, e cerca de 1000 no vespertino. O noturno era
administrado pelo governo do estado e, segundo Lopes, “A nova administração chegou e
mudou tudo, e continuamos ainda, salvo engano, só com o expediente da manhã”. (RIBEIRO,
2010).
Assim, o Instituto Sagrada Família agia de modo significativo nos âmbitos social (pela
doação de bolsas), esportivo (devido aos encontros realizados, no ginásio, entre as equipes) e
também religioso. Neste último, a influência dos padres foi grande. Eles criaram muitas
paróquias no Alecrim, como a de São Sebastião, de São João, de Nossa Senhora do Perpétuo

57
Alecrinm
Socorro e do Sagrado Coração de Jesus, ou seja, praticamente todas.
Outra escola particular e religiosa envolvida com as causas sociais era a Dom Marcolino
Dantas, que foi fundada em 19 de março de 1950. Dom Marcolino Dantas foi o quarto
arcebispo da cidade do Natal, o primeiro após a criação da Arquidiocese, em 16 de fevereiro de
1952. Ele exerceu um forte papel na criação do Seminário de São Pedro e do Colégio das Neves,
além de ter trazido as Irmãs do Amor Divino e os irmãos Maristas para Natal.
Samya Maia, moradora do bairro desde os anos 1980, estudou na Escola Dom
...a relação entre Marcolino Dantas. Ela informa que a relação entre as freiras e o alunado era muito estreita,
as freiras e o “porque as freiras moram dentro das escolas. (...) Elas moram ou do lado, numa comunidade,
alunado era ou dentro da escola existente essa comunidade.” (MAIA, 2011). Outro exemplo de altruísmo
em relação aos moradores mais carentes do Alecrim, ocorreu com a criação da Casa do Menor
muito estreita,
Trabalhador, em 1988, mesmo ano em que a Escola Dom Marcolino Dantas passou a ser de
“porque as responsabilidade privada e não mais do estado. Segundo Samya Maia, quem morava antes da
freiras moram Av. Coronel Estevam (Av.9), tinha melhores condições financeiras, podendo pagar as
mensalidades e assim estudar na Dom Marcolino Dantas; quem morava depois da Av. 9 eram
dentro das
famílias menos abastadas, cujos filhos estudavam na Casa do Menor Trabalhador.
escolas. (...) Elas Além desta casa, existiam outras que também visavam a educação de jovens carentes,
moram ou do segundo Evaldo Carvalho, autor de Alecrim ontem, hoje e sempre: Creche Municipal São José,
lado, numa Escola Municipal São Francisco de Assis, Creche Municipal Beatriz de Souza Aranha – que
atendem crianças de 0 a 6 anos. (CARVALHO, 2004).
comunidade, ou Além destes colégios, havia também o Grupo Escolar João Tibúrcio, criado em 21 de
dentro da escola dezembro de 1934, pelo Decreto nº765, estabelecido pelo Interventor Mário Leopoldo Pereira
existe essa da Câmara e inaugurado em 1935, tendo como patrono o professor João Tibúrcio da Cunha
Pinheiro; a Escola Estadual Clementino Câmara, inaugurada em 1955; a Escola Estadual Profª
comunidade.”
Estela Gonçalves, inaugurada em 1963 pelo governador Aluísio Alves; a Escola Estadual
Calazans Pinheiro; o Instituto Reis Magos; a Escola Estadual Almirante Newton Braga, atual
Escola Estadual Newton Braga de Faria, que foi construída pelo Ministério da Marinha para
atender aos filhos dos militares, e inaugurada em 1983; a Escola Municipal João XXIII, criada em
1958, por meio da Lei 835/58 e inaugurada em 1959; a Escola Municipal Juvenal Lamartine,
criada por meio do Decreto nº802, de 1966; a Escola Municipal Monsenhor Joaquim Honório,
criada por meio do Decreto Lei nº 161/67 e transformada em Escola de 1º grau pelo Decreto nº
1507/74; o Centro de Informática de Natal; a Escola Adventista de Natal, que surgiu em 1965 na
igreja da Praça Almirante Tamandaré, atendendo, até 1968, alunos da 1ª a 4ª série (atuais 2º ao
5º ano), em apenas uma sala, sofrendo reformas, posteriormente, e, em 2001, transferiu-se
para um prédio localizado na Rua Afrânio Peixoto, Barro Vermelho; o Curso São Jorge e
Pitágoras (espécie de cursinho pré-vestibular), fundado em 1948 e desativado em 1972; o

58
As escolas no processo de transformação do Alecrim

Externato Priscila Paiva, na Rua dos Pajeús (Av. 8), que preparava para o exame de admissão
(através do qual se entrava para o Primeiro Grau).
Dentro das vilas existentes no Alecrim, havia pequenas escolas:

As pessoas iam lá, e como era isso? Ela tinha a casa dela, a área, a sala principal
da casa dela, tinha um quadro na parede e ela “botava” uns bancos, banco
mesmo de madeira, os alunos sentavam e tal, uma mesa maior que ela tinha e
que era onde os meninos usavam para escrever. E ficava ali, todo mundo
estudava, (...)Então, era interessante como uma escola funcionava dentro de
uma vila, numa situação extremamente precária. Mas quem não tinha condição
de colocar o menino numa escola privada, nas de maiores condições, botava na
escola privada, particular. E a mulher tinha o quê? Ela gostava de ensinar, ela
tinha habilidade para ensinar, ela fazia isso.
(NASCIMENTO NETO, 2010).

Dessa forma, o Alecrim possibilitava às suas crianças e


adolescentes diversas maneiras de se educarem, mesmo para
aquelas mais humildes.
É interessante observar que nesse bairro havia
tantas realidades, que se expressavam também por meio
de suas instituições de ensino.
No início do século XXI, grande parte dessas
escolas não é mais tão frequentada por moradores
do bairro, já que o mesmo não possui tantas crianças
e adolescentes como em meados do séc. XX. Afinal,
o bairro tornou-se essencialmente comercial. E
a severidade das escolas foi abrandada
significativamente.

59
Associação de Escoteiros - década de 1920 / Acervo IHGRN
Um local para ver, ouvir e
sentir: a feira livre do Alecrim
Um local para ver, ouvir e sentir: a feira livre do Alecrim

Um local para ver, ouvir e sentir: a feira livre do Alecrim

Legumes, verduras, carnes, peixes, frutas, queijo, utensílios domésticos, roupas e


objetos de couro compõem um ambiente colorido, com odores marcantes, muito frequentado
aos sábados, das 6 às 18 horas. Realizada na Avenida 1 (Rua Presidente Quaresma), na área
existente entre a Rua dos Canindés e a Avenida Coronel Estevam (Avenida 9), a popular feira
livre do Alecrim é um dos locais mais frequentados de Natal e já foi até tema de literatura de
cordel, escrito por Elinaldo Gomes, conhecido como “Boquinha de Mel”: “Amigo vou lhe dizer
/ouvinte vou te contar. /Se arrume pois sábado /vamos juntos passear, /e na feira do Alecrim
/maravilhas vou te mostrar” (cordel intitulado “A feira do Alecrim homenageia seus heróis”).
Em Natal, quando se pensa em comércio popular, a maioria das pessoas imagina o
bairro Alecrim. Contando com lojas, camelódromos, barracas instaladas nas ruas e calçadas,
mercados e a popular feira livre, o comércio do Alecrim é referência para o norte-rio-
grandense. Mas a paisagem do Alecrim não foi sempre assim. A feira existente no bairro é uma Livros de Cordel na Feira do Alecrim
Foto: Esdras Rebouças Nobre

“Amigo vou lhe dizer


ouvinte vou te contar.
Se arrume pois sábado
vamos juntos passear,
e na feira do Alecrim
maravilhas vou te mostrar”

63
Alecrinm
realidade da primeira metade do século XX, e, inicialmente, o comércio não era a principal
característica do bairro. O Alecrim já foi predominantemente residencial, como afirmou o
entrevistado Evânio Janeílson Mafra, que mora no bairro desde o seu nascimento (1976):

Minha época de infância e adolescência o bairro e a minha rua mais


especificamente, ela era quase totalmente residencial (...). Hoje ele é quase que
100% comercial, sobraram poucas casas e algumas das casas que ainda restam
estão fechadas em ponto de transformação pra comércio. Os meus vizinhos
“a feira do mesmo, tanto da esquerda quanto da direita viraram comércio, a minha casa
ela está quase que isolada. (MAFRA, 2011).
Alecrim, uma
das mais antigas As considerações de Mafra destacam a realidade atual do bairro. Hoje, o Alecrim está
de Natal, surgiu cheio de comerciantes e as residências tornam-se cada vez mais escassas. As mudanças do
bairro podem ser acompanhadas pelas transformações que ocorreram em seu comércio,
em 18 de julho de
sobretudo as que interferiram na sua feira tradicional. Conforme Itamar de Souza (2008), a
1920, quando feira do Alecrim, uma das mais antigas de Natal, surgiu em 18 de julho de 1920, quando alguns
alguns indivíduos indivíduos resolveram expor suas mercadorias e tentar comercializá-las no bairro. A matéria
resolveram expor do jornal A República, publicada em 19 de outubro de 1948, destacou o surgimento da feira:

suas mercadorias Num Domingo, 18 de julho de 1920, alguns interessados no comércio popular
e tentar iniciaram uma exposição de pequenas mercadorias de fácil venda. Eram poucos,
entre eles João Estevan de Andrade e Balbino José dos Passos. Algumas pessoas
comercializá-las atraídas pela curiosidade aproximaram-se (...). Os domingos eram ocupados
no bairro.” pelos feirantes. Alargava-se o âmbito da freguesia. Ao redor, pobres e
arremediados foram vindo para comprar e vender(...). Há também um
padroeiro. O professor Luís Soares, diretor do Grupo Escolar Frei Miguelinho,
então o único no imenso, espalhado e confuso bairro do Alecrim (...) (SOUZA,
2008, p.550).

Inicialmente, a feira era realizada no domingo, mas, por iniciativa do então prefeito
Gentil Ferreira de Souza (1935-1940), por meio do Decreto-Lei n° 15, de 10 de outubro de 1940,
a feira passou a acontecer nos dias de sábado. Infelizmente não se sabe o que motivou essa
transferência. Em 1958, na gestão do prefeito Djalma Maranhão (1956-1959), foi
confeccionada uma placa de bronze para homenagear os considerados fundadores da feira. A
placa continha o nome dos principais idealizadores, José Estevam de Andrade e José Francisco
dos Santos. (SOUZA, 2008).
No período inicial, a feira começava no cruzamento da Av. 1(Presidente Quaresma)

64 Feira do Alecrim
Foto: Esdras Rebouças Nobre
Um local para ver, ouvir e sentir: a feira livre do Alecrim

com a Amaro Barreto (que não recebeu designação de número), abrangendo toda região até a
Av. 9 (Coronel Estevam) e a área existente entre a Av. Alexandrino de Alencar e a Av. 2 Os comerciantes
(Presidente Bandeira). Depois da Segunda Guerra Mundial, a prefeitura mudou o local para a ainda utilizam a
área atual: Cruzamento da Av. 9 com a Av. 1, até a Av. 6 (Rua dos Canindés). Com o crescimento voz como seu
populacional de Natal, segundo Souza, era necessário realizar melhorias na estrutura da feira,
uma vez que era na feira do Alecrim que a maior parte da população natalense buscava
principal
abastecer suas casas. Não havia, naquela época, as grandes redes de supermercado, que instrumento de
somente passaram a ser implantadas em Natal no final do século XX. propaganda
O comércio do Alecrim foi fortalecendo-se ao longo dos anos. Na década de 1960,
grandes firmas comerciais começaram a implantar filiais no bairro, e também foram instaladas
agências bancárias. Mas muitos comerciantes não estavam satisfeitos com os investimentos
do poder público no Alecrim e consideravam que o crescimento econômico não era
acompanhado por investimentos do governo. Essas críticas levaram o comerciante Rubem
Massud a liderar um movimento, ainda na década de 1960, que objetivava desmembrar o
Alecrim do município de Natal (SOUZA, 2008). O movimento liderado por Massud não obteve
sucesso, mas já demonstrava a força que os comerciantes estavam ganhando no bairro e o
desejo de obter melhorias para o Alecrim, que crescia como bairro comercial.
A feira do Alecrim passou por diversas modificações desde a sua fundação, na década Feira do Alecrim
Foto: Esdras Rebouças Nobre
1920. Algumas características permaneceram: os
comerciantes ainda utilizam a voz como seu
principal instrumento de propaganda, os
feirantes continuam montando suas barracas e
negociando os preços das mercadorias com os
clientes, e os preços ainda permanecem menores
dos que os existentes em outros locais de
comércio. Entretanto, não se pode negar que as
rupturas aconteceram: com o passar do tempo
novas características surgiram. A feira é, em
2011, início do século XXI, um espaço plural, pois
embora seja um meio de grande resistência
cultural local, também é um local de adaptação
aos novos valores sociais, de acordo com as
questões culturais e interesses econômicos
daqueles sujeitos que nela atuam. Dessa
maneira, ao lado de comerciantes de verduras,

65
23
Alecrinm
carnes e outros produtos alimentícios considerados tradicionais, novos produtos são
inseridos, como os CDs e DVDs “piratas”. Assim, a feira torna-se um ambiente complexo, que
embora represente um local de tradição e resistência, adapta-se às diversas transformações
presentes na sociedade (QUEIROZ, 2006).
As mudanças ocorridas na tradicional feira do Alecrim vão além dos produtos
comercializados. Elas envolveram também questões de higiene e segurança. Muitos
moradores reclamaram do caos ocasionado nas ruas durante o período da feira. As ruas que
servem de palco para esse tradicional comércio, ao final do sábado ficam envoltas por lixo e
odores fétidos. Além disso, os consumidores temem a violência que atinge o bairro. O medo de
ser assaltado ou vítima de outras formas de violência tem afastado os frequentadores da feira.
Ana Maria Ubarana, moradora do Alecrim desde o final da década de 1940, destacou alguns
desses problemas:

(...) A feira era um pouco precária e continua, apesar de serem colocadas aquelas
tendas, mas elas estão muito maltratadas, e a falta de educação do povo, por
que a feira tem tudo o que você procura, mas você tem que ver por onde você vai
caminhando, porque o lixo está aí, embora os garis estejam todo o tempo
fazendo a limpeza. Mas quando eu passo limpando, alguém aqui já vai sujando
o local que eu limpei. Então é uma questão de “deseducação”. São deseducados,
então, não tem o que fazer. Na época ela era menor, hoje ela ficou mais alta, há
ventilação, tem algumas melhoras, mas continua vendendo os mesmos
produtos, a gente encontra as mesmas pessoas. Eu tenho fornecedores, olhe, de
muitos anos, que fornecem peixe, verduras, legumes, frutas. Eu acho muito bom
ir à feira no sábado. (UBARANA, 2011).

Mesmo com os problemas existentes, os moradores do bairro e de outras localidades


não deixam de frequentar a feira, demonstrando que apesar das mudanças a feira livre ainda é
um destaque do Alecrim. A entrevista de Ana Ubarana apontou essa relação. Apesar de citar os
problemas existentes no comércio do bairro, a moradora da Av. Coronel Estevam ainda faz
suas compras na feira.
Alguns moradores apontaram certas curiosidades sobre a feira do Alecrim. José
Normando Bezerra, que morou no bairro Alecrim de 1964 a 1976 e até hoje é um dos
organizadores da torcida FERA (Fiéis Esmeraldinos Radicais), discorreu sobre um
determinado profissional que atualmente não existe: o balaieiro, indivíduo que era
encarregado de transportar as compras dos clientes até suas casas. A entrevista desse
morador revelou uma mudança entre as gerações que habitaram o Alecrim. Em 2011, alguns
garotos oferecem-se para carregar os produtos que os consumidores adquirem na feira.
Feira do Alecrim
Foto: Esdras Rebouças Nobre

66
Um local para ver, ouvir e sentir: a feira livre do Alecrim

Entretanto, esses meninos com seus “carros de mão” não recebem denominação específica.
Os moradores do bairro não conhecem o significado do termo “balaieiro”, pois não
compartilham as mesmas referências que influenciavam as gerações anteriores.

Como eu falei para vocês, a feira do Alecrim tinha um profissional que eu


acho que hoje não existe mais. Vocês são jovens, talvez não saibam (...)
(grifo nosso). É o chamado... O “cara” que carregava o balaio, o “balaieiro”.
Você ia fazer a feira, ai já tinha um homem forte, que iria fazer a força, ele pegava
o balaio e você ia enchendo com os produtos. A feira tinha tudo, doce, carne,
legumes... Então, o balaio cheio, o homem colocava o balaio na cabeça e saia
andando na feira, depois ia deixar na sua casa, ele cobrava uns 2, 3 reais. Era
uma profissão, nem sei se existe mais, o balaieiro, a pessoa que carregava balaio
na cabeça com a feira (BEZERRA, 2010).

Os balaieiros e feirantes durante o dia de trabalho tinham a opção de refrescar-se nas


populares “Casas de banho” existentes no bairro. Essas casas forneciam banhos individuais ou
“casados”, isto é, casais também podiam frequentar aquele estabelecimento para tomar o
conhecido “banho de cuia”:

Eles tinham um banheiro, na época não existia água encanada, dentro do


terreno tinha um “cacimbão”, não sei se vocês sabem ou conhecem “cacimbão”.
Eles tiravam água do “cacimbão” e colocavam em cada banheiro, que era um
cubículo com mais ou menos um metro, um metro e meio quadrado, e tinha um
tanque, um tanque pequeno que pegava mais de 20 ou 30 litros de água, eles
tiravam a água do “cacimbão” e colocavam nesse tanque e davam uma lata
para a pessoa tomar “banho de cuia”. (VILA, 2011).

Os feirantes que trabalham na feira do Alecrim precisam utilizar estratégias eficazes


para conquistar seus clientes. A concorrência aumentou, pois além dos outros comerciantes
populares, os feirantes ainda disputam com grandes redes de supermercados que existem no
próprio bairro. O sol, a chuva, o lixo, a caminhada, entre outros fatores podem levar o
consumidor a preferir a comodidade dos supermercados climatizados. Entretanto, a feira
ainda possui seus frequentadores fiéis, sendo um lugar de sociabilidade que ainda perdura
nesse mundo globalizado. Francisco Derneval de Sá, que se estabeleceu no Alecrim na década
de 1950 e ainda hoje possui um comércio no bairro, comentou que a feira é um local para
encontro de antigos colegas e que ainda hoje supre as necessidades de quem a frequenta,
sendo muito mais que um comércio, é uma marca sócio-cultural do bairro:
Feira do Alecrim
Foto: Esdras Rebouças Nobre
67
Alecrinm
Olhe, a feira eternizou-se no Alecrim, cresceu com o bairro, se agigantou até com o bairro. Ela
hoje tem um comprimento muito grande, é uma feira grande (...). Eu conheço frequentadores da
feira há cinquenta anos; eu tenho amigos que frequentam a feira há cinquenta anos.Tem aqueles
que frequentam há mais tempo (...). Então, a feira eternizou-se e cativou a clientela, até pelas
circunstâncias que a feira oferece, por exemplo: eu tenho percebido que o grande consumo da
feira, o grande produto que leva os consumidores a ela, são os produtos frescos, produzidos aqui
na periferia, das cidades, da capital; são frutas, legumes, verduras, sabe? E os das feiras,
normalmente são produtos novinhos, sem agrotóxicos, porque são produção caseira, de
sítios pequenos, entendeu? Então, você chega à feira e encontra esses produtos, e
O grande produto que leva os isso atrai uma clientela. (SÁ, 2011).

consumidores a ela, são os produtos Além dos produtos mais baratos, os feirantes apelam para outros
frescos, produzidos aqui na periferia, recursos com a finalidade de conquistar clientes, utilizando vários níveis de
das cidades, da capital; são frutas, interações sociais. O comerciante precisa conhecer muito bem seus
produtos, devendo chamar a atenção dos clientes para suas mercadorias,
legumes, verduras, sabe?
tornando-as desejáveis. A oralidade é fator essencial nesse tipo de comércio,
uma vez que cada vendedor tem de formar sua própria clientela e o contato
direto é fundamental. Assim, cabe ao vendedor utilizar sua criatividade em favor
de suas vendas, cantando, gritando, rimando, entre outras formas. Muitas
Feira do Alecrim vezes, a forma como são dispostos os produtos da feira do Alecrim pode dar
Foto: Esdras Rebouças Nobre

68
Um local para ver, ouvir e sentir: a feira livre do Alecrim

a impressão de um local comercial caótico, mas se deve compreender esse comércio como um
mosaico, um local de trânsito de diversos produtos, pessoas e estilos de venda (GERBER et
al,2007).

Feira do Alecrim
Foto: Esdras Rebouças Nobre

A feira do Alecrim ainda é um espaço plural, com produtos que atendem aos diversos
setores da sociedade. Em determinado momento da feira, já próximo do final da tarde, os
feirantes anunciam, aos gritos, “promoções relâmpagos”, visando livrar-se daqueles produtos

69
Alecrinm

que restaram ao final do dia. Esse momento é denominado popularmente de “hora do grito” e
é responsável por atender aos menos abastados, fazendo do comércio do Alecrim um espaço
democrático.

Feira do Alecrim
Foto: Esdras Rebouças Nobre
A história do bairro Alecrim é também a história da sua feira livre, que marcou e ainda
marca a vida de vários moradores e frequentadores, que reúne e sustenta famílias. A feira livre
do Alecrim é um espaço que abriga vendedores, ambulantes, consumidores, turistas,
batedores de carteiras, entre outros. Cada sujeito utiliza o mesmo espaço da feira de uma
maneira específica, de acordo com seus objetivos: vender, comprar, passear, roubar, etc.
(QUEIROZ, 2006). Até mesmo o espaço físico em que a feira é realizada também vivencia

70
Um local para ver, ouvir e sentir: a feira livre do Alecrim

relações plurais. Durante a semana, as ruas que abrigam os feirantes e seus produtos são
apenas locais para a passagem de veículos e transeuntes, entretanto, quando o final da
semana aproxima-se, os feirantes já começam a organizar aquele que será seu local de
trabalho e as simples ruas e avenidas convertem-se em espaços de socialização, comércio e
lazer.
A feira do Alecrim desperta em seus frequentadores os cinco sentidos do corpo
humano: visão, audição, paladar, tato e olfato (QUEIROZ, 2006). Ao andar pelas ruas, observar
os produtos, caminhar de barraca em barraca, o cliente entra em contato com imagens plurais,
que despertam as mais diversificadas sensações. A visão fica confusa pelo amontoado de
produtos e cores que montam aquele palco. Ao sentir os odores da feira, seja o perfume das
frutas e verduras ou o cheiro forte dos restos de carnes e peixes, o transeunte também tem seu
olfato aguçado. Os apelos sonoros acompanham toda a caminhada do cliente, que assim entra
em contato com as variadas propagandas dos feirantes, com os “gritos” da liquidação do final
do dia, com as gargalhadas e histórias dos comerciantes. O tato está em cada situação de
compra e venda, em cada “apalpada” na verdura para selecionar a mais fresquinha, em cada
aperto de mão e encontro amigável. A feira desperta em seus frequentadores os cinco sentidos
e, nos antigos moradores, desperta a lembrança, a nostalgia: o amor pelo bairro centenário e
pela feira popular que traduz o espírito do bairro, que exala Alecrim!

A feira desperta em seus freqüentadores todos os cinco sentidos


e, nos antigos moradores, desperta a lembrança, a nostalgia: o
amor pelo bairro centenário e pela feira popular que traduz o
espírito do bairro, que exala Alecrim!

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Frutas à venda na Feira do Alecrim / Foto: Esdras Rebouças Nobre
Os reis da rua
Os reis da rua

Os reis da rua

A INFÂNCIA NO BAIRRO ALECRIM

Assim como os seres vivos, os espaços têm vida própria. Eles são construídos, nascem,
desenvolvem-se, crescem, e chegam a desaparecer em sua estrutura física, em uma espécie
de morte, permanecendo somente na memória dos indivíduos, seja na memória oral ou
material, representada pelos mais diversos tipos de documentos. Os bairros estão incluídos aí.
Em sua dinâmica espacial, eles vão apresentando estruturas próprias que os diferenciam uns
dos outros. O bairro Alecrim não é diferente nesse aspecto.
Nascido no século XIX, como uma área de sítios, granjas e vacarias, tipicamente rural,
próximo aos limites urbanos de Natal, o Alecrim servia como passagem de viajantes que
vinham do interior para negociar na capital. Além disso, por apresentar um aspecto rural, o
bairro atraiu pessoas que vinham do interior, em busca de uma vida melhor na cidade.
O espaço foi recebendo estabelecimentos urbanos importantes, como o Cemitério
Público, em torno do qual foram sendo construídas casas. Era o nascimento do bairro. Em 23
de outubro de 1911, o Alecrim viria a ser oficializado como bairro.

Usina elétrica - Antigo Oitizeiro


Acervo IHGRN

75
Alecrinm
Nesse início do século XX, o bairro não experimentou grande crescimento e ainda
funcionava como espaço extra-urbano da cidade de Natal, formado por pessoas do interior,
que constituíam grande parte do bairro. Até a Segunda Guerra Mundial, o Alecrim não
experimentou grandes modificações, mas recebeu algumas obras importantes como a
“Além do instalação de linhas de bonde no bairro, a construção do Grupo Escolar Frei Miguelinho e
crescimento diversas praças, como a Gentil Ferreira, a Pedro II e a Almirante Tamandaré. Entretanto, a
populacional e da Guerra mudou a estrutura do bairro.
Segundo José de Alencar Bezerra (2005), ao fim da guerra, Natal tinha o número de
expansão da habitantes praticamente dobrado e era uma cidade possuidora de novos estabelecimentos e
infraestrutura serviços urbanos importantes. Além do crescimento populacional e da expansão da
física, o impacto infraestrutura física, o impacto da guerra era observado nas relações sociais dos habitantes da
cidade e do Alecrim, graças ao contingente populacional que veio do estrangeiro, mas
da guerra era também aos costumes que iriam marcar a vida do bairro. O Alecrim, então, começava a
observado nas experimentar um período totalmente novo de seu crescimento.
relações sociais O bairro cresceu e as pessoas cresceram juntamente com ele. Muitos indivíduos
viveram sua infância no bairro e acompanharam o seu crescimento desde a mais tenra idade.
dos habitantes da
Eles veem como esse crescimento do bairro afeta o desenvolvimento dos indivíduos que
cidade e do habitam nele. Crianças que cresceram num bairro que estava tornando-se mais complexo.
Alecrim.”
OS REIS SE DIVERTEM

Francisco Derneval de Sá chegou a Natal com cinco anos de idade, na metade da


década de 1950. Ao chegar a Natal, foi morar, inicialmente, no Alecrim, na Rua Olinto Meira.
Sobre essa experiência, ele conta:

Foram os primeiros anos em Natal muito bons para mim, porque era, como eu
disse, um período em que a meninada, tinha a vizinhança, aquele companheirismo.
Nós jogávamos bola na rua, brincávamos na calçada de biloca... Em que pese,
naquela época, também era uma rua central, mas, nos grandes bairros de Natal
não tinha calçamento, as ruas eram de areia, de terra, e a gente se aproveitava
disso, fazia campo de futebol, era uma beleza. (SÁ, 2011).

76
Os reis da rua

A falta de calçamento não era privilégio da Rua Olinto Meira. Segundo Bezerra (2005),
somente 14 anos após a oficialização do bairro o calçamento começou a ser providenciado, na
gestão do prefeito Omar O'Grady (1926-1930). Dez anos depois, Gentil Ferreira, na sua gestão,
continuou o trabalho de calçamento e sabe-se, que entre 1960 e 1980, “quase todas as ruas do
Alecrim, haviam sido pavimentadas e algumas afaltadas” (BEZERRA, 2005, p. 102).

“...todo mundo
brincava, a
brincadeira da
meninada era no
meio da rua: futebol
ou qualquer outra
coisa, ou tica,
bandeirinha...”

Crianças na rua dos Pajeús


Acervo Evânio Janeilson Mafra

João Galvão do Nascimento Neto também descreve sobre a relação que se estabelecia
na rua: “Então, havia uma relação muito interessante, na rua que não era calçada
(pavimentada), todo mundo brincava, a brincadeira da meninada era no meio da rua: futebol
ou qualquer outra coisa, ou tica, bandeirinha...” (NASCIMENTO NETO, 2010). João Galvão do
Nascimento Neto conviveu na Av. 10 (Rua dos Paianazes) até os 17 anos, de 1953 a 1970,
demonstrando como era essa realidade na transição dos anos 1950 para os anos 1960.
As experiências citadas refletem o mundo de crianças em seus primeiros contatos com
o bairro do Alecrim, a primeira infância desses pequenos moradores; um bairro que saía do
pós-guerra há dez anos com uma ausência de infraestrutura que permitia às crianças realizar

77
Alecrinm

tranquilamente suas brincadeiras, em ruas de barro e areia, árvores e quintais conjugados,


fazendo com que os mesmos fossem os verdadeiros “Reis da Rua”, enquanto dominavam
esses espaços. Essa realidade é apresentada no relato de João Galvão do Nascimento Neto:

Na minha geração a gente tinha um espaço de brincadeiras, um espaço


lúdico que a gente chamava “o outro lado”. Que era simplesmente um
“miolo de quadra” que ficava entre a 10, a 5, a 9 (Avenida 9 – Rua Coronel
Estevão) e a Presidente Mascarenhas. Então, esse “miolo de quadra” era
um espaço livre, muito comum no Alecrim, em que as casas não se
prolongam na extensão do lote, e muitas delas param num determinado
ponto e há um miolo que sobra sem construção, sem nada. [...] Dai você
tinha acesso a todos os quintais de casas da Avenida 5 e da Avenida 10,
eles ficavam visíveis. E essas casas também tinham acesso a esse “outro
lado”. (NASCIMENTO NETO, 2010).

José Normando Bezerra, lembra que, ao chegar a Natal, com cerca de 11 anos de idade,
em 1964, as ruas continuavam sem calçamento, mesmo uma de suas ruas principais, a Av. 2
(Rua Presidente Bandeira):

Outra coisa no Alecrim que eu lembro bem era o Parque São Luís. São Luís
era um parque de diversão que existia na Presidente Bandeira, Avenida 2.
Ficava próximo onde é hoje o Nordestão. Para vocês terem idéia, naquele
tempo a rua não era calçada, era areia. Eles armavam o Parque de
Diversões São Luís e era o grande point. A diversão era ir para esse parque
ou para os cinemas. (BEZERRA, 2010).

Entretanto, pelo retrato apresentado por José Normando Bezerra, a realidade


vivida por ele no bairro já vai além daquela apresentada em uma primeira infância, na
meninice propriamente dita. Ele também experimentou brincadeiras tradicionais de
crianças: “a gente podia brincar a vontade, jogar bola, não tinha asfalto. A gente tinha
brincadeira que eu não vi mais: bandeirinha, triângulo, que pegava um ferro e fazia,
num sei se vocês chegaram a conhecer o triângulo...” (BEZERRA, 2010). Entretanto,
na metade dos anos 1960, já se experimentavam outras formas de diversão, como
cinemas, clubes, festas de paróquia, etc.

78
Os reis da rua

Evânio Janeílson Mafra, morador do Alecrim desde que nasceu, em 1976, também
passou sua infância no bairro. O seu relato da meninice não se diferencia muito daqueles já
apresentados: “Bom, acho que foi uma infância numa época em que se vivia realmente a
infância. [...] a gente ia brincar na rua, na areia, na lama, na chuva, tomava banho de bica”
(MAFRA, 2011). Samya Maria Queiroz Maia, nascida em 1985, também parece ter vivido uma
experiência semelhante: “Eu fui criança ruim! Não uma criança normal, uma ruim! Brincava
com os meninos, na rua, de futebol, virava a noite brincando” (MAIA, 2011, p. 1).
Entretanto, Mafra acrescentou que havia certos impedimentos ao divertimento das
crianças:

inclusive no período bem no início dos anos 1980, sei lá, 1985, já no
finalzinho da Ditadura Militar, ainda era proibido jogar bola na rua.
Então, às vezes, quando tinha uma quantidade de gente muito grande
jogando, a polícia vinha e dispersava realmente as pessoas. (MAFRA,
2011).

Nada disso os impedia de continuar divertindo-se de outras maneiras, pois, segundo


ele, “sempre estávamos brincando na rua de alguma forma” (MAFRA, 2011). Nada mesmo?
Onde estão hoje, então, em um Alecrim em transformação, em pleno século XXI, os “Reis da
Rua”, as crianças que, até a década de 1990, vivida por Samya Maia, ainda reinavam nas ruas “Bom, acho que foi
com brincadeiras e travessuras? uma infância numa
época em que se
ONDE ESTÃO OS REIS?
vivia realmente a
Ao contrário do Alecrim do século XX, que era um bairro com características infância. [...] a
residenciais, o Alecrim do século XXI é um bairro comercial. Apesar de sempre ter tido uma gente ia brincar na
íntima ligação com o comércio, o Alecrim permaneceu, por muitos anos, como um bairro de
rua, na areia, na
características residenciais, tendo, ao longo dos últimos 20 anos, perdido essas características
ao sofrer modificações nas suas funções urbanas. Pode-se notar isso a partir do depoimento lama, na chuva,
de Êvanio Janeílson Mafra. Ao ser perguntado se percebia alguma mudança no bairro, ele tomava banho de
respondeu: bica.”
Na minha época de infância e adolescência o bairro e a minha rua mais
especificamente, ela era quase totalmente residencial. [...] Hoje ele é
quase que 100% comercial, sobraram poucas casas e algumas das casas
que ainda restam estão fechadas em ponto de transformação pra

79
Alecrinm
comércio. Os meus vizinhos mesmo, tanto da esquerda quanto da direita
viraram comércio, a minha casa ela está quase que isolada, embora
alguns comércios abriguem nos fundos também a residência das pessoas
que tomam conta do comércio. (MAFRA, 2011).

Para José Alencar Bezerra (2005), o fato de o comércio ser fator importante na vida do
bairro, faz que o mesmo sempre atraia grande contingente populacional. O número de
pessoas que transita pelo Alecrim aumenta a cada ano, junto com o número de carros que
passa por lá. Para José Normando Bezerra, “o trânsito é o grande gargalo, é o grande problema
do bairro do Alecrim. É inviável do jeito que está até agora” (BEZERRA, 2010). Com o aumento
no número de carros, e a dificuldade no trânsito, temos visto a diminuição no número de
crianças brincando nas ruas. Entretanto, o que parece tirar as crianças da rua não é o
movimento que o bairro recebe cotidianamente, mas, sim, um problema que a cada dia está
invadindo o bairro e deixando as crianças presas em casa: a violência.
Para Samya Maia, isso foi uma das piores mudanças que aconteceram no bairro:

[...] segurança, é um problema muito grande do bairro. Na minha época


não tinha, a gente brincava, os moradores tinham “A Praça é Nossa”, em
que iam para a frente das casas e se agrupavam. [...] De uma hora eles
entravam para as casas e a gente continuava brincando de futebol, de
queimada... E não tinha o perigo que tem hoje. As crianças de hoje nem
saem para brincar fora. As crianças hoje, lá no Alecrim, são assim elas
saem de casa para a casa do vizinho, entram, no portão, e ficam lá
brincando. De sete e meia da noite, normalmente, os pais vão lá, pegam e
trazem para dentro de casa. Não tem mais as brincadeiras na rua. Então,
é uma mudança para pior.(MAIA, 2011)

Entretanto, para Mafra, a violência sempre foi uma questão presente no bairro, mesmo
que localizadas em regiões mais específicas:

[...] não vou negar que a violência sempre esteve presente no bairro do
Alecrim, principalmente nessa questão de Guarita. Essa palavra
“Guarita”... Se você pegar qualquer pessoa da minha idade, ou um
pouquinho mais velha, e falar “Guarita”, elas vão identificar como sendo
uma parte do bairro mais perigosa, onde havia, digamos assim, os
bandidos. (MAFRA, 2011).

80
Os reis da rua

Com o crescimento dessa violência, o modo como as crianças viviam sua infância foi, de
algum modo, afetado.
Mafra afirma que o advento de novas tecnologias tem prendido mais as crianças em
casa, em uma infância diferente da sua, “onde as pessoas estão muito atrás de uma tela,
jogando videogame, atrás de um computador” (MAFRA, 2011).
Com a intensificação do trânsito, a questão da falta de segurança e o advento de novas
tecnologias, as crianças não têm mais passado seu tempo na rua. Se não estão nas suas casas,
estão nas de seus amigos e colegas. A rua parece ter sido o espaço por essa excelência das
brincadeiras, mas na atualidade a rua é percebida como um espaço de insegurança, no qual os Criança na rua dos Pajeús
pais não querem ver os seus filhos. Por isso, esses tem que arrumar outros meios de diversão. Acervo Evânio Janeilson Mafra

O Alecrim mudou. As crianças, entretanto, continuaram a existir e ser crianças. Mas,


agora terão que se adaptar a um bairro que vive tempos ferozes, não mais os “velhos tempos,
belos dias” de Roberto Carlos, citados por José Normando Bezerra. Os Reis da Rua perderam
seus domínios. Talvez para sempre.

81
Av. Presidente Bandeira (Av. 2) / Acervo “A República”
Praça Gentil Ferreira, uma
quitandinha no Alecrim
Praça Gentil Ferreira, uma quitandinha no Alecrim

Praça Gentil Ferreira, uma quitandinha no Alecrim

“Era bastante interessante, então, como ao redor da praça era mais ou menos um
centro, o coração do Alecrim era a praça, o centro do Alecrim” (SÁ, 2011), afirma o comerciante
do Alecrim Derneval de Sá. A praça exemplificada aqui como esse centro pulsante é a praça
Gentil Ferreira, citada como coração do bairro Alecrim, grande centro aglutinador, espaço
público de grande vitalidade.
Uma praça é um “espaço público urbano”, onde é possível a convivência e a recreação
das pessoas de determinada área, cidade ou bairro. No dicionário Priberam da língua
Portuguesa a definição encontrada para praça pública é de um “meio sociocultural de um
determinado local”. Geralmente uma praça fica no centro, num local de fácil acesso ou até
mesmo de passagem.
São inúmeras as praças existentes no bairro Alecrim. Grande parte dos moradores do
bairro diz ser a praça Gentil Ferreira sua maior referência quando se fala nesse tipo de
logradouro público. Ainda exemplificam ser este o espaço onde as pessoas reuniam-se pra
conversar sobre política, futebol e da “vida alheia”, para tomar um café, uma “pinga” ou fazer
algum lanche, para apreciar os transeuntes, e para acompanhar as grandes manifestações
políticas e culturais de Natal, os comícios de fim de campanha e, mais ainda, os “showmícios”,
que eram shows promovidos pelos candidatos do momento para entreter a população que ia
em busca também de uma distração.

praça Gentil Ferreira / década de 1980


Acervo “A República”

85
Alecrinm

Alguns entrevistados afirmaram que os grandes eventos que marcaram a memória do


Alecrim foram os de caráter político no fim da década de 1950 e início da década de 1960: os
embates entre Dinarte Mariz, cujo governo foi do ano de 1956 a 1961, e Aluísio Alves que
governou o estado entre os anos de 1961 e 1966.
Cerca de 30 mil pessoas frequentavam esses eventos e não eram só moradores do
Alecrim, mas também moradores dos demais bairros de Natal, bem como de cidades
circunvizinhas. O comerciante Francisco Derneval de Sá, que morou por alguns anos no
Alecrim e hoje é dono de um estabelecimento comercial de mais de 50 anos no bairro, afirma
que “essas grandes concentrações eram no Alecrim, em cima do Quitandinha [...] o
Quitandinha era meio palanque, então, lá em cima, eles organizavam o sistema de som e a
Nesse sentido, população ficava circulando e era muita gente realmente. Então, os grandes eventos do
Alecrim foram os eventos políticos”. (SÁ, 2011).
não se pode
Nesse sentido, não se pode falar da praça Gentil Ferreira sem falar do Quintandinha. O
falar da praça Café-bar Quitandinha que se situava em frente à praça, no cruzamento da Avenida 2 (Rua
Gentil Presidente Bandeira) com a Amaro Barreto, foi inaugurado em 1938, antes mesmo da própria
Ferreira sem praça Gentil Ferreira. Local dos mais variados shows e comícios políticos reunia todos os dias
muitos que vinham do interior e outros tantos da capital que discutiam diversos assuntos.
falar do Francisco Derneval de Sá ainda complementa descrevendo que o Quintandinha era o local
Quintandinha. onde: Vista do antigo Quitandilha
Foto: Grevy

86
Praça Gentil Ferreira, uma quitandinha no Alecrim

aquele pessoal que vinha do interior tomava o café da manhã [...] era um
espécie de self-service improvisado, aquele lanche rápido, aquele café.
Também tinha os pinguços que tomavam uma caninha. Era um bar,
restaurante, lanchonete e casa de jogo. (SÁ, 2011).

Algumas pessoas afirmam que no andar superior da construção existia uma mesa de
carteado. João Galvão do Nascimento Neto, ex morador do Alecrim, comenta que o
Quitandinha era um “ponto de encontro cultural. Qualquer coisa importante que fosse ocorrer
no Alecrim, seria feito lá no Quitandinha. Em geral, em cima do Quitandinha, que funcionava
como se fosse um palco.” (NASCIMENTO NETO, 2010).
E era nesse piso superior onde geralmente ocorriam os shows com grandes artistas da
época como Marinês e Sua Gente, Zito Borborema, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro,
Nelson Gonçalves, Ângela Maria, Cauby Peixoto e Antônio Marcos. Nesse espaço plano ficava
a banda e na parte de baixo, bem como em toda a área circundando a praça, ficava o público.
Dos políticos que fizeram seus comícios no Quitandinha alguns entrevistados citam
Fernando Ferrari, gaúcho que foi candidato a presidente da República, João Goulart e Ulisses
Guimarães, além dos já citados candidatos a governador do estado Dinarte Mariz e Aluísio
Alves. Na época de campanha política muitos moradores do Alecrim encontravam-se na praça
Gentil Ferreira e no Quitandinha.
A importância do Quitandinha era sempre destacada nos depoimentos sobre o bairro,
seja por quem conheceu ou mesmo por quem frequentou o local. O ex morador e comerciante
há muitos anos no bairro, Magno Vila, lembra que o Quitandinha:

[...] era muito importante. Era como se fosse “o grande ponto”. O “grande
ponto” do Alecrim. Existiam cinemas, os dois cinemas eram bem
próximos do “Quitandinha”. Existiam as praças de carro, também
próximas do “Quitandinha”. As primeiras casas de comércios também
eram próximas ao “Quitandinha”... Então, era muito comum os
comerciantes irem para lá tomar um cafezinho, tomar uma cerveja e ficar
“batendo papo” às vezes antes ou depois do expediente. (VILA, 2011)

O depoimento dos moradores e ex moradores do Alecrim é unânime em ressaltar que o


Quitandinha era sim lugar de memória e hoje lugar de saudade: “[...] a lembrança que eu
guardo, é que era um lugar que movimentava o Alecrim.”(UBARANA, 2011). “Todas as
pessoas que circulavam no Alecrim entre os anos 40 e 70 guardam boas recordações do

87
23
Alecrinm
Quitandinha. O Quitandinha era referência no Bairro” (SÁ, 2011).
A praça Gentil Ferreira foi inaugurada em 1939 pelo então prefeito Gentil Ferreira de
Souza (1931-1932 /1935-1940) e teve também o nome de “praça da República”. Foi considerada
uma das obras de melhoramento urbano que constavam no plano geral da Cidade. A
inauguração foi esperada, ao que parece, com muito entusiasmo pela população, e era notícia
frequente nos jornais da época:

As festas do Alecrim nos dias 23 e 24. Inauguração da praça e jardim


daquele bairro:
O Dr. Gentil Ferreira, prefeito da capital, fez no bairro do Alecrim,
melhoramentos que determinaram a merecida gratidão de seus
habitantes ao administrador de iniciativas proveitosas à cidade. Justifica-
se, pois, a alegria dos alecrinenses a propósito da inauguração da praça
ajardinada em frente ao mercado público, benefício este por si só
bastante para evidenciar o carinho do Dr. Gentil Ferreira pelo Alecrim.
Utimado o calçamento, benefício que não só concorreu para o
aformoseamento da artéria principal desse subúrbio, como também para
a valorização da propriedade, entendeu o ilustre administrador que,
como complemento desses melhoramentos, fosse construído o
logradouro público que vai agora ser inaugurado.
No dia 23 a festividade constará de irradiações pelo indicador da agência
pernambucana, várias barracas artísticas oferecendo agradável
passatempo e fogos de artifício de grande efeito. De 21 às 23 horas haverá
retreta na nova praça, antecipando sua inauguração que será no dia 24,
às 19 horas, com a presença do Dr. Sr. interventor federal, autoridades
federais e estaduais e representantes da imprensa.
Uma salva de 21 tiros anunciará a inauguração da praça, seguindo-se a
apresentação de fogos de grande estilo, destacando-se uma alegoria em
homenagem ao Dr. Gentil Ferreira, benemérito prefeito de Natal.
As barracas e a retreta continuarão nessa noite a manter mais viva a
alegria do bairro e de seus habitantes. (A República, 1939 )

Oficialmente a praça só recebeu a denominação de “Gentil Ferreira” em 1942, através


do Decreto n°53, por determinação do prefeito interino, Mário Eugênio de Lira (1942-1943).
Posteriormente, em 1948, o prefeito Sylvio Pedroza (1946-1951) modificou o nome de
tal praça para “praça da República”, mas a população não aceitou o novo nome. Entretanto, a

88
Praça Gentil Ferreira, uma quitandinha no Alecrim

praça só retornou para seu nome original, de


fato, em 1949 pela Resolução n°42, do
mesmo ano.
No local onde hoje está a praça Gentil
Ferreira existia uma ampla mangueira, nos
limites da estrada que levava a São José,
plantada por um senhor conhecido por nome
de Manoel Lourenço. Nesse local, tempos
depois, os carros de praça, carros fretados,
“mistos” carregados de pessoas e objetos, e
até mesmo as “marinetes” tinham seu ponto
de apoio. Os que vinham do interior, em
direção ao “cais do sertão” que era o Alecrim,
faziam sua primeira parada em Natal na
mangueira, que era como que um terminal,
uma rodoviária improvisada, quase uma
“parada obrigatória”. praça Gentil Ferreira
Acervo “A República”
Mesmo após a inauguração da Rodoviária no bairro da Ribeira, os ônibus paravam no
Alecrim. Ali era um ponto fixo dos transportes intermunicipais. A inauguração do Quitandinha
veio só para dar maior suporte a um local que já era utilizado pela população como uma espécie
de ponto de encontro.
Com a ampliação da praça Gentil Ferreira em 1973, foram demolidos um velho
mercado que existia na outra extremidade da praça e o bar Quitandinha. Dizem que A inauguração
posteriormente foi construído um novo Quitandinha na praça, mas ele não manteve a mesma
relação que existira anteriormente, por isso veio a fechar. Essa ampliação, gestão do prefeito
do Quitandinha
Jorge Ivan (1972-1975), modificou a praça aumentando seu espaço. No entanto, essa reforma veio só para dar
fez com que o bar Quitandinha desaparecesse do bairro para sempre. maior suporte a
No ano de 1948, o vereador Severino Galvão, pediu a instalação de um sinal de trânsito
um local que já
em um cruzamento central e importante no Alecrim: Avenida 2 (Rua Presidente Bandeira) com
a Avenida Amaro Barreto, na extremidade da praça Gentil Ferreira. Esse local era tido por era utilizado pela
muitos como o centro do Alecrim, e ali se fazia necessário algum tipo de interferência a fim de população como
que não houvesse acidentes de trânsito nesse ponto de constante passagem de veículos e uma espécie de
pedestres.
Anos depois, por volta de 1965, foi solicitado um grande relógio para ser colocado
ponto de
nesse “centro do Alecrim”, no local em que funcionava o sinal de trânsito. Os comerciantes do encontro.

89
Alecrinm
bairro formaram uma comissão e solicitaram ao “Lions Clube” que fizessem uma campanha
para reconstituir fundos para instalar o relógio. As entidades comerciais que contribuíram
receberiam um espaço para anunciar sua propaganda na parte lateral do relógio.
Surge então um relógio que tinha como objetivo além de embelezar o espaço urbano
servir à população. O relógio foi instalado próximo à praça Gentil Ferreira, nesse cruzamento
de tráfego tão intenso no bairro.
Nas décadas de 1970 e 1980, muitas pessoas temiam ser vistas circulando pela praça
pelo fato de alguns personagens marginalizados da sociedade frequentarem esse espaço
público. Os moradores utilizavam a praça apenas como passagem, já que esta se encontrava
em um local central do Bairro. Ao que parece a praça tornava-se um ambiente confuso e
impróprio às famílias, o que fez com que o prefeito Garibaldi Filho (1986-1988) determinasse
uma operação de “limpeza” a fim de que se restaurasse a “ordem” e que se tornassem livres das
barracas de vendedores informais e “pessoas da praça”, termo utilizado pela imprensa para
denominar os estigmatizados da sociedade e que eram vistos por lá.
No jornal Diário de Natal é possível observar bem o ambiente da praça nesse período:

GENTIL FERREIRA, MERCADO EM EXPANSÃO


Relógios, ferramentas, pincéis, bicicletas, motos, rádios, televisores,
peças eletrônicas, fios, cassinos e até motéis. Tudo se vende na praça
Gentil Ferreira, do tradicional caldo de cana com pão doce ou bolo de
ovos, até o próprio corpo. Antigo reduto de gigantescos comícios, com
inflamados discursos políticos, estimulando a esperança com mensagens
de mudanças, hoje a praça abriga marginais, prostitutas, trambiqueiros e
pequenos comerciantes. Os barracos de madeira, tristes e escuros,
enfeiam o ambiente, somando-se a sujeira espalhada na praça. (Diário de
Natal, p 10, 20/12/1987)

Toda a operação de “limpeza moral e social”, por assim dizer, da praça ocorreu no dia 29
de dezembro de 1987, um domingo. Em poucas horas, as construções toscas dos camelôs já
estavam ao chão e o logradouro cercado por estacas e arames, isolado para que fosse iniciada
nova reforma. No entanto, essa “limpeza” realmente não durou por muito tempo. Mas a falta
de cuidados, de controle e segurança novamente fez deste um local que continuava a ser
evitado pelos moradores.
A praça Gentil Ferreira continuava a ser um animado ponto de vendedores de raízes e
“remédios”, onde inúmeras figuras folclóricas como leitores de cordel, cantadores,
repentistas e violeiros faziam suas apresentações; onde os aposentados jogavam dominó e

90
Praça Gentil Ferreira, uma quitandinha no Alecrim

dama; onde os engraxates exerciam seu ofício e os turistas encantavam-se ao visitar esse
“cantinho” de tanta pluralidade.
Nos anos 1980, o grande comício das Diretas Já em Natal ocorreu na praça Gentil
Ferreira, mais precisamente, no cruzamento das Avenidas 2 (Rua Presidente Bandeira) com a
Avenida Amaro Barreto. Esse comício foi um grande palco aglutinador de personagens
políticas.
Com o crescimento do bairro do Alecrim a praça passou a ser “um instrumento de apoio
do público”, um lugar de passagem, onde as pessoas somente permaneciam para tomar seus
ônibus até suas residências nos bairros das zonas Norte e Oeste.
Localizada entre as ruas Manoel Miranda e Amaro Barreto, a praça Gentil Ferreira ainda
hoje é referencial tanto para a população do Alecrim quanto para pessoas de outros bairros.
Relógio do Alecrim e Vista parcial
Todas dirigem-se para aquele ponto, bem como ao comércio em seu redor, a fim de comprar, da Av. Amaro Barreto
Foto: Esdras Rebouças Nobre
negociar e divertir-se.
A praça Gentil Ferreira, conhecida por muitos como “praça do relógio” e o “coração do
Alecrim”, foi e ainda é, ponto de encontro de manifestações culturais da população, lugar de
memória da população alecrinense.

A praça Gentil
Ferreira
conhecida por
muitos como
“praça do relógio”
e o “coração do
Alecrim”

91
praça Gentil Ferreira / Foto: Escdras Rebouças Nobre
Carnaval vem sempre pra
tremer a terra:
A folia do Alecrim!
Carnaval vem sempre pra tremer a terra

Carnaval vem sempre pra tremer a terra: A folia do Alecrim

Confetes, lança-perfumes, serpentinas, fantasias (as indumentárias e os devaneios),


tambores, batucadas, desfiles, blocos... Quando se ouvem esses nomes, a imagem de alegria é
associada ao que grande parte do povo brasileiro manifesta em relação ao carnaval. O amor e a
paixão por essa festa que retrata a identidade cultural do país estão presentes em todo o Brasil.
Poucos são aqueles que não desenvolvem essa paixão.
E com o povo alecrinense não seria diferente. Os carnavais de outrora deixaram
saudades nos moradores do bairro, representando, para muitos, as melhores lembranças da
infância. José Normando Bezerra ressalta a grande importância que o carnaval do Alecrim
tinha enquanto manifestação cultural. Segundo Bezerra(2010), ele era “nota 10”, entre as
décadas de 1970-1990.
Assim como em outros locais onde o carnaval tem mais tradição e envolve um
número maior de foliões, no Alecrim também havia (e ainda há) os blocos, as
escolas de samba, as tribos de índios e os grandes desfiles, nos quais os
moradores divertiam-se bastante; e existiam aquelas figuras ilustres, que
tanto contribuíram para a realização do carnaval, como Severino Galvão, Cacique
“Os carnavais de
Bumbum e Mestre Guedes.
Severino Galvão participou da fundação do Alecrim F. C., foi vereador e, outrora deixaram
além disso, um homem ativo no carnaval do bairro, sendo mencionado por Zito saudades nos
Borborema na canção Forró do Alecrim: “Severino Galvão, nosso vereador / Faz moradores do
um forrozinho bom/ Pra ninguém arreclamá...” (NASCIMENTO NETO apud
CARVALHO, 2004, p.256). Ele também é pai do compositor Babal, que escreveu
bairro,
a música Avenida 10, que relata algumas de suas memórias e homenageia o Alecrim. representando,
João Galvão do Nascimento Neto, um dos filhos de Severino Galvão, conta um pouco para muitos, as
sobre a história de seu pai, que nasceu em Pedro Velho e, desde muito jovem, estava envolvido
melhores
com política. Tanto que certa vez, foi perseguido em sua cidade natal por causa de uma opinião
emitida. Assim, Severino Galvão saiu de lá, indo para Rio Tinto, na Paraíba, onde trabalhou em lembranças da
uma tecelagem. Por seu anseio de melhorar de vida, veio para Natal e alistou-se na Polícia, infância.”
onde estudou. Gostava de festas, carnaval e política, atuando como vereador, realizando
inúmeras benfeitorias para o bairro. Além disso, também exerceu um importante papel nas
festas da paróquia de São Sebastião e de São Pedro.
No que concerne ao carnaval, Severino Galvão foi Rei Momo oficial, desfilando com a
chave da cidade na Av. 2 (Presidente Bandeira). Entretanto, nem sempre ele foi eleito, ficando

95
Alecrinm

como o “Rei Momo do protesto”, agrupando amigos e foliões, criando o Ministério Paralelo e
mandando “prender” o Rei Momo oficial, que era Paulo Maux, segundo João Galvão do
Nascimento Neto. Tal brincadeira possuía tanto prestígio que chegava a ser noticiada em
jornais, pois a população valorizava essa relação de proximidade que havia entre Severino
Galvão e o carnaval, mostrando a riqueza cultural do bairro. Severino Galvão morreu em 1994,
e, segundo Evaldo Rodrigues Carvalho, em Alecrim ontem, hoje e sempre, ele foi homenageado
no livro Natal 400 nomes, como um dos verbetes elencados no mesmo.
Outra personalidade alecrinense de grande expressão foi o Cacique Bumbum, que
também aparece na música Avenida 10 de Babal. Era ele quem comandava a Tribo de índios
Guarani, que ganhava constantemente; chegando a ganhar dez vezes seguidas e a ser, por
essa razão, impedida de competir, destacou José Normando Bezerra.
Não se sabe bem ao certo o local onde as tribos de índios desfilavam no carnaval.
Alguns afirmam que os desfiles aconteciam inicialmente na Av. 7 (Rua dos Caicós); outros, que
era na Av. 2 (Avenida Presidente Bandeira); e uma outra fonte indica que ocorria na praça
Gentil Ferreira, próximo ao bar Quitandinha.
Para cada rua que recebia o nome de uma tribo (as chamadas avenidas 6 – Rua dos
Carnaval na Rua Amaro Barreto
Década de 1980 Canindés –, 7 – Rua dos Caicós –, 8 – Rua dos Pajeús –, 10 – Rua dos Paianazes –, e 12 – Rua dos
Acervo Chyka
Paiatis), havia um bloco de carnaval,
homenageando os “nativos da terra” (SÁ,
2011), que por muito tempo dominaram o
território norte-rio-grandense. Nesses
desfiles eram usados os trajes, as pinturas no
rosto e no corpo. Os grupos que dão nome a
essas ruas do Alecrim são provenientes de
uma tribo maior, habitante do interior do
estado: os Cariri, caracterizados por serem
tristonhos, arredios e de pele mais clara que
os Potiguara (índios do litoral). Os Caicó
viviam em Caicó, Florânia e parte de Cruzeta;
os Pajeú, vindos de Caraúbas, Olho D'Água
dos Borges, Augusto Severo e Upanema; os
Canindé, oriundos das cidades de Mossoró,
Areia Branca, Carnaubais, Pendências,
Macau. As outras tribos também são
originárias do interior do estado. Assim, esses

96
Carnaval vem sempre pra tremer a terra

grupos puderam ser lembrados, reavivando a memória, através dos desfiles de carnaval.
No Alecrim, a festa de carnaval e as escolas de samba não tinham tanta tradição
quanto em outras localidades de Natal, mas nesse bairro morava o Mestre Guedes, grande
apreciador da cultura popular, que criou o Bambelô Asa Branca, a escola de samba Asa Branca.
João Galvão do Nascimento Neto explica ainda que o bambelô era “uma variante de coco de
roda” (NASCIMENTO NETO, 2010); e menciona também as qualidades de Mestre Guedes,
dizendo como enxergava tal personagem: um homem que dançava com classe e com tanta
suavidade que era como se estivesse flutuando. As escolas de samba do Alecrim não possuíam
tanta tradição como em outros locais da cidade. Mas apesar disso, a beleza delas é constatada
por grande parte da comunidade:

Carnaval, eu posso lhe dizer claramente que isso não é uma fantasia de
criança, carnaval na minha época de criança era um carnaval muito mais
elaborado, as escolas de samba elas tinham uma participação de famílias
inteiras às vezes, de pessoas comuns (...). Era uma coisa que você via pai,
mãe, filho, vovó, sentada lá na calçada pra ver o desfile, pra assistir o
desfile, pra participar e esperar até o resultado da escola campeã.
(MAFRA, 2011)

Os desfiles aconteciam primeiramente na praça Pedro Velho e passaram para a Av. 2


(ou Presidente Bandeira) no ano de 1981, durante a gestão de José Agripino (1979-1982).
Posteriormente, foram transferidos para a Avenida Duque de Caxias (no bairro Ribeira), onde
acontecem até hoje.
Asa Branca, Aí vem a Marinha, Imperadores do samba, Mangueira do samba,
Imperatriz alecrinense, Salgueiro eram as escolas de samba que havia no bairro e o
movimentavam significativamente. A “Asa Branca” foi fundada pelo Mestre Guedes. Havia
também a “Imperadores do samba”, na Av. 11 (Avenida Manoel Miranda), entre as Av. 4
(Avenida Presidente Sarmento) e 5 (Avenida Presidente Leão veloso); a Mangueira do samba;
a Imperatriz alecrinense, que, para Evânio Janeílson Mafra, “até hoje ainda encanta o povo do
bairro” (MAFRA, 2011); e a Salgueiro.
Aí vem a Marinha constitui-se como uma escola de samba bastante particular,
frequentemente lembrada e apontada por Francisco Derneval de Sá como “uma influência do
Rio de Janeiro, nos 50 [década de 1950]” (SÁ, 2011). Tal escola, organizada pela Base Naval,
recebia pessoas de fora do estado, ligadas ao samba, e despertava grande admiração na
população do bairro. É isso que mostra André Luiz Santana Marinho em A praça de Novo, volta
a ser do povo: um estudo etnográfico do espaço e da prostituição na praça Gentil Ferreira, através

97
Alecrinm
da fala de uma antiga moradora do Alecrim, “Dona Belquice”. Era forte o encantamento que se
tinha pela escola de samba da Marinha, pelo navio que se construía com o nome “Aí vem a
Marinha” e pelos marinheiros vestidos com sua roupa quadriculada, suspensório, turbante,
cantando “Ai! Ai! Ai! Isaura!”.
No carnaval do Alecrim também existiam os blocos, que, segundo José Normando
Bezerra, eram de elite, para aqueles mais endinheirados, “porque pagava e era um trator que
puxava uma carroça, estruturas com as pessoas em cima pulando”. (BEZERRA, 2010). Esses
blocos eram o Magnata, o Psiu, o Arrastão e, para Evânio Janeílson Mafra, havia também um
que se chamava Refoliê. Segundo Francisco Derneval de Sá, eles começaram a surgir na
década de 1950. Ele narra sobre um, cujo nome não se recorda, que era muito famoso e saía ou
na Av. 9 (Avenida Coronel Estevam) ou na Av. 10 (Rua dos Paianazes), sendo um dos primeiros
com guitarra. Outro bloco existente no Alecrim é o “Cheiro de Alecrim”, fundado em 2000.
Assim como outros espaços urbanos, no Alecrim também havia peculiaridades, que
ficaram marcadas pela memória dos moradores: eram as “batalhas” e os “assaltos”, que hoje
apresentam um aspecto demasiadamente distinto da que havia na época. Os “assaltos”
aconteciam quando um desses ricos, que faziam parte dos blocos carnavalescos de elite,
chamava os outros integrantes do bloco para a sua casa e lá oferecia comida e bebida aos
convidados, e sentia-se orgulhoso pela festa que organizava.
As “batalhas” funcionavam como prévias carnavalescas, nas quais se desfilavam com
as vestimentas do ano anterior. Montava-se um palanque e instalava-se uma comissão
julgadora. Já Magno Fernando Vila afirma que “era um encontro dos blocos que vinham de
outros bairros fazer a batalha da Vila Naval”. (VILA, 2010). Esses eventos foram, inclusive,
“No carnaval do muito incentivados durante o governo de Djalma Maranhão (1956 e 1959, e depois, 1960 e
Alecrim também 1964).
existiam os Outro evento bastante lembrado pelos moradores é o carnaval nos clubes: Atlântico,
localizado na Avenida Alexandrino de Alencar; Alecrim Clube; Cobana, que era o dos oficiais da
blocos, que, Marinha, ao qual todos tinham acesso; e o Clube Tiradentes (da Polícia Militar), situado na Av. 2
segundo José (ou Presidente Bandeira). Até hoje esses clubes ainda existem, mas a diferença é que
Normando antigamente eram mais e melhor freqüentados, na opinião de Evânio Janeílson Mafra.
Havia ainda a figura do “Papangu”, que “era o 'cara' que se vestia com aquelas roupas”
Bezerra, eram
(BEZERRA, 2010) bastante extravagantes, coloridas, e usava máscaras, deixando todo o corpo
de elite, para e o rosto cobertos pela fantasia e escondendo sua identidade, graças ao disfarce. Isso
aqueles mais despertava nas crianças um grande medo, durante o domingo de carnaval no Alecrim.
endinheirados” Portanto, todo o amor, a beleza e a admiração que percorria a “festa da carne”, o
carnaval, podem, mais uma vez, ser constatados nas falas dos moradores, como Evânio
Janeílson Mafra:

98
Carnaval vem sempre pra tremer a terra

(...) E os carros alegóricos eram coisas belíssimas, tinham estruturas


muito bonitas. Na minha rua tinha um senhor que construía carros
alegóricos, a gente participava da construção desse carro vendo,
admirando. Não chegávamos muito perto porque ele era sempre muito
rígido, eu não me recordo o nome dele. (MAFRA, 2011)

No início do século XXI, o carnaval do Alecrim, segundo afirma o próprio Evânio


Janeílson Mafra, “é uma coisa de gueto, de comunidades mais específicas”. (MAFRA, 2011),
diferentemente de como era durante o século XX. Embora ainda haja certo envolvimento da
comunidade, ela não participa mais tão ativamente das festividades, o que se deve,
principalmente, ao fato de os desfiles acontecerem na Ribeira. O que movimenta ainda hoje o
bairro, apresentando-se nas suas ruas, é o bloco Cheiro de Alecrim.
Se o carnaval por si só já desperta tanta emoção, como pôde ser visto, no Alecrim a
nostalgia é ainda mais intensa. Chico Buarque de Holanda já dizia em “Sonho de um carnaval”
que “No carnaval, esperança / Que gente longe viva na lembrança / Que gente triste possa
entrar na dança / Que gente grande saiba ser criança”. Esse sentimento estava presente
também nos alecrinenses, que se guardam para quando o carnaval chegar. De fato, é difícil não
se entusiasmar com essa festa que ameniza e faz esquecer momentaneamente as
dificuldades, pelo menos até a quarta-feira de cinzas.

“No carnaval, esperança /


Que gente longe viva na
lembrança / Que
gente triste possa
entrar na dança /
Que gente grande
saiba ser criança”

99
Carnaval no Alecrim - Acervo Chika
Um Alecrim de muitas festas
Um alecrim de muitas festas

Um alecrim de muitas festas

O Alecrim apresenta manifestações culturais próprias, como a festa do padroeiro da


Igreja de São Pedro, a festa do padroeiro da Igreja de São Sebastião, festas juninas organizadas
pelos moradores do bairro e as comemorações carnavalescas. Todas as manifestações tem um
significado especial para os moradores do Alecrim e é necessário notar o papel que as mesmas
desempenham na dinâmica do bairro.
Nos relatos de moradores e outras fontes, como jornais e fotografias, pode-se
perceber as transformações ocorridas no bairro Alecrim. Tais transformações incluem as
manifestações culturais do Alecrim. Algumas festas e comemorações desapareceram, e Igreja São Pedro - década de 1980
aquelas que permanecem sofreram modificações. Acervo “A República”

Uma das festas mais tradicionais do bairro é a festa do padroeiro


da Igreja de São Pedro. A pedra fundamental dessa igreja foi lançada pelo
Monsenhor Alfredo Pegado, em 1916. Segundo Itamar de Souza (2008),
nessa época os fiéis organizaram festas, quermesses e mobilizações para
a construção do templo, que foi inaugurado em 4 de maio de 1919.Até
hoje (em 2011) ele permanece como um dos maiores de Natal e do
Alecrim, sendo o santo padroeiro, São Pedro, considerado padroeiro do
bairro. A festa do padroeiro, portanto, confunde-se com a história da
igreja e do próprio bairro, criado em 1911.
Até a década de 1940, poucas são as notícias sobre o bairro
Alecrim e as instituições e equipamentos presentes nele. Dentre essas
notícias, anualmente podemos encontrar uma que trata da festa de São
Pedro, como esse relato de 1936:

Tiveram grande brilho, este anno, os festejos em


homenagem a São Pedro, padroeiro da Igreja
Catholica. Na matriz do Alecrim foi cantada,
antehotem, às 9 horas, missa solenne, com sermão
ao Evangelho. A's 16 horas, com grande
acompanhamento de fieis saiu imponente
procissão, conduzindo do Glorioso “Chaveiro do
Céu”, tendo percorrido as principais ruas do bairro
alecrinense. Tocou a banda de musica da Força

103
13
Alecrinm
Publica Militar. Ao recolher se o préstito foi dada a bençam do S. S.
Sacramento. A' noite, em frente á igreja, realizou-se animada kermesse.
(A REPÚBLICA, 01/07/1936).

Segundo o padre Raimundo Lopes Ribeiro, que está na Paróquia de São Pedro desde a
década de 1970, a festa religiosa faz parte da vida da igreja e o povo sempre participou
ativamente dos festejos. Padre Lopes recorda que na época em que chegou à igreja,
entretanto, o povo participava mais, doando muitos objetos para o “leilão” que ocorria na
festa, durante a quermesse. Esse tipo de celebração secular ocorria após a celebração religiosa
e ocorria em frente à igreja. Infelizmente, com o aumento da violência, esse tipo de festa parou
A festa religiosa de ocorrer dessa maneira:
faz parte da vida
Tudo era feito, naquela época, em frente à Igreja, em baixo daquelas
da igreja e o povo
árvores. Ficava muita gente, ninguém tinha medo de assalto, porque na
sempre participou década de 1970, 1980, as coisas eram bem diferentes. Então, depois que
ativamente dos começou a dar assalto ninguém teve mais coragem de fazer essas festas,
festejos. porque fazia a festa, depois ia fazer a apuração da festa, ai lá vinha esses
camaradas cheios de necessidades carregar dinheiro e enfrentar isso e
dar briga... (RIBEIRO, 2010).

Segundo o padre Raimundo Lopes Ribeiro, esse tipo de movimento festivo só


recomeçou após a construção do parque esportivo do Instituto Sagrada Família, entre as
décadas de 1980/1990. A celebração, entretanto, não apresenta o vigor de antigamente e
conta com as participações de menos fiéis.
Existem mais festas de padroeiros em outras igrejas do Alecrim. Algumas dessas
igrejas, inclusive, são ligadas à Paróquia de São Pedro. Quando indagado acerca dessas outras
festas, padre Raimundo Lopes Ribeiro afirmou:

Em dezembro temos a festa de Nossa Senhora da Conceição, depois, em


março, é São José. No mês de outubro é a festa de São Francisco, e assim,
em cada época, temos o santo e a novena do padroeiro naquela capela
que está ligada à Paróquia (RIBEIRO, 2010).

Entretanto, a outra festa principal de padroeiro que acontece no Alecrim não é citada
pelo padre Raimundo Lopes Ribeiro, pois é realizada por uma igreja já desvinculada da
Paróquia de São Pedro e que possui sua própria paróquia: a Igreja de São Sebastião.

104
14
Um alecrim de muitas festas

São Sebastião é considerado por muitos alecrinenses o segundo padroeiro do bairro.


As comemorações em homenagem a esse santo já ocorriam durante a década de 1920.
Entretanto, não se sabe com precisão quando foi criada a capela de São Sebastião. Ela
encontrava-se em uma área localizada nas proximidades do Alecrim, chamada Baixa da Égua,
que depois teve o nome mudado para Baixa da Beleza. A condição de capela permaneceu até
1949, quando ocorreu a criação da Paróquia de São Sebastião; nessa época, já era uma igreja
numerosa e atraía um grande número de fiéis não só do bairro, mas de outros bairros
próximos, como Quintas, que ficava nos limites do Alecrim.
A festa de padroeiro da Igreja de São Sebastião, assim como a de São Pedro, sempre
teve grande participação da população e não era só nisso que elas se assemelhavam. A
estrutura da festa era composta primeiramente pelos festejos religiosos (com as novenas e a
tradicional procissão) e depois pela quermesse, assim como na Igreja de São Pedro.
Entretanto, há uma diferença que dava algo mais à festa de São Sebastião. Existia, durante os
festejos, uma espécie de “rivalidade” entre dois grupos: o Cordão Encarnado e o Cordão Azul.
As cores dos grupos são as mesmas utilizadas no Pastoril, tradicional manifestação cultural
que faz parte do ciclo de comemorações natalinas em estados do Nordeste como Pernambuco
e Rio Grande do Norte. Ambos os grupos possuíam barracas montadas durante a quermesse e
ofereciam serviços, como os tradicionais leilões das festas de padroeiro, com o objetivo de
arrecadar fundos para a igreja:

Os leilões ocorriam no próprio pátio da igreja, as barracas eram vizinhas,


quem queria entrar no grupo vermelho, entrava no portãozinho do lado
do grupo vermelho, quem não queria, iria para o outro lado. As pessoas
ficavam ali, convivendo, a música tocando. As pessoas ficavam
consumindo, conversando, era o local da paquera também.
(NASCIMENTO NETO, 2010).

Além disso, cada grupo tinha uma rainha. Sobre isso, João Galvão do Nascimento Neto
nos fala:

Tinha a eleição da rainha da festa, o Cordão Encarnado fazia uma, o Azul


outra, e saiam vendendo, como se fosse coisa de rifa, vendendo “voto”.
Colocavam umas mulheres bonitas para “vender os votos”, aí elas
falavam: “Me ajude a ser eleita a rainha!”, aí o “cara” comprava o voto,
era um valor irrisório, mas sempre comprando ali. Ela tinha um mês, o mês
da festa para vender isso. Fazia-se muito isso ali, era uma coisa que
movimentava a área, era uma coisa interessante.Eu lembro, que se você
105
Alecrinm
perguntar a qualquer pessoa do interior, ele vai dizer tudo isso que eu disse
a vocês, parece interior, e era, parece que era. (NASCIMENTO NETO,
2010).

O grupo que ajudasse a arrecadar mais fundos para a igreja durante a festa era
considerado vencedor.
Em 1964, ao contrário do que era costume em todos os anos anteriores, o pároco da
Igreja de São Sebastião declarou que não haveria festa externa de barracas, bebidas, leilões e a
tradicional coroação de Rainha. No Livro de Tombo da igreja consta que, a despeito das críticas
recebidas, a festa realizada dessa maneira recebeu pleno apoio da maioria. A atitude foi
repetida durante alguns anos, até 1969. Nesse ano, o teto da igreja caiu e nos anos que se
seguiram as arrecadações das festas serviram para ajudar a construir uma nova igreja.
As festas de padroeiro que ocorriam no Alecrim assemelhavam-se muito àquelas que
ocorriam no interior do estado. Isso é mencionado por João Galvão do Nascimento Neto em
seu depoimento e confirmado por Evânio Janeílson Mafra:

Então, como a minha família é do interior, e eu estava acostumado a ir às


festas do interior, eu acho que o ponto de contato entre a capital e o
interior era a Festa de São Sebastião. Porque você tinha lá, no meio de
uma avenida, um parque armado, com aquelas de música de “boca de
ferro” cantando, bem antigas: Roberto Carlos, etc., além das
brincadeiras, que eram comuns você encontrar no parque em todo lugar;
brincadeiras que não se encontravam muito na capital, como: tiro ao
alvo, pula-pula, essas coisas que você encontra mesmo só em parques no
interior do estado. (MAFRA, 2011).

Mafra relata suas memórias sobre a festa no final da década de 1980. Até essa época, a
festa ainda possuía traços marcantes de festas que ocorriam no interior do estado. É de se
notar que o Alecrim tem fortes raízes interioranas. Já na década de 1990 as festas de padroeiro
adquiririam um caráter “familiar”, mais fechado, pois o bairro Alecrim já começava a
apresentar índices do aumento da violência, como foi demonstrado nas falas do padre
Raimundo Lopes Ribeiro e de Evânio Janeílson Mafra, e os moradores preferiam a segurança
do interior das igrejas.
Não eram somente as festas de padroeiro que tinham espaço no universo do morador
do Alecrim. Tradicionalmente, no mês de junho em todos os cantos do Brasil e com mais força
no Nordeste brasileiro são comemoradas as tradicionais festas juninas, erguidas em

106
Um alecrim de muitas festas

homenagem a três santos: Santo Antônio (13 de junho), São João (24 de junho) e São Pedro (29
de junho); entretanto, são para esses dois últimos que são feitas as maiores comemorações.
No Alecrim não é diferente.
As festas juninas sempre foram motivo de alegria para o morador do Alecrim e um dos
principais espaços de sociabilização do bairro. As pessoas costumavam fechar as ruas com o
intuito de organizar a festa e reunir-se nesses espaços, como podemos ver nesse depoimento:
“[...] a própria população fechava as ruas, trazia palha de coqueiro, enfeitava, era o pai, a mãe,
o irmão, os amigos, as pessoas que vinham de fora para se confraternizar nessa data” (MAFRA,
2011). Segundo os depoimentos, todos eram chamados para participar da festa, inclusive da
sua organização. Entretanto, a festa vem sofrendo modificações com o passar dos anos.
Podemos perceber, primeiramente, que o próprio caráter visual da festa foi mudando.
Oliveira(2006), ao estudar as festas juninas, afirma que era muito comum a prática de se
colocar, a título de adereço, lanternas nas casas durante o mês de junho. Hoje em dia, não se vê
mais isso. O que ainda permanece do visual típico da festa junina são as bandeirinhas,
fogueiras e palhas de coqueiro em algumas ruas residenciais do bairro.
Além da mudança visual, há também a mudanças das atividades realizadas durante a
festa. Fora o tradicional “forró” e a “quadrilha matuta”, existiam outras atividades como: soltar
balões, saltar fogueiras de mãos-dadas (que simbolizava um voto de compadres) e presentear
o vizinho com um pau-de-santo. Essas três últimas atividades já não vistas nas ruas do bairro
Alecrim. Assim, podemos perceber que, com o passar dos anos, tanto a própria estrutura do
exterior da festa como dos costumes do povo vão transformando-se. Mudam-se os costumes,
mudam-se as festas.

As pessoas costumavam fechar as ruas


com o intuito de organizar a festa e se
reunia nesses espaços.

107
108
Participação de Djalma Maranhão nas festividades de São Sebastião - Década de 1960 - Acervo “Família Galvão”
- No Alecrim tem cinema?
- Tem sim senhor!
As salas de cinema no bairro Alecrim
- No Alecrim tem cinema? - Tem sim senhor!

- No Alecrim tem cinema? - Tem sim senhor!


As salas de cinema no bairro Alecrim

Se indagássemos aos jovens do século XXI sobre cinema em Natal, muitos falariam das
salas cinematográficas que existem nos Shoppings Centers da capital. A maioria não se
recorda das salas de cinema do Rex, Rio Grande, Nordeste, Panorama e Rio Verde, famosas nas
décadas de 1970, 1980 e primórdios da década de 1990, nem daquelas localizadas na Cidade
Alta, Rocas ou Petropólis. Mas era no bairro Alecrim onde se concentrava o maior número de
salas de cinema da cidade entre as décadas de 1920 e 1950, frequentadas em sua juventude por
avós, tios e pais.
Segundo Magno Vila, morador do Alecrim, se em Natal tinha 6 ou 7 cinemas, naquela
época,

[...] o Alecrim tinha 4 cinemas. Existia o cinema São Pedro, na Amaro Barreto, o
cinema São Luís, na Avenida 2 (Rua Presidente Bandeira), [...] onde hoje é o
Banco do Brasil era o cinema São Luís. [...] o cinema São Sebastião, que
funcionava na Avenida 10 (Rua dos Paianazes) e o Olde que funcionava ali por
trás da Igreja São Pedro. Então, Natal além desses 4, a Cidade tinha o Rex, Rio
Grande e Nordeste, as Rocas tinha o cinema Panorama. Então, Natal tinha 7
cinemas e 4 eram no Alecrim. (VILA, 2011)

Anchieta Fernandes(2007), autor de Écran Natalense: Capítulos da história do cinema


em Natal, dedicou um capítulo do seu livro às informações sobre o Cine São Pedro e os demais
cinemas existentes no Alecrim. Além dos cinemas citados pelo morador Magno Vila,
Fernandes menciona o Cine José Augusto inaugurado em outubro de 1923, que segundo ele foi
o primeiro do bairro, e o Cine Alecrim, fundado em setembro de 1947, que possuía 400 lugares,
e estava localizado nas proximidades da Praça Gentil Ferreira.

Mas era no bairro Alecrim onde se


concentrava o maior número de
salas de cinema da cidade entre as
décadas de 1920 e 1950, onde muitos
avós, tios e pais frequentaram em
sua juventude. 111
Alecrinm
SALAS DE CINEMA DO ALECRIM

Cinema do Alecrim Data de fundação Capacidade


Cine Teatro São Pedro 31 de dezembro de 1930 700 lugares
Cine José Augusto 07 Outubro de 1923 Não consta
Cine Alecrim 13 setembro de 1947 400 lugares
Cine São Luís 26 de outubro de 1946 Não consta
Cinema São Sebastião 06 de dezembro de 1947 400 lugares
Cine Olde ou Paroquial Não consta Não consta
Alecrim Cinema 16 de fevereiro de 1918 Não consta

O Cinema São Luis foi inaugurado em 26 de outubro de 1946 e vendido na década de


1960 ao Banco do Brasil. O morador José Normando Bezerra afirma que:

era a maior tela de Natal” e que “quando terminava o filme tinha um rapaz
Cinema São Luis - década de 1950
vendendo revista, pôster de faroeste... Depois tinha coisa que eu achava
Acervo IHGRN

112
- No Alecrim tem cinema? - Tem sim senhor!

melhor, que era comer cachorro quente, com refrigerante “Crush”, tudo isso na
frente do cinema (BEZERRA, 2010).

O Cine São Pedro foi considerado por muitos a “casa de espetáculos” maior e mais
confortável do Rio Grande do Norte e estava situado na Rua Amaro Barreto. Inaugurado em 25
de dezembro de 1930, o cinema tinha cerca de 700 lugares e era de propriedade de Lauro
Medeiros, dono da Empresa Medeiros & Cia, cuja atividade fundamental era a aquisição e o
beneficiamento de algodão. O cantor Roberto Carlos fez seu primeiro show em Natal nesse “O Cine São
cinema, no ano de 1964. Pedro foi
Um fato interessante ocorreu em abril de 1931: pela primeira vez foi apresentado um
considerado por
filme de cinema falado em Natal, e isto aconteceu no Cine São Pedro. Esse filme foi General
Crack da Warner Brothers, um musical colorido com legendas em português. Antes disso
muitos a “casa de
somente eram apresentados nos cinemas de Natal filmes mudos. No Cine São Pedro a exibição espetáculos”
de filmes mudos ocorreu por aproximadamente quatro meses apenas, depois começaram a maior e mais
ser apresentados filmes “falados”. confortável do
Jaime Wanderley, poeta e escritor, em artigo publicado no jornal A República no ano de Rio Grande do
1931, explicou que os filmes falados em português agradavam bastante toda a sociedade. Norte.”
O setor de entretenimentos do Alecrim foi bastante animado pelos filmes falados e
musicados do Cine São Pedro. Neste ponto de encontro de gerações havia sessões normais às
sete e meia da noite, soirées elegantes às oito horas e as vesperais às cinco e meia. Na frente do
cinema, nas matinês de domingo, crianças trocavam, vendiam ou compravam revistas em
quadrinhos do mesmo modo como ocorria no Cine São Luiz.
João Galvão do Nascimento Neto, cujo tio-avô era dono do Cinema São Sebastião,
localizado na Avenida 10 (Rua dos Paianazes) afirmou que muitas pessoas iam assistir filmes
apresentados como séries, tendo um capítulo projetado por semana.

Então, você assistia um domingo e se preparava pro outro domingo para saber
como continuava isso. Você ia para o cinema para continuar a ver aquilo. Tinha
parado num perigo enorme a ser resolvido, era uma semana você comentando
com a meninada para ir ver o que ia acontecer no outro domingo aquilo ali.
(NASCIMENTO NETO, 2010)

Explicou ainda que muitas vezes as pessoas, ao assistirem os filmes ou as séries,


reuniam-se nas esquinas das ruas para comentar também os nomes dos “artistas”,
pronunciando- os de maneira errada:

113
Alecrinm
Hoje eu ensino inglês e não digo um nome daqueles pronunciando em inglês, só
pronuncio, como pronunciava quando era menino, tudo errado, mas tinha que
pronunciar, porque se não ninguém entendia o outro. [...] não adiantava
pronunciar correto, tinha que ser o errado, o errado é que era o legal de você
falar, porque aí todo mundo entendia aquilo que você tinha dito. (NASCIMENTO
NETO, 2010)

João Galvão do Nascimento Neto assistiu aos filmes, muitas vezes, direto da sala de
projeção. Isso ocorria não apenas porque o dono do cinema era seu tio-avô, mas por morar em
uma casa que ficava nos fundos da sala de cinema. Ainda existiu no Alecrim o Cine Olde ou
Paroquial, que se estabeleceu durante muito tempo no salão paroquial da Igreja São Pedro.
Os cinemas mais conhecidos em Natal faziam parte da CIREDA, Cinemas Reunidos
Ltda. Os donos dessa sociedade eram Luís de Barros e Jessé Freire, que tinham esse grupo de
montagem de cinemas, dos quais faziam parte o Cinema Rex, o Cinema Nordeste, o Cinema
São Pedro e o Cinema São Luiz. Todavia, nem mesmo a criação da CIREDA foi capaz de impedir
a decadência dos cinemas em Natal.
A decadência das salas de cinema não só do Alecrim, mas também das demais que
existiam e possuíam tradição em outros lugares da cidade, ocorreu por causa do advento da
televisão, o avanço das telecomunicações, por assim dizer, e, mais ainda, pela introdução das
salas de cinema de grandes redes especializadas nos Shoppings Centers. A sensação de
segurança e a rapidez com que se conseguiam os lançamentos mundiais fizeram com que as
salas dentro dos Shoppings superassem os cinemas tradicionais da capital. E assim, os
cinemas do Alecrim desapareceram.

114
A arte imitando a vida
A arte imitando a vida

A arte imitando a vida

O diminutivo utilizado para nomear o Teatro Sandoval Wanderley, “Teatrinho do


povo", usado pelos moradores no bairro Alecrim, não sugere pobreza ou inferioridade. Apesar
da capacidade limitada ao número de 150 espectadores, o “Teatrinho do Alecrim” (outra
denominação utilizada) era um local de onde transbordava cultura. Com uma pauta intensa de
eventos, o teatro que receberia o nome de Sandoval Wanderley representava um ponto de
trocas culturais, importante não somente para a população do bairro, mas para toda a história
da cidade de Natal.

Com uma pauta


intensa de eventos,o
teatro que receberia
o nome de Sandoval
Wanderley
representava um
ponto de trocas
culturais, importante
não somente para a
população do bairro,
mas para toda a
história da cidade de
Natal.

Teatro Sandoval Wanderley / Acervo SEMURB

A personalidade que emprestou seu nome ao “Teatrinho do Povo” de fato contribuiu


para o desenvolvimento da cultura popular potiguar. Sandoval Wanderley foi jornalista,
vereador, deputado federal e teatrólogo de importância. Nasceu em 27 de setembro de 1893,
na cidade de Açu, sendo filho de Luiz Carlos Lins Wanderley e Maria Amélia Lins Wanderley, e

117
Alecrinm

morreu em 10 de agosto de 1972, em Natal.


Ele deu início aos seus estudos em Açu e, quando jovem, mudou-se para Natal, onde se
matriculou na Escola Normal, abandonando-a, posteriormente, a fim de ingressar na carreira
jornalística. Como jornalista, Wanderley caracterizou-se pela crítica aos erros e às
incompetências administrativas do governo, sendo perseguido pelo governador Joaquim
Ferreira Chaves (primeira gestão em 1891- 1892; segunda gestão em 1896-1900 e terceira
gestão 1914-1920). Segundo Evaldo Rodrigues Carvalho, o governador pediu ao pai de
Sandoval Wanderley que expulsasse seu filho de casa, já que um funcionário público, como era
Luiz Carlos Wanderley, não poderia abrigar alguém que se posicionasse contra o governo.
Assim, Sandoval foi morar em uma pensão e passou a divulgar críticas ainda maiores contra o
poder vigente.
Em 1928, o governo ordenou o fechamento, a invasão e a
depredação do Sindicato dos Trabalhadores, órgão em que
A personalidade que emprestou seu nome a Sandoval atuava intensamente, o que fez com que ele fosse
um teatro municipal do porte que um dia foi transferido para a Paraíba (local sede da Aliança Libertadora),
o antigo “Teatrinho do Povo” de fato onde fundou o jornal O Correio do Povo, que apoiava a “causa
revolucionária”, como afirma Carvalho(2004). Em 1930, com
contribuiu para o desenvolvimento da cultura
a vitória da “revolução”, Wanderley voltou a Natal
popular potiguar. coordenando uma coluna militar até a chegada do
interventor Irineu Joffily. Posteriormente, foi diretor dos
Correios e Telégrafos, eleito vereador, deputado federal, entre outros cargos. Durante o
governo de José Augusto Varela, que compreende os anos de 1947 a 1951, foi diretor do jornal A
República. Neste período, Wanderley dedicava-se prioritariamente ao teatro, comandando o
Conjunto Teatral Potiguar e obtendo bastante prestígio. Em 1951, fundou conjuntamente com
outros atores o Teatro Amador de Natal (TAN). Presidiu-o por 22 anos, ou seja, até o seu
falecimento em 1972, participando de 110 peças, escrevendo 24 e publicando os livros
Farpeadas e Minha Luta política, além de ter recebido o título de Presidente Perpétuo do TAN
na década de 1970. Por isso, ganhou lugar na Academia Potiguar de Letras.
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas nesse teatro até hoje, nele os moradores
viveram vários momentos marcantes. Sua história tem início em meio a um movimento de
valorização da cultura popular, promovida pelo prefeito Djalma Maranhão, durante a sua
segunda gestão (1960-1964), na capital do Rio Grande do Norte, como também em outras
cidades. Durante sua administração, Maranhão criou os “Centros de Cultura Popular”,
estabelecidos pelos Diretórios Estudantis, a fim de propiciar a expansão cultural no estado; e
transformou uma biblioteca pública que havia na Av. 2 (Avenida Presidente Bandeira) no

118
A arte imitando a vida

“Teatrinho do Alecrim”, que possuía uma sala de espetáculos onde cabiam 150 espectadores.
Ainda no seu início, o “Teatrinho do Povo” começou a sofrer em virtude das adversidades
daquele momento político. Logo após o término do governo Djalma Maranhão, em 1964, ano
do golpe militar que instaurou a ditadura no país, o governo municipal tentou encontrar
formas de apagar as realizações sociais e culturais do referido prefeito, como nos revela João
Galvão do Nascimento Neto, antigo residente do Alecrim:

Acabaram com tanta coisa que Djalma Maranhão deixou na cidade, foi o melhor
prefeito de Natal. Por quê? Porque ele fazia coisas para o povo, coisas em que ele
acreditava. Quando ele dizia que gostava de cultura popular, ele gostava! Ele
não gostava de farra pela farra. Ele gostava de farra pela cultura.
(NASCIMENTO NETO, 2011)

Entre essas ações contrárias à propagação de uma visão mais crítica da realidade, entre
a população, estava o fechamento do “Teatrinho do Povo”. Isso representou uma grande perda
para aos moradores alecrinenses. Eles haviam freqüentado intensamente o teatrinho, pois
entre as décadas de 1950 e 1970, as pessoas que habitavam os subúrbios de Natal (incluindo o
Alecrim) não possuíam muitas formas de lazer. Poucos eram os que, por exemplo, nessa época,
tinham condição de comprar um aparelho de televisão. As alternativas de diversão estavam
basicamente nos teatros, cinemas e clubes. De fato, atender às classes menos abastadas não
estava entre os interesses dos governos ditatoriais. Desta forma, o “Teatrinho do Alecrim”
permaneceu desativado até que o prefeito Ubiratan Pereira Galvão (1971-1972) reformasse e o
colocasse em atividade novamente.
Assim, o teatro foi reaberto e suas atividades foram retomadas,
satisfazendo ao desejo da população residente no Alecrim. Segundo
José Normando Bezerra, havia, às vezes, aos domingos, um “vesperal
musical”, realizado pelo transmissor de rádio, no qual se levavam
artistas da terra e sorteavam-se brindes. Isso era corriqueiro não só
no Teatro Sandoval Wanderley, mas também em clubes, como o
Clube de Caçadores.
Em seus tempos áureos, o “Teatrinho do Povo” apresentou
em seu palco grandes nomes da música popular brasileira. O
depoimento de Ana Maria Ubarana, até hoje moradora do

119
Alecrinm
Alecrim, confirma isso:

Só o que me interessou foi Paulinho da Viola, por que toda a vida eu fui
apaixonada por ele. Ai eu vi Paulinho, mas dizem que vieram nomes como Rita
Lee, Ademilde Fonseca nem conta por que era prata da casa. E vários outros que
se apresentavam num clube melhor, num espaço melhor, mas depois eles iam
até o teatro, curiosidade de conhecer e “davam uma canja”, eles tocavam.
Paulinho quando eu cheguei, ele estava com o violão aqui no ombro e ia saindo.
(UBARANA, 2011)

E, além disso, também eram encenadas peças de grupos locais, menores.


Acontecimentos como esses relatados por José Normando Bezerra e Ana Ubarana indicam,
mais uma vez, a importância do Teatro Sandoval Wanderley, e as perdas sofridas pela
população do bairro com a sua desativação no período da ditadura militar.
Pouco tempo depois do retorno de suas atividades, o “Teatrinho do Povo” passou a
denominar-se “Teatro Municipal Sandoval Wanderley”, pelo do decreto nº 1288/73, datado de
um ano após a morte de Sandoval Wanderley, ação realizada pelo prefeito Jorge Ivan Cascudo
Rodrigues (cuja gestão foi entre os anos de 1972 e 1975):

DIÁRIO OFICIAL
PREFEITURA MUNICIPAL DE NATAL - Decreto nº 1288/73

A PREFEITURA MUNICIPAL DE NATAL, no uso das suas atribuições que lhes são conferidas pelo Art. 28, inciso XX, da Lei 3846 de
07/08/70 (Lei de Organização dos Municípios).
Decreta:

Art. 1º - Fica denominado Teatro Municipal Sandoval Wanderley, o próprio Municipal sito na Av. Presidente Bandeira, 1415, conhecido
como “Teatrinho do Povo”.
Art. 2º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Palácio Felipe Camarão, em Natal, 18 de junho de 1973.


Jorge Ivan Cascudo Rodrigues
Prefeito
Olindina Lima Gomes da Costa
Secretária

Fonte: CARVALHO, 2004, p.244.

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A arte imitando a vida

Já no princípio da década de 1990, a prefeita Wilma de Faria reconstruiu um prédio na


Av. 2 (Avenida Presidente Bandeira), segundo Itamar de Souza (2008) em Nova História de
Natal, edificação erguida na administração do Prefeito Djalma Maranhão.
O “Teatrinho do Povo”, de fato, era do povo. Além de todos os serviços oferecidos à
população, os preços cobrados por eles eram extremamente acessíveis a todas as classes
sociais, desde os mais humildes (que eram constantes no Alecrim) até os mais abastados.
Um grande teatrólogo potiguar que constantemente se apresentou naquele espaço foi
Jesiel Figueiredo. Assim como Sandoval Wanderley, ele desempenhou uma importante
função no Alecrim. Na final da década de 1980 e começo de 1990, o que antes era o Cine
Paroquial (transformado em Olde, nos anos 1970), tornou-se o Teatro Jesiel Figueiredo, que
estava dedicado principalmente às crianças. Em meados de 1990, o teatro foi demolido e os
padres construíram ali o Salão Paroquial da Igreja de São Pedro. ...em 2011, foi
Entre as décadas de 1990 e 2000, o Teatro Municipal Sandoval Wanderley foi
desativado por
diminuindo suas atividades, sendo fechado e reaberto diversas vezes. Em 2003, cogitou-se em
transformá-lo em uma Escola de Artes Cênicas, já que os artistas locais não estavam mais não ter
utilizando o espaço, e, em 2011, foi desativado por não ter condições físicas e estruturais para a condições
realização de novos espetáculos. Tal fato gerou, inclusive, uma manifestação de intelectuais, físicas e
atores e artistas da cidade contra a “morte” do teatro.
Assim, a população do Alecrim ficou carente de locais de lazer e cultura locais, visto
estruturais
que os cinemas também não existem mais. para a
realização de
novos
espetáculos.
Tal fato gerou,
inclusive, uma
manifestação
de intelectuais,
atores e artistas
da cidade
contra a
“morte” do
teatro.

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Av. Presidente Bandeira (Av. 02) / Acervo “A República”
Quem torce pelo Alecrim F.C.?
A relação entre Clube e bairro de mesmo nome
Quem torce pelo Alecrim F.C.?

Quem torce pelo Alecrim F.C.? A relação entre clube e bairro


de mesmo nome

Os primeiros clubes efetivamente organizados no estado do Rio Grande do Norte


surgiriam a partir de 1915, entre eles o Alecrim Futebol Clube, que, segundo a administração do
clube desde 2005 tem como data de fundação o dia 15 de agosto de 1915. A mesma data é
indicada também pelo sociólogo Carlos Alberto N. de Andrade (ANDRADE,2001), que informa
ter encontrado na Federação Norte-rio-grandense de Futebol (FNF), um documento, da
década de 1940, em que consta a data de fundação do clube, o que coloca ainda mais dúvida
sobre o registro de fundação do mesmo. Entretanto, mesmo com uma data oficial
estabelecida pela diretoria do clube, as informações relativas à sua fundação ainda são
desencontradas. Luiz G. M. Bezerra (1999) argumenta que, não tinha encontrado até a data de
produção do seu artigo, nenhuma referência sobre a fundação do clube. Acredita porém que o
mesmo tenha sido fundado depois de 1916. Ao final do seu trabalho, porém, ele apresenta
algumas referências encontradas nos jornais:

(...) Observamos que nas edições de 'A República' de 25/08/1916 e


26/09/1916, existem pequenas referencias ao Alecrim. Na edição de
29/10/1916, 'A República', na coluna 'Associações', divulgava que naquele “...o nome do clube
dia 'às 13 hs haverá uma reunião do clube e que no mesmo dia, no campo foi uma
do Alecrim Foot-Ball Club, será realizado, às 15:30hs, o primeiro encontro
oficial com o 1° team do Rio Branco Foot-Ball Clube'.(BEZERRA, 1999,
homenagem ao
p.10) bairro, criado em
1911...”
Já o relato do Dr. Luiz Soares, colhido por Itamar de Souza (2002), testemunha ocular
da fundação do clube e dos primeiros anos de atividade do mesmo, informa que a data de
fundação do clube seria a de 15 de agosto de 1917.
Luiz G. M. Bezerra destaca ainda que o nome do clube foi uma homenagem ao bairro,
criado em 1911, pela Lei de 23/10 de 1911. O clube mesmo nascera no bairro, no sítio Vila Maria,
pertencente a Cândido Medeiros, localizado entre o Grupo Escolar Frei Miguelinho, o Hospital
de Alienados e a Rua Fonseca e Silva. Segundo Bezerra, os fundadores seriam: Lauro Medeiros,
João Café Filho (goleiro do time, que anos mais tarde ocupou o cargo de Presidente da
República), Solon Andrade, João Medeiros, Juvenal Fernandes Pimenta, Antônio Gonçalves,

125
Alecrinm

José Barros, Humberto Medeiros, José Firmino, Pedro Dantes e Gentil Oliveira.
O Alecrim F.C. era composto, em sua maioria, por mestiços, descendentes de índios e
negros, e por isso era exposto a preconceitos. O clube nunca contou com o mesmo poderio
econômico de outros times da capital, como o ABC e o América, que nasceram no seio das
elites potiguares, nos bairros tradicionais da Ribeira e Cidade Alta. Apesar de o Alecrim F.C. ter
nascido no próprio bairro Alecrim, contando no seu elenco com pessoas do bairro e o
homenageando por meio de seu nome, o clube não conseguiu com que o bairro criasse uma
tradição forte de apoiar o time.
O primeiro título do Alecrim F.C. foi conquistado em 1925. Nesse ano, o clube tinha um
diferencial que lhe dava vantagem sobre os outros clubes da capital: era o
primeiro de Natal a ter um treinador de futebol, Alexandre Kruze.
Marinheiro, rádio-telegrafista, subespecializado em Educação
Física e Desportos, pela Marinha de Guerra, no Rio de Janeiro,
Alexandre Kruze chegou a Natal em 1923 e ficou na cidade até
1926. O Alecrim F.C. venceu invicto o campeonato Estadual de 1925
e a reação foi tão grande, devido ao preconceito que rondava o
time, que abalou as estruturas do futebol natalense ao ponto da
Liga Norte-rio-grandense de Futebol ser dissolvida, somente
voltando à ativa em 1926.
No decorrer dos anos, o Alecrim F.C. não conquistou muitos
títulos; segundo Andrade, além do título de 1925, o time conseguiria os
títulos de 1963, 1964, 1968, 1985, 1986. Itamar de Souza (2002) afirma
que o time sempre encontrou muitas dificuldades em se manter, devido à
falta de recursos, pois os próprios comerciantes do bairro Alecrim ajudavam
menos o Alecrim F.C. do que os outros times mais ricos da cidade, como o ABC e
o América – o que deve ter contribuido para os poucos títulos que o time
conquistou. Se o time sobreviveu, segundo o autor, foi graças à insistência e à
dedicação de sócios e dirigentes.
A popularidade do Alecrim F.C. sofreu altos e baixos no bairro. Na década de 1960, o
clube experimentou um considerável aumento em sua popularidade. Algumas personalidades
do estado, como o governador Monsenhor Walfredo Gurgel (1966-1971), torciam pelo time e,
inclusive, ajudaram o mesmo no seu desenvolvimento. O governador chegou a doar um
terreno na Avenida Alexandrino de Alencar para instituir ali a sua sede.
A mesma opinião sobre o aumento da popularidade do clube na década de 1960 é
compartilhada pelo torcedor José Normando Bezerra, um dos fundadores da Torcida Fera

126
Quem torce pelo Alecrim F.C.?

(Fiéis Esmeraldinos Radicais), que foi morador do bairro de 1964-1976. Bezerra afirmou que
podia existir rivalidade em relação à política, no Alecrim, mas no futebol não existia:

Era ABC ou Alecrim, porque o América estava fora. Então, no bairro,


70%... 80% era torcedor do Alecrim Futebol Clube. Era incrível, você
andava no bairro e todo mundo torcia pelo Alecrim. Até porque o Alecrim
foi bicampeão, em 1964 e, em 1968 o Alecrim foi campeão invicto, trouxe
Garrincha para jogar no Alecrim. O governador do estado, Monsenhor
Walfredo Gurgel, era torcedor do Alecrim, o vice-governador, Clovis
Motta, que é o pai desse deputado Ricardo Motta, era torcedor do
Alecrim. A grande maioria torcia pelo bairro, as pessoas se identificavam
muito com o bairro, o que hoje já não tem tanto. (BEZERRA, 2010)

Quando destaca que o América de Natal estava fora de série, José Normando Bezerra
refere-se ao período de 1960-1965, quando o time decidiu licenciar-se da Federação para
construir sua sede social, o que, provavelmente, abriu espaço para que os torcedores desse
time que moravam no Alecrim pudessem torcer pelo Alecrim F.C. durante esse período de
recesso.

Sede do Alecrim Futebol Clube


Acervo: www.alecrimfc.com

Passada a década de 1960, entretanto, a popularidade do Alecrim F.C. começou a cair


novamente. Rosaldo Aguiar (1978), afirma que o time tinha a posição de terceiro clube mais
importante da cidade em virtude do mínimo apoio dado pelo bairro; para ele, se o povo
começasse a sustentar o time, moral e materialmente, mesmo que não deixasse de torcer por
time A ou B, o Alecrim F.C. poderia conquistar uma posição melhor no futebol potiguar e 1978

127
23
Alecrinm
seria o ano para essa reviravolta. Para Severino Lopes (1979), era obrigação de todo
alecrinense fazer com que o time crescesse. Na época em que escreveu seu artigo, o clube
contava com mais de três mil sócios. Contudo, ele arrematava:

(...) o verdadeiro alecrinense não é aquele que apenas paga sua


mensalidade, e, nada mais faz, realiza ou ajuda como uma pequena
compra de uma senha, de um bilhete de sorteio. Entendo que não se trata
de sair rico ou pobre e sim de participar com algo a mais dentro de suas
“Você tinha que posses para o crescimento do clube. Muitos sócios ou torcedores não
ser ou abecedista fazem nada além de torcer ou pagar sua mensalidade, alegando pobreza,
mas, se consideram merecedores de atenção dos dirigentes ou daqueles
ou americano e
que realmente sustentam o clube. (LOPES, 1979).
nós somos
alecrinenses. A José Normando Bezerra relata que, no final da década de 1970, já existia uma
gente não admitia
bipolaridade muito grande, quase por obrigação: você tinha que ser ou
que se falasse só abecedista ou americano e nós somos alecrinenses. A gente não admitia
em ABC e que se falasse só em ABC e América. A imprensa, a grande mídia,
América.” começou a discriminar o Alecrim. (BEZERRA, 2010).

Isso mostra que quase dez anos após seu último título, em 1968, o moral do Alecrim F.C.
andava baixo não somente no seu bairro de origem, mas em toda a cidade de Natal. Então,
inspirados na torcida Gaviões da Fiel, do Corinthians, e na campanha de divulgação do título
nacional que esse time conquistou em 1977, depois de 23 anos sem ser campeão, Bezerra e
seus amigos decidiram fundar uma torcida: FERA (Fiéis Esmeraldinos Radicais). A torcida,
segundo Bezerra, é a mais antiga organizada do Rio Grande do Norte e foi a mais importante
de 1977 até 1990.
O Alecrim Futebol Clube conseguiu, em 1985, ganhar o título de campeão estadual,
sendo bicampeão em 1986. Sobre esse feito, Bezerra destaca:

Então, em 1985, depois de 17 anos, o Alecrim foi campeão e a gente viveu


uma grande emoção porque sabia que se não fosse a torcida FERA o
Alecrim teria se acabado, tinha se licenciado como Riachuelo, o
Ferroviário, o Santa Cruz. Nós seguramos a barra e conseguimos fazer o
Alecrim ser campeão e mostrar que o sonho era possível, né? O sonho
podia se realizar. (BEZERRA, 2010).

128
Quem torce pelo Alecrim F.C.?

Desde então, o Alecrim F.C. não se sagrou mais campeão estadual e não conquistou
mais títulos em nível estadual e nacional e esteve apagado até 2009, com a criação da Série D
do Campeonato Brasileiro, quando foi o 4º colocado da disputa. Atualmente o clube tem
recebido mais atenção do estado do Rio Grande do Norte. Em 2011, juntamente com ABC,
América e Santa Cruz, o Alecrim F.C. conseguiu receber um investimento do governo do
Estado (R$ 100.000,00).
Uma história de lutas e dificuldades, essa é a história do Alecrim Futebol Clube. O
“Periquito”, o “Verdão Maravilha”, desde o começo, sofreu com o preconceito e com a falta de
apoio e recursos, muitas vezes do próprio bairro que o clube homenageia com seu nome.
Contudo, o clube tem se sustentado e continua, com garra, a tentar conquistar um espaço cada
vez mais sólido no futebol potiguar e, por que não dizer, nacional. As palavras ditas por
Severino Lopes são de 32 anos atrás, mas podem continuar atuais: “(...) vejo o nosso Alecrim,
perseguido e sofrido neste meio século, mas atingindo sua maioridade e aguardando um
grande futuro na passagem de mais um aniversário” (LOPES, 1979, p.7).

“Uma história de lutas e dificuldades, essa


é a história do Alecrim Futebol Clube”

129
HINO DO ALECRIM
Autor: Dozinho

O huip hurra ao nosso bicampeão


Todo povo te saúda de alma e coração
Bate olé no gramado com o adversário seu
Alecrim Futebol Clube você é meu.

É voz geral da torcida potiguar


O negócio só tem graça se o Alecrim jogar
Dá gosto ver
Os meninos traçando o bolão pra valer
Deixando o adversário
Sem nada pra poder fazer
Olé!

Centro de treinamento do Alecrim FC - Juvenal Lamartine


Acervo: www.alecrimfc.com
Vozes da Comunidade
Vozes da Comunidade

“O Quitandinha era importante, era um elemento na ponta da praça, olhando


diretamente pra aquele relógio que colocaram ali. Antes não tinha o relógio,
tinha o Quitandinha. Era a grande marca dali. Botaram o relógio, que acabou
virando uma marca do Alecrim e o Quitandinha foi demolido, mas era uma
grande marca naquele bairro. O Quitandinha era um ponto de encontro
cultural. Qualquer coisa importante que fosse ocorrer no Alecrim, seria feito lá
no Quitandinha. Em geral, em cima do Quitandinha, que funcionava como se
fosse um palco. Era um plano, uma laje de piso, as pessoas iam e tocavam ali
em cima. Aí você tinha a oportunidade de ver Zico Borborema, um forrozeiro
importante da época; Gonzagão, Luiz Gonzaga ia muito ali; Jackson; os
cantores mais ligados à música romântica como Nelson Gonçalves, Ângela
Maria, Cauby Peixoto...”

João Galvão do Nascimento Neto

133
Alecrinm

“No Alecrim, no teatro do Cinema São Luís, que é ali, na 2, na sequência da


praça. Teve uma vez que foi Bienvinido Granda, que era um grande nome da
música mexicana. Ele veio e cantou lá, era um grande sucesso no mundo todo.
Então, ele veio e fez um show lá, eu me lembro bem disso. Eu nem podia
entrar, mas todo mundo foi lá no cinema, na frente. Eu era muito menino, mas
foi todo mundo olhar a chegada dele, porque ele tinha um bigode imenso. O
povo dizia que era 'o bigode que canta', o apelido dele. Chegou lá, ele foi descer
do carro pra entrar no cinema e todo mundo já estava ali. Era um teatro. Era
uma coisa muito simples. O 'cara' cantava em um microfone, tinham dois
violões acompanhando, não era eletrificado, não tinha essa potência toda,
mas o pessoal ia pra assistir a música e prestava atenção mesmo. E era um
nome importante, um artista importante na música mundial. Ele era
representante do bolero, dessa fase do bolero e a gente já tinha alguma coisa
estourada nacionalmente, que era oTrio Irakitan, que fazia muito sucesso”.

João Galvão do Nascimento Neto

134
Vozes da Comunidade

“A feira do Alecrim também. Agora, a feira ao invés


de crescer, diminuiu. Porque meu pai tinha a loja
aqui na Avenida 1, entre a Coronel Estevam e a
Amaro Barreto, número 433, era lá a Casa Lemos,
que nós morávamos nos fundos no início, antes de
eu encontrar a casa aqui na [avenida] 4, por trás da
4. Então a feira ia até a Amaro Barreto; ela vinha
daqui da [avenida] 6 até a Amaro Barreto. Então,
na sexta-feira já estavam armando as barracas na
frente da loja; o sábado era dia de muito
movimento, porque era dia de feira, então era uma
agitação, a gente tinha que ficar muito atento, era
muita gente comprando e tal, transitando e
éramos nós, eu, meu pai, minha mãe e meu irmão,
que já faleceu, que atendíamos; não tinha
empregado. E era uma agitação muito grande.
Depois disso, a feira encolheu um pouco. Um
quarteirão ela diminuiu, mas parece que ela entrou
um pouquinho aqui pela Avenida 7, que a gente
chama Avenida 7. Eu ainda chamo 1,2,3, mas tem
os nomes, eu sei os nomes de todinhas também. A
Rua dos Caicós. Mas diminuiu um quarteirão de lá
da Amaro Barreto até a Coronel Estevam”.

Márcia Maria Lemos de Souza


Feira do Aalecrim
Foto: Esdras Rebouças Nobre

135
Alecrinm

“Tinha a Missão Evangélica Pentecostal que ainda é aqui, só que quando eu


cheguei aqui era um circo, ele conhece a história [referência ao entrevistador Paulo
Rikardo], então era um circo que a gente chamavaTenda, vamos praTenda. Minha
avó morava na 7 e a Tenda era na esquina, então a primarada corria para assistir
culto quase todo dia, pra paquerar e tudo na Tenda, que era onde tinha os cultos,
que era igual ao circo, era a Tenda. Missão Evangélica Pentecostal, mas ficou
conhecida como Tenda e hoje é uma Igreja grande também. Tem uma Assembleia
de Deus aqui na Presidente Bandeira também próximo a Missão Evangélica do
outro lado. Aí agora tem próxima a casa de minha mãe a Adventista do Sétimo Dia,
só tinha aquela do baldo, mas também Adventista eu não enquadraria como
evangélica, mas tem a Adventista e tem essa das Testemunhas de Jeová que não é
evangélica também. Mas assim cresceu, por que Católica tinha a São Sebastião,
sempre teve ali, a São Pedro, as grandes igrejas. Aqui da Avenida 4, da Presidente
Sarmento que é a de Nossa Senhora da Conceição, outra Igreja grande. Eu não sei
se tem igrejinhas menores, mas essas daí que são grandes desde o início. E
evangélica então, olhe! Eu me viro assim está uma igreja aqui, eu me viro pra lá
tem outra. Quando eu volto da minha Igreja, agora que é a Igreja Batista Viva, que
está aqui em Lagoa Nova, mas nós vamos pro Barro Vermelho no próximo mês, vai
mudar de local. Então eu venho no trecho da Presidente José Bento tem duas ou
três igrejas, sei que a última é uma Assembleia de Deus daqui. E na Rua dos
Canindés, Avenida 6, tem a Renascer que é imensa também. Quer dizer quatro
igrejas bem próximas uma das outras sabe? Então têm muitas. Isso significa que o
número de evangélicos também aumentou consideravelmente”.

Márcia Maria Lemos de Souza

136
Vozes da Comunidade

“Existia o Hospital Evangélico, ainda existe o prédio hoje aqui na Presidente


Sarmento, entre a chamada Avenida 6 na rua dos Canindés e essa rua
Presidente José Gonçalves existe o prédio lá onde funcionou o Hospital
Evangélico durante muitos anos, depois eles passaram a ser assim uma
Igreja Presbiteriana, isso faz pouco tempo, acho que fechou”.

Márcia Maria Lemos de Souza

“Sobre a igreja, é isso que eu digo: acho que cresceu bem mais o número de
evangélicos aqui no bairro. Antes a gente contava três, quatro, cinco igrejas,
e hoje eu perdi as contas de quantas igrejas evangélicas tem. Eu não sei se
numericamente elas são importantes em número de membros, a
“membrasia”, tem igrejas pequenininhas. Eu acho que nem precisava desse
pipocar, era melhor ter uma igreja, mas também como o número, pelo
menos pra gente, pra mim, e para o grupo que faço parte, a gente não olha
essa questão de número, mas de qualidade de cristianismo. Eu acho que
melhorou porque aumentou o número. Eu só espero, eu não sei, a gente tem
que ver se tem diferença no bairro por conta disso, eu não posso lhe dizer,
não sei lhe dizer, que a presença dos evangélicos tenha mudado a feição do
Alecrim, isso eu não sei, não vou dizer para vocês. Com certeza contribuiu de
alguma forma, mas eu acho que não foi o ponto mais forte, infelizmente”.

Márcia Maria Lemos de Souza

137
Alecrinm Praça Dom Pedro II
Acervo “A República”

“Aqui nós sempre tínhamos a festa


religiosa. Nós tínhamos aqui essa
questão de leilão, quermesse, isso e
aquilo. Tudo era doado pelo povo e
depois o mesmo povo ia para o leilão,
para a quermesse e comprava,
leiloava as coisas e levava para casa.
Tinha o pessoal das famílias que
fazia bolos, recebia galinha. Naquele
tempo era assim, hoje mudou, não
tem tanta coisa como era
antigamente. Antigamente era
galinha que não era brincadeira. O
pessoal trazia principalmente essas
que chamam galinha caipira. Isso
tudo era levado depois da novena,
depois da parte religiosa ia
congregar o povo que saia da igreja,
ia arrematar, e tomava sua bebida e
muito mais. Tudo era feito, naquela
época, em frente à Igreja, em baixo
daquelas árvores”.

Raimundo Lopes Ribeiro


(Padre Lopes)

138
Vozes da Comunidade

“O povo do Alecrim é muito devoto de Nossa Senhora do Perpétuo


Socorro. Toda semana nós temos aqui a missa de Nossa Senhora e
temos também a benção de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Isso
já existia no Alecrim há muitos anos, quando eu cheguei já encontrei e
continuei, porque o que era coisa boa e continuei. Fiz alguma
alteração, seguiu a alteração, a evolução do tempo”.

Raimundo Lopes Ribeiro (Padre Lopes)

“É o que eles sempre fazem livros, fazem história; Câmara Cascudo,


Henrique Castriciano, Pedro Velho, Padre João Maria, que eles fazem
muita história em cima disso. Aqui esteve um historiador, que eu já
disse até a você, ele esteve aqui e fez o sentido de cada um desses
túmulos. Por isso eu digo, a história do cemitério do Alecrim está
morrendo, está pedindo socorro”.

Raimundo Francelino da Silva

139
Alecrinm

“Como eu já disse, a história do cemitério são essas estátuas. Chegava


uma pessoa e fazia toda aquela estátua, dizia assim: 'este aqui é de
João Câmara, isso assim, assim, assim... ' Pronto, ele disse tranquilo.
'É um soldado?' 'Não é!' 'Isso é um santo?' 'Não é!' Ele fez isso aqui,
assim, João Câmara era o maior comerciante de Natal de Sisal, esse
material que fazia corda, pronto, agave. Você vê que ela está em cima
de um fardo, representando o comércio e ele representando o
trabalhador”.

Raimundo Francelino da Silva

“Olhe, a minha infância foi muito feliz. O Alecrim da época de minha infância era
um bairro muito tranquilo. Não sei se vocês ouviram falar, mas existia bonde,
vocês sabem o que é bonde? Era um tipo de transporte que aqui no Alecrim
passavam duas linhas, a linha se Lagoa Seca Alecrim e a linha do Alecrim à
Ribeira. Então, automóvel na época era muito difícil, no bairro do Alecrim a gente
sabia quem tinha automóvel, 'fulano', 'fulano' e 'fulano' tem automóvel. O
restante para se deslocar de um bairro para outro era ou de bonde ou de carro
praça. Na época não existia 'taxi', a palavra 'taxi' veio bem depois, o 'taxímetro'
também veio bem depois, a palavra 'táxi' só começou a ser usada quando
chegaram os 'taxímetros', até então era carro de praça”.

Magno Fernando Vila

140
Vozes da Comunidade

“Era brincadeira de rua ou de praia, eram o único lazer que nós tínhamos,
e os cinemas no bairro do Alecrim. Para vocês terem uma idéia, Natal
tinha 6 ou 7 cinemas na época, o Alecrim tinha 4 cinemas. Existia o
cinema São Pedro, na Amaro Barreto, o cinema São Luís, na Avenida 2,
que está discriminação aqui nessa relação que eu fiz, onde hoje é o Banco
do Brasil era o cinema São Luís, por sinal nesse livro que recebi de vocês
tem o cinema São Luís. Tem o cinema São Sebastião, que funcionava na
Avenida 10 e o Old que funcionava ali por trás da Igreja São Pedro. Então,
Natal além desses 4, a Cidade tinha o Rex, Rio Grande e Nordeste, as
Rocas tinha o cinema Panorama. Então, Natal tinha 7 cinemas e 4 era
nos Alecrim”.

Magno Fernando Vila

“As ruas, como eu falei, eram quase todas de areia, então, a primeira
opção era jogar bola, era a principal brincadeira nossa, jogar bola. Aqui
no Alecrim, tinham vários campos, campos onde se jogava, a gente
jogava pelada, que era ali na 9, nos fundos da Padre Miguelinho, o
Campo do Ponte Preta, era ali próximo ao Nordestão [depoente tosse].
Tinha o Campo Mossoró, ficava entre a 2 e a 1, mais ou menos atrás do
Nordestão, chamava-se Campo Mossoró. Tinha Outro campo onde hoje
é a Vila Naval, que antes de ser construída a Vila Naval era pensamento
da Prefeitura construir um outro cemitério para Natal, era chamado
Campo do Cemitério Novo”.

Magno Fernando Vila

141
Alecrinm

Era muito importante. Era como se fosse 'o


grande ponto'. O 'grande ponto' do Alecrim.
Existiam cinemas, os dois cinemas eram bem
próximos da 'Quitandinha'. Existiam as praças de
carro, também próximas do 'Quitandinha'. As
primeiras casas de comércios também eram
próximas ao 'Quitandinha'... Então, era muito
comum os comerciantes irem para lá tomar um
cafezinho, tomar uma cerveja e ficar 'batendo
papo' ás vezes antes ou depois do expediente. Eu
cheguei a visualizar esses encotros de
comerciantes na época, no bar 'Quitandinha'.”

Magno Fernando Vila

Esquina da Av. 2 com Av. Amaro Barreto


Foto: Esdras Rebouças Nobre

“A pensão era um projeto de hotel, em que você tinha onde dormir e tomar banho,
mesmo em condições precárias. De lá também partiam os mistos e os caminhões
para o interior. Naquela não época existia linha de ônibus, mas existiam
empresas de ônibus fazendo a linha do interior, que era feita por caminhões ou
por mistos. Os mistos paravam próximos à Pensão Caiana, que, na época da
minha infância, era o único lugar do Alecrim que você poderia se hospedar
[depoente tosse]. Ela ficava próxima ao mercado do Alecrim, que funcionava
aqui onde hoje é a Praça Gentil Ferreira”.
Magno Fernando Vila

142
Vozes da Comunidade

“Havia muitos protestantes, tanto militares quanto civis, e era uma


convivência pacífica. Inclusive, eles tinham uma prática de fazer cultos
em casa; armavam na frente da casa as cadeiras, colocavam uma
caixinha se som lá e o pastor ia, fazia uma pregação, a banda tocava, às
vezes em cima de um caminhão na rua”.

Evânio Janeílson Mafra

“Olha, parte do bairro do Alecrim, embora ele esteja saneado, o Alecrim é


formado por grandes quarteirões e no coração desses quarteirões, bem no
centro deles mesmo, existem vilas. Existe uma vila que você entra num
'bequinho' e lá dentro você tem quatro, cinco casas. E essas vilas são carentes
de infraestrutura embora o saneamento passe na Avenida principal, na vila o
saneamento não chega. Alguma coisa ainda vai pra rua, água servida, a
própria questão da violência, ela está muito ligada a essa habilitação
subnormal dentro do Alecrim, eu acho que permanece. Pelos níveis de
ocupação que já tinha e permanece até hoje com as populações migrantes.
Não é mais alguém que nasceu lá no Alecrim que permanece lá, as vilas são
ocupadas muitas vezes pelo pessoal que vem de fora, com a situação financeira
um pouco mais complicada e acabaram morando em residência, digamos,
menos caras, no centro até para não pegar transporte para trabalhar”.

Evânio Janeílson Mafra

143
Alecrinm

“Olhe, cinema, o grande cinema foi o São Luiz onde hoje é o Banco do Brasil,
quando foi feito aquele cinema acabou com os pequenos cinemas que
existiam. Havia um aqui nessa rua, havia um na praça Gentil Ferreira, que
na época era o Quitandinha, que era um local onde em cima se apresentava
cantores e políticos, quando vinham falar à população eles ficavam na parte
de cima e nós ficávamos ao redor, acompanhando. Ali tinha um cinema
chamado São Sebastião, acho que sim, cinema poeira, sabe, agora o São
Luiz era o grande cinema, inclusive em matéria de som ele era melhor.
Muitos artistas americanos, que vieram a Natal na época da guerra porque
eles iam se apresentar para as tropas, quando eles passavam em Natal, se
estivesse em cartaz algum filme que eles participassem eles iam ao São Luiz
ver alguma coisa. Muita gente chegou a ver 'Tyron Power, Ingrid Bergman',
que ficou em Parnamirim, Greta Garbo, como sempre: ' I Want To be Alone!'
(todos riem) ficou no Grande Hotel, não deu os ares dela por aqui pelo
Alecrim. Mas era muito bom o cinema e muito alegre por que no Domingo
pela manhã havia uma programação no palco, comandada por Genar
Wanderley, e o 'cast' da Rádio Poti e havia depois uma série, e agente não
poderia perder aquela série de jeito nenhum”.

Ana Maria Ubarana

144
Vozes da Comunidade

“Foi sim, era um ponto de encontro, era um ponto onde se encontravam os


artistas, políticos. Ai tem também, depois da Quitandinha, primeira rua à
direita, já chegando na Mário Negócio, tinha o Café Nice, que era um ponto
interessantíssimo. Nomes como Paulinho da Viola apareceram no Café Nice e
muitos outros, Dilu Melo e outros nomes iam pra lá, porque independente do
artista estar aqui, ser convidado e ir apresentar lá, dar uma palhinha, eles
tinham grupo selecionado, instrumentistas muito bons, e era muito bem
frequentado apesar do local, depois morreu, mas era um local muito bom,
muito bom mesmo”.

Ana Maria Ubarana

“Olhe, o Alecrim sempre foi um bairro muito animado. Nós tínhamos festas
de bairro, festas da paróquia, da igreja, entendeu? O Alecrim tinha clubes
sociais, que tinham festas infantis. Nós tínhamos o Alecrim Clube, o Rex
Clube, clubes sociais aqui do Alecrim; hoje ainda temos alguns: o Camana, o
Cobana, que são clubes da Marinha, mas que eram frequentados por toda a
comunidade. O tradicional Alecrim Clube existiu até alguns anos atrás, ali na
Avenida Presidente Quaresma.Tínhamos os cinemas, várias salas de cinema
no Alecrim: o São Luís, o São Pedro, o São Sebastião, o Cine Alecrim e o Cine
Old. Tínhamos cinco salas de cinema no Alecrim durante muitos anos, bons.
Duas salas de cinemas, como o cinema São Luís, com uma sala do nível de
qualquer sala de cinema do Brasil, com bastante espaço, um sistema de
projeção muito bom, e foi, durante muitos anos, referência no bairro do
Alecrim”.

Francisco Derneval de Sá

145
Alecrinm

“Nome? Não tem. Para os moradores do Alecrim nome de rua não existe. Existe assim:
Fábio Rino, porque não existe um número. Mas, as avenidas principais, para a gente, é
número. É Avenida 1; se você me perguntar qual o nome dela eu não vou saber lhe
dizer, mesmo tendo nascido lá. Eu sempre escutei Avenida 1. A Avenida 2, Presidente
Bandeira, eu acho, mas é Avenida 2; a 3; a 4, a 5, a 6, a 7, a 8, a 9... Quando alguém
chega lá, de fora, e pergunta, eu não sei dizer; 'qual o número?', se ele não souber,
ficam os dois sem saber; 'próximo a quê?'. Porque, para a gente que mora lá, é número.
Aí, algumas ruazinhas tem apelidos. Por exemplo, de frente a minha rua eu moro na
Dr. Eloy de Sousa hoje, e, de frente ao Mercado da 6, tem uma travessa, uma ruinha
pequena: Beco da Cachorra”.

Samya Maria Queiroz Maia

“Olha, as manifestações culturais afloram a cada período. Uma das tradições do bairro
do Alecrim é vinculada ao nome das ruas. Por exemplo, a Avenida 6 era a Rua dos
Canindés, a Avenida 7, Rua dos Caicós, a 8, não me lembro o nome agora, a 9, Coronel
Estevam, que é a única que perdeu a característica, mas a Avenida 10, Rua dos
Paianazes, e, assim, Rua dos Pegas; Paiatis, Paianazes, Caicós, Pajéus... essa coloca
nome de tribos de índios, em homenagem as tribos que tinham estado no Rio Grande
do Norte, principalmente na região de Natal, onde havia maior quantidade de tribos.
Rua Jaguarari, inclusive, já vem de lá pra cá. Essa homenagem se estendeu pelo
pessoal da cidade: todos os carnavais, cada rua dessas tinha um bloco de índios, então,
era uma homenagem aos nativos da terra e cada rua tinha uma manifestação
cultural”.

Francisco Derneval de Sá

146
Alecrim: Bairro Memória
Vista do cruzamento Av. Presidente Bandeira (Av. 2) com Av. Amaro Barreto
1970
Acervo IHGRN

149
150
Manifestação política na Praça Gentil Ferreira
1982
Acervo A República

151
Manifestação política no centro do Alecrim
Década de 1980
Acervo Memorial Aluizio Alves

152
Av. Presidente
Bandeira (Av. 2)
Década de 1970
Acervo A República

153
Manifestação política na praça Gentil Ferreira
Década de 1980
Acervo Memorial Aluizio Alves

154
Camelôs
1983
Acervo A República

156
Vista da Av. Presidente Bandeira (Av. 2), detalhe para os trilhos do bonde
Início da década de 1960
Acervo Família Galvão

157
Edifício Leite
Comércio do Alecrim
1983
Acervo A República

158
159
Movimento Escolar
Acervo Mafra

160
Antigo Hospital Evangêlico
Acervo A República

161
Rua Amaro Barreto
1988
Acervo Batista

162
Igreja São Sebastião
1981
Acervo A República

163
Igreja São Sebastião - Padre Zé Luiz e Zeladoras
Acervo Família Galvão

164
Colégio Nossa Senhora
da Neves
Acervo A República

165
166
Praça Almirante Tamandaré
Acervo A República

167
186
168
Praça Almirante Tamandaré
1979
Acervo A República

187
169
Populares na praça Gentil Ferreira
Acervo A República

170
186
Praça Gentil Ferreira
1985
Acervo A República

171
Praça Dom Pedro II
Acervo A República

172
Praça Dom Pedro II
Acervo A República

173
Igreja São Pedro e Praça Dom Pedro II
Década de 1980
Acervo A República

174
Igreja São Pedro
1982
Acervo A República

175
Túmulo no cemitério do Alecrim
1986
Acervo A República

176
Vista do cemitério do Alecrim
Foto: Doralice
Acervo A República

177
Cemitério do Alecrim
Acervo A República

178
Túmulo do Padre João Maria
Foto: Doralice
Acervo A República

179
Monsenhor Eymard abençoa Zeppelin
Acervo Família Galvão

180
181
Festividades promovidas pelo vereador Severino Galvão
Acervo Família Galvão

182
Severino Galvão e Câmara Cascudo em baile de carnaval no Alecrim
1947
Acervo Família Galvão

183
Populares no carnaval do Alecrim
Década de 1940
Acervo Família Galvão

184
Alecrim passado e presente
Foto: Gustavo Gabriel
Fonte: Acervo SEMURB Fonte: Acervo SEMURB

Av. Presidente Bandeira (Av. 2)


187
Foto: Gustavo Gabriel
Fonte: Acervo IHGRN Fonte: Acervo SEMURB
Av. Presidente Bandeira (Av. 2)

188
Av. Presidente
Bandeira (Av. 2)
Foto: Fernando Medeiros - Fonte: Acervo SEMURB

Fonte: Acervo Esdras Rebouças Nobre

189
Av. Amaro
Barreto
Foto: Fernando Medeiros - Fonte: Acervo SEMURB

Fonte: Acervo A República

190
Foto: Fernando Medeiros
Fonte: Acervo SEMURB Fonte: Acervo A República

Praça Dom Pedro II


191
Foto: Fernando Medeiros
Fonte: Acervo A República Fonte: Acervo SEMURB
Praça Almirante Tamandaré

192
Fonte: Acervo Assembleia de Deus Fonte: Acervo Assembleia de Deus

Assembleia de Deus
193
Foto: Fernando Medeiros
Fonte: Acervo A República Fonte: Acervo SEMURB
Cemitério do Alecrim

194
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS

REFERÊNCIAS
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Entrevistadores: Gabriela Fernandes de Siqueira, Thaiany Soares Silva e Márcia Gabrielle Lima
de Sena. Natal: SEMURB, 2010. Entrevista concedida ao Programa Memória Minha
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200
Trabalho aqui, trabalho agora.

Rua Raimundo Chaves, 2000


Lagoa Nova
59.064-390

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