Daniel, Um Guia para o Estudioso
Daniel, Um Guia para o Estudioso
Daniel, Um Guia para o Estudioso
[SUBTÍTULO DO DOCUMENTO]
DANILSON GOMES
0
DANIEL
Um Guia para o Estudioso
William H. Shea
Título original: Daniel, Pacific Press Publishing Association, Nampa, ID, E.U.A.,
2009.
Nota:
Esta tradução foi realizada por iniciativa pessoal e com o propósito acadêmico de um estudo pessoal. O tradutor
não é especialista em tradução, sendo natural que possam ocorrer erros. Esta tradução tem por base a versão
espanhola e não o original em inglês. Adicionalmente, não foi dedicada tempo para a revisão desta tradução. É
relevante mencionar que a tradução foi realizada utilizando ferramentas de inteligência artificial, o ChatGPT.
É proibido a comercialização da obra.
1
Índice
PREFÁCIO.............................................................................................................................................. 7
INTRODUÇÃO AO LIVRO DE DANIEL ....................................................................................................... 9
UMA NOTA SOBRE A ORDEM DE ESTUDO.......................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 ......................................................................................................................................... 12
INTERPRETANDO A HISTÓRIA ............................................................................................................... 12
A PERSPECTIVA BÍBLICA DA HISTÓRIA .............................................................................................. 12
A EXATIDÃO HISTÓRICA DE DANIEL................................................................................................... 14
A DATA EM DANIEL 1:1 ...................................................................................................................... 15
BELSASAR COMO REI DA BABILÔNIA ................................................................................................ 15
O REINO MEDO ................................................................................................................................ 16
DARIO, O MEDO ............................................................................................................................... 17
A DATA E O ARAMAICO DE DANIEL .................................................................................................... 17
A ESTRUTURA LITERÁRIA DOS CAPÍTULOS HISTÓRICOS .................................................................... 18
CAPÍTULO 2 ......................................................................................................................................... 21
EXILADO .............................................................................................................................................. 21
OS TEMPOS DE DANIEL .................................................................................................................... 21
A EXPERIÊNCIA PESSOAL DE DANIEL ................................................................................................ 23
A PROVA .......................................................................................................................................... 25
O RESULTADO FINAL ........................................................................................................................ 26
DATAS .............................................................................................................................................. 27
CAPÍTULO 3 ......................................................................................................................................... 28
REIS CAÍDOS ....................................................................................................................................... 28
O SONHO DE UMA GRANDE ÁRVORE ............................................................................................... 28
A INTERPRETAÇÃO DE DANIEL .......................................................................................................... 30
OS RESULTADOS .............................................................................................................................. 31
A LIÇÃO DE NABUCODONOSOR É PARA NÓS ................................................................................... 33
O BANQUETE ................................................................................................................................... 34
A ESCRITURA NA PAREDE ................................................................................................................. 35
OS RESULTADOS .............................................................................................................................. 38
LIÇÕES DE NATUREZA PESSOAL ....................................................................................................... 39
LIÇÕES DE NATUREZA HISTÓRICA .................................................................................................... 40
LIÇÕES DE NATUREZA ESTRUTURAL ................................................................................................. 41
CAPÍTULO 4 ......................................................................................................................................... 42
PERSEGUIÇÃO REAL ............................................................................................................................ 42
O TESTE ........................................................................................................................................... 42
2
QUEM OU O QUE REPRESENTAVA A IMAGEM DE NABUCODONOSOR? .............................................. 44
A RESPOSTA ..................................................................................................................................... 45
O CONTEXTO PARA DANIEL 6............................................................................................................ 47
A TRAMA .......................................................................................................................................... 48
POR QUANTO TEMPO DANIEL VINHA ORANDO ASSIM? ..................................................................... 49
O RESULTADO .................................................................................................................................. 50
CAPÍTULO 5 ......................................................................................................................................... 53
REINOS CAÍDOS .................................................................................................................................. 53
O CENÁRIO ...................................................................................................................................... 54
RESULTADOS ................................................................................................................................... 59
O CENÁRIO DE DANIEL 7 .................................................................................................................. 61
O SONHO ........................................................................................................................................ 61
IDENTIFICANDO A BESTA.................................................................................................................. 62
O LEÃO BABILÔNICO ........................................................................................................................ 64
O URSO PERSA................................................................................................................................. 64
O LEOPARDO GREGO ....................................................................................................................... 64
A BESTA ROMANA ............................................................................................................................. 65
OS DEZ CHIFRES E O CHIFRE PEQUENO ........................................................................................... 65
CARACTERÍSTICAS DO CHIFRE PEQUENO ........................................................................................ 66
RESUMO .......................................................................................................................................... 68
RESULTADOS ................................................................................................................................... 69
CAPÍTULO 6 ......................................................................................................................................... 71
INTERPRETANDO A PROFECIA.............................................................................................................. 71
SÍMBOLOS ....................................................................................................................................... 72
REINOS ............................................................................................................................................ 72
O CHIFRE PEQUENO ........................................................................................................................ 74
TEMPO PROFÉTICO .......................................................................................................................... 75
RESUMO .......................................................................................................................................... 77
CAPÍTULO 7 ......................................................................................................................................... 78
CRISTO COMO SACRIFICIO ................................................................................................................ 78
UMA ORAÇÃO POR ENTENDIMENTO ................................................................................................. 78
GABRIEL É ENVIADO PARA RESPONDER A ORAÇÃO DE DANIEL ......................................................... 81
A RESPOSTA PRELIMINAR - DANIEL 9:24 ........................................................................................... 81
O PONTO DE PARTIDA PARA A PROFECIA DAS SETENTA SEMANAS..................................................... 84
QUATRO DECRETOS ......................................................................................................................... 84
A DATA DO DECRETO ........................................................................................................................ 86
AS PRIMEIRAS 69 SEMANAS E A UNÇÃO DO MESSIAS ....................................................................... 87
O FIM DAS SETENTA SEMANAS ......................................................................................................... 88
3
LAS SIETE SEMANAS ......................................................................................................................... 89
A MORTE DO UNGIDO ...................................................................................................................... 89
EL MESÍAS REJEITADO ...................................................................................................................... 90
MAIS DESTRUIÇÃO ........................................................................................................................... 91
CONFIRMANDO O PACTO ................................................................................................................. 92
O FIM DO SISTEMA DE SACRIFÍCIOS ................................................................................................. 92
A QUEDA DE ROMA .......................................................................................................................... 94
RESUMO .......................................................................................................................................... 94
CAPÍTULO 8 ......................................................................................................................................... 96
CRISTO COMO SACERDOTE ................................................................................................................. 96
O CARNEIRO PERSA ......................................................................................................................... 96
EL MACHO CABRÍO GREGO .............................................................................................................. 97
O CHIFRE PEQUENO ROMANO - FASE I ............................................................................................. 98
O CHIFRE PEQUENO DE ROMA - FASE II ............................................................................................ 99
OS DOIS ANJOS FALAM .................................................................................................................. 101
ESTABELECENDO DATAS PARA OS 2.300 DIAS................................................................................. 101
O QUE ACONTECEU NO FINAL DOS 2.300 DIAS?............................................................................. 103
CONEXÕES E PARALELOS ENTRE DANIEL 8 E LEVÍTICO ................................................................... 104
RESUMO ........................................................................................................................................ 107
CAPÍTULO 9 ....................................................................................................................................... 109
CRISTO COMO REI ............................................................................................................................. 109
O CENÁRIO .................................................................................................................................... 110
AS PRIMEIRAS TRÊS BESTAS ........................................................................................................... 111
A PRIMEIRA BESTA .......................................................................................................................... 112
A SEGUNDA BESTA ......................................................................................................................... 113
A TERCEIRA BESTA.......................................................................................................................... 113
A QUARTA BESTA ............................................................................................................................ 114
O PEQUENO CHIFRE ...................................................................................................................... 115
A CENA DO TRIBUNAL CELESTIAL ................................................................................................... 118
O FUNDAMENTO DO JULGAMENTO ................................................................................................ 118
UM INTERLÚDIO ............................................................................................................................. 120
O FILHO DO HOMEM E A CONCLUSÃO DO JULGAMENTO ................................................................ 120
RESUMO ........................................................................................................................................ 122
CAPÍTULO 10 ..................................................................................................................................... 124
RESUMO DE DANIEL 7-9..................................................................................................................... 124
RESUMO ........................................................................................................................................ 124
RESUMO DE DANIEL 9 - CRISTO COMO SACRIFÍCIO ........................................................................ 124
RESUMO DE DANIEL 8 - CRISTO COMO SACERDOTE ....................................................................... 125
4
ROMA PAGÃ ................................................................................................................................... 125
ROMA PAPAL .................................................................................................................................. 125
RESUMO DE DANIEL 7 - CRISTO COMO REI ..................................................................................... 125
INTER-RELAÇÕES DE DANIEL 7, 8 E 9 .............................................................................................. 126
RELAÇÕES TEMPORAIS .................................................................................................................. 127
TRES IMAGENS DE JESUS NAS PROFECIAS EM DANIEL .................................................................... 127
RELACIONAMENTOS ESPIRITUAIS .................................................................................................. 128
CAPÍTULO 11 ..................................................................................................................................... 130
A MENSAGEM FINAL – PATE 1 ............................................................................................................. 130
A DATA ........................................................................................................................................... 130
O PROBLEMA ................................................................................................................................. 130
A SEMELHANÇA DE DEUS............................................................................................................... 131
O DIA DA SEMANA .......................................................................................................................... 132
O ANJO .......................................................................................................................................... 133
INTERVENÇÃO DIVINA NOS ASSUNTOS HUMANOS ........................................................................ 133
MIGUEL.......................................................................................................................................... 134
DANIEL 11 ...................................................................................................................................... 135
PÉRSIA - DANIEL 11:2 ..................................................................................................................... 135
GRÉCIA - DANIEL 11:3,4 ................................................................................................................. 136
OS REIS HISTÓRICOS DO NORTE E DO SUL - DANIEL 11:5 ............................................................... 136
ROMA IMPERIAL - DANIEL 11:16-22 ................................................................................................. 138
CAPÍTULO 12 ..................................................................................................................................... 141
A MENSAGEM FINAL – PATE 2 ............................................................................................................. 141
RESUMO DO CAPÍTULO ANTERIOR ................................................................................................. 141
TRANSIÇÃO NA PROFECIA .............................................................................................................. 141
ROMA PAPAL - DANIEL 11:23-29...................................................................................................... 141
AS CRUZADAS ................................................................................................................................ 143
PROFANAÇÃO DO SANTUÁRIO DE DEUS......................................................................................... 146
PERSEGUIÇÃO DOS SANTOS .......................................................................................................... 147
AUTOEXALTAÇÃO ........................................................................................................................... 147
O TEMPO DO FIM............................................................................................................................ 148
EQUIVALENTES MODERNOS DO REI DO NORTE E DO SUL ............................................................... 148
O MODELO HISTÓRICO DA BATALHA DO FIM DOS TEMPOS ............................................................. 150
A BATALHA DO FIM DOS TEMPOS .................................................................................................... 151
O FIM DOS TEMPOS........................................................................................................................ 151
MÁS PERIODOS DE TIEMPO PROFÉTICO E O SELAMENTO DO LIVRO ............................................... 153
OS TRÊS E MEIO TEMPOS (1.260 DIAS) ............................................................................................ 153
OS 1.290 DIAS ................................................................................................................................ 154
5
OS 1.335 DIAS ................................................................................................................................ 155
COMENTÁRIOS COMO CONCLUSÃO .............................................................................................. 156
CAPÍTULO 13 ..................................................................................................................................... 157
A RELAÇÃO DE DANIEL COM DEUS .................................................................................................... 157
DANIEL 1 ........................................................................................................................................ 157
DANIEL 2 ........................................................................................................................................ 157
DANIEL 4 ........................................................................................................................................ 158
DANIEL 7 ........................................................................................................................................ 158
DANIEL 8 ........................................................................................................................................ 158
DANIEL 5 ........................................................................................................................................ 159
DANIEL 9 ........................................................................................................................................ 159
DANIEL 10 ...................................................................................................................................... 160
LISTA DE TRABALHOS CITADOS .......................................................................................................... 162
6
PREFÁCIO
Meu interesse em um estudo sério e profundo do livro de Daniel começou anos atrás em uma aula
intitulada "Introdução ao Antigo Testamento", ministrada pelo renomado arqueólogo adventista, Dr.
Siegfriéd H. Horn. Esta não foi minha primeira introdução a Daniel, mas sim uma introdução às perguntas
sérias e críticas sobre o livro.
Uma dessas perguntas estava relacionada à identidade de Dario, o Medo, destacada no capítulo 6. Após
abordar esse assunto em sala de aula, o Dr. Horn admitiu que a resposta permanecia incompleta e sugeriu
que alguém deveria examinar as tabuletas de Dario nas diferentes coleções de museus com o intuito de
identificar o rei mencionado em Daniel 6 a partir de fontes históricas. Alguns anos mais tarde, aceitei esse
desafio. Desde então, escrevi vários artigos sobre o assunto; no entanto, a identidade de Dario, o Medo,
ainda continua em debate. Tudo o que posso dizer é que reduzi o campo de fontes históricas onde a
resposta para esta pergunta pode ser encontrada. Meu interesse no contexto histórico de Daniel 6 me levou
aos outros capítulos históricos do livro. A história apresentada em Daniel é um tipo especial de história:
uma história teológica na qual os eventos selecionados são considerados com atenção enquanto outros
são ignorados.
Certamente, a participação pessoal de Daniel foi um dos maiores fatores na seleção dos eventos a serem
registrados. Há algo autobiográfico sobre os capítulos históricos do livro de Daniel. Mas são algo mais do
que a mera narrativa do que aconteceu a Daniel na Babilônia. Também revelam a mão de Deus na história
e na vida de Daniel. Portanto, podemos estudar Daniel 6 para descobrir se realmente existiu uma figura
histórica como a de Dario, o Medo. Mas mais importante ainda, podemos também ver como Deus agiu a
favor de Daniel durante esse tempo da história babilônica. Acima e por trás dos registros históricos dados
em Daniel, percebe-se a ampla perspectiva da interação de Deus com a história humana, realizando Seus
próprios propósitos eternos.
Dessa forma, história e teologia se combinam. Em Daniel, temos uma história religiosa seletiva que revela
não apenas a história política das nações daquele tempo, mas também a interação de Deus com elas e
com o seu povo que vivia entre aquelas nações.
Além disso, a história do livro nos fornece o contexto e o ponto de partida das profecias que nele aparecem.
Em Daniel, história e profecia não devem ser consideradas em domínios separados; estão entrelaçadas.
As duas se combinam desde o início das profecias no tempo histórico do próprio profeta e, posteriormente,
se estendem ao futuro além dos dias do profeta. Na verdade, Daniel viveu sob as duas primeiras nações
encontradas no "esboço" profético do livro - Babilônia, Média-Pérsia, Grécia e Roma. E o cumprimento
dessas profecias posteriores ao seu tempo testemunhou a natureza inspirada das profecias que lhe foram
dadas.
Em termos da matéria central que trata, o livro de Daniel se divide em duas seções quase iguais; a primeira
metade consiste principalmente em história e a segunda metade principalmente em profecia. Certamente,
encontramos elementos proféticos nos capítulos históricos e, da mesma forma, há alguns elementos
históricos nos capítulos proféticos. Mas a divisão geral do livro em duas seções de história e profecia
praticamente iguais é uma distinção tanto exata quanto útil.
Iniciei minha investigação das profecias de Daniel observando a estreita conexão entre os capítulos 8 e 9.
Na primeira parte da década de 1980, quando mais ou menos já havia completado meu estudo inicial,
surgiu a controvérsia na Igreja Adventista do Sétimo Dia em relação a esses capítulos proféticos em
particular. Como resultado, meu trabalho com o Instituto de Pesquisas Bíblicas da Associação Geral (IIB)
exigiu que eu desse atenção mais detalhada às porções proféticas de Daniel. Este estudo resultou em um
manuscrito inédito, "Daniel e o juízo".
7
Consequentemente, o IIB publicou certos capítulos deste manuscrito no volume um da série da Comissão
sobre Daniel e Apocalipse, sob o título: Estudos Selecionados em Interpretação Profética. Como o título
sugere, esta obra não era um comentário capítulo por capítulo sobre as profecias de Daniel, mas tratava
de alguns temas em Daniel.
Em contraste, este estudo de Daniel aborda o espectro completo dos capítulos proféticos e os apresenta
mais ou menos em ordem consecutiva. Isso permitirá ao leitor estudar o texto de forma mais organizada.
No entanto, decidi lidar com o texto de Daniel de forma que não siga estritamente a ordem original como
aparece no livro em si. Por exemplo, ao examinar os capítulos 7, 8 e 9, inverti a ordem, começando pelo
capítulo 9, depois o 8, seguido pelo capítulo 7. Procedi assim porque acredito que o texto se torna mais
significativo dessa forma. Segui também esta ordem "inversa" com base em perspectivas que obtive do
estudo da estrutura literária de vários trechos do Antigo Testamento, especialmente dos Salmos. Nos vários
capítulos que cobrem essas profecias, forneci justificação adicional para alterar a ordem dos capítulos
para o propósito do estudo.
A história apresentada nas porções iniciais do livro de Daniel fluem naturalmente nas seções proféticas.
Há um sentido em que a profecia é simplesmente história escrita do ponto de vista divino antes que
aconteça. Alguns elementos da história fornecem bases para revisar o cumprimento das profecias após os
eventos terem ocorrido. Assim, não encontraremos uma nítida separação entre a história e a profecia no
livro de Daniel. Os grandes esboços proféticos em Daniel começam, muito naturalmente, com Babilônia e
Média-Pérsia: os reinos que existiam no próprio tempo do profeta. Em seguida, prosseguem com o
apontamento dos reinos que estavam por vir - Grécia e Roma. Finalmente, chegam até os nossos dias, e
além, até que o reino de Deus faça sua aparição. O reino eterno de Deus é a grande meta da história. É
também a grande meta da profecia, e também deve ser a grande meta de nossa própria jornada pessoal e
espiritual.
A razão final pela qual precisamos estudar cuidadosamente os capítulos históricos de Daniel é pelas lições
espirituais que podemos aprender com eles. Na reação de Daniel e seus amigos à cultura pagã da
Babilônia, podemos encontrar um exemplo de como viver na cultura pagã de nosso próprio século. Suas
vidas podem fornecer um modelo da forma como devemos viver hoje: honestamente, dedicados a Deus e
corajosos na fé.
É minha esperança que este estudo contribua de alguma forma para essa meta.
William H. Shea
8
INTRODUÇÃO AO LIVRO DE DANIEL
Este estudo do livro de Daniel começa com uma breve revisão da biografia pessoal do autor. Devemos nos
relacionar com Daniel como homem antes de abordarmos o tema de Daniel como profeta.
Daniel nasceu no final do século VII a.C. e passou seus primeiros anos em Jerusalém ou nos arredores dela.
Quando atingiu a idade adulta, lutas políticas e militares nas grandes nações de seu tempo alteraram o
destino da pequena Judá, onde vivia. Desde o nascimento de Daniel até o ano de 605 a.C., Judá estava
nominalmente sob o controle do Egito. Naquele ano, ocorreu uma batalha importante; o Egito foi derrotado
e a Babilônia começou a exercer controle sobre Judá e Jerusalém. Nabucodonosor II, comandante do
exército babilônico, dirigiu suas tropas às portas de Jerusalém e exigiu o pagamento de tributos, bem como
um grupo seleto de cativos. Daniel estava entre aqueles escolhidos. Ele foi selecionado, juntamente com
os outros, devido ao seu potencial futuro como servo civil na Babilônia, uma tarefa que ele cumpriu após o
treinamento, por mais de sessenta anos.
Mas o Senhor tinha algo mais em mente para Daniel do que simplesmente servir na corte da Babilônia.
Deus o chamou para ser profeta e lhe deu sonhos e visões. Alguns desses sonhos, visões e declarações
proféticas eram dirigidos ao povo de seu tempo. Em três ocasiões diferentes, Daniel recebeu profecias que
tinham a ver com reis na corte real da Babilônia, ou eram dirigidas a eles mesmos. Esse tipo de profecia,
que se relaciona com pessoas e assuntos contemporâneos, às vezes é chamado de profecia clássica.
Daniel falou com voz profética aos reis da Babilônia assim como Jeremias falou aos reis em Jerusalém.
Em outras ocasiões, Daniel recebeu profecias que envolviam um panorama mais amplo, relacionado com
a história futura das nações. A esta segunda classe de profecia é comumente chamada de profecia
apocalíptica, pois tem mais especificamente a ver com a revelação do futuro. Também é conhecida como
profecia de esboço, pois delineia a história das nações antecipadamente.
Portanto, no livro de Daniel, encontramos esses dois tipos de profecias: clássica e apocalíptica. Também
encontramos outro tipo distinto de narrativa: a história. Diferentes seções do livro contêm claramente
esses diferentes tipos de literatura. Em geral, o livro de Daniel é dividido ao meio: a primeira metade é
história e a segunda metade é profecia. É na primeira metade do livro - no contexto da história - que
encontramos as profecias clássicas que têm a ver com as pessoas e eventos contemporâneos. As
profecias da segunda metade do livro têm um caráter mais apocalíptico.
Os idiomas utilizados no livro de Daniel também enfatizam a distinção entre as duas seções principais. A
maioria dos capítulos históricos foi escrita em aramaico, enquanto a maioria dos capítulos proféticos foi
escrita em hebraico. O hebraico era a língua nativa de Daniel e o aramaico era um idioma relacionado que
era usado em parte para a correspondência oficial dos impérios neobabilônico e persa. Mais do que
qualquer outro livro na Bíblia, Daniel é bilíngue. Esdras também foi escrito tanto em hebraico quanto
aramaico, mas apenas uma pequena parte de Esdras - os decretos reais - está em aramaico.
Esta natureza dupla de Daniel fornece um esboço conveniente com o qual estudar o livro. Alguns
comentaristas sobre Daniel sustentam que este livro não foi escrito por um único indivíduo, Daniel, que
viveu na Babilônia do século VI a.C., mas sim por um autor anônimo e desconhecido que teria vivido na
Judeia durante o século II a.C. A natureza dos materiais encontrados nos capítulos históricos está
relacionada com esta pergunta.
As profecias de Daniel também têm sido interpretadas de formas muito diferentes. Existem três escolas
principais de pensamento em relação à interpretação das profecias de Daniel. (1) Preterista. Este método
de interpretação coloca todo o ênfase no passado e considera o cumprimento de porções das profecias
como eventos do passado.
9
(2) Futurista. Esta escola de pensamento coloca o cumprimento de Daniel no futuro. (3) Historicista. Esta
perspectiva enfatiza o fluxo e a continuidade do passado através do presente e em direção ao futuro ainda
não cumprido. Às vezes é chamada de perspectiva histórica contínua, pois considera a profecia como parte
de um progresso contínuo desde o passado até o futuro. A introdução à seção profética do livro de Daniel
explora as virtudes e fraquezas de cada uma dessas escolas de interpretação. O enfoque deste livro cai na
categoria da perspectiva historicista.
A experiência de Daniel abrange mais do que sua presença histórica. Há mais a dizer sobre Daniel do que
sua experiência como profeta. Também está o tema de sua própria experiência espiritual com Deus. Este
aspecto de sua experiência e de seu livro não deve ser descuidado ou ultrapassado pelos outros
elementos. O último capítulo deste livro considera o importante elemento da experiência espiritual de
Daniel como instrumento escolhido de Deus.
Portanto, neste volume, este será o caminho para o livro de Daniel: história, profecia e experiência
espiritual.
Na primeira parte deste livro - a seção histórica - os capítulos estudados seguem uma espécie de ordem
inversa. Os capítulos 2 e 7 foram agrupados porque têm a ver com profecias relativas a nações. Os
capítulos 3 e 6 foram agrupados porque tratam da perseguição dos judeus no exílio, Daniel e seus três
amigos em particular. Os capítulos 4 e 5 foram agrupados porque têm a ver com Nabucodonosor e Belsazar,
os reis da Babilônia. Esse tipo de ordem inversa às vezes é conhecido como quiásma (da letra grega chi,
que parece um X). Que algo assim fosse a intenção do autor original é evidente pelo fato de que
precisamente esses seis capítulos históricos foram escritos no idioma aramaico.
Quando chegamos aos capítulos proféticos, a ordem não é invertida; ao invés disso, é revertida. Portanto,
escolhemos estudar os três principais capítulos proféticos no coração do livro de Daniel em ordem inversa;
começando com o capítulo 9, depois avançando com o capítulo 8, seguido do capítulo 7, e concluindo esta
seção com um resumo dos três capítulos. A razão para esta ordem de estudo tem a ver com a ordem de
pensamento, não a ordem cronológica ou histórica. Em relação aos eventos aos quais essas profecias se
referem, o capítulo 9 vai primeiro porque se concentra especialmente no Messias. O conteúdo do capítulo
8 avança muito além desse ponto até a era cristã. Mas é o Daniel 7 que finalmente leva a profecia até o
reino de Deus e descreve os santos do Altíssimo entrando e tomando posse dele.
Há uma razão para seguir esta ordem de pensamento; não se trata da seleção arbitrária de um comentador
moderno que simplesmente deseja fazer algo diferente. No pensamento europeu ocidental moderno,
raciocinamos de causa a efeito. Coletamos nossos dados e os sintetizamos em uma hipótese, então
refinamos essa hipótese e a transformamos em uma teoria. Esse é o procedimento do método científico
moderno.
Mas os antigos não eram modernos, nem eram científicos, então eles lidavam com as coisas de outra
maneira. Embora fossem suficientemente capazes de lidar com as coisas cronologicamente como
10
fazemos, também usavam uma abordagem que envolvia raciocinar do efeito à causa. Os profetas podiam
representar uma cena de tal maneira que seus ouvintes fossem levados a pensar: "Por que isso
aconteceu?" Essa pergunta os levava de volta à causa. Um profeta inspirado poderia dizer "esta terra será
destruída e ficará deserta", fazendo com que os ouvintes voltassem à pergunta: "Por que esta terra será
destruída?" A resposta a essa pergunta geralmente estava no fato de que as pessoas para quem o profeta
era enviado eram rebeldes e ímpias, que haviam quebrado seu pacto com Deus. Para um exemplo dessa
abordagem, veja Jeremias capítulos 4 ao 7 e Miqueias capítulo 1. A impiedade era a causa e a desolação
era o resultado, mas o profeta primeiro dava o resultado para então levar seus leitores a uma discussão da
causa.
Este é o ordenamento de pensamento seguido nessas três profecias no cerne de Daniel. Se Daniel
apresentasse essas profecias a uma audiência hoje, ele naturalmente começaria com o capítulo 9, porque
este capítulo trata dos primeiros eventos que ocorreram. Em seguida, continuaria com o capítulo 8, pois
esta profecia apresenta os próximos eventos a ocorrer. Finalmente, apresentaria o capítulo 7, pois esta
profecia traz o grande clímax da série. Somente quando essas profecias são colocadas neste ordenamento
de pensamento é que o leitor moderno aprecia plenamente sua grande amplitude e a conexão entre elas,
algo que um ouvinte ou leitor antigo teria captado mais naturalmente devido à forma como seus processos
de pensamento haviam sido condicionados. Ao reverter a ordem original de apresentação usada por
Daniel, tentamos desvelar em sua plenitude a beleza da forma como essas profecias foram apresentadas
originalmente.
A última linha importante de profecia no livro de Daniel é encontrada nos capítulos 10-12. O capítulo 10
apresenta a introdução, ou prólogo, a esta profecia, e o capítulo 12 contém o epílogo, ou conclusão. O
corpo da profecia no capítulo 11 é muito específico e segue uma ordem histórica e cronológica.
Há quatro profecias, ou esboços apocalípticos importantes no livro de Daniel. Elas estão nos capítulos 2,
7, 8 e 11. Os esboços proféticos cobrem o surgimento e a queda das nações desde os dias do profeta até
o fim dos tempos.
A outra grande profecia no livro de Daniel está no final do capítulo 9. Enquanto os quatro esboços proféticos
importantes lidam com o surgimento e a queda das nações, o capítulo 9 trata mais exclusivamente do povo
da cidade e do país de Daniel: Jerusalém e Judá. Embora os eventos desta profecia sejam paralelos aos dos
outros grandes esboços proféticos, eles se concentram em uma seção específica daquele mundo não
abordada nas outras profecias: a história do povo judeu em Judéia até a época do Messias. O fato de que
as quatro principais linhas de profecia neste livro cubram o mesmo grupo de nações na história é chamado
de recapitulação, ou paralelismo. Assim como os quatro Evangelhos percorrem os mesmos eventos de
perspectivas diferentes, essas quatro linhas complementares de profecia percorrem o mesmo território,
adicionando mais detalhes a cada vez. A apresentação começa em grande escala no capítulo 2, com as
nações representadas pelos diferentes metais de uma imagem. Quando chegamos ao capítulo 11, vemos
os reis individuais de cada nação e suas ações pessoais. O capítulo 2 começa com o uso de um telescópio,
enquanto o capítulo 11 termina com o uso do microscópio.
O capítulo final de nosso estudo de Daniel conclui com o tema da relação espiritual. Este elemento não
está tanto na profecia em si, mas na experiência do profeta. Acredito que este tema é o mais apropriado
para nossa própria conclusão.
11
CAPÍTULO 1
INTERPRETANDO A HISTÓRIA
A primeira metade de Daniel, dos capítulos 1 ao 6, é essencialmente de natureza histórica. Essas narrativas
históricas incluem um pouco de profecia, mas contêm claramente mais história do que profecia. A
natureza histórica desta parte do livro levanta várias questões de importância:
1. Deus se relaciona com a história humana ou se retirou para algum outro lugar de seu universo, deixando
a Terra avançar por si só?
A segunda pergunta implica historicidade mais do que história, e o texto do próprio livro nos fornece uma
resposta direta e facilmente acessível: o livro de Daniel se apresenta como um registro das experiências de
algumas pessoas que viveram durante o período do reino neobabilônico, durante a parte tardia do século
VII e grande parte do século VI a.C.
No entanto, além desta resposta simples, há outra questão: O livro de Daniel é um registro verdadeiro de
eventos que ocorreram no século VI a.C.? Ou é uma obra que foi posteriormente escrita por outra pessoa
que não o profeta Daniel, com a intenção de parecer que ocorreu no século VI a.C.?
12
registros de Esdras e Neemias. Por todo esse período, ela se estende por mais de dois milênios. Mas há
mais história do que simples registros rústicos do que aconteceu. Há um enfoque particular da história, e
esse enfoque está intimamente relacionado com Deus como o ator central do palco dessa história. É,
como certos teólogos e historiadores o descreveram, um registro dos "poderosos atos de Deus". O Senhor
esteve ativo através dessa história, relacionando-se com os seres humanos, guiando-os e dirigindo-os, não
apenas em relação aos seus assuntos terrenos, mas também em como obter a sua salvação.
Essa mesma perspectiva da história é evidente também no livro de Daniel. Aqui, a história começa com a
primeira conquista de Jerusalém por Nabucodonosor. Esse acontecimento deve ter parecido desastroso
para muitos dos judeus que viviam em Jerusalém naquele tempo. No entanto, por trás de tudo, Deus estava
trabalhando para cumprir seus próprios propósitos. O Senhor permitiu a conquista de Judá e Jerusalém
porque a nação estava sob o governo de Joaquim, um rei perverso e rebelde, e porque a sociedade estava
moralmente corrompida. Mesmo na tragédia da conquista, no entanto, Deus tirou algo bom do mal. Seus
servos - Daniel e seus amigos - foram levados a circunstâncias onde puderam testemunhar de uma forma
que se estendeu além de seu pequeno círculo familiar em Judá. Eles se tornaram testemunhas do
verdadeiro Deus entre todos os cortesãos de Babilônia e diante do monarca mais poderoso daquele tempo.
Deus entregou Joaquim nas mãos de Nabucodonosor, mas também deu graça a Daniel e seus amigos
diante desse mesmo rei. Assim, nos eventos pessoais e nacionais da época, podemos ver a mão de Deus
em ação. E como temos a palavra inspirada do profeta Daniel que observou essas ações e a quem foi dada
informação do céu sobre elas, podemos ver com toda clareza a intervenção de Deus nessas circunstâncias
humanas.
Vemos também a intervenção do Senhor na história humana em outros aspectos de Daniel. Deus não só
intervém no curso da história entre as nações, como Babilônia e Judá, mas também se envolve na história
pessoal dos indivíduos. Vemos a intervenção milagrosa de Deus a favor dos amigos de Daniel,
especialmente na história da libertação da fornalha de fogo no capítulo 3. No caso de Daniel, a intervenção
de Deus opera em todo o livro, mas é especialmente destacada com a libertação milagrosa de Daniel dos
leões famintos na cova no capítulo 6. Portanto, Deus opera em nível das nações e dos eventos históricos
em proporções épicas, mas também se relaciona com as pessoas no nível individual.
A terceira forma como o livro de Daniel demonstra a atenção de Deus e sua participação na história das
nações e indivíduos é através das profecias dadas ali. Os quatro principais esboços proféticos do livro, os
dos capítulos 2, 7, 8 e 11, fornecem uma visão geral que vai desde os tempos do profeta até as eras da
história que se seguem. Deus não só tem interesse no curso da história das nações; Ele não só intervém
ocasionalmente para afetá-la; mas Ele também conhece o curso que ela tomará. Os leitores do livro de
Daniel podem descansar confiados de que há um Deus que cuida de nós por trás das cenas de ação na
história.
A visão de mundo apresentada em daniel e ao longo das escrituras não é muito compatível com o
pensamento filosófico moderno. A cosmovisão moderna tem suas origens, não tanto na Bíblia, mas na
filosofia dos antigos gregos. Esta cosmovisão moderna tomou forma graças a revoluções no pensamento
que ocorreram particularmente no século 18 d.C., conhecido como a Era da Razão. Começando com o
modelo físico construído a partir das matemáticas de Sir Isaac Newton e outros, essa perspectiva
estabeleceu que a mente humana era autossuficiente e que não havia nenhuma necessidade de fonte
externa de conhecimento ou inspiração, como Deus. Essa perspectiva humanística prevaleceu nos
círculos intelectuais, deixando pouco espaço para o Senhor. Por algum tempo, Deus foi tolerado na
periferia da experiência humana. O deísmo era um movimento que via Deus como um fabricante de
relógios. Ele criou o mundo, o sistema solar e o universo e então o colocou em movimento, de acordo com
leis próprias que os cientistas descobririam.
Bem logo, no entanto, no meio do século dezenove, a teoria da evolução entrou em cena e tirou de Deus
seu papel, já muito reduzido. Agora não havia mais necessidade de um relojoeiro divino. O relógio havia
evoluído por si só. Tudo isso levou a um confronto direto entre a escola de pensamento bíblica e o
13
humanismo racionalista. A Bíblia afirma que há um Deus e que Ele se revelou a Si mesmo. O humanismo
racionalista diz que não há Deus e que não existe nenhuma revelação Dele. A Bíblia, portanto, torna-se um
elemento central nesse debate.
Um aspecto da Bíblia que demonstra que há um Deus e que Ele se revelou a Si mesmo é a profecia preditiva.
Bem pode ser que uma pessoa muito bem informada possa prever corretamente o curso dos eventos no
futuro imediato ou próximo. Mas propor que alguém, valendo-se apenas de recursos humanos naturais,
possa prever corretamente o que vai acontecer em cinco, seis ou sete séculos, como ocorre no livro de
Daniel, ultrapassa em muito o campo do conhecimento humano. Tal percepção só pode vir da esfera do
sobrenatural. Consequentemente, o tema da profecia preditiva desempenhou uma parte significativa nas
discussões entre aqueles que aceitam a perspectiva bíblica e aqueles que a rejeitam.
Aqueles que negam a perspectiva bíblica de Deus e da história têm que encontrar uma explicação
humanística para o aspecto preditivo das profecias dadas na Bíblia. Uma forma de anular o conteúdo
preditivo de um livro profético como Daniel é afirmar que suas profecias não se cumpriram, que os eventos
preditos não ocorreram. Capítulos posteriores neste volume abordarão as evidências para o cumprimento
das profecias de Daniel. Mas há outra forma de cancelar o elemento preditivo de um livro profético, e é
demonstrando que o conteúdo histórico local do livro é inexato. Por exemplo, as profecias de Daniel
pretendem ter sido dadas no contexto babilônico do século sexto a.C. Se Daniel, presumivelmente escrito
a partir da perspectiva da Babilônia do século sexto a.C., não apresenta a história da Babilônia
corretamente, então ninguém precisa dar crédito aos detalhes proféticos também. Em outras palavras,
uma forma de solapar a exatidão da seção profética de Daniel é primeiro minar a exatidão de sua seção
histórica. Se a exatidão histórica do livro pode ser contestada, suas profecias não precisam ser levadas a
sério. Mas se este argumento tem validade, então o oposto também deve ser válido. Se podemos
demonstrar que as seções históricas de Daniel são exatas e confiáveis, então também devemos levar a
sério o que ele diz nas seções proféticas. Nos dirigimos, então, a esse assunto: a exatidão histórica de
Daniel.
No entanto, antes de abordarmos essas cinco objeções individuais à exatidão histórica de Daniel,
examinemos as pressuposições básicas subjacentes a todas elas.
Os estudiosos que estudam o livro de Daniel a partir do ponto de vista do humanismo racionalista não
podem dar lugar à revelação sobrenatural em seu entendimento do livro. Tal perspectiva, é claro, exclui a
possibilidade de que as profecias de Daniel tenham sido dadas no século sexto a.C., e que tenham predito
eventos subsequentes com séculos de antecedência. A explicação usual tem sido que o livro de Daniel foi
escrito na verdade muito depois, mais provavelmente no século segundo a.C. Supõe-se que o autor deve
ter sido um indivíduo anônimo que viveu em Jerusalém em 165 a.C., durante o tempo de Antíoco IV
Epífanes, um rei da Síria de origem grega. Sendo que Antíoco IV perseguiu os judeus e interrompeu os
serviços religiosos no templo, é por isso que se acredita que muito da profecia de Daniel se concentre nele
14
e em suas atividades persecutórias. Portanto, esses estudiosos argumentam que as supostas profecias de
Daniel são na verdade história escrita sob a forma de profecia. Ou seja, um escritor do século segundo a.C.
baseou seu material em eventos contemporâneos que estavam ocorrendo ao seu redor, mas os apresentou
sob a forma de profecias que simulavam terem sido escritas no século sexto a.C. para prever esses eventos.
E se o escritor de Daniel realmente viveu no século segundo a.C., naturalmente não teria sido capaz de
apresentar a história babilônica do século sexto a.C. sem cometer erros. Portanto, de acordo com este
argumento, as imprecisões na história da Babilônia e do século sexto a.C. são prova da autoria tardia do
livro e da falta de um elemento preditivo verdadeiro nas profecias.
Vamos, então, aos cinco exemplos mais proeminentes que foram citados como imprecisões históricas no
livro de Daniel. Qual é a evidência? São estes realmente erros históricos, ou mal-entendidos por parte dos
críticos?
A sequência de eventos seria a seguinte: Josias, rei de Judá, morreu quando saiu para lutar contra o Faraó
Neco, em Megido, no verão do ano 609 a.C., quando o governante egípcio estava a caminho do norte para
lutar contra os babilônios. Pode-se obter uma data precisa dessa campanha de Neco a partir da Crônica
Babilônica, que é o registro oficial dos primeiros onze anos do reinado de Nabucodonosor. De volta do norte
da Síria no outono desse mesmo ano, Neco depôs Joacaz, rei de Judá, e o levou para o Egito. Em seu lugar,
Joaquim foi instalado como rei.
O ponto cronológico importante aqui é que essa transição final, a instalação de Joaquim como rei de Judá,
ocorreu após o Rosh Hashaná, ou seja, o ano novo judaico que começa no outono. Assim, o primeiro ano
oficial do reinado de Joaquim começou no outono de 608 a.C. O período de tempo antes desse novo ano
outonal era conhecido como "ano ascensional" ou ano 0. Portanto, o terceiro ano de Joaquim mencionado
em Daniel 1:1 começou no outono de 606 a.C. e se estendeu até o outono de 605 a.C. Dentro desse ano,
Nabucodonosor travou a batalha de Carquemis na Síria na primavera (Jeremías 46:2)1. Ele chegou a
Jerusalém no verão daquele ano, antes de começar o quarto ano de Joaquim no outono.
O conhecimento sobre a existência de Belsasar estava perdido desde os tempos antigos até o ano 1861
d.C. Durante esses anos, era desconhecido de acordo com as fontes históricas primárias, e várias teorias
1
A versão JFA-RC diz em Jeremias 46:2 que foi o quarto ano de Jeoaquim.
15
sobre sua identidade foram apresentadas, especialmente durante os séculos 18 e 19 d.C. Em 1861, a
primeira tábua cuneiforme mencionando Belsasar por nome foi publicada. Vinte anos depois, a Crônica de
Nabonido foi publicada; ela contava uma série de anos em que Belsasar administrava assuntos
governamentais na Babilônia enquanto seu pai Nabonido estava na Arábia. Finalmente, em 1924, outro
texto cuneiforme foi publicado, agora chamado de "Relato em Verso sobre Nabonido". Este relato conta,
entre outras coisas, que quando Nabonido saiu de Babilônia, "confiou o reino" a seu filho Belsasar. Da
mesma forma, nos últimos anos foram descobertas uma série de tabuletas interconectadas que revelam
o papel que Belsasar desempenhou nos eventos políticos e militares da Babilônia no século VI a.C.
Neste ponto, os críticos da história de Daniel tiveram que se retirar. Um deles escreveu sinceramente:
"Certamente, nunca saberemos como o autor do livro de Daniel soube desses eventos". Na verdade, é fácil
entender quando consideramos a evidência do próprio livro. A resposta é que Daniel estava lá, no cenário
histórico como testemunha ocular.
Alguns críticos, ainda tentando resgatar alguma credibilidade deste giro de eventos, exploraram outro
aspecto deste problema. Eles perceberam que não há uma tabuleta babilônica específica que se refira
diretamente a Belsasar como rei. Esta observação está correta até certo ponto. Mas o que devemos
entender quando lemos no "Relato em Verso de Nabonido" que o reino foi "confiado" a Belsasar?
Qualquer hebreu que saísse do ambiente político onde Daniel estava teria sido bem consciente da prática
da co-regência. Davi colocou Salomão no trono junto com ele, então houve dois reis governando Israel por
um tempo. Isso também aconteceu várias vezes na história de Israel. Daniel, portanto, simplesmente
referiu-se a Belsasar como "rei" porque ele ocupava essa posição e agia como rei. Daniel estava
historicamente correto porque sabia quem estava governando em Babilônia enquanto Nabonido estava
fora da capital por dez anos.
Há um detalhe pequeno, mas importante, em Daniel 5 que fornece evidências de quão preciso era o
conhecimento de Daniel sobre Belsazar e seu destino. Daniel nos diz quem estava no palácio naquela noite
na cidade e quem não estava. Belsazar estava lá, mas Nabonido, o rei principal, não estava. Este detalhe é
algo que apenas uma testemunha daqueles eventos no século VI a.C. teria conhecimento. Um escritor no
século II a.C. poderia facilmente cometer o erro de colocar Nabonido, o último rei principal, no palácio
naquela noite. Mas Daniel não cometeu esse erro, e a Crônica de Nabonido nos diz onde Nabonido estava.
Ele tinha levado uma divisão do exército babilônico para o rio Tigre para lutar contra Ciro e suas tropas, que
se aproximavam do oriente. Belsazar ficou na cidade com a outra divisão para protegê-la. O escritor do livro
de Daniel sabia que Belsazar estava na cidade na noite em que foi conquistada e não menciona Nabonido
por razões óbvias, pois ele estava em outro lugar. Este pequeno e aparentemente insignificante detalhe
revela quão preciso foi o registro de Daniel no caso de Belsazar.
O REINO MEDO
Por séculos, os intérpretes ortodoxos do livro de Daniel têm visto a sequência quádrupla de reinos nos
capítulos 2 e 7 como uma representação da Babilônia, Média-Pérsia, Grécia e Roma. Como o livro de Daniel
menciona um rei chamado Dario, o Medo (ver Dan. 11:1), os eruditos críticos argumentaram que o escritor
de Daniel pensava que havia um reino medo independente após o reino babilônico. Portanto, consideravam
que, com base na evidência do próprio livro, a sequência deveria ser reduzida a Babilônia, Média, Pérsia e
Grécia. Desta forma, a série não termina com Roma, mas com Antíoco Epifânio, que procedia do período
grego. Isso, afirmam tais críticos, é consistente com o que um autor do século II a.C. escreveria, mas é um
erro histórico falar de um reino medo separado após o período babilônico.
De fato, houve um reino medo separado nos séculos IX, VIII e VII a.C. Isso é bem conhecido e não representa
nenhum problema. Mas os críticos estão corretos em dizer que seria um erro histórico inserir um reino
medo independente nesta sequência após 539 a.C., quando caiu o reino babilônico. Os medos foram
conquistados pelos persas mais cedo no século VI a.C., e nos dois séculos seguintes foram um
componente integral do Império Persa.
16
O escritor de Daniel cometeu tal erro e identificou um reino de Média separado? Não, se considerarmos a
evidência que o texto apresenta. O carneiro na profecia do capítulo 8 é identificado no versículo 20:
"Quanto ao carneiro que viste, que tinha dois chifres, estes são os reis da Média e da Pérsia". Este carneiro
simbólico único representava o reino único de Média-Pérsia.
A narrativa do capítulo 6 sustenta o mesmo ponto, onde a lei dada por Dario é dita ser "conforme a lei da
Média e da Pérsia, que não pode ser revogada" (versículo 12). Se Média e Pérsia fossem reinos separados
naquele momento, a referência teria sido "a lei da Média e a lei da Pérsia" em vez de "a lei da Média e da
Pérsia". Um único código legal governava este reino duplo.
A escritura na parede no capítulo 5:28 nos ensina a mesma verdade, já que o reino de Belsazar foi "dividido
e dado aos medos e aos persas". Não há base no livro de Daniel para separar um reino medo individual. A
sequência deve continuar como foi interpretada: Babilônia, Média-Pérsia, Grécia e Roma.
DARIO, O MEDO
A identidade de Dario, o Medo, ainda é objeto de alguma discussão entre os estudiosos conservadores que
aceitam sua existência histórica. Este caso não é tão claro quanto o de Belsazar. Vários candidatos foram
mencionados como possibilidades, incluindo dois reis persas, dois reis medos e dois governadores persas.
Estes serão discutidos com mais detalhes no capítulo que trata de Daniel 6. Aqui, precisam ser
mencionados apenas dois pontos.
Primeiro, sabemos que houve um co-regente na Babilônia durante o primeiro ano da ocupação persa. As
tabuletas comerciais cotidianas da Babilônia daquele tempo registram os nomes dos reis e seus títulos,
juntamente com as datas dos anos de regência de cada rei. A partir desses documentos, é claro que Ciro
não tinha o título de "Rei da Babilônia" para o primeiro ano da conquista persa; nenhuma das tabuletas
escritas naquele momento lhe atribui esse título.
Segundo, há a questão dos nomes oficiais dos reis. Nos tempos antigos, os reis comumente tinham nomes
pessoais antes de ascenderem ao trono; após ascenderem ao trono, assumiam outro nome oficial. Isso era
muito comum no Egito e ocasionalmente foi praticado em Israel. Azarias, que também recebeu o nome de
Uzias, é um exemplo. Essa prática raramente foi usada na Mesopotâmia, mas talvez fosse mais comum na
Pérsia, segundo alguns historiadores modernos. Portanto, Dario, conforme mencionado em Daniel,
poderia muito bem ter sido um nome oficial, mas precisaríamos ser mais precisos na identificação do
nome pessoal do indivíduo que poderia ter adotado esse nome oficial.
Uma corrente contínua de descobertas de inscrições aramaicas tem proporcionado uma visão mais
completa desse idioma e seu desenvolvimento, e uma base melhor para comparação com o aramaico que
aparece em Daniel. As diferenças entre o aramaico de Daniel e o encontrado nos papiros elefantinos foram
inicialmente consideradas como representando um desenvolvimento cronológico desse idioma, mas
agora sabe-se que refletem mais os dialetos regionais. Todos os papiros elefantinos que formaram a base
original de comparação eram do Egito e refletiam um dialeto aramaico egípcio. Esse dialeto diferia da forma
de expressão oral e escrita do aramaico na Judeia, Síria, Babilônia e Irã. Cada uma dessas regiões tinha seu
17
próprio dialeto regional. Alguns dos traços característicos aramaicos no livro de Daniel, que se acreditava
serem características tardias - como a posição do verbo, por exemplo - agora se sabe que são
características precoces próprias das regiões orientais, ou seja, como o aramaico da Babilônia onde Daniel
vivia.
Outra descoberta significativa nessa área vem da descoberta dos Rolos do Mar Morto. Os essênios que
trabalhavam no mosteiro de Qumran perto do Mar Morto, do século II a.C. ao século I d.C., escreveram e
copiaram numerosos documentos aramaicos, assim como textos hebraicos. À medida que esses textos
foram publicados, ficou mais claro que o aramaico de Daniel é consideravelmente mais antigo do que
esses documentos do Mar Morto. Como os estudiosos críticos modernos acreditam que Daniel foi escrito
por volta do mesmo tempo que os Rolos do Mar Morto, é complicado para sua perspectiva que não haja
uma correspondência mais próxima em termos de linguagem. Os Rolos do Mar Morto também revelaram
que o aramaico de Daniel não é palestino em termos de distribuição geográfica. Pelo contrário, trata-se de
um tipo de aramaico oriental, como seria de esperar de um residente da Babilônia.
Dessa forma, todas as descobertas mais importantes no estudo do aramaico que aparece em Daniel
tendem a colocar a data dessa escrita mais cedo do que os críticos acreditavam. Atualmente, o aramaico
de Daniel simplesmente se classifica como "aramaico imperial", o que significa que se encaixa bem dentro
das datas do Império Persa, do século VII ao século IV a.C. E, se o argumento linguístico é válido, isso
suporta a data precoce do aramaico de Daniel.
Portanto, após examinar as principais objeções à precisão histórica de Daniel, podemos afirmar com
segurança que sua linguagem e conteúdo histórico corroboram o testemunho do próprio livro de que foi
escrito no século VI a.C. Além disso, o argumento dos críticos de que não podemos confiar em suas
declarações proféticas devido às suas imprecisões históricas é refutado.
O leitor cuidadoso perceberá que as narrativas históricas do livro não estão dispostas em uma estrita
ordem cronológica. Por exemplo, os capítulos 5 e 6, que correspondem ao período persa, antecedem os
capítulos 7 e 8, que pertencem ao período babilônico inicial. Uma ordem cronológica requereria que os
capítulos 7 e 8 precedessem os capítulos 5 e 6. Algum outro princípio de organização deve ter sido utilizado.
Como foi apontado anteriormente, Daniel é dividido - com alguma sobreposição - em seções praticamente
iguais de capítulos históricos e proféticos.
Mais do que isso, no entanto, os capítulos escritos em aramaico, os capítulos 2 ao 7, exibem uma ordem
literária específica. Estes seis capítulos são separados quanto à estrutura literária: a forma como estão
organizados dentro de sua própria seção. Esses capítulos estão claramente relacionados entre si em pares
com base no conteúdo. Os capítulos 2 e 7 formam um par; ambos os capítulos são esboços proféticos que
lidam com o surgimento e a queda de reinos ao longo de porções extensas da história humana.
Isso deixa os capítulos 4 e 5 juntos como um par dentro da porção aramaica e histórica do livro. Esses
capítulos também tratam do mesmo assunto: um rei babilônico específico. No capítulo 4, é
Nabucodonosor quem está em foco. No capítulo 5, é Belsazar. Ambas as narrativas começam com um
18
cenário local: Nabucodonosor em seu palácio e Belsazar no mesmo palácio. Ambos os reis são um caso
de egoísmo presumido, e ambos foram julgados pelo Deus verdadeiro. Em ambos os casos, seus
julgamentos vieram na forma de profecias que subsequentemente se cumpriram. Daniel estava presente
para interpretar ambas as profecias. As duas histórias têm finais ligeiramente diferentes, mas mesmo
assim guardam uma relação entre si. No capítulo 4, Nabucodonosor caiu em um período de loucura, mas
então pôde se recuperar e retornar ao seu trono. No capítulo 5, no entanto, não há uma redenção
subsequente para Belsazar. Ele e sua cidade caíram naquela noite diante dos conquistadores persas.
Portanto, as narrativas da seção aramaica e histórica do livro de Daniel podem ser alinhadas em pares
temáticos sob o seguinte esboço:
Tal esboço é como uma escada com degraus em ambos os lados, onde se sobe na mesma ordem em que
se desce os degraus pelo outro lado, A: B: C: C: B: A. O nome técnico para esta ordem de escrita é quiástico.
Esta palavra vem do nome da letra grega qui, que se assemelha a um X. A ideia é que o esboço avança para
cima por uma perna deste X e depois desce na ordem inversa pelo outro lado. É uma organização baseada
na inversão ou em uma imagem de espelho. O que temos aqui no livro de Daniel é um quiastismo
relativamente simples baseado em ligações temáticas entre duas histórias de natureza semelhante. Uma
olhada no esboço "quiástico" acima mostra que os capítulos 2 e 7 estão tematicamente vinculados, assim
como os capítulos 3 e 6, e os capítulos 4 e 5. Este tipo de arranjo é relativamente comum no Antigo
Testamento, especialmente nos salmos, então é evidente que as pessoas da época de Daniel estavam
plenamente conscientes desse tipo de escrita.
Com que propósito servia e qual é o seu valor para nós hoje? Servia a várias funções. Primeiro, era um
recurso para facilitar a memorização. Ter que memorizar o conteúdo desses seis capítulos de Daniel seria
uma tarefa difícil. No entanto, é muito mais fácil lembrar do que cada capítulo trata uma vez que se
reconhece esta ordem inversa.
Segundo, este tipo de organização torna possível ver vínculos explicativos entre as narrativas vinculadas.
Por exemplo, muitos comentaristas reconheceram que a profecia do capítulo 7 é uma explicação adicional
e mais detalhada da profecia dada no capítulo 2. As duas profecias estão relacionadas; elas não se referem
a períodos históricos distintos. A estrutura literária, então, torna-se simplesmente outra forma de reforçar
esse vínculo.
Terceiro, há uma questão estética. É bom reconhecer que a Bíblia nos fala de muitas maneiras e culturas
diferentes. Mas também é bom perceber que há uma beleza literária nessas expressões. Reconhecemos a
beleza literária de alguns salmos. Por que não reconhecer a beleza literária de algumas porções bíblicas de
prosa, como estes capítulos em Daniel? Daniel não é apenas o trabalho
insignificante de um editor qualquer; é a obra, sob a direção de Deus, de um artista literário, e precisamos
reconhecer essa habilidade.
19
Finalmente, esta estrutura literária enfatiza a unidade desta seção de Daniel e de todo o livro. Essas
narrativas foram colocadas juntas precisamente em uma ordem específica, como os tijolos que são
usados para construir uma chaminé. Não se pode remover nenhum desses tijolos sem que toda a estrutura
desmorone. Cada um é vital para a ordem e a relação. Os críticos literários de Daniel têm ignorado esse
ponto. Eles tentaram separar o capítulo 7 do resto dos capítulos históricos. Para eles, a profecia do capítulo
7 foi escrita por volta do ano 165 a.C., no tempo de Antíoco Epífanes, mas os capítulos históricos anteriores
foram escritos antes, dizem eles, talvez nos séculos IV ou III a.C. Mas essas narrativas, embutidas como
estão na arquitetura literária, não podem ser desmembradas tão facilmente. O capítulo 7 vai com o capítulo
2; os dois formam um par. E esse par constitui um quadro em torno dos outros quatro capítulos que
também formam pares entre si. Dessa forma, os capítulos históricos formam uma unidade, um pacote, e
o fato de que todos foram escritos em língua aramaica destaca esse ponto. Há um século e meio, os
estudiosos que criticam as fontes do livro de Daniel têm estado desmembrando-o em peças cada vez
menores. Finalmente, uma apreciação da arte e estrutura literárias do livro demonstrou quão equivocado
foi esse enfoque. O livro de Daniel é uma unidade literária e, além disso, uma peça esteticamente atraente.
Devido a esta estrutura literária única da seção histórica de Daniel, estudaremos estes capítulos de acordo
com os pares a que pertencem.
20
CAPÍTULO 2
EXILADO
Exceto por uma pequena parte do primeiro capítulo, todo o livro de Daniel ocorre na Babilônia. Isso ocorre
porque Daniel viveu lá na maior parte de sua vida adulta, e sua vida foi bastante longa. A primeira data no
livro, no início do capítulo 1, equivale ao ano 605 a.C. de nosso calendário. A última data, que acompanha
a última profecia do livro (Dan. 10:1), equivale ao ano 536 a.C. Isso nos dá um período de quase setenta
anos que Daniel passou na Babilônia. Durante a maioria desse tempo, ele viveu sob reis neobabilônicos,
mas seus últimos anos foram passados sob os reis persas que conquistaram a Babilônia. Daniel
provavelmente morreu após receber a última profecia registrada em seu livro. De fato, quando o anjo
Gabriel lhe deu essa profecia, pareceu indicar a Daniel que ele logo morreria.
Daniel provavelmente estava começando a vida adulta quando foi levado para a Babilônia. Alguns
sugeriram que ele tinha cerca de 18 anos de idade, uma idade que se encaixava bem com a política
babilônica de selecionar cativos. Assim, dos quase noventa anos de vida de Daniel, aproximadamente os
primeiros vinte foram passados em Judá e os últimos setenta na Babilônia. Viver por tanto tempo na
Babilônia significava que Daniel estava muito bem relacionado com a cidade e a nação, seus governantes
e procedimentos na corte. Daniel entrou na corte de Nabucodonosor logo após seu exílio e provavelmente
serviu lá por muito tempo, já que Nabucodonosor desfrutou de um longo reinado de quarenta e três anos,
e Daniel parecia ter ocupado cargos importantes no serviço público, pelo menos durante o período de vida
de Nabucodonosor. Depois da morte de Nabucodonosor, no entanto, Daniel parece ter perdido o favor dos
governantes subsequentes da Babilônia. Foi somente com o último deles, Belsazar, que Daniel foi
reintegrado ao seu lugar original de destaque, e isso por um curto período. Mas sua popularidade continuou
mesmo no período persa, quando também alcançou certo destaque, embora a um preço considerável.
Em tempos bons ou ruins, Daniel era um modelo de fidelidade e perseverança. Também era um modelo em
sua vida devocional constante e dedicada, embora isso também tenha representado um preço
considerável para si mesmo. Daniel é, portanto, um exemplo brilhante para nós de alguém que teve
coragem, lealdade ao seu Deus, perseverança e uma comunhão viva com esse Deus. Dado que várias de
suas profecias terminam com o tempo do fim no qual vivemos agora, o exemplo de Daniel nessas áreas é
um excelente lembrete de que também devemos viver para Deus, apesar das circunstâncias, boas ou más,
que possamos encontrar.
Como alguém que viveu na Babilônia por muitos anos e também trabalhou no centro do poder, Daniel
obviamente a conhecia muito bem. Os profetas de Deus podem se referir ao futuro distante em algumas
ocasiões, como Daniel fez. Mas também falavam ao seu próprio tempo e povo. Para Daniel, isso significava
a Babilônia do século VI a.C., e o povo de Deus que vivia exilado lá. É natural, portanto, que a Babilônia e
sua história desempenhassem uma parte proeminente nas profecias que Deus lhe daria. A Babilônia
aparece em não menos de quatro das profecias que Deus deu a Daniel, nos capítulos 2, 4, 5 e 7 do livro.
Ter conhecimento da Babilônia e sua história nos séculos VI e VII a.C. deve ser muito útil para nós, então, a
fim de entender o profeta no contexto do tempo e lugar em que viveu. Tal entendimento serve como um
ponto de partida para os passos subsequentes nas profecias que Deus nos revelou através de Daniel.
OS TEMPOS DE DANIEL
Uma forma de avaliar Daniel é sugerir que ele foi apenas um peão que acabou preso pelas circunstâncias
da política internacional de seu tempo. Essa avaliação se baseia nas condições políticas fluctuantes do
final do século VII a.C.
21
Era um tempo de transição. Judá existia em uma estreita faixa de terra entre o Mar Mediterrâneo e o deserto
oriental. Esse estreito corredor de terra estava no caminho da conquista tanto dos egípcios ao sul quanto
dos poderes mesopotâmicos da Assíria e da Babilônia ao norte. Repetidamente, as poderosas forças
militares do norte e do sul atravessavam a Palestina. Em rápida sucessão, o pequeno reino de Judá caiu
sob o controle de três nações diferentes no final do século VII a.C.
Primeiro, havia a Assíria. Assurbanipal, o último grande rei do Império Assírio, morreu no ano de 626 a.C.,
dois ou três anos antes do nascimento de Daniel. Com sua morte, ocorreram mudanças significativas no
Oriente Próximo. O Império Assírio se fragmentou em muitos pedaços e por algum tempo o povo de Judá
desfrutou de um alívio com o enfraquecimento do controle assírio. O rei Josias aproveitou a oportunidade
desse intervalo para iniciar uma reforma religiosa no país (ver 2 Reis 22:8-23:25). No entanto, como
indicado pelo profeta Jeremias, a reforma de Josias não penetrou nem durou o suficiente (ver Jeremias
3:10).
Nesse vácuo de poder, os faraós agressivos da vigésima sexta dinastia no Egito logo se posicionaram para
assumir o controle do oeste da Ásia até o rio Eufrates, onde mantiveram o domínio por cerca de uma
década. Enquanto isso, um novo poder surgia no oriente. Os babilônios, em combinação com os medos
das montanhas do norte do Irã, atacaram com sucesso os grandes centros populacionais da Assíria:
Nimrod e Nínive. Eles conquistaram essas cidades e então as destruíram. Ao avançarem pelo afluente
oriental do Eufrates, suas atividades os levaram a um confronto com os egípcios na região superior do rio.
Depois de um escaramuça inicial em 611 a.C., babilônios e egípcios lutaram em uma grande batalha em
605 a.C. Jeremias menciona essa batalha em Jeremias 46:1-12, onde fornece uma descrição da derrota
desastrosa dos egípcios. Também temos as palavras dos próprios anais reais de Nabucodonosor sobre
esses eventos. Lá, seu escriba registrou:
"Nabucodonosor, seu filho mais velho [de Nabopolasar], o príncipe herdeiro, reuniu [o exército babilônico]
e tomou o controle de suas tropas; marchou para Carquemis, que está às margens do Eufrates, e cruzou o
rio [para enfrentar] o exército egípcio, que estava acampado em Carquemis ... lutaram um contra o outro e
o exército egípcio recuou diante dele. Nabucodonosor consumou sua derrota e os derrotou até fazê-los
desaparecer."
Estes eventos decisivos viraram de cabeça para baixo todo o panorama político do antigo Oriente Próximo.
O que antes estava sob o controle egípcio agora caiu sob o controle da Babilônia, incluindo todo o território
ao sul da fronteira com o Egito. Naturalmente, isso incluía o reino de Judá. Os registros reais da Babilônia -
os textos das Crônicas da Babilônia - ilustram essa situação. Esses textos, escritos em cuneiforme, que
significa escrita em forma de cunha em tabuletas de argila, eram relatos ano a ano dos eventos mais
importantes durante o reinado do rei. Eles não dão detalhes sobre essa conquista específica, mas afirmam,
em termos gerais: "Quando Nabucodonosor conquistou toda a área do país de Hatti". A designação "país
de Hatti" era um resquício dos dias em que os hititas governavam a Síria e a Palestina. Os hititas já não
existiam há muito tempo, mas a designação ainda permanecia. Incluía todos os reinos, desde a Síria ao
norte até Judá ao sul.
Pode-se perguntar por que os registros de Nabucodonosor não mencionam especificamente Jerusalém
como uma das cidades conquistadas. A razão provável foi que Jeoaquim, o rei de Judá na época, viu que
resistir a Nabucodonosor era inútil, então ele se rendeu. Assim, não foi necessário que os babilônios
travassem uma guerra em toda a sua extensão contra a cidade. Os textos das Crônicas da Babilônia
mencionam apenas aquelas cidades que resistiram até que as tropas babilônicas as dominassem. As
cidades que se renderam antes desse ponto, como Jerusalém, não são mencionadas pelo nome.
Um observador da cena histórica no Oriente Próximo em 605 a.C. poderia ter pensado que tudo isso era
resultado de mudanças nas lealdades e no poder humano. Mas havia mais do que isso. Daniel indica essa
dimensão adicional logo no início de seu livro. Jeoaquim se rendeu e caiu nas mãos de Nabucodonosor não
apenas porque era um rei mau, o que ele era, mas porque Deus permitiu e dirigiu os eventos dessa maneira.
22
Havia um fator invisível envolvido no curso desses eventos, e era um fator divino. Daniel 1:2 diz: "O Senhor
entregou nas suas mãos a Joaquim, rei de Judá". Embora essa não fosse a intenção original de Deus para o
seu povo, a apostasia deles - liderada pelo rei Joaquim - resultou nesse triste curso de eventos. Como o
povo de Deus havia abandonado sua fé em Deus e deixado de cumprir seu pacto, eles também perderam
o direito à proteção divina contra inimigos como a Babilônia (veja Deuteronômio 28:1; 30:20).
Imagine-se na situação de Daniel. Você é jovem, prestes a iniciar a vida adulta. Todas as oportunidades
parecem se estender diante de você. Mas então uma curva súbita no caminho da experiência aparece
diante de você. Em vez de aproveitar as oportunidades disponíveis em sua cidade ou país, agora você é
arrastado para uma terra estranha e remota. Além disso, nenhum privilégio é concedido a você durante sua
jornada e você tem que caminhar seiscentos e cinquenta quilômetros através do deserto para chegar ao
seu destino. Não há garantia de que você verá sua família ou lar novamente. Na verdade, é muito provável
que não verá. Qual teria sido sua atitude? Desânimo? Depressão? Você teria se perguntado por que Deus
permitiu tudo isso? Agora que nenhum de seus compatriotas poderia observá-lo, você teria decidido que
poderia muito bem viver da maneira que quisesse, contanto que se desse bem na terra de seus captores?
Algumas dessas ideias podem muito bem ter passado pela mente de Daniel e seus amigos, mas eles deram
apenas uma atenção passageira às suas difíceis circunstâncias.
Levar prisioneiros de países conquistados era uma política comum que os babilônios e egípcios exerciam.
Jovens com potencial considerável eram levados à capital do império para serem treinados nas práticas e
cultura dos babilônios ou egípcios. Isso era feito com um propósito. O ponto era treinar esses jovens para
o serviço futuro ao império. Quando o rei ou os administradores dos países conquistados saíam de cena,
seus cargos poderiam ser assumidos por indivíduos de sua própria nação que haviam sido treinados no
pensamento babilônico ou egípcio. Dessa forma, a Babilônia, por exemplo, podia obter administradores
que tinham um conhecimento íntimo dos costumes locais das pessoas que governariam, mas cuja
lealdade suprema tinha sido cultivada em direção à Babilônia através da educação recebida.
Quando Daniel e seus amigos chegaram à Babilônia, iniciaram um extenso programa de estudos. As
diferentes disciplinas que vieram a dominar lhes permitiriam tornar-se melhores burocratas babilônicos,
melhores servos do governo. Indubitavelmente, estudaram a escrita cuneiforme babilônica. Isso incluía
aprender um elaborado sistema de sinais que eram escritos em uma tabuleta de barro fresco com a ponta
de um punção. A escrita cuneiforme nos forneceu alguns dos exemplos mais antigos de escrita produzida
pela raça humana. Muitas amostras sobreviveram ao longo dos séculos e com boa razão: quando o barro
endurecia, fornecia um registro relativamente permanente. Se os registros eram muito importantes, como
documentos oficiais de um rei, as tabuletas cuneiformes usadas eram levadas ao fogo em um forno. Isso
as endurecia ainda mais do que se apenas secassem ao sol e as tornava mais duráveis, muito mais
duráveis do que o papel que usamos hoje. Se os registros não eram tão importantes, eram deixados para
secar naturalmente e endurecer mais gradualmente. Essas tabuletas menos duráveis se quebravam mais
facilmente, razão pela qual os arqueólogos que fazem escavações nas ruínas do Oriente Próximo
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frequentemente encontram muito mais fragmentos do que tabuletas inteiras. É necessário um trabalho
cuidadoso em um museu para unir os fragmentos de tabuletas.
Embora o sistema de escrita babilônico fosse difícil de aprender, a própria língua provavelmente não foi tão
difícil para Daniel e seus amigos. A língua babilônica pertence ao que é conhecido como a família
linguística semítica oriental, enquanto o hebraico pertence ao grupo semítico ocidental. Ambas estão na
mesma família linguística geral, e não teria sido muito difícil para Daniel e seus amigos aprenderem a língua
babilônica. Além disso, parte do trabalho na corte de Babilônia era realizado em aramaico, uma língua
ainda mais próxima do hebraico.
Nabucodonosor ele mesmo não era um babilônio nativo no sentido étnico e cultural. Ele e seu pai,
Nabopolassar antes dele, pertenciam a uma das tribos dos povos caldeus que viviam no sul da Babilônia.
Essas tribos falavam aramaico, então o idioma nativo de Nabucodonosor teria sido o aramaico. Foi muito
natural, então, para Daniel conversar com Nabucodonosor nesse idioma; e vários dos diálogos mantidos
entre esses dois indivíduos foram registrados em aramaico. Isso fornece uma explicação parcial do motivo
pelo qual o livro de Daniel foi escrito em dois idiomas: os capítulos 1, 8-12 em hebraico e os capítulos 2-7
em aramaico.
Sabemos muito sobre as ciências que eram estudadas e praticadas na Babilônia. As tabuletas duráveis de
argila que foram descobertas nos forneceram muitos dos cálculos astronômicos babilônicos e seu sistema
matemático. Nosso sistema matemático moderno é baseado em unidades de dez, o sistema decimal, mas
o sistema babilônico era baseado em unidades de seis, conhecido como matemática sexagesimal. Algo
desse sistema foi preservado até os dias de hoje; isso explica por que há sessenta segundos em um minuto,
sessenta minutos em uma hora e 360 graus em um círculo. O sistema babilônico mostra em Daniel 3 que
as medidas da imagem que Nabucodonosor ergueu - sessenta côvados de altura e seis côvados de largura
- foram dadas em unidades babilônicas sexagesimais típicas.
Um dos problemas mais desagradáveis que os hebreus enfrentaram em seu currículo babilônico foi a
matéria de astrologia. O lado científico dessa matéria é a astronomia, e aí não havia nenhum problema. O
lado interpretativo, subjetivo da astronomia, no entanto, é a astrologia. A cultura babilônica estava
impregnada desse tipo de coisa e é provável que os cativos hebreus tenham sido introduzidos nela em suas
aulas.
Aqui encontramos uma aguda distinção entre a Bíblia e o mundo antigo. O mundo antigo era muito devoto
ao tema da astrologia; observações baseadas nos movimentos dos corpos celestes eram usadas para
prever eventos humanos e suas consequências. A Bíblia, no entanto, está diametralmente oposta a essas
coisas. Essa oposição é claramente declarada tanto na legislação mosaica (veja Deuteronômio 18:9-14)
quanto pelos profetas (veja Isaías 8:19, 20). Nesse sentido, portanto, a Bíblia se coloca em completa
oposição a algumas das práticas que ocorriam no ambiente que cercava os israelitas. Certamente, Daniel
e seus amigos teriam se oposto ao uso desses métodos astrológicos em seu trabalho para o governo da
Babilônia. Eles contavam com uma fonte confiável de conhecimento sobre o futuro na qual podiam confiar,
que era muito mais segura do que as práticas de adivinhação da Babilônia. Essa fonte era o verdadeiro
Deus.
No entanto, é uma paradoxo que Daniel mais tarde tenha sido colocado a cargo dos sábios da Babilônia
(Daniel 2:48), que eram praticantes ativos de astrologia. Alguns dos episódios descritos mais tarde em seu
livro demonstram a superioridade do conhecimento recebido do verdadeiro Deus em oposição aos falsos
métodos dos sábios (veja Daniel 2-4).
Embora concordemos com a oposição aos pensamentos e práticas da religião babilônica, também
precisamos ser justos com os babilônios em termos do que faziam e do que não tentavam fazer com esses
cativos. Esse assunto surge dos nomes que foram atribuídos aos hebreus. Uma vez chegados à capital,
24
Daniel recebeu o novo nome de Beltessazar (Daniel 1:7). Esse nome é dividido em três componentes: Belit,
o título de uma deusa; shar, o termo para denotar "rei"; e o verbo uzur, que significa proteger. Então,
literalmente, o nome babilônico de Daniel significava "Que [a deusa] Belit proteja o rei". O governante
Belsazar portava um nome muito semelhante, cuja única diferença era que o título Bel, "senhor", se referia
a uma divindade masculina e não feminina.
Os três amigos de Daniel receberam nomes semelhantes que transmitiam certo significado, e esse
significado estava, em alguns casos, ligado aos deuses babilônicos. No entanto, isso não significa que os
babilônios estavam tentando converter à força Daniel e seus amigos à religião babilônica usando nomes
que continham um elemento divino. O objetivo era muito mais pragmático do que isso. Simplesmente, os
babilônios queriam dar aos cativos nomes que seriam facilmente reconhecíveis pelos babilônios com
quem estariam trabalhando.
A PROVA
Logo após se matricularem na escola para escribas de Babilônia, Daniel e seus amigos se viram em apuros.
O problema não tinha a ver com astrologia, ou com seus nomes babilônicos, ou a adoração de ídolos. Tinha
a ver com alimentos. O fato de os estudantes reclamarem da comida servida na escola não é um fenômeno
moderno. Remonta a muito tempo atrás, ¡2.500 anos neste caso! Mas desta vez havia razões suficientes
para fundamentar as queixas: "E Daniel propôs no seu coração não se contaminar com a porção da comida
do rei, nem com o vinho que ele bebia; por isso, pediu ao chefe dos eunucos que não se contaminasse"
(Daniel 1:8).
Surge a pergunta: Por que Daniel se recusou a comer dos alimentos fornecidos pela despensa ou cozinha
real? O texto nos dá uma resposta clara e direta: "Daniel propôs no seu coração não se contaminar".
Teria sido interessante ouvir a conversa enquanto Daniel tentava explicar ao funcionário babilônico sobre
a impureza, baseada nas leis alimentares estabelecidas em Levítico 11 e Deuteronômio 14! Entre os textos
cuneiformes que foram catalogados e traduzidos, existem alguns que enumeram os pratos que eram
fornecidos ao exército babilônico. As provisões incluíam porco. Para um israelita, o porco era impuro e
considerado impróprio para alimentação. Se às tropas era dado porco, muito provavelmente também era
dado aos burocratas no palácio e aos estudantes na escola para escribas. Portanto, Daniel e seus amigos
teriam que lidar com essa questão das carnes impuras que lhes eram servidas, as quais se recusaram a
comer porque as consideravam "contaminantes".
Haveria outras razões também. Como no caso do Novo Testamento em Corinto, parte da carne fornecida
em Babilônia poderia ter sido oferecida aos ídolos (veja 1 Coríntios 8). Da mesma forma, naquela época
havia a questão do preparo da comida. Os açougueiros babilônicos não teriam preparado a carne de
maneira a ser autorizada pela lei judaica (veja Levítico 17:10-14). A preparação bem poderia ter incluído
altas concentrações de especiarias.
A forma mais fácil e direta de evitar todos esses problemas era consumir uma dieta vegetariana e beber
apenas água. Foi isso que Daniel solicitou ao oficial. Literalmente, ele pediu legumes para comer, isto é, o
que cresce das sementes, ou plantas (Daniel 1:12). Daniel percebeu os problemas com a dieta babilônica,
e também viu que a forma mais direta de contorná-la era evitando o problema por completo em vez de
contorná-lo e comer da mesa o que pudessem. Ele pediu uma dieta vegetariana e a principal bebida não
alcoólica disponível: água.
No entanto, o oficial não estava disposto a colocar Daniel nesse tipo de regime (1:10). Ele temia que
houvesse consequências adversas para os hebreus. Mas Daniel persistiu, e finalmente foi dado a ele
permissão para comer sua dieta escolhida por um período de dez dias (1:14). Dez dias dos três anos do
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curso não representavam um risco muito grande, mas ainda assim, o oficial, relutantemente, concedeu
permissão a Daniel e seus amigos para prosseguir. O oficial era responsável pelo bem-estar dos cativos, e
se eles sofressem devido à nova dieta, ele enfrentaria a ira de Nabucodonosor (1:10). Os reis do mundo
antigo eram conhecidos por sua tendência a punir os mensageiros que lhes traziam más notícias.
Seria possível que um período de apenas dez dias realmente fizesse diferença? Na sociedade moderna, há
muitos exemplos que mostram que dez dias podem certamente produzir mudanças. Um plano dietético
especial anunciado na televisão norte-americana promete: "Dê-nos uma semana, e tiraremos o excesso
de peso". Ainda mais intenso era o regime do Dr. Pritikin, um nutricionista cuja rigorosa dieta com baixo teor
de gordura visava à rápida redução do colesterol e do peso como parte de um programa de reabilitação e
condicionamento para pacientes com sérios problemas cardíacos. Para participar desse programa, era
necessário passar uma semana no centro médico de Pritikin. Também deve ser notado que um paciente
pode se recuperar de uma cirurgia séria e ser liberado do hospital em menos de dez dias. De fato, a duração
das estadias hospitalares está se tornando cada vez mais curta. Portanto, o pedido de Daniel por um
período de dez dias como período de teste era razoável, embora ele provavelmente preferisse ter mais
tempo.
Novamente, não era apenas a força ordinária das circunstâncias humanas que abriu essa possibilidade
para Daniel e seus amigos. Não é que fossem melhores nutricionistas ou quinesiólogos, nem eram
indivíduos intelectualmente superiores aos outros estudantes matriculados. Eles puderam obter o favor do
funcionário e realizar seu programa porque "Deus fez a Daniel achar graça e misericórdia diante do chefe
dos eunucos" (1:9). Por mais inteligente que fosse, Daniel tinha outro fator a seu favor, e esse fator era o
mais importante: o favor divino. Nesta situação, Deus foi capaz de usar e abençoar Daniel e seus amigos
por causa de sua fé nele e em suas promessas.
Da mesma forma, Deus pode nos usar hoje em situações semelhantes. Esta parte da narrativa enfatiza o
fato de que Deus não apenas deseja que tenhamos mentes espiritualmente alertas, mas também que
tenhamos corpos saudáveis. Os dois assuntos estão diretamente relacionados. "E ao fim dos dez dias
apareceram melhores e mais gordos do que todos os jovens que comiam das porções da comida do rei"
(versículo 15). Depois de passar por este teste de dez dias, Daniel e seus amigos puderam comer a dieta
que desejavam pelo resto dos três anos na escola. Continuar com essa dieta por esse período de tempo
também contribuiu para os excelentes resultados no final do curso.
O RESULTADO FINAL
Ao final do curso de três anos, o exame final para se formar era oral (1:19, 20). Na verdade, o examinador
deles era a pessoa mais importante de todas, mais importante do que qualquer um dos professores que
tiveram durante seus estudos. O examinador final não era outro senão o próprio rei. Ele queria ver o que os
alunos haviam alcançado durante seu período de treinamento e verificar se estavam qualificados
satisfatoriamente para assumir cargos no governo babilônico. Mais uma vez, Daniel e seus amigos saíram
vitoriosos: "E o rei falou com eles, e entre todos eles não foram achados outros como Daniel, Hananias,
Misael e Azarias; assim, pois, estiveram diante do rei" (vers. 19). Usando hipérbole, o texto descreve Daniel
e seus amigos como sendo dez vezes melhores do que os outros sábios do reino da Babilônia (vers. 20).
Isso não significa que eles obtiveram 100% em seu exame e que os outros sábios tiraram apenas 10%.
Simplesmente significa que os hebreus claramente se destacaram mais do que os outros alunos no curso
e que eram superiores até mesmo aos sábios profissionais que já estavam exercendo suas funções. Um
fenômeno literário similar é encontrado na história do forno de fogo em Daniel 3. Foi dito aos servos de
Nabucodonosor para aquecerem o forno "sete vezes mais do que o normal" (vers. 19). Isso não significa
que o forno aumentou de 500 graus, por exemplo, para 3.500 graus. Significa mais que o forno foi aquecido
a um nível muito mais intenso, independentemente da temperatura absoluta envolvida.
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Qual foi a verdadeira razão pela qual Daniel e seus amigos tiveram tão bons resultados no exame oral diante
do rei? Foi porque eles tinham coeficientes intelectuais superiores? Foi porque tinham um regime mais
saudável? Esses elementos podem ter ajudado, mas mais do que isso, tinham a bênção direta de Deus. "A
estes quatro jovens Deus deu conhecimento e inteligência..." (versículo 17). Sem a bênção de Deus, esses
jovens não teriam se destacado tanto como fizeram. Deus tinha um plano e um propósito para eles, e queria
demonstrá-lo diante de todos os sábios da Babilônia, diante de seus colegas, e diante do rei. Deus tem um
plano e uma bênção para sua vida também, embora possa não ser exatamente da mesma forma que fez
com esses alunos cativos na Babilônia.
DATAS
Concluímos nosso estudo do capítulo 1 com uma nota técnica sobre três detalhes cronológicos
relacionados a este capítulo. O primeiro tem a ver com a data no primeiro versículo do capítulo. Diz que
Nabucodonosor veio e sitiou Jerusalém no terceiro ano de Joaquim, rei de Judá. Alguns criticaram esta data
como imprecisa, argumentando que o cerco realmente ocorreu no quarto ano de Joaquim. Esta objeção
foi tratada mais completamente no primeiro capítulo deste volume (ver págs. 22, 23). Basta dizer aqui que
se interpretamos esta data com base no princípio de contar o ano ascensional e o calendário judaico (de
outono a outono), a data é estabelecida corretamente como historicamente precisa.
O segundo problema cronológico envolvido aqui se concentra na extensão do tempo dos estudos de Daniel
e seus amigos - três anos, segundo Daniel 1:15 - e a data em que ocorreram os eventos de Daniel 2, "no
segundo ano do reinado de Nabucodonosor" (2:1). Esta afirmação pode ser facilmente harmonizada
quando percebemos que Daniel 1:5 não necessariamente significa três anos completos de doze meses
cada um. O primeiro e o último ano deste curso de estudos provavelmente foram apenas anos parciais,
assim como o ano letivo atual em muitos de nossos países tem nove ou dez meses e não doze.
Essa explicação implica o que é conhecido como "contabilidade inclusiva", que diz respeito à forma como
os antigos hebreus contavam as frações. Para os leitores modernos, 50% é a linha divisória; qualquer figura
maior é arredondada para o próximo número, e qualquer figura inferior não é considerada. Essa não era a
maneira como os hebreus contavam. Para eles, qualquer fração era "incluída" no número seguinte.
Portanto, Jesus poderia ter estado na sepultura por três dias incluindo apenas uma parte da tarde de sexta-
feira, todo o sábado e uma parte da manhã de domingo. De acordo com a "contabilidade inclusiva", isso
equivale a três dias. Outro exemplo bíblico disso pode ser encontrado em 2 Reis 18:9-11, onde o cerco de
Samaria começou no quarto ano de Ezequias e terminou em seu sexto ano, o que aconteceu "ao fim de
três anos" (2 Reis 18:10). Assim, os três anos de estudo de Daniel podem não ser três anos completos de
doze meses cada um.
O último problema cronológico menor no capítulo 1 é encontrado em seu último versículo, que diz: "E
Daniel continuou até o ano primeiro do rei Ciro" (versículo 21). Sendo este o rei Ciro da Pérsia com quem o
livro termina (Daniel 10:1), esta é uma referência à totalidade do ministério de Daniel e a vida de Daniel na
Babilônia. Mas foi colocado no final da primeira narrativa do livro, que trata da chegada de Daniel à
Babilônia e de suas primeiras experiências lá.
Obviamente, esta menção a Ciro vem de um momento setenta anos depois, aproximadamente em 536 a.C.
Foi registrada aqui no capítulo 1 editorialmente para antecipar o que vem a seguir no livro. Não tinha a
intenção de ser um ponto no tempo como é lido na declaração do versículo 1. Algumas das narrativas de
Daniel podem ter sido escritas anteriormente e algumas outras podem ter sido escritas posteriormente,
mas a última delas e qualquer comentário editorial tal claramente veio do período persa, quando o livro já
estava completo.
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CAPÍTULO 3
REIS CAÍDOS
Daniel não apenas viveu em Babilônia durante esse longo período de tempo; ele também se relacionou
com esses dois reis em um nível profissional. Deus usou Daniel para transmitir profecias a esses
indivíduos, profecias sobre seus reinos e sobre eles mesmos. Portanto, esses dois capítulos tratam não
apenas desses reis babilônicos, mas também de Daniel e como ele ofereceu seus serviços a eles. O papel
de Daniel diante de ambos os reis foi semelhante: ele serviu como um sábio inspirado que lhes entregou
mensagens sobre suas vidas e tempos, provenientes do Deus verdadeiro.
Nabucodonosor recebeu uma mensagem de Deus através de um sonho; Deus falou com Belsazar através
da escrita de uma mão incorpórea na parede do salão de banquetes do palácio. Em ambos os casos, os
reis precisavam de alguém para interpretar a mensagem de Deus, e em ambos os casos os sábios de
Babilônia foram incapazes dessa tarefa. Daniel teve que ser chamado porque as mensagens misteriosas
vinham do Deus verdadeiro a quem ele servia. Ambos os mensagens eram de juízo que recaíam sobre os
reis. Ambos seriam julgados de acordo com o conteúdo das profecias que Daniel interpretasse para eles.
E, em ambos os casos, tudo aconteceu conforme Daniel previu.
No entanto, há uma diferença significativa entre o destino desses dois reis. Nabucodonosor recebeu uma
sentença prolongada de loucura, mas eventualmente se recuperou, se arrependeu e se voltou para o
verdadeiro Deus. Belsazar, por outro lado, recebeu seu juízo na mesma noite em que a profecia lhe foi dada.
Com sua morte naquela noite, o Império Neobabilônico passou para as mãos da Média-Pérsia.
Os temas desses dois capítulos são semelhantes, embora se desenvolvam de maneiras diferentes. Esse
vínculo temático une esses dois capítulos no centro da estrutura literária quiástica da seção aramaica do
livro (capítulos 2-7). Nessa estrutura, o capítulo 2 está tematicamente ligado ao capítulo 7; o capítulo 3 está
tematicamente ligado ao capítulo 6. E no centro dessa estrutura, o capítulo 4 está conectado ao capítulo
5. Portanto, os capítulos 4 e 5 são considerados um par conectado no centro da estrutura quiástica. Eles
estão conectados entre si pela natureza de seus conteúdos e foram colocados lado a lado para enfatizar
essa conexão com mais vigor.
"Nabucodonosor, rei, a todos os povos, nações e línguas que habitam em toda a terra: Paz vos seja
multiplicada. Pareceu-me bem fazer conhecidos os sinais e maravilhas que o Deus Altíssimo tem feito para
comigo" (Daniel 4:1, 2).
Após um breve trecho poético em que o rei louva a este grande Deus por seu domínio e majestade, ele
prossegue a relatar sua experiência. As expressões de louvor de Nabucodonosor constituem uma
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excelente lição para nós: também devemos louvar a Deus pelas grandes coisas que Ele tem feito por nós.
Esta é uma das lições do capítulo 4. Assim como Deus agiu no passado em favor de Nabucodonosor, Ele
também pode agir em nosso favor hoje. Talvez a forma como Ele atue hoje não seja a mesma de quando
agiu em favor de Nabucodonosor, mas a narrativa neste capítulo nos assegura que Deus é poderoso e
intervém nos assuntos da vida para o benefício de Seus filhos. Quando Ele o faz, e vemos Sua mão em ação,
devemos louvá-Lo como fez Nabucodonosor.
Nabucodonosor não datou este relato de como Deus lidou com ele, mas temos algumas indicações do
quadro de tempo em que esses eventos ocorreram. O rei relata que estava em seu palácio, satisfeito e
próspero. Tal descrição se aplicaria mais naturalmente a um período intermediário de seu reinado de 43
anos. Durante o primeiro terço de seu reinado, Nabucodonosor liderou seus exércitos em campanhas
quase constantes. Durante o último terço, ele novamente partiu para a guerra com seu exército. Portanto,
foi principalmente durante o terço médio de seu longo reinado que ele estava em prosperidade e paz, pois
suas maiores conquistas militares já haviam sido alcançadas até então.
Uma noite durante este período próspero e pacífico, o rei estava dormindo em seu palácio quando teve um
sonho impressionante. Não era um sonho comum, e Nabucodonosor sentiu que era de vital importância
descobrir o que significava. No caso de seu sonho anterior descrito em Daniel 2, Nabucodonosor não
conseguia lembrar o conteúdo do sonho quando acordou; desta vez ele lembrou o sonho com clareza.
Então ele chamou seus sábios e adivinhos, contou-lhes o sonho e exigiu uma interpretação. Ninguém
conseguiu explicar o sonho ao rei (versículos 7, 8).
Finalmente, eles chamaram Daniel. Os sábios subalternos não conseguiram cumprir a tarefa, então
chamaram seu chefe. Note-se que, inicialmente, Nabucodonosor se referiu a Daniel por seu nome
babilônico, Beltsazar. O rei disse a Daniel que em seu sonho, ele havia visto uma grande árvore. A árvore
era enorme e forte, e podia ser vista de todos os extremos da Terra. Também fornecia sombra para os
animais que viviam abaixo dela e fruto para as aves que moravam em seus ramos (versículos 10-12).
No entanto, a segunda cena do sonho do rei não era tão agradável. Um mensageiro angelical desceu do
céu com o decreto de que a árvore fosse cortada, incluindo seus ramos, folhas e frutos; os pássaros e os
animais aos quais havia fornecido proteção seriam dispersos. Mas nem tudo estava perdido, pois o toco
da árvore seria amarrado após ser cortado e permaneceria no solo (versículos 13-15).
Neste ponto do sonho, o anjo fez uma transição em sua instrução e explicação, passando do símbolo da
árvore para a realidade que a árvore representava. A árvore claramente representava um homem e seu
destino. O anjo indicou que o homem assim representado viveria entre os animais e as plantas do campo,
assim como o toco da árvore. A mente desse homem seria mudada para a mente de um animal, assim
como a daqueles entre os quais ele viveria. Tudo isso duraria até que sete "tempos", ou anos, passassem
sobre ele (versículos 16, 17). Aparentemente, o castigo cessaria, embora o anjo não profetizasse
diretamente a restauração do homem no final dos sete anos.
Se você fosse um dos sábios convocados pelo rei para explicar este sonho, o que isso significaria para
você? Lembre-se, você não teria a vantagem retrospectiva que temos hoje ao ler toda a história.
Seria claro que o sonho se aplicava a um indivíduo, já que as palavras do anjo estabeleceram esse fato.
Mas, que indivíduo? Para nós, parece óbvio, ao ler a narrativa hoje, que Nabucodonosor era o homem em
questão. Mas, essa teria sido a explicação natural que ocorreria aos sábios que tinham diante de si a tarefa
de interpretar o sonho? Provavelmente não. Mais provavelmente, eles teriam pensado imediatamente em
termos de algum inimigo de Nabucodonosor. Devido ao destino do homem do sonho, sua primeira
inclinação provavelmente teria sido apontar para aquele rei ou oponente que estava causando o maior
problema para Nabucodonosor, aplicando o sonho a esse sujeito.
Se você fosse um dos sábios aos quais foi ordenado interpretar o sonho, a última coisa que você gostaria
de fazer seria aplicar o sonho a Nabucodonosor! Afinal, mensageiros que traziam más notícias ao rei
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facilmente poderiam sofrer sua ira. No entanto, os sábios provavelmente não teriam pensado nessa
interpretação de qualquer maneira. Simplesmente não lhes ocorreria que um rei tão rico, poderoso e
famoso pudesse sofrer tal aflição. Naquela época, doenças mentais eram consideradas obra de demônios,
e como os demônios poderiam afligir um homem obviamente tão abençoado pelos deuses?
Portanto, a interpretação de Daniel era contrária não apenas ao que os sábios pensavam sobre
Nabucodonosor, mas também à teologia de seu próprio sistema de crenças. Um homem tão abençoado
pelos deuses não poderia ser, ao mesmo tempo, amaldiçoado por eles! Se as coisas estivessem indo mal
para Nabucodonosor, isso indicaria que os deuses estavam zangados com ele. Se assim fosse, uma
interpretação do sonho desse tipo poderia ser válida. Mas não agora, em um momento de paz e
prosperidade.
A INTERPRETAÇÃO DE DANIEL
Quando Daniel recebeu a interpretação deste sonho do verdadeiro Deus, também ficou atônito (vers. 19).
Assim como os outros sábios, Daniel estava surpreso de que um destino como esse pudesse ocorrer a uma
figura tão proeminente e poderosa. No capítulo 1, Daniel havia escrito que Deus havia entregado Joaquim
de Judá nas mãos de Nabucodonosor (1:2). E se Deus havia dado a Nabucodonosor controle sobre o rei de
seu próprio povo, com muito mais razão entregaria aqueles reis e reinos que Nabucodonosor havia
conquistado em outras partes do mundo? Em sua oração de ação de graças por ter dado o sonho e a
interpretação no capítulo 2, Daniel havia louvado a Deus porque ele "remove reis e estabelece reis" (2:21).
Dada a proeminência que Nabucodonosor havia obtido, certamente pareceria que Deus o havia colocado
nessa posição tão elevada. Claramente, Deus havia exaltado Nabucodonosor e lhe havia dado grande
poder. Mas agora ele estava prestes a mostrar o outro lado da moeda. Aquele que ele exaltou, também
poderia derrubar, e Nabucodonosor estava prestes a ser derrubado. Isso foi o que deixou Daniel atônito e
surpreso em relação à interpretação do sonho do capítulo 4. Mas apesar de sua surpresa, ele continuou e
disse ao rei o que o sonho significava. Como Natã diante de Davi, Daniel cumpriu relutantemente sua
tarefa. Com tato, ele indicou que o sonho se aplicava a Nabucodonosor. Mas ele suavizou a palavra
profética com sua preocupação pelo rei, "Meu senhor, o sonho seja para os seus inimigos, e a interpretação
para os que mal te querem" (vers. 19). Antes de Deus lhe dar a interpretação, Daniel provavelmente
também pensava que o sonho se aplicava aos inimigos de Nabucodonosor. Certamente, isso é o que os
outros sábios pensavam. No entanto, uma vez que Deus falou com ele, Daniel não pôde fazer mais nada
além de esclarecer as coisas e apresentar a mensagem de Deus ao rei.
Após descrever a grande árvore, Daniel disse: "Tu mesmo és, ó rei" (vers. 22). Esta parte da mensagem não
foi tão difícil, pois ele poderia se estender louvando a força e grandeza do rei-árvore. Mas veio a parte mais
difícil, que estava no segundo ato do sonho:
"Serás expulso do convívio humano, e tua morada será com os animais do campo; com a relva do campo
te alimentarás como os bois, e passarás sete tempos sobre ti, até que conheças que o Altíssimo domina
sobre o reino dos homens e o dá a quem quer" (vers. 25).
Daniel não terminou sua pregação profética sem oferecer esperança. A profecia incluía restauração como
seu elemento final. Daniel concluiu com um apelo ao rei, chamando-o ao arrependimento:
"Portanto, ó rei, aceita o meu conselho: redime os teus pecados com justiça e as tuas iniquidades,
praticando a misericórdia para com os oprimidos; talvez, se for possível, a tua prosperidade se prolongue"
(vers. 27).
Daniel não apelou ao rei por um arrependimento de palavras; ele exigiu ações que correspondessem à
profundidade e sinceridade de seu arrependimento. Ele exigiu boas ações e restauração. Em nome dos
oprimidos, Daniel desafiou este temível conquistador que havia semeado tanta destruição por todo o
Oriente Médio. Nabucodonosor havia oprimido outros até o limite; agora ele tinha a oportunidade de
reparar esses males e corrigi-los. Ele tinha o poder para fazer isso. A questão era: ele faria?
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O sonho e o chamado do profeta apelaram ao arrependimento, confissão e restauração do rei. As proezas
militares de Nabucodonosor eram impressionantes; ele poderia agora deixar um registro de restauração
após essas conquistas nos anais da história? Isso exigiria um grande homem, um homem humilde para
fazer isso. Mas se Nabucodonosor não fosse humilde o suficiente para fazer isso, Deus teria que humilhá-
lo.
OS RESULTADOS
Os próprios reis de Judá não se arrependiam de suas indiscrições, o que os estava levando rapidamente
para o exílio de seu povo. Podemos, então, esperar que um rei pagão como Nabucodonosor se
arrependesse em resposta ao apelo de um profeta? Pense no que implicaria um arrependimento desse
tipo.
O rei estaria admitindo que não deveria ter realizado as conquistas que fez; que a opressão que impôs sobre
os vários países do antigo Oriente Médio não deveria ter sido aplicada; que não deveria ter colocado
prisioneiros de guerra na prisão; que os exilados, como o profeta diante dele, não deveriam ter sido trazidos
para a Babilônia e deveriam ter sido devolvidos às suas próprias terras. Em essência, o rei estaria dizendo
que uma grande parte do que ele alcançou como rei, suas maiores conquistas, estavam erradas. Seria
necessário ser um homem verdadeiramente humilde para admitir isso, e Nabucodonosor não tinha
coragem ou disposição para isso. Ele não se prostraria em arrependimento.
Embora tenha recusado se submeter a Deus quando o Senhor apelou a ele através de Daniel e da
interpretação do sonho, Nabucodonosor recebeu tempo adicional para refletir. Deus lhe deu muito tempo.
Ele lhe deu um ano inteiro. No entanto, Nabucodonosor não cedia nem se arrependia. Um ano depois, o rei
caminhava pelos terraços de seu palácio. Talvez estivesse pensando no impressionante sonho que havia
tido um ano antes (vers. 29). Sua resposta de rejeição obstinada ao apelo do profeta permanecia
inabalável.
É interessante como o rei expressou sua rejeição. Ele o fez através de uma declaração orgulhosa e
jactanciosa: "Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para casa real com a força do meu poder e
para glória da minha majestade?" (vers. 30).
Havia algum fundamento real para essa vaidade? Sim, muito. Nabucodonosor havia engrandecido e
embelezado Babilônia em grande escala. Antes de seu tempo, a cidade consistia principalmente em uma
área mais restrita - "a cidade interior" ou porção central. Nabucodonosor adicionou uma nova linha de
muralhas externas. Isso resultou tanto no fortalecimento das defesas da cidade quanto no aumento de seu
tamanho. Dentro dessas muralhas externas, o rei construiu um novo palácio. Ele também construiu a
seção ocidental da cidade do outro lado do rio Eufrates. Sabemos que ele foi responsável por grande parte
dessa construção pelos milhares e milhares de tijolos quebrados que sobrevivem nas ruínas da antiga
Babilônia e que têm o nome de Nabucodonosor inscrito sobre eles.
Portanto, Nabucodonosor tinha motivos concretos para se gloriar de seus feitos no que diz respeito à
construção da cidade de Babilônia, à construção de um império e à duração de seu governo. No entanto,
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há outro aspecto de seus feitos, um lado mais sombrio. Se as práticas assírias servem de exemplo, grande
parte da construção de Babilônia foi realizada por trabalhadores escravos capturados nas diversas
campanhas militares. A extensão do império de Nabucodonosor teve um alto custo em vidas humanas,
tanto das nações derrotadas quanto de seus próprios soldados mortos em batalha.
Acredita-se que o reinado de Nabucodonosor tenha sido longo e ininterrupto. Mas agora que temos os
anais de seus primeiros onze anos de reinado, sabemos que em seu décimo ano houve uma revolta contra
ele na Babilônia. Essa revolta foi tão séria que até mesmo no palácio houve lutas corpo a corpo em que o
próprio rei se envolveu! Os feitos de Nabucodonosor podem ter sido impressionantes, mas foram
alcançados a um alto preço para muitos de seus súditos, alguns dos quais não eram totalmente pacíficos
e receptivos ao seu governo.
Apesar do sofrimento pago por seus projetos, Nabucodonosor ainda podia se orgulhar de sua própria
grandeza e da magnitude de seus feitos. Mas os observadores celestiais registraram seu orgulho e
arrogância. Toda a cena do que esses triunfos custaram em termos de sofrimento humano estava diante
de Deus, e ele não o aprovava. Nabucodonosor estava se exaltando a um nível quase divino, como a figura
do rei da Babilônia que representava o diabo em Isaías 14: 12-15.
Agora, Nabucodonosor estava prestes a receber seu merecido castigo predito no sonho profético do ano
anterior. Agora ele seria lançado ao chão e tomaria seu lugar com os mais baixos dos baixos, com os
próprios animais. Ele havia tido um ano inteiro de provação em que deveria se arrepender do que havia feito
e de seu orgulho em relação a isso, mas não deu esse passo em direção ao verdadeiro Deus. Agora era hora
de cumprir sua sentença.
O tipo de loucura a que Nabucodonosor foi submetido é muito raro, mas não desconhecido na prática
psiquiátrica moderna. O nome técnico para esse comportamento animal em seres humanos, semelhante
ao de um lobo, é licantropia.
Diante da situação geral que existiria no caso de um rei que estava incapacitado dessa forma por um
período extenso de tempo, surge a pergunta: como Nabucodonosor conseguiu manter o trono apesar de
sua loucura? Este teria sido o momento ideal para que algum usurpador assassinasse o rei demente e
tomasse o trono em seu lugar.
A razão provável pela qual isso não aconteceu tem a ver com a perspectiva antiga sobre doença mental.
Eles acreditavam que isso era causado pelos demônios, que eram deuses menores malignos em relação à
raça humana. Eles também acreditavam que, se alguém matasse deliberadamente uma pessoa enquanto
sofria de demência, o demônio deus que havia causado a doença mental cairia sobre o criminoso.
Portanto, ninguém se arriscaria a adquirir uma doença mental matando uma pessoa tão afligida. A teologia
babilônica, ou a psicologia, provavelmente protegeu Nabucodonosor durante o período de sua
incapacidade.
Várias vezes o texto expressa o tempo que a loucura duraria, que era de "sete tempos" (vers. 16, 23, 25). Por
um processo de eliminação, podemos ver que a única unidade de tempo que se encaixa na palavra
"tempos" é "anos". Assim tem sido entendido desde os tempos pré-cristãos. A versão grega do capítulo 4
do livro de Daniel traduz essa palavra como "anos". Portanto, no sonho de Nabucodonosor, a palavra
"tempos" significa "anos". O rei estaria incapacitado e insano por sete anos.
Podemos considerar esse julgamento bastante severo, mas teve os efeitos desejados. No final do tempo,
quando Nabucodonosor voltou ao seu estado normal, ele também voltou à consciência e ao
reconhecimento do verdadeiro Deus (compare com 2:47; 3:8, 29). O rei reconheceu a Deus em seu salmo
de louvor no início do capítulo (vers. 2, 3) e no final do capítulo (vers. 34, 35). Note-se que ele glorificou e
louvou o Deus dos céus primeiro, antes de falar sobre a restituição de seu reino e a restauração de seu
cargo e poder (vers. 34-36). Nabucodonosor agora via os assuntos divinos e humanos em sua correta
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prioridade. Em toda essa narrativa, a frase conclusiva de Nabucodonosor foi: "E ele [Deus] pode humilhar
aqueles que andam [como eu] com soberba" (vers. 37).
Uma das perguntas que fizemos no início deste capítulo foi: Deus foi justo ao julgar Nabucodonosor dessa
maneira? Agora podemos ver que a resposta final a essa pergunta é sim. Sim, foi justo por parte de Deus.
Até mesmo Nabucodonosor reconheceu esse fato no final da história. Quando estava entre os animais,
provavelmente não conseguia perceber o grande fato central de Deus em sua experiência pessoal. Mas
quando foi restaurado ao seu juízo são e lembrou-se de todo o assunto, agora ele conseguia ver a mão de
Deus em tudo. Neste ponto de sua vida, Nabucodonosor tornou-se um crente no verdadeiro Deus, em
contraste com os deuses falsos do politeísmo que havia adorado anteriormente.
Daniel, o profeta de Deus, estava na cena da ação para explicar ao rei o que tudo isso significava. Ao mesmo
tempo, Deus continuou a falar com Nabucodonosor. Por mais severo que o julgamento divino sobre
Nabucodonosor possa parecer, em última análise, ele produziu sua conversão ao verdadeiro Deus.
Portanto, não é surpreendente que depois do capítulo 4 não ouçamos mais nada sobre Nabucodonosor no
livro de Daniel. Há uma jornada espiritual no livro que conta a experiência pessoal de Daniel, e também há
a história da jornada espiritual de Nabucodonosor. Ele percorreu o caminho de ser o mais poderoso rei de
seu tempo - um governante orgulhoso e egocêntrico - até o ponto em que se transformou em um crente
humilde e confiante que louvava o verdadeiro Deus. No final do capítulo 4, deixamos Nabucodonosor
regozijando-se na salvação que havia chegado a sua casa real naquele dia.
Mas justamente quando chegamos a esse ponto em nossa experiência, algo vem perturbar essa
autoconfiança e nos derruba nos braços de nosso Pai celestial, o único que pode satisfazer nossas
necessidades. O problema pode ser individual - uma crise de saúde. Ou pode estar relacionado à família -
a morte de um ente querido. Pode ser algo local, como uma inundação ou incêndio, ou nacional e
internacional, como uma guerra ou fome. Seja qual for a forma que a crise assuma, aprendemos que
nossos próprios recursos são inadequados para superá-la. Nossa dependência não pode estar em nós
mesmos; ela precisa estar colocada em algo maior do que nossas habilidades. Como Nabucodonosor,
precisamos encontrar finalmente nossa razão de viver em algo maior e externo a nós mesmos. A filosofia
do humanismo e nosso orgulho humano se mostram falhos quando se trata das necessidades mais
profundas de nosso ser. Encontramos nossa posição mais elevada na vida quando nos curvamos
humildemente aos pés da cruz. Nabucodonosor descobriu isso, e nossa experiência nos leva à mesma
conclusão.
Às vezes nos queixamos sobre essas situações de teste. "Por que comigo?", é um clamor constante quando
a tribulação nos alcança. Os contratempos que experimentamos na vida podem não ser tão diretos ou tão
severos quanto os enfrentados por Nabucodonosor, mas deveriam ter os mesmos resultados. Devemos
ser capazes de ver a mão de Deus nos guiando através do teste; eventualmente, devemos ser capazes de
ver como Deus os usou para refinar nossos caracteres e nos ensinar a confiar nele nos momentos de teste.
No final de sua experiência, Nabucodonosor não expressou nenhuma queixa contra Deus pela demência
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que o acometera. Não foi tão severa. Não durou tanto tempo. Ele não discutiu com Deus; simplesmente
deu um passo atrás e louvou a Deus pelo papel que ele desempenhou em sua vida.
Nós também deveríamos ser capazes de analisar nossas experiências passadas e observar como Deus nos
guiou. Compreendido corretamente o passado, não mudaríamos nada do que a providência permitiu que
chegasse às nossas vidas, embora alguns episódios possam ser difíceis e dolorosos. Quando chegamos
ao ponto final que Nabucodonosor alcançou, a severidade dessas experiências desaparece e se
transforma em louvor a esse Deus que nos guiou, mesmo no vale da sombra.
O BANQUETE
Daniel 5 começa com Belsazar preparando um banquete. Isso pode parecer estranho quando se lembra
que, no momento em que Belsazar organizava o banquete, uma divisão do exército persa estava fora das
muralhas, sitiando a cidade! Seria este um momento insensato para celebrar? Assim pareceria à primeira
vista, mas à luz de todas as linhas de defesa atrás das quais este banquete ocorreria, podemos apreciar
melhor a confiança que Belsazar tinha em si mesmo. Babilônia era defendida por dois conjuntos de
muralhas, a muralha externa e a muralha interna. Ambas, na verdade, eram muralhas duplas. Os dois
muros internos tinham 3,65 metros e 9,14 metros de espessura, respectivamente. Os dois muros que
compunham a muralha externa tinham 7,30 metros e 8 metros de espessura. Portanto, qualquer inimigo
que quisesse entrar na cidade interna, onde estavam localizados o palácio e o templo principal, teria quase
26 metros (86 pés) de muralhas para atravessar ou escalar, e estas vinham em quatro seções diferentes,
todas bem defendidas. Não é de admirar que Belsazar se sentisse tão seguro a ponto de realizar um
banquete apesar do exército acampado fora da cidade!
Os convidados para este banquete incluíam a alta sociedade oficial da Babilônia: mil aristocratas ou
nobres do reino. O rei também convidou sua esposa, suas esposas secundárias, as concubinas do harém
real (5:1, 3), e possivelmente sua mãe - a rainha do versículo 10 -, embora esta possa ser uma referência à
esposa principal de Belsazar.
O banquete incluía muita bebida, tanto vinho quanto provavelmente cerveja (vers. 2). Os babilônios eram
famosos pela cerveja que produziam, e algumas tabuletas foram encontradas descrevendo o processo que
seguiam para fabricá-la. A cerveja é o que provavelmente a Bíblia chama de "bebida forte" e condena ainda
mais do que o vinho fermentado. As estatísticas modernas de crimes e acidentes de trânsito mostram que
o álcool tem sido um fator em uma grande porcentagem dessas situações, com resultados desastrosos. O
álcool é uma droga que afeta as faculdades de julgamento na mente humana e seus padrões superiores
de pensamento moral. Belsazar não foi exceção a esse efeito.
O rei foi além de simplesmente realizar um banquete em que se bebeu muito. Ele fez trazer os vasos que
haviam sido tirados do templo de Yahweh, ou Jeová, em Jerusalém, para usá-los como recipientes para
beber álcool (5:3;
veja também 2 Reis 24:12, 13). Possivelmente, Belsazar também usou vasos dos templos de outros deuses
do Oriente Próximo. No uso que deu a essas vasijas, fica claramente evidente o desprezo a Deus, do qual o
templo de onde provinham. A ação de Belsazar de beber usando os vasos do templo também envolvia
certas crenças teológicas. Segundo a teologia babilônica, existem muitos deuses no céu. Esses deuses
agiam na Terra por meio de seus representantes, de modo que quando ocorria um evento particular na
Terra, significava que a mesma ação havia ocorrido no reino dos deuses. Por exemplo, quando Babilônia se
atribuía uma vitória sobre algum de seus inimigos, isso indicava que, no céu, Marduk, o deus de Babilônia,
havia derrotado o deus desse país. Portanto, os eventos terrenos refletiam o que acontecia entre os deuses.
Assim, para Belsazar, beber dos vasos que vinham do templo de Yahweh era uma expressão, para ele, da
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superioridade de seu deus sobre o Deus dos judeus. Infelizmente para Belsazar, sua teologia era falsa; na
realidade, ele estava se envolvendo em um ato de blasfêmia contra o verdadeiro Deus.
A ESCRITURA NA PAREDE
A resposta divina a este ato de blasfêmia por parte de Belsazar e seus nobres foi enviada na forma de uma
profecia escrita na parede da sala do trono ou na sala de audiências onde o banquete estava sendo
realizado (vers. 5, 6). Graças à pá das escavações arqueológicas, temos uma ideia muito boa de onde isso
aconteceu. A área do palácio de Babilônia estava localizada perto do grande pórtico de Ishtar, no lado norte
da cidade interior. Vindo do sul pela via processional, um viajante podia passar pela porta e virar à direita
em direção ao Eufrates para entrar na área do palácio. Os edifícios do palácio estavam dispostos em torno
de um pátio central; o edifício no lado sul era onde o rei realizava audiências e provavelmente foi onde
Belsazar teve seu banquete.
O exterior deste edifício estava coberto de ornamentos e figuras detalhadas emolduradas em tijolos
esmaltados. Entre as figuras representadas havia leões reminiscentes da primeira "besta" de Daniel 7:4,
que representava Babilônia. As paredes do interior do edifício, no entanto, eram todas brancas, então
qualquer tinta com a qual a mão escrevesse destacaria claramente as letras contra esse fundo.
Belsazar, e sem dúvida seus nobres também, ficaram chocados quando a escrita apareceu na parede. Em
seu terror, seus "lombos se soltaram" e "o rei empalideceu" (vers. 6). Todos na sala estavam pasmos.
Naturalmente, todos se perguntavam o que significava a estranha escrita. Uma busca imediata foi iniciada
por alguém que pudesse ler a escrita misteriosa. Os sábios de Babilônia vieram, mas não puderam oferecer
uma resposta (vers. 7-9).
Então a rainha (vers. 10), provavelmente a rainha mãe de Belsazar, lembrou dos dias antigos, meio século
antes, quando Daniel havia servido na corte como sábio superior aos outros sábios de Babilônia. Daniel
havia sido capaz de decifrar os mistérios dos sonhos de Nabucodonosor, pelo menos em duas ocasiões, e
isso ficou gravado na memória da rainha mãe. A seu pedido, Daniel foi convocado (vers. 10-13).
A conversa que se seguiu entre Daniel e Belsazar abordou três pontos principais. Um, é claro, era a
interpretação da escrita na parede. Como prefácio, no entanto, Belsazar fez uma oferta a quem pudesse
interpretar a escrita. Ele propôs que essa pessoa se tornasse o terceiro governante no reino e lhe desse os
trajes e emblemas desse cargo (vers. 16). Por que Belsazar ofereceria fazer do indivíduo bem-sucedido o
"terceiro" no reino? Parece muito mais natural oferecer fazer dele o segundo, ou simplesmente conceder-
lhe grandes honras. Mas uma oferta da "terceira" posição no reino soa estranhamente específica. Por que
o "terceiro" lugar?
Tudo se esclarece quando entendemos a situação política na Babilônia naquele momento. O reinado da
Babilônia estava envolvido em um arranjo incomum naquele momento. O rei oficial era Nabonido, o pai de
Belsazar. Mas devido à sua extensa ausência do reino, ele havia feito de Belsazar um co-regente. Em suas
próprias palavras, ele "confiou o reino a ele [Belsazar]". Por dez anos, enquanto Nabonido estava fora em
Tayma, na Arábia, Belsazar permaneceu em Babilônia para administrar o reino.
Agora, no entanto, Nabonido havia retornado. Mas a situação havia se tornado mais ameaçadora do que
estava quando ele partiu para a Arábia. Com o assalto dos medos e persas à fronteira oriental do império,
a Babilônia estava em perigo de colapso. Dois governantes eram vitalmente necessários naquele
momento: um no campo para enfrentar o ataque do inimigo e outro na capital para manter o controle
seguro do reino. Nabonido assumiu o papel de comandante no campo e liderou uma divisão do exército da
Babilônia até o rio Tigre para enfrentar Ciro e suas tropas. Belsazar permaneceu na cidade com outra
divisão do exército para proteger a capital.
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Nabonido foi derrotado no décimo quarto dia de Tishri, e a cidade de Babilônia caiu para o exército persa
dois dias depois. Usando cálculos feitos por astrônomos e assiriologistas modernos, o dia em que
Babilônia caiu pode ser identificado em termos de nosso calendário como 12 de outubro de 539 a.C.
Isso explica a oferta de Belsazar de fazer do intérprete bem-sucedido o "terceiro" no reino. Nabonido
ocupava a primeira posição como rei titular. Como co-regente, Belsazar era o segundo no reino, e o
intérprete bem-sucedido seria elevado à terceira posição, a de primeiro ministro, sob esses dois reis.
A última parte da entrevista entre Daniel e Belsazar implicava o conhecimento de Belsazar sobre a história
recente da Babilônia. Daniel referiu-se ao caso de Nabucodonosor e aos resultados de seu orgulho
conforme delineado no capítulo 4. Não apenas Daniel lembrou essa experiência a Belsazar,
mas ousadamente declarou que ele deveria ter prestado atenção. Deveria ter sido um exemplo instrutivo
para Belsazar, mas ele não se humilhou (vers. 18-21).
Se Belsazar tivesse levado em conta a experiência de Nabucodonosor, nunca teria cometido o sacrilégio
de beber dos vasos do templo de Yahweh. A experiência de Nabucodonosor deveria tê-lo ensinado a
respeitar o verdadeiro Deus cujo poder e força poderiam humilhar o maior governante do reino. Mas ele
escolheu ignorar esse aviso. "Tu ... não humilhaste o teu coração, sabendo tudo isso", disse Daniel,
acusando o rei (vers. 22). Belsazar estava pecando contra a luz e o conhecimento; ele não estava na
escuridão e ignorância em relação ao verdadeiro Deus (vers. 22-24).
De fato, Belsazar e seu pai, Nabonido, haviam escolhido deliberadamente adorar outros deuses. Eles
adoravam não apenas Marduk, o deus regular e proeminente de Babilônia, mas também Sin, a deusa da
Lua. Nabonido era um devoto especial dessa deusa. Ele selecionou templos da deusa da Lua para
reconstruir e remodelar na Síria e em Babilônia. Ele até construiu um templo para Sin na Arábia.
É interessante ver essa conexão com a deusa da Lua à luz dos eventos que ocorreram em Babilônia naquela
noite de outubro em que a cidade foi tomada. O assalto final persa a Babilônia começou na noite do décimo
quinto dia de Tishri e foi concluído na manhã do décimo sexto dia (o dia babilônico se estendia do pôr do
sol ao pôr do sol). Na noite do décimo quinto dia de um mês lunar como Tishri, a lua cheia estaria brilhante.
Portanto, Babilônia caiu quando Sin, a deusa da Lua, estava em seu auge. Embora tenha sido elevada por
Nabonido a uma posição de destaque no panteão babilônico, a deusa da Lua não tinha poder contra o
decreto de Yahweh, o verdadeiro Deus, que havia predito a derrota de Babilônia pelos medos e persas.
Ficou claro que o poder de Deus é soberano sobre todos os elementos da natureza e do homem. Nada
poderia desviá-lo do cumprimento de seus propósitos; certamente não o poder (ou fraqueza!) da falsa
deusa da Lua.
Estes eventos destacam outro detalhe interessante em termos de calendário. O mês de Tishri era o sétimo
mês tanto no calendário judaico quanto no babilônico. O festival judaico do Yom Kippur, o Dia da Expiação,
ocorria no décimo dia de Tishri. Em outras palavras, o Dia da Expiação judaico ocorreu exatamente cinco
dias antes da queda da cidade de Babilônia. Quando Daniel leu a escrita na parede, ele interpretou o
significado da terceira palavra escrita lá, tekel, como significando: "Pesado foste na balança e foste achado
em falta" (vers. 27). O verbo aqui está no tempo passado: "pesado foste". Quando Deus poderia ter proferido
tal julgamento contra Babilônia? De todos os dias no calendário judaico, o Dia da Expiação era o dia do
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julgamento por excelência. Era um dia de julgamento no acampamento do antigo Israel, e ainda é
considerado um dia de julgamento nos ritos modernos da sinagoga. Não haveria momento mais apropriado
para Deus pronunciar julgamento sobre Babilônia e Belsazar do que o Dia da Expiação, que precedeu a
queda do reino em apenas cinco dias.
Na verdade, foram quatro palavras escritas na parede (vers. 25). As primeiras duas eram as mesmas, mas
repetidas: mene. Essa palavra significava, de acordo com Daniel: "Deus contou o teu reino e o encerrou"
(vers. 26). É interessante que essa palavra tenha sido repetida. Isso pode ser significativo em termos dos
dois governantes Nabonido e Belsazar, que governavam juntos sobre o mesmo trono ao mesmo tempo. Um
não sobreviveria ao outro para continuar governando; o reino de ambos chegaria ao fim ao mesmo tempo:
Belsazar através da morte e Nabonido através da derrota e do exílio.
Já vimos a terceira palavra escrita na parede, tekel, e seu significado. Uparsin, a quarta e última palavra,
falava do poder que o reino receberia quando a dinastia caldeia caísse. Uparsin referia-se aos persas; o
Império Medo-Persa se expandiria e incorporaria o que anteriormente pertencia a Babilônia. Ou como
Daniel interpretou: "O teu reino foi dividido e dado aos medos e persas" (vers. 28).
A conquista de Babilônia pelo exército medo-persa é descrita pelo historiador grego Heródoto, que visitou
a região um século após os eventos. Os habitantes contaram a ele que os persas desviaram o rio Eufrates
e depois marcharam em direção à cidade pelo leito do rio, evitando assim o intrincado sistema de muralhas
da fortaleza (As Histórias, livro 1, pp. 189-192). Tudo isso aconteceu em Tishri, o mês que chamamos de
outubro. Esse é o mês em que o rio Eufrates está em seu nível mais baixo. Portanto, não está totalmente
claro quanto de água os persas tiveram que desviar do rio. De qualquer forma, eles conseguiram entrar na
cidade através do leito do rio.
Restava o obstáculo das portas da cidade nos cais ao longo do rio. Provavelmente sua defesa não era muito
pesada, mas os persas ainda teriam que abri-las à força. A pergunta é: como? A teoria mais prevalente é
que um grupo de traidores na cidade, compostos por babilônios descontentes com o governo de Nabonido,
estava disposto a abrir as portas para seus libertadores. Nabonido era um rei impopular, e existem textos
, escritos após a queda de Babilônia, que até sugerem que ele estava louco. Claro, isso pode muito bem
ser propaganda medo-persa para garantir uma aceitação rápida entre o povo. Mas uma resposta sobre
como os persas puderam abrir uma brecha nas muralhas da cidade ao longo do rio é que traidores dentro
da cidade as abriram voluntariamente.
Outra possibilidade pode ser sugerida, baseada em Isaías 45:1-3, onde Deus promete ir adiante das tropas
de Ciro e entregar Babilônia em suas mãos:
"Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tomei pela mão direita, para abater nações diante dele,
e descingir os lombos dos reis; para abrir diante dele as portas, para que não se fechem portas: Eu irei
adiante de ti, e endireitarei os caminhos tortuosos; quebrarei portas de bronze, e despedaçarei os ferrolhos
de ferro; e te darei os tesouros escondidos, e os segredos bem guardados, para que saibas que eu sou o
Senhor, o Deus de Israel, que te chama pelo teu nome".
Essa profecia singular tem sido uma pedra de tropeço para os intérpretes críticos da Bíblia. Eles não
conseguem ver como Isaías, que viveu no século oitavo a.C., poderia profetizar tão especificamente sobre
esses eventos que não ocorreram até o século sexto a.C. A profecia até mesmo chama Ciro pelo nome
quase dois séculos antes de ele realizar esses feitos. Para aqueles que acreditam que a Escritura é
inspirada por Deus, no entanto, essa profecia é simplesmente uma evidência de sua notável presciência e
de como Deus decidiu dar esse conhecimento aos seus servos, os profetas.
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Com tais evidências de que Deus fala através de seus profetas, que fé devemos ter na Palavra de Deus
proferida por eles!
Quando Deus profetiza eventos que ocorrerão na história humana, Ele pode usar uma variedade de meios
para trazê-los à existência. Ele pode simplesmente prever o que os atores humanos farão no palco da
história, mas em outras ocasiões Deus intervém mais diretamente. Vemos essa intervenção claramente
em certos lugares no livro de Daniel, especialmente nos capítulos 3 e 6, que estudaremos no próximo
capítulo deste trabalho.
No capítulo 5, a escrita misteriosa que apareceu para Belsazar na parede foi um exemplo claro da
intervenção direta e milagrosa de Deus na experiência humana. Todos na festa sabiam que aquela escrita
era sobrenatural em sua origem. Nenhum artista babilônico pintou aquelas palavras na parede; foi ou um
anjo ou Deus mesmo. E se Deus interveio tão diretamente no palácio de Belsazar, então existe a
possibilidade distinta de que ele ou seu anjo tenha agido de maneira semelhante com os ferrolhos das
portas do rio para a entrada da cidade.
Certamente, Deus enviou Seu anjo para abrir milagrosamente as portas da prisão para libertar Pedro (Atos
12:10). Então, talvez não tenham sido os traidores babilônios que abriram as portas do rio afinal; talvez
tenha sido o mesmo anjo que escreveu na parede do palácio pouco antes. Se uma ação sobrenatural
aconteceu no palácio, não é difícil conceber que outra ação sobrenatural tenha ocorrido logo depois e a
uma curta distância. Talvez Deus não tenha confiado na mão humana para cumprir Sua palavra a Isaías
sobre Ciro; talvez Ele mesmo tenha agido para cumprir Sua própria palavra, como afirmou que faria.
OS RESULTADOS
Os eventos daquela noite histórica resultaram em vários desfechos significativos. Belsazar foi deposto e
morto (Daniel 5:30). Embora a profecia da escrita na parede tivesse amplas implicações políticas, antes de
tudo era uma profecia pessoal para Belsazar. Para ele, a profecia significava sua própria queda individual.
"Naquela mesma noite, Belsazar, rei dos caldeus, foi morto" (versículo 30) quando as tropas persas
entraram no palácio indefeso. O historiador grego Xenofonte (Cyropaedia VII, V, 24-32) confirma a
declaração bíblica. Ele não menciona Belsazar pelo nome, mas relata como um banquete estava sendo
realizado no palácio babilônico naquela noite e que um rei da Babilônia foi morto. Ele também narra por
que esse rei foi morto. Durante uma caçada, Nabonido, o rei titular da Babilônia, havia anteriormente
matado o filho de Gobrias, o general persa que lideraria as tropas até a cidade na noite em que Babilônia
foi conquistada. Em vingança pela morte de seu filho, Gobrias matou o filho de Nabonido.
Mas mais importante do que o destino de Belsazar foi o destino das nações naquela noite. As fortunas
cambiantes da história se afastaram da Babilônia para coroar a Pérsia como o próximo grande império
mundial. Medo-Pérsia estenderia suas fronteiras ainda mais do que Babilônia fez. A cidade de Babilônia foi
incorporada ao Império Persa e por algum tempo serviu como uma das capitais de inverno dos reis persas.
Quando Babilônia finalmente se rebelou contra Xerxes (o Assuero do livro de Ester) em 482 a.C., ele
reprimiu a revolta com tanta violência que a cidade começou a perder importância desde então. O primeiro
passo na queda do poder de Babilônia, no entanto, ocorreu com a conquista medo-persa em 539 a.C.
O livro de Daniel integra história e profecia. As grandes linhas da história profética que Daniel delineou
estão enraizadas na história de seu tempo. O primeiro poder mundial do qual as profecias em Daniel
capítulos 2 e 7 falaram foi a Babilônia, representada pela cabeça de ouro no capítulo 2 (versículos 32, 38)
e pelo leão no capítulo 7 (versículo 4). Daniel mesmo viveu sob o poder mundial da Babilônia (capítulos 1-
5, 7, 8), e continuou a servir sob os potentados persas também (capítulos 6, 9-12). Portanto, Daniel mesmo
viu o cumprimento da primeira parte dessas grandes profecias que Deus lhe deu.
Daniel reconheceu esta transição de impérios mundiais de forma interessante e sutil em suas palavras a
Belsazar naquela noite final antes da queda de Babilônia. O profeta apontou para Belsazar que o rei havia
dado "louvor aos deuses de prata, ouro, bronze, ferro, madeira e pedra" (versículo 23). Esta sequência tem
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um som familiar para o leitor da profecia dada em Daniel 2. Lá, a grande imagem era feita de ouro, prata,
bronze, ferro e argila, seguida por uma grande pedra (2:31-35). Exceto pelo fato de Daniel substituir
"madeira" por "argila", a sequência é a mesma em suas palavras a Belsazar na noite da transição do reino
de ouro da Babilônia para o império de prata da Medo-Pérsia. No entanto, Daniel fez uma variação
interessante aqui no capítulo 5, porque ao começar a enumerar estes metais, ele colocou primeiro a prata
antes do ouro. Por que esta alteração menor, embora significativa? Porque o cumprimento da profecia dada
no capítulo 2 estava de fato ocorrendo naquela noite; a prata estava sucedendo o ouro, e Daniel insinua
isso em seu discurso ao rei.
Talvez devamos olhar para Belsazar com um pouco mais de piedade, não para desculpar sua blasfêmia,
mas para levá-la a sério como um exemplo para nós. Será que também não negligenciamos as palavras
dos profetas e os exemplos óbvios da atividade de Deus na história passada para teimosamente seguir
nossos próprios caminhos? Em nossas vidas, essas palavras e ações caíram em ouvidos surdos e olhos
cegos? Podemos não ser culpados de blasfêmia e idolatria flagrante como Belsazar, mas nossos próprios
caminhos perversos podem igualmente frustrar a graça de Deus.
Belsazar desprezou a misericórdia e a graça de Deus, estendidas à casa real da Babilônia desde os tempos
de Nabucodonosor. A graça de Deus também foi estendida aos nossos antepassados, mas esse nem
sempre foi o caso. A questão é se nós aceitamos a graça de Deus em nosso favor e ajustamos nossas vidas
de acordo com ela, em vez de nos voltarmos para nossos próprios caminhos. Que o exemplo insensato de
Belsazar nos impeça hoje de seguir caminhos semelhantes.
Há lições concernentes ao juízo neste capítulo. Deus presta contas das nações e dos indivíduos. Babilônia
e Belsazar foram pesados na balança do juízo e foram considerados em falta (versículo 27). Num extremo
da balança estavam a misericórdia e a justiça de Deus; no outro, a rapacidade, a violência e o orgulho de
Babilônia e Belsazar. A misericórdia de Deus superava em muito o orgulho de Belsazar, mas ele escolheu
não aceitar essa misericórdia. O juízo não é um tema popular no mundo moderno. Pelo menos, não os
juízos de Deus. Queremos nossa justa porção na corte, mas quando se trata de enfrentar Deus,
preferiríamos um Deus que não nos cobre. Preferiríamos evitar nossa responsabilidade moral a todo custo,
se possível. O tema do juízo divino não era mais popular nos tempos de Daniel, Jeremias ou Ezequiel do
que é nos dias de hoje. Se os profetas do Antigo Testamento nos ensinam algo, é que em todas as épocas
uma parte significativa do povo de Deus tentou evitar sua responsabilidade moral e escapar do juízo de
Deus.
JESUS ilustrou este mesmo elemento em sua parábola do homem rico que derrubou seus celeiros para
construir outros maiores. Esse homem vivia sua vida segundo o princípio da avareza. Ele queria estabelecer
cada vez mais empresas. Então veio a noite fatídica: "Insensato, esta noite pedirão a tua alma" (Lucas
12:20). Essa também era a condição de Belsazar. Também poderia ser a nossa, mas não precisa ser assim.
No outro extremo, vemos o exemplo espiritual de Daniel. Ele permaneceu firme diante do rei confiando no
Deus a quem servia. Ele havia recebido a palavra do Deus vivo, portanto não precisava temer a palavra de
nenhum rei, não importa quão poderoso fosse. Seja sendo honrado com altos cargos (como foi por
Nabucodonosor e Belsazar) ou sendo lançado na cova dos leões (como foi por Dario), a fé de Daniel e sua
confiança em Deus permaneceram sólidas. Pouco importava a Daniel se os babilônios ou os persas
controlavam o mundo. Esses detalhes não alteravam seus hábitos de oração ou sua integridade pessoal
de forma alguma. Independentemente de como os ventos políticos do mundo soprassem, Daniel
permaneceu como a bússola apontando para o norte, fiel ao seu dever e ao seu Deus. Nosso exemplo a
39
seguir no capítulo 5 não é Belsazar, mas Daniel. Belsazar fornece um aviso de um caminho que não
devemos seguir; Daniel aponta o caminho da fé e da confiança que nos leva ao reino de Deus.
Pela fé, Daniel reconheceu que não importa quais exércitos saíssem vitoriosos ou quais reinos fossem
estabelecidos em um momento particular, a história ainda estava sob o controle de Deus. Em última
análise, a história avançava em direção ao objetivo estabelecido por Deus. E a fé de Daniel se tornou
realidade quando o primeiro passo das grandes profecias foi cumprido quando os persas conquistaram a
Babilônia.
Nós nos encontramos hoje no outro extremo da linha. Em termos do capítulo 2 de Daniel, estamos na
mesma base da estátua, entre os pés e os dedos, no tempo do ferro e da argila. Estamos aguardando o
próximo e último passo: o estabelecimento do reino da pedra, o reino de Deus. Podemos olhar para trás na
história e ver que os reinos das bestas em Daniel 7 se levantaram e caíram conforme Deus predisse. Quanta
mais fé e confiança em Deus deveríamos ter hoje, sabendo que ele conhece o futuro e o revelou aos seus
servos, os profetas.
Primeiro, os críticos negaram que sequer existisse uma pessoa como Belsazar. Mas as tabuletas que
surgiram das escavações na Mesopotâmia provaram sua existência, sua posição política e por que o livro
de Daniel o avalia da maneira que o faz.
Um exame mais cuidadoso do ambiente histórico deste capítulo revela quão preciso e exato era o
conhecimento da Babilônia do século VI a.C. que o escritor tinha. Podemos fazer uma pergunta muito
específica a Daniel: "Quem era o rei no palácio na noite em que a cidade caiu nas mãos dos persas?" Esse
seria um bom ponto para pegar um escritor posterior em detalhes de um conhecimento impreciso. Com
base nas informações preservadas pelos historiadores clássicos, a resposta teria sido "Nabonido". Como
o último rei oficial conhecido da Babilônia, ele deveria ter sido o monarca para quem Daniel interpretou a
escrita.
Mas o escritor de Daniel não erroneamente colocou o bem conhecido Nabonido no palácio naquela noite.
Em vez disso, ele colocou lá o virtualmente desconhecido Belsazar. Daniel não faz menção a Nabonido. Se
um banquete foi realizado no palácio e Nabonido estava na cidade, certamente ele teria comparecido. No
entanto, Daniel não menciona sua presença. Por que não? Onde estava Nabonido? Não sabíamos as
respostas para essas perguntas até que os arqueólogos escavaram a tabuleta que agora conhecemos
como a Crônica de Nabonido. Essa tabuleta nos indica claramente onde Nabonido estava e por que não
estava na cidade. Ele tinha levado outra divisão do exército babilônico para o rio Tigre, onde lutou contra
Ciro e seu exército em uma cidade próxima chamada Opis. Dois dias antes da queda da cidade de
Babilônia, o exército de Nabonido foi derrotado no campo de batalha pelas tropas persas de Ciro. Nabonido
fugiu e não voltou à cidade de Babilônia até depois, quando a cidade já estava em mãos persas. Portanto,
Daniel 5 está correto em ignorar Nabonido. Ele não estava em Babilônia na noite em que esta caiu.
Quando Daniel entrou na sala do trono do palácio naquela noite, viu o rei. Mas esse rei era Belsazar, não
Nabonido. Como Daniel poderia ter sabido que Belsazar estava no palácio naquela noite, para proteger a
cidade, mas que Nabonido, seu pai, estava ausente? Como ele poderia ter conhecido esses detalhes
íntimos sobre o pessoal presente no palácio naquela noite precisa? Só há uma resposta possível para esta
pergunta. Daniel foi uma testemunha ocular desses eventos conforme ele narra em seu registro. Podemos
ter confiança na precisão dos eventos históricos descritos no livro de Daniel, e podemos confiar que os
eventos futuros que ele prediz também acontecerão.
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LIÇÕES DE NATUREZA ESTRUTURAL
A porção de Daniel escrita em aramaico abrange os capítulos 2 ao 7. No centro dessa seção, os capítulos
4 e 5 tratam de assuntos semelhantes: o rei. No capítulo 4, o rei é Nabucodonosor; no capítulo 5, o rei é
Belsazar. Embora os eventos desses dois capítulos provavelmente tenham ocorrido separados por mais de
quarenta anos, Daniel decidiu contar essas duas histórias lado a lado. Ele os colocou deliberadamente
dessa maneira.
Embora esses dois capítulos tratem do mesmo tipo de sujeito, o rei lida com ele de maneira diferente. Esses
dois tratamentos nos fornecem um quadro para comparação e contraste que pode influenciar a direção de
nossa vida espiritual. No final, Nabucodonosor nos fornece um bom exemplo; Belsazar nunca o faz. O
primeiro rei se converteu relutantemente; o segundo rei rejeitou completamente a conversão.
Para enfatizar as semelhanças e contrastes nessas duas narrativas históricas, Daniel as colocou no centro
da estrutura quiástica desta parte do livro. Como o centro da estrutura quiástica em Daniel capítulos 2 ao
7, esse arranjo se concentra na responsabilidade individual. Um rei finalmente fez a escolha certa,
enquanto o outro rei não. O foco está na responsabilidade individual. Assim como os monarcas da
Babilônia tinham uma responsabilidade individual para com Deus, também cada um de nós tem que fazer
uma escolha a favor ou contra a graça e o reino de Deus. Embora o exemplo de Belsazar possa nos levar a
ignorar e, finalmente, a rejeitar a Deus, a experiência de Nabucodonosor nos motiva a aceitar a este Deus
verdadeiro e pessoal e entrar em seu reino.
Parece haver uma certa distância entre a estrutura literária e as lições pessoais espirituais, mas a forma
como Daniel escreveu e organizou seu livro destaca o fato de que há uma relação próxima entre as duas.
41
CAPÍTULO 4
PERSEGUIÇÃO REAL
As experiências destacadas nestes dois capítulos dos exilados hebreus em Babilônia começam com uma
nota negativa, mas terminam em ambos os casos com uma libertação gloriosa e milagrosa. Na primeira, o
teste envolve os três amigos de Daniel (capítulo 3). A segunda envolve o próprio Daniel (capítulo 6).
As pessoas frequentemente se perguntam onde estava Daniel enquanto seus amigos passavam pelo teste
na planície de Dura. Não sabemos a resposta para essa pergunta porque o texto simplesmente não nos diz.
A teoria comum é que Daniel estava ausente porque estava realizando alguma tarefa para o rei. Esta é uma
sugestão razoável, mas não sabemos ao certo por que Daniel não estava presente quando o rei ergueu a
imagem. O que sabemos é que Daniel mesmo enfrentou posteriormente a mesma classe de teste. Ele não
teve que sofrer com seus amigos na planície de Dura, mas não escapou da perseguição. No capítulo 3, os
companheiros de Daniel enfrentam o temível forno, mas no capítulo 6, Daniel enfrenta a cova dos leões.
Essas duas histórias contêm uma série de elementos comuns. Ambas começam com uma experiência de
perseguição pelo rei que estava no poder na época: Nabucodonosor em primeiro lugar, e Dario, o medo,
em segundo. Ambas as histórias relatam a coragem fiel dos cativos hebreus e sua confiança em Deus
apesar das circunstâncias. Ambas nos contam como os exilados hebreus foram lançados em
circunstâncias de teste que pretendiam tirar-lhes a vida. Ambas as histórias testemunham uma libertação
milagrosa. E em ambos os casos, o rei envolvido reconheceu a fidelidade dos hebreus ao verdadeiro Deus,
ilustrado por sua libertação.
Não só esses dois capítulos lidam com temas semelhantes, mas também estão colocados em locais
complementares na estrutura literária do livro de Daniel. Como vimos anteriormente, a estrutura literária
da seção histórica de Daniel está cuidadosamente construída para destacar as semelhanças entre os
capítulos que formam pares devido aos temas que têm em comum. No caso dos capítulos 3 e 6, os temas
comuns são a perseguição e a vitória final através da fidelidade de Deus.
Como foi apontado anteriormente, a seção histórica de Daniel (capítulos 2 ao 7) foi escrita em aramaico, o
que a diferencia do restante do livro. Da mesma forma, as narrativas nessa seção foram organizadas em
uma ordem quiástica em que as narrativas em pares estão localizadas em pontos semelhantes nessa
estrutura. No capítulo anterior, vimos que os capítulos 4 e 5, que trataram do tema dos reis caídos,
compõem as duas narrativas centrais desta seção histórica. Agora chegamos aos capítulos 3 e 6, as
narrativas intermediárias neste arranjo quiástico. A parte final deste esboço quiástico será estudada no
próximo capítulo deste livro, que examina os capítulos 2 e 7 em termos de sua descrição dos reinos caídos.
O TESTE
Nabucodonosor ordenou que uma grande imagem fosse erguida na planície de Dura (Dan. 3:1). Tem havido
considerável confusão sobre o que era Dura e onde exatamente estava.
Os estudiosos costumavam pensar que Dura era o nome de uma cidade em algum lugar do reino da
Babilônia. No entanto, identificar essa cidade tem sido difícil. Outra sugestão foi que Dura era o nome de
um canal de irrigação e que a planície de Dura estava localizada perto dali. Essa sugestão também não
funcionou bem, então a busca foi desviada em outra direção.
Recentemente, foi possível precisar a identificação do local da planície de Dura. O nome Dura também é a
palavra babilônica para "muro". "Dures" é a palavra para "muralha", e a letra "a" no final da palavra é o artigo
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"a" em aramaico. Assim, traduzir essa frase diretamente, em vez de deixá-la como o nome de um lugar
desconhecido, indica que Nabucodonosor ergueu sua imagem na "planície do muro".
Mas a pergunta permanece: "Que planície e que muralha?" Havia duas muralhas principais ao redor da
cidade da Babilônia. A muralha interna, com cerca de um quilômetro e meio de cada lado, cercava a parte
central da cidade. O território dentro dessa muralha interna era urbano, com muitos edifícios e ruas, junto
com o palácio e o templo principal da cidade.
Essa localização teria facilitado a presença dos funcionários da Babilônia neste grande encontro (versículo
3). Também teria colocado a imagem perto do palácio do rei. Não há motivo para supor que a assembleia
tenha se reunido em algum lugar distante do reino da capital.
Outra consideração é o grande tamanho da imagem. Suas medidas são interessantes de várias maneiras.
Daniel afirma que a imagem tinha sessenta côvados de altura e seis de largura (versículo 1). Os babilônios
usavam um sistema matemático sexagesimal baseado no número seis, ao contrário de nosso sistema
métrico decimal baseado no número dez. Portanto, as medidas que Daniel relata são típicas da Babilônia.
Mas alguns têm objeções de que uma imagem de sessenta côvados de altura e apenas seis de largura seria
muito alta para sua largura. Uma proporção de 1:10 a faria parecer muito estreita.
É verdade que tais medidas resultariam em uma estátua muito alta e esbelta. No entanto, os antigos
representavam seus deuses exatamente dessa maneira. As estatuetas de Baal, que eram principalmente
da Síria e da Palestina, são excelentes exemplos. Os braços, pernas e corpos dessas estatuetas são longos
e esbeltos. Assim, o fato de Nabucodonosor ter feito uma estátua com essas proporções não teria sido
incomum.
O que foi incomum foi a altura da imagem. Alguns objetaram que Nabucodonosor não teria feito uma figura
tão alta e que, além disso, uma altura de sessenta côvados (aproximadamente trinta metros) é uma
exageração que beira mais a lenda do que a fatos históricos. No entanto, podem ser citados alguns
exemplos de estátuas altas semelhantes no mundo antigo. Provavelmente, a mais famosa delas foi o
Colosso que ficava na ilha de Rodes. Com setenta côvados, essa estátua tinha dez côvados a mais que a
altura da imagem de Nabucodonosor. O Colosso de Memnon em Tebas, ao sul do Egito, consistia em duas
representações do rei Amenhotep III, uma das quais ainda está presente e tem vinte metros de altura.
Portanto, embora a imagem de Nabucodonosor fosse excepcionalmente alta, tais estátuas não eram de
forma alguma desconhecidas no mundo antigo. Como comparação moderna, é interessante notar que a
figura da Estátua da Liberdade, excluindo o pedestal, tem seis metros a mais do que a imagem de
Nabucodonosor.
Outro fator a considerar em termos da altura desta imagem é a altura de outra estrutura que pode ter estado
na área. Se Nabucodonosor colocou sua imagem na planície entre as muralhas da cidade, e se ela estava
voltada para o leste, poderia muito bem estar olhando para a antiga cidade central da Babilônia. No centro
da cidade estava a área do templo de Marduk, que continha a grande torre do templo, ou zigurate, da
Babilônia. Com cerca de 100 metros de altura, essa torre dominava a paisagem. Sua base tinha
aproximadamente 100 metros quadrados e se elevava em forma piramidal com sete níveis, cada um
coberto com tijolos esmaltados de cores diferentes. O nível superior consistia em um templo ao deus
Marduk, além do templo principal localizado ao pé do zigurate. Com uma estrutura tão colossal tão
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próxima, a imagem de Nabucodonosor, com uma altura de "apenas" trinta metros, não teria parecido tão
excepcional.
Qual dessas duas possibilidades é mais provável? Daniel 3 não nos diz precisamente o que a imagem
representava, mas nos diz que a multidão reunida se prostrou e "adorou" a imagem (versículos 7, 12, 14,
15). Embora se esperasse que os cidadãos do reino prestassem homenagem aos reis da Babilônia, eles
não os adoravam. No Egito, os reis eram considerados deuses, mas na Mesopotâmia, os reis eram apenas
servos especiais dos deuses. Apenas alguns poucos reis mesopotâmicos fingiam ser divinos, e
Nabucodonosor não estava entre eles. De fato, a teologia babilônica sustentava que era um pecado o rei
se atribuir divindade e que aqueles que o fizessem seriam castigados pelos deuses. Portanto, é muito mais
provável que a imagem tivesse a intenção de representar Marduque, o deus da Babilônia, e não
Nabucodonosor.
Por que Nabucodonosor ordenou a construção dessa imagem? Novamente, Daniel 3 não nos diz. Mas é
fácil ver uma conexão entre os capítulos 2 e 3. No capítulo 2, o rei sonhou com uma grande imagem feita
de diferentes metais, representando os reinos sucessivos que reinariam sobre a Terra. O significado
imediato desse sonho para Nabucodonosor foi que outro reino sucederia Babilônia (2:39). Essas não foram
boas notícias para o rei da Babilônia! Hitler pensava que o Terceiro Reich duraria mil anos, e
Nabucodonosor provavelmente tinha em mente um futuro semelhante para seu reino. Em Daniel 2:32, 36-
39, Babilônia é representada como a parte de ouro da estátua. Portanto, ao fazer uma imagem semelhante
à que tinha visto em seu sonho, mas inteiramente de ouro (provavelmente placas de ouro cobrindo uma
estrutura de madeira por dentro), o rei negava o significado do sonho: a sucessão de reinos que seguiriam
Babilônia na arena mundial. No pensamento de Nabucodonosor, Babilônia permaneceria para sempre.
Construir uma imagem inteiramente de ouro representava esse fato.
No entanto, a construção da imagem provavelmente significava mais do que uma simples resposta do rei
ao seu sonho. As Crônicas Babilônicas são úteis neste ponto. Antes da descoberta dessas tabuletas com
registros oficiais do reinado de Nabucodonosor, os estudiosos pensavam que seu longo reinado de
quarenta e três anos era monolítico e sem ameaças. Mas as Crônicas nos contam uma história diferente.
De fato, houve uma oposição tão séria a Nabucodonosor que, em uma ocasião, houve uma revolta dentro
da cidade que resultou em um combate corpo a corpo no próprio palácio onde o rei lutava por sua própria
vida! O registro das Crônicas diz: "No décimo ano [595/594 a.C.] o rei de Acad [Babilônia] estava em sua
própria terra; do mês de Kislev [dezembro] ao mês de Tebet [janeiro] houve rebelião em Acad ... Com arma
na mão, ele [o rei] matou muitos de seu próprio exército. Com sua própria mão capturou seus inimigos"
(citado em Wiseman, Crônicas dos reis caldeus, p. 73). Daniel não fornece uma data para os eventos
registrados no capítulo 3. Mas é tentador conectá-los com a revolta descrita nas Crônicas Babilônicas e
ver na demanda do rei de que todos
os funcionários do reino se prostrassem diante da imagem como um voto de lealdade exigido em resposta
ao problema de deslealdade em suas fileiras. Se essa especulação estiver correta, então as Crônicas
Babilônicas fornecem uma possível data para os eventos descritos no capítulo 3. Se a revolta ocorreu no
ano de 594 a.C., então o episódio com a imagem poderia ter ocorrido posteriormente nesse ano ou no início
do ano seguinte como uma resposta à rebelião.
Continuando com esta hipótese, é importante notar quem estava presente na dedicação da grande
imagem. Nem todos os cidadãos da Babilônia foram convocados para a assembleia. Era um grupo seleto
identificado como "os sátrapas, os magistrados e capitães, os governadores, os tesoureiros, os
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conselheiros, os juízes e todos os governadores das províncias" (versículos 2, 3). Esses funcionários do
governo babilônico foram "reunidos" (versículo 3) pelo rei para comparecer à cerimônia de dedicação. Se a
convocação foi uma resposta à rebelião que havia ocorrido, é fácil entender por que o rei teria selecionado
esse grupo. Os funcionários do governo e aqueles que trabalhavam no palácio eram os mais propensos a
conspirar contra o rei. Eles eram potencialmente os mais perigosos para ele e também aqueles cujo apoio
era mais crucial para o rei. Qualquer deslealdade nesse grupo lançaria o monarca e seu reino novamente
em sérias dificuldades.
Para prevenir tal coisa, o rei reuniu esses oficiais e os fez jurar lealdade à imagem. Isso adquiriu uma forma
religiosa. Se alguém se prostrar e adorar o deus da Babilônia, também jura servir lealmente a esse deus e
ao seu representante terreno, o rei. Portanto, os eventos do capítulo 3 podem ser vistos como uma política
preventiva apresentada com vestimenta religiosa sobre a planície de Dura.
A exigência de adorar a imagem não era especificamente dirigida aos três amigos hebreus de Daniel. Eles
simplesmente foram pegos na situação porque eram funcionários do governo da Babilônia, funções para
as quais haviam sido trazidos de Judá para a Babilônia como exilados e para as quais haviam sido
nomeados no final do capítulo 2 (ver versículo 49).
Como eles, nós também podemos ser arrastados pela força de circunstâncias sobre as quais não temos
controle direto. Há um momento, no entanto, em que aqueles que seguem a Deus terão que tomar uma
posição a favor do que é certo, não importa o que aconteça. Nem sempre podemos seguir o fluxo da
multidão, não importa o quão tentador isso possa ser. Uma lição do capítulo 3 é que a fé no Deus verdadeiro
nos acompanhará através de tais provações, como aconteceu com os três hebreus que enfrentaram a ira
do rei na planície de Dura.
A RESPOSTA
Os arautos deram instruções aos oficiais reunidos em assembleia para se prostrarem e adorarem a grande
imagem quando os músicos da orquestra começassem a tocar. E com a exceção dos três hebreus, isso é
exatamente o que fizeram (versículos 4-7).
Não sabemos quantas pessoas se reuniram diante da imagem, mas a lista dos funcionários no versículo 2
parece não deixar ninguém de fora. Talvez houvesse cerca de dois mil funcionários. Imagine essa grande
multidão de duas mil pessoas, todas se prostrando ao mesmo tempo. Em seguida, imagine os três hebreus
sozinhos em pé enquanto todos os outros estão prostrados no chão. Eles sentiram a pressão dos outros
dois mil funcionários conformistas, todos obedientes ao decreto do rei. Alguns desses funcionários
provavelmente trabalhavam com Sadraque, Mesaque e Abednego. Podiam até mesmo ser seus amigos.
Podemos imaginar um deles, prostrado perto dos três hebreus, sussurrando-lhes: "Abaixem-se, abaixem-
se, por seu próprio bem! Não precisa ser sério; apenas se dobrem!"
Mas os hebreus não se dobraram nem se prostraram. Eles não foram arrastados pela multidão, todos os
que se prostraram diante da imagem. Há momentos em que os cristãos, como esses homens, devem tomar
uma posição impopular. No início, os cristãos recusaram-se a queimar incenso ao imperador, e em
algumas ocasiões, à custa de suas próprias vidas. Queimar incenso ao imperador era um ato de adoração;
prostrar-se na planície de Dura também era um ato de adoração. Os adoradores do Deus verdadeiro não
podiam participar de qualquer cerimônia desse tipo.
Sem dúvida, a pressão que os três hebreus sentiram entre a multidão condescendente se intensificou
quando foram levados diante do rei (versículo 13). Nabucodonosor era o monarca mais poderoso do
mundo. Ele poderia fazer o que quisesse com eles; eles estavam completamente à sua mercê. Havia uma
coisa, no entanto, que ele não podia fazer. Ele não podia violar sua vontade e capacidade de escolha. Ele
poderia tentar persuadi-los. Ele poderia tentar obrigá-los. Ele até poderia puni-los. Mas não poderia forçá-
los a agir contra sua vontade.
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Provavelmente um ou dois fornos estavam por perto, dando força à ameaça do monarca. Não devemos
pensar que os fornos foram construídos especialmente para os hebreus quando foi descoberto que não
obedeceriam ao rei nem adorariam sua imagem. Pelo contrário, os fornos já haviam sido construídos e
estavam preparados para qualquer indivíduo suficientemente insensato para resistir ao voto de lealdade
do rei. Enquanto a música tocava e os hebreus permaneciam de pé, podiam ver claramente a vasta
multidão prostrada no chão e os instrumentos de punição para aqueles que se recusassem. É muito
provável que esses fornos fossem fornos para assar tijolos. Os tijolos eram feitos de duas formas nos
tempos antigos - secando ao sol e expondo ao fogo em fornos. Os tijolos assados eram mais fortes e eram
usados especialmente para as superfícies exteriores dos edifícios. A grande planície entre as duas
muralhas da cidade era um local de constantes projetos de construção, e o principal material de
construção não era madeira nem cimento, mas sim barro. A cidade de Babilônia foi construída com
milhões de tijolos de barro. Os fornos usados para assar esses tijolos tinham a forma de colmeia com um
buraco na parte superior do cone através do qual o material inflamável era jogado; havia outra abertura de
um lado em forma de túnel. Paletes de tijolos eram colocadas nessa abertura lateral, e o material com o
qual o forno era aceso era deixado cair de cima. Havia degraus para subir pelo lado do forno até a abertura
superior. Os hebreus provavelmente foram jogados no forno através do orifício superior.
Provavelmente os fornos já estavam acesos quando a cerimônia começou. Portanto, os hebreus não
apenas sabiam que seriam jogados em um desses fornos por se recusarem a adorar a imagem, mas
também podiam vê-los acesos e soltando fumaça ao longe. Mas, apesar de terem à vista o próprio destino,
mantiveram-se firmes em sua recusa em se prostrar (versículos 16-18). O medo de uma morte horrível não
os fez ser infiéis a Deus!
Também é interessante notar que eles não se dividiram sobre essa questão. Não foi dois que
permaneceram firmes enquanto o outro se prostrava. Nem foram dois que cederam, deixando um terceiro
sozinho em sua fé em Deus. Os três estavam unidos em um vínculo comum de fé e coragem, de modo que
quando um falava com o rei, na verdade falava pelos três. Este é o tipo de unidade na fé que é necessária à
medida que a igreja se aproxima da crise final. Quando os cristãos se dividem em sua resposta às
provações, só estão causando mais dificuldades para si e para seus correligionários.
O rei já estava furioso, e ficava progressivamente mais irritado. Ao ouvir que os três hebreus haviam
desobedecido a sua ordem, ele ficou "cheio de fúria e furor" (versículo 13). Quando rejeitaram a segunda
oportunidade de se prostrar diante da imagem, "a aparência do seu rosto se mudou" e ele ficou muito mais
furioso e "cheio de ira" contra Sadraque, Mesaque e Abednego (versículo 19). Não é nada bom ter o
governante mais poderoso do mundo irritado com você, com seus instrumentos de tortura e aniquilação
prontos e à espera.
Por que o rei estava tão enfurecido? Como uma questão de política, os assírios e babilônios não forçavam
os cativos a se converterem à adoração dos deuses dos conquistadores. Por que Nabucodonosor não teve
mais tolerância para com esses hebreus que escolheram não adorar seu deus? Aqui há algo de maior
implicação. Se o cenário sugerido antes estiver correto, e os eventos do capítulo 3 forem vistos da
perspectiva de uma revolta recente na Babilônia, então podemos entender por que o rei estava tão
chateado com esses funcionários que não queriam prestar juramento de lealdade. Na mente de
Nabucodonosor, essas eram as sementes de outra revolta. Com razão ele percebeu isso como uma
questão delicada e levou a negativa dos hebreus tão a sério.
Apesar de tudo isso, o rei estava disposto a dar-lhes outra chance de adorar a imagem. Ele estava disposto
a que a orquestra tocasse novamente e ver se os hebreus obedeciam (versículo 15). Mas esses jovens
estavam tão decididos a permanecer fiéis a Deus que disseram ao rei para nem se preocupar em fazer tocar
outra estrofe da música. Sua decisão estava fundamentada em um cimento mais forte do que aquele que
mantinha unidas as muralhas da cidade. Eles disseram assim:
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"Não é necessário que te respondamos sobre este assunto. Eis que o nosso Deus, a quem nós servimos, é
capaz de nos livrar do forno de fogo ardente; e ele nos livrará da tua mão, ó rei. E, se não, fica sabendo, ó
rei, que não serviremos a teus deuses nem adoraremos a estátua que levantaste" (versículos 16-18).
Com esta resposta, eles indicavam que preferiam a morte à desonra, mas havia mais. Eles claramente
apontaram a razão pela qual não podiam obedecer. Isso veio do "Deus a quem servimos". Eles serviam a
Yahweh (Jeová), não a Marduk. Sua recusa em se prostrar diante da imagem de Nabucodonosor envolvia
mais do que a recusa da ordem de um rei. Dois deuses estavam implicados, Marduk e Yahweh.
Nabucodonosor servia a Marduk; os três hebreus serviam a Yahweh. A cena na planície, portanto, tornou-
se uma competição entre o Deus verdadeiro e o falso, atuada por seus representantes humanos.
À primeira vista, os hebreus tinham poucas chances nessa competição; mas na verdade, estavam em uma
posição vantajosa. Se morressem como resultado de sua firme confiança em Deus, seriam vistos como
mártires corajosos o suficiente para morrer por sua fé. Se, por outro lado, seu Deus os libertasse, como
eles mesmos expressaram como sua segunda opção, então sua glória e honra seriam muito mais
evidentes. Mas isso não diminui em nada a coragem e a fidelidade que demonstraram. Até onde eles
sabiam, estavam prestes a morrer quando disseram ao rei que não precisavam de uma segunda chance
para se prostrar diante da imagem. Sua resposta é um testemunho destacado de sua fé, confiança e
coragem.
No mundo antigo, os persas eram conquistadores bastante benevolentes. Por exemplo, comumente,
embora nem sempre, deixavam em seus cargos os governantes e oficiais nativos dos territórios
conquistados. Em vez de se livrarem deles, os adaptavam às suas práticas. Às vezes, isso se aplicava até
mesmo a reis conquistados, aos quais era permitido governar seus reinos sob a autoridade do Império
Persa. Outra evidência da benevolência persa foi permitir o retorno dos cativos às suas pátrias. Como os
livros de Esdras e Neemias deixam claro, foi sob os reis persas que o povo de Judá recebeu permissão para
retornar para casa.
Mas os persas não estenderam um tratamento preferencial aos reis da Babilônia. Belsazar foi morto na
noite em que o reino foi tomado; os persas capturaram seu pai, Nabonido, e o exilaram para a distante
Carmania. Na verdade, o exílio provavelmente foi um ato de bondade, pois Nabonido poderia muito bem
ter sido executado.
Com Belsazar e Nabonido fora de cena e o reino nas mãos dos persas, era necessário apontar uma nova
pessoa para liderar o governo persa da Babilônia. Ciro, o governante do império, designou Dario, o Medo,
para essa tarefa. Dario iria governar na Babilônia como um rei vassalo sujeito a Ciro, que continuava a
governar o Império Persa do qual a Babilônia agora fazia parte.
Neste ponto, encontramos uma pergunta histórica: Quem era esse indivíduo chamado Dario, o Medo, em
Daniel 6? De acordo com as fontes históricas da época, ninguém é conhecido por esse nome. Foram feitas
várias sugestões sobre a identidade deste Dario bíblico, mas não houve consenso. Aqueles que aceitam a
historicidade de Daniel 6 aceitam a premissa de que "Dario" é o nome de alguém que foi conhecido por um
nome diferente antes de ser nomeado governante da Babilônia. Essa solução não seria incomum. A prática
de assumir um nome monárquico no momento da ascensão era bem conhecida no antigo Oriente Médio.
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Em Judá, temos o claro exemplo do rei leproso Uzias, que também era conhecido pelo nome de Azarias.
Provavelmente, Azarias era seu nome original e Uzias seu nome de rei. Além disso, é possível que Jedidias
fosse o nome pessoal de Salomão, e este último seu nome real, ou vice-versa. Alguns historiadores persas
sugeriram que os nomes pelos quais os famosos reis da Pérsia são conhecidos - Ciro, Dario, Xerxes -
poderiam ter sido nomes de trono e que eles tinham outros nomes pessoais antes de se tornarem reis.
Portanto, a sugestão de que "Dario, o Medo", é o nome de trono usado no livro de Daniel reflete uma prática
comum no mundo antigo. O que é mais difícil é identificar o indivíduo que assumiu esse nome de trono.
Não se deve confundir Dario, o Medo, com Dario I Histaspes, também conhecido como "Dario, o Grande",
que reinou sobre a Pérsia de 522 a 486 a.C. Este sujeito veio de uma linha persa, não meda, e governou
posteriormente ao Dario de Daniel 6. As leituras sugeridas no final deste capítulo discutem em detalhes as
diferentes sugestões que foram feitas para identificar a pessoa histórica que Daniel se refere como "Dario,
o Medo".
A TRAMA
Do ponto de vista do livro de Daniel, é mais importante o que Dario faz do que quem é Dario. É importante
notar que a intenção original não era punir ou perseguir Daniel. Pelo contrário, os persas o envolveram
completamente na reorganização do governo da província da Babilônia. Dario fez nomeações para dois
níveis de serviço político. Era necessário nomear ou confirmar 120 funcionários de alto escalão e três
administradores gerais. Daniel era um desses três administradores gerais; e Dario logo decidiu torná-lo o
mais proeminente dos três (6: 1-3). Isso teria sido equivalente a nomear Daniel como o governador-chefe
de toda a Babilônia.
Naturalmente, seus colegas no serviço civil reagiram negativamente à iminente ascensão de Daniel.
Estavam com ciúmes e estabeleceram-se para garantir que ele não recebesse esse alto cargo. O plano que
tramaram estava centrado nas práticas religiosas de Daniel porque sabiam que essa era a única "fraqueza"
que poderiam explorar. Ele era tão meticuloso em todos os assuntos que administrava para o rei que seus
colegas ciumentos sabiam que nunca o pegariam em assuntos de desonestidade ou ineficiência
(versículos 4, 5). Portanto, idearam uma armadilha religiosa para Daniel. Abordaram o rei com uma
proposta: "Todos os governadores do reino, magistrados, sátrapas, príncipes e capitães concordaram em
conselho que promulgues um decreto real e o confirme, que qualquer pessoa que, no prazo de trinta dias,
faça alguma petição a qualquer deus ou homem que não seja a ti, ó rei, seja lançado na cova dos leões"
(versículos 7).
Agora, esta é uma petição muito estranha. Pode-se perguntar, "E quanto aos outros deuses da Babilônia?"
Para entender a apelação de um decreto desses, é preciso entender as problemáticas condições religiosas
na Babilônia imediatamente após a conquista persa. Nabonido, o último rei babilônico, se propôs a
proteger a cidade de Babilônia como o último bastião de defesa contra os persas. Ele tentou fazer isso não
apenas com tropas e armas, mas também com a ajuda dos deuses. Seus representantes foram às
principais cidades da Babilônia, retiraram as imagens de seus deuses dos templos e as trouxeram para
Babilônia. A justificativa era que, ao reunir as imagens dos deuses em Babilônia, os próprios deuses seriam
obrigados a defender a cidade. Nabonido queria ter os deuses ao seu lado.
Os persas, é claro, tiveram sucesso apesar dessa estratagema. Mas quando assumiram o governo,
enfrentaram não apenas problemas políticos; também enfrentaram um problema religioso. Com as
imagens dos deuses reunidas na cidade capital, os habitantes em todo o reino enfrentavam o problema de
orar em templos vazios. Os persas se propuseram corrigir essa situação, enviando os deuses de volta às
suas respectivas cidades e templos, mas a logística e os rituais envolvidos tornaram inevitável que a
transferência levasse bastante tempo. A Crônica de Nabonido diz que não foi até o final do ano do
calendário babilônico, cerca de quatro meses depois, que todos os deuses foram devolvidos às suas
devidas localidades.
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Sob tais condições de confusão, uma petição para proibir orações a qualquer deus que não fosse o rei
mesmo é fácil de entender. Durante tempos mais normais, tal petição teria sido considerada absurda, mas
esses não eram tempos normais religiosa ou politicamente.
Os funcionários babilônicos que propuseram essa regra na verdade não estavam preocupados com
alguém orando a esses outros deuses. Estavam interessados em um único Deus, Yahweh, ou Jeová, o Deus
a quem Daniel orava. Aproveitaram as circunstâncias para traçar um plano que derrubasse Daniel. Sabiam
quão consistente Daniel era em seus hábitos de oração. Três vezes ao dia, Daniel orava a seu Deus, com o
rosto voltado para Jerusalém, onde o templo costumava estar (versículo 10). Provavelmente Daniel orava
nos horários em que os sacrifícios matutino e vespertino teriam sido oferecidos nesse templo, se ainda
estivesse de pé (veja Daniel 9:21).
Daniel não ostentava suas orações como uma religiosidade superficial, mas também não tentava esconder
esses exercícios espirituais pessoais. Seus colegas conheciam muito bem seus hábitos. Sabiam o quão
regular e fiel ele era nessa prática. Também sabiam que ele era um homem de tal integridade e fidelidade a
seu Deus que não interromperia sua vida de oração por uma simples proibição humana. Daniel tinha fé em
seu Deus, mas seus colegas tinham fé em Daniel!
Sua confiança na constância de Daniel é um exemplo notável para nós do que é devoção fiel. Se nos
encontrássemos em uma situação semelhante à de Daniel, outros sentiriam que nossa constância não
mudaria? A fé vibrante e ativa de Daniel teve origem em seu momento regular de oração e devoção. Ele não
começava a orar apenas quando uma crise se aproximava. Também não tentava mostrar sua
espiritualidade continuando suas orações apesar do decreto. Embora suas orações pudessem ter se
tornado mais fervorosas como resultado do decreto do rei, o relacionamento básico de Daniel com Deus
já havia sido estabelecido nos hábitos de sua vida. Muito antes de a conspiração se formar contra ele,
Daniel havia encontrado na oração um ingrediente vital para sua movimentada vida na Babilônia como um
funcionário de alto escalão. O decreto apenas destacou os hábitos de toda a vida deste fiel servo de Deus.
A fidelidade de Daniel não passou despercebida por Deus. Em duas ocasiões diferentes, um anjo foi
enviado a Daniel e dirigiu-lhe estas palavras: "Daniel, homem muito amado" (Daniel 9:23; 10:11; "muito
apreciado", NVI). Deus não tinha esquecido seu servo simplesmente porque ele era um ancião. Pelo
contrário, seu cuidado por Daniel aumentou ainda mais à medida que ele envelhecia na fé e conhecia
melhor a Deus. Isso deveria ser um estímulo para aqueles que envelheceram. Os amigos ou familiares
nesta Terra podem esquecer, mas Deus nunca esquece. O caso de Daniel mostra o interesse divino.
O decreto cobriria um período de trinta dias durante os quais ninguém poderia orar a ninguém além de
Dario (6: 7). Os inimigos de Daniel não precisaram esperar todo o período para ver se Daniel violaria o novo
mandato. Certamente o pegaram orando no primeiro ou segundo dia. Então correram ao rei e lhe contaram
sobre a desobediência ao seu decreto por parte de Daniel.
Agora, as leis dos persas eram irrevogáveis (versículo 15). Depois de promulgado, o decreto não podia ser
alterado para se adequar às novas circunstâncias. Daniel, um favorito do rei, havia sido pego na mesma
ordenança do rei. E o rei havia sido pego no plano dos funcionários que conspiravam contra Daniel. O rei
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tentou o dia todo chegar a algum tipo de acordo pelo qual Daniel pudesse ser libertado e salvo do castigo,
mas foi incapaz de fazê-lo (versículo 14). Quando o sol se pôs, ficou claro que o rei não podia libertar Daniel.
O profeta de Deus teve que ser levado aos leões.
O RESULTADO
Podemos ter uma ideia de onde o fosso dos leões teria sido localizado na antiga Babilônia. Os famosos
jardins suspensos de Babilônia eram considerados uma das sete maravilhas do mundo antigo. A história
por trás de sua origem é que Nabucodonosor se casou com uma mulher da região montanhosa da Média.
Ao descer para a planície plana, seca e quente da Mesopotâmia, a mulher sentia saudades das belezas de
sua terra natal montanhosa. Para aliviar sua nostalgia, Nabucodonosor construiu os renomados jardins
suspensos de Babilônia. Estudos recentes sugeriram que esses jardins estavam localizados no canto
nordeste do palácio, próximo ao rio Eufrates.
É provável que o zoológico real estivesse localizado próximo aos jardins reais. Dessa forma, a mesma água
que era usada para irrigar os jardins poderia ser usada para dar de beber aos animais, e os jardins
forneceriam um habitat adequado para alguns dos animais do zoológico. O fosso dos leões no qual Daniel
foi lançado provavelmente estava localizado no canto nordeste da área do palácio.
Houve relatos de que o fosso dos leões, do qual Daniel foi milagrosamente salvo, havia sido localizado e
escavado por arqueólogos pouco antes da Primeira Guerra Mundial. Escavações estavam ocorrendo em
Babilônia, e vários peregrinos cristãos voltaram de lá com a notícia de que o fosso dos leões havia sido
encontrado. A fonte desses rumores errôneos foi Robert Koldewey, o escavador de Babilônia. Koldewey era
uma pessoa incrédula e irreverente. Ele também era brincalhão. Os peregrinos chegavam fazendo
perguntas sobre coisas como o fosso dos leões. Sem hesitar, Koldewey os levava a uma certa parte de suas
escavações e dizia: "Este é o local exato onde isso aconteceu". Os peregrinos voltavam para casa felizes
por terem visto onde Daniel sofreu e foi libertado. Quando um dos associados de Koldewey discutiu com
ele sobre o que estava fazendo com essas pessoas crédulas, Koldewey respondeu: "Por que eu tiraria deles
uma das maiores experiências de sua viagem?"
Embora não tenhamos localizado a cena da libertação de Daniel dos leões, as tábuas de argila que os
babilônios usavam para guardar seus registros lançam luz sobre essa experiência. Da cidade de Ur, um
pouco mais ao sul, vieram registros que detalham as provisões para alimentar os leões. Assim como os
burocratas registravam as mercadorias distribuídas aos diferentes funcionários, também registravam os
alimentos distribuídos aos animais no zoológico real, incluindo os leões. Esses textos datam do período da
dinastia Ur III, ou aproximadamente o ano 2000 a.C., a época de Abraão. Não apenas a Babilônia tinha leões
no zoológico real nos tempos de Daniel, no meio do primeiro milênio a.C.; os registros mostram que já os
tinham desde o início do segundo milênio a.C.
Dario estava angustiado. Embora não tivesse outra opção senão lançar Daniel ao fosso dos leões, não
queria fazê-lo. Não queria fazer isso porque havia sido enganado por seus próprios funcionários. Mais do
que isso, estava genuinamente preocupado com Daniel; ele o tinha em grande afeto e respeito. O rei não
conseguiu dormir naquela noite (versículo 18). Dario já conhecia o Deus de Daniel e tinha alguma noção
de que Deus poderia agir em favor de Daniel (versículo 16), mas ainda não era um crente. Ele poderia ter
dormido a noite toda se tivesse um pouco mais de fé no Deus de Daniel!
Deus não abandonou Daniel no fosso dos leões, assim como não abandonou os três amigos de Daniel na
fornalha. Como na ocasião anterior, enviou seu anjo para acompanhar Daniel e protegê-lo. Daniel disse ao
rei na manhã seguinte, quando veio perguntar sobre a condição do profeta: "Ó rei, vive para sempre. Meu
Deus enviou o seu anjo, o qual fechou a boca dos leões, para que não me fizessem mal, porque diante dele
fui encontrado inocente; e mesmo diante de ti, ó rei, eu não fiz nada errado" (versículos 21, 22). Daniel não
atribuiu o crédito por sua própria libertação. O profeta reconheceu o poderoso anjo de Deus que havia feito
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isso por ele. Em resposta às suas orações, Deus concedeu a Daniel proteção divina. Deus pode não
responder sempre às orações de forma tão dramática, mas podemos ter certeza de que Ele ouve quando
oramos hoje, tão certamente quanto ouviu as orações de Daniel no fosso dos leões.
Deus ainda realiza milagres semelhantes? Ou é a experiência de Daniel apenas uma história de um tempo
passado e de um lugar distante que tem muito pouco a ver com a vida moderna? De Recife, Brasil, vem esta
história que ilustra como Deus ainda está ativo e pode fazer pelos crentes modernos o mesmo que fez por
Daniel há séculos. Um homem que trabalhava no zoológico da cidade de Recife entrou em contato com os
adventistas do sétimo dia, começou a estudar a Bíblia e depois foi batizado. Após seu batismo, ele se
apresentou para trabalhar na segunda-feira seguinte com sua nova fé estampada no rosto. "Algo
maravilhoso aconteceu comigo neste sábado - ele disse aos seus colegas de trabalho -. Fui batizado na
Igreja Adventista do Sétimo Dia!"
Um dos que ouviram seu testemunho era particularmente cínico em relação ao cristianismo. Ele
respondeu: "Bem, se você é um cristão tão grande, por que não pula nessa jaula de leões? Por que você
não vê se Deus vai te proteger?" Imediatamente e sem hesitar, esse novo cristão desceu até a jaula dos
leões! Bem, eu não recomendaria isso; existe algo chamado presunção, que não é fé. Mas também acredito
que o Espírito Santo honrou a ação desse homem como testemunho de sua nova fé.
Quando o homem entrou na jaula, o movimento atraiu a atenção de um enorme leão que veio ver o que
estava acontecendo. Devemos acrescentar que os leões nesta jaula não tinham sido alimentados nas
últimas 24 horas. O enorme leão veio até o homem e cheirou suas calças. Então virou-se e voltou para onde
estava, deitou-se no chão e começou a dormir! Talvez Deus tivesse enviado seu anjo para libertar não
apenas Daniel nos tempos antigos, mas também este funcionário do zoológico de Recife, Brasil. O
resultado? Pouco tempo depois, sete de seus colegas de trabalho no zoológico foram batizados.
Daniel foi libertado dos leões. Mas o efeito foi muito diferente quando seus inimigos, que haviam tramado
sua desgraça, foram lançados no mesmo fosso onde Daniel havia passado a noite. Os leões os atacaram
imediatamente (versículo 24), mostrando como estavam famintos. Daniel diz que uma das razões pelas
quais Deus o libertou foi porque ele era inocente (versículo 22). Ao conspirarem contra Daniel, seus
inimigos também estavam conspirando contra Deus. Como resultado, foram considerados culpados e
punidos conforme o necessário. Aqui operava a lei do talião, olho por olho e dente por dente - não motivada
por um desejo de vingança por parte de Daniel, mas pela vontade de Dario, o Medo.
Embora naquela época o rei ainda provavelmente fosse um crente do zoroastrismo (antiga religião pagã)
por convicção religiosa, ele pôde ver a grandeza e o poder do Deus de Daniel nesta maravilhosa libertação.
"Então, o rei Dario escreveu a todos os povos, nações e línguas que habitam em toda a terra: Paz seja
multiplicada para vós. Da minha parte, é estabelecido este decreto: Que em todo o domínio do meu reino
todos tremam e temam perante a presença do Deus de Daniel; pois ele é o Deus vivo e permanente, e seu
reino não será jamais destruído, e seu domínio perdurará até o fim. Ele salva e livra, e faz sinais e maravilhas
no céu e na terra; ele libertou Daniel do poder dos leões" (versículos 25-27).
Devido ao fiel testemunho de Daniel, o caráter de Deus veio a ser conhecido por todo o reino da Babilônia
e da Pérsia a um grau que nunca havia sido visto antes. Quando ele se ajoelhou para orar apesar da
proibição, provavelmente Daniel não imaginava o quão grande efeito um ato aparentemente tão
insignificante poderia ter. Certamente ele o viu apenas como parte de sua rotina normal de atividades
diárias, sem importância própria, exceto que, por meio dela, ele entrava em contato com seu Deus. No
entanto, por meio desse ato de oração, em desafio à lei, o nome e o caráter do verdadeiro e vivo Deus vieram
a ser conhecidos por todo o reino.
Da mesma forma, nossos pequenos atos de bondade, fé e amor também podem ter um efeito que chegue
até a própria eternidade. Através do fiel testemunho de Daniel, Deus nos chama a uma vida semelhante de
fé.
51
Os capítulos 3 e 6 de Daniel apresentam quadros semelhantes; em ambos, os hebreus são perseguidos
por um rei estrangeiro. No primeiro caso, o rei era Nabucodonosor da Babilônia, e no segundo, Dario, o
Medo, um rei vassalo da Babilônia sob Ciro, o imperador persa. Ambos os reis usaram os hebreus em seu
serviço civil. Em ambos os casos, esses hebreus foram fiéis em seu serviço ao rei e também ao seu Deus.
Foi essa última característica, sua fidelidade a Deus, que os colocou em apuros. Devido à sua dedicação a
Deus, os três amigos de Daniel foram jogados na fornalha. Por causa de sua dedicação a Deus, Daniel
mesmo foi lançado no fosso dos leões. Em ambos os casos, ocorreram libertações milagrosas: da fornalha
e do fosso dos leões. E em ambas as instâncias, o rei ficou convencido de que ocorreu uma intervenção
divina em favor dos servos do verdadeiro Deus. Ambos os reis proclamaram em todo o reino o poder e a
majestade do Deus do céu.
Em termos de temas, então, esses dois capítulos relatam eventos que compartilham muitas semelhanças.
Certamente, essas semelhanças foram abordadas de formas diferentes. Os dois eventos provavelmente
ocorreram com mais de cinquenta anos de diferença. A natureza e a localização da provação foram
diferentes, o rei que ocupava o trono era diferente, as libertações ocorreram de maneiras diferentes, e as
palavras escolhidas pelos monarcas para louvar o Deus dos céus foram diferentes.
No entanto, os temas dominantes de ambos os episódios foram os mesmos. Em ambos, os santos de Deus
foram colocados à prova e foram libertados dessa prova por meio da intervenção divina. Portanto, podemos
dizer que as semelhanças entre esses dois eventos são maiores em seu alcance, enquanto suas diferenças
são uma questão de detalhes.
A estrutura literária quiástica encontrada no livro de Daniel, na qual a forma complementa a função,
também enfatiza as semelhanças entre os capítulos 3 e 6. Nesta obra, já notamos a estrutura quiástica de
Daniel e o fato de que na seção aramaica do livro esses capítulos estão dispostos em pares. Os capítulos
3 e 6 formam um desses pares e descrevem as perseguições sofridas pelos hebreus no exílio. Daniel
intencionalmente organizou seus escritos dessa maneira para mostrar a natureza inter-relacionada dos
capítulos e a unidade de sua escrita. Os críticos literários que tentam dividir essas seções e atribuí-las a
diferentes fontes escritas em épocas diferentes têm ignorado a intenção do escritor, que expressa a
unidade de seu livro de forma ousada e estética.
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CAPÍTULO 5
REINOS CAÍDOS
Os capítulos 2 e 7 de Daniel tratam do mesmo assunto geral: profecias relacionadas ao surgimento e queda
de quatro grandes poderes mediterrâneos. A primeira dessas profecias foi dada a um rei pagão,
Nabucodonosor, em um sonho que teve durante a noite (Dn 2:1). A segunda foi dada ao próprio Daniel, em
um sonho, enquanto ele dormia em sua cama (Dn 7:1, 2). Assim, embora o modo de revelação fosse
virtualmente o mesmo em ambas as instâncias, o receptor foi completamente diferente. Esse contraste
explica claramente algumas das diferenças de conteúdo entre as duas profecias.
Mesmo com uma análise superficial, é evidente que o sonho dado a Nabucodonosor foi muito mais
simples do que o dado a Daniel. Nabucodonosor viu apenas uma grande imagem composta por quatro
metais e seus pés feitos de uma mistura de metal com argila. Em seguida, uma grande pedra atingiu a
imagem nos pés, quebrou-a e a fez desaparecer. Essa pedra então cresceu até encher toda a terra (Dn 2).
A interpretação é que os quatro metais representam quatro reinos, então o significado é muito categórico
e direto. Quatro grandes potências mundiais mediterrâneas surgiriam na história, uma após a outra. Então,
a quarta potência se misturaria com outros elementos. Finalmente, o reino de Deus substituiria todos os
reinos terrenos e, em contraste com eles, permaneceria para sempre.
Em Daniel 7, a mensagem é dada diretamente ao profeta de Deus e, portanto, ao povo de Deus. O esboço
dos impérios permanece o mesmo, mas inclui mais detalhes. Nesta profecia, quatro bestas ou animais
representam quatro reinos mundiais. As quatro bestas de Daniel 7 correspondem aos quatro metais
encontrados na imagem de Daniel. Mas há muito mais oportunidade de fornecer detalhes na segunda
profecia porque os animais são seres animados, ao contrário dos metais. Portanto, os reinos que foram
delineados com meras generalizações em Daniel 2 recebem uma explicação mais completa em Daniel 7.
Essa característica do livro de Daniel destaca o tema da hermenêutica ou regras de interpretação. Existem
duas escolas de pensamento diferentes sobre como as profecias de Daniel são abordadas.
Em um caso, os eruditos críticos promovem a teoria de que o método apropriado deve começar com o
capítulo 11 e retroceder pelos capítulos 8, 7 e 2. Dessa forma, Daniel 11 se torna o padrão para abordar as
outras profecias do livro de Daniel. Esses eruditos consideram que a maior parte de Daniel 11 trata do rei
grego, Antíoco Epifânio, que governou o reino selêucida de Antioquia na Síria de aproximadamente 175 a.C.
a 164 a.C. Ao determinar que este indivíduo é o principal tema das profecias de Daniel 11, os eruditos
críticos com essa mentalidade colocam Antíoco em seu estudo regressivo das outras profecias do livro.
Portanto, Antíoco Epifânio se torna a figura dominante nas profecias de Daniel.
O outro enfoque começa com Daniel 2 e avança progressivamente pelos esboços proféticos sucessivos do
livro: capítulos 7, 8 e 11. Este enfoque resulta em uma perspectiva muito diferente das profecias de Daniel.
Neste enfoque, a sucessão dos reinos mundiais é claramente Babilônia, Medo-Persa, Grécia e Roma. Sob
o primeiro esquema, Antíoco Epifânio se torna a figura mais proeminente das profecias de Daniel ao longo
do livro. Sob o segundo esquema, Antíoco Epifânio é reduzido a um subtitulo muito modesto sob o Império
Grego.
A progressão que já notamos entre Daniel 2 e 7 favorece o método inerente no próprio texto bíblico. Como
Daniel 2 é a profecia mais simples e Daniel 7, que adiciona detalhes, é a mais complexa, parece natural e
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lógico começar com a profecia mais simples e progredir através do livro para o mais complexo, adicionando
os detalhes apresentados por cada uma das profecias sucessivas.
Em qualquer sistema, é óbvio que o livro contém quatro esboços proféticos principais, os capítulos 2 e 7
na porção aramaica do livro e os capítulos 8 e 11 na porção escrita em hebraico. (A profecia do capítulo 9
é de uma natureza em certo grau diferente, uma vez que se concentra no futuro do povo judeu e seu
Messias, em vez de olhar para as nações do mundo ao seu redor.) Esses quatro esboços proféticos
principais estão conectados como uma série de circuitos elétricos em paralelo. Os quatro cobrem o
mesmo terreno, mas progressivamente são preenchidos com mais e mais detalhes. Este paralelismo é
evidente na linguagem usada nas profecias, nos símbolos nelas encontrados e na interpretação dada a
elas no próprio livro.
O capítulo 2, o primeiro desses quatro esboços proféticos, tem a introdução mais longa. Narra as
circunstâncias em que essa profecia foi dada e como foi interpretada. Em contraste, a profecia no capítulo
7 tem uma introdução muito curta, que consiste em uma data e na declaração de Daniel de que a profecia
veio diretamente a ele em um sonho. A introdução histórica mais longa à profecia de Daniel 2 serve como
uma transição que conecta a história do livro de Daniel com as profecias encontradas nele. No capítulo 2,
naquilo que é comumente conhecido como a seção histórica de Daniel, encontramos uma transição
significativa da história para a profecia.
O CENÁRIO
Assim que Daniel chegou à Babilônia, sua vida foi ameaçada! A ameaça surgiu de um evento que ocorreu
no segundo ano do reinado de Nabucodonosor (2:1), que foi o segundo ou o terceiro ano de Daniel na
Babilônia (os babilônios não contavam o ano em que o novo rei ascendia ao trono como um de seus anos
de regência). Essa ameaça foi dirigida não apenas a Daniel, mas também a seus amigos, Sadraque,
Mesaque e Abednego e, na verdade, a todo o grupo de sábios em Babilônia. Por pertencerem a esse grupo,
a vida de Daniel e seus amigos estava em perigo.
A ameaça veio de um sonho que o rei teve. Nabucodonosor não entendeu o sonho. Na verdade, quando
acordou, nem sequer conseguia lembrar do que havia sonhado. No entanto, ficou com a impressão de que
era algo muito importante. Então, pediu ajuda aos seus sábios. Convocou-os e ordenou que lhe dissessem
o sonho e sua interpretação. Os sábios estavam muito dispostos a fornecer essa interpretação, mas
disseram ao rei que primeiro ele deveria dizer-lhes o conteúdo do sonho. O rei tentou com todos os tipos
de sábios que estavam à sua disposição. "O rei mandou chamar os magos, os astrólogos, os encantadores
e os caldeus, para que declarassem ao rei os seus sonhos. E vieram e se apresentaram diante do rei" (vers.
2).
Os sábios em cada uma dessas categorias precisavam de algo com que trabalhar. Os astrólogos usavam
as estrelas; os adivinhos usavam fígados de ovelhas; outros usavam diferentes sinais na natureza que lhes
indicavam algo, como o nascimento de algum animal com deformidade congênita. Nabucodonosor não
forneceu nada disso. Ele havia tido um sonho, um sonho impressionante, que agora era incapaz de lembrar.
Seus sábios deveriam fornecer o sonho e sua interpretação.
O rei e seus sábios estavam em desacordo. Os sábios diziam: "Diz o sonho a teus servos, e dar-te-emos a
interpretação" (vers. 4). O rei respondeu: "Porque, se não me fizeres saber o sonho, e a sua interpretação,
serás despedaçado, e as tuas casas serão feitas monturo. Mas, se fizeres saber o sonho, e a sua
interpretação, receberás de mim dádivas, e presentes, e grande honra; pelo que fazei-me saber o sonho e
a sua interpretação" (vers. 5, 6). Claro, o rei era o único com o poder e a autoridade para sair desse impasse.
Os sábios só serviam como conselheiros. O rei não ficou satisfeito. Ele podia perceber que a suposta
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capacidade de seus sábios para prever o futuro era duvidosa, na melhor das hipóteses, e que estavam
enrolando para ganhar tempo.
Novamente, o rei exigiu: "Por isso, dize-me o sonho, para que eu conheça que me podes dar a sua
interpretação" (vers. 9). A temperatura da discussão começou a aumentar, junto com a ira do rei.
Nabucodonosor teve a última palavra. Ele emitiu um decreto de morte contra todos os sábios de seu reino.
Se eram tão inúteis ao ponto de não conseguirem fazer o que ele estava pedindo, algo que supostamente
estava ao alcance deles, ele acabaria com todos eles (vers. 12, 13).
Daniel e seus três amigos não estavam envolvidos nesse diálogo, mas faziam parte desse grupo de
funcionários do governo que haviam sido condenados. Quando a notícia do decreto do rei chegou a eles
através de Arioc, o capitão da guarda do rei, Daniel foi ver o rei para solicitar mais tempo para poder
apresentar o sonho e sua interpretação (vers. 14-16). Nabucodonosor acabara de acusar os outros sábios
de tentarem ganhar tempo (vers. 8), então se pode imaginar que o pedido de Daniel não caiu em ouvidos
muito dispostos a ouvir. No entanto, por Daniel não ter participado das discussões iniciais, Nabucodonosor
concedeu-lhe mais tempo. Daniel retornou com a resposta no dia seguinte.
Para alcançar esse objetivo, Daniel teve uma sessão de oração com seus amigos (vers. 17, 18). Você já orou
a Deus quando sua vida estava em jogo? Se Daniel não voltasse com o conteúdo do sonho do rei, seria
executado junto com seus amigos e todos os sábios de Babilônia. Muitas pessoas dependiam de Daniel
quando ele se ajoelhou com seus amigos para orar! Mal podemos imaginar a fervorosa oração que foi feita.
E Deus respondeu! Ele não havia abandonado nem esquecido Daniel e seus amigos. Eles ainda eram
preciosos aos Seus olhos; Deus estava cuidando deles e os protegendo. "Então, foi revelado o mistério a
Daniel numa visão de noite" (vers. 19). Neste ponto da história, o texto não revela o conteúdo do sonho ao
leitor. Isso vem depois, quando Daniel o informa a Nabucodonosor.
O que a história conta até agora é o cântico de alegria que os hebreus entoaram quando receberam a
resposta de Deus que os libertaria, a eles e aos outros sábios de Babilônia. Sua adoração a Deus vem na
forma de um breve salmo ou cântico, uma peça de poesia (vers. 20-23). Não é apenas um belo poema, mas
também expressa alguns dos conceitos teológicos-chave da história e da profecia que se seguem no livro
de Daniel.
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pois nos deste a conhecer o assunto do rei."
"De acordo com este breve poema, Deus não é um proprietário ausente. Ele está presente e ativo no mundo
e desempenha um papel ativo nas nações. Ele pode colocar e remover reis (versículo 21). A história pode
parecer, aos olhos humanos limitados, um jogo caótico de forças e contradições, mas Daniel assegura que
Deus está por trás de tudo, observando e intervindo para realizar o que Ele acredita ser o melhor. Embora
possamos não compreender todos esses movimentos no presente, podemos descansar na segurança das
palavras de Daniel, que afirmam que Deus está ativamente envolvido nos assuntos dos homens e está
dirigindo tudo para o melhor destino."
"Além disso, às vezes, Deus revela antecipadamente o que acontecerá neste aparentemente aleatório jogo
de eventos mundiais. Ele concede esse conhecimento aos Seus servos, não aos sábios da Babilônia, mas
aos profetas como Daniel. Deus ouviu quando Daniel e seus amigos oraram por conhecimento, e Ele deu
'sabedoria aos sábios' (versículo 21)."
"Atualmente, talvez Deus não nos fale em sonhos e visões, mas aqueles que são sábios o suficiente para
buscá-lo receberão sabedoria adicional sobre o curso que devem seguir e o curso que a história seguirá. A
luz que reside com Deus é poderosa o suficiente para iluminar até mesmo os cantos mais escuros da
história e do futuro das nações (versículo 22)."
"O poema começa com uma declaração de que a sabedoria e o poder pertencem a Deus (versículo 20); e
termina com Deus fornecendo sabedoria e poder a Daniel e seus amigos, revelando-lhes o sonho do rei
(versículo 23)."
"Quando Daniel se apresentou diante do rei, Nabucodonosor lhe fez a mesma pergunta que havia feito aos
outros sábios anteriormente: 'Poderás tu fazer-me conhecer o sonho que vi, e a sua interpretação?'
(versículo 26). Os sábios haviam protestado que a exigência do rei não era razoável, que nenhum homem
poderia realizar o que o rei havia pedido (versículo 10). Daniel concordou que nenhum ser humano poderia
dizer ao rei o que ele havia sonhado. Na verdade, ele foi mais enfático e específico: 'O mistério que o rei
exige, nem os sábios, nem os astrólogos, nem os magos, nem os adivinhos podem revelar ao rei' (versículo
27). Mas o que os sábios da Babilônia e seus deuses não podiam fazer, o Deus de Daniel poderia fazer
facilmente. 'Mas há um Deus nos céus, que revela os mistérios, e Ele fez saber ao rei Nabucodonosor o que
acontecerá nos últimos dias. Eis aqui o teu sonho e as visões que tiveste em tua cama' (versículo 28). Há
apenas um verdadeiro Deus nos céus, em contraste com os vários deuses da Babilônia. Este Deus revela
os mistérios; Ele não os guarda em segredo. Ele revelou o sonho a Daniel para que ele o desse ao rei."
"O SONHO: Se Daniel tivesse errado no sonho, teria custado sua vida. Mas ele não errou quanto ao sonho
porque o recebeu de Deus, e foi Deus quem o deu a Nabucodonosor em primeiro lugar. Deus havia falado
com o rei em um sonho, e agora estava usando Seu servo Daniel para tornar Seu mensagem mais clara para
Nabucodonosor."
"Segundo explicou Daniel ao rei, o sonho consistia, primeiramente, em um grande objeto, uma imagem. A
palavra usada para imagem é a mesma palavra usada no Antigo Testamento para uma imagem ou ídolo.
Também é a palavra usada em Daniel 3 para a grande imagem que o rei ergueu posteriormente na planície
de Dura. Assim, o conceito de uma imagem não seria desconhecido para Nabucodonosor. Normalmente,
as imagens dos deuses com os quais o rei estava familiarizado eram cobertas com apenas um tipo de
metal, seja folhas de ouro ou prata, ou possivelmente bronze fundido. O que era distintivo na imagem que
Nabucodonosor viu em seu sonho era que ela consistia em uma série de metais, não apenas um. A
resposta de Nabucodonosor a isso pode ser observada em Daniel 3. Ele construiu uma imagem que
correspondesse àquela que havia visto em seu sonho, com uma diferença: Sua imagem era toda de ouro.
Isso expressava sua reação contra a imagem que havia visto no sonho."
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"Os metais na imagem do sonho de Nabucodonosor diminuíam em valor, mas aumentavam em força.
Começando com a cabeça de ouro e seguindo com a prata, o bronze e até o ferro na base, a escala ascendia
em força mas diminuía em valor. Os pés da imagem eram a parte mais curiosa: o ferro continuava, mas
misturado com barro (versículo 33), obviamente uma escolha muito pobre de material para tentar manter
as peças de ferro no lugar."
"Uma cena final na visão introduziu outro elemento: a rocha (versículos 34, 35). Era uma rocha muito
incomum, pois não foi cortada ou trabalhada por nenhuma mão humana. Não havia marcas de cinzel que
os pedreiros teriam feito. Não fazia parte da imagem. Pelo contrário, atingiu a imagem como um míssil
balístico impulsionado de fora, fazendo com que a imagem se quebrasse em pedaços. A pedra era mais
forte que todos os metais que haviam sido usados na imagem; mesmo o mais forte deles, o ferro nas
pernas. Nada poderia resistir à força da pedra."
"A INTERPRETAÇÃO: Nabucodonosor ficou satisfeito que Daniel lhe contou o sonho correto, aquele que ele
havia tido anteriormente e não conseguia lembrar. Nisso, Daniel superou a habilidade de todos os sábios
da Babilônia. Ele não atribuiu isso à sua própria inteligência ou habilidade. Ele apontou para a sabedoria, o
poder e o conhecimento do Deus a quem servia. Deus havia revelado o sonho a Daniel (versículos 28, 47).
Sua confiança de que Daniel havia contado corretamente o sonho deu a Nabucodonosor a confiança de
que Daniel também poderia interpretá-lo corretamente."
"Daniel começou sua explicação da imagem partindo da parte superior. 'Ao contrário do que você
normalmente esperaria, ó Rei, esta não é a imagem de um deus. É um símbolo que significa algo mais. E
você faz parte disso. Sua majestade é a cabeça de ouro' (ver versículos 37, 38). Claramente, Daniel não
estava falando apenas sobre Nabucodonosor; ele estava se referindo ao império que Nabucodonosor havia
construído. Isso fica óbvio quando Daniel chega ao segundo metal da imagem, representando o próximo
império mundial. 'Depois de ti, se levantará outro reino inferior ao teu; e depois um terceiro reino' (versículo
39). Portanto, estamos lidando aqui com reinos, não apenas reis. No entanto, era apropriado identificar o
reino neobabilônico com Nabucodonosor. Ele foi quem construiu este império militarmente; ele foi quem
expandiu a cidade de Babilônia em termos de sua arquitetura; e ele governou esse império por quarenta e
três dos sessenta e seis anos em que existiu. A conexão direta de Nabucodonosor com o Império
Neobabilônico era muito apropriada."
"Após a Babilônia de Nabucodonosor, outro reino se levantaria que seria inferior à Babilônia. A história
extrabíblica e os livros de Daniel, Esdras e Neemias nos dizem que Medo-Persa seguiu-se à Babilônia.
Nesta obra, já repassamos Daniel 5 e 6, que narram a conquista persa da Babilônia e como os persas
estabeleceram seu governo no antigo território babilônico. Vimos também como Daniel se referiu de forma
indireta e simbólica à transição de Babilônia para Medo-Persa quando descreveu 'os deuses de prata, ouro,
bronze, ferro, madeira e pedra' (5:23), apresentando-os em uma ordem inversa à encontrada no capítulo 2
e colocando a prata antes do ouro na mesma noite em que o reino de prata dos persas assumiu o poder
das mãos do reino de ouro da Babilônia."
"Na interpretação de Daniel, os gregos seguiriam os persas. Embora já houvesse contatos comerciais e
culturais estabelecidos, a grande intrusão do helenismo (o pensamento e a cultura grega) no Oriente
Próximo ocorreu com as invasões de Alexandre, o Grande. Ele não apenas derrotou Dario III, o último rei
persa, mas também chegou ao vale do rio Indo, na região noroeste da Índia, em suas vastas conquistas.
No entanto, o reino de Alexandre não durou tanto quanto o dos babilônios ou persas, pois, após a morte
deste grande conquistador, o reino logo se dividiu em várias partes que foram tomadas pelos generais que
haviam servido sob seu comando."
"Essas partes do Império Grego foram recolhidas por Roma e absorvidas em um império. O processo levou
um século e um quarto, desde o tempo em que Roma derrotou a Grécia interior no início do século II a.C.,
até Júlio César conquistar o Egito no final do primeiro século a.C. Naquela época, o Império Grego havia
desaparecido após ser absorvido pelo próximo poder em cena, o reino de ferro de Roma. Com esta
conquista, os quatro símbolos dos principais metais da imagem estavam completos. Portanto, em ordem
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histórica, o ouro representa Babilônia; a prata representa Medo-Persa; o bronze representa a Grécia; e o
ferro representa Roma."
"O que vem depois? São esses todos os grandes poderes mundiais do Mediterrâneo que viriam ao palco da
história? Haverá outro reino maior do que Roma? A profecia dá uma reviravolta interessante neste ponto
porque não há mais metais. No entanto, há outro elemento na imagem; o símbolo do barro (versículo 33).
O ferro continua, indicando que o que vem depois de Roma será semelhante a Roma, mas não será tão
sólido quanto Roma. Seria um reino dividido. Essas divisões são acentuadas pela mistura de ferro com
barro cozido. Esta não é a maneira correta de construir uma estátua sólida. Para construir uma estátua
forte, outro metal deveria ter sido usado ou mais ferro deveria ter sido adicionado à imagem. Este não foi o
caso. Pelo contrário, o elemento enfraquecedor do barro cozido foi adicionado ao ferro, retirando assim sua
força."
"A mistura de ferro e barro representava as divisões e desunião que vieram sobre o Império Romano: 'Será
um reino dividido ... E, como viste o ferro misturado com barro, misturar-se-ão por meio de alianças
humanas; mas não se ligarão um ao outro, assim como o ferro não se mistura com o barro' (versículos 41-
43). O foco aqui está na desunião, um contraste marcante com o ferro que o precedeu. O ferro era o metal
mais forte que os mundos antigo e clássico conheciam. Da nação mais forte e unificada, o território que
compreendia o Império
Romano se tornaria o mais fraco e dividido. Esse era o destino de Roma conforme descrito na profecia."
"Historicamente, a mistura e a desunião preditas se concretizaram? É fácil perceber o que aconteceu com
o Império Romano sob o ataque das tribos bárbaras. Sob seu impacto, a cidade de Roma caiu em 476 d.C.
Desde então, a península italiana caiu sob o controle dos ostrogodos por grande parte de um século até
sua derrota final em 555 d.C. Os historiadores comumente usam o século VI d.C. para marcar a transição
da Roma imperial para a Roma medieval. Quando Roma entrou neste século, ainda era poderosa
politicamente e militarmente; era uma cidade populosa e próspera que ainda era bonita por sua arquitetura
e monumentos. No final do século, Roma era uma cidade arruinada e despovoada que praticamente não
controlava nada. O barro havia sido introduzido no ferro. Este estado de coisas continuaria até o fim
(versículos 33-35). Apesar dos conquistadores militares do passado e das alianças políticas do presente,
as nações da Europa (muito menos o resto do Império Romano) não se uniram umas às outras. Será que o
Mercado Comum Europeu e a filiação política dos países europeus negarão essa imagem? Eles podem,
com alguma dificuldade, fazer acordos sobre certos princípios políticos, e podem até mesmo entrar em
acordos que facilitem o comércio, mas pode-se esperar que cada um desses países mantenha o controle
de suas propriedades culturais, linguísticas e territoriais. Eles podem se unir para certos propósitos
comuns, mas de acordo com a profecia de Daniel, nunca se unirão em uma entidade política completa
como era o Império Romano."
"É interessante notar como um comentarista contemporâneo da profecia percebia os eventos que
rasgavam o tecido da sociedade romana. O pai da igreja chamado Jerônimo viveu no final do século IV e
início do século V d.C., então pôde observar parte da desintegração do Império Romano. Seu comentário
sobre Daniel foi escrito em 407. Ao ler toda a profecia de Daniel 2, Jerônimo viu esses eventos acontecerem
diante de seus próprios olhos. Embora o pior estivesse por vir, ainda assim ele pôde escrever:
'Além disso, o quarto reino, que claramente pertence aos romanos, é o ferro que quebra e subjugador de
todas as coisas. Mas seus pés e dedos têm parte de ferro e parte de barro, algo que agora é evidente. Pois
assim como no princípio nada era mais forte e mais implacável do que o Império Romano, da mesma
forma, no final de seus dias, nada é mais fraco' (Comentário sobre Daniel, comentários sobre 2:40, coluna
504)."
Mas este não é o fim da visão, pois há uma etapa final na jornada da imagem: sua destruição e dispersão
de seus fragmentos aos quatro ventos. Em símbolos, isso será cumprido pela grande pedra que golpeia a
imagem nos pés de ferro e barro cozido. Ela os golpeou, e:
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"Então foram despedaçados o ferro, o barro cozido, o bronze, a prata e o ouro, e se tornaram como a palha
das eiras do verão, e o vento os levou sem que se visse vestígio deles. Mas a pedra que feriu a imagem se
tornou uma grande montanha que encheu toda a terra" (vers. 35).
Em outras palavras, todos os reinos deste mundo, no final das contas, serão destruídos e varridos, e não
haverá mais reinos humanos para sucedê-los. O reino que seguirá será de uma natureza completamente
diferente, representado não por um metal, mas por uma rocha cortada não por mãos humanas (vers. 34).
Será um reino de uma ordem totalmente diferente daqueles que o precederam. Segundo a interpretação
inspirada de Daniel: "E, nos dias destes reis, o Deus do céu levantará um reino que não será jamais
destruído; nem passará a soberania deste reino a outro povo; mas esmiuçará e consumirá todos estes
reinos, e ele mesmo permanecerá para sempre" (2:44).
Este é o ponto central da conclusão deste sonho-visão: que o Deus dos céus um dia estabelecerá um reino
que nunca será destruído. Nunca será substituído por outro reino de metal que venha ao longo da história,
pois a história mesma chegará a sua conclusão com esse reino de Deus. Será o grande clímax da história.
Esta é a meta para a qual a história está se movendo.
RESULTADOS
Vários resultados ocorreram após a recitação de Daniel diante do rei do sonho e sua interpretação.
Primeiro, houve um resultado para Nabucodonosor. Ele reconheceu que este era o mesmo sonho que havia
tido e que Daniel o havia recordado corretamente. Isso teve um tremendo impacto sobre o rei. Assim como
teria se prostrado para adorar a imagem que viu em seu sonho, ele se prostrou para adorar a Daniel, quem
trouxe o conhecimento do sonho:
"Então o rei Nabucodonosor se prostrou sobre o seu rosto, e se humilhou diante de Daniel, e mandou que
lhe oferecessem presentes e incenso" (vers. 46). No entanto, o rei reconheceu que a fonte da sabedoria de
Daniel não vinha meramente da inteligência do profeta. Ele percebeu que vinha do Deus de Daniel. Seu ato
de respeitoso reconhecimento de Daniel tomou nota cuidadosa dessa distinção. "Certeza" -declarou o rei-
, "o vosso Deus é Deus de deuses, e Senhor dos reis, e o que revela os mistérios, pois pudeste revelar este
mistério" (vers. 47).
Até este ponto em sua experiência, Nabucodonosor ainda poderia ser classificado como um politeísta,
mas estava se movendo, sob a influência de Daniel e de seu verdadeiro Deus, em direção ao henoteísmo,
a crença na superioridade de um deus, sem negar a existência de outros deuses. Nabucodonosor ainda
reconhecia a existência dos deuses de Babilônia, mas admitia a superioridade do Deus de Daniel, Jeová.
Um conhecimento do verdadeiro Deus dos céus estava apenas começando a surgir na mente do rei. O
quadro não ficou completo naquele dia, mas Nabucodonosor havia começado uma jornada espiritual que
não terminaria até que finalmente alcançasse o conhecimento adequado do verdadeiro Deus, conforme
descrito em Daniel 4.
Para Daniel e seus amigos, a reviravolta dramática dos eventos relacionados ao sonho do rei resultou em
uma ascensão na escada da burocracia babilônica. Nabucodonosor derramou presentes sobre Daniel e o
tornou governante sobre toda a província de Babilônia (vers. 48). Ele também colocou Daniel no comando
de todos os sábios de Babilônia. Isso parecia ser o mais apropriado, especialmente dado que o sucesso de
Daniel na interpretação do sonho havia salvado a vida de todos. Por natureza humana, provavelmente isso
não gerou simpatia por Daniel. Esses indivíduos permaneceram em conflito com Daniel em vários pontos.
Daniel os havia envergonhado com sua sabedoria superior. Agora, Daniel tinha autoridade sobre eles e
havia começado sua busca pela sabedoria de uma maneira completamente diferente das técnicas usadas
por eles. Daniel não precisava analisar fígados de ovelhas para detectar anormalidades ou estudar as
estrelas. Ele orava diretamente ao verdadeiro Deus, que lhe revelava mistérios profundos a seus servos.
Certamente, isso também não gerou boas relações entre Daniel e os outros sábios quando Daniel solicitou
59
e obteve promoções para seus três amigos, Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, como administradores
sobre a província de Babilônia (vers. 49).
O sonho do rei e sua interpretação não geraram resultados apenas para Nabucodonosor, Daniel, seus
amigos e os outros sábios de Babilônia. Ele continua tendo implicações para nós cerca de 2.500 anos
depois. Como isso afeta nossas vidas hoje? É uma evidência marcante do verdadeiro Deus. Isso nos mostra
de uma forma muito real e concreta, através dos eventos da história, que há um Deus nos céus e que Ele
cuida dos assuntos humanos. Podemos ver Sua mão na história e reconhecer Sua presciência divina na
profecia. De fato, podemos verificar a interpretação profética para determinar sua precisão. Podemos
analisar os 2.500 anos de história que se passaram desde a interpretação de Daniel e ver se esses eventos
ocorreram conforme previsto.
E quanto àqueles que acreditam que não há nenhum elemento sobrenatural nas profecias de Daniel, que
Daniel simplesmente estava recorrendo aos seus próprios recursos ao interpretar o sonho do rei?
Ao avaliar essa possibilidade, precisamos nos perguntar: Se não houver nenhuma fonte sobrenatural de
informação sobre o futuro, se Daniel apenas arriscou adivinhar humanamente ao interpretar o sonho do
rei, que tipo de interpretação ele teria dado com mais probabilidade? Quais cenários prováveis teriam sido
apresentados a ele?
Primeiro, ele poderia ter tentado ganhar o favor de Nabucodonosor. Seria tentador dizer ao rei que a imagem
era inteiramente de ouro e representava Babilônia, que duraria para sempre. Mas Daniel não trouxe essa
mensagem popular ao rei. Em vez disso, disse a Nabucodonosor que seu reino seria sucedido por outro. Se
a experiência de Daniel servir de indicação, tal mensagem não teria sido popular para o rei! Sob outras
circunstâncias, a vida de Daniel poderia ter sido ameaçada por dar tal mensagem ao rei.
Segundo, teria sido natural para Daniel, privado de revelação divina, pintar um quadro da história que fosse
popular no mundo antigo, um quadro cíclico da história que continuasse indefinidamente. Não haveria
apenas quatro reinos mundiais seguidos pelo fim da história humana. Em vez disso, haveria cinco reinos,
seis, sete, oito, etc. Dado que os seres humanos agiram de determinada forma no passado, eles deveriam
continuar agindo dessa forma no futuro, levando a uma sequência interminável de reinos.
Daniel não escolheu ganhar o favor do rei ou se envolver em especulações filosóficas sobre a história. Ele
escolheu, em vez disso, declarar que haveria exatamente quatro reinos que se seguiriam em sucessão; não
um, dois ou três, mas quatro. E o quarto não sinalizaria o fim da história humana, mas se desintegraria e
seria seguido por outro período da história marcado por essa condição dividida. Daniel previu
precisamente quatro reinos seguidos por divisões que não se reuniriam novamente. Como Daniel sabia
que haveria exatamente quatro reinos - Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma - seguidos por uma
condição dividida que representava o colapso do Império Romano?
Como Daniel soube disso? Ele mesmo nos diz: "Mas há um Deus nos céus, o qual revela os mistérios, e ele
fez saber ao rei Nabucodonosor o que há de acontecer nos últimos dias" (vers. 28). Sua sabedoria está
disponível para o homem, para Seus servos, os profetas como Daniel. Através de Daniel, foi revelado a nós.
Ao considerar a palavra de Daniel, com 2.500 anos de idade, estamos considerando a palavra do Deus vivo
hoje. Este Deus se interessou o suficiente para declarar essa verdade a um indivíduo, Nabucodonosor, e
ainda se interessa o suficiente para proclamar essa verdade a cada um de nós hoje.
Um ponto final sobre este sonho e sua interpretação deve nos preocupar: onde, no curso da história
delineado por este sonho simbólico, nós nos encontramos? Não vivemos na época da Babilônia e da Medo-
Pérsia com Daniel. Não vivemos na época do Império Romano. Vivemos na base da imagem, nos tempos
divididos dos pés e dedos.
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O que aconteceu depois no sonho de Nabucodonosor? A pedra atingiu a imagem, despedaçando-a em
pedaços que o vento levou. A pedra então se tornou uma grande montanha e encheu toda a terra (vers. 34,
35). Isso significa que o Deus dos céus estabelecerá em breve seu reino. Podemos nos preparar para entrar
nele entregando nossos corações ao mesmo Deus que concedeu sabedoria divina a Daniel. Podemos
louvá-lo, honrá-lo e glorificá-lo da mesma forma que Daniel fez. Quando o fizermos, estaremos preparados
para entrar nesse mesmo reino com Daniel. Lá, com ele, podemos lançar nossas coroas de salvação diante
do Senhor e louvá-lo por Seu glorioso amor por nós.
O CENÁRIO DE DANIEL 7
O capítulo 7 de Daniel começa com uma revisão extensa das circunstâncias sob as quais o sonho-visão de
Daniel 2 foi inicialmente dado e depois recuperado e interpretado. Ele fala sobre a experiência de
Nabucodonosor, Daniel e os sábios na corte da Babilônia no sexto século a.C. Nesse sentido, o capítulo 2
emerge da experiência histórica e a relata para nós. Pelo menos metade do capítulo 2 é uma narrativa
histórica; o restante é profecia.
Daniel 7 é diferente. Ele apresenta apenas um cenário histórico simples (versículo 1). Em relação ao
ambiente histórico contemporâneo, ele nos dá apenas a data (o primeiro ano de Belsazar) e onde Daniel
estava quando recebeu a visão. Com essa exceção menor, Daniel 7 é completamente e diretamente
profético do início ao fim. Daniel 2 é aproximadamente metade história e metade profecia; Daniel 7 é quase
totalmente profético. Nisso, ele estabelece o tom para o restante de Daniel, que é totalmente profético.
Quando comparamos a forma como a profecia do capítulo 7 foi dada com a do capítulo 2, encontramos
tanto semelhanças quanto diferenças. Tanto Nabucodonosor (capítulo 2) quanto Daniel (capítulo 7)
estavam dormindo em suas camas quando receberam suas respectivas visões. Portanto, o modo de
revelação nesses dois casos é o mesmo. No entanto, os receptores foram muito diferentes. O sonho do
capítulo 2 foi inicialmente dado a um rei pagão para seu próprio benefício; o sonho de Daniel 7 foi dado
diretamente ao profeta Daniel para comunicá-lo ao povo de Deus.
Os receptores diferentes também enfatizam os papéis diferentes que Daniel desempenhou nessas duas
experiências. No capítulo 2, o profeta finalmente recebeu de Deus a visão e sua interpretação, mas sua
função foi principalmente a de um sábio inspirado que explicava o sonho ao rei. No capítulo 7, Daniel
recebeu o sonho diretamente de Deus. Cronologicamente, esta é a primeira vez que algo assim acontece
no livro de Daniel. (Lembre-se de que os capítulos, conforme aparecem em Daniel, não estão arranjados
em ordem cronológica.) Assim, a visão do capítulo 7 na verdade constitui o chamado formal de Daniel ao
ofício de profeta, por ser a primeira vez que ele recebe uma visão diretamente de Deus.
O SONHO
A visão do sonho de Daniel começou com uma perspectiva do "grande mar" (vers. 2). Os ventos sopravam
sobre o mar, e ele se enfureceu. Daniel viu quatro bestas emergirem do mar, uma após a outra (vers. 3).
Geograficamente, este grande mar pode ser identificado com o Mar Mediterrâneo porque cada uma das
quatro nações que Daniel viu representadas eram potências mundiais mediterrâneas, seja localizadas na
área do Mar Mediterrâneo ou tendo conquistado territórios adjacentes às suas praias. As visões sucessivas
do livro de Daniel manifestam uma progressão no grau de atividade que envolvem. Em Daniel 2, a grande
imagem permaneceu imóvel. Aqui em Daniel 7, as bestas que Daniel viu emergir da água mostram
características diferentes, mas suas ações não estão direcionadas para um objetivo específico. Em Daniel
8, as ações do carneiro e do bode tornam-se direcionais. O carneiro investe para o ocidente, e o bode
investe para o oriente contra o carneiro e o desafia. No entanto, essa atividade direcional ainda não está
desenvolvida na visão de Daniel 7 e, para compreender, precisamos confiar mais nas características que
os animais manifestam do que nas que são observadas quando agem.
61
Ao descrever a visão do capítulo 7, Daniel diz que a primeira besta que viu surgir do mar parecia "como
leão" (vers. 4). Era um animal que o profeta conseguia reconhecer, mas ao mesmo tempo não era um leão
completamente normal porque tinha asas. Daniel viu como essas asas lhe foram arrancadas. Então, o leão
ficou de pé sobre suas patas traseiras como um homem, e foi dado a ele um coração de homem (vers. 4).
A interpretação dada pelo anjo posteriormente no capítulo não identifica esta besta-nação por nome.
A segunda besta que saiu das águas foi um urso (vers. 5). Este urso estava de certa forma desfigurado, pois
estava erguido mais de um lado do que de outro. Tinha três costelas na boca, representando suas
conquistas. O urso é um animal que vive nas montanhas, sugerindo que o reino representado por este
animal viria de uma região montanhosa.
A terceira besta a aparecer era semelhante a um leopardo. Embora tivesse alguma configuração normal de
um leopardo, também tinha características incomuns. Em vez de ter uma cabeça, tinha quatro. Assim
como o leão, também tinha asas - quatro delas para igualar o número de suas cabeças (vers. 6).
A quarta besta que Daniel viu não era como nenhuma das outras, nem nada que ele tivesse visto antes.
Parecia ter sido uma besta composta de vários elementos provenientes de diferentes animais. Também
parecia ter sido a mais feroz das quatro e definitivamente parecia ser um poder conquistador e esmagador
quando iniciava suas atividades (vers. 7). Uma das características estranhas desta quarta besta era que
tinha dez chifres. Conforme a visão se desenvolvia, Daniel observou muita atividade entre os chifres.
Primeiro, um chifre pequeno, menor que os outros, começou a crescer entre os dez. Embora pequeno no
início, logo se tornou maior que todos os outros. À medida que crescia e se tornava mais forte, este pequeno
chifre arrancou três dos outros chifres (vers. 7, 8). Suas atividades são descritas em termos distintamente
religiosos. Proferia blasfêmias e perseguia os santos (vers. 25).
Enquanto Daniel continuava olhando, sua visão foi dirigida aos céus onde lhe foi mostrado um grande
tribunal celestial. O tribunal celestial se reuniu e proferiu sentença contra a besta, o pequeno chifre e toda
a humanidade (vers. 9-12). Depois da execução da sentença contra a besta, Daniel viu Deus estabelecer
seu reino eterno. Os santos do Altíssimo foram dirigidos ao seu reino onde o Filho do Homem reinaria para
sempre. Através das eras, os santos de Deus estiveram sujeitos à autoridade dos diferentes poderes
mundiais à medida que emergiam um após o outro. Mas o destino final dos santos é viver no reino eterno
sob o governo sábio e benevolente de Deus e seu Filho (vers. 13, 14).
IDENTIFICANDO A BESTA
Na sua visão, Daniel dirigiu-se a um anjo que estava de pé perto dele e perguntou o significado dessas
coisas (vers. 15, 16). Em resposta, o anjo deu-lhe uma breve explicação: "Estas quatro grandes bestas são
quatro reis que se levantarão na terra. Depois receberão o reino os santos do Altíssimo, e possuirão o reino
até ao século, eternamente e para sempre" (vers. 17, 18). Para além das tribulações da história desta Terra,
está o reino de Deus, a resposta final para todos os problemas criados por esses reinos terrenos.
Após algumas perguntas adicionais de Daniel (vers. 19-22), o intérprete angelical prosseguiu com uma
explicação mais extensa (vers. 23-27).
Nem na sua breve resposta nem na explicação mais detalhada o intérprete angelical nomeou algum dos
reinos representados pelas quatro bestas. Como, então, podemos identificá-los? Podemos fazê-lo ao
compará-los com as outras profecias de Daniel. Uma comparação com Daniel 2 fornece o nome do reino
com o qual esta sequência começa. Uma comparação com Daniel 8 nos dá o nome de mais dois impérios
na sucessão dos reinos.
São legítimas essas comparações? Podemos estar seguros, por exemplo, que o capítulo 2 e o capítulo 7
descrevem os mesmos quatro reinos? Sabemos que a sequência no capítulo 2 começa com Babilônia
(2:38, 39) porque Daniel assim o disse abertamente a Nabucodonosor. Se o capítulo 7 está descrevendo a
62
mesma sequência de reinos, então o primeiro símbolo nesse capítulo também tem que representar
Babilônia. A questão, então, é: Que evidência encontramos para sustentar que os capítulos 2 e 7 estão
lidando com o mesmo esboço profético?
O primeiro vínculo ocorre na escala mais ampla: a estrutura literária. Na estrutura literária quiasmática da
primeira metade do livro de Daniel, os capítulos 2 e 7 estão em lugares correspondentes e paralelos (ver a
discussão sobre a estrutura literária de Daniel nas páginas 28-31). Assim como um tema comum liga o
capítulo 4 ao capítulo 5, e o capítulo 3 ao capítulo 6, assim também o capítulo 2 está ligado ao capítulo 7
em termos de um contexto similar. Isso significa que cobrem o mesmo terreno e devem ser vistos como
esclarecedores um do outro.
O segundo vínculo entre essas duas profecias é que ambas contêm o mesmo número de elementos de
importância. Daniel 2 mostra à vista uma série de quatro reinos representados por quatro metais; o capítulo
7 representa quatro reinos sob o simbolismo de bestas que emergem do mar. O capítulo 2 mostra o quarto
reino dividido por uma mistura de barro com ferro; no capítulo 7, a divisão do quarto reino é representada
pelos chifres sobre essa besta e pela atividade que ocorre entre eles. No capítulo 2, a série de quatro reinos
é sucedida por algo completamente diferente, uma pedra que representa um reino que dura para sempre;
no capítulo 7, a série de poderes conclui com o reino eterno de Deus, o qual os santos do Altíssimo
possuirão para sempre. Portanto, os capítulos 2 e 7 contêm os mesmos elementos de importância, embora
sejam dados de forma diferente. Pelo fato de esses dois capítulos terem esboços semelhantes, parece
claro que as duas profecias estão falando dos mesmos reinos, com enriquecimento adicionado nos
capítulos posteriores.
Para solidificar essa relação, o quarto reino em ambas as visões estava representado pelo ferro: as pernas
de ferro da imagem do capítulo 2 e os dentes de ferro da quarta besta no capítulo 7. Dos quatro animais
encontrados no capítulo 7, apenas a quarta besta contém ferro, ligando-a assim diretamente ao quarto
reino de Daniel 2.
Uma vez que aprendemos que essas duas profecias estão falando dos mesmos quatro reinos, é fácil
identificar o leão, o primeiro poder representado na profecia do capítulo 7, como Babilônia, pois Daniel
especificamente identifica o primeiro reino em Daniel 2:38, 39 com esse poder. A sequência das três bestas
que seguem no capítulo 7 deve ser identificada, portanto, com os mesmos reinos que descrevemos na
interpretação do capítulo 2: Medo-Pérsia, Grécia e Roma.
As bestas do capítulo 7 também podem ser identificadas em termos de nomes em Daniel 8. Neste caso, a
segunda besta de Daniel 7 é paralela à primeira besta de Daniel 8, e a terceira besta de Daniel 7 é paralela
à segunda besta de Daniel 8. Como?
O urso em Daniel 7 estava erguido de um lado (7:5) enquanto um dos chifres do carneiro em Daniel 8 era
mais alto que o outro (8:3). Em Daniel 8:20, este carneiro pode ser identificado com Medo-Pérsia, e a
natureza dual deste reino é dito representar as duas entidades políticas que o compunham. O urso do
capítulo 7 e o carneiro do capítulo 8 representam o mesmo poder.
Da mesma forma, o bode no capítulo 8 com um "chifre notável entre seus olhos" (vers. 5) é identificado
com o império da Grécia (vers. 21). Este chifre foi arrancado, e quatro chifres mais surgiram em seu lugar
(vers. 22). Este simbolismo corresponde às quatro cabeças e às quatro asas sobre o leopardo no capítulo
7, então o bode do capítulo 8 e o leopardo do capítulo 7 representam o mesmo poder.
O LEÃO BABILÔNICO
O leão tinha asas que lhe davam a rapidez do voo. Esta velocidade foi demonstrada nas primeiras
conquistas da Babilônia sob o rei Nabucodonosor. Mas Daniel observou como as asas foram arrancadas.
A situação na Babilônia mudou; sua velocidade no campo de batalha declinou, e as conquistas se tornaram
mais escassas à medida que o reino se contraía pela fraqueza de reis como Nabonido. Babilônia já não
tinha o coração do leão conquistador; este se reduziu ao coração de um homem, já sem gosto pela
conquista (7:4).
Um leão era um símbolo particularmente adequado para representar Babilônia. Os leões estavam
representados nas paredes da porta de Ishtar de Babilônia e na muralha exterior da câmara de audiências
do palácio do rei. Uma estátua de um imenso leão estava no pátio do palácio. Na mitologia babilônica,
acreditava-se que esses leões carregavam a deusa Ishtar sobre suas costas.
O URSO PERSA
Já mencionamos a natureza dupla do reino medo-persa, simbolizada pelo fato de que o urso, o segundo
poder representado no capítulo 7, estava erguido de um lado (vers. 5). Ao longo dos séculos IX, VIII e VII
a.C., o reino dos medos era uma poderosa força no Oriente Próximo, constantemente ameaçando a
potência predominante dos assírios. Mas no século VI a.C., o ascendente reino da Pérsia, sob Ciro,
conquistou os medos e fundiu-se em um império combinado medo-persa. As três costelas na boca do urso
podem facilmente representar a conquista da Lídia na Anatólia, ou a antiga Turquia, em 547 a.C., a
conquista da Babilônia em 539 a.C. e a do Egito em 525 a.C.; As duas primeiras conquistas foram realizadas
por Ciro depois de unificar o exército medo-persa; a campanha contra o Egito foi liderada por seu filho,
Cambises.
O LEOPARDO GREGO
A característica destacada do leopardo eram as asas (vers. 6). Essas asas denotam velocidade, uma
ilustração adequada da rapidez com que os gregos conquistaram o Oriente Próximo. Alexandre, o Grande,
conseguiu isso em apenas três anos. Em comparação, levou três anos aos assírios (725-722 a.C.) para
conquistar Samaria, e aos babilônios três anos (589-586 a.C.) para conquistar Jerusalém. No mesmo
período de tempo, Alexandre conquistou todo o antigo Oriente Próximo, do Egito ao Vale do rio Indo, na
Índia!
Por mais rápida que tenha sido essa conquista, não estava destinada a durar muito. As quatro cabeças do
leopardo (vers. 6) representavam as quatro divisões em que o reino de Alexandre se dividiu após sua morte.
Seus generais recolheram as peças desse reino e o dividiram na Grécia continental, Ásia Menor, Síria
(incluindo a Babilônia) e Egito. Essa mesma divisão histórica do reino da Grécia é representada pelos quatro
chifres sobre o carneiro em Daniel 8:8, 22.
64
A BESTA ROMANA
O quarto reino no capítulo 7 representava Roma, que esmagava e devorava suas vítimas, e pisoteava sob
seus pés o que restava (vers. 7). A arqueologia nos deu um excelente exemplo de quão adequada é essa
descrição das conquistas romanas. No lado ocidental de Jerusalém, costumava haver um vale conhecido
como o Vale de Tiropeão, ou Vale dos "Quebradores". Não existe mais hoje em dia, pois foi preenchido com
os escombros da destruição romana de Jerusalém em 70 d.C. A arqueóloga inglesa Kathleen Kenyon fez
uma escavação profunda e estreita nesta área e descobriu que os escombros tinham cerca de 21 metros
de profundidade! Os romanos praticamente varreram o local da antiga cidade de Jerusalém até deixá-lo
limpo. Os engenheiros romanos eram conhecidos por serem muito meticulosos tanto na destruição quanto
na construção. Dessa forma, esse poder "devorava e despedaçava" (vers. 7).
Apesar de toda a sua fortaleza, o Império Romano também não duraria para sempre. Nos séculos V e VI
d.C., Roma desmoronou sob o assalto das tribos bárbaras. A capital do império foi transferida para o
oriente, para Constantinopla, deixando um vácuo no comando na península itálica. Por um tempo, os
ostrogodos controlaram a região. Mas, no meio do século VI d.C., os ostrogodos foram derrotados e
apagados da história. Quando isso aconteceu, o comando da cidade e do território de Roma caiu nas mãos
do bispo de Roma. Muito do seu ascenso ao poder civil remonta a este tempo, quando havia um vácuo no
comando da região.
Na visão de Daniel, ele viu como três desses chifres foram arrancados diante do emergente poder do chifre
pequeno (vers. 8). Essas três tribos podem ser identificadas com certo grau de exatidão. Enquanto várias
tribos europeias lutavam pela supremacia, as guerras travadas eram tanto políticas quanto teológicas em
natureza e frequentemente combinavam disputas com pontos controversos da doutrina religiosa. O poder
do Estado chegou a ser utilizado em um nível nunca antes visto no cristianismo para arrancar os hereges.
Justiniano, o imperador reinante em Constantinopla, era incentivado a apoiar o bispo de Roma nessas
batalhas tanto para sua própria ganância política quanto para a ganância da igreja centralizada em Roma.
Em 534 d.C., Justiniano enviou seu exército e armada contra os vândalos no norte da África e os derrotou.
Após essa conquista, Belisário, general de Justiniano, liderou suas tropas em uma invasão da península
itálica para libertar a cidade de Roma dos ostrogodos. Finalmente, Belisário derrotou os godos em sua
capital, Ravena, em 538 d.C., embora permanecessem na península itálica e até retomassem um território
considerável até serem finalmente varridos em 555 d.C. O momento crucial ocorreu quando, em 538 d.C.,
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a cidade de Roma ficou livre do controle dos bárbaros pela primeira vez em seis anos. O bispo de Roma
assumiu o comando da cidade.
Embora haja acordo de que dois dos três chifres arrancados pelo chifre pequeno (vers. 8) foram os vândalos
(534 d.C.) e os ostrogodos (538/555 d.C.), há menos consenso entre os historiadores sobre qual foi o
terceiro poder arrancado. Alguns historiadores adventistas favorecem os hérulos, a tribo que conquistou
Roma em 476 d.C. Os hérulos foram posteriormente derrotados pelos ostrogodos, que por sua vez foram
derrotados pelo general romano Belisário. Portanto, os hérulos fornecem uma possível identificação para
o terceiro chifre.
No entanto, a evidência parece favorecer os visigodos como o terceiro chifre. Por um tempo, essa tribo
viveu no sul da França. Lá, os visigodos foram derrotados por Clóvis, rei dos francos, por volta de 508 d.C.
Embora seu poder tenha sido em grande parte destruído nessa data, os sobreviventes foram expulsos para
a Espanha, onde foram finalmente subjugados por uma invasão muçulmana no século VIII d.C. Como os
visigodos não foram erradicados pelos francos, alguns historiadores bíblicos acreditam que não devem ser
identificados como o terceiro chifre arrancado diante do chifre pequeno na visão de Daniel. Não está claro,
no entanto, se a profecia exige uma erradicação total para cumprir o simbolismo de ser arrancado.
Assim, os três chifres arrancados pelo chifre pequeno podem ser identificados como os vândalos, os
ostrogodos e os visigodos (ou hérulos). Os três estavam em oposição teológica contra Roma sobre a
natureza da divindade de Cristo. Sua desaparição e, portanto, a retirada de sua oposição teológica, deram
origem a uma distribuição mais ampla do cristianismo romano ortodoxo. Isso poderia ser visto como um
acontecimento positivo para o cristianismo, mas os desenvolvimentos internos dentro da igreja tiveram um
impacto negativo sobre a forma de cristianismo que se apresentou. O movimento se desviou e, por isso, a
profecia aponta que esse poder adquiriu o poder religioso em suas próprias mãos para perseguir aqueles
que não reconheciam sua autoridade (vers. 21, 25).
Os quatro poderes sob a forma de bestas do capítulo 7 parecem estar interessados na expansão territorial.
O chifre pequeno, por sua vez, é claramente um poder religioso e está interessado em questões
distintamente religiosas. Os estudantes da Bíblia por muito tempo identificaram esse chifre pequeno como
a segunda fase de Roma, sendo a primeira fase a besta terrível do versículo 7. Quais características desse
chifre pequeno são fornecidas por Daniel 7 que levam a essa interpretação?
Segundo, o tempo da aparição do chifre pequeno e os eventos que ocorrem nesse tempo ajudam a
identificá-lo. Os dez chifres da besta romana representam as divisões em que o Império Romano caiu. O
chifre pequeno cresceu entre esses dez chifres, o que significa que cresceu até seu máximo poder depois
que as tribos bárbaras haviam dividido o Império Romano em pedaços, isto é, no século quinto ou sexto
d.C. Já vimos como esses chifres, ou poderes, foram arrancados pelo poder do imperador romano
Justiniano e dos francos, com o apoio do bispo de Roma.
Uma terceira característica do poder chamado chifre pequeno é que ele falaria grandes coisas ou palavras
"arrogantes" contra o Altíssimo (vers. 8, 11, 20, 25). Além de adotar alguns dos títulos que os césares
usavam anteriormente, o bispo de Roma assumiu títulos religiosos e prerrogativas que podem ser descritos
como palavras "arrogantes".
Quais foram alguns desses títulos e funções assumidos pelo bispo de Roma? Ele adotou o título "Vicário
do Filho de Deus", dando a entender que estava no lugar do Filho de Deus para representá-lo nesta Terra.
66
Compare também o título de "santo padre" com os comentários de Jesus sobre o uso desse título em um
ambiente religioso (veja Mateus 23:9). Note também a pretensão de ser capaz de perdoar pecados por meio
dos ritos de confissão, enquanto os judeus no tempo de Jesus consideravam seu direito de perdoar
pecados como uma blasfêmia (veja Mateus 9:2-6).
Uma quarta característica é que os santos do Altíssimo seriam entregues ao poder do chifre pequeno e
seriam oprimidos por ele. Assim, o chifre pequeno seria um poder perseguidor (vers. 25). A igreja romana
sustentou o princípio de seu direito de perseguir aqueles que negam sua autoridade religiosa.
Uma quinta característica do poder chamado chifre pequeno é que ele pensaria "em mudar os tempos e a
lei" (Daniel 7:25). A palavra aramaica para "tempos" é "zimnin", a forma plural de "z'man". Quando usada no
singular, essa palavra se refere a um ponto no tempo, mas no plural se refere a pontos repetidos no tempo.
Esses pontos repetidos no tempo estão conectados no mesmo versículo bíblico com a lei de Deus.
Que lei é esta? Deus deu várias leis no Antigo Testamento, mas a lei de Deus por excelência é a lei dos Dez
Mandamentos (veja Êxodo 34:28; Deuteronômio 4:13; 10:4). A única disposição relacionada ao tempo
nesta lei especial de Deus está no quarto mandamento, que trata do sábado, o sétimo dia (veja Êxodo 20:8-
11). As potências religiosas terrenas propuseram alterar esse mandamento, transferindo a obrigação do
sábado para o domingo, embora não haja mandamento bíblico que o exija. Mas o preceito divino original
permanece imutável, de modo que este poder terreno apenas "pensará em mudar" (Daniel 7:25) essa lei e
sua especificação em relação ao tempo.
Esses poderes terrenos não apenas tentaram fazer essa mudança, mas também a consideraram a marca
de sua autoridade. A Igreja de Roma diz que recebeu o "magistério", ou autoridade de ensino, de Deus e
que isso a capacita a fazer a transferência.
Onde na história do chifre pequeno, ou papado, devemos colocar esses 1.260 anos? A que período
correspondem melhor? Segundo foi observado acima, a transição de Roma imperial para Roma medieval
ocorreu no século sexto d.C. Com essa transição, Roma imperial desapareceu e o papado veio para o
primeiro plano, ocupando a posição de liderança em Roma que o poder político havia deixado vaga. O
ponto específico em que o poder papal começou a se estabelecer foi quando o controle ostrogodo de Roma
foi retirado no ano 538 d.C. Antes dessa data, o bispo de Roma esteve sob o controle das tribos bárbaras
por mais de sessenta anos. Agora, livre desse fardo, sua autoridade, tanto civil quanto religiosa, começou
a crescer até que o papado medieval atingiu seu auge do século XI ao XIII.
Em 533 d.C., os eventos de 538 d.C. haviam sido previstos por um decreto que o imperador Justiniano
emitiu de Constantinopla, proclamando o bispo de Roma como chefe de todas as igrejas. Este decreto
surgiu de certas controvérsias teológicas e resultou na confirmação pelo imperador do Papa João II como
chefe de todas as igrejas. Toda a correspondência relacionada a este decreto foi codificada como "Corpus
Iuris Civilis" (livro 1, título 1, 7). Foi reconfirmado por Justiniano em sua "Novela 9" em 535 d.C. e novamente
na "Novela 131" em 545 d.C. (O texto desses três decretos pode ser encontrado em L. E. Froom, "Fé
Profética de Nossos Pais", volume 1).
Em 538 d.C., graças às tropas do imperador, o bispo de Roma estava em posição de assumir a liderança da
igreja de fato, e não apenas em teoria. Outro decreto dado por Justiniano em 555, o ano da derrota final dos
ostrogodos, solidificou a autoridade tanto religiosa quanto política do papado. Uma característica
marcante do poder chamado chifre pequeno é que ele pensaria "em mudar os tempos e a lei" (Daniel 7:25).
Essa predição se ajusta precisamente com o papel do chifre pequeno em relação ao sábado de Deus, o
67
sétimo dia. Assim, esta característica do chifre pequeno pode ser adicionada às outras características
mencionadas acima.
O último traço do chifre pequeno na profecia destaca-se em Daniel 7:25: "Serão entregues [os santos do
Altíssimo] em sua mão até tempo, e tempos, e metade de um tempo". O que é um tempo? Em Daniel 4,
como vimos, um "tempo" se refere a um ano. Sete "tempos" passariam sobre Nabucodonosor até que ele
recuperasse o juízo (4:16, 23, 25, 32). Os "tempos, tempos e metade de um tempo" de Daniel 7:25, então,
equivalem a três anos e meio proféticos. Cada ano é composto por 360 dias, o que totaliza 1.260 dias. O
princípio dia por ano nos leva a 1.260 anos reais (veja Ezequiel 4:6; Números 14:34). Uma discussão mais
completa do princípio dia por ano pode ser encontrada nos capítulos 6 e 7 deste estudo sobre Daniel.
Apocalipse 12:6, 14 confirma este cálculo. Ali, o versículo 6 se refere a 1.260 dias, que são equivalentes a
"tempos, tempos e metade de um tempo" no versículo 14.
A questão então é: onde na história do chifre pequeno, ou papado, devemos colocar esses 1.260 anos? A
que período correspondem melhor? Segundo foi observado acima, a transição de Roma imperial para
Roma medieval ocorreu no século sexto d.C. Com essa transição, Roma imperial desapareceu e o papado
veio para o primeiro plano, ocupando a posição de liderança em Roma que o poder político havia deixado
vaga. O ponto específico em que o poder papal começou a se estabelecer foi quando o controle ostrogodo
de Roma foi retirado no ano 538 d.C. Antes dessa data, o bispo de Roma esteve sob o controle das tribos
bárbaras por mais de sessenta anos. Agora, livre desse fardo, sua autoridade, tanto civil quanto religiosa,
começou a crescer até que o papado medieval atingiu seu auge do século XI ao XIII.
O ponto final deste período está ainda mais precisamente definido. Aconteceu em 15 de fevereiro de 1798,
quando o general francês Berthier depôs o Papa Pio VI e o exilou para a França, onde ele morreu em julho
de 1799. Não foi senão até 1801, quando Napoleão assinou um pacto com Pio VII, que houve os primeiros
sinais de um papado revivido. Por um tempo, parecia que o papado havia recebido uma "ferida mortal" em
1798, mas a partir desse nadir em sua experiência, gradualmente ele se levantou para um novo estado de
proeminência no mundo (veja Apocalipse 13:3).
RESUMO
As características do chifre pequeno, conforme descritas na profecia de Daniel 7, podem ser resumidas da
seguinte forma:
Primeiro, o chifre pequeno surge da besta de Roma; portanto, tem caráter romano. Segundo, ele surge após
a divisão de Roma, representada pelos dez chifres. Terceiro, três desses chifres seriam arrancados antes
dele. Quarto, começando de uma posição de insignificância, esse poder cresceu até o ponto de proferir
palavras arrogantes contra o Altíssimo, cumpridas nas pretensões orgulhosas desse poder religioso.
Quinto, ele também seria um poder perseguidor, como testemunhado pelas várias Cruzadas e Inquisições
que liderou. Sexto, ele empreenderia um ataque contra a lei de Deus, especialmente contra aquela parte
relacionada a um ponto repetido no tempo, como o sábado.
Em relação a este último ponto, a igreja afirma que a mudança do sábado para o domingo é uma marca de
sua autoridade. O catecismo de 1957 da Doutrina Católica para o Convertido, de Peter Geiermann, afirma
isso: "Observamos o domingo em vez do sábado porque a Igreja Católica transferiu a solenidade do sábado
para o domingo" (pág. 50).
O historiador católico V.J. Kelly também argumentou da mesma forma, mas reconheceu que não há
evidência conclusiva de que os apóstolos tenham feito essa mudança de dias por um decreto definido.
Como característica final do poder chamado chifre pequeno, a profecia atribui a ele um certo período de
tempo - três e meio "tempos" - para o exercício de sua autoridade. Este período simbólico de tempo,
interpretado de acordo com o princípio dia por ano, se estendeu de 538 d.C., quando Roma e seu bispo
68
foram libertados do domínio dos ostrogodos, até 1798 d.C., quando o Papa foi feito prisioneiro e exilado de
Roma, temporariamente terminando assim seu domínio e autoridade.
Portanto, todas essas sete características dadas na profecia se ajustam à igreja romana e a nenhum outro
poder, identificando-a firmemente com o símbolo do chifre pequeno. Devemos ter cuidado para distinguir
entre o sistema teológico e o centro administrativo de uma igreja, por um lado, e a consciência do cristão
individual, por outro. A profecia de Daniel 7 não termina com a carreira de nenhuma das quatro bestas que
apresenta, nem com as ações do chifre pequeno. Deus tem uma resposta para toda essa história
pecaminosa da humanidade, que envolve seu julgamento, a vinda do Filho do Homem e a vindicação dos
santos de Deus. Estes temas, descritos na profecia do capítulo 7, se alinham melhor com os temas
proféticos discutidos posteriormente neste estudo sobre Daniel.
RESULTADOS
Devemos lembrar que esta profecia foi escrita por Daniel no século VI a.C., quando Deus a entregou a ele.
Com exceção de Babilônia, nenhum dos reinos apontados estava no cenário da história mundial como os
superpoderes que se tornariam. No entanto, a história subsequente ao tempo de Daniel cumpriu a profecia
com precisão. Houve quatro, apenas quatro, poderes mundiais no palco histórico, não dois, três, cinco ou
sete, mas quatro. Cada um desses quatro poderes pode ser identificado, e pode ser demonstrado que
esses reinos realmente manifestaram as características representadas na profecia simbólica. A profecia
prediz com precisão a progressão de Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. Após a sucessão desses
quatro reinos, o chifre pequeno, representando o papado medieval que surgiu das ruínas da Roma imperial,
apareceu como predito. Ele também realizou as atividades previstas na profecia até o fim do tempo
atribuído a ele. Pouco depois desse tempo, conforme previsto na profecia, Deus realizaria sua obra de
julgamento em resposta a essa sequência de poderes humanos. A realidade do julgamento e o
estabelecimento do reino eterno de Deus são tão certos quanto o cumprimento das etapas iniciais do
panorama histórico de Daniel 7. A sequência de poderes humanos expressa pelas bestas e pelos chifres
prepara o palco para a ação final e decisiva de Deus na história.
Uma forma de estudar a Bíblia e compreendê-la melhor é buscar palavras-chave, palavras que aparecem
repetidamente na narrativa bíblica. Em Daniel 7, há uma palavra-chave que se repete: a palavra aramaica
traduzida como "domínio". Esta palavra ocorre sete vezes no capítulo 7 (versículos 6, 12, 14, 26, 27). A NVI
traduz esta palavra de forma mais ampla como "autoridade" (versículo 6), "domínio" (versículo 14), "poder"
(versículos 26, 27) e "governantes" (versículo 27). Esta variedade de equivalentes de tradução enfraquece
o impacto desta palavra-chave. Quando percebemos que a palavra "domínio" se repete várias vezes neste
capítulo, torna-se evidente que ela fornece uma chave para entender este capítulo.
Em termos de entidades políticas humanas ordinárias, o domínio ou autoridade parece ser mais transitório.
Babilônia o teve por um tempo, mas depois o perdeu para entregar a Pérsia. Pérsia o teve por um tempo
mais, mas o perdeu para dar a Grécia. Por mais forte que parecesse a Grécia sob Alexandre, logo também
perdeu o domínio. Roma, que parecia um reino eterno, não durou tanto quanto se esperava e também
perdeu seu domínio. No auge de sua existência no século XII, o papado parecia que poderia manter um
domínio eterno, mas também acabou perdendo.
Isso é tudo o que os seres humanos têm como esperança? Será que o destino eterno da humanidade é
estar sujeito a essa constante mudança no ciclo dos governantes terrenos, a maioria dos quais são egoístas
e opressores?
A resposta de Deus é: Não! Chegará um tempo em que Ele estabelecerá seu reino, e seu reino será diferente
de qualquer outro que a humanidade tenha visto anteriormente (versículo 27). Não apenas será diferente
em caráter, sendo fundamentado no amor, na justiça e na graça, mas também será diferente em termos de
tempo. Não será temporário ou transitório como todas as outras entidades terrenas que o precederam.
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Este reino será eterno; seu domínio durará para sempre. Portanto, há um contraste na forma como a palavra
"domínio" é usada neste capítulo. Quando se refere a governos humanos, terrenos, aponta para algo
temporário e transitório. Mas quando se refere ao governo de Deus, é eterno. O domínio de Deus e seu reino
durarão para sempre. Essa é uma das preciosas promessas desta profecia. E esse reino logo virá, porque
estamos quase chegando ao final da linha da história delineada na profecia deste capítulo.
Daniel 7 marca um ponto de transição no livro de Daniel. Ele aponta a transição da primeira seção do livro,
principalmente histórica, para a seção completamente profética na segunda metade. É por isso que o
capítulo 7 contém tanto história quanto profecia, embora mais profecia do que história. Antecipa a última
metade profética do livro de Daniel. A transição para a profecia apocalíptica começa neste capítulo sem
esperar pela segunda seção do livro.
Mas o capítulo 7 também tem laços com a porção histórica de Daniel. Ele está conectado a essa seção por
sua linguagem, por ser o último capítulo escrito em aramaico. Ele está conectado aí por sua localização no
livro, integrado à estrutura literária dessa parte do livro.
Agora que o estudo de toda a seção histórica do livro de Daniel está completo, é apropriado revisar
novamente o esboço quiástico dessa seção como um todo:
70
CAPÍTULO 6
INTERPRETANDO A PROFECIA
Entre os intérpretes das profecias de Daniel, há considerável desacordo sobre como a profecia deve ser
interpretada. Existem três escolas básicas de pensamento.
A perspectiva futurista considera que uma boa parte da seção profética ainda está no futuro. Os intérpretes
futuristas começam no passado, abordando as profecias de Daniel com a sequência histórica de
Babilônia, Medo-Persa, Grécia e Roma. No entanto, eles pulam completamente a era cristã e colocam o
cumprimento principal da maioria dessas profecias nos últimos sete anos da história da Terra.
Como exemplo de como esses diferentes métodos lidam com as profecias de Daniel, vamos olhar
brevemente como cada um deles lida com o símbolo profético do pequeno chifre em Daniel 7 e 8. Para os
preteristas, o pequeno chifre refere-se ao rei selêucida Antíoco Epífanes, que governou a Síria a partir de
Antioquia durante o período helenístico da história, de 175 a 163 a.C. Ele era conhecido por perseguir os
judeus.
Os futuristas também se concentram em uma figura central ao interpretar o símbolo do pequeno chifre.
Mas em vez de Antíoco Epífanes, o futurista identifica o pequeno chifre com um anticristo pessoal que
surgirá em Israel no fim dos tempos e perseguirá o povo judeu. No entanto, segundo essa perspectiva, a
igreja cristã terá sido arrebatada do mundo e não precisará suportar essa perseguição.
Obviamente, essas três escolas de pensamento - preterista, futurista e historicista - usam regras de
interpretação completamente diferentes para chegar a conclusões tão distintas. Vamos dar uma olhada
em algumas das regras de interpretação mais importantes, conhecidas tecnicamente como hermenêutica,
e ver como elas se sustentam ao compará-las com o texto bíblico e as regras que ele mesmo propõe para
sua interpretação.
71
SÍMBOLOS
As profecias de Daniel contêm numerosos símbolos. De fato, esta é uma característica proeminente da
profecia apocalíptica, como a encontrada em Daniel e Apocalipse. Os símbolos também são usados na
profecia clássica, como a encontrada nos livros de Isaías, Jeremias, Oseias e outros. (Para uma discussão
das diferenças entre a profecia apocalíptica e a clássica, veja a Introdução a esta obra, páginas 11 e 12).
No entanto, a profecia apocalíptica emprega mais símbolos do que a profecia clássica. Por isso
encontramos tantos símbolos em Daniel: metais, bestas, chifres, ventos, mares, etc.
É uma tarefa relativamente simples distinguir o que é literal e o que é simbólico nos capítulos 2, 7 e 8 de
Daniel. O texto em si faz claras distinções entre os dois. Daniel nos diz claramente quando estava em visão
e o que viu nessas visões. Aqui encontramos os elementos simbólicos. Após o término da visão, o profeta
também nos informa claramente quando está literalmente conversando com um anjo intérprete e o
conteúdo dessa conversa. Essas divisões são diretas e claras. Em Daniel 7, por exemplo, a visão termina
no versículo 14 e a explicação começa no versículo 15. Em Daniel 8, a visão também termina no versículo
14, e a explicação do anjo ocupa o restante do capítulo. Mesmo em Daniel 2, essas divisões são claras.
Embora Daniel mesmo relate o sonho (versículos 31-35) e também forneça a interpretação (versículos 36-
45), a transição entre o sonho simbólico e sua explicação é distinta no segundo capítulo.
Nos capítulos 9 e 11, a situação é um pouco diferente. Nessas duas profecias, nenhuma visão simbólica
antecede a explicação. Em vez disso, o conteúdo desses dois capítulos - baseado na visão dada no capítulo
8 - é a informação profética adicional fornecida pelo anjo Gabriel. Gabriel faz essa conexão clara em Daniel
9:23; e o próprio profeta nota essa relação em Daniel 10:1. Portanto, nos capítulos 2, 7 e 8, temos visões
simbólicas seguidas imediatamente por suas explicações, enquanto nos capítulos 9 e 11 temos apenas
explicações para a visão simbólica dada no capítulo 8.
A distinção feita aqui entre visões simbólicas e interpretações literais não deve ser entendida como se as
visões fossem cem por cento simbólicas e as interpretações fossem cem por cento literais. Há certo grau
de sobreposição. Por exemplo, a visão em que Daniel observa a cena do tribunal celestial (7:9-14) é
essencialmente literal, embora faça parte da visão. Os seres que Daniel vê lá - Deus Pai: o "Ancião de Dias";
Deus Filho: "o Filho do Homem"; e os anjos - são todos seres literais. Não há necessidade de convertê-los
em símbolos. Da mesma forma, elementos simbólicos podem ocasionalmente aparecer nas
interpretações mais literais de uma visão. Um exemplo seria o elemento tempo que aparece em ambas as
visões simbólicas (8:14) e em suas interpretações (7:25), mas mantém seu valor simbólico. Portanto,
devemos dizer que as visões são predominantemente simbólicas e as interpretações são
predominantemente literais, mas não exclusivamente.
REINOS
Os comentaristas de Daniel geralmente concordam sobre o que é simbólico e o que é literal no livro. Pois
o próprio autor faz uma distinção mais ou menos clara entre os dois aspectos. No entanto, não há acordo
geral sobre como esses símbolos deveriam ser interpretados. Por exemplo, os intérpretes têm diferenças
significativas de opinião sobre a identidade de um importante elemento simbólico: a sequência das quatro
nações nos capítulos 2 e 7. No entanto, se não conseguirmos interpretar corretamente tais símbolos
proféticos básicos, há pouca esperança de que possamos interpretar corretamente símbolos menores. Se
não conseguirmos identificar os reinos envolvidos, como poderemos entender os detalhes proféticos
dados em relação a esses reinos?
72
Aqui está como as diferentes escolas de interpretação profética identificaram os quatro reinos delineados
em Daniel 2 e 7:
Há um consenso geral de que o primeiro reino representa a Babilônia. É dito especificamente que a cabeça
de ouro da estátua no capítulo 2 representa o reino da Babilônia (2:38); e todas as diferentes escolas de
interpretação aceitam essa identificação.
A maior diferença está na interpretação da identidade do segundo reino. Os preteristas identificam a prata
na estátua e o urso na visão de Daniel 7 como o reino da Média; os historicistas e juturistas veem esse
símbolo como representação do reino combinado da Média e da Pérsia. De fato, essa diferença com o
segundo reino altera a interpretação do restante da sequência. Como indicado no diagrama, os preteristas
concluem a sequência de quatro nações com a Grécia, mas os futuristas e historicistas interpretam que a
sequência termina com Roma. Portanto, três dos quatro reinos da lista recebem identidades diferentes,
resultando em características individuais identificadas de forma diferente.
Os símbolos bíblicos do segundo reino favorecem a interpretação do reino da Média e Pérsia, e não apenas
do reino da Média. Por exemplo, no capítulo 7, o segundo reino é representado por um urso levantado de
um lado (vers. 5). A natureza biforme do urso é importante para a identificação correta do reino
representado, pois estabelece um paralelo com o símbolo do carneiro no capítulo 8. O urso levantado de
um lado no capítulo 7 é refletido no capítulo 8 pelo símbolo de um carneiro com dois chifres, um dos quais
é mais alto - algumas versões da Bíblia dizem "mais longo" - que o outro (vers. 3). O versículo 20 identifica
claramente este carneiro com o reino dual da Média e Pérsia. Portanto, o urso do capítulo 7 também
representa o reino combinado dos medos e dos persas.
Com essa identificação clara, por que os intérpretes preteristas dividem esses dois reinos e identificam o
segundo reino da sequência com a Média e o terceiro com a Pérsia?
A resposta é que eles acreditam que no capítulo 5 de Daniel é feita uma distinção entre a Média e a Pérsia,
quando o rei mencionado lá é identificado como Dario da Média (vers. 31). Isso indica, segundo eles, que
Daniel estava pensando na existência de um reino médio separado.
Os preteristas interpretaram incorretamente esse símbolo importante e, portanto, toda a série completa
de reinos. Os historicistas e futuristas interpretaram corretamente a sequência de reinos como Babilônia,
Média e Pérsia, Grécia e Roma.
73
O CHIFRE PEQUENO
O chifre pequeno é outro símbolo de vital importância em Daniel 7 e 8. É descrito como "pequeno" apenas
em seu começo; porque cresceu rapidamente e logo se tornou grande. As três escolas de interpretação
profética - preterista, futurista e historicista - concordam que esse chifre é um símbolo, mas discordam do
que ele representa. A escola preterista sustenta que o chifre pequeno deve ser identificado com Antíoco
Epifânio (175-163 a.C.), um rei grego nascido em Antioquia que reinou sobre Síria e Judeia. Desde a
Reforma, os intérpretes historicistas têm identificado esse símbolo com o papado: o poder religioso que
emergiu supremo após a queda do Império Romano. Os intérpretes futuristas veem o chifre pequeno como
representando um indivíduo que se levantará em Israel e perseguirá os judeus nos últimos dias. Portanto,
para os futuristas, há uma lacuna na profecia desde a Roma imperial até esses eventos futuros do fim, um
período intermediário que não é coberto por nenhum elemento presente na profecia.
Dado que Antíoco Epifânio desempenhou um papel tão importante na história da interpretação do chifre
pequeno, precisamos examinar sua carreira histórica à luz dessa profecia. Quão bem Antíoco Epifânio se
encaixa nos detalhes proféticos?
Como o chifre pequeno emerge da quarta besta (Daniel 7:7, 8), é claro que sua interpretação simbólica
depende da identidade que damos à quarta besta. Essa é, na verdade, a motivação dos preteristas: reduzir
a série e fazê-la terminar com a Grécia, e não Roma. Dado que Antíoco Epifânio emergiu do colapso do
reino de Alexandre, os preteristas podem identificar o chifre pequeno com Antíoco Epifânio se identificarem
o quarto reino com a Grécia. Mas como vimos acima, os preteristas erram ao identificar a quarta besta com
a Grécia. A quarta besta é Roma, não Grécia. E como os preteristas cometeram um erro na interpretação
da quarta besta da série, eles também erraram na identificação do chifre pequeno. Claramente, o rei grego
Antíoco Epifânio não pode surgir de Roma!
Há outra evidência de que a identificação com Antíoco está errada: Em Daniel 8, vemos uma progressão
no poder dos reinos representados. O carneiro (Média-Pérsia) crescia (vers. 4). Então veio o bode (Grécia),
que cresceu grandemente (vers. 8); seguido pelo chifre pequeno, cujo crescimento alcançou até o exército
do céu (vers. 9, 10, 11). Tal progressão só é possível se o chifre pequeno for visto como Roma, não como
Antíoco. O poder de Roma era maior que o da Grécia. Mas se identificarmos o chifre pequeno com Antíoco,
a progressão não se ajusta a essa interpretação, porque o poder de Antíoco foi muito menor que o de
Alexandre, representado pelo primeiro grande chifre do bode (vers. 5, 21).
O versículo 9 afirma que o chifre pequeno estendeu suas conquistas "para o sul, para o leste e para a terra
gloriosa". Esses pontos cardeais se encaixam perfeitamente com a conquista e assentamento de Roma
nas quatro principais regiões que herdou do Império Grego: Macedônia e Pérgamo, para o leste, em 168 e
133 a.C.; a "terra gloriosa" de Judá, em 60 a.C.; e Egito, para o sul, em 33 a.C.
Por outro lado, Antíoco fez muito pouco nessas três direções. Ele teve algum sucesso para o sul em 169
a.C., quando conquistou metade oriental do delta do Egito. Mas quando voltou no ano seguinte, o
embaixador romano traçou uma linha na areia e o ameaçou se não recuasse. Antíoco deu meia-volta e
voltou para a Síria sem disparar uma flecha sequer, mostrando onde estava o verdadeiro poder naquele
tempo. Antíoco Epifânio teve algum sucesso inicial em sua campanha para o leste, mas morreu durante a
expedição. Com a "terra gloriosa" de Judá, ele se saiu ainda pior: não apenas não conseguiu conquistá-la,
mas ele foi responsável por perdê-la. Irritados pelas perseguições de Antíoco, os judeus se levantaram e
libertaram Judá da Síria! Portanto, Roma atende a essa especificação da profecia muito melhor do que
Antíoco Epifânio.
Um ponto final sobre a identificação do chifre pequeno está relacionado ao tempo profético no livro de
Daniel. Nenhum dos períodos de tempo profético em Daniel - os 2.300 dias (8:14), os três tempos e meio
(7:25; 12:7), os 1.290 dias (12:11) ou os 1.335 dias (12:12) - se encaixam em Antíoco Epifânio. O livro de 1
Macabeus diz que a profanação do templo por Antíoco em Jerusalém durou exatamente três anos. Mesmo
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que os cálculos sejam feitos em anos literais, não simbólicos, é óbvio que todos os períodos de tempo
profético em Daniel excedem os três anos.
Os comentaristas preteristas estão cientes dessa dificuldade e empreenderam a tarefa de resolvê-la: eles
literalizam os 2.300 dias, em 2.300 "tardes e manhãs", e os dividem pela metade, chegando assim a 1.150
dias. No entanto, isso não resolve o problema, porque três anos lunissolares completos equivalem a 1.092
dias (354 + 354 + 384).
Portanto, devemos rejeitar a interpretação que considera Antíoco Epifânio como o cumprimento do
símbolo do chifre pequeno. No capítulo 7, o chifre pequeno representa a fase religiosa de Roma, que
emergiu após as divisões do Império Romano (vers. 7, 8; compare com o vers. 24). E no capítulo 8, o chifre
pequeno inicialmente representa a fase imperial de Roma, que entrou em cena após a divisão da Grécia
(vers. 9, 23). Essas identificações se encaixam muito melhor com os fatos históricos do que a interpretação
de Antíoco Epifânio como o chifre pequeno.
TEMPO PROFÉTICO
Como devemos entender os períodos de tempo nas profecias de Daniel? Quando a profecia fala de "2.300
tardes e manhãs" (8:14) ou "1.290 dias" (12:11), devemos entender que se trata de dias literais ou de um
tempo simbólico?
Uma das chaves está na identificação anterior, quando identificamos o chifre pequeno com Roma. Se esta
identificação estiver correta, então o tempo profético associado à atividade do chifre pequeno também
deve se ajustar ao período coberto por Roma. A Roma imperial durou vários séculos; e a Roma papal a
sucedeu durante a Idade Média. Tomados literalmente, os períodos proféticos de Daniel não abrangeriam
sequer uma pequena parte dessa história. Essa correlação indica que os períodos proféticos devem ser
entendidos como tempo simbólico em harmonia com seus contextos.
Os comentadores preteristas e futuristas, no entanto, sustentam que esses períodos de tempo devem ser
considerados como tempo literal, com exceção de algumas referências em Daniel 9. Os preteristas, é claro,
colocam esse tempo literal no passado, enquanto os futuristas o colocam no futuro. Por outro lado, os
historicistas entendem esses períodos como um tempo simbólico, já cumprido, que representa a maior
parte do conteúdo das profecias.
Que evidência existe de que esses tempos proféticos devem ser entendidos simbolicamente? E se assim
devem ser interpretados, que regras de interpretação devem ser seguidas? A primeira característica que
aponta para a natureza simbólica desses períodos de tempo é seu contexto simbólico. Por exemplo, as
2.300 tardes e manhãs estão na visão de Daniel 8 em um cenário que contém outros símbolos: um carneiro,
um bode, quatro chifres e um chifre pequeno.
Em Daniel 7:21, o profeta diz: "E via eu que este chifre [o chifre pequeno] fazia guerra contra os santos, e os
vencia". Esta terminologia é claramente simbólica. O versículo 25 indica por quanto tempo ["tempo,
tempos e metade de um tempo"] continuaria essa perseguição ao povo de Deus. Como todo o contexto do
poder perseguidor é simbólico, seria lógico que os períodos de tempo dados também fossem simbólicos.
O fato de que esses períodos de tempo profético devem ser entendidos simbolicamente também é
indicado pela natureza simbólica das unidades nas quais são dados. Daniel 8:14 usa "tardes e manhãs",
que não é uma unidade normal de expressão de tempo no Antigo Testamento. Da mesma forma, o "tempo,
tempos e metade de um tempo" de Daniel 7:25; 12:7 não é a palavra para "anos". Esses tempos têm que
ser interpretados como anos, de acordo com Daniel 4:16, 23, 25, 32, e Apocalipse 12:6, 14; 13:5.
Novamente, em Daniel 9 a unidade de tempo é "semanas" ou "setes" (vers. 24-27), mesmo que, como
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mostrado pelo conteúdo da profecia, estas não sejam semanas normais de sete dias de vinte e quatro
horas.
Outro ponto a ser destacado é que os períodos de tempo estão expressos em quantidades que só podem
ser interpretadas simbolicamente. Por exemplo, um hebreu não dataria normalmente um evento futuro
com a expressão "2.300 dias". Ele diria "seis anos e quatro meses". Também não dataria algo com "setenta
semanas". Ele diria "um ano e quatro meses e meio". Os 1.260 dias, os 1.290 dias e os 1.335 dias teriam
sido mais comumente expressos como três anos e meio, três anos e sete meses, e três anos e oito meses
e meio.
Todas essas considerações indicam que não estamos lidando com tempo literal nas porções proféticas de
Daniel, mas com tempo simbólico. Se isso for verdade, com que critério devemos avaliar esses símbolos
em termos de tempo histórico real? Isso traz à tona a regra do dia por ano na profecia. Ela é encontrada
primeiramente em Números 14:34 e Ezequiel 4:6, duas profecias clássicas, não apocalípticas. Números
14:34 estabelece uma regra a ser usada como base para o julgamento futuro de Israel. Os quarenta dias
usados pelos espias que voltaram com um relatório pessimista depois de explorar a terra, forneceram uma
escala para os quarenta anos durante os quais os israelitas andariam no deserto.
Em Ezequiel 4:6, o profeta, com base na regra do dia por ano, simbolizou os anos da iniquidade de Israel e
Judá deitando-se sobre seu lado uma certa quantidade de dias. Esses dias correspondiam aos anos em
que Israel e Judá viveriam na iniquidade. Portanto, Ezequiel, que profetizou na mesma época de Daniel,
conhecia e usava essa regra concernente ao tempo profético.
Dentro do livro de Daniel também existe evidência de que essa regra do dia por ano deve ser usada em suas
profecias de tempo. Em Daniel 9:24-27 se refere a um período profético de setenta semanas. Devido a
todos os eventos que aconteceriam dentro dessas setenta semanas, é claro que elas tinham que ser
entendidas simbolicamente. Dentro dessas setenta semanas, Judá retornaria à sua própria terra e
reconstruiria Jerusalém e o templo. Então, em algum momento posterior dentro desse período de tempo,
o Messias viria e ministraria ao povo, mas seria cortado, ou morto. Obviamente, tudo isso não poderia ser
cumprido em um ano e meio literal. Essas "semanas" têm que ser simbólicas.
A prova pragmática da história demonstra que a unidade simbólica de uma semana é equivalente a sete
anos literais, um dia por um ano. Usando esse critério, os eventos desta profecia se encaixam
perfeitamente. O período começaria com "a saída da ordem para restaurar e reconstruir Jerusalém" (vers.
25), e terminaria com o Messias confirmando o pacto com muitos (ver vers. 27). Jerusalém seria restaurada
ao final das sete "setes" ou semanas (vers. 25), e o Messias viria sessenta e duas "setes" depois (vers. 26).
Se usarmos a regra de um dia por ano e começarmos as setenta semanas (ou 490 anos) em 457 a.C.,
quando Artaxerxes decretou o édito que resultou na reconstrução de Jerusalém, todas as datas preditas se
encaixam com o período de tempo que termina em 34 d.C. No capítulo seguinte, vamos examinar os
detalhes desta profecia cumprida com precisão na história.
Embora tanto preteristas quanto futuristas acreditem que os períodos de tempo profético de Daniel são
literais e não simbólicos, eles reconhecem implicitamente a validade da regra do dia por ano quando se
trata das setenta semanas de Daniel 9. Eles não usam as datas precisas dadas acima (457 a.C. e 34 d.C.),
mas também não tentam ajustar a profecia em setenta semanas literais, ou aproximadamente um ano e
meio. Os futuristas frequentemente datam o início do período por volta de 444 a.C., e terminam a semana
sessenta e nove, com uma data para a crucificação de Cristo em 33 ou 34 d.C. Os preteristas
frequentemente iniciam as setenta semanas em 593 a.C., e as levam até o tempo de Antíoco Epifânio, por
volta de 165 a.C. Mas, apesar de tais variações, tanto futuristas quanto preteristas concebem as setenta
semanas de Daniel 9 como um período de tempo que se estende muito além de "setenta semanas" literais,
o que implicitamente admite que a regra do dia por ano tem valor pelo menos para este período de tempo
profético.
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No início deste capítulo, dissemos que o capítulo 11 continha informações proféticas adicionais dadas
pelo anjo Gabriel, com base na visão anterior do capítulo 8. Daniel 8 fornece os símbolos, e Daniel 11
fornece sua interpretação literal. Este fato nos dá mais uma razão para considerar os períodos de tempo
proféticos de Daniel como simbólicos.
Por exemplo, no capítulo 8, o profeta observa entidades simbólicas (reinos); mas no capítulo 11, essas são
apresentadas como pessoas literais (reis individuais). No capítulo 8, Daniel descreve ações simbólicas (o
desmoronamento de estrelas, etc.); no capítulo 11, temos ações literais (batalhas reconhecíveis). E no
capítulo 8, Daniel recebe um período de tempo simbólico (tardes e manhãs); no capítulo 11, encontramos
tempo literal (anos).
Por exemplo, no capítulo 11, os versículos 6, 8 e 13 falam de "anos". Em cada caso, esses anos calculam
(embora sem especificar um número específico) algumas atividades dos reis gregos no Egito (os
ptolomeus), ou na Síria (os selêucidas). Esses reis gregos pertencem ao período coberto pelos quatro
chifres que surgiram da cabeça do bode (8:22). Esse mesmo período de tempo do bode e seus quatro
chifres é coberto também por uma parte das 2.300 tardes e manhãs (8:14). Portanto, quando usamos
Daniel 11 para interpretar Daniel 8, descobrimos que as tardes e manhãs no capítulo 8 correspondem a
anos literais e históricos no capítulo 11. É claro, então, que as 2.300 tardes e manhãs do capítulo 8 têm que
ser simbólicas. Se fosse um tempo literal, se estenderia por pouco menos de seis anos e meio; tempo
insuficiente para abranger as atividades apresentadas por seu equivalente no capítulo 11. Assim, o próprio
livro de Daniel ensina o princípio do dia por ano.
RESUMO
O livro de Daniel contém um tipo especial de profecia com uma grande quantidade de símbolos. Em Daniel,
os símbolos são encontrados principalmente nas visões, enquanto seus equivalentes literais e históricos
estão principalmente nas interpretações dadas pelo anjo. As distinções entre os símbolos e a interpretação
são bastante nítidas nos capítulos 2, 7 e 8. Mas nos capítulos 9 e 11, não há uma visão simbólica. Em vez
disso, esses capítulos apontam retrospectivamente para a visão simbólica do capítulo 8 e fornecem
interpretações de certos aspectos dessa visão.
O esboço dos poderes mundiais sucessivos dos capítulos 2, 7, 8 e 11 é fundamental para as porções
proféticas de Daniel. É necessário interpretar os reinos apresentados pelos símbolos nesses capítulos.
Com base nas correlações dentro do próprio livro de Daniel, afirmo que a sequência deve ser identificada
como Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. O chifre pequeno de Daniel 7 e 8 segue o quarto desses
reinos, indicando que surge como uma nova fase de Roma, uma fase religiosa. Assim, a posição tomada
neste livro é que o chifre pequeno representa o papado, não Antíoco Epifânio. Os eventos registrados na
história confirmam essa identificação.
Várias das profecias de Daniel incluem períodos de tempo, o que levanta a questão de se estes devem ser
entendidos literal ou simbolicamente. O contexto, as unidades de medida de tempo e as próprias
quantidades utilizadas indicam que esses períodos de tempo profético devem ser entendidos
simbolicamente e significam extensos períodos de tempo histórico real. Números 14:34, Ezequiel 4:6,
Daniel 9:24-27 e Daniel 8:14 comparados com Daniel 11:6, 8, 13, demonstram que a regra para a
interpretação do tempo profético nas profecias apocalípticas deve ser o princípio do dia por ano.
Esses são os princípios básicos de interpretação que aplicaremos às profecias do livro de Daniel.
Conforme a necessidade surgir, e no contexto de profecias específicas, apresentaremos outros princípios
de interpretação.
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CAPÍTULO 7
Quando orava, Daniel tinha em mente o rolo do profeta Jeremias, especialmente a porção registrada no
capítulo 25. Ali, Daniel leu na profecia de Jeremias que o exílio na Babilônia duraria setenta anos (veja Jer.
25: 10-14; Dan. 9: 1-3). Daniel sabia que esses setenta anos estavam prestes a terminar. Nabucodonosor,
rei da Babilônia, havia sitiado Jerusalém três vezes: primeiro em 605 a.C., depois em 597, e finalmente de
589 a 586. Em cada ocasião, levou pessoas cativas para Babilônia. Daniel foi levado cativo durante o
primeiro cerco; e quando Babilônia caiu para os persas, o profeta já havia vivido na Babilônia por quase
setenta anos. Não é de se surpreender que suas orações adquirissem um tom de urgência quando ele via
que o tempo predito estava chegando ao fim.
Em resposta à oração de Daniel, o anjo Gabriel foi enviado para reafirmar ao profeta que a resposta de Deus
era sim! "Teu povo vai voltar para casa, para sua própria terra. Sim, eles vão reconstruir a cidade de
Jerusalém e seu templo", foi a promessa do anjo.
Mas a resposta de Deus a Daniel foi além do futuro imediato: "Deus está lhe dizendo algo mais", continuou
Gabriel. "Ele quer lhe contar o que vai acontecer com seu povo muito tempo depois da restauração. Ele
quer falar sobre o Messias: quando ele virá, o que ele fará e o que acontecerá com ele. Deus quer lhe dizer
como seu povo responderá ao Messias que virá e o que acontecerá como resultado."
Tudo isso foi revelado por Deus ao seu profeta, e essa revelação é o conteúdo da profecia do capítulo 9.
Daniel sabia, pela profecia de Jeremias 25:10-14, que o cativeiro dos judeus na Babilônia duraria setenta
anos. Ele também sabia que esse período estava chegando ao fim; o profeta havia vivido na Babilônia por
quase setenta anos. Ele chegou em 605 a.C., e o ano de 538 já estava em curso. Daniel orava com sua Bíblia
aberta (versículo 2), enquanto refletia sobre essas coisas. Este é um exemplo que deveríamos seguir.
Encontramos preciosas promessas na Palavra de Deus; e devemos apresentá-las a Deus em oração,
suplicando por sua realização em nossas vidas e na igreja.
Daniel começou sua oração dirigindo-se a Deus como "grande, digno de ser temido, que guarda o pacto e
a misericórdia com aqueles que o amam e guardam seus mandamentos" (versículo 4). Esta introdução diz
muito sobre o que Daniel entendia sobre Deus e as experiências que ele havia tido com ele durante sua
vida. Em nossas orações, também devemos expressar nossos sentimentos sobre Deus, baseados nas
experiências que tivemos com ele. A descrição de Daniel de Deus como "grande e digno de ser temido"
expressa a transcendência de Deus. Sua natureza dá lugar a um temor reverente e a uma compreensão
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profunda de sua santidade e tremendo poder. Isso é o que a Bíblia quer dizer com "temer" a Deus. A
referência de Daniel a Deus como alguém que guarda e mantém seu pacto enfatiza o fato de que o Senhor
é fiel em cumprir suas promessas. Assim como fez o antigo Israel, também entramos em um pacto com
ele. Esse pacto impõe certas obrigações, tanto de Deus quanto de nós, mas nenhuma das partes cumpre
os deveres apenas por obrigação. Como Daniel aponta, o amor é o motivo que origina o pacto, e também o
mantém. O pacto é baseado no amor: o amor de Deus por nós e nosso amor por ele. A palavra hebraica
usada para expressar essa ideia de pacto é "chesed". É uma palavra rica em significados; difícil de traduzir
adequadamente. Ela contém a ideia de fidelidade: Deus sempre cumprirá sua parte do pacto. Mas também
implica a ideia do profundo amor do qual essa fidelidade brota. A Bíblia inglesa às vezes a traduz como
"amorosa bondade". Isso nos lembra que podemos nos aproximar de Deus em oração, confiando que ele
nos ouvirá e responderá, porque nos ama.
Em sua oração, Daniel vai direto ao cerne do problema. Os versículos 5 e 6 repetem uma ideia central várias
vezes: "Pecamos. Tu nos deste boas leis - Daniel diz -, mas as violamos. Tu nos enviaste teus servos, mas
não os ouvimos." Daniel tinha o livro de um desses profetas diante dele. O povo se recusou a ouvir Jeremias;
se tivessem prestado atenção, poderiam ter salvo suas vidas, a cidade e a nação.
Hoje nos maravilhamos com quão tolos foram por não ouvir a Deus através de seus profetas. Mas nós
agimos da mesma forma? Quão cuidadosamente ouvimos a voz de Deus através de seus servos modernos
e sua Palavra escrita? Se tivéssemos vivido nos tempos de Jeremias, o teríamos ouvido mais do que as
pessoas de Jerusalém o fizeram?
Daniel reafirma a perspectiva de Deus como justa inalteravelmente: "Tua é, Senhor, a justiça" (versículo 7).
As pessoas não são justas, mas Deus é. Mesmo quando as pessoas insistem em sua injustiça, ele
continuará sendo justo. Ele nunca muda. Hoje, temos que lidar com o mesmo Deus imutável, sempre justo.
Então, como Daniel, temos que servi-lo com justiça. Devemos pedir o presente de sua justiça por meio de
seu Filho, Jesus Cristo.
De acordo com o versículo 7, o resultado da injustiça das pessoas foi claramente evidente. Tinham sido
dispersos no exílio por várias nações do mundo antigo. Pior ainda, os habitantes dessas terras pagãs
sabiam por que o povo de Deus tinha sido disperso. Os hebreus e seu Deus haviam se tornado sinônimos
de vergonha no mundo antigo.
Nossas falhas e pecados também têm repercussões em nós e em nossa relação com Deus. Precisamos
enfrentar essa realidade. Mas há um remédio. Daniel nos mostra a solução. Precisamos entregar a Deus
nossos caprichos e os tristes resultados que produzem. Ele é o grande Restaurador. Ele pode nos perdoar
e nos trazer de volta ao nosso estado original. Assim como Deus pode restaurar o santuário, pode restaurar
nossa vida em justiça se estivermos dispostos a permitir que ele o faça.
Na antiguidade, as pessoas se identificavam diretamente com seus antepassados. Isso é o que Daniel está
falando no versículo 8: "Oh Senhor, nossa é a confusão de rosto, de nossos reis, de nossos príncipes e de
nossos pais; porque contra ti pecamos." Daniel sentiu a necessidade de um perdão que cobrisse seus
pecados e os de seu povo, que limpasse a vergonha do passado e restaurasse o favor de Deus. Por isso, ele
confiava novamente no caráter piedoso e perdoador de Deus (versículo 9). Ele admite livremente que nem
ele, nem seu povo, nem seus antepassados mereciam compaixão. Mas confiava em um Deus que nos
perdoa mesmo quando não merecemos ser perdoados.
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Nos versículos 10 e 11, Daniel mais uma vez revisa a lista de pecados, resumindo-os: "Todo o Israel
transgrediu a tua lei" (versículo 11). Isso se assemelha ao resumo de Paulo da condição humana: "Não há
justo, nem sequer um" (Rom. 3:10).
O próximo elemento na oração de Daniel (versículos 11 e 12) é o reconhecimento de uma razão mais
específica para o exílio do povo de Judá. Sua falta de fé os havia exposto a receber a maldição contida na
lei de Moisés para quem não obedecesse. Essas leis estão especificamente nos capítulos 26 a 33 de
Deuteronômio. Moisés apontou que o povo seria abençoado se obedecesse a essas leis, mas que as
maldições cairiam sobre eles como resultado da desobediência. Isso é o resultado do princípio de que a
desobediência tem consequências. Mas também é uma função do juízo de Deus contra o pecado. Daniel
viu o resultado inexorável desses princípios no destino do povo de Judá, que sofreu o cativeiro em terras
estrangeiras.
Hoje, também recebemos as consequências de nossa desobediência. Por exemplo, na maioria dos casos,
o câncer de pulmão é resultado do tabagismo. Ao fumar, corre-se o risco de contrair câncer, porque se está
introduzindo uma substância cancerígena nos brônquios. Os efeitos que ocorrem no reino espiritual são
semelhantes. Em outros casos - como o de Jó - não podemos estabelecer uma causa direta das
calamidades que caem sobre nós. Mas em toda situação sabemos que um Deus amoroso e perdoador
espera que retornemos a ele, arrependidos.
Estava claro para Daniel qual era a causa espiritual do exílio. Era a desobediência do povo. Em sua oração
intercessória, Daniel busca o perdão. Como seu intercessor, Daniel mais uma vez recorre aos poderosos
atos divinos como base para seu apelo (versículos 15, 16). Ele reflete sobre a experiência do êxodo do Egito,
quando Deus tirou seu povo com mão poderosa. Quando um pacto era feito na antiguidade, sempre
começava com uma introdução que narrava a história dos relacionamentos passados entre as duas partes
do pacto. Seguindo essa estrutura, Daniel lembra a Deus desses eventos. Ele admite que esses atos tão
misericordiosos realizados por Deus no passado deveriam ter motivado as pessoas a amá-lo e obedecê-
lo. O profeta admite sua ingratidão e falta de fé à luz do grande amor de Deus por eles e seus pais.
Ao considerar quão amorosa e misericordiosamente Deus tem guiado nossa vida pessoal, devemos sentir-
nos motivados a servi-lo e amá-lo. Precisamos expressar em nossas orações o reconhecimento por tudo o
que ele fez por nós e admitir o quanto frequentemente falhamos em corresponder a esse amor.
A última súplica de Daniel a Deus é baseada na honra de seu nome (versículos 17-19). Ao perdoar o indigno
povo de Judá, Deus poderia fazer com que seu nome fosse honrado entre todas as nações do mundo.
Pessoas de qualquer lugar perceberiam o quão grande e piedoso ele é. A honra de Deus está em risco no
mundo de hoje, tanto quanto nos tempos de Daniel. Nós desempenhamos um papel na grande
controvérsia e temos a obrigação de louvar e glorificar nosso Pai celestial. É difícil evitar orações egoístas,
mas precisamos ter uma visão ampla e orar não apenas por nós e nossas famílias, mas pela honra de Deus.
Jesus disse isso em seu Sermão da Montanha: "Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam
as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus" (Mat. 5: 16). Nossas vidas devem ser
vividas de modo que o nome de Deus seja louvado.
A linguagem com que Daniel encerra sua oração indica o fervor de seus sentimentos. Suas palavras
respiram a intensidade de seu desejo: "Ouve, Senhor; oh Senhor, perdoa; presta ouvido, Senhor, e faz isso;
não te demores, por amor de ti mesmo, Deus meu; pois o teu nome é invocado sobre a tua cidade e sobre
o teu povo" (versículo 19). Com muita frequência, nossas orações são oferecidas de forma apática, com
muita repetição e frases feitas. Como a oração de Daniel, nossas orações devem respirar um interesse
intenso pelos outros. A oração de Daniel não foi repetitiva. Foi uma oração de intensa emoção. Se orarmos
de forma semelhante, poderemos receber mais respostas às nossas orações, porque Deus terá compaixão
de nós ao ver nossa sinceridade.
80
A resposta inicial de Deus à fervorosa oração de Daniel foi enviar Gabriel. Gabriel trouxe a resposta de Deus
ao profeta, e essa resposta está relacionada à profecia relatada no capítulo 8, que discutiremos nos
próximos capítulos.
Podemos ver na oração de Daniel algo do que o profeta pensou sobre Deus. Mas o que Deus pensou sobre
Daniel? Podemos ter uma ideia nas primeiras palavras de Gabriel: "Tu és muito amado" (versículo 23), disse
ele a Daniel, dirigindo-se respeitosa e afetuosamente.
Daniel era um guerreiro veterano de Deus. Naquela época, ele tinha cerca de noventa anos de idade. Não
se pode pensar que alguém nessa idade já não seria útil para Deus. Pelo contrário, Daniel ainda era "muito
amado". Isso deveria encorajar aqueles que já estão em idade avançada. Deus ainda leva em consideração
os idosos e cuida deles. O Senhor os mantém em alta estima. Nós somos grandemente amados pelo Deus
do universo!
No entanto, um terceiro elemento se intromete na história, lançando nuvens de tempestade sobre esse
quadro. Esse terceiro elemento é conhecido como o devastador (vers. 27). O devastador traz desolação à
cidade de Jerusalém e ao seu templo. Sabemos historicamente que isso foi cumprido pelo poder do
Império Romano, as forças que conquistaram e destruíram Jerusalém em 70 d.C. Assim, apesar dos pontos
positivos desta profecia - a restauração do povo e a vinda do Messias -, tudo termina com uma nota sombria
de outra destruição.
A frase inicial do versículo 24 especifica o elemento temporal envolvido e o foco especial desse elemento
temporal: o povo. "Setenta semanas ['sietes'] estão determinadas sobre teu povo e sobre tua santa cidade".
Cristo como sacrifício. Na nota de rodapé, a Nova Versão Internacional traduz "sietes" em vez de
"semanas". Embora a palavra para "semana", shabua, seja baseada no vocábulo sheba, raiz etimológica de
"sete", ela possui vogais diferentes, de modo que não há confusão entre as duas. Não devemos adicionar
a palavra "anos" (semanas de anos) aqui, como na Versão Revisada Padrão (RSV), porque essa palavra não
está no texto original. A palavra usada aqui simplesmente deve ser traduzida como "semanas" e nada mais.
81
Obviamente, o uso da palavra "semanas" traz consigo a clara ideia de que estamos lidando com tempo
simbólico. Nenhum comentarista afirma que os eventos preditos poderiam ocorrer em um ano e meio. Isso
era apenas tempo suficiente para construir o altar do templo, muito menos para o restante do templo e da
cidade (veja Esd. 3). Claramente, estamos lidando com tempo simbólico. Setenta semanas de sete dias
equivalem a 490 dias. Se cada dia representar um ano de tempo normal (veja Núm. 14:34; Eze. 4:6), essa
profecia se estenderá por quase cinco séculos. Sem dúvida, uma profecia de longo alcance!
Todos os comentaristas concordam basicamente que em Daniel 9 deve-se empregar o princípio do dia por
ano, porque é impossível comprimir todos os eventos preditos dentro de setenta semanas literais,
aproximadamente um ano e meio. Esse problema se torna ainda mais agudo nos tempos das profecias de
Daniel 7, 8, 11 e 12. Os argumentos para a aplicação desse princípio podem ser extraídos de passagens do
Antigo Testamento que estão fora de Daniel. Mas uma comparação da unidade de tempo simbólico "tardes
e manhãs" de Daniel 8:14 com "anos" literais de Daniel 11:6, 8, 18, indica que os dias devem ser
interpretados como anos. Essa conexão é sustentada pelo fato de que Daniel 11 é a explicação mais direta
e próxima da profecia simbólica de Daniel 8. (No final deste capítulo, é sugerida leitura especializada sobre
o princípio do "dia por ano". Veja também o capítulo 6 para uma discussão mais aprofundada sobre este
tema.)
O intervalo de tempo desta profecia era muito longo, no entanto, seu foco geográfico era estreito. Está
especialmente focado em "teu povo e tua cidade santa" (Dan. 9:24); isto é, Jerusalém e o povo de Judá.
Este é um foco diferente de outras linhas proféticas importantes no livro de Daniel. As profecias de Daniel
2, 7, 8 e 11 delineiam o surgimento e a queda das nações desde sua aparição até seu desaparecimento.
Mas em Daniel 9, não vemos o avanço progressivo em direção a Babilônia, Média-Pérsia, Grécia e Roma;
algumas dessas nações faziam parte do pano de fundo histórico no qual o destino de Judá foi resolvido.
Daniel 9 se concentra mais especificamente no povo de Deus.
O verbo na frase "setenta 'semanas' estão determinadas para teu povo" (vers. 24) significa literalmente "ser
cortado". Esse significado forma uma conexão definida com a profecia de Daniel 8. Essa conexão será
discutida mais adiante, no final do capítulo.
A frase inicial desta profecia continua com uma série de seis eventos ou ações, que serão cumpridos ao
final das setenta semanas especificamente atribuídas ao povo judeu. Não é dito exatamente quando cada
um desses eventos será cumprido; isso terá que esperar ainda a parte mais detalhada do texto. Lembre-se,
isso é apenas o resumo inicial, ao qual os versículos subsequentes darão mais forma.
Essas seis ações vêm em três pares. O primeiro par é especialmente direcionado ao povo de Judá e
descreve o que eles alcançarão neste quadro de setenta semanas. O segundo par descreve as ações que
Deus assumirá como sua própria responsabilidade. O último par aponta o resultado que fluirá da
combinação das ações anteriores.
As duas ações que estão sob a responsabilidade do povo de Deus são "acabar com a transgressão e pôr
fim ao pecado" (vers. 24). Na língua hebraica, há muitas palavras para se referir ao pecado; cada uma tem
seu próprio significado. O significado de "transgressão" (na frase "acabar com a transgressão") é pecado
como rebelião contra Deus. A segunda frase, "pôr fim ao pecado", usa a palavra comum para pecado, que
significa errar o alvo, a meta ou o ideal de Deus. Assim, Gabriel encarrega o povo judeu com a
responsabilidade de rejeitar o pecado para revelar uma sociedade justa. Como o antigo Israel no deserto,
eles tinham que purificar o acampamento para criar as condições adequadas para a chegada do Messias.
A responsabilidade de Deus, conforme refletido na segunda parte das ações do versículo 24, era "expiar a
iniquidade, para trazer justiça duradoura". A expiação era um fator central no sistema de sacrifícios do
santuário hebreu (veja Levítico 4 e 16). Mas a expiação mencionada vai além do que esse sistema poderia
alcançar. Como aponta o livro de Hebreus, havia um problema com o antigo sistema. O problema era que
a expiação apontada era temporária. O pecado era perdoado com um sacrifício; mas se outro pecado fosse
cometido, então outro sacrifício era necessário. O sistema continuava em um ciclo (ver Hebreus 7:11;
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10:14). Mas o que Daniel 9:24 aguardava ansiosamente era uma grande expiação final. Isso nos foi
providenciado pela morte de Jesus Cristo na cruz. Uma vez que esse sacrifício abrangente aconteceu de
uma vez por todas, não são mais necessários sacrifícios contínuos (veja Hebreus 7:27; 9:12, 25; 10:10, 12,
14).
Isso marca a transição de uma justiça temporária e transitória para uma permanente e eterna. E isso é
exatamente o que a próxima ação referida em Daniel 9:24 trata: "trazer justiça duradoura". A justiça que
emana da morte de Cristo continua até hoje, cerca de 2.000 anos depois, e continuará fluindo pela
eternidade.
Os dois últimos eventos do versículo 24 são o resultado das quatro primeiras ações. A primeira era "sellar
a visão e a profecia". A palavra "profecia", na verdade, deveria ter sido traduzida como "profeta". Viria um
tempo em que tanto a visão quanto o profeta seriam selados. Isso está no contexto do que aconteceria
com o povo de Judá. Esta profecia foi dramaticamente cumprida com o apedrejamento de Estêvão (veja
Atos 7). Pode-se perguntar com toda razão o que há no martírio de Estêvão que o torna mais especial que
os outros. Várias características o destacam como algo especificamente importante em um sentido
espiritual.
Primeiro, há o cenário do discurso de Estêvão. Ele deu sua defesa diante do Sinédrio, o mais alto corpo
religioso do povo e os representantes religiosos da nação (veja Atos 6:12). Segundo, há a natureza do
discurso de Estêvão. Para o leitor moderno, é bastante longo e não muito interessante, porque avança por
muita história. Começa com Abraão (7:2) e segue com Isaque, Jacó (vers. 8), e José (vers. 9), explicando
como os israelitas chegaram ao Egito. Então ele narra a história da libertação do povo sob Moisés (vers. 20-
36), a rebelião sob Arão no Sinai (vers. 40), o momento em que Josué introduz o povo em Canaã (vers. 45).
Então Estêvão menciona Davi (vers. 45) e Salomão (vers. 47), que construiu o templo. Nesse ponto, Estêvão
interrompe seu discurso para acusar os líderes religiosos de resistir ao Espírito Santo e aos profetas, e
crucificar o Justo, o Messias.
Mas eles não gostaram. Como resultado, o arrastaram para fora da cidade e o apedrejaram (vers. 58). Justo
antes disso acontecer, Estêvão, que estava "cheio do Espírito Santo, olhando firmemente para o céu, viu a
glória de Deus e Jesus, que estava à direita de Deus" (vers. 55). E deu testemunho do que viu diante do
grupo ali reunido.
Quando uma pessoa olha para o céu e vê Deus sentado em seu trono e Jesus à sua direita, essa pessoa
está em visão. As pessoas que têm visões são, por definição, profetas. Naquele momento, tecnicamente
falando, Estêvão era um profeta. Mas sua audiência não ouviu nem aceitou sua visão; eles o rejeitaram e o
apedrejaram, selando seus lábios com a morte. Quando Estêvão morreu, a última voz profética havia falado
a Israel como o povo escolhido por Deus.
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É claro que há outros profetas no Novo Testamento depois de Estêvão: Paulo e João, e outros mais. Mas os
profetas após Estêvão profetizaram para a igreja cristã, não para Israel. Uma mudança profunda havia
ocorrido da profecia direcionada ao povo de Israel para a direcionada à igreja. "A visão e o profeta" haviam
sido selados para "teu povo e tua cidade santa" (Dan. 9:24).
A segunda metade do último par de eventos do versículo 24 trata do assunto da unção do "Santo dos
santos". Desde os tempos da igreja primitiva, houve duas opiniões centrais sobre essa ação. Uma linha de
pensamento o vê como uma referência à unção do Messias. No entanto, há um problema com essa
interpretação, pois a frase não se aplica normalmente a pessoas. Geralmente é usada para se referir ao
Santuário. Pode ser usada para o Santo Lugar, o Santíssimo Lugar, ou todo o Santuário. Também pode estar
ligada aos utensílios no Santuário. Em qualquer caso, é uma frase do Santuário e deve ser vista como tal
naquele versículo (25), então não perdemos nada aplicando essa frase no versículo 24 ao Santuário.
A pergunta é, então, a que santuário se refere essa unção? O tabernáculo no deserto já estava em desuso
há muito tempo, e o primeiro templo jazia em ruínas na época de Daniel. O segundo templo, que estava
prestes a ser reconstruído, também não é um bom candidato, porque em Daniel 9:26 diz sobre ele: "E o
povo de um príncipe que virá destruirá a cidade e o santuário". Esta profecia contém uma predição da
destruição do segundo templo. Portanto, por um processo de eliminação, ficamos apenas com um
santuário bíblico: o Santuário celestial.
Nos tempos antigos, os santuários eram ungidos como parte da cerimônia que iniciava seu ministério. Um
bom exemplo disso é encontrado em Êxodo 40, onde o tabernáculo e tudo o que estava dentro dele seriam
ungidos com óleo para iniciar seu ministério. Paralelamente a essa ação, a unção do Santuário celestial
deve ter ocorrido quando Cristo o inaugurou como nosso Sumo Sacerdote. O sinal terreno da unção
celestial foi a vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes.
Este evento final da lista de seis mencionado no versículo 24 é o único lugar da profecia do capítulo 9 onde
a terra e o céu estão conectados. O resto da profecia trata de eventos na terra. Esse link é, portanto, muito
precioso, pois nos mostra que o céu e a terra estão muito próximos.
QUATRO DECRETOS
O livro de Esdras começa com um decreto de Ciro (1:2-4), emitido em 538 a.C., que concedia permissão
aos judeus para retornarem à terra de Judá. Isso os autorizava a reconstruir o templo e lhes permitia levar
assistência financeira consigo. No entanto, um templo não é uma cidade, então esse não é o decreto
desejado.
Os judeus que retornaram ergueram o altar no átrio do templo, antes que a oposição dos samaritanos
impedisse que continuassem com o resto da reconstrução planejada. Somente em 520 a.C. o trabalho foi
retomado, quando Dario I emitiu um segundo decreto para a reconstrução do templo (veja Esd. 6:1-12). O
84
templo foi concluído e dedicado quatro anos depois, em 516 a.C. Nenhum desses decretos afetou as ruínas
da cidade de Jerusalém. Decretos adicionais seriam necessários para completar sua reconstrução.
O próximo decreto foi dado a Esdras pessoalmente (veja Esd. 7:12-26). Esdras tinha plena autoridade para
estabelecer escritórios públicos e usar fundos do tesouro real, e até mesmo ensinar a lei de Deus aos não
judeus. Este decreto não menciona especificamente a reconstrução de Jerusalém, mas é óbvio que Esdras
sentiu que a autoridade lhe foi dada para isso, já que ao retornar a Judá no verão de 457 a.C., ele
prontamente reuniu as pessoas e começou a trabalhar na reconstrução.
Devido ao fato de que o livro de Esdras não segue uma ordem cronológica estrita na narrativa desses
eventos, tudo fica um pouco confuso. O decreto com base no qual Esdras começou a reconstruir Jerusalém
está no capítulo 7. Mas a história do que ele fez está no capítulo 4! Esdras 4 contém o que pode ser
chamado de parêntese temático. Os primeiros 23 versículos se afastam da sequência cronológica, a fim
de abordar as várias oposições que os judeus encontraram ao reconstruir o templo e a cidade. Os
versículos 1 ao 5 narram a oposição no tempo de Ciro. O versículo 6 relata a oposição no tempo de Xerxes,
e os versículos 7 ao 23 descrevem a oposição que Esdras mesmo enfrentou no tempo de Artaxerxes. Em
seguida, a narrativa retrocede ao tempo de Dario no versículo 24 e narra a história do sucesso dos judeus.
A Nova Versão Internacional (NVI) faz um bom trabalho nesta parte do capítulo, separando os versículos 23
e 24 em um parágrafo separado, mostrando que pertencem a um tempo diferente.
O que os governadores do oeste informam? De acordo com o relatório, o rei deveria saber que "os judeus
que subiram de ti a nós vieram a Jerusalém; e edificam a cidade rebelde e má, e levantam os muros e
reparam os fundamentos" (vers. 12). Dois fatos importantes emergem aqui. Em primeiro lugar, houve
claramente outro retorno dos judeus a Jerusalém no reinado de Artaxerxes, após o retorno principal no
tempo de Ciro. Em segundo lugar, este era o segundo grupo de judeus que retornava, liderado por Esdras,
que proporcionou o estímulo para iniciar a restauração da cidade. No capítulo 7, é narrado que Esdras
liderou este novo grupo que retornava a Judá após receber o decreto de autorização de Artaxerxes; e a lista
daqueles que estavam com ele está no capítulo 8.
Infelizmente, o projeto de construção dos judeus foi interrompido mais uma vez. Desta vez, não foram os
samaritanos que se opuseram a seus esforços; foram os governadores do oeste. Eles ameaçaram o rei com
a perda de impostos se ele permitisse que a cidade de Jerusalém fosse construída. Este argumento foi
persuasivo o suficiente para fazer Artaxerxes ordenar que os governadores parassem a construção até que
ele desse uma ordem posterior. Os governadores estavam muito felizes em obedecer (veja Esd. 4:13-23).
Este triste estado de coisas continuou por treze anos, até que Neemias, o copeiro judeu do rei Artaxerxes,
interveio com o rei. O rei cedeu e enviou Neemias como governador de Judá, com a permissão e a
responsabilidade de reconstruir a cidade (veja Neemias 1 e 2). Grande parte do restante do livro de
Neemias retoma a história de como ele liderou a reconstrução das muralhas da cidade, a oposição que
enfrentou e a celebração quando a tarefa foi concluída. Uma vez que as muralhas estavam no lugar, os
edifícios dentro da cidade poderiam ser construídos sem pressa e sob uma proteção melhor.
Assim, o decreto de Dario I levou à conclusão do trabalho no templo iniciado sob o decreto de Ciro. Da
mesma forma, quando Neemias terminou as muralhas da cidade sob o decreto de Artaxerxes, ele
completou a primeira fase do trabalho iniciado por Esdras. A carta que Artaxerxes deu a Neemias serviu
apenas para complementar o decreto dado a Esdras, facilitando o trabalho que precisava ser feito.
85
Portanto, o decreto dado por Artaxerxes a Esdras é o que melhor se ajusta à especificação da profecia de
Daniel 9:25. Este foi o decreto inicial emitido para reconstruir a cidade de Jerusalém.
A DATA DO DECRETO
Duas perguntas adicionais sobre este decreto: Quando foi dado? E com que calendário deve ser
entendido?
Porque a profecia das setenta semanas de Daniel 9:24-27 começa com a emissão do decreto de Artaxerxes
registrado em Esdras 7, a data desse decreto torna-se importante. A data do decreto está ligada ao ano
setenta de Artaxerxes. Esdras 7:8 nos diz que Esdras "chegou a Jerusalém no quinto mês do sétimo ano do
rei". Sob condições de marcha forçada, o exército da Babilônia poderia cobrir os 644 quilômetros de
Babilônia a Jerusalém em um mês. Esdras tinha consigo um grande grupo de pessoas que se moviam
lentamente, e por isso levou cinco meses para percorrer a mesma distância.
Felizmente, as datas do reinado de Artaxerxes são bem conhecidas e historicamente seguras. Elas são
baseadas em várias fontes. Primeiro, historiadores gregos, como Heródoto, preservaram algumas dessas
datas em termos de seu próprio sistema de cronologia olímpica. Segundo, o astrônomo Ptolomeu, que
viveu em Alexandria, no Egito, no segundo século depois de Cristo, forneceu uma tabela que correlacionava
os anos de reinado de certos governantes do mundo antigo com os eclipses astronômicos. Esta lista é
chamada de Cânon de Ptolomeu e retrocede até o oitavo século antes de Cristo. Alguns desses eclipses
ocorreram durante o reinado de Artaxerxes e ajudam a determinar as datas. Mais recentemente,
descobertas arqueológicas ajudaram a refinar o sistema fornecido pelos historiadores gregos e pelo
astrônomo Ptolomeu. Terceiro, as datas dos reinados nas tabuletas comerciais da Babilônia foram
compiladas a partir de textos cuneiformes; estas se estendem do sétimo século a.C. ao primeiro século
depois de Cristo. As datas do reinado de Artaxerxes podem ser localizadas nessas tabuletas. Finalmente,
uma série de papiros encontrados no Egito trazem dois conjuntos de datas: uma usada no calendário
egípcio e outra no calendário persa-babilônico. Esses papiros são cartas e documentos comerciais
escritos em aramaico por judeus que serviam no exército persa na ilha Elefantina no Nilo, onde mantinham
uma fortaleza persa na fronteira sudeste. Como os calendários egípcio e persa-babilônico operam de
maneiras diferentes, essas duplas datas são uma forma de se verificar umas com as outras e ajudar a
determinar os anos de governo dos reis durante os quais foram escritas. Alguns desses documentos são
do tempo do reinado de Artaxerxes e ajudam a confirmar as datas de seu reinado.
Assim, existem quatro linhas principais de evidência que nos guiam no estabelecimento das datas para o
reinado de Artaxerxes: (1) os historiadores gregos, (2) o Cânon de Ptolomeu, (3) as tabuletas comerciais da
Babilônia e (4) o papiro Elefantino do Egito. Essas quatro linhas de evidência apontam para a mesma
conclusão cronológica: Xerxes morreu em 465 a.C., e Artaxerxes ascendeu ao trono na última parte do
mesmo ano. Sob o sistema de contagem dos anos de reinado persa e babilônico, o restante do ano em que
um rei morre é considerado o ano zero do rei que o sucede. Isso era chamado de "ano ascensional". O
primeiro ano oficial do novo rei começava na primavera, quando o próximo ano começava. De acordo com
esses cálculos, o sétimo ano de Artaxerxes começou na primavera de 458 a.C. e terminou na primavera de
457 a.C. Dessa forma, de acordo com o calendário persa, Esdras poderia ter iniciado sua jornada desde a
Babilônia na primavera de 458 a.C. e chegado a Jerusalém no verão do mesmo ano.
No entanto, os judeus consideravam o ano novo começando no outono, de acordo com o calendário civil,
pelo qual eles registravam os reinados de seus reis e os de outras nações. (Os judeus também usavam um
calendário religioso que começava em uma data diferente, muito parecido com o nosso ano fiscal
moderno, que muitas vezes começa em julho, enquanto o ano calendário regular começa em janeiro.)
Portanto, de acordo com o calendário civil judaico, o sétimo ano de Artaxerxes teria começado no outono
de 458 a.C. e terminado no outono de 457 a.C. De acordo com esses cálculos, Esdras teria iniciado sua
jornada para Jerusalém na primavera de 457 a.C., chegando lá no verão do mesmo ano. Como Esdras usou
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o calendário judaico, não o calendário persa, devemos aplicar sua data, 457 a.C., ao decreto que Artaxerxes
fez sobre a reconstrução de Jerusalém, em vez de 458 a.C., como os persas o teriam considerado. Esta
data, 457 a.C., nos dá um ponto de partida para a profecia das setenta semanas dada em Daniel 9:24.
Em resumo, assim chegamos à data inicial para as setenta semanas de Daniel, que começaria com o
decreto de reconstruir Jerusalém:
• Dos quatro decretos mencionados em Esdras e Neemias sobre o retorno dos judeus a Jerusalém, o
terceiro, o dado por Artaxerxes a Esdras, é o que mais se aproxima da especificação na profecia de Daniel.
• Com base em uma variedade de documentos antigos, podemos datar o sétimo ano de Artaxerxes ao ano
que corresponde ao que conhecemos como 458 e 457 a.C.
• Então, aplicamos o calendário judaico a essa data e descobrimos que a jornada de Esdras ocorreu em
457 a.C. Este processo nos dá a data de 457 a.C. para o início das setenta semanas proféticas de Daniel 9.
O que significa que o Messias, o Ungido, viria? Que evento devemos procurar em 27 d.C.? O nascimento do
Messias? Sua morte? Algo mais?
Quando Jesus de Nazaré se tornou o Messias? Uma vez que Messias significa "o Ungido", Jesus tornou-se
o Messias, tecnicamente falando, quando foi ungido. Quando foi isso? Ele não teve óleo derramado sobre
a cabeça como os reis e sacerdotes de Jerusalém durante o Antigo Testamento. Mas houve alguma ocasião
específica em que ele foi ungido e iniciou formalmente seu ministério público? Sim. Isso aconteceu quando
foi batizado por João no rio Jordão e ungido pelo Espírito Santo (ver Mateus 3:13-17). Deus Pai estava
presente naquela ocasião e o selou com sua própria declaração: "Este é o meu Filho amado, em quem me
comprazo" (versículo 17).
Lucas nos diz que João Batista iniciou seu ministério no décimo quinto ano do reinado de Tibério César (ver
Lucas 3:1). Augusto, pai adotivo de Tibério, morreu em 14 a.C. Se adicionarmos quinze anos a esta data,
chegamos a 29 d.C., não a 27 d.C., dois anos após a profecia de Daniel. Mas aqui há um fator adicional.
Dois anos antes da morte de Augusto, o Senado de Roma votou para que Tibério fosse co-governador das
províncias com seu pai Augusto. Essa disposição é chamada de co-regência, e é semelhante à situação
em que o rei Davi colocou Salomão no trono com ele antes de sua morte (ver 1 Reis 1).
Judeia estava entre as províncias que se tornaram parte do domínio de Tibério com Augusto em 12 d.C.
Portanto, os eventos envolvendo Jesus de Nazaré como o Messias, além de terem ocorrido na província
romana da Judeia, podem ser razoavelmente datados de acordo com a disposição pela qual Tibério
começou a governar com seu pai em 12 d.C. Adicionando os quinze anos do reinado de Tibério, indicados
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por Lucas nesta data, chegamos ao ano 27 d.C. para a inauguração pública do Messias, como a profecia
de Daniel antecipou.
Dessa forma, os detalhes proféticos, como os vimos até agora (discutiremos as sete semanas, ou quarenta
e nove anos, mais adiante neste capítulo), podem ser ilustrados com a seguinte tabela:
Setenta semanas proféticas equivalem a 490 dias proféticos ou anos literais. Uma simples adição nos diz
que se adicionarmos 490 anos a 457 a.C., alcançamos o ano 34 d.C. O que aconteceu em 34 d.C. que
marcou a conclusão das setenta semanas? Essa data é muito tardia para a crucificação e ressurreição de
Jesus, que ocorreram três ou quatro anos antes. Outros eventos precisam ser considerados.
A lapidação de Estêvão, descrita em Atos 7, é um evento que atraiu considerável atenção como indicador
do fim das setenta semanas, tanto por sua importância teológica quanto por sua temporalidade. A narrativa
não registra uma data específica para a morte de Estêvão, mas evidências indiretas a situam em 34 d.C.
Como chegamos a essa conclusão?
A data estimada para o martírio de Estêvão é baseada na carreira do apóstolo Paulo. Paulo ainda não era
convertido no momento da morte de Estêvão, pois estava presente e segurou as vestes dos que o
apedrejaram (ver Atos 7:58). Pouco tempo depois, Saulo foi a Damasco para perseguir os cristãos. No
caminho, ele se converteu de Saulo, o fariseu, a Paulo, o apóstolo cristão (ver Atos 9:1-9). Se a conversão
de Paulo pudesse ser datada, o apedrejamento de Estêvão poderia ser situado em limites mais estreitos.
Em Gálatas 1, Paulo nos dá alguns detalhes biográficos de sua carreira como apóstolo, referindo-se
especialmente às suas visitas a Jerusalém. Ele fez visitas curtas e infrequentes a Jerusalém e fornece
algumas informações cronológicas sobre elas. Paulo diz que sua primeira visita ocorreu três anos após sua
conversão (ver versículo 18); a segunda ocorreu catorze anos após a primeira (ver Gálatas 2:1). Então, perto
de sua segunda visita a Jerusalém, Paulo partiu para sua segunda viagem missionária, que o levou a Corinto
(ver Atos 18). Enquanto estava em Corinto, Paulo compareceu diante do procônsul Galião (ver versículo
12). Assim, Paulo poderia ter estado diante de Galião 17 anos após sua conversão (14 anos entre sua
segunda e primeira visita a Jerusalém, somados aos 3 anos entre sua primeira visita a Jerusalém e sua
conversão). Graças a uma inscrição encontrada em Corinto, sabemos que o primeiro ano do proconsulado
de Galião ocorreu em 51 d.C. Se os 17 anos das duas visitas de Paulo a Jerusalém forem subtraídos da data
em que Paulo compareceu diante de Galião, então sua conversão e o apedrejamento de Estêvão podem
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ser datados em 34 d.C. Essa data, 34 d.C., é a que os estudiosos do Novo Testamento comumente
favorecem para a morte de Estêvão e a conversão de Paulo. Não podemos ser tão precisos a ponto de
determinar o mês ou o dia, mas esta é uma estimativa próxima do ano.
Dessa forma, esta obra assume a posição de que as setenta semanas de Daniel chegaram ao fim em 34
d.C. com o apedrejamento de Estêvão e a conversão de Paulo. Já discutimos a importância teológica da
morte de Estêvão no contexto da última frase de Daniel 9:24 (ver acima). Lá, dissemos que houve quatro
áreas de importância teológica relacionadas com o martírio de Estêvão: (1) O grupo para quem Estêvão deu
seu discurso final, o Sinédrio, o corpo religioso mais importante naquela terra; (2) a natureza de seu
discurso: um discurso de julgamento como aqueles dados pelos profetas do Antigo Testamento; (3) o
caráter profético de sua experiência no momento de sua morte, quando ele olhou em visão para o céu; e
(4) o fato de que a conversão de Paulo teve suas raízes na morte de Estêvão, de modo que Paulo, o apóstolo
dos gentios, ocupasse o lugar de Estêvão, o poderoso pregador de Israel. Por essas razões, a morte de
Estêvão no final das setenta semanas pode ser considerada um ponto muito importante na transição da
era de Israel como nação escolhida por Deus para a era da igreja.
AS SETE SEMANAS
Daniel 9:25 continua dizendo: "Reedificar-se-á a praça e o muro [de Jerusalém] em tempos angustiosos".
Não podemos determinar especificamente o término desta fase da reconstrução de Jerusalém com base
na história, mas está claro nos livros de Esdras e Neemias que esta reconstrução ocorreu em um momento
difícil. Quando Esdras retornou, começou a reconstruir a cidade, mas os governantes persas do ocidente
logo intervieram e conseguiram parar o trabalho (ver Esd. 4:7-24). Quando Neemias reiniciou o projeto, seus
opositores tentaram assassiná-lo. Ele resistiu aos seus esforços e recusou interromper seu trabalho na
cidade (ver Neemias 4). Assim, a reconstrução de Jerusalém certamente ocorreu em um momento
problemático.
A profecia parece apontar para um evento que marca o término da primeira fase da reconstrução em 408
a.C., no final das primeiras sete semanas, ou quarenta e nove anos (ver Daniel 9:25). Não podemos
determinar especificamente qual evento poderia corresponder a esta parte da profecia. A razão pela qual
não podemos identificar esse evento especificamente é que não possuímos nenhum documento histórico
relacionado ao assunto. Os registros históricos do Antigo Testamento terminam por volta de 420 a.C., então
eles não alcançam 408 a.C. Nem Josefo, 1 e 2 Macabeus, inscrições ou papiros lidam diretamente com os
eventos dessa época. Aqui, devemos ter cuidado para não abusar de um argumento baseado no silêncio.
A falta de documentação de um período específico não é uma evidência negativa contra a realidade
histórica de determinado evento. Também não é uma evidência positiva de que outros eventos ocorreram.
É simplesmente neutra e, neste ponto, nos coloca diante de um vazio histórico. A profecia deve ser julgada
e interpretada de acordo com a documentação histórica, não com base em uma lacuna de informação.
Temos evidências abundantes em relação a 457 a.C. e 27 d.C., e temos boas evidências indiretas sobre 34
d.C. Nossa falta de evidências diretas relativas a 408 a.C. não nega esses outros pontos; e certamente este
foi um período de problemas, conforme a profecia previu. Descobertas futuras podem preencher essa
lacuna, mas até agora devemos nos contentar com as evidências atualmente disponíveis.
A MORTE DO UNGIDO
Daniel 9:26 começa dizendo: "E depois das sessenta e duas 'semanas' será cortado o Ungido". Essas
sessenta e duas semanas, mencionadas primeiramente no versículo 25, seguem as primeiras sete
semanas e compreendem o segundo intervalo de tempo profético dentro das setenta semanas. Assim, as
sessenta e duas semanas concluem com o fim da semana sessenta e nove da profecia das setenta
semanas.
89
Mas o versículo 26 diz "depois das sessenta e duas 'semanas'" (ênfase adicionada), levando-nos assim um
pouco além do fim da semana sessenta e nove. Em outras palavras, o Ungido não é cortado exatamente no
ponto em que as sessenta e duas semanas terminam, mas um pouco além desse ponto. O uso específico
da palavra hebraica "depois" enfatiza isso.
Onde estamos se estivermos um pouco além do fim da semana sessenta e nove? A resposta é muito
evidente: Estamos na septuagésima semana. O versículo 26 não especifica exatamente quando na semana
o Ungido seria cortado. Esses detalhes são fornecidos no versículo 27.
Como vimos anteriormente, as sessenta e nove semanas terminam em 27 d.C., quando o Messias
apareceu para iniciar oficialmente seu ministério público. Algum tempo após o início desse ministério, ele
seria "cortado". A tradução do verbo "cortar" é usada aqui como uma expressão idiomática hebraica que
significa "ser morto". Ser cortado significa ser removido da terra dos viventes, ou seja, morrer (ver Gênesis
9:11). Mas o verbo aqui está na forma passiva, implicando que o Ungido não morreria por sua própria
vontade; alguém o mataria. O Messias seria cortado, seria morto. Esta estipulação da profecia se cumpriu
quando os líderes religiosos da Judeia conspiraram com as autoridades do governo romano para crucificar
Jesus de Nazaré como um criminoso comum (ver Mateus 27:1, 2).
No Antigo Testamento, temos duas linhas de profecias messiânicas que traçam o destino do Messias. Um
tipo fala de seu reino glorioso (ver Zacarias 9:9). O outro descreve o Messias que irá sofrer e até mesmo
morrer (ver Isaías 53:7-9). Como entenderemos a sequência relativa desses dois tipos de profecias?
Muitos judeus da época de Jesus esperavam que a profecia de um Messias vitorioso e governante fosse
cumprida primeiro e em seus dias. Esse Messias removeria o detestável jugo romano dos ombros dos
judeus. Na experiência de Jesus de Nazaré, no entanto, essas profecias se desdobraram em uma sequência
diferente. Primeiro a cruz, depois a coroa. Primeiro seu sofrimento, morte e ressurreição, depois o
estabelecimento de seu futuro reino de glória em sua segunda vinda. Olhamos um retrospectivamente, o
outro ainda esperamos. Daniel 9, com sua precisa sequência cronológica, é um elo significativo que ajuda
a estabelecer a verdadeira ordem bíblica dos feitos do Messias.
O MESSIAS REJEITADO
A próxima frase desta profecia no versículo 26 é curta, mas difícil. A versão Reina-Valera 1995 traduz: "E
nada mais lhe restará". Esta é uma boa tradução, porque a frase no idioma original trata de posse.
Literalmente, as palavras hebraicas significam "Não haverá [x] para ele". Note que falta o objeto direto nesta
frase, como indicado pelo x na tradução acima. O objeto indireto, para ele, está presente e se refere
claramente ao Messias, o Ungido. Mas, o que não haverá para ele? Algumas versões usam "nada": "Nada
lhe restará". Isso poderia ser uma figura profética da pobreza do Messias. Certamente Jesus de Nazaré tinha
poucas posses materiais, se é que tinha alguma, além das roupas que vestia. Ele mesmo disse: "As raposas
têm suas covas, e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça" (Mateus
8:20). No entanto, pode-se sugerir que há algo mais importante para Deus e seu Messias do que simples
posses materiais. As pessoas têm uma importância maior para Deus do que suas posses. De fato, a
próxima frase da profecia em Daniel 9:26 coloca ênfase nas pessoas: "O povo de um príncipe que há de
vir". Assim, parece que a palavra ausente é melhor suprida pela palavra pessoas do que coisa. Portanto,
podemos traduzir esta frase como: "Não haverá pessoas para ele"; ou mais livremente: "Ninguém será para
ele".
Esta é uma descrição de rejeição, não de pobreza. E essa rejeição ocorre em um momento específico, no
momento em que ele foi cortado. Não se trata de uma rejeição geral que flutua livremente no tempo; é uma
rejeição específica que ocorreu no momento de sua morte. Esta rejeição foi cumprida na experiência de
Jesus de Nazaré. Quando Jesus foi para a cruz, foi porque os líderes religiosos e a opinião pública haviam
se voltado contra ele. A multidão volúvel havia perdido o entusiasmo que mostrara por Jesus anteriormente,
durante a semana final de seu ministério (ver Mateus 21:1-11). Agora, com o mesmo entusiasmo, essa
mesma multidão clamava pela sua crucificação (ver Mateus 27:20-26). Até mesmo os discípulos, que
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estavam de pé perto da cruz, não entendiam o que estava acontecendo. Mesmo depois da cruz, eles
murmuraram: "Nós esperávamos que ele fosse o que iria redimir Israel" (Lucas 24:21). No momento da
morte de Jesus, "ninguém foi para ele".
MAIS DESTRUIÇÃO
A próxima frase da profecia de Daniel 9:26 muda o foco do Messias para o povo judeu, e descreve o que
lhes acontecerá. "O povo de um príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário". O versículo 26
começa com uma profecia da reconstrução de Jerusalém e termina com uma profecia de sua destruição!
Entre esses dois extremos históricos está a carreira do Messias. Depois que sua carreira terminou, em outro
ponto não especificado posteriormente, a cidade voltaria a ser reduzida a ruínas, como as que
Nabucodonosor deixou para trás quando conquistou Jerusalém em 586 a.C.
Quem são o "povo de um príncipe [ou "governante," Hebraico: nagid]" que realizou essa destruição? Os
romanos claramente destruíram Jerusalém em 70 d.C., então pode-se sugerir que este versículo se refere
ao povo romano, ou seu exército, e o "governador" deve se referir a qualquer general romano que liderou o
exército contra Jerusalém, ou o César que ordenou o ataque. No entanto, essa generalização não leva em
conta algo da linguagem específica usada aqui.
A palavra usada no texto para "príncipe" ou "governante", é nagid, a mesma palavra usada no versículo 25
para "o Ungido, o governador", assim como conhecemos o Messias, o Príncipe. Note o seguinte padrão de
uso da palavra nesta profecia:
No versículo 25, a designação, "Mesías nagid", forma um par de palavras, "o Ungido, o governador", então
as duas palavras estão unidas de uma maneira técnica. O versículo 26, primeira parte, quebra o par de
palavras e usa apenas a primeira. A segunda parte do versículo 26 usa a segunda palavra. Esse padrão
sugere que essas três referências apontam para o mesmo Messias Príncipe, designado pela primeira
ocorrência deste conjunto de palavras no versículo 25. Se assim for, então "o povo de um príncipe que há
de vir" se refere ao povo do Messias. São eles que se dirigem a destruir Jerusalém e o Santuário. O Messias
foi uma figura judaica, e assim, seu povo deve ser o povo judeu daquele tempo. Este mesmo ponto é
enfatizado aqui pelo uso da palavra "povo" em vez do termo militar mais correto, "exército" ou "hoste".
Se esta interpretação estiver correta, em que sentido o povo do Messias Príncipe judeu destruiria a cidade
e o santuário em 70 d.C.?
O exército romano foi certamente o agente físico que realizou a destruição literal de Jerusalém. Mas por
que eles a destruíram? Eles a destruíram porque Judeia havia se rebelado contra Roma. Se Judeia não
tivesse se rebelado, o exército romano nunca teria chegado e Jerusalém teria sido preservada. Aqui
estamos lidando com causas e eventos resultantes. A causa da destruição de Jerusalém foi a rebelião dos
91
judeus; o evento resultante da rebelião foi a destruição da cidade e de seu templo. Nesse sentido, pode-se
dizer que o povo do Messias Príncipe, provocou a destruição de Jerusalém em 70 d.C.
A frase final do versículo 26 amplia a figura da guerra e suas consequências: "Seu fim será com inundação,
e até o fim haverá guerra; estão determinadas as assolações". A linguagem figurada de uma inundação é
uma descrição apropriada da forma como o exército romano finalmente "fluiu" para dentro de Jerusalém
para conquistá-la. Isaías descreve o assalto do exército assírio em uma linguagem semelhante: "Eis que o
Senhor fará subir contra eles as águas do rio, impetuosas e muitas, isto é, o rei da Assíria com todo o seu
poder; ele subirá sobre todos os seus leitos de torrente e passará sobre todas as suas margens; e
penetrando em Judá, inundará, transbordará e alcançará até o pescoço; e a expansão de suas asas cobrirá
a largura da tua terra, ó Emanuel" (Isaías 8:7, 8). Da mesma forma, Daniel profetizou que o exército romano
invadiria Jerusalém e seu templo como uma inundação. A muralha norte de Jerusalém sempre foi a mais
fraca de suas defesas, porque havia vales nos outros três lados da cidade. Foi pela muralha norte que as
tropas romanas finalmente penetraram nas defesas, trazendo tal desolação que ainda hoje pode-se ver os
efeitos através das escavações dos arqueólogos.
CONFIRMANDO O PACTO
Em certo sentido, o último versículo de Daniel 9 é o mais difícil do capítulo. Começa com mais duas
declarações sobre a obra do Messias e depois volta novamente para a obra de Roma, o devastador.
O versículo 27 faz duas previsões concernentes ao Messias. A primeira declara: "E por uma 'semana'
confirmará o pacto com muitos". Isso não se refere ao início de um novo pacto; refere-se mais a uma
tentativa de fortalecer ou renovar um pacto que já estava em existência. Quando os escritores hebreus
queriam se referir ao início de um novo pacto, eles usavam o verbo "cortar" para expressar essa ação.
"Cortar" um pacto era fazer um novo pacto. Mas esse não é o verbo usado aqui no versículo 27. Ele diz, ao
invés disso, que o pacto seria "confirmado", sugerindo "tornar forte" ou "fortalecer". O verbo usado aqui
está relacionado com a palavra hebraica para "homem forte", um "guerreiro".
Esse fortalecimento ou reconfirmação de um pacto já existente refere-se ao pacto que estava vigente entre
Deus e Israel. Não é a oferta de um novo pacto para a igreja. Esse fortalecimento, ou confirmação do pacto,
foi a oferta final e o último chamado de Deus a Israel como povo escolhido. Isso lhes foi oferecido por meio
de Jesus, o Messias. Jesus lhes descreveu o que poderiam ter tido. O Sermão da Montanha é uma
ampliação do pacto antigo. Tomando vários dos mandamentos do pacto antigo e ampliando-os, Jesus
mostrou que os princípios desse pacto penetram até os motivos do coração (veja Mateus 5:17-48). Jesus
foi o verdadeiro mensageiro do pacto. Infelizmente, seus ouvintes não aceitaram totalmente essa grande
perspectiva do que Israel poderia ter sido sob o pacto de liderança do Messias. Foi sua falha em agarrar
tudo o que Deus estava oferecendo-lhes que fez Jesus chorar amargamente sobre Jerusalém durante a
última semana de seu ministério terreno (Mateus 23:37-39).
O versículo 27 começa dizendo que o Messias confirmaria a oferta do antigo pacto por uma semana. Como
vimos pelas datas concluídas acima, essa semana se estenderia desde o início do ministério público de
Jesus em 27 d.C., até o apedrejamento de Estêvão em 34 d.C. O ponto interessante sobre esta
septuagésima semana é que ela se estende além da cruz, mostrando assim a bondosa misericórdia de
92
Deus, cujo convite ainda chegava ao seu povo escolhido mesmo depois que seu Filho foi crucificado. O dia
de Israel como o povo escolhido de Deus não passaria até que o profeta-diácono Estêvão trouxesse o pacto
de juízo de Deus perante o Sinédrio. Os judeus como indivíduos ainda são aceitos por Deus com base na
vida, morte e obra de Jesus, o Messias, mas a nação de Israel não é mais o povo escolhido de Deus. Esse
tempo passou. A igreja, o Israel espiritual, reunido de todas as nações da terra, agora ocupa essa posição
(veja Gálatas 3:28, 29; Romanos 9:6-8).
A segunda frase do versículo 27 diz: "Na metade da semana ele fará cessar o sacrifício e a oferta de
manjares". A semana referida aqui é a septuagésima semana mencionada anteriormente no mesmo
versículo. Já vimos que a septuagésima semana se estende de 27 d.C. a 34 d.C. Portanto, o fim dos
sacrifícios e ofertas na metade da semana estaria situado em 31 d.C.
Quem é aquele que põe fim a esses sacrifícios e ofertas? O antecedente para a expressão "para ele" é o
Messias Príncipe, não um governador romano. É verdade que os romanos causaram a suspensão física
direta do templo e de seus sacrifícios ao destruir o templo em 70 d.C. Mas ainda mais importante foi o fim
espiritual dos sacrifícios no sentido teológico, que já não eram necessários após a morte de Jesus. Ele
mesmo foi o Cordeiro da Páscoa (veja 1 Coríntios 5:7). Com sua morte, o tipo de todos os sacrifícios do
Antigo Testamento encontrou seu antítipo. Eles não eram mais necessários. Deus deu a entender isso
quando rasgou o véu do templo no momento da morte de Jesus (veja Mateus 27:51). Assim, no sentido de
Daniel 9:27, os sacrifícios chegaram ao fim em 31 d.C., quando Jesus morreu na cruz.
Uma pergunta que surge é: Quando Jesus morreu? Ele morreu na metade da semana final que datamos de
27 a 34 d.C. Portanto, o ponto médio dessa semana é 31 d.C.
Podemos provar além de qualquer dúvida que Jesus morreu em 31 d.C.? Ainda não. O problema é a
precisão necessária para estabelecer essa data. À primeira vista, pode parecer um problema simples:
apenas encontrar um ano dentro do intervalo de 25 a 35 d.C., no qual a data da Páscoa, o décimo quarto
de Nisan, caiu em uma sexta-feira, que é o dia em que os evangelistas situam a crucificação e a morte de
Jesus (veja Lucas 23:54-56). Para trabalhar nesse problema, são necessários dois conjuntos de tabelas: (1)
uma tabela de datas de novas luas e (2) uma tabela com o número de dias julianos equivalentes a essas
datas de nova lua. Em outras palavras, devemos primeiro determinar a data da Páscoa de acordo com o
calendário lunar judaico vigente na época de Jesus e, em seguida, consultar as tabelas apropriadas para
determinar em que dia da semana ela caiu.
O problema está em obter a precisão necessária para identificar com exatidão essa data em um único ano,
excluindo todos os outros. Isso requer precisão astronômica e histórica em um período de menos de vinte
e quatro horas. Historicamente, os Evangelhos em si ainda deixam algumas perguntas. Os Evangelhos
sinóticos parecem datar a ceia da Páscoa que Jesus comeu com seus discípulos na noite de quinta-feira
da Semana da Paixão (veja Mateus 26:2-19; Marcos 14:1-16; Lucas 22:1-15). João, por outro lado, parece
dar a entender que, naquele ano, a Páscoa caiu na sexta-feira (João 18:28; 19:14). Como conciliamos esses
relatos?
Uma sugestão é que João deduziu sua data pelo sistema de cálculo romano, no qual um novo dia começava
à meia-noite; enquanto os escritores sinóticos calcularam a data pelo método judaico de iniciar o dia no
pôr do sol. Mas deve haver mais do que isso. Para determinar a data da Páscoa, é astronomicamente
necessário determinar quando a primeira crescente da lua nova poderia ter sido vista na Judeia. Os
programas de computador projetados para fazer esses tipos de cálculos têm melhorado cada vez mais.
Com esses novos programas, agora é possível determinar que o 14 de Nisan poderia facilmente cair em
uma noite de quinta-feira do ano 31 d.C. É mais improvável que essa data se estendesse para uma noite de
sexta-feira daquele ano.
Com base nas observações, também precisamos saber como eram as condições atmosféricas para
observar o céu naquelas noites. Apenas porque uma lua nova poderia ser visível matematicamente não
significa que as condições fossem ótimas para observá-la visualmente. Se não fossem, o início oficial do
93
mês lunar teria sido adiado por um dia. Na época de Jesus, o calendário lunar dos judeus era muito
complicado, porque era necessário inserir um mês extra, ou décimo terceiro, a cada terceiro ano, para
manter o ano lunar alinhado com o ano solar.
A variabilidade de todos esses fatores demonstra por que é difícil datar a Páscoa da morte de Jesus com
precisão. Sem entrar em detalhes adicionais, podemos dizer com justiça que todos esses fatores limitam
a escolha histórica ao ano 30 ou 31 d.C. Como a última opção se correlaciona melhor com as datas dos
outros pontos históricos da profecia de Daniel 9, utilizamos o 31 d.C. como o ano em que, na primavera,
Jesus foi crucificado.
A QUEDA DE ROMA
A declaração final de toda essa profecia de Daniel 9:24 ao 27 está na última metade do versículo 27.
Seguindo a ordem literal das palavras, o hebraico original desta predição afirma: "Sobre a asa da
abominação [virá] o assolador, até que lhe sobrevenha o desastroso fim que lhe foi decretado". A primeira
parte desta tradução é minha, a próxima parte vem diretamente da Nova Versão Internacional. Nesta
versão, a primeira parte da sentença contém algumas palavras adicionais que os tradutores acrescentaram
na tentativa de dar sentido a este versículo. Mas ao fazerem isso, eles obscureceram ainda mais o
significado.
A expressão "sobre a asa de" deve ser vista como um modismo que significa seguir de perto. Em outras
palavras, as abominações vêm primeiro, seguidas rapidamente pela desolação. A desolação foi causada
pelo exército romano após sua conquista de Jerusalém. As abominações foram essas coisas que
aconteceram em Jerusalém antes de sua destruição e desolação. Enquanto as tropas romanas invadiam
as defesas do norte da cidade, tropas judaicas resistiram do próprio edifício do templo. Era uma estrutura
forte e, portanto, funcionava como uma fortaleza. Isso exigiu que os soldados romanos atacassem o
edifício do templo, embora seu general quisesse preservá-lo. Na batalha subsequente, o templo foi
incendiado. Nunca foi a intenção de Deus que seu templo se tornasse uma fortaleza para lutar na guerra; e
ao agirem assim, eles encheram aquele espaço sagrado de maldição. Depois dessa ação abominável veio
a destruição e a desolação, exatamente como a profecia descreveu.
Mas os próprios romanos também não ficaram impunes. Deus permitiu que esses eventos ocorressem
porque o povo de Judá abandonou sua proteção divina quando rejeitaram o Messias. As tropas romanas
foram, portanto, instrumentos do juízo de Deus naquele momento. O mesmo aconteceu no Antigo
Testamento quando a Assíria foi permitida a conquistar Samaria, mas depois recebeu seu próprio
julgamento justo (veja Naum). Da mesma forma, a Babilônia foi permitida a conquistar Jerusalém, mas
mais tarde também receberia seu próprio julgamento justo (veja Jeremias 50; 51). Aos romanos foi
permitido realizar o mesmo tipo de julgamento sobre Jerusalém, mas Roma também foi julgada. Esse foi o
tema de algumas das outras profecias de Daniel: que Roma teria seu dia no palco da história, mas como
os outros poderes que a precederam, também cairia (veja Daniel 2:40-44; 7:7, 8, 23, 24; 8:25). Portanto, o
título da obra de história mais famosa de Gibbon, "The Decline and Fall of the Roman Empire" [O Declínio
e a Queda do Império Romano], ilustra com precisão o cumprimento da declaração profética final de Daniel
9.
RESUMO
Resumindo o conteúdo desta profecia, devemos focar nossa atenção nos diversos aspectos da obra do
Messias. Esses aspectos podem ser vistos da seguinte forma:
94
2. Daniel 9:24d: Essa expiação traria a justiça eterna.
3. Daniel 9:24f: O Santuário celestial seria ungido para o início da obra sacerdotal do Messias.
7. Daniel 9:27a: O Messias oferece a Israel a última chance de aceitar o antigo pacto.
Se tomarmos todos esses oito pontos e os concentrarmos em uma imagem, esta é a imagem central: O
Messias como sacrifício. A data de sua morte, a rejeição que implicou sua morte e as muitas
consequências de seu sacrifício são apresentadas proeminentemente nesta profecia. Essas
consequências incluem expiação e justiça, o fim do sistema de sacrifícios e o início de um novo sacerdócio
no Santuário celestial. Esta imagem do Messias como sacrifício é um prelúdio e uma introdução vital às
profecias de Daniel 7 e 8, que fluem em uma ordem inversa ao capítulo 9. Daniel 9 forma uma
pressuposição dos eventos posteriores contidos nessas profecias.
95
CAPÍTULO 8
Daniel 8 apresenta profeticamente dois grandes conflitos que ocorreriam no tempo. O primeiro foi o
confronto entre Pérsia e Grécia. Na visão, o profeta viu cada um desses dois poderes representados por um
animal. Um carneiro simbolizava a Pérsia (8:3, 20), e um bode representava a Grécia (vers. 5, 21). O embate
entre esses dois poderes foi representado pelo combate entre os dois animais. A Grécia venceu, e o
carneiro persa foi derrubado ao chão e pisoteado pelo bode (vers. 6, 7).
O segundo grande conflito presente em Daniel 8 confronta Roma com as forças celestiais. Roma é
representada pelo símbolo de um pequeno chifre (vers. 9). Historicamente falando, Roma existiu em duas
grandes fases: a fase clássica ou imperial, Roma dos césares, e posteriormente a fase religiosa ou
espiritual, Roma dos papas. Embora a profecia simbolize ambas as fases de Roma, o foco está na segunda
fase.
De acordo com a visão, o Santuário ou templo no céu seria um alvo especial de conflito entre esses dois
poderes (vers. 11). Obviamente, não há forma física de um poder terreno atacar uma estrutura celestial. O
ataque é espiritual, ou teológico, e é isso que os símbolos na segunda metade desta visão apontam. O
desafio ao Santuário celestial ocorre quando a atenção dos homens e mulheres é direcionada a um
substituto terreno, quando a atenção aos ritos religiosos na terra assume o lugar dos verdadeiros ritos
celestiais.
Essa luta prolongada relacionada ao Santuário continuaria por um longo período de tempo: 2.300 tardes-
manhãs, ou dias (vers. 14), que equivalem a 2.300 anos históricos (ver o capítulo 6). Não nos é mostrado o
fim completo dessa fase do conflito; o quadro completo desses eventos é esperado em Daniel 7. No
entanto, o capítulo 8 nos assegura que esse conflito será resolvido no próprio tempo profético de Deus e
da maneira que Deus determinar.
O CARNEIRO PERSA
Na introdução a essa visão, Daniel diz que Deus lhe deu a visão no "terceiro ano do reinado do rei Belsazar"
(8:1). Em relação ao nosso calendário, o terceiro ano de Belsazar equivale aproximadamente a 548 a.C.
Naquele tempo, mudanças importantes estavam ocorrendo no Oriente Médio. A Babilônia estava em
declínio e a Pérsia estava ascendendo. Nesta visão, Deus mostra a Daniel até onde a Pérsia chegaria. Mas,
mais do que isso, também mostra os poderes que se seguiriam à Pérsia.
As visões registradas anteriormente em Daniel vieram na forma de sonhos durante a noite. Isso foi
verdadeiro no caso de Nabucodonosor (2:1; 4:5) e de Daniel (7:1). Mas a visão do capítulo 8 chega a Daniel
durante o dia. O profeta parece estar em Susã, ou Shushan, na província oriental de Elão (vers. 2). Este é o
mesmo lugar onde ocorreram os eventos do livro de Ester (Ester 1:2).
Elão era um estado fronteiriço entre Babilônia e Pérsia. Às vezes esteve sob controle da Babilônia; outras
vezes esteve sob controle da Pérsia. E em outras ocasiões permaneceu livre e independente de ambos os
poderes.
Na visão, Daniel parece ser transportado da Babilônia para o leste, até que ele para na margem ocidental
do rio Ulai, perto de Susã. Daniel olha para o leste, do outro lado do rio, e vê um carneiro vindo em sua
direção. Tinha dois chifres na cabeça, mas eram desiguais. O mais alto cresceu depois (vers. 3). Mais tarde,
96
Gabriel, que foi enviado a Daniel para interpretar a visão, explicou esse elemento. "Quanto ao carneiro que
viste, que tinha dois chifres, estes são os reis da Média e da Pérsia" (vers. 20).
Os medos e os persas eram povos relacionados entre si que ocupavam o planalto iraniano, com os medos
no norte e os persas no sul. Os medos eram os mais poderosos, e, do nono ao sétimo século antes de
Cristo, eles se opuseram fortemente aos assírios em sua fronteira oriental. As famílias reais dos medos e
dos persas se casaram entre si, e, eventualmente, sob Ciro, os persas se tornaram os mais fortes dos dois.
Ciro conquistou a Média e a incorporou ao seu reino, daí o nome combinado de Império Medo-Persa (vers.
3, 20). Este poder duplo é representado pelo carneiro nesta visão.
Enquanto Daniel observava, o carneiro "avançava em três direções diferentes". É óbvio que isso
representava as conquistas desse poder: "Nenhuma besta podia resistir diante dele, nem havia quem
escapasse do seu poder" (vers. 4). Os três pontos cardeais para os quais se projetava eram o norte, o oeste
e o sul. A maior conquista dos persas para o norte foi o reino da Lídia, na Anatólia, ou a antiga Turquia. Ciro
conquistou essa área em 547 a.C. Para o oeste, a Pérsia, sob Ciro, conquistou a Babilônia em 539 a.C.
Daniel 5 e 6 fazem referência a esse evento e suas consequências imediatas. Para o sul, o filho de Ciro,
Cambises, conquistou o Egito em 525 a.C. Assim, o Império Medo-Persa se estendeu nessas três direções.
Mas o macho cabrío grego (vers. 5, 21) não esqueceu essa humilhação nacional de uma invasão persa e a
destruição que eles haviam causado. Portanto, quando a profecia fala sobre o choque entre esses dois
poderes, diz que o macho cabrío correu contra o carneiro "com a fúria de sua força" (vers. 6). A Grécia queria
se vingar, e conseguiu com êxito. Alexandre, o Grande, derrotou os persas, e seu exército vitorioso marchou
por toda a rota até o vale do Rio Indo, no noroeste da Índia, antes de retornar.
Tudo isso foi simbolizado pelas ações do macho cabrío em Daniel 8. No versículo 21, Gabriel identifica o
macho cabrío com a Grécia e acrescenta: "E o grande chifre entre seus olhos é o primeiro rei", uma
referência óbvia a Alexandre. A rapidez da conquista grega é referida pelo simbolismo do macho cabrío
flutuando sem tocar na terra (vers. 5). A derrota dos persas e seu último rei, Dario III, é indicada pela forma
como o macho cabrío tratou o carneiro: "Ele se levantou contra ele e o golpeou, e quebrou seus dois chifres,
e o carneiro não tinha forças para resistir a ele; ele o derrubou no chão e o pisoteou, e não havia ninguém
que pudesse libertar o carneiro de seu poder" (vers. 7).
Mas Alexandre não viveu para desfrutar os frutos de suas conquistas. Na jovem idade de trinta e três anos,
ele morreu em Babilônia após seu retorno da Índia. Seu destino foi imortalizado em um poema que
contrasta seus feitos com os de Jesus:
Jesus e Alexandre
A profecia de Daniel 8 previu a morte de Alexandre. "E o macho cabrío se tornou muito grande; mas em sua
grandeza, aquele grande chifre foi quebrado" (vers. 8). No auge de suas habilidades e conquistas, Alexandre
morreu em 323 a.C. Ele teve um filho, mas seu filho não herdou o reino (Dan. 11:4). Pelo contrário, o reino
de Alexandre foi dividido entre seus generais. Eles lutaram entre si por quase vinte anos. Mas até 301 a.C.,
97
quatro reinos haviam emergido do caos político que se seguiu após a morte de Alexandre (8:8, 22). Estes
foram: (1) Macedônia, sob Cassandro; (2) Trácia e a Ásia Menor noroeste, sob Lisímaco; (3) Síria e Babilônia,
sob Seleuco; e (4) Egito, sob Ptolomeu. (Esses desenvolvimentos são descritos em mapas encontrados no
Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, vol. 4, F. D. Nichol, ed., pp. 850, 851). Essas facções
continuaram lutando intermitentemente entre si, mas as profecias finais de Daniel (capítulo 11) se
concentram nas batalhas entre o rei do norte (Síria) e o rei do sul (Egito).
Uma certa escola de intérpretes sustenta que o chifre pequeno representa um rei individual, Antíoco IV
Epifânio, um rei grego do reino sírio. Uma segunda escola de pensamento sustenta que este novo chifre
representa Roma. A posição adotada neste trabalho segue esta última perspectiva. Refleti sobre essa
perspectiva no capítulo dois do meu livro, Selected Studies in Prophetic Interpretation [Estudos
Selecionados sobre Interpretação Profética]. Aqueles que desejam mais detalhes sobre este ponto podem
consultar esse trabalho. (Veja também o capítulo 6.) Aqui, podemos apenas destacar brevemente alguns
pontos. Existem sete razões pelas quais Antíoco Epifânio não pode ser o chifre pequeno de Daniel 8.
Destacaremos três das principais.
Primeiro, a visão apresenta uma progressão do poder dos reinos envolvidos. O carneiro persa "crescia"
(vers. 4). O macho cabrío grego "se tornou muito grande" (vers. 8). O chifre pequeno, então, "se engrandeceu
até o exército do céu ... Até mesmo se engrandeceu contra o príncipe dos exércitos" (vers. 10, 11). Essa
progressão do comparativo ao superlativo seria verdadeira em relação ao Império Romano, mas não válida
em relação a um governante individual como Antíoco Epifânio.
Segundo, Antíoco Epifânio (175-163 a.C.) governou a Síria mais ou menos no meio da dinastia selêucida,
que durou de 301 a.C. até 64 a.C. Ele foi o sétimo rei de 27 na dinastia selêucida. O poder chamado de
chifre pequeno, no entanto, aparece no cenário histórico "no fim do reinado destes" (vers. 23); isto é, no
final dos governos dos quatro reinos gregos. Em contraste, Roma apareceu na cena durante a parte final do
governo desses quatro reinos, conquistando cada um deles por sua vez: a Grécia em 168 a.C., a Ásia Menor
em 133 a.C. (por herança), a Síria em 64 a.C. e o Egito em 31 a.C. Portanto, Roma atende a essa
característica da visão, enquanto Antíoco Epifânio não.
Terceiro, devemos observar a direção da conquista especificada pela visão. O chifre pequeno deveria
conquistar para o sul, para o leste e para a "terra gloriosa" (vers. 9). Antíoco IV teve certo sucesso para o
sul. Em 169 a.C., ele conquistou a metade oriental do delta egípcio. Em 168 a.C., ele voltou para completar
a tarefa, mas não conseguiu. Em vez disso, foi impedido por um embaixador romano e nunca mais retornou
ao Egito. Em sua campanha para o leste, Antíoco Epifânio teve algum sucesso no início, mas depois morreu
durante essa campanha. Seus feitos foram piores em relação à "terra gloriosa", ou Judá. Quando subiu ao
trono, esta província fazia parte de seu reino. Mas por causa de sua perseguição aos judeus, eles se
revoltaram e se libertaram do jugo sírio. Em contraste com a visão, Antíoco Epifânio não conquistou a "terra
gloriosa", mas foi responsável por perdê-la. Roma, por outro lado, fez conquistas maiores em todas as três
direções especificadas pela visão. Novamente, Roma se encaixa bem nas características da visão, mas
não Antíoco.
98
Com base nestas razões, neste trabalho adotamos a posição de que o chifre pequeno na visão de Daniel 8
representa Roma.
A primeira coisa que o chifre pequeno fez depois de sua aparição foi conquistar para o sul, para o leste e
para a "terra gloriosa". Essas, como vimos, correspondem às conquistas territoriais do Império Romano.
Em relação à conquista dos quatro chifres gregos, Roma conquistou o oriente em 168 e 133 a.C.;
conquistou a "terra gloriosa" de Judá ao mesmo tempo em que conquistou a Síria em 63 a.C.; e conquistou
o Egito, ao sul, em 31 a.C.
Neste trecho, a dimensão vertical do apocalíptico é demonstrada pelos verbos de ação utilizados e
também pelos alvos da atividade do chifre pequeno. "E se engrandeceu até ao exército do céu; e parte do
exército, e das estrelas, lançou por terra, e as pisou" (vers. 10). As ações simbólicas representadas aqui
operam em duas direções opostas. O chifre pequeno se estende em direção ao céu, o que é a dimensão
vertical, e então derruba as estrelas na outra direção. Mas não satisfeito em simplesmente derrubar as
estrelas, ele as pisa e as esmaga.
Nesta visão, as estrelas não são um sinal dos anjos como em alguns outros simbolismos bíblicos. Não se
refere à expulsão de Satanás ou de um terço dos anjos no momento de sua rebelião original. Isso ocorreu
muito antes que a ação histórica aqui descrita fosse realizada por este poder religioso. Apocalipse 12:7-9
coloca a expulsão de Satanás e seus anjos no início de sua grande controvérsia com Deus. Satanás
também não pisoteou seus anjos, pois precisava deles para realizar seus propósitos. O lançamento das
estrelas falado aqui em Daniel 8:10 é explicado no versículo 24: "Destruirá a los fuertes y al pueblo de los
santos". Os santos do Altíssimo são o alvo do chifre pequeno, e isso nos diz que o chifre pequeno seria um
poder perseguidor. Em outras partes do livro de Daniel, os santos são comparados às estrelas; quando
finalmente emergem vitoriosos, "brilharão como o resplendor do firmamento" (Daniel 12:3).
Naturalmente, o Império Romano perseguiu os cristãos, primeiro localmente e depois em uma dimensão
imperial. Mas a perseguição foi maior em sua extensão e duração durante o período da Roma religiosa, sob
o papado. A lista dessas perseguições é extensa.
As Cruzadas, que ocorreram do século XI ao XIII contra os "infiéis" no Oriente Médio, foram guerras santas
lideradas pelo papado. A partir delas, desenvolveu-se a ideia de fazer Cruzadas contra os cristãos
"hereges", contra os albigenses no sul da França e os valdenses no norte da Itália no século XIII.
Uma forma posterior da Inquisição se desenvolveu na Espanha. E como a Espanha controlava uma porção
considerável do Novo Mundo, a Inquisição foi exportada para a América Latina, até o início do século XIX.
Um testemunho desse fato é o Museu da Inquisição em Lima, Peru, localizado no mesmo prédio onde esse
tipo de perseguição ocorria. A partir da Espanha, esse tipo de atividade também foi exportado para a
Holanda, onde o Duque de Alba liderou as tropas espanholas na supressão e morte de protestantes
holandeses em 1568.
99
A França também foi palco de perseguições contra os protestantes. Milhares de huguenotes caíram no Dia
de São Bartolomeu em 1572. Quando o rei francês revogou o Édito de Tolerância em 1685, muitos
huguenotes tiveram que fugir para outros países. Toda essa atividade está estreitamente relacionada com
o tipo de perseguição que se diz que o chifre pequeno realizaria ao lançar por terra as estrelas, ou os santos
do Altíssimo, e pisoteá-los (vers. 10).
Depois, a visão se concentra no principal oponente do chifre pequeno; ele é conhecido como o "príncipe
dos exércitos" (8:11). O chifre pequeno "se engrandeceu contra o príncipe dos exércitos" (vers. 11), mas
não pôde causar-lhe nenhum dano pessoal, embora tenha sido capaz de ferir seus seguidores. A palavra
traduzida como "príncipe" é um título político, mas neste capítulo é usada de forma sacerdotal. A ele
pertence o Santuário e o serviço diário realizado no Santuário. Isso é indicado pelos pronomes pessoais
usados com esses objetos: "E o lugar do seu santuário [do Príncipe] foi lançado por terra" (vers. 11, o
destaque é nosso). O verbo hebraico usado aqui significa "lançar ou derrubar".
A palavra usada para "príncipe" também é um termo messiânico. Encontramos o Messias Príncipe
mencionado em Daniel 9:25, 26, na profecia sobre o Messias em relação ao seu povo e à terra prometida.
A palavra usada aqui para "príncipe" (sar) é um termo hebraico diferente do usado em Daniel 9 (nagid). Este
uso em Daniel 8 reflete a posição celestial do príncipe. O nome ou título para Deus não é usado neste
capítulo. Neste capítulo, o príncipe é o principal protagonista do lado de Deus. Portanto, este príncipe pode
ser comparado ao celestial Miguel, que é mencionado em outras partes (10:13, 21; 12:1) do livro de Daniel
como príncipe (ar).
Como a fase religiosa de Roma, o chifre pequeno ataca os santos. Ele desafiou o Messias Príncipe, Jesus
Cristo, em seu cenário celestial, mas não conseguiu causar-lhe nenhum dano. No entanto, ele atacou seu
Santuário. Ele o lançou por terra e o pisoteou (vers. 12). O verbo hebraico usado para lançar é shalak. A
tradução da Nova Versão Internacional e da Reina Valera 1960, "lançou por terra", captura a força deste
verbo. Esta palavra é comumente usada quando se fala em lançar uma pedra ou realizar uma ação similar.
O que significa lançar por terra e pisotear o Santuário celestial? Claramente, isso não é um ato literal, físico.
Não há um elevador entre o céu e a terra para que o edifício do Santuário suba ou desça. Isso é uma ação
simbólica. O que significa trazer para a terra um Santuário celestial? Significa que o que foi corretamente
representado no céu, agora, aos olhos humanos, foi trazido aqui para a Terra, onde as atividades do chifre
pequeno são realizadas. O chifre pequeno agora representa o ministério celestial de Jesus Cristo, que
requer a atividade do sacerdote na terra para mediar sua graça à humanidade. Os intermediários humanos
se interpuseram entre Deus e seu povo. Um dos principais pontos da Reforma foi a rejeição desse ponto
específico. Martinho Lutero afirmava que cada cristão tem acesso imediato ao ministério de Cristo no céu.
Cada indivíduo pode ter acesso pessoal a Jesus Cristo e a Deus; intermediários humanos, sacerdotais, não
são necessários para tal acesso. "Porque há um só Deus, e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus
Cristo homem" (1 Timóteo 2:5). Isso não deixa espaço para a mediação de sacerdotes, santos, anjos ou
Maria, como ocorre no sistema romano.
O último ato realizado pelo chifre pequeno contra o Santuário foi uma tentativa de controlar o "contínuo"
ou "diário" ministério que ocorria lá. A Nova Versão Internacional (NVI) diz que "o sacrifício contínuo foi
removido por causa do chifre pequeno" (vers. 11). Na verdade, o verbo está na voz passiva: "E por ele foi
tirado o contínuo sacrifício" (RV60). A clara implicação, é claro, é que foi o chifre pequeno quem fez isso.
Mais importante ainda, muitas versões, incluindo a NVI, adicionaram a palavra "diário" aqui em conexão
com a palavra "sacrifício". Em outras partes do Antigo Testamento, a palavra hebraica tamid (contínuo) é
usada como um modificador, referindo-se a algo que ocorre diária, contínua ou constantemente. No
entanto, aqui a palavra é usada como um substantivo; não há uma palavra que a siga para modificá-la.
Muitas versões bíblicas adicionaram a palavra "sacrifício" porque tamid (contínuo) às vezes era usada para
modificar a oferta ou sacrifício que era queimado diariamente no altar no pátio do Santuário terrestre
(Êxodo 29:38, 42). Mas tamid também era usado para modificar várias outras atividades realizadas no
Santuário. Era usado para a queima das lâmpadas do candelabro de sete braços (Êxodo 27:20-21), para a
100
queima de incenso sobre o altar de incenso (Êxodo 30:8), e para o pão da proposição sobre a mesa dos
pães (Êxodo 25:30). Também era usado para outras atividades relacionadas ao Santuário (Êxodo 28:29, 38;
1 Crônicas 16:6).
Portanto, é necessário traduzir tamid com uma palavra que englobe todas essas atividades relacionadas
ao Santuário, não apenas a ideia de sacrifício. Uma palavra que seja mais ampla e inclusiva, que abarque
todas essas atividades, é "ministério". Todas essas atividades que empregam a palavra tamid em sua
descrição são atividades praticadas por um sacerdote no pátio e no Santo Lugar do Santuário. Faziam parte
de seu ministério diário ali. É esse tipo de ministério que Jesus está realizando no Santuário celestial (ver
Hebreus 8:1), e que o poder chamado chifre pequeno tenta contestar. Seu plano é desviar o olhar da
humanidade do verdadeiro e original ministério de Jesus no céu para um substituto humano e terreno. Esse
é o tamid que o chifre pequeno tentou arrebatar e controlar.
No entanto, ele falhou em seu intento, já que o verdadeiro ministério celestial de Jesus continuou.
Eventualmente, através da Reforma e dos eventos subsequentes, os olhos das pessoas foram novamente
direcionados para o ministério de Jesus no Santuário celestial como a fonte de salvação.
A visão de batalha e conflito aqui em Daniel 8:10-12 foi de natureza distintivamente religiosa. Envolveu
perseguição. Envolveu um ataque à pessoa de Cristo. Pretendia desviar a atenção das pessoas da pessoa
de Cristo. Pretendia desviar a atenção das pessoas de seu Santuário celestial para um substituto terreno.
E tinha a intenção de desviar a atenção das pessoas de seu ministério celestial para um sacerdócio terreno
humano e suas ações. Tudo isso foi obra do papado medieval, a fase religiosa de Roma.
Por que esse conflito era tão importante? Porque tinha a ver com a fonte do plano de salvação. Era uma luta
entre dois diferentes planos de salvação: o original do céu e um substituto terreno posterior. Por que os
adventistas do sétimo dia dão tanta importância ao capítulo oito de Daniel? Porque implica o mesmo plano
de salvação. O que poderia ser mais importante?
Também é importante notar que Daniel 8 não descreve um quadro da resolução final do problema. Quando
a visão desapareceu diante dos olhos do profeta, o chifre pequeno ainda "fez tudo o que quis e prosperou"
(vers. 12). No entanto, os versículos 13 e 14 fornecem a garantia de que este problema eventualmente será
resolvido, embora o capítulo 8 não explique essa resolução em detalhes. O significado total do que está
envolvido na resolução do problema é representado em Daniel 7, que estudaremos no próximo capítulo.
A NVI traduz corretamente a primeira parte da pergunta do primeiro anjo: "¿Cuánto más va durar esta
visión?" (vers. 13, o ênfase é nosso). O restante da pergunta procede para identificar a visão em questão:
"¿Esta visión del sacrificio diario, de la rebeldía desoladora, de la entrega del santuario y de la humillación
del ejército?" A resposta do segundo anjo está no versículo 14: "Va a tardar dos mil trescientos días con sus
noches. Después de eso, se purificará el santuario" (NVI). Cada elemento neste importante versículo
precisa ser examinado em detalhe.
A visão começa com o carneiro persa. Portanto, as 2.300 tardes e manhãs devem começar com o período
persa. A profecia não nos dá um ponto de partida preciso dentro desse período, então temos que obter
esse ponto de Daniel 9. No capítulo anterior sobre a profecia de Daniel 9, demos considerável atenção ao
ponto de partida para a profecia das setenta semanas. Com base em um estudo dos decretos de Esdras e
Neemias, e na cronologia relatada neles, estabelecemos a data de 457 a.C. como o ponto de partida das
setenta semanas.
Agora é necessário conectar essas profecias, a do capítulo 9 e a visão do capítulo 8, de forma mais
específica. Existem várias linhas de evidência para essa conexão.
O primeiro ponto é que Daniel 9:24 diz que as setenta semanas foram "cortadas" para o povo de Daniel e a
santa cidade de Jerusalém. A versão Reina-Valera de 1960 e um número de outras versões modernas
traduzem esse verbo como "determinadas". Infelizmente, esse verbo, hatak, ocorre apenas uma vez no
Antigo Testamento, então, no que diz respeito à Bíblia, não há material comparativo com o qual avaliá-lo
para possíveis significados alternativos. Nesse caso, precisamos recorrer à próxima fonte de ajuda útil para
tal informação: o hebraico pós-bíblico. Esta palavra, hatak, é usada uma dúzia de vezes nas fontes judaicas
pós-bíblicas. Em todos os casos, exceto um, significa "cortar". Apenas em um caso tem o significado de
"decretar" ou "determinar". Claramente, seu significado dominante nas fontes hebraicas pós-bíblicas é
"cortar", e portanto este é o significado mais provável aqui em Daniel 9.
Outro argumento que aponta para a mesma conclusão é o fato de que o significado das raízes das palavras
hebraicas geralmente evolui de concreto para abstrato. Neste caso, a ideia de "cortar" é concreta, e a ideia
de "decretar" é uma ideia mais abstrata. Não está claro se, para o tempo de Daniel, a palavra hatak havia
se desenvolvido do significado concreto de "cortar" para a ideia mais abstrata de "decretar" ou
"determinar". Mas certamente a ideia concreta inicial de "cortar" estava presente na palavra no tempo de
Daniel. Portanto, a evidência linguística, tanto o significado da raiz quanto o uso dominante, favorece o
significado de "cortar" aqui em Daniel 9:24. Daniel 9:24 diz que setenta semanas devem ser "cortadas" para
o povo judeu. Se um período de tempo é "cortado", deve ser cortado de outro período de tempo. De que
período de tempo mais extenso essas setenta semanas poderiam ser cortadas? O período mais próximo é
o dos 2.300 dias do capítulo anterior, Daniel 8.
O segundo ponto que liga os capítulos 9 e 8 de Daniel é o fato de que Daniel obviamente não entende a
resposta contundente do segundo anjo (8:14) à pergunta do primeiro anjo (vers. 13). O versículo 16
especificamente comissiona Gabriel para explicar a visão a Daniel, incluindo este intercâmbio entre os dois
anjos. No entanto, quando examinamos a explicação de Gabriel como aparece no restante do capítulo 8,
vemos que ele explica virtualmente todos os elementos da visão simbólica, exceto a declaração do anjo
sobre o tempo no versículo 14. No versículo 26, Gabriel simplesmente assegura a Daniel que o elemento
de tempo é "verdadeiro". Foi esse elemento em particular sobre o qual Daniel estava mais confuso (vers.
27). Portanto, quando o mesmo anjo vem depois (em Daniel 9) para explicar mais detalhadamente as
coisas a Daniel, certamente esperaríamos que sua explicação se relacionasse com o que Daniel não
entendeu sobre a visão do capítulo 8.
As palavras específicas usadas pelo anjo, conforme registradas no texto hebraico, fazem esta conexão
ainda mais direta. Isso constitui o terceiro argumento para conectar os dois períodos de tempo dos
capítulos 8 e 9. Quando Gabriel veio dar a Daniel a profecia do capítulo 9, ele apontou para a profecia
anterior de forma específica. "Entiende, pues, la orden [la cual yo Gabriel te traigo], y entiende la visión
[mareh]" (Daniel 9:23). Existem duas palavras hebraicas usadas para "visão" no livro de Daniel. Uma é
mareh, que se refere à aparição de um ser pessoal em visão. Um exemplo pode ser encontrado em Daniel
10:5, onde Daniel encontra a pessoa de Deus. De isso, ele diz: "Solo yo, Daniel, vi aquella visión [mareh]"
102
(vers. 7). A outra palavra para "visão" em Daniel é hazon. Isso se refere a uma visão simbólica como as que
contêm bestas e suas ações. Um exemplo disso é encontrado em Daniel 8:1, 2, onde essa palavra é usada
três vezes para se referir à visão simbólica do carneiro, do bode e dos chifres.
Em Daniel 8, ambos os tipos de visão estão presentes. Do versículo 1 ao versículo 12 houve uma hazon,
uma visão simbólica. Para os versículos 13 e 14, no entanto, a visão hazon terminou, e os dois anjos
aparecem, dois seres pessoais. Esta aparição foi uma mareh. A escrita hebraica de Daniel 8:26 deixa bem
claro que o capítulo 8 contém ambos os tipos de visão: "La visión [mareh] de las tardes y mañanas que se
ha referido es verdadera; y tú guarda la visión [hazon], porque es para muchos días".
Quando Gabriel se aproxima de Daniel em Daniel 9:23 e diz que veio para ajudá-lo a entender a "visão", ele
usa a palavra mareh. A qual mareh Gabriel se refere? Obviamente, tinha que ser alguma visão que Daniel
já havia recebido. Portanto, quando Gabriel aponta para Daniel a visão mareh anterior, ele o está levando
de volta a Daniel 8:26, que por sua vez se refere a Daniel 8:14. Então, há uma conexão direta entre Daniel
9:23 e Daniel 8:14 através de Daniel 8:26. Gabriel não deu a Daniel a profecia do capítulo 9 para explicar a
visão de Daniel 8; ele a deu com o objetivo de explicar a primeira parte do elemento de tempo dessa visão.
As setenta semanas de Daniel 9 seriam cortadas dos 2.300 dias de Daniel 8, como evidenciado pela
redação hebraica da declaração de Gabriel.
Portanto, a linguagem de Daniel 9 e sua conexão com Daniel 8 nos dão uma data mais específica para o
período de tempo de Daniel 8. Daniel 8 indica que começaria em geral durante o período persa, e Daniel 9
especifica a data de início como 457 a.C. (ver a discussão sobre esta data no capítulo anterior que trata de
Daniel 9). Se somarmos 2.300 tardes-manhãs, ou dias, a 457 a.C., partindo da base do princípio dia por
ano (Ezequiel 4:6; Números 14:34), esses 2.300 anos se estenderiam até 1844 d.C. Dessa forma,
estabelecemos as datas tanto do início quanto do fim do período de tempo de Daniel 8:14.
Daniel 8:14 diz: "Então o santuário será purificado". O Santuário referido neste versículo é aquele ao qual
os versículos 11 e 12 se referiram anteriormente: o Santuário celestial. Era o mesmo Santuário celestial
que o poder chamado de chifre pequeno tentou derrubar diante dos olhos da humanidade. Ao fazer isso,
tentava arrogar para si as prerrogativas desse Santuário celestial, usurpando-as para si mesmo. Dessa
forma, houve dois planos rivais de ministério no Santuário: o celestial original e o substituto terreno. Houve
dois santuários rivais e dois sacerdócios rivais. Houve dois sumos sacerdotes rivais que oficiaram sobre
esses planos.
Em certo ponto da história dessa batalha, deve haver um momento decisivo para esses dois projetos
ministeriais. Deve chegar um tempo de julgamento que decidirá qual é o verdadeiro. Este julgamento é
apresentado no período de tempo dos 2.300 dias, em Daniel 8:14. A "purificação" do Santuário, portanto,
tem a ver com a correção dos erros e danos que o chifre pequeno criou em sua tentativa de estabelecer um
substituto terreno para o trabalho do Santuário celestial. Através deste julgamento, será evidente que
durante toda essa luta o verdadeiro Santuário era o que está no céu (compare com Heb. 8:2). Será evidente
que o verdadeiro sacerdócio era o sacerdócio no qual Jesus estava envolvido no céu (compare com Heb.
8:1). Será evidente que os verdadeiros serviços do verdadeiro Santuário eram aqueles localizados no céu
com Cristo, o Príncipe sacerdotal.
O verbo que o texto hebraico usa para expressar esta restauração múltipla é "sadaq", que significa "ser reto
ou justo". Em hebraico, esta é uma palavra muito rica e ampla com vários graus de significado. Em seus
aspectos mais amplos, é aplicado o uso de várias palavras com as quais tem sido traduzido, "purificado",
"reconsagrado", "vindicado", "restaurado", "vitorioso". É uma palavra "guarda-chuva" que inclui todas essas
103
variantes de significado. O Santuário foi simbolicamente profanado pelo chifre pequeno, então será
purificado por este julgamento. Foi derrubado como uma ação simbólica; mas será restaurado ao céu
novamente, de forma figurativa. Os julgamentos terrenos contra os santos estiveram indo contra os
julgamentos do Santuário celestial; agora será visto que as decisões estavam corretas e que aqueles
tribunais terrenos estavam errados. Agora as decisões erradas dos tribunais terrenos serão revogadas, e os
claros julgamentos do céu serão postos de manifesto. Em todas essas formas, o Santuário será retificado.
Será restaurado; surgirá vitorioso; será vindicado; será purificado das contaminações terrenas que sofreu.
Portanto, "ser reto" ou "justo" é o significado teológico amplo e rico que abarca todas essas variantes de
significado. Toda essa imagem rica e multicolorida será revelada através do julgamento celestial, no qual
todos esses aspectos serão postos de manifesto.
Esse julgamento celestial ocorre no final dos 2.300 dias, como é afirmado por várias linhas de evidência.
Em primeiro lugar, a situação ou o problema de Daniel 8:11 a 13 requer um julgamento tal para resolvê-lo.
Em segundo lugar, o julgamento celestial foi mostrado a Daniel em visão no capítulo 7:9 a 14. Um anjo
anuncia a vinda do julgamento em Daniel 8:14, mas isso não é mostrado ao profeta naquele momento; é
mostrado a ele em visão em Daniel 7:9 a 14. Esta é uma razão para estudar essas profecias em ordem
inversa: O anúncio do julgamento em Daniel 8 nos direciona logicamente à cena desse julgamento em
Daniel 7. A outra linha de evidência para este julgamento vem da tipologia encontrada no livro de Levítico.
Primeiramente, há a palavra em si, "santuário", que é usada três vezes em Daniel 8 (vers. 11, 13 e 14).
Em segundo lugar, há a palavra "tamid", que significa "diário" ou "contínuo". Embora essa palavra possa ser
usada como um advérbio comum para modificar outras ações fora do Santuário, ela era comumente usada
para várias atividades sacerdotais que ocorriam dentro do templo.
Em terceiro lugar, há o símbolo de um carneiro que foi usado para representar a Pérsia. O carneiro era um
animal domesticado, em contraste com as bestas selvagens do campo que são encontradas como
símbolos em Daniel. O carneiro também era um animal usado para os sacrifícios no serviço do Santuário.
Em quarto lugar, há o símbolo do bode usado para representar a Grécia. Este também era um animal
domesticado usado para os sacrifícios.
Em quinto lugar, há a unidade de tempo "tarde-manhã" que é empregada em Daniel 8. A profecia não
apenas menciona "dias"; ela usa uma unidade composta de "tardes-manhãs". O que é uma tarde-manhã?
Gênesis 1 indica que os dias da semana da criação consistiam em uma tarde e uma manhã, então
cronologicamente uma tarde-manhã é equivalente a um dia inteiro de 24 horas.
No entanto, pode haver uma razão teológica mais profunda para a seleção dessa unidade de tempo na
profecia. Números 9:14-23 narra a história dos israelitas partindo para sua jornada na península do Sinai.
Com eles estava a própria presença de Deus, representada pela nuvem sobre o Santuário. Quando essa
nuvem se tornava uma coluna de fogo ao entardecer, o sumo sacerdote sabia que era hora de oferecer o
sacrifício vespertino. Quando ela voltava a ser uma coluna de nuvem pela manhã, ele sabia que era hora
104
de oferecer o sacrifício matutino. Portanto, uma tarde-manhã também era um dia do Santuário, delineado
por Deus mesmo para indicar a hora do dia em que os diversos aspectos de seu serviço deveriam ser
cumpridos.
Com base nessas cinco razões, podemos ver que Daniel 8 é uma profecia que se baseia muito nos serviços
do Santuário para seus símbolos. Para entender esse simbolismo, precisamos nos voltar para aquele livro
da Bíblia que nos diz mais sobre o Santuário. A última parte do Êxodo (capítulos 25-40) nos diz como o
Santuário foi construído; o livro de Levítico conta como o Santuário foi inaugurado e sobre os serviços que
eram oferecidos ali.
Havia dois tipos básicos de serviços no Santuário: o diário e o anual. Os serviços diários eram aqueles que
eram realizados todos os dias. Eles são conhecidos pela palavra que encontramos em Daniel: "tamid". A
outra classe de serviços era aquela que ocorria uma vez por ano. Geralmente eram festas de celebração e
ação de graças como a Páscoa e a Festa dos Tabernáculos (ver Levítico 23).
No entanto, havia uma dessas festas anuais que, mais do que qualquer outra, encerrava o ciclo anual de
sacrifícios e serviços diários. Era o Dia da Expiação, "yom kippur". Todos os serviços diários encontravam
sua conclusão nesse serviço anual. Com o sangue do bode do Senhor, o Santuário era purificado de seu
registro de pecados do ano anterior e ficava limpo e novo novamente para começar outro ciclo de
sacrifícios para o próximo ano calendário (ver Levítico 16). Portanto, em Levítico encontramos esses dois
grandes aspectos do serviço do Santuário: o diário e o anual.
Os encontramos também em Daniel 8. Quando se fala do "tamid", trata-se do ministério diário e o vemos
como um ponto de contenda entre o chifre pequeno e o Príncipe (8:11). Este ministério diário no Santuário
celestial realmente pertence ao Príncipe, mas o chifre pequeno contendia contra ele para roubá-lo. Em seu
desejo de assumir o controle dos serviços do Santuário à vista dos seres humanos, este chifre pequeno
introduziu elementos falsos nesse serviço (8:12). Um sacerdócio falso servia o povo de uma maneira não
estipulada por Deus. Quando isso acontecia no Santuário terreno nos tempos do Antigo Testamento, o
Santuário era contaminado. Por exemplo, ocorria uma profanação quando a santidade do Santuário era
corrompida por ídolos (Lev. 20:1-3; Jeremias 7:30, 31) ou por um sacerdócio que não era adequado para
servir ali (Lev. 21:6-8; Eze. 22:26). Esse tipo de contaminação precisava ser tratado de alguma forma, e isso
era feito através dos serviços do Dia da Expiação.
Mas havia outro elemento que era introduzido no Santuário: o registro dos pecados perdoados. Em Levítico
4, encontramos instruções sobre a oferta pelo pecado. Em Levítico 5 e 6, encontramos instruções para a
oferta pela culpa. Quando esses tipos de pecado eram tratados por esses sacrifícios, o sangue ou a carne
dos sacrifícios eram manejados de maneiras específicas. Ou o sangue era levado para dentro do Santuário
ou o sacerdote comia uma porção do sacrifício no lugar santo. Ambos os procedimentos transferiam o
pecado perdoado do pecador para o Santuário. Isso fica bem claro no resultado dessas ações conforme
Levítico 4:20, 26, 31, 35. Quando o sacerdote havia completado a manipulação do sangue do sacrifício
oferecido, ele havia feito expiação pelo pecador e este era perdoado. Um israelita não precisava esperar
até o Dia da Expiação para saber que estava perdoado; ele estava perdoado desde o momento em que o
sacrifício era feito e o sacerdote manejava os elementos do sacrifício de forma apropriada.
Há um caso muito instrutivo relacionado a este ponto em Levítico 10:16-20. Os serviços do Santuário
haviam acabado de começar, e os sacerdotes ainda não estavam muito familiarizados com eles. Quando
Moisés descobriu que os sacerdotes não haviam levado o sangue ou a carne do sacrifício para o Santuário,
ele ficou muito irritado. Ele os repreendeu severamente. A importância de levar o sangue ou a carne ao
Santuário residia no fato de que, dessa forma, o sacrifício pelo pecado era registrado ou transferido de
alguma forma. Tudo isso também fazia parte do serviço diário.
Quando o serviço diário do Santuário se transformava no serviço anual do Dia da Expiação, todos os
sacrifícios do ano eram incorporados ao sangue do bode que representava o Senhor, que era levado ao
105
Lugar Santíssimo apenas uma vez e aplicado ao propiciatório da arca da aliança. Dessa forma, a
acumulação de pecados de todo o ano, que havia sido transferida dos pecadores para o Santuário através
dos sacrifícios diários, era "reunida", por assim dizer, em um único sacrifício do serviço anual. É por isso
que não havia confissão de pecado sobre a cabeça do bode pelo Senhor no Dia da Expiação (Lev. 16:8, 9).
Os pecados já haviam sido confessados sobre as cabeças das ofertas pelos pecados individuais ao longo
do ano (Lev. 4:29). Com o sangue do bode do Senhor no Dia da Expiação, o sacerdote fazia expiação pelo
Lugar Santíssimo, o Lugar Santo e o altar no átrio do Santuário (Lev. 16:16-18).
Agora o Santuário estava purificado. Estava restaurado ao seu estado original de pureza e estava pronto
para começar outro ciclo de serviços sacrificiais para o próximo ano (Levítico 16:22-25). A disposição final
do pecado ocorria quando todos os pecados, que haviam sido perdoados e registrados no Santuário ao
longo do ano, eram retirados do Santuário, colocados sobre a cabeça do bode pelo Azazel, e enviados ao
deserto para nunca mais serem vistos pelo povo de Israel (Lev. 16:20-22).
Daniel 8 contém os mesmos dois elementos, o diário e o anual, agora colocados em uma relação profética
de tipo e antítipo. Levítico é o tipo, e Daniel é o antítipo. A comparação pode ser vista da seguinte forma:
Assim como houve uma purificação e restauração do Santuário no Dia da Expiação, também haverá uma
restauração total do Santuário celestial quando o juízo, o dia antitípico da expiação, começar no final dos
2.300 dias, em 1844 d.C. (Daniel 8:14).
Mas surge a pergunta: do que o Santuário celestial precisa ser purificado ou restaurado?
Em primeiro lugar, há a questão do que o chifre pequeno tentou fazer. Em termos simbólicos, o chifre
pequeno estendeu-se até o próprio céu e contaminou a pureza deste Santuário com suas maquinações.
Nos tempos do Antigo Testamento, isso era feito literalmente pelos conquistadores (Eze. 7:20-24; 24:21),
os falsos sacerdotes (Lev. 22:15; Sof. 3:1-4) e os idólatras. Isso culminou sob o último rei de Judá,
Zedequias. De seus tempos, lemos: "Também todos os principais sacerdotes, e o povo, aumentaram a
iniquidade, seguindo todas as abominações das nações, e contaminando a casa de Jeová, a qual ele tinha
santificado em Jerusalém" (2 Crônicas 36:14).
O que aconteceu ao templo em termos literais pode ser projetado para o domínio do Santuário celestial
em termos simbólicos. Mas quando o juízo for convocado no Santuário celestial, todas as antigas
perguntas sobre o plano de salvação serão esclarecidas. Aquilo que foi impugnado ou obscurecido agora
aparecerá puro e claro na misericórdia e justiça de Deus que brilha desde o Santuário celestial. A verdade
sobre o que esteve acontecendo no Santuário celestial será esclarecida. Por isso se diz que o Santuário
será "purificado" (8:14, RV60), ou "será reivindicado" (Bíblia de Jerusalém).
Mas o juízo do Dia da Expiação no Antigo Testamento lidava não apenas com as impurezas introduzidas por
estranhos ou falsos profetas. Também lidava decisivamente com o registro dos pecados perdoados dos
santos, os israelitas justos (Levítico 16:16, 22). Assim, o Dia da Expiação cumpria dois eventos importantes:
(1) A purificação ou restauração do Santuário em relação aos registros dos pecados dos justos, e (2) a
purificação de qualquer impureza introduzida por falsos condutores em relação ao Santuário. Levítico
16:16 diz: "Assim purificará o santuário, por causa das impurezas dos filhos de Israel, de suas rebeliões e
de todos os seus pecados; da mesma maneira fará também o tabernáculo de reunião, o qual reside entre
eles, em meio de suas impurezas".
A contaminação referida é o estado de impureza que profana o Santuário (Levítico 11-15). A rebelião são os
pecados pessoais e corporativos de Israel (Levítico 1-7). Quanto aos paralelos tipo lógicos no livro de
Daniel, os pecados dos justos que são atendidos no juízo final no céu correspondem aos pecados
106
perdoados dos israelitas que foram registrados diariamente no Santuário; a impureza que o chifre pequeno
introduziu simbolicamente no Santuário ao contaminar o conhecimento da obra do verdadeiro Santuário
para a humanidade corresponde ao estado de impureza ou profanação do qual o Santuário do Antigo
Testamento era purificado. O padrão é este:
Portanto, um conhecimento mais pleno da função do Santuário no livro de Levítico realmente pode
iluminar as referências ao Santuário na profecia de Daniel 8. Mas o livro de Daniel tem mais a dizer sobre
este assunto com a visão de Daniel 7. Isso será o foco de nossa atenção no próximo capítulo.
RESUMO
A quantidade de discussão dedicada a esta profecia poderia implicar que este é um tema complicado. Na
realidade, não é. A profecia começa com a história do carneiro persa, seu surgimento, seus sucessos e seu
colapso final. Então continua com o bode grego, seus sucessos iniciais e sua dissolução final. Essa
dissolução levou à divisão do Império Grego em quatro reinos menores distribuídos ao redor da bacia
oriental do Mediterrâneo. Para essa região veio um novo poder representado por um pequeno chifre que
cresceu e se tornou muito grande. Sua grandeza no início foi revelada por sua conquista nas regiões dos
antigos reinos gregos. Com sucesso, ele conquistou e absorveu esses quatro reinos.
Em sua fase posterior de existência, esse poder em Roma assumiu um caráter mais religioso. Nessa fase,
representa a igreja com sede em Roma, a igreja que teve tremenda influência e poder na Europa ao longo
da Idade Média. Durante esses séculos, exerceu seu poder como uma força perseguidora, e isso está
claramente revelado pela história da igreja romana. Sua teologia revela algo mais: uma abordagem do
plano de salvação que contradiz os ensinamentos da Bíblia. Dessa forma, acabou se tornando, de fato,
como um rival ao plano de salvação que pretende oferecer. Essa organização, que começou tão bem, na
realidade acabou se encontrando em oposição aos propósitos de Deus por causa de seu desejo de exercer
controle.
Assim, desenvolveu-se uma situação antagônica. De um lado estava o verdadeiro Santuário celestial, de
onde o ministério do verdadeiro Sumo Sacerdote, Jesus Cristo, foi oferecido. Do outro lado, havia um poder
terreno que tentava desviar a atenção desse Santuário celestial, seu Sacerdote e seus serviços, para se
concentrar em um substituto terreno.
Por quanto tempo essa rivalidade duraria? Como poderia chegar a um fim? Quais são os resultados dos
dois planos alternativos de salvação? As respostas a essas perguntas serão todas reveladas no juízo. Este
juízo no fim dos tempos é o que a profecia aponta quando diz que o Santuário (celestial) será purificado,
restaurado e justificado no fim das 2.300 tardes-manhãs.
Podemos aprender mais sobre este serviço "anual" que ocorre no final dos serviços "diários" quando
consideramos passagens paralelas no livro de Levítico. Os capítulos 1 ao 15 de Levítico apresentam o
serviço contínuo, e o capítulo 16 descreve o serviço anual. Esse serviço anual, ou Dia da Expiação, era um
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dia de juízo para o antigo Israel. Da mesma forma, o Dia da Expiação antitípico apresenta um juízo no
Santuário celestial que determinará todos aqueles que verdadeiramente pertencem ao acampamento dos
santos do Altíssimo.
Não nos cabe julgar quem serão esses santos; isso cabe a Deus em seu juízo. Somente Ele sabe quanto de
luz e verdade cada indivíduo recebeu. Nossa tarefa é nos aplicarmos à sua Palavra para que possamos
conhecê-lo como nosso Senhor e Salvador. Nossa tarefa é receber o seu Espírito para que possamos viver
para Ele. Todos os aspectos do juízo podemos deixar com segurança a Ele, nosso Deus de misericórdia e
justiça.
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CAPÍTULO 9
A quantidade de discussão dedicada a esta profecia pode implicar que este é um tema complicado. Na
realidade, não é. A profecia começa com a história do carneiro persa, seu surgimento, seus sucessos e seu
colapso final. Então continua com o bode grego, seus sucessos iniciais e sua dissolução final. Essa
dissolução levou à divisão do Império Grego em quatro reinos menores distribuídos ao redor da bacia
oriental do Mediterrâneo. Para essa região veio um novo poder representado por um pequeno chifre que
cresceu e aumentou muito em tamanho. Sua grandeza no início foi revelada por sua conquista nas regiões
dos antigos reinos gregos. Com sucesso, ele conquistou e absorveu esses quatro reinos.
Em sua fase posterior de existência, esse poder em Roma assumiu um caráter mais religioso. Nessa fase,
representa a igreja com sede em Roma, a igreja que teve tremenda influência e poder na Europa ao longo
da Idade Média. Durante esses séculos, exerceu seu poder como uma força perseguidora, e isso está
claramente revelado pela história da igreja romana. Sua teologia revela algo mais: uma abordagem do
plano de salvação que contradiz os ensinamentos da Bíblia. Dessa forma, acabou se tornando, de fato,
como um rival ao plano de salvação que pretende oferecer. Essa organização, que começou tão bem, na
realidade acabou se encontrando em oposição aos propósitos de Deus por causa de seu desejo de exercer
controle.
Assim, desenvolveu-se uma situação antagônica. De um lado estava o verdadeiro Santuário celestial, de
onde o ministério do verdadeiro Sumo Sacerdote, Jesus Cristo, foi oferecido. Do outro lado, havia um poder
terreno que tentava desviar a atenção desse Santuário celestial, seu Sacerdote e seus serviços, para se
concentrar em um substituto terreno.
Por quanto tempo essa rivalidade duraria? Como poderia chegar a um fim? Quais são os resultados dos
dois planos alternativos de salvação? As respostas a essas perguntas serão todas reveladas no juízo. Este
juízo no fim dos tempos é o que a profecia aponta quando diz que o Santuário (celestial) será purificado,
restaurado e justificado no fim das 2.300 tardes-manhãs.
Podemos aprender mais sobre este serviço "anual" que ocorre no final dos serviços "diários" quando
consideramos passagens paralelas no livro de Levítico. Os capítulos 1 ao 15 de Levítico apresentam o
serviço contínuo, e o capítulo 16 descreve o serviço anual. Esse serviço anual, ou Dia da Expiação, era um
dia de juízo para o antigo Israel. Da mesma forma, o Dia da Expiação antitípico apresenta um juízo no
Santuário celestial que determinará todos aqueles que verdadeiramente pertencem ao acampamento dos
santos do Altíssimo.
Não nos cabe julgar quem serão esses santos; isso cabe a Deus em seu juízo. Somente Ele sabe quanto de
luz e verdade cada indivíduo recebeu. Nossa tarefa é nos aplicarmos à sua Palavra para que possamos
conhecê-lo como nosso Senhor e Salvador. Nossa tarefa é receber o seu Espírito para que possamos viver
para Ele. Todos os aspectos do juízo podemos deixar com segurança a Ele, nosso Deus de misericórdia e
justiça.
Daniel 7 é a visão simbólica mais detalhada e completa no livro de Daniel. Começa com o reino
contemporâneo da Babilônia, onde Daniel vivia quando a visão lhe foi dada. Continua por toda a história
humana e termina com o reino de Deus que será estabelecido no fim. Portanto, cobre todo o período desde
Daniel até os nossos dias e se projeta para a eternidade. Daniel 2 cobre um período de tempo semelhante,
mas apresenta menos detalhes. Lá, encontramos que os reinos são representados por diferentes metais,
enquanto em Daniel 7, são simbolizados por diferentes bestas, que podem comunicar características mais
detalhadas. Essas características representam as atividades dos reinos. As outras principais profecias no
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livro de Daniel cobrem períodos de tempo mais curtos em seu conteúdo profético do que Daniel 7. Daniel
8 começa com a Pérsia, não Babilônia, e não se estende até o reino final de Deus. Daniel 9 é ainda mais
curto, cobrindo apenas o período dos persas aos romanos. Daniel 11 se estende até o reino final de Deus,
mas começa com a Pérsia, não Babilônia. Portanto, pode-se dizer que Daniel 7 é a visão simbólica mais
completa e detalhada no livro.
O capítulo 7 apresenta os quatro reinos desta Terra que dominariam o mundo mediterrâneo por muitos
séculos. No entanto, ao contrário da profecia no capítulo 8, a explicação da visão feita pelo anjo a Daniel
não menciona nenhum desses reinos. Como, então, identificaremos essas bestas-reinos? A resposta é que
eles devem ser identificados por referência cruzada com outras profecias em Daniel que nomeiam esses
reinos sucessivos ou os identificam de outra maneira. Basicamente, há quatro desses grandes esboços
proféticos em Daniel: capítulos 2, 7, 8 e 11. (Daniel 9, a outra profecia importante no livro, é de natureza
diferente. Não esboça as nações que se levantariam e cairiam. Na verdade, nem as menciona, exceto
indiretamente. Daniel 9 se concentra na história profética dos judeus e, portanto, está fora do âmbito dos
esboços proféticos que descrevem o surgimento e a queda dos quatro reinos.) Em termos de símbolos,
Daniel 7 faz a representação mais completa da sequência dos reinos mundiais.
Mas o clímax da visão no capítulo 7 não vem com a última besta. O clímax chega, ao invés disso, no que
acontece depois da última besta, quando Deus assume a história humana e a leva a um fim (7:13, 14, 26-
28). Como Deus faz isso? Daniel 7 fornece uma resposta interessante. Quando Deus assume, resta uma
fase final da história mundial antes de Ele estabelecer Seu reino eterno. Daniel 7 nos assegura que o reino
de Deus será estabelecido, mas como Ele faz isso? A resposta vem nos versículos 9-14. Estudaremos essa
passagem em detalhes.
Ao considerar essa palavra-chave, devemos nos perguntar: Quem tem o domínio? Veremos que o capítulo
7 indica que a primeira besta teria domínio por um tempo, mas depois iria perdê-lo para a segunda besta.
Posteriormente, a segunda besta perderia o domínio para a terceira besta, e assim por diante até que a
sequência terminasse. Uma pergunta prática surge nesse ponto: Os seres humanos devem sofrer para
sempre sob esses reinos e seus governos que estão constantemente mudando? Muitos desses governos
foram opressivos e injustos, especialmente para o povo justo de Deus. Isso será a sorte comum da
humanidade para sempre? A profecia nos assegura que não será sempre assim. Deus intervirá e colocará
um fim nesses reinos terrestres e suas injustiças. Ele estabelecerá um reino de sua própria criação, onde
"mora a justiça" (2 Pedro 3:13). No reino eterno de Deus, desfrutaremos de paz, prosperidade e do vigor
eterno da juventude e da imortalidade (veja Apocalipse 21:1-4). O domínio do Senhor será radicalmente
diferente de qualquer tipo de domínio que os seres humanos já tenham experimentado anteriormente. Isso
é o que Daniel 7 nos garante.
A partir dessa conclusão, precisamos revisar o texto e observar os detalhes para ver como chegaremos a
esse ponto no curso da história.
O CENÁRIO
Daniel 7:1 nos diz que Daniel recebeu a visão deste capítulo como um sonho ou visão noturna enquanto
estava dormindo. Nesse sentido, foi semelhante aos dois sonhos noturnos que Nabucodonosor teve,
conforme registrado nos capítulos 2 e 4. Nesses casos anteriores, Daniel havia funcionado como um sábio
110
inspirado que podia ir ao rei e explicar seus sonhos. Mas, neste caso, o sonho foi dado diretamente ao servo
de Deus sem a participação do rei pagão.
Tudo isso aconteceu no primeiro ano de Belsazar, por volta do ano 550 a.C. Já mencionamos várias vezes
as circunstâncias incomuns pelas quais Belsazar chegou ao trono. Seu pai, Nabonido, deixou Babilônia
para viver por um período de dez anos em Tema, na Arábia, aproximadamente de 550 a.C. a 540 a.C. Ele
retornou justo a tempo para tentar defender Babilônia dos persas. Mas voltou muito tarde e sua defesa não
teve sucesso. A visão de Daniel 7 foi dada no início desse período incomum de dez anos, num momento
em que Nabonido havia partido para o deserto da Arábia e Belsazar acabara de ser encarregado da
administração de Babilônia como corregente com seu pai. Por que Deus teria dado essa visão particular
nesse momento especial? Pode haver pelo menos uma boa razão.
Por volta de 550 a.C., já era evidente que o reino da Babilônia estava se enfraquecendo e estava prestes a
ser derrubado por algum outro poder. Portanto, uma função desta visão era indicar os eventos que
ocorreriam quando isso acontecesse. Esses acontecimentos não deveriam surpreender o povo de Deus.
Dez anos depois, quando o urso persa derrotou o leão babilônico, o povo de Deus encontraria segurança
ao saber que realmente estavam sendo guiados por Deus, que ele havia dado evidências por meio de seu
profeta de que ainda estava no controle dos assuntos humanos e sabia o que iria acontecer. Portanto, uma
explicação para a recepção dessa visão nesse momento particular era fortalecer a fé do povo de Judá
durante seu cativeiro.
Onde estavam localizados esses quatro poderes? Todos estavam situados ao redor ou mesmo dentro do
Mar Mediterrâneo. Isso é evidente para Grécia e Roma, mas e quanto a Babilônia e Medo-Pérsia? Como
poderiam ser classificados como poderes mediterrâneos? É preciso considerar suas conquistas.
Nabucodonosor entrou com os exércitos babilônicos na Síria e Palestina em muitas ocasiões. Temos os
registros dessas campanhas preservados em tábuas babilônicas dos primeiros treze anos de seu reinado.
Portanto, Babilônia era um poder mediterrâneo em virtude de suas conquistas. Isso era ainda mais
verdadeiro no caso da Pérsia, que herdou a Síria e a Palestina quando conquistou Babilônia. Mas a Pérsia
foi além dos limites babilônicos e conquistou o Egito e invadiu duas vezes a Grécia, embora não a tenha
mantido como parte de seu império. Assim, temos quatro poderes mediterrâneos representados aqui:
Roma e Grécia por sua localização geográfica, e Babilônia e Pérsia por conquista.
É importante destacar o foco mediterrâneo desta profecia, pois às vezes surge a pergunta de por que a Índia
e a China não estão representadas nesta profecia de impérios mundiais. Não era o propósito da profecia
cobrir toda a história do mundo. Apenas focou o segmento mais importante e influente da história que
descreve: o que ocorre ao redor da bacia do Mediterrâneo, a localização do povo especial de Deus, Israel,
o povo de seu pacto.
Também é interessante destacar aqui que, embora a profecia descreva certos detalhes sobre essas bestas,
basicamente elas não se movem. Depois de saírem do mar, não vão a lugar nenhum. Não se lançam em
111
nenhuma direção para completar suas conquistas. São seres animados, mas inativos. Em contraste, o
carneiro em Daniel 8 avançava para o ocidente, e o bode avançava para o oriente. Não temos esses
elementos direcionais aqui em Daniel 7. A visão é mais pictórica por natureza. Mostra-nos as bestas e suas
características e nos permite decifrá-las com a ajuda da interpretação do anjo (veja vers. 15-27). As
conquistas são indicadas - por exemplo, por meio das costelas na boca do urso - mas são mostradas de
maneira estática como eventos que já haviam ocorrido, não como ações que ocorrem na própria profecia.
A PRIMEIRA BESTA
A primeira besta é um leão (7:4). O anjo intérprete não nos diz qual reino representa o leão. Temos que fazer
essa identificação conectando esta profecia com Daniel 2. Lá, na imagem metálica, vemos a cabeça de
ouro em primeiro lugar (2:32). Nessa profecia, o próprio profeta nos dá a identificação da cabeça de ouro.
Ele diz a Nabucodonosor: "Tu és aquela cabeça de ouro" (vers. 38). Como se quisesse esclarecer que
estava falando sobre reinos e não apenas sobre Nabucodonosor, Daniel continuou dizendo: "E depois de ti
se levantará outro reino inferior ao teu" (vers. 39).
Essa conexão fica clara pelo uso de números. As profecias em ambos os capítulos (2 e 7) usam alguns
elementos de sequência como primeiro, segundo, terceiro e quarto. Não é que a imagem de Daniel 2
contenha quatro metais, e que Daniel 7 apresente quatro bestas, mas o profeta as apresenta em uma
ordem específica. Sem dúvida, a sequência é a mesma em ambos os capítulos. Como Daniel 2 começa
com a cabeça de ouro e a identifica para nós como Babilônia, a conexão cruzada aponta diretamente para
o leão, a primeira besta em Daniel 7, como uma representação de Babilônia também.
O leão era uma representação particularmente apropriada. Na cidade da Babilônia, os leões eram
representados em detalhes por meio de tijolos coloridos na grande via processional e no portão de Ishtar,
ao qual essa via levava. Esta era a entrada principal para Babilônia pelo norte. Os leões feitos de tijolos
coloridos também estavam à vista na muralha exterior do salão do trono no palácio. Além disso, no pátio
do palácio havia o grande leão da Babilônia, uma enorme estátua esculpida em basalto negro. Havia leões
também no zoológico real, conforme nos conta a história de Daniel 6. Indubitavelmente, Daniel caminhou
muitas vezes diante dessas representações de leões. O leão é, portanto, uma representação singularmente
apropriada para o reino da Babilônia.
Quais características detalhadas deste leão a visão fornece? Este leão começou com asas de águia, mas
então suas asas foram arrancadas, e ao leão foi dado um coração de homem. Em outra parte de Daniel, as
asas representam a velocidade da conquista, como se pode observar ao comparar o leopardo que
representa a Grécia em Daniel 7:6 com o bode que representa a Grécia em Daniel 8:5. Portanto, arrancar
as asas do leão representaria a diminuição de sua natureza voraz e de conquista. Quando isso ocorreu?
A história do reino neobabilônico pode ser dividida em dois grandes segmentos: o reino de Nabucodonosor
(605-562 a.C.) e o reinado dos reis que o sucederam (562-539 a.C.). Nabucodonosor governou Babilônia
mais ou menos o dobro do tempo que o total dos outros cinco reis que o sucederam (incluindo Belsazar).
Além disso, esses cinco reis foram muito menos eficazes que Nabucodonosor. Ele edificou o reino da
Babilônia, e os outros desperdiçaram seus feitos, como se observa, por exemplo, na prolongada ausência
de Nabonido de Babilônia. Assim, essa sucessão de governantes fracos pode muito bem ser representada
pelo "coração de homem" que foi dado, simbolicamente, ao leão que agora perdeu suas asas (vers. 4).
Outra possibilidade é que isso seja uma representação da própria experiência de Nabucodonosor descrita
especialmente em Daniel 4. Quando a sentença do juízo de Deus caiu sobre ele, saiu e viveu entre os
animais do campo. Nabucodonosor esteve nesse estado mental por um período de sete anos. Durante
esse tempo, o rei esteve incapacitado para conduzir qualquer assunto de Estado, como a condução de
campanhas militares que seriam representadas pelas asas de uma águia. Ao final desse período de
demência, as faculdades de Nabucodonosor lhe foram devolvidas e ele foi restaurado ao seu reino. Sua
112
mente - ou coração - retornou a ele e recuperou as faculdades que o faziam humano. A visão poderia referir-
se a qualquer um desses dois cenários; no entanto, o primeiro parece estar um pouco mais alinhado com
a perspectiva da profecia.
A SEGUNDA BESTA
A segunda besta na visão do capítulo 7 era um urso (7:5). O urso é um habitante da montanha, tornando-o
um símbolo adequado para um país montanhoso como a Média, que posteriormente foi adicionada ao país
da Pérsia sobre o elevado planalto do Irã. Para chegar à Medo-Pérsia, as forças da Assíria ou Babilônia
tiveram que marchar através das montanhas de Zagros. Nabucodonosor construiu os famosos jardins
suspensos da Babilônia para sua esposa, que era da Média, pois ela sentia saudades das montanhas em
seu país natal e estava entediada com as planícies da Mesopotâmia.
Este urso tinha uma característica incomum: estava inclinado. Um lado estava mais levantado do que o
outro. O carneiro em Daniel 8:3 tem a mesma característica, no sentido de que um chifre se levantava
acima do outro. A interpretação dada em 8:20 é que os dois chifres representam o reino duplo da Média e
Pérsia. Em combinação, esses dois compunham o Império Medo-Persa. O urso inclinado em Daniel 7
logicamente deve representar a mesma combinação. O poder da Média era mais forte no início, mas então
a parte persa se levantou e, por fim, tornou-se mais proeminente que os medos (8:3). Portanto, o urso em
Daniel 7 e o carneiro em Daniel 8 representam o mesmo poder: Medo-Pérsia.
A outra característica do urso em Daniel 7 é que ele tem três costelas entre suas mandíbulas. No mundo
natural, isso representaria animais que ele devorou. Portanto, na profecia, deve representar os reinos que
esse poder havia absorvido ou conquistado. Daniel 8:4 descreve a mesma característica quando destaca
que o carneiro avançou em todas as direções, ao norte, ao ocidente e ao sul. Assim, as três direções de
conquista em Daniel 8 e as três costelas de conquista em Daniel 7 representam a mesma coisa: três
conquistas importantes dos medos-persas. No comentário sobre Daniel 8, identificamos essas conquistas
como Lídia na Ásia Menor ao norte da Pérsia, Babilônia ao ocidente e Egito ao sul. Ciro conquistou Lídia e
Babilônia, e Cambises, seu filho, conquistou o Egito.
A TERCEIRA BESTA
A terceira besta de Daniel 7 é o leopardo (7:6). Claramente, percebe-se que este não é um leopardo natural,
mas uma figura simbólica. Este leopardo tem uma natureza quádrupla; possui quatro cabeças e quatro
asas. Esta natureza quádrupla corresponde bem aos quatro chifres que saíram da cabeça do bode grego
em Daniel 8:8. O anjo identifica esse bode como a Grécia em 8:21. Assim, podemos aplicar essa mesma
identificação ao leopardo no capítulo 7. Em Daniel 8, o bode voava sobre o solo sem tocá-lo; no capítulo 7,
o leopardo recebe asas para alcançar o mesmo propósito. Novamente, as características comuns entre as
bestas nesses dois capítulos estabelecem uma correlação que nos permite identificar o leopardo no
capítulo 7 e o bode no capítulo 8 como um e o mesmo reino: Grécia. A natureza quádrupla dessas duas
bestas refere-se às divisões em que o reino grego se dividiu após a morte de Alexandre.
Até aqui, pudemos identificar as três primeiras bestas de Daniel 7 por meio de comparações cruzadas com
os símbolos de outros capítulos do livro, onde são nomeados mais especificamente. A correlação cruzada
com Daniel 2 identifica o leão no capítulo 7 como Babilônia. Correlações cruzadas com Daniel 8
identificam as duas bestas seguintes em Daniel 7, o urso e o leopardo, como Medo-Pérsia e Grécia. Este é
também o ordenamento histórico dessas potências. A Pérsia conquistou a Babilônia durante o governo de
Ciro, e essa conquista está registrada para nosso benefício no próprio livro de Daniel (capítulo 5). Depois,
Alexandre, o Grande, liderou os exércitos da Grécia macedônica na derrota e conquista da Pérsia. Dessa
maneira, a veracidade da identificação feita no livro de Daniel foi verificada por comparações históricas
fora da Bíblia.
113
A QUARTA BESTA
A quarta besta de Daniel 7:7 não é identificada por nome em nenhuma parte do livro de Daniel; nem no
capítulo 2, nem no capítulo 8, nem no capítulo 11. Isso nos gera uma pergunta histórica: qual poder
sucedeu a Grécia?
Historicamente, a resposta é muito simples. Foi Roma. Isso foi visto em nossa discussão dos quatro chifres
do bode em Daniel 8:8. Esses quatro chifres representavam as quatro divisões principais do império de
Alexandre: Grécia continental, Ásia Menor, Síria (incluindo Babilônia) e Egito. Quem foi finalmente
responsável pela queda desses quatro reinos? A resposta é Roma. Roma conquistou primeiro a Grécia.
Então, o rei de Pérgamo, por não ter descendente varão, legou a Ásia Menor a Roma. Posteriormente, a Síria,
juntamente com a Judeia, caiu sob Pompeu e suas legiões. Finalmente, o Egito, o último dos quatro,
também caiu diante de Roma. Dessa forma, Roma completou sua conquista da bacia do Mediterrâneo. A
quarta besta que veio depois das quatro cabeças do leopardo pode ser facilmente identificada como
Roma.
Daniel não descreve a aparência da quarta besta tão completamente quanto faz com a terceira; por essa
razão, às vezes é denominada a besta "indescritível". A verdade é que a quarta besta surpreendeu Daniel
por sua aparência. Era, segundo ele, "espantosa e terrível e muito forte" (Dan. 7:7). Esta besta ou potência
política "devorava e triturava [suas vítimas], e pisava aos pés o que sobrava" (vers. 7). Esta é uma imagem
de conquistas muito minuciosas. A arqueologia mostrou quão minuciosos eram os engenheiros romanos
ao destruir cidades previamente existentes para abrir caminho à nova ocupação romana. Jerusalém
mesma foi um exemplo. Quando Roma conquistou e destruiu Jerusalém no ano 70 d.C., os escombros da
destruição foram empurrados para um vale ao lado ocidental da cidade. Hoje em dia, esse vale, o Tiropeão,
nem sequer existe porque foi totalmente preenchido com os escombros da destruição romana da cidade.
A destruição romana do Templo Herodiano, ou Segundo Templo, foi tão completa que ainda hoje os
arqueólogos não sabem ao certo onde estavam as plataformas do templo. Jesus profetizou isso quando
predisse que nenhuma "pedra" ficaria sobre outra "que não seja derribada" (Mat. 24:2).
A profecia dá um detalhe interessante sobre essa quarta besta: diz que tinha dentes de ferro (Dan. 7:7).
Esses dentes de ferro representam com maior vigor a natureza conquistadora e destrutiva desse reino, mas
também formam um elo direto com o quarto reino de Daniel 2, onde o quarto reino estava representado
pelas pernas de ferro da imagem (2:33, 40). O ferro estava conectado com o quarto reino em cada profecia,
indicando que os poderes representados eram um e o mesmo. Em ambos os casos, Roma é o reino que se
destaca.
A outra característica importante dessa quarta besta, dada em Daniel 7, é que ela tinha dez chifres. Na
segunda metade do capítulo, o anjo intérprete dá a explicação: "E os dez chifres significam que daquele
reino se levantarão dez reis" (vers. 24). À primeira vista, pode-se supor que surgiriam dez césares de Roma.
No entanto, deve-se notar que há um precedente em Daniel onde se usa a palavra "rei" para denotar "reino".
Como já mencionamos em Daniel 2, o profeta disse a Nabucodonosor: "Tu, ó rei... és aquela cabeça de
ouro" (vers. 36, 38). Ele imediatamente continua: "E depois de ti se levantará outro reino" (vers. 39). Este
mesmo uso paralelo é encontrado em Daniel 7. Em sua primeira e mais simples explicação, o anjo disse a
Daniel: "As quatro grandes bestas são quatro reinos [literalmente, "reis"] que se levantarão na Terra" (vers.
17, NVI). Então, mais tarde neste capítulo, o anjo diz a Daniel: "A quarta besta será um quarto reino na Terra"
(vers. 23). Portanto, no texto original aramaico de Daniel 7, há um exemplo de "rei" e "reino" sendo usados
em significado paralelo, tal como em Daniel 2.
Com esse uso em mente, podemos ver que os dez chifres não representam dez reis individuais, mas reinos
que surgiram do turbilhão político e militar criado pela ruptura do império romano pelos ataques das tribos
bárbaras do leste e do norte. Esse processo histórico levou alguns séculos para ser completado,
começando no século V d.C. ou até antes. Gradualmente, as tribos bárbaras que preencheram o vazio
114
deixado pela queda do império romano estabeleceram-se para ocupar seus respectivos territórios e, por
fim, transformaram-se no que hoje vemos como as nações modernas da Europa. A lista dessas tribos,
conforme comumente apresentada, inclui os ostrogodos, visigodos, francos, vândalos, suevos, alamanos,
anglo-saxões, hérulos, lombardos e burgúndios.
Não é necessário ser inflexível quanto à precisão das tribos em questão. Houve flutuações no número de
tribos que migraram pela Europa e, da mesma forma, também houve flutuações no número de nações
modernas derivadas delas. Podemos tomar o número dez como um número representativo do corpo
completo de tais tribos e nações. Um debate histórico sobre este ponto ocorreu durante a reunião prévia à
sessão da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia em 1888. A questão particular em debate era
se os alamanos ou os hunos pertenciam à lista. O debate foi tão acirrado e divisivo que os delegados se
perguntavam uns aos outros: "Você é huno ou alamano?" Não há necessidade de ser tão minucioso.
Historicamente, é claro que, quando o império romano se desmoronou, as tribos que tomaram seus
territórios evoluíram em aproximadamente dez tribos. Nenhum outro império sucedeu ao império romano
após sua queda e divisão. Daniel 2:43 sugere que, após a queda de Roma, seu território original,
representado pelos dez dedos dos pés (2:43, 42), permaneceria dividido até o estabelecimento do reino
eterno de Deus (vers. 44, 45).
O PEQUENO CHIFRE
A divisão do Império Romano deu origem a outro poder. Esta potência está representada por outro chifre,
um décimo primeiro chifre (7:8). Há algo sobre este poder, no entanto, que o destacou dos outros dez. Era
um poder distintivamente religioso, enquanto os outros eram políticos por natureza. Assim como houve
uma fase distintamente religiosa na obra do pequeno chifre em Daniel 8 (veja os versículos 9, 10), o
pequeno chifre aqui em Daniel 7 também entra em ação como um poder distintamente religioso. Esse
caráter religioso é demonstrado pelas grandes palavras que fala contra o Altíssimo Deus e por sua
perseguição aos santos do Senhor (7:8, 25). Esta característica religiosa está em contraste com as ações
puramente políticas dos quatro poderes que haviam aparecido anteriormente na profecia. Na discussão
sobre o pequeno chifre de Daniel 8, concluímos que esta fase religiosa de sua obra representava a igreja
romana dirigida pelo papado, sendo esta a fase religiosa de Roma que sucedeu à fase imperial. A mesma
identificação se encaixa bem aqui em Daniel 7 por várias razões.
Primeiro, devemos notar de onde vem este pequeno chifre. Ele se originou da quarta besta (7:8), e não de
nenhuma das três bestas anteriores. Portanto, este poder tem que ser romano em caráter. Mas não é a
Roma imperial, porque esta era representada pela besta da qual cresce este chifre.
Segundo, deve-se destacar quando surgiu este chifre. Surgiu depois que os outros dez chifres já estavam
no lugar. Isso significa que se levantou sobre as ruínas do quebrantado império de Roma. Foi aí que o
papado realmente veio ao primeiro plano. A capital do Império Romano havia sido transferida para
Constantinopla por Justiniano no século VI d.C. Isso deixou um vazio de poder na cidade de Roma, quando
já não estava sob o controle das tribos bárbaras. Com a ajuda de Justiniano, esse vazio logo foi preenchido
pelo bispo de Roma. Justiniano decretou que o bispo de Roma fosse a cabeça de todas as igrejas (533 d.C.).
Também enviou seu exército para liberar Roma do cerco dos godos (537-538 d.C.). Inclusive concedeu ao
bispo de Roma certos poderes civis. Em palavras de Apocalipse 13:2, "o dragão deu-lhe o seu poder, o seu
trono e grande autoridade".
Terceiro, três chifres foram arrancados diante do pequeno chifre. Ocorreu um fenômeno interessante no
século VI d.C. Durante aquele século, houve uma série de guerras que foram tanto políticas quanto
religiosas por natureza. Foram políticas porque algumas das tribos bárbaras sofreram derrotas durante o
curso dessas guerras. Mas essas tribos derrotadas eram cristãs! Aqui temos o espetáculo de um poder
cristão - o Império Romano dirigido pelo imperador e pelo bispo de Roma - que se opôs a outros poderes
cristãos como os ostrogodos, vândalos e talvez os visigodos. Essas tribos eram cristãs, mas abraçavam um
115
tipo particular de cristianismo. Eram arianos. Os arianos acreditavam que Cristo era um ser criado e,
portanto, de estatura menor que Deus o Pai. Esta doutrina não era aceitável para o bispo em Roma, e ele
lutou contra ela com o braço do Estado. Do ponto de vista do Estado, a derrota desses poderes cumpriu
certos fins políticos desejáveis. Do ponto de vista da Igreja, a derrota desses poderes arianos serviu para
arrancar a heresia. O braço militar do Estado foi utilizado para os fins teológicos da Igreja. Assim foram
arrancados esses três chifres ou poderes tribais diante deste novo chifre, a Roma papal.
Quarto, este poder era um poder perseguidor. Isso é declarado explicitamente em Daniel 7:21. Discutimos
essa característica da obra do pequeno chifre no capítulo 5 e também no capítulo anterior em nossa análise
de Daniel 8:10. O mesmo relato de suas perseguições poderia ser feito aqui.
Quinto, este poder atentou contra a lei de Deus. A predição era que pensaria "em mudar os tempos e a lei"
(vers. 25). Há duas palavras para tempo neste versículo. Uma é "iddan", utilizada para descrever a duração
da perseguição dos santos feita pelo pequeno chifre; duraria três tempos e meio ("tempo, e tempos e meio
tempo"). A palavra "iddan" significa um lapso de tempo. A outra palavra para tempo usada neste versículo
é "zeman" (plural, "zimmin"). "Intentará... mudar os tempos estabelecidos e as leis". Esta palavra aramaica
tem mais a função de um ponto no tempo, mas está na forma plural, indicando pontos de tempo repetidos.
Esses pontos de tempo estão conectados com a lei de Deus (a palavra para "lei" é singular no idioma
original). A característica da lei de Deus que melhor se encaixa nessa descrição é o quarto mandamento,
onde se apresenta o recorrente sétimo dia como um ponto no tempo, ou como pontos de tempo que
ocorrem regularmente.
O Novo Testamento indica que a igreja cristã observava o sábado (veja Atos 13:14, 44; 16:13; 17:2; 18:4),
mas gradualmente foi introduzida a prática de adorar no primeiro dia da semana. Este processo foi algo
gradual e complexo, e o antissemitismo desempenhou uma parte considerável no desejo da igreja de se
distanciar do sábado bíblico. Segundo alguns historiadores primitivos da igreja, esse movimento de
abandonar o sábado desenvolveu-se mais rapidamente em Roma e Alexandria, mas acabou se espalhando
por toda parte. A igreja de Roma considera seu patrocínio desse giro na prática da adoração do sétimo dia
da semana para o primeiro como um resultado de seu magistério, ou autoridade para o ensino recebida de
Deus.
Sexto, este poder haveria de falar grandes palavras contra o Altíssimo, ou cometeria blasfêmia. Um número
de pretensões fez com que este poder caísse nesta categoria, incluindo alguns de seus títulos e funções
como o perdão dos pecados por um sacerdote, a excomunhão e o interdito (a exclusão de indivíduos ou
populações inteiras de participar em coisas espirituais). O século VI d.C., no qual o bispo de Roma se
levantou com especial proeminência, também foi ocasião para a produção do que veio a se chamar
pseudo-decretos, ou documentos falsos, que alegavam uma grande gama de poderes por parte do papado.
Sétimo, há uma relação entre o pequeno chifre de Daniel 7:8 e o pequeno chifre de Daniel 8:9. Ambos os
chifres são qualificados pelo mesmo adjetivo, "pequeno" (ou "chico") quando começam, mas ambos
crescem até se tornarem grandes. Esta palavra "pequeno" ou "chico" em si mesma é interessante. A palavra
hebraica traduzida como "pequeno" em Daniel 8 não é a palavra hebraica usual para "pequeno". Daniel
tinha uma palavra muito mais comum à sua disposição, mas escolheu esta palavra relativamente rara a
fim de fazê-la equivalente à palavra aramaica para "pequeno" usada no capítulo 7 para descrever o
pequeno chifre ali representado. A conexão linguística distintiva entre esses dois símbolos proféticos
mostra que são a mesma entidade. Todas as características que examinamos anteriormente em conexão
com o pequeno chifre de Daniel 8 (perseguição, rivalidade em relação ao ministério celestial de Cristo e o
desvio da humanidade para um substituto terrestre para o Santuário celestial) também podem ser
aplicadas àquelas dadas ao pequeno chifre descrito em Daniel 7.
Oitavo, há datas para a duração da perseguição e do domínio exercidos por este poder. Este período de
tempo é identificado como três tempos e meio em Daniel 7:25. Esses "tempos" (vers. 25) podem ser
116
identificados como anos baseando-se nos paralelos com Daniel 4:16, 23, e 25, onde sete "tempos", ou
anos, haveriam de passar sobre Nabucodonosor até que ele recuperasse seu juízo. O Antigo Testamento
grego inclusive traduz "tempos" como "anos" em Daniel 4. Os "tempos" de Daniel 4 eram anos literais do
calendário babilônico, mas aqui no capítulo 7 estamos lidando com anos simbólicos em uma profecia
apocalíptica. Apocalipse 12 faz esta mesma equivalência de "tempos" com "anos". O versículo 6 atribui
1.260 dias para esta mesma perseguição da igreja, e o versículo 14 repete esse mesmo período de tempo
como três tempos e meio, frase citada de Daniel 7:25. Cada um dos 1.260 dias simbólicos desses três anos
e meio deve ser interpretado segundo a regra de dia por ano. Em Apocalipse 11:2, e 13:5 este mesmo
período de tempo é identificado como quarenta e dois meses. Portanto, podem-se fazer os cálculos
matemáticos dessa equação para demonstrar que 1.260 dias equivalem a 42 meses, que equivalem a três
anos e meio ou "tempos". Um mês profético equivale a trinta dias uniformemente. Tem sido arredondado
de outros calendários para facilidade de cálculo.
Todas essas profecias indicam que o período de dominação pelo poder chamado pequeno chifre ia durar
1.260 anos. O começo deste período pode ser datado em 538 d.C. O decreto de Justiniano que convertia o
bispo de Roma na cabeça de todas as igrejas foi emitido no ano 533 d.C. Mas esse decreto não entrou em
vigor até que a cidade de Roma fosse libertada do controle dos ostrogodos. Isso ocorreu no ano 538 d.C.,
quando o cerco dos ostrogodos sobre Roma foi levantado pelo general Belisário, que conduziu as tropas
do imperador na perseguição dos godos até que estes chegassem à sua capital, Ravena. Os ostrogodos
não foram completamente eliminados até o ano 555 d.C., mas em 538, o bispo de Roma ficou livre para
exercer a autoridade com que o imperador o havia investido. Esta foi a primeira vez em sessenta anos (476-
538 d.C.) que o bispo de Roma se viu livre da influência das tribos bárbaras.
O fim deste período profético de 1.260 anos é ainda mais fácil de documentar. Chegou com a queda do
papado e o exílio do Papa em 1798 pelas tropas francesas. Napoleão cruzou os Alpes em direção ao norte
da Itália em 1796. Em Campo Formio, derrotou os austríacos em 1797. O Diretório Francês, que era ateu
em sua orientação, ordenou a Napoleão conquistar Roma e abolir o papado. Mas Napoleão teve que partir
para atender outros deveres e deixou a campanha italiana do exército francês sob a direção do general
Berthier. Berthier sitiou a cidade de Roma em 10 de fevereiro de 1798 e depôs o Papa Pio VI em 15 de
fevereiro. O Papa foi levado cativo e morreu no ano seguinte. Além das enormes perdas de território e
sacerdotes que sofreu a igreja na França durante a Revolução Francesa, a cabeça da igreja estava agora
destronada.
Mas não haveria de permanecer assim para sempre. Começando com o Concordato em 1801 entre
Napoleão e o papado, a restauração da igreja romana começou com o novo Papa, Pio VII. Desde então, a
influência do papado continuou a se expandir até o presente. Em palavras de Apocalipse 13:3: "Vi uma das
suas cabeças como golpeada de morte [em 1798], mas a sua chaga mortal foi curada [começando em
1801]". Portanto, o ano 1798 marca um fim apropriado do grande período profético delineado em Daniel
7:25.
Desses oito pontos a respeito das atividades do pequeno chifre, podemos fazer um resumo que nos ajudará
a identificá-lo. A quarta besta desta profecia representa a Roma imperial. Esse império seria quebrado e,
segundo estava predito, isso ocorreu com as invasões bárbaras da primeira metade do primeiro milênio
d.C. Após o surgimento dessas divisões, um novo poder ocupou a proeminência, representado pelo
pequeno chifre nesta profecia. Originou-se da besta que representava Roma e era, portanto, romano em
caráter. No entanto, em contraste com os poderes políticos anteriores descritos nesta profecia, o pequeno
chifre era claramente religioso em caráter. Esta natureza religiosa se demonstrou por sua perseguição aos
santos, suas blasfêmias e seu ataque - mediante as forças do Estado - àqueles poderes cristãos que
discordavam de sua teologia. Essas guerras arianas do século VI aumentaram o prestígio do bispo de Roma
e sua igreja. O poder do pequeno chifre não ia durar para sempre; a profecia o limitava a um período de
tempo profético de 1.260 dias-anos. Estes se iniciaram com a libertação de Roma em 538 d.C. e chegaram
ao fim com a conquista de Roma e a deposição do Papa em 1798 d.C. Portanto, a igreja romana e sua
liderança se ajustam bem às características deste poder conforme delineado acima.
117
Mas lembremos que só Deus pode ler a consciência. Quando identificamos a obra deste poder religioso
mediante as características presentes nesta profecia, não estamos falando das consciências individuais
dos crentes. Mais precisamente, estamos tratando aqui de um sistema político e teológico que se afastou
de suas raízes espirituais. Esse afastamento levou à adoção de crenças e práticas não bíblicas, mas os
crentes podem ter participado dessa comunhão com plena sinceridade, algo que Deus reconhece e
honrará.
O FUNDAMENTO DO JULGAMENTO
Um grande número de profecias no Antigo Testamento indica que Deus julga a partir de Seu Santuário, seja
o templo terrestre ou o templo celestial. Exemplos podem ser encontrados em Isaías 6, Ezequiel 1,
Miqueias 1, Amós 1 e 1 Reis 22. Esses foram julgamentos limitados e locais, emitidos sobre o povo de Israel
ou sobre seus inimigos. Esses julgamentos foram um exemplo limitado do que Daniel 7:9-14 indica que
acontecerá no fim dos tempos em uma escala cósmica. Este grande julgamento cósmico final dará
conclusão ao plano de salvação. Quando este julgamento no céu terminar, Cristo poderá vir para Seu povo:
aqueles que o julgamento identificou claramente como santos do Altíssimo. Então, esses santos serão
levados para casa para receber sua recompensa eterna.
Como evidência de que uma nova obra de julgamento está começando, a cena profética, situada no céu,
mostra a preparação para essa obra. Isso inclui trazer o resplandecente e glorioso trono de Deus à sala do
tribunal celestial, que é Sua câmara de audiências. A arqueologia fornece alguns exemplos interessantes
desse detalhe. Os reis do mundo antigo frequentemente tinham um salão grande exclusivamente para
assuntos legais e para receber pessoas. Ali, cidadãos ou embaixadores se apresentavam diante do rei para
expor seus casos ou descrever suas negociações. As câmaras de audiência normalmente tinham um
estrado ou plataforma elevada em uma extremidade do salão. O trono do rei era portátil, e seus servos o
traziam do palácio e o colocavam sobre essa plataforma. Então, quando a audiência real terminava, o trono
era levado de volta ao palácio até a próxima vez que o rei estabelecesse seu tribunal.
A cena do trono celestial em Daniel 7 descreve um contexto similar. Daniel viu a carruagem flamejante de
Deus, Seu trono portátil, que vinha à câmara celestial de audiências. "Foram postos tronos" (vers. 9). O fogo
é a descrição de Daniel da glória que rodeava o ser pessoal de Deus, não é um fogo literal. Três vezes nos
versículos 9 e 10 a glória de Deus é descrita como "fogo". O fogo não apenas descreve a glória que Daniel
viu, mas também alude a um dos resultados do julgamento. Os inimigos de Deus serão destruídos pelo
fogo (vers. 11, 26). O movimento implicado aqui manifesta ação e revela que essa ação é uma nova
atividade. Nosso Deus não é um Deus estático; Ele é dinâmico e ativo. Há movimento no julgamento. O
julgamento ocorre quando Deus entra em cena. Em outras palavras, esse julgamento ocorre em um
momento determinado no tempo.
118
O esboço da profecia pode nos dar uma ideia de quando esse julgamento começaria. Primeiro, a profecia
descreve quatro bestas-reinos que se levantariam e cairiam: Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. Até
esse momento, o julgamento não foi convocado. Em seguida, Roma se dividiria, e o pequeno chifre se
levantaria após essas divisões. Depois disso, o pequeno chifre teria seu longo período de domínio religioso-
político, que duraria, conforme descrito acima, de 538 a 1798 d.C. Depois disso, vem o julgamento. Então,
antes de irmos a Daniel 8 para uma data mais precisa, temos uma data tácita para o julgamento aqui no
capítulo 7. Tem que começar em algum momento após 1798. A profecia do capítulo 7 não diz exatamente
quanto tempo após 1798 o julgamento se iniciaria, mas o capítulo 8 nos fornece a resposta na profecia dos
2.300 dias. Essa profecia nos levou, como vimos no capítulo anterior, ao ano 1844 d.C. Daniel 8:14 se refere
ao evento que ocorreria em 1844 como a purificação, ou restauração, do Santuário (celestial). Esta
purificação do Santuário era um tempo de julgamento, conforme descobrimos ao comparar Daniel 8 com
Levítico. Daniel 7:9-14, 26 fala dessa mesma cena de julgamento, com uma diferença. Em Daniel 8, o
profeta apenas foi informado sobre o julgamento; ele ouviu a conversa de dois anjos que lhe asseguraram
que o julgamento viria ao final do período de 2.300 dias. Aqui em Daniel 7, entretanto, foi mostrada ao
profeta a sessão do tribunal celestial como uma cena de sua visão. O que lhe foi dito em Daniel 8:14 foi
mostrado em Daniel 7:9-14, 26. Daniel 7 nos fornece uma data aproximada para o julgamento (após 1798),
enquanto Daniel 8 nos dá a data exata de 1844, ao final dos 2.300 dias. Esses dois pontos ocorrem em
posições paralelas em suas respectivas visões e se explicam mutuamente de várias maneiras.
A profecia de Daniel 7 prossegue com a descrição da pessoa de Deus que entra para dar início a este
julgamento (vers. 9). Ele está rodeado pela gloriosa aparência do fogo. Descreve-se o cabelo de sua cabeça
como lã branca, o que, em termos humanos, sugere uma idade avançada. O mesmo se reforça no título
que aqui se dá a Deus: "Anciano de dias" (vers. 9). Este título não é usado para representar a Deus em
nenhuma outra parte de toda a Bíblia. Qual é a sua importância aqui?
Quando Deus toma a obra de julgamento, Ele julga os seres humanos que viveram em cada era da história
da Terra. Mas nenhum deles viveu mais do que Deus ou antes d'Ele. O Senhor pode dizer a todos os
acusados no julgamento: "Eu os conheço; eu era contemporâneo de vocês. Vocês não fizeram nada que
esteja fora do meu conhecimento". Deus também é um juiz puro e justo. Os tribunais humanos nem sempre
emitem sentenças justas, mas o julgamento divino é sempre justo e reto (veja Apocalipse 15:3, 4; 16:4-7;
19:2). O branco de suas vestes representa sua justiça sem mácula.
Em seguida, Daniel vê anjos que entram no tribunal celestial (Dan. 7:10). O julgamento não pode começar
sem que os anjos estejam lá com Deus.
O capítulo descreve poeticamente os anjos na cena do julgamento com estas palavras: "Milhares de
milhares o serviam, e milhões de milhões assistiam diante d'Ele" (vers. 10). Esta progressão poética não é
para expressar um número literal de anjos; é para expressar totalidade. Todos os anjos fiéis de Deus estarão
lá. Cada ser humano que já viveu teve um anjo da guarda, e todos esses anjos da guarda estarão presentes
no julgamento para testemunhar por aqueles que lhes foram confiados. Os crentes não estarão sem
representação nesse julgamento. Com Cristo, nosso Sumo Sacerdote e Advogado, e nosso anjo da guarda
presente, estaremos bem representados.
A declaração que conclui esta passagem de abertura da seção do julgamento declara: "O Juiz se assentou,
e os livros foram abertos" (vers. 10; veja também vers. 26). A cena aqui é semelhante ao que acontece nos
tribunais humanos. O juiz entra e toma assento. Os que estão presentes no julgamento se sentam, e então
começam a trabalhar. Têm que examinar os materiais pertinentes. Abrem-se os registros. Assim é no
julgamento celestial. Há "livros" de registros de algum tipo que são examinados (vers. 10). Por essa razão,
esse julgamento foi chamado de "julgamento investigativo". Obviamente, esses registros são os registros
da vida dos que estão sendo julgados. Eles aceitaram a Cristo como seu Salvador e receberam o perdão
por seu arrependimento? Ou se afastaram da grande salvação oferecida em Cristo? Aceitaram a Deus
como o Senhor de suas vidas e viveram para Ele, ou não? Tudo isso está registrado nesses livros. A
pergunta-chave no julgamento é esta: Qual foi sua relação com Cristo? A decisão é nossa; Deus não a
119
muda. Ele apenas revisa as decisões que foram tomadas para ver quem entrará no reino eterno com os
santos do Altíssimo e quem não.
Isso naturalmente leva à consequência implícita pelo fato de que Jesus virá pronto para dar a cada um sua
recompensa (Mat. 16:27). Essas recompensas foram decididas neste julgamento investigativo, pré-
advento. Este julgamento é a etapa intermediária necessária entre a última fase da história humana e o
começo da história no céu.
UM INTERLÚDIO
Neste ponto na profecia, há um interlúdio ou parêntese. Encontra-se nos versículos 11 e 12. Nos versículos
9 e 10, o profeta observou eventos do ponto de vista do céu; foi mostrado o início do julgamento pré-
advento que ocorre no céu. Mas nos versículos 11 e 12, a perspectiva de Daniel é trazida temporariamente
à Terra, e ele vê eventos terrenais. Estes tratam principalmente da destruição da quarta besta e do pequeno
chifre. É verdade que o Império Romano chegou ao fim na última parte do século V d.C. Como, então, Daniel
vê sua destruição junto com a do pequeno chifre no fim da história mundial?
O Império Romano não persiste exatamente da mesma forma que nos primeiros séculos desta era, mas os
dez chifres que representam suas divisões vivem nas nações modernas da Europa, que são descendentes
das divisões tribais desse império. Como os poderes representados pelos chifres persistem até o fim, a
quarta besta continua na profecia, embora de forma modificada. O mesmo ponto é observado em
Apocalipse 13:1-3; 17:3, 9-12. A quarta besta com seus diversos chifres, junto com aquele que começou
como pequeno chifre, permanecerá até o fim e será destruída pelo fogo (Daniel 7:11). O versículo 12 reflete
sobre o destino das três primeiras bestas-reinos: "As outras bestas foram privadas de seu domínio, mas
lhes foi prolongada a vida por um período de tempo" (NVI). Babilônia foi conquistada pela Pérsia em 530
a.C., mas durou como cidade até o ano 75 d.C. A Grécia ainda existe hoje, mas não com o poder do império
de Alexandre. Até anos recentes, o Irã (Pérsia) era governado por xás, que se consideravam descendentes
diretos dos reis persas (os Aquemênidas) dos séculos VI a IV a.C. Dessa forma, cada um desses poderes
continuou a viver após perder sua supremacia.
Aqui em Daniel 7, Cristo é descrito como "um como o Filho do homem" (vers. 13). Jesus usou esse título
para si muitas vezes, segundo os Evangelhos (para alguns poucos exemplos, veja Mateus 9:6; 11:19; 12:8;
13:41; 16:13; 16:28, etc.). Este era um título messiânico bem compreendido em seu tempo. Alguns
estudiosos pensam que o uso que Jesus fez deste título tem sua raiz em Daniel 7:13. De qualquer forma,
ele certamente estava se identificando com essa figura. Por outro lado, em Daniel, o título serve para um
propósito ligeiramente diferente. É um título descritivo. Está precedido pela preposição comparativa
"como". Daniel observou alguém no céu que parecia "como um filho de homem", ou seja, que parecia um
ser humano. Desde a perspectiva temporal de Daniel, um título assim era muito notável. Daniel viu a Deus
e aos anjos no céu (vers. 9, 10). Não há nada singular nisso; esse é o lugar deles. Mas então ... Daniel vê
alguém que parece um ser humano no céu!
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Mais singular ainda, esse ser humano está recebendo autoridade universal. "Foi-lhe dado domínio, glória e
um reino, para que todos os povos, nações e línguas o servissem; seu domínio é um domínio eterno, que
não passará, e seu reino é um que não será destruído" (vers. 14). Há duas dimensões aqui. A primeira é o
tempo. Em contraste com os reinos temporais da Terra, o reino e o domínio que este "filho de homem"
recebe durarão para sempre; nunca serão interrompidos ou dados a outros. A outra dimensão incluída é a
Terra, a dimensão horizontal. Todos os que viverem na superfície da Terra naqueles dias o adorarão e
servirão. Toda a Terra estará cheia de sua glória.
Quem é o Filho do Homem? Jesus identificou essa figura ao aplicar o termo a si mesmo nos Evangelhos.
Mas, o que dizer da perspectiva de tempo de Daniel? Que identidade essa figura teria de acordo com essa
visão no século VI a.C.?
Já nos referimos ao fato de que o Filho do Homem parecia um ser humano. Mas havia outro aspecto em
sua aparência, ele estava acompanhado por nuvens (vers. 13). Um estudo da palavra "nuvens" em uma
concordância (depois de excluir as referências às nuvens atmosféricas) sugere que as nuvens são um
atributo da divindade. O Salmo 97:2 é um exemplo: "Nuvens e escuridão estão ao redor dele; justiça e
julgamento são o fundamento do seu trono". Portanto, encontramos uma combinação interessante aqui
em Daniel 7. O título "filho de homem" se refere à sua humanidade, enquanto a descrição das nuvens que
o acompanhavam se refere à sua divindade. Assim, a linguagem da visão dá evidência de que o "filho de
homem" é um ser divino-humano. Como pode ser tal coisa? Só há um ser em toda a história do universo
que combinou esses elementos em si mesmo, e esse foi Jesus Cristo. Por virtude da encarnação, ele
combinou tanto a divindade quanto a humanidade em sua pessoa. Assim como foi mostrado a Daniel uma
imagem do julgamento que ocorreria bem avançada a era cristã, muito depois de seu tempo, também lhe
foi mostrada uma imagem do Deus-homem ressuscitado que ministra nesse julgamento, e finalmente
colhe os benefícios do mesmo ao reafirmar sua condição de rei dos salvos da raça humana.
A combinação do Pai e do Filho aqui nesta visão - o Anciano de Dias e o Filho do Homem - reúne alguns
símbolos proféticos de tempo de Daniel 8. A grande profecia de tempo que se estendeu até o início deste
julgamento estava medida em unidades de tempo incomuns chamadas "tardes-manhãs" (8:14). No
capítulo anterior, identificamos essas "tardes-manhãs" de Gênesis 1 como dias de vinte e quatro horas;
também as identificamos como um dia do Santuário, valendo-nos de Números 9:15. O Senhor sinalizava o
dia do Santuário por uma coluna de fogo sobre o Santuário durante a noite e uma coluna de nuvem durante
o dia. Esses mesmos dois elementos aparecem novamente em Daniel 8:14 e Daniel 7:9, 13. O fogo que
rodeia o Anciano de Dias nos faz lembrar a coluna de fogo sobre o Santuário, e o Filho do Homem que vem
com as nuvens se assemelha àquelas que estavam sobre o Santuário durante o dia. Portanto, Daniel 8:14
nos oferece dias do Santuário sinalizados pelo fogo à noite e por uma nuvem de dia; Daniel 7:9, 13 nos
fornece esses mesmos elementos se apresentando juntos ao final dos 2.300 dias do Santuário. Quando o
julgamento ia começar, esses dois elementos celestiais se uniram.
Basicamente, este julgamento produz três eventos: (1) Os ímpios são destruídos (Daniel 7:11, 26); (2) o
reino do Filho do Homem é reafirmado (vers. 13, 14); e (3) os santos do Altíssimo herdam o reino (vers. 27).
O último versículo da explicação do anjo é muito importante, pois nos dá a solução final para os problemas
que os santos sofreram na Terra. No reino eterno de Deus, os santos "o servirão e obedecerão [ao Filho do
Homem]" (vers. 27). Os versículos 14 e 27 são recíprocos. Ambos descrevem o povo de Deus que estará no
reino eterno. O versículo 14 menciona o que eles farão em relação a Deus: servirão em adoração e
obedecerão a Ele. Algumas dessas pessoas sofreram injustamente nos tribunais humanos. O tribunal
divino no céu corrigirá esses males. Isso é o que o versículo 22 sugere quando se refere ao tempo em que
"veio o Anciano de Dias, e o julgamento foi dado aos santos do Altíssimo; e chegou o tempo, e os santos
receberam o reino". Em muitos casos, nos tribunais humanos existem duas posições para cada questão.
Por exemplo, ambas as partes podem reivindicar uma propriedade. Quando o tribunal toma uma decisão,
ele o faz a favor de um lado e contra o outro. Assim também acontece no tribunal celestial. Decidirá contra
os ímpios e a favor dos justos. Para decidir a favor dos justos, Deus deve conhecer os justos e saber que
121
eles são justos, graças a Cristo. Então serão vindicados por Deus no julgamento; "vindicados" é um dos
significados do verbo usado em Daniel 8:14 e traduzido como "purificados" na RV60 e na NVI.
RESUMO
Nesta visão simbólica, Deus deu a Daniel um poderoso panorama da história desde os seus dias até o fim
dos tempos. Esta descrição começou com quatro nações representadas por bestas: um leão que
representava Babilônia, um urso que representava Medo-Pérsia, um leopardo que simbolizava a Grécia, e
a besta final que representava Roma. Esses reinos cobriram 1.000 anos desde os dias de Daniel. A profecia
não antecipa nenhum outro império mundial como esses. Em vez disso, o quarto reino se fragmentaria em
divisões representadas por dez chifres. Após essas divisões, surgiria um décimo primeiro chifre. Começou
pequeno, mas depois se tornou grande. Era distinto em natureza dos outros poderes descritos. Sua
natureza era religiosa, em contraste com os poderes políticos que o precederam. No entanto, esse poder
religioso chegou a exercer poderes políticos por meio da união de propósitos entre a Igreja e o Estado.
Esta foi a forma da igreja que se desenvolveu durante a Idade Média, quando atingiu o auge de seu poder.
A profecia identifica oito características principais desta igreja romana medieval. Todas elas ocorreram
como previsto na profecia. Das oito, uma das mais proeminentes foi a perseguição executada pela igreja
romana, conforme amplamente demonstrado por fontes históricas (veja o capítulo 5). O que havia
começado como um corpo perseguido pelos césares, agora mudava de papel sob a condução dos papas
e se tornava um agente perseguidor. A profecia declara, além disso, que este poder tentaria mudar a lei de
Deus, especialmente aqueles aspectos conectados com o tempo. Isso aponta para o quarto mandamento,
o do sábado. Este poder se atribuiu autoridade sobre o dia de repouso, capacitando-o a transferir essa
sagrada instituição para outro dia, o domingo, o primeiro dia da semana. As fontes históricas citadas no
final do capítulo 5 demonstram como esse curso de ação se desenvolveu.
As condições causadas por essas bestas-nações e pelo pequeno chifre não durariam para sempre. O
domínio passaria de um para outro, e assim esses poderes nasceram e caíram no cenário da história. Mas
Deus tinha uma resposta final preparada. Essa resposta final foi iniciada pelo julgamento que está
ocorrendo agora no céu, segundo a descrição de Daniel 7:9-14. Quando esse grande julgamento final no
céu chegar ao fim, a majestade do reino eterno de Deus será confirmada ao Filho do Homem, Jesus Cristo.
Então, ele voltará à Terra e reunirá seus santos, vivos e mortos, e os levará ao seu reino. E assim estaremos
sempre com o Senhor. "Amém; sim, vem, Senhor Jesus" (Apoc. 22:20). Em última instância, Deus controla
a direção da história humana em seu movimento inexorável em direção ao seu objetivo divino, e esse
objetivo em breve será alcançado.
RESUMO
Existem algumas conexões óbvias entre as três profecias enumeradas anteriormente. Todas elas
descrevem alguns dos mesmos eventos e cobrem alguns dos mesmos períodos históricos. Mas há outras
conexões entre essas profecias que não são tão evidentes. Uma dessas conexões, destacada pelos
pioneiros adventistas (e pelos milleritas antes deles), é a conexão entre as profecias de tempo de Daniel 8
e 9. Como foi descrito em detalhes no capítulo anterior, as setenta semanas de Daniel 9 foram cortadas de
um período de tempo mais longo no capítulo 8: os 2.300 dias. De fato, a linguagem original torna esse
vínculo ainda mais específico.
Mas há outro tipo de ligação entre essas profecias que não mencionamos. Esse vínculo reside no fato de
que, ao longo dessas profecias, surgem passos sucessivos no ministério de Cristo. Talvez não tenhamos
reconhecido essa progressão porque essas profecias são apresentadas de acordo com o pensamento
semítico; ou seja, em uma ordem que raciocina do efeito para a causa. De acordo com a maneira europeia
ocidental de processar o pensamento, raciocinamos da causa para o efeito. Os antigos também podiam
fazer tal coisa, mas comumente pensavam e escreviam em ordem inversa à nossa. Este elemento explica
muito das conexões entre as profecias e por que aparecem na ordem em que o fazem. Quando entendemos
esse traço dessas profecias, a progressão lógica na obra de Cristo, o Messias, torna-se clara. Dessa forma,
forja-se um vínculo ainda mais forte entre essas três profecias. Este capítulo de resumo se concentrará
nessas conexões.
4. Que faria uma forte oferta do pacto a muitas pessoas em seu ensino e ministério (vers. 27a).
7. Que um novo Santuário no céu seria ungido ou dedicado para sua obra como nosso Sumo Sacerdote
(vers. 24, 25).
Todas as especificações desta profecia a respeito do Messias se cumpriram na vida, morte, ressurreição e
ascensão de Jesus de Nazaré. Ele se torna o centro e foco da profecia; tudo o mais nela gira em torno dele.
A lista anterior pode ser condensada em um ensino central - sobre Jesus Cristo como o Messias: Ele foi o
grande Servo sofredor de Deus que deu sua vida como sacrifício pelo pecado. A imagem que está no
coração da profecia de Daniel 9 é a imagem de Jesus como sacrifício.
124
RESUMO DE DANIEL 8 - CRISTO COMO SACERDOTE
Em Daniel 8, chegamos a uma profecia de caráter diferente. A profecia neste capítulo é uma profecia
simbólica que envolve nações-bestas e chifres junto com ações simbólicas que caracterizam seu curso
futuro. O esboço da primeira metade da profecia é relativamente direto, e os detalhes são aceitos por
consenso entre a maioria dos comentaristas. A ação começa com a ascensão do carneiro medo-persa
(vers. 3, 20), seguido pelo bode grego (vers. 5, 21). O grande chifre do bode grego é Alexandre, cujo período
termina com a fragmentação de seu império em quatro reinos simbolizados pelos quatro chifres (vers. 8,
21, 22).
ROMA PAGÃ
Neste ponto, um novo chifre "pequeno" entra em cena. Os comentaristas historicistas percebem esse
chifre pequeno como Roma, cujas conquistas para o leste, sul e a terra gloriosa de Judá estão descritas em
Daniel 8:9. A maioria dos intérpretes de outras escolas de interpretação identifica esse chifre pequeno com
Antíoco IV Epifânio. Essa interpretação foi abordada em detalhes anteriormente neste livro e não requer
discussão adicional aqui. Este volume adotou a posição de que esse símbolo se refere a Roma.
ROMA PAPAL
Uma nova fase de Roma começa no versículo 11. Esta nova fase é simbolizada por ações que introduzem
a dimensão vertical do chifre além do céu estelar, em contraste com as conquistas horizontais que havia
realizado anteriormente. Devemos destacar a natureza simbólica dessas ações. Não estamos lidando aqui
com um chifre literal, nem ele se estendeu literalmente até o céu. Este é um símbolo de uma organização
humana que realiza um ataque quádruplo contra Deus: (1) Persegue os santos do Altíssimo ou o povo dos
santos; (2) lança por terra o Santuário no céu (portanto, implicando em contraste sua elevação de um
templo terrenal no qual mora e funciona, compare 2 Tessalonicenses 2:3, 4); (3) ataca o "diário" ou
"contínuo" (não se trata de um sacrifício individual como alguns tradutores renderam, mas um "ministério"
que cobre todo tipo de atividade que ocorre no Santuário celestial de maneira diária); e (4) ataca o Príncipe
a quem pertence o Santuário (8:11, 12, 24, 25).
Em outras palavras, o clímax desta profecia descreve um grande conflito que enfrenta o Príncipe celestial
contra o chifre pequeno, um conflito que envolve nada menos que o plano de salvação. De um lado está o
verdadeiro plano de salvação, ministrado pelo verdadeiro Sumo Sacerdote celestial. Do outro lado está um
substituto: um sacerdócio terrenal que funciona em templos terrenais projetados para desviar a atenção
dos seres humanos do verdadeiro Sumo Sacerdote em seu verdadeiro santuário (compare Hebreus 8:1, 2).
Quem é este grande Sumo Sacerdote celestial, e quem é este Príncipe sacerdotal? Indubitavelmente, Jesus
Cristo. Seu sacerdócio é identificado especialmente em Hebreus 7-9. E as profecias de Daniel (Daniel 9:24,
25) fazem referência à unção de seu santuário no céu. A profecia de Daniel 8 apresenta Jesus como
sacerdote.
Um período particular de tempo foi atribuído a esse chifre pequeno para que exercesse domínio e poder. O
versículo 25 especifica esse período de tempo como três anos e meio. Aplicando o princípio dia por ano a
esta profecia de tempo, identificamos seus 1.260 anos com a Idade Média ou Idade das Trevas, de 538 d.C.
a 1798 d.C.
Deus tem uma resposta para todas as bestas-reinos e chifres que se encontram nesta profecia. A resposta
é seu julgamento. Esse julgamento é descrito em Daniel 7:9, 10, 13, 14. Aqui, o profeta olha para o interior
do Santuário celestial e observa o início do grande tribunal celestial (vers. 9, 10). O Ancião de Dias chega e
se senta em seu trono, que foi colocado em um estrado no começo dessa sessão do tribunal. Todos os
anjos se reúnem, o tribunal se senta para julgar, e os livros com os registros nos quais se baseará o
julgamento são abertos.
Há três importantes decisões que surgem desse julgamento: (1) Os santos do Altíssimo entrarão no reino
celestial (vers. 22); (2) o chifre pequeno, as bestas e aqueles aliados com eles serão destruídos (vers. 11,
22, 26); e (3) a eternidade do reino do Filho do homem é reafirmada (vers. 13, 14). O Filho do homem é
trazido diante do Ancião de Dias por um séquito de anjos e com as nuvens do céu. Ali, ele recebe de maneira
física e direta o governo do reino eterno de Deus. É dito enfaticamente que seu reino incluirá todos aqueles
que habitarão na Terra no futuro e que esse reino, em contraste com aqueles que o precederam, durará
para sempre. Nunca será interrompido ou levado ao fim.
Quem, então, é esse Filho do homem que recebe o reino eterno? Jesus tomou para si esse mesmo título
quando fez declarações como: "Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido"
(Lucas 19:10). Apocalipse 14:14 faz essa conexão bem explícita, valendo-se do mesmo título, expresso da
mesma maneira, no mesmo contexto (as nuvens do céu), em referência à segunda vinda de Jesus. Desde
uma perspectiva do Novo Testamento, portanto, não pode haver dúvida de que este título, Filho do homem,
se refere ao Rei Jesus. No coração da profecia de Daniel 7, portanto, encontra-se a figura de Jesus como
Rei.
INTER-RELAÇÕES DE DANIEL 7, 8 E 9
Já identificamos três imagens de Jesus no coração de três profecias que se encontram no centro do livro
de Daniel. No capítulo 9, a imagem é de Jesus como Sacrifício. No capítulo 8, a imagem é de Jesus como
Sacerdote. E em Daniel 7, a imagem é de Jesus como Rei.
Neste ponto, pode surgir uma pergunta sobre a ordem em que esses elementos são apresentados. Por que
essas descrições não aparecem na sequência em que realmente ocorrem: sacrifício, sacerdote e rei? Por
que aparecem em ordem inversa: rei (capítulo 7); sacerdote (capítulo 8); e sacrifício (capítulo 9)?
Como já apontamos antes, uma razão para essa ordem literária tem a ver com a maneira como os semitas
pensavam. O pensamento moderno da Europa Ocidental raciocina da causa para o efeito; o povo semita
antigo comumente raciocinava do efeito para a causa. Em vez de dizer: "Vocês são um povo pecador,
malvado e rebelde, portanto sua terra será destruída", os profetas bíblicos poderiam ter colocado a questão
de outra forma: "Sua terra será destruída". Por quê? "Porque vocês são um povo pecador, malvado e
rebelde". Um bom exemplo bíblico dessa ordem de pensamento pode ser encontrado em Miquéias 1:10-
15, onde as cidades que choram pelos exilados aparecem primeiro na lista, seguidas por uma lista de
cidades das quais saíram os exilados. Nós colocaríamos as coisas justamente ao contrário.
Os adventistas do sétimo dia enfatizam que as setenta semanas de Daniel 9 estão conectadas ou foram
"cortadas" dos 2.300 dias de Daniel 8. Em certo sentido, isso é proceder ao contrário. As três imagens de
126
Jesus nessas profecias seguem o mesmo tipo de padrão, embora neste caso estejamos lidando com
relações temáticas, e não com tempo.
Podemos ver o efeito dessas relações temáticas ao ler o livro de Daniel desde o início. No momento em que
chegamos ao capítulo 7 e encontramos a imagem do rei messiânico, as perguntas naturais são: Quem é
este ser? De onde ele vem? Daniel 8 responde dizendo: "O Rei se torna rei, em parte, porque anteriormente
ele foi o sacerdote. Ele é quem ministrou a favor dos santos do Altíssimo; agora ele pode aceitá-los em seu
reino."
Mas essa resposta obviamente suscita outra pergunta: Como ele se qualificou para ser um sacerdote? Para
se tornar um sacerdote, é preciso ter algo a oferecer, um sacrifício (Hebreus 8:3). Onde encontramos a
resposta a essa pergunta? Em Daniel 9. O sacrifício de Daniel 9 permitiu ao Príncipe do capítulo 8 tornar-
se o rei do capítulo 7. Aqui há uma sequência lógica, consistente e inter-relacionada que é muito direta e
razoável quando entendemos que a sequência começa no fim e corre em sentido inverso no que se refere
à ordem literária do livro.
RELAÇÕES TEMPORAIS
Outra forma de olhar essa sequência é relacionar as imagens de Jesus com os elementos de tempo que se
encontram nessas profecias. É evidente que Daniel 9 é a mais curta das três profecias porque sua extensão
abrange apenas setenta semanas proféticas ou 490 anos (9:24). O período de tempo dessa profecia,
entendido historicamente, nos leva de 457 a.C. aos tempos romanos do primeiro século d.C., quando Jesus
caminhou sobre esta terra e foi crucificado sob esse poder.
A profecia em Daniel 8, por outro lado, é mais longa em extensão, porque seu período de tempo se estende
por 2.300 "tardes e manhãs" ou dias (8:14), que equivale simbolicamente a 2.300 anos históricos. Isso nos
leva de 457 a.C. à Era Cristã, através da Idade Média e além, até tempos relativamente recentes: o século
19 d.C. Isso significa que o sacerdote dessa profecia esteve em função durante parte desse período de
tempo (começando na ascensão em 31 d.C.).
Ao mesmo tempo, sua contraparte falsa também esteve ativa. Mas a profecia de Daniel 8 nos fala de um
momento quando essa atividade chegará a um fim. Isso é dito verbalmente; seu fim não é mostrado ao
profeta em visão. Quando a porção visual da profecia conclui em Daniel 8:12, o chifre pequeno ainda age
e prospera.
Da mesma forma, Daniel 8 não leva os santos do Altíssimo ao reino eterno final. Menciona que haverá um
julgamento para trazer a um fim as coisas ruins daquele capítulo, mas não se refere diretamente à
recompensa dos santos. Isso está reservado para a profecia final nessa sequência inversa. Em Daniel 7,
vemos a culminação final quando o Rei recebe seu reino (vers. 13, 14) e os santos são introduzidos ao reino
eterno (vers. 27). Esta é a maior em extensão das três profecias que há no coração do livro de Daniel. Daniel
9 é a mais curta em termos de tempo; Daniel 8 é a de comprimento intermediário; e Daniel 7 é a profecia
de maior extensão em relação aos eventos que descreve. Essas relações podem ser resumidas através do
seguinte diagrama:
127
I I
I Profecia de média duração
I
Profecia de larga duração
RELACIONAMENTOS ESPIRITUAIS
Não temos interesse apenas na visão panorâmica apresentada pelas profecias de Daniel; estamos
interessados no que elas têm a nos dizer pessoalmente e como se aplicam às nossas vidas. Nesse caso,
podemos olhar para essas três profecias através de nossa própria experiência espiritual com elas. Não
são apenas exercícios acadêmicos ou filosóficos para provar a presciência divina. Também nos levam a
uma experiência espiritual pessoal com o Deus dessas profecias e com seu Filho. Vimos esse Filho em
três fases de sua obra. Ao refletir sobre essas coisas, vemos que as três fases da obra de Jesus ocorrem
em nossas próprias vidas também.
Ao olhar para a cruz, pelos olhos de Daniel 9, vemos Cristo como nosso sacrifício na cruz. Dele
recebemos perdão em resposta ao nosso arrependimento - não mediante nossos próprios méritos, mas
através de sua expiação realizada na cruz quando morreu por nós (Mateus 26:28). O Messias sofredor de
Daniel 9 é nosso sacrifício pelo pecado (1 Pedro 2:24). A justiça eterna que ele obteve é para nós. Ao
retroceder na história até a cruz e vê-lo morrer ali como nosso Salvador, o reclamamos como nosso
Senhor. Esse é o tempo pretérito da salvação nessas profecias. Podemos chamar essa experiência de
justificação.
Mas nossa salvação não termina aí. Também há salvação no tempo presente. A isso se refere Daniel 8 em
termos de nossa experiência espiritual pessoal. Ao olhar para o Santuário celestial hoje, podemos saber e
ter confiança de que contamos com um grande Sumo Sacerdote ali, e que se trata da mesma pessoa que
também morreu na cruz, Jesus Cristo, o Justo (Hebreus 8:1-3). Ele mesmo é tanto o sacrifício quanto o
sacerdote que apresenta o sacrifício (Hebreus 9:26-28). Ele está ali no trono de Deus, intercedendo por
nós hoje (1 João 2:1, 2; Romanos 8:34). Nossas orações ascendem a ele com o incenso do Espírito Santo
(Apocalipse 8:4). Ele é nosso grande Mediador e está cumprindo esse papel hoje para que possamos
receber o Espírito Santo em nossas vidas. Ele envia o Consolador prometido para exercer seu ministério
em nosso favor e viver em nossos corações, dando-nos a força espiritual que precisamos para viver por
Cristo. Isso é salvação no tempo presente. Às vezes, é chamada de santificação.
Mas nossa experiência espiritual com essas profecias não termina com a justificação e a santificação. Há
algo mais que nos espera. A profecia de Daniel 7 descreve tal coisa. Ali vemos a linha da história que nos
leva ao futuro, onde culminará no reino de Deus. Ali o Rei Jesus dirigirá e governará seu povo. Ali os santos
do Altíssimo serão glorificados com novos corpos imortais e vida eterna (1 Coríntios 15:51-53). Esta vida
eterna será vivida à medida que o Rei Jesus dirigir seu povo no reino que ocupará a nova terra. A capital
desse novo mundo será a Nova Jerusalém (Apocalipse 21, 22). Esse será o reino da glória. Assim como os
santos viveram aqui e agora no reino da graça, um dia chegarão ao seu lar no reino da glória. Essa fase do
plano de salvação é às vezes chamada de glorificação.
Portanto, as três profecias inter-relacionadas de Daniel 9, 8 e 7 trazem à vista três fases de nossa
experiência espiritual. Temos uma experiência espiritual com o Messias de Daniel 9 porque ele foi nosso
sacrifício no passado e, desse sacrifício, recebemos expiação e justificação. No tempo presente, temos
uma experiência espiritual com ele porque ele foi descrito em Daniel 8 como nosso grande Sumo
Sacerdote, o Príncipe celestial, nosso Intercessor e Mediador. Hoje recebemos dele a santificação de
nossas vidas. Finalmente, um dia, segundo a promessa da profecia de Daniel 7, essas vidas serão
transformadas nas vidas glorificadas dos santos na Nova Terra. Ali serão dirigidos pelo glorioso Rei Jesus
em um reino que será glorioso acima de tudo. Não haverá mais a menor sombra de pecado para
obscurecer a glória desta Terra. Naqueles dias futuros de promessa, a Terra se erguerá com todo o
esplendor da recriação de Deus.
128
Os tempos proféticos dessas profecias - passado, presente e futuro - podem ser combinados em um
diagrama junto com a correspondente experiência espiritual: justificação, santificação e glorificação.
Tudo isso pode ser combinado para apresentar o quadro completo de como essas profecias estão
interconectadas. Esta imagem singular parecerá mais ou menos assim quando se cumprir plenamente:
129
CAPÍTULO 11
O capítulo 11, o corpo da profecia, é a profecia mais detalhada do livro de Daniel. Profecias anteriores
falaram sobre reinos; o capítulo 11 agora vai direto aos detalhes e fala sobre reis individuais. Nenhuma
visão simbólica precede essa explicação detalhada. É um tipo de profecia oral didática dada diretamente
pelo anjo Gabriel ao profeta Daniel. A verdade da profecia é selada pela aparição do próprio Deus no
capítulo 10 e por seu juramento registrado no capítulo 12.
De acordo com o conteúdo do capítulo 10, um assunto local - provavelmente a reconstrução do templo em
Jerusalém - faz parte da situação que está sendo tratada aqui. O capítulo 11 vai da profecia do presente na
Pérsia (do ponto de vista de Daniel) ao futuro remoto, quando Deus concluiria o plano de salvação e
estabeleceria seu reino eterno. Esse evento é descrito nos primeiros quatro versículos do capítulo 12.
Lembre-se de que as divisões por capítulos da Bíblia não existiam no rolo deste livro conforme foi escrito
originalmente. Essas divisões foram estabelecidas no século 12 d.C. Isso significa que o capítulo 10 deve
ser lido seguido pelo capítulo 11, e Daniel 11 deveria ser lido progressivamente até Daniel 12 sem pausas
maiores.
A DATA
Daniel 10 começa com uma data: o terceiro ano de Ciro (vers. 1). Os persas, sob Ciro, tomaram Babilônia
em outubro de 539 a.C., então o primeiro ano oficial de governo de Ciro em Babilônia teria começado na
primavera de 538 a.C., de acordo com a contabilidade babilônica e persa. Se adicionarmos três anos a 538
a.C., significa que essa revelação foi dada a Daniel no ano babilônico-persa que começou na primavera de
536 a.C. e terminou na primavera de 535 a.C. A princípio, as datas podem parecer adicionar pouco à
história, mas nos fornecem o cenário para outros eventos que estavam acontecendo no mundo ao mesmo
tempo.
O PROBLEMA
Daniel nos diz que um problema estava ocorrendo naquele momento, mas não especifica a natureza do
problema. A data, no entanto, nos fornece uma pista. No terceiro ano de Ciro, os judeus já haviam
retornado a Judeia. No primeiro ano, Ciro emitiu o decreto que permitia o retorno deles, e eles teriam
chegado a Jerusalém no segundo ano. Assim, o problema que preocupava Daniel não era se os judeus
retornariam à sua pátria; isso já havia sido cumprido. O problema teve que estar relacionado com algum
conflito em que o povo judeu se envolveu após chegar a Jerusalém. O livro de Esdras nos diz que eles
estavam com um verdadeiro problema.
Esdras 1 fala do decreto de Ciro que permitia aos judeus retornar à sua terra. Esdras 2 apresenta a lista
daqueles que retornaram. Esdras 3 narra algumas das primeiras coisas que os judeus fizeram ao chegar ao
local do templo destruído e começarem a trabalhar. Eles ergueram o altar e iniciaram os sacrifícios, mas
quando começaram a construção do templo, encontraram dificuldades. Os samaritanos vieram e
quiseram ajudar na construção do templo. Tratava-se de uma mistura de descendentes dos israelitas que
130
haviam saído da terra após as deportações assíria e babilônica com pessoas não judias que haviam sido
trazidas de oriente para ocupar parte do território israelita. Eram politeístas e idólatras. Os judeus que
haviam retornado, lembrando-se da razão de seu cativeiro, temiam que os samaritanos introduzissem
essas práticas no novo templo, então recusaram a oferta de ajuda na reconstrução. Foi aí que surgiu o
problema.
Ao serem rejeitados, os samaritanos optaram pelo obstrucionismo. "Se não nos vão permitir ajudar",
disseram, "faremos tudo o que pudermos para que esse templo nunca seja reconstruído". E com muito
sucesso conseguiram parar a obra. Esdras 4:5 diz: "Além disso, subornaram conselheiros para frustrarem
o propósito deles [os judeus], durante todo o reinado de Ciro, rei da Pérsia, até o reinado de Dario, rei da
Pérsia". Dario I não chegou ao trono até 522 a.C., então isso nos indica um período bastante longo de tempo.
De 536 a.C. a 522 a.C., não ocorreu muito em termos de reconstrução no local do templo.
Esdras afirma que os samaritanos "subornaram" os conselheiros para agirem contra os judeus. Onde tais
conselheiros exerciam influência? Não em Jerusalém, mas nos centros de poder político do Império Persa.
O lugar mais delicado onde esses conselheiros poderiam obstruir a obra era na corte do rei. E, como parece
que eles tiveram sucesso em fazer com que a obra fosse interrompida, devem ter chegado aos ouvidos do
rei e de sua corte.
Outra pessoa crítica em toda essa situação foi o príncipe da Pérsia, mencionado por Daniel mais tarde
(10:13, 20). Com quem quer que esses conselheiros tenham falado, tiveram sucesso em fazer com que o
programa de construção na área do templo de Jerusalém parasse. Isso ocorreu por volta do tempo em que
Daniel estava jejuando por causa de um problema não especificado no capítulo 10. Como o maior
problema para os judeus naquele momento era a interrupção da obra de reconstrução do templo em
Jerusalém, é lógico juntar essas duas peças do quebra-cabeça para sugerir que esse era o problema pelo
qual Daniel estava jejuando. O restante de Daniel 10 não diz isso diretamente, mas parece ser a opção mais
provável com base no que sabemos da história dessa época.
A SEMELHANÇA DE DEUS
Daniel estava nas margens do rio Tigre com alguns de seus amigos (10:4). Estavam preocupados com essa
questão do templo. Será que o templo nunca seria reconstruído? Será que o Senhor não teria um Santuário
terrestre para retornar? Em Êxodo 25:8, Deus havia indicado: "E me farão um santuário, e habitarei no meio
deles". Essa indicação levou à construção do tabernáculo no deserto, seguido a seu tempo pelo templo de
Salomão em Jerusalém. Mas agora essa magnífica estrutura estava em ruínas. Se não havia templo onde
Deus pudesse morar e manifestar sua presença, como poderia encontrar-se com seu povo? Deus logo
responderia a essa preocupação mediante uma manifestação de sua pessoa.
Quando Deus manifestou sua presença, foi isso que Daniel viu: "Levantei meus olhos e olhei, e eis um
homem vestido de linho, com seus lombos cingidos de ouro puro de Ufaz. Seu corpo era como berilo, seu
rosto parecia relâmpago, seus olhos como tochas de fogo, seus braços e pés como bronze polido, e a voz
de suas palavras como a voz de uma multidão" (Daniel 10:5, 6). Este não é um ser comum, nem mesmo um
anjo. O anjo Gabriel aparecerá mais tarde a Daniel neste capítulo, e outros dois anjos aparecem de pé em
cada lado do rio, conforme o capítulo 12, mas este ser majestoso brilhava muito mais que os outros. O
profeta nos fala da majestade e glória do ser que viu. Menciona o brilho de suas vestes e de seu corpo. Em
seguida, fala de seu rosto, seus olhos e seus membros. Todo ele era brilhante e glorioso. Este é o brilho
resplandecente da pessoa divina. É muito difícil encontrar palavras para descrever isso, e assim aconteceu
com Daniel. É por isso que ele comparou essas características com vários elementos brilhantes da
natureza.
Daniel chamou isso de uma visão, mas usou uma palavra hebraica particular que se refere especialmente
à manifestação de um ser pessoal, em contraste com uma visão simbólica como a de Daniel 7 e 8. Uma
131
palavra equivalente é "teofania", uma aparição pessoal de Deus. No final de seu ministério nesta terra como
profeta de Deus, Daniel encontra-se pessoalmente com o Senhor a quem serviu durante todo esse tempo.
Essa presença pessoal de Deus trouxe segurança ao profeta. Garantiu-lhe que seu trabalho para o Senhor
foi aceito e que Deus ainda estava trabalhando em favor de seu povo.
Salomão havia dito na dedicação do templo que, por mais grandioso e glorioso que fosse qualquer templo
terrestre, não seria adequado para conter o grande Deus (veja 2 Crônicas 6:18). Assim aconteceu no tempo
de Daniel. Se o templo seria reconstruído agora ou depois, Deus ainda estava com seu povo, e ele ainda
estava com seu profeta. Nesta visão da presença de Deus havia segurança para Daniel como indivíduo e
para o povo de Deus, de que o Senhor os ajudaria a superar os obstáculos em seu caminho.
O DIA DA SEMANA
Existem certas pistas nesses versículos que podem possibilitar que calculemos de maneira mais ou menos
precisa quando essa aparição de Deus se apresentou a Daniel. Ele afirma que havia estado chorando e
jejuando por "três semanas" e que então Deus se lhe apareceu no dia 24 do primeiro mês: Nisã (10:4). Dada
a proximidade dessas duas declarações, a implicação é que o dia 24 do primeiro mês veio imediatamente
ao final das três semanas de jejum. O idioma original utiliza uma frase idiomática aqui para indicar que as
três semanas foram completas. As semanas completas chegam ao fim após sete dias; terminam no
sábado, o sétimo dia. Sendo que esta visão apareceu a Daniel no fim das três semanas completas, também
teve que ter ocorrido no sábado. Isso quer dizer que essa profecia final do livro de Daniel foi muito
provavelmente dada no sábado. Esta é a única visão no livro que podemos datar com tal precisão.
Nesse respeito, há um paralelo mais ou menos direto entre Daniel e João, o receptor das visões do livro de
Apocalipse. João diz que ele recebeu sua visão no "dia do Senhor" (Apoc. 1:10). Segundo sabemos tanto do
Antigo Testamento quanto do Novo Testamento, o dia que o Senhor reclamou como sua especial possessão
é o sábado (Isa. 58:13; Mar. 2:28). Portanto, Daniel recebeu sua profecia final durante o sábado, e João
recebeu as visões de seu livro nesse dia também. Ambos homens já eram anciãos nessa época. Daniel
havia estado em cativeiro na Babilônia por setenta anos e se aproximava da idade de noventa anos. João
recebeu sua visão em 96 d.C. e não havia visto Jesus pessoalmente por quase setenta anos. Não sabemos
a idade precisa de João, mas se ele se tornou discípulo de Jesus aproximadamente na mesma idade que
Daniel tinha quando foi levado ao exílio, é provável que os dois homens tivessem aproximadamente a
mesma idade quando receberam suas visões.
Similarmente, ambos se encontravam no exílio quando receberam suas visões. Daniel estava na Babilônia,
e João estava prisioneiro na ilha de Patmos "por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus" (Apoc.
1:9). Suas visões também eram de caráter semelhante. Ambas continham um tipo especial de profecia que
é conhecido como apocalíptico. Essas profecias narram a história até que conclua e se estabeleça o reino
de Deus.
Também se pode fazer uma comparação entre a forma que adotou a aparência de Deus tanto em Daniel 10
quanto em Apocalipse 1. João viu Jesus Cristo de pé entre os candelabros do Santuário, vestido como um
sacerdote, mas também exibindo o brilho e a glória da pessoa de Deus. Quando se olha em outras partes
da Bíblia em busca de uma explicação adicional para a aparência de Deus em Daniel 10, destacam-se dois
textos: Apocalipse 1 e Ezequiel 1. Ezequiel, como João, viu um ser semelhante com muitos dos mesmos
traços. Dessa visão de Deus, Ezequiel disse: "Essa era a aparência do brilho ao redor" (Eze. 1:28).
Para Ezequiel e Daniel, a experiência foi a mesma. Ezequiel escreveu: "E quando eu a vi [a visão de Deus],
caí com o rosto em terra, e ouvi a voz de quem falava" (vers. 28). Daniel também foi sobrecarregado de
maneira similar. Caiu em um sono profundo com o rosto em terra (Dan. 10:9).
132
O ANJO
O anjo Gabriel tocou Daniel para restaurar sua força e para que assim pudesse receber a profecia que
desejava lhe dar. Isso deu energia suficiente ao profeta para se levantar sobre suas mãos e joelhos e então,
lenta e laboriosamente, se colocar em uma posição completamente vertical, embora ainda tremesse pela
experiência (10:10, 11). Isso deveria nos dar um sentido do poder, da majestade e da glória de Deus. Há
dois elementos contrastantes na religião que nos ensinam como devemos nos aproximar de Deus e
percebê-lo: a transcendência e a imanência. A transcendência de Deus significa que ele é grande,
poderoso e glorioso, e que governa o universo de seu trono. A imanência de Deus nos fala de sua amizade,
de alguém que desceu para morar ao nosso lado.
Como é possível que essas duas perspectivas sejam verdadeiras? Como pode o grande e majestoso Deus
do universo se rebaixar e se tornar nosso amigo pessoal? Essa é a grande tensão da religião, uma tensão
que ultimamente se resolveu na encarnação. Jesus veio viver ao nosso lado com sua divindade velada por
sua humanidade. Portanto, o grande Deus do universo se torna nosso amigo pessoal em Jesus Cristo, e
como tal manifesta um terno e amoroso cuidado por nós. Isso é parte do que nos diz a visão de Deus/Jesus
em Ezequiel 1, Daniel 10 e Apocalipse 1.
Já vimos antes Gabriel. Ele apareceu a Daniel para lhe dar a profecia de Daniel 9:24-27. Também apareceu
a Daniel no momento da visão de Daniel 8:1-12 para lhe fornecer a interpretação dessa visão simbólica.
Gabriel é mencionado ali como aquele que Daniel havia visto "na visão ao princípio" (Dan. 9:21),
conectando assim as duas profecias de Daniel 8 e 9. Da mesma forma, os capítulos 10 e 11 estão
conectados aos capítulos 8 e 9 mediante a declaração de Daniel quando diz que depois de receber a
explicação dada no capítulo 11, agora compreendia a visão anterior (Dan. 10:1). Embora Gabriel não seja
chamado pelo nome no capítulo 10 ou 11, sua posição próxima a Miguel o faz o candidato lógico para o
anjo que trouxe essa mensagem ao profeta (Dan. 10:13, 20). Portanto, essas três profecias estão ligadas
entre si mediante seu apresentador e intérprete comum: Gabriel. Ele apareceu após a visão simbólica do
capítulo 8 para explicá-la a Daniel, e apareceu para apresentar as profecias dos capítulos 9 e 11 sem
nenhuma visão que imediatamente as precedesse. Quase se poderia referir aos capítulos 8-12 como o livro
das Revelações de Gabriel, tal como se denomina ao Apocalipse o livro das Revelações de Jesus Cristo.
Novamente encontramos Gabriel no Novo Testamento. Ele não apenas deu a profecia do capítulo 9, mas
também veio anunciar o cumprimento de um de seus segmentos mais importantes quando anunciou o
nascimento iminente do precursor de Jesus, João Batista (Luc. 1:1, 19).
A maioria dos comentaristas percebe o rei da Pérsia em Daniel 10 como o símbolo de um anjo maligno que
trabalhava como um gênio nacional ou espírito supervisor da Pérsia. Portanto, os anjos bons, Miguel e
Gabriel, competiam contra ele em sua luta pelo destino do povo de Deus. Mas nem Satanás nem nenhum
de seus anjos eram príncipes do reino da Pérsia. Sendo que o capítulo menciona o rei da Pérsia, facilmente
podemos identificar quem era o príncipe da Pérsia naquela época. O príncipe da Pérsia seria Cambises, o
filho do rei Ciro. Quando Ciro morreu, Cambises o sucedeu no trono. Antes disso, ele era o príncipe
herdeiro. Logicamente, ele teria que ser o príncipe da Pérsia mencionado em Daniel 10.
133
Por que Cambises haveria de ser mencionado aqui em Daniel 10? Por duas razões principais: (1) devido à
sua influência e poder políticos como príncipe; e (2) porque ele se opunha muito a todos os cultos religiosos
estrangeiros. Como príncipe herdeiro, Cambises estava bastante envolvido nos assuntos da província da
Babilônia. Ciro até o elevou ao posto de corregente por um ano, tal como Nabonido havia feito com
Belsazar. Cambises era um estudante do zoroastrismo que adorava o deus Ahura Mazda. Não tinha
tolerância alguma pelos cultos a outros deuses. Os historiadores nos disseram que ele até destruiu os
templos de alguns daqueles deuses estrangeiros, especialmente no Egito. Sem dúvida, não foi nenhum
acidente que os judeus não conseguiram nada em termos de reconstrução do templo em Jerusalém ao
longo do reinado de Cambises (530-522 a.C.). O descuido manifestado em relação ao templo durante esse
período certamente seria consistente com a política de Cambises. Mesmo antes de seu reinado oficial,
Cambises teve grande influência na província da Babilônia, à qual a Síria e Judá pertenciam. Essas
províncias eram conhecidas como Babilônia e Além do Rio, o que queria dizer a região Trans-Eufrates. Não
foi senão até a reorganização da estrutura política do império por Dario I que a Síria e Judá se separaram da
província da Babilônia.
Por tudo isso, se alguns conselheiros contratados pelos samaritanos vieram à Babilônia e se encontraram
com Cambises, ele provavelmente se teria alegrado em conceder-lhes seu pedido. Os judeus não foram
capazes de reconstruir o templo em Jerusalém durante o restante do reinado de Ciro e durante todo o
reinado de Cambises. Não foi senão até que um novo rei, Dario I, entrou em cena com uma nova política
que os judeus puderam fazer algum progresso em relação à reconstrução do templo (veja Esdras 4:5).
No entanto, nos bastidores, forças invisíveis funcionavam. Os poderes do céu foram enviados para
influenciar o teimoso príncipe da Pérsia, ao mesmo tempo em que os anjos de Deus trabalhavam para que
se cumprisse sua vontade. Apesar dos esforços celestiais, a decisão continua sendo prerrogativa do
homem, e até onde sabemos, Cambises nunca cedeu a essas influências. Também devemos destacar que
ele teve um fim lamentável, um provável suicídio em sua viagem de volta do Egito. Ele se jogou sobre sua
espada e morreu devido ao ferimento. Alguns afirmam que foi um acidente, enquanto outros dizem que foi
um suicídio. Em qualquer caso, Cambises chegou a um final triste, e parte do quadro inclui sua evidente
oposição ao verdadeiro Deus dos judeus.
MIGUEL
Gabriel assegurou a Daniel que as forças do céu não haviam capitulado em sua luta pelo povo de Deus.
Depois de deixar Daniel, ele retornaria para continuar sua batalha contra o príncipe da Pérsia. Seria apoiado
nesse esforço por Miguel (10:20, 21). Miguel é chamado de "um dos principais príncipes", "vosso príncipe"
e "o grande príncipe que protege os filhos do teu povo" (10:13, 21; 12:1). Ele é o príncipe celestial em
contraste com o príncipe terrenal, Cambises. O Antigo Testamento não diz tudo o que se pode saber sobre
Miguel. Para completar a imagem, precisamos ir a Judas 9 no Novo Testamento, onde Miguel é identificado
como o arcanjo com o poder da ressurreição, e a Apocalipse 12:7, onde encontramos que ele era o líder do
exército celestial contra Satanás e suas forças rebeldes no céu antes da criação do homem. Claramente,
esses dois textos do Novo Testamento só podem se referir a Jesus Cristo. Portanto, podemos assumir com
certeza que as referências a Miguel no Antigo Testamento devem ser entendidas também como referindo-
se a Cristo.
Miguel é mencionado pelo nome apenas em Daniel 10 e 12. Em Daniel 10, ele está envolvido em um
problema local e limitado. Em Daniel 12, ele está envolvido, como veremos, em um conflito final e
universal, a conclusão da batalha entre o bem e o mal. Onde quer que estejam, as passagens sobre Miguel
na Bíblia têm esta característica: envolvem um conflito, e Miguel é representado como o líder do lado de
Deus na batalha. Portanto, as imagens de Miguel em Daniel 10 e 12 criam uma espécie de envoltório ao
redor da profecia de Daniel 11. Miguel é apresentado em Daniel 10 em conexão com a controvérsia que
ocorre no mesmo tempo do profeta (10:13, 21). A imagem final de Miguel aparece no fim dos tempos, na
134
controvérsia final (12:1). Em todos esses casos, ele protege o povo de Deus. Assim o fez no século VI a.C.,
e assim o fará no fim dos tempos.
Da controvérsia que agitava entre Miguel e Cambises, Gabriel prossegue levando Daniel através do futuro
profético até o tempo quando Miguel aparecerá em cena pela última vez, quando o plano de salvação se
aproximar de seu final e Miguel levar seu povo para casa. Esse futuro profético narrado por Gabriel é o tema
de Daniel 11.
DANIEL 11
Daniel 11 tem sido um capítulo difícil de entender para os intérpretes. Há uma grande quantidade de
detalhes e pode ser muito fácil se perder nesse bosque de significados. Na seção seguinte, estudaremos o
"rei do sul" e o "rei do norte". Examinaremos a história dos reis persas e gregos posteriores ao tempo de
Daniel. O capítulo 11 traz à tona muitos detalhes históricos. Mas todos esses servem apenas para preparar
o cenário para o propósito geral da profecia, que é projetar a história até o momento quando Miguel
aparecerá em cena pela última vez para levar ao fim o plano de salvação e levar seu povo para casa.
Apesar do acúmulo de detalhes históricos para os séculos entre os tempos de Daniel e a vinda do Messias,
a profecia do capítulo 11, assim como as dos capítulos 8 e 9, tem a ver com a realização do grande plano
de salvação e o destino eterno do povo de Deus. Como tal, está muito intimamente relacionada com o
grande esboço profético dos capítulos 8 e 9, e amplifica essa profecia conforme mostrado no diagrama a
seguir:
O quarto rei que seguiu esses três foi especialmente significativo; a profecia diz que ele "será o mais rico
de todos e, quando se tornar forte com suas riquezas, levantará todos contra o reino da Grécia" (11:2). Este
rei rico foi Xerxes, o rei persa descrito no livro de Ester. Xerxes foi o segundo dos reis persas a agitar a Grécia
com invasões; Dario havia sido o primeiro. Xerxes invadiu a Grécia em 480 a.C. A Grécia não se vingou por
mais de um século, mas os gregos nunca esqueceram a humilhação que os persas trouxeram ao seu país.
135
Quando finalmente vieram reparar esses danos, foi uma resposta direta ao que os persas lhes haviam feito
muitos anos antes. A vingança grega ocorreu sob Alexandre, o Grande.
Alguns estudiosos de Daniel 11 disseram que o autor não conhecia bem a história persa porque não
prosseguiu enumerando e caracterizando os reis persas após Xerxes. Esta observação ignora um ponto. O
propósito da profecia não era dar um relato completo da história persa, mas traçá-la até o ponto em que o
próximo poder sobe ao cenário histórico. Como Xerxes foi quem, em última instância, trouxe os gregos à
proeminência na política do Oriente Próximo, não havia necessidade de a profecia recitar mais da história
persa após esse ponto. A profecia então muda o foco para o novo poder no cenário a fim de seguir o
surgimento e a queda desses reis e seus reinos.
Em vez disso, seu reino seria dividido "para os quatro ventos do céu", ou seja, para os quatro pontos
cardeais. Esta é a mesma linguagem usada em Daniel 8:8, referindo-se à divisão do império de Alexandre
nos quatro chifres, ou reinos, que seus generais passaram a controlar. Essas divisões já foram discutidas
no comentário de Daniel 7 e 8, onde foram representadas pelas quatro cabeças e asas sobre o leopardo
(7:6) e pelos quatro chifres na cabeça do bode (8:8, 22). Este é outro ponto distintivo em que as profecias
de Daniel se intersectam, e esta junção serve como um dos marcos importantes em nosso estudo
progressivo da complicada sucessão política de Daniel 11.
O versículo 5 começa com o primeiro rei proeminente do sul, ou Egito, que pode ser identificado como
Ptolemeu I Sóter. Seu comandante, que veio a um reino maior que o dele, pode ser identificado como
Seleuco I Nicátor. Este comandante teve que fugir da Síria para o Egito, mas acabou recuperando essas
terras sírias das mãos de Antígono, o governante da Síria. "Depois de alguns anos" (vers. 6), por volta de 250
a.C., o rei do sul, Ptolemeu II Filadelfo, e o rei do norte daquela época, Antíoco II Teos, formaram uma
aliança ligada pelo casamento diplomático de Berenice com Antíoco. Quando Ptolemeu morreu, no
entanto, esse arranjo desmoronou, e Laódice, a primeira esposa de Antíoco, conseguiu tramar as mortes
de Antíoco, Berenice e do filho de Berenice (vers. 6).
136
Para vingar a morte de Berenice e seu filho, "um renovo de suas raízes" (vers. 7), Ptolemeu III Evérgeta, veio
contra o norte e capturou sua capital (vers. 7). Por um tempo, ele controlou boa parte do território do rei do
norte na Síria, mas posteriormente renunciou a ele e voltou ao Egito, levando de lá um grande saque e até
alguns deuses dos sírios. Isso é simplesmente uma extensão da política humana ao âmbito religioso,
porque isso indicava para os contemporâneos que os deuses do Egito haviam prevalecido sobre os deuses
da Síria (vers. 8). Ptolemeu III retornou ao Egito e não atacou o rei do norte por algum tempo (vers. 8b).
Então, Seleuco II o atacou em vingança, mas não teve sucesso (vers. 9).
Os filhos do rei do norte mencionados no início do versículo 10 foram Seleuco III Cerauno e Antíoco III, o
Grande. O primeiro foi um rei de curta duração (226 a.C. a 223 a.C.), mas o último foi um governante de
grande importância, por isso recebeu o epíteto de Magno, ou "Grande". Ele reinou de 223 a.C. a 187 a.C. O
reinado de Antíoco III pode ser dividido em três partes desiguais. A primeira parte foi marcada pela
desastrosa batalha de Ráfia, na fronteira entre Egito e Palestina, onde foi derrotado por Ptolemeu IV
Filopátor do Egito (vers. 11). Após essa derrota, Antíoco III dirigiu sua atenção para o leste, onde tentou
recuperar posses do reino Selêucida que haviam sido perdidas. Nisso, teve grande sucesso. Depois desse
sucesso, voltou ao problema do Egito, e desta vez teve mais sucesso do que em seu primeiro encontro
(vers. 13). Na batalha de Pânias, em 198 a.C., e como resultado da sequência dessa batalha, a província da
Judeia caiu em suas mãos. Assim, o território dos judeus mudou de proprietário, passando de vassalos do
rei do sul para vassalos do rei do norte.
Até aqui, o tempo de Antíoco III (vers. 13), quase todos os comentaristas concordam sobre a identificação
dos vários reis do norte e do sul. A questão é: o que aconteceu após o tempo de Antíoco III?
Os intérpretes futuristas tomam tudo desde o versículo 13 até o versículo 35 como se referindo a Antíoco
IV Epífanes, enquanto os intérpretes preteristas aplicam tudo a partir deste ponto até o fim do capítulo a
Antíoco IV. A posição deste livro é que apenas os versículos 14b e 15 se referem a Antíoco IV. Como Antíoco
IV foi responsável por introduzir Roma ao cenário histórico no Oriente Médio, esse rei forma um ponto de
transição apropriado para Roma, assim como Xerxes foi um ponto de transição apropriado para a Grécia.
Ao aplicar apenas os versículos 14b e 15 a Antíoco IV Epífanes, reduzimos ele à sua medida histórica
apropriada. Afinal, ele foi apenas um rei menor que governou um reino menor por um curto período (175
a.C. a 163 a.C.). Ele se comportou muito mal com os judeus na Judeia, mas o maior ponto de transição em
seu reinado foi quando teve que ceder à pressão diplomática de Roma. Roma já era o poder principal no
horizonte no Oriente Médio no tempo de Antíoco Epífanes, e ele sabia muito bem que não lhe convinha
frustrar seus desígnios. Foi necessário apenas um embaixador romano, nem sequer um exército, para fazer
com que Antíoco Epífanes abandonasse sua segunda invasão ao Egito em 168 a.C.
A primeira parte do versículo 14 refere-se àqueles que se levantaram contra o rei do sul. Isso poderia incluir
um grande número de participantes. Primeiro, havia Antíoco III e suas tropas sírias. Depois, estavam seus
aliados. Antíoco III entrou em uma aliança secreta com Filipe V da Macedônia para dividir as posses de
Ptolemeu fora do Egito. Filipe, infelizmente, entrou em conflito com os romanos e sofreu uma derrota nas
mãos deles na segunda guerra macedônica (200 a.C. a 196 a.C.). Apesar de sua aliança com Filipe, Antíoco
III recusou-se a se opor aos romanos nesta ocasião. Também pode-se ver o versículo 14a como se referindo
aos egípcios que se rebelaram contra Ptolemeu V no Egito. Esses eventos estão registrados na obra de
Políbio (Histórias 5.107). Por último, mas não menos importante, os "muitos" do versículo 14a poderiam
incluir os judeus, previamente sob o controle de Ptolemeu até serem libertados por Antíoco III. Para eles,
após estarem sob controle ptolomaico por mais de um século, aquilo deve ter parecido uma grande
libertação. Como uma prova dessa promessa de um novo dia, Antíoco III concedeu direitos especiais ao
Estado religioso judeu da Judeia. Mas essa promessa logo fracassou e os judeus se tornaram antagonistas
confirmados de Antíoco III. Portanto, houve muitos que se levantaram contra o rei do sul durante o período
registrado em Daniel 11:14a.
O que significa o resto deste versículo? Este tem sido um problema difícil de interpretar por muito tempo.
Literalmente, o texto se lê, "e os filhos dos perturbadores do teu povo serão levantados, carregados,
137
retirados...." O primeiro desses dois verbos significa "entrar à força" ou "abrir caminho" como se rompesse
uma brecha na muralha. O segundo verbo normalmente significa "levantar", "carregar" ou "remover".
Combinando esses dois significados, deve resultar em uma frase que diga algo como, "os filhos dos
perturbadores do teu povo foram removidos". Este significado seria paralelo ao versículo 12, que diz "ao
levar a multidão" e utiliza o mesmo verbo. Mas a quem se refere o versículo 14 como sendo removidos?
Quem são "os filhos dos perturbadores do teu povo"? Foram os egípcios. Como resultado de sua derrota
na batalha de Pânias (198 a.C.), os egípcios foram removidos e tirados de cena no que diz respeito à Judeia
ou ao sul da Síria. Portanto, a frase no versículo 14 deve ser traduzida, mais ou menos literalmente, "os
filhos dos perturbadores do teu povo foram removidos". Isso significa que os sírios removeram os egípcios
ao derrotá-los e, portanto, os opressores do povo de Deus na Judeia foram retirados.
A frase final do versículo 14 é uma frase interessante, pois se refere ao cumprimento de uma visão. Os
comentaristas tiveram considerável dificuldade em entender o que significa essa frase, mas se
considerarmos as mudanças históricas e políticas que ocorreram na Judeia durante esse tempo, podemos
determinar uma resposta mais direta. Quando os sírios derrotaram os egípcios em Pânias, o chifre egípcio
dos quatro chifres gregos (Dan. 8:7) havia sido removido do caminho no que diz respeito à Judeia. Foi
substituído pelo chifre sírio. Infelizmente para os judeus, esse chifre-poder sírio, em breve dirigido por
Antíoco IV Epífanes, lhes fez a vida muito difícil ao persegui-los.
A perseguição de Antíoco IV contra os judeus tem sido vista por muitos intérpretes como o cumprimento
de uma porção importante do restante de Daniel 11. No entanto, a declaração profética no versículo 14
deveria nos alertar contra essa interpretação; implica que essas pessoas - os sírios sob Antíoco IV - "cairão".
Não, Antíoco não é o cumprimento dessa profecia. Teremos que buscar outro cumprimento por parte de
uma potência maior no horizonte daquele tempo. Teremos que olhar para Roma. Daniel 11:15 fala de uma
campanha contra o rei do sul conduzida pelo rei do norte. O foco dessa campanha se concentrou em torno
de uma cidade fortificada. Várias cidades e várias campanhas dos reis selêucidas foram sugeridas como a
interpretação desses elementos, mas dada a sucessão de eventos neste ponto da profecia, a campanha
que melhor se encaixa é a de Antíoco IV de 169 a.C. contra o Egito. O foco dessa campanha estava centrado
na cidade de Pelúsio, a maior cidade que guardava a entrada do delta oriental do Egito. Pelúsio caiu nas
mãos das tropas de Antíoco IV durante a campanha e, assim, ele conquistou a metade oriental do delta.
Então, ele voltou para a Síria para o inverno de 169/168 a.C. Esse foi um erro grave em sua estratégia, e deu
lugar à introdução do próximo poder na profecia.
Para enfatizar o fato de que este é um novo poder que aparece em cena, o texto diz que "fará o que bem
quiser" (vers. 16). Esta é uma frase técnica usada para introduzir novas potências na profecia. Foi usada
para a Grécia no versículo 3, e agora está sendo usada no versículo 16 para Roma, a potência que se
aproximou de Antíoco IV Epífanes e o desestimulou de suas conquistas egípcias. A terceira frase de
importância no versículo 16 em conexão com este novo poder é a referência à "terra gloriosa". Este poder
se estabelecerá sobre ela e a conquistará por completo. Isso não se aplica a Antíoco IV porque a Judeia já
fazia parte de seu reino quando ele a herdou de seu pai. Não era necessário que ele a conquistasse. Roma,
por outro lado, tomou a Judeia mediante conquista. Quando Roma conquistou a Síria em 64 a.C., incluiu a
Judeia em seus territórios conquistados. Como já foi mencionado, esta é uma referência cruzada com a
138
profecia em Daniel 8, onde no versículo 9 a "terra gloriosa" (sebi) surge como uma das conquistas do chifre
pequeno.
Outro aspecto linguístico interessante do versículo 16 é a forma como se refere ao confronto entre Antíoco
IV e Roma. Quando se refere a batalhas e guerras em Daniel 11, a preposição 'al', "contra", é comumente
usada. Mas não neste caso. Portanto, a tradução da NVI, "ninguém poderá fazer-lhe frente", não é
totalmente precisa. A preposição usada no hebraico original deste versículo é 'el', "para" ou "a". Em outras
palavras, quando o diplomata romano veio confrontar Antíoco IV sobre seu retorno ao Egito, não veio com
todas as forças de Roma como respaldo. Era uma missão diplomática, que foi bem-sucedida devido à
ameaça implícita de lançar todo o poder de Roma sobre Antíoco IV. Mas quanto ao encontro, Roma veio
apenas "a" ele e não "contra" ele.
Está em aberto para discussão se o versículo 16 se refere a Roma em geral ou a um general romano
específico que cumpriu essas ações. Certamente Pompeu e suas tropas foram quem se levantaram com
força sobre a "terra gloriosa" e a subjulgaram em 63 a.C. Por outro lado, em Daniel 8, o chifre pequeno não
é tanto indicativo de um governante específico quanto de um poder político que inclui todos os seus
governantes. Se o versículo 16 for tomado como uma introdução da nova potência como um todo, então
os versículos seguintes podem ser entendidos como uma elaboração dos destinos de governantes
individuais. Esse parece ser o curso que o texto segue.
Em relação a um governante individual, Daniel 11:17 diz que "afirmará depois o seu rosto para vir com o
poder de todo o seu reino". Aqui há uma descrição de movimentos adicionais além da Judeia, uma
campanha para outro país. A vinda de Roma no versículo 17 não é para a Judeia; isso já foi descrito no
versículo 16. Roma já havia conquistado a terra do norte; agora continuava para o sul, para o Egito. O Egito
não foi formalmente incorporado ao Império Romano até o sucesso de Otaviano lá no ano 30 a.C., mas
Júlio César entrou no Egito e influenciou seus assuntos um pouco antes, em 48 a.C. É interessante notar
que ele entrou no Egito em perseguição a Pompeu, que morreu lá pelas mãos de um funcionário de
Ptolemeu.
Se o versículo 16 está se referindo a Pompeu, que causou o estabelecimento de Roma na "terra gloriosa"
(11:16) e que dirigiu as ações contra o Egito, então a figura seguinte no cenário é Júlio César.
Júlio César parece se encaixar melhor nos versículos 17-19. Se a primeira frase do versículo 17 realmente
trata de levar termos de paz ou arranjar uma aliança, então Júlio César foi certamente responsável por isso.
Foi por meio de suas manobras políticas e militares que apoiou o governo de Cleópatra e Ptolemeu XIV.
Literalmente, a frase seguinte do versículo 17 se lê: "e lhe dará a filha das mulheres para destruí-la [arruiná-
la, corrompê-la], mas ela não o aceitará e não será [pertencerá] a ele". Isso se encaixa bem com a notória
aliança entre César e Cleópatra. Aparentemente, ela lhe deu um filho, Cesarião, e foi com ele para Roma
como sua consorte. Quando César foi assassinado logo depois, Cleópatra teve que fugir de volta ao Egito
para proteger seu trono. Por um tempo, foi parcialmente bem-sucedida, mas quando Otaviano chegou ao
Egito, a tradição diz que ela morreu pela picada de uma áspide venenosa. Nesse sentido, ela não
permaneceu, ou seja, não continuou governando nem pertencendo a César, exceto por um breve período.
Assim como "ele" (o invasor do versículo 16) dirigiu seu rosto para o Egito no início do versículo 17, agora
no início do versículo 18 ele dirige seu rosto para os 'íyyim'. Esta palavra pode ser traduzida como "ilhas" ou
"costas". Aqui, "costas" faz mais sentido. Júlio César conduziu três campanhas depois que deixou o Egito,
para Bósforo, para o norte da África e para a Espanha. As duas primeiras, definitivamente, e a terceira,
provavelmente, podem ser consideradas costas às quais ele voltou sua atenção militar. Então, chegou seu
desfecho final, nas mãos de seus amigos de confiança e assistentes. O texto parece referir-se a isso em
termos de "voltar sobre ele seu opróbrio" (vers. 18). A queda de César ocorreu por seu estilo de governo
cada vez mais monárquico e ditatorial. Ele mesmo propiciou sua queda final, no entanto, ao perdoar,
reinstalar e colocar em cargos seus supostos amigos que, por fim, o assassinaram nos idos de março do
ano 44 a.C. Há um jogo de palavras presente aqui. A palavra para "opróbrio", "burla", "insolência", herpa,
assemelha-se à palavra "daga" ou "espada", hereb, o instrumento com o qual os amigos de César se
139
tornaram tão cruelmente contra ele. Sua queda e morte literais e figurativas estão descritas no final do
versículo 19.
O versículo 20 dá duas características da pessoa que se levantaria no lugar de César. Primeiro, enviaria
coletores de impostos por todo o império e, segundo, morreria em tempo de paz, não em batalha, embora
em sua carreira tenha lutado muitas batalhas. Essas duas facetas da carreira dessa figura se cumpriram na
vida de César Augusto, que se destaca pelo censo que fez no Egito e em outras partes do reino, censos de
recenseamento que serviram como base para a tributação de impostos. O sistema tributário instalado sob
sua administração está bem representado pelos publicanos no Novo Testamento. Jesus veio a nascer em
Belém como resultado do recenseamento ordenado por Augusto (Lucas 2:1). Augusto morreu de uma
doença em 19 de agosto do ano 14 d.C., cumprindo assim a última especificação desta porção da profecia.
A pessoa que sucedeu a Augusto foi Tibério, e o versículo 21 da profecia presta muita atenção à forma como
ele ganhou acesso ao poder, e o avalia de forma negativa. Tibério não era filho natural de Augusto. Era filho
de Lívia, que o teve de um sacerdote também chamado Tibério, e chegou à família de Augusto quando este
tomou à força a mãe do menino. Segundo os historiadores romanos, Tibério tornou-se muito sádico.
Embora não possamos confiar completamente nos historiadores romanos neste caso, há um mérito
considerável na avaliação dada a Tibério aqui na profecia. Augusto não gostava de Tibério e nem queria que
ele fosse seu sucessor, mas por não ter outra opção lógica, teve que aceitar a ideia.
Em relação à guerra, mencionada no início do versículo 22, a Tibério é atribuída a vingança contra Arminio
na Alemanha; este havia dizimado três legiões de soldados romanos. Tibério teve um sucesso rotundo em
derrotar Arminio. Também se envolveu em outras guerras ocasionais e atos de repressão selvagem. Nesta
última categoria está a aniquilação de uma rebelião provincial com considerável derramamento de sangue.
A profecia fala de exércitos varridos diante dele (vers. 22), e isso se encaixa bem com Tibério, mas houve
muitos outros governantes antigos a quem essa declaração poderia ser aplicada com igual força. A próxima
afirmação no versículo 22, no entanto, é especificamente um ato de Tibério.
Daniel 11:22 diz que um "príncipe da aliança" também seria quebrado diante do governante referido neste
versículo. Esta frase, "príncipe da aliança", é muito específica em seus nexos com Daniel 9:24-27. Em
outros lugares no livro de Daniel, a palavra empregada para "príncipe" é sar. Aqui em Daniel 11:22, no
entanto, a palavra usada é nagid. Esta palavra é usada exclusivamente em outro lugar no livro de Daniel:
Daniel 9:24-27. Portanto, com base linguística, estas duas profecias devem se conectar neste ponto. Em
Daniel 9:24-27, é também o Príncipe Messias (nagid, "governante" na NVI) quem faz uma grande aliança
com muitos por uma semana. Daí que o "príncipe" e a "aliança" estão ligados em ambas as profecias.
No estudo de Daniel 9:24-27, tanto as abordagens historicista quanto futurista percebem o Príncipe
Messias mencionado no versículo 25 como ninguém menos que Jesus Cristo. Identificar Jesus como o
Príncipe Messias de Daniel 9:24-27 significa que quando chegamos a este período na profecia, chegamos
ao tempo de Jesus de Nazaré como o cumprimento desses aspectos dessa profecia. Isso nos fornece um
gancho cronológico sobre o qual pendurar o versículo 22 na narrativa de Daniel 11. No momento em que
chegamos a este ponto em Daniel 11, chegamos ao século I d.C., e os eventos aqui descritos devem levar
isso em consideração.
140
CAPÍTULO 12
TRANSIÇÃO NA PROFECIA
Neste ponto da profecia, o versículo 23 inicia uma nova fase do poder de Roma. É aí que começa nosso
estudo neste capítulo. O versículo 23 marca uma transição na profecia do capítulo 11. Os versículos 1-22
levaram a ação do tempo de Daniel até a vinda do Messias, o "príncipe da aliança". Embora esses versículos
contenham uma vasta quantidade de detalhes históricos, a interpretação frequentemente é problemática.
Se acaso, o detalhe e as dificuldades interpretativas aumentam na segunda seção do capítulo 11,
versículos 23-25.
Com tudo, apesar desses problemas, o propósito e a intenção subjacentes da profecia nos versículos 1-22
são evidentes. Na primeira seção, a ação entre o rei do norte e o rei do sul tem muito a ver com os assuntos
do povo de Deus; a batalha é essencialmente de natureza espiritual, culminando com a aparição do
Messias e sua confirmação da aliança "com muitos" por meio de sua morte.
Para o versículo 11:22, a profecia alcançou o tempo de Jesus Cristo sob a Roma imperial no primeiro século
d.C. A pergunta é: para onde vai a profecia depois disso? Poderia continuar com Roma imperial se estender
o aspecto histórico. Essa é a forma como Uriah Smith tratou o texto em seu livro clássico, Pensamentos
141
sobre Daniel. Para Smith, os versículos 23-30 repetiam a história dos mesmos três césares. Tal repetição
está possivelmente alinhada com o paralelismo do pensamento hebreu, mas não é muito provável que tal
repetição ocorra em um texto narrativo consecutivo e de profecia histórica como o que temos aqui em
Daniel 11.
Ou talvez o texto, começando no versículo 23, pudesse saltar até o tempo da conquista romana de
Jerusalém no ano 70 d.C., embora não pareça haver muitas referências a uma guerra e a um cerco como o
de Jerusalém nesses versículos. O tempo de Constantino poderia ser outra transição histórica a considerar,
com a conversão do Império Romano ao cristianismo, mas Constantino também não parece se encaixar
bem neste trecho.
Tendo eliminado esses eventos históricos de importância como sujeitos da profecia no restante do capítulo
11, o que nos resta é o tempo do surgimento da Roma papal no século VI d.C. Se este é o tema desses
versículos, então a profecia nos traria ao próximo segmento de história que vimos em outras profecias de
Daniel: o surgimento da segunda fase de Roma, que é a Roma papal medieval, em contraste com a Roma
imperial. Nesse caso, Daniel 11 seria um paralelo do que encontramos em Daniel 7 e 8. Com base nesse
entendimento, este volume assume a posição de que Daniel 11:23-30 trata das atividades da segunda fase
de Roma, a Roma papal, e que "o rei do norte" nesses versículos se refere a esse poder.
Historiadores seculares e eclesiásticos têm notado que essa transição da Roma imperial para a Roma
papal ocorreu no século VI d.C. Foi um tempo de decadência na glória da Roma imperial, mas também foi
um momento oportuno para o surgimento do poder da igreja ao preencher o vazio criado por essa
decadência. A sede do império havia se mudado para Constantinopla no Oriente, deixando a igreja
praticamente no comando no Ocidente.
Os versículos 23-39 não necessariamente apresentam as atividades do poder papal em ordem cronológica
consecutiva. Mais provavelmente, neste caso, estão organizados em ordem temática. Os elementos
presentes nos versículos 23-39 podem ser esboçados da seguinte forma:
Os últimos três elementos da lista anterior também estão descritos em Daniel 8 em termos das atividades
do chifre pequeno. A comparação poderia ser traçada da seguinte maneira:
142
encontram em Daniel 8:9 encontram seu correspondente paralelo em 11:16, que descreve a atividade na
terra gloriosa da Judeia e sua capital, Jerusalém.
AS CRUZADAS
Daniel 11:23-30 trata de outro tipo de campanha militar. Essas campanhas são conduzidas pelo papado,
que está representado em 11:23-30 como o rei do norte ou no capítulo 8 como a segunda fase do pequeno
chifre. Essa atividade realizada por Roma em sua fase papal se assemelha àquela que a Roma imperial
realizou anteriormente sob Pompeu e Júlio César. Mas essas campanhas não ocorrem no século VI d.C.,
quando Roma estava em sua fase inicial de crescimento em importância. As campanhas descritas em
11:23-30 ocorreram consideravelmente depois, quando Roma já havia avançado para sua fase papal.
O exemplo clássico desse tipo de atividade militar conduzida pelo papado foram as Cruzadas dos séculos
XI a XIII. Naquela época, mais do que em qualquer outro momento da história, o papado, o rei do norte,
esteve diretamente envolvido na guerra. Essa guerra foi projetada para recuperar os lugares considerados
sagrados pelo cristianismo, mas, ao proceder assim, os cruzados atraíram para si a ira do Egito, o rei do sul.
A última batalha da primeira Cruzada envolveu forças do Egito, e a última batalha da última Cruzada incluiu
uma incursão fracassada ao Egito.
Esse padrão corresponde ao descrito em 11:23-30. As forças do rei do norte fizeram suas conquistas
primeiro, e depois as forças do rei do sul entraram em cena. Isso é exatamente o que aconteceu durante a
primeira Cruzada no século XI d.C. Depois, a última Cruzada envolveu uma invasão real ao Egito por mar,
mas as forças do norte foram derrotadas. Isso também é exatamente o que o capítulo 11 diz nos versículos
29 e 30.
Daniel 11:40-45 é a passagem mais difícil de interpretar profeticamente porque seus eventos ainda estão
no futuro, mas Daniel 11:23-30 é a passagem mais difícil de interpretar historicamente quanto a eventos
que agora estão no passado. É difícil ser definitivo em relação à interpretação de Daniel 11:23-30, e
devemos ter essa dificuldade em mente ao estudarmos a passagem. Existem pelo menos cinco diferentes
interpretações possíveis para esses versículos. Por enquanto, prosseguiremos com a hipótese operativa de
que Daniel 11:23-30 descreve as Cruzadas realizadas a instâncias do poder papal nos séculos XI ao XIII. Ao
fazer isso, vejamos quão bem os detalhes históricos desses eventos correspondem ao que é descrito
profeticamente nesses versículos.
Existe uma grande lacuna entre a morte de Jesus Cristo, descrita em 11:22, e o tempo das Cruzadas mil
anos depois, descritas no versículo 23. Embora essa lacuna seja grande, já vimos que existem lacunas no
curso da profecia de Daniel 11. Do tempo de Xerxes, o último rei persa mencionado no versículo 2, até o
tempo de Alexandre, o primeiro rei grego mencionado no versículo 3, há um século e meio de distância, e
a profecia não faz nenhuma tentativa de preencher essa lacuna mencionando os outros reis persas
posteriores. Simplesmente vai de uma figura importante no cenário profético para a seguinte. O mesmo é
verdade em 11:22, 23. Foi Jesus quem se destacou como o "príncipe do pacto", quem criou a igreja que se
tornou o poder papal referido no versículo 23. Foi o plano dessa igreja, dirigido a recuperar por meio de
conquistas os lugares santos conectados com Jesus, que levou às Cruzadas descritas a partir do versículo
23.
Essa nova seção do capítulo 11 (versículos 23-30) começa com a realização de um "acordo" ou pacto (vers.
23). Não se trata do novo pacto no sangue de Jesus, pois este pacto foi criado mediante enganos, segundo
o versículo 23.
"E subirá, e sairá vencedor com pouca gente [literalmente, 'com um povo pequeno']." Isso poderia se referir
ao número dos cruzados em relação às hordas do Islã que enfrentaram no Oriente Médio. Ou poderia se
referir, em um sentido mais clássico, às Cruzadas das Crianças dos anos 1217-1221 d.C. "A província em
paz e abundância" (vers. 24) que é invadida por esse movimento militar se ajusta bem à "terra gloriosa" no
143
versículo 16. Portanto, o versículo 24 se referiria à terra da Judeia. Este versículo também diz que esse poder
"fará o que não fizeram seus pais, nem os pais de seus pais". Isso não se encaixa bem com a Roma imperial,
porque cada um dos césares (Júlio, Augusto, Tibério) poderia dizer que estava fazendo o que seus pais
haviam feito antes deles. No caso do papado, no entanto, o chamado às Cruzadas foi um chamado para
algo completamente novo na história dessa instituição. O mundo nunca havia visto antes nada
semelhante.
O texto do versículo 24 aponta que esse poder distribuiu espólios, despojos e riquezas entre seus
seguidores. Embora isso pudesse ser dito de muitos exércitos em muitas ocasiões, foi especialmente
verdadeiro no caso das Cruzadas. A motivação por trás das Cruzadas era dupla: obter benefícios espirituais
e obter riquezas. Os cavaleiros que participavam das Cruzadas comumente eram aqueles que não haviam
recebido terras por herança na Europa porque não eram os mais velhos em suas famílias. As Cruzadas
eram uma via para o enriquecimento de uma forma que não estava disponível para eles se ficassem em
casa.
A última frase do versículo 24 requer uma tradução diferente da que se dá na NVI: "Fará planos para atacar
as cidades fortificadas". Os tradutores comumente interpretaram essa frase como referindo-se a ataques
militares contra fortalezas, mas não há verbo algum aqui para tais ataques. Em vez disso, o verbo que
segue, em forma enfática dupla, é o verbo que significa "pensar", "considerar", "dar atenção a". Em outras
palavras, essas forças haviam de se pôr a pensar ou dariam atenção às fortalezas... suas próprias
fortalezas! Quando alguém visita Israel e Jordânia hoje em dia, pode ver os resultados desse pensamento.
Os castelos e fortalezas dos cruzados que foram construídos para propósitos defensivos durante os
séculos XII e XIII ainda podem ser vistos. São alguns dos restos arqueológicos mais notáveis na Terra Santa.
Alguns deles estão em bom estado de preservação. No século passado, os britânicos usaram a fortaleza
dos cruzados em Akko como uma prisão para prisioneiros políticos durante os dias do governo palestino
(1918 a 1948)! O versículo 24 conclui afirmando que essa atenção às fortalezas e à sua construção duraria
apenas um tempo. A ocupação da Terra Santa pelos cruzados durou menos de dois séculos, e essas
fortalezas ficaram como monumentos de uma era remota.
Apenas após esses sucessos iniciais é que o rei do sul monta suas forças e arremete contra as forças do
norte (11:25b). A última batalha da primeira Cruzada foi travada contra as forças que vinham do Egito para
enfrentar os cruzados depois que eles conquistaram Jerusalém. Essa batalha ocorreu em Ascalão, na costa
sudoeste da Palestina (veja 11:26). A situação está bem descrita na seguinte citação de uma história das
Cruzadas:
"O 12 de agosto de 1099 a batalha foi travada em uma planície próxima à fortaleza portuária egípcia de
Ascalão. Os egípcios foram pegos de surpresa enquanto ainda estavam em seu acampamento e foram
completamente derrotados. Seu comandante, o vizir al-Mdal (1094-1121), fugiu de volta ao Egito. Em 13 de
agosto, o exército vitorioso retornou triunfante a Jerusalém. O sucesso da Cruzada estava agora
assegurado. A reconquista da Terra Santa foi uma conquista surpreendente. A alegria dentro do
cristianismo estava completamente justificada" (H. E. Mayer, 57).
O versículo 27 diz que dois reis se sentarão na mesma mesa e mentirão um ao outro, com seus corações
inclinados para o mal. À luz deste versículo, é interessante notar o embate político que ocorreu após a
queda de Jerusalém. A questão era: Quem será o rei do novo Estado cruzado estabelecido ali? Tanto no
âmbito secular quanto no sagrado, havia lutas internas. Na luta secular, havia dois candidatos a rei:
Raimundo e Godofredo. Godofredo finalmente obteve a posição de governante (sem o título de "rei")
através de artimanhas. No âmbito sagrado, houve uma disputa para decidir quem seria o patriarca de
Jerusalém. Arnulfo da Normandia finalmente recebeu a posição, embora não estivesse qualificado para ela
por ser ilegítimo e nem sequer subdiácono. No entanto, logo solidificou sua posição como líder da igreja
através da descoberta de uma relíquia: a verdadeira cruz! Também havia a questão da relação entre esses
dois "governantes" em seus respectivos âmbitos de Igreja e Estado.
144
Daniel 11:28 diz que o rei do norte retornaria ao seu país com grande riqueza e agiria contra o santo pacto.
Dos líderes cruzados da primeira Cruzada, quatro deixaram suas casas na Europa, e apenas dois
permaneceram no mini-reino de Jerusalém. Trezentos cavaleiros e 3.000 soldados de infantaria ficaram em
Jerusalém com Godofredo enquanto a maioria retornava à Europa com seus líderes e seus despojos. O
controle papal da igreja em Jerusalém tornou-se evidente pelo fato de que, em três ocasiões, o papa
suspendeu ou depôs o patriarca do local.
Esse também foi um período na história em que o papado alcançou algumas das suas alturas mais
elevadas de poder. Por exemplo, Inocêncio III (1198-1216), tendo aprendido com as Cruzadas no Oriente
Médio, agora impulsionou uma Cruzada contra os albigenses hereges no sul da França em 1208. A luta
durou até 1227, quando Raimundo de Toulouse assinou a Paz de Paris, na qual jurava lealdade ao rei e à
igreja. Embora os albigenses não fossem cristãos ortodoxos, esse episódio ilustra como a igreja lidava com
os dissidentes.
Daniel 11:29-30 fala de outra campanha contra o sul por esse poder. Segundo as designações geográficas
usadas no capítulo 11 até aqui, o sul representa o Egito, então devemos esperar uma campanha
diretamente contra o Egito. Na primeira Cruzada, os egípcios saíram de seu país para lutar contra os
cruzados na Palestina (11:25b), mas na última Cruzada, a nona, a invasão ocorreu por mar diretamente
contra o Egito. Essa ação corresponde à descrição dos versículos 29 e 30 quando entendidos
corretamente.
A primeira parte do versículo 30 é comumente traduzida como "navios de Quitim" (RA) que avançam contra
o rei do norte. Mas essa não é a preposição usada no texto original hebraico. Quando o hebraico quer dizer
que um exército vai contra outro, usa a preposição 'al'. No entanto, aqui o texto usa 'be' ou 'beth', que
significa "por", "em", "a", "com". Portanto, os navios de Quitim, ou as costas ocidentais, não vieram contra
o rei do norte; vieram "com" ele; eram seus navios. Esta é precisamente a forma como a última Cruzada
tentou invadir o Egito. Esta Cruzada foi liderada pelo devoto rei francês, Luís IX. Passou o inverno no final
do ano 1248 na ilha de Chipre, mas na primavera de 1249 navegou em direção ao Egito, invadindo-o pelo
afluente Damietta do Nilo. A maior batalha da campanha foi travada em Mansourah, no delta do Nilo, em
fevereiro de 1250. Foi a maior derrota das forças cruzadas, e tiveram que recuar para Damietta, onde se
renderam aos egípcios em abril. O próprio Luís IX foi capturado e mantido como prisioneiro por resgate.
Quando finalmente saiu do Egito, restavam apenas 1.400 de suas tropas para acompanhá-lo. Viajou
primeiro para a Palestina, mas finalmente retornou à França, onde continuou seu devoto apoio ao papado
apesar de sua derrota (Dan. 11:30b).
Com esse desastre, a última das Cruzadas ao Oriente Médio chegou ao fim. Os Estados cruzados na
Palestina continuaram por mais algumas décadas, mas então também foram varridos, e não houve mais
Cruzadas que viessem em sua ajuda. O rei francês sentiu que sua derrota era um julgamento de Deus. Em
seu afã de corrigir seus fracassos, Luís tentou mais uma campanha, desta vez ao norte da África, não ao
Oriente Médio. Invadiu a Tunísia em 1270, mas essa campanha foi um desastre ainda maior do que a
derrota anterior no Egito. Uma praga atingiu o acampamento dos cruzados, e até o próprio rei morreu como
resultado. Não foi um exército que retornou à França, mas uma grande procissão fúnebre.
Toda essa atividade dos cruzados ocorreu sob o patrocínio do papado em Roma. Cada Cruzada começava
com uma comissão do papa. Dizia-se que se tornar um cavaleiro no exército cruzado era "tomar a cruz". As
metas finais dessas Cruzadas eram de natureza religiosa e eram dirigidas pelo papado. Os soldados
podiam obter indulgências por terem lutado em uma das Cruzadas. Daniel 11:23-28 dá uma descrição de
como começou esse tipo de atividade. Tudo estava sob a direção da segunda fase do pequeno chifre de
Daniel 8, conhecida nesta parte do capítulo 11 como "o rei do norte".
É interessante que esta passagem se refira três vezes aos fatores de tempo que parecem ter estado
envolvidos nessas atividades. Essas referências de tempo não são específicas como em outras profecias
de Daniel; em vez disso, são referências de tempo gerais. O versículo 24 diz que esse poder daria atenção
às fortalezas, mas "isso por um tempo". O versículo 27 diz que quando os dois reis conspirarem numa mesa,
145
será infrutífero, pois "o prazo ainda não terá chegado". Esse tempo finalmente chega, segundo o versículo
29, quando "no tempo determinado" o rei do norte invade o rei do sul pela última vez e é derrotado. Além
dessas três referências de tempo, o versículo 23 envolve um elemento de tempo quando fala sobre os
eventos que estão por vir "após o pacto com ele". Esse foi o pacto, acordo ou decreto que iniciou a primeira
dessas campanhas.
Basicamente, as Cruzadas duraram um século e meio. As forças cruzadas capturaram Jerusalém no verão
de 1099 d.C. quando a primeira cruzada terminou, e a derrota sofrida pela última Cruzada no delta do Nilo
ocorreu durante o inverno de 1249/1250 d.C. De 1099 a 1249 são 150 anos, ou cinco meses de tempo
profético. Essa atividade militar teve um início, uma duração e um fim, como descreve a linguagem desta
passagem de Daniel 11. O paralelo com a quinta trombeta do livro de Apocalipse (9:1-11) é digno de nota,
pois os gafanhotos (soldados) dessa profecia atormentariam os homens por cinco meses. Se contarmos
cada dia como um ano, segundo a regra profética, a duração da quinta trombeta seria de 150 anos. Os
eventos descritos em Apocalipse 9:1-11 são historicamente semelhantes aos que Daniel 11:23-30
descreve.
Segundo a dimensão vertical empregada pela profecia de Daniel 8:11, o templo que foi atacado por esse
poder foi o templo localizado no céu. Os paralelos da linguagem direta entre Daniel 8:11 e Daniel 11:31
indicam que "o santuário e a fortaleza" de 11:31 é o poderoso templo celestial. Este é o objetivo do ataque
do pequeno chifre/reino do norte.
A versão do Rei James (King James) usa o verbo "desecrate" (que significa algo como "degradar") neste
versículo para descrever a ação das forças do rei do norte (Roma papal). A versão Reina-Valera usa o verbo
"profanar", que é uma melhor tradução do hebraico "hala!". O caso é que o verbo "profanar" não requer a
presença física de objetos contaminados ou impuros no templo ou lugar profanado. Alguém pode profanar
um templo ou o nome de Deus à distância. Não é necessário estar fisicamente presente em um templo
para profaná-lo.
Daniel 8:11 diz que, como resultado das ações do pequeno chifre, o templo celestial foi "lançado por terra"
(RA) ou "profanado" (NVI) (do hebraico "shalak"), que significa que o ministério desse templo foi
apresentado aos habitantes da Terra como estando sob o poder de um poder terreno. Mas o templo
celestial não caiu na Terra literal ou fisicamente; assim foi feito parecer aos olhos humanos. Assim também
ocorre com a profanação do templo realizada por esse mesmo poder em 11:31. O poder papal não
precisava estar presente literal e fisicamente no templo celestial para profaná-lo. Pela obra do papado
realizada aqui na Terra, a profanação foi alcançada. O ministério "contínuo", discutido anteriormente em
nossa discussão de Daniel 8, era a propriedade e atividade do Príncipe no Santuário celestial. Mas agora
este poder terreno pretende controlar esse ministério e que suas forças (um exército espiritual conhecido
como sacerdócio) podem dispensar os méritos derivados dele. Assim foi como um poder religioso terreno
substituiu sua atividade pela obra de Cristo.
Depois de obscurecer o verdadeiro ministério "contínuo" dos olhos da humanidade, este poder iria colocar
algo mais em seu lugar. Algo conhecido como a "abominação desoladora" (11:31, RA). O que significa esta
frase?
146
No Antigo Testamento, uma intrusão não autorizada na área do templo literal era considerada uma
abominação que precisava ser purificada com um rito. Da mesma forma, o poder do Estado, seja local ou
estrangeiro, ao se intrometer no âmbito do sagrado, era uma abominação que resultava em contaminação.
Desta maneira, a abominação que profana pode ser descrita como uma união do secular e do religioso - o
Estado e a Igreja - na qual o aspecto religioso é contaminado por sua combinação com as funções do
Estado. Na história do cristianismo, tal união veio como resultado do apoio do Estado à Igreja, situação que
levou ao desenvolvimento do papado medieval. Foi o uso que a igreja fez do poder secular do Estado que
conduziu às Cruzadas descritas acima. Foi também o uso da igreja do poder do Estado que estava
implicado anteriormente nas guerras arianas do século VI, o que resultou na queda das igrejas e povos
arianos sob o controle da igreja romana. O mesmo poder combinado de Igreja e Estado continuou na
inquisição dos anos posteriores. Isso nos traz ao tema da perseguição, o próximo assunto em que a
profecia se foca.
AUTOEXALTAÇÃO
Os versículos 36-39 constituem a passagem final desta seção do capítulo 11 e a quarta atividade do rei do
norte/pequeno chifre. Nesses versículos, esse poder expressa seu domínio e autoridade de forma final
exaltando-se a si mesmo. As frases iniciais do versículo 36 estabelecem o tom para esta passagem: "E o rei
fará conforme a sua vontade; e se exaltará, e se engrandecerá sobre todo deus; e contra o Deus dos deuses
falará coisas incríveis". Aqui encontramos duas acusações contra esse poder: (1) A autoexaltação; e (2) a
blasfêmia. Essas acusações correspondem às características do pequeno chifre reveladas em Daniel 7 e
8. Daniel 8 especificamente afirma que o pequeno chifre se exaltará a si mesmo, e Daniel 7 implica o
mesmo. Daniel 7 faz referência à blasfêmia que o pequeno chifre profere através de suas "palavras contra
o Altíssimo" (vers. 25, RA). Falando dessa autoexaltação, o capítulo 8 declara que o pequeno chifre "se
engrandeceu até o exército dos céus", e "se engrandeceu até o príncipe do exército" (vers. 10, 11).
É claro que o objeto dessa blasfêmia e autoexaltação é Deus. Não apenas esse poder se exalta sobre todos
os outros deuses, mas também se erige como rival do verdadeiro Deus. A palavra para "deus" raramente é
usada em Daniel 11, pois muita da descrição é expressa em termos políticos e militares. Ocasionalmente,
há referências de que o rei do norte leva os deuses do sul, ou vice-versa, mas essas referências não são
comuns. Aqui em 11:36-39, no entanto, a palavra ou nome para "deus" é usada nove vezes, mostrando
neste ponto o caráter singularmente religioso desse poder e enfatizando o tipo de conflito religioso no qual
se envolveu até este ponto no fluxo da história. Historicamente, toda essa rivalidade contra o Deus do céu
foi manifestada pelos títulos que esse poder terreno assumiu e suas pretensões pessoais. O poder que
esse chifre pretendia sobre os potentados terrenos às vezes era demonstrado pela humildade que exigia
dos governantes terrenos e o uso de ameaças como a excomunhão e o interdito. Um exemplo famoso dessa
147
humilhação dos poderes terrenos é a ação de Gregório VII, em 1077 d.C., de forçar Henrique IV da
Alemanha a fazer penitência permanecendo de pé na neve em Canossa, Itália, por três dias antes de lhe
conceder uma audiência.
Essa autoexaltação e blasfêmia marcam a quarta e última atividade perpetrada pelo poder de Roma papal
segundo descrito neste capítulo. Essas atividades podem ser resumidas da seguinte forma:
A autoexaltação desse poder culmina e reúne todas as outras atividades. Tudo o que fez antes é, em última
análise, uma expressão de autoexaltação. Essa atitude, expressa no final dessa passagem, abre o caminho
para a próxima seção da profecia.
O TEMPO DO FIM
A penúltima seção da profecia de Daniel 10-12 começa com uma declaração sobre sua localização no
tempo. Daniel 11:40a diz que os eventos que seguem ocorrerão "no tempo do fim". Este ponto na profecia
marca a transição de tudo o que ocorreu antes, começando no tempo do próprio profeta, até esta seção
final da história. A distinção entre o tempo do fim e o fim do tempo deve ser cuidadosamente destacada. O
"tempo do fim" é um período de tempo, um segmento na história em que certos eventos acontecerão.
Esses eventos são narrados nos próximos cinco versículos. O "fim do tempo" é um ponto no tempo; é o
final da história humana como a conhecemos. Esse ponto vem ao final desta seção.
Tem sido sugerida uma boa quantidade de possibilidades, mas nenhuma resposta final surgiu para essa
pergunta. A questão foi objeto de debates acalorados tanto entre pioneiros adventistas quanto entre
professores adventistas em tempos mais modernos. Talvez o melhor que possamos dizer é que, sendo
esses eventos ainda futuros, os reconheceremos quando ocorrerem diante de nossos olhos.
As últimas ações do rei do norte/pequeno chifre ocorreram em 1798, quando o poder papal foi
temporariamente deposto pela captura do papa pelo General Berthier (veja a discussão de Daniel 7 acima).
Portanto, é razoável supor que o tempo do fim começou nesse ponto. Em outras palavras, estamos vivendo
agora no tempo do fim. Temos visto o cumprimento histórico de todo Daniel 11 no surgimento e queda das
nações desde os dias de Daniel até 1798 d.C. A partir desse ponto, podemos esperar o cumprimento dos
eventos profetizados em 11:40-45. Como esses eventos ainda não foram reconhecidos, devem estar no
futuro. Temos que esperar esse cumprimento futuro para entender como esses detalhes se verificarão.
Portanto, por enquanto, devemos nos contentar com alguns cálculos sobre quais potências estão
envolvidas e como se desenvolverão suas ações e destinos.
148
Uma pergunta de importância para considerar é quanta continuidade existe entre esta passagem e as
anteriores. Uma continuidade direta sugeriria que o rei do norte nesta passagem final é o mesmo poder
papal que vimos se destacar tão proeminentemente nos versículos 23-39. Se a conexão não for tão direta,
então algum outro poder poderia estar envolvido. Este livro toma a posição de que a conexão entre esta
passagem final e o restante da profecia é muito direta. Portanto, devemos identificar o rei do norte nos
versículos 40-45 com a fase papal de Roma: o mesmo poder que foi o foco central da seção precedente da
profecia.
O rei do sul aparece brevemente no início desta seção, mas então toma o banco de trás como um ator de
menor importância. Anteriormente neste capítulo, o título "rei do sul" serviu para nos referirmos ao Egito,
de onde vieram os ptolomeus. Mas aqui no final do capítulo 11, a identificação parece ser mais espiritual
do que política. Portanto, assim como o rei do norte se tornou o papado e não é mais um rei territorial no
sentido literal em que o capítulo 11 o apresenta no início, assim também o rei do sul é uma entidade
espiritual aqui nesses últimos versículos do capítulo. Embora no século XXI o papado possua um pequeno
território, a Cidade do Vaticano, sua principal influência é espiritual. Essa comparação nos leva à
conclusão de que o rei do sul deve ser visto aqui mais como uma força filosófica e não como um poder
político ou territorial.
Então, precisamos nos perguntar: qual característica do antigo Egito reaparece aqui no tempo do fim? Uma
característica do antigo Egito demonstrada em relação ao povo de Deus foi a rejeição do seu Deus, Yahweh.
"Quem é Jeová, para que eu ouça a sua voz e deixe ir a Israel? Eu não conheço Jeová, nem tampouco
deixarei ir a Israel", declarou Faraó (Êxo. 5:2). Em tempos mais modernos, essa atitude "egípcia" está
expressa no racionalismo que, na área da religião, levou ao ateísmo ou agnosticismo. Houve uma grande
erupção desse tipo de pensamento na Revolução Francesa, justamente no tempo em que a história chegou
ao "tempo do fim" profético em 1798. O ateísmo expresso no comunismo marxista é um descendente
direto da filosofia desenvolvida no tempo da Revolução Francesa. É interessante destacar neste contexto
que o livro de Apocalipse parece fazer justamente essa conexão com seus símbolos. Apocalipse 11 fala
sobre dois testemunhas de Deus - a Lei e os Profetas, ou o Antigo Testamento e o Novo Testamento - que
profetizaram ao longo do extenso período de 1.260 dias-anos da Idade Média. Depois, ao final desse
período, um novo poder se levantaria para dar morte às testemunhas, e seus corpos assassinados jazeriam
nas ruas da cidade por três anos e meio. Isso se encaixa muito bem com as ações antibíblicas e os
sentimentos expressos na altura da Revolução Francesa (1789-1793), quando a Bíblia foi rejeitada em favor
da deusa da razão. No entanto, não devemos limitar nosso entendimento do rei do sul em Daniel 11:40-45
à França revolucionária. Mais provavelmente, ele pode ser identificado com o humanismo racionalista: a
grande agitação filosófica que a Revolução Francesa deixou como herança para o mundo moderno. Esse
espírito continuou vivo no comunismo e em muitos outros aspectos da sociedade moderna. E esteve em
conflito com a igreja. Basta ver o destino da Igreja Católica nos países comunistas, especialmente aqueles
por trás da agora inexistente Cortina de Ferro. Como resultado, por certo tempo a União Soviética foi o
candidato mais popular para o rei do sul do tempo final. Mas com o colapso do comunismo, houve um
apoio decrescente a essa ideia.
Devemos evitar conceber o rei do sul neste trecho literalmente como a França ou a Rússia territorial. Mais
provavelmente, podemos vê-lo como a incorporação de algumas ideias sobre o tema da religião presentes
na filosofia dessas potências. O humanismo racionalista que leva ao ateísmo ou agnosticismo se encaixa
muito bem com as ações e atitudes do rei do sul. Apocalipse 11:8 fornece uma conexão figurativa entre
essas atitudes antigas e modernas quando afirma que os cadáveres das testemunhas bíblicas jazeriam "na
praça da grande cidade que espiritualmente se chama Sodoma e Egito, onde também nosso Senhor foi
crucificado". Jesus foi crucificado novamente nos termos filosóficos e expressões religiosas dessa
ideologia de corte egípcio perpetrada pelas revolucionárias França e Rússia.
Em resumo, o rei do norte no tempo do fim provavelmente deve se conectar com o poder dominante que o
precedia na profecia: o papado da Idade Média, agora em sua fase final. O rei do sul, modelado sob as
atitudes antijavistas do antigo Egito, se ajusta bem ao movimento moderno do humanismo racionalista que
149
conduz ao ateísmo ou agnosticismo. No mundo moderno, a França revolucionária e a ex-União Soviética
foram os propagadores especiais dessas ideias. Embora o poder e a posição dessas nações tenham
declinado em certo grau, o espírito da época que elas fomentaram persiste em muitos lugares e continua
apresentando um desafio significativo para a igreja.
Continuando seu curso em direção ao sul, rumo ao Egito, Cambises evitou a Transjordânia e não a atacou
ao atravessar Judá. Como indica Daniel 11:41b: "Muitas províncias cairão; mas estas escaparão da sua
mão: Edom e Moabe, e a maioria dos filhos de Amom". Cambises não se incomodou com essas nações ao
viajar pelo caminho costeiro em direção ao oeste.
Cambises continuou seu caminho para o Egito e o conquistou. Essa vitória é destacada nos versículos 42
e 43: "Estenderá a sua mão contra os países, e a terra do Egito não escapará. E se apoderará dos tesouros
de ouro e prata, e de todas as coisas preciosas do Egito". Mas Cambises não planejou parar ali sua
conquista do Egito, pois ao final do versículo 43 se diz que ele haveria de conseguir a submissão da Líbia,
ao oeste do Egito, e da Etiópia, ao sul do Egito (a moderna Sudão).
No entanto, depois de ir tão longe, Cambises haveria de receber notícias muito graves da retaguarda, do
oriente e do norte (vers. 44). Isso significa que as notícias do oriente haviam viajado ao ocidente e depois
descido através da Síria e Palestina para chegar ao rei enquanto ele estava no Egito. Embora os
historiadores não saibam quais foram essas notícias, fica claro que elas desagradaram muito a Cambises.
Ele saiu furioso com suas forças para retificar a situação (vers. 44). Ao voltar a traçar seu caminho rumo ao
norte, cruzou novamente por Judá. Enquanto passava por esse território, acampou no caminho. A
localização que se dá foi "entre os mares e o monte glorioso e santo" (vers. 45). Ele não chegou ao monte
santo, Monte Sião, em Jerusalém; apenas levantou suas tendas em direção a ele. A localização real de seu
acampamento foi a planície costeira de Sarom "entre os mares e o monte glorioso e santo". Seu alvo não
era Jerusalém; sua intenção era retornar ao norte, de onde havia vindo e de onde se originaram as más
notícias. Mas ele teve que enfrentar sua própria morte enquanto acampava em Judá. Isso viria sem
intervenção humana. Não chegaria a ele em batalha, e ninguém poderia ajudá-lo a evitar essa tragédia
pessoal (vers. 45).
Enquanto Cambises estava acampando na planície de Sarom, morreu como resultado de uma ferida auto-
infligida, após ter cravado sua espada na coxa. Entre os historiadores modernos, as interpretações desse
evento diferem. Alguns dizem que foi uma tentativa de suicídio; outros dizem que foi um acidente. Seja qual
for a causa, Cambises morreu após vinte dias, e nenhum de entre as tropas de seu poderoso exército pôde
ajudá-lo. Se parafrasearmos as palavras de Daniel, podemos dizer que Cambises chegou ao fim, mas
ninguém pôde ajudá-lo (vers. 45). Os antigos viam isso como um castigo de Deus. Cambises foi
considerado como um homem desequilibrado pelas pessoas de seu tempo, e um de seus atos mais
controversos foi que quando entrou no Egito, cravou um punhal na coxa do touro sagrado Apis, causando-
lhe a morte. Portanto, quando ele também se feriu no mesmo lugar, fosse por acidente ou de propósito,
isso foi visto como um ato de justiça retributiva.
150
A BATALHA DO FIM DOS TEMPOS
Todos os eventos descritos em Daniel 11:40-45 ocorreram de forma literal na vida, experiência e morte de
Cambises, o rei persa. Mas neste ponto do curso da profecia, não estamos mais lidando com tempos
antigos. Agora estamos lidando com o tempo do fim ("ao cabo do tempo", 11:40). Os poderes envolvidos já
não são um rei persa literal e um rei egípcio literal. Estes se tornaram símbolos das potências que atuarão
no tempo do fim. Essas potências são as que já identificamos como o papado (o rei do norte) e o ateísmo
(o rei do sul). De alguma forma, o poder religioso da igreja romana ganhará algum tipo de vitória sobre as
forças do ateísmo antes do fim do tempo (vers. 43). Mas enquanto desfruta os frutos dessa vitória tão breve,
surgirão desafios mais sérios no oriente (vers. 44), pois os reis do oriente virão em marcha, segundo o livro
do Apocalipse (Apoc. 16:12). Apocalipse também fala dessa última batalha espiritual em termos literais,
situando-a em Armagedom (16:16), ou "o monte de Megido". Megido está localizado também entre os
mares e o monte glorioso e santo. O papado é um dos poderes espirituais que estará envolvido nessa última
batalha espiritual.
A planície de Sarom está localizada apenas ao sul de Megido, e essa planície conduz à área montanhosa
do Monte Carmelo, que intersecta Megido e a planície de Sarom. Foi nessa planície geográfica literal de
Megido que Cambises acampou quando morreu. Foi nesse mesmo monte onde, em tempos bíblicos
anteriores, ocorreu a competição entre o verdadeiro Deus e os falsos deuses de Baal (1 Reis 18). Esse tipo
de luta espiritual se repetirá nos tempos modernos, mas não será uma batalha física literal sobre uma
montanha geográfica (vers. 45). A antiga competição simboliza o conflito final espiritual que ocorrerá em
escala mundial. Dessa batalha final, Cristo e seu exército celestial sairão vitoriosos. Satanás e todas as
suas hostes serão derrotados nessa grande batalha final na Terra. Essa batalha está descrita em Apocalipse
19:11-21. Apocalipse 16 só descreve os preparativos para a batalha de Armagedom. Apocalipse 19
descreve a batalha real do grande dia do Deus Todo-Poderoso, e Cristo triunfará! O curso de ação dessa
batalha foi descrito aludindo à experiência de Cambises na antiguidade. Este moderno Cambises também
falhará, assim como ocorreu ao antigo Cambises. Nesse ponto, os poderes da Terra e seus reinos se
converterão nos reinos do nosso Deus e de seu Cristo. Isso nos leva à última cena desta profecia, a qual se
encontra nos primeiros quatro versículos de Daniel 12.
Como se pode observar em vários lugares de Daniel 11, "levantar-se" ou "parar" se refere a assumir o reino.
O verbo hebraico usado em Daniel 11:2, 3, 4, 7, 16, 20, 21 significa "levantar-se", "parar", "aparecer", e em
todas essas instâncias se refere a um novo rei que entra em cena ao momento de ascender ao trono e se
tornar o novo governante (veja também Daniel 7:24; 8:23). Isso é o que Miguel, o representante de Deus,
faz agora.
Então, em Daniel 12:1, Miguel entra em cena para assumir o governo em resposta ao que foi feito em nome
de todos os reis anteriores que se levantaram em Daniel 11. Aqueles eram reis terrenos, mas agora o
governante do céu tomará o controle e constituirá uma classe de reino muito diferente, um reino que agirá
sob os princípios da justiça. Miguel é o "grande príncipe" (12:1) que governa sobre todo o exército celestial
e que cuida do povo de Deus na Terra. Como sabemos graças a Judas 9 e Apocalipse 12:7, Miguel é Cristo.
Aparece em muitos lugares na Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento, com vários títulos que
151
expressam suas distintas funções no plano de salvação. O nome Miguel é utilizado particularmente em
situações onde há algum conflito sobre o povo de Deus. Miguel vem para lutar por eles, protegê-los e livrá-
los. Essa também é a função aqui em Daniel 12:1-4. As coisas vão piorar antes de melhorar. "E haverá
tempo de angústia, qual nunca houve desde que houve nação até aquele tempo" (12:1). Ao chegar à sua
conclusão a grande controvérsia entre Cristo e Satanás, o inimigo fará todo o possível para desviar e
destruir o povo de Deus, mas não terá sucesso. Miguel, que luta por seu povo, se adiantará para livrá-los.
"Naquele tempo será salvo teu povo, todo aquele que for achado escrito no livro" (12:1).
A referência a este livro celestial é interessante. Quando o julgamento se instaurou em Daniel 7, "o Juiz se
assentou, e os livros foram abertos" (vers. 10). A referência ali está no plural: livros. Aqui (12:1) a referência
está no singular. A revisão dos livros no julgamento de Daniel 7 leva à lista dos nomes presentes no livro
mencionado no capítulo 12. Este livro não é outro senão o mencionado em Apocalipse 17:8 e 21:27 como
o livro da vida do Cordeiro. Deus conhece seu povo e o cuida com grande consideração. O Senhor os
libertará dos tempos problemáticos que estão por vir.
Dois grupos de pessoas são identificados em 12:2: os justos e os ímpios. Os justos que dormem no pó
serão ressuscitados para a vida eterna. Os ímpios também vão ressuscitar, mas para a vergonha eterna,
não para a vida eterna. Quando finalmente forem destruídos no lago de fogo descrito em Apocalipse 20:14,
15, todos poderão ver que sua sentença e castigo foram justos (Fil. 2:10, 11). Os adventistas do sétimo dia
tomaram Daniel 12:2 como referência a uma ressurreição especial que ocorrerá pouco antes de Jesus vir.
Esta ressurreição especial foi sugerida devido aos ímpios que se levantam nessa ocasião. A ressurreição
geral dos ímpios ocorre no final do milênio (Apoc. 20:5-10) e não na segunda vinda. Mas há uma classe
especial de ímpios identificados como aqueles que o traspassaram (Apoc. 1:7), que se levantarão justo
antes da vinda (Dan. 12:2). Este será um grupo especial que se opôs a Cristo pessoalmente. Junto com esta
classe especial de ímpios há uma classe especial de justos que serão ressuscitados ao mesmo tempo.
Isso dará cumprimento à bênção especial pronunciada sobre aqueles que morreram durante a
comunicação da mensagem dos três anjos (Apoc. 14:13). De modo que a promessa da ressurreição desta
profecia pode ser considerada tanto em um sentido especial quanto em um sentido geral.
Os resultados também são claros. São declarados mediante um belo paralelismo poético hebraico em
Daniel 12:3: "Os entendidos resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos ensinam a
justiça, como as estrelas sempre e eternamente".
A primeira linha desta estrofe poética se refere à intensidade com que os santos serão glorificados. A
segunda linha se refere à duração de tal glorificação, por "perpétua eternidade". Anteriormente na profecia,
encontramos aqueles poderes terrenos que tentaram afastar muitos do pacto e da justiça (Dan. 11:32-35),
mas agora aqueles que agiam na direção contrária virão ao primeiro plano, e seus oponentes
desaparecerão na insignificância. O livro de Daniel nunca descreve o reino futuro de Deus em detalhe,
como o faz o livro de Apocalipse (capítulos 21 e 22). Aqui, no entanto, pode-se obter uma noção da glória
que envolverá os santos do Altíssimo quando finalmente entrarem no reino tão longamente prometido e
profetizado.
O monarca deste grande reino futuro é identificado como Miguel, porque ele é quem se levanta para
receber o poder desse reino (12:1). Este simbolismo pode ser comparado com Daniel 7:13, 14, onde a figura
que toma o trono desse reino futuro é "um como o filho do homem". Em nossa discussão desse capítulo,
identificamos o Filho do homem como Jesus Cristo. O livro de Apocalipse diz que haverá dois governantes
nesse reino futuro, porque o Senhor Deus Todo-Poderoso estará sentado no trono junto com o Cordeiro
(Apoc. 22:3). Deus o Pai e Deus o Filho estarão sentados no trono. Onde está Miguel, que se levanta aqui
para tomar o reinado? Isso o converte no mesmo Filho do homem. O governante desse reino futuro é o Filho
do homem, e esse Filho do homem é Miguel, de acordo com o paralelismo do livro de Daniel.
Isso traz à tona a comparação entre Miguel em Daniel 10:13 e Miguel em Daniel 12:1. Trata-se do mesmo
indivíduo, e Miguel age de formas similares nessas duas narrativas. Mas os dois relatos indicam tempos
muito diferentes. Daniel 10 está localizado no tempo local da Pérsia e tem a ver com um problema local do
152
povo de Deus no tempo do profeta. Em Daniel 12, vemos uma perspectiva de Miguel no fim dos tempos e
do papel que desempenhará nesses eventos finais. Sua função é similar; estava lutando a favor e
protegendo o povo de Deus no passado, e fará a mesma atividade pelo povo de Deus no fim dos tempos.
Com razão lhe é conferido o domínio sobre os santos por toda a eternidade, porque ele lutou com eles e
por eles durante sua peregrinação terrena aqui e agora.
É importante destacar neste ponto que 12:4 alega que o livro de Daniel seria selado "até o tempo do fim".
Retornaremos a esse ato de fechar e abrir depois de nossa discussão dos versículos 5-12.
Daniel 11 nos ajuda a situar essa perseguição em seu contexto histórico. No fluxo de eventos do capítulo
11, a perseguição ocorre durante o que é conhecido como a Idade Média da era cristã. Os três tempos e
meio estão usando símbolos de tempo em que cada "tempo" equivale a um ano (Dan. 4:16, 23, 25, 32;
Apoc. 12:6, 14; 13:5). Cada ano profético contém 360 dias, um número redondo baseado no calendário
lunar irregular dos judeus. Portanto, o livro de Apocalipse equipara os três tempos e meio (Apoc. 12:14) a
1.260 dias (12:6) ou quarenta e dois meses (13:5). Nas profecias apocalípticas, um dia de tempo profético
simbólico equivale a um ano histórico (Eze. 4:6; Núm. 14:34). Isso quer dizer que aqui em Daniel 12:7
estamos lidando com um período histórico de 1.260 anos. Em nossa discussão anterior de Daniel 7,
datamos esse período do ano 538 d.C., quando a cidade de Roma e o bispo de Roma foram libertados da
153
interferência pagã, até 1798 d.C., quando o bispo de Roma foi deposto pelas forças francesas. Esse período
profético é reconfirmado aqui neste último capítulo de Daniel, então permanece como um marco profético
tanto neste livro quanto no Apocalipse, onde é reutilizado.
Também há uma indicação em Daniel 11 a respeito de quando, em geral, esse período de tempo profético
deveria ocorrer. Nesse capítulo, o "tempo do fim" não começa até o versículo 40. Então, a perseguição dos
versículos 32-35 tem que ocorrer antes do tempo do fim. Isso a situa bem no coração da Idade Média, que
é onde ocorreu essa perseguição datada de 538 a 1798 d.C.
OS 1.290 DIAS
O segundo período de tempo mencionado em Daniel 12 encontra-se no versículo 11: "E desde o tempo em
que for tirado o sacrifício contínuo até a abominação desoladora, haverá mil duzentos e noventa dias".
Portanto, progredimos matematicamente de 1.260 dias para 1.290 dias. Os eventos deste período de
tempo também são descritos em Daniel 11:31. Novamente, o evento é descrito em Daniel 11, mas a data
é apresentada em Daniel 12. Os eventos descritos tanto em Daniel 11:31 quanto em Daniel 12:11 incluem
a suspensão do "contínuo" (do hebraico, tamid) e o estabelecimento da "abominação desoladora". O
mesmo poder observado aqui estava presente no episódio de perseguição descrito anteriormente. O chifre
pequeno, o poder perseguidor de Daniel 7:25 e 8:10, reaparece em Daniel 11 sob o título de rei do norte.
Em todos esses versículos, o mesmo poder é visto fazendo a mesma obra.
Como devem ser delimitados os 1.290 dias? Devido à natureza dos eventos que ocorreram em 1798 d.C.,
quando o papado, o chifre pequeno, recebeu sua "ferida mortal" momentânea (Apoc. 13:3) e foi removido
do cenário histórico por um tempo, essa data deve marcar o fim tanto dos 1.290 dias quanto dos 1.260
dias. Foi nesse tempo que a substituição medieval do ministério celestial de Cristo recebeu um sério golpe
com a perda temporária de poder e prestígio do papado. Portanto, temos que estender os 1.290 dias mais
para trás dessa data, de modo que iniciem 30 anos antes do começo dos 1.260 dias. Se subtrairmos trinta
anos de 538 d.C., chegamos à data de 508 d.C. Que evento importante ocorreu nesse ano para marcar o
início dos 1.290 dias-anos?
Na Europa, um dos eventos mais significativos que ocorreram nesse ano foi a conclusão da guerra entre
Clóvis, rei dos francos (mais tarde França), e os visigodos, que foram derrotados e forçados a se retirarem
para a Espanha. As outras conquistas de Clóvis cobriram as duas décadas anteriores, com a derrota dos
visigodos sendo a última delas. Em seguida, Clóvis foi batizado e, como Constantino, fez suas tropas
marcharem até o rio, e enquanto o atravessavam, fez com que o bispo os declarasse cristãos. Essas
batalhas de Clóvis também tinham implicações religiosas, já que alguns dos poderes derrotados, como os
visigodos, eram cristãos arianos. Os arianos acreditavam que Cristo era um ser criado, e essa perspectiva
era anátema para o bispo de Roma. A relação se solidificou com o batismo de Clóvis e suas tropas. Dessa
forma, Clóvis se tornou, por assim dizer, um novo Constantino.
Dois elementos de consideração se uniram aqui: (1) A combinação do braço político do Estado e o braço
religioso da Igreja; e (2) o uso dos braços do Estado para alcançar os fins da Igreja. Com a derrota dos
visigodos, cristãos arianos hereges, a Igreja fez uso do poder militar do Estado para impor seu dogma.
Nesse contexto, os três chifres que o chifre pequeno papal arrancou da cabeça da besta que representava
a Roma imperial (Dan. 7:8) podem ser vistos como os seguintes três poderes: os vândalos em 534, os
visigodos em 508 e os ostrogodos em 538. Essas foram vitórias para os imperadores franco e romano, mas
também vitórias teológicas para o bispo de Roma. O primeiro desses chifres foi arrancado em 508, no início
dos 1.290 dias; o último dos três foi arrancado em 538, no início dos 1.260 dias.
Portanto, o estabelecimento da abominação desoladora de Daniel 12:11 pode ser visto como a união da
Igreja e do Estado e o que a Igreja se propôs a alcançar através do poder do Estado. Isso teve o efeito de
eclipsar o verdadeiro ministério de Cristo como nosso Sumo Sacerdote no Santuário celestial (compare
154
com 11:31; 8:11-13). Os olhos da humanidade foram redirecionados do céu para a Terra para se
concentrarem no poder religioso terrestre que agora se levanta no lugar do grande Sumo Sacerdote no céu.
Por essa razão, títulos como "Vigário do Filho de Deus" que foram assumidos por esse poder terrestre,
tomam grande importância teológica; eles obscureceram a verdade sobre o plano de salvação realizado
no santuário celestial. Dessa forma, o "contínuo" [ou "diário"], o ministério celestial de Cristo, foi tirado
quando foi removido da visão humana por essa potência religiosa após sua consolidação de poder no ano
508 d.C.
Mas essa desvio da visão da humanidade do verdadeiro Sacerdote celestial não duraria para sempre.
Chegaria ao fim após 1.290 anos, como foi predito pela profecia de tempo em Daniel 12:11. A data para
essa transição ocorreu com a deposição do papa pelas tropas francesas em Roma em fevereiro de 1798. É
interessante notar que o mesmo poder que iniciou esse processo dos 1.290 dias, os francos, também foi o
poder (França) que trouxe esse processo ao fim ao término dos 1.290 dias-anos. Quando a França caiu na
revolução em 1789, o papado perdeu seu maior apoio na Europa. Não muito tempo depois, esse primeiro
suporte se voltou contra a instituição que inicialmente havia apoiado e a levou a um fim temporário.
OS 1.335 DIAS
O último período de tempo de Daniel 12, os 1.335 dias no versículo 12, pertence a um âmbito diferente.
Este período de tempo não está relacionado com a obra do chifre pequeno. O chifre pequeno deu origem à
perseguição e ao obscurecimento do ministério celestial de Cristo, mas os 1.335 dias têm outro ponto de
referência. É pronunciada uma bênção sobre as pessoas que chegam ao final desse período de tempo
profético. Esta é uma obra de natureza diferente, a obra de Deus, porque Ele é quem confere essa bênção
à humanidade. Que bênção foi essa e quando ocorreu ou começou?
Como temos uma sucessão de períodos de tempo profético neste capítulo, os 1.260 dias (três tempos e
meio), os 1.290 dias e os 1.335 dias, é lógico pensar que os pontos de início também estejam relacionados
entre si. Os 1.260 dias começaram em 538 d.C. O início dos 1.290 dias remonta a 30 anos antes dessa data,
em 508 d.C. Como o próximo período é o de 1.335 dias, faz sentido correlacionar sua data de início com o
começo da profecia de tempo anterior, no ano 508 d.C. Se adicionarmos os 1.335 dias-anos a 508 d.C.,
chegamos ao ano 1843. Nos primeiros escritos adventistas, essa data foi tomada para representar o tempo
da pregação millerita, quando se anunciou que o fim dos 2.300 dias-anos de Daniel 8:14 viria no ano
1843/1844 e finalmente se estabeleceu o dia 22 de outubro de 1844 como a data do cumprimento. Aqui
em Daniel 12:12 temos um período de tempo profético que finalizou em 1843. Portanto, ambos os eventos
estiveram muito próximos no tempo.
De fato, esses dois períodos de tempo profético se sobrepõem. O último ano da profecia dos 2.300 anos
de Daniel 8:14 se estende do outono de 1843 ao outono de 1844, conforme o calendário judaico de outono
a outono que os judeus usavam para seus registros cronológicos. Nós calculamos os 1.260 e os 1.290 dias-
anos segundo o calendário romano porque esse era o poder que exercia seu domínio e autoridade nesse
tempo. Esses anos romanos (juliano-gregorianos) começam em janeiro e se estendem até dezembro. Isso
quer dizer que os últimos quatro meses (setembro a dezembro) do ano 1.335 se sobrepõem com os
primeiros quatro meses do calendário judaico desse ano. Em outras palavras, esses dois períodos de
tempo profético finalizam muito perto um do outro, dentro do mesmo período de doze meses: os doze
meses que levam ao dia 22 de outubro de 1844. Esta é outra forma de dizer que os 1.335 dias na verdade
nos levam ao fim dos 2.300 dias e que deveriam ser vistos como se sobrepondo ou coincidindo com os
2.300 dias em seu ponto final. O grande evento que ocorria nesse momento era o julgamento que começou
no céu (Dan. 7:9, 10; 8:14a, veja especialmente o comentário sobre 8:14 mais acima). A bênção, então,
recai sobre aqueles que chegam a esse importante evento na história da salvação.
Uma bênção similar é encontrada em um ponto equivalente no tempo no livro de Apocalipse. "Ouvi uma
voz do céu dizendo: Escreve: Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o
155
Espírito, para que descansem dos seus trabalhos, pois as suas obras os acompanham" (Apoc. 14:13). O
contexto dessa bênção deve ser notado. Está precedida imediatamente pelas mensagens dos três anjos.
Sabemos que essas são mensagens do tempo do fim porque resultam na segunda vinda de Cristo em
Apocalipse 14:14-18. A primeira dessas três mensagens do tempo do fim anuncia o julgamento de Deus
(Apoc. 14:6, 7). Esse foi o julgamento que começou ao fim dos 2.300 dias, conforme Daniel 8:14. Daniel
12:12 pronuncia uma bênção sobre as pessoas que conseguiram chegar a esse grande evento, e
Apocalipse 14:13 pronuncia uma bênção sobre as pessoas que vivem e morrem por Deus durante o tempo
desse julgamento. As duas bênçãos desses dois livros estão relacionadas entre si e são historicamente
contínuas uma com a outra. A bênção final que o povo de Deus receberá já foi descrita em Daniel 12:1-3; é
a libertação das tribulações do tempo do fim por Miguel e uma entrada abundante e gloriosa em seu reino
no além.
Devido à Revolução Francesa (que para muitas pessoas parecia o começo do fim do mundo), a primeira
metade do século XIX foi um tempo de intenso estudo das profecias. A Conferência de Albury Park na
Inglaterra, em 1826, marcou um ponto alto nesse interesse. As reuniões campestres milleritas na América
do Norte focaram intensamente nas mesmas profecias apocalípticas de Daniel e Apocalipse. Elas eram
vistas como estando prestes a se cumprir. Nesse sentido, o livro de Daniel teve seus selos removidos
naquele momento preciso, no tempo do fim (12:4). Diversas peças do quebra-cabeça haviam se juntado
antes, mas agora as profecias de Daniel se levantavam em toda a sua esplendente glória como uma
revelação da presciência do verdadeiro Deus que se estendia até o tempo do fim.
O livro encerra com a promessa a Daniel de que ele estará entre os que se levantarão naquele dia final para
receber sua parte na herança do povo de Deus (12:13). Esta é uma promessa bem-aventurada oferecida a
todos os que oferecem sua lealdade a Miguel, o Filho do Homem, o Cristo de Deus.
156
CAPÍTULO 13
Nosso estudo do livro de Daniel nos permitiu percorrer uma considerável quantidade de história e profecia,
muitas vezes entrelaçadas. Analisamos a história na qual Daniel participou ou que observou no século VI
a.C. Também vimos as profecias que começaram em seu tempo e que chegaram até os nossos dias e além.
Mas existe outro aspecto do livro de Daniel e das experiências que registra: o elemento espiritual pessoal.
Qual foi a relação espiritual de Daniel com Deus? Sabemos que foi uma relação forte e sólida, caso
contrário Deus não o teria escolhido para ser profeta. Mas podemos dizer algo mais a respeito disso? Há
algo que podemos aprender da relação pessoal de Daniel com Deus? Gostaria de sugerir que sim.
Quando estudamos a progressão das revelações acerca de Deus no livro e na experiência de Daniel,
podemos observar um desenvolvimento gradual do propósito de Deus para o profeta. Essa progressão na
revelação e na experiência espiritual fornece um modelo para nossa própria peregrinação com Deus.
DANIEL 1
Deve ter sido muito penoso percorrer mais de seiscentos e quarenta quilômetros a pé de Jerusalém a
Babilônia como prisioneiros das tropas de Nabucodonosor. Devem ter existido muitas ocasiões durante o
caminho em que Daniel e seus amigos se perguntaram: "Onde está Deus em tudo isso?" Teria sido fácil se
sentir desanimados e desmoralizados, mas eles não cederam à tentação. Mesmo depois de chegarem a
Babilônia e serem matriculados na escola local, estavam dispostos a permanecer fiéis à verdade e ao
verdadeiro Deus. Ainda estavam dispostos a manifestar sua fé sem se importarem com as consequências.
No entanto, em tudo isso, Deus se ocultou de sua vista. Não tiveram nenhuma visão direta ou sonhos que
os encorajassem durante seu cativeiro e seus estudos em Babilônia. Mas Deus estava com eles, embora
não o vissem. Três vezes em Daniel 1 o texto diz que Daniel e seus companheiros foram abençoados. Deus
os abençoou com favores à vista dos funcionários que os atendiam e, portanto, puderam obter a dieta que
preferiam (vers. 9). Isso produziu uma aparência e um desempenho superiores aos de seus colegas.
(Incidentalmente, você acha que Daniel e seus três amigos foram os únicos cativos hebreus matriculados
naquela escola?)
Deus também os abençoou com conhecimento e entendimento de todo o material que estudaram (vers.
17). Finalmente, Deus lhes deu graça para demonstrar essas qualidades quando estivessem diante do rei
(vers. 18). Embora Deus não lhes tenha dado uma revelação direta durante esse período, ainda assim
estava com eles, embora oculto.
DANIEL 2
A primeira revelação de importância do livro ocorreu durante os eventos descritos no capítulo 2. Mas essa
revelação não foi dada diretamente a Daniel ou a seus amigos. Foi dada a Nabucodonosor, o rei pagão a
quem serviam. Isso criou dificuldades para Daniel e seus amigos. Por enquanto, haviam sido classificados
com os sábios de Babilônia, e como esses sábios não conseguiram revelar ao rei o sonho e sua
interpretação, a vida de Daniel e seus amigos estava em perigo, juntamente com a dos outros sábios. Os
quatro hebreus foram a Deus em oração, e que fervorosa sessão de oração deve ter sido aquela! Raramente
tivemos que orar como se nossas vidas dependessem disso. Deus foi muito generoso e deu a Daniel
exatamente o conhecimento que o rei queria. Ele e seus amigos, e todos os sábios de Babilônia, foram
157
salvos. Devemos notar aqui, no entanto, que quando as revelações do livro de Daniel começaram, a
primeira delas foi dada diretamente ao rei. Daniel serviu como o sábio inspirado que interpretou o sonho
para o rei com a ajuda de Deus. No que diz respeito a Daniel, a revelação foi indireta. Deus deu-lhe o
conhecimento para interpretar o sonho, mas, em última instância, a visão foi para o rei; Daniel serviu como
o canal para transmitir esse conhecimento ao rei.
DANIEL 4
Como Daniel não fez parte da experiência descrita no capítulo 3, não precisamos comentar sobre o modo
de revelação empregado ali. As revelações proféticas são retomadas novamente no capítulo 4. Ali
encontramos a mesma situação que em Daniel 2. O rei teve um sonho, e Daniel chegou para interpretá-lo.
O rei sonhou com uma árvore enorme que representava o próprio Nabucodonosor. A árvore foi cortada, o
que representava o período de loucura de Nabucodonosor. Finalmente, o rei foi restaurado e reconheceu
que o Deus do céu está no controle dos assuntos terrestres, incluindo aqueles que concerniam ao reino de
Nabucodonosor e sua própria vida. O papel de Daniel, novamente, foi servir como o sábio inspirado que
interpretou o sonho para o rei. Foi uma revelação direta para Nabucodonosor; foi indireta para Daniel. O
caso é diretamente paralelo ao que ocorreu em Daniel 2. Até este ponto do livro, temos o capítulo 1 em que
Deus se mantém oculto, embora obviamente atue em favor de seus filhos, e os capítulos 2 e 4 onde o rei
recebeu a primeira revelação e Daniel serviu como o sábio inspirado que interpretou o sonho para ele.
DANIEL 7
Esta profecia veio a Daniel no primeiro ano de Belsazar, por volta do ano 550 a.C. Isso foi algum tempo antes
dos eventos de Daniel 5 e 6, que podem ser datados nos anos 539 a.C. e 538 a.C., respectivamente.
Belsazar era o último dos reis do Império Neobabilônico antes que este caísse diante dos persas. Mas,
neste caso, o sonho não veio a Belsazar. Ele veio diretamente a Daniel. Veio exatamente como os sonhos
tinham vindo a Nabucodonosor anteriormente. Nabucodonosor havia tido sonhos à noite enquanto dormia
em sua cama. Na manhã seguinte, quando acordava, não podia lembrar-se do sonho; Daniel tinha que
fornecer o sonho assim como a interpretação. Neste caso, no entanto, o sonho veio diretamente a Daniel
enquanto ele dormia em sua cama. E ele não esqueceu o conteúdo do sonho. Na manhã seguinte, acordou
pronto para escrever o que tinha visto no sonho. O modo de revelação foi o mesmo, um sonho noturno, mas
o receptor designado foi diferente. Nos dois casos anteriores, o sonho foi dado ao rei pagão e Daniel tinha
que ir interpretá-lo. Agora, o sonho vinha diretamente a Daniel, sem intermediário algum.
Pode-se dizer que, nesta ocasião, Daniel se tornou oficialmente um profeta. Anteriormente, ele havia
servido como sábio inspirado na corte; agora, erguia-se livre e independente como profeta. A visão do
capítulo 7 foi, essencialmente, seu chamado ao ofício profético. Outro aspecto deste sonho profético foi
que dentro do mesmo, enquanto estava em visão, um anjo intérprete foi enviado a Daniel. Anteriormente,
ele não tinha tido um intérprete assim. Em 7:9-14, sua visão foi elevada ao tribunal celestial, e enquanto o
profeta observava, ele diz: "Aproximei-me de um dos que estavam ali perto, e perguntei-lhe a verdade
acerca de tudo isto" (vers. 16). Em visão, o anjo lhe falou e lhe deu a explicação. Isso marca um avanço na
experiência de Daniel em relação aos dois casos anteriores. Agora, a revelação foi dirigida especialmente
a Daniel, e um intérprete angelical lhe foi dado dentro do mesmo sonho noturno para explicar-lhe os
símbolos da visão.
DANIEL 8
A visão neste capítulo foi de natureza diferente. A Daniel não foi dado um sonho enquanto ele jazia em sua
cama. Em vez disso, ele foi tirado de suas atividades diárias e transportado em visão para a província de
158
Elão, ao leste da Babilônia. Lá, o profeta observou o surgimento da Pérsia por meio do símbolo do carneiro,
seguido pelo levantamento da Grécia por meio do símbolo do bode que vinha da direção oposta. Depois
vieram os quatro chifres e o chifre pequeno, e finalmente, a promessa dos dois anjos que falavam sobre os
2.300 dias. Nesta visão, Daniel foi transportado para o leste até Elão, assim como Ezequiel foi transportado
para o oeste até Jerusalém. Isso não significa que qualquer um dos dois foi transportado fisicamente; foram
transportados em visão. Depois que Daniel tinha visto e ouvido a visão de Daniel 8, um anjo intérprete foi
enviado a ele. Mas o anjo não apareceu dentro da visão, como os dois anjos que falavam sobre os 2.300
dias na visão anterior. Em vez disso, Gabriel foi enviado ao profeta de forma pessoal, corporal e audível.
Enquanto Daniel estava em um sono profundo, tendo sido sobrecarregado pela majestade e os eventos da
visão, Gabriel o tocou e lhe deu forças para que pudesse se levantar e ouvir a explicação do anjo. Neste
caso, portanto, o modo de apresentação da visão se tornou mais direto. Daniel foi o receptor direto da visão
e um anjo veio diretamente a ele para interpretá-la. Deus estava se aproximando cada vez mais de Daniel
à medida que o profeta continuava seu fiel caminhar com o Senhor.
DANIEL 5
Quanto à ordem do livro, precisamos voltar ao capítulo 5 para entender a transição do reino babilônico para
o reino persa. Daniel 5 descreve a noite em que Babilônia foi derrubada pelos persas e nos conta o que
estava acontecendo no palácio naquele momento. Uma mão sem corpo apareceu e escreveu na parede
do palácio uma mensagem para o rei e as pessoas presentes no banquete. Somente Daniel foi capaz de
interpretar a escrita. A escrita na parede significava que o reino de Belsazar, o Império Neobabilônico, havia
chegado ao fim e que os persas tomariam o controle. Nesse caso, o modo de revelação foi visível para todos
os participantes que estavam presentes. Eles viram a mão escrever e a mensagem escrita, mas não
puderam lê-la ou entendê-la. Tratava-se de uma mensagem enviada diretamente por Deus através de um
de seus anjos. Foi a presença direta de um anjo que colocou a mensagem na parede. A revelação não veio
através de um sonho ou visão; veio através da aparição pessoal do anjo. Isso é muito semelhante à segunda
metade de Daniel 8, onde um anjo vem diretamente a Daniel para interpretar a visão. No capítulo 5, Daniel
serviu como o intérprete da escrita que previa a queda do reino naquela mesma noite.
DANIEL 9
Na ordem cronológica do livro, os eventos do capítulo 9 ocorrem depois dos do capítulo 5. A oração de
Daniel e a profecia de Gabriel, conforme registradas neste capítulo, ocorreram em algum momento durante
o primeiro ano de Dario, o medo, ou no ano 538 a.C., que também foi o primeiro ano após a queda de
Babilônia para os persas. O que aconteceu aqui guarda considerável semelhança tanto com a última
metade de Daniel 8 quanto com a revelação em Daniel 5. Em ambos os casos houve uma aparição pessoal
de um anjo. O mesmo ocorreu aqui no capítulo 9, mas existem algumas diferenças. Em Daniel 8, uma visão
precedeu a interpretação do anjo. No capítulo 9, não houve uma visão anterior, embora o anjo tenha
começado sua profecia interpretativa fazendo referência à visão do capítulo 8. Em Daniel 5, a escrita do
anjo foi dirigida a toda a audiência presente no salão de banquetes. No capítulo 9, a profecia foi dirigida
apenas a Daniel, para ser dada por ele à sua própria geração e às seguintes. Portanto, os capítulos 5, 8 e 9
contêm o mesmo tipo de revelação - a aparição pessoal de um anjo - mas as circunstâncias foram
diferentes em cada caso. No capítulo 9, o foco se centra mais diretamente em Daniel; aqui temos uma
mensagem profética dada diretamente a Daniel de maneira oral e sem nenhuma outra pessoa presente
como audiência.
Em Daniel 1, não houve revelação direta de Deus, ele permaneceu oculto, embora ativo nos bastidores. Em
Daniel 2 e 4, Deus operou indiretamente através dos sonhos de um rei pagão, os quais Daniel interpretou
como um sábio inspirado. Agora em Daniel 5, 8 e 9, há aparições pessoais de um anjo: uma vez com uma
escrita, outra vez com uma visão de dia e uma vez diretamente com comunicação oral. Portanto, vemos
159
uma progressão no modo de revelação de Deus ao tratar com Daniel de maneiras cada vez mais diretas e
pessoais. Mas um anjo não é Deus, é apenas um servo de Deus. Será que Daniel alguma vez verá a Deus
antes de terminar seu ministério profético? Esse grande clímax vem na última profecia do livro.
DANIEL 10
Os capítulos 10, 11 e 12 formam uma unidade. O capítulo 10 é a introdução à profecia dada pelo anjo
Gabriel; o capítulo 11 é o corpo da profecia; e o capítulo 12 é o epílogo. Daniel 10 é datado no terceiro ano
de Ciro, ou 535 a.C. Daniel já era um ancião nessa época. Ele havia sido levado em cativeiro em 605 a.C.,
então havia vivido os setenta anos da profecia de Jeremias (Jeremias 25:11, 12) no cativeiro babilônico.
Considerando que ele tinha entre dezoito e vinte anos de idade quando foi levado em cativeiro, Daniel
deveria ter cerca de noventa anos de idade quando recebeu esta revelação final. O corpo da profecia em
Daniel 11 foi entregue oralmente por Gabriel a Daniel, assim como havia feito em Daniel 9. Mas a
introdução à profecia em Daniel 10 é algo novo que não havia sido visto antes no livro de Daniel.
No momento em que recebe esta visão, Daniel se encontrava fora, junto ao rio Tigre. Ele estava orando,
chorando e jejuando devido à interrupção nos esforços do povo de Deus de reconstruir o templo. Agora,
quando Daniel está junto ao rio, agonizando por esta situação, algo dramático acontece:
"Levantei meus olhos e olhei, e vi um homem vestido de linho, com um cinto de ouro puro de Ufaz em volta
da cintura. Seu corpo era como berilo, seu rosto como um relâmpago, seus olhos como tochas de fogo,
seus braços e pés como o brilho do bronze polido, e o som de suas palavras como o estrondo de uma
multidão" (Daniel 10:5-6).
Daniel ficou sobrecogido com a majestosa teofania. Esta foi uma visão, mas a palavra espanhola "visão"
não comunica o significado completo do termo original aqui utilizado. Foi uma visão "mareh", ou seja, uma
visão de aparição. Significa que este Ser se manifestou em uma aparição pessoal diante do profeta. Daniel
já havia sido impressionado por visões anteriores, particularmente Daniel 8. No entanto, esta aparição foi
muito mais poderosa do que qualquer uma que ele havia recebido antes. Esta é uma teofania: uma
aparição de Deus mesmo.
Existem outros dois passagens na Bíblia que apresentam descrições alinhadas com a aparição desse ser
descrita no capítulo 10. Essas duas visões estão em Ezequiel 1 e Apocalipse 1. Em Ezequiel 1, o profeta
reconheceu que o Ser que viu era "a semelhança da glória de Jeová" (Ezequiel 1:28). Em Apocalipse 1, João
virou-se para ver quem lhe falava e reconheceu que estava olhando diretamente para seu Senhor, Jesus
Cristo. Portanto, por meio desses paralelos, sabemos quem apareceu a Daniel junto ao rio Tigre. Com base
no paralelo com Ezequiel 1, sabemos que era Deus, e com base no paralelo com Apocalipse 1, sabemos
que essa manifestação particular de Deus foi Jesus Cristo. Foi Ele quem apareceu a Daniel na planície do
Tigre naquele dia de primavera de 536 a.C.
Este foi o mesmo Deus que havia estado com Daniel durante todos os setenta anos em que o profeta esteve
na Babilônia. Deus trabalhou através dele, a favor dele, inspirando-o e protegendo-o. Caminhou ao seu
lado durante todos os anos em que Daniel serviu ali. Gradualmente, cada vez mais, Deus se revelou a
Daniel nas revelações que lhe concedeu. A maneira dessas revelações mostra como Deus foi se
aproximando cada vez mais de Daniel. Primeiro, não houve nenhuma revelação. Depois, as revelações
vieram através de um rei pagão em seus sonhos noturnos; então vieram por meio de uma visão noturna
dada ao próprio Daniel. Após isso, veio uma visão diurna e um anjo, Gabriel, que começou a aparecer a
Daniel e a comunicar-lhe a palavra profética. Finalmente, perto do fim da vida e do ministério profético de
Daniel, o próprio Deus apareceu a Daniel e lhe disse essencialmente: "Aqui estou, Daniel. Temos
caminhado juntos por esses setenta anos que passaram. Agora quero que vejas Aquele que esteve
caminhando contigo". Daniel conheceu seu Senhor pessoalmente. Deus se aproximou e aproximou até
que, finalmente, revelou seu ser pessoal em toda a sua glória.
160
Quando Daniel descansou em seu leito de morte, como o anjo lhe havia dito que logo aconteceria, ele pôde
fazê-lo com um sorriso no rosto, porque finalmente havia visto seu Senhor pessoalmente. A próxima coisa
que Daniel experimentará será despertar na manhã da ressurreição. Sua ressurreição foi algo que o anjo
lhe prometeu (12:13). Daniel verá esse mesmo rosto glorioso, radiante, sorridente que brilhará sobre ele do
alto; então ouvirá a voz do Doador da vida: "Despertai, despertai, vós que dormis no pó, e levantai-vos". E
Daniel se levantará para caminhar novamente com o Senhor numa jornada que o levará à eternidade.
O caso de Enoque é de certa forma semelhante ao de Daniel neste aspecto, mas Enoque foi trasladado
vivo, enquanto Daniel terá que esperar um pouco mais para desfrutar dessa experiência. No entanto, a
experiência espiritual de ambos tem paralelos. Ellen G. White descreveu como Enoque caminhou com
Deus em palavras muito comoventes que também podem ser aplicadas a Daniel:
"Durante trezentos anos Enoque buscou a pureza da alma, para estar em harmonia com o Céu.
Durante três séculos andou com Deus. Dia após dia ansiou por uma união mais íntima; essa
comunhão se tornou mais e mais estreita, até que Deus o levou consigo. Ele havia chegado ao limiar
do mundo eterno; a um passo da terra dos bem-aventurados; os portais se abriram, e, continuando
seu andar com Deus, tanto tempo prosseguido na terra, entrou pelas portas da cidade santa. Foi o
primeiro dos homens que chegou lá" (Patriarcas e Profetas, p. 75).
Esse tipo de experiência não é apenas para Enoque, nem apenas para Daniel. É também para nós hoje.
Claro, talvez não tenhamos revelações proféticas como as teve Daniel. No entanto, podemos ter uma
relação com Deus na qual nos aproximamos cada vez mais dele dia após dia. Esse deveria ser o curso do
progresso em nossa vida espiritual, como ocorreu com Daniel. Ao nos aproximarmos mais de Deus dessa
forma, entenderemos melhor sua vontade para nossa vida. Também aprenderemos mais sobre seu caráter
e chegaremos a refleti-lo mais plenamente. Ao nos tornarmos mais e mais semelhantes a Deus, as pessoas
perceberão que nós, como os discípulos, estivemos com Jesus.
Daniel ficaria satisfeito em ver isso acontecer em nossas vidas. Quando ele se levantar na ressurreição,
Daniel se alegrará ao saber que seu livro, o livro que Deus lhe deu, nos proporcionou tal esperança, consolo
e inspiração para aqueles de nós que estamos na última geração segundo suas profecias. No reino eterno
de Deus, poderemos continuar o caminhar com Deus que começamos aqui na terra. E à frente dessa
grande multidão estará nosso Senhor Jesus Cristo, nosso líder pela eternidade.
161
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