Um Fake Dating Com Benefícios A Atriz e o Rockstar Tayana Alvez-1
Um Fake Dating Com Benefícios A Atriz e o Rockstar Tayana Alvez-1
Um Fake Dating Com Benefícios A Atriz e o Rockstar Tayana Alvez-1
Prólogo
Ou: Talvez você estivesse errada quanto a sair da terapia.
Beatriz
Capítulo 1
Ou: Essa mulher me odeia? (Pergunta retórica.)
Guilherme
Pasmei.com.br
Capítulo 2
Ou: De todas as vezes que o mundo acabou, essa com certeza é a
mais absurda.
Beatriz
Capítulo 3
Ou: Beatriz Lopes vai ser minha namorada.
Guilherme
@ViciousbondsBrasil
Capítulo 4
Ou: Eu detesto Guilherme Almeida, mas AMO o Elvis Presley.
Beatriz
Capítulo 5
Ou: Beatriz Lopes é minha namorada de mentira, mas inundou a
minha casa de verdade.
Guilherme
Capítulo 6
Ou: 9 semanas. Tudo o que precisamos é de 9 semanas.
Beatriz
@GUIVICIOUS
Pasmei.com.br
Capítulo 7
Ou: Eu devia ter feito um contrato, devia ter colocado: “Proibido se
apaixonar” no contrato.
Guilherme
Pasmei.com.br
Capítulo 8
Ou: 6 semanas. Tudo o que precisamos é de 6 semanas.
Beatriz
Capítulo 9
Ou: Beatriz Lopes ainda vai me matar.
Guilherme
Capítulo 10
Ou: Eu devo ser uma palhaça.
Beatriz
@ViciousbondsBrasil
Capítulo 11
Ou: Atenção: Um namoro de mentira é um namoro que não é real.
Guilherme
@GUIVICIOUS
Capítulo 12
Ou: Eu devia ter feito um contrato. Devia ter colocado “proibido
tentar seduzir sua namorada de mentira” como a cláusula principal
do contrato.
Beatriz
Capítulo 13
Ou: Apaixonado é uma palavra muito forte (para assumir).
Guilherme
Capítulo 14
Ou: Como já diria Dulce Maria: O calor do meu corpo se eleva quase
sem controle só de ver esse homem gostoso. Ou alguma coisa assim.
Beatriz
Capítulo 15
Ou: Como diria meu pai, o não eu já tenho.
Guilherme
Capítulo 16
Ou: Eu te entendo, Olivia Rodrigo, eu também quero arranhar o carro
dele, preparar o almoço pra ele, aí quero partir o coração dele e ser a
pessoa que vai consertá-lo. Então quero beijar o rosto dele e dar um
soco logo depois. E também quero encontrar a mãe dele só pra dizer
a ela que o filho dela não presta!
Beatriz
@QueenBLopes
Capítulo 17
Ou: Quando ela parou de ser a Coisinha e se tornou a Minha Coisinha?
Guilherme
Capítulo 18
Ou: Tulipas vermelhas significam amor verdadeiro e eterno.
Beatriz
Capítulo 19.1
Ou: O pedido é amor, para viagem por favor.
Guilherme
Capítulo 19.2
Ou: RBD marcou vidas lançando Para Olvidarte de mí.
Guilherme
Capítulo 20
Ou: Minha vida é uma fanfic, e o escritor me odeia.
Beatriz
Capítulo 21
Ou: 0-0-11, todo mundo pro ataque.
Guilherme
Capítulo 22
Ou: Eu só o vejo como amigo! Essa é a maior mentira que já contei.
Beatriz
Capítulo 23
Ou: Ela me ama? Ela me odeia? Acho que são altos e baixos…
Guilherme
Capítulo 24
Ou: Você prefere uma verdade que te magoe ou dois reais?
Beatriz
Capítulo 25
Ou: Eu pedi duas camas, senhor. Sinto muito, só temos uma
disponível.
Guilherme
Capítulo 26
O tesão de cinco Olivias Rodrigo performando Get Him Back.
Beatriz
Capítulo 27
Ou: O problema com os segredos é que, com o tempo, eles se tornam
fantasmas.
Guilherme
Capítulo 28
Ou: Me diga, Taylor, por quanto tempo poderíamos ser uma música
triste?
Beatriz
Capítulo 29
Ou: Existem coisas que só Deus pode perdoar.
Guilherme
Capítulo 30
Ou: Gabriella Montez pode até não ser a mocinha que High School
Musical nos fez crer que ela era, mas a gata estava certa: às vezes a
gente precisa seguir nosso próprio caminho.
Beatriz
Capítulo 31
Ou: De volta à estaca zero.
Guilherme
Capítulo 32
Ou: Algumas coisas, só Deus pode perdoar.
Beatriz
Capítulo 33
Ou: When you think of me, I hope it ruins rock 'n' roll.
Guilherme
Capítulo 34
Ou: O show tem que continuar.
Beatriz
Pasmei.com.br
Capítulo 35
Ou: Você nunca vai ser minha, mas eu sou para sempre seu.
Guilherme
Capítulo 36
Ou: Me diz, Taylor Swift, se a história acabou, por que ele ainda está
escrevendo?
Beatriz
@ViciousBondsBrasil
Capítulo 37
Ou: Vou matar meu baterista.
Guilherme
Capítulo 38
Ou: Sim, Taylor Swift, se me chamarem de vadia dessa vez, vai ter
valido a pena.
Beatriz
Capítulo 39
Ou: Para sempre minha garota.
Guilherme
Epílogo
Ou: Made To Never Break
Beatriz
Prólogo
Regra número 1 dos colegas de apartamento: Nunca tome um porre
com a pessoa que você não quer dormir.
Alê
Agradecimetos
Para todos aqueles que perderam alguém na pandemia
ou surtaram por causa do vírus: Um novo dia
amanheceu, se permitam viver de novo.
As pessoas mudam.
Essa frase martela minha mente tentando encontrar
coisas em Guilherme de que eu não goste. Hábitos, palavras
ou manias que eu deteste. Mas elas não estão aqui. Por
mais legal que isso pareça, parte de mim esperava ter “a
nova personalidade dele” como um escudo que eu pudesse
usar para me afastar, ou me defender.
O jantar foi tranquilo. A comida não estava
extraordinária, mas acho que era o melhor que um prato
requentado conseguiria chegar. E o que eu mais gostei, sem
dúvidas, foi que o silêncio entre nós dois não deixou as
coisas estranhas como achei que deixaria.
Na situação que nos enfiamos, cada um tem o
suficiente para pensar. E, mesmo que me incomode admitir,
foi prazeroso me sentar com uma pessoa que fazia parte da
minha vida antiga e comer. Trocar olhares e elogios
esporádicos ao tempero ou à limonada suíça, meu suco
favorito, que ele fez porque também se lembrava disso.
— O story com a sua foto me rendeu noventa
conversas não respondidas no meu celular de trabalho,
milhares de inboxes no Instagram e, nossa, doze chamadas
perdidas, algumas do dono da banda e outras da nossa
babá. — Guilherme me informa, rolando o dedo sobre a tela
enquanto nos jogamos no sofá.
— Quem? — pergunto com medo dele responder que a
banda tem, de fato, uma babá.
— Nosso gerente de turnê.
— Ah. Esse escândalo todo, e eu nem apareço de
fato… — ressalto com o indicador erguido.
A foto é em preto e branco, como eu amo tirar, mostra
só a silhueta de uma mulher, mas todo mundo sabe que sou
eu, eu dentro de roupas que todo mundo sabe que são dele.
Não quebrei a internet brasileira com o meu follow,
mas ele, com certeza, vai quebrar a mundial com esse
story.
— Acho que a gente foi rápido demais nessa coisa da
foto, sabia? Eu meio que não entendo a dimensão da sua
banda, tô com medo de ser agredida quando a gente
terminar — ressalto, e não é brincadeira.
Diferente dele, eu não vou embora do país quando
terminarmos.
— Levando em conta que eu fui no nosso primeiro
término, não me surpreenderia.
— Mas você mereceu as porradas — verbalizo as
palavras que deveriam ficar agarradas na minha garganta.
— Eu me defenderia, mas não tem como — ele diz, e
eu assinto veementemente. — Mas e então, um filme de
Natal ou The Wonders? — Ele me pede para escolher entre
o tipo de filme que eu mais odeio no mundo e nosso filme
favorito da adolescência.
— O que é isso? Cê tá gravando um quadro? “Um
clássico ou filme ruim misterioso”? — pergunto, e Guilherme
abre The Wonders em segundos.
— Pelo menos eu tentei…
— É fevereiro, Principezinho. Pelo amor de Deus —
protesto, colocando a panela, já fria, de brigadeiro entre nós
dois.
— Você só trouxe uma colher mesmo? — Ele observa a
panela com um olhar divertido e o canto direito da boca
levemente curvado.
— Só?! Não tem problema, vou lá buscar outra. — Eu
me levanto de imediato. — Ah, qual é, Coisinha? —
Guilherme segura minha mão, e eu o encaro confusa. —
Somos nós, né? E a gente sempre divide — diz com ternura,
segurando minha mão.
Mas não existe mais “nós”, então me desvencilho de
seu toque, deixando-o surpreso.
— Na real, a gente não vai dividir nada não. Sei lá
onde cê colocou essa boca.
— Beatriz? — Guilherme me chama sem entender.
— Coloca o filme, eu já volto — respondo alto a
caminho da cozinha.
Sete músicas.
Não tenho ideia de como consegui sobreviver a
Guilherme cantando sete músicas sem desviar os olhos dos
meus, mas passei os últimos vinte e um minutos me
recuperando do que quer que tenha significado tudo o que
aconteceu hoje.
Ser a namorada de mentira de alguém desconhecido
deve ser confuso. Você precisa fingir que pensa e sente
coisas que nunca passaram pela sua cabeça e tem de dizer
para você mesma que existem motivos plausíveis para esse
namoro não ser real. Seja lá quais forem.
Mas fingir namorar alguém que você já amou de todo
o coração com certeza é um método de tortura em algum
lugar. Os toques, olhares, as palavras, o sorriso, tudo aquilo
é conhecido e, quando vocês dois são atores, fica ainda
mais difícil perceber o que é verdade e o que é só atuação.
Qual parte de tudo é memória, qual parte é um carinho
pelas lembranças e qual parte é fingimento.
Encaro a Beatriz do espelho sem querer desvendar as
respostas enquanto lavo a mão, sabendo que, se sete
músicas já me deixaram sem chão, não consigo nem me
imaginar em um show de verdade. Além disso, já quero
banir a Vicious Bonds da minha Alexa.
— Você é tão sortuda! — uma garota ruiva de um metro
e meio decreta assim que entra no banheiro, e logo entendo
que não é do meu cabelo em cascata pelas costas que ela
está falando.
A blusa da Vicious Bonds, o boné da Vicious Bonds e
os bottons com a cara dos quatro na alça da mochila me
dizem que ela se referiu ao meu “namoro”.
— Eu?
— Sim. — Ela se aproxima tremendo, e o sorriso é tão
largo que vai dar dor no rosto dela amanhã. — Você foi a
única namorada do Gui e, mesmo depois de todo esse
tempo, vocês ainda se amam tanto… — diz, literalmente
girando seu corpo magérrimo pelo banheiro. — Nossa, não
sei o que eu não daria para estar no seu lugar!
Ah, eu sei. Sua dignidade, seu orgulho, seu senso de
autopreservação, por exemplo… A lista é longa.
— Pois é, quando tem que ser, simplesmente
acontece, né? — Meneio a cabeça sem saber mais o que
falar.
— Cê tira uma foto comigo, Bia? — ela pede, com uma
intimidade maior do que eu pensei que tínhamos. — É pra
postar no perfil da Vicious Bonds Brasil, as meninas vão
surtar quando virem a gente com a namorada do Gui —
explica, como se eu soubesse o que é a Vicious Bonds Brasil
e como se eu fosse o poodle de bolsa do Guilherme. Mas
tudo bem, vamos fazer a garota que queria namorar meu
namorado falso feliz.
Abaixo para ficar da altura dela e sorrio para a tela do
celular. Depois de quatro selfies, a ruivinha consegue uma
na qual está “perfeita”.
Agradeço o momento que ela entra no reservado.
Lavo minha mão sem motivo pela quinta vez e decido entrar
num dos reservados, mesmo que eu não precise usá-lo.
Abro o Instagram para matar os trinta minutos do
meet and greet improvisado dos meninos, que decidiram
atender algumas fãs, mesmo que isso não estivesse no
escopo do evento, e o aplicativo praticamente explode na
minha cara de tanta notificação.
O que me surpreende. Não pelo que acontece, é nosso
primeiro evento como um casal, teria um alarde em torno
dele, com certeza. Mas pelo volume.
Logo que criei a conta, a enxurrada de fãs saudosos
que me recebeu aqueceu meu coração. Depois que eu e
Guilherme “voltamos”, fiquei um tanto receosa quando
montagens de nós dois começaram a ser a maior parte das
minhas marcações, mas ele disse que essas coisas são
normais, e eu acreditei.
Só que ganhar quarenta mil seguidores em uma hora
não me parece normal. Nas minhas marcações só tem
coisas de nós dois: o beijo, sorrisos, ele com o rosto no meu
pescoço ou me observando enquanto cantava.
E quando chego num vídeo no qual estou sorrindo,
cantando alguns dos refrões repetitivos que tinha acabado
de aprender, ou olhando para Guilherme com a mesma
intensidade que ele me olhava, fecho o aplicativo.
Isso foi interpretação, precisamos convencer a todos
e, pelo visto, fizemos isso muito bem.
Sete minutos depois deixo o banheiro, acenando para
os poucos gatos-pingados ainda presentes que tentam me
cumprimentar. Mas ando o mais rápido possível para deixar
claro que estou com pressa. Nenhum dos meninos está pelo
terraço, Alex também não, então caminho até o elevador e
pressiono o andar de baixo, onde fica a sala de reuniões que
eles estão chamando de camarim.
Nem preciso procurar muito, porque três seguranças
de cada lado deixam claro que cheguei à porta que
procurava. Eles até me param na entrada, mas eu os encaro
e, em menos de cinco segundos, sou reconhecida.
— Boa noite, dona Beatriz. A senhora entra, mas o
celular fica — o homem negro alto com um sorriso amarelo
informa.
— O quê? — Rio com o comentário, porque não faz
sentido.
— Na verdade, seu celular fica aqui. — O outro
segurança, um homem branco de cara emburrada, me
indica uma caixa aveludada e com tampa, onde só tem
quatro telefones, provavelmente a caixa da Vicious Bonds.
— Ah, tudo bem. — Tiro o celular da bolsa e, no
mesmo segundo que ele atinge o fundo da caixa, a porta é
aberta.
O ambiente é diferente do que eu imaginava para
uma sala de reuniões. A luz está bem mais baixa do que o
normal, e preciso de dois passos para identificar tudo.
Pôsteres enormes da Vicious Bonds estampam as paredes
dos fundos e da direita, enquanto na esquerda se estende
uma longa mesa de petiscos, frutas e frios.
Alex, a quem fui formalmente apresentada pós-show e
que reconheço pelo terno azul bebê, está nos fundos, no
telefone, aparentemente ele é o único que não pode ficar
sem. Já os meninos estão sentados em roda no meio da
sala, com o staff e algumas garotas, muitas garotas e, no
segundo que encontro Guilherme, sentado na primeira
poltrona da esquerda, com uma lata de cerveja na mão e
uma loira a tiracolo, minha garganta fecha.
A garota não está em cima dele, mas se senta no
braço da poltrona de onde é fácil se insinuar como só uma
groupie fanática com a oportunidade de ouro faria, e ele,
bem, ele não para de sorrir.
Respiro fundo com a certeza de que eu sou mesmo
um acessório. A coisa inconveniente que ele deixa para trás
quando preciso, o poodle de bolsa que ele deixou lá fora e
com o qual pouco se importa de verdade quando está em
“seu habitat”, foi por isso que ele me trocou, não foi?
Nada mais normal do que não se importar agora.
A sala não está exatamente cheia e ninguém reparou
em mim de qualquer jeito, então decido sair por onde entrei
e voltar para o hotel. Já me viram com ele, já fiz aquele
papelão ridículo com o beijo. Ninguém vai duvidar do nosso
relacionamento, a não ser que ele me chifre tão rápido.
Se bem que reza a lenda que todo membro de
boyband é infiel ou gay, então…
Dou os mesmos dois passos para trás, apoio a mão na
maçaneta atrás de mim e a giro, mas, no segundo que a
puxo, ainda de costas para ela com os olhos vidrados nos
risinhos que Guilherme entrega para a moça, uma voz grave
e alta me chama por cima do som ambiente.
— Beatriz! — O tom grave inconfundível me faz parar,
e Guilherme praticamente jogar a garota no chão. — Vem
sentar — Rick me convida, dando dois tapinhas na própria
coxa.
Eu poderia até ir embora ou não fazer isso. Mas sorrio,
caminhando em direção ao gostoso de olhos tempestuosos
e me sento em sua coxa direita como se aquele fosse o
único lugar vago, apoiando minhas pernas entre as dele e
cruzando os braços em torno de seu pescoço.
— Boa garota — ele sussurra em português, pousando
a palma na pele nua deixada pela fenda do meu vestido.
— Adoro quando você fala isso — confesso, porque é
verdade.
— Eu sei — ele responde em inglês.
— Meu amor — Guilherme para diante de nós —, não
vi você chegar. — Ele força um sorriso, e eu consigo vê-lo
suar frio.
— Pois é. Acho que você tava ocupado.
— Para de bobeira, vamos pra lá. — Guilherme me
estende a mão, mas eu nego com a cabeça.
— Agora eu estou ocupada. Depois a gente conversa
— digo, e me viro para Rick, que começa uma conversa
sobre o que eu achei do solo dele. Eu achei sensacional, e o
idiota que estava me fazendo passar por otária se afasta. —
A imprensa não entra aqui, certo? — pergunto apenas para
confirmar se vou precisar lidar com a notícia de que eu, ele
e Guilherme vivemos um trisal.
— Você está com seu celular? — Nego com a cabeça,
e ele assente. — Pois é. Apenas o Alex, e ele não quer mais
escândalos. — Richard pisca, segurando o riso, parecendo
saber de mais coisas passíveis de escândalo do que nossa
ceninha.
— Você me salvou, sabia? — Suspiro aliviada.
— Salvei — Rick assente, tirando a mão da minha
perna e me deixando sentar sobre as dele de maneira mais
confortável agora que Guilherme já fechou a cara e está
entregando apenas sorrisos amarelos para a tal fã. — Não
sei quantas vezes você ainda vai precisar ser salva desse
covarde, mas conte sempre comigo. — Rick diz com os
olhos nos meus, sem malícia, sem segundas intenções, e eu
assinto, porque acho que ainda vou precisar de um crush de
mentira para fazer ciúmes no meu namorado de mentira
muitas vezes.
Beijinhos,
das suas Vagabonders Favoritas
Capítulo 11
Ou: Atenção: Um namoro de mentira é um namoro
que não é real.
Guilherme
— Vou matar esse miserável. — Pressiono a ponte do
nariz enquanto minha perna direita treme, no que parece
ser um movimento involuntário e imparável.
— Deve ser a décima vez que você fala isso, a gente
já entendeu — A.J. reclama e troca o cabelo de lado no
banco da frente.
— Ah, para, A.J. Numa hora eles estavam lá,
conversando, rindo, e ela toda… Cativada pelos olhos azuis
do Rick, e ele… ele era todo sorrisos para o lado da min… —
engulo o resto da palavra porque o olhar de Thomas,
sentado ao meu lado, me escrutina com julgamento
enquanto ele come um cordão de Fini — da Beatriz. E o Rick
não sorri, nunca.
— Pelo menos no maravilhoso mundo da Internet,
nosso Pocket Show e o seu namoro são um sucesso — A.J.
retruca, me entregando o celular aberto em um fio no
Twitter, cheio de traduções automáticas.
— Estamos entre os assuntos mais falados do mundo.
É isso, chegamos, oficialmente, ao fim das férias — comento
e logo depois rolo a timeline das hashtags #vbpocketshow e
#viciousbondsnobrasil.
— Isso me lembra que precisamos gravar uns vídeos
para o vlog de férias do canal — Thomas pontua, batendo
na parte de trás do banco de A.J., que geme com o que julga
ser a parte mais chata do trabalho.
— Eu filmei bastante coisa da casa da ilha! — eu me
defendo com os vídeos que gravei para mandar para a
minha mãe e minha avó.
— E a gente tem material de fãs e de veículos de
notícia pra puxar vídeos pro vlog, sabe, se não gravarmos
muito. — A.J. encolhe os ombros e sorri para Thomas, me
estendendo a mão e pegando o celular de volta.
— Estou gravando todo o meu guarda-roupa —
Thomas comenta com uma felicidade que me faz roubar um
alcaçuz do pacote dele com o cenho franzido. — É muito
bom não precisar usar calças e jaquetas todos os dias —
pontua, fazendo as coisas terem mais sentido.
— Você e Beatriz tem material? — A.J. indaga,
voltando a ver as postagens por ele mesmo. — A Dani vai
querer material de vocês, na postagem pós-show da
@ViciousBondsBrasil só falam disso — ele avisa, me
lembrando que, apesar de já termos contratado agências
para as redes sociais, quem faz a curadoria do que entra
nos vlogs e prepara a maior parte dos conteúdos “vida
pessoal” nas contas oficiais da Vicious é a minha irmã.
— Depois de hoje, o que não vai faltar é material,
apesar de eu não saber se ainda vai ter eu e Beatriz.
— Para de exagerar — Thomas pede, erguendo a mão
direita. — Ela não gostou do que viu, você não gostou do
que viu, conversem e se resolvam — diz, como se fosse a
coisa mais simples do mundo e pega dois alcaçuzes de uma
vez.
— Ela tava com muita raiva, não imaginei que veria a
minha… — os olhos do meu amigo me julgam mais uma
vez, e eu respiro fundo engolindo o “minha Coisinha” —
namorada de mentira com tanta raiva — rebato, porque ao
menos isso ela é.
A.J. respira fundo e se vira de frente para mim.
— Eu não sei que tanto drama você tá arrumando,
Guilherme — diz com tanta segurança que nem parece que
a pronúncia dele do LH é péssima. — Você não namora ela
de verdade, mas o Rick não quer nada com ela, então
relaxa.
— Mas o Rick parecia…
— Não interessa o que ele parecia, cara — ele me
interrompe antes que eu termine o primeiro raciocínio. —
Vocês são amigos, conversa com ele, nada acima da banda,
cara.
Nada acima da banda.
Quem inventou esse lema patético? Ah, nós quatro.
— Não dá para conversar com o Rick quando ele acha
que tá certo — lembro-o, cruzando as pernas na tentativa
de fazê-las parar de balançar.
— O cara vai assumir aquela postura de quem sabe de
tudo porque é cinco anos mais velho… — Thomas murmura
observando a cidade, e eu assinto.
— O que vai me irritar pra cacete, não tô com essa
paciência hoje.
— Tô conversando com a Dani. — A.J. traz sua melhor
amiga e minha irmã à tona enquanto tecla no celular com
uma velocidade impressionante. — Ela também disse pra
você esquecer essa história porque não tem a menor
chance de o Rick estar dando em cima da sua garota.
— Como ela sabe? — indago, com urgência.
Talvez tenhamos alguma esperança.
— Quer que eu ligue? — A.J. ri, me observando
encolhido no banco como se eu estivesse exagerando
E talvez eu esteja.
— Não, só pergunta.
Tiro meu celular do bolso e checo as mensagens,
muitas coisas de muita gente, inclusive minha querida irmã
confirmando o que A.J. acabou de falar:
Maninha: O Rick com a tua namoradinha de mentira?
Sério? Melhore.
Maninha: E, ciúmes? De uma namorada de mentira?
Maninha: Eu te conheço, Guilherme, você pare de se
enganar!
Maninha: E vocês ficam lindos juntos, sério. Deu até
saudade de chamar ela de cunhada.
Ignoro as mensagens da Dani, porque, neste
momento, não quero lidar com o que as últimas
representam. E, enquanto o carro faz a curva para o
estacionamento, volto a rolar as não lidas.
Nenhuma das mensagens, porém, é de Rick ou
Beatriz. Descruzo as pernas e respiro fundo, vendo o carro
com nossos seguranças pessoais parar ao lado esquerdo do
nosso no subsolo do hotel onde estamos hospedados. Os
três saem e meneiam a cabeça para o motorista.
— Será que eles tão aí? — Thomas pergunta e, pelo
olhar arredio que me lança, sei que está falando de Rick e
Beatriz.
— Pro bem do meu relacionamento de fachada, espero
que minha namorada não tenha ido passear com outro cara
da banda — respondo e pego a última Fini do pacotinho,
vendo A.J. tentar abrir a porta, e o motorista negar com a
cabeça.
— A.J., você precisa esperar — Paul diz em alto e bom
som, mas não rude, porque já está acostumado com a
desatenção do nosso guitarrista.
Nossos seguranças ainda estão fazendo a ronda no
estacionamento para garantir que nenhuma fã se escondeu
por aqui. Quando eles se aproximam do nosso carro, poucos
minutos depois, Paul destrava a porta e diz “agora você
está livre para ir”, e nós agradecemos e saímos em direção
aos elevadores.
— Você deveria conversar com a sua garota, essa sua
reação não é de alguém que está namorando de mentira,
Gui — Thomas diz e dá um tapinha em meu ombro com
pena quando a porta abre no terceiro andar, no qual todos
estamos.
— E se você for atrás do Rick tirar satisfação sobre sua
namorada de mentira, você vai apanhar… — A.J. joga no ar,
se virando para o 305 e abrindo a porta do quarto. — Só não
deixa ele bater na sua cara, a gente tem o Incrível para
gravar em dois dias.
É o Fantástico, mas o deixo entrar no quarto e fechar
a porta sem corrigi-lo.
Christian, o segurança de A.J., para ao lado da porta
do quarto dele. Jones segue Thomas até o 304, e Machine, o
meu segurança, para ao lado direito do corredor, se
juntando a Frank, segurança de Richard.
Sob o olhar indecifrável dos quatro armários em forma
de homem, dou três passos largos até o 302, o apartamento
designado para Beatriz, bem ao lado do 303, o meu.
Esfrego minha testa, coço a cabeça, que já ficou sem
boné há horas porque não faço ideia de onde ele esteja, e
bato na porta duas vezes. Alguns segundos se passam, e eu
não tenho resposta, então bato novamente, porque metade
de mim tem certeza de que ela está no quarto do Rick a
essa hora e, por Deus, eu não consigo nem pensar direito no
que…
Ótimo. A porta abre, mas é o filho da mãe do Richard
que está diante de mim. Passo a mão pelo contorno da
minha barba respirando fundo.
— É ele mesmo, Bia.
Seu olhar me mede dos pés à cabeça, então ele dá um
passo para dentro e só consigo pensar que Richard deu um
apelido para a minha namorada de mentira.
— Você só pode tá de sacanagem. — As palavras
ecoam pelo corredor, e meu amigo me olha com um
desprezo irreconhecível.
Ele sai com a minha mulher e ainda me olha assim! É
muita coragem desse inglês de merda.
— Eu vou embora, qualquer coisa é só bater no 306,
tá? — ele diz com a cabeça inclinada para dentro do quarto
e puxa a porta atrás de si.
— Richard, você pod… — começo a falar, mas ele me
interrompe, apoiando a mão em meu peito.
— Você tirou a garota da casa dela; a fez pegar um
avião depois de passar o dia trabalhando; vir para outro
estado, sabendo que ela grava amanhã a tarde; fez todo
aquele showzinho para ela, ou para a mídia, já não sei. —
Richard se altera, e a mão em meu peito me empurra de
leve, e vejo em seus olhos mergulhados em incredulidade
que, se os seguranças não estivessem aqui, eu estaria
enquadrado numa parede. — Você foi um imbecil, acha que
vai chamar a atenção dessa garota com joguinhos e
ciúmes?
— Richard, eu não estava fazendo iss… — tento falar,
porque, de fato, não era minha intenção, mas ele não me dá
espaço.
— Ah, você não tava fazendo ciúmes? Pior ainda! A
Bia entrou naquela sala só para te ver praticamente
engolindo outra garota, e você vem aqui me dizer que
aquilo foi normal? Que eu só posso estar de sacanagem? —
Richard pronuncia as palavras com uma raiva intrínseca na
voz, me dizendo que eu não só vacilei com a Beatriz, mas
que fui um completo babaca.
Fecho os olhos por alguns segundos e respiro fundo.
— Eu ferrei com tudo, né?
O silêncio do meu amigo me dá a resposta que eu não
queria escutar.
— Obrigada pela companhia, Rick. — Beatriz abre a
porta e se despede de Richard sem nem olhar para mim,
com certeza ciente do que dissemos. — A gente se vê no
café? — pergunta a ele, num pijama de calça e blusão e
com rosto limpo, um tanto abatido pelo cansaço. Rick
assente antes de me lançar um último olhar fulminante e se
vira. Só então Beatriz volta sua atenção para mim. — Pode
entrar, Guilherme — diz em seguida, me dando espaço para
passar, e eu observo seu quarto milimetricamente
arrumado.
— Cê veio aqui conferir se tá tudo em ordem? —
pergunta com desdém.
Mas todos os meus argumentos morreram no sabão
que o Richard me deu, então balanço a cabeça
negativamente e passo a língua pelos lábios para tirar a
sensação de ressecado antes de responder.
— Você pode fazer o que quiser, Beatriz. É só que, pro
namoro falso funcionar, você não pode ficar… — As palavras
morrem em minha garganta, porque eu estava tão puto, tão
preparado para jogar na cara dela que ela estava errada,
mas a verdade é que quem está errado sou eu, assim, não
tenho muito o que dizer. — As pessoas estavam vendo,
Beatriz. — Uso o único argumento que posso.
Ela pisca duas vezes e apoia as mãos na cintura.
— Você tem quinze segundos para retirar tudo o que
disse e reformular sua fala — avisa, andando pelo quarto. —
Nela vai me pedir desculpas por eu ter entrado naquela sala
e visto o meu namorado, aquele pelo qual eu passei por
cima de todas as feridas do passado para estar junto, com a
merda da cara nas tetas de uma influencer loira odonto.
— Ciúmes? — pergunto, me surpreendendo.
Eu estar com raiva era uma coisa, Beatriz estar
possessa por causa de uma fã é uma informação nova para
mim.
— Meu Deus, eu vou te tacar esse sapato! — ela grita,
se abaixando aos pés da cama e pegando o coturno.
— Calma, Bia. Me perdoa, eu fui um babaca — digo,
erguendo os braços. — Nem percebi que a garota estava me
dando mole, porque eu acho que ela nem estava, era só o
jeito dela…
— Ela podia até não estar te dando mole, mas a sua
cara estava querendo se afogar nos peitos dela! — vocifera,
esmagando o cano do calçado e erguendo-o sobre a cabeça
e a postos para jogar em mim. — Isto pode ser mentira,
Guilherme, mas eu exijo que você me respeite! — ela
demanda com os olhos semicerrados, e meu queixo cai.
— Você? A garota que estava sentada no colo do outro
cara da minha banda? — Minha boca é mais rápida que meu
cérebro, e minha próxima ação é me esquivar, porque uma
Beatriz possessa joga o sapato bem onde eu estava. —
Beatriz?
— Sentei no colo do Richard porque foi o único lugar
que sobrou para eu sentar — rebate, abrindo os braços e
ignorando meu choque com sua reação.
— Eu não tava olhando para ela assim, Beatriz, não
tava — digo com os olhos perdidos porque, se ela soubesse,
se ela sequer imaginasse o que se passa na minha cabeça
nas últimas semanas, teria plena certeza de que a única
mulher que eu vejo é ela.
— Guilherme. — Beatriz respira fundo e passa as mãos
pelos cabelos, jogando-os para trás. — Você saiu da sala
com o Thomas e umas cinco meninas, eu fiquei sozinha lá. E
nem adianta culpar o Rick porque eu já tinha saído do colo
dele a essa altura — diz, voltando a andar pelo quarto. —
Então, sim, eu vim embora, porque não ia pagar de otária!
— debocha, com o tom dançando entre a raiva e a
defensiva.
— Nossa, Beatriz. Não sei como você lidaria com as
coisas se a gente namorasse de verdade. — Eu me escoro
na parede atrás de mim, mas não sem antes reparar se ela
está perto do outro coturno. — Elas eram influencers, a
Vicious cresceu assim, tu podia entender, sabe?
— Que bom que eu não sou sua namorada de verdade
então, né? — é a única coisa que ela fala, e eu fecho os
olhos respirando fundo.
Meu cacete, que mulherzinha difícil.
— Não faz assim, Bia. Você sabe que não foi isso o que
eu quis dizer.
Uma risada sem humor atravessa o quarto até mim.
— Na verdade, foi o que você disse.
Bufo, esfregando o rosto, porque isso é a coisa mais
sem sentido do mundo. Estou no quarto com a minha
namorada de mentira, que eu só posso beijar de mentira,
mas com a qual as brigas são bem reais. E meu coração
acelera, mas com medo dela me tacar outra coisa, não
pelos motivos que corações aceleram quando estamos no
quarto da mulher que gostamos.
— A gente vai falar, falar, falar, e não vai chegar a
lugar nenhum — digo por fim e me sento na cama dela me
sentindo um imprestável. — Você não gostou do que viu, eu
não gostei do que vi, e tá tudo bem, a gente não faz mais.
— Engulo em seco e respiro fundo, esperando ela dizer algo,
mas o silêncio toma o quarto, então adiciono: — A gente
não se magoa mais.
Beatriz me encara por alguns instantes, mas vem até
a cama e se senta também. Mais longe do que eu gostaria,
e tudo bem, eu mereço isso.
— Hoje eu tava pensando que talvez fosse melhor se
tivéssemos dado outro jeito.
— Como assim? — Franzo o cenho, confuso,
observando-a, mas seus olhos miram o chão.
— Tu me fez ir à sua casa, me explicou como era
melhor que a gente namorasse, e eu caí nessa. Agora eu
preciso ler notinhas em redes sociais todos os dias sobre
“como eu sou boba por ter voltado com o cara que me
largou para perseguir seus sonhos” — ela praticamente
sussurra, e eu consigo sentir a vergonha nas palavras. —
“Como o vocalista da Vicious Bonds não presta e isso não
vai durar” — ironiza, com uma risadinha, e eu gostaria de
entender por que não presto, nunca tive ninguém desde
que essa banda estreou. — “Como vai ser impossível
manter nossa relação, porque eu trabalho com TV no Brasil,
e você é do mundo e…”
— Beatriz — calo-a, chamando sua atenção, e me
aproximo. Ela até reage, como se fosse se mover, mas
seguro sua mão entre nós. — Por que tá fazendo isso
contigo? Não pode ficar em rede social deixando todo e
qualquer comentário maldoso de páginas de fofoca ou perfis
com foto de anime te colocarem pra baixo. — Toco seu
queixo e o puxo em minha direção com cuidado.
— Rede social é importante, você mesmo só fala disso
desde que entrou aqui…
— Ter redes sociais é importante. Produzir conteúdo
para quem gosta da gente é importante — enfatizo, me
lembrando de tirar a mão do rosto dela antes que as coisas
fiquem estranhas. — Mas nós somos humanos, mesmo que
cem comentários sejam de amor, um de ódio destrói tudo.
Claro que a gente não ignora nossos fãs, mas não gosto de
saber o que perfis de fofoca estão falando. Esse teu período
longe de tudo não te ensinou isso?
— Só essa semana fui diagnosticada por uns três
perfis profissionais de psicólogos como dependente
emocional, também descobri que sou mal-amada, que
tenho daddy issues e, segundo alguns comentários, sou
uma atriz flopada buscando subir na vida através do ex-
namorado popstar.
— Deleta essa merda e vai viver sua vida — peço
chocado com perfis que se dizem profissionais fazendo
essas merdas por like. — Não posso lamentar que estejamos
aqui agora, porque eu gosto de estar aqui com você. —
Deixo meu risinho de canto tomar meu rosto, e Beatriz me
empurra com o ombro. — Mas nada disso teria acontecido
se você não tivesse rede social.
— Eu preciso ter — ela responde chateada. — É meio
contratual.
— Então deixa que a sua empresária, agente, social
media, sei lá, faça suas postagens do computador, você não
precisa ter um app no celular para isso.
— Mas eu gosto do carinho dos fãs — choraminga em
protesto, e eu consigo entender, porque uso minhas redes
pelo trabalho, mas é um lugar escroto para cacete.
— Faz live, posts diários ou fotos enigmáticas e
escreve textões na legenda… Tem muita coisa pra fazer, se
falarem merda no seu perfil, é só desativar os comentários.
Ah, você pode, previamente, configurar o aplicativo para
não mostrar os comentários que contenham algumas
palavras específicas — adiciono o último, porque ele salvou
a saúde mental da banda quando começamos a estourar.
Fãs podem até ser silenciosos, mas os haters nunca serão.
— Não sabia que você era expert em redes sociais. —
Ela me empurra com o ombro de novo, forte dessa vez, e eu
me deixo cair no colchão.
Beatriz inclina a cabeça para dizer algo, mas os lábios
se fecham, e seu olhar correndo pelas minhas tatuagens
denuncia a curiosidade. Cruzo os braços atrás da minha
cabeça, dando espaço para ela observar melhor, e espero
que ela diga mais alguma coisa.
— Gostou delas? — indago, mas Bia não diz nada,
apenas continua me estudando. A dupla de coroas em meu
pescoço e as tulipas em meu braço direito, no entanto,
falam tudo o que ela precisa saber.
— São legais — responde num tom blasé e com a cara
mais sem expressão do mundo. — Mas a gente fala sobre
isso outra hora, precisamos dormir. Eu preciso, pelo menos
— se apressa em dizer e se levanta, parando de frente para
mim.
— Beatriz, me desculpa por hoje, de verdade. — Tento
amenizar as coisas ao me levantar, mas ela sorri, e eu não
entendo.
— Tá tudo bem — diz, como se não fosse nada. Depois
de ter passado quase dez minutos me ameaçando e de ter
me jogado um sapato, mas não reclamo, porque eu mereci.
— Ela era uma gostosa, tinha peitos realmente lindos, eu te
entendo. Fiquei toda me tremendo quando Rick deu dois
tapinhas naquela coxa me chamando para sentar e, quando
me sentei no colo dele e aquele gostoso de dois metros de
altura disse “boa garota”, eu fiquei uns bons segundos
desnorteada. — Ela se abana, como se estar com calor com
a temperatura a vinte e um graus fosse possível para uma
carioca. — Acontece — debocha, me fazendo pegar o ar
antes de responder.
— Não acredito que tô ouvindo isso — digo, segurando
o riso.
— Pois é, eu também não acreditei que tava vendo
aquilo — cantarola com um passo para trás.
— Beatriz, eu já pedi desculpas. — Rio incrédulo, indo
até ela. — A gente pode superar isso, Coisinha?
— Não sou sua namorada, Guilherme. Não precisa se
desculpar. Só não quero ser envergonhada na frente do país
inteiro.
De novo. Ela não diz essa parte, mas está aqui,
pairando sobre nós.
— Você não é minha namorada, mas eu realmente
quis te beijar hoje. — Dou mais um passo em direção a ela,
que se inclina para trás, num reflexo. — Bem mais do que a
gente se beijou.
— Acho que é normal, a gente tem uma história.
A resposta é diferente do fora que eu esperava, então
dou mais um passo e arrisco:
— Eu realmente quero beijar você agora — confesso,
levando a mão direita ao seu rosto, e Beatriz afaga a pele
contra minha mão.
Como se sentisse a mesma eletricidade que eu estou
sentindo. Passo o braço pela sua cintura e a aproximo de
mim.
— Você não cansa, né? — Ela pousa as duas mãos em
meu peito e me empurra, deixando suas costas
encontrarem a parede atrás de si. — Sabe que isso não vai
fazer bem para ninguém. Você vai embora em doze
semanas, e eu vou ficar aqui, deste lado do oceano.
— Você também está contando o tempo pelas
semanas que a gente tem junto?
Minha Coisinha engole em seco, mas ergue o pescoço
em minha direção. Estamos sozinhos nesse quarto e, para
todos os efeitos, somos um casal. E ela é tão linda, mas tão
linda, que nenhuma outra mulher foi tão convidativa para
mim quanto Beatriz Lopes dentro de um pijama duas vezes
seu tamanho encostada na parede de um quarto de hotel é.
— Guilherme, não faz assim — ela pede baixinho, com
o tom de voz de quem confia em mim, mas, ao mesmo
tempo, não confia em nós.
— Você não quer? É só dizer. — Acaricio seu rosto,
descansando a testa na dela. — Mas se eu sair daqui agora
com a dúvida de como as coisas teriam sido se eu
insistisse…
— Você não precisa insistir — Beatriz me interrompe, e
por alguns instantes acredito que ela vai me responder “eu
também quero”, mas seu olhar se perde antes que ela
continue. — É um cara atraente, Guilherme. Temos uma
história, você me conhece como poucas pessoas… Você
quer um beijo meu? Eu posso beijar você — comenta, com
uma simplicidade desconcertante, como se não fosse nada
de mais. — Mas não acho que ser o cara que mexe com a
garota e depois vai embora deixando ela para trás duas
vezes seja o motivo pelo qual você quer ser lembrado pelo
país inteiro, e nem por mim, se eu tiver sorte.
Fecho os olhos, apoiando a mão ao lado da cabeça
dela, seu perfume doce e o xampu cítrico me invadem.
— É, porque eu te abandonei no pior momento da sua
vida. — Jogo a cabeça para trás sem conseguir segurar as
lembranças daquele fatídico dia.
— Pois é.
— Claro, escolhi terminar com você num momento
delicado porque eu sou a pior pessoa do mundo… — cuspo
as palavras com tanto ódio.
De mim.
Dele.
— Você está debochando da minha cara? — Beatriz
me empurra com tanta força que cambaleio.
— Não — garanto coçando a nuca e ignorando a bola
que se forma em minha garganta. — É que ser o cara
bonzinho é um inferno às vezes. Quem me dera eu tivesse
sido um egoísta desgraçado — deixo as palavras escorrerem
dos meus lábios enquanto me dirijo à porta, com passos tão
pesados quanto meu peito está agora.
— Poderia existir um cenário no qual você fosse mais
egoísta? — ela diz pelas minhas costas, e eu olho para trás
por cima do ombro. — Minha imaginação não consegue ir
tão longe.
— Eu entendo. Mas é só porque você não sabe de
tudo.
— O que, exatamente, você quer dizer com isso,
Guilherme? — a pergunta descrente sai com um suspiro,
mas preciso ser firme e esquecer os últimos minutos.
— Que algumas coisas não são tão simples — digo e
saio do quarto, puxando a porta atrás de mim e pensando
que foi ótimo que não tenhamos nos beijado, porque não
importa o quanto eu ainda gosto dela.
Esse é um segredo que eu preciso levar para o
túmulo.
@GUIVICIOUS
[3]
Capítulo 12
Ou: Eu devia ter feito um contrato. Devia ter
colocado “proibido tentar seduzir sua namorada de
mentira” como a cláusula principal do contrato.
Beatriz
A coisa mais inteligente que eu fiz depois de São Paulo
foi dar dois passos para trás em relação a Guilherme.
Mesmo que eu tentasse fingir que as coisas estavam bem e
que só tenhamos tido… um desentendimento, o que é
normal para todo casal, precisei me lembrar que nós não
somos um casal.
Além disso, ele tentou se fazer de coitado com a
situação do nosso término jogando um enigma para cima de
mim. Como se eu fosse cair nesse papinho de “as coisas
não são simples”, anos depois de ele ter me largado aqui
sem mais nem menos.
E o que mais me machucou nisso tudo foi que eu
beijei Guilherme Almeida naquele show. Beijei e quis beijar
ainda mais. Isso precisa parar. Eu não quero que pare, mas
precisa.
Demorei demais para me refazer depois dele para
deixar tudo desmoronar por causa de um reencontro com
data de validade. E não só isso, mas também passei muito
tempo tentando encontrar justificativas para o nosso
término, tentando entender como o cara que amadureceu
do meu lado, em todos os sentidos, pôde terminar comigo
no meio do luto pela morte do meu pai e ir embora sem
nunca mais olhar para trás.
Não tive sucesso em compreender Guilherme naquela
época e não quero que ele acredite que me dizer que eu
não sei tudo sobre o fim do nosso namoro vai fazer alguma
diferença quase quatro anos depois.
Para manter a cabeça no lugar certo, revisito mais
uma vez a lista de motivos pelos quais não devo cair no
papinho daquele maloqueiro miserável:
1 – Ele é problema.
2 – Ele tem muitas fãs peitudas, e você, desprovida de
peitos, teria ciúmes.
3 – Ele não mora no mesmo país que você.
4 – Ele já te abandonou uma vez.
5 – Ele pode ser gostoso, ter lábios macios, dedicar
uma música do RBD pra você com post no feed e ter feito
uma cover nos stories te marcando, saber te pegar como
ninguém e ter um piercing que você está doida para
conhecer, mas, essa atração toda veio do seu período fértil
e, de novo: Ele é problema.
Não ironicamente tenho essa lista no bloco de notas
do meu celular pessoal e do profissional, que comprei para
administrar minha rotina com as redes sociais, como
Guilherme orientou. A única coisa que presta que esse
moleque fez por mim.
E o sexto item da lista é o mais real:
6 – Isso não tem futuro.
Só que, ainda assim, não posso fingir que não sinto
nada, quando a verdade é que, todas as vezes que termino
de ler a lista antes de ir a um dos nossos encontros, uma
voz alta e clara toma minha cabeça dizendo que está tudo
bem ele ser um problema. Afinal, eu sempre fui uma aluna
nota dez em matemática.
Por outro lado, “Você acha que eu sou egoísta porque
você não sabe de tudo, as coisas não são tão simples” é a
junção das últimas coisas que Guilherme me disse naquele
quarto de hotel. Duas coisas que me deixaram sem dormir
por tempo demais, até que eu me convencesse de que, se
ele quisesse me contar, teria contado, e como ele não o fez,
ou quer esconder algo sobre o nosso término de mim ou
talvez isso nem seja real.
Sendo boa em matemática, ou não, encontrar o valor
de X nessa questão não é algo que eu queira fazer.
Esse X já é bem grandinho e pode encontrar seu valor
por si mesmo. Penso, observando o cursor piscar na tela, e
dou enter para adicionar mais uma coisa à lista.
7 – Você só pode voltar para ele.
Não, não tem a menor chance de eu voltar para ele.
Então apago.
7 – Você só pode beijá-lo de novo…
Apago novamente. É uma condição muito extrema
para um beijo.
7 – Você só pode chegar no meio do caminho entre o
beijo e uma volta se, e somente se, ele te contar o que
motivou o término de vocês.
Algo no meio do caminho é uma coisa com a qual eu
consigo lidar.
Capítulo 13
Ou: Apaixonado é uma palavra muito forte (para
assumir).
Guilherme
Tudo o que aconteceu naquele dia em São Paulo
morreu em São Paulo. Nas três semanas seguintes, as
gravações de Beatriz se tornaram mais intensas, e a minha
agenda de compromissos com a Vicious me engoliu, por
isso, comunicamos Luana e Alex que administraríamos
nossos encontros por nós mesmos dali em diante. Nenhum
dos dois gostou muito de tornarmos algo estritamente
profissional em uma coisa casual, mas a palavra final é
nossa, então não criaram caso.
E foram ótimas três semanas. Conseguimos nos
encontrar cinco vezes nesse período, mais do que o
esperado no início, apesar de termos desmarcado um
jantar, a Coisinha ter chegado uma hora atrasada em uma
peça teatral, e nós termos encerrado uma das nossas noites
andando de Uber depois que meu Tesla foi rebocado por
“estacionar em um lugar proibido” — lê-se: Ficar sem
bateria porque a beleza de Beatriz consumiu minha atenção
a ponto de eu ignorar todos os sinais no painel do carro.
Alex e Luana não surtaram.
Esse foi o ponto positivo, mas, ao mesmo tempo, toda
a tensão e as faíscas que aconteceram no show e no quarto
dela em São Paulo desapareceram. Voltamos a ser apenas
um casal de fachada com toques mecânicos, beijos
superficiais e cada movimento pensado para ficar bem nas
fotos.
E por mais que eu gostasse da nossa rotina sendo
mais leve e descontraída, se Beatriz quer se afastar e está
usando o profissionalismo para isso, tudo bem. Apesar dos
nossos encontros e despedidas com selinhos sempre terem
um gosto absurdo de quero mais.
A única coisa que me incomodou nisso tudo foi
perceber que nossas conversas nunca se tornavam mais
profundas do que um pires. Beatriz segue desconversando
no exato segundo que falo sobre o passado e, no nosso
último jantar, quando expliquei a onda de teorias que as fãs
começaram a criar sobre algumas músicas, ela fingiu não
ouvir, bem como respondeu “Viva e saudável” quando
perguntei sobre dona Tati.
É como se ela tivesse alergia a tudo o que vivemos
antes. Ou como se ela tentasse me dizer, mesmo sem
palavras, que não tenho direito a essas perguntas. Que não
posso voltar depois de anos e perguntar sobre ela, a mãe,
ou como a vida delas andou enquanto eu não estava aqui. E
eu entendo. Entendo de verdade. Afinal, Beatriz só sabe o
que eu fiz com ela, não por que tive que fazer.
Ainda assim, é uma tortura estar perto dela, da Minha
Coisinha, e saber que nossas únicas conversas longas serão
sobre mídia, redes sociais, repercussões e “Qual será nosso
comportamento no nosso próximo encontro?”.
— Você vai sair com essa cara de bunda? — Thomas
pergunta, apoiado na porta do meu quarto com os braços
cruzados.
— Eu já fui um ótimo ator, sabia? — respondo, dando
o nó na gravata ridícula que Beatriz me obrigou a usar. —
Vou dar conta de sorrir e parecer apaixonado quando
necessário — respondo entredentes enquanto Thomas
caminha até a cama.
— Parecer? — Ele me encara pelo reflexo do espelho
assim que se senta, com as sobrancelhas erguidas
enquanto afaga os pelos de Elvis. — Às vezes eu acho que
você tá…
— Não viaja. — Forço um sorriso tão falso que até Elvis
me julga pelo reflexo. — Só queria que pudéssemos agir
como dois velhos amigos, não como dois desconhecidos que
mal se suportam em uma relação de mentira. — Eu até
queria acreditar que minha irritação é só por isso, mas o
gosto amargo que está em minha boca desde que neguei
estar apaixonado por ela me impede.
— Mas não é isso o que vocês são?
— Não! — respondo rápido demais, enfiando os pés no
sapato social, quase torcendo o pé esquerdo pela rapidez,
mas só quero acabar aqui e me livrar desse papo. — Eu não
desgosto dela.
— E morre de ciúmes do Rick… — Thomas diz,
encarando o cão ao seu lado, não a mim.
— Não é ciúme. — Eu me levanto e viro de frente para
eles. — Só é estranho ela ser minha namorada e parecer
mais confortável perto dele.
— Eles são amigos. — Thomas ri, como se isso fizesse
algum sentido.
— Desde quando o Rick é amigo de mulher?
— Ele é amigo da Dani… — Ele assobia, como se
estivesse me contando algo que eu não sei.
Meus olhos arregalam, e Elvis late na direção dele.
— Ele não seria maluco. — Eu me viro, traduzindo o
latido de Elvis, que mostra os dentes agora.
— Bom, você tá minando as opções do cara… —
Thomas ri de canto.
— Se elas se resumem à minha mulher e à minha
irmã, estou sim, mas que cacete — vocifero, destruindo meu
cabelo ao passar a mão por ele.
Puto com a insinuação absurda.
— Sua mulher? — Thomas se levanta surpreso, e Elvis
pula da cama, ambos me encarando.
— É isso o que ela é publicamente, não? — digo
abrindo os braços.
— Bom, deixa eu te ajudar. — Meu amigo se aproxima,
alisando a frente do paletó escolhido a dedo pela nossa
estilista. — Esquece o que eu disse, fui um idiota — pede
sem graça, colocando meu cabelo para trás e apertando
meus ombros. — Agora anda, vai lá encontrar a… sua
mulher — ironiza, fazendo meu coração acelerar e me dizer
que lutar contra o que sinto por ela não vai ser nada fácil.
Capítulo 14
Ou: Como já diria Dulce Maria: O calor do meu corpo
se eleva quase sem controle só de ver esse homem
gostoso. Ou alguma coisa assim.
Beatriz
Vinte e um dias. Tinha vinte e um dias que Guilherme
Almeida não me deixava de pernas bambas, e eles foram os
melhores vinte e um dias do mundo. Sendo assim, a última
coisa que eu esperava é que ele voltaria a me dar siricuticos
num dos eventos mais importantes de “As Lembranças que
Perdemos”.
O dia que o elenco está se reunindo para assistir o
início da segunda fase da novela. É um episódio importante,
é nele que a Marcela, a protagonista, e Fabiana, a minha
personagem, trocam o interior pela cidade grande, como
sonharam a adolescência toda, e conhecem seus pares
românticos numa viagem de trem.
Também nos reunimos para assistir ao primeiro
episódio. E não ter levado Guilherme repercutiu
negativamente demais, então decidi trazê-lo hoje para ver
se os sites de fofoca calam a boca. Luana achou a ideia
ótima, já que os críticos especializados amaram a primeira
fase da novela.
Porém, tudo isso é muito conflitante para mim.
Quando aceitei voltar para a TV, eu tinha apenas uma
coisa em mente: Entender se eu ainda dou conta de segurar
uma personagem. Antes da pandemia, eu tinha feito
programas infantis e Geração Z, que tinham públicos
específicos e nada exigentes. Portanto, uma personagem
adulta em uma das novelas regulares da emissora é o que
eu preciso para saber se posso continuar investindo nessa
carreira, ou se preciso estudar outra coisa. Porque minha
psicóloga alugou um triplex na minha cabeça quando olhou
no fundo dos meus olhos e disse:
“Você se vê vivendo em quarentena para sempre, ou
existe uma parte de você que deseja ou imagina uma vida
diferente?”
E, por Deus, o covid tirou muitas coisas de mim, não
tinha a menor chance dele tirar toda a minha vida das
minhas mãos também.
Contudo, meu foco em voltar a atuar era tão grande
que em momento nenhum pensei em me relacionar com
alguém. Só que as coisas se desenrolaram da pior maneira
possível, o que me rendeu um namorado, gerou uma baita
ansiedade com redes sociais e um medo de que as fofocas
ofuscassem meu trabalho. Mas passou. Queira Luana ou
não, foi Guilherme que me ajudou com isso. Apesar de ela
dizer que nossos encontros sem regras podem mais
atrapalhar do que ajudar, sou grata a ele por ter aprendido
a lidar com algo tão importante para qualquer artista.
Outra coisa pela qual eu estava nutrindo profunda
gratidão era o fato de ele ter respeitado meu pedido de se
manter longe. A sucessão descabida de flertes no dia
daquele show não traria bons resultados para nenhum de
nós dois, a gente só não queria assumir. Dali para frente
foram três semanas de paz.
No entanto, tudo desmoronou assim que saí do
elevador e o vi apoiado numa das pilastras no lobby do meu
prédio. Guilherme Almeida tinha as mãos no bolso da calça
social, a sombra de um sorriso no rosto e me olhou de cima
a baixo, roçando a língua em seu lábio inferior de um jeito
que apagou da minha mente a lista de motivos para não dar
espaço a ele, antes mesmo que ele beijasse meu rosto no
cantinho da boca, me obrigando a engolir em seco.
Nem a multidão de fãs, da Vicious e do casal para os
quais acenamos antes de descer para o estacionamento, e
os seis seguranças que fizeram nossa escolta daquele lobby
até o local do evento foram o suficiente para que eu
colocasse a cabeça no lugar.
Eu não devia pensar assim sobre o cara que me
abandonou e que esconde de mim os “motivos reais” para o
nosso término. Mas esse homem com a pele dois tons mais
escuros de marrom por causa do bronzeado das férias;
dentro de um terno preto; com o cabelo ondulado jogado de
lado e um cavanhaque perfeitamente alinhado que só um
carioca consegue transformar em algo obsceno, está
fazendo meu vestido parecer uma prisão sem circulação de
ar.
Guilherme, com seu sorriso largo, o piercing de
bolinha no nariz e a gravata perfeitamente alinhada, não só
é o homem mais bonito da noite, ele é, provavelmente, o
homem mais bonito vivo no dia de hoje, e sua mão em
minhas costas nuas agora não está ajudando em nada, ao
mesmo tempo que parece que ele não está tocando o
suficiente em mim.
— Vamo sentar? — pergunto, depois da sexta foto que
tiramos no painel da novela, bem no meio do salão.
— A gente pode tirar mais fotos se você quiser —
sussurra ao pé do meu ouvido, e o coque alto no qual meu
cabelo está preso revela cada um dos pelos arrepiados que
ele deixa no meu pescoço.
— Acho que já foi o bastante. — Viro o rosto apenas
para encontrá-lo me observando com um risinho sem-
vergonha de canto, sua forma de deixar claro que sabe que
mexeu comigo. — A não ser que a estrelinha do pop
mundial precise tirar mais, eu tô de boa. — Dou de ombros,
o que faz a alça fina do meu vestido escorregar, mas
Guilherme muda de pose e, de uma maneira muito natural,
a coloca no lugar. Rendendo uma enxurrada de flashes que
nos faz segurar o riso.
— Gosto da ideia de ficar sentado com você, então
tudo bem. — Ele dispensa os flashes com tranquilidade e
me acompanha até a primeira fileira, onde nos sentamos na
marcação de nossos nomes, um ao lado do outro. Como
antes.
Como sempre.
E, mesmo agora, é estranho observar esses detalhes
que eu tinha certeza de que nunca veria de novo.
— Sabe, tem quase um mês que a gente tá nessa. —
Me refiro às nossas semanas de paz. — E as coisas estão
fluindo super bem, então sem gracinha, tá? A gente não
precisa disso.
— Tem quase sete semanas que as coisas estão
acontecendo naturalmente, e, se tem algo que estou
fazendo, é me comportar, Coisinha arredia — ele me corrige
quando um garçom para diante de nós, oferecendo uma
taça de frisante.
— Ótimo — digo, pegando uma taça e agradecendo ao
garçom.
— Ótimo — rebate, dispensando gentilmente, porque
está dirigindo.
Sua mão encontra meu ombro direito em seguida,
num abraço teatral. Mas ele brinca com a alça do meu
vestido num tipo estranho de carinho, com movimentos
circulares em meu ombro, e cada pedacinho de pele que
Guilherme toca queima.
Será que a gente só consegue manter distância se
estivermos com roupas comuns? A cada evento juntos, as
faíscas parecem se intensificar.
Pouco tempo depois, uma fila de atores mirins e
adolescentes chega diante de nós pedindo uma foto com
Guilherme, pelo menos eles sabem que isso é um evento
profissional e fazem só uma foto com ele e outra com o
casal, as risadinhas das meninas e o olhar de admiração dos
meninos aquecem meu coração.
Guilherme é muito atencioso com todo mundo e
pergunta seus nomes, bem como afirma que vai seguir os
adolescentes de volta nas redes sociais assim que eles
postarem sua foto com #GuiBia.
Marco acena para nós, mas está ocupado demais para
vir aqui agora. E o pessoal do elenco também nos
cumprimenta de longe, porque, assim que os jovens saem,
o telão à nossa frente abre a contagem regressiva de cinco
minutos. Todo mundo dá gritinhos animados, voltando para
suas mesas ou para as cadeiras deixadas em ambientes
mais abertos, como as que eu e Guilherme estamos
sentados.
— A sua melhor amiga na novela, ela é uma gata, né?
— Guilherme sussurra e indica Maria Luz, que se senta duas
cadeiras à minha esquerda e nos cumprimenta.
— Muito — concordo e dou uma cotovelada na costela
dele, que me encara de boca aberta, de onde sai um leve
gemido de dor. — Mas você é meu namorado. — Seguro seu
queixo e o puxo em minha direção. — Então olhos em mim
— digo, com dois tapinhas no meu colo, e os olhos de
Guilherme param bem no meu decote. Homens são tão
óbvios. — Você está tão engraçadinho hoje… — repreendo-
o, mas seus olhos sobem direto para os meus.
— E você é a mulher mais bonita da noite —
Guilherme joga as palavras no ar, e elas me envolvem,
então ele prossegue, ainda me encarando. — Amo seu
cabelo solto, gosto de como ele emoldura seu rosto e dá
movimento pras suas ações. Mas o coque e o batom
vermelho simplesmente acabam comigo — sussurra, com os
olhos vidrados em meus lábios, e eu me sinto obrigada a
correr a língua ali para umedecê-los. — Talvez eu deva
trocar meu papel de parede da Vicious Bonds por uma foto
sua, Coisinha perfeita.
— Talvez você deva — rebato e, para a minha
surpresa, não estou sendo irônica.
— Quando você me pediu para vir black and tie, eu
não imaginava que você estaria tão maravilhosa. — Sua
mão toca meu rosto de leve, tentando entender se tem ou
não permissão para fazer isso.
E não, ele não deveria ter, então apelo.
— O Rick disse que você adoraria esse vestido, e eu
queria que a gente aparecesse se cadelando em muitas
fotos, então… — Dou de ombros, mas a mão dele já está em
sua perna depois do afago, e seu olhar disperso desde que o
nome de Rick saiu dos meus lábios.
E é melhor assim. Meu coração insiste em me trair
vezes demais quando esse carioca sem-vergonha está por
perto.
— Qual é o lance entre você e ele? — Guilherme
pergunta, cruzando os braços.
— O Rick? — Ele assente, e eu reviro os olhos. — A
gente se entende. Gosto de conversar com ele.
— Que merda significa a gente se entende, Beatriz? —
A pergunta carrega bem mais raiva do que eu achei que
seria possível, e eu quase respondo de uma forma bem
malcriada, mas meu diretor sobe no palco onde o telão
exibirá nosso décimo segundo episódio e começa a
discursar enquanto a contagem chega a dois minutos, e
apenas olho feio pra Guilherme.
Volto meu rosto para a frente e dedico minha atenção
a ele.
Conforme o discurso de Marco termina, e o episódio
começa, não posso deixar de sentir um frio na barriga. É
meu primeiro trabalho depois de quase quatro anos e a
primeira vez que Guilherme está me assistindo bem do meu
lado.
— Você é muito boa. — Ele apoia a mão na minha
coxa trêmula, e diz baixinho, mas longe de meu ouvido.
Como se soubesse das minhas inseguranças. — Nem parece
a pretinha mimada da novelinha teen que todo mundo
desacreditava.
— Você é meu fã ou hater? — pergunto, não
ironicamente, mas ele coça o cavanhaque e se afasta,
escorando na cadeira, sem responder.
O primeiro bloco termina. Nós comemoramos o quão
linda e vibrante está a montagem e a coloração das cenas.
Eu até converso com Maria Luz por alguns instantes, mas o
comercial acaba, e minha atenção volta para a tela.
Ao longo dos blocos, Guilherme se comporta como um
namorado excelente. Tocando minha perna, mãos e rosto
esporadicamente. Dizendo coisas aleatórias, mas sorrindo
com as cenas, e mantendo os olhos nos meus para trazer
veracidade à nossa farsa.
O momento pelo qual meu diretor está ansioso
começa, os últimos dois minutos da novela. Passamos o
episódio acompanhando a quase perda de uma das minhas
malas, o chapéu da personagem de Maria Luz voando — e
nos atrasando a entrar no trem — e, finalmente, o encontro
com nossos pares românticos.
Agora, depois de sentirmos uma profunda conexão,
cada uma com um deles, os personagens chegam ao
destino, a grande cidade do Rio de Janeiro da década de
oitenta. Como jovens emocionados, selamos a promessa de
que nos reencontraremos em breve, mesmo que nenhum
dos quatro saiba o que vai fazer da vida.
Tal promessa é, obviamente, selada com um beijo. E
assim que os casais na tela se beijam, alguns dos casais no
recinto começam a se beijar também.
— Acho que a gente devia… — Guilherme sussurra, e
eu tenho algumas regras para beijos. Mas, no momento que
viro o pescoço em sua direção, Gui já está perto demais
para que eu estabeleça algum limite ou o lembre de que
não podemos passar de encenação.
Seus olhos miram os meus com tanta necessidade,
que minha boca apenas se abre, buscando o ar, enquanto
Guilherme encaixa a mão em minha nuca e me beija.
Seus lábios encontram os meus, tão macios e
quentes; tão ansiosos e calmos; famintos, mas sob controle;
e eu não consigo fazer nada além de cruzar meus braços
atrás de seu pescoço. É um beijo técnico. Seguro e sem
língua. Apenas o show que esperam, como deveria ser.
Ainda assim, acaba rápido demais.
— Acho que exagerei — ele confessa com a testa
descansando na minha.
Mas eu discordo.
— Está tudo bem.
— Tudo bem se eu fizer de novo, então? — ele
pergunta, com desejo ardendo nos olhos, e eu, que ainda
estou com os lábios entreabertos, apenas assinto.
Dessa vez, no entanto, as mãos dele seguram meu
rosto com necessidade e a primeira coisa que Guilherme faz
é enfiar a língua na minha boca.
Meu pensamento grita para que eu me afaste e soque
a cara dele. Tal qual Dulce Maria em RBD La Família, quando
bate no Christopher por ele ter colocado a língua num beijo
que deveria ser técnico. Mas a sensação do piercing gelado
em um beijo tão quente me faz mudar de ideia.
Seu toque em minha cintura, a necessidade com a
qual ele me beija e a forma que brinca com o piercing em
minha boca me levam à porta de entrada do paraíso.
Eu o puxaria ainda mais para perto se pudesse.
O beijaria de novo e de novo se pudesse.
Eu bateria nele se pudesse.
Eu choraria se pudesse.
Mas as palmas e assobios ao nosso redor me trazem
de volta.
— Acho que todo mundo já parou de se beijar, Gui. —
Eu me afasto aos poucos, deixando que a realidade bata
nele tão forte quanto bateu em mim, e vendo seus lábios
manchados, mesmo a marca do batom prometendo que
eles não saíam nem com reza braba.
— Uma pena que eles não tenham fôlego. — Sorri,
passando a ponta do indicador pelo meu lábio inferior. — Eu
faria isso por horas.
Meneio a cabeça e entro na ovação com palmas e
assobios. Mas me viro para ele uma última vez.
— Só que isso nunca mais vai acontecer — aviso,
quase triste.
Mas o olhar de Guilherme me diz que ele tem planos
diferentes.
— Claro. Com certeza. Nunquinha — debocha,
erguendo os braços.
Seguro o riso e dou um tapa nele, que me puxa para
si, num abraço desajeitado e beija o topo da minha cabeça.
Nós dois começamos a rir agora, e me permito ficar aqui por
alguns segundos, só alguns segundos. Sentindo o carinho e
o apoio da pessoa que sempre disse que eu era tão boa,
que seria uma Helena, se o Manoel Carlos ainda escrevesse
novelas.
Mas pouco tempo passa entre os dedos de Guilherme
afagando minha nuca e os gritos do meu nome invadindo o
nosso casulo. É hora do brinde da equipe.
Capítulo 15
Ou: Como diria meu pai, o não eu já tenho.
Guilherme
Beatriz brinda com sua equipe, e eu permaneço
sentado, observando a única garota que já foi — e pelo visto
ainda é — dona do meu coração brilhar. Minha Coisinha está
exatamente onde deveria. E a pergunta “Onde eu estava
com a cabeça quando pensei que conseguiria viver longe
dela para sempre?” não para de rodear meus pensamentos.
Me pergunto se ele sabia, se ele tinha ao menos
alguma noção do quanto a gente se amava, de como
éramos de verdade.
Nos últimos minutos, tirei fotos com a equipe de
apoio, autografei alguns guardanapos e até participei de
uma chamada de vídeo com as filhas gêmeas de um dos
garçons, que não parava de agradecer e me chamar de
“seu Guilherme” mesmo que eu tenha metade da sua idade.
Aproveito que me dão cinco segundos de descanso e
pego o celular no bolso. Gravo a festa, a interação das
pessoas e foco a câmera em Beatriz, dizendo para mim
mesmo que estou coletando material para os vlogs, ou que
estou tirando uma foto dela e postando no Instagram agora
porque as Vagabonders amam quando posto essas coisas,
mas sei que estou fazendo isso porque quero ter
lembranças deste dia.
O dia que demos o nosso segundo primeiro beijo.
Deixo a câmera admirá-la por alguns segundos, posto
um mosaico dela com quatro fotos e inspiro me enchendo
de coragem para colocar Made to Never Break de fundo.
Logo depois vou procurar fotos da nossa noite onde sempre
consigo achar o que nem eu sei que existe: O perfil da
@viciousbondsbrasil.
Fãs brasileiros nunca decepcionam, mas as
Vagabonders daqui estarem nas trincheiras comigo mesmo
depois do meu — merecido — cancelamento me toca
demais. Principalmente porque elas não criaram rivalidades
com as fãs de Beatriz e não agem como se ela tivesse culpa
pela resistência que alguns fãs da época da GenZ têm
comigo. As Vagabonders sabem que fiz merda e também
aceitam que, se estou feliz de reatar com a Bia, não tem por
que elas se oporem.
Corro os olhos pelos stories cheios de fotos nossas
com hashtag #GuiBia e levanto o pescoço para encontrar
Beatriz dando gritinhos junto com Maria Luz enquanto elas
olham um celular, certamente animadas com a repercussão
da novela, e meu coração se aperta no peito da mesma
forma que eu gostaria de abraçá-la agora.
E, mesmo que não tenha a menor chance de Beatriz
voltar para mim, o beijo de hoje destruiu todas as barreiras
que construí. Se é que algum dia construí alguma barreira
além da distância imposta pela minha partida.
Na verdade, eu não construí merda nenhuma. Tudo já
estava perdido desde que ela pousou naquela ilha.
Eu: Acho que vou beijar Beatriz.
Envio para Thomas, precisando que meu melhor
amigo me dê algum motivo muito bom para que eu não
faça isso. Ao mesmo tempo, o resto de batom nos lábios de
Beatriz me convidam para que eu acabe com ele.
Thomas: Você acha que vai? Porque eu vi mais ou
menos doze fotos de vocês se beijando. Sem contar que o
novo viral no TikTok é: “Nível de depressão: Nunca tive
alguém que arrumaria a alça do meu vestido como
#GuiBia”, com várias fotos de você fazendo isso na entrada
do evento.
Meus olhos vão se abrindo um pouco mais ao longo do
texto e no final estão arregalados.
Eu: É um texto meio preocupante. Mas nem pensei
nas fotos no momento, foi um movimento natural.
Envio em choque porque, tudo bem, é a primeira vez
que assumo um namoro, mas não pensei que as coisas
chegariam nesse nível.
A.J.: Temos nossa própria seita, lide com isso. Elas
não deixam passar nada.
A.J.: Já tem vários vídeos sobre a linguagem corporal
de vocês no TikTok, em todos eles comentam que vocês
estavam a ponto de explodir de tesão.
Rick: O Elvis está latindo bastante com a informação,
acho que ele concorda.
Thomas: Inclusive, acabou de uivar, vocês tão no cio?
Leio os remetentes das mensagens de novo e percebo
que não mandei a mensagem para Thomas, mandei no
grupo da banda. Agora é tarde para voltar atrás, e eu tenho
só uma dúvida:
Eu: O Elvis concorda com o TikTok, ou concorda que
eu deveria beijar a Bia?
Thomas: Você já beijou a Bia, Guilherme. Acorda.
Eu: Era encenação.
A.J.: Eu vi as línguas de vocês, nada de desculpinhas,
cara.
Rick: Você tem o aval do Elvis.
Eu: Beleza. Vocês tão onde?
Tento desconversar, porque não vou resolver essa
questão com todos eles, e ninguém tá falando nada que se
aproveite.
Só o Elvis, posso contar com meu garoto para tudo.
Rick: A gente assistiu à novela, os meninos não
entenderam quase nada, mas ficaram lá para dar apoio
moral à nossa garota.
Rick: Agora saímos para beber alguma coisa no bar
de um hotel que o Alex indicou.
Eu partiria a cara do Rick com esse “nossa garota”,
mas já resolvemos essa situação depois que voltamos do
Pocket Show. Além do mais, os três terem apoiado a Beatriz,
mesmo que nosso namoro não seja real e ainda que ela
nem saiba, me lembra de que nós somos irmãos, e não tem
por que desconfiar de Richard.
Beatriz posa para algumas fotos agora, com colegas
de elenco, e identifico pessoas que ainda não apareceram.
Deduzo que sejam personagens dos próximos capítulos da
segunda fase.
Volto o olhar para o telefone, mesmo querendo
continuar passeando pelo ambiente com ela.
A.J.: Se você gosta da garota, acha que ela também
gosta de você, não deixa o passado te impedir.
Volta para o assunto que eu preferia deixar morrer.
Eu: Fácil falar, difícil fazer. O passado pôde me fazer
abandoná-la, mas não vai me impedir de beijá-la?
Rick: Você pelo menos quer contar? Pensa em falar
para ela?
Quero. Contar é o que mais quero. Mas iria destruir a
minha Coisinha, e nessa eu prefiro sofrer sozinho.
Eu: Você sabe que não posso.
O silêncio domina o grupo por alguns instantes, e
Beatriz chama meus olhos, como o canto de uma sereia,
desfilando seu vestido vermelho do outro lado do salão,
conversando, sorrindo, brincando, e eu sorrio mesmo sem
fazer parte da conversa, apenas porque o sorriso dela é
gostoso demais para não ser acompanhado.
Rick: Um beijo entre duas pessoas que se gostam
nunca vai significar só um beijo, mas se é o que você quer…
É a mensagem que volta a acender a tela do meu
celular.
Thomas: É, vai lá e se engana. Cuidado para não
perder seu piercing na boca dela também.
Eu: Vai se ferrar, Thomas. Você é meu melhor amigo,
devia ser melhor do que isso.
Bloqueio a tela do telefone e volto a procurar Beatriz
no meio do elenco, entre a cruz e a espada.
A verdade e a mentira.
Entre fazê-la sofrer só no passado e também fazê-la
sofrer agora.
Nenhum dos cenários é ideal, e eu gostaria que o que
sinto por ela não me consumisse tanto, mas, ao notar o
olhar de Beatriz perdido do outro lado do recinto, como se
tentasse encontrar alguma coisa, só consigo desejar ser
exatamente o que ela está procurando.
Capítulo 16
Ou: Eu te entendo, Olivia Rodrigo, eu também quero
arranhar o carro dele, preparar o almoço pra ele, aí
quero partir o coração dele e ser a pessoa que vai
consertá-lo. Então quero beijar o rosto dele e dar um
soco logo depois. E também quero encontrar a mãe
dele só pra dizer a ela que o filho dela não presta!
Beatriz
Após o brinde, abraço quase todo mundo da equipe;
poso para mais fotos mesmo sem ter certeza de que ainda
estou com a maquiagem no lugar depois do meu batom
manchar a boca de Guilherme; converso com colegas
próximos e atores de outros núcleos; tiro mais fotos com
algumas das garçonetes e me permito comemorar feito
louca a repercussão superpositiva da novela no Twitter.
Eu me sinto feliz. Plena e realizada, ainda assim, meu
olhar se perde na multidão, buscando a ele e sempre ele.
Como se eu quisesse voltar para os braços de Guilherme,
como se o tempo longe dele me deixasse com frio numa
noite de outono carioca, que mais parece uma tarde de
verão de tão quente.
A única coisa que me consola é que, todas as vezes
que meus olhos são puxados até ele como ímãs, Guilherme
também está com o olhar sobre mim. Diferente do que eu
esperava, isso não me incomoda. Porque não são olhares
invasivos, são de admiração. E seria mentira fingir que não
me peguei sorrindo para ele só porque é gostoso fazer isso.
Alguém deveria me dar um tapa.
— A gente já pode ir — aviso assim que me
reaproximo.
Guilherme meneia a cabeça, passando a mão por
minha cintura.
— Hora de deixar a estrela em casa — diz com uma
piscadela, mas, antes que eu me vire, uma voz doce e
conhecida chega aos meus ouvidos.
— Então você é o responsável pelo sorriso no rosto
dessa garota, é?! — Marco se aproxima de nós com sua
careca lustrosa e estende a mão para Guilherme.
— Tenho quase certeza de que nós dois somos,
Capitão — Guilherme o corrige, chamando-o pelo apelido
que usávamos no set de Geração Z e aperta a mão de
Marco. — Minha Coisinha talentosa está feliz pelo trabalho
também. — Ele me olha por uns dois segundos, e eu
assinto, porque é tudo o que posso fazer nessa situação.
E apesar da surpresa, porque eu não esperava que
Marco viesse conversar com ele no fim do evento, o que me
cala é o “minha” empregado na frase de Guilherme.
— Se eu trabalhasse tão bem quanto ela, depois de
anos de férias, também estaria — Marco garante com dois
tapas no ombro do meu principezinho, que está tão
desconfortável quanto eu de mentir para o nosso capitão. —
Como você tá, popstar?
— Pelo amor de Deus, você não, Marco — dispensa o
comentário.
— Tudo bem, me desculpe.
— Para eu desculpar você, vai precisar colocar a
Vicious como trilha sonora da novela — Guilherme brinca,
exagerando no desdém.
— Ah, eu acho que vocês não têm tanto a ver com as
bandas dos anos oitenta, talvez se vocês fossem mais
Menudos… — Marco encolhe os ombros como se não
pudesse fazer nada, e nós três rimos. — Vamos ter de
deixar para a próxima. Mas, como estão as coisas, moleque?
— Bem. Quer dizer, cansativas… — Guilherme faz
charme, o que exige minhas habilidades de atriz para meu
olhar julgador não o denunciar, porque, ultimamente, eu
tenho trabalhado muito mais horas do que ele. — Mas feliz.
E você segue fazendo o que ama, certo?
— A arte de encantar com histórias. — Marco faz meia
reverência, o que nos diverte. Logo em seguida um vento
frio corta o ambiente, e Guilherme me prende mais forte em
seu abraço, beijando o topo da minha cabeça com algumas
risadinhas perdidas.
Quero que isso seja encenação. Mas também não
quero.
E não sei exatamente como lidar com essa antinomia.
— Bom, rapazes, sei que vocês têm muito o que
colocar em dia — interrompo-os, querendo fugir. — Mas a
gente tem horário, Marco. Então vamos ter que dizer tchau.
— Finjo estar chateada e me afasto de Guilherme para
abraçá-lo.
— Não quero segurar você, Bia. Obrigado por ter
vindo. — Marco afaga minhas costas e deixa um beijo em
meu rosto. — Bom te ver garoto.
— Foi muito bom te rever também — Guilherme
responde e, pelo olhar fixo no de Marco, está sendo
honesto.
Meu diretor se vira, e nós damos as mãos para sair,
mas então Marco para, encarando um de cada vez, com um
olhar terno. Logo em seguida o homem coça a careca,
mirando Guilherme.
— Cuida bem dela dessa vez — pede, num tom tão
paternal que meu coração se aperta. — Raios caem duas
vezes no mesmo lugar, estrelas cadentes não — diz e
encaixa as mãos na calça social, mas permanece olhando
para Guilherme como se esse fosse o conselho mais
precioso que pudesse dar a alguém.
Diferente do que eu esperava, Guilherme não retesa e
não sorri sem emoção, ele só passa a mão pela minha
cintura e me segura rente a seu corpo, como se quisesse ter
a certeza de que eu não vou escapar.
— Tô ciente, capitão! E tô tentando. — Guilherme
pisca para Marco, que assente e, dessa vez, se vai de
verdade. — Tô realmente tentando. — Essa parte ele diz
olhando nos meus olhos, e eu não quero entrar nesse
assunto.
— Que tal tentar cuidar de mim me levando para casa,
hein? — proponho, como se não tivesse ouvido o que ele
falou, porque essa carinha de homem sofrido depois de me
beijar daquele jeito só tem um significado: Carência.
E não vou dormir com ele.
— Seu pedido é uma ordem, Princesinha. — Guilherme
segura minha mão direita e, com a mão livre, liga para
Machine, o chefe da segurança, e avisa que estamos indo
para o estacionamento.
Caminhamos até lá de mãos dadas, distribuindo
sorrisos e tchauzinhos aos meus colegas e, assim que
passamos pela porta, somos escoltados por seis
seguranças, que nos deixam no carro de Guilherme e vão
para o SUV estacionado ao nosso lado. Entrando no carro,
colocamos os cintos e nos encaramos em silêncio antes dele
dar a partida.
As coisas estavam amenas antes de Marco chegar,
mas toda aquela conversa mexeu comigo de uma forma
confusa. Meu olhar se perde pela orla e, mesmo sentindo os
olhos de Guilherme em mim, não quero falar com ele. Não
quero pensar que somos alguma coisa, ou lembrar da
ternura no olhar e da súplica em suas palavras, não posso
fazer isso comigo.
— Você se incomoda se eu ligar o rádio? — pergunta
depois de dois sinais vermelhos, e eu nego com a cabeça.
As músicas da Vicious Bonds embalam o trajeto de
treze minutos da praia do Leblon à Copacabana e, assim
que One Last Kiss começa, ele vira na minha rua.
— Oh, meu Deus — o sussurro sai de nós dois.
Fãs. Muitas fãs. Com cartazes, camisas e mais
algumas coisas que a noite nos impossibilita de enxergar.
— Elas não vão embora nunca? — pergunto, mais em
choque do que incomodada.
— Depois que vim te buscar? Acho que não. Elas
provavelmente estão divididas. Metade aqui e metade lá no
meu prédio. Esperando para saber onde vamos dormir, se
vamos dormir juntos…
— Dá a volta no quarteirão, vou avisar o porteiro e
pedir para ele abrir, você me deixa lá embaixo — digo, me
referindo ao estacionamento.
— Tudo bem, vou passar direto, para elas não
desconfiarem de um carro dando a volta no meio da rua, e
pedir aos seguranças para fazerem um muro.
Quando achei que voltaria a viver coisas assim?
Nunca.
Logo que Guilherme desliga a chamada inteligente,
feita direto do carro, vejo os seguranças atrás da gente
reduzirem a velocidade e estacionarem no meio-fio.
Pego meu celular e ligo para a portaria, dando a cor e
a placa do carro dele para evitar a espera no meio do caos.
Assim que chegamos perto do prédio, o portão é aberto e,
quando elas se dão conta de que somos nós dois no carro,
já é tarde demais.
Nós estamos lá dentro e os seis seguranças de
Guilherme as impedem de entrar.
— É sempre assim? — pergunto quando ele desliga o
carro, fazendo One Last Kiss se calar.
— Não desse jeito. — Ele me olha de soslaio. — Isso é
o Brasil, né? Os meninos queriam ficar indo para Shopping
quando a gente chegou, foram duas vezes à praia, o Alex
surtou tanto — diz gargalhando ao estacionar o carro numa
das vagas marcadas como “visitante”.
— Obrigada pela carona, Gui. Deu tudo certo, hoje.
Boa sorte para sair ileso. — Aceno e tiro o cinto, pegando
minha bolsa.
— Gostei de te fazer companhia hoje. — Ele toca
minha mão, e uma corrente elétrica percorre meu corpo
inteiro, lá vamos nós. — E amei te ver no seu habitat
natural. Não que você cante mal, você é maravilhosa com a
música. — Guilherme descansa a cabeça no encosto do
banco e sorri ternamente. — Mas atuar sempre foi o seu
rolê, né?
— Às vezes, sinto falta de me expressar da mesma
maneira que eu conseguia fazer através do canto —
assumo, observando o estacionamento pelo vidro. — É
muito mais fácil quando uma melodia que embala o que
jorra do seu peito fala por você.
— É por isso que tu coloca músicas nas legendas de
todas as nossas fotos? — pergunta depois de limpar a
garganta. Sua mão ainda na minha, as duas suando,
apoiadas no pequeno espaço entre nós. — As músicas são o
que você realmente queria me dizer e não consegue?
Fecho os olhos e seguro o ar por alguns segundos, me
preparando para deixar um rio, que deveria ser só meu,
escorrer pelos lábios.
— Às vezes sim, às vezes não. — Pressiono os olhos
um pouco mais. — Às vezes as músicas são mais sobre
mim, outras sobre como eu quero que o público nos
observe, e às vezes… — Hesito por alguns instantes, mas
abro os olhos por fim. Nossas respirações tensas
embaçando os vidros do carro e os olhos de Guilherme fixos
em mim enquanto ele segue acariciando minha mão me
dizem que não posso mais voltar atrás. — Elas são só
músicas que eu postaria, se pudesse usá-las para legendar
fotos com algum carinha de que eu gosto… — confesso
dando de ombros.
O silêncio preenche o carro mais uma vez, e eu espero
que ele não pergunte, com pena ou surpresa, se nunca tive
ninguém depois dele.
Guilherme toca meu rosto e, quando eu não protesto,
o acaricia. Nos encaramos por alguns instantes, a mão dele
toca minha bochecha, afaga meu cabelo e roça na minha
nuca, me fazendo respirar bem fundo, o que é uma má ideia
porque o desgraçado ainda está cheiroso… Seu olhar, no
entanto, não tem pena. É só… o Guilherme me observando.
— Você é minha namorada de mentira, mas ainda é
minha namorada. Acho que posso ser o carinha que você
gosta por algum tempo. — A malícia dança em seus olhos,
só que a curiosidade presente é maior. — O que você diria
para ele?
Mas eu rio. Acabo com a tensão do momento ao
deixar uma risada histérica escapar.
Por que simplesmente não abro essa porta?
É só abrir e sair que tudo isso acaba.
— Não tem como conversar com ele depois de passar
a noite inteira com você. — Encolho os ombros como se isso
fosse um princípio básico. — E eu beijei você e gostei, e
talvez ele não quisesse saber disso.
E aqui está.
Não saí desse carro ainda porque não quero sair.
Quero ficar e ver aonde os olhos de açúcar mascavo
vidrados em meus lábios podem me levar.
— Ótimo. — Ele tira o cinto e se vira de lado no banco,
ficando de frente para mim. — Conversa comigo então. O
que você me diria se pudesse me falar qualquer coisa?
Você me machucou muito, mas é tão bonito de rosto e
minha cama é de casal, vamos subir?
Reflito por alguns instantes, sem chegar a lugar
nenhum.
— Não… não sei se tem algo que… eu queira falar —
praticamente gaguejo. — Mas acho que a gente precisa
voltar a ter limites. Todo mundo já sabe que a gente tem um
relacionamento, não precisamos mais ficar nos beijando
toda hora — digo me sentindo a mais forte das mulheres.
Mas Guilherme brinca com o piercing em sua língua, me
fazendo engolir em seco e desviar o olhar.
— Entendo. É verdade. Todo mundo comprou a gente,
e faltam poucas semanas pro nosso fim — pondera as
informações em voz alta, tocando meu queixo e me fazendo
encará-lo. — Então a gente se afastar também faria sentido,
né? — pergunta, com os olhos nos meus e num tom tão
irônico que nem consigo assentir. — Com isso, eu queria te
fazer uma proposta — diz se aproximando.
Uma proposta, vinda de Guilherme, não me parece
algo bom ou aceitável nessa altura do campeonato.
Principalmente pela proximidade que ele está de mim
agora.
— Que é? — indago, ainda com a sobrancelha
arqueada.
— Lembra quando você disse que nosso beijo de hoje
não vai se repetir? — Guilherme pergunta, se inclinando um
pouco mais para mim, levando uma das mãos à minha
cintura. E eu assinto sem saber se o empurro ou o trago
para mais perto. — Já que a gente vai parar, acho que pode
fazer um acordo de apagar as últimas horas da nossa mente
e fingir que elas nunca aconteceram, você consegue fazer
isso? — sussurra, sua respiração banha meu rosto e me
sinto quase inebriada por ele.
— Aham. — A palavra sai num quase gemido quando
sua mão encontra o decote do meu vestido nas costas e
sobe, vagarosamente, por ele.
— Me esquecer é fácil assim, é? — Ele ergue as
sobrancelhas surpreso, arrastando a ponta de seu nariz no
meu, e eu assinto mesmo estremecendo. — O Rick está
errado, Coisinha. Você é uma garota má — diz enquanto sua
mão livre toca minha perna esquerda, puxando-a para cima
do banco e me deixando de frente para ele.
Todas as minhas terminações nervosas pulsam. Sinto
que vou morrer com seu toque em todos os lugares e seus
lábios tão perto, mas ainda tão distantes dos meus.
Vou literalmente morrer de tesão.
Triste fim.
— Fala a proposta, Guilherme. — Minha ordem sai bem
mais demorada e trêmula do que eu esperava.
— Queria saber o que você acha de me deixar te
beijar mais uma vez, só mais uma vez, e aí depois a gente
esquece a noite toda… — ele sussurra em meu ouvido,
roçando o piercing gelado pelo meu pescoço em seguida.
— Só mais um último beijo? — É inevitável fazer
alusão à música que tocava no rádio quando chegamos aqui
e que ele usou para legendar uma das nossas fotos.
— One Last Kiss — garante, roçando os lábios nos
meus enquanto sua mão desce pelas minhas costas,
arranhando-a de leve agora.
Arqueio, arrancando um risinho de lado de Guilherme,
que não tira os olhos dos meus.
— Acho que, se eu fosse lembrar disso amanhã, diria
que você está maluco. Mas já que não vou lembrar, tudo
bem, você pode me beijar de novo.
Ele fecha os olhos como se tivesse esperado muito
tempo por isso e me beija. Com muito mais necessidade
dessa vez. As mãos invadem meus cabelos libertando-os do
coque, descem pelas costas sentindo minha pele, apertando
nas curvas certas enquanto sua língua áspera me faz delirar
junto com seus lábios macios e o piercing…
É como um cetro para o príncipe.
Ele se afasta o suficiente para eu conseguir respirar,
mas o faz mordendo meu lábio inferior vagarosamente, até
soltá-lo por completo e acariciar meu rosto. Meu
principezinho me observa como uma câmera, memorizando
cada pedaço, e eu faço o mesmo com ele. Fotografo o
encanto em seus olhos e gravo a paixão em seus lábios, que
só se intensifica quando ele me beija de novo.
Sem medo.
Sem vergonha.
Sem amarras.
Logo em seguida, também sem pudores.
Sua mão direita sobe pela fenda do vestido, e
Guilherme aperta minha coxa como se quisesse garantir
que não vou fugir, e a esquerda me segura firme contra seu
corpo.
O empurro sem pensar e vejo o susto em seus olhos,
mas faço isso apenas para sentar em seu colo. Trago seu
rosto para o meu, sentindo-o sorrir no beijo e, dessa vez, no
momento que esse principezinho gostoso morde os meus
lábios, um gemido alto e claro escapa, fazendo-o apertar
minhas coxas em resposta, e essa é a melhor sensação do
mundo.
— Coisinha deliciosamente irritante — Guilherme
geme, e o desejo em seus olhos me mostra o quanto ele
queria isso. O quanto me queria. — Coisinha gostosa. — Os
lábios chegam ao meu pescoço, exigentes. — Minha
Coisinha fascinante. — Ele enfia a mão direita pelos meus
cabelos, puxando-os e me arrancando mais um gemido. —
Minha Coisinha favorita no mundo — diz, e seus olhos me
contam uma história que eu preferia não escutar. — Eu senti
sua falta, senti tanto sua falta — Guilherme decreta,
espalhando meus cabelos com as duas mãos, fazendo-os
emoldurar meu rosto como ele tinha comentado. — E eu
gosto tanto de você, Beatriz, tanto. Que tá contigo agora e
saber que isso não muda nada é a pior tortura sob a qual já
me coloquei.
Não, Guilherme. Sentimentos aqui não.
— E eu perguntaria “Por que você me deixou?”, “Por
que você foi embora?”, “Por que você nunca ligou?”. Mas
nada disso importa agora, então cala a boca. O mestre
mandou você me beijar, Principezinho idiota — afirmo,
passando os braços pelo seu pescoço.
— O mestre mandou? — O roçar do piercing de
Guilherme no lábio inferior agora demonstra sua surpresa,
mas ela não é, de maneira nenhuma, uma surpresa
negativa.
— Uhum. O mestre mandou — sussurro a centímetros
dos seus lábios, ansiando pelo beijo, mas esperando que ele
cumpra a ordem.
— Você ainda vai acabar comigo — ele rebate,
correndo a mão direita pela lateral do meu corpo e me
puxando para si com a esquerda envolta em meus cabelos.
Me beijando de uma maneira mais intensa e mais profunda.
Meus lábios correm pelo seu pescoço, sua mão aperta
minha perna nua, e eu permaneço sentada sobre ele de
modo desajeitado e confuso.
Ainda assim, eu queria isso.
Mesmo que não assumisse, eu precisava disso.
E é errado, eu não devia deixá-lo entrar. Sei que não
vamos esquecer e não vamos parar. No entanto, a única
coisa que quero é subir. Eu quero entrar no meu
apartamento, deitar na minha cama e quero que Guilherme
esteja comigo.
Mas não posso fazer isso, e ele não deveria estar aqui.
Então mordo seu lábio inferior lentamente, me afastando, e
respiro fundo antes de dar dois tapinhas no rosto dele e
dizer:
— É hora de você ir para casa. — Desço de seu colo, e
seu olhar nublado denuncia a confusão, mas ele não diz
nada. Esse era o acordo desde o princípio. — É hora de a
gente esquecer.
Ou pelo menos fingir.
Guilherme apenas fecha os olhos por alguns segundos
e, quando os abre, a vermelhidão denuncia que tem
lágrimas presas ali. Elas me parecem convidativas, como se
pudessem lavar toda minha dor e justificar o que ele fez,
mas eu não posso me enganar agora.
Então eu faço a única coisa que posso.
Pulo do colo dele e saio do carro sem olhar para trás.
Entro no elevador totalmente descabelada e ajeitando o
vestido no corpo, e me sinto um pouco mais segura quando
a porta se fecha à minha frente e o carro de Guilherme fica
mais distante.
Chegando no meu apartamento, descanso o corpo na
porta, ainda sorrindo, como se não tivesse cometido o pior
dos erros, e pego meu celular, pressionando o botão de
chamada no contato de Nina.
Espero que minha amiga crente me lembre de todos
os motivos pelos quais esse incêndio dentro de mim tem
que morrer.
@QueenBLopes
[4]
Capítulo 17
Ou: Quando ela parou de ser a Coisinha e se tornou a
Minha Coisinha?
Guilherme
Eu odeio reuniões.
Quando penso na minha carreira, penso em cantar,
tocar violão, guitarra ou piano, mesmo não sendo expert no
último. Assim, estar sentado numa sala enorme com meus
colegas de banda enquanto o gerente da nossa turnê no
Brasil caminha com as mãos nos bolsos do lado oposto da
mesa e repassa exigências — que já tinham sido entregues
— sobre os camarins dos shows e os traslados — que ora
serão feitos em voos particulares, ora no ônibus da banda,
como já estava acordado — não é o meu ideal de meio de
semana.
Porém, como preciso que todo mundo aqui concorde
com algo fora dos padrões, decidi ficar no sapatinho e não
demonstrar desinteresse, mesmo checando o celular a cada
dez minutos.
O olhar de Alexandre sobre mim agora, no entanto,
me garante que um aceno ou sorriso condescendente não
vai ser o bastante.
— Vamos falar do seu namoro! — Alex anuncia,
estalando o dedo em minha direção, e meneio a cabeça,
porque, bem, essa hora com certeza chegaria.
Nos quase dois meses de namoro falso com Beatriz,
muitas coisas repercutiram tanto em páginas de fofoca
como dentro dos nossos fandoms. Era legal, e às vezes até
engraçadinho. Mas nada, nada no mundo me preparou para
o que aconteceu nas redes sociais depois de sábado.
Diferente do que acreditávamos, pelo menos uma das
Vagabonders conseguiu se infiltrar no estacionamento de
Beatriz e tirou uma foto nossa, com uma nitidez
impressionante demais para um carro com o máximo de
vidro fumê permitido pela lei.
Se antes disso todo mundo achava que éramos um
casal fofo, agora todos esperam que eu componha uma
música com as mais variadas segundas intenções, a
#ChádaBia foi a quarta mais falada do Twitter, e a
quantidade de vezes que li algo sobre “Fic GuiBia Ceo e
Pobre” e “Mafiosos rivais” +18 me assustou.
Mas, se eu der atenção a essas coisas, vou
enlouquecer, porque não faço ideia de como isso afetou
Beatriz, já que ela não me atende ou responde minhas
mensagens desde sábado.
— A gente não precisa falar sobre isso, a Alê… —
tento deixar o assunto enterrado e lembrá-lo do nosso foco
principal na reunião: Apresentar Alessandra aos meninos,
mas ele me ignora.
— Precisamos. Vamos falar do seu relacionamento
lindo e glorioso que está tanto em páginas de fofoca quanto
na mídia tradicional — ironiza. Coço a nuca olhando para
Thomas à minha direita, como se ele pudesse me tirar
daqui, mas meu amigo encolhe os ombros. — Como é que a
gente acaba com esse caos sem explodir a turnê de vocês?
— Ele joga a pilha de papéis na mesa.
— Conforme o combinado… — começo a falar com
todos os olhos da sala focados em mim. — A gente teve
data para começar e tem data para terminar essa parada.
Faltam duas semanas para isso. Você pode ficar calmo.
— Entendo que tivessem um cronograma lá atrás —
diz se sentando. — Mas a última aparição dos dois conta
com vocês quase se comendo dentro de um carro. E, por
algum motivo, a Miss discrição a postou em seu perfil
pessoal com uma legenda nada amigável para um público
tão jovem quanto o de vocês, então… — Alex cruza os
braços, esperando uma resposta.
Me seguro para não rir. Aparentemente, eu tenho
dezessete anos de novo.
Estou sendo repreendido por beijar Beatriz como se
nosso público inteiro fosse composto por Amish de doze
anos.
— Já te avisaram que o A.J. desce do palco e beija uma
fã, na boca, de língua, em todos os shows, né? — Richard,
que está sentado de frente para mim, coloca o indicador na
mesa e pergunta a Alex com as duas sobrancelhas erguidas.
Alexandre abre a boca para dizer alguma coisa, mas Rick o
impede. — Pois é. Cada uma das nossas Vagabonders sabe,
exatamente, o que é um beijo na boca, pode ficar tranquilo.
— A repercussão foi ótima, vocês são quentes… —
A.J., ao lado de Richard, diz com um joinha, e eu devolvo o
movimento sem criar caso, porque sei que meu amigo só
está tentando ajudar.
— Pois é, Alex — tomo a palavra. — Começamos
Eu amo você.
Eu te perdoo por ter ido.
Eu sei que você nunca me abandonaria sem motivos.
Eu amo você.
Quero que a gente dê um jeito.
Quero fazer funcionar.
Eu te perdoo.
Todas essas palavras me arranham a garganta depois
do dia mais incrível dos meus últimos meses, se for
honesta, anos. Em contrapartida, o cara secando o cabelo
do outro lado do quarto, jogando a toalha no cesto,
caminhando em minha direção e se deitando sobre mim
com cheiro refrescante de loção pós-barba, me beija tão
calmo, tão lindo, tão doce, que não sei se eu conseguiria
fazer isso.
Não sei se eu poderia seguir com Guilherme, o único
homem que amei, sem que conversemos sobre o que
precisa ser conversado.
— Você… hum… lembra que tínhamos um combinado?
— pergunto assim que nossos lábios se afastam. Guilherme
fecha os olhos respirando fundo. — Você tá me fazendo
parecer uma chata obsessiva, sabia?
— Eu sei. Só… — As palavras morrem em sua
garganta.
— Qual é a sua ideia? A gente voltar, não conversar e
empurrar tudo com a barriga até parar de funcionar?
— Não, Bia, eu…
— Você quer ser o pai dos meus filhos, mas não
consegue conversar comigo…
— Me desculpa. — As palavras saem de Guilherme
como se o estivessem rasgando. — Estou mesmo fugindo e
te fazendo pagar de doida. Me perdoa. A gente vai
conversar.
— Hoje? — pergunto muito mais pelo silêncio e
calmaria da noite do que por pressa.
— Hoje, só não agora. — Ele sai de cima de mim e se
senta na cama, me dando a mão para que eu me sente
também.
— Algum motivo especial? — indago confusa.
— Quero cantar com você — ele diz simplesmente, e
as borboletas no meu coração voam como se nunca
tivessem conhecido a liberdade.
Ele já cantou para mim. Nós até cantamos juntos no
dia que ele dormiu lá em casa, mas agora é diferente. Agora
nós somos um casal, como na época da Geração Z. Quando
rodávamos o país e nos beijávamos em cima dos palcos,
para dar à plateia o que ela queria, e atrás dos palcos, para
lembrarmos um ao outro que nunca seria só encenação.
Estudando a forma como Guilherme espera minha
resposta agora, com esperança no olhar e estalando os
dedos em ansiedade, percebo que fomos inocentes com
essa história de namoro falso.
Nunca seríamos só personagens. Nem antes, nem
agora.
— O que cê quer cantar? — digo por fim, chegando
um pouco mais perto dele.
— Tem uma música que a gente nunca cantou junto —
ele se apressa em dizer. — Mas que me lembra muito de
você — explica, secando o suor das mãos na boxer.
Além de compor para mim e ter tatuagens sobre nós,
Guilherme ainda fica me buscando em canções que ele não
criou… Eu só queria resolver o que pulsa entre nós para
dizer que sou louca por ele, que o amo mesmo sem querer e
que se o nosso amor superou esse tempo todo longe, vai
superar o que quer que tenha acontecido também.
— E eu conheço? — pergunto, empurrando essas
necessidades para longe.
— Todo mundo conhece!
— E qual é?
— Me espera. Aquela da Sandy com o Tiago Iorc.
— Talvez eu erre algumas coisas, tem tanto tempo que
não escuto. — Encolho os ombros fazendo charme. Mas é
Sandy, a gente nunca esquece uma música da Sandy.
— Relaxa. A gente vai cantar junto. — Guilherme se
recosta na cabeceira e me estende a mão. — Senta aqui. —
Convida, e me sento ao lado dele com os pés esticados
sobre a cama.
Meu amor começa a batucar algo que eu não consigo
entender se é a introdução da música ou ele tentando
acalmar a ansiedade agredindo a própria perna, mas depois
de um tempo, abre a boca com a primeira frase da música:
Eu ainda estou aqui, perdido em mil versões irreais de
mim…
Com a frase vem também o compasso da música. Ele
bate nas coxas enquanto eu estalo os dedos no mesmo
ritmo, conforme começo a cantar.
E é impressionante o quanto, antes mesmo do refrão,
essa música já me bateu forte. Durante o refrão, minha voz
embarga, e os olhos de Guilherme marejam. Mas não
desistimos. Seguimos cantando a música de maneira
catártica, mas baixo. Não porque temos medo de incomodar
os outros, mas porque não queremos que ninguém participe
desse momento.
Ele diz “Não me esqueci de quem eu sou e o quanto
devo a você”, olhando em meus olhos e acaricia meu rosto
com a ponta dos dedos.
Quando eu canto o refrão, “Tenta me reconhecer no
temporal, me espera. Tenta não se acostumar, eu volto já,
me espera” peço para que ele encontre em mim a garota
que o amava tanto. Apesar de quem eu sou hoje, apesar da
bagunça e do passado.
E quando ele implora, me pegando pela cintura e
sentando em seu colo para que eu não me acostume com
sua ausência, lágrimas escorrem dos olhos de nós dois.
Nós sabemos.
Temos completa certeza de que o passado vai nos
destruir.
Mas queremos nos enganar um pouco mais.
Desço minha testa sobre a dele, e cantamos, como
uma jura de amor eterno feita sob um raio de sol no fim do
arco-íris:
Mesmo quando me descuido (me desloco), me
deslumbro (perco o foco) perco o chão (e perco o ar) me
reconheço em teu olhar (que é o fio pra me guiar) de volta,
de volta.
— Beatriz, eu preciso muito que você me perdoe, mas
a verdade é que eu… — Guilherme começa a falar em meio
às lágrimas, mas eu o interrompo com um beijo voraz e tiro
a blusa do pijama enquanto ele me deita no colchão como
se tivesse tanta certeza quanto eu de que essa é a última
vez.
Capítulo 29
Ou: Existem coisas que só Deus pode perdoar.
Guilherme
Há duas noites eu e Beatriz transamos. Sem amarras,
pudores ou limites. Nossos corpos estavam morrendo de
saudades. Poderíamos fazer aquilo de novo, e de novo,
quantas vezes fossem necessárias para aplacar a saudade e
o desejo.
Ontem, por outro lado, fizemos amor. Derramando
nossos sentimentos e medos um no outro, como nunca
tínhamos feito.
Havia carinho, ternura, saudade, paixão e o para
sempre.
Mas também tinha dor, raiva, rancor, tristeza e o fim.
Tudo de uma vez só, tudo junto.
Quando terminamos, não houve palavras. Fiquei ao
lado dela e a prendi numa conchinha como se aquele
pequeno casulo pudesse fazer todo o resto passar.
Como se abrir a boca e expor as minhas feridas mais
profundas e manchar a imagem da pessoa que ela mais
idolatra no mundo não fosse acabar com a gente.
Dormir foi impossível e as horas, graças a Deus,
passaram devagar. Os pequenos feixes de luz da persiana
mostraram a lua se movendo e, tempos depois, o sol
nascendo. Permaneci abraçado à mulher que amo, sentindo
o cheiro cítrico de seu cabelo, o aroma doce e convidativo
de sua pele macia, que por três dias eu pude fazer de casa.
Mas o sol da manhã chega, iluminando o quarto com
um pouco mais de intensidade, fazendo Beatriz sair do meu
abraço cedo demais. Pelo menos ela se vira para mim, com
os olhos nos meus. Acaricio seu rosto em silêncio,
estudando cada pedacinho de sua pele marrom; seus lábios,
quase sempre vermelhos, agora pálidos, e o cílios enormes,
através dos quais ela me estuda. Sorrio quando Bia fecha os
olhos ao me sentir arrastar o indicador de sua testa até a
ponta do nariz arrebitado.
Minha Coisinha, minha Princesa. A mulher da minha
vida.
— Bom dia, cê dormiu bem? — pergunto, observando
seus cabelos espalhados sobre a cama. Bia assente, mas
não diz nada, então continuo. — Independente do que
aconteça depois que a gente conversar, quero que saiba
que eu te amo — confesso com uma tranquilidade estranha
para o momento, e ela arregala os olhos, como se eu
estivesse proibido de dizer isso, e se senta num pulo. Mas
nego com a cabeça, deixando claro que não vou parar
dessa vez, e me sento de frente para ela antes de continuar.
— Que pisar no Brasil de novo depois de anos e saber que
nós não éramos mais um do outro foi o pior vazio que senti
na vida. E que tudo o que aconteceu entre nós dois
aconteceu pelo meu coração. Minha cabeça jamais
permitiria isso.
— E qual é a origem dessa guerra entre razão e
emoção…? — Bia indaga com a sobrancelha direita erguida.
— A lembrança do que me fez terminar. — Encolho os
ombros. — Dói em mim todos os dias, e eu não queria que
doesse em você.
— Por isso não queria falar… — deduz, jogando o
cabelo de lado me observando, e eu tento encontrar um
jeito menos doloroso, tanto para mim quanto para ela, de
começar a contar a verdade, mas Bia é mais rápida: — Sabe
Guilherme, eu menti — afirma com os olhos nos meus. —
Não dormi por muito tempo essa noite. Preferi ficar
acordada, sentindo sua respiração nas minhas costas, seu
toque em minha pele, mantendo seu braço o mais rente a
mim possível, porque eu sei que você me ama. E depois de
tudo o que aconteceu, isso é o que mais dói, sabia?
— Como assim?
— Preferia que meu “follow” aquele dia fosse um
problema para nós. Que as coisas entre a gente fossem só
uma confusão de sentimentos. Queria que tivéssemos
“tentado de novo” e percebido que não era mais a mesma
coisa — enumera, me deixando confuso, e fazendo meu
coração bater cada vez mais devagar, como uma morte
lenta. — No fim das contas, ser a garota abandonada por
um cara que nem gostava dela tanto assim de novo seria
mais fácil do que aceitar que o seu amor por mim seja tão
fraco, tão frágil e tão chinfrim — Beatriz cospe os adjetivos
— que tu preferiu fugir a enfrentar o que quer que tenha
acontecido do meu lado.
— Talvez você esteja certa — digo simplesmente,
percebendo que essa conversa vai ser muito, muito pior do
que imaginei. — Talvez o que aconteceu no passado tenha
me sufocado tanto que impediu até meu amor de respirar,
que me impediu de ficar…
— Mas e agora, Guilherme, seu amor já consegue
respirar? Seu amor vai ser honesto e parar de me torturar?
Ela olha para cima, tentando impedir as lágrimas de
caírem, e eu quase ergo a mão, querendo muito tocá-la e
oferecer algum conforto, mas esse não seria o melhor
momento. Suspiro resignado e abro o jogo.
— Vamos começar do início: Namorar a menina pela
qual me apaixonei à primeira vista parecia impossível. —
Encolho os ombros e jogo o tronco para a frente, apoiando
os cotovelos nos joelhos e esfregando os olhos, a noite
insone cobrando seu preço. — Durante meses, todo mundo
na minha casa dizia que você era metida a besta, filha de
ricaço e que investir em algo contigo nunca funcionaria —
pontuo informações não muito legais, mas que não a
abalam, porque ela sabe dessa parte sombria da história. —
Até que um dia minha mãe me buscou no fim de um
ensaio…
— E eu perguntei se podia ir comer no podrão com
vocês, porque eu só fazia isso com a Nina, já que meus pais
nunca pisariam num pé sujo — ela me interrompe.
Lembrando com riqueza de detalhes porque passamos
aquela noite trocando mensagens românticas em códigos e
nos beijamos pela primeira vez no dia seguinte. —
Guilherme, que caralhas essa história tem a ver com você
me abandonando?
— Tudo. Você vai entender, só… me deixa explicar —
peço, e ela assente, cruzando as pernas e prendendo o
cabelo num coque. — Perceber que você era metidinha, mas
não esnobe, abriu um mundo de possibilidades para mim.
Só que eu fui tão inocente, que nem parei para pensar em
como a sua família me veria.
— Ah, Guilherme. Não mete essa, meus pais te
adoravam.
— Pois é, sua mãe sempre me tratou como alguém
importante para ela — concordo, porque, apesar de ser uma
ótima madame, dona Tati sempre se importou mais com o
modo como eu tratava sua filha do que com a conta
bancária dos meus pais. — E, quando falamos de conselhos
e incentivos, Rodolfo foi um mentor para mim mais vezes do
que sou capaz de admitir. — Coço a ponta do nariz antes de
confessar algo que não era tão difícil no passado.
— Porque ele amava você, Guilherme, para onde a
gente tá indo? — a pergunta irritada pula dos lábios de
Beatriz, que me olha com uma ansiedade tão grande que
me sinto mal de ainda ter tanto para falar antes de dizer o
que realmente aconteceu.
— Não posso negar que, como um menino que saiu da
favela e mudou a vida da família, Rodolfo me admirava e
respeitava muito — pondero, porque é a verdade. — Mas
como seu companheiro de vida? Seu pai no máximo me
tolerava, Beatriz — digo sem olhar para ela e me levanto,
dando espaço para ela processar as informações.
Seu riso incrédulo enche o quarto, e Beatriz se
levanta, vindo em minha direção.
— Enfiar um homem morto nas tuas mentiras é algo
que eu nunca pensei que tu pudesse fazer, Guilherme. —
Ela se controla para não gritar e acordar a casa. — Seria
melhor não dizer nada, por que você só não assume que
não queria uma namorada enlutada e deprimida?
— Porque eu queria você — falo mais alto do que
esperava, mas seguro seus braços com gentileza e a encaro
antes de continuar: — De todas as formas. Todos os dias.
Mas seu pai começou a deixar muito claro que ele gostava
da ideia de um pobre metafórico que saiu do nada e
conquistou uma vida melhor para a família, isso ele
respeitava. Mas, quando era a minha vida com você, o
assunto sempre foi diferente.
— Guilherme, todo mundo achou estranho no início,
você sabe. Família, amigos, imprensa… Mas meu pai foi
quem sossegou mais rápido!
— Sim, Bia. Quando a gente era criança e namorava
como criança — digo, porque ele mesmo me falou isso. —
Mas depois que a gente cresceu e as coisas ficaram mais
sérias…
— Ele passou a te odiar? — pergunta com desdém.
— Não. Mas passou a fazer de tudo pra que eu
entendesse que seria melhor pra mim se a gente se
afastasse, porque eu não pertencia ao seu mundo. — Sou o
mais sincero que consigo, e ela ergue as duas sobrancelhas.
— Ele começou a perguntar como eu me sentia usando
determinados tipos de roupa; como era, pra mim, levar
minha família a lugares menos ralé; uma vez me elogiou por
levar meus pais e a Dani num restaurante mesmo que eles
fossem incapazes de usar os talheres na ordem certa ou as
taças de maneira correta e…
— Para Guilherme. — Ela ergue a mão direita de cenho
franzido. — Meu pai era um quarentão, branco, rico, e daí?
Você terminou comigo porque ele fez comentários
desnecessários? — pergunta, e eu nego com a cabeça, me
afastando para respirar, porque não é possível que isso seja
só “desnecessário” para ela.
— Desnecessário?
— Elitista, Guilherme. Idiota, preconceituoso, o que
você quiser dizer. O que eu ainda não entendi, é o
abandono, porque você namorava comigo, não com ele.
— Você não entende, Beatriz. — Esfrego o rosto,
pensando em como isso doía em mim. — Era fácil falar com
seu pai sobre qualquer assunto, menos sobre você. Ele me
incentivava e achava honrado tudo o que eu fazia pela
minha família, mas vivia dizendo que uma hora a gente
acordaria para o fato de que éramos muito diferentes,
assim, como quem não quer nada. Lembro de quando… —
Engulo em seco sob seus olhos atentos. — Quando eu não
sabia exatamente o que fazer pela Dani, e ele me ajudou a
encontrar a agência ideal para mandar meu pai e ela para
os Estados Unidos de maneira legal para que ela estudasse
lá e tivesse uma vida melhor que a minha.
— Eu sei, Guilherme, ele só falava de como dava gosto
ver que você não tava torrando seu dinheiro, que seus pais
deviam ter muito orgulho de você.
— Mas, ao mesmo tempo, ele dizia que, se eu te
amasse de verdade, Beatriz, entenderia que a imagem da
filha dele subindo o Morro do Alemão para o aniversário de
um dos meus parentes não era o que ele sonhava para você
— digo, me afastando.
— Se isso for verdade, Guilherme — ela diz, vindo em
minha direção. — Nesse momento, a única coisa que eu
quero é morrer — ela vocifera, baixo, mas com ódio
fervendo no olhar, espalmando as mãos em meu peito. —
Quero literalmente me matar na sua frente, porque, como
você acabou de falar, nós éramos novos, mas éramos um
do outro. — Sua voz embarga, e eu seguro as mãos em meu
peito, com o corpo doendo de vontade de abraçá-la. Mas Bia
escapa do toque e vai até minha cama, se sentando com
ambas as pernas tremendo em ansiedade ou raiva, não sei
dizer. — Não entra na minha cabeça que você terminou
comigo por isso sem nunca ter me falado que meu pai te
fazia sentir assim.
— Para pessoas como eu, sonhos não se realizam com
muita facilidade. E, àquela altura, eu tinha uma conta
bancária com sete dígitos, já tinha mudado a vida de todas
as pessoas que estão dormindo nesta casa, a gente tinha a
turnê de despedida que passaria pelos vinte e sete estados
do país. Saber que eu não era digno da mulher que eu
amava porque eu não nasci com os mesmos privilégios que
ela era como se fosse a vida me dizendo: “Você não pode
ter tudo”.
— Eu fiz você se sentir assim? — ela pergunta
confusa, tentando entender se tem alguma parcela de culpa
nas lágrimas que dançam em meus olhos agora.
— Nunca. E apesar da pressão psicológica
devastadora que era estar no mesmo ambiente que seu pai,
eu gostava. Porque eram as minhas oportunidades de
demonstrar que você era importante para mim. Eu tinha
certeza de que uma hora ele veria que todas essas questões
de riqueza, berço, origem… eram pequenas. Rodolfo só
precisava perceber o quanto eu te amava e como faria
qualquer coisa por você para me aceitar — digo enquanto
caminho até a cama.
— E aí você terminou comigo porque meu pai, que já
estava morto, não gostava do fato de você ter nascido
pobre. — Uma risada irônica e amarga enche o quarto
enquanto me sento a uma distância segura. — Uhum, faz
todo sentido.
Ignoro o sarcasmo e sigo na linha de raciocínio que
planejei durante a noite em claro.
— Depois que seu pai testou positivo para covid, ele
me ligou pra agradecer por eu cuidar tão bem de você, por
ter sido o primeiro a dizer que a turnê precisava ser
cancelada e evitar um caos maior de propagação do vírus, e
principalmente por eu te amar de um jeito tão honesto. —
Respiro fundo, engolindo o choro, e o olhar de Beatriz me
encontra com expectativa, e eu desvio o rosto. — E eu achei
que era isso: A possibilidade de perder tudo o que
importava tinha feito ele mudar de ideia — explico, sentindo
seu olhar sobre mim, mas não consigo olhar para ela. — Só
que Rodolfo concluiu o raciocínio dizendo que a gente
precisava ser sincero. Você contava seu dinheiro em dólar, e
eu, em merréis, então, apesar dos sentimentos, era para eu
lembrar que nós dois não poderíamos viver no mesmo
mundo para sempre.
— É mentira — ela rebate, sem nem pensar.
— Eu queria que fosse. Queria não lembrar que não
era bom o suficiente para você a cada respiração. Queria
não pensar que você já tinha viajado o mundo, e o lugar
mais distante que eu tinha ido, sem ser a trabalho, era a
sua casa de Petrópolis. Mas não era possível. — Apoio as
mãos na cintura, expirando e colocando as ideias no lugar.
— Só que, Beatriz, mesmo com toda essa coisa do seu pai
pra cima de mim, eu estava lá quando ele ficou mal de
verdade; estava lá quando esperamos três dias para que
seu Rodolfo fosse, finalmente, internado; e estava lá quando
começamos a pensar que as coisas não dariam certo. —
Engulo em seco, porque aqueles foram tempos sombrios
para mim também.
— Guilherme, por favor, para de me enrolar, eu não
aguento mais — ela implora com os olhos marejados, e eu
não aguento mais também, então deixo as lágrimas presas
na minha garganta rolarem.
— Eu estava lá quando demos um celular para que ele
pudesse mandar mensagens e, Beatriz — digo, fungando. —
Eu estava exatamente assim. Sentado na beira da sua cama
enquanto seu olhar triste me observava, quando a tela do
meu telefone acendeu. Era uma mensagem dele.
— Do meu pai?
Assinto.
— Eu abri a mensagem achando que ela poderia ser
para você. Pensei que o seu celular só não estivesse por
perto.
— Tá vendo como isso é mentira, Guilherme? Você
nunca me falou sobre mensagens do meu pai no seu celular.
— Porque não era com você que ele queria falar. Era
comigo — explico, deixando seu olhar em alerta pela
primeira vez. — Foi bem naquele dia que ele melhorou. Que
vocês começaram a se preparar para buscá-lo, no dia…
— No dia que ele morreu, Guilherme — ela cospe as
palavras, como se já as tivesse dito tantas vezes que nem
dói mais.
— Esse dia. — Respiro fundo e exalo o ar como um
assobio. — A mensagem dele dizia que aquilo não era uma
melhora permanente, mas era a melhora da morte. — Cada
uma das palavras arranha minha garganta agora. — “Todo
doente tem isso, você melhora para ter um tempo de maior
qualidade com as pessoas que ama”, ele disse. Sabendo
que morreria.
— Guilherme, que brincadeira é essa? Por que você
nunca me falou sobre isso? — ela pergunta, se levantando.
— Porque eu achei que a próxima mensagem dele
seria “Cuida da minha filha”, mas não foi. — Eu me levanto,
tirando o celular do bolso e, depois de abrir a conversa,
entrego o celular a ela, que lê as mensagens andando de
um lado para o outro no quarto.
Não preciso olhar a tela para entender por que ela
começa a chorar.
Sei cada uma das mensagens de cor. Elas ficaram
comigo, ano após ano, em cada backup, a cada troca de
celular, lembrando que eu não podia parar.
Que eu nunca poderia parar, ou seria só o moleque
favelado para sempre, e eu precisava ser mais do que isso,
precisava nunca mais ouvir do de alguém que eu não era
bom o suficiente.
— Isso aqui é brincadeira, Guilherme — ela diz, rindo
enquanto as lágrimas escorrem pelo seu rosto.
Enquanto Beatriz segura o celular, mas olha
diretamente para mim, implorando por qualquer coisa
diferente do que está escrito, tento falar, mas minha voz
não passa de um sussurro:
— Não é, Bia.
— Você não fez isso com a gente. — As palavras me
surpreendem. Imaginei dezenas de falas para Beatriz após
ler as mensagens, mas essa não era uma delas. — Você não
faria isso comigo, você me amava…
— Saber que o último pedido do pai da garota que
você ama é que você se afaste porque não é bom o
suficiente para ela mexe com uma pessoa, Beatriz — digo,
me levantando, mas ela dá dois passos largos para trás,
deixando claro que quer manter a distância.
— Meu pai não faria isso comigo, Guilherme. — Ela ri,
em meio às lágrimas. — Isso não pode ser o motivo real.
Tem outra coisa, me diz o que aconteceu. — Ela balança a
cabeça em negativa freneticamente, tentando se agarrar a
alguma esperança de seu herói não ser esse tipo de pessoa.
— Seu pai não faria o quê? Não escreveria pro seu
namorado favelado implorando para ele não te pedir em
casamento? — pergunto, parafraseando uma das
mensagens que ela acabou de ler. — A minha parte favorita
é quando ele explica que você precisava de alguém como
você, não de um cara como eu, que vinha com bagagem e
precisaria sustentar um mundo de gente pelo resto da vida.
— Mordo a língua para não chorar.
— Vo-você foi embora, me largou aqui, por… orgulho?
— ela cospe a palavra, desorientada e confusa, mas não foi
só isso.
— Cê leu a última mensagem? — pergunto, e Beatriz
arrasta o dedo sobre a tela afoita. — Espero que você
entenda que é um ótimo rapaz. Mas não é bom o suficiente
para uma garota como a Bia. Por favor, deixa ela viver, você
a prendeu com dezesseis anos, ela não conhece nada da
vida. Se você ama a minha filha, deixe-a livre. Esse é meu
último pedido, no meu leito de morte, de homem para
homem — repito as palavras que já memorizei, ao mesmo
tempo que Beatriz lê, e lágrimas rolam pelo seu rosto. —
Depois disso, eu passei um mês do seu lado tentando
segurar você de pé, mas, ao mesmo tempo, vendo o quanto
nós ainda éramos, e sempre seríamos, diferentes.
— Você foi embora por isso?
Nego com a cabeça antes de juntar coragem para
falar.
— Não. Eu terminei por isso. — Respiro fundo,
engolindo o choro. — Mas a ideia de estar no mesmo país
que você, no mesmo estado, a três ou quatro horas de
distância, me sufocou de um jeito inexplicável. Eu te amava
demais para ficar aqui e ver tudo o que eu nunca poderia
ser pra você, por isso decidi ir embora.
— E aí você só… terminou comigo do dia pra noite e
me abandonou? Sem me dar o menor direito de opinar?
— Eu fiz a única coisa que minha cabeça de moleque
de dezenove anos que já tava cansado de falar sobre suas
origens humildes achou que eu poderia. — Encolho os
ombros. — Fui embora e trabalhei até que as pessoas
esquecessem de me perguntar como era ter crescido como
o filho da atendente do postinho no morro, até que elas nem
lembrassem que um dia eu fui pobre e parassem de me
olhar como seu pai olhava. — Respiro fundo, sem um pingo
de orgulho das coisas que fiz movido pelo rancor.
Eu sou um moleque favelado. Meus pais me criaram
com muita dificuldade. E hoje me orgulho muito das minhas
origens, mas naquela época só queria apagá-las.
— Você… Você acha que você é algum tipo de vítima,
Guilherme? — ela vocifera, tacando meu celular na minha
direção, e eu só tenho tempo de desviar e vê-lo cair na
cama. — Você me deixou sozinha no pior momento da
minha vida, no pior momento da vida do mundo todo, nas
últimas décadas.
— Beatriz, eu…
— Eu não vou ter pena de você!
— Não quero sua pena, Beatriz. Sei exatamente o que
eu fiz, do que abri mão, e do quanto estava errado —
confesso. — Ou tu acha que eu não quis voltar assim que
cheguei lá? Que não me dei conta de que ter as origens que
tenho jamais deveria me envergonhar? Que amar uma
garota incrível que me amava de volta não passou a ser o
bastante no segundo que o peso do olhar do seu pai parou
de nublar minha mente? — pergunto, mas, a essa altura, ela
só me encara incrédula.
— E nem assim você foi capaz de mandar uma
mensagem. — Ela ri, incrédula ou apática, já não consigo
decifrar.
— Você queria que eu fizesse o quê? Voltasse e
jogasse tudo o que aconteceu em cima de você com o corpo
do seu pai ainda fresco? — Ela não responde, só desvia o
olhar, se abraçando. — Eu só compunha pra você! Sobre
você! O tempo todo — digo, e uma onda de lágrimas
escorre pelo meu rosto. — Te marquei na minha pele, eu te
amei todos esses…
— Quem ama não faz o que você fez comigo.
— Beatriz, que tipo de pessoa ignora um pedido em
um leito de morte?
— Uma pessoa que tinha um compromisso com quem
tá vivo, Guilherme! — Beatriz diz com raiva borbulhando em
seus olhos, e seca o rosto em seguida. — Eu era sua
namorada, sua amiga e você simplesmente foi embora. Sem
me falar nada.
— Beatriz, por favor, calma. — Tento abraçá-la, mas
ela estremece em meus braços e me empurra. — Vamos
conversar.
— Me acalmar? O mundo entrou em colapso, a banda
acabou depois de quatro shows de uma turnê de quase
cinquenta, o papai morreu e você foi embora num espaço
de… um mês. — Ela engole em seco, se forçando a controlar
o tom e a emoção. — Meu pai definhou sozinho num
hospital até morrer por dias. Quando enterrei seu Rodolfo
Lopes, o maior galã das nove, nenhum dos amigos ou fãs
dele pôde estar presente. Então, apesar da sua partida ser o
menor dos meus problemas, eu ainda precisava de você.
— Eu tinha dezenove anos, Beatriz. Eu não fazia ideia
de como lidar com aquilo, eu não conseguia falar pra minha
mãe o que tava acontecendo porque eu tinha vergonha de
ter nascido pobre. Quando uma vida pobre, mas digna, foi
tudo o que ela teve pra me oferecer. Meu pai jamais pode
saber dessa história, ele já se culpava o suficiente por eu ter
“começado a trabalhar e ficado responsável pela casa tão
cedo”. — Fungo, coçando a ponta do nariz. — Eu não sabia
como lidar com isso, eu tava sozinho Beatriz. E talvez eu
devesse ter falado com alguém, conversado com você, mas,
de novo, eu era um menino favelado namorando uma
herdeira e sendo constantemente lembrado de que eu
nunca seria bom o suficiente para ela.
— Você devia mesmo ter falado comigo… Mas
entendo que tenha sido mais fácil ir embora.
Fácil. Eu riria se não estivesse segurando as lágrimas.
— Larguei minha mãe e minha avó aqui, porque era
insuportável pensar em estar no mesmo país que você e
não poder te ver, te tocar, te amar como eu queria… Eu sei
que isso devastou você, Beatriz. Mas eu jamais teria tomado
essa decisão se eu soubesse antes as coisas que sei agora.
E talvez, você não consiga perceber que está vendo tudo
pela pior ótica, mas é um direito seu.
— Claro que é. Eu tô mal, triste e chateada pelo que
você fez. E ótimo, eu já sabia que isso aconteceria. — Ela
controla a respiração e caminha até a mala, tirando tudo de
dentro dela. — Mas eu esperava qualquer coisa, qualquer
outra coisa, eu tava pronta pra perdoar um chifre,
Guilherme! Mas isso… — Ela ri, puxando um vestido e
jogando por cima da camisola.
— Bia, pelo amor de Deus, eu jamais trairia você. Eu
só achei… era o último pedido do seu pai. Eu estava
morrendo de ódio, e meu orgulho estava em frangalhos,
mas, ainda assim, fiz o que achei que era melhor para você.
— Não, Guilherme, não foi isso o que aconteceu.
— Quê? — Não é possível que eu não tenha sido claro
o suficiente.
— Você, de fato, me traiu — ela diz, alto e claro. Pura
e simplesmente. — Você me escondeu que se sentia
desconfortável perto do meu pai, não me deu a chance de
deixar claro para ele que eu era uma mulher emancipada e
independente desde os dezesseis anos, e ele não tinha nada
a ver com minhas escolhas amorosas. — Ela respira fundo,
com a mão no coração. — Você leu uma mensagem e
decidiu que você e meu pai sabiam o que era melhor pra
mim, como se eu não fosse uma pessoa. Eu não tive o
direito de argumentar no nosso término, Guilherme, porque
eu não sabia o que estava acontecendo. Você e outro
homem decidiram a minha vida — ela estala os dedos —
como se eu não fosse nada.
— Beatriz, por favor, tenta ver as coisas pelos meus
olhos.
— Você tá sofrendo, é claro que está, mas eu não
posso fazer nada. Eu fui arrancada da sua vida sem o direito
a uma palavra, Guilherme. Nós éramos um casal, a gente
não tava junto há três meses, não era um namorinho
adolescente. A gente sabia o que estava fazendo e o que
queria.
— Ele estava morrendo.
— Ele morreu! Tá? Ele morreu — ela grita como se eu
não soubesse. — Eu não tenho mais pai. Rodolfo Lopes
agora é só alguém que eu luto todos os dias para não
esquecer, Guilherme. E foi bem no pior momento da minha
vida que você me deixou sozinha — Beatriz diz e explode
em lágrimas.
— Bia, por favor. — Vou até ela e a puxo para um
abraço, ela reluta, me afastando com a mão em meu peito,
e seu olhar sobre mim é fulminante por trás das lágrimas.
Como se ela não suportasse a ideia de sentir meu
toque.
— Precisei do seu abraço quatro anos atrás. Agora eu
não preciso mais. E, cara, eu teria peitado meu pai por nós
dois. — Ela bate o indicador no meu peito a cada palavra. —
Teria lidado com a desaprovação ou qualquer coisa ao longo
do namoro, Guilherme. Se tu tivesse me contado da
mensagem, eu ficaria puta! Mas juraria que a gente
terminou, pra ele morrer em paz, teria tentado contornar
isso de todo jeito. Ou talvez, não, talvez a dor da perda teria
me feito terminar com você, como se isso pudesse salvá-lo
de algum jeito… — ela diz, e eu tenho certeza de que cada
uma de suas palavras é verdade. E isso só me faz sentir
pior. — Mas tinha que ter sido escolha minha, e nada disso
foi. — Ela pisca, derramando mais duas lágrimas silenciosas.
— Você me traiu da pior forma que alguém pode trair outra
pessoa: Jurando que era pro meu bem.
— Princesa, se você me der uma chance…
— Não me chama assim! — ela ordena, baixo, com o
indicador em riste. — Eu poderia perdoar qualquer coisa
externa, Guilherme, qualquer erro, vacilo, deslize,
imaturidade… Mas olhar pra você agora, ciente do quanto
eu amava você e ainda amo, sabendo que foi você quem
roubou os últimos quatro anos da gente por causa de uma
rinha de quem mija mais longe? Isso eu não consigo
perdoar.
— Bia, Bia, por favor. — Tento segurar sua mão, seu
rosto, fazê-la olhar para mim, mas ela para e olha no fundo
dos meus olhos. — Pensa no que a gente viveu aqui, pensa
na gente…
— Engraçado você falar sobre isso, já que não pensou
na gente por um segundo sequer, né? — Ela abaixa,
pegando sua mochila, e a coloca sobre o ombro.
— Foi por isso que eu não te dei a verdade antes,
porque tu não saberia lidar, e me enganei de achar que ia
conseguir entender agora.
— A verdade, a única verdade aqui, é que essa é a
segunda vez que, olhando nos meus olhos e dizendo que
me ama, você destrói minha alma, Guilherme. — Beatriz
segura a alça da mochila com mais força e sai do quarto.
Depois de ter me dado os melhores dias, vejo-a sair
da minha vida para sempre.
E não posso fazer nada sobre isso.
Porque a culpa é minha.
Capítulo 30
Ou: Gabriella Montez pode até não ser a mocinha que
High School Musical nos fez crer que ela era, mas a
gata estava certa: às vezes a gente precisa seguir
nosso próprio caminho.
Beatriz
Celebridades não choram no banco de trás do Uber,
mesmo que o peito doa a ponto de tornar difícil respirar.
Celebridades não choram durante o trajeto de duas horas
entre Santos e Guarulhos, nem depois de enviar um textão
para a melhor amiga falando sobre como foi burra e
estúpida.
Pelo menos não quando o motorista te reconheceu e
pediu um autógrafo para as filhas tão logo você se sentou.
Celebridades também não choram no saguão de um
aeroporto. Elas entram no banheiro, se permitem derramar
algumas lágrimas, mas sem gritar ou soluçar, ainda que
precisem muito fazer os dois.
Celebridades passam as três horas de espera pelo seu
voo — superfaturado e comprado em cima da hora —
tirando fotos com todas as pessoas que se aproximam.
Autografando blusas, braços e até mesmo guardanapos.
E, é claro: Uma celebridade, definitivamente, não
chora quando finalmente encosta a sua cabeça na poltrona
do avião.
Como celebridade, mesmo que a música do garoto
que quebrou seu coração duas vezes esteja tocando no seu
fone de ouvido porque… você ama se torturar e a vista do
céu te traga paz o suficiente para se permitir sentir, você
não chora. Só come o almoço oferecido pela companhia
aérea e engole as lágrimas junto com a comida.
Porque você é uma celebridade e, assim como seus
amores, suas dores também são públicas.
Mas a vontade de me esvair em lágrimas está lá.
Principalmente quando ele canta:
I wasn't trying to hurt you and, to be honest, I always
wanted you to be mine. But there are things bigger than us,
and if I’m allowed to say something, I ask you to swear you
are fine. Tell me you love your life and I was just an
outlander, and promise me that you will be happy, even if I
am not by your side.[8]
Por Deus, como ele pôde?
Não deixo de me perguntar nem por um segundo
como Guilherme pôde fazer o que fez comigo, mas, no
fundo, ouvindo cada uma das músicas infelizes, dolorosas e
altruístas do primeiro CD da Vicious Bonds, que só agora
tenho coragem de ouvir inteiro, não consigo não me
perguntar como Guilherme pôde fazer isso com ele.
Cada música carrega um pouco de dor, mas é
impossível não pensar em como elas doem em mim, em
como acabamos desse jeito pelas escolhas dele. Então
busco por 16 CARRIAGES, da Beyoncé, porque não quero
pensar nisso, afinal, celebridades também não choram
quando o avião pousa.
De quem é a culpa?
Essa é a única coisa na qual consegui pensar nos
últimos dias.
Minha, por ter aceitado o término sem questionar
Guilherme de verdade, sem ter feito um escândalo e dizer
que ele estava partindo, não só o meu coração, mas
também a minha alma ao ir embora? Do meu pai por ter
feito uma chantagem emocional tão pesada, no leito de
morte, depois de tanto tempo de tratamento passivo-
agressivo contra o Gui? Do Guilherme por ter acatado uma
ordem do meu pai e nunca ter tentado conversar comigo?
Quando cheguei em casa, segunda, eu não tinha a
resposta para essa pergunta. Parando o carro no
estacionamento do estúdio, percebo que, talvez, nunca vou
ter. Talvez não exista culpa, talvez as coisas tenham
acontecido como deveriam e foi uma sucessão de equívocos
que nos trouxe até aqui.
Saio do carro pronta para voltar à minha vida real. A
que eu deveria ter vivido não fosse todo o caos de ter
seguido Guilherme meses atrás. A vida na qual eu sou uma
atriz de volta às telas, apaixonada pelo meu papel e
sedenta por trilhar novamente meu caminho através da
arte.
Caminho até o camarim para fazer cabelo e
maquiagem que, numa novela de época, demoram um
tempo considerável para serem feitos, ciente de que,
mesmo tentando ser a mais compreensiva das criaturas,
nada muda os fatos ocorridos.
Embora eu consiga perdoar um homem moribundo e
um adolescente machucado, isso não apaga a dor causada
por eles.
Perdoar, nunca vai significar esquecer.
E essa era a única coisa que poderia colocar tudo no
lugar agora:
Esquecer.
Prólogo
Regra número 1 dos colegas de apartamento: Nunca
tome um porre com a pessoa que você não quer
dormir.
Alê
Dormir com o cara errado pode destruir sua vida. Essa
é uma frase clichê, nem me lembro quantas vezes já a
escutei. Mas os últimos meses me mostraram que dormir
com o cara certo também pode destruir a sua vida, os seus
sonhos e todos os seus planos.
Pelo menos no meu caso.
Conheci A.J. Fortin quando fui convidada para abrir os
shows da Vicious Bonds — a boyband mais famosa do
mundo — no Brasil, há sete meses, e se eu pudesse definir
o A.J. em uma palavra seria: legal.
Ele é um cara tão legal que, quando a turnê saiu do
Brasil e foi para Portugal, nós nos aproximamos apesar das
investidas descabidas dele; ao chegarmos na Espanha,
éramos parceiros de videogame e, quando saímos da França
em direção à Inglaterra e Irlanda, já éramos amigos.
Parceirinhos, como se ele nunca tivesse tentado ficar
comigo, e quase nem lembrávamos mais do fato de que ele
me cantou no dia que nos conhecemos.
Quando deixamos a Irlanda em direção às férias nos
Estados Unidos, ele me ofereceu um quarto em seu
apartamento até eu me estabelecer e, naquele dia, eu não
vi o menor problema. Afinal, nós éramos amigos.
Mas, se nós somos amigos, e apenas amigos, porque a
luz do sol me acordou no sofá da sala com a mão direita
entrelaçada à dele, que dorme no chão ao meu lado, um dia
depois do maior porre da minha vida?
Solto sua mão, permitindo que os dedos escorreguem
para o chão e me levanto com cuidado porque, bem,
ninguém precisa do drama.
Principalmente nós, que funcionamos muito bem
como amigos.
Apoio a mão no braço do sofá de couro e apoio o pé
esquerdo entre as pernas dele, dou um leve impulso no sofá
para colocar o pé direito um pouco mais distante,
conseguindo me apoiar na mesa de centro.
O leve barulho causado pela fricção do pé de metal da
mesinha na madeira do chão me faz apertar os olhos por
alguns segundos, mas suspiro trazendo meu pé para longe
dele e apoio as mãos à cintura, tentando enviar sustentação
da minha cabeça ainda zonza para meu corpo dolorido.
A.J. respira de maneira profunda e esfrega os fios
longos de cabelo na almofada, ainda perdido no reino dos
sonhos. Abaixo a cabeça sorrindo, pensando que, apesar de
não lembrar de nada da noite anterior, ainda sou grata por
ele ter resolvido beber comigo para amenizar meus surtos.
E é então que vejo seu corpo por completo.
Cueca boxer.
Essa é a única coisa que ele está vestindo, uma cueca
boxer.
Minhas mãos correm para o meu corpo
instintivamente enquanto flashbacks de nós dois rindo,
bebendo, gargalhando, brincando de mímica, de verdade ou
desafio e rolando no chão juntos passam pela minha mente.
Blusa, é o que eu apalpo. Uma longa e confortável
blusa. Suspiro dando dois passos para longe, mas paro na
frente da TV que temos do outro lado da sala, e meu reflexo
me faz ficar sóbria e piscar quatro vezes.
A cara dele está na minha blusa e, por baixo dela, eu
estou de calcinha.
Apenas uma pequena calcinha.
— Bom dia? — A voz sussurrada me faz dar um pulo, e
meu pescoço segue o som para encontrar A.J. Fortin em
toda a sua glória.
Com seu tanquinho de fora e cabelos castanho-claros
reluzentes no sol.
Ele sorri para mim com a cara amassada como se
estivesse alheio a todas as informações que reuni nos
últimos segundos.
— Quanto a gente bebeu ontem, A.J.? — indago
mesmo ciente de que ele não sabe essa resposta, porque
nós temos garrafas de cerveja, tequila e sidra na mesa de
centro, e alguns copos jogados ali e no chão também.
— Acho que muito. — Ele se senta, espreguiçando, e
eu passo a mão nos meus cachos emaranhados como se
isso amenizasse alguma coisa. — Por que cê tá com essa
roupa?
— Por que eu tô com essa roupa? Por que você tá sem
roupa? — enfatizo, como se fosse culpa dele. Como se, de
alguma forma, jogar essa responsabilidade em cima de
outra pessoa apagasse o fato de que eu perdi o controle.
— Não sei. — Ele me percebe arredia e rebate: — Você
quer me contar alguma coisa?
— Eu te contar? — Gargalho, cruzando os braços; essa
é, com certeza, a coisa mais ridícula que eu já vi na vida. —
Você que disse que a gente devia beber e espairecer, e
agora…
— Você acha que a gente…? — A pergunta morre,
porque eu não consigo nem pensar nisso sem ter meu
estômago embrulhado como o papel amassado de um
presente de Natal.
— Você acha? — pergunto, e ele se levanta num pulo.
Com um suspiro exasperado e o olhar embebido em
deboche, A.J. segura o cós da cueca, afastando-o para
analisar o conteúdo interno.
— Ele parece cansado… — Dá de ombros, e minha
boca forma um “O” perfeito com meu choque. — Mas não
sei se é o cansaço do dia a dia ou se ele se divertiu.
— Cala a boca, Anthony — grito, erguendo a mão
direita. — Falei que era fraca para bebidas e agora acordo
pelada na sala do cara que disse: “Vai ficar tudo bem, eu
vou cuidar de você”. Grande ajuda — vocifero na direção
dele.
— Cara, calma. Provavelmente não aconteceu nada. —
Ele joga os cabelos para trás, com a voz mansa implorando
para que eu não surte. — A gente lembraria. Eu, com
certeza, lembraria se tivesse dormido com a garota mais
incrível que já conheci — complementa, vindo em minha
direção na tentativa de me acalmar com seus olhos de
cachorro precisando de carinho.
Mas isso não é uma brincadeira para mim, não é um
jogo.
— Hoje não, A.J., hoje não. — Paro-o com a mão em
seu peitoral e dou um passo para trás.
Não acredito que fui tão estúpida e deixei outra
pessoa tirar meu foco, agora estamos aqui. Os dois de
ressaca, sem memória e, mesmo que a gente não saiba,
mesmo que não se lembre, tenho certeza de que nada,
nunca mais, será como antes.
Clichês em Pop-Rock #02, em Fevereiro de
2025, na Amazon.
Agradecimetos
Esse livro foi escrito durante um longo período de tempo. Depois de escrever
seis livros em um espaço de no máximo três meses cada, levar sete meses no
processo de "Um Fake Dating com Benefícios" foi a minha morte. Mas deu certo.
Graças a pessoas muito importantes e especiais.
Cada pessoa que trabalhou nesse livro, o betou ou se tornou minha parceira é
importante demais. Desde a minha capista, ao meu gestor de tráfego, passando
pelas amigas que aturaram meus surtos, minha leitora crítica que me impediu
de desistir e minha equipe de revisão que não está revisando esses
agradecimentos porque eu esqueci de escrevê-los a tempo.
Se tu teve o mínimo contato com esse livro antes do lançamento, saiba que eu
sou grata por você.
E para vocês, minhas mais novas Vagabonders, que chegaram até aqui,
OBRIGADA por embarcarem no meu primeiro esquema de pirâmides.
Ano que vem tem mais <3
[1]
E eu nunca pensei que você não estaria aqui
porque fomos destinados um para o outro
Mas a vida é uma vadia impiedosa, então é assim que vou viver
Vendo você por aí, sabendo que você não está lá de verdade
Cheirando seu perfume em outras por todos os lugares
Desejando que você esteja solteira, mesmo sabendo que não é o certo
Mas você era tudo que eu tinha, agora tudo o que tenho são noites vazias.
[2]
Se eu pudesse te beijar de novo, acho que nunca pararia. Seu sorriso, seus
lábios e seu sabor permanecem dentro de mim, em mim, em todos os lugares.
Se eu pudesse te beijar mais uma vez, sempre teria o mesmo sabor: aquele que
me diz que sempre precisarei de outro “último beijo” com você.
[3]
Em qualquer momento a beira de algum beijo vai esbarrar em mim sem
querer, para descobrir de novo que não há ninguém para preencher suas
memórias.
[4]
Sim, sei que ele é o meu ex, mas duas pessoas não podem se reconectar?
“Só vejo ele como um amigo”: A maior mentira que já contei.
Oh, sim, sei que ele é o meu ex, mas duas pessoas não podem se reconectar?
Só vejo ele como um amigo... Simplesmente tropecei e caí na cama dele
[5]
Começou como um incêndio
dois gravetos se unem para criar algo maior.
Cresceu como água
E não demorou muito para inundarmos todo o lugar.
Como o vento, voamos,
olhos fechados, mãos atadas, corações em sincronia
E assim como a Terra, éramos fortes,
Feitos para nunca quebrar.
E eu nunca pensei que você não estaria aqui
Porque obviamente estamos destinados a ser
Mas a vida é uma cadela impiedosa, então é assim que vou viver
Vendo você por aí, sabendo que você não está lá
Cheirando seu perfume em outras pessoas em todos os lugares
Desejando que você esteja solteira, sabendo que isso não está certo
Mas você era tudo que eu tinha, agora tudo que tenho são noites vazias
Agora tudo que tenho são noites vazias.
[6]
Em qualquer momento a beira de algum beijo vai esbarrar em mim sem
querer para descobrir de novo que não há ninguém para preencher suas
memórias.
Cedo ou tarde sem saber como nem quando uma lágrima te fará sentir saudade,
lentamente da ternura de um abraço o suspiro de meu nome entre seus lábios…
Para se esquecer de mim, para se esquecer de mim terias que renunciar a todo
o amor que te dei.
[7]
Um teste de química entre atores é uma prática comum na indústria do
entretenimento, especialmente em cinema e televisão, para avaliar a dinâmica
entre dois ou mais atores em cena. Este tipo de teste é crucial para determinar
se os atores têm uma boa química em termos de atuação e se suas interações
são críveis e envolventes para o público.
[8]
Eu não estava tentando machucar você e, para ser sincero, sempre quis que
você fosse minha. Mas há coisas maiores do que nós, e se eu puder dizer
alguma coisa, peço que jure que está bem. Diga-me que você ama sua vida e eu
era apenas um estrangeiro, e me prometa que será feliz, mesmo que eu não
esteja ao seu lado.
[9]
Eu errei e machuquei você, mas vale a pena ser um “talvez” para sempre?
Talvez eu fosse muito jovem, muito ingênuo, muito assustado.
Talvez eu não tenha percebido o quanto te machuquei.
Então pegue minha mão, me dê mais uma chance porque, Princesa, você é meu
universo e você sabe que me ama do mesmo jeito.
Eu nunca quis te machucar como fiz, meu silêncio só piorou tudo, mas agora
estou aqui, expondo minha alma esperando contra a esperança de que
voltemos a ser uma coisa só, porque ainda te amo.