MS 20187 2015 10 07

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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 20.

187 - DF (2013/0158982-6)
RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
IMPETRANTE : MANOEL GENIVAL RODRIGUES
ADVOGADO : ALEXANDRE AUGUSTO SANTOS DE VASCONCELOS E
OUTRO(S)
IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA
INTERES. : UNIÃO
EMENTA

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO,


EX-INTEGRANTE DA AERONÁUTICA. PORTARIA QUE CONCEDEU ANISTIA
POLÍTICA ANULADA PELO MINISTRO DA JUSTIÇA (TERCEIRA FASE), MAIS DE 5
ANOS APÓS A SUA PUBLICAÇÃO. DECADÊNCIA. ART. 54 DA LEI 9.784/99.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ EM PROCESSO ADMINISTRATIVO.
RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ORDEM CONCEDIDA.

1. O direito líquido e certo a que alude o art. 5o., LXIX da


Constituição Federal é aquele cuja existência e delimitação são passíveis de
demonstração documental, não lhe turvando o conceito a sua complexidade ou
densidade. Dessa forma, deve o impetrante demonstrar, já com a petição inicial, no que
consiste a ilegalidade ou a abusividade que pretende ver expungida e comprovar, de
plano, os fatos ali suscitados, de modo que seja despicienda qualquer dilação
probatória, incabível no procedimento da ação mandamental.

2. É lição constante (e antiga) dos tratadistas de Direito Civil que o


instituto da decadência serve ao propósito da pacificação social, da segurança jurídica e
da justiça, por isso que somente em situações de absoluta excepcionalidade se admite
a revisão de situações jurídicas sobre as quais o tempo já estendeu o seu manto
impenetrável; o Direito Público incorpora essa mesma orientação, com o fito de aquietar
as relações do indivíduo com o Estado.

3. O art. 54 da Lei 9.784/99 prevê um prazo decadencial de 5 anos,


a contar da data da vigência do ato administrativo viciado, para que a Administração
anule os atos que gerem efeitos favoráveis aos seus destinatários. Após o transcurso
do referido prazo decadencial quinquenal sem que ocorra o desfazimento do ato,
prevalece a segurança jurídica em detrimento da legalidade da atuação administrativa.

4. Tratando-se de prazo decadencial, não há que se falar em


suspensão ou interrupção do prazo. Entretanto, a Lei 9.784/99 adotou um critério amplo
para a configuração do exercício da autotutela, bastando uma medida de autoridade que
implique impugnação do ato (art. 54, § 2o.).

5. O § 2o. do art. 54 da Lei 9.784/99 deve ser interpretado em


consonância com a regra geral prevista no caput, sob pena de tornar inócuo o limite
temporal mitigador do poder-dever da Administração de anular seus atos, motivo pelo
qual não se deve admitir que os atos preparatórios para a instauração do processo de
anulação do ato administrativo sejam considerados como exercício do direito de

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autotutela.

6. Ressalta-se que essas singelas digressões são as


consuetudinárias para resguardar a segurança jurídicas nesses casos.

7. Todavia a Primeira Seção desta egrégia Corte Superior


estabeleceu distinções referente à analise dos atos administrativos que culminaram na
abertura de processo administrativo para anulação da Anistia concedida aos militares
com base na Portaria 1.104/1964, quais sejam:

a) edição da Portaria Interministerial 134/2011, que instituiu grupo de


trabalho para revisão dos atos concessivos (primeira fase);

b) despacho do Ministro da Justiça determinando a instauração do


procedimento administrativo específico em relação a cada anistiado (segunda fase);

c) eventual anulação da anistia após o procedimento administrativo


(terceira fase).

8. Nos dois primeiros casos, entende-se pela impossibilidade de


análise da existência de direito líquido e certo, porquanto o art. 54 da Lei 9.784/99 prevê
inexistir prazo para a Administração rever seus atos, quando presente a má-fé.

9. Foi decidido que não se poderia aferir, de plano, a decadência na


via mandamental, uma vez que tanto a instituição de grupos de trabalhos para revisão
dos atos concessivos de anistia pela edição da Portaria Interministerial 134/2011 quanto
o despacho do Ministro da Justiça para instauração do procedimento administrativo
específico em relação a cada anistiado limitaram-se a abrir discussão sobre a
legalidade do ato de anistia na seara administrativa (cf. MS 18.149/DF, Rel. Min.
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Min. MAURO CAMPBELL
MARQUES, DJe 9.6.2015)

10. No entanto, apenas no terceiro caso, é identificado o interesse de


agir da parte Impetrante e, eventualmente, a possibilidade se reconhecer a decadência
prevista no art. 54 da Lei 9.784/99. A anulação da anistia seria o ato que, em tese,
ofenderia o direito líquido e certo do Impetrante.

11. No caso dos autos a hipótese decorre de anulação da anistia após o


procedimento administrativo (terceira fase). O Ministro de Estado da Justiça expediu a
Portaria Ministerial 286, de 28.1.2013, a qual anulou o ato que concedeu a anistia
política. Impõe-se reconhecer a ocorrência da decadência, já que entre a Portaria,
concessiva da anistia, 21, de 8.1.2004 e a Portaria Ministerial, que anulou o ato que
concedeu a anistia política da parte Impetrante, decorreu o lapso temporal quinquenal.
Ademais não restou comprovado a má-fé da parte beneficiária.

12. Ordem concedida para reconhecer a ocorrência da decadência da


Administração em anular a anistia concedida ao impetrante.

ACÓRDÃO
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Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
PRIMEIRA Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das
notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a segurança, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito
Gonçalves, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa, Olindo Menezes
(Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Humberto Martins votaram com o Sr.
Ministro Relator.

Brasília/DF, 23 de setembro de 2015 (Data do Julgamento).

NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO


MINISTRO RELATOR

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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 20.187 - DF (2013/0158982-6)
RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
IMPETRANTE : MANOEL GENIVAL RODRIGUES
ADVOGADO : ALEXANDRE AUGUSTO SANTOS DE VASCONCELOS E
OUTRO(S)
IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA
INTERES. : UNIÃO

RELATÓRIO

1. Trata-se de Mandado de Segurança com pedido de medida


liminar impetrado por MANOEL GENIVAL RODRIGUES, ex-membro da Aeronáutica, no
qual aponta como autoridade coatora o MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, e como
ato coator a Portaria Ministerial 286, de 28.1.2013, que anulou o ato que concedeu a sua
anistia política.

2. Narra a inicial que o impetrante foi declarado anistiado político


pela Portaria 21, de 8.1.2004, do Ministro de Estado da Justiça, passando,
posteriormente, a perceber a reparação econômica consistente em prestações
mensais, permanentes e continuadas; isso foi há mais de 8 anos.

3. Aduz que, conquanto não tenha sido informado, nos últimos anos,
de qualquer iniciativa da Administração para revisar ou anular a anistia concedida, em
15.2.2011, foi editada a Portaria Interministerial 134, do Ministro de Estado da Justiça e
do Advogado Geral da União, criando o Grupo de Trabalho Interministerial com a
finalidade de reexaminar as anistias embasadas na Portaria 1.104-GM3/1964, sendo
que, recentemente, foi publicada a Portaria 286, que anulou a anistia do impetrante; este
é o ato coator.

4. Sustenta que passados mais de 5 anos a contar do primeiro


pagamento da prestação mensal relativa à sua anistia política estabilizou-se a relação
jurídica com albergue constitucional do direito adquirido e da inviolabilidade do ato
jurídico perfeito. Destacam que a possibilidade de revisão e eventual anulação da
Portaria anistiadora sucumbe por força da decadência, operada nos moldes do disposto
no art. 54 da Lei 9.784/99.

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5. O pedido liminar foi deferido às fls. 94/99.

6. Devidamente notificada, a autoridade coatora prestou as


informações de estilo, oportunidade em que alegou: (a) a ausência de violação de direito
líquido e certo diante da inexistência de decadência; (b) a tempestividade do exercício
do direito de anular o ato, pois a Nota AGU/JD-1/2006, aprovada pelo Advogado-Geral da
União em 16 de fevereiro de 2006 efetivamente interrompeu a contagem do prazo
quinquenal do qual dispunha a administração para rever o ato.

7. O Ministério Público Federal opinou pela denegação da da ordem.

8. É o relatório.

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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 20.187 - DF (2013/0158982-6)
RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
IMPETRANTE : MANOEL GENIVAL RODRIGUES
ADVOGADO : ALEXANDRE AUGUSTO SANTOS DE VASCONCELOS E
OUTRO(S)
IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA
INTERES. : UNIÃO

VOTO
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ANISTIADO
POLÍTICO, EX-INTEGRANTE DA AERONÁUTICA. PORTARIA QUE
CONCEDEU ANISTIA POLÍTICA ANULADA PELO MINISTRO DA JUSTIÇA
(TERCEIRA FASE), MAIS DE 5 ANOS APÓS A SUA PUBLICAÇÃO.
DECADÊNCIA. ART. 54 DA LEI 9.784/99. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO
DE MÁ-FÉ EM PROCESSO ADMINISTRATIVO. RESSALVA DO PONTO DE
VISTA DO RELATOR. ORDEM CONCEDIDA.

1. O direito líquido e certo a que alude o art. 5o., LXIX da


Constituição Federal é aquele cuja existência e delimitação são passíveis de
demonstração documental, não lhe turvando o conceito a sua complexidade
ou densidade. Dessa forma, deve o impetrante demonstrar, já com a petição
inicial, no que consiste a ilegalidade ou a abusividade que pretende ver
expungida e comprovar, de plano, os fatos ali suscitados, de modo que seja
despicienda qualquer dilação probatória, incabível no procedimento da ação
mandamental.

2. É lição constante (e antiga) dos tratadistas de Direito Civil


que o instituto da decadência serve ao propósito da pacificação social, da
segurança jurídica e da justiça, por isso que somente em situações de
absoluta excepcionalidade se admite a revisão de situações jurídicas sobre
as quais o tempo já estendeu o seu manto impenetrável; o Direito Público
incorpora essa mesma orientação, com o fito de aquietar as relações do
indivíduo com o Estado.

3. O art. 54 da Lei 9.784/99 prevê um prazo decadencial de 5


anos, a contar da data da vigência do ato administrativo viciado, para que a
Administração anule os atos que gerem efeitos favoráveis aos seus
destinatários. Após o transcurso do referido prazo decadencial quinquenal
sem que ocorra o desfazimento do ato, prevalece a segurança jurídica em
detrimento da legalidade da atuação administrativa.

4. Tratando-se de prazo decadencial, não há que se falar em

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suspensão ou interrupção do prazo. Entretanto, a Lei 9.784/99 adotou um
critério amplo para a configuração do exercício da autotutela, bastando uma
medida de autoridade que implique impugnação do ato (art. 54, § 2o.).

5. O § 2o. do art. 54 da Lei 9.784/99 deve ser interpretado em


consonância com a regra geral prevista no caput, sob pena de tornar inócuo
o limite temporal mitigador do poder-dever da Administração de anular seus
atos, motivo pelo qual não se deve admitir que os atos preparatórios para a
instauração do processo de anulação do ato administrativo sejam
considerados como exercício do direito de autotutela.

6. Ressalta-se que essas singelas digressões são as


consuetudinárias para resguardar a segurança jurídicas nesses casos.

7. Todavia a Primeira Seção desta egrégia Corte Superior


estabeleceu distinções referente à analise dos atos administrativos que
culminaram na abertura de processo administrativo para anulação da Anistia
concedida aos militares com base na Portaria 1.104/1964, quais sejam:

a) edição da Portaria Interministerial 134/2011, que instituiu


grupo de trabalho para revisão dos atos concessivos (primeira
fase);
b) despacho do Ministro da Justiça determinando a
instauração do procedimento administrativo específico em relação a
cada anistiado (segunda fase);
c) eventual anulação da anistia após o procedimento
administrativo (terceira fase).
8. Nos dois primeiros casos, entende-se pela impossibilidade
de análise da existência de direito líquido e certo, porquanto o art. 54 da Lei
9.784/99 prevê inexistir prazo para a Administração rever seus atos, quando
presente a má-fé.

9. Foi decidido que não se poderia aferir, de plano, a


decadência na via mandamental, uma vez que tanto a instituição de grupos
de trabalhos para revisão dos atos concessivos de anistia pela edição da
Portaria Interministerial 134/2011 quanto o despacho do Ministro da Justiça
para instauração do procedimento administrativo específico em relação a
cada anistiado limitaram-se a abrir discussão sobre a legalidade do ato de
anistia na seara administrativa (cf. MS 18.149/DF, Rel. Min. NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Min. MAURO CAMPBELL MARQUES,
DJe 9.6.2015)

10. No entanto, apenas no terceiro caso, é identificado o

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interesse de agir da parte Impetrante e, eventualmente, a possibilidade se
reconhecer a decadência prevista no art. 54 da Lei 9.784/99. A anulação da
anistia seria o ato que, em tese, ofenderia o direito líquido e certo do
Impetrante.

11. No caso dos autos a hipótese decorre de anulação da


anistia após o procedimento administrativo (terceira fase). O Ministro de
Estado da Justiça expediu a Portaria Ministerial 286, de 28.1.2013, a qual
anulou o ato que concedeu a anistia política. Impõe-se reconhecer a
ocorrência da decadência, já que entre a Portaria, concessiva da anistia,
21, de 8.1.2004 e a Portaria Ministerial, que anulou o ato que concedeu a
anistia política da parte Impetrante, decorreu o lapso temporal quinquenal.
Ademais não restou comprovado a má-fé da parte beneficiária.

12. Ordem concedida para reconhecer a ocorrência da


decadência da Administração em anular a anistia concedida ao impetrante.

1. Preliminarmente, é de se ter claro que o direito líquido e certo a


que alude o art. 5o., LXIX da Constituição Federal é aquele cuja existência e delimitação
são passíveis de demonstração documental, não lhe turvando o conceito a sua
complexidade ou densidade. Dessa forma, deve o impetrante demonstrar, já com a
petição inicial, no que consiste a ilegalidade ou a abusividade que pretende ver
expungida e comprovar, de plano, os fatos ali suscitados, de modo que seja
despicienda qualquer dilação probatória, incabível no procedimento da ação
mandamental.

2. Nota-se, pois, que a exigência de apresentação de prova


documental do alegado e a consequente desnecessidade de produção de outras provas
ao longo do procedimento está diretamente relacionada à celeridade especial desta via
estreita na qual não se admite qualquer dilação probatória.

3. Diante disso, de se concluir que o Mandado de Segurança é meio


processual adequado para verificar se a medida impugnativa da autoridade
administrativa pode ser considerada interruptiva do prazo decadencial para o exercício
da autotutela, ainda que se tenha de examinar em profundidade a prova da sua
ocorrência; o que não se admite, no trâmite do pedido de segurança, porém, é que essa

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demonstração se dê no curso do feito mandamental; mas se foi feita a demonstração
documental e prévia da ilegalidade ou do abuso, não há razão jurídica para não se dar
curso ao pedido de segurança e se decidi-lo segundo os cânones do Direito.

4. Quanto ao mérito, insta ressaltar que o objeto da presente


impetração cinge-se ao reconhecimento de abuso ou ilegalidade do ato emanado da
autoridade indicada como coatora, consubstanciado na abertura de processo para
anulação da Portaria anistiadora que o beneficiou.

5. Nesse passo, vale lembrar que, embora a Administração Pública


esteja adstrita à observância do princípio da legalidade, ex vi do art. 37 da Constituição
Federal, seus atos devem se ater, igualmente, a outros princípios constitucionais,
notadamente o da segurança jurídica, corolário do Estado Democrático de Direito, como
se sabe e amiúde se proclama

6. Destarte, depreende-se que a aplicação do instituto da


decadência em relação ao direito da Administração Pública de invalidar seus atos, ainda
que eventualmente eivados de nulidade, encontra amparo na Constituição da República
e no sistema das garantias subjetivas.

7. Deveras, se por um lado a Administração tem, por força do


princípio da legalidade, o dever de invalidar atos viciados, podendo fazê-lo por iniciativa
própria ou por determinação judicial; por outro lado, é de se considerar que o
restabelecimento da legalidade deve ser operado sem afetar a segurança jurídica, pois,
caso contrário, sob o pretexto de se corrigir uma ilegalidade, estar-se-ia perpetrando
uma outra ofensa ao ordenamento jurídico, qual seja, a violação da segurança jurídica
das pessoas.

8. Com efeito, a possibilidade de a Administração Pública revisar


seus atos a qualquer tempo, ainda que sob a invocação do princípio da legalidade e da
supremacia do interesse público, ofende a segurança jurídica e a própria moralidade
administrativa, porquanto permite que o particular seja surpreendido pela invalidação de
um ato, muitos anos depois de sua prática.

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9. A permissão de indefinida revisão ou revogação dos atos pela
Administração Pública encerra perigo para a própria estabilidade das relações sociais,
sendo os princípios da confiança e da segurança jurídica componentes da própria ética
jurídica; é por tal razão que, no ordenamento jurídico brasileiro, a prescritibilidade é a
regra, e a imprescritibilidade a exceção, somente atuando em casos prévia e
expressamente definidos.

10. A esse respeito, calha citar lição lapidar do Professor CELSO


ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo


de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da
segurança jurídica, o qual, bem por isso, se não é o mais importante dentre
todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais
importantes entre eles. Os institutos da prescrição, da decadência, da
preclusão (esfera processual), do usucapião, da irretroatividade da lei, do
direito adquirido, são expressões concretas que bem revelam esta profunda
aspiração à estabilidade, à segurança, conatural ao Direito. Tanto mais
porque inúmeras dentre as relações compostas pelos sujeitos de direito
constituem-se em vista do porvir e não apenas da imediatidade das
situações, cumpre, como inafastável requisito de um ordenado convívio
social, livre de abalos repentinos ou surpresas desconcertantes, que haja
uma estabilidade nas situações destarte constituídas (Curso de Direito
Administrativo, São Paulo, Malheiros, 2010, p. 124).

11. Nessa esteira, firme em que o princípio da legalidade somente tem


prevalência sobre o da proteção da confiança quando o administrado obtém vantagem
por meios ilícitos, a jurisprudência desta Corte assentou a orientação de que, após a
edição da Lei 9.784/99, a invalidação dos atos administrativos sujeita-se ao prazo
decadencial, nos exatos termos do art. 54 do referido diploma legal. A propósito:

MANDADO DE SEGURANÇA. MILITAR ANISTIADO.


INSTAURAÇÃO DE PROCESSO DE REVISÃO. DECADÊNCIA. ART. 54 DA
LEI 9.784/99. ORDEM CONCEDIDA.
1. O direito da Administração de anular os atos administrativos
de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco
anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé e

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considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade
administrativa que importe impugnação à validade do ato (artigo 54, caput, e
parágrafo 2o. da Lei 9.784/99).
2. Instaurado o processo de revisão de anistiado político após
decorridos mais de sete anos da sua concessão e quase seis anos de
recebimento da prestação mensal, permanente e continuada, resta
consumado o prazo decadencial de que cuida o artigo 54 da Lei 9.784/99.

3. Conquanto se admita que o controle externo, oriundo dos


Poderes Legislativo e Judiciário, não esteja sujeito a prazo de caducidade, o
controle interno o está, não tendo outra função o artigo 54 da Lei 9.784/99
que não a de impedir o exercício abusivo da autotutela administrativa, em
detrimento da segurança jurídica nas relações entre o Poder Público e os
administrados de boa-fé, razão pela qual não poderia a Administração
Pública, ela mesma, rever o ato de anistia concedida há mais de cinco anos.

4. Ordem concedida (MS 15.346/DF, Rel. Min. HAMILTON


CARVALHIDO, DJe 03.12.2010).

12. O citado art. 54 da Lei 9.784/99 prevê um prazo decadencial de 5


anos para que a Administração anule os atos que gerem efeitos favoráveis aos seus
destinatários, in verbis:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos


de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco
anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

13. Dessa forma, a estabilidade do tempo consuma a situação fática


administrativa, motivo pelo qual, após o transcurso do referido prazo decadencial
quinquenal sem que ocorra o desfazimento do ato, prevalece a segurança jurídica em
detrimento da legalidade da atuação administrativa. Acerca dessa questão, convém
trazer novamente à baila as sábias palavras do Professor CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO:

Finalmente, vale considerar que um dos interesses fundamentais


do Direito é a estabilidade das relações constituídas. É a pacificação dos
vínculos estabelecidos a fim de se preservar a ordem. Este objetivo importa
muito mais no direito administrativo do que no direito privado. É que os atos
administrativos têm repercussão mais ampla, alcançando inúmeros sujeitos,

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uns direta, e outros indiretamente, como observou Seabra Fagundes.
Interferem com a ordem e estabilidade das relações sociais em escala muito
maior.

Daí que a possibilidade de convalidação de certas situações -


noção antagônica à de nulidade em seu sentido corrente - tem especial
relevo no direito administrativo.

Não brigam com o princípio da legalidade, antes atendem-lhe o


espírito, as soluções que se inspirem na tranquilização das relações que
não comprometem insuprivelmente o interesse público, conquanto tenham
sido produzidas de maneira inválida. É que a convalidação é uma forma de
recomposição da legalidade ferida.

Portanto, não é repugnante ao direito administrativo a hipótese de


convalescimento dos atos inválidos (Curso de Direito Administrativo, São
Paulo, Malheiros, 2010, p. 477).

14. Alega a União Federal que os pareceres produzidos pelas unidades


consultivas da AGU têm o condão de obstar a decadência do direito de anular as
anistias concedidas, com base no que dispõe o § 2o. do citado art. 54 da Lei 9.784/99:

Art. 54, § 2o. - Considera-se exercício do direito de anular qualquer


medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do
ato.

15. Primeiramente, cumpre enfatizar que, tratando-se de prazo


decadencial, não há que se falar em suspensão ou interrupção do prazo. Entretanto, da
leitura do citado dispositivo, constata-se que a Lei 9.784/99 adotou um critério amplo
para a configuração do exercício do dever de anular os atos administrativos, bastando
uma medida de autoridade que implique impugnação do ato.

16. Por sua vez, o art. 1o., § 2o., III da mesma lei, define autoridade
como sendo o servidor ou agente público dotado de poder de decisão.

17. Dessa forma, a impugnação que se consubstancia como exercício


do dever de anular os atos administrativos deve ser aquela realizada pela autoridade

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com poder de decidir sobre a anulação do ato. Além disso, somente os procedimentos
que importem impugnação formal e direta à validade do ato, assegurando ao
interessado o exercício da ampla defesa e do contraditório, é que afastam a
configuração da inércia da Administração.

18. Assim, simples movimentações interna corporis da Administração


não são capazes de serem entendidos como exercício da autotutela, como na hipótese
dos pareceres jurídicos manifestados nas NOTAS AGU/JD-10/2003 e AGU/JD-1/2006,
que nada mais são que opiniões manifestadas em atos preparatórios.

19. Com efeito, o citado § 2o. do art. 54 da Lei 9.784/99 deve ser
interpretado em consonância com a regra geral prevista no caput, sob pena de tornar
inócuo o limite temporal mitigador do poder-dever da Administração de anular seus atos,
motivo pelo qual não se deve admitir que os atos preparatórios para a instauração do
processo de anulação do ato administrativo sejam considerados como exercício do
direito de autotutela.

20. Ressalta-se que essas singelas digressões são as


consuetudinárias para resguardar a segurança jurídicas nesses casos. Todavia, a
Primeira Seção desta egrégia Corte Superior estabeleceu distinções referente à analise
dos atos administrativos que culminaram na abertura de processo administrativo para
anulação da Anistia concedida aos militares com base na Portaria 1.104/1964, quais
sejam:

a) edição da Portaria Interministerial 134/2011, que instituiu grupo


de trabalho para revisão dos atos concessivos;

b) despacho do Ministro da Justiça determinando a instauração do


procedimento administrativo específico em relação a cada anistiado;

c) eventual anulação da anistia após o procedimento administrativo.

21. Nos dois primeiros casos, entende-se pela impossibilidade de


análise da existência de direito líquido e certo, porquanto o art. 54 da Lei 9.784/99 prevê
inexistir prazo para a Administração rever seus atos, quando presente a má-fé.

Documento: 1446764 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 07/10/2015 Página 13 de 5
22. Foi decidido que não se poderia aferir, de plano, a decadência na via
mandamental, uma vez que tanto a instituição de grupos de trabalhos para revisão dos
atos concessivos de anistia pela edição da Portaria Interministerial 134/2011 quanto o
despacho do Ministro da Justiça para instauração do procedimento administrativo
específico em relação a cada anistiado limitaram-se a abrir discussão sobre a
legalidade do ato de anistia na seara administrativa (cf. MS 18.149/DF, Rel. Min.
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Min. MAURO CAMPBELL
MARQUES, DJe 9.6.2015)

23. No entanto, apenas no terceiro caso, é identificado o interesse de


agir da parte Impetrante e, eventualmente, a possibilidade se reconhecer a decadência
prevista no art. 54 da Lei 9.784/99. A anulação da anistia seria o ato que, em tese,
ofenderia o direito líquido e certo do Impetrante.

24. No caso dos autos a hipótese decorre de anulação da anistia após o


procedimento administrativo (terceira fase). O Ministro de Estado da Justiça expediu a
Portaria Ministerial 286, de 28.1.2013, a qual anulou o ato que concedeu a anistia
política. Impõe-se reconhecer a ocorrência da decadência, já que entre a Portaria,
concessiva da anistia, 21, de 8.1.2004 e a Portaria Ministerial, que anulou o ato que
concedeu a anistia política da parte Impetrante, decorreu o lapso temporal quinquenal.
Ademais não restou comprovado a má-fé da parte beneficiária.

25. Convém registrar, por fim, que nem se diga que a anulação da
anistia não representa, por si só, abalo à segurança jurídica, uma vez que
concretamente representa fato prospectivo de lesão ao patrimônio jurídico subjetivo do
anistiado, quando já transcorridos anos e anos de sua perfectibilização.

26. A corroborar o referido entendimento, entre outros, os MS


18.554/DF e MS 18.678/DF, de minha relatoria, julgados em 11.12.2013, DJe 7.2.2014.

27. Diante dessas considerações, concedo a ordem para reconhecer a

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ocorrência da decadência da Administração em anular a anistia concedida ao
impetrante. Resta prejudicado o Agravo Regimental interposto em face à decisão
concessiva liminar.

28. É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2013/0158982-6 PROCESSO ELETRÔNICO MS 20.187 / DF

Números Origem: 0212004 212004 2862013

PAUTA: 23/09/2015 JULGADO: 23/09/2015

Relator
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FLAVIO GIRON
Secretária
Bela. Carolina Véras

AUTUAÇÃO
IMPETRANTE : MANOEL GENIVAL RODRIGUES
ADVOGADO : ALEXANDRE AUGUSTO SANTOS DE VASCONCELOS E OUTRO(S)
IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA
INTERES. : UNIÃO

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Militar -


Regime - Anistia Política

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Seção, por unanimidade, concedeu a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator."
Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves,
Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa, Olindo Menezes (Desembargador
Convocado do TRF 1ª Região) e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

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