Gabarito 2a Lista Exercicios 2023

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 12

Universidade de São Paulo

Escola de Artes, Ciências e Humanidades

ACH2013 – Matemática Discreta – 2o¯ sem. 2023


Professor: José Ricardo G. Mendonça

Gabarito parcial – 2a¯ Lista de Exercícios – Quantificadores e estratégias de demonstração


– 29 ago. 2023

Logic, logic, logic. Logic is the beginning of wisdom, Valeris, not the end.
Dr. Spock, in Star Trek VI: The Undiscovered Country (1992)

Problemas

I. Funções proposicionais e quantificadores

1. Seja A = {1, 2, 3, 4, 5}. Determine o valor verdade das seguintes proposições:

(a) (∃ x ∈ A) (x + 3 = 10) ≡ F; (b) (∀ x ∈ A) (x + 3 < 10) ≡ V ;

(c) (∃ x ∈ A) (x + 3 ⩽ 5) ≡ V ; (d) (∀ x ∈ A) (x + 3 < 7) ≡ F.

2. Seja A = {1, 2, 3}. Determine o valor verdade das seguintes proposições:

(a) (∃ x ∈ A) (∀ y ∈ A) (x2 < y + 1) ≡ V , basta tomar x = 1 em todos os casos;


(b) (∀ x ∈ A) (∃ y ∈ A) (x2 + y2 < 12) ≡ V , basta tomar y = 1 em todos os casos;
(c) (∀ x ∈ A) (∀ y ∈ A) (x2 + y2 < 12) ≡ F, pois quando x ⩾ 2 e y = 3 ou x = 3 e y ⩾ 2 a
desigualdade é violada.

3. Estabeleça a negação das seguintes proposições, onde P e Q são duas funções proposicio-
nais bem definidas quaisquer:

(a) (∃ x ∈ R) (∀ y ∈ R) P(x, y);


(∀ x ∈ R) (∃ y ∈ R) (¬P(x, y))
(b) (∀ x ∈ R) (∀ y ∈ R) P(x, y);
(∃ x ∈ R) (∃ y ∈ R) (¬P(x, y))
(c) (∃ y ∈ R) (∃ x ∈ R) (∀ z ∈ R)(P(x, y) ∧ Q(x, z)).
(∀ y ∈ R) (∀ x ∈ R) (∃ z ∈ R)(¬P(x, y) ∨ ¬Q(x, z))

4. Estabeleça a negação das seguintes proposições:

1
(a) Todos os estudantes de SI da EACH são do sexo masculino;
Existem estudantes de SI da EACH que são do sexo feminino
(b) Alguns estudantes de GPP da EACH têm 25 anos ou mais;
Todos os estudantes de GPP da EACH têm 24 anos ou menos
(c) Todos os estudantes da EACH moram na ZL.
Alguns estudantes da EACH não moram na ZL

5. Descreva em palavras, determine o valor verdade e estabeleça as negações das seguintes


proposições:

(a) (∀ a ∈ Z) (∃ b ∈ Z) (a < b);


Para todo número inteiro a, existe um número inteiro b tal que a < b. Essa afirmação
é verdadeira; basta tomar qualquer b ⩾ a+1. Sua negação (∃ a ∈ Z) (∀ b ∈ Z) (a ⩾ b)
consiste em dizer que existe um número inteiro a tal que para todo número inteiro b
vale a ⩾ b, que é obviamente falsa, pois tal número a (“el Gran Número a Maior de
Todos de las Galáxias”) não existe.
(b) (∃ b ∈ Z) (∀ a ∈ Z) (a < b).

6. Descreva as seguintes proposições usando quantificadores:

(a) Existem pelo menos três números inteiros distintos que satisfazem a propriedade P;
Uma possibilidade é (∃ x, y, z ∈ Z) (x ̸= y ̸= z ̸= x) (P(x) ∧ P(y) ∧ P(z)). A parte
(∃ x, y, z ∈ Z) é uma abreviação válida para (∃ x ∈ Z) (∃ y ∈ Z) (∃ z ∈ Z).
(b) Existem no máximo três números inteiros distintos que satisfazem a propriedade P.

7. A definição de convergência de uma sequência (xn )n ∈ Z de números reais para um limite


x, normalmente denotada por lim xn = x ou, abreviadamente, xn → x, é a seguinte: “para
todo número real positivo ε, existe um número inteiro N tal que para todo número inteiro
n > N temos que xn difere de x por menos do que ε”. Escreva essa definição usando os
devidos quantificadores e proposições.

8. Sejam f , g : R → R duas funções reais. Estabeleça a negação formal da proposição “para


todo s em R, existe um r em R tal que se f (r) > 0 então g(s) > 0.” Interprete o conteúdo
matemático dessa proposição.
Primeiro vamos escrever a proposição dada em forma matemática:

(∀ s ∈ R) (∃ r ∈ R) ( f (r) > 0 → g(s) > 0).

A negação dessa proposição depende da negação de f (r) > 0 → g(s) > 0. Como
p → q ≡ ¬p ∨ q, temos ¬(p → q) ≡ p ∧ ¬q, de modo que a negação da expressão acima

2
se torna
(∃ s ∈ R) (∀ r ∈ R) ( f (r) > 0 ∧ g(s) ⩽ 0).
Essas expressões não possuem conteúdo matemático algum a menos que a função g
dependa de r ou de f (r). Caso contrário, uma vez que tenhamos escolhido um s ∈ R, o
valor de g(s) fica dado, independentemente de r ou f (r).

II. Estratégias de demonstração

1. O princípio do pombal é um teorema simples que no entanto possui enorme utilidade em


toda a matemática. Seu enunciado é o seguinte:(a)
Teorema: Sejam n e k dois números naturais. Se tentarmos distribuir n > k objetos em k
urnas, pelo menos uma das urnas conterá mais de um objeto.
Demonstre o princípio do pombal por contraposição.
Vamos demonstrar o teorema por contraposição. Sejam as proposições p ≡ (n > k) e
q ≡ “pelo menos uma das urnas contém mais de um objeto”. O teorema afirma que p → q.
Assuma, ao contrário da conclusão do teorema, que cada urna contém no máximo um
objeto (¬q). Como temos k urnas, o número de objetos n será no máximo igual a k (¬p).
Como ¬q → ¬p, então p → q, como queríamos demonstrar.

2. Mostre que se a soma dos dígitos de um número n ∈ N qualquer é divisível por 9 então
n é divisível por 9 e vice-versa. Notação: se um número n é divisível pelo número d
escrevemos d | n, que se lê “d divide n”.
Um número n ∈ N qualquer pode ser escrito na base 10 como
k
n = (dk dk−1 · · · d0 )10 = dk 10k + dk−1 10k−1 + · · · + d1 101 + d0 = ∑ di 10i ;
i=0

por exemplo, 1387 = 1 · 103 + 3 · 102 + 8 · 101 + 7.


Nosso problema pede que provemos o resultado 9 | n ↔ 9 | ∑ di , isto é, temos de provar a
“ida” 9 | n → 9 | ∑ di e a “volta” 9 | ∑ di → 9 | n. Daremos provas diretas.
Vamos começar pela “ida” 9 | ∑ di → 9 | n. Se a soma dos dígitos de n é divisível por 9,
então
dk + dk−1 + · · · + d1 + d0 = 9k

(a)Aformulação do princípio do pombal costuma ser atribuída ao matemático alemão Peter Gustav Lejeune Dirichlet
(1805–1859) por volta de 1842, embora haja evidências de que o princípio fosse conhecido anteriormente. Dirichlet
se referia ao princípio do pombal como Schubfachprinzip, ou “princípio da gaveta”, em alemão.

3
para algum k ∈ N. Adicionando dk (10k − 1) + dk−1 (10k−1 − 1) + · · · + d1 (101 − 1) a
ambos os lados da equação acima e reparando que cada termo dessa soma é múltiplo de
9,(b) concluímos que dk 10k + dk−1 10k−1 + · · · + d1 101 + d0 = n também é divisível por 9.
Agora a “volta”. Assumindo que 9 | n, temos que

dk 10k + dk−1 10k−1 + · · · + d1 101 + d0 = 9k

para algum k ∈ N. Isso significa que

dk (10k − 1) + dk−1 (10k−1 − 1) + · · · + d1 (101 − 1) + (dk + dk−1 + · · · + d1 + d0 ) = 9k,

e como cada termo da soma dk (10k − 1) + dk−1 (10k−1 − 1) + · · · + d1 (101 − 1) é múltiplo


de 9, concluímos que se 9 | n então necessariamente 9 | (dk + dk−1 + · · · + d1 + d0 ) também.
A maneira mais objetiva de resolver esse problema é usando aritmética modular. Tomando
n mod 9 encontramos
 k   k 
i i

∑ di10 mod 9 = ∑ di 10 mod 9 mod 9
i=0 i=0
 k 
i
= (d
∑ i mod 9)(10 mod 9) mod 9
i=0
 k   k 
= ∑ di mod 9 mod 9 = ∑ di mod 9,
i=0 i=0

onde usamos as propriedades (a+b) mod k = (a mod k +b mod k) mod k, (ab) mod k =
(a mod k)(b mod k) e 10i mod 9 = 1 para todo i ⩾ 0. Assim, vemos que n ≡ 0 (mod 9)
se e somente se (d0 + d1 + · · · + dk ) ≡ 0 (mod 9).

3. Para um dado n ∈ Z, mostre (a) de forma direta e (b) por contraposição que se n2 é par,
então n é par. Qual das duas demonstrações lhe parece mais objetiva e compreensível?

4. Mostre que todo número primo p > 3 é da forma 3k − 1 ou 3k + 1 para algum k ∈ N.

5. Mostre que todo número primo p > 3 é da forma 3k − 1 ou 3k + 1 para algum k ∈ N.


Todo número n ∈ N é da forma 3k − 1, 3k ou 3k + 1 para algum k ∈ N porque a sequência
de números (3k − 1, 3k, 3k + 1), k ∈ N, cobre todos os números naturais (o próximo termo,
3k + 2, é equivalente a 3(k + 1) − 1 e assim por diante). Como todo número primo p > 3
não é divisível por 3, ele não pode ser da forma 3k, donde concluímos que todo número
primo p > 3 é da forma 3k − 1 ou 3k + 1 para algum k ∈ N.

(b) Estamos afirmando que 9 | (10k − 1) para todo k ⩾ 1, isto é, que 9 | (10 − 1), 9 | (100 − 1), 9 | (1000 − 1) etc.

4
6. Um aluno metido a espertinho “demonstrou” o seguinte “lema”: sabemos que −2 < 1;
elevando ambos os lados dessa inequação ao quadrado concluímos que 4 < 1. O que há
de errado com essa “demonstração”?

7. Prove ou disprove (e neste caso, se for possível corrija) as seguintes proposições:

(a) ∀n ∈ N, se n é ímpar então n2 + 4n é ímpar;


Podemos mostrar essa proposição de forma direta assumindo que n = 2k + 1 para
algum k ∈ N e fazendo a conta: n2 + 4n = 2(2k2 + 6k + 2) + 1, um número ímpar.
Mas vamos lembrar das seguintes propriedades dos números inteiros: se P denota
um número par e I um número ímpar, então as paridades dos números obedecem
às regras P + P = P, P + I = I, I + I = P, P · P = P, P · I = P e I · I = I. Se n é I,
então n2 é I · I = I e 4n é P · I = P, de onde segue que n2 + 4n é I + P = I.
(b) ∀r ∈ R, se r2 é irracional então r é irracional;
(c) ∀n ∈ N, n5 < 5n ;
A proposição P(n) ≡ (n5 < 5n ) não vale ∀n ∈ N. Ela vale quando n = 0 (pois 0 < 1)
e n = 1 (pois 1 < 5), mas não vale para n = 2, 3, 4 e 5. Quando n = 6 a proposição
vale novamente, pois 7776 < 15625. Use a expansão de (n + 1)5 para prosseguir
com a demonstração para n ⩾ 6.
(d) ∀r ∈ (−1, ∞), (1 + r)n ⩾ 1 + nr (desigualdade de Bernoulli). Porque podemos dizer
que essa desigualdade é trivial para r > 0?

8. Estabeleça os seguintes resultados usando o princípio de indução finita:(c)

(a) 12 + 22 + · · · + n2 = 61 n(n + 1)(2n + 1) para todo n ⩾ 1;


Podemos verificar imediatamente que a identidade vale proposta vale quando n = 0 e
n = 1. Vamos supor que a identidade vale para algum n = k > 1 e vamos verificar se
isso nos permite conlcuir que ela vale para n = k + 1 também. Adicionando (k + 1)2
a ambos os lados da igualdade quando n = k obtemos

12 + · · · + k2 + (k + 1)2 = 16 k(k + 1)(2k + 1) + (k + 1)2 .

Colocando (k + 1) em evidência no lado direito dessa equação encontramos


2
1
6 k(k + 1)(2k + 1) + (k + 1) = 16 (k + 1)[2k2 + k + 6(k + 1)]
= 16 (k + 1)[2k2 + 7k + 6] = 16 (k + 1)(k + 2)(2k + 3)
= 16 (k + 1)((k + 1) + 1)(2(k + 1) + 1),

(c) Uma exposição didática e erudita do raciocínio indutivo e do papel das analogias em matemático é dada por
G. Pólya (1887–1985) em Mathematics and Plausible Reasoning, Volume I: Induction and Analogy in Mathematics
(Princeton, NJ: Princeton University Press, 1954); a indução matemática é especialmente tratada no Capitulo VII.

5
de forma que a identidade vale para k + 1 também e daí, pelo princípio de indução
finita, vale para todo n ∈ N.
(b) 13 + 23 + · · · + n3 = (1 + 2 + · · · + n)2 para todo n ⩾ 1. Essa identidade quase
milagrosa é conhecida como identidade de Nicômaco de Gerasa (ca. 60 – ca. 120);
(c) Dados n ⩾ 2 números a1 , . . . , an ∈ R quaisquer, não todos nulos,
a1 + a2 + · · · + an a1 a2
= + +···
1 + a1 + a2 + · · · + an 1 + a1 (1 + a1 )(1 + a1 + a2 )
an
+ .
(1 + a1 + a2 + · · · + an−1 )(1 + a1 + a2 + · · · + an )

9. Mostre por indução matemática (ou qualquer outra maneira) que os seguintes resultados
de divisibilidade valem para todo n ∈ N:

(a) 3n − 1 é divisível por 2;


Quando n = 0 e 1 temos, respectivamente, que 30 − 1 = 0 e 31 − 1 = 2 são ambos
divisíveis por 2. Vamos supor que 3n − 1 seja divisível por 2 para algum n = k > 1
(hipótese de indução) e vamos verificar se isso nos permite conlcuir que 3n − 1 é
divisível por 2 para n = k + 1 também. Temos 3k+1 − 1 = 3 · 3k − 1 = 2 · 3k + 3k − 1,
e como por hipótese 3k − 1 é divisível por dois, concluímos que 3n − 1 é divisível
por 2 para todo n ∈ N.
(b) 5n − 2n é divisível por 3;
(c) 2n + 3n é divisível por 5 se e somente se n é ímpar;
(d) A soma dos cubos de três números inteiros consecutivos é divisível por 9.

10. Mostre por indução finita que (cos θ + i sin θ )n = cos nθ + i sin nθ para todo n ⩾ 1, onde
i é a unidade imaginária que satisfaz i2 = −1. Esse resultado é conhecido como teorema
de De Moivre. Repita a demonstração usando a identidade de Euler eiθ = cos θ + i sin θ .

11. Mostre por indução finita que para todo n ⩾ 1,

x2
 d n −x2
Hn (x) = e − e
dx
é um polinômio de grau n. O que podemos dizer sobre a paridade de Hn (x)? Os polinômios
de Hermite Hn (x) formam uma importante família de funções na análise matemática;
eles aparecem, por exemplo, em análise numérica (integração gaussiana) e na solução da
equação de Schrödinger para um oscilador harmônico quântico.
Quando n = 0, H0 (x) = 1. Quando n = 1 obtemos

2
 d  −x2 2 2
H1 (x) = e x − e = e x (2x)e−x = 2x,
dx

6
um polinômio de grau 1, de forma que a proposição vale para o caso n = 1. Vamos supor
agora que a proposição vale para um n = k > 1 qualquer (hipótese de indução) e vamos
verificar se podemos concluir que ela vale também para n = k + 1. Por hipótese temos
2
 d k −x2 2 2
ex − e = e x Hk (x) e−x = Hk (x),
dx
um polinômio de grau k. Quando n = k + 1 obtemos
2
 d k+1 −x2 2
 d 2 2  2
ex − e = ex − Hk (x) e−x = e x 2x Hk (x) − Hk′ (x) e−x
dx dx
= 2x Hk (x) − Hk′ (x),

onde Hk′ (x) denota a derivada de Hk (x) em relação a x. Como por hipótese Hk (x) é um
polinômio de grau k, Hk′ (x) é um polinômio de grau k − 1, a soma 2x Hk (x) − Hk′ (x) é um
polinômio de grau k + 1 e a proposição está verificada.
Repare que (i) obtivemos uma relação de recorrência bastante simples para os polinômios
Hn (x): H0 (x) = 1, Hk+1 (x) = 2x Hk (x) − Hk′ (x), k ⩾ 1 e (ii) os polinômios Hk (x) possuem
paridade bem definida dada pela paridade de seus índices, já que o termo principal de
cada Hk (x) é dado por (2x)k , isto é, para todo k ⩾ 0 os polinômios H2k (x) são funções
pares e os polinômios H2k+1 (x) são funções ímpares de x.

12. Mostre que para todo conjunto de n ⩾ 1 funções diferenciáveis f1 (x), . . . , fn (x) vale

( f1 (x) · · · fn (x))′ f ′ (x) f ′ (x)


= 1 +···+ n .
f1 (x) · · · fn (x) f1 (x) fn (x)

13. Existem inúmeras demonstrações de que 2 é um número irracional. Uma delas consiste
em reparar que o último dígito não-nulo de um número inteiro ao quadrado escrito na base
3 deve ser 1, de maneira que a equação a2 = 2b2 com a, b ∈ N∗ é impossível. Formalize
esse argumento como um lema e um teorema e dê as suas respectivas demonstrações.

14. Em aula demonstramos que se a e b são números irracionais, então ab pode ser racional
√ √
analisando o caso em que a = 2 e b = 2.(d) Mostre, pelo mesmo método, que se a e b

são números irracionais, então ab pode ser irracional. Dica: 1 + 2 é irracional.

(d) Em 1934, os matemáticos Alexander Osipovich Gelfond (1906–1968) e Theodor Schneider (1911–1988) mostraram,

independentemente, que se a e b são números algébricos com a ̸= 0, 1 e b irracional, então ab é um número


transcendental (portanto irracional). Se a restrição de √
que a e b sejam algébricos for removida a afirmação deixa de
√ 2 √2 √ 2 √
ser verdadeira em geral. Por exemplo, vimos que 2 = 2 = 2; aqui, b = 2 é um número algébrico, mas

√ 2
a√= 2 não é, de forma que o resultado mencionado anteriormente não vale neste caso. O número transcendental
2 2 = 2.665144 · · · é conhecido como constante de Gelfond-Schneider.

7
15. Números naturais p ⩾ 2 que são divisíveis somente por 1 e por eles mesmos são chamados
de números primos—por exemplo, 2, 3, 5, 7, 11 são números primos. O teorema
fundamental da aritmética estabelece que todo número natural n ⩾ 2 ou é primo ou pode
ser fatorado em um produto de número primos.

(a) Tente provar o teorema fundamental da aritmética por indução finita comum;
(b) Prove o teorema fundamental da aritmética usando indução finita forte.

16. Suponha que n linhas retas são traçadas no plano de tal forma que nenhuma delas é
paralela a nenhuma outra e que três linhas diferentes nunca se encontram em um único
ponto. Mostre que as linhas dividem o plano em 21 (n2 + n + 2) regiões diferentes.
Convém neste problema (assim como em todos os problemas envolvendo números inteiros)
analisar alguns casos pequenos. Quando dividimos o plano com uma linha (n = 1),
obtemos 2 regiões distintas. Quando dividimos o plano com duas linhas (n = 2), obtemos
4 regiões distintas. Aparentemente a solução para o número máximo Rn de regiões
diferentes que se obtém pelo emprego de n linhas é Rn = 2n : adicionar uma nova linha
simplesmente dobra o número de regiões. Infelizmente, quando verificamos o caso
n = 3, vemos que isso não é verdade. Poderíamos alcançar a duplicação se a n-ésima
linha dividisse cada região anterior em duas, mas quando adicionamos a terceira linha
vemos que ela pode dividir no máximo três das regiões anteriores, independentemente da
disposição das duas primeiras linhas; veja a figura abaixo.

Figura 1: Divisão do plano por 3 linhas diferentes que não se encontram em um único ponto.

Desta observação em diante, podemos proceder por indução: uma vez que traçamos k
linhas, vemos que a (k + 1)-ésima linha deve encontrar cada uma das k linhas já traçadas
em k pontos de interseção distintos, que por sua vez dividem a linha adicionada em k + 1
partes. Assim, a (k + 1)-ésima linha corta exatamente k + 1 das regiões em que o plano
já está dividido, e como cada uma dessas regiões é dividida em duas pela nova linha, o
número de regiões aumenta de k + 1. O número máximo de regiões Rn obedece portanto

8
à relação de recorrência Rn+1 = Rn + n. Com R0 = 1, R1 = 1 + 1 = 2, R2 = 2 + 2 =
4, R3 = 4 + 3 = 7 etc. obtemos, em geral,

Rn = 1 + (1 + 2 + · · · + n) = 1 + 12 n(n + 1) = 12 (n2 + n + 2).

O raciocínio acima nos permitiu deduzir a expressão para Rn . Prove que o resultado está
correto por indução finita (isto é, que ao passar de k para k + 1 linhas, Rk passa a Rk+1 ).

17. Usando indução matemática em n, mostre que se p é um número primo, então n p − n é


divisível por p. Dicas: (i) resolva primeiro explicitamente os casos de p = 2 e p = 3 e
(ii) use o teorema binomial para o caso de p qualquer. Esse resultado é conhecido como
pequeno teorema de Fermat,(e) estabelecido mas não demonstrado por Pierre de Fermat
(1601–1665) em 1640 em uma correspondência.(f) Em notação moderna, escrevemos o
resultado acima como n p ≡ n (mod p) ou n p−1 ≡ 1 (mod p), que significam que o resto
da divisão de n p por p vale n ou, equivalentemente, que o resto da divisão de n p − n por
p é nulo, de acordo com o enunciado de nosso problema. Resultados elementares de
divisibilidade como esse são muito importantes em técnicas modernas de criptografia,
conforme veremos mais adiante em nossa disciplina.

18. Um dos algoritmos de ordenação mais toscos que se pode imaginar é o selection sort,
descrito pelo Algoritmo S abaixo.(g) Avalie o número de comparações executadas pelo
algoritmo e dê sua ordem de complexidade, isto é, o quanto o processamento necessário
aumenta com o tamanho n da lista a ser ordenada. Observação: você deve evitar de usar o
selection sort para ordenar listas muito grandes ou muito frequentemente, já que existem
algoritmos igualmente simples (quicksort, mergesort) que oferecem um desempenho bem
melhor em quase todos os casos.

(e) Não confundir com o último teorema de Fermat, que diz que não existem soluções inteiras positivas para xn +yn = zn

com n ⩾ 3, enunciado por Fermat em 1637 e demonstrado por Andrew J. Wiles (n. 1953) somente em 1995!
(f) P.
Tannery e C. Henry (eds.), Œvres de Fermat, Tome Deuxième, Correspondance (Paris: Gauthier-Villars, 1894),
XLIV – Fermat à Frenicle, 18 octobre 1640, pp. 206–212.
(g) Obviamente, pode-se facilmente conceber algoritmos ainda mais toscos, como o bogosort; não há limite para a
imbecilidade algorítmica, como os loops infinitos nunca nos deixam esquecer.

9
Algorithm S : Ordenação por seleção
Require: Lista a[1], a[2], . . . , a[n] a ser ordenada segundo algum criterio (“⪯”)
1: for i = 1 to n − 1 do
2: min ← a[i], ind ← i
3: for j = i + 1 to n do
4: if a[ j] ⪯ min then
5: min ← a[ j], ind ← j
6: end if
7: end for
8: Permuta os valores a[i] ↔ a[ind]
9: end for
Ensure: Lista ordenada a[1] ⪯ a[2] ⪯ · · · ⪯ a[n].

III. Divertissement: O significado do conectivo “ou” em lógica


O significado do conectivo lógico “ou” costuma causar confusão, pois enquanto na lógica
formal ele possui um significado preciso, na linguagem cotidiana “ou” possui pelo menos dois
significados distintos cuja interpretação geralmente depende de contexto, isto é, de conhecimento
sobre o significado das proposições que estão sendo conectadas pelo “ou”, algo que não pode
ser considerado em linguagens formais. Em primeiro lugar, devemos concordar se interpretamos
“A ou B” no sentido exclusivo de “ou A ou B mas não ambos” ou no sentido inclusivo de “ou
A ou B ou ambos”. Em português normalmente usamos o “ou” exclusivo. Em documentos
jurídicos é comum encontrar o “ou” inclusivo expresso pelo barbarismo “A e/ou B”. Em alguns
idiomas existem palavras diferentes para o “ou” exclusivo e inclusivo. Por exemplo, em latim, a
palavra aut denota um ou exclusivo, como em disce aut discede (aprenda ou saia), enquanto vel
denota um “ou” inclusivo, como em habere vel vim vel laetitia (ter força ou alegria). É provável
que o símbolo matemático “∨” usado para denotar o conectivo lógico “ou” inclusivo tenha se
originado da primeira letra da palavra latina vel para tal conectivo.
A seguir reproduzimos um trecho do livro de Alfred Tarski, Introduction to Logic and to
the Methodology of Deductive Sciences, 4a. ed. (Oxford: Oxford University Press, 1994), §8,
pp. 18–21, sobre o significado do conectivo “ou” em lógica:(h)

Now, in everyday language, the word “or” has at least two different meanings. Taken
in the so-called non-exclusive meaning, the disjunction of two sentences expresses only
that at least one of these sentences is true, without saying anything as to whether or not
both sentences may be true; taken in another meaning, known as the exclusive one, the

(h)AlfredTarski (1901–1983), logicista, matemático e filósofo da ciência de origem polonesa (depois naturalizado
norte-mericano) foi um dos principais contribuidores e analistas do desenvolvimento da lógica no século XX.
Sua teoria da verdade em linguagens formais é ainda hoje estudada e debatida nos meios acadêmicos.

10
disjunction of two sentences asserts that one of the sentences is true but that the other is
false. To illustrate, let us suppose we see the following notice put up in a bookstore:

“Customers who are teachers or college students are entitled to a special reduction.”

Here the word “or” is undoubtedly used in the first meaning, since one would not refuse
the reduction to a teacher who is at the same time a college student. On the other hand, if
a child has asked to be taken on a hike in the morning and to a theater in the afternoon,
and we reply: no, we shall go on a hike or we shall go to the theater, then our usage of the
word “or” is obviously of the second kind, since we intend to comply with only one of the
two requests. In logic and in mathematics the word “or” is used always in the first, non
exclusive meaning; the disjunction of two sentences is considered true if at least one of its
members is true, and otherwise false. (. . . ) In order to avoid misunderstandings it would
be expedient, in everyday as well as in scientific language, to use the word “or” by itself
only in the first meaning, and to replace it by the compound expression “either. . . or. . . ”
whenever the second meaning is intended.
Even if we confine ourselves to those cases in which the word “or” occurs in its first
meaning, we find quite noticeable differences between its usage in everyday language and
that in logic. In common language two sentences are joined by the word “or” only when
they are in some way connected in form and content. (. . . ) Moreover, the usage of the word
“or” in everyday speech is influenced by certain psychological factors. Usually we state a
disjunction of two sentences only if we believe that one of them is true but wonder which
one. (. . . )
When creators of contemporary logic were introducing the word “or” into their
considerations, they desired, perhaps subconsciously, to simplify its meaning; in particular,
they endeavored to render this meaning clearer and independent of all psychological factors,
especially of the presence or absence of knowledge. Consequently, they decided to extend
the usage of the word “or”, and to consider the disjunction of any two sentences as a
meaningful whole, even when no connection between their contents or forms should exist
(. . . ). Therefore, a person using the word “or” according to contemporary logic will
consider the expression (. . . ) “2 · 2 = 5 or New York is a large city” as a meaningful and in
fact a true sentence, since its second part is surely true.

Uma anedota acerca da disjunção “ou” conta que quando o filósofo britânico Bertrand
Russell (1872–1970) teve seu primeiro filho, John Conrad Russell (1921–1987), com sua
segunda esposa Dora Black (1894–1986), um colega felicitou-o dizendo “Parabéns, Bertie! É
uma menina ou um menino?”, ao que Russell respondeu, “Sim, claro, o que mais poderia ser?”

⋆—⋆—⋆

11
O dominó da indução finita: se você
mostrar que a proposição vale para n = 1
(derrubar o primeiro dominó) e que se ela
vale para n = k (a hipótese de indução)
então vale para n = k + 1 também (o
passo de indução), então a proposição
vale para todo n (todo dominó em queda
atinge o próximo e todos eles caem).

12

Você também pode gostar