O Medo Na Ginastica Artistica Feminina

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE

O MEDO NA GINÁSTICA ARTÍSTICA FEMININA:


ESTUDO COM ATLETAS DA CATEGORIA PRÉ-
INFANTIL

Luiz Henrique Duarte

SÃO PAULO
2008
ii

O MEDO NA GINÁSTICA ARTÍSTICA FEMININA:


ESTUDO COM ATLETAS DA CATEGORIA PRÉ-INFANTIL

LUIZ HENRIQUE DUARTE

Dissertação apresentada à Escola de


Educação Física e Esporte da
Universidade de São Paulo, como
requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Educação física.

ORIENTADOR: Prof.a Dr.a MYRIAN NUNOMURA


iii

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, em um primeiro momento, a toda minha família, que


sempre me apoiou, incondicionalmente, em todos os meus anos de formação, com
tanto carinho e amor. Se me tornei hoje essa pessoa que sou, devo tudo a eles, em
especial minha mãe, meu pai, meu irmão e meus queridos avós.
É com enorme carinho que agradeço ao meu amor, minha Ana, por tantos
momentos maravilhosos compartilhados. Você, mais do que ninguém, tem
acompanhado minha jornada, tanto nos momentos de alegria quanto nas
dificuldades. Saiba que serão lembrados eternamente...
À minha orientadora, Profa Dra Myrian Nunomura, por me trazer de volta ao
ambiente acadêmico e me incentivar na realização deste projeto. Nossas discussões
engrandeceram muito minha formação e minha maneira de pensar.
Aos professores Dr. Dante De Rose Júnior e Dr. Pedro Winterstein, pelas
enormes contribuições nesta pesquisa. Vocês foram fundamentais para a conclusão
desta pesquisa, colocando pontos fundamentais com suas contribuições, sempre de
maneira construtiva.
Ao Prof. Dr. Herbert Lancha Júnior que, mesmo não sendo da área, assumiu
um grande compromisso ao presidir minha banca. Essa atitude honrosa será sempre
lembrada. Meus sinceros agradecimentos.
Ao Prof. Ms. Fábio Cárdias, pelas orientações referentes à Psicologia e ao
grande incentivo dado.
Aos amigos do EUNEGI, pelo auxílio, não só nesta pesquisa, mas em todo o
meu modo de voltar a enxergar a(s) Ginástica(s). Um agradecimento especial à Pri,
ao Raul e, principalmente, à Mari Tsukamoto, por tudo que ajudaram nestes anos.
Vocês serão inesquecíveis.
iv

Aos colegas da secretaria da pós-graduação da EEFE, Márcio e Ilza, meus


sinceros agradecimentos. Vocês tornam a vida dos pós-graduandos muito mais fácil.
Aos amigos Pedro, Rafa, Ane, Ana e, especialmente, Glauber e Flávio, vocês
sempre estarão comigo. Não é o tempo ou a distância que vão nos separar. Amo
vocês. Não poderia deixar de agradecer aos amigos da saudosa “Maloca”,
companheiros de pós-graduações, com toda sua “contribuição científica” à minha
formação. Valeu muito Fafá, Zé e Guima por tantos momentos de alegria.
Aos amigos Fúlvio e Ângelo, por sempre estarem prontos para ajudar. Vamos
sentir saudades de vocês, vizinhos.
Aos amigos da Yashi, Yumi, Rita, Mari Domitsu, Valéria, Alcebíades, Mauro e
Ana Clara, por terem me ensinado muita coisa e ma apoiarem em todos os
momentos, desde que nossas vidas se cruzaram.
Aos técnicos e ginastas participantes dessa pesquisa, que sem sua
disponibilidade e auxílio, não conseguiria realizar esta pesquisa.
v

SUMÁRIO
Página

LISTA DE TABELAS .................................................................................................. vii


LISTA DE FIGURAS ..................................................................................................viii
LISTA DE QUADROS ................................................................................................. ix
RESUMO .................................................................................................................... xi
ABSTRACT ................................................................................................................xiii
1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................1
2. REVISÃO DE LITERATURA ...................................................................................4
2.1 A modalidade Ginástica Artística ......................................................................4
2.2 Caracterização da criança entre 9 e 10 anos de idade ....................................5
2.3 Conceitos relacionados ao fenômeno emocional............................................8
2.4 Emoção ..............................................................................................................10
2.4.1. Emoções nos esportes.....................................................................................13
2.5 Medo...................................................................................................................15
2.5.1 O Medo no esporte ..........................................................................................19
2.5.2 O Medo na Ginástica Artística..........................................................................21
2.5.3 Como as crianças lidam com seus medos .......................................................29
3. Materiais e Métodos ............................................................................................34
3.1 Natureza da Pesquisa .......................................................................................34
3.2 Caracterização da amostra...............................................................................35
3.3 Técnica de coleta ..............................................................................................36
3.4 Análise dos Dados ............................................................................................37
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO.............................................................................40
4.1 O Medo e suas causas......................................................................................40
4.2 Estratégias utilizadas para controle do medo ................................................49
vi

4.3 Percepções das ginastas sobre as atitudes de seus técnicos, pais e


colegas diante de seus medos e de seus erros ....................................................57
4.3.1 Técnicos...........................................................................................................59
4.3.2 Pais ..................................................................................................................67
4.3.3 Colegas ............................................................................................................74
5. CONCLUSÕES......................................................................................................79
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................82
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................84
8. ANEXOS ................................................................................................................94
vii

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Início de prática, especialização e do pico na GA (adaptado de BOMPA,


2002).......................................................................................................................... 4
Tabela 2 - Caracterização dos sujeitos .................................................................... 35
viii

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Distinção de diferentes fenômenos afetivos, em função do tempo de


duração (adaptada de OATLEY, KELTNER & JENKINS, 2006). ............................. 10
Figura 2 - Processo causador do estresse (adaptada de HONGLER, 1988)........... 17
Figura 3 - A conexão corpo-mente: modelo social psicofisiológico do risco (adaptado
de HEIL, 2000). ........................................................................................................ 21
Figura 4 - Condicionamento do medo (Adaptado de Martin, 1996).......................... 23
ix

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Unidades de Registro relacionadas à primeira categoria.........................41


Quadro 2 - Resultados referentes ao medo da lesão.................................................41
Quadro 3 - Resultados referentes ao medo do desconhecido ...................................44
Quadro 4 - Resultados referentes ao medo de errar..................................................45
Quadro 5 - Resultados referentes ao medo do técnico..............................................47
Quadro 6 - Unidades de Registro relacionadas à segunda categoria. .......................49
Quadro 7 - Resultados referentes à utilização da prática mental como estratégia
ingênua para controle do medo..................................................................................50
Quadro 8 - Resultados referentes à sugestão da autoconfiança como estratégia
ingênua para controle do medo..................................................................................51
Quadro 9 - Resultados referentes à utilização de pensamentos positivos como
estratégia ingênua para controle do medo.................................................................52
Quadro 10 - Resultado referente à melhora da atenção como estratégia ingênua para
controle do medo. ......................................................................................................53
Quadro 11 - Resultado referente ao apoio dos pais como estratégia ingênua para
controle do medo. ......................................................................................................54
Quadro 12 - Resultados referentes à utilização de técnicas de relaxamento como
estratégia científica para controle do medo. ..............................................................54
Quadro 13 - Resultados referentes à ausência de estratégia para controle do medo.
...................................................................................................................................56
Quadro 14 - Unidades de registro relacionadas à terceira categoria. ........................58
Quadro 15 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes de
seus técnicos diante de seus medos, ao utilizarem a segurança manual..................60
Quadro 16 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes de
seus técnicos diante de seus medos, ao acalmarem as ginastas..............................62
Quadro 17 - Resultado referente à percepção da ginasta sobre as atitudes de seu
técnico diante de seus medos, ao corrigir tecnicamente seus exercícios. .................62
x

Quadro 18 - Resultado referente à percepção da ginasta sobre as atitudes de seu


técnico diante de seus medos, ao sugerir a repetição do exercício. ..........................63
Quadro 19 - Resultado referente à percepção das ginastas sobre as atitudes de seus
técnicos diante de seus erros, ao serem punidas. .....................................................64
Quadro 20 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes
positivas de seus pais diante de seus fracassos ou erros. ........................................69
Quadro 21 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes
negativas de seus pais diante de seus fracassos ou erros. .......................................72
Quadro 22 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes de
seus pais, ao conversarem sobre os treinos. .............................................................74
Quadro 23 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes de
suas colegas, ao manifestarem medo........................................................................75
Quadro 24 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes de
suas colegas, ao manifestarem medo........................................................................77
Quadro 25 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes de
suas colegas, ao manifestarem medo........................................................................78
xi

RESUMO

O MEDO NA GINÁSTICA ARTÍSTICA FEMININA:


ESTUDO COM ATLETAS DA CATEGORIA PRÉ-INFANTIL

Autor: Luiz Henrique Duarte


Orientadora: Prof.a Dr.a Myrian Nunomura

O ambiente esportivo apresenta diversas situações em que o medo se


manifesta de acordo com estímulos específicos, podendo variar muito entre cada
indivíduo. A Ginástica Artística (GA) é uma modalidade esportiva na qual há certo
risco iminente constante. A manifestação do medo pode gerar como conseqüência a
diminuição da auto-estima, o desconforto ou a vergonha diante dos colegas, o
comprometimento da integridade física, a dificuldade no aprendizado de novos
exercícios e até o abandono, nos casos extremos. Assim, as respostas a essas
situações devem receber a devida atenção desde o início da prática na modalidade,
para que os atletas consigam conviver e até superar a manifestação dessa emoção
tão complexa. A partir de entrevistas com ginastas femininas da categoria pré-infantil,
a presente pesquisa investigou a manifestação do comportamento do medo na GA.
Foram identificadas as principais situações causadoras do medo nestas ginastas,
dentre elas o medo da lesão, de errar, do desconhecido e do técnico. Além do mais,
foram observadas quais as estratégias ingênuas utilizadas por estas ginastas, na
tentativa de controle do medo, Por fim, foram constatadas as percepções das
xii

ginastas sobre as atitudes de seus técnicos, pais e colegas ao se depararem com a


manifestação de seus medos. Assim, a finalidade da presente pesquisa vem a ser
acrescentar informações deste contexto específico, em consideração à manifestação
do medo e suas implicações para ginastas, técnicos e pais.

Palavras-chave: Medo, Ginástica Artística, Esporte na Infância.


xiii

ABSTRACT

FEAR IN FEMALE ARTISTIC GYMNASTICS: STUDY WITH FIRST LEVEL


COMPETITIVE GYMNASTS

Author: Luiz Henrique Duarte


Adviser: Prof.a Dr.a Myrian Nunomura

The sport environment presents many situations were fears emerge from
specific stimuli, which may vary according to the individual. Artistic Gymnastics (AG)
is a sport that involves a constant risk. The manifestation of fear brings, consequently
and among other things, low self-esteem, discomfort or shame before colleagues,
physical integrity risk, learning difficulties and even drop-out. Consequently, the
outcomes to these situations demands attention since the first steps on AG.
Interviewing first level competitive gymnasts, this research investigates the fear
behavior in AG. The main starter situations of fear were identified, like fear of injury,
fear of making errors, fear of the unknown, and fear of the coach. Furthermore, the
naive strategies, commonly used by gymnasts in order to cope with fear the
gymnasts’ perceptions of their coaches, parents and peers attitudes in the face of
their fears were observed. Thus, the purpose of this study was to improve
understanding of this specific context with regards to fear and its effects over
gymnasts parents and coaches.

Keywords: Fear, Artistic Gymnastics, Sports in childhood


1

1. INTRODUÇÃO

Diariamente nos deparamos com situações que despertam emoções


particulares. Podemos iniciar o dia enfrentando um trânsito a caminho do trabalho, no
qual um veículo bloqueia a nossa passagem em um cruzamento, podendo incitar um
sentimento de raiva. Na hora do almoço podemos saborear nosso prato favorito e
desfrutar um prazer indescritível. No retorno para casa, um pneu que fura em meio a
uma rua escura pode nos causar medo. Para cada evento específico podemos
observar uma emoção diferente.

Dentre as emoções mais comuns, o medo causa uma sensação desagradável


para uns e prazerosa para outros. Existem pessoas que nunca saltariam de pára-
quedas, uma atividade considerada de alto risco, enquanto outras experimentariam
um enorme prazer neste evento. Independente da especificidade da situação, todos
já passamos por situações de medo em algum momento de nossas vidas.

O ambiente esportivo apresenta situações nas quais as emoções são


claramente observáveis. Imaginemos o atleta em um campeonato mundial, qualquer
que seja a modalidade, há a presença de patrocinadores e de técnicos exigindo
resultados, e os oponentes tão ou mais preparados para o evento e todo o tempo
despendido na preparação para aquela ocasião específica. Este atleta pode sentir ao
mesmo tempo ansiedade, medo, raiva, euforia, esperança, compaixão, entre
diversas outras emoções.
A Ginástica Artística (GA) apresenta certas características particulares que
podem acentuar ainda mais a manifestação do medo, tais como o nível de
complexidade motora dos exercícios e a utilização de posições não-habituais (como
o apoio invertido, suspensões e balanços em altura, entre outras). Assim, o medo é
uma emoção manifestada tanto por praticantes iniciantes quanto por atletas de alto
nível. Para a criança que está fazendo sua primeira cambalhota, a sensação de
sentir seu corpo rolando pode ser extremamente ameaçadora. Assim como uma
ginasta experiente pode ter medo de realizar um salto mortal na trave de equilíbrio,
ainda mais se neste exercício ela vivenciou uma experiência dolorosa ou uma queda.
O medo está presente em ambas as situações.
2

O fato de o atleta apresentar um comportamento de medo poderá impedir a


continuidade de uma ação. Em alguns casos, o atleta simplesmente desiste de
realizar o exercício, em outros ele evita a situação ameaçadora, além de poder
ocorrer a imobilização tônica (ou congelamento) do indivíduo em um caso específico.
Essas respostas ao medo podem causar nos ginastas diminuição da auto-estima,
desconforto ou vergonha diante dos colegas e até comprometimento da integridade
física.
Outro aspecto conhecido desta modalidade se refere ao fato do início da
prática ocorrer precocemente. Dessa maneira, crianças de oito ou nove anos são
formalmente introduzidas no ambiente competitivo. Com isso, as exigências
presentes nessas situações são manifestadas pelos indivíduos que participam desse
cenário, composto por técnicos, pais, dirigentes, colegas, entre outros.
A compreensão desse contexto não é uma tarefa simples. Mas os adultos
participantes desse ambiente devem fornecer oportunidades de encorajamento e
reforço positivo para as crianças. Assim, é favorecido o desenvolvimento contínuo
dos auto-conceitos positivos dessas crianças, proporcionando uma prática
construtiva da modalidade.
Quando analisamos os fatos constatados anteriormente, encontramos um
cenário complexo, no qual observamos que o atleta deve ser preparado para lidar
com cargas emocionais muito grandes. Infelizmente, nem sempre esse atleta é
capaz de lidar com o medo. Mas, será que o atleta tem consciência do que está
realmente acontecendo com ele? Ele consegue distinguir uma emoção de outra?
Como o medo interfere em seus treinos e nas competições?
Esse contexto é inerente ao ambiente esportivo. Assim, devemos procurar
compreendê-lo da maneira mais completa possível, permitindo e auxiliando o atleta
em sua constante superação. Portanto, essa pesquisa visa investigar quais são
situações manifestadoras do medo em ginastas que compõem a etapa inicial de
treinamento de rendimento, as estratégias utilizadas pelas mesmas na tentativa do
controle dessa emoção e as percepções das atletas sobre as atitudes de seus
técnicos, pais e colegas ao observarem as manifestações de seus medos.
1) Identificar a percepção subjetiva das manifestações do medo nas ginastas, na
etapa inicial de treinamento de rendimento;
3

2) Verificar a partir dos relatos das ginastas, quais as estratégias utilizadas no


controle de seus medos;
3) Analisar as percepções das ginastas a respeito das atitudes de técnicos, pais e
colegas de treinamento, diante dos medos apresentados pelas ginastas.
4

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1 A modalidade Ginástica Artística


A GA é uma modalidade esportiva que exige grande capacidade de adaptação
e de comprometimento de seus atletas. É mundialmente reconhecida como uma
modalidade esportiva acessível a poucas pessoas, devido à sua enorme
complexidade de execução (NISTA-PICCOLO, 2005) Para algumas crianças, as
exigências das difíceis habilidades motoras transformam a vontade em aprender a
modalidade em um sonho distante. Às vezes, o que as crianças vêem podem levá-
las à prática, em outras podem afastá-las de uma simples tentativa de execução.
Mesmo com as novas divulgações que a GA tem conseguido no cenário
esportivo brasileiro, não se pode dizer que essa modalidade esportiva tenha uma
prática maciça. Assim, os benefícios proporcionados pela GA podem não ser
aproveitados na formação esportiva infantil.
Todas as exigências observadas na modalidade tornam necessário o início da
prática ainda na infância. BOMPA (2002) indica as idades referentes ao início de
cada etapa da prática e treinamento na modalidade.

Tabela 1 - Início de prática, especialização e do pico na GA (adaptado de


BOMPA, 2002)
Modalidade Idade de início Idade de início de Idade do pico de
esportiva de prática especialização alto rendimento
Ginástica Artística
Feminina 6-8 9-10 14-18
Masculina 8-9 14-15 22-25

A GA é composta por quatro aparelhos no setor feminino (solo, trave de


equilíbrio, salto sobre a mesa e barras paralelas assimétricas) e seis aparelhos no
setor masculino (solo, cavalo com alças, barra fixa, salto sobre a mesa, argolas e
barras paralelas simétricas). Com tantos aparelhos para serem explorados, as
crianças podem ser iniciadas na modalidade com uma diversa gama de atividades,
que podem tornar prazerosa sua prática.
5

Dessa maneira, podemos imaginar o desenvolvimento de uma criança nesta


modalidade esportiva. Pensando em sua primeira, ela irá se deparar com inúmeros
desafios, como ficar pendurada na barra, caminhar se equilibrando na trave, saltar
por cima da mesa de salto, entre outras atividades. Ao final desta fase de adaptação
aos aparelhos e de conhecimento geral do seu próprio corpo, por volta dos 7 e 8
anos de idade, a criança começa a se comparar com outros ginastas, despertando a
vontade de aprender os movimentos específicos. São inseridos exercícios básicos de
cada aparelho, que evoluem até atingir a qualidade técnica exigida. A criança pode
começar a participar de festivais de GA e de competições para iniciantes, que
acrescentarão à sua experiência na modalidade. Passados esses anos iniciais, a
criança pode avançar mais um degrau: o início das competições oficiais. Nesse nível,
encontramos a primeira categoria estabelecida pela Confederação Brasileira de
Ginástica, denominada categoria pré-infantil. A faixa etária para essa categoria
compreende os 9 e 10 anos de idade, com regras e exigências próprias. A partir
desse momento, a criança está formalmente envolvida no contexto esportivo
competitivo.
Ao acompanhar resumidamente a trajetória dessa ginasta na modalidade,
pôde-se dizer que, ao se realizar um trabalho adequado, ela estava preparada para
iniciar a fase competitiva. Dessa maneira foram respeitadas, ao longo do processo,
as diversas alterações pelas quais a criança está passando, correspondentes ao
desenvolvimento dos aspectos físico-motor, cognitivo, sócio-afetivo e psicológico.
Nessa seção serão abordados alguns conceitos fundamentais que envolvem
desde as particularidades do desenvolvimento da criança nesta fase de sua vida, a
caracterização dos componentes da emoção até a especificidade das manifestações
do medo, objeto central deste estudo.

2.2 Caracterização da criança entre 9 e 10 anos de idade


As crianças que se encontram na faixa entre os 9 e 10 anos de idade
compõem o último período da fase denominada de período posterior da infância
(GALLAHUE & OZMUN, 2005). Ao caracterizar o desenvolvimento da criança neste
período, os autores procuraram observar aspectos fundamentais como o
desenvolvimento físico/motor, cognitivo, afetivo/social e psicológico.
6

O desenvolvimento físico se desenvolve em um ritmo estável, porém lento, em


relação à altura e peso. Não há grandes acelerações até a puberdade que,
normalmente, se inicia no final deste período. Geralmente, as meninas estão um ano
a frente dos meninos em respeito ao crescimento fisiológico. Nesta fase, as crianças
também apresentam acuidade visual e auditiva ao nível dos adultos e elas se tornam
capazes de focalizar mais sua atenção, contrariamente a fase anterior (BEE, 1984).
Em relação às atividades esportivas, freqüentemente elas apresentam baixo nível de
resistência e, consequentemente, atingem a exaustão com facilidade. A reação ao
treinamento, entretanto, é ótima. Esse período marca a transição do refinamento de
habilidades motoras em jogos de liderança e em habilidades atléticas (GALLAHUE &
OZMUN, 2005).
Em relação ao desenvolvimento cognitivo, as crianças estão ansiosas para
aprender, pois querem agradar aos adultos. Porém, precisam de assistência e de
orientação para tomar decisões. Elas têm boa imaginação e são criativas, mas a
introspecção torna-se um fator evidente no final desse período. Elas ainda não são
capazes de processar raciocínios abstratos e compreendem mais facilmente
exemplos de situações concretas, principalmente no início desse período. As
habilidades cognitivas mais abstratas ficam evidentes no final desse período
(GALLAHUE & OZMUN, 2005). De acordo com Piaget, neste período a criança se
encontra no estágio das operações concretas. A criança torna-se capaz de resolver
as operações, tais como as de soma e de subtração, tanto mentalmente quanto
escrevendo. Ela também é capaz de raciocinar indutivamente, tornando-se uma
pessoa cada vez mais lógica. Nesta fase, surgem os primeiros estágios de raciocínio
moral (BEE, 1984).
No desenvolvimento sócio-afetivo, o contato com os companheiros se
expande, oferecendo oportunidades para aprender a interagir com colegas da
mesma idade, a lidar com hostilidade e a dominação, a relacionar-se com um líder, a
liderar outras crianças, a lidar com problemas sociais e a desenvolver o auto-
conceito. A criança que tem experiências e interações construtivas e reforçadoras
com seus companheiros e relacionamentos favoráveis com seus pais irá desenvolver
uma auto-imagem mais clara, mais competência e fortalecerá sua auto-estima.
Experiências desfavoráveis em qualquer destas áreas têm probabilidade de limitar o
7

desenvolvimento do potencial da criança, além de comprometer a auto-imagem


(MUSSEN, CONGER & KAGAN, 1977).
Nesta fase, os interesses dos meninos e das meninas são similares no início,
mas logo começam a divergir. A criança tem comportamentos freqüentemente
agressivos, sendo presunçosa, autocrítica e hipersensível, aceitando de modo
precário tanto a derrota quanto a vitória. Ela reage bem à autoridade, à punição
“justa”, à disciplina e ao encorajamento. A criança brinca muito mal em grandes
grupos, embora sejam bem tolerantes em atividades em grupos pequenos.
Desenvolvem-se ligações afetivas com amigos especiais (GALLAHUE & OZMUN,
2005; BEE, 1984).
Este é o período que Freud denominou de “latência”, pois o interesse sexual
parece estar submerso. Os companheiros tornam-se muito importantes, mas quase
todos os grupos de crianças são do mesmo sexo As crianças estão explorando e
aprendendo seus papéis sexuais e os meninos parecem centralizar mais nos
modelos do que as meninas. A ligação afetiva com os pais é menos visível, mas,
presumivelmente, ainda existe. (BEE, 1984).
No desenvolvimento dos aspectos psicológicos desse período, a criança está
aprendendo a encarar e a dominar os problemas e os desafios novos,
proporcionados pela escola, o que vêm a influenciar em sua autoconfiança e auto-
estima (MUSSEN et al., 1977).
Assim, dentre as mais importantes tarefas que confrontam a criança nesta
fase estão: o desenvolvimento de várias habilidades intelectuais e acadêmicas, e
também a motivação para dominá-las, aprender o modo de interagir com
companheiros, aumentar sua independência e autonomia, desenvolver padrões
morais e a consciência, além de aprender a manipular adequadamente os próprios
conflitos e ansiedades. Os vários ajustamentos que lhe são exigidos no decorrer
desse período refletem, em larga escala, enquanto foco central de suas atividades e
relacionamentos interpessoais, de suas lutas e satisfações, o seu afastamento
gradual da casa dos pais em direção ao mundo mais amplo da escola, do bairro e,
em sentido mais limitado, da própria sociedade (MUSSEN et al., 1977).
Ao encarar tantas mudanças, as crianças enfrentam diversas dificuldades
emocionais. Com isso, as meninas se tornam mais passíveis de manifestarem
8

sintomas de ansiedade, medo e timidez. A maioria dos problemas psicológicos dessa


etapa de desenvolvimento se apresentará de forma passageira e de severidade
limitada, se o funcionamento neurofisiológico da criança for normal, se não estiver
sujeita a traumas anormalmente intensos em seu ambiente social e se seus pais lhe
fornecerem bons modelos (MUSSEN et al., 1977).
Observando a importância do desenvolvimento pleno de todos os aspectos
que envolvem o amadurecimento da criança desse período, GALLAHUE e OZMUN
(2005) frisam que inúmeras oportunidades de encorajamento e de reforço positivo
dos adultos devem ser realizadas para que haja o desenvolvimento contínuo de auto-
conceitos positivos. A partir daí, a aceitação e a afirmação fornecerão às crianças o
sentimento de que têm um lugar estável e seguro em casa e na escola.
As crianças devem ser expostas às experiências nas quais, progressivamente,
níveis cada vez mais elevados de responsabilidade sejam introduzidos, a fim de
promover a autoconfiança. Devem, também, ser encorajadas a raciocinar antes de se
envolverem em alguma atividade, a fim de reconhecerem certos perigos potenciais,
reduzindo seu comportamento freqüentemente descuidado.

2.3 Conceitos relacionados ao fenômeno emocional


O fenômeno emocional não se caracteriza como um simples fenômeno.
Dificilmente é possível descrevê-lo completamente através da experiência emocional
subjetiva de uma pessoa. A descrição baseada somente em medidas
eletrofisiológicas que ocorrem no cérebro, no sistema nervoso, ou nos sistemas
respiratório, circulatório e glandular, também não é completa. Da mesma perspectiva,
não conseguimos descrever o fenômeno emocional completamente através de
expressões ou de comportamentos motores (IZARD, 1977).
A diferenciação entre os estados afetivos é uma tarefa árdua de se realizar.
Sentimento, afeto e emoção são termos utilizados indiscriminadamente. Por isso,
pesquisadores diferenciaram exatamente as denominações presentes em todo o
contexto, envolvendo emoções, humor, afeto, sentimento, traços emocionais e
temperamentos (EKMAN, 1999; FRIJDA, 1993; JENKINS, OATLEY & STEIN, 1998;
OATLEY, KELTNER & JENKINS, 2006; WATSON, 2000; WATSON & CLARK, 1994).
Estas definições serão abordadas neste trabalho, a fim de permitir ao leitor um maior
9

entendimento do fenômeno emocional. Mas a linha norteadora que irá conduzir esta
pesquisa será baseada na “emoção”, devido as suas características de grande
intensidade e alto estado de ativação, além da curta duração de tempo (WATSON,
2000).
A emoção está relacionada a uma resposta imediata desencadeada por um
evento específico, que gera mudanças de ordem fisiológica, experimental e
comportamental. As emoções são geralmente súbitas. Tornamos-nos furiosos se
alguém nos agride, ou assustados se vamos atravessar a rua e quase somos
atropelados por um caminhão. Nestes incidentes, a emoção interrompe nossa ação
prévia e organiza nossa mente para lidar com o evento. Há estados emocionais que
podem durar horas, ou mesmo dias e meses (JENKINS, OATLEY & STEIN, 1998).
Os sentimentos se referem especificamente às experiências subjetivas de um
organismo, em resposta as emoções e ao humor, sem que haja mudanças
fisiológicas ou comportamentais. Um pouco mais duradouro que a emoção, o humor
é entendido como algo mais difuso, e ao contrário da emoção, não tem relação a um
objeto. O humor pode ser gerado a partir de uma emoção, sentimento ou afeto.
Assim, em virtude da emoção envolver mudanças fisiológicas e comportamentais,
esta representa um estado afetivo mais enérgico do que o humor e os sentimentos
(EKMAN, 1999, FRIJDA, 1993, OATLEY, KELTNER & JENKINS, 2006, WATSON,
2000; WATSON & CLARK, 1994).
Mas nem todas as denominações que se referem ao fenômeno afetivo são
relacionadas a respostas de experiências específicas intensas e de curta duração.
Cada indivíduo apresenta uma tendência estável a experimentar determinada
emoção ou humor, conhecida como traço emocional. Quando esta tendência está
relacionada à origem hereditária do indivíduo, é denominada temperamento
(WATSON & CLARK, 1994).
Quando nos depararmos com tantas denominações que descrevem a
experiência subjetiva de uma pessoa em determinada situação, pode parecer
complicado conseguirmos diferenciar cada uma delas. Assim, OATLEY, KELTNER e
JENKINS (2006) sugerem que há uma distinção entre os componentes do fenômeno
afetivo em função da duração de cada um. As emoções duram minutos ou horas; os
sentimentos duram minutos, horas ou dias; os humores duram horas, dias, semanas
10

ou mesmo meses; traços emocionais duram anos e o temperamento dura a vida


inteira. Esta base temporal pode ser mais bem compreendida na Figura 1.

Figura 1 - Distinção de diferentes fenômenos afetivos, em função do tempo de


duração (adaptada de OATLEY, KELTNER & JENKINS, 2006).

2.4 Emoção
A emoção pode ser definida como um sistema de resposta
psicofisiológico, distinto e integrado. Em essência, uma emoção representa uma
reação altamente organizada e estruturada, incitada por um evento relevante às
necessidades, metas ou sobrevivência do organismo (WATSON, 2000). Além do
mais, as emoções são compostas por componentes inter-relacionados, mas
diferenciáveis entre si. São considerados três aspectos básicos: a experiência ou
sentimento consciente da emoção; os processos que ocorrem no cérebro e no
sistema nervoso e a observação de padrões expressivos da emoção, particularmente
os que ocorrem na face (IZARD, 1977). Para WATSON (2000), ainda deve-se incluir
nestes componentes básicos as formas de adaptações comportamentais.
11

É uma reação a um evento estimulante, tanto interno quanto externo. As


ações realizadas pelo ser humano são iniciadas por impulsos, incentivos, motivos ou
estímulos internos. E estas, quando causam reação parassimpática, ocasionam a
ativação de glândulas endócrinas, a produção de hormônio cortical, o estímulo de
insulina para liberar glicose, entre outros. Como conseqüência, esses fatores
desencadeiam uma espécie de desequilíbrio fisiológico generalizado internamente no
indivíduo, com muitos impulsos, mais energia e sentimentos poderosos que ocorrem
simultaneamente. Esses sentimentos são denominados “estado de agitação”,
“excitação” ou “agitação emocional” (LAWTHER, 1973).
As distinções realizadas entre as emoções ocorrem através de informações
específicas, sem escolha ou consideração, sobre algo que está ocorrendo
internamente no indivíduo (planos, memórias, alterações fisiológicas), o que
geralmente ocorre antes de demonstrar a expressão (antecedentes), e o que irá
acontecer posteriormente (conseqüências imediatas, tentativas regulatórias, “coping”)
(EKMAN, 1999). Como exemplo, o autor cita o caso de uma pessoa que apresenta a
expressão de nojo. Ao observarmos essa pessoa, fica claro que ela está
respondendo a algo ofensivo ao paladar ou olfato, literalmente ou metaforicamente. A
pessoa tenderá a apresentar comportamentos que indicarão esse desgosto, e é
provável que ela se afaste da fonte de estímulo.
Certos teóricos dos estudos da área emocional (EKMAN, 1999; IZARD, 1977;
LAZARUS, 1993) propõem que há um número de emoções discretas primárias, que
variam de importantes maneiras, não podendo ser explicadas simplesmente por
prazer ou intensidade. Para eles, as emoções não são simplesmente produtos de
seus valores adaptativos, mas se relacionam com fundamentais tarefas vitais. Assim,
cada emoção nos direciona para uma prontidão de resposta, esta qual, ao longo do
curso da evolução, nos indica qual a melhor solução para determinada circunstância
relevante à meta (EKMAN, 1999).
Em um estudo realizado por EKMAN, FRIESEN e ELLSWORTH (1982), foram
encontradas sete emoções básicas ao mostrar fotos ou vídeos para os participantes,
os quais deveriam identificar as emoções, quais sejam: raiva, nojo/desprezo, medo,
alegria, interesse, tristeza e surpresa. Outros pesquisadores criaram listas com mais
emoções básicas, adicionando culpa, vergonha e angústia (IZARD, 1977) ou
12

vergonha, inveja, ciúme, orgulho, ansiedade, alívio, esperança, amor e compaixão,


mas excluindo interesse (LAZARUS, 1993). Para esses autores, o termo “básico” é
utilizado para descrever elementos que se combinam, para formar emoções
compostas e mais complexas. Portanto, apesar de podermos observar uma grande
diversidade de emoções que podemos manifestar, estas são alterações providas de
um número pequeno de emoções básicas.
Cada emoção não se trata de um único evento afetivo, mas uma série de
estados relacionados, integrando uma família (“family”) de estados relacionados. As
características compartilhadas por uma mesma família irão distingui-la das outras
famílias. Colocando em outros termos, cada família de emoção pode ser considerada
como constituinte de um tema e de suas variações. O tema é composto por
características únicas para a família. As variações do tema são produtos de
diferenças individuais, sendo diferenciadas nas ocasiões específicas à qual emoção
ocorre. Os temas são produtos da evolução, enquanto as variações refletem o
aprendizado (EKMAN, 1999).
Ao aprofundar seus estudos de 1982, EKMAN (1999) encontrou quinze
emoções básicas: diversão (“amusement”), raiva (“anger”), desprezo (“contempt”),
contentamento (“contentment”), nojo (“disgust”), embaraço (“embarrassment”),
excitação (“excitement”), medo (“fear”), culpa (“guilt”), orgulho em uma realização
(“pride in achievement”), alívio (“relief”), tristeza / mágoa (“sadness” / “distress”),
satisfação (“satisfaction”), prazer sensorial (“sensory pleasure”) e vergonha
(“shame”). Ao serem combinadas, estas emoções formam inúmeras outras emoções
mais complexas. Entretanto, o autor indica que alguns fenômenos emocionais ainda
não estão bem relacionados, como os fenômenos afetivos (culpa), além dos
fenômenos que indicam relacionamentos amorosos (amor, ódio, mágoa e ciúme).
Mesmo com quarenta anos de experiência nesta área de pesquisa, EKMAN ainda se
sente inseguro em algumas proposições. Isso indica a complexidade em se realizar
estudos relacionados às áreas das emoções.
13

2.4.1 Emoções nos esportes


O esporte é uma fonte de experiência emocional para diversos atletas. O
estado emocional dos atletas pode afetar o resultado de uma competição, através da
influência deste fenômeno em treinamentos e competições (BUTLER, 1996).
Emoções como a raiva e o medo envolvem altos níveis de ativação e baixos
níveis de prazer, ainda que sejam experimentadas de maneira completamente
distintas (VALLERAND & BLANCHARD, 2000). Na GA, por exemplo, em uma série
realizada na trave de equilíbrio, a raiva que uma ginasta sente da nota que recebeu
do árbitro é completamente diferente do medo de cair do aparelho ou de se lesionar.
Para entender um pouco melhor os componentes da emoção, acompanhemos
o seguinte exemplo: uma ginasta pode expressar medo, através do aumento súbito
da freqüência cardíaca e da sudorese (mudanças fisiológicas). A ginasta apresenta
receio de realizar determinado exercício, pois é o mais complexo de sua série, mas
irá realizá-lo, por força dos comportamentos considerados adequados (uma atleta
desse nível não deve fugir dessa situação) ou por receio de uma repreensão do
técnico (uma força social poderosa). Ao término de sua apresentação, se fosse
indagada, a ginasta poderia relatar que experimentou diversas emoções diferentes,
manifestadas no decorrer de sua apresentação (experiência subjetiva).
VALLERAND E BLANCHARD (2000) apontam três elementos principais que
caracterizam a emoção:

1. Mudanças fisiológicas: as alterações decorrentes da emoção ocorrem no nível do


sistema autônomo, tais como aumento dos batimentos cardíacos, da pressão
sanguínea e das respostas da pele. Estes tipos de mudança são estudados pelos
psicofisiologistas. Os demais especialistas tais como os psicofisiologistas sociais,
têm focado seus estudos em mudanças faciais. Estes estudos demonstraram que a
face pode amplificar a experiência emocional, além de transmitir mensagens sociais.

2. Tendências de ação: para alguns autores, principalmente aqueles que seguem a


psicologia comportamental, as tendências de ação representam o elemento central
das emoções. Assim, o medo pode apresentar uma tendência à fuga, enquanto a
tristeza pode tornar a pessoa apática. Entretanto, outros autores reforçam que alguns
14

comportamentos podem ser influenciados por regras sociais e culturais, que


determinam se uma ação é apropriada ou não em determinada situação. Por isso,
podem ter impacto em uma tendência de ação, não sendo traduzida em um
comportamento observável. Um goleiro da seleção nacional de futebol, mesmo com
medo de um chute potente do atacante do time adversário, não pode fugir da
trajetória da bola (um goleiro que chegou até a seleção nacional não deve apresentar
um comportamento como este).

3. Experiência subjetiva: refere-se à consciência da experiência individual durante um


episódio emocional. O componente subjetivo da emoção humana é, provavelmente,
o aspecto mais estudado (LEVENTHAL, 1982; MACHADO, 2006) e pode ser o mais
fundamental dentre os componentes.
As respostas às emoções ocorrem em intensidades diferentes, desde
incentivos para as regulações das necessidades diárias até a aceleração que ocorre
com estímulos amplos. Quando ocorre esta hiper-estimulação, diversas mudanças
fisiológicas são desencadeadas tais como o aumento da atividade glandular
responsável em promover a hiper-ventilação, o aumento da freqüência cardíaca, a
vasodilatação muscular, a secreção de glicose hepática, o aumento de glóbulos
vermelhos e brancos no sangue, o aumento do débito cardíaco, o aumento do fluxo
sangüíneo para os músculos esqueléticos e a diminuição para os órgãos vegetativos
(LAWTHER, 1973).
As emoções podem afetar o desempenho esportivo de diversas maneiras.
Através da canalização de energia, garante ao atleta recursos físicos e mentais para
realização de uma tarefa, tendo impacto nos aspectos motivacionais do atleta
(VALLERAND & BLANCHARD, 2000). As mudanças dos aspectos fisiológicos
podem influenciar positiva ou negativamente o atleta. JONES (2003) indica que o
nível de estimulação obtido através de uma emoção pode tanto trazer um aumento
de potência anaeróbica quanto diminuir a coordenação motora de movimentos finos.
Por fim, a função cognitiva pode ser influenciada pelos níveis de ativação e pela
avaliação da situação, interferindo no foco de atenção do atleta (JONES, 2003).
Devido à especificidade de cada emoção, o organismo humano se adapta às
necessidades requisitadas de maneira particular. Um organismo que sempre enfrenta
15

uma situação estressante apresenta uma resposta ao estresse mais rapidamente do


que outro organismo que não está acostumado a esse tipo de situação. Ou seja, o
organismo se adapta às suas necessidades.
Cada manifestação que decorre de uma situação que envolve o fenômeno
afetivo gera implicações para o nosso dia-a-dia. A seguir será caracterizada uma
emoção comum a todos os seres humanos e relacionada como uma das quinze
emoções básicas: o medo.

2.5 Medo
A origem da palavra medo provém do latim metus e significa temor. Está
geralmente associada a um evento percebido e avaliado como potencialmente
promotor de conseqüências negativas, sobre o qual o indivíduo pode antecipar algo
(HUBER, 2000). Por esse motivo o medo está mais centrado na avaliação cognitiva
do que na reação emocional. Grande parte das manifestações do medo está
relacionada com um perigo real ou específico (REMOR, 2000).
O medo é responsável pelo alerta de que algo está ameaçando nosso
bem-estar. Pode ser definido como uma “emoção primitiva e a princípio intensa,
caracterizada por um modelo sistemático de alterações corporais (...) e por certos
tipos de conduta, em particular a fuga e a ocultação” (HUBER, 2000, p.7-8).
Para HAMM e WAIKE (2005), o medo é um estado emocional aversivo,
causado por ameaças externas e ativadoras do sistema defensivo do organismo.
Este sistema do medo organiza padrões de comportamento que se ajustam as
ameaças. É um mecanismo extremamente importante para a sobrevivência, pois
prepara o organismo para a fuga efetiva e motiva a esquiva. O sistema de ativação
do medo se inicia com o aumento da proximidade da ameaça ou de estímulos
dolorosos. Assim que o organismo detecta a ameaça, há a paralisação do mesmo e
o aumento do estado de vigilância em direção à ameaça. À medida que a ameaça se
aproxima, a intensidade da resposta ao medo aumenta e mobiliza recursos
energéticos para a fuga. Ao se atingir certo estágio de proximidade do medo ocorre a
fuga ou, se não for uma opção, há uma luta ou, se a luta não é uma opção, há a
imobilização completa tônica, também chamada de paralisação. Assim que a ameaça
desaparece, a intensidade da resposta ao medo é reduzida. Este tipo de
16

manifestação do medo é conhecido como medo inato, no qual a sobrevivência é a


meta. A resposta inata do organismo a uma situação ameaçadora foi moldada por
contingências evolutivas (ÖHMMAN & MINEKA, 2001).
O sistema do medo é caracterizado pela encapsulação e, quando este é
ativado, há dificuldade de se interferir neste sistema através de instruções verbais ou
de estímulos conscientes. Assim, em uma situação de pânico, por mais que a pessoa
entenda que está apresentando determinadas respostas aos estímulos
ameaçadores, ela não consegue manter, voluntariamente, o controle da situação.
O sistema do medo é controlado por um circuito neural específico. A
manifestação do medo está diretamente relacionada a uma estrutura límbica do
cérebro, localizada no lobo ântero-medial temporal, denominada amígdala. Esta
estrutura está intimamente envolvida na regulação ao medo, condicionamento ao
medo e formação de memória ao medo (DITYATEV & BOLSHAKOV, 2005; HAMM &
WEIKE, 2005).
A outra forma de manifestação do medo é o medo aprendido ou
condicionado, que são decorrentes de experiências prévias que envolveram uma
situação ameaçadora. O condicionamento ao medo envolve o pareamento de um
estímulo neutro com um estímulo aversivo incondicionado, evocando o medo em
uma situação que, por si só, não seria responsável por tal comportamento
(DITYATEV & BOLSHAKOV, 2005; HAMM & WEIKE, 2005; LISSEK, POWERS,
MCCLURE, PHELPS, WOLDEHAWARIAT, GRILLON & PINE, 2005; MARTIN, 1996).
Este tipo de medo necessita do mecanismo de memória para ser manifestado
(DITYATEV & BOLSHAKOV, 2005).
Segundo HONGLER (1988), o medo é um estado emocional desagradável a
quem o sente e sempre surge quando:
- o indivíduo se encontra em uma situação que ele julga ameaçadora e,
portanto, estressante;
- suprime-se a ameaça através de atitudes que o indivíduo julga
adequada (fuga, agressão);
- surgem modificações na observação (negar ameaças, ignorar fatos,
etc.) e interpretações diferentes da realidade (como, por exemplo, “esta
17

situação tem um lado bom para mim”), que têm como finalidade
afugentar o medo.
A Psicologia utiliza o termo medo e o caracteriza como uma série de emoções
que se baseiam na percepção, na expectativa ou na imaginação, e que estão
associadas a um estado de excitação desagradável (HUBER, 2000).
E mais, o medo é percebido subjetivamente como tensão, nervosismo e
opressão. Ao mesmo tempo, é observada uma atividade mais intensa do sistema
nervoso autônomo (HONGLER, 1988). O indivíduo medroso apresenta um
comportamento perturbado pela apreensão do fracasso e coloca sempre em questão
suas capacidades, o que o impede de alcançar sua melhor performance. Assim, este
indivíduo, geralmente, também se encontra estressado (por ter passado por alguma
situação potencialmente perigosa e agonizante, tanto física quanto psicológica). A
Figura 2 ilustra esta situação.

Figura 2 - Processo causador do estresse (adaptada de HONGLER, 1988).

O conceito de MEICHENBAUM (1977) da inoculação do estresse sugere que


doses pequenas de estresse são valiosas, pois à medida que os atletas aprendem a
enfrentar essa pequena quantia, é constituído um repertório de resposta ao estresse,
permitindo a eles apresentarem respostas adequadas às situações estressantes.
HUBER (2000) apresenta três níveis de resposta ao medo, quais sejam:
fisiológico-somático, subjetivo-cognitivo e de conduta. Em seu primeiro nível de
resposta, a respeito das alterações somáticas, o organismo está se preparando para
uma reação de emergência: há uma estimulação do sistema nervoso simpático, que
aumenta a secreção de adrenalina e a freqüência cardíaca. A freqüência respiratória
também é aumentada, para que haja maior reserva de oxigênio. As glândulas
sudoríparas têm sua atividade aumentada, provocando grande sudorese. A
capacidade de visão é aumentada com a dilatação das pupilas. Logo a seguir ocorre
18

a ativação do sistema parassimpático, que terá o papel da manutenção das


respostas somáticas ao medo pelo período estritamente necessário, para não chegar
a um grau fisiologicamente prejudicial ao organismo.
Outras alterações causadas pelo medo ocorrem no nível subjetivo-cognitivo,
caracterizando um segundo nível de resposta ao medo. A ênfase da manifestação do
medo se centra mais na avaliação cognitiva da situação do que na reação emocional
(YAFFÉ, 1998). As capacidades cognitivas exercem uma enorme influência sobre o
comportamento do indivíduo e seu estado físico, ao mesmo tempo em que
condicionam e alteram a percepção. Esta unidade físico-psíquica do ser humano se
manifesta claramente no medo: sua reação fisiológica estimula percepções
cognitivas, juízos de valores e pensamentos, assim como um aumento da
sensibilidade de percepção. O simples fato de pensar no objeto ou situação temida é
suficiente para que o medo físico seja evocado. Este pensamento, em seu
desamparo, dá início à reação do medo, contribuindo para a sua manifestação.
O terceiro e último nível em que o medo age diz respeito às alterações
relativas à conduta, nas quais o indivíduo tentará evitar as situações temidas. O
medo, como sistema de alarme e de resposta natural, perde sua eficácia tanto se
não está sendo utilizado quanto se está sempre em funcionamento, pois este
mecanismo se arma de maneira hipersensível.
Entretanto, CONROY (2001) apontou dificuldades em relação à terminologia
adotada previamente. O autor cita estudos mais antigos, principalmente sobre o
medo de falhar, que utilizam indiscriminadamente os termos “medo” e “ansiedade”,
para descrever o mesmo fenômeno emocional. Esse problema, para o autor, é
somente um problema semântico, não tornando menos válidos estes estudos.
Ao considerar a manifestação do medo e da ansiedade em crianças, a maioria
dos casos de sintomas destas emoções é caracterizada como medo de perder o
amor ou de separar-se, de ter sentimentos hostis e irados, de ter impulsos sexuais,
de punição ou de retribuição. A ansiedade da criança também envolve
freqüentemente a culpa, no sentido de que os impulsos da criança são inaceitáveis à
sua consciência, os seja, aos padrões internos que desenvolveu a respeito do que é
“certo” e “errado”, “bom” e “mau”. Uma das dificuldades na compreensão dessas
19

ansiedades reside no fato de que as causas das verdadeiras preocupações da


criança não se expressam diretamente (MUSSENS et al., 1977).
MUSSEN et al. (1977) descrevem um estudo no qual foram verificados os
principais medos de crianças de 10 anos de idade. Neste estudo, foi pedido às
crianças que desenhassem os eventos mais importantes de suas vidas. Quase um
terço dos desenhos feitos ilustraram experiências de medo. Embora muitos dos
medos infantis surgirem em função de experiência direta com eventos assustadores
(ser mordido por um cachorro, ser atropelado), ou mesmo em função de advertências
dirigidas pelos pais (afastar-se do fogão), há também outros medos que são de
natureza simbólica (medo de fantasmas ou de bruxas).

2.5.1 O Medo no esporte


Em diversas situações podemos perceber que o medo se manifesta de acordo
com estímulos específicos, e que pode variar muito entre os indivíduos. Esta emoção
não se limita às situações de competição, mas também entre as pessoas em fase de
reabilitação e aquelas que temem uma situação desconhecida ou a volta às
atividades cotidianas. Professores têm receio de perder seu cargo quando há uma
reformulação do quadro de profissionais da escola. Alunos têm medo de errar ou de
passar vergonha diante de seus colegas nas aulas de educação física. Atletas têm
medo de não obter o resultado previsto após o sacrifício de um treinamento intenso,
podendo prejudicar seu futuro na modalidade (BROCHADO, 2002).
Uma situação amplamente discutida na literatura diz respeito ao medo do
fracasso. CONROY (2004) desenvolveu um modelo hierárquico do medo do
fracasso, relacionando a avaliação de uma situação ameaçadora com o potencial de
fracasso da situação, pois há a ativação de esquemas cognitivos ou crenças
associadas a conseqüências aversivas de falhas. De acordo com o autor, essa forma
de medo é norteada por cinco aspectos: medo de passar vergonha ou embaraço,
medo da diminuição da auto-estima, medo da incerteza de um acontecimento futuro,
medo da perda de interesse de outra pessoa importante e medo de magoar alguém
importante. O medo do fracasso pode ter implicações para o desempenho escolar,
ambiente de trabalho e até para o desempenho esportivo (CONROY, 2001).
20

Em relação ao ambiente esportivo, o medo do fracasso tem sérias implicações


para os atletas. Estudos citados por CONROY (2001) apontam que este tipo de
medo é responsável por situações como abuso de drogas, fonte de estresse, uma
das razões para a desmotivação e mudança de modalidade esportiva, podendo levar
até ao abandono da prática esportiva. De acordo com o autor, esses problemas
causados pelo medo do fracasso podem ser transferidos para o cotidiano de quem o
sente, vindo a se concretizar em um problema social.
Ao se deparar com esse aspecto do medo e da lesão, HEIL (2000) propôs um
modelo social psicofisiológico que relaciona o medo da lesão com o desempenho. De
acordo com o autor, os fatores fisiológicos (muscular ou autônomo) podem interagir
com os fatores psicológicos (sejam baseados na execução de um exercício ou em
sua interpretação), e que se reforçam mutuamente. Os problemas que resultam do
desempenho podem acentuar os efeitos iniciais, tanto fisiológicos quanto
psicológicos, enfraquecendo a autoconfiança e somando a um auto-perpetuado ciclo
de efeitos negativos (Figura 3).
De acordo com esse modelo, o medo pode diminuir a concentração e produzir
mudanças fisiológicas, como o aumento súbito da freqüência cardíaca.
Simultaneamente, o atleta pode sentir-se preocupado com as sensações decorrentes
de uma lesão. O aumento da freqüência cardíaca pode intensificar estas sensações,
não interpretando adequadamente a situação, antecipando a lesão. A sensação do
aumento da dor, percebida incorretamente como lesão, pode criar dúvida. O aumento
da freqüência cardíaca e a diminuição da atenção podem tornar ineficiente o uso da
energia, levando o organismo a um estado de fadiga mais rapidamente (HEIL, 2000).
21

Figura 3 - A conexão corpo-mente: modelo social psicofisiológico do risco


(adaptado de HEIL, 2000).

No esporte de rendimento é comum que se encontrem atletas manifestando


um sentimento de negação do medo, pois a partir do momento em que é
apresentada essa resposta a situações de risco, de pressão e de estresse, entre
outras, aumenta a chance de serem vistos como fracos, tolos ou os únicos de seu
grupo a sentirem medo (FEIGLEY, 1987; MASSIMO, 1990). Dessa maneira, o medo
pode gerar determinadas formas de comportamento que têm a função de, consciente
ou inconscientemente, ocultar um estado de medo (MACHADO, 2006).

2.5.2 O Medo na Ginástica Artística


A GA é uma modalidade esportiva com alta demanda física, motora e mental.
Quando a sensação do medo de errar, do medo de decepcionar pais e técnicos, do
medo do fracasso e do sucesso, do medo de se lesionar, atinge níveis elevados,
compromete o desempenho e a autoconfiança dos praticantes de GA.
Atualmente, a GA atingiu um nível de excelência em que os praticantes não
podem cometer erros. Após a conquista de resultados expressivos de atletas como
22

Daniele Hypólito, Daiane dos Santos, Diego Hypólito e Jade Barbosa, a mídia tem
focado atenção para a participação brasileira no cenário da GA. Assim, hoje em dia
temos acesso fácil à transmissão televisiva de competições, aumentando-se a
familiaridade com as características e as peculiaridades da modalidade. Quem já
assistiu alguma vez a uma competição de GA pôde facilmente observar que um
mínimo deslize pode prejudicar e até comprometer sensivelmente a participação do
atleta. Considerando-se esse aspecto e somando-se a todas as emoções e as
pressões observadas anteriormente, a esfera psicológica de um ginasta de alto nível
deve ser bem amparada, a fim de lidar com o ambiente de alta demanda emocional.
Suponha que uma ginasta iniciante tenha diversas experiências de quedas
bruscas da trave de equilíbrio, enquanto realiza um determinado exercício, causando
medo e considerável dor. Neste caso, um estímulo neutro (a realização do exercício
na trave de equilíbrio) será logo seguido por um estímulo incondicionado (a queda
brusca), originando uma resposta incondicionada (manifestação do medo). A partir
desse momento, o estímulo neutro anterior (a realização do exercício na trave de
equilíbrio) tende a provocar diretamente a resposta (manifestação do medo). Assim,
quando essa ginasta iniciante realizar este exercício específico na trave de equilíbrio,
será mais comum surgir o sentimento de medo e de tensão (MARTIN, 1996). A
Figura 4 ilustra esta situação.
23

Figura 4 - Condicionamento do medo (Adaptado de Martin, 1996).

Diversas situações podem ser responsáveis pela manifestação do medo na


GA. Os medos mais comuns foram constatados por BRANDÃO (2005, p.112, 113), e
estes indicam uma tendência à manifestação do medo, apresentados a seguir:
- medo de fracassar
- medo de ter êxito
- medo de cometer erro simples
- medo de executar movimentos de risco
- medo de ser rejeitado pelo (a) técnico (a)
- medo de se lesionar
- medo da competição
- medo do desconhecido
- medo de ficar nervoso durante a competição
- medo de não poder dormir na noite anterior à competição
- medo de falar com o(a) técnico(a)
24

- medo de não poder cumprir o que se espera dele (a)


- medo de sua pontuação não contribuir para a equipe
- medo de cair e de competir mal
- medo de errar um movimento
- medo de ser rejeitado pelo ambiente (familiares, companheiros, etc.)
- medo de ficar doente
- medo da arbitragem
- medo do futuro
Em um estudo realizado por MASSIMO (1990), foi constatado que os ginastas
não se sentem à vontade para comentarem sobre seus medos com os seus técnicos.
Num total de 65 participantes do estudo, somente 16% dos ginastas (11 ginastas)
responderam que falavam sobre seus medos com os técnicos. As razões para não
tratarem do assunto com os técnicos foram: o técnico não daria credibilidade aos
sentimentos de medo, levando o ginasta a se sentir ignorado ou fazer papel de tolo; o
ginasta não queria parecer fraco diante de seus colegas de treino; e havia o desejo
do ginasta não admitir para ele mesmo que estava com medo, dando indícios de que
seria negativo para sua auto-estima. Esses fatos demonstram que os técnicos devem
procurar manter um relacionamento mais aberto com seus ginastas, no qual haja
confiança de ambas as partes. Assim, o fenômeno poderá ser abordado e
compreendido da melhor maneira possível.
Devido à importância e o cuidado que este tema merece ao ser desenvolvido,
FEIGLEY (1987) observou seis tipos de medo que ocorrem com mais freqüência na
GA, podendo-se observar semelhança com a relação àquela proposta por
BRANDÃO (2005), quais sejam:
- medo realístico: ocorre em situações que envolvem risco físico ao ginasta, no qual
as características individuais do ginasta podem influenciar no aparecimento (através
da sensibilidade à dor, por exemplo). Freqüentemente esta causa do medo é tão
específica que nem mesmo o ginasta consegue ter consciência da fonte do medo;
- medo do desconhecido: o fato de desconhecer uma experiência pode ser
freqüentemente mais assustador do que o resultado momentâneo. Porém, o medo
tende a diminuir em função da familiarização à situação com a qual o atleta irá se
deparar;
25

- ansiedade: medo indefinido, difuso ou crônico, que ocorre sem causa específica.
Geralmente é manifestada pela sensação de que algo ruim irá acontecer. Em
determinadas situações, é causada pela experiência do atleta em responder a
descargas adrenérgicas resultantes da antecipação de um exercício de alto grau de
complexidade ou de uma competição importante;
- medo ilógico: freqüentemente se relaciona a uma causa específica externa e ocorre
em ginastas que sempre pensam de forma negativa (“Eu nunca acerto os elementos
na presença de meus pais”; “Eu sempre me machuco ao tentar algum elemento
novo”). Pensar assim é um meio de enfrentar os padrões de pensamentos ilógicos.
Segundo ELLIS e HARPER (1975), o pensamento lógico é muito importante, pois os
ilógicos impedem, freqüentemente, a elaboração de soluções efetivas para vencer o
medo;
- medo divertido: certas situações de risco produzem excitação e os atletas se
sentem no controle de seus medos, ou no controle de alguém em quem confiam,
podem se divertir com as situações e gostam de descrever tais experiências de
maneira exagerada;
- medo do fracasso: a maioria das pessoas quer experimentar o sucesso sem ter o
risco de enfrentar o fracasso, evitando eventuais constrangimentos. Todavia, é muito
importante que o indivíduo já tenha vivenciado alguma espécie de fracasso. Deve
haver equilíbrio nas experiências de sucesso e de fracasso dos ginastas. O sucesso
e o fracasso, assim como em todas as modalidades esportivas, estão presentes no
ambiente da GA. O desenvolvimento da capacidade do atleta em lidar com ambas as
situações será fundamental na sua formação. Assim, MURRAY (1982) reforça que a
diminuição do medo do fracasso facilita o processo de aprendizagem.
Em estudo realizado por FEIGLEY (1987), o autor atenta para o fato de o
medo ser, freqüentemente, a maior barreira psicológica responsável por evitar o
aprendizado de novos exercícios, e de retardar o progresso de exercícios já
aprendidos. CARTONI, MINGANTI e ZELLI (2005) e NUNOMURA (1998) corroboram
com FEIGLEY ao citar estudos que indicam que o medo é um dos fatores
responsáveis que comprometem o sucesso na GA, além de uma das possíveis
causas de acidentes.
26

Da mesma maneira, a percepção do medo tem o potencial de romper a


atenção, influenciando definitivamente no desempenho futuro do atleta (BANDURA,
1990; CHASE, MAGYAR & DRAKE, 2005; HEIL, 2000).
Outro aspecto negativo incitado pelo medo é a redução da autoconfiança nos
atletas que apresentam este sentimento de forma acentuada. BRANDÃO (2005) e
CARTONI, MINGANTI e ZELLI (2005) indicam que a diminuição da autoconfiança do
ginasta pode ter um impacto significativo em seu desempenho esportivo, e
comprometer o seu rendimento. O ginasta com autoconfiança baixa não irá se
arriscar, manifestará o medo de fracassar, terá dúvidas sobre sua capacidade, além
de dificuldades para se concentrar, alimentando pensamentos negativos. Esses
fatores combinados podem gerar ansiedade, estresse, medo e baixa motivação.
A autoconfiança do ginasta também é abalada quando ele se depara com uma
situação que envolve o risco de se lesionar. A percepção de risco pode chegar ao
ponto do atleta experimentar a manifestação de apreensão, de ansiedade e até de
medo, ao se exigir que se realize um exercício novo ou complexo, seja no
treinamento ou na competição (BANDURA, 1997). O medo da lesão física pode levar
a um bloqueio comportamental específico, no qual o ginasta se recusa a realizar um
exercício específico (CARTONI, MINGANTI & ZELLI, 2005). O medo da lesão é tão
comprometedor que pode levar até ao abandono da modalidade, dentre ginastas de
alto rendimento (DUDA, 1995; DUDA & GANO-OVERWAY, 1996; KLINT & WEISS,
1986; WEISS, WIESE & KLINT, 1989).
O medo da lesão, talvez pelas particularidades da modalidade, tem sido
amparado pela literatura. Como discutido anteriormente, este tipo de medo provém
do condicionamento a um estímulo doloroso. Ao sentir, por diversas vezes, a dor, o
ginasta começa a associar diretamente o exercício à dor, e não como conseqüência
de uma queda. Uma das razões para os ginastas demonstrarem tal sentimento é
determinada, principalmente, pela reincidência do estímulo doloroso, determinando
uma nova lesão.
Em estudo realizado por CHASE, MAGYAR e DRAKE (2005), foram
entrevistadas 10 ginastas femininas, na faixa etária entre 12 e 17 anos. Todas já
experimentaram algum tipo de lesão. Constatou-se que o medo despertado pela
incidência da lesão é determinado, em 25% das ginastas entrevistadas, pela
27

dificuldade em retorno da lesão e em 18% pela impossibilidade da prática. O medo


de se lesar gravemente foi relatado por 15% dos casos, sendo que o mesmo número
de ocorrência surgiu em função das respostas negativas do medo. Outros fatores
como medo indescritível, medo do fracasso, dor e medo da morte foram relatados
por uma porcentagem menor dos casos. Com isso, as ginastas experimentam
sentimentos negativos na prática da modalidade, tais como frustração e
comportamentos de fuga em determinadas situações. Ao apresentar estes
comportamentos, as ginastas podem sentir medo da volta ativa à rotina de
treinamento e, consequentemente, de todo o ambiente esportivo.
Ao abordarem o medo da lesão, MAGYAR e CHASE (1996) observaram quais
as estratégias mais utilizadas por onze ginastas de oito a dezessete anos, que
participavam de treinamentos voltados ao rendimento. As autoras constataram que
as ginastas utilizam estratégias como bloqueio de pensamentos negativos, utilização
de amuletos, confiança no técnico, prática mental, pensamentos positivos, foco
seletivo de atenção e relaxamento. Assim, as autoras atentam para a importância do
técnico no auxílio do controle dos medos das ginastas.
Tomemos como exemplo o caso descrito a nós, no decorrer desta pesquisa,
por uma ginasta russa que não conseguiu lidar com a proporção que o medo
assumiu em sua vida. Em 1978, esta ginasta, então com 16 anos, era a quinta
melhor ginasta da União Soviética. Ela estava escalada para compor a equipe
principal de seu país, no campeonato mundial daquele ano. Entretanto, por motivos
políticos, foram escaladas outras duas ginastas para compor a equipe, e somente
seis atletas seriam convocadas. Assim, a ginasta não participou dessa competição, o
que significaria o grande momento de sua carreira. Imediatamente, a ginasta sentiu
um grande desapontamento. Ao retomar os treinos, foi incapaz de realizar os
exercícios que, até o momento, dominava. Ela começou, gradualmente, a
desaprender todos os seus exercícios. Ela abandonava qualquer elemento que
tentava realizar, com medo de desistir durante a execução do mesmo. Com isso,
surgiram diversos eventos nos quais a ginasta apresentava quadros de imobilização
tônica, que impediam o prosseguimento de sua rotina de treino. Passados oito
meses, com a assistência de seus técnicos, ela conseguiu superar este medo.
Porém, não foi mais a mesma. A insegurança ainda dominava seus pensamentos.
28

Tanto é verdade que em 1981, após uma queda de cabeça no solo, teve amnésia
momentânea, durante quinze minutos. Após esse evento, seu técnico convenceu-a a
abandonar o esporte, visto que estava representando um perigo para sua integridade
física. A ginasta deixou o medo superar seus atos.
Por outro lado, FEIGLEY (1987) observou que o medo tem atraído muitos
atletas para a GA. Geralmente, os esportes que induzem ao medo são procurados
por atletas que vêem nisso um fator fundamental para novos desafios. Entretanto,
mesmo nestas situações, é imprescindível que os atletas que são motivados a
modalidade pelo sentimento do medo estejam sempre no controle da situação nas
quais competem.
Apesar de este sentimento ser considerado como um empecilho ao
desenvolvimento dos atletas na GA, é de extrema importância que se conservem
algumas características essenciais do medo, responsável pelo estabelecimento de
limites relacionados à manutenção do bem-estar e da segurança dos ginastas
(BROCHADO, 2002).
Segundo FEIGLEY (1987) ao contrário do que se imagina, o medo tem vários
fatores positivos. As reações causadas pelo medo produzem, normalmente, resposta
adrenérgica. A adrenalina pode resultar em ganho de força, de velocidade e do nível
de alerta que, se associados ao domínio, podem melhorar a performance do atleta.
Portanto, ao se deparar com uma situação de alto risco, em que a conseqüência é
incerta e dependem de si próprios para alcançar o sucesso, estimula-se o suporte
para o desenvolvimento de sua auto-estima através da superação do desafio.

Outro aspecto positivo do medo é a sua relação com o estresse. Esta


sensação pode ser combatida, através do aprendizado de respostas específicas. Ao
aprender a enfrentar o estresse do medo, pode-se transferir este aprendizado para
outras formas de estresse.
O controle do medo requer a utilização de estratégias específicas, para que
possam interagir com os diversos tipos de medos encontrados nos mais diferentes
contextos.
BOISEN (1975) apud BROCHADO (2002), exemplifica um método através do
medo de andar na trave, manifestado por escolares. Através de reforços positivos
29

como dedicação e compreensão especial do professor, conversas em grupo ou


música obtiveram-se reações de relaxamento. Uma vez apresentado o relaxamento,
é possível que se trabalhe a situação mais simples de medo, como caminhar na trave
na altura do chão. Se esta tarefa for realizada sem medo, pode-se passar ao
estímulo seguinte.
Para que o controle do medo ocorra corretamente, é necessário que o atleta
reconheça seu próprio medo, pois é uma resposta natural a tarefas que envolvem
riscos. Porém, certos atletas não assumem seus próprios medos e tentam negá-los.
Em outras circunstâncias, os atletas convencem a si mesmos de que realmente não
temem nada, por eles terem superado a causa atual do medo (FEIGLEY, 1987).

2.5.3 Como as crianças lidam com seus medos


Para que o atleta possa lidar com o medo, é necessário que haja uma
preparação psicológica relacionada tanto ao treinamento quanto à competição. As
formas indicadas pelos treinadores e especialistas para aprender a enfrentar o medo
são diversas. Porém, nem todos os métodos de controle do medo existentes e
desenvolvidos na área clínica, podem ser transportados para o esporte, pois tratam
de transtornos psicopatológicos.
Estudos realizados por THOMAS (1978) apud BROCHADO (2002) e por
KEMMLER (1973) apud BROCHADO (2002) que trabalham situações pré-
competitivas ou de competição que provocam medo, em situação relaxada, de forma
que percam o efeito amedrontador. Entretanto, não são conhecidas abordagens
sistemáticas e específicas para o esporte (MACHADO, 2006; BROCHADO, 2002).
A manifestação do medo é comum em determinadas situações, pois tem
relação com a defesa ou manutenção do bem-estar. Para HUBER (2000), não se
pode fazer nada contra o medo, assim como não se pode fazer nada contra outros
sentimentos como o amor. Ao tentar fazer algo contra o medo que sente, somente irá
reprimi-lo ou aumentá-lo. A pessoa deve aprender a lidar com a situação, tentando,
de alguma maneira, controlá-la.
Entretanto, aqueles que vivenciam situações de medo podem contribuir,
pessoalmente, na sua luta, através de ajuda intrínseca contra ansiedade
30

antecipatória. Porém, a ajuda deve ser feita de maneira cuidadosa e consciente, e é


extremamente importante que o indivíduo assuma e enfrente seus medos (HUBER,
2000). O medo pode ser descondicionado pela associação a experiências
prazerosas, diante de situações traumáticas. Já nos casos de medo psicológico e
medo condicionado, há indicações formais de tratamento psicoterápico antes que se
transformem em quadro de ansiedade (MACHADO, 2006).
Os métodos para controle do medo podem ser classificados, de acordo com
MACHADO (2006) em duas formas distintas: método de controle científico e método
de controle “ingênuo” (naiv). Dentro de cada dessas categorias, pode-se encontrar
uma subdivisão referente à origem do controle (auto-regulação ou regulação externa)
e à sua orientação (à pessoa ou ao ambiente).
O autor exemplifica cada categoria da seguinte maneira: dentro da categoria
naiv, um atleta se convence (auto-sugestão) de que é mais forte do que o adversário
para não ficar com medo; o treinador convence o atleta de que os adversários
também são “gente como todo mundo”, para diminuir o medo; o treinador monta uma
seqüência metodológica com aparelhos auxiliares, de forma que o atleta não fique
com medo, e assim por diante. Ao se adotar o método científico, pode-se utilizar a
dessensibilização sistemática, técnicas de relaxamento (yoga, meditação), de
ativação, de biofeedback, técnica de relaxação progressiva, treinamento autógeno,
biofeedback-training, entre outros.
Ao procurarem compreender mais profundamente de determinados
comportamentos que podem afetar o desempenho de atletas, HARDY, JONES e
GOULD (1996) observaram que os estudos desenvolvidos nesta área de pesquisa
tem sido focado em dois pontos interessantes: a resposta de atletas a situações de
ansiedade e estresse, e como eles buscam controlar estas situações (também
conhecidos como processos de “coping”)1.
Crianças que confiam em sua habilidade para controlar eventos e desafios em
suas vidas, são menos vulneráveis ao medo. Estas crianças têm um senso de
competência pessoal. Por outro lado, a criança que se sente indefesa diante do

1
.O “coping”. consiste de respostas comportamentais aprendidas que diminuem, com
sucesso, o nível de ativação, minimizando ou neutralizando a importância de uma condição
perigosa ou desagradável. (LAZARUS & FOLKMAN, 1984)
31

perigo é mais sensível à manifestação de medos. A percepção infantil de sua


competência irá influenciar sua decisão de lutar para a superação do medo de
determinado objeto ou situação, ou evitar o objeto ou situação temida através da
fuga. A relação entre o senso de competência pessoal da criança, seu ambiente e a
habilidade que ela possui para avaliar o poder da situação ou objeto temido, é
determinante para que a criança aprenda a controlar seu medo. A avaliação real ou
irreal da competência individual, em consideração ao objeto ou à situação temida,
pode significar a diferença entre comportamentos de controle de sucesso ou um
sentimento de indefesa. Dessa maneira, a competência pode ser entendida não
somente como capacidade intrínseca, mas também como extrínseca, podendo ser
influenciada por pais, professores, colegas ou qualquer pessoa que a criança tenha
desenvolvido uma relação de confiança (ROBINSON, ROTTER, ROBINSON, FEY &
VOGEL, 2004).
As abordagens cognitivas partem das considerações teóricas relacionadas à
manifestação do medo. Para LAZARUS (1966), a interpretação e a avaliação de uma
situação irão determinar, em grande parte, o nível de medo. Para tanto, acredita-se
que estas técnicas criem condições para controlar, direcionar ou reavaliar
subjetivamente fatores provocadores do medo. O objetivo destas técnicas não é
tanto modificar as condições reais ou objetivas, mas as perspectivas pelas quais as
situações são vistas.
O uso de exercícios de imaginação e de antecipação à ansiedade também foi
descrito por HUBER (2000), partindo-se do mesmo princípio do treinamento
autógeno ou da prática mental (PM). Nestes exercícios, o indivíduo enfrenta seus
medos no plano imaginário, que irão impedir e reduzir as condutas de fuga. No
entanto, o indivíduo terá que ser capaz de superar os níveis de ansiedade produzidos
na situação imaginária, pois caso contrário, ele nunca será capaz de diminuí-los em
uma situação real ameaçadora. Ao se diminuir os níveis na situação imaginária, são
introduzidos gradualmente diferentes estímulos, intercalando-se os planos imaginário
e real.
A PM utiliza a imaginação e a representação mental nos processos de
aprendizagem, memorização e no desenvolvimento de capacidades físicas. De
acordo com HONGLER (1988), a PM representa a sistematização de um movimento
32

que almejamos aprender, sem que se realize fisicamente uma parte ou o conjunto do
exercício.
A realização de movimentos relativamente complexos também pode ser
melhorada com a PM. O desenvolvimento é maior com a PM mental do que com um
simples treinamento de observação, porém jamais alcançará a melhora de
rendimento obtida pelo treinamento real (SCHMIDT, 1993). HONGLER (1988) indica
que há melhor assimilação da PM se esta for dividida em três partes, quais sejam: a
verbalização do desenvolvimento do movimento em seu conjunto, a observação de
um atleta que executa perfeitamente o exercício (ocorrendo a representação mental)
e a realização do exercício, em que se dirigem atenção especial às sensações
corporais que acompanham o movimento. A utilização da PM no esporte de alto nível
também ocorre na recuperação após lesões ou outras interrupções no treinamento.
De acordo com BRANDÃO (2005), a utilização de treinamento mental parece
ser essencial para minimizar, ou até mesmo eliminar as interferências dos fatores
psicológicos negativos em busca de uma performance melhor. O treinamento mental
irá influenciar no controle das respostas físicas, mentais e comportamentais a esses
fatores BRANDÃO (2005). Para cada situação específica, seja no treinamento ou em
competição, os ginastas podem utilizar diferentes tipos de imagens mentais e
diferentes conteúdos, através da memorização de aspectos do movimento, do
controle da distração, do equilíbrio dos estados emocionais, do aumento da
autoconfiança e, até mesmo, da recuperação de lesões.
Outros autores também constataram que a PM auxilia muito na preparação da
GA, de iniciantes a atletas de alto rendimento. MASSIMO (1990, 1981, 1977) realizou
estudos com ginastas, indicando que as estratégias mentais são utilizadas pela
maioria na superação do medo. As principais estratégias adotadas são a
visualização, o pensamento positivo e a concentração. Outra estratégia utilizada na
GA é denominada de coreografia mental (ARNOLD, 1999), na qual o ginasta se
imagina realizando corretamente uma seqüência de exercícios.
Para a utilização das estratégias de treinamento mental, BRANDÃO (2005,
p.114) cita algumas observações importantes para o trabalho adequado, entre elas:
1) estabelecer uma linha de comunicação sincera e eficiente com o ginasta, para
que seja criada uma atmosfera receptiva ao trabalho;
33

2) considerar de maneira adequada o impacto potencial dos fatores psicológicos


na performance do ginasta;
3) educar o ginasta sobre a importância do treinamento mental e o que é
necessário para fazer este trabalho adequadamente;
4) mostrar ao ginasta que ele é o maior responsável pelo seu treinamento
mental, e é fundamental que ele esteja inteiramente comprometido com o
processo de treinamento psicológico. O compromisso e a persistência são
fundamentais para o sucesso do programa de treinamento dos ginastas.
Corroborando com os dados citados acima, CHASE et al.. (2005) abordam em
seu estudo as estratégias utilizadas pelas ginastas para superar seu medo de lesão.
A maior parte das ginastas utiliza estratégias, para a superação do medo, através da
preparação mental. Outras descrevem a influência do técnico ou de amigas. Por fim,
a utilização de pensamentos positivos e o uso de amuletos da sorte também foram
citados.
Independente da especificidade da manifestação do medo, a diversidade de
estratégias utilizadas, tanto através do método científico quanto do método naiv, nos
indica que é possível que se amenize a situação causadora do medo vivenciada pelo
atleta.
34

3. MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 Natureza da Pesquisa
A pesquisa foi norteada através de um recorte qualitativo, no qual o alicerce se
baseia na descrição, na análise e na interpretação das informações obtidas durante o
processo investigatório. Este caminho permitiu compreender as informações de
maneira contextualizada, ao invés de buscar generalizações ou uma verdade
universal através dos dados e respeitará a verdade dentro de um universo delimitado
(NEGRINE, 2004).
De acordo com TRIVIÑOS (1987), as cinco características básicas que
configuram a pesquisa qualitativa são:
1) A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de dados, e o
pesquisador como seu principal instrumento;
2) A pesquisa qualitativa é descritiva;
3) A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto.
4) O significado é a preocupação essencial;
5) A análise de dados tende a seguir um processo indutivo.
A pesquisa qualitativa envolve uma abordagem interpretativa e naturalística do
mundo, o que significa que estuda o fenômeno em seu ambiente natural, buscando
produzir sentido ou interpretar os significados atribuídos ao fenômeno estudado. O
campo de pesquisa é constituído através das práticas interpretativas do pesquisador
(GUERRIERO, 2006). Nesta abordagem não há, necessariamente, a intenção de
generalização dos resultados obtidos para outros contextos (PATTON, 2002).
A definição das metodologias de pesquisa qualitativa é dada por MINAYO
(1994), como capazes de incorporar a questão do significado e da intencionalidade
como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais, sendo essas últimas
tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções
humanas significativas.
Dentro das possibilidades existentes de pesquisa qualitativa, o tipo de
pesquisa selecionado foi a pesquisa de campo, ou seja, foi desenvolvido no ambiente
real em que o problema foi gerado. Esta tem como propósito contribuir com
conhecimento que possa auxiliar as pessoas no entendimento da natureza do
problema (PATTON, 2002).
35

3.2 Caracterização dos sujeitos


A seleção dos sujeitos participantes da pesquisa foi realizada
intencionalmente. Os participantes foram escolhidos a partir das entidades que
desenvolvem um programa de treinamento de alto rendimento em GA, na grande
São Paulo. Participaram do estudo 13 ginastas do sexo feminino (Sujeitos (S) de 1 a
13), que compõem, cronologicamente, a etapa inicial do treinamento direcionado ao
rendimento. Estas ginastas participam de treinamentos em três clubes diferentes,
conforme descrito quadro abaixo:

Tabela 2 - Caracterização dos sujeitos


No de No de técnicos
ginastas responsáveis pela Presença de outros
Clube
participantes categoria pré- especialistas
do estudo infantil
Sim. Psicólogo do Esporte e
C1 5 (S1 a S5) 2
Fisioterapeuta
C2 4 (S6 a S9) 2 Não
C3 4 (S10 a S13) 2 Não

A escolha dos participantes serem somente ginastas do sexo feminino,


ocorreu pela experiência prévia do pesquisador, além do número de praticantes
dessa modalidade, em São Paulo, ser maior nesse gênero.
Para serem incluídas no estudo, as ginastas deveriam praticar a modalidade
por, no mínimo, um ano, tendo participado de pelo menos uma competição de nível
estadual. Estas características devem ser observadas para garantir que as ginastas
possuam experiência básica na modalidade. Além do mais, participam de
treinamentos de 24 a 36 horas semanalmente, de 4 a 6 horas diárias, durante os 12
meses do ano, o que indica treinamento voltado ao rendimento (CAINE, LEWIS,
O`CONNOR, HOWE & BASS, 2001). A seleção dos clubes ocorreu em função da
disponibilidade das ginastas que estejam entre os 9 e 10 anos, e que atendam aos
critérios citados anteriormente.
36

Estas idades compreendem a primeira categoria competitiva da GA feminina,


a categoria pré-infantil, de acordo com a Confederação Brasileira de Ginástica e com
a Federação Paulista de Ginástica. Os clubes que participaram da pesquisa têm suas
atletas filiadas à Federação Paulista de Ginástica.

3.3 Técnica de coleta


A técnica de coleta selecionada foi a entrevista semi-estruturada. A escolha da
entrevista se deu pelo fato desta permitir a identificação de opiniões sobre os fatos e
a evolução do fenômeno através do conteúdo expresso implícita ou explicitamente
(BRUIJNE, HERMAN e SCHOUTHEETE, 1991). E mais, propicia a realização de
explorações não-previstas, proporcionando liberdade ao entrevistado para dissertar
sobre o tema ou abordar aspectos que sejam relevantes sobre o que pensa
(NEGRINE, 2004). Com isso, o entrevistado, seguindo espontaneamente a linha de
seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo
entrevistador, começa a participar da elaboração do conteúdo da pesquisa
(TRIVIÑOS, 1987).
Além do mais, foi permitida certa flexibilidade na realização das entrevistas,
nas quais os sujeitos foram incentivados a manifestar explicações e
aprofundamentos em questões de maior interesse (PATTON, 2002).
Para que houvesse garantia de que as entrevistas seguissem a mesma linha
de questionamentos, foi utilizado um roteiro padronizado de entrevista, conforme
observado no anexo 1, p.100. Em função das coletas serem realizadas durante os
intervalos de treinamento, as questões foram focadas nas prioridades da entrevista.
Dessa maneira, PATTON (2002) atenta para três razões importantes para o uso
desse método de coleta:
1) O instrumento exato utilizado pelo entrevistador está disponível para quem
irá utilizar os resultados da pesquisa;
2) A entrevista é altamente focada, por isso o tempo é usado de maneira
eficiente;
3) A análise dos dados é facilitada, uma vez que permite prontamente o
encontro e as comparações das respostas.
37

Antes da realização das entrevistas, os responsáveis legais das ginastas


foram avisados pelos técnicos sobre a participação das crianças nesta pesquisa,
sendo solicitado o preenchimento de um termo de consentimento de participação
(anexo 2, p.101). As entrevistas foram gravadas em um gravador manual, e,
posteriormente, transcritas. As ginastas foram entrevistadas individualmente, e o
roteiro foi o mesmo para todas. As atletas foram informadas que o propósito das
entrevistas se deu para melhor compreendermos suas experiências na modalidade,
que estas serão gravadas e que elas poderiam interromper a entrevista, caso se
sentissem desconfortáveis com situação.
Foi realizado um estudo piloto com seis ginastas que possuíam as mesmas
características determinadas anteriormente em “caracterização dos sujeitos”, para
que as questões fossem testadas e as técnicas de coleta praticadas.

3.4 Análise dos Dados


O método selecionado para o tratamento dos dados da entrevista foi baseado
na análise de conteúdo, proposta por BARDIN (2004).
A análise de conteúdo é um método amplamente utilizado em pesquisa
qualitativa, realizado sistematicamente desde meados da década de 1950. Mas o
método teve seu real desenvolvimento, com a elaboração de seus conceitos
fundamentais e da técnica de emprego, através da obra de Bardin, publicada pela
primeira vez em 1977 (TRIVIÑOS, 1987).
Para BARDIN (2004), este método pode ser descrito como “uma técnica de
investigação que através descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo
manifesto das comunicações, tem por finalidade a interpretação destas (grifo da
autora) mesmas comunicações” (p. 31). O método de análise de conteúdo se realiza
em três momentos:
1. Pré-análise: nesse momento, os dados são organizados fisicamente, no
caso desta pesquisa, através da transcrição das entrevistas. Corresponde a um
período de intuições, mas tem por objetivo operacionalizar e sistematizar as idéias
iniciais, ao ser conduzido um esquema de operações sucessivas, num plano de
análise. Além disso, é realizada a leitura flutuante do texto, responsável pelo primeiro
contato com o material, surgindo as primeiras impressões e orientações. A partir
38

desse procedimento, o pesquisador pode formular hipóteses, se assim julgar


necessário.
2. Exploração do material: ocorre a codificação dos dados através da
formulação das categorias. Para se chegar a uma categoria é necessário
estabelecer:
- a unidade de registro: “é a unidade de significação a codificar e corresponde
ao segmento de conteúdo a considerar como unidade de base, visando à
categorização e a contagem freqüencial” (p.98). Nesta pesquisa, a unidade de
registro é o tema, “que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo
critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura” (p.99);
- a unidade de contexto: são os segmentos do texto ou da mensagem que
refletem o significado das unidades de registro. No caso desta pesquisa, em função
da utilização do tema como unidade de registro, as unidades de contexto adotadas
foram a frase, algumas frases ou um parágrafo.
Ao se comparar e contrastar diversos tipos de casos, a abordagem inicial foi
realizada através da categorização dos casos, cuidadosamente separados. “A
categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um
conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero
(analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou
classes, que reúnem um grupo de elementos (unidade de registro, no caso da
análise de conteúdo) sob título genérico, agrupamento esse efetuado em razão dos
caracteres comuns destes elementos” (p.111). Essas categorias de análise são
derivadas empiricamente, e irão quantificar as ocorrências de determinados
comportamentos. Classificar elementos em categorias impõe a investigação do que
cada um tem em comum com outro. O que vai permitir o seu agrupamento é a parte
comum entre eles. O processo analítico da criação das categorias é induzido pelo
envolvimento com os dados.
3. Inferência: refere-se aos pólos de análise sobre os quais pode ocorrer a
análise de conteúdo, ou seja, em que pontos o pesquisador pode se concentrar ao
realizar uma análise: o emissor, pessoa ou grupo de pessoas que emitem a
mensagem; o receptor, pessoa ou grupo de pessoas que recebem uma mensagem;
39

ou a mensagem, sem a qual a análise de conteúdo não é possível. Nesta pesquisa,


os emissores e suas mensagens foram os pólos de análise adotados.
Em último plano, após a organização dos dados, é possível aplicar diferentes
técnicas de análise. Este estudo adotou a análise temática, “que recorta o conjunto
das entrevistas através de uma grelha de categorias projetadas sobre os conteúdos.
Não se tem em conta a dinâmica e a organização, mas a freqüência dos temas
extraídos dos discursos, considerados como dados segmentáveis e comparáveis”
(p.168). De acordo com a autora, “...através de um sistema de categorias aplica uma
teoria (corpo de hipóteses em função de um quadro de referência) ao material...”
(p.168).
40

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ao utilizar o método de análise proposto por BARDIN (2004), os dados
encontrados nesta pesquisa foram organizados em categorias. Para concluir cada
categoria, a leitura flutuante foi realizada insistentemente. Dessa maneira, foram
estabelecidas unidades de registro, no caso, temas que emergiram das entrevistas.
Após o surgimento dos temas, a seleção das unidades de contexto foi realizada,
fazendo uso de segmentos do texto ou da mensagem que refletem o significado das
unidades de registro.
Os resultados levantados foram organizados e apresentados em três
categorias: o medo e suas causas, estratégias para controle do medo e percepções
das ginastas sobre as atitudes de seus técnicos, pais e colegas diante de seus
medos e de seus erros.
Ao serem registrados os trechos nos quais o entrevistador está interagindo
com a entrevistada, demonstrados nas unidades de contexto, optou-se por indicar
estes trechos em itálico e entre parênteses. Os nomes dos técnicos e do psicólogo
foram substituídos pela sua respectiva profissão, em texto sublinhado, visando
preservar suas identidades.
A primeira categoria apresenta os diferentes tipos de medos relatados pelas
ginastas e suas justificativas para a manifestação dos mesmos. A segunda categoria
expõe as estratégias ingênuas utilizadas pelas ginastas na tentativa de controle do
medo. A terceira categoria é composta por informações que esclarecem as atitudes
dos técnicos, dos pais e das colegas de treinamento, frente à manifestação dos
medos apresentados pelas ginastas e de erros ocorridos em situações de
treinamento e competição.

4.1 O Medo e suas causas


A primeira categoria é composta por quatro diferentes tipos de medo, sendo os
quais os medos da lesão, do desconhecido, de errar e do técnico, conforme
observado no quadro a seguir.
41

Quadro 1 - Unidades de Registro relacionadas à primeira categoria


Categoria Unidade de Registro
Medo da lesão
Medo do desconhecido
O Medo e suas causas
Medo de errar
Medo do técnico

O medo da lesão foi a unidade de registro que apresentou o mais alto índice
de ocorrência dentre as ginastas entrevistadas, surgindo em um total de nove
ocorrências. Esta unidade de registro foi definida através do relato específico
envolvendo o medo da manutenção da integridade física e, conseqüentemente, da
lesão. O medo da lesão existe quando um ginasta perde a confiança na sua
habilidade de realizar um exercício, com sucesso, em uma situação ameaçadora ou
exigente (BANDURA, 1997; MAGYAR & CHASE, 1996). O medo da lesão foi descrito
por estudos (CARTONI, MINGANTI & ZELLI, 2005; CHASE, MAGYAR & DRAKE,
2005) como um medo comum manifestado na GA.

Quadro 2 - Resultados referentes ao medo da lesão


Unidade de Sujeito Unidades de Contexto
Registro
Medo da S2 “Fico com medo na outra hora de cair, de bater
lesão alguma coisa, pior do que as costas.”
“Na competição, eles não colocam mais colchão. Aí
dá medo de cair, porque a barra da competição é
alta, e eu não alcanço direito.”
S3 “Às vezes eu tenho medo de bater a boca na mesa.”
S7 “Eu fiquei com bastante medo de ela ter se
machucado assim, de ela não poder mais voltar pra
ginástica, porque ela é boa. Aí eu fiquei com medo,
mas mesmo assim eu continuei, fiz o que tinha que
fazer.”
42

“Penso que quando eu for começar a aprender


aquele salto, pra eu não desistir e pra eu não me
machucar também.”
S8 “Antes eu tinha medo de fazer rodante, flic, flic. Aí eu
começava a chorar, desistia no meio e caia de
costas, e me machucava.”
“...eu tenho medo de bater o pé na paralela.”
“Ah, eu faço a vela, eu não tenho medo de fazer a
vela, mas eu tenho medo de virar, e bater o pé.”
S9 “...é que eu tô aprendendo (o flic na trave), e eu
ainda tenho um pouco de medo (...) de cair.”
“(Você já viu alguém caindo?) Já (...) ela (a colega)
foi fazer flic flic, e escorregou a mão da trave. Aí ela
caiu no chão. (Então você tem medo que aconteça a
mesma coisa com você?) É.”
S10 “...eu estava com medo de errar de novo... De errar e
bater (a barriga na mesa de salto). (...) Aí doeu.”
S11 ““...eu bati meu rosto na trave. (...) eu fiz a ponte, e
tinha magnésio. (...) e aí escorregou.
“(Senti) um pouco de medo. (Pensei) que eu ia bater
a cara no chão (...) ou na trave.”
S12 “É (prefere realizar o exercício com proteção e com
ajuda). Porque eu já tinha quebrado o meu braço.”
“Sinto (medo de fazer o exercício). (Sempre?) Sim.”
S13 “Tem uma menina da tarde que quebrou o braço. Eu
tenho (medo) na trave também.”

As ginastas que foram enquadradas nesta unidade de registro relacionaram


diretamente o fato de a lesão ser precedida pela queda. Uma das ginastas relatou
“Fico com medo na outra hora de cair, de bater alguma coisa, pior do que as costas.” Da mesma
maneira, outro relato encontrado foi: “Eu ia fazer o salto, e eu meti a barriga (na mesa de salto). Aí
doeu. (...) eu estava com medo de errar de novo, (...) de bater a mesma coisa”.
43

O medo da lesão física é uma das principais dimensões do medo que podem
ser conduzidas ao longo da vida (MILLER, BARRET, HAMPE & NOBLE, 1972). Esta
forma de caracterização do medo é comum em crianças nesta faixa etária (nove a
dez anos de idade), pois é uma fase de transição entre os medos que se
caracterizavam como imaginários (medo de fantasmas ou medo do escuro, por
exemplo), comuns em crianças menores, e os medos reais (manifestados através de
perigos físicos ou de lesões), que surgem no início da pré-adolescência (MURIS,
MERCKELBACH & COLLARIS, 1997; OLLENDICK & KING, 1991).
O contexto da GA de alto nível é caracterizado pela prática intensiva, a alta
demanda competitiva, a demonstração pública de habilidades e a avaliação por
terceiros (DUDA & GANO-OVERWAY, 1996). Alguns estudos descrevem a GA como
uma modalidade esportiva extenuante, podendo ser considerada até perigosa
(CAINE, CAINE & LINDER, 1996; KERR & MINDEN, 1988). Talvez pelas suas
particularidades, descritas anteriormente, os tipos de medos mais comuns
encontrados na GA revelam a preocupação das ginastas com sua integridade física.
As rotinas de treinamento das ginastas estão sempre permeadas por estes
riscos de quedas e acidentes, o que pode potencializar uma eventual manifestação
deste tipo de medo. Em algum momento de sua vida como atleta, a ginasta irá se
deparar com algum acidente, seja com ela mesma ou com alguma colega de
treinamento.
Esta questão da observação da lesão de uma colega foi constatada em três
das ginastas entrevistadas. Elas relataram que sentiram medo após terem visto uma
colega se machucando, mesmo que nunca tenha acontecido nenhum evento
semelhante com alguma delas. Em um dos casos a ginasta declarou: “Eu fiquei com
bastante medo de ela ter se machucado, assim, de não poder mais voltar para a Ginástica, porque ela
é boa. Aí eu fiquei com medo, mas mesmo assim eu continuei, fiz o que tinha que fazer”. Outra
ginasta disse: Tem uma menina da tarde que quebrou o braço. Eu tenho (medo) na trave também.” A
terceira disse que, ao ver a amiga caindo: “Eu fiquei com medo”.
A literatura se refere a este tipo de aquisição do medo como condicionamento
ou experiência indireta (BANDURA, 1977; RACHMAN, 1977). Entretanto, RACHMAN
(1977) trata diretamente da aquisição do medo, enquanto BANDURA (1977)
direciona seu estudo para a influência da crença de eficácia. Porém, ambos indicam
44

que há influência do comportamento através da observação. Os casos descritos


pelas ginastas parecem ter tido um significativo impacto em suas rotinas de
treinamento, pois em diversos momentos das entrevistas os acidentes foram
mencionados. Em um dos casos, uma ginasta quebrou o braço em um exercício na
trave de equilíbrio. No outro caso, a ginasta desistiu de realizar um salto na mesa de
salto, caindo de cabeça no colchão de aterrissagem. Ela teve que ser socorrida por
uma ambulância e, posteriormente, hospitalizada. São casos graves e que não
acontecem constantemente, mas estão passíveis de ocorrerem e permeiam as
rotinas das ginastas.
A queda foi a principal preocupação declarada por dez das entrevistadas. Esta
preocupação é tão clara que uma ginasta relatou: “...eu tinha medo de fazer mortal. Aí eu
dei mortal e cheguei faltando. Aí doeu. Aí depois, eu tinha que fazer o flic-mortal, que eu tinha mais
medo ainda”. Outra ginasta se referiu ao exercício no qual a colega havia caído,
mencionado anteriormente: “Penso que quando eu for começar a aprender aquele salto, pra eu
não desistir e pra eu não me machucar também”.

Quadro 3 - Resultados referentes ao medo do desconhecido


Unidade de Sujeito Unidade de Contexto
Registro
Medo do S4 “E quando você vai fazer pela primeira vez você tem
Desconhecido medo de cair, de se machucar.”
S5 “Na primeira vez que eu fui fazer rodante-flic e
quando eu não sabia fazer mortal (p/ frente) na cama
elástica. Eu fazia muito alto e ia muito pra frente.”

A segunda unidade de registro abordada neste tema, denominada medo do


desconhecido, foi composta pela demonstração do medo através da realização de
um exercício pela primeira vez. Foram abordados casos em que o medo era
manifestado pela falta de experiência em determinado exercício. Ao diferenciar os
tipos de medo, FEIGLEY (1987) ressalta que esse medo é comum, e que o fato de
desconhecer uma experiência pode ser mais assustador do que o resultado
momentâneo. Além disso, atenta para o fato do medo do desconhecido tender a
45

diminuir em função da familiarização à situação com a qual o atleta irá se deparar.


DUDA e GANO-OVERWAY (1996) observaram que o aprendizado de novos
exercícios, é apontado por ginastas jovens norte-americanas, como grande fonte de
estresse.
O medo do desconhecido foi apresentado por duas ginastas. As respostas
indicam que a falta de conhecimento da conseqüência que uma ação pode gerar,
leva as ginastas a temerem o seu resultado. Uma ginasta declarou que sentiu medo
“Na primeira vez que eu fui fazer rodante- flic e quando eu não sabia fazer mortal na cama elástica. Eu
fazia muito alto e ia muito para frente”. Outra ginasta disse que “...quando você vai fazer pela primeira
vez você tem medo de cair, de se machucar”.

Quadro 4 - Resultados referentes ao medo de errar


Unidade de Sujeito Unidades de Contexto
Registro
Medo de S1 “Tenho medo de errar em competição.”
Errar S3 “Porque quando teve a festa junina daqui, eu tinha
chegado atrasada. Eu estava meio nervosa e caí da
parada-de-mãos. Aí eu comecei a chorar. (...) eu
tinha que fazer três coisas no mesmo dia.”
S6 “Quando eu erro, eu tenho medo de fazer. Eu peço
ajuda, aí eu faço.”

A terceira unidade de registro desta categoria, denominada medo de errar, foi


definida através de casos de ginastas que manifestaram o medo relacionado à
avaliação. Três ginastas apresentaram estas características.
Tanto a avaliação, quanto a possibilidade de haver alguma espécie de
repreensão verbal, incitam um pouco a manifestação do medo de errar. O indivíduo
que compete é submetido a inúmeras exigências, inclusive as sociais, uma vez que
são expostos ao julgamento dos demais. Os atletas em formação são colocados
diante de possibilidades de fracasso em qualquer momento do processo de formação
e desenvolvimento (LIMA, 1990).
46

Durante a entrevista, uma ginasta (S1) disse: “Tenho medo de errar na competição”.
Outra ginasta (S6) declarou: “Quando eu erro, eu tenho medo de fazer. Eu peço ajuda, aí eu
faço”. Nestes casos, uma ginasta estava se referindo à situação de competição,
claramente observável em seu discurso. A outra ginasta se referia à situação de
treinamento, uma vez que necessita da ajuda do treinador para continuar a sessão,
um fato que não pode ocorrer durante uma competição.
Nos casos acima mencionados, a ginasta S1 havia dito que sentia nervosismo
ao competir. Em um momento, ela descreveu uma competição na qual havia caído
da trave de equilíbrio, sem que houvesse lesão, mas obtendo uma nota baixa. Na
mesma competição, ao saltar sobre a mesa, a ginasta realizou o primeiro salto com
sucesso. Porém, na segunda tentativa, ela desistiu e não conseguiu saltar. Esse
evento pode ser uma das causas da manifestação do medo de errar em competição
apresentado por esta ginasta.
A ginasta S6 também disse que apresenta um nervosismo ao se deparar com
uma situação na qual o medo está presente. Ao ser questionada sobre a
manifestação de seu medo, a ginasta disse que chora quando não consegue
controlar a situação. Ao tentar ser mais específica sobre quando ocorre este fato, a
ginasta declarou: ”É um dia que não estou “naquele dia”. Aí eu fico com medo e começo a chorar”.
Neste caso, o choro parece ser a “válvula de escape” da referida ginasta, pois não
consegue controlar a situação e manifesta seus sentimentos desta forma.
Complementando esta unidade de registro, a ginasta S3 afirmou que havia
ficado nervosa durante uma apresentação realizada no clube em que treina. Neste
evento, estavam presentes os pais, as amigas e os treinadores. Com isso, o medo do
erro se torna visível através da frustração da ginasta em falhar perante as pessoas
presentes, as quais fazem parte do ambiente social da ginasta. DUDA e GANO-
OVERWAY (1996) constataram que as ginastas apresentavam algumas situações,
tais como medo de avaliação (por pais, árbitros, técnicos ou pessoas famosas), de
cometer erros ou das expectativas de si mesmo ou de outras pessoas, como fontes
geradoras de estresse para estas atletas. Apesar deste tipo de medo ser comumente
caracterizado em adolescentes, o medo de determinadas situações sociais e da
crítica também pode ser encontrado em crianças (MURIS et al.,1997).
47

Quadro 5 - Resultados referentes ao medo do técnico


Unidade Sujeito Unidades de Contexto
de
Registro
Medo do S1 “Medo de não conseguir fazer algumas coisas. (...)
Técnico porque, de vez em quando, tem que ficar até o fim, até
conseguir...”
S11 “Quando a gente acerta o exercício, a gente consegue,
fica alegre, e não fica com medo. Agora, quando nós
erramos, aí...”
‘E se eu me quebraria ali, ele (o técnico) ia me xingar.”
S12 “(Você tem medo de errar na frente do técnico?) Ah, eu
tenho. (...) porque ele fica bravo.”
S13 “(Mas você já pensou em errar (em frente ao técnico)?
O que você pensou?) Que ele ia brigar, se a gente
caísse bem na frente dele. (E sempre que erra ele
briga?) É. Ele fica com uma cara assim... (E dá medo?)
É.”

Dentre as ginastas acima referidas, foi constatado nas entrevistas que quatro
delas tinham medo dos técnicos, em função de algumas atitudes por eles
apresentadas. SMITH, SMOLL e CURTIS (1979) observaram que uma prática
comum adotada por treinadores do esporte infantil se baseia na crítica intensa
dirigida à criança, após esta cometer um erro técnico ou tático durante o treinamento
ou na competição.
A ginasta S1 declarou: “(Tenho) Medo de não conseguir fazer algumas coisas. (...)
Porque, de vez em quando, tem que ficar até o fim, até conseguir. (...) (Senão) Sobe na corda.” Este
relato exemplifica a questão do erro técnico da ginasta ocasionar a punição por parte
do técnico.
As ginastas S11, S12 e S13 são treinadas pelo mesmo técnico. São
encontradas evidências do comportamento agressivo deste técnico nos três casos. A
ginasta S11 disse: “Aí ele, o técnico, ele fica bravo (quando erra no treino).” Em outro trecho, a
48

mesma ginasta relatou: “Ele (o técnico) fala que é pra nós fazermos, que não temos mais idade
pra errar, essas coisas.... Fica bravo.” Novamente, em outro trecho, a ginasta aborda a
atitude do técnico ao observar o erro da mesma: “(Você virou o lado para acertar o exercício.
Mas o que você pensou naquela hora?) Hora? (É. Você fez (o exercício) uma vez, escorregou a mão
e bateu a cabeça na trave...) E se eu me quebraria ali, ele ia me xingar. (Te xingar?) Ia gritar. (Por que
você errou?) É.”
Ao ser questionada sobre a postura de seus técnicos nos treinamentos, a
ginasta S13 disse: “O técnico tem vezes que é meio estressado.” Em outro trecho, relata:
“(Ele dá bronca) Nas meninas que ficam brincando. Ele grita e fala bravo com a gente.” Um fato
importante de ser mencionado se refere a questão deste técnico também ser árbitro
pela Federação Paulista de Ginástica. Portanto, em algumas competições, ele
participa como árbitro, julgando suas atletas. Assim, as ginastas também podem
manifestar o medo em função da avaliação deste técnico. Essa ginasta demonstrou
esta particularidade, exemplificado neste trecho: “(Mas você já pensou em errar (em frente
ao técnico)? O que você pensou?) Que ele ia brigar, se a gente caísse bem na frente dele. (E sempre
que erra ele briga?) É. Ele fica com uma cara assim... (E dá medo?) É.” Para esta ginasta parece
ser difícil desassociar a figura do técnico com a do árbitro. Talvez por imaginar que,
ao retornar de alguma competição na qual errou algo, será repreendida.
Em outro caso, a ginasta S12 declarou que seu técnico apresenta, além de
atitudes agressivas, como punições verbais, violência física. Em seu discurso:
“(Quando você erra, seu técnico dá bronca?) Dá, grita, às vezes puxa o cabelo. Bate na perna...
(Sempre que você erra?) Se eu erro bastante. (E já puxou o cabelo?) Já. Um monte de vezes. (Como?
Se você errava o quê, por exemplo?) Assim, no salto, ele mandava eu olhar pra mão. Aí eu vejo, e
não olho pra mão. Aí eu faço de novo e não olho. Aí ele fala: “Olha pra mão” (e demonstra como ele
puxa seu cabelo).” Ao longo da entrevista, esta ginasta, ao ser questionada sobre os
auxílios prestados por pais e colegas no controle de seus medos, ela ainda se referiu
novamente ao técnico, como podemos observar no seguinte exemplo, no qual a
ginasta se refere à sua mãe lhe dizendo: “Da próxima vez, se você errar, tentar fazer de
novo.”. E ainda complementa: “Pra eu não ligar pras broncas do técnico.” De acordo com
BECKER JUNIOR e TELÖKEN (2008), não há estudos que apresentam situações de
agressão física no ambiente esportivo, nem no Brasil nem em outros países da
América do Sul. Entretanto, os autores citam um estudo realizado por AE (1993), no
49

Japão, no qual a autora relata que a conduta de agressão física do treinador às


crianças é freqüente.
Os fatos dessas três ginastas, citados acima, abordam uma situação delicada
na relação entre treinador-atleta: o fracasso. As condutas inadequadas de
treinadores, para BECKER JUNIOR e TELÖKEN (2008), vão fazendo fissuras nesta
relação, podendo gerar redução de auto-estima e depressão nas crianças, assim
como um clima de insegurança. Para os autores, os técnicos deveriam apoiar seus
atletas, após resultados adversos, abordando as correções técnicas ao retornarem
para os treinamentos, em uma situação mais controlada.

4.2 Estratégias utilizadas para controle do medo


Esta categoria apresentada relacionou as estratégias utilizadas pelas ginastas
na tentativa de controlar seus medos. As estratégias utilizadas pelas ginastas são
caracterizadas tanto como métodos ingênuos quanto como métodos científicos de
controle do medo. Aquelas ginastas que utilizam estratégias que foram
desenvolvidas por si, por amigas ou por técnicos, foram denominadas de estratégias
ingênuas. Já aquelas que utilizam estratégias ensinadas pelo psicólogo do esporte
foram denominadas de estratégias científicas, pois são estratégias reconhecidas e
utilizadas no ambiente esportivo.

Quadro 6 - Unidades de Registro relacionadas à segunda categoria.


Categoria Unidade de Registro
Prática mental
Técnicas de relaxamento
Autoconfiança
Estratégias utilizadas para controle do
Pensamento positivo
medo
Atenção
Apoio dos pais
Ausência de estratégia

Compondo a unidade de registro denominada Prática Mental, esta foi a


estratégia mais utilizada pelas ginastas. A prática mental utiliza a imaginação e a
50

representação mental nos processos de aprendizagem, memorização e no


desenvolvimento das capacidades físicas (HONGLER, 1988). Desta maneira, o
praticante simplesmente imagina os movimentos que iria realizar em uma situação
real de desempenho, e repete essa ação virtual por diversas vezes. A prática mental
não é restrita ao estágio inicial de aprendizagem na GA ou à simplicidade da tarefa
motora. Além do mais, esta prática dispensa instalações, equipamentos e ainda evita
o desgaste provocado pela prática física, se tornando uma aliada eficiente à prática
(TEIXEIRA, 2005).

Quadro 7 - Resultados referentes à utilização da prática mental como estratégia


ingênua para controle do medo.
Unidade Sujeito Unidades de Contexto
de
Registro
“Antes de eu fazer o salto, eu sempre fico um tempo
parada, pensando, imaginando eu correndo na pista,
S7
batendo no trampolim, fazendo o salto, depois eu
saio.”
“Eu pensei que se eu estivesse com o braço duro, eu
não ia bater a cabeça, e que se eu tivesse com o braço
S8
Prática mole, eu ia bater a cabeça. Então, melhor eu ficar com
Mental o braço duro. Aí eu fiquei.”
“Eu fiz e errei. Aí depois eu estava com medo de errar
de novo. Só que depois eu acertei. Depois eu não
S10
fiquei mais com medo. Fiz a mesma coisa que eu tinha
feito quando eu acertei.”
“Eu fiz (o exercício) em outra direção. Eu virei assim
S11
(mostrando a maneira que realizou o movimento) e fiz.”

Este tipo de prática já é bastante difundido na GA (ARNOLD, 1999;


BRANDÃO, 2005; CHASE et al., 2005; COGAN & VIDMAR, 2000; MASSIMO, 1990,
1981, 1977). Esta estratégia é utilizada tanto por iniciantes quanto por atletas de alto
51

nível, por ser de fácil assimilação. Principalmente em competições, a utilização de


um ensaio mental antes da execução física, com a representação da série que a
atleta deve realizar, irá prepará-la para a obtenção de um melhor desempenho
(HALL, RODGERS & BARR, 1990). Através desta estratégia, a ginasta aprende a se
acalmar e a sentir-se preparada para a realização de uma tarefa exigente (CHASE et
al., 2005).

Quadro 8 - Resultados referentes à sugestão da autoconfiança como estratégia


ingênua para controle do medo.
Unidade de Sujeito Unidades de Contexto
Registro
Autoconfiança S5 “Quando eu comecei a fazer sozinha, eu comecei a
ficar com medo, porque eu fazia errado. Aí, depois,
ele (o técnico) me treinou na cama elástica, aí
quando eu fui pro solo eu vi que melhorei e perdi o
medo.”
S13 “Aí eu fiquei com muito, muito medo (ao realizar o
exercício em que a colega havia caído, no mesmo
dia), mas ele (o técnico) me ajuda. Eu falei pra ele
que eu estava com medo e ele me ajudou.”
“Tem vezes que uma cai no solo, na trave. Eu
sempre tenho medo. Tem vezes que no solo uma
cai no flic. Eu fico com medo, mas um mês depois
passa. Aí uma cai de novo, e volta o medo.”

A autoconfiança para o controle das situações de medo é uma estratégia


adotada por duas ginastas. Nestes casos, deve-se salientar importância do técnico
no auxílio do aumento da autoconfiança das ginastas. MASSIMO (1981) atenta para
a importância do técnico neste momento. Para o autor, é imprescindível que a
ginasta tenha a consciência de que ela possua a condição necessária para a
realização da tarefa exigida. Dessa maneira, o técnico irá possibilitar que a ginasta
52

se sinta segura, estimulando uma atitude mental positiva, que pode ser aplicada a
outras situações e exercícios posteriores.
Uma das ginastas relatou: “Nas primeiras vezes, eles (os treinadores) seguravam.
Quando eu comecei a fazer sozinha eu comecei a ficar com medo, porque eu fazia errado. Aí depois
ele (o treinador) me treinou na cama elástica, aí quando eu fui pro solo eu vi que melhorei e perdi o
medo. (...) eu comecei a errar, a acertar, depois eu comecei a acertar direto.” Para essa ginasta, o
medo foi controlado após o domínio técnico do elemento que estava sendo praticado.
Por outro lado, a outra ginasta que utiliza essa estratégia demonstra que as
situações que manifestam o medo para ela são cíclicas. Isto pode ser observado no
seguinte trecho: “Têm vezes que uma (ginasta) cai no solo, na trave. Eu sempre tenho medo. Têm
vezes que uma cai no flic. Eu fico com medo, mas um mês depois passa. Aí uma cai de novo e volta o
medo.”

Quadro 9 - Resultados referentes à utilização de pensamentos positivos como


estratégia ingênua para controle do medo.
Unidade de Sujeito Unidades de Contexto
Registro
“(No que pensa quando está com medo?) Que eu
Pensamento consigo.”
S12
Positivo “Se eu pensar em alguma coisa como “será que eu
vou conseguir”, se eu fico assim eu caio.”

Outra estratégia utilizada por uma ginasta, denominada nesta unidade de


registro de “pensamento positivo”, se baseia em um ponto semelhante à estratégia
anterior. A ginasta pensa que é capaz de realizar o movimento, adotando uma
postura centrada no sucesso ou, no caso, na realização de determinado exercício ou
seqüência de exercícios. É importante salientar que, neste caso, a ginasta segue as
indicações dadas por uma colega de treino.
COGAN e VIDMAR (2000) e MACHADO (2006) indicam que os pensamentos
positivos e negativos têm um poder enorme no desempenho dos atletas. Atletas que
obtiveram sucesso em suas carreiras demonstraram maior incidência de
pensamentos positivos sobre si e sobre seus desempenhos, obtendo melhores
53

resultados. Por outro lado, os atletas que manifestaram pensamentos negativos


apresentaram resultados decepcionantes (COGAN & VIDMAR, 2000).
Ao ser indagada sobre o que pensa quando está com medo, a ginasta
respondeu: “Que eu consigo. Se eu pensar em alguma coisa como “será que vou conseguir ?”, se
eu fico assim eu caio”. Entretanto, ao ser questionada mais especificamente sobre a
eficácia da estratégia adotada, ela não conseguiu se explicar melhor. O trecho a
seguir exemplifica a relação com os conselhos da colega: “(Ela) Falou pra eu nem ligar pro
técnico. Que ele é chato mesmo... Que é para eu fingir que estou fazendo no chão mesmo.”
A utilização de pensamentos positivos como estratégia ingênua de controle do
medo tem sido muito utilizada na GA. Esta estratégia aumenta a confiança das
ginastas. Ao se manter o pensamento voltado para a realização de um exercício ou
de uma seqüência de exercícios, as ginastas afastam o pensamento de que algo de
ruim pode acontecer com elas. Para isso, utilizam expressões como “Eu sou capaz de
fazer isso”, ou “Eu já fiz este exercício antes”, ou ainda “Eu estou pronta” (ARNOLD, 1999;
COGAN & VIDMAR, 2000; MASSIMO, 1981, 1990).

Quadro 10 - Resultado referente à melhora da atenção como estratégia ingênua


para controle do medo.
Unidade de
Sujeito Unidade de Contexto
Registro
Atenção S6 “... eu tenho que prestar mais atenção, tal, e praticar.”

Outra unidade de registro averiguada como estratégia de controle foi nomeada


de “Atenção”. Somente uma ginasta foi enquadrada nesta unidade. Esta unidade de
registro foi assim denominada pelo fato da constante manifestação, no discurso da
ginasta, da necessidade da atenção, prática e superação do nervosismo. Como
exemplo de unidade de contexto, uma passagem da entrevista esclarece: “(Sinto) Que
eu tenho que prestar mais atenção (no exercício), tal, e praticar.”
54

Quadro 11 - Resultado referente ao apoio dos pais como estratégia ingênua


para controle do medo.
Unidade de
Sujeito Unidade de Contexto
Registro
S1 “(Quando você sente muito medo, o que você faz?)
Apoio dos
Depois, quando eu volto pra minha casa, eu falo com a
Pais
minha mãe.”

A atenção despendida pelos pais foi observada em outra unidade de registro,


denominada “Apoio dos Pais”, e só foi apresentado por uma ginasta. Apesar de
grande parte das ginastas participantes deste estudo terem relatado que conversam
com seus pais sobre os acontecimentos nos treinos, somente uma conversa
especificamente sobre a manifestação do medo. Quando indagada sobre o que faz
quando sente medo, a ginasta respondeu: “Depois, quando eu volto para a minha casa, eu
falo com a minha mãe. (...) (a mãe fala) ‘Tudo bem’. Que não vai acontecer nada.” Este fato parece
acalmar a ginasta, pois logo em seguida ela disse que a mãe tem orgulho dela, por
ela ser uma ginasta.

Quadro 12 - Resultados referentes à utilização de técnicas de relaxamento


como estratégia científica para controle do medo.
Unidade de Sujeito Unidades de Contexto
Registro
“A psicóloga, fala pra gente respirar, pra conseguir...”
“Respirar e pensar, no trabalho que você quer e não
S2
consegue. Aí não dá. Eu sempre tento, mas na hora
não vai.”
Técnicas de “A gente tem que pensar três vezes no que vamos
relaxamento S3 fazer, e daí a gente acerta. A gente pensa aonde
estamos fazendo também.”
“A gente faz o que a psicóloga fala. Pra gente respirar
S4 o “ar azul”.”
“A gente respira o ar normal. A gente respira ele pra
55

gente ficar tranqüila. Aí depois que a gente respirou o


“ar azul”, a gente solta o ar de qualquer cor.”

Outra estratégia utilizada por três ginastas foi denominada de “técnicas de


relaxamento”. Esta estratégia, diferentemente das outras, foi ensinada para as
ginastas, através da figura do Psicólogo do Esporte que atua no clube participante da
pesquisa. Assim sendo, foi caracterizada como estratégia científica.
O treinamento de relaxamento tem como objetivo relaxar o corpo, permitindo
controlar a musculatura para que o atleta possa se manter relaxado em uma situação
na qual encontra dificuldade Esta técnica consiste no relaxamento, através do
controle da respiração, e da avaliação racional da situação temida. Assim, pode-se
usar o relaxamento como uma etapa básica em outro treinamento, como
visualização, controle de concentração e domínio do estresse (MACHADO, 2006). O
relaxamento prepara o atleta para desempenhar uma habilidade mais efetivamente
do que se ele estivesse em um estado de tensão, assim como um músculo relaxado
tem maior capacidade de contração do que um músculo ligeiramente tenso
(KUBISTANT, 1986).
Uma ginasta relatou o processo: “A gente faz o que a psicóloga fala. Pra gente respirar
o “ar azul”. (...) A gente respira o ar normal. A gente respira ele pra ficar tranqüila. Aí depois que a
gente respirou o ar “azul”, a gente solta o ar de qualquer cor.” Outra ginasta disse: “A gente tem
que pensar três vezes no que vamos fazer, e daí a gente acerta.” Entretanto, uma ginasta que
aprendeu a técnica falou: “A psicóloga fala pra gente respirar, pra conseguir. (...) Respirar e
pensar no trabalho que você quer e não consegue. Aí não dá. Eu sempre tento, mas na hora não vai.”
Ao se sentirem relaxadas, as ginastas tem sua capacidade de concentração
facilitadas, auxiliando-as na conservação de energia e no controle fino de aspectos
de seu desempenho (DUDA & GANO-OVERWAY, 1996).
56

Quadro 13 - Resultados referentes à ausência de estratégia para controle do


medo.
Unidade de Sujeito Unidades de Contexto
Registro
Ausência S2 “Eu sempre tento, mas na hora não vai.”
de “Ai, eu não vou conseguir nunca fazer isso. Porque eu
estratégia nunca consigo mesmo, eu sempre caio. Agora, se tiver
uma competição com o mortal assim, eu não vou querer
fazer. Eu vou tirar o mortal.”
S9 “É, eu penso no exercício. Mas eu penso em cair.”

A última unidade de registro verificada se manifesta como “Ausência de


estratégia”. Esta unidade foi assim denominada em função da ausência efetiva de
uma estratégia por parte da ginasta, e foi observada em dois casos. Em um dos
casos, a ginasta S2 já havia sido enquadrada em outras duas unidades de registro,
“Prática Mental” e “Técnica de Relaxamento”. Entretanto, a ginasta relatou que,
mesmo conhecendo e tentando aplicar estas duas estratégias, as mesmas não
surtem efeito. Portanto, para ela, não são eficazes. Em seu discurso: “Eu sempre tento,
mas na hora não vai. (...) Ai, eu não vou conseguir nunca fazer isso. Porque eu nunca consigo
mesmo, eu sempre caio. Agora, se tiver uma competição com o mortal assim, eu não vou fazer. Eu
vou tirar o mortal.” Já com a outra ginasta, o principal fato observado foi a insegurança
em relação à execução de diversos exercícios. Podemos observar isto no seguinte
depoimento: “(Então no que você pensa quando vai fazer o exercício?) Em cair. (...) É, eu penso no
exercício. Mas eu penso em cair.”
Estas ginastas, ao se depararem com uma situação ameaçadora,
demonstraram a presença de pensamentos negativos. Este fato, de certa forma, é
comum, ao se pensar nesta emoção e em suas implicações. COGAN e VIDMAR
(2000) encontraram relatos de ginastas que tinham o mesmo problema, e deixavam
os pensamentos negativos tomarem proporções cada vez maiores. Esses tipos de
pensamentos aumentam a ansiedade e, conforme observado nos relatos das
ginastas nesta unidade de registro, a manifestação do medo. Entretanto, estas
ginastas não conseguem adotar nenhuma estratégia que possibilite o controle do
medo.
57

Estes dois relatos demonstram a insegurança das ginastas nas referidas


situações. Com isso, a tendência será desses pensamentos potencializarem os
medos, uma vez que estão direcionados ao erro. Ao se sentir pessimista, um atleta
deve buscar saídas mentais para reverter este quadro. MACHADO (2006) sugere
que o pensamento negativo deve ser trabalhado a favor do próprio rendimento,
sendo uma forma positiva de tratar interferências mentais contrárias à realização do
desempenho. COGAN e VIDMAR (2000) indicam que as ginastas que manifestam
estes pensamentos devem se utilizar de técnicas de relaxamento mental. Para estes
últimos autores, o relaxamento mental é composto pelo bloqueio de pensamento
(“thought stopping”), pela substituição de pensamento (“thought replacement”.) e pela
meditação. Ao manifestar pensamentos negativos, a ginasta deve cessar estes
pensamentos, através da palavra “Pare!”. Após o bloqueio destes pensamentos,
deve-se realizar a substituição por pensamentos que estejam focados na tarefa à
qual a ginasta deve realizar, melhorando o desempenho e a calma da atleta. Por fim,
a meditação deve ser realizada em uma situação de calma, em um ambiente
tranqüilo, para que a ginasta aprenda a controlar a respiração e seus pensamentos.

4.3 Percepções das ginastas sobre as atitudes de seus técnicos, pais e


colegas diante de seus medos e de seus erros
A terceira categoria foi denominada “Percepção das ginastas sobre as atitudes
de seus técnicos, pais e colegas diante de seus medos e de seus erros”. Esta
categoria está dividida em três subcategorias, facilitando a visualização do papel dos
técnicos, pais e colegas de treinamento.
58

Quadro 14 - Unidades de registro relacionadas à terceira categoria.


Categoria Subcategoria Unidade de Registro
Segurança manual
Acalma a ginasta
Técnicos Correção técnica
Repetição do exercício
Percepção das ginastas Punição
sobre as atitudes de Atitudes positivas
seus técnicos, pais e Atitudes negativas
Pais
colegas diante de seus Conversam sobre os
medos e de seus erros treinos
Se ajudam
Somente conversam a
Colegas
respeito
Não fazem nada

Esta categoria foi definida através das interpretações subjetivas das ginastas,
de como as pessoas que fazem parte do seu dia-a-dia reagem aos medos
apresentados por elas, e se existe auxílio entre elas de alguma maneira.
WYLLEMAN, KNOP, VANDEN AUWEELE e SLOORE (1997), atentam para a
necessidade de estudos que dêem oportunidade para as crianças manifestarem suas
opiniões, sobre suas relações com pais e treinadores.
Além do medo, objeto principal desta pesquisa, a análise das atitudes de
técnicos e pais também abordou os erros cometidos pelas ginastas, tanto em
competições quanto em treinamentos. A justificativa para a inclusão dessa variável
se dá na importância que as ginastas dão para a perfeição técnica de suas
habilidades. DUDA e GANO-OVERWAY (1996) detectaram as principais fontes de
estresse para jovens ginastas, encontrando, dentre oito fontes causadoras, três que
se referiam direta ou indiretamente ao erro, sendo as quais: medo de avaliação,
medo de cometer erros e medo de lesão. Ao definir as duas primeiras fontes, os
autores focam suas análises na conseqüência social do erro, pois ao cometer o erro,
as ginastas estão se expondo à avaliação (possivelmente negativa) de pais, colegas
59

e árbitros, dentre outros. Neste caso, o erro também pode ser interpretado como
fracasso. Por outro lado, ao considerar o medo de lesão, não podemos deixar de
lado que a lesão é causada, na maioria das vezes, pela realização de um exercício
de maneira incorreta, sendo caracterizado como erro. Por isso, ao se observar
cuidadosamente os dados encontrados nesta pesquisa, o erro pareceu ser uma
variável passível de uma análise mais profunda, em função da grande manifestação
no discurso das ginastas entrevistadas.

4.3.1 Técnicos
BYRNE (1993) sistematizou as ações das pessoas envolvidas no ambiente
esportivo, consistindo o principal aspecto que será responsável pela formação do
atleta no processo de ensino-aprendizagem-treinamento da modalidade que ele
pratica. As ações das pessoas que influenciam na definição do ambiente esportivo
foram denominadas pelo autor de “círculo de influências”, cujo qual é composto pelas
figuras dos técnicos, professores, pais, árbitros, torcedores, clubes, entre outros,
trazendo benefícios ou prejuízos à formação do atleta. Dentre eles, os elementos que
parecem ser os mais importantes nestas relações são os pais e os técnicos. Para
tanto, foi determinado um modelo que analisa as relações entre pais, técnicos e
crianças, denominado modelo do “triângulo esportivo”. Este triângulo é constituído
por pares de relações fundamentais, inevitáveis e decisivos na formação esportiva da
criança, entre técnicos-crianças, pais-crianças e técnicos-pais (BYRNE, 1993).
Existem casos de comportamentos extremamente abusivos de pais, exercendo
pressão demasiada em seus filhos ou até agredindo-os. Entretanto, as soluções
oferecidas por diversos técnicos, como negligenciar ou rejeitar a participação dos
pais, não são aceitáveis. Com um quadro sendo caracterizado, muitas vezes, com
conflitos semelhantes aos supracitados, é óbvio que a relação com o terceiro vértice
componente do triângulo será afetada. A consciência só pode ser alcançada através
de uma comunicação de duas vias. As relações entre as figuras que participam
diariamente na rotina das ginastas e as mesmas devem ser melhores
compreendidas, para que a formação destas atletas ocorra da melhor maneira
possível. Tendo-se em vista a complexidade do tema abordado, as análises
posteriores serão realizadas através de subcategorias referentes a cada componente
60

da relação (em um primeiro momento os técnicos, depois os pais, e as colegas), para


depois serem relacionados.

Quadro 15 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes


de seus técnicos diante de seus medos, ao utilizarem a segurança manual.
Unidade de Sujeito Unidades de Contexto
Registro
Segurança S2 “O técnico ficou trabalhando comigo, e eu nem
Manual conseguia saltar direito, por causa do pé. O técnico
ficou na cama elástica comigo, me ajudando.”
S4 “Quando a gente erra uma vez, ele (o técnico) ajuda
duas. Aí depois a gente faz na trave menor.”
S5 “Nas primeiras vezes, eles seguravam. Quando eu
comecei a fazer sozinha eu comecei a ficar com medo,
porque eu fazia errado. Aí depois ele me treinou na
cama elástica, aí quando eu fui pro solo eu vi que
melhorei e perdi o medo.”
S8 “Aí, um outro técnico, ele ficava do meu lado, tentando
deixar eu fazer o flic, flic. Ele falava que ia colocar a
mão, eu achava que ele ia colocar e aí, hup, eu fiz.”
S9 “Ah, ele fala pouquinho, assim. Ele dá uma ajuda mais
forte.”
S12 “Ele (o técnico) ajudou mais (com auxílio manual).”
“Agora (após a lesão no punho) ele (o técnico) só
ajuda, não deixa eu fazer sozinha.”

O técnico irá exercer grande influência na vida do atleta, positiva ou


negativamente, conforme suas atitudes e sua personalidade (SOBRINHO, MELLO &
PERUGGIA, 1997). A relação entre técnico e atleta, dentre as relações existentes
dentro do ambiente esportivo, é considerada particularmente crucial (JOWETT &
COCKERILL, 2002). Esta relação é fundamental no processo de ensino, pois sua
natureza irá, provavelmente, determinar a satisfação do atleta, sua auto-estima e
61

suas realizações esportivas (JOWETT & COCKERILL, 2003). Nesta análise, a figura
do técnico será considerada em função de seu posicionamento e comportamento
diante a manifestação dos medos de suas ginastas.
A grande maioria das ginastas entrevistadas se referiu ao técnico como
importante no auxílio do controle do medo. Dentre as treze ginastas, seis afirmaram
que os técnicos sabiam de seus medos (46% do total), sendo que cinco (38,5%) já
conversaram com os técnicos a respeito de seus medos. É um número alto, levando-
se em consideração a faixa etária das ginastas, ao contrário dos dados levantados
pelo estudo de MASSIMO (1990), no qual foi observado que somente 16% das
atletas que participaram da pesquisa (11 de um total de 65) conversavam com seus
técnicos sobre seus medos.
A principal atitude dos técnicos diante da manifestação do medo da ginasta é
a segurança manual. Ao observar que a ginasta está apresentando medo, o técnico
auxilia a ginasta mais enfaticamente. Isto pode ser verificado no seguinte
depoimento: “Quando a gente erra uma vez, ele (o técnico) ajuda duas. Aí depois a gente faz na
trave menor”. Outra ginasta relatou: “Aí, um outro técnico, ele ficava do meu lado, tentando deixar
eu fazer o flic-flic. Ele falava que ia colocar a mão. Eu achava que ele ia colocar e aí, hup, eu fiz”.
Estes exemplos demonstram como as ginastas confiam em seus técnicos e a
importância deste tipo de auxílio. MASSIMO (1990) atenta para a importância da
ajuda manual quando a ginasta demonstra medo. Para ele, o contato físico é
especialmente importante neste caso, pois garante a segurança da ginasta. O autor
afirma, também, que além do auxílio manual, o técnico deve falar com seu ginasta
enquanto este realiza o exercício responsável pela manifestação do medo,
auxiliando-o no esforço direcionado.
62

Quadro 16 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes


de seus técnicos diante de seus medos, ao acalmarem as ginastas.
Unidade de
Sujeito Unidades de Contexto
Registro
S3 “(Ele falou) Pra eu não ficar nervosa, pra eu respirar.”
S6 “(Quando você está com muito medo, e você começa a
chorar, o que sua técnica faz?) Ela me ajuda.”
Acalma a
“(Ela) Fala que eu tenho que prestar mais atenção, pra
ginasta
eu não errar tanto.”
S7 “Falam pra eu não desanimar, também, continuar
treinando, pra na próxima competição eu melhorar.”

Outra resposta foi relacionada com o auxílio do treinador para acalmá-las.


Dentre as ginastas, três relataram que seus técnicos a auxiliam nesse sentido. Como
exemplo, uma relatou: “(Ele falou) pra eu não ficar nervosa, pra eu respirar”. Outra ginasta
mencionou que, ao chorar, a técnica conversa com ela. Dessa maneira, ela falou:
“Tem dia que eu consigo (me acalmar), mas ainda continuo chorando”.

Quadro 17 - Resultado referente à percepção da ginasta sobre as atitudes de


seu técnico diante de seus medos, ao corrigir tecnicamente seus exercícios.
Unidade de Sujeito Unidade de Contexto
Registro
Correção S11 “O técnico também fala (como tem que realizar o
Técnica exercício tecnicamente).”

Com pequeno índice de incidência, a unidade de registro caracterizada por


“Correções Técnicas”, foi composta por um caso. A ginasta relatou: “Assim, na ponte fala
que eu tenho que segurar dois segundos antes de descer...”. Dessa maneira, ela se sente mais
segura ao realizar o exercício.
63

Quadro 18 - Resultado referente à percepção da ginasta sobre as atitudes de


seu técnico diante de seus medos, ao sugerir a repetição do exercício.
Unidade de
Sujeito Unidades de Contexto
Registro
Repetição do S2 “Eles falam pra ficar repetindo até conseguir.”
Exercício “(Os técnicos falam) Pra tentar na outra vez que tiver,
que daí eu consigo.”

Seguindo o mesmo modelo da unidade de registro anterior, “Repetição do


exercício” considera o fato do técnico corrigir a ginasta em função do erro do
exercício. Com isso, provavelmente ele acredita que a ginasta irá controlar seu medo
através do aumento da confiança. Como exemplo de unidade de contexto: “Eles (os
técnicos) falam para ficar repetindo até conseguir”.
As três unidades de registro anteriores, “Acalmar a ginasta”, “Correção
técnica” e “Repetição do Exercício”, parecem demonstrar que os técnicos utilizam,
mesmo que inconscientemente, estratégias relacionadas à tomada de decisão das
ginastas, também conhecidas como Estratégias Cognitivas. Nestas estratégias, a
avaliação da situação, por parte da ginasta, irá influenciar o comportamento que a
mesma apresenta em situações nas quais os medos são manifestados. Acredita-se
poder criar condições para controlar, direcionar ou reavaliar subjetivamente fatores
provocadores de medo, através de informações adicionais ou auto-instrução
(LAZARUS, 1966).
Entretanto, nestes casos, as estratégias utilizadas pelos técnicos se
assemelham, em alguns pontos, às Estratégias Cognitivas. Assim, estas estratégias
poderiam ser possivelmente adaptadas ao contexto esportivo.
64

Quadro 19 - Resultado referente à percepção das ginastas sobre as atitudes de


seus técnicos diante de seus erros, ao serem punidas.
Unidade de Sujeito Unidades de Contexto
Registro
Punição S1 “Porque, de vez em quando, tem que ficar até o fim,
até conseguir (realizar o exercício). (Você sempre
conseguiu?) De vez em quando não. (E o que
acontece?) Sobe na corda.”
S8 “(O técnico falava) Que se eu não conseguisse, eu ia
pra corda. Aí eu ia. Aí depois eu não conseguia, eu
tava fraca. Aí ia pra corda.”
S11 “Ele (o técnico) fala que é pra nós fazermos, que não
temos mais idade pra errar, essas coisas.... Fica
bravo.”
S12 “Dá (bronca), grita, às vezes puxa o cabelo. Bate na
perna...”

A última unidade de registro desta categoria, denominada “Punição”, foi


definida a partir de manifestações negativas por parte das ginastas, um fato que
ocorre em qualquer ambiente esportivo voltado ao rendimento. Nesta unidade,
podemos diferenciar dois tipos de punições apresentadas pelos técnicos: punição
verbal e punição física.
PIERCE e STRATTON (1981) verificaram que o treinador é um dos principais
fatores que aumentam o nível de estresse para jovens desportistas. Para estes
jovens, as principais preocupações eram não jogar bem, cometer erros nas ações, as
pressões exercidas por colegas e por pais. Ao manifestarem atitudes negativas em
função dos erros ou medos de seus atletas, os técnicos deixam de ser parte da
solução, se tornando parte do problema.
Assim como abordado por algumas ginastas anteriormente, a ginasta S11
relatou que o técnico, ao se deparar com o erro cometido pela mesma, se utiliza da
advertência verbal. Ela disse: “Ele (o técnico) fala que é pra nós fazermos, que não temos mais
idade para errar, essas coisas ... Fica bravo.” Na primeira categoria (“O medo e suas
65

causas”), esta ginasta apresentou medo do técnico. Ao longo desta entrevista, a


ginasta expressou, em diversos momentos, que teme o comportamento agressivo do
técnico. Em um exemplo claro, a ginasta estava descrevendo a estratégia que utiliza
para realizar um exercício no qual havia sentido medo. Esta estratégia é específica
para a trave de equilíbrio. Ao ser apresentada certa insistência da queda para um
dos lados da trave, a ginasta deve tentar realizar o exercício de maneira que
compense esse desequilíbrio unilateral. A ginasta estava descrevendo esse caso,
quando abordou novamente a atitude do técnico: “(Você virou o lado para acertar o
exercício. Mas o que você pensou naquela hora?) Hora? (É. Você fez (o exercício) uma vez,
escorregou a mão e bateu a cabeça na trave...) E se eu me quebraria ali, ele ia me xingar.(Te xingar?)
Ia gritar.(Por que você errou?) É.”
Outro tipo de punição abordada por uma técnica, se caracteriza como punição
física. A ginasta S1 indicou que a não realização correta de um exercício era punida
com um exercício físico, na caso, subir uma vez em uma corda. Para que se entenda
um pouco melhor a situação, a corda fica pendurada em uma viga, no teto do
ginásio, à aproximadamente seis metros de altura. Com isso, a punição adotada pelo
técnico parece ter causado o medo de errar o exercício, relatado anteriormente por
esta ginasta. Todavia, a ginasta informou que a atitude do técnico em uma
competição, na qual ela não desempenhara o resultado esperado, foi diferente.
Neste caso, o técnico não a repreendeu, pois, de acordo com ela, estava aprendendo
o exercício havia pouco tempo.
A ginasta S8 relatou: “(O técnico falava) Que se eu não conseguisse, eu ia pra corda. Aí
eu ia. Aí depois eu não conseguia (fazer o exercício), eu tava fraca. Aí ia pra corda (de novo)”. Neste
caso, o técnico adotou uma estratégia que pune o erro do atleta com um exercício
físico.
Neste caso específico, a ginasta havia relatado que estava errando o exercício
porque estava com medo. Era um exercício que ainda não estava dominado, e o
treinador não estava mais auxiliando através da ajuda manual. Ao ser punida com o
exercício físico, a ginasta se sentia fraca e não conseguia realizar novamente o
exercício. Podemos observar mais detalhadamente no seguinte trecho da entrevista:
“(Quando você tinha medo de fazer o flic-flic, você falou para o técnico?) Já. (E o que ele falava?) Ele
falava que ia me ajudar. Aí, ele me ajudava, mas pra voltar eu não conseguia. (Pra ir, ele te ajudava.
Aí, pra voltar, que você tinha que fazer sozinha, você não conseguia?) É. (E o que ele falava pra
66

você?) Que se eu não conseguisse, eu ia pra corda. Aí eu ia. Aí depois eu não conseguia, eu tava
fraca. Aí eu ia pra corda. (Aí, quando você voltava, você estava fraca e não conseguia. Você falava
isso pra ele?) Não. (Por quê?) Porque com todas as meninas acontece isso. (De errar e ir pra corda?)
É.”
No caso desta ginasta, ela não informou ao treinador que o erro cometido era
tanto pelo medo quanto pela falta de força, devido à necessidade de subir a corda.
Além disso, quando a ginasta se referia à ajuda do treinador em um momento
específico, e em outro não, a mesma se refere à divisão dos exercícios em estações,
que compõem um circuito. Neste caso, a ginasta realizava um exercício com auxílio
em uma estação, e em a outra estação, ela tentava realiza-lo sozinha. Este ciclo se
manteve por um tempo, até a ginasta controlar o medo do exercício e conseguir
realiza-lo. Isto só ocorreu após o auxílio de outro treinador, observado no seguinte
trecho: “Antes, eu tinha medo de fazer rodante-flic-flic. Aí eu começava a chorar, desistia no meio e
caia de costas, e me machucava. Aí, um outro técnico, ele ficava do meu lado, tentando deixar eu
fazer o flic-flic. Ele falava que ia colocar a mão (...) e aí, hup, eu fiz.” Este técnico conseguiu
proporcionar à ginasta maior autoconfiança, resultando na realização com sucesso
do exercício causador daquele medo.
Outro caso de punição física, manifestado pela ginasta S12, parece ser mais
grave. A ginasta relatou que o técnico se utiliza, às vezes, de agressão física. De
acordo com a ginasta, o técnico: “Dá (bronca), grita, às vezes puxa o cabelo. Bate na perna...”
Este tipo de atitude não deveria ser cabível em nenhuma situação. Entretanto, a
ginasta alterna, em seu discurso, sentimentos negativos e positivos em relação ao
técnico, como podemos observar na seguinte passagem: “(E como você se sente quando
ele (o técnico) faz isso (a agride)?). Fico triste. (Ele faz isso bastante?) Agora ele está parando. É
porque hoje ele não veio. (Mas quando ele vem, sempre tem (agressão))? Agora ele não está fazendo
muito não. Está legalzinho. (Ele é muito bravo?) Às vezes ele é bravo, legal,...” A ginasta também
menciona a confiança que tem no técnico, e que acha que o técnico poderia ajudá-la
com seus medos. Mas, tendo em vista o comportamento agressivo do técnico, ela se
sente inibida para abordar o assunto.
No caso da ginasta S12, a mãe tem consciência do comportamento agressivo
do técnico. Mas a ginasta não mencionou, em nenhum momento, se esse
conhecimento abrange também, a questão da violência física. Ao relatar este fato,
ela disse: “(Você conversa em casa sobre isso (seus medos)?) Só com a minha mãe. (E o que ela te
67

fala?) Da próxima vez, se você errar, tentar fazer de novo... pra eu não ligar pras broncas do técnico.
(Ela sabe que o técnico é bravo? Ela já viu?) Sim. (E o que ela te fala sobre isso?) Só pra eu não ligar
pra ele.”

4.3.2 Pais
A próxima subcategoria irá abordar o papel dos pais no desenvolvimento das
ginastas. Os pais irão complementar a tríade abordada anteriormente, denominada
modelo do “triângulo esportivo” (BYRNE, 1993).
A família é apresentada por HELLSTEDT (1995) como o ambiente social
primário, onde a criança pode desenvolver sua identidade, auto-estima e motivação
para o sucesso. Por isso, para este autor, um ambiente familiar desorganizado causa
relações interpessoais inadequadas, problemas de aceitação ao treinador, a
deficiência de controle interno e autodisciplina do atleta. Por isso, a família pode
apresentar tanto aspectos positivos quanto negativos no desenvolvimento do
desportista.
Os pais, de acordo com MACHADO (1997), revelam-se pessoas de cobranças
acima da média. Pela aproximação afetiva, exercem o direito de insultar, esbravejar,
entre outras atitudes, como se estas fossem modificar o desempenho de seus filhos.
As influências que os pais exercem sobre as crianças no esporte competitivo, pode
determinar o contexto favorável ou não para a otimização do rendimento em seu
futuro no esporte (VILANI & SAMULSKI, 2002).
A participação dos pais na vida esportiva dos filhos pode apresentar diversos
níveis de interação. VILANI e SAMULSKI (2002) apresentaram características típicas
das formas de envolvimento dos pais neste contexto, dividindo-os em quatro grupos:
pais desinteressados, pais mal-informados, pais excitados e pais fanáticos. O grupo
dos pais desinteressados transfere a responsabilidade de cuidar de seus filhos para
os treinadores, além de não terem conhecimento da vontade da criança em praticar
aquela modalidade esportiva, muitas vezes escolhida pelos próprios pais. Desta
maneira, a criança pode não somente abandonar a prática, mas também criar
intolerância a esta modalidade. Já os pais mal informados permitem a prática do
esporte escolhido pelo filho, após uma primeira conversa, mas posteriormente não se
envolvem no processo. Nestes casos, os autores indicam que não parece haver
68

desinteresse por parte dos pais, mas a falta de compreensão da importância da


participação dos mesmos na formação esportiva de seu filho. Outro grupo de pais,
denominado pais excitados, são presentes nos treinos e sempre colaboram com o
técnico, se envolvendo de maneira adequada no processo. Contudo, em situações
competitivas, se excitam de maneira acentuada, constringindo seus filhos e
prejudicando o ambiente esportivo, podendo servir de exemplo negativo de conduta
social e esportiva. Geralmente, estes pais não pretendem interferir negativamente,
mas não notam seus comportamentos inadequados. Por fim, o grupo dos pais
fanáticos cria o desejo de seus filhos se tornarem verdadeiros heróis em seu esporte.
Nunca estão satisfeitos com os desempenhos de seus filhos, gerando grandes
pressões e interferindo em todo o processo de preparação. Criam um ambiente hostil
e perturbado, podendo desfazer a relação de prazer do filho com o esporte.
Outra descrição do envolvimento dos pais na prática esportiva dos filhos foi
realizada por HELLSTEDT (1987). De acordo com o autor, o envolvimento dos pais
se dá através de um continuum, partindo do subenvolvimento, passando pelo
envolvimento moderado e atingindo, por fim, o superenvolvimento. O
subenvolvimento é definido como uma relativa falta de comprometimento emocional,
financeiro ou funcional por parte dos pais, indicados, principalmente, pela falta de
comparecimento a jogos ou eventos. Além disso, há pouco envolvimento em
atividades voluntárias (tais como o transporte) e pouquíssimo contato com os
treinadores. No envolvimento moderado, considerado por HELLSTEDT como sendo
o ideal, há firmes orientações paternas, mas com flexibilidade suficiente para que o
jovem atleta se envolva significativamente nas tomadas de decisões. Os pais dão
suporte e ajudam os filhos a estabelecerem metas realísticas, além de serem
financeiramente participativos. Por fim, o superenvolvimento ocorre quando os pais
excedem em sua participação na vida esportiva dos filhos, não sabendo separar seus
próprios desejos, fantasias e necessidades daquelas dos seus filhos. Estes pais
tendem a estabelecer metas irreais para seus filhos e compartilham desaprovação,
caso suas metas não sejam alcançadas. Freqüentemente se tornam furiosos e
repreensivos diante do desempenho não esperado de seus filhos.
Todavia, HELLSTEDT (1995) aponta que, mesmo a família podendo ser uma
fonte de estresse para alguns atletas, ela é de suma importância como fonte de
69

suporte. Estudos realizados com famílias de atletas parecem indicar que, para a
maioria dos jovens atletas, a família é um sistema social vital de suporte, responsável
por nutrir e encorajar seu desenvolvimento (HELLSTEDT, 1987). Mesmo assim, há
uma linha tênue entre a motivação positiva para a realização e a pressão excessiva.
O paradoxo que surge a partir deste ponto é a maneira que o atleta enxerga a
participação de sua família. O que percebido como incentivo positivo por alguns
atletas, pode ser uma experiência negativa, desencorajadora e prejudicial para outros
(HELLSTEDT, 1995).

Quadro 20 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes


positivas de seus pais diante de seus fracassos ou erros.
Unidade de Sujeito Unidade de Contexto
Registro
Atitudes S1 “(E ela já ficou brava?) Nessas coisas não. Minha mãe
Positivas sempre fala que tem orgulho de mim porque eu faço
ginástica.”
S2 “(O que eles falam?) “Tudo bem. Um dia você
consegue. Normal.”
S5 “Sim (conta para ela sobre o que acontece nos
treinos). Quando eu acerto as coisas ela fica alegre.
Quando eu falo que errei as coisas, ela pergunta por
que eu errei. ...Ela fala que eu tenho que melhorar e da
próxima vez eu vou conseguir se eu melhorar.”
S6 “Falam para prestar mais atenção, esquecer o
nervosismo.”
S7 “Eles falam pra não perder a vontade na ginástica, pra
mim continuar treinando, assim.”
“A minha mãe falou: ‘Não desanima, que você tem que
continuar treinando, porque se você desanimar e
querer parar agora, não vai acontecer nada. Tem que
pensar no seu futuro, tem que continuar atrás dos seus
sonhos’.”
70

S10 “Às vezes eu conto pra ela (quando não treina bem),
né? Aí ela fala que tem que treinar mais.”
S11 “Ela fala que tá bom. Que se errar, continua a série.
Não precisa se preocupar não.”
S12 “Só (falo) com a minha mãe.”
“Da próxima vez, se você errar, tentar fazer de novo”...
pra eu não ligar pras broncas do técnico.”

Para tentar compreender um pouco melhor a relação entre as ginastas e seus


pais, esta subcategoria foi definida através do questionamento sobre as atitudes dos
pais, de acordo com a subjetividade de cada ginasta, principalmente na derrota ou no
erro de suas filhas. Para isso, estas situações foram abordadas ao longo da
entrevista. Dessa maneira, era esperado que as ginastas relatassem fatos e atitudes
de seus pais, que indicariam qual o posicionamento dos mesmos em determinadas
situações, tanto em treinamentos quanto em competições.
Especificamente sobre o medo, somente uma ginasta relatou que conversa
com a mãe, como abordado anteriormente no tema “Estratégias ingênuas”.
Em meio aos relatos, oito ginastas disseram que os pais tinham atitudes
positivas ao se depararem com a derrota ou erro delas. Dentre estas atitudes, a
maioria dos pais incentiva a continuidade da prática ou reforça a importância da
determinação diante o erro. Uma das ginastas declarou: “Minha mãe sempre fala que tem
orgulho de mim porque faço Ginástica”. Outra ginasta disse: “Eles (os pais) falam pra não perder a
vontade na Ginástica, pra mim continuar treinando, assim. (...) A minha mãe falou: “não desanima, que
você tem que continuar treinando, porque se você desanimar e querer parar agora, não vai acontecer
nada. Tem que pensar no seu futuro, tem que continuar atrás de seus sonhos”.
Os incentivos pessoais dados pelos pais às crianças são destacados por
SIMÕES, BÖHME e LUCATO (1999), ao estudarem a participação dos pais na vida
esportiva dos filhos, em esportes escolares. Os autores encontraram mais de 60% de
respostas nas quais “os pais incentivam/encorajam muito as crianças para o esporte”
(p.39). Com isso, os incentivos pessoais determinam as motivações que as crianças
precisam, servindo de principal força de influência aos filhos. SIMÕES et al. (1999)
concluem que o incentivo é uma atividade adulta essencial para as crianças
71

adquirirem auto-estima, controle e consciência de ter o pai como um agente


incentivador.
O papel dos pais no desenvolvimento de atletas jovens também foi foco de
estudo para VIANNA JUNIOR, MORAES, SALMELA e MOURTHÉ (2001), para pais
de atletas jovens da Ginástica Rítmica, e para MORAES, RABELO e SALMELA
(2004), para pais de atletas jovens do Futebol. No primeiro estudo, VIANNA JUNIOR
et al.(2001) encontraram resultados que demonstram que os atletas dessa
modalidade, participantes da pesquisa, receberam um apoio significativo de seus
pais, tais como acompanhar os filhos em competições locais e às vezes fora, estar
envolvidos nas atividades dos filhos, proporcionar orientação adicional para
treinamento dos filhos e modificar suas rotinas diárias para apoiar a participação dos
filhos no esporte. No estudo de MORAES et al.(2001), os pais tinham pouco
envolvimento nos treinamentos e competições dos atletas, além de não alterar as
rotinas familiares em função dos treinamentos dos filhos. Porém, este relativo apoio
dos pais não prejudicou o progresso dos filhos devido à paixão, intensidade e
freqüência da prática,além do apelo financeiro que o futebol profissional evoca no
Brasil. Os dados supracitados corroboram com uma pesquisa realizada por
WYLLEMAN et al. (1997), na qual constataram que o apoio emocional dos adultos,
especialmente dos pais, influencia na qualidade da participação dos jovens
estudados em suas respectivas modalidades.
Para COGAN e VIDMAR (2000), os pais devem compartilhar tanto os triunfos
e conquistas quanto auxiliar na superação dos erros e das frustrações. Para os
autores, em função do acompanhamento de competições e de conversas com outros
pais, técnicos ou ginastas, os pais podem se tornar altamente envolvidos no
ambiente esportivo de seus filhos, conhecendo determinadas terminologias e
conceitos de arbitragem tanto quanto os atletas. Pais e ginastas podem tornar mais
sólido seu relacionamento esportivo, ao compartilhar estes interesses e apoios. Os
autores ainda citam relatos de ginastas da seleção norte-americana de GA, que
corroboram com a caracterização das atitudes positivas acima citadas.
72

Quadro 21 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes


negativas de seus pais diante de seus fracassos ou erros.
Unidade de Sujeito Unidades de Contexto
Registro
Atitudes S2 “(E quando você não vai bem, como eles ficam?)
Negativas Chateados.”
S4 “A minha mãe tava tirando foto, aí eu só vi minha mãe
fazendo uma cara de triste. ...ela falou ‘por que você
não conseguiu passar o Gresht ?’, aí eu falei porque a
árbitra demorou muito, aí eu desconcentrei. Foi um
monte de coisa, mas eu não lembro. ... (Ela) Ficou
triste.”
S8 “Eles ficam meio tristes...(pelo erro)”
S9 “falam (quando não se empenha) que: “Por que você
tava fazendo aquilo?”. Blá blá blá.. (menosprezando o
discurso dos pais). Eles ficam bravos.”
S11 “Ela ficou brava porque eu errei e esqueci a série,
esqueci da série do solo. Aí ela falou assim: ‘Vê se não
esquece de novo’. Quando eu vou pra campeonato.”

Nesta unidade de registro, cinco ginastas foram claras ao manifestar o caráter


negativo das respostas dois pais. Dentre esses casos, três ginastas disseram que os
pais ficam tristes quando elas não conseguem um resultado satisfatório,
principalmente em competições. Ao errar um salto sobre as gavetas de plinto em
uma competição, uma ginasta observou a frustração da mãe. A partir disso, ela
declarou: “A minha mãe tava tirando foto, aí eu só vi minha mãe fazendo uma cara de triste. (...) ela
falou: ‘por que você não conseguiu passar o Gresht?’. Aí eu falei: “porque a árbitra demorou muito, aí
eu desconcentrei.” Foi um monte de coisa, mas eu não lembro. (...) Ela ficou triste”. Outra ginasta
reportou: “(Eles) falam (quando não se empenha) que: “Por que você tava fazendo aquilo?”. Blá, blá,
blá... (menosprezando o discurso dos pais). Eles ficam bravos.” Isso demonstra que alguns
pais realmente cobram resultados das filhas. Não se pode afirmar realmente quais as
73

expectativas dos pais, mas percebe-se que as crianças sentem as frustrações dos
pais, e não lidam muito bem com isto.
Nestes casos, pode-se observar que os pais estão adotando comportamentos
que valorizam o resultado esperado para suas filhas, e não o esforço delas para a
auto-superação. Para BECKER JUNIOR e TËLOKEN (2008), a criança deveria
sempre ser recebida com afeto, após as competições, independentemente dos
resultados alcançados. Esse ambiente a faria entender que é amada pela pessoa
que ela é, pelo seu esforço, e não pelo sucesso na competição.
A preocupação com o impacto negativo na relação dos pais com os
desempenhos esportivos dos filhos, é um ponto abordado por SMOLL (1986). Para
ele, esse fato se dá, em geral, por uma grande ausência de compreensão do que
significa ser bem sucedido em programas de esporte infantil. Os pais buscam o
melhor para seus filhos, mas podem errar por não conhecerem os significados do
contexto esportivo em que a criança deve estar inserida na infância. Para
HELLSTEDT (1995), esse problema pode ser maior quando a criança aumenta seu
comprometimento com o esporte, havendo maior dispêndio de energia, tanto por
parte dos pais quanto dos atletas. A partir desse momento, algumas famílias
encontram problemas em lidar com essas mudanças, podendo apresentar conflitos
entre os pais, as crianças e os técnicos.
O envolvimento de alguns pais na prática dos filhos é analisado por COGAN e
VIDMAR (2000) no contexto específico da GA. Nesta análise, os autores apresentam
exemplos de superenvolvimento e subenvolvimento dos pais, ambos apresentando
aspectos negativos desta influência. Ao descrever a postura de pais superenvolvidos,
são relatadas atitudes como gritar com árbitros ou adversários em competições,
discutir com o técnico o que deve ser ensinado à sua filha e como isto deve ocorrer,
além de sempre querer se sobressair diante outros pais. Por outro lado, os pais
subenvolvidos raramente estão presentes em eventos nos quais os filhos estão
participando. Nestes casos, o suporte dos pais é o maior anseio desses atletas, que
se sentem negligenciados ou ignorados.
74

Quadro 22 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes


de seus pais, ao conversarem sobre os treinos.
Unidade de Sujeito Unidade de Contexto
Registro
Conversam S3 “Eu conto (o que acontece nos treinos).”
Sobre os
S4 “Eu conto tudo.”
Treinos

Encerrando a subcategoria relativa às atitudes dos pais, foi abordada a


questão referente ao acesso das ginastas aos pais, ao serem questionadas sobre as
conversas referentes aos treinamentos. Duas ginastas relataram que conversam com
os pais sobre os treinos. Porém, não aprofundaram a exploração da questão.
Somente reforçaram que os pais as apóiam quando não obtêm um bom desempenho
no treinamento, e as parabenizam quando obtêm um bom rendimento.

4.3.3 Colegas
Ainda dentro da categoria “Percepções das ginastas sobre as atitudes de seus
técnicos, pais e colegas diante de seus medos”, outra subcategoria enquadra as
colegas de treinamento como figuras importantes no fenômeno do medo. Esta
subcategoria foi definida a partir da integração entre a ginasta que está sentindo
medo e suas colegas, desde a consciência coletiva de que algo está acontecendo
com a ginasta, até quais atitudes suas colegas apresentam.
Ao participar do processo de treinamento voltado ao rendimento, as ginastas
despendem de vinte a trinta horas de treino por semana. Dessa maneira, as
atividades sociais que as ginastas participam estão centradas no esporte e em suas
colegas. Portanto, as ginastas, provavelmente, deverão abdicar de outras atividades
recreativas para se dedicar aos treinos (COGAN & VIDMAR, 2000).
Com a expansão de seu ambiente social, a maturação cognitiva e a melhora
das habilidades sociais, as crianças e adolescentes irão direcionar mais tempo na
companhia de seus pares. Com isso, há uma crescente dependência da avaliação da
competência feita por seus companheiros (HORN & WEISS, 1991).
75

Quadro 23 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes


de suas colegas, ao manifestarem medo.
Unidade de
Sujeito Unidade de Contexto
Registro
“Elas falam pra mim não deixar o medo entrar dentro
Se ajudam S3 de mim.”
“(Elas falam) Pra eu respirar fundo.”
“A gente fala “força” pra todo mundo quando vai fazer
os aparelhos.”
“Ou às vezes a gente fala as três palavras. ...As minha
S4 são: eu posso, eu consigo e eu sou capaz. Aí minha
amiga (...) fala pra mim: ‘você pode, você consegue e
você é capaz’, quando eu vou fazer. Aí quando ela vai
fazer, eu falo as três palavras dela.”
“Quando eu estou com medo de fazer alguma coisa...
S5 (eu converso com elas)”
“Elas me dão força. Falam que eu vou conseguir.”
“(Elas falam para) Pensar na coisa certa, e não ficar
pensando que vou cair, vou cair, vou cair...”
“Eu falo pra elas quando estou com medo, e elas me
S7
falam o que tem que pensar antes de fazer. Não ficar
com medo, senão vou pensar que vou cair, vou cair,
vou cair, aí que eu vou cair mesmo.”
“Ah, elas falam pra mim tentar segurar os pés, chutar
mais forte, na paralela.”
S9 “Se elas percebem, elas dão uma força.”
“Falo (com elas). E elas também falam comigo. Que eu
tenho que melhorar.”

S11 “Só falo com a minha prima.”


“Ela (a prima) fala que eu tenho fazer. Assim, na ponte,
fala que eu tenho que segurar dois segundos antes de
descer, ela mostra. Aí, no mortal, ela fala como eu
76

tenho que chegar.”


“Só com a amiga. Ela também fala pra mim também
que tem medo.”
“...às vezes com a outra amiga.”
S12
“(Ela) Falou para eu nem ligar pro técnico. Que ele é
chato mesmo...que é para eu fingir que estou fazendo
no chão mesmo.”
“Ah, falo. Com a amiga, com todas as minhas amigas.”
S13 “(As amigas falam) Que tem que ter calma pra
conseguir, tem que ficar tentando.”

Mais da metade das ginastas participantes desta pesquisa, oito nesta unidade
de registro, se ajuda no controle de seus medos. Esse fato pode ser ocasionado pelo
vínculo que as ginastas criam no ambiente esportivo, por passarem tantas horas
juntas nas longas sessões de treinamento. Além do mais, compartilham experiências
e situações semelhantes no decorrer de suas carreiras como atletas. Uma ginasta
relatou: “Eu falo pra elas quando estou com medo e elas me falam o que tem que pensar antes de
fazer. Não ficar com medo, senão vou pensar que vou cair, vou cair, vou cair, aí que eu caio mesmo”.
Outra ginasta disse: “(A amiga) Falou que é pra eu não ligar pro técnico. Que ele é chato
mesmo... que é pra eu fingir que estou fazendo no chão mesmo”. Um outro exemplo de unidade
de conteúdo constatado foi o seguinte: “A gente fala “força” para todo mundo. (...) Ou às vezes
a gente fala as três palavras. (...) As minhas são: eu posso, eu consigo e eu sou capaz. Aí minha
amiga, fala pra mim: “você pode, você consegue e você é capaz”, quando eu vou fazer. Aí, quando ela
vai fazer, eu falo as três palavras dela”.
Através dos três relatos apontados anteriormente, podemos observar as
diferenças entre os grupos de treinamento. Nos primeiros dois exemplos, as
estratégias utilizadas pelas ginastas para auxiliar as amigas são reproduções de
estratégias ingênuas utilizadas no controle do próprio medo. No terceiro exemplo, a
ginasta utiliza uma estratégia ensinada pela psicóloga, baseada em um método
científico, sendo efetiva para ela. Nesta estratégia, cada ginasta seleciona três
palavras que julga motivadoras para sua ação. Com isso, a ginasta se sente mais
confiante na tentativa de controlar seus medos, influenciando na realização dos
77

exercícios. Além disso, essa estratégia parece criar um clima de união entre as
ginastas, uma vez que a ginasta deve saber as três palavras que influenciam em
suas ações, além de saber as palavras das amigas. Esse comprometimento com o
auxílio mútuo é extremamente benevolente para o grupo.

Quadro 24 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes


de suas colegas, ao manifestarem medo.
Unidade de
Sujeito Unidades de Contexto
Registro
Somente S2 “Elas falam que estão com medo daquilo, medo
conversam a daquilo, não sei o que lá.”
respeito S6 “É, falo (que estou com medo), de vez em quando.
Depende da situação.”
“Às vezes elas falam que choraram, que ficaram com
medo, que se machucou.”

A outra unidade de registro desenvolvida, denominada “Somente conversam a


respeito”, se deu em função única e exclusivamente do conhecimento do medo de
uma ou mais colegas. Nesta categoria foram encontradas duas ocorrências. Dessa
maneira, não há claramente algum tipo de auxílio no sentido de tentativa de controle
do medo das colegas. Um exemplo desta categoria pode ser observado no relato da
ginasta: “É, falo de vez em quando (que está com medo). Depende da situação. (...) Às vezes elas
falam que choraram, que ficaram com medo, que se machucou”. A outra ginasta relatou: “Elas
falam que estão com medo daquilo, medo daquilo, não sei o que lá”. Ao analisar as entrevistas
destas ginastas, não foi observado nenhuma atitude para o auxílio do controle do
medo, tanto em relação destas ginastas para as colegas, quanto o inverso.
78

Quadro 25 - Resultados referentes à percepção das ginastas sobre as atitudes


de suas colegas, ao manifestarem medo.
Unidade de
Sujeito Unidades de Contexto
Registro
Não fazem S1 “(...suas amigas têm medo também?) Não sei.”
nada “Não, eu não converso muito no treino, não tem tempo.
E eu sei que não pode.”
S8 “(Você conversou com ela (amiga) sobre seu medo?)
Não. (Com quem você falava sobre seu medo?) Com
ninguém. (...) (Cada um tem que pensar do seu jeito
para melhorar?) É.”

Encerrando esta subcategoria, foi observado que algumas ginastas não


compartilham seus medos com as colegas. Esta unidade de registro foi definida a
partir de atitudes particulares destas ginastas, ao não compartilharem sobre seus
medos com outras e nem auxiliando as colegas. Portanto, esta unidade se refere ao
fato de não fazerem nada a respeito dos medos, demonstrado por duas ginastas.
Em um dos casos, a ginasta relatou: “...eu não converso muito no treino, não
tem tempo. E sei que não pode”. A outra ginasta disse: “...elas têm que ficar
pensando no exercício, pra fazer direito”. A partir destas unidades, podemos
observar que questões como disciplina e concentração dentro do treino, são
respeitadas pelas ginastas. Além do mais, a questão de afinidade com as colegas
deve ser mencionada. Nem todas se sentem à vontade de explorar esse assunto,
tentando resolver a situação da sua própria maneira.
79

5. CONCLUSÕES
Os relatos das ginastas proporcionaram dados que vêm a contribuir para a
tentativa de entendimento do contexto esportivo no qual estas atletas estão inseridas.
As constatações obtidas permitiram identificar a percepção subjetiva das
manifestações do medo nas ginastas, conforme proposto no primeiro objetivo desta
pesquisa. Nestes casos, como a maior parte da literatura existente sobre o medo na
GA comprova, o medo da lesão ainda é o medo que mais assola a prática das
ginastas. Este fato pôde ser corroborado através dos relatos das ginastas em relação
aos incidentes ocorridos em situações de competição e de treinamento, seja com a
própria ginasta, seja com alguma colega. Entretanto, os dados obtidos referentes aos
outros medos mencionados, nos permitem fazer uma análise mais completa das
situações nas quais os medos podem se manifestar. O medo do erro e o medo do
técnico são exemplos claros de como as emoções estão estritamente relacionadas
entre si. O fato de a GA ser um esporte no qual a perfeição técnica e a beleza
estética são buscadas constantemente, tornam as ginastas preocupadas com a
avaliação a qual são submetidas, principalmente, em competições. Com isso, o medo
de não corresponderem as expectativas de outros, sejam pais ou técnicos, tornam as
ginastas inseguras ou diminuem sua autoconfiança.
Em relação às estratégias adotadas pelas ginastas, apresentadas como
segundo objetivo desta pesquisa, indicam que as mesmas demonstram ter sua
eficácia. A maioria dos casos apresentados demonstra que as ginastas conseguem
controlar seus medos. Como a manifestação do medo surge para diferentes
situações, às vezes elas conseguem controlar a manifestação de um tipo de medo,
quando, após um tempo, surge outro tipo de medo. Existem casos de ginastas que
não demonstram o medo para si, mas sim em relação a um acidente com uma
colega, imaginando que pode acontecer para si. Essas situações parecem ser bem
assimiladas pelas ginastas, talvez pela convivência diária com situações perigosas.
Entretanto, ao relatarem o medo de seus técnicos, essa situação não apresentou
controle por nenhuma delas. Talvez por não saberem, conscientemente, que
demonstram o medo com essa característica, ou por não saberem como agir nesses
casos. O fato é que as características das estratégias por elas apresentadas, são na
maioria das vezes, eficazes para a manifestação do medo através de um exercício
80

específico, de se machucar ou de errar. Por isso, a partir de suas experiências como


ginastas, ou do contato com amigas, ou ainda com as indicações de um psicólogo do
esporte, conseguem controlar esses medos. Mas ao se depararem com um tipo de
medo como, por exemplo, do técnico, não conseguem fazer nada a respeito. Talvez
elas não estejam preparadas para isso, ou nem tenham a maturidade suficiente para
uma relação mais complexa como esta.
Por fim, caracterizando o terceiro objetivo deste estudo, os relatos das
ginastas proporcionaram um melhor entendimento das percepções das mesmas a
respeito das atitudes de técnicos, pais e colegas de treinamento, diante dos medos
apresentados pelas ginastas.
A figura do técnico ainda parece ser a que mais influencia no desenvolvimento
do auto-conceito, talvez pelo tempo em que as ginastas estão em sua presença
(cerca de quatro horas diárias, de cinco a seis vezes por semana). As ginastas
demonstraram um enorme afeto pelos seus técnicos, pois em diversas situações,
mesmo aparentando uma imagem negativa em seus discursos, todas elas indicaram
que confiam em seus técnicos. Até no caso da ginasta que relatou agressão física
por parte de seu técnico, foi mencionado em um momento que ele era “legal”, além
de ser frisado diversas vezes que a mesma confia em seu técnico. Isto indica que o
técnico deve utilizar de toda sua influência, não só para desenvolver as capacidades
físicas e motoras de seus atletas, mas também seus aspectos psicológicos e sociais,
tornando-os aptos para sua plena inserção na sociedade.
Os pais também demonstram ter apresentado atitudes positivas perante seus
filhos. A maior parte dos pais participantes da pesquisa, não participa ativamente da
vida diária de suas filhas, em decorrência da jornada diária de trabalho.
Conseqüentemente, algumas crianças demonstram que sentem falta dessa
presença. Entretanto, quase todos os pais assistem as competições, e incentivam a
prática das filhas, não cobrando por seus erros e estimulando a busca de suas
realizações. Os pais que demonstraram uma abordagem negativa parecem querer
cobrar de suas filhas resultados, justificando a cobrança pelas diversas horas diárias
despendidas em sua prática.
As colegas apresentaram um papel importante na maneira como as ginastas
conseguem lidar com seus medos, pois não há cobranças por parte das colegas,
81

além de muitas já terem vivenciado uma situação pela qual a ginasta está passando.
Dessa maneira, as ginastas se sentem à vontade em abordar este tema em
conversas com as colegas, dando mais segurança para que estas situações sejam
abordadas positivamente.
82

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Encontramos em todas as modalidades esportivas competitivas, situações que
colocam os atletas à prova. Entretanto, em poucas modalidades a prática começa tão
cedo quanto na GA. Com isso, em determinados casos e categorias competitivas, as
ginastas ainda não se encontram prontas para tal carga emocional. Essa
precocidade de início da prática da GA a torna famosa e até criticada. Dentre as
ginastas que participaram da pesquisa, a que pratica há menos tempo já está há dois
anos e meio na modalidade (tem nove anos atualmente), enquanto a ginasta que
pratica há mais tempo está há sete anos na GA (possui 10 anos atualmente). São
exemplos reais do início da prática da modalidade no Brasil, pois BOMPA (2002)
indica que o início da prática da GA ocorre entre seis e oito anos de idade.
As pessoas que fazem parte desse contexto, principalmente técnicos e pais,
que participam diretamente, devem tentar compreender a rotina das ginastas e criar
alternativas para a prática construtiva da modalidade. Estes adultos, conforme
GALLAHUE e OZMUN (2005) indicam, devem fornecer oportunidades de
encorajamento e de reforço positivo para as crianças, a fim de desenvolver
continuamente seus auto-conceitos positivos.
A cumplicidade reportada pelas ginastas, em relação aos seus medos, foi um
caso à parte. Nenhuma ocorrência negativa foi apresentada. Mesmo algumas
ginastas relatando que presenciavam atitudes invejosas de outras colegas de
treinamento, sempre havia uma colega para apoiar nos momentos difíceis. Talvez
por elas compartilharem situações semelhantes, por fazerem parte do mesmo
ambiente esportivo, com características semelhantes a todas, a compreensão dos
pares se torna mais sensível. Assim, a intervenção e a colaboração entre as atletas,
é uma ferramenta essencial para a compreensão e o controle das situações
manifestadoras de seus medos.
Como este estudo procurou obter informações a partir de entrevistas com
ginastas, os pontos de vista das atitudes de técnicos, pais e colegas relatados se dão
pelas perspectivas das mesmas. Uma indicação para futuros estudos, reside na
possibilidade de serem realizadas entrevistas com técnicos e pais também,
completando o modelo proposto por BYRNE (1993). A partir daí, informações mais
claras e completas podem ser obtidas, dando outra perspectiva ao contexto.
83

A utilização de questionários e entrevistas que remetem a emoções


experimentadas previamente, tentando recordar das mesmas, é um fato pertinente
de ser mencionado (EKMAN, 1999). Talvez um estudo no qual se utilizassem mais
entrevistas, de repente realizadas semanalmente, durante determinado período,
obtivesse relatos mais fiéis da amplitude das emoções vivenciadas.
Este trabalho não tem o intuito servir como generalização para o contexto
esportivo da modalidade, nem para servir de comparação entre outros ambientes
competitivos da GA. Os resultados obtidos, assim como sua análise e discussão, são
específicos para os ambientes estudados, com características particulares de
ginastas da faixa etária participante da pesquisa. Assim, a finalidade da presente
pesquisa vem a ser acrescentar informações deste contexto específico, em
consideração à manifestação do medo e suas implicações para ginastas, técnicos e
pais. Seria de grande contentamento se este estudo pudesse servir de aplicação ao
ambiente da GA, principalmente pelos técnicos, pelo meio de reflexões acerca do
ambiente esportivo e de seus papéis diante a educação, no sentido mais amplo da
palavra, das crianças.
84

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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94

8. ANEXOS
ANEXO 1
Roteiro das Entrevistas

1) Há quanto tempo você pratica GA? O que te levou a iniciar a prática?

2) Me conte como é o seu treino (um dia normal de treinamento)


- Quem leva? Alguém da família assiste?
- Como seu técnico age no treino?
- Como suas amigas agem no treino? Vocês se comparam?

3) Me conte como é seu dia na competição.


- O que acontece? (Como se sente, etc...)
- Seus pais te acompanham?
- Como seu técnico age?
- Como suas amigas agem? Vocês se comparam?
- Como você se sente com a vitória? E com a derrota?

3) O que acontece quando você se machuca?


95

ANEXO 2
ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE
DA

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

I - DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO DA PESQUISA OU RESPONSÁVEL


LEGAL

1. NOME DO INDIVÍDUO:
DOCUMENTO DE IDENTIDADE Nº: SEXO: M F
DATA NASCIMENTO: .
ENDEREÇO: Nº APTO
BAIRRO: CIDADE:
CEP: TELEFONE: DDD ( ) .

2. RESPONSÁVEL LEGAL:
...........................................................................................................................
NATUREZA (grau de parentesco, tutor, curador, etc.)
.................................................................................
DOCUMENTO DE IDENTIDADE Nº: ............................................SEXO: M F
DATA NASCIMENTO: ......../......../.........
ENDEREÇO:..............................................................................Nº...........APTO..............
BAIRRO:....................................................................CIDADE:..................................... .
CEP:.............................................TELEFONE:DDD(............)..........................................
______________________________________________________________________
__________________________
II - DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA

1. TÍTULO DO PROJETO DE PESQUISA: “O Medo na Ginástica Artística feminina:


estudo com atletas da categoria pré-infantil.”
2. PESQUISADOR RESPONSÁVEL : Profa Dra Myrian Nunomura
3. CARGO/FUNÇÃO : Professora da Escola de Educação Física da Escola de
Educação Física e Esporte da USP
4. AVALIAÇÃO DO RISCO DA PESQUISA:
RISCO MÍNIMO X RISCO MÉDIO
RISCO BAIXO RISCO MAIOR
(probabilidade de que o indivíduo sofra algum dano como consequência imediata ou
tardia do estudo)
96

5. DURAÇÃO DA PESQUISA: 3 meses

III - EXPLICAÇÕES DO PESQUISADOR AO INDIVÍDUO OU SEU REPRESENTANTE


LEGAL SOBRE A PESQUISA, DE FORMA CLARA E SIMPLES, CONSIGNANDO:
(preencher com as orientações abaixo, em linguagem coloquial)

1. justificativa e os objetivos da pesquisa:


- Esta pesquisa tem por objetivos identificar as situações causadoras do medo para
os ginastas e quais estratégias utilizam para auxiliar o controle dessas situações.

2. procedimentos que serão utilizados e propósitos, incluindo a identificação dos


procedimentos que são experimentais:
- Serão realizadas entrevistas, sendo o conteúdo de uso exclusivamente científico, no
qual a identidade dos participantes será sigilosa.

3. desconfortos e riscos esperados:


- A participação na pesquisa será espontânea, podendo ser abdicada a qualquer
momento. As perguntas só serão respondidas de acordo com a vontade do participante.

4. benefícios que poderão ser obtidos:


- O estudo procura obter dados que auxiliem em um entendimento mais profundo do
medo na Ginástica Artística, sendo transmitido aos técnicos e, posteriormente,
auxiliando na formação dos ginastas.

5. procedimentos alternativos que possam ser vantajosos para o indivíduo:


- As entrevistas poderão ser interrompidas a qualquer momento, podendo ser
retomadas posteriormente, assim que as crianças se sentirem mais à vontade nas
respostas às questões.

______________________________________________________________________
__________________________
IV - ESCLARECIMENTOS DADOS PELO PESQUISADOR SOBRE GARANTIAS DO
SUJEITO DA PESQUISA: (preencher com as orientações abaixo, em linguagem
coloquial)
1. acesso, a qualquer tempo, às informações sobre procedimentos, riscos e benefícios
relacionados à pesquisa, inclusive para dirimir eventuais dúvidas:
- O método de coleta não envolve risco de qualquer natureza ao participante. Será
apresentado, ao final da pesquisa o resultado obtido, através do envio de uma cópia da
pesquisa à Instituição participante, para que tanto os técnicos quanto os ginastas
tenham acesso às informações.

2. liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e de deixar de participar


do estudo, sem que isto traga prejuízo à continuidade da assistência:
97

- A participação poderá ser abdicada a qualquer momento. Os participantes podem ter


acesso às questões e respostas.

3. salvaguarda da confidencialidade, sigilo e privacidade:


- O conteúdo da pesquisa é de uso exclusivamente científico, no qual a identidade dos
participantes é sigilosa.

4. disponibilidade de assistência no HU ou HCFMUSP, por eventuais danos à saúde,


decorrentes da pesquisa:
- Para a segurança do participante, o Hospital Universitário e o Hospital das Clínicas
estão à disponibilidade de assistência, por eventuais danos à saúde decorrentes desta
pesquisa.

V - INFORMAÇÕES DE NOMES, ENDEREÇOS E TELEFONES DOS


RESPONSÁVEIS PELO ACOMPANHAMENTO DA PESQUISA, PARA CONTATO EM
CASO DE INTERCORRÊNCIAS CLÍNICAS E REAÇÕES ADVERSAS.

- Myrian Nunomura: Rua Fernando Augusto Santa Cruz, 71, casa 06, Villas II. Fone:
3714-4707

- Luiz Henrique Duarte: Rua Dr. Neto de Araújo, 187, apto. 143. Fone: 7336-8433.

VI - CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO
Declaro que, após convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o
que me foi explicado, consinto em participar do presente Projeto de Pesquisa.

São Paulo, de de 20 .

________________________________ __________________________________
assinatura do sujeito da pesquisa assinatura do pesquisador
ou responsável legal
(carimbo ou nome legível)

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