Versa o de Sentido Na Supervisa o Cli Ni
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Resumo
Obje va-se discu r a supervisão de psicoterapia a par r da abordagem centrada na pessoa (ACP). Assim,
apresenta-se o posicionamento de Rogers a esse respeito, bem como a visão de autores contemporâneos.
Admite-se uma tensão entre a genuinidade presente na psicoterapia e os parâmetros técnicos que guiam
esse po de relação. Diferentemente de Rogers, entende-se que essa tensão não deve ser superada,
mas escutada, a fim de que o psicoterapeuta esteja aberto à diferença do cliente e à própria. A a tude
primordial para isso é a presença e a supervisão deve atuar no sen do de acessar a disponibilidade do
psicoterapeuta para estar presente. Por fim, indica-se a versão de sen do como um instrumento eficiente
para fins de supervisão.
Pala as- ha e: alteridade; formação do psicólogo; versão de sen do; supervisão psicoterapêu ca;
terapia centrada no cliente
1
Endereço de contato: Universidade Federal do Pará. Rua Augusto Correia, 1, Guamá, CEP: 66073-040, Belém,
PA. E-mail: [email protected]
conhecimento sobre a dinâmica da personalidade. Por sua vez, cabe ao cliente se abrir para
as diferenças do mundo e de si mesmo, tentado compreendê-las antes de julgá-las.
Com efeito, as nuances forma vas do psicoterapeuta foram alvo de pesquisas e reflexões
de Rogers, e, ainda, cons tuem um campo aberto de discussões nos mais diversos afluentes
humanistas nacionais (Moreira, 2001; Boris, 2008; Soares, 2009; Sá, Azevedo & Leite, 2010;
Freitas, Araújo, Franca, Pereira & Mar ns, 2012; Ximenes, Barreto & Morato, 2015; Carvalho
et al., 2015; Correia & Moreira, 2016). Diante desse cenário, obje vamos tecer uma reflexão
sobre o significado de trabalhar com supervisão clínica na ACP e seus desdobramentos, a
par r de nossa prá ca como supervisores de estágio, em diálogo com a fundamentação teó-
rica dessa abordagem. Para isso, inicialmente, ponderamos as caracterís cas relacionadas à
formação de psicoterapeutas que Rogers elaborou em um momento inicial de construção de
sua abordagem, aprofundando os aspectos tensionais implicados no modelo de supervisão
clínica desenvolvido por ele. Em seguida, discu mos a presença como a tude fundamental
para a abertura ao outro (alteridade), que se apresenta na relação terapêu ca. Apontamos,
por fim, a versão de sen do como um recurso ú l a formação e supervisão de psicoterapeu-
tas interessados em adentrar a dimensão da alteridade.
Com base nos estudos de Daniel Bergman, Rogers indica alguns pos de respostas do
psicoterapeuta, a saber: avalia vas, estruturantes da relação, esclarecedoras, reflexa ao con-
teúdo e reflexa ao objeto da experiência do cliente. O mesmo estudo também indica os pos
de respostas do cliente ao psicoterapeuta, como as reitera vas, não rea vas, de envolvi-
mento emocional e percep vas de algum aspecto da experiência. Com base nisso, Rogers
apontou que os pos de respostas devem favorecer o contato e a tomada de consciência
da experiência do cliente e do que acontece na relação. Assim, a psicoterapia desenvolvida
por Rogers e seus colaboradores se cons tui como uma abordagem compreensiva da expe-
riência alheia, afastando-se das vertentes interpreta vas presentes em outras abordagens
(Rogers & Kinget, 1977a).
Em um desenvolvimento posterior dos aspectos comunicacionais presentes na relação
clínica centrada no cliente, Rogers e Kinget (1977b) levaram a cabo e aplicaram um conjunto
de prá cas das a tudes necessárias à formação psicoterapêu ca. Através de exercícios que
apresentam trechos transcritos da fala do cliente, relacionados a algum problema, cabe ao
psicólogo em formação escolher o po de resposta que, por fim, denota sua preferência
pessoal ao reagir à experiência do outro. Categorizando os pos de resposta como es ma -
va, interpreta va, tranquilizadora, exploradora ou compreensiva, percebe-se uma tenta va
de ensino da a tude não dire va que, obviamente, apresenta um repertório de respostas
compreensivas maior do que as outras.
Nesse contexto de detalhamento do que estrutura a relação clínica, percebe-se o inte-
resse de Rogers em explicar os elementos comunicacionais que podem servir de amparo
forma vo ao psicoterapeuta centrado no cliente. Por um lado, tal ímpeto forma vo foi ú l
à desmi ficação da psicoterapia como uma relação sem critério, baseada no faro do psicó-
logo, demonstrando que há um processo definido naquilo que torna possível a mudança de
microscópica sobre cada detalhe da interação entre psicoterapeuta e cliente. Sobre a ideia
de “relacionamento”, nota-se que Rogers também se referia a esta como algo envolto de
afe vidade, compreensão, segurança e liberdade de expressão. Esses elementos tornam psi-
coterapeuta e cliente um conjunto.
Assim, de acordo com Wood (2008, p. 227), somente é possível “obter maior clareza
focalizando o fenômeno do relacionamento psicoterapêu co eficaz a par r da mesma di-
mensão de consciência em que seus par cipantes funcionam. . .”. Ou seja, a supervisão
nessa perspec va, sendo um relacionamento que se estabelece como um exercício de com-
preensão de outro relacionamento (psicoterapêu co), somente pode ser considerada eficaz
se consegue se aproximar qualita vamente das impressões su s e significa vas, da ordem
da sensibilidade, surgidas nesse contexto do relacionamento que vincula psicoterapeuta e
cliente. E tal aproximação, por questões óbvias, sempre será caracterizada por sua limitação
própria, uma vez que o vivido presenciado na relação psicoterapêu ca já perdeu seu caráter
de presente imediato e não envolve diretamente a pessoalidade do supervisor.
Há, pois, uma tensão entre olhar para a relação de um ponto de vista externo e par ci-
par dela. Essa tensão é abordada por Rogers no ar go in tulado Pessoa ou i ia? U a
uestão filosófi a (Rogers, 2008a) e evidencia a di cil missão de integrar dois modos de
ver a relação terapêu ca, que se mostram antagônicos. Há, por um lado, a visão de Rogers
como cien sta, que adota o modelo de conhecimento das ciências naturais. Nesse viés, os
resultados do processo terapêu co podem ser previstos e controlados, na medida em que
se estabeleceu uma relação de causalidade entre as a tudes facilitadoras e o processo de
mudança de personalidade, havendo, portanto, algo possível de ser equacionado (Rogers,
2009). Por outra via, existe a perspec va do psicoterapeuta que se coloca como pessoa im-
plicada na relação com o cliente, ocorrendo uma valorização da experiência e a admissão
dão daquilo que fez, mas o supervisor também se fixa na outra ponta, ao ignorar a dimensão
instrumental da a vidade terapêu ca. Cabe, nessa dinâmica, o trânsito entre os extremos
desse relógio por conta da consideração das diferentes demandas. Nesse caso, sugere-se o
convite ao diálogo como mediador entre a experiência imediata desejada pelo supervisor e a
necessidade de correção por parte do supervisionando, sem qualquer pretensão à superação
desse dilema através da adequação absoluta a um dos pontos de referência envolvidos.
Considerando-se essa dualidade, é interessante notar que Rogers se situava no meio de
uma forte tensão entre a ideia de um treinamento estruturado como forma de aprendizado
e a concepção de que há maneiras de aprender que são experienciais e não demandam
qualquer po de instrução. Isso significa que, no entendimento rogeriano, embora estudan-
tes possam passar por treinamento, não é somente a instrução sobre como proceder que os
tornará psicoterapeutas. Diante desta tensão, o que se sobressai é a valorização da aprendi-
zagem significa va, ou seja, aquela que ressoa na experiência do psicoterapeuta, em diálogo
com as premissas tão bem desenvolvidas por Rogers (2008b), a respeito das condições que
promovem a mudança terapêu ca da personalidade.
Desta forma, podemos observar, inclusive no contexto da supervisão, que o maior mérito
de Rogers não foi ter legado, através da ACP, um modelo, um método psicoterápico, apenas.
Assim, a teleologia e os valores da ACP não culminam em uma formação/eficácia técnica,
mas apontam para uma sensibilidade é ca das relações humanas nos mais diversos âmbitos
(Amatuzzi, 2010).
Sem tentar resolver ou fugir do dilema entre o “cien sta” e o “experiencialista”, há a
possibilidade de se resgatar o espírito da tenta va de solução dada por Rogers sem cair em
seu reducionismo obje vo, ou seja, adequar o fazer do cien sta a par r do olhar do expe-
riencialista. Ao considerar a legi midade das diferentes necessidades envolvidas em uma
estranhamento implicados nesse trabalho. Nesse mesmo sen do, Tudor e Merry (2006, p.
134, tradução nossa) entendem que a “supervisão se concentra nos processos e dimensões
relacionais da terapia, incluindo a tudes e comportamentos do supervisionando como psi-
coterapeuta [. . .] e, em paralelo, da supervisão em si”.
Todos os autores mencionados, incluindo Rogers, entendem a supervisão como uma re-
lação que oferece um ambiente similar ao da psicoterapia. Caberia ao supervisor tomar o
supervisionando como capaz de atuar por si mesmo, sem necessitar da tutela de uma autori-
dade e que, necessariamente, deve aprender a se abrir às experiências do outro e de si mes-
mo. Assim, Lambers (2007) afirma que a função da supervisão não é monitorar o trabalho do
terapeuta, mas facilitar a descoberta da sua forma de ser terapeuta. Vieira (2012) entende
que cabe ao supervisor criar condições para que o terapeuta iniciante iden fique aquilo que
lhe é significa vo no processo de tornar-se terapeuta e na relação com o outro.
Considerando a supervisão como uma relação que possui como parâmetro o que acon-
tece na psicoterapia, o seu obje vo não é o acúmulo de conhecimentos teóricos como ins-
trumentos que podem ser manipulados, a par r de treinamentos. Esse caráter meramente
funcional distancia-se da proposta de aprendizagem significa va que sustenta a psicoterapia
em ACP, ou seja, o po de aprendizagem “que provoca uma modificação, quer seja no com-
portamento do indivíduo, na orientação da ação futura que escolhe ou nas suas a tudes e na
sua personalidade . . .” (Rogers, 2009, p. 322). Para isso, não há modelos estabelecidos que
sirvam de referência para validação da prá ca psicoterápica. O próprio Rogers não legi ma
essa apropriação de sua teoria, entendendo o seu valor a par r de sua construção. A disse-
minação se daria quando o autor entende que a teoria se torna um modelo a ser seguido.
A supervisão clínica em ACP, por analogia à proposta psicoterápica, sustenta-se no pro-
cesso de facilitação realizado pelo supervisor, para que o psicoterapeuta se sinta mobilizado
pelas dificuldades derivadas das experiências de atendimento. Estas não seriam vistas como
Antes de con nuarmos com a discussão sobre a supervisão propriamente dita, cumpre-
-nos debater a ideia de presença na relação terapêu ca. Esse debate é importante, porque,
conforme dito anteriormente, entendemos que é exatamente sobre tal presença que incide
o processo de supervisão. Isso não quer dizer que ignoremos a dimensão técnica, mas que
a qualidade da presença do psicoterapeuta é elemento crucial para o bom andamento de
uma relação que se pretende terapêu ca, inclusive no que diz respeito aos procedimentos
específicos que se pretendem adotar ao longo do processo. A esse respeito, Rogers relata:
“Estou muito presente para meu cliente. Não tenho total certeza do que quero dizer com
isso, mas a coisa principal que está ocorrendo comigo é minha preocupação, e atenção, e
escuta ao cliente. Estou muito presente; nada mais importa” (Rogers & Russell, 2002, p. 279,
tradução nossa). A fala de Rogers nos remete a uma abertura permeada pela inteireza da
disponibilidade para se encontrar com o outro, tomá-lo como mistério e pautar a relação por
essa recep vidade, o que, ressalte-se, não significa passividade. O psicoterapeuta responde
a par r dessa abertura, de tal maneira que “tenho um conhecimento de quem sou, então
posso me permi r entrar no mundo dessa outra pessoa – ainda que seja um mundo assus-
tador, louco, bizarro – porque sei que posso voltar para o meu mundo e ser eu mesmo...”
(Rogers & Russell, 2002, p. 281, tradução nossa).
Somente, nestes termos, entendemos o desafio e a dificuldade que significa considerar
e compreender o outro. Trata-se de legi mar a alteridade presente na relação, uma vez que
são tais diferenças expressadas que possibilitam o estabelecimento potente do encontro,
pois “essas diferenças que separam os indivíduos, o direito que cada pessoa tem de u lizar
sua experiência da maneira que lhe é própria e de descobrir o seu próprio significado nela,
tudo isso representa as potencialidades mais preciosas da vida...” (Rogers, 2009, p. 24).
Estar presente, portanto, implica em estar disponível a se relacionar com a diferença do
outro e a travar contato com a sua própria diferença, em lidar com o que há de inusitado e
imprevisível numa relação que, mesmo pautada por parâmetros comuns, é extremamente
singular. Afinal, como nos adverte Wood (2008, p. 211), psicoterapeuta e cliente não criam o
Além de definir a VS como produção, Amatuzzi (2001) conceitua essa ferramenta como
produto. De acordo com o autor: “como produto, a versão de sen do será um texto expressi-
vo da experiência imediata, escrito ou gravado por inicia va da própria pessoa, ou solicitado
por um interlocutor...” (p. 84). Fundamentalmente, a ideia de que se trata de um texto ex-
pressivo nos interessa mais de perto, pois significa que há uma pergunta sobre o que de fato
é significa vo daquele encontro para quem é solicitado a escrever uma VS.
Por ser “uma forma de contato vivo com o sen do de um encontro...” (Amatuzzi, 2001, p.
79), entendemos que a VS pode ser muito ú l no trabalho de supervisão em grupo. De fato,
esta aponta para aquilo que, do ponto de vista afe vo, se destaca para o psicoterapeuta, no
encontro com o cliente, e indica caminhos para que o supervisor, também a par r de uma
postura de abertura, presença e encontro, explore, junto com o psicoterapeuta, as rotas per-
corridas no processo terapêu co. Assim, Amatuzzi (2001) define a VS como um método que
“consiste essencialmente em versar e conversar sobre o sen do até que se chegue a uma
presen ficação dele suficiente em relação ao que é esperado daquela a vidade...” (p. 85).
A VS funciona inclusive como um exercício pelo qual o psicoterapeuta aprende a se abrir
para sua própria diferença – por vezes, inaceitável, num primeiro momento. Não é raro, em
nossa experiência, por exemplo, que a leitura de uma VS nos aponte para uma dificuldade
que o psicoterapeuta experimenta de entrar em contato com experiências suas e do cliente,
na relação que desenvolvem. Geralmente, VSs, assim, são um relato frio, em que a preocu-
pação com a descrição da sucessão temporal se sobressai em relação ao acesso àquilo que
de fato tocou o psicoterapeuta, e, portanto, indicam dificuldade de ele se fazer presente e
encarar o que emerge no decorrer da relação.
Como supervisores, mais do que corrigir, cabe-nos, nesses momentos, também tomar o
pressuposto da presença no estabelecimento da relação significa va com o supervisionando
supervisor deixem de ter dúvidas quanto aos procedimentos a serem adotados. Aliás, é inte-
ressante que haja sempre uma ponta de abertura quanto ao que fazer, sob pena de que as
atuações de psicoterapeuta e supervisor ocupem um lugar cristalizado e pouco conectado
ao presente. Por parte do psicoterapeuta, isso se refle ria na repe ção estereo pada de
respostas mecânicas, atreladas a um modo de proceder descolado de seu encontro com o
cliente, o que, em úl ma instância, significa que tanto faz a pessoa diante dele ou o momen-
to da relação, na medida em que sua resposta será basicamente a mesma. Do ponto de vista
do supervisor, fugir da incerteza e do inusitado no processo de supervisão significaria ocupar
um lugar de guru e tutelar a ação do psicoterapeuta a um modelo de atuação que deve ne-
cessariamente passar por seu crivo de avaliação.
Assumir que não se prepara o psicoterapeuta para estar com o cliente significa dizer que
há uma exigência para que ele assuma um posicionamento diante do outro e verifique se
a disponibilidade a que nos referimos acima, de fato, corresponde ao que lhe é possível.
Significa que ele, do ponto de vista de sua atuação, parte de um pressuposto de respons-
-abilidade, ou seja, da habilidade de ser uma resposta para o outro, mas uma resposta que
o provoca a se implicar e responder a suas questões. A VS facilita a expressão desse posi-
cionamento e, destarte, indica ao psicoterapeuta em treinamento e ao supervisor, o lugar
que aquele ocupa e as a tudes que assume perante a experiência da relação entre ele e o
cliente.
Considerações finais
Referências
‘e e ido: / /
Úl a e isão: / /
A eite fi al: / /
Sobre os autores:
Emanuel Meireles Vieira: Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Docente
da Faculdade de Psicologia do Ins tuto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do
Pará. E-mail: [email protected]
Edson do Nascimento Bezerra: Psicoterapeuta. Especialista em Psicopedagogia pela Faculdade Ipiranga.
Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal do Maranhão E-mail: [email protected]