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Rev. Inst. Flor. v. 32 n. 1 p. 103-110 jun.

2020
http://dx.doi.org/10.24278/2178-5031.202032107
ISSN impresso 0103-2674/on-line 2178-5031

REGISTROS DE JAVALIS EUROPEUS (Sus scrofa LINNAEUS, 1758) NO ENTORNO DO PARQUE


ESTADUAL DE VASSUNUNGA, ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL
(NOTA CIENTÍFICA)1

RECORDS OF WILD BOARS (Sus scrofa Linnaeus, 1758) IN SURROUNDINGS OF VASSUNUNGA


STATE PARK, STATE OF SÃO PAULO, BRAZIL
(SCIENTIFIC NOTE)

Vera SABATINI2,4; Ernesto Pedro DICKFELDT3; Sonia Aparecida de SOUZA-EVANGELISTA3;


Paulo Roberto de OLIVEIRA3

RESUMO - O javali europeu (Sus scrofa) está entre as 100 piores espécies exóticas
invasoras do mundo, tendo facilidade de adaptação a novos hábitats, provocando impactos
negativos ao meio ambiente e danificando culturas agrícolas. As ocorrências em vida livre,
juntamente com os variados graus de cruzamento com o porco doméstico, vêm crescendo
na zona rural do Brasil, sendo constatadas dentro de algumas Unidades de Conservação. O
objetivo deste trabalho é relatar as primeiras observações da presença de javalis no entorno
dos seis fragmentos que formam o Parque Estadual de Vassununga, unidade de conservação
de proteção integral. Em 2016, os aceiros foram percorridos totalizando 120 km. Todas as
constatações da presença de javalis nos aceiros foram de forma indireta. Pegadas de animais
adultos solitários ou de grupos contendo filhotes foram encontradas em 13 locais no entorno
de três fragmentos. Entretanto, a primeira constatação de javali no Parque foi em 2014 quando
um macho adulto foi atropelado na rodovia Anhanguera entre dois fragmentos. De acordo
com alguns proprietários de fazendas vizinhas ao Parque, os javalis costumam destruir suas
culturas de mandioca, milho e frutas. Para que medidas de controle efetivo dessa espécie
possam ser viabilizadas dentro do Parque de Vassununga, é necessário, em caráter urgente,
um levantamento sistemático da distribuição espacial da população de javalis nos fragmentos
de mata inseridos na zona de amortecimento desta Unidade de Conservação.

Palavras-chave: Espécie invasora; Unidade de Conservação; Pegada de Javali.

ABSTRACT - The wild boar (Sus scrofa) is among the 100 world’s worst invasive alien
species, due to its facilities in adaptation to new environments, resulting into negative impacts
on natural environments and on crop fields. The free ranging wild boar along with its varied
degrees of crossing with domestic pigs have been increasing in Brazil’s countryside, even
inside some natural reserves. The aim of this note is to report the first observations of wild
boars in the vicinities of six fragments, which forms a full protection conservation reserve,
the Vassununga State Park, in São Paulo state, Brazil. The firebreaks around six fragments
were covered for 120 km in 2016. All detections of wild boars presence on firebreaks were
indirectly. Footprints and trails of solitary adult animals or small groups of adults with piglets
were on 13 places around three fragments. However, the first evidence of a wild boar in
the Park was in 2014, when an adult male was ran over in Anhanguera highway between
two fragments. According to neighboring farmers, wild boars used to damage the crop
fields of cassava, maize and fruits planted near the Park. A systematic survey on the spatial
distributions of wild boars population is urgently necessary in all forest fragments inside the
buffer zone of this Conservation Reserve, in order to take effective control measures of this
species inside the Vassununga Park.

Keywords: Invasive Species; Conservation Unit; Wild Boar’s Footprint.


______
1
Recebido para análise em 01.02.2019. Aceito para publicação em 08.03.2020.
2
Fundação Florestal/Parque Estadual de Vassununga, SP, Brasil.
3
Instituto Florestal/Fundação Florestal - Parque Estadual Porto Ferreira, SP, Brasil.
4
Autor para correspondência: Vera Sabatini – [email protected]
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SABATINI, V. et al. Registros de javalis europeus no entorno do Parque Estadual de Vassununga

1 INTRODUÇÃO de criadouros clandestinos de javalis europeus em


vários estados brasileiros é reconhecida atualmente
As espécies exóticas consideradas invasoras (Deberdt e Scherer, 2007; MMA/MAPA, 2017),
são aquelas que conseguem se estabelecer amplamente embora tenham sido decretadas pelo IBAMA/MMA
em um novo ambiente, produzindo descendentes medidas para proibir sua importação (Brasil, 1998a)
férteis, dando origem às “espécies-não-nativas”, que e a abertura de novos criadouros (Brasil, 1998b).
se propagam por novas áreas tornando o seu controle O escape de animais dos criadouros aliado
e a erradicação praticamente impossíveis (Williamson aos aspectos biológicos da espécie, como a alta taxa de
e Fitter, 1996; Kolar e Lodge, 2001). Geralmente, as capacidade reprodutiva e a plasticidade de adaptação
“espécies-não-nativas” ou “espécies-exóticas-invasoras” aos novos ambientes, colaboraram com o rápido
(Convenção da Diversidade Biológica - CDB, 1992) são crescimento da formação de populações em vida
uma grande ameaça à biodiversidade local, colocando livre. Para tanto, foram instituídas ações na tentativa
em risco a função do ecossistema invadido (Simberloff e de controle populacional por meio da caça legalizada
Stiling, 1996; Wilcove et al., 1998; Programa Global de em todo o território nacional (Brasil, 2013) e no estado
Espécies Invasoras - GISP, 2005). de São Paulo, posteriormente, através da captura e
O javali europeu (Sus scrofa) é considerado erradicação em unidades de conservação (São Paulo,
uma das 100 piores espécies exóticas invasoras no 2018). Entretanto, tais manejos, até o momento, não têm
planeta (Global Invasive Species Database - GISD, se mostrado eficazes, pois, as ocorrências de javalis em
2016), pois, além da facilidade de adaptação a novos vida livre e de seus variados graus de cruzamento com
ambientes, os animais acarretam impactos negativos o porco doméstico vêm crescendo em vários estados do
ao meio ambiente e prejuízos para a produção país (Deberdt e Scherer, 2007; MMA/MAPA, 2017).
agrícola (Ministério do Meio Ambiente/ Ministério Atualmente, o maior número de registros ocorre no
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MMA/ Estado de São Paulo, incluindo algumas unidades de
MAPA, 2017). Mesmo em regiões onde a espécie conservação (Hegel e Marini, 2013; Trovati e Munerato,
é originária no continente europeu, as populações 2013; Pedrosa et al., 2015; MMA/MAPA, 2017). O
provocam alterações no ecossistema e causam sérios objetivo deste trabalho é relatar as primeiras constatações
danos econômicos na produção agrícola (Massei da presença de javalis em vida livre no entorno de mais
e Genov, 2004; Pankova, 2013; Hearn et al, 2014; uma Unidade de Conservação no interior do Estado,
Morelle e Lejeune, 2015). Outro problema desta dando início a um levantamento preliminar.
espécie invasora, é que os indivíduos em vida livre são
reservatórios de doenças que podem ser transmitidas 2 MATERIAL E MÉTODOS
aos animais domésticos bem como às pessoas,
principalmente aos caçadores durante o manuseio O levantamento da ocorrência de javalis foi
das carcaças dos animais abatidos (Gortázar et al., realizado na área da zona de amortecimento adjacente
2007; Miller et al., 2013; Galetti et al., 2016). ao Parque Estadual de Vassununga - PEV, localizado
Na América do Sul a importação da no município de Santa Rita do Passa Quatro, SP. Esta
espécie teve início na Argentina, em 1904, para fins Unidade de Conservação - UC de proteção integral,
cinegéticos (Navas, 1987 apud Merino e Carpinetti, administrada pela Fundação Florestal, foi criada em
2003) e, posteriormente, indivíduos em vida livre 26 de outubro de 1970 (São Paulo, 1970). A área total
começaram a ser encontrados nos países vizinhos da UC é de 2.071,42 hectares - ha, porém, fracionada
(Jaksic et al., 2002). A introdução clandestina de em seis glebas desconexas e inseridas em grande parte
animais para criação ou fim cinegético ocorreu numa matriz de cana-de-açúcar ou de eucalipto e de
durante a década de 1960 no sul do Brasil sendo algumas lavouras de mandioca ou milho, pomares
incrementada na década de 1990 (Deberdt e Scherer, e pastos de pequenos proprietários. Três glebas
2007). No entanto, as primeiras importações de margeiam a rodovia Anhanguera (SP-330) na altura
animais puros para criadouros registrados em São dos quilômetros 245 e 255 e uma fica nas margens
Paulo e Rio Grande do Sul ocorreram nos anos de do rio Mogi-Guaçu. A maior delas, denominada
1996 e 1997 (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente “Pé-de-Gigante” possui 1.212,92 ha de Cerrado;
e dos Recursos Naturais Renováveis/ Ministério do a menor gleba “Capão-da-Várzea”, com 12,18 ha,
Meio Ambiente - IBAMA/MMA, 2018). A existência é formada por Floresta Paludosa e as demais por

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SABATINI, V. et al. Registros de javalis europeus no entorno do Parque Estadual de Vassununga

Floresta Estacional Semidecidual (“Capetinga Leste” 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO


com 231,06 ha; “Capetinga Oeste” com 331,24 ha;
“Praxedes” com 152,50 ha e “Maravilha” com A primeira constatação da ocorrência
131,52 ha). O clima da região é do tipo Cwa, segundo de pegadas de javali no entorno do PEV foi
a classificação de Köeppen: quente, de inverno seco em 2013 (Vera Sabatini, observação pessoal)
com temperatura aproximada de 18°C e o verão com no aceiro da gleba “Capetinga Oeste”, o qual
temperatura média maior que 22°C. delimita a plantação de cana-de-açúcar e a Área de
Em 2016, os aceiros que circundam cada Preservação Permanente - APP do córrego da Gruta.
fragmento foram observados quanto a vestígios de Tais rastros foram vistos por cerca de seis meses
javalis (pegadas). Esses foram percorridos totalmente, no mesmo local, não sendo mais encontrados nos
uma vez ao dia, em dois dias diferentes entre junho anos seguintes e nem nos levantamentos de 2016.
e agosto, de carro numa velocidade média de 20 km/ Porém, a primeira constatação de um animal foi
hora, por aproximadamente 120 km. Embora em em 2014 quando um javali macho adulto foi morto
alguns locais os rastros de javali estivessem saindo por atropelamento na rodovia Anhanguera entre
e/ou entrando nos fragmentos, os levantamentos as glebas “Capetinga Oeste” e “Leste”. Em 2016,
dos registros de pegadas foram realizados somente as pegadas foram avistadas somente nos aceiros
nos aceiros e nenhum no interior das glebas do e locais próximos às glebas “Pé-de-Gigante”,
Parque. As pegadas de animais encontradas eram “Praxedes” e “Capetinga Leste”, num total de 13
verificadas e quando se constatava serem de javalis registros, não sendo encontradas pegadas ou outros
(dois cascos principais com cerca de 10 cm e dois vestígios de javalis nas demais glebas (Tabela 1).
esporões pequenos), estas eram fotografadas e Na gleba “Praxedes” as pegadas estavam em cinco
seguidas a pé para se localizar os pontos de saída locais próximos (cerca de 700 m entre os mais
e/ou da entrada no fragmento, quando possível. A distantes). A matriz em volta desta gleba é de cana-
fim de se verificar a ocorrência desses animais nas de-açúcar, que na época, estava com médio porte.
propriedades vizinhas à gleba “Capetinga Leste” (a As pegadas de um adulto e de filhotes (Tabela 1 -
única delimitada por pequenas propriedades rurais), ponto 1) saíam e entravam da mata para o aceiro
seus moradores ou proprietários foram questionados e de volta para a mata no mesmo local, não sendo
quanto à constatação da presença de javalis em suas possível determinar com exatidão se eram dois ou
respectivas fazendas. três rastros de filhotes.

Tabela1. Registros das pegadas de javalis (Sus scrofa) em 13 locais no entorno de três fragmentos (Praxedes, Pé-de-
Gigante e Capetinga Leste) do Parque Estadual de Vassununga, em 2016.
Table 1. Tracks of wild boars (Sus scrofa) registered around three fragments (“Praxedes”, “Pé-de- Gigante” e “Capetinga
Leste”) at 13 sites of the Vassununga State Park, in 2016.

Pontos Local (Coordenada Geográfica) Gleba Características do Distância Pegadas de


(pegadas) local do registro da borda indivíduos/
da gleba rastro
1 21°41’41,62”S/ 47°36’55,18”O Praxedes Aceiro seco entre a 1m 1 adulto +
gleba e canavial filhotes
2 21°41’41,54”S/ 47°36’59,24”O Praxedes Aceiro seco entre a 1m 1 adulto
gleba e canavial
3 21°41’44,15”S/ 47°36’53,22”O Praxedes Aceiro seco entre a 1m 1 adulto
gleba e canavial
4 21°41’47,03”S/ 47°37’15,36”O Praxedes Aceiro seco entre a 1m 2 adultos
gleba e canavial

continua
to be continued

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SABATINI, V. et al. Registros de javalis europeus no entorno do Parque Estadual de Vassununga

continuação - Tabela 1
continuation - Table 1

Pontos Local (Coordenada Geográfica) Gleba Características do Distância Pegadas de


(pegadas) local do registro da borda indivíduos/
da gleba rastro

5 21°41’45,31”S/ 47°37’14,21”O Praxedes Aceiro úmido 90 m 2 adultos


(poça d’água) entre
córrego Rico e
canavial

6 21°38’ 30,09”S/ 47°39’ 09,33”O Pé-de-Gigante Aceiro seco entre 1m 1 adulto


(saindo)/ 21°38’ 47,30”S/ gleba e eucaliptal
47°39’ 08,04”O (entrando). cortado

7 21°38’ 42,85”S/ 47°37’ 39,92”O Pé-de-Gigante Aceiro seco entre 1m 1 adulto


(saindo)/ 21°38’ 54,10”S/ gleba e eucaliptal
47°38’ 09,49”O (entrando). cortado

8 21°42’ 10,17”S/ 47°35’ 20,66”O Capetinga Leste Fazenda vizinha - 160 m 1 adulto
(saída). carreador dentro do
Canavial

9 21°42’22,89”S/ 47°35’15,27”O Capetinga Leste Aceiro seco entre a 3m 1 adulto


gleba e canavial

10 21°42’29,9”S/ 47°34’50,1”O Capetinga Leste Fazenda vizinha - 35 m 4 adultos


roça de mandioca

11 21°42’36,20”S/ 47°34’38,58”O Capetinga Leste Fazenda vizinha - 70 m 4 adultos +


(entrando). aceiro entre mata da filhotes
fazenda - eucalipto
e pomar de lichia

12 21°43’20,44”S/ 47°34’09,65”O Capetinga Leste Aceiro seco entre 900 m 1 adulto


canavial e córrego
Bebedouro

13 21°43’51,29”S/ 47°34’41,57”O Capetinga Leste Aceiro seco entre 400 m 2 adultos


(entrando e saindo mesmo local). canavial e córrego
Bebedouro

A parte do aceiro na qual os rastros estavam direção de um lamaçal próximo a esta APP. No local
fica próxima ao córrego Rico (cerca de 50 m da podia-se notar a lama do aceiro fuçada e remexida,
borda da mata), que corta a “Praxedes” no sentido indicando ser de dois indivíduos. Como o solo do
nordeste-sudoeste. Na parte mais ao sul, já fora aceiro estava seco, tanto acima como abaixo desse
deste fragmento, existe uma APP deste córrego local encharcado, não foi possível verificar a direção
em cujo aceiro as pegadas (Figura 1) seguiam na que as pegadas seguiam.

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SABATINI, V. et al. Registros de javalis europeus no entorno do Parque Estadual de Vassununga

Figura 1. Pegadas de um javali (Sus scrofa) adulto e de filhotes encontradas no aceiro da gleba “Praxedes” - ponto 5
(Escala usada: lápis de 20 cm).
Figure 1. Adult wild boar (Sus scrofa) and piglets tracks found along the firebreak at Praxedes’ fragment - point 5
(Scale: 20 cm pencil).

Nos aceiros que circundam o fragmento o aceiro, cerca de 900 m, na direção da mata
“Pé-de-Gigante” foram encontrados dois carreiros ciliar a oeste (Tabela 1- ponto 7). Embora as
de pegadas de animal adulto, sendo que os pegadas estivessem em lados opostos do córrego
pontos estavam um de cada lado (equidistantes da Paulicéia, podiam ser do mesmo indivíduo,
cerca de 2 km) da APP do córrego Paulicéia, cuja já que os javalis podem percorrer distâncias
nascente está no interior desta gleba. O rastro a entre um e 40 km, aproximadamente, quando se
oeste do córrego saía do fragmento e percorria dispersam do grupo no qual nasceram (Keuling
o aceiro entre o eucaliptal e o cerrado por cerca et al., 2010; Jerina et al., 2014). Na época da
de 700 m indo na direção sudoeste e entrava estiagem (maio a setembro), alguns locais do
no eucaliptal (Tabela 1 - ponto 6). O segundo córrego ficam mais secos, sendo mais fácil
rastro de pegadas, à leste do córrego percorria de ser atravessado.

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No entorno da gleba “Capetinga Leste” cultura de cana-de-açúcar ou eucalipto, o que pode


foram registrados seis locais com pegadas. Ao norte explicar os grupos maiores com filhotes (maior
do fragmento havia dois locais, equidistantes a 400 número de rastros) no entorno da gleba “Capetinga
m, dentro do canavial com pegadas, provavelmente, Leste”. Os grupos de fêmeas podem depender mais
de um mesmo animal (Tabela 1 - pontos 8 e 9). Dentro das matas para abrigo, porém, nestes levantamentos
das fazendas vizinhas foram encontradas pegadas preliminares de 2016 todas as pegadas foram
em quatro pontos (Tabela 1 - 10 a 13), sendo que o encontradas fora das matas dos fragmentos do PEV.
número de rastros, em cada local, era maior do que Levantamentos realizados na Estação Ecológica
nos outros fragmentos. As pegadas nos pontos 10 e 11 de Aracuri-Esmeralda, no Rio Grande do Sul,
estavam dentro das plantações de milho, mandioca, mostraram que os animais preferiam as Matas de
abóbora ou pomares de lichia, manga e abacate das Araucária em relação a outras fitofisionomias
fazendas, sendo de vários adultos (mais de quatro) na Estação (Hegel e Marini, 2013). Na Bélgica,
e de filhotes, denotando serem grupos maiores do entretanto, verificou-se que a distribuição do javali
que nos demais fragmentos. Provavelmente, esses tanto nas matas quanto nas plantações de grãos
grupos eram formados por fêmeas aparentadas com estava relacionada à procura de alimento ou de
seus filhotes, de acordo com estudos que descrevem abrigo, não havendo uma dependência restritiva
o comportamento social da espécie caracterizado dos animais em relação à proteção da mata
por ter estrutura matrilinear (Podgórski et al., 2014). (Morelle e Lejeune, 2015).
Os outros dois locais próximos à “Capetinga Leste” O aumento da população no entorno do
com pegadas de animais adultos solitários estavam Parque desde 2013 é um fator que indica a interação
nos aceiros entre o canavial e a várzea da APP do positiva entre esta espécie invasora com tal ambiente.
córrego Bebedouro, o qual margeia a parte sudeste A presença recorrente de javalis, a partir de 2018, na
desta gleba (Tabela 1 - pontos 12 e 13). trilha-dos-jequitibás localizada na Gleba “Capetinga
Todos os registros de javalis foram Oeste” demonstra tal fato, levando à proibição do
próximos a corpos d’água indicando a preferência uso da trilha pela Fundação Florestal (FF, 2018),
dos animais por áreas úmidas, pois, nos aceiros órgão gestor do Parque Estadual de Vassununga,
distantes dos córregos nos três fragmentos como medida de segurança aos visitantes. A relação
(“Praxedes”, Pé-de-Gigante” e “Capetinga Leste”) com o ambiente, tanto para procurar alimento
não foram encontradas pegadas de javalis. No como abrigo, determina como ocorre a distribuição
entanto, no entorno da gleba Maravilha, que dos indivíduos invasores (Kolar e Lodge, 2001).
fica nas margens do rio Mogi-Guaçu, não foi Portanto, para que medidas de controle efetivo da
encontrado nenhuma pegada ou outro registro expansão demográfica e territorial das populações
indireto da presença de javalis. de javalis possam ser viabilizadas no PEV, é
De acordo com as respostas dos proprietários necessário que seja feito, em caráter urgente, o
e trabalhadores das fazendas aos questionários, levantamento sistemático da distribuição espacial
os javalis vinham sendo avistados desde 2012 desses animais tanto no entorno quanto dentro de
destruindo as culturas de milho, abóbora, mandioca todos os fragmentos de mata situados na sua zona
e até as frutas como mangas, abacates e lichias da de amortecimento.
parte mais baixa das árvores. Na propriedade com
cultura de mandioca e abóbora o proprietário relatou 4 AGRADECIMENTOS
que já havia perdido 100% das culturas, tanto por
se alimentarem das culturas quanto por pisoteio e Agradecemos ao Dr. Adriano G. Chiarello
fuçadas. Um dos proprietários relatou, também, a pela primeira revisão desta nota e ao Dr. Mateus
destruição de uma nascente d’água. J. R. Paranhos da Costa pelas valiosas sugestões;
Nas matas, além do acesso à água dos ao Sr. Waldonésio Borges do Nascimento por
córregos e de abrigo contra a caça e para a procriação, sua prestimosa ajuda às idas ao campo; aos
os javalis podem encontrar outros tipos de alimento. revisores desta Revista por todas as sugestões
No entanto, nas fazendas os javalis encontraram e correções; e à Fundação para a Conservação
alimento mais fácil e farto do que nos entornos dos e Produção Florestal do Estado de São Paulo
demais fragmentos cujas matrizes eram somente de pelo apoio logístico.

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SABATINI, V. et al. Registros de javalis europeus no entorno do Parque Estadual de Vassununga

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