Dissertação Marco Aurélio

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA - UNICURITIBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO E DOUTORADO


EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

MARCO AURÉLIO DOS SANTOS PINTO

O COMPLIANCE COMO MECANISMO DE TUTELA: LIMITES DO PODER


DIRETIVO DO EMPREGADOR

CURITIBA
2020
MARCO AURÉLIO DOS SANTOS PINTO

O COMPLIANCE COMO MECANISMO DE TUTELA: LIMITES DO PODER


DIRETIVO DO EMPREGADOR

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado e Doutorado


em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário –
UNICURITIBA, como requisito parcial para obtenção do Título de
Mestre em Direito.
Orientadora: Profª. Drª. Viviane Coelho de Séllos Knoerr

CURITIBA
2020
MARCO AURÉLIO DOS SANTOS PINTO

O COMPLIANCE COMO MECANISMO DE TUTELA: LIMITES DO PODER


DIRETIVO DO EMPREGADOR

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado e Doutorado em Direito


Empresarial e Cidadania do Centro Universitário – UNICURITIBA, como requisito
parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito.

COMISSÃO EXAMINADORA

__________________________________________________
Professora Doutora Viviane Coelho de Séllos Knoerr (orientadora)
Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA

________________________________
Professor Doutor Luiz Eduardo Gunther
Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA

_______________________________________________
Professor Doutor Ivan Dias da Motta

Curitiba, ____de de 2020.


Dedico este trabalho

A Deus, por me conceder saúde e sabedoria para prosseguir nesta jornada.

A minha esposa Ana Lúcia Maggioni e minhas filhas Mariana Maggioni Pinto e
Beatriz Maggioni Pinto, por serem a minha luz e fonte de inspiração para novos desafios.

Aos meus pais Durval Antonio Pinto e Benilde dos Santos Pinto pelo apoio e
incentivo em todos os momentos da minha vida.

Ao me avô João Antonio Pinto (in memoriam), autodidata, que em sua vida sempre
me mostrou que o conhecimento é a base para a evolução espiritual.
AGRADECIMENTOS

A minha orientadora Professora Doutora Viviane Coelho de Séllos Knoerr, que


com maestria coordena o Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Empresarial e
Cidadania do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA, motivando a todos que dele
participam. Pela sua orientação, dedicação, competência e profissionalismo, que em
diversas oportunidades, com apenas poucas palavras conseguia reverter qualquer
desistimulo, fazendo-me retornar ao mesmo ânimo do primeiro dia de aula.

A todos os Professores do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito


Empresarial e Cidadania que, sem exceção, transmitiram seus profundos
conhecimentos que, sem os quais, seria impossível concluir este trabalho.

Ao Professor Doutor Fernando Gustavo Knoerr, pela melhor aula de filosofia


do Direito que este acadêmico já presenciou.

Aos membros da banca examinadora, Professor Doutor Luiz Eduardo Gunther


e Professor Doutor Ivan Motta, que tão gentilmente aceitaram participar e colaborar com
esta dissertação.

Ao Marco Aurélio Souza Pereira, um maravilhoso amigo que, muito além de


ter as mesmas iniciais do meu nome – MASP – tive a honra de conhecer com o
Mestrado.

A minha amiga Professora Doutora Soraia Castellano que sempre me motivou


e deu forças para nunca desistir.

Ao Professor Gustavo Afonso Martins pelo apoio à pesquisa e também à


Josilene Mariano, secretária geral do PPGD-Unicuritiba e demais colaboradores.
"imperiosa necessidade uma da outra; não pode haver capital sem trabalho nem
trabalho sem capital. A concorrência traz consigo a ordem e beleza; ao contrário, de um
conflito perpétuo, não podem resultar senão confusão e lutas selvagens".
Encíclica "Rerum Novarum", - Papa Leão XIII
SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS
LISTA DE TABELAS
LISTA DE IMAGENS
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
1 CONTRATO DE TRABALHO
1.1 AUTONOMIA PRIVADA – INDIVIDUAL E COLETIVA
1.2 AUTONOMIA PRIVADA LABORAL
1.3 AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA LABORAL
1.4 Alteração do contrato de trabalho – princípio da imodificabilidade do contrato
de trabalho
1.4.1 Poder Diretivo e jus variandi
1.5 ADERÊNCIA DAS CLÁUSULAS NORMATIVAS AO CONTRATO DE
TRABALHO INDIVIDUAL
1.5.1 Recurso Extraordinário 590.415 Min. Luis Roberto Barroso
1.5.2 Recurso Extraordinário 820.729 Min. Teori Albino Zawaski
1.5.3 Repercussão Geral Min. Gilmar Mendes
1.6 RELAÇÃO CONTRATUAL TRABALHISTA
2 ANÁLISE QUANTITATIVA DOS PRINCIPAIS TEMAS RECORRENTES
SOBRE ABUSO DO PODER DIRETIVO À LUZ DA JUSTIÇA DO TRABALHO
2.1 CONSEQUÊNCIA PELA FALTA DE PARAMETRIZAÇÃO DOS LIMITES E
ALCANCE DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
2.1.1 A Jurimetria e o Direito do Trabalho
2.2 O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
2.2.1 Origem do Poder diretivo do empregador
2.3 A SUBORDINAÇÃO JURÍDICA DO EMPREGADO
2.4 O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR À LUZ DOS FUNDAMENTOS
CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS – CLT
2.4.1 Poder Disciplinar
2.5 NATUREZA JURÍDICA DO PODER DIRETIVO
3 COMPLIANCE COMO MECANISMO DE TUTELA DA RELAÇÃO
CONTRATUAL TRABALHISTA
3.1 CONCEITO DE COMPLIANCE
3.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO NORTEADORES DO
COMPLIANCE TRABALHISTA
3.2.1 Princípio da vedação ao retrocesso
3.2.2 Princípio da justiça social e da valorização do trabalho
3.2.3 Princípio da Valorização do trabalho
3.2.4 Princípio da primazia da realidade sobre a forma
3.3 COMPLIANCE TRABALHISTA COMO PARÂMETRO DE COMPORTAMENTO
DO EMPREGADOR E DO EMPREGADO: EFETIVIDADE CONTRATUAL
3.3.1 Há espaço para o compliance na esfera laboral?
3.4 COMPLIANCE TRABALHISTA COMO INSTRUMENTO DE CONSTRUÇÃO
DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
LISTA DE SIGLAS

CLT - Consolidação das Leis do Trabalho


OIT - Organização Internacional doTrabalho
OMC - Organização Mundial do Comércio
OMS - Organização Mundial da Saúde
ONU - Organização das Nações Unidas
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TRT - Tribunal Regional do Trabalho
TST - Tribunal Superior do Trabalho
RR – Recurso de Revista
RG – Repercussão Geral
RE – Recurso Extraordinário
LISTA DE TABELAS

Autonomia – pg. 36
Jus variandi – pg. 42
STF: negociado sobre o legislado – pg. 50
Relação laboral – pg. 56
Temas recorrentes – pg. 60
Subordinação – pg. 75
Poder diretivo e disciplinar – pg. 80
Da constituição ao Compliance – pg. 87
LISTA DE IMAGENS
2018
Acúmulo de função – pg. 57
Desvio de função – pg. 58
Assédio moral – pg. 58

2019
Assédio moral – pg. 59
Desvio de função – pg. 59
Acúmulo de função – pg. 59

2020
Acúmulo de função – pg. 59
Desvio de função – pg. 59
Assédio moral – pg. 60
RESUMO

A pesquisa objetiva analisar em que medida o Compliance pode ser utilizado como
mecanismo de tutela dos limites do poder diretivo do empregador no que tange os
contratos individuais e coletivos de trabalho. Para tanto, a análise se desenvolve a
partir da conceituação de contratos, desde a visão de Enzo Roppo, passa pela
peculiaridade do contrato laboral individual e das negociações coletivas de trabalho,
da qual se desenvolve a Convenção Coletiva e/ou o Acordo Coletivo de Trabalho, o
que exige observar institutos que perpassam pela relação contratual, tais como
autonomia privada, individual e coletiva, de modo a contribuir com a indagação quanto
a liberdade de contratar. Examinam-se as condições do contrato individual de trabalho
que, não raramente, deparam-se com o princípio da primazia da realidade sobre a
forma, princípio que vai de encontro com o tema da dissertação, na medida em que o
abuso do poder diretivo, não raramente, pode ocorrer justamente porque aquilo que
se pratica (as execuções das tarefas diárias) nem sempre correspondem com o teor
do contrato. A dissertação se atenta à tutula constitucional e celetário do poder diretivo
do empregador, desde a origem e sua natureza jurídica, de modo a indicar que o Programa
de Compliance trabalhista pode parametrizar o comportamento do empregador em relação
ao seus empregados, bem como antecipa aos empregados suas obrigações. Porém, a
dissertação ainda percorre pelo viés de hipóteses quanto ao fato do Compliance ser
ou não efetivo à tutelar direitos trabalhistas. Nesse sentido, a pesquisa percorre pela
análise de dados extraídos do sítio eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho, que
tem o ranking dos principais temas julgados pela Justiça trabalhista, a qual, pela via
da jurimetria, se torna possível verificar que o tema: Abuso do Poder diretivo, e seus
subtópicos, (assédio moral, desvio de função e acúmulo de função), ainda são
recorrentes na justiça especializada. Portanto, fixando parametros de limites do poder
diretivo do empregador em relação às alterações contratuais, bem como às
exigências de atividades alheias àquelas constantes no contrato de trabalho, se
analisará em que medida o Compliance pode ser mecanismo de tutela dos direitos
trbalhista no que tange a relação contratual e abusos do poder diretivo. Para tanto, a
pesquisa se desenvolve com base no método dedutivo dialético com análise
bibliográfica e dados colhidos do Superiror Tribunal do Trabalho (TST), jurimetria, que
tratam do assunto: Abuso do poder diretivo do empregador, delimitado ao período de
2018 a 2020.

Palavras-chave: Compliance Trabalhista; Contratos individuais de trabalho; Poder


diretivo; limites; jurimetria.
ABSTRACT

The research aims to analyze the extent to which Compliance can be used as a
mechanism to protect the limits of the employer's directive power regarding individual
and collective labor contracts. For this purpose, the analysis develops from the concept
of contracts, from the perspective of Enzo Roppo, through the peculiarity of the
individual labor contract and collective labor negotiations, from which the Collective
Convention and / or the Collective Labor Agreement is developed. , which requires
observing institutes that run through the contractual relationship, such as private,
individual and collective autonomy, in order to contribute to the inquiry regarding the
freedom to contract. The conditions of the individual employment contract are
examined and, not infrequently, they encounter the principle of primacy of reality over
form, a principle that goes against the theme of the dissertation, insofar as the abuse
of directive power, not infrequently, it can happen precisely because what is practiced
(the execution of daily tasks) does not always correspond with the content of the
contract. The dissertation is attentive to the constitutional and celetary tutelage of the
employer's directive power, from the origin and its legal nature, in order to indicate that
the Labor Compliance Program can parameterize the employer's behavior in relation
to its employees, as well as anticipating employees its obligations. However, the
dissertation still runs through the hypothesis bias as to whether Compliance is or is not
effective in protecting labor rights. In this sense, the research goes through the analysis
of data extracted from the website of the Superior Labor Court, which has the ranking
of the main themes judged by the Labor Justice, which, through the use of jurimetry,
makes it possible to verify that the theme: Abuse of Directive power, and its subtopics,
(moral harassment, misuse of function and accumulation of function), are still recurrent
in specialized justice. Therefore, by setting parameters of the employer's directive
power limits in relation to contractual changes, as well as the requirements of activities
outside those contained in the employment contract, it will be analyzed to what extent
Compliance can be a mechanism for safeguarding labor rights with respect to
contractual relationship and abuses of directive power. Therefore, the research is
developed based on the dialectic deductive method with bibliographic analysis and
data collected from the Superiror Tribunal do Trabalho (TST), jurimetry, which deal
with the subject: Abuse of the employer's directive power, limited to the period from
2018 to 2020.

Keywords: Labor Compliance; Individual employment contracts; Directive power;


Limits; jurimetry.
INTRODUÇÃO

As relações trabalhistas são marcadas pelo vínculo jurídico contratual, onde


se estabecem as regras pelas quais as partes – empregador e empregado –
desenvolverão suas atividades e/ou direitos e obrigações. Ocorre que o contrato, por
si só, não é um instrumento capaz de prever todas as possíveis e/ou eventuais
situações – ordinárias ou extraordinárias – que podem alterar aquelas regras
anteriormente fixadas.
Essas influências nos contratos trabalhistas, não se confundem com o
princípio da alteridade – risco da atividade – em que o empregador é o único a suportar
os ônus de eventuais infortúneos que aquela atividade possa experimentar, mesmo
que alheia à sua vontade ou conduta.
A título exemplificativo, as Medidas Provisórias editadas em 2020, por conta
do estado de calamidade, fixado pelo Decreto nº. 6/2020, para garantir a atividade
econômica e os postos de trabalho, sobraram críticas em relação a elas, e os
argumentos perpassam pela temática de sonegação e/ou flexibilização de direitos
trabalhistas, como se fosse possível falar em direitos e garantias de emprego, sem a
mesma tratativa tutelar aos empregadores.
Tais medidas foram necessárias decorrente de fator externo à vontade das
partes – empregador e empregado -, então, mesmo diante das críticas, as relações
contratuais sofreram certas alterações, os empregados que aderiram às condições
postas nas Medidas Provisórias, p.ex. 927, tiveram redução salarial, assim como
outros exemplos em que se verifica a interferência externa na relação contratual.
A pesquisa está dedicada a analisar alterações na execução das atividades
contratadas, mas que divergem daquelas previstas no instrumento contratual. Depara-
se com o princípio do Direito do Trabalho, princípío da primazia da realidade sobre a
forma. Em outras palavras, a realidade do empregado – trabalhador – é marcada pela
execução de várias atividades, além daquelas contratadas.
Assim, diante dessa constatação empírica, que é verificável em várias
decisões a respeito de desvio de função, acúmulo, ou dupla função, deixam claro que
o contrato formal, aquilo que está escrito na Carteira de Trabalho, não corresponde
com as atividades executadas cotidianamente, por conseguinte, quando isso
acontece, pouco ou quase nada pode o empregado fazer, a não ser, aceitar as ordens

13
do empregador, porém, a questão da pesquisa é: em que medida as ordens do
empregador - exercício do poder diretivo – podem configurar abuso desse direito?
A dissertação parte da premissa que o empregador possui o Direito do
exercício do poder diretivo das atividades. A atenção, é focada quando o exercício
pode se configurar como abusivo.
Então é nesse cenário que se debruça a pesquisa, verificar em que medida o
empregador, com base em seu poder diretivo, pode exigir mais do(s) seu(s)
empregado(s) além daquilo que consta no contrato.
As relações aqui consideradas referem-se àquelas que preenchem os
requisitos do art. 3º da CLT: onerosidade, pessoalidade, habitualidade e
subordinação. Relações também do art. 2º da CLT, ao tratar do empregador. Assim,
por força do art. 442, CLT, a relação jurídica entre empregado e empregador se dá
pelos contratos de trabalho.
Diante do exposto, o problema que a pesquisa visa responder é: Em que
medida o Programa de Compliance trabalhista pode contribuir com a Justiça laboral a
fim de parametrizar os limites do poder diretivo do empregador? Tendo como
objetivos: Analisar as alterações na execução das atividades contratadas, mas que divergem
daquelas previstas no instrumento contratual; Verificar em que medida o empregador,
com base em seu poder diretivo, pode exigir mais do(s) seu(s) empregado(s) além
daquilo que consta no contrato, e, Perquirir a respeito da possibilidade do Programa
de Compliance ser instrumento de tutela das relações contratuais na esfera trabalhista
a fim de parametrizar os limites e alcances do exercício do poder diretivo do
empregador.
Para tanto, vale-se do método dedutivo dialético, pois parte do geral para o
específico, a qual leva-se em consideração hipóteses positiva e negativa quanto à
problemática da pesquisa. A pesquisa se dá com a coleta de dados (quantitativa)
extraídos do sítio eletrônico do TST, a qual se denomina, jurimetria. Assim como se
vale da pesquisa bibliográfica e jurisprudencial (TRT’s, TST e STF).
Nesse sentido, o trabalho está estruturado da seguinte forma.
No primeiro capítulo, se analisa a relação contratual e os institutos que
perpassam pelo tema, tais como autonomia da vontade – individual e coletiva -,
princípios que noteiam a relação, bem como levantamento de dados quantitativos
referente ao tema: abuso do poder diretivo, visando responder: quais os pontos que

14
configuram o abuso? O que permite tecer comentários acerca das consequências
jurídicas quando da constatação do exercício abusivo do poder diretivo, bem como,
analisar os limites e alcance desse poder.
No segundo capítulo, aborda-se o poder diretivo do empregador, desde a sua
origem, passando pela análise constitucional e infraconstitucional, e, delimitando a
natureza jurídica do poder diretivo.
Já no capítulo três, o trabalho se atenta a mecanismos hábeis para repelir
e/ou mitigar os efeitos do – abuso - do poder diretivo, dando destaque ao Programa
de Compliance trabalhista como instrumento para tutela da relação contratual, de
modo a gerar no ambiente laboral a cultura de observância a regras de conduta que
parametriza o(s) limite(s) e alcance(s) do exercício do poder diretivo. Tal instrumento
– compliance – sendo de valia tanto para as relações individuais, assim como
coletivas.
Nesse particular, o Programa de Compliance merece atenção vez que define
padrões ideias de comportamento/conduta, de modo a direcionar-se aos sujeitos de
direito da relação laboral, o que torna-o mais eficaz do que a própria negociação
coletiva, que visa, como regra, apresentar o que pode e o que está proibido de ser
objeto de negociação via CCT ou ACT.
O Compliance trabalhista revela-se como instrumento de tutela, vez que lida
com contudas, o que significa que sua ótica está no sujeito de direitos e não no objeto
da negociação coletiva.
Posteriormente, as considerações finais a respeito dos resultados
encontrados com a pesquisa, e também a apresentação propositiva da pesquisa em
dispor o Programa de Compliance Trabalhista como instrumento de tutela das
relações contratuais laborais, a fim de paramentrizar as condutas das partes.
A dissertação, ainda, apresenta sua pertinência e aderência ao Programa de
Pós Graduação stricto sensu do Centro Universitário Curitiba-Unicuritiba, (linha 01),
na medida em que trabalha com a ideia de “atividade empresarial e constituição:
inclusão e sustentabilidade”. Assim, a dissertação foi construída a partir dos
pressupostos da própria linha e temática do Programa: Direito empresarial e
cidadania.

15
1 CONTRATO DE TRABALHO

A definição de contrato, pela perspectiva de Enzo Roppo (2009, p. 4), fixa que
ele “tornou-se um objecto e um instrumento essencial das políticas de market
regulation, que visam oporem-se às práticas anticoncorrenciais, às assimetrias
informativas e as outras falhas do mercado”.
A forma exposta por Roppo esclarece que o contrato é uma regulação, mas
também informação. Informação aos contratantes, de modo a perceber que o direito
à informação na relação contratual deve ser observado, caso contrário, a possibilidade
de invalidade daquele negócio jurídico se tornará possível, sobretudo em se tratando
de vínculo contratual com a presença do hipossuficiente, como é o caso laboral, bem
como, consumidor1.
Para que não reste dúvida, essa aproximação entre o Código de Defesa do
Consumidor, no que tange o instituto da – hipossuficiência – e as relações laborais, é
prática comum em vários julgados pela justiça especializada trabalhista, bem como
pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho – TST.
A título de exemplo, o TST em Recurso de Revista nº. 4821220105090651,
de relatoria do Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, já se manifestou no senguinte
sentido:

(...) a Lei nº. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC), por


sua vez, estabelece que é competente para a causa o foro do lugar
onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local e o foro
da capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito

1
Código de Defesa do Consumidor - Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art.
86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e
de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
§ 1º Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em
linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a
período superior a cinco anos.
§ 2º A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser
comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
§ 3º O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá
exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a
alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.
§ 4º Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao
crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.
§ 5º Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão
fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que
possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.

16
nacional ou regional. (...). Na jurisprudência atual, mais consetânea
com a finalidade do processo coletivo, em caso de dano de
abrangência regional, que atinge cidades sujeitas à jurisdição de mais
de uma Vara do Trabalho, a competência será de qualquer das varas
das localidades atingidas, ainda que vinculadas a Tribunais Regionais
do Trababalho distintos (item II da OJ nº 130 da SBDI-II, da redação
dada pela resolução nº 186/2012).

Nesse sentido, prospera tanto na doutrina como na jurisprudência, que o


empregado, por estar numa situação jurídica de subordinação hierárquica, se
presume hipossuficiente, razão pela qual, possível realizar analogia com o CDC e a
CLT, vez que o art. 8º, caput2, permite.
Ao se falar em relação de consumo, e na figura do hipossuficiente, é
perceptível essa situação jurídica também na relação laboral, portanto, nas relações
consumeristas, fala-se em princípio da vulnerabilidade, no Direito do Trabalho,
subordinação jurídica, vez que o empregado é vulnerável frente ao empregador.
Contudo, a título argumentativo, Viviane Séllos Knoerr, (2011, p. 217) expõem o
conceito de vulnerabilidade:

Princípio da vulnerabilidade – tem importância basilar para o nosso


sistema consumeirista, pois o Código emana desse princípio, sendo
que “a vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores,
ricos ou pobres, educadores ou ignorantes, crédulos ou espertos.” O
que vai acarretar a necessidade de correção jurídica para minimizar a
disparidade entre os sujeitos (consumidor e fornecedor) nas relações
de consumo, dentro do princípio constitucional da isonomia, tratando
os desiguais desigualmente na medida de suas desigualdades.

Assim, fixada essa premissa de que o contrato de trabalho, marcadamente,


tem a figura do hipossuficiente (empregado), é crível que as informações do contrato
sejam claras, de modo compreensível e exequível. Porém, mais do que isso, a
realidade deve refletir o texto do contrato (assinatura na CTPS). Nas palavras de
Cotrim: "Podemos definir trabalho como toda atividade na qual o ser humano utiliza sua
energia física e psíquica para satisfazer suas necessidades ou para atingir um

2
Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais
ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e
outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de
acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum
interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

17
determinado fim."3
Depreende-se que trabalho não se limita ao físico, de modo que o poder
diretivo do empregador pode direcionar-se ao labor psiquico (intelectual) do
empregado, que a depender da natureza da atividade, é natural, p.ex. jornalista,
escritor, professor, dentre outras profissões em que se exige mais do empregado o
aspecto imaterial, intelecto, do que propriamente a força física de trabalho.
Do texto constitucional brasileiro, se extrai que o trabalho também tem valor
social, (art. 1º, IV, CF/88), o que se denota, portanto, é que o trabalho físico e
psiquico/intelectual, reflete no social, o labor tem valor em si mesmo e essa previsão
constitucional quanto ao seu valor social, extrapola o interesse individual ao ponto de
impactar a coletividade, e, por conseguinte, contribuir para alcançar os objetivos do
art. 3º da CF/88.
A propósito, Reale (1997, p. 11) assim se manifesta:

Ele já é, por si mesmo, um valor, como uma das formas fundamentais de


objetivação do espírito enquanto transformador da realidade física e social,
visto como o homem não trabalha porque quer, mas sim por uma exigência
indeclinável de seu ser social, que é um "ser pessoal de relação", assim como
não se pensa porque se quer, mas por ser o pensamento um elemento
intrínseco ao homem, no seu processo existencial, que se traduz em
sucessivas "formas de objetivação". Trabalho e valor, bem como, por via
de conseqüência, trabalho e cultura, afiguram-se termos regidos por
essencial dialética de complementaridade.4

Nesse viés, o trabalho é mais do que particularizado, embora cada indivíduo


o desempenhe pessoalmente, ou em grupo, o seu reflexo é coletivo, seja a
coletividade o seio familiar, bem como também a região onde reside, na medida em
que possui condições de inclusão de si e dos seus, conforme esclarece Baracat (2003,
p. 151): "se inserir socialmente, dispondo de crédito na praça, aperfeiçoando-se
pessoal e profissionalmente, contribuindo para o desenvolvimento e crescimento da
empresa."5
Ocorre que as relações laborais não podem mais ser analisadas com a ótica

3
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 15.ed. reform. e
ampl. São Paulo: Saraiva, 2000. p.23.
4
REALE, Miguel. Introdução. In: BAGOLINI, Luigi. Filosofia do trabalho. 2.ed. São Paulo:
LTr, 1997. p.11.
5
BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. São Paulo: LTr, 2003.
p.151.

18
da CLT de 1943, o cenário jurídico, econômico, social e político mudou, é uma nova
realidade da qual não se pode ignorar, sob pena de tornar a nova legislação
trabalhista ineficaz, e se abstrair do fenômeno tecnológico que alterou os vínculos
laborais não é a melhor saída.
Se antes ocupavam-se os operadores do direito laboral com as novas formas
de produção, hoje a questão se asseverou ao mundo tecnológico, tecnologia
disruptivas que impulsionam a flexibilização do trabalho, ora, o home office é uma
opção da qual se utilizou (se utiliza) muito, sobretudo no período de calamidade
vivenciada em 2020 com a pandemia.
Nesse sentido, pensar a respeito dos requisitos do contrato de emprego do
art. 3º, CLT, torna-se cada vez mais presente, pelo menos para atualizá-los à nova
realidade das prestações de trabalho que se intensificaram com a tecnologia. Contudo,
considera-se a premissa constitucional do valor social do trabalho humano, (art. 170,
caput, CF/88), portanto, embora a tecnologia esteja presente, isso por si só não acarreta
na mitigação do valor do trabalho humano, muito menos, na diminuição da dignidade da
pessoa humana do empregado.
Essa afirmação, é corroborada por César Arese que menciona:

É fato que os direitos humanos superiores vê descendo daquele


“Olimpo” até alcanãrem os direitos terrenos, expressados não
apenas em leis, mas também em jurisprudência concreta. Mais
evidente ainda tem sido o processo de inserção desses direitos no
campo do Direito do Trabalho6.

Embora a citação se refira aos direitos humanos, significa, portanto, que há


o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, nesse particular, do empregado,
caracteristica que está em consonância com a Constituição de 1988, assim, a
constitucionalização das relações laborais e a tarefa essencial do Direito do
Trabalho, a propósito, é nessa perspectiva que César Arese menciona:

Uma tarefa essencial do Direito do Trabalho tem sido sua


constitucionalização, como ocorreu nas Constituições de Querétaro
e Weimar, mas também o de percorrer um caminho diverso, coo a
extensão dos direitos humanos civis como direitos trabalhistas. Em
outras palavras, o homo faber coo simples peça da produção

6ARESE, César. Direitos Humanos Trabalhistas. Teoria e prática de um Novo Direito do Trabalho.
Trad. Luiz Eduardo Gunther, Marco Antônio César Villatore. Curitiba: Instituto Memória, 2020, p. 65.

19
econômica, a princípio desprovido de atributos jurídicos, tem
aparecido, ainda que pareça óbvio, como um homem de Direitos
Humanos dono de dignidade, liberdade, dotado de direitos como tal
e em relação de dependência7.

Nesse sentido, reconhecer a identidade dos direitos humanos trabalhistas, é


partir da concepção de que as relações laborais são além de constitucionais – como
é o caso da CF/88 -, é também direitos inerentes a cada empregado, de modo que
não há que se cogitar em relação laboral sem a conotação constitucional, tampouco
afastada de tal identidade com os direitos humanos.
A dissertação nesse particular, articula para se pensar e/ou (re)significar as
relações contratuais laborais, impulsiona à nova interpretação daqueles requisitos
clássicos (art. 3º, CLT), da década de quarenta, para o século XXI, de modo a
compreender o fenômeno com a norma. A título exemplificativo, com a reforma
trabalhista de 2017, Lei nº. 13.467/2017, foi inserida a possibilidade jurídica de contrato
do trabalho intermitente, art. 443, §3º, CLT8, o qual já está em julgamento perante o
Supremo Tribunal Federal (STF) quanto a sua constitucionalidade9. Mas não é só,
outras formas de relação trabalhista já surgiram ao longo do tempo, afinal, de 1943 até
2020, houve muita mudança, e o direito do trabalho não ficou de fora.10

7ARESE, César. Direitos Humanos Trabalhistas. Teoria e prática de um Novo Direito do Trabalho.
Trad. Luiz Eduardo Gunther, Marco Antônio César Villatore. Curitiba: Instituto Memória, 2020, p. 68.
8
§ 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços,
com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de
serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo
de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por
legislação própria. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
9
A data da referida notícia é: 02 de dezembro de 2020.
http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=456516&ori=1 Acesso em
05 de dezembro de 2020.
(...)O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, nesta quarta-feira (2), as Ações
Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5826, 5829 e 6154, que questionam os dispositivos da
reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) que criaram o contrato de trabalho intermitente. Único a
votar até o momento, o ministro Edson Fachin propôs a declaração da inconstitucionalidade
da regra. Segundo ele, a imprevisibilidade nesse tipo de relação de trabalho deixa o
trabalhador em situação de fragilidade e vulnerabilidade social. Além do relator, se
manifestaram as partes e as entidades interessados admitidas no processo. O julgamento
prosseguirá na sessão de amanhã (3).
A reforma trabalhista regulamentou, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o contrato
de trabalho intermitente. Essa modalidade de prestação de serviços, com relação de
subordinação, alterna períodos de prestação de serviços e de inatividade, que podem ser
determinados em horas, dias ou meses. A regra é válida para todas as atividades, exceto para
os aeronautas, regidos por legislação própria. (ADI 5826; ADI 5829; ADI 6154).
10
CUNHA, Carlos Roberto. Flexibilização de direitos trabalhistas à luz da constituição federal.

20
Assim, o contrato de trabalho, que vincula empregador e empregado,
experimenta essa (re)significação, marcadamente, ele se diferencia dos outros
contratos civilistas, p.ex., pela presença do requisito (art. 3º, CLT) subordinação. Que
em outras palavras é a sujeição jurídica do empregado em relação ao empregador,
onde se constata o poder diretivo.
Nesse sentido, constatada a situação jurídica da subordinação, de um lado
subordinado, de outro, superior hierárquico, configura-se a desigualdade entre as
partes contratantes. Não é por outra razão, que João Caupers, afirma que: “no
contrato individual de trabalho existe um manifesto desequilíbrio entre os poderes
patronais – poder determinativo da função, poder conformativo da prestação, poder
regulamentar e poder disciplinar – e os direitos do trabalhador –11 “, assim,
prepondera a superioridade do empregador, o que é corrobolarado por Pavelski12.
Resta deixar claro que a superioridade jurídica, por si só, não é um problema
por si só, na medida em que, aquele que assume o risco pela atividade econômica
que explora, tem o direito de gerir a empresa da forma que lhe aprouver, respeitado
os direitos do trabalho previstos no art. 7º, CF/88, aqueles da CLT, bem como os
oriundos das Convenções e Acordos Coletivos de trabalho, portanto, há um leque de
direitos pró empregado que o empregador deve respeitar, contudo, não afasta o
poder diretivo.

1.1 AUTONOMIA PRIVADA – INDIVIDUAL E COLETIVA

O conceito de autonomia privada que se extrai das palavras de Cassettari13 é


o princípio que confere às partes liberdade de autorregulamentação, ou seja, permite
que as partes possam convencionar o que melhor lhes aprouver.
As relações jurídicas, sobretudo marcadas pelos negócios jurídicos, e, nesse

Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p.96-98;


11
CAUPERS, João. Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a constituição.
Coimbra: Almedina, 1985. p.173.
12
PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado em face do
exercício abusivo do poder diretivo do empregador. Dissertação apresentada em 2008, p.
144.
13
CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo, 2ª ed. Saraiva, 2013, p.
188.

21
particular, o Direito do Trabalho, o instituto da autonomia privada merece atenção, de
modo que, conforme destacado por Martins, “da análise quanto a diferenciação entre
autonomia privada e autonomia da vontade extrai-se o fato do fenômeno de
deslocamento de uma era de patrimonialização para um novo momento de
personificação14”, o que é corroborado com a ideia de que, aquele diz respeito a
valorização do patrimônio em detrimento ao indivíduo, de maneira que superando
esse conceito materialista, vive-se o período da valorização da pessoa humana15.
Contudo, embora essa valorização da pessoa humana, os contratos, como
espécies de negócios jurídicos, que decorre do exercício da autonomia da vontade,
estes são regulados e tutelados pelo ordenamento jurídico, além dos instrumentos de
negociação coletiva (CCT e ACT)16.
Uma vez manifestada a vontade das partes em contratar, estabelecer vínculo
laboral formal, nasce a eventual possibilidade de intervenção do Estado, seja pelo
Poder Legislativo, ou Judiciário nas relações interpessoais, é, em última análise o
comando normativo disciplinador daquele conteúdo que gerará maior ou menor
liberdade de atuação às partes. Corrobora com essa tese as palavras de Meireles.

Autonomia privada significa auto-regulamentação de interesses,


patrimoniais e não patrimoniais. Trata-se de um princípio que confere
juridicidade àquilo que for definido pelo titular para o regramento de
seus interesses, por meio das vicissitudes jurídicas relacionadas às
situações subjetivas respectivas. Importante ressaltar que esse auto-
regramento de interesses somente alça juridicidade porque assim
reconhecido no mundo jurídico, não simplesmente porque emana da
vontade17.

Diante do exposto, assiste razão a autonomia privada em um Estado


Democrático de Direito, com ambiente juridicamente equilibrado e organizado de
maneira a disciplinar as relações interpessoais concedendo-lhes liberdade e
autonomia, sem, contudo, afastar-se da prerrogativa e dever de intervir nas relações

14
MARTINS, Gustavo Afonso. GUNTHER, Luiz Eduardo. VILLATORE. Acesso à justiça do
trabalho e o princípio da intervenção mínima. Instituto Memória, 2019, p. 58.
15
CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo, 2ª ed. Saraiva, 2013, p.
188.
16
MARTINS, Gustavo Afonso. GUNTHER, Luiz Eduardo. VILLATORE. Acesso à justiça do
trabalho e o princípio da intervenção mínima. Instituto Memória, 2019, p. 67.
17
MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana. Rio de
Janeiro, Renovar, 2009, p. 74.

22
sociais descompassadas das previsões legais.
Todavia, merece ater-se ao fato de que, por ser autonomia privada, cabe
ainda esclarecer quem é o privado a que se refere. Dentro da esfera da autonomia
privada pode-se encontrar atos de autonomia individual e coletiva. Os atos de
autonomia individual são aqueles realizados pela pessoa, individualmente
considerada, a exemplo do contato de compra e venda.
Conforme dispõem Adalberto Martins:

A autonomia da vontade sempre foi elemento balizador de validade


dos ajustes entre os sujeitos da relação de trabalho, seja individual,
seja coletiva. No que tange à relação individual, há expressa
intervenção estatal na vontade das partes, conforme se infere do art.
468 da CLT (LGL\1943\5), que não sofreu qualquer alteração pela
reforma de 2017. O mencionado dispositivo legal assegura a
inalterabilidade contratual de trabalho lesiva ao empregado, ainda que
haja a expressa concordância do trabalhador. Em sentido oposto, no
direito coletivo do trabalho, é garantida a autonomia da vontade dos
entes sindicais, inclusive com a prevalência do negociado sobre o
legislado (art. 611-A da CLT (LGL\1943\5), acrescentado pela Lei
13.467/2017)18.

Os atos de autonomia coletiva são aqueles resultantes da vontade de uma


pluralidade, referentes ao poder do grupo organizado como instrumento, como
formação social, para tornar possível a formação de todos na vida do país e favorecer
o pleno desenvolvimento da pessoa, a exemplo do contrato coletivo de trabalho19.
No âmbito do direito do trabalho, esclarece Martins, Gunther e Villatore:

a de se falar em o exercício da autonomia privada individual e


autonomia privada coletiva, na medida que a primeira se refere aos
contrato e efeitos produzidos na esfera de um indivíduo/empregado,
por outro, na segunda hipótese está diante da negociação e
formulação de contratos coletivos envolvendo uma categoria/classe de
empregados com interesses e direitos comuns20.

A propósito, Sanseverino, assim se manifestou:

18
MARTINS, Adalberto. A autonomia privada coletiva de trabalho: da reforma trabalhista
à covid-19. Revista de Direito do Trabalho | vol. 213/2020 | p. 147 - 168 | Set - Out / 2020
DTR\2020\11502
19 MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana. Rio de

Janeiro, Renovar, 2009, p. 77.


20
MARTINS, Gustavo Afonso. GUNTHER, Luiz Eduardo. VILLATORE. Acesso à justiça do
trabalho e o princípio da intervenção mínima. Instituto Memória, 2019, p. 68.

23
O princípio da autonomia privada – mais conhecido como princípio da
autonomia da vontade –, constitui a pedra angular do sistema de
direito privado, consubstanciando a ideia de liberdade contratual e
representando o poder assegurado pela ordem jurídica, a cada
pessoa, de dispor acerca de seus interesses, negócios e bens21.

A autonomia privada (individual) é um dos princípios fundamentais do sistema


do direito privado brasileiro que reconhece uma esfera privada de atuação com
eficácia jurídica.

[...] a autonomia privada merece alguma reflexão para além da ligeira


e consagrada opinião de tratar-se, ela, do princípio nuclear e
fundamental de todo o Direito Privado. Necessário seguir à frente e
descortinar a atual natureza jurídica e ideológica da autonomia
privada, pois, como adiante será compreendido, o incorreto
posicionamento deste princípio, no plano da sua legalidade
constitucional, pode trazer imensos retrocessos ao sistema jurídico
privado, sobretudo ao contratual22.

A liberdade econômica reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro,


sobretudo pela Lei nº. 13.874/2019, privilegia a autonomia privada do agentes, isso
pode se extrair dos artigos, 1º, 2º, 3º23, e seguintes da lei denominada, liberdade
econômica. Portanto, inegável a importância desse modelo de Estado que privilegia o
princípio da liberdade.
Entretanto, a outra face deste mesmo modelo de Estado, direciona-se ao
social, prestigiando, por sua vez, o princípio da solidariedade, exemplo disso é a
função social do contrato, e como já se viu, função social da empresa, assim, conciliar
interesse coletivo e individual torna-se um desafio24.
Embora conciliar o interesse coletivo da classe trabalhadora com o patronal
seja um exercício, é prática comum nos tribunais do trabalho, bem como o STJ já se

21
SANSEVERINO, Paulo de Tarso. A função social da empresa na recuperação judicial.
Cadernos – FGV Projetos, Recuperação de empresas. 2018, p. 56.
22 MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana. Rio de

Janeiro, Renovar, 2009, p. 74.


23
V - gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica,
para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico
serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa
disposição legal em contrário;
24
MARTINS, Gustavo Afonso. GUNTHER, Luiz Eduardo. VILLATORE. Acesso à justiça do
trabalho e o princípio da intervenção mínima. Instituto Memória, 2019, p. 68.

24
manifestou a respeito diversas vezes quanto a predominância da negociação coletiva:

Livre negociação entre empregados e a empresa


“(…) 3. A evolução legislativa da participação nos lucros ou resultados
destaca-se pela necessidade de observação da livre negociação entre
os empregados e a empresa para a fixação dos termos da participação
nos resultados.
4. A intervenção do sindicato na negociação tem por finalidade tutelar
os interesses dos empregados, tais como definição do modo de
participação nos resultados; fixação de resultados atingíveis e que não
causem riscos à saúde ou à segurança para serem alcançados;
determinação de índices gerais e individuais de participação, entre
outros.
5. O registro do acordo no sindicato é modo de comprovação dos
termos da participação, possibilitando a exigência do cumprimento na
participação dos lucros na forma acordada.
6. A ausência de homologação de acordo no sindicato, por si só, não
descaracteriza a participação nos lucros da empresa a ensejar a
incidência da contribuição previdenciária.”
STJ, REsp 865.489/RS, 1.ª T., j. 26.10.2010, v.u., rel. Min. Luiz Fux,
DJe 24.11.2010.

Toda a relação contratual trabalhista, tem interesse econômico. Essa é a


razão pela qual o empregado se subordina – juridicamente – ao seu empregador, vez
que há prestação e contraprestação, e entre elas, o exercício do poder diretivo.
Nessa perspectiva, Barbosa, levanta a indagação, “qual a relação que se
estabelece entre àquela e o direito”25. A questão exposta pela portuguesa, vincula-se
à pesquisa no tocante à autonomia privada individual ou coletiva em um cenário de
preponderância econômica, ainda mais quando esta é capaz de influenciar na
elaboração da norma jurídica, ou a negociação coletiva entabulada entre as partes.

1.2 AUTONOMIA PRIVADA INDIVIDUAL - LABORAL

Para maior compreensão da autonomia privada individual na esfera


trabalhista vale-se do artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho, segue:

25
BARBOSA, Mafalda Miranda Barbosa. A recusa do jurídico pelo econômico. 2014, p.
633.

25
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre
estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha
às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que
lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste
artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta
Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os
instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de
nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas
vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência
Social. (BRASIL, 2017a).

As relações laborais são, na maior parte dos casos, marcadas pelas


desigualdades das partes, a vinculação é de hipossuficiência e subordinação jurídica,
de maneira que, nas palavras de Cassar26, se justifica a Intervenção do Estado para
que estabeleça condições mínimas de condições de trabalho, assim, o contrato de
trabalho tem suas regras mínimas impostas por lei, uma vez que os contratantes não
possuem igualdade econômica.
Pela ótica principiologica, o Direito do Trabalho possui, dentre outros, o
Princípio da Proteção do Trabalhador, que nas palavras de Süssekind27:

Resulta das normas imperativas e, portanto, de ordem pública, que


caracterizam a intervenção básica do Estado nas relações de trabalho,
visando a opor obstáculos à autonomia da vontade. Essas regras
cogentes formam a base do contato de trabalho – uma linha divisória
entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes,
e a dos contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o
mínimo de proteção legal.

Ora, se de um lado existe o princípio da proteção do trabalhador e,


concomitantemente há lei que disciplina a livre autonomia contratual do alto
empregado sendo aquele com diploma de curso superior nos termos do parágrafo
único do artigo 444 da CLT incluído pela Lei nº. 13.467/17 (BRASIL, 2017a) é de supor
não haver conflito entre princípio e norma, mas de coexistência e aplicação conjugada
da lei com a diretriz principiológica, ou ainda, entender que há um conflito entre a
norma e o princípio, e, por conseguinte, diante do caso concreto, se valer dos métodos
de interpretação e ponderação para resolução do litígio, conforme Martins, Gunther,

26
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro, 3ª ed. Impitus, 2014, p. 193.
27
SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima.
Instituições de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 1997. v. 1, p. 152.

26
Villatore28.
Contudo, há ressalvas apresentas por Cassar29 que entende que a partir da
Lei nº. 13.467/2017 (BRASIL, 2017a), os empregados portadores de diploma de nível
superior e que recebem salário igual ou superior a duas vezes o limite dos benefícios
da Previdência Social poderão negociar com seus empregadores os direitos previstos
no art. 611-A da CLT, com prevalência desse negócio individual escrito sobre a lei.
Poderá, ainda, renunciar os direitos previstos nas normas coletivas, pois o ajuste
individual prevalecerá sobre a norma coletiva.
À luz principiológica da proteção do trabalhador, nos ditames acima, verifica-
se que a legislação trabalhista nasce visando tutelar os direitos e obrigações oriundas
da relação laboral, sobretudo, garantir ao empregado condições de dignidade, a
propósito, assim se manifestou Maranhão:

O contrato de trabalho é um contrato regulamentado. Como esclarece


La Cueva, tem o direito do trabalho como finalidade primeira proteger
a saúde e a vida do trabalhador e garantir-lhe um nível de vida
compatível com a dignidade humana. E, se este é seu propósito, é
natural que, estando condicionada à realização desse objetivo pelo
conteúdo da relação de trabalho, tivesse a lei o cuidado de fixa-lo de
modo imperativo. A lei contém um contrato mínimo de trabalho, para
usarmos a expressão feliz de La Cuerva. E este contrato mínimo se
impõe à vontade das partes na estipulação de cada contrato
individual30.

Assim, o princípio da proteção, bem como artigo 444 da CLT (BRASIL, 2017a)
que estabelece que:

As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre


estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha
às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que
lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Isso equivale a dizer que a previsão legal, bem como a tutela jurisdicional do

28
GUNTHER, Luiz Eduardo. VILLATORE, Marco Antônio César. MARTINS, Gustavo Afonso.
Acesso à Justiça do Trabalho e o acesso à justiça. Instituto Memória. Curitiba-PR, 2018,
p. 134.
29
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro, 3ª ed. Impitus, 2014, p. 193,
p. 47.
30
MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do
Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 1997. v. 1, p. 254.

27
trabalho vem para proteger o empregado de ações que possam lhe causar prejuízos
econômicos e, inclusive de subsistência, mas também de proteção contra si próprio
de maneira que não há que se falar em autonomia privada individual quando
desrespeitar e ferir condições contratuais mínimas.
A propósito, corrobora com essa afirmação Maranhão31 ao dizer que a
autonomia da vontade individual, portanto, embora limitada no que respeita às
condições contratuais mínimas, resultantes da lei, do contrato coletivo ou da sentença
normativa, subsiste no contrato de trabalho, seja, necessariamente, na formação do
contrato, que é um acordo de vontade, seja na estipulação de seu conteúdo quando
este for além do mínimo legal.
Diante do que até aqui exposto, a autonomia privada individual subsiste em
um Estado Democrático de Direito também porque há a Intervenção do Estado que
lhe garante condições contratuais mínimas condizentes com valores fundamentais do
trabalho e dignidade da pessoa humana.

1.3 AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA - LABORAL

A autonomia privada no âmbito cível encontra tutela constitucional, assim


como também ocorre na esfera do direito do trabalho, vez que as relações lá e cá
estabelecidas criam, modificam e extinguem obrigações mútuas com reflexos e efeitos
no mundo jurídico. Particularmente em âmbito laboral, há tanto a autonomia privada
individual e a autonomia privada coletiva a qual passa-se a ser analisada.
Nas palavras de Silva:

Reside a negociação coletiva na essência do direito do trabalho. (...)


Não fosse pelo poder da negociação coletiva, talvez o direito do
trabalho ainda estivesse inserido em algum apêndice do direito civil,
pois não passaria de um acervo sobre a relação jurídica que une
trabalhador, empreendimento de sua energia e empregador. (...)
E na negociação coletiva, surge o inusitado efeito de serem
alcançadas pessoas estranhas às tratativas, inexistentes à época da
elaboração da norma coletiva e, tanto mais assombroso, com a
possibilidade de alteração de preceitos legais32.

31
MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do
Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 1997. v. 1, p. 254.
32
SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista, análise da lei

28
A conceituação do que vem a ser Convenção Coletiva encontra-se no artigo
611 da CLT, (BRASIL, 2017a): que em síntese define ser a Convenção Coletiva de
Trabalho um acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos
representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de
trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais
de trabalho.
Esse conceito, nas palavras de Silva (2015, p. 157/158), encaixa-se à
perfeição no ideal trabalhista de solução rápida de conflitos e de fixação de patamares
melhores para atender às peculiaridades de cada profissão33, segmento e região
geográfica, é o que se depreende das palavras de Adalberto Martins:

“[...] autonomia privada coletiva, no âmbito do direito coletivo do


trabalho, é o poder das entidades sindicais de auto-organização e
auto-regulamentação dos conflitos de trabalho, produzindo normas
que regulam as relações atinentes à vida sindical, às relações
individuais e coletivas de trabalho entre trabalhadores e
empregadores34.

Os sindicados representativos de determinada categoria profissional e


econômica atuam em defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais em
questões judiciais ou administrativas, assim disciplina o artigo 8º, III, da Constituição
de 1988. (BRASIL, 1988). À luz do dispositivo constitucional resta claro que a
Intervenção do Estado se faz necessária na medida em que há interesses opostos
nas relações laborais e, por conseguinte, geram efeitos no âmbito econômico das
partes.
Nas palavras de Adalberto Martins:

Verificamos, em linhas pretéritas, que a Constituição da República, no


art. 7º, XXVI, e art. 8º, VI, reconhece as normas coletivas de trabalho
e garante aos entes coletivos de trabalho a autonomia na produção
dos citados instrumentos jurídicos, exigindo sempre a presença do

13.467/2017. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2017, p. 157.


33
SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista, análise da lei
13.467/2017. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2017, p. 158.
34
MARTINS, Adalberto. A autonomia privada coletiva de trabalho: da reforma trabalhista
à covid-19. Revista de Direito do Trabalho | vol. 213/2020 | p. 147 - 168 | Set - Out / 2020
DTR\2020\11502

29
sindicato obreiro nas negociações coletivas de trabalho. Assim, a
autonomia, na esfera do direito coletivo do trabalho, é o poder-dever
que possuem os sindicatos, com vistas a capitanear a negociação
coletiva, com vistas à elaboração de regras de conduta e equilíbrio, no
confronto de interesses defendidos pelos participantes do processo de
negociação35.

Assim o Estado para garantir a efetividade dos direitos sociais – trabalhistas


– conforme mencionado, para preservar o mínimo contratual, age em prol da classe
presumivelmente vulnerável em determinada relação. A título de exemplo, assim o faz
nas relações consumeristas onde presume-se ser o consumidor vulnerável, isso
ocorre para que se efetive a transição da igualdade formal para a igualdade
substancial.
Nas palavras de Meireles:

Com a maior participação do Estado nas relações privadas, foi


possível a passagem da igualdade formal para a igualdade
substancial. Afinal, a igualdade contratual que servia de substrato para
dar força obrigatória à vontade das partes não passa de um mito. A
autonomia privada sob a lógica individualista era pautada pela
igualdade formal, enquanto que a lógica do Estado Social impõe que
seja reconhecida a desigualdade a fim de que com o tratamento
diferenciado entre desiguais possa ser satisfeita substancialmente a
igualdade. Exemplo disso se encontra no Código de Defesa do
Consumidor que presume ser o consumidor vulnerável36.

Veja-se, portanto, que a autonomia privada coletiva expressa no instrumento


denominado Convenção Coletiva de Trabalho que se concretiza na negociação
coletiva é o meio mais eficaz para a solução dos conflitos coletivos e, através dela, é
que se encontram fórmulas para que seja mantida a paz social37.
Conforme mencionado do capítulo anterior, tanto a autonomia privada
individual como a coletiva, o seu exercício pleno depende, em última análise, da
densidade do texto legal, ou seja, a lei concederá ou restringirá o conteúdo daquilo
que poderá ser objeto de negociação coletiva de maneira, portanto, que quanto maior

35
MARTINS, Adalberto. A autonomia privada coletiva de trabalho: da reforma trabalhista
à covid-19. Revista de Direito do Trabalho | vol. 213/2020 | p. 147 - 168 | Set - Out / 2020
DTR\2020\11502
36 MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana. Rio de

Janeiro, Renovar, 2009, p. 82.


37 SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima.

Instituições de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 1997. v. 1, p. 1078.

30
a restrição no que tange o conteúdo negociável, menor será a autonomia privada.
Corrobora com essa alegação as palavras de Teixeira Lima:

O Estado e a negociação coletiva. É inquestionável que o espaço


reservado à negociação coletiva é produto do maior ou menor grau de
intervencionismo estatal na disciplina desse processo de
entendimento, do protagonismo que os atores sociais têm no seu
desenvolvimento e estruturação e, por fim, da frequência com que a
lei antecipa o que deveria ser o conteúdo da negociação. (1997, p.
1078)38.

A Intervenção do Estado pode, portanto, ocorrer em dois momentos, na


elaboração da lei (Poder Legislativo) que disciplinará a matéria naquilo que poderá
ser objeto de negociação coletiva, bem como poderá e deverá intervir o Poder
Judiciário quando provocado para equilibrar relações e resolver o litigio que se
estabelece decorrente de uma pretensão resistida, que é, em última análise, quando
nasce o direito de ação.
Diante dessas hipóteses de Intervenção do Estado é que a nova redação do
art. 611-A da CLT, que em linhas gerais dispõe que - a convenção coletiva e o acordo
coletivo de trabalho, observados os incisos III e VI do caput do art. 8 da Constituição,
têm prevalência sobre a lei (...). (BRASIL, 2017a).
Assim, para que melhorem as condições de trabalho, Luiz Eduardo Gunther
entende que a negociação coletiva apresenta a grande justificativa de poder ser rápida
e eficiente, solucionando-se eventual conflito pelos próprios interlocutores sociais, os
sindicatos a frente, como verdadeiros entes coletivos, para justificarem o equilíbrio
relativamente ao poder empresarial.
Os artigos em análise trazidos pela Reforma Trabalhista, Lei nº. 13.467/2017,
(BRASIL, 2017a) revelam um descompasso entre o Poder Legislativo com o que se
construiu com a atuação dos operadores do direito, advogados, Membros do
Ministério Púbico do Trabalho, Juízes e as Cortes Superiores, enfim, o Poder
Judiciário em âmbito trabalhista, isso porque busca corrigir distorções da má aplicação
das leis ou inobservância delas com base, inclusive em princípios.
Na tentativa de mitigar as ações trabalhistas, o Poder Legislativo apresenta

38
SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima.
Instituições de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 1997. v. 1, p. 1078.

31
comandos normativos que esvaziam a amplitude de atuação do Poder Judiciário,
sobretudo dos juízes trabalhistas, nos termos do §3º do art. 8º da Lei nº. 13.467/2017
(BRASIL, 2017a), prevendo o princípio da Intervenção Mínima, o que ocorre também
com outros dispositivos alterados pela Reforma Trabalhista.
A título de exemplo, nas palavras de Araújo:

O caput do artigo 611-A da CLT apresenta equívoco ao não distinguir


associados e não associados, medida que se fazia necessária por
conta da extinção da contribuição sindical obrigatória. Além disso, ao
incluir a expressão “entre outros” na sua redação, torna genérica e
exemplificativa hipótese de flexibilização, quando deveria ser restritiva
a possibilidade de supressão ou redução de direitos por norma
coletiva39.

A ideia de autonomia privada já vinha disciplinada na CLT em seu artigo 444


que dispõe que “as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre
estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições
de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às
decisões das autoridades competentes”. (BRASIL, 2017a).
Nesse dispositivo, embora refira-se a direitos individuais, a livre estipulação
se estende às hipóteses do art. 611-A da CLT, de maneira que com o advento da Lei
nº. 13.467/2017 (BRASIL, 2017a) a autonomia privada ganha mais espaço de
atuação, tanto nas relações individuais como nas coletivas.
Nesse sentido corrobora Lopes Filho40 ao dizer que a reforma aqui comentada
teve como principal objetivo dar autonomia às partes envolvidas na relação trabalhista,
vez que nos debates no Congresso Nacional, durante a tramitação da reforma, julgou-
se que um trabalhador com graduação em ensino superior e salário acima da média
remuneratória da maioria da população não deveria ser tratado como alguém
vulnerável, que necessite de proteção do Estado ou de tutela sindical para negociar
seus direitos trabalhistas.
Evidenciada essa dicotomia entre a previsão legal e a aplicação pelo judiciário

39
ARAÚJO, Éder Francelino. Lei da Reforma Trabalhista, comentada artigo por artigo.
São Paulo, Jhmizuno, 2017, v. 01, p. 36-39.
40
LOPES FILHO, Abel Ferreira. Lei da Reforma Trabalhista, comentada artigo por artigo.
São Paulo, Jhmizuno, 2017, p. 159.

32
daquelas disposições legais, no que tange a autonomia privada, em nome da
segurança jurídica, a Intervenção do Estado legislador vem para reverenciar a
autonomia privada fazendo com que o Estado Juiz tenha atuação mitigada naquilo
que seja objeto de negociação entre os sujeitos de direito envolvidos em determinada
relação laboral.
Nesse sentido Teixeira Lima explica (1997, p. 1079):

As razões para isso são óbvias: é para que haja uma ampla e saudável
descentralização capaz de dar respostas e soluções mais justas e
mais racionais às demandas; para que se estimule o senso de
responsabilidade e de participação de cada cidadão, que, assim,
assumirá o papel de artífice de seu próprio destino e não ficará
esperando as soluções padronizadas do Estado; e para evitar que os
cidadãos tenham de enfrentar-se sempre diretamente com o próprio
Estado, sem os amortecedores dos corpos mediadores41.

Significa, portanto, a negociação coletiva, um instrumento que valoriza a


capacidade de exercício de responsabilidades no que tange as escolhas feitas ao
estipularem condições, termos e encargos no ato de pactuarem e aproximarem
interesses. Assim, Teixeira Filho complementa:

E a negociação coletiva constitui o processo mais adequado para se


estruturar uma verdadeira rede de regras privadas, revistas e
aprimoradas a cada exercício da autonomia coletiva, sempre
objetivando reduzir a folga, o espaço faltante entre o trabalho e o
capital, distância essa que nem mesmo a mera intervenção legislativa
se mostrou capaz de corrigir.
Isso não significa menosprezar a função reguladora que o Estado
efetivamente tem a desemprenhar. Significa, isto sim, reconhecer a
existência de uma vertente autônoma voltada para a busca – cada vez
mais ostensiva e mais autêntica – da realização da justiça social.

Diante do exposto, a autonomia privada coletiva, assim como a individual,


renasce com a promulgação da Lei nº. 13.467/2017 (BRASIL, 2017a) a fim de, em
tese, aproximar os sujeitos de direito envolvidos na relação trabalhista para que seus
interesses sejam negociados sem a intervenção do próprio Estado, bem como
celeridade aos conflitos oriundos da relação laboral.
Ocorre que nas relações oriundas dos negócios jurídicos, em que se respeitou

41 SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima.


Instituições de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 1997. v. 1, p. 1079.

33
o plano da existência, validade e eficácia, e, ainda, privilegiou a autonomia privada,
seja a individual ou coletiva, esse cenário se dá em um ambiente de relações
contratuais, ou seja, onde há interesses econômicos, seja daquele que detém os
meios de produção, ou daqueles que se valem da força física e/ou capacidade
intelectual para auferirem renda para subsistência.
Assim, é nesse espaço econômico, denominado de mercado, que contratos
são firmados, direitos, obrigações e deveres nascem e se extinguem pela via da
prestação jurisdicional, é nesse contexto que se depara com necessidades essenciais,
pretensões resistidas, vulnerabilidade dos agentes econômicos, instabilidade nas
negociações e relações jurídicas frustradas, que se faz necessária a presença do
Poder Judiciário a fim de prestar a tutela aos jurisdicionados. De igual modo, é no
mesmo cenário que o Poder Legislativo enfrenta tais questões a fim de mitigar os
efeitos nocivos à sociedade.
A questão reside quando o fenômeno econômico sobressai sobre o jurídico,
quando interesses econômicos ganham espaço nas decisões legislativas a ponto do
jurídico, restar-se a se conformar com as imposições do mercado e/ou interesse de
classes dominantes.
É importante situar que o objeto deste livro se encontra em um Estado
Democrático de Direito, sob o regime econômico liberal, que tem como marca a
civilização capitalista, contudo, com regime jurídico também voltado ao social. Com
tutela constitucional tanto para o livre mercado, bem como para direitos sociais.
A liberdade econômica outorga aos agentes a autonomia privada, portanto,
inegável a importância desse modelo de Estado que privilegia o princípio da liberdade,
entretanto, a outra face deste mesmo modelo de Estado, direciona-se ao social,
prestigiando, por sua vez, o princípio da solidariedade, exemplo disso é a função social
do contrato, assim, conciliar interesse coletivo e individual torna-se um desafio. E
nesse viés, há estreita convivência entre a ciência econômica e a ciência do direito.
Nessa perspectiva, Barbosa, levanta a indagação, “qual a relação que se
estabelece entre àquela e o direito”42. A questão exposta pela portuguesa, vincula-se
à pesquisa no tocante à autonomia privada individual ou coletiva em um cenário de
preponderância econômica, ainda mais quando esta é capaz de influenciar na

42
BARBOSA, Mafalda Miranda Barbosa. A recusa do jurídico pelo econômico. 2014, p.
633.

34
elaboração da norma jurídica.
Barbosa ainda enfatiza que:

Reconhecemos, sob pena de padecermos de autismo obnubilador da


realidade, que a dimensão económica não pode deixar de influenciar
a juridicidade, mas não nos esquecemos que esta tem uma
intencionalidade própria que não se pode deixar condicionar pela
estrutura da economia43.

Esse entrechoque entre interesse econômico e estrutura jurídica, sobretudo,


tutela jurisdicional, se verifica quando, em nome de um instituto jurídico, visa-se impor
regras de direito de cunho econômico. Em outras palavras, em nome da segurança
jurídica e maior espaço para negociação, ou seja, autonomia privada (individual ou
coletiva), incentivar a elaboração da norma jurídica com nítido viés e reflexo
econômico aos destinatários da norma, inclusive visando a impossibilidade de
intervenção por parte da Justiça Trabalhista, o que se verifica com a inserção do
parágrafo terceiro no artigo oitavo.
A propósito, vale-se das palavras de Barbosa:

As leis são hoje instrumentos de prossecução de determinada política


de governo do Estado. Nessa medida, elas necessariamente reflectem
dados economicamente cunhados e procuram, por si mesma,
prosseguir determinados objetivos eficientistas. Contudo, isto não nos
pode conduzir à assunção de que as normas têm incontornavelmente
um conteúdo economicamente densificado e que, por isso, todo o
ordenamento jurídico reflecte uma escolha valorativa assente em
pilares tecnocráticos44.

Essa preocupação entre interferência do econômico no jurídico, é algo que


afeta o Direito do Trabalho, o que pode intensificar o abuso do poder diretivo do
empregador, vez que é ele que suporta todo o ônus pecuniário frente ao custo Brasil,
assume todo o risco do negócio, denominado, princípio da alteridade. A título de
exmplo, Martins, Gunther e Villatore, “Isso é o que se viu, por exemplo, na política de
desoneração da folha de pagamento no governo Dilma e, posteriormente, na proposta

43
BARBOSA, Mafalda Miranda Barbosa. A recusa do jurídico pelo econômico. 2014, p.
633.
44
BARBOSA, Mafalda Miranda Barbosa. A recusa do jurídico pelo econômico. 2014., p.
638.

35
de veto a essa lei pelo governo Temer45”. Em ambos os casos, a motivação era
econômica. Se prevalecer a pretensão econômica sobre o direito, consequentemente,
o acesso à justiça tender-se-á a ser cada vez mais limitado, vez que para tanto, há
custos, o que por si só já mitiga o exercício do direito constitucional de busca da
prestação jurisdicional do Estado.
Ocorre com certa frequência, se valer da via legislativa para tentar resolver
questões econômicas, dentre outras, a propósito, Vaz, esclarece:

Por um lado, o problema econômico é anterior ao direito, no sentido


de que este deve servir a realidade e que a economia é um dos
aspectos. Assim, o direito fornece quadros mentais de enquadramento
da realidade econômica e assegura, através dos seus institutos e
mecanismos, a salvaguarda de posições adquiridas ou a adquirir. Mas,
por outro lado, seria erro considerar o direito (como servo da
economia): a regra jurídica exprime, na verdade, certas exigências às
quais a economia tem de submeter-se46.

Persiste, ao que se observa, a dúvida quanto à vinculação entre Direito e


Economia, contudo, revela-se que as garantias constitucionais devem ser vistas e
interpretadas de forma impositiva e que em relação a elas, interesses que não
corroborem para a sua efetivação, devem ser rechaçadas, o que inclui pretensão
normativa de cunho econômico tendenciosa a suprimir conquistados e assegurados
na Constituição de 1988, sobretudo, os direitos sociais, nesse particular, trabalhistas.
Relembre-se que a estrutura normativa, bem como a metodologia estruturante
do Direito permite valer-se de outras fontes para normatividade jurídica, o que significa
dizer, que o Poder Legislativo e/ou Executivo, não são os detentores absolutos de
impor regras de condutas, podendo, por conseguinte, o ordenamento jurídico ser
composto de princípios e, de reiteradas decisões em mesmo sentido. Ou seja, o direito
não se limita à lei.
A propósito, Barbosa esclarece:

Estamos longe do reducionismo que identificava a lei com o direito.


Ora, isso significa não só que existem mais fontes da normatividade

45
GUNTHER, Luiz Eduardo. VILLATORE, Marco Antônio César. MARTINS, Gustavo Afonso.
Acesso à Justiça do Trabalho e o acesso à justiça. Instituto Memória. Curitiba-PR, 2018,
p. 30.
46
VAZ, Manuel Afonso. A Problemática de um Direito Econômico. Coimbra, 1989, p. 83.

36
jurídica vigente para além das normas, como que estas têm de
encontrar a sua legitimidade em algo que vá para além da forma do
poder politicamente legitimado para as produzir47.

Nesse sentido, a autonomia privada – individual ou coletiva – que se legitima


no princípio da liberdade, não pode ser utilizado como subterfúgio para simular uma
aparente maior liberdade e autonomia para negociar, tampouco pode esse princípio
sobressair em detrimento ao princípio da justiça social ou princípio protetivo, deve-se,
portanto, harmonizar a liberdade com a solidariedade.

Autonomia Autonomia Privada Autonomia Privada


Individual Coletiva
Princípio que confere Nas relações laborais são Se manifesta pela
às partes liberdade de externalizadas em contratos negociação coletiva, que
autorregulamentação, individuais, bem como poderá ser pela via da
ou seja, permite que as acordos individuais. Convenção Coletiva de
partes possam Trabalho e/ou Acordo
convencionar o que Coletivo de Trabalho.
melhor lhes aprouver.

Tabela do autor

1.4 ALTERAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - PRINCÍPIO DA


IMODIFICABILIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO

As alterações no contrato de trabalho, via de regra, não podem ser lesivas ao


empregado, tampouco unilateral, isso significa que o empregador, embora tenha o
poder diretivo, deve respeito a regra do art. 468, CLT48, e previsão constitucional, art.

47
BARBOSA, Mafalda Miranda Barbosa. A recusa do jurídico pelo econômico. 2014., p.
638, p. 638.
48
Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas
condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou
indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta
garantia.
§ 1º Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o
respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício
de função de confiança. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

37
5º, XXXVI e 7º, VI, VII, X, CF/88, é o que se extrai das palavras de Ildelio Martins:

Há uma regra geral que preside às contratações tal a da


imodificabilidade do pactuado, por vontade unilateral de uma das
partes. Este princípio também está presente ao contrato de trabalho,
interessando ao conteúdo da prestação e seus reflexos, inclusive os
econômicos.(…)
O prejuízo é, pois, elemento fundamental na consideração da
alteração, consentida ou imposta, do contrato de trabalho. E,
certamente, quando o art. 468 da CLT dispõe dessa forma e se refere
a prejuízo, abrange nesse termo, os danos de qualquer ordem e
hierarquia, estendendo-se ao econômico, ao moral, ao físico, ao
familiar, enfim a qualquer espécie de prejuízo, atual ou iminente, direto
ou indireto, previsível ou surpreendente.(…) 49

A afirmação acima ainda repercute quanto a estabilidade financeira, que é


aquela oriunda do tempo em que o empregado em determinada atividade
comissionada, (10 ou 20 anos), é o que sustenta Silva: “Foi então que a Súmula 399
do TST desenvovleu o conceito de estabilidade financeira, capaz de proteger esse
empregado”50.
Fato é que, mesmo que mantida a estabilidade financeira, se for o caso, isso
por si só, não significa que o empregador não possa se valer de seu poder diretivo e
adequar a função de determinado empregado à necessidade da empresa. É o que se
verifica com afirmação de Ildelio Martins.

Convenhamos que um contrato de trabalho sofre alteração quando é


atingido no seu conteúdo que se modifica no todo ou em parte em
condições não desejadas pelo empregado ou mesmo por este
consentidas. Da mesma forma que a sua consumação, um contrato só
pode alterar-se pela vontade mútua dos contratantes, livremente
manifestada. (…)
O princípio se estende às pactuações de interesse das relações de
emprego. Então, o cerceio de liberdade de manifestação conduz à
nulidade de uma alteração de contrato de trabalho. Como ato jurídico
que é, também os contratos de trabalho se submetem às
consequências gravosas dos vícios de vontade (erro ou ignorância,

§ 2º A alteração de que trata o § 1º deste artigo, com ou sem justo motivo, não assegura ao
empregado o direito à manutenção do pagamento da gratificação correspondente, que não
será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva função.
(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
49
MARTINS, Ildélio. Alteração do contrato de trabalho: limites ao poder de comando da
empresa. RDT 52/39, Nov/1984, p. 39.
50SILVA. Homero Batista Mateus. Comentários à Reforma Trabalhista. São Paulo, Revista dos
Tribunais, 2017, p. 86.

38
dolo, coação, simulação)51.

Essa definição – legal e doutrinária – estabelece que há autonomia contratual,


assim como poder de direção do empregador, porém com parâmetros/margens
fixadas pelos artigos mencionados, de modo que, assim como a liberdade contratual
laboral, bem como o poder diretivo, encontram limites em seu alcance. Portanto, trata-
se de liberdade condicionada à norma constitucional e infraconstitucional.
Considerando que a pesquisa ocupa-se do aspecto da realidade, cita-se a
decisão do TRT-6.ª Reg., RO 00097.2008.192.06.00-0, 2.ª T., j. 24.09.2008, rel. Dinah
Figueirêdo Bernardo.

Alteração unilateral do contrato de trabalho. Impossibilidade. Respeito


aos direitos adquiridos pelo empregado. Aplicação do princípio da
inalterabilidade contratual lesiva. A alteração unilateral de benesses
conferidas pela empregadora não atinge os contratos de trabalho
celebrados anteriormente, por força do direito já adquirido, insuscetível
de atingimento pela modificação implementada na estrutura da
empresa. O princípio da inalterabilidade contratual lesiva, agasalhado
pelo art. 468 da CLT, dita que as transformações na estrutura jurídica
das empresas não afetam os contratos de trabalho em curso. Recurso
ordinário patronal a que se nega provimento.

O que fundamenta a vedação de alteração unilateral lesiva do contrato de


trabalho, é a previsão do art. 6º, §2º, LINDIB - direito adquirido, sendo assim definido:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato


jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou
alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do
exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida
inalterável, a arbítrio de outrem.

A lógica jurídica laboral para impedir a alteração contratual unilateral lesiva, é


para que o exercício do poder diretivo do empregador, não seja motivado com
interesse de forçar o empregado a exercer seu direito potestativo da demissão, o que
pode configurar, dano moral por assédio, conforme se extrai da decisão do TRT-2.ª
Reg., RO 0111100-64.2008.5.02.0012, 12.ª T., j. 08.12.2011, rel. Marcelo Freire
Gonçalves:

51
MARTINS, Ildélio. Alteração do contrato de trabalho: limites ao poder de comando da
empresa. RDT 52/39, Nov/1984, p. 39.

39
Recurso ordinário. Rebaixamento de cargo com o propósito de
compelir o empregado a pedir demissão. Assédio moral configurado.
O assédio moral é uma violência psicológica reiterada por meio de atos
diretos ou indiretos em que o agressor investe contra as esferas física,
psíquica, moral ou social da vítima, mantendo-a acossada a fim de
forçá-la a agir segundo os seus interesses. O rebaixamento de função
com o propósito de constranger o empregado, compelindo-o a pedir
demissão excede os limites do poder diretivo do empregador. A
manutenção do empregado nessa situação configura assédio moral.
O abuso do poder organizacional configura ato ilícito e,
consequentemente, gera o direito a justa reparação pelos prejuízos
sofridos pelo empregado (art. 187 do CC/2002).

Aqui fixa-se um critério interessante, proibe-se a alteração contratual unilateral


lesiva, para previnir inclusive o empregador de ter que, eventualmente, indenizar o
empregado pela conduta descrita no julgado acima. Claro que nem sempre tal
alteração configurará, por si só, dano extrapatrimonial. Nesse sentido, o TST, RR
0001600-95.2006.5.03.0112, j. 06.09.2011, rel. Min. José Roberto Freire Pimenta.

No caso, a pretensão da recorrente de pagamento de indenização por


assédio moral em virtude das alterações contratuais unilaterais
procedidas pelo empregador, das quais realmente resultaram em
perdas em sua remuneração, não caracterizam por si sós, a alegada
‘tortura psíquica’, mas simples inadimplemento das obrigações
pecuniárias do contrato de trabalho, em ofensa, sim, à irredutibilidade
salarial e à inalterabilidade contratual lesiva previstas nos arts. 7.º, VI,
da CF/1988 e 468 da CLT.

Portanto, de um único ato do empregador, exercício do poder diretivo: Alterar


unilateralmente o contrato, poderá gerar uma ou duas consequências: 1ª. Dano moral;
2ª. Indenização por inadimplemento das obrigações pecuniárias. Assim, cautela é a
medida necessária no uso do poder diretivo, o que possibilita o exercício do jus
variandi.
Assim, nas palavras de Vianna:

Campo do jus variandi é o espaço em branco entre cláusulas, onde


nada se previu especificamente. Ali o empregador se movimenta,
preenchendo os vazios de acordo com a sua própria vontade.[...]. E
por ser assim, talvez se possa dizer – por paradoxal que pareça – que
a originalidade do contrato de trabalho está pouco “fora” dele, no poder
de se exigir o que não se ajustou. [...]. Entenda-se: como ocorre com
o poder diretivo em geral, o jus variandi tem fonte no contrato: é
contratado. Mas se realiza através da vontade de um só, exatamente

40
por se situar num campo em que a outra vontade não se expressou de
antemão52.

Os limites que o jus variandi encontram, diz respeito ao contrato, o que pode
ser em vários sentidos, à alteração do contrato, portanto, este instituto decorre do
poder diretivo que é mais amplo, o que significa dizer, que o empregador além de
deter o direito de variar, possui também a direção das atividades econômicas da
empresa, o que inclui os empregados. Portanto, se trata de gênero (poder diretivo), e
espécie (jus variandi).
Constata-se que as decisões do TST, a respeito do poder diretivo, no Recurso
de Revista nº. 11276-14.2015.5.03.0060: que entendeu, não estar configurado abuso
de poder diretivo, a exigência de teste de bafômetro realizado mediante sorteio53.
Contudo, em análise ao RR nº. 889-41.2013.5.09.0965: entendeu que houve aubuso
do poder diretivo, portanto, devida a indenização54.
Portanto, depreende-se tratar de análise causuística, a análise do caso
concreto é que definirá quando há abuso do poder diretivo e quando não existe. Assim,
mesmo pós Reforma Trabalhista, o poder diretivo ainda é tema a ser discutido e
analisado a eventual abusividade de seu exercício.

1.4.1 PODER DIRETIVO E JUS VARIANDI

Opta-se por desenvolver brevemente esse tópico apenas para distinguir um


instituto de outro, de modo que se torna mais compreensivo a diferença entre eles,
embora, em termos práticos, revelem ação do empregador em relação à direção que
se quer dar às relações laborais a ele subordinado juridicamente.

O poder de direcção, em sentido técnico, tem em vista a conformação


52
VIANA, Marcio Túlio. Direito de resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em
face do empregador. São Paulo: LTr, 1996, p. 214.
53

http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt
=&numeroTst=11276&digitoTst=14&anoTst=2015&orgaoTst=5&tribunalTst=03&varaTst=0060&submit
=Consultar Acesso em 14 de dez. 2020
54

http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt
=&numeroTst=889&digitoTst=41&anoTst=2013&orgaoTst=5&tribunalTst=09&varaTst=0965&submit=
Consultar Acesso em 14 de dez. 2020

41
da prestação laboral; num sentido amplo, abrange igualmente
determinadas alterações ao programa contratual, normalmente
designadas por ius variandi. Mediante o ius variandi admite-se que,
em certas circunstâncias, o empregador introduza modificações
quanto a vários aspectos da actividade do trabalhador, mormente, em
relação ao modo de efectuar a prestação. (…)
O ius variandi pressupõe um desvio ao princípio pacta sunt servanda
(art. 406.º do CC), justificado por motivos empresariais, que não
constitui uma especificidade do domínio laboral; veja-se, por exemplo,
em sede de empreitada, o disposto nos arts. 1.216.º e 1.229.º do CC.
(…) As alterações impostas pelo empregador podem estar abrangidas
pelo típico poder de direcção, por exemplo, alterar a atividade impondo
a realização de funções afins (art. 151.º, n. 2, do CT) e, nesse caso,
não se incluem no ius variandi. Para haver ius variandi torna-se
necessário que a alteração determinada pelo empregador esteja em
contradição com o programa contratual, isto é com as regras que direta
ou indiretamente regem aquela relação laboral; concretamente, que se
imponha a realização de uma atividade diversa, não compreendida
nas funções afins ou funcionalmente ligadas. (…)
De igual modo, não corresponde ao exercício do ius variandi a
alteração de funções para atividade afim ou funcionalmente ligada,
para a qual o trabalhador tenha qualificação, nos termos estabelecidos
no art. 151.º, n. 2, do CT. (…)”.

Importa trazer a decisão do TRT-2.ª Reg., RO 0000465-67.2011.5.02.0252, j.


19.03.2013, rel. Ricardo Artur Costa e Trigueiros.

Nunca é demais lembrar que o trabalhador é sujeito e não objeto da


relação contratual, e tem o direito de preservar sua integridade física,
intelectual e moral, em face do poder diretivo do empregador. A
subordinação no contrato de trabalho não compreende portanto, a
pessoa do empregado, mas tão somente a sua atividade laborativa,
esta sim submetida de forma limitada e sob ressalvas, ao jus variandi.

A decisão acima trata justamente do limite do jus variandi, assim, nesse


particular, confira-se a tabela abaixo para ilustrar a distinção:

Poder de direção Jus variandi


conformação da prestação laboral admite-se que, em certas circunstâncias, o
empregador introduza modificações em
relação ao modo de efetuar a prestação.
alterar a atividade impondo a realização de O ius variandi pressupõe um desvio ao
funções afins (art. 151.º, n. 2, do CT) princípio pacta sunt servanda
Para haver ius variandi torna-se necessário
que a alteração determinada pelo
empregador esteja em contradição com o
programa contratual
Tabela do autor

42
A tabela acima é inicial, de modo que ao longo dessa dissertação, o poder de
direção ganhará cada vez mais características. Assim como apresentar-se-á numa
coluna à esquerda, na sequencia do trabalho, o que configura abuso do poder de
direção.

1.5 NEGOCIAÇÕES COLETIVAS – ADERÊNCIA DAS CLÁUSULAS NORMATIVAS


AO CONTRATO DE TRABALHO INDIVIDUAL

Seja na CCT ou no ACT, as cláusulas pactuadas entre as partes refletem e


se aderem ao contrato de trabalho originário entre empregador e empregado, isso se
dá em favor do tratamento isonômico que deve ser dispensado em favor da mesma
classe de empregados.
Com a alteração oriunda da Reforma Trabalhista, o art. 611-A e art. 611-B,
CLT, ambos tratam da negociação coletiva, aquilo que é permitido55 ser negociado e
o que não pode, mesmo pela via da negociação entre as partes, mesmo com o
exercício da autonomia privada coletiva, a CLT – art. 611-B56, proibe determinadas
tratativas, isso se justifica a fim de tutular direitos mínimos aos empregados.
Por oportuno, o TRT-SP, já se manifestou no seguinte sentido:

Convenção ou acordo coletivo. Redução de direitos. Limites de


admissibilidade. A ressalva ao princípio da irredutibilidade do salário,
contemplada no art. 7º, VI, da Constituição Federal, não implica
autorização aos sindicatos para livremente transigirem acerca dos
direitos individuais dos integrantes da categoria, em qualquer
circunstância (partindo do pressuposto de que, permitida a redução de
salário que é o direito básico do trabalhador, autorizada resultaria a
redução de qualquer outro direito trabalhista, situado em nível inferior
de essencialidade). (...) (TRT/SP 02990131366. RO, 8ª T., Ac.
20000223713, DOE 30.05.2000. Rela. Juíza Wilma Nogueira de
Araújo Vaz da Silva)

O trecho da ementa acima, revela que a ideia de que o negociado prevalecerá

55
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a
lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (...)
56
Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de
trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: (Incluído
pela Lei nº 13.467, de 2017) (...)

43
sobre o legislado, não é bem assim. Isso porque o art. 468, CLT, não foi revogado
expressa nem tacitamente pela Reforma Trabalhista, de modo que a irredutibilidade
do salário, e a alteração lesiva do contrato de trabalho, ainda vigora mesmo com a Lei
nº. 13.467/2017.
Importa frisar que a mesma ementa do TRT-SP, apresenta alguns critérios de
observância para, eventualmente, reduzir direitos previstos, seja constitucionalmente
ou infraconstitucionalmente, quiça, em instrumentos oriundos de negociação coletiva.
Isso importa em afirmar que há limites nessa peculiaridade do exercício do poder
diretivo do empregador, ele pode muito, mas não pode tudo, e uma limitação é a
alteração contratual lesiva financeiramente ao empregado.

A permissão para redução de direitos previstos na Constituição


Federal ou na legislação infraconstitucional deve ser entendida no
contexto das garantias instituídas em favor do trabalhador e de seus
dependentes e da preservação dos ‘valores sociais do trabalho’, que
constituem princípio fundamental da República (CF, art. 1º, IV). Assim,
a redução de direitos só pode ser aceita como medida de caráter
excepcional, justificada pelas dificuldades financeiras ou operacionais
enfrentadas pela empresa ou pelo segmento econômico (e revogável,
assim, quando cessadas tais dificuldades), ou, ainda, em atenção a
peculiaridades que impeçam a observância estrita dos preceitos
trabalhistas, e acompanhada, sempre que possível, de contrapartida
em favor dos empregados, de forma a impedir a quebra do equilíbrio
que deve presidir as relações contratuais entre empregadores e
empregados. Só nessas condições o acordo ou convenção coletiva se
legitima, tornando impositivo seu reconhecimento (CF, art. 7º XXVI).
Qualquer acordo coletivo de redução de direitos trabalhistas deve
observar tais parâmetros sendo inválido e ineficaz quando não o fizer”
(TRT/SP 02990131366. RO, 8ª T., Ac. 20000223713, DOE
30.05.2000. Rela. Juíza Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva)

A ementa acima indica justamente o que é o teor do art. 611-B, CLT, de modo
que, embora a negociação seja livre, ela sofre limitação textual-normativa, no sentido
de proteger o empregado do poder abuso do empregador. Contudo, é uma análise
causuística, têm-se a regra quanto ao que se pode negociar, e, por outro, regra sobre
o que não pode negociar, vez que fere direitos trabalhistas constitucionais.
Por outro, as Côrtes Superiores, por diversas vezes, se manifestaram pró
aderência das cláusulas convencionais aos contratos de trabalho individuais, a título
de exemplo, TST em Recurso de Revista nº. 764556-81.2001.5.09.5555:

Aderência limitada ao contrato de trabalho. O Tribunal Superior do

44
Trabalho, por meio da Súmula nº. 277, cuja incidência não é restrita à
sentença normativa, mas abrangente dos acordos coletivos de
trabalho e das convenções coletivas de trabalho, conforme a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, adotou a teoria da
aderência da norma coletiva ao contrato individual de trabalho liitada
pelo prazo de vigência da norma coletiva, preconizando a não-
incorporação ao contrato de trabalho de vantagens instituídas
mediante acordos e convenções coletivas de trabalho.

Assim, mesmo antes da Reforma Trabalhista, a força vinculante das cláusulas


da CCT ou ACT aos contratos de trabalho individuais, já havia sido analisado pelo
STF por diversas vezes, em três casos emblemáticos em especial, os quais
direcionavam o entendimento em fazer prevalecer o negociado sobre o legislado.
Portanto, nas palavras de Gunther, Villatore e Martins:

Não se trata precisamente de novidade, mas o seu tratamento vem


sendo trabalhado ao passo em que se indica pelos julgados abaixo,
haver uma tendência da prevalência da autonomia privada individual
e/ou coletiva, isso se materializa nas Convenções Coletivas de
Trabalho e nos Acordos Coletivos de Trabalho57.

A negociação coletiva é uma ferramenta essencial para a modernização das


relações do trabalho, isso porque possibilita às partes a particularizar as normas
regentes do contrato de trabalho, de forma mais específica àquela atividade
econômica. Ora, quem mais sabe o que é necessário para a melhor prestação de
serviço? Assim, como quem melhor sabe a condição econômica para outorgar direitos
pela via da negociação coletiva, se não o empregador?
Essas duas perguntas são retóricas, servem para refletir que a negociação
coletiva aproxima os interesses, contudo, por força da CF/88, isso se dá mediante
intervenção do sindicatos, e a Reforma Trabalhista confrontou a previsão
constitucional, vez que o que faltou então, foi justamente o fortalecimento do instituto
da autonomia privada individual/coletiva, seja pela via da CCT ou ACT, por intermédio
de classe representativa, sindicatos, federação ou confederação daquela categoria.
Assim, é pela via da negociação que trabalhadores e empresas estabeleçam
as condições de trabalho específicas para empresa, setor ou região, na medida em
que a função social da empresa também tem aderência à sua localidade de

57GUNTHER, Luiz Eduardo. VILLATORE, Marco Antônio César. MARTINS, Gustavo Afonso. Acesso
à Justiça do Trabalho e o acesso à justiça. Instituto Memória. Curitiba-PR, 2018, p. 121.

45
exploração da atividade econômica, sendo, portanto, dessa forma possível atender a
interesses mútuos em determinado lapso temporal.
Diante da tendência de prevalecer o negociado sobre o legislado, o Supremo
Tribunal Federal, já adotou alguns posicionamentos que reforçam essa afirmação, os
debates pela Corte enfrentados, sinalizam a necessidade de se valorizar a autonomia
coletiva da vontade e de se estimular a auto composição nos conflitos trabalhistas,
incentivo este já prescrito no art. 7º, inciso XXVI, da Constituição de 1988 (BRASIL,
1988).
Essas decisões do STF, sucintamente, ficam arroladas a seguir a fim de deixar
como fundamento da preponderância do instituto da autonomia privada
individual/coletiva.

1.5.1 Recurso Extraordinário nº. 590.415 Min. Luís Roberto Barroso

A questão da prevalência do negociado sobre o legislado já foi analisado em


dois acórdãos, uma decisão de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso no Recurso
Extraordinário 590.415 Santa Catarina:

Ementa: DIREITO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO. PLANO DE


DISPENSA INCENTIVADA. VALIDADE E EFEITOS. (...)
Por todo o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário para
assentar a validade do termo de quitação plena assinado pela
reclamante, à luz do art. 7º, XXVI, CF, e declarar a improcedência do
pedido inicial. Fixo como tese, em sede de repercussão geral, que: “A
transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho,
em razão de adesão voluntária do empregado a plano de demissão
incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas
objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado
expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como
dos demais instrumentos celebrados com o empregado”. (BRASIL,
2015).

Essa decisão ocorreu em 30/04/2015, quando o STF julgou válida a cláusula


de quitação ampla e irrestrita do contrato de trabalho, quando prevista em Plano de
Dispensa Incentivada – PDI – denominados, também, de PDV – Planos de Demissão
Voluntária. Para a validade dessa cláusula, o STF fixou dois critérios, a) a cláusula
tenha sido objeto de negociação coletiva e. b) não haja ressalva quando da assinatura
da dispensa.

46
O julgamento no Plenário do Supremo Tribunal Federal se deu em
unanimidade, destacando-se o fundamento de se preservar as normas coletivas,
como preconizam “os diversos dispositivos constitucionais que prestigiam as
negociações coletivas como instrumento de solução de conflitos coletivos”.

1.5.2 Recurso Extraordinário nº. 820.729 Min. Teoria Albino Zavascki

A outra decisão é esta de relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki no Recurso


Extraordinário n. 895.759, datada de 13/09/16, que julgou válida cláusula de norma
coletiva que permitiu a supressão do pagamento das horas in itinere desde que
mediante concessão de contrapartida.

A controvérsia relativa à validade de norma coletiva de trabalho que


limita o pagamento de horas in itinere a menos da metade do tempo
efetivamente gasto pelo trabalhador no seu trajeto até o local do
serviço, fundada na interpretação da Consolidação das Leis do
Trabalho e da Lei 10.243/01, é de natureza infraconstitucional.
(Supremo Tribunal Federal, 2016).

Em ambos os casos, reconheceram que o negociado pode prevalecer em face


do princípio da autonomia privada coletiva.
Entendeu o Ministro – monocraticamente, que “ainda que o acordo coletivo de
trabalho tenha afastado direito assegurado aos trabalhadores pela CLT, concedeu-lhe
outras vantagens com vistas a compensar essa supressão”. Para o STF definir desta
forma, decorre do fato que nas instâncias inferiores, o entendimento era no sentido de
que as horas in itinere seria direito irrenunciável do empregado, independente da
manifestação da vontade coletiva.
O tema é instigante e mais do que isso, é relevante ao ponto de ter sido
reconhecida sua Repercussão Geral, prevista no art. 1.035, CPC58, fixando em seu
parágrafo primeiro, que “para efeito de repercussão geral, será considerada a
existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social

58
Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso
extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos
termos deste artigo.
§ 1º Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões
relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os
interesses subjetivos do processo.

47
ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo”.
Assim, abaixo segue a decisão do Min. Gilmar Mendes sobre o tema que
ladeia a negociação coletiva.

1.5.3 Repercussão Geral no Recurso Extraordinário Min. Gilmar Mendes

Essas decisões têm respaldo no Tema 935 da Tabela de Repercussão


Geral59, onde o Supremo Tribunal Federal enfrentou o tema da vulnerabilidade da
norma coletiva ao controle de constitucionalidade e possibilidade de sua invalidade -
"inconstitucionalidade da contribuição assistencial imposta aos empregados não
filiados ao sindicato, por acordo, convenção coletiva de trabalho ou sentença
normativa". Relator Ministro Gilmar Mendes no caso de Repercussão Geral no
Recurso Extraordinário com Agravo 1.018.459 Paraná:

Ante todo exposto, manifesto-me pela existência de repercussão geral


da questão constitucional debatida e pela reafirmação da
jurisprudência desta Corte, de modo a fixar o entendimento no sentido
de que é inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva
ou sentença normativa, de contribuições que se imponham
compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados.
Fixada essa tese, conheço do agravo e nego provimento ao recurso
extraordinário (art. 932, VIII, do NCPC, c/c art. 21, §1º, do RISTF).
(BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2017).

Decidiu o Min. Gilmar Mendes que a discussão contempla os requisitos que


reconhecer a repercussão geral, vez que há relevância no aspecto jurídico, econômico
e social, pois a tese afeta potencialmente os empregados não filiados a sindicatos. O
ministro ressalta que a Súmula Vinculante 40 fixa que a contribuição confederativa
(artigo 8º, inciso IV, da Constituição) somente pode ser exigida dos filiados aos
sindicatos.
O que se depreende dos dois Recursos Extraordinários acima é que a
negociação coletiva deve prevalecer face ao legislado, desde que respeitado alguns

59
Inconstitucionalidade da contribuição assistencial imposta aos empregados não filiados ao
sindicato, por acordo, convenção coletiva de trabalho ou sentença. <Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incident
e=5112803&numeroProcesso=1018459&classeProcesso=ARE&numeroTema=935> Acesso
em: 17.11.2018

48
critérios, mas o fato é de prevalência. Por outro, no voto do Ministro Gilmar Mendes,
se verifica a fragilidade das negociações coletivas vez que sujeitas ao controle de
constitucionalidade, portanto, não é um imperativo que a negociação deve prevalecer
sobre o legislado, mas uma tendência.
Quanto a parametrização constitucional no que tange às negociações não
restam dúvidas, contudo, vale ressaltar que esses precedentes acórdãos revelam uma
tendência da prevalência do negociado sobre o legislado.

A tendência do STF quanto a prevalência do negociado sobre o legislado


antes da Reforma Trabalhista
Recurso Extraordinário nº. Recurso Extraordinário nº. Repercussão Geral no
590.415 Min. Luís Roberto 820.729 Min. Teoria Recurso Extraordinário
Barroso Albino Zavascki Min. Gilmar Mendes

1.6 RELAÇÃO CONTRATUAL TRABALHISTA

O Brasil possui uma legislação trabalhista flexível, a qual, como relembra


Maurício Godinho Delgado, teve início ainda no governo militar, com a criação do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, pela Lei n.o 5.107/66, vigente em janeiro de
1967, quando se tornou a dispensa do trabalhador um direito potestativo do
empregador60. Assim, o fim da estabilidade no emprego e a possibilidade de dispensa
sem justa causa seguidos pelas modalidades de contratação a termo de empregados,
o contrato de estágio, o banco de horas e a própria terceirização das atividades-meio
das empresas são exemplos.61
A correlação que se estabelece faz-se sentido na medida em que a Lei nº.
13.467/2017 (BRASIL, 2017a), em seu artigo 8º, §1º dispõe que “o direito comum será
fonte subsidiária do direito do trabalho”. Nesse sentido, vale o destaque para o Código
Civil brasileiro de 2002, (BRASIL, 2002) que disciplina as relações privadas,

60
DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da
destruição e os caminhos da reconstrução. 2. tir. São Paulo: LTr, 2007. p.63-64.
61
CORREIA, Rosani Portela. Novos paradigmas do contrato de trabalho no Brasil. São
Paulo: LTr, 2008. p. 23.

49
sobretudo, no que tange os negócios jurídicos, isso porque, também com a reforma
trabalhista, foi inserido o parágrafo terceiro, no art. 8º, definindo que a no exame de
convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analise
exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico,
respeitado o disposto no art. 104 do Código Civil brasileiro. (BRASIL, 2002).
Quando o legislador da Reforma Trabalhista inseriu os elementos constantes
do art. 104 do Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002), ao §3º do art. 8º da
Consolidação das Leis Trabalhistas (BRASIL, 2017a), apenas o fez de forma
superficial, na medida em que não adentra nas peculiaridades de cada um daqueles
elementos essenciais do negócio jurídico.
Portanto, o art. 104 do Código Civil brasileiro, que é diluído e/ou esclarecido
na sequência daquele diploma legal, Lei nº. 10.406/2002, (BRASIL, 2002) os
elementos essenciais e suas derivações, forma de aplicação, validade e/ou invalidade
do negócio jurídico, incapacidade de uma das partes, entre outras questões que se
ligam às relações humanas com reflexo no campo do direito. O fato é que a Lei nº.
13.467/2017, (BRASIL, 2017a) apenas faz referência ao art. 104, que dispõe que a
validade do negócio jurídico requer, I – agente capaz, II – objeto lícito, possível,
determinado ou determinável; e, III – forma prescrita ou não defesa em lei.
Com base na previsão legal do parágrafo primeiro do art. 8º da Lei nº.
13.467/2017, (BRASIL, 2017a) ter-se-á o direito comum como fonte subsidiária do
direito do trabalho, portanto, as explicações dos elementos essências do negócio
jurídico ficará a cargo do Código Civil brasileiro. O que não é uma novidade,
entretanto, faz-se imprescindível apresentar a classificação civilista aplicável ao direito
do trabalho.
Para Venosa, “o negócio jurídico consiste na manifestação de vontade que
procura produzir determinado efeito jurídico”62. Portanto, trata-se de uma declaração
de vontade que não apenas constitui um ato livre, mas pela qual o declarante procura
uma relação jurídica entre as várias possibilidades que oferece o universo jurídico.
Essa conceituação do autor, faz refletir que as várias possibilidades que o
direito oferece no que tange os negócios jurídicos e seus efeitos, que poderia o
legislador da Reforma Trabalhista, ater-se as peculiaridades das contratações e

62
VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil – Vol. 3 – Contratos, 18ª edição, 2005, p. 381.

50
negociações na esfera laboral. Há questões nas relações trabalhistas que o direito
civil não contempla, e que dizem respeito à validade do negócio jurídico entabulado
entre as partes.
Veja-se que, segundo Venosa (2004, p. 382), “é por meio do negócio jurídico
que se dá vida às relações jurídicas tuteladas pelo direito”. Assim, ao se deparar com
as negociações coletivas, por exemplo, que se caracteriza pela bilateralidade ao
depender de mais de uma manifestação de vontade para se definir o objeto da
Convenção Coletiva de Trabalho ou Acordo Coletivo de Trabalho, a legislação
trabalhista não apresenta como elemento essencial.
Por mais que se diga que foi opção legislativa, compete frisar ser um
equívoco, vez que no artigo 611-A acrescido pela Lei nº. 13.467/2017 à CLT, (BRASIL,
2017a) aparece os sindicados subscritores de convenção coletiva ou de acordo
coletivo de trabalho como obrigados a participarem, como litisconsortes necessários,
em ação individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusula desses
instrumentos.
Quando a legislação trabalhista se socorre subsidiariamente do direito
comum, e nesse quesito, do Código Civil para tratar da validade do negócio jurídico,
o faz com base no art. 104 deste diploma legal, o qual está inserido no livro III – Fatos
Jurídicos, título I – Do negócio Jurídico, Capítulo I – Disposições gerais. Isso é
importante porque o mesmo livro e título, também prevê o Capítulo V – Da invalidade
do negócio Jurídico, no art. 166 (BRASIL, 2002).
Isso para localizar o dispositivo do Código Civil e demonstrar ser incapaz de
desassociá-lo aos demais artigos que integram o mesmo livro e título referentes ao
negócio jurídico. Contudo, para que o negócio jurídico exista e seja válido, carece de
explicações, vez que o §3º do art. 8º, da Lei nº. 13.467/2017 (BRASIL, 2017a) lhe faz
menção. Para tanto, vale-se das palavras de Venosa:

Pelo conceito léxico, elemento é tudo que se insere na composição de


alguma cosia, cada parte de um todo. Pressuposto é a circunstância
ou fato considerado como antecedente necessário de outro. E
requisito é a condição necessária para a obtenção de certo objetivo,
ou para preenchimento de certo fim63.

63
VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil – Vol. 3 – Contratos, 18ª edição, 2005, p. 411.

51
Para fins da dissertação, resta deixar claro que os elementos essências do
negócio jurídico são os elencados no art. 104 do Código Civil brasileiro de 2002,
(BRASIL, 2002) agente capaz, o objeto lícito e a forma, essa composição dará a
validade ao negócio jurídico para que produza seus efeitos.
A título elucidativo, esclarece cada um desses elementos. Inicia-se com a
conceituação de agente capaz, que segundo Venosa64, “a capacidade é conceito,
portanto, referente à idoneidade da pessoa para adquirir direitos ou contrair
obrigações no universo negocial”. (...), continua o autor, “o que nos interessa
primordialmente é a capacidade negocial, aquela que dá aptidão para o agente intervir
em negócios jurídicos como declarante ou declaratório”65.
A ideia que se extrai de um agente capaz, reside no fato deste ser responsável
a ponto de ter condição de exercício de seus direitos sem a necessidade de
interlocutores. Em outras palavras, e se valendo da conceituação de Cassettari, “a
capacidade é a aptidão para adquirir direitos e exercer por si, ou por outrem, atos da
vida civil. A capacidade é a medida, a extensão da personalidade, mas com ela não
se confunde”66.
Quanto ao objeto, este deve ser idôneo, isto é, apto a regular os interesses
sobre os quais recai o negócio jurídico. Para esclarecer o que significa o objeto
determinado ou determinável, o autor acima ressalta que “pode o objeto não ter sido
determinado no próprio ato, mas há de ser determinável, pelo menos.”67.
Objeto, enquanto um dos elementos do negócio jurídico, é aquilo que
interessa às partes, Cassettari, se esse objeto de interesse da parte for ilícito,
impossível ou indeterminável, de acordo com o art. 166, II, do CC o negócio jurídico
será nulo68.
No que tange à forma, enquanto requisito do negócio jurídico, destaca-se que
deve obedecer à prescrição normativa, ou por ela não ser proibida. Nas palavras de
Venosa, “é requisito de validade dos negócios jurídicos obedecerem à forma prescrita,

64
VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil – Vol. 3 – Contratos, 18ª edição, 2005, p. 418.
65
VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil – Vol. 3 – Contratos, 18ª edição, 2005.
66
CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo, 2ª ed. Saraiva, 2013,
p. 50.
67 VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil – Vol. 3 – Contratos, 18ª edição, 2005, p. 422.
68
CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo, 2ª ed. Saraiva, 2013,
p. 97.

52
ou não adotarem a forma proibida pela lei”69. Apenas a título de fixar esse conceito,
destaca-se as palavras de Cassettari:

O conceito atual de solenidade é a obrigatoriedade de celebrar o


negócio jurídico por escritura pública no Tabelionato de Notas. Trata-
se de situação excepcional, pois o art. 107, CC estabelece que, via de
regra, o negócio jurídico e não solene, e que somente será exigido
algum tipo de solenidade quando a lei expressamente determinar.”70.

Toda essa digressão ao artigo 104 do Código Civil (BRASIL, 2002) e a


conceituação dos elementos essenciais do negócio jurídico fez-se necessário a fim de
compreender a extensão do parágrafo 3 do art. 8 da Lei nº. 13.467/2017. (BRASIL,
2017a). Ora, esse dispositivo fixa que no exame de convenção coletiva ou acordo
coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade
dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 do
Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002), os quais se destacaram acima.
Importa tratar dos contratos bilaterais ou sinalagmáticos os quais são, via de
regra, a classificação dos contratos de trabalho, vez que geram obrigações ambas as
partes. Para tanto, em breves palavras destacar-se-á características dos contratos
disciplinados pelo Código Civil brasileiro de 2002, (BRASIL, 2002) que nas palavras
de Cassettari:

O Código Civil de 2002, trouxe uma nova teoria geral dos contatos
para o Direito civil, inspirado no Código de Defesa do Consumidor (Lei
nº. 8.078/90). Isto pode ser verificado no Enunciado 167 do CJF, que
estabelece que, com o advento do Código Civil de 2002, houve forte
aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa
do Consumidor, no que respeita à relação contratual, uma vez que
ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos71.

Isso também se liga aos contratos de natureza laboral vez que disciplina a
relação contratual entre partes desiguais economicamente, pelo menos em sua
maioria. Portanto, a posição de inferioridade técnica e/ou econômica tanto na relação
de consumo como na relação de trabalho se assemelham na medida que se está

69
VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil – Vol. 3 – Contratos, 18ª edição, 2005, p. 421.
70
CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo, 2ª ed. Saraiva, 2013,
p. 97.
71 CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo, 2ª ed. Saraiva, 2013, p.

182.

53
diante de uma dicotomia de posições e condições de negociar e estabelecer cláusulas
contratuais.
De qualquer sorte, importante destacar a aproximação principiológica entre
ambos os códigos se dá em função do Código Civil incorporar dois princípios
contratuais sociais: função social do contrato e boa-fé objetiva. Veja-se que os
princípios acima dialogam com a relação contratual empregatícia além daqueles
próprios do direito do trabalho.
O Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002) apresenta as disposições gerais no
que tange os contatos a partir do artigo 421, versa que “a liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Este é um dos princípios
que norteiam as relações contratuais, contudo, é oportuno destacar que com o
advento da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) o Direito Civil (BRASIL, 2002) passa
a ser constitucionalizado e os princípios da Carta Magna, por exemplo, da dignidade
da pessoa humana (art. 1, III, CF/88), da solidariedade social (art. 3, I, da CF/88) e da
isonomia (art. 5 da CF/88) também se aplicam ao Direito Civil, e, consequentemente,
ao contrato. (BRASIL, 1998).
Portanto, nas palavras de Cassettari “os princípios que norteiam a relação
contratual são: autonomia privada; função social do contrato; boa-fé objetiva; força
obrigatória; e relatividade dos efeitos do contrato”72.
Essa é a conceituação e base principiológica dos contratos de natureza civil,
por outro, para atingir a correlação e aproximação existente, vale-se, por oportuno, da
classificação de Maranhão (1997, p. 247/247) que entende:

Ser um contrato de trabalho a) Um contrato de direito privado. (...); b)


um contrato concluído intuitu personae em relação à pessoa do
empregado. É uma consequência lógica do caráter fiduciário, que lhe
é próprio. (...); c) um contrato silanagmático: dele resultam obrigações
contrárias e equivalentes; d) um contrato consensual. A lei, via de
regra, não exige forma especial para sua validade: solus consensus
obligat; e) um contrato sucessivo, a relação jurídica do trabalho é “uma
relação de débito permanente”, em que entra, como elemento típico,
a continuidade, a duração; f) um contrato oneroso: à prestação de
trabalho corresponde a contraprestação de salário.

A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – dispõe em seu artigo 443 que

72CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo, 2ª ed. Saraiva, 2013,
p. 188.

54
“o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente,
verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para
prestação de trabalho intermitente”. (BRASIL, 2017a).
O contrato de trabalho, assim como outro negócio jurídico, para a sua validade
depende do preenchimento de alguns requisitos disciplinados no Código Civil de 2002
no artigo 104 que dispõe: “a validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II
– objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não
defesa em lei”. (BRASIL, 2002).
Assim, dada a extraordinária importância social do fato da prestação de
trabalho subordinado, embora a constituição da relação jurídica dependa, também
aqui, de um contrato, sua disciplina decorre, cada vez mais, de fontes estranhas à
vontade dos contratantes73. Isso significa a vinculação do direito do trabalho com a
constituição federal e demais diplomas legais protetivos às partes vulneráveis nas
relações que lá são disciplinadas.
Ora, as relações contratuais sejam elas cíveis ou especificamente
trabalhistas, guardam relações, respeitadas suas peculiaridades e princípios próprios
que dão diretriz às relações laborais, sendo que dessa relação contratual nascem
direitos e obrigações de maneira a repercutir na esfera econômica das partes
contratantes. Do empregado porque receberá a remuneração a título de
contraprestação, e do empregador porque receberá o serviço – força de trabalho –
por parte do obreiro.
Nessa relação jurídica as regras devem estar claras, ocorre que o contrato,
por si só, nem sempre consegue antever possíveis conflitos, razão pela qual gera-se
enorme volume de demandas visando discutir a força obrigatória do contrato, na visão
clássica da pact sunt servanda, ou meios teóricos para rever as cláusulas que se
tornam excessivas, onerosas e ocasionaram desiquilíbrio econômico.
No Direito do Trabalho, as discussões perpassam da relação contratual,
mesmo que, ainda exista, na modalidade tácita/oral, o que dificulta a fixação de regras
e previsibilidade e segurança jurídica às partes. Assim, o abuso do poder diretivo pode
se intensificar atingir o contrato laboral, de modo que mecanismos inter partes

73
SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima.
Instituições de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 1997. v. 1, p. 237.

55
merecem atenção para regulamentar comportamentos de modo a direcioná-los ao
viés da dignidade da pessoa humana, e, por conseguinte, ético.

Relação trabalhista
Expressa ou tácita
Individual Coletiva
Contrato Negociação Coletiva: CCT/ACT
Art. 442, CLT Art. 8º, art. 611-A e 611-B, CLT
Tabela do autor

2 ANÁLISE QUANTITATIVA DOS PRINCIPAIS TEMAS RECORRENTES SOBRE


ABUSO DO PODER DIRETIVO À LUZ DA JUSTIÇA DO TRABALHO

O abuso do poder diretivo pode se operar por várias vertentes, comandos, por
exemplo, que excedem o contrato de trabalho, o que pode se manifestar por algumas
hipóteses: Desvio de Função, acúmulo de função, dupla função e o próprio assédio
moral que gera o dano extrapatrimonial.
Assim, a pesquisa trabalha com essas figuras a fim de mostrar
quantitativamente a repercussão delas na Justiça do Trabalho, delimitado aos anos
de 2018, 2019 e 2020:
Todas as informações abaixo – figuras – foram extraídas do sítio eletrônico do
TST74.
Ano de 2018:

74
http://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/assuntos-mais-recorrentes

56
O tema: Acúmulo de função se encontra da 43ª posição dos temas mais
recorrentes na justiça do trabalho.
Ainda, para o ano de 2018, o tema Desvio de Função, encontra-se na 60ª
posição dos temas mais recorrentes na justiça trabalhista.

Assédio moral, que também se reconhecido, gera o dever de indenizar, está

57
na 29ª posição do ranking da justiça do trabalho. Observe que o assédio moral não
pode ser visto como abuso do poder diretivo, vez não existe previsão deste direito ao
ponto de ser abusado em seu exercício, porém, o seu uso aqui se dá por conta do
exercício dessa prática ilegal – Assédio moral – para impulsionar o empregado a se
demitir, a acatar ordens que lhe são desfavoráveis justamente porque se encontra em
situação de dependência e vulnerabilidade.

Quanto ao ano de 2019:


Tema assédio moral está na 29ª colocação, o que altera é somente a
quantidade de processos, representados na última coluna, com 112.022 processos:

O tema desvio de função está na posição nº 63.

Acúmulo de função, por sua vez, no ano de 2019, ocupou a 47ª posição:

Por fim, para o ano de 2020, os temas: Acúmulo de função, desvio e dano
moral, estão assim rankiados:
Acúmulo de função está na 54ª colocação:

58
Desvio de função por sua vez está na 69ª colocação:

E o tema sobre Assédio Moral, encontra-se na 30ª posição, o que representa


a queda da 29ª para a 30ª colocação, pelo menos até dezembro de 2020.

A observância do ranking auxilia a compreender que são temas recorrentes


na justiça do trabalho, o que (in)felizmente não está no topo do ranking, mas ainda
representa a dificuldade de parametrizar o alcance do poder diretivo do empregador
em exigir mais do empregado do que aquilo que consta no contrato de trabalho.
O que – propõem – a dissertação, é uma previsão dos limites e alcance do
poder diretivo pela via do Programa de Compliance que será melhor analisado no
último capítulo.

59
2.1 CONSEQUÊNCIA PELA FALTA DE PARAMETRIZAÇÃO DOS LIMITES E
ALCANCE DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR

Nesse particular, as consequências que se quer analisar e destacar é


numérica, a quantidade de processos que são manejados para tratar desses assuntos
que perpassam pelo tema macro: Abuso do poder diretivo.

Temas Recorrentes 2018 2019 2020


Assédio 113.945 112.022 68.635
Desvio de função 51.582 55.189 29.597
Acúmulo de função 71.625 66.472 38.301

A tabela que houve uma queda no número de ações discutindo os três


subtópicos: Assédio moral, desvio de função e acúmulo de função. Considerando que
a Reforma Trabalhista ocorreu em 2017, a primeira idagação é se a diminuição
decorre da alteração legislativa; Outra questão é: essa redução não significa
dificuldade de acesso à justiça do trabalho, por conta dos riscos – sucumbência, p.ex.?
Uma abordagem mais precisa, seria em análise em porcentagem, realizando
a cada ano (número de ações ajuizadas em 2018, 2019 e 2020), para verificar em
termos de proporcionalidade, e é a opção adotada, vez que se revela a mais coerente
nessa oportunidade.
Número de ações ajuizadas em 2018
A base de dados que a pesquisa utiliza é o sítio eletrônico do TST, o qual
estatisticamente revela uma queda do número de ações de modo geral, sem adentrar
ao mérito das ações, mas é inequívoca a redução.

Em novembro de 2017, mês de início da vigência das mudanças,


houve um pico de casos novos recebidos no primeiro grau (Varas do
Trabalho): foram 26.215 processos (9,9%) a mais em relação a março
de 2017, segundo mês com maior recebimento no período. No
entanto, em dezembro de 2017 e janeiro de 2018, o quadro se
inverteu. Desde então, o número de casos novos por mês nas Varas
do Trabalho é inferior ao de todos os meses referentes ao mesmo

60
período de janeiro a novembro de 2017.75

Tabela extraída do sítio eletrônico do TST

A redução é significativa, de maneira que num primeiro momento, a Reforma


Trabalhista atinge objetivo de reduzir o número de demandas judiciais. Conforme
consta no mesmo portal eletrônico do TST: “Segundo a Coordenadoria de Estatística
do TST, entre janeiro e setembro de 2017, as Varas do Trabalho receberam 2.013.241
reclamações trabalhistas. No mesmo período de 2018, o número caiu para 1.287.208
reclamações trabalhistas”76.
O quadro abaixo esclarece a afirmação extraída do sítio do TST.

75 http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/primeiro-ano-da-reforma-trabalhista-
efeitos#:~:text=Segundo%20a%20Coordenadoria%20de%20Estat%C3%ADstica,para%201.287.208
%20reclama%C3%A7%C3%B5es%20trabalhistas. Acesso em 15 de Dez. De 2020.
76 http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/primeiro-ano-da-reforma-trabalhista-
efeitos#:~:text=Segundo%20a%20Coordenadoria%20de%20Estat%C3%ADstica,para%201.287.208
%20reclama%C3%A7%C3%B5es%20trabalhistas. Acesso em 15 de Dez. De 2020.

61
A reforma trabalhista não só impacta no direito material, mas também no
direito processual, ao introduzir o instituto da Transcendência, art. 896-A, CLT, que
serve como um filtro para a Corte Superior analisar os Recuros de Revistas. Assim,
numa análise fria, quantitativa, a redução das demandas ocorreu após a Reforma
Trabalhista.
Curiosamente, conforme a tabela abaixo, do ano de 2018 para o ano de 2019,
no que tange o tema: Desvio de função, houve aumento de demandas discutindo esse
tema.

Temas
2018 2019 2020
Recorrentes
Assédio 113.945 112.022 68.635
Desvio de função 51.582 55.189 29.597
Acúmulo de função 71.625 66.472 38.301

Ora, se por um lado as estatísticas do TST expõem de modo geral a redução


de ações pós reforma, isso por si só, não é possível afirmar que em relação a alguns
temas, também houve tal diminuição, muito menos pode ser afirmado redução em
termos de proporcionalidade.

62
Nesse sentido, extraí-se do sítio eletrônico do TST, os seguintes números:

Ano Julgados Recebidos Resíduo77


2018 319.741 322.827 214.140

1ª Instância: Recebeu: 3.576.748, equivale: 70,81%


2ª Instância: Recebeu: 1.151,355, equivale: 22,79%
TST: Recebeu: 322.827, equivale: 6,39%.

1ª Instância: Julgou: 3.576.748, equivale: 70,81%


2ª Instância: Julgou: 1.151,355, equivale: 22,79%
TST: Julgou: 322.827, equivale: 6,39%.

1ª Instância: Resíduo: 1.180.776, equivale: 63,68%


2ª Instância: Resíduo: 459.274, equivale: 24,77%
TST: Resíduo: 214,140, equivale: 11,55%.

Número de ações ajuizadas em 2019

Ano Julgados Recebidos Resíduo78


2019 331.040 407.565 342.843

77 Significa o número de ações oriundas de anos anteriores


78 Significa o número de ações oriundas de anos anteriores

63
1ª Instância: Recebeu: 3.685.238, equivale: 70,26%
2ª Instância: Recebeu: 1.152.208, equivale: 21,97%
TST: Recebeu: 407,565, equivale: 7,77%.

1ª Instância: Julgou: 3.685.238, equivale: 70,26%


2ª Instância: Julgou: 1.152,208, equivale: 21,97%
TST: Julgou: 407,565, equivale: 7,77%.

1ª Instância: Resíduo: 1.794.448, equivale: 22,61%


2ª Instância: Resíduo: 5.797.951, equivale: 73,07%
TST: Resíduo: 342.843 equivale: 4,32%.

Número de ações ajuizadas em 2020

Ano Julgados Recebidos Resíduo79


202080 221.775 218.711 385.526

79 Significa o número de ações oriundas de anos anteriores


80 A contagem se deu até 31 de setembro de 2020.

64
1ª Instância: Recebeu: 2.472,114, equivale: 69,55%
2ª Instância: Recebeu: 863.680, equivale: 24,30%
TST: Recebeu: 218.711, equivale: 6,15%.

1ª Instância: Julgou: 2.472,114, equivale: 69,55%


2ª Instância: Julgou: 863.680, equivale: 24,30%
TST: Julgou: 218.711, equivale: 6,15%.

1ª Instância: Resíduo: 2.225.043, equivale: 29,77%


2ª Instância: Resíduo: 4.862,639, equivale: 65,07%
TST: Resíduo: 385.526, equivale: 5,16%.

Total
Ano Julgados Recebidos Resíduo81
2020 147.150.960 152.306.883 55.175.178
Tabela do autor

O reflexo pela falta de parametrização dos limites e alcance do poder diretivo


do empregador, pelo viés quantitativo, é o número de processos distribuídos para
tratar de assuntos ligados ao exercício desmedido do poder diretivo, que nas palavras
de Reginaldo Melhado afirma que "[...] poder designa a capacidade de produzir
determinado resultado."82

81 Significa o número de ações oriundas de anos anteriores


82
MELHADO, Reginaldo. Poder e sujeição: os fundamentos da relação de poder entre
capital e trabalho e o conceito de subordinação. São Paulo: LTr, 2003. p.23.

65
Contudo, em uma análise em percentual, chega-se a seguinte tabela:

Temas
2018 % 2019 % 2020 %
Recorrentes
Julgados83 319.741 331.040 147.150.960
Assédio 113.945 64% 112.022 65% 68.635 70%
Desvio de função 51.582 84,5% 55.189 83% 29.597 87%
Acúmulo de função 71.625 77% 66.472 80% 38.301 82%
Tabela do autor.

Como se ler a tabela: A porcentagem foi extraída do número de julgados de


cada ano, comparativamente com o número de processos julgados naquele ano. P.ex.
64% corresponde ao número de julgados em 2018, que totalizou em 113.945 para
casos de Assédio moral, e assim sucessivamente.

2.1.1 A jurimetria e o Direito do Trabalho

Pela natureza da pesquisa, a jurimetria vem a somar com a intensidade da


problemática, revelar numericamente o abuso do poder diretivo por intermédio dos
dados extraídos do sítio eletrônico do TST. Assim, inicia-se pela definição ao fixar
como sendo a “jurimetria é a aproximação de dois conhecimentos, o jurídico e o
estatístico”84.
Trata-se, portanto, de dialogar o direito – a argumentação, a hermeneutica, a
interpretação, com os dados, números. Assim, pode deixar consignado as palavras
de Nunes:

Pode-se defini-la como o conhecimento sobre a mensuração de fatos


jurídicos, entendidos estes como decisões judiciais e administrativas,
celebração de contratos, realização de operações societárias,
decretação de falências, impetração de recuperações de empresa,
crescimento do número de processos em andamento, relação entre a
quantidade de juízes e a população etc. Esta nova disciplia jurídica
auxilia os dois níveis do saber doutrinário. À ciência, ajuda na
identificação das normas que devem ser adotadas para orientar a

83
Conforme dados extraídos do sítio eletrônico do TST e exposto acima no mesmo capítulo.
84NUNES, Marcelo Guedes. Jurimetria. Como a estatística pode reinventar o direito. São Paulo,
Thomson Reuters, 2019, p. 11.

66
superação dos conflitos de interesse85.

Assim, extraí-se o fato de que a jurimetria vem auxiliar o Direito e seus


operadores na observância dos dados da realidade. P.ex. o que os dados extraídos
do sítio eletrônico do TST revelam? As respostas são diversas: 1. O contencioso
trabalhista é uma cultura jurídica ainda; 2. Os tribunais, desde a primeira instância até
o TST, estão abarrotados de processos; 3. A cada ano que passa, fica um resíduo de
processos para o próximo ano, o que pode indicar a falta de funcionários – efetivo –
para auxiliar os juízes, quem sabe, também falte magistrados, etc.
Nesse sentido, a proposta da jurimetria não é transformar o Direito em
números, mas transformar o Direito por influência dos números, leia-se, realidade.
Nunes esclarece que: “A jurimetria propõe um giro epistemológico, análogo àquele
proposto pelos realistas, deslocando o centro de interesse da pesquisa do plano
abstrato para o plano concreto”86.
Esta é a razão de se valer da jurimetria, trazer à pesquisa a intensidade do
problema que ela se propõem a investigar.

2.2 O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR

Parte-se de uma análise, a respeito do contrato de trabalho, não somente de


acordo com as previsões celetistas, mas também pela da Constituição Federal, ápice
do ordenamento pátrio.
A Constituição da República Federativa do Brasil encerra seus fundamentos no
seu artigo primeiro87 e, dentre eles, interessam pelo menos três para o estudo que segue:
a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

85 NUNES, Marcelo Guedes. Jurimetria. Como a estatística pode reinventar o direito. São Paulo,
Thomson Reuters, 2019, p. 11.
86 NUNES, Marcelo Guedes. Jurimetria. Como a estatística pode reinventar o direito. São Paulo,

Thomson Reuters, 2019, p. 108.


87
Art. 1.o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
[...]
III- a dignidade da pessoa humana;
IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; [...]

67
Dignidade da pessoa humana, vez que se refere a sujeitos de direito, valor social do
trabalho, vez que o trabalho/labor, é o foco da pesquisa e prevista na constituição,
assim como a livre iniciativa vincula-se a exploração da atividade econômica, e, por
conseguinte, fonte de geração de emprego e renda.
A razão de se analisar a dignidade da pessoa humana, é o fato de que a
pesquisa analisa a temática do poder diretivo do empregador e eventual abusividade,
o que será melhor analisado no transcurso da dissertação. Contudo, o tema da
dignidade da pessoa humana está sempre presente quando se refere a questões de
direitos sociais, sobretudo, trabalhista, nesse particular. E a razão se encontra no art.
1º, IV, e art. 170, caput, CF/88.
Como se verifica, a relação contratual, bem como a atividade econômica
empresarial, decorrem destas premissas constitucionais. A livre iniciativa vincula-se
à atividade empresarial, da qual decorre o contrato de trabalho. Essa é a razão –
também – que justifica o princípio da preservação da empresa, vez que sem ela, não
há que se falar em emprego.
A título exemplificativo, verifica-se que o art. 47, da Lei nº. 11.101/2005,
apresenta o instituto da recuperação judicial, que tem “por objetivo viabilizar a
superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a
manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos
credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o
estímulo à atividade econômica”.
Com efeito, as relações de trabalho, especialmente as empregatícias (art. 3º
da CLT), importam para o estudo da atividade empresarial porque o empregador,
para o direito pátrio (art. 2º da CLT), aparece como, essencialmente, a empresa.
Na perspectiva empresarial, a "liberdade de iniciativa envolve a liberdade de
indústria, e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato" possibilita a
realização de uma atividade econômica, uma atividade empresarial. O
empreendedor, por força da liberdade conferida pelo ordenamento jurídico –
constitucional e (in)fraconstitucional, (lei nº. 13.874/2019) organizará e estabelecerá
sua atividade, de modo que se denomina poder diretivo.
O poder de dirigir a prestação de serviços é conferido ao empregador por
conta do contrato de trabalho. A origem contratual do poder de direção do
empregador consta da CLT, quando esta define em seu artigo 442: "Contrato individual

68
de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego."
Assim como o art. 2º, CLT, atribui ao empregador o risco da atividade
econômica que desenvolve, denominado de princípio da alteridade, ele, por
conseguinte, detém a prerrogativa de dirigir seu empreendimento. Caso o
empregador não tivesse o poder de direção, ele não poderia ser responsável pelos
riscos que atividade econômica proporciona, o que acarretria no fracasso do
empreendimento vez que não conseguiria desempenhar sua atividade econômica.88
Ocorre que a atividade econômica – empresa – antecede qualquer vínculo
empregatício, até mesmo precede as negociações coletivas, de modo que toda a
organização da empresa está estabelecida preteritamente aos vínculos contratuais
laborais.

2.2 .1 Origem do poder diretivo do empregador

A doutrina não se revela uníssona quanto à origem do poder diretivo do


empregador, são diversos os enfoques apresentados89. A maioria dos juristas
entende pelo viés contratual, mas também existem as teorias anticontratualistas.
A visão anticontratualista quanto à origem do poder diretivo deságua em pelo
menos três teorias: a institucionalista, a da relação de trabalho e a da propriedade
privada.
A teoria institucionalista entende que o empreendimento decorre do agrupamento
de indivíduos com finalidades comuns, o que equilibra as forças internas e resulta na
coordenação de atividades. A disciplina resulta da organização interna e o ordenamento
hierárquico se subordina ao ordenamento estatal.
Amauri Mascaro Nascimento diz: "[...] surge uma instituição toda vez que
uma idéia diretora se impõe objetivamente a um grupo de homens, e as atividades
reciprocamente se autolimitam segundo regras sociais indispensáveis à consecução
de um fim em cuja função a autoridade do todo se constitui e se exerce."90

88
GONÇALVES, Simone Cruxên. Limites do "jus variandi" do empregador. São Paulo:
LTr, 1997.
89
MORAES FILHO, Evaristo de. Do contrato de trabalho como elemento da empresa. São
Paulo: LTr, 1993, p. 46.
90
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 23.ed. São Paulo:

69
Analisando a CLT, identifica-se a teoria institucionalista, por exemplo, nos
artigos 2º, 10 e 448, porque trazem a empresa como empregador, quando este, em
verdade, será uma pessoa física ou jurídica.91
Maurício Godinho Delgado, tratando da teoria em questão, define-a como
uma situação jurídica objetiva, ou seja, o "[...] simples fato da prestação de serviços
seria o elemento essencial e gerador de direitos e obrigações na ordem jurídica."92
A vertente de tal pensamento restou sobrepujada pela crítica, porque, por
mais dirigido que seja o contrato de trabalho, denota-se um acordo de vontades entre
empregado e empregador, como se verá a seguir. Ademais, tal teoria não se coaduna
com o ordenamento pátrio na medida em que, por exemplo, o art. 4º da CLT trata
como serviço efetivo o tempo de aguardo de ordens pelo empregado, estando à
disposição do empregador.
Por certo que ainda no liame anticontratualista, ergue-se a teoria da propriedade
privada, a qual afirma que o poder diretivo do empregador tem origem na propriedade:
"[...] a propriedade como título é o fundamento da empresa."93 O empregador, porque
detém os meios de produção e porque assume o risco da atividade econômica tem
o poder de dirigir a prestação de serviços, assim, formalmente há um contrato entre
empregado e empregador, mas sua principal causa é o direito de propriedade.
O direito de propriedade, direito sobre as coisas, no entanto, não explica um
comando em relação a pessoas, observação importante quanto ao pensamento da
vertente da propriedade privada. Aldacy Rachid Coutinho, por sua vez, argumenta
que, o fato de o empregador ter o poder, por ser o dono, implica a impossibilidade de
que o delegue a terceiros ou a empregados. Caso existisse participação igualitária na
gestão da empresa e entre o trabalho e o capital, verificar-se-ia a desnecessidade não
só do contrato de trabalho, mas também de sua tutela.94
De outra banda, há a teoria contratualista, devendo como tal ser visualizada
em clássica e moderna.
A visão clássica ou tradicional costuma definir o contrato de trabalho por um

Saraiva, 2008. p.601.


91
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 24.ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.83.
92
DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da
destruição e os caminhos da reconstrução. 2. tir. São Paulo: LTr, 2007. p.63-64.
93
COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder punitivo trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. p.13.
94
COUTINHO, COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder punitivo trabalhista. São Paulo: LTr,
1999, p.117.

70
viés civil. Aproximam-no da locação ou arrendamento, da compra e venda, da
sociedade e do mandato.
A propósito, Pavelski enfatiza que “a idéia de locação ou arrendamento tem
sua gênese no Direito Romano, por meio dos institutos da locatio operarum e da
locatio operis”95. Respectivamente, uma pessoa locava seu trabalho para outra, ou,
ainda, uma pessoa comprometia-se a realizar um determinado trabalho ou obra para
outra.
Em termos de compra e venda, concebe-se o empregado como vendedor de
seu trabalho para o empregador. O trabalho corresponde a uma mercadoria e o preço
desta seria o salário.
Ambas as teses não podem ser sustentadas porque confundem o
trabalhador com a sua própria força de trabalho96. Admitida a locatio operarum como
válida, ratificar-se-ia o trabalho escravo.97
Quanto à compra e venda, ainda, restaria difícil sustentar a característica da
continuidade inerente à relação empregatícia. Em tal concepção, outro caractere
importante tratava-se da autonomia da vontade: as partes estipulariam livremente as
cláusulas objeto da pactuação. Porém, o empregador não pode dispor da força de
trabalho do empregado como dispõe de qualquer outro meio de produção, o trabalhador
não é objeto. Não se confundem, como dito, a pessoa do trabalhador e sua força de
trabalho.
A correlação entre contrato de trabalho e contrato de sociedade sustenta que
existe um objetivo comum entre empregado e empregador, ou seja, poder dividir o
resultado da produção98. Todavia, não prospera a afirmação porque subordinação
não se confunde com a relação entre os sócios (affectio societatis)99, e também por
causa do contido no art. 2.o da CLT, onde categoricamente está determinado o risco

95
PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado em face do
exercício abusivo do poder diretivo do empregador. Dissertação apresentada em 2008, p.
73.
96
PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado em face do
exercício abusivo do poder diretivo do empregador. Dissertação apresentada em 2008, p.
73.
97
BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. São Paulo: LTr, 2003.
p.82.
98
PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado em face do
exercício abusivo do poder diretivo do empregador. Dissertação apresentada em 2008, p.
76.
99
DELGADO, Curso de direito..., p.310.

71
da atividade econômica como característica do empresário.
Ainda na visão tradicional, a teoria do contrato de trabalho como mandato.
Tendo em vista a confiança que permeia a relação de emprego, o empregador seria
o mandante e o empregado, o mandatário. A recusa da teoria é óbvia. O primeiro
argumento está galgado no sentido de que somente nos cargos de confiança as
relações de trabalho transferem ao empregado poderes de mando ou de gestão
característicos de um mandatário100. Por outro lado, o mandato aceita revogação a
qualquer tempo e nos contratos de trabalho a rescisão tem impedimentos, citando-
se como exemplo os trabalhadores estáveis. Finalmente, o mandato pode ser
gratuito e o contrato de trabalho detém como um de seus requisitos a onerosidade.
Finalmente, o pensamento contratualista moderno, pelo qual não se vincula
o contrato de trabalho a um contrato civil específico como antes se tentou, em vista
da autonomia do Direito do Trabalho.
As partes declaram, ajustam suas vontades quanto às condições de trabalho
e o contrato se desenvolverá de acordo com tais definições. O contrato, dessa forma
– visto como um negócio jurídico – cria uma relação jurídica, existe antes da relação
de emprego e não apenas corresponde a ela.
A vontade livre resgata a dignidade do ser humano, e, portanto, por isso
partiu da análise da autonoia (privada individual e coletiva) vez que é a manifestação
plena de liberdade em contratar, se associar ou não. O trabalhador se vincula ao
empregador na relação jurídica de trabalho por meio da manifestação de sua
liberdade, de sua vontade de trabalhar sem que isto lhe tenha sido imposto.101
O poder diretivo do empregador passa a ter sua sede no contrato de trabalho,
ou seja, é tal contrato que determina a possibilidade de que a entidade patronal dirija a
prestação de serviços do empregado. Duas posições correlatas: o trabalhador com seu
dever de obediência e o empregador, estabelecendo o conteúdo do trabalho prestado.
Refletindo sobre a natureza contratual da relação de emprego, Amauri Mascaro
Nascimento diz que “o vínculo entre empregado e empregador é uma relação jurídica

100PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado em face do


exercício abusivo do poder diretivo do empregador. Dissertação apresentada em 2008, p.
76.
101
COUTINHO, Aldacy Rachid. Função social do contrato de trabalho. In: COUTINHO, Aldacy
Rachid; DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GUNTHER, Luiz Eduardo (Coord.).
Transformações do direito do trabalho: estudos em homenagem ao Professor Doutor João
Regis Fassbender Teixeira. Curitiba: Juruá, 2000. p.25-26.

72
porque há uma relação social que liga tais sujeitos, mostrando-se regulada por normas
jurídicas”. No mesmo sentido, Pavelski assim se manifesta, e “Afirma ser a relação
jurídica mencionada negocial, porque nela se identifica a vontade das partes,
especialmente no momento da formação do vínculo jurídico”102. Então, a mesma
vontade que impulsinou à relação contratual, deve manter-se durante a sua
execução, e, quiça, após, vez que os dados devem ser preservados, p.ex.
informações confidenciais que o empregado obteve durante o vínculo contratual.
Nesse sentido, o elemento volitivo continuará subsistindo durante a execução da
relação contratual, ainda que de maneira mais esparsa, pois as partes precisam
respeitar as disposições legais e coletivas que versam sobre a relação empregatícia,
o que, contudo, não impedirá a fixação de regras por livre estipulação.103
Importante destacar que a vontade das partes não é ilimitada, assim, pode
parecer contraditório em se falar sobre autonomia privada, mas com limites. Ora,
essa aparente contradição se justifica justamente para que a própria norma possa
proteger o empregado de si mesmo, ao ponto de evitar tomar atitudes preciptadas
que lhe prejudique.
É o que se percebe, a principal diferença entre a relação contratual
empregatícia e as demais não está no objeto, mas na maneira como ele se realiza
na prática. É o que se depreende das palavras de Nilson de Oliveira Nascimento:

A diversidade e a intensidade das formas como o poder diretivo se


manifesta no cotidiano das relações trabalhistas e o empenho da
doutrina, da jurisprudência e da legislação, na busca do cnceito,
fundamentos do poder diretivo, formas de externação e,
pricipalmente, fixação dos limites de atuação desse poder, revelam a
inegável importância desse estudo para o direito do trabalho104.

Nas palavras de Pavelski “o contrato se perfaz dentro de um sistema tuitivo


de normas e de ajustes coletivos, por conta da flagrante desigualdade de posições
entre as partes envolvidas no vínculo contratual empregatício”105. Suplanta-se a

102PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado em face do


exercício abusivo do poder diretivo do empregador. Dissertação apresentada em 2008, p.
113.
103
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 23.ed. São Paulo:
Saraiva, 2008. p.601
NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. O Poder diretivo do empregador e os direitos fundamentais
104

do trabalhador na relação de emprego. Tese de doutorado – PUC-SP, 2008, p. 76.


105
PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado em face do

73
autonomia da vontade, um dos ícones do Estado Liberal, individualista, preocupado
muito mais com a propriedade, pela autonomia privada.
A liberdade de contratar, a autonomia privada em decidir as regras desse
contrato, dentre outras expressões que envolvem a livre iniciativa, se entrelaçam de
modo a repercutir no direito das partes/contratantes, a esse respeito, asism se
manifestou Rosa Maria de Andrade Nery:

O contrato é o fruto mais aperfeiçoado da autonomia privada. O


princípio da autonomia privada expressa-se por meio da liberdade
contratual (possibilidade de se fixar os teros e as condições do
contrato – o contrário é a preparação unilateral de cláusulas) e a
liberdade de contratar (possibilidade de se decidir se se contrata ou
não e com quem – o contrário, é a obrigação de contratar), e a função
mais destacada do contrato é a econômica, isto é, de propiciar a
circulação da riqueza, transferindo-a de um patrimônio para outro106.

Há na doutrina quem classifique o contrato de trabalho como de adesão,


justamente por conta dessa posição quase complementar do ajuste das partes, ante
a gama de disposições legais e convencionais mencionadas. A CLT, no artigo 444,
justamente disciplina o tema.107
Convém relembrar as informações de Sérgio Pinto Martins, que adverte
apresentar a CLT um misto de teorias. Diz o doutrinador que o disposto no artigo 442
revela passagens de institucionalismo – quando se refere à relação de emprego – e
contratualismo – ao mencionar acordo tácito ou expresso – por conta da comissão
de seu projeto, formada por adeptos de ambas teorias. Continua explicando outros
artigos da CLT relacionados ao contratualismo, tais como os de números 444 e 468,
em que aparecem locuções ligadas à manifestação da vontade das partes.
Registra-se posicionamento doutrinário que não aceita o contrato de trabalho
como negócio jurídico, por pelo menos dois motivos: a exigência de manifestação da
vontade dos contraentes e a por causa da teoria das nulidades.108

exercício abusivo do poder diretivo do empregador. Dissertação apresentada em 2008, p.


113.
106
NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução à ciência do direito privado, São Paulo:
Thomson Reuters, 2019, 513.
107
Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das
partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao
trabalho, às convenções coletivas que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades
competentes.
108
BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. São Paulo: LTr,

74
Há entendimento de que sequer há manifestação da vontade por parte do
empregado, é o que sustenta Eduardo Milléo Baracat, que parte do pressuposto que
o trabalhador não exprime sua vontade quando da contratação, diz, ainda, que muito
menos é livre tal vontade, a razão dele se baseia no fato de ser impensável
empregador e empregado ajustando valores em função da contraprestação. O autor
explica a vontade do trabalhador como fenômeno social, diz que quando este aceita
uma proposta de trabalho "[...] não o faz em seu nome, nem manifesta um atributo
de sua alma; ele expõe, na verdade, a vontade do conjunto das relações sociais nas
quais vive."109
Então, embora se trate de negócio jurídico, portanto, regulado pelo art. 104,
CC/02, dentro dessa capítulo do Código Civil, - parte geral -, ainda há as tratativas
quanto as invalidades e às nulidades, o qual deve ser interpretado
concomitantemente com o artigo 7.o, XXXIII da Constituição Federal.
A crítica do autor - Baracat - vai no sentido de um princípio do Direito do
trabalho, da vedação do retrocesso social, caso queira partir do pressuposto que as
relações laborais são equiparadas aos negócios jurídicos regulados pelo Código
Civil. Pavelski110 esclarece o posicionamento defendido por Baracat, que
fundamenta-se na história, ressalta haver autonomia entre os dois ramos do Direito
justifica-se pelo rompimento das regras calcadas no individualismo jurídico do Estado
burguês para ascensão do bem comum, por meio de "[...] novas categorias e normas,
fundamentadas nas idéias de empresa, empregador, instituições repre- sentativas,
relações coletivas, etc."111
Porém, pela natureza da pesquisa ser dialética, (ponto e contraponto),
Dallegrave Neto, também ao partir da historiografia sobre os negócios jurídicos, reafirma
a “aplicação de sua estrutura geral aos contratos de trabalho, ante o paradigma de
solidarismo constitucional hodierno, bem como das cláusulas gerais como boa-fé e
função social dos contratos e por que não mencionar o abuso de direito”.112

2003, p. 112.
109
BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. São Paulo: LTr, 2003,
p. 112
110
PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado em face do
exercício abusivo do poder diretivo do empregador. Dissertação apresentada em 2008, p.
113.
111
BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. São Paulo: LTr, 2003,
p. 113.
112
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Análise de conjuntura socieconômica e o impacto no

75
O autor explica o surgimento da idéia de negócio jurídico a partir da escola
pandectista alemã, precursora de um profundo abstracionismo, propagadora da
igualdade meramente formal das partes contratantes, resultando na excessiva
valorização da autonomia da vontade de tais personagens – a jurisprudência dos
interesses. Considerando necessárias a justiça comutativa e a igualdade também
material, surgem intervenções do agora denominado Estado Social e a autonomia
privada, como dito, supera a autonomia da vontade113.
Repensa-se o ordenamento pelo viés constitucional, um norte inspirado pela
dignidade da pessoa humana, pelo solidarismo e pela ética, impregnado de
considerações sobre o progresso social. A influência de tais axiomas no Código Civil
de 2002 é visível para o autor, no qual continuam presentes a acepção do negócio
jurídico e sua regulação, mas assentes nos valores constitucionais mencionados,
demonstrando a passagem da jurisprudência dos interesses para a jurisprudência
dos valores, ocorrendo o denominado dirigismo contratual.
Quanto aos problemas das nulidades, o autor ressalva a existência de incom-
patibilidades entre os institutos dos negócios jurídicos e os do Direito do Trabalho.
Contudo, há um contraponto àqueles que entendem com ressalvas os contratos
trabalhistas como negócio jurídico, assim, nas palavras de Gunther, Villatore,
Martins:

A correlação que se estabelece faz-se sentido na medida em que a


Lei nº. 13.467/2017 (BRASIL, 2017a), em seu artigo 8º, §1º dispõe que
“o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho”. Nesse
sentido, vale o destaque para o Código Civil brasileiro de 2002,
(BRASIL, 2002) que disciplina as relações privadas, sobretudo, no que
tange os negócios jurídicos, isso porque, também com a reforma
trabalhista, foi inserido o parágrafo terceiro, no art. 8º, definindo que a
no exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a
Justiça do Trabalho analise exclusivamente a conformidade dos
elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art.
104 do Código Civil brasileiro. (BRASIL, 2002).
Quando o legislador da Reforma Trabalhista inseriu os elementos
constantes do art. 104 do Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002), ao §
3º do art. 8º da Consolidação das Leis Trabalhistas (BRASIL, 2017a),
apenas o fez de forma superficial, na medida em que não adentra nas

direito do trabalho. In: (Coord.). Direito do trabalho contemporâneo: flexibilização e


efetividade. São Paulo: LTr, 2003, p 53-58.
113
PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado em face do
exercício abusivo do poder diretivo do empregador. Dissertação apresentada em 2008, p.
118.

76
peculiaridades de cada um daqueles elementos essenciais do negócio
jurídico114.

Não é novidade que os elementos do negócio jurídico do art. 104, CC/02,


devem estar presente nas relações, assim como ele trata da validade, de igual forma
trata da invalidade, portanto, não se verifica problema em correlacionar o negócio
jurídico do Código Civil com o Direito do Trabalho, até porque, com a Reforma
Trabalhista, foi inserido no art. 8º, o parágrafo 3º, CLT, que menciona expressametne
a necessidade da observância do art. 104, CC/02.
É de se ressaltar que o negócio jurídico consiste na manifestação de vontade
que procura produzir determinado efeito jurídico, é o pensamento de Venosa, (2004,
p. 381). Portanto, trata-se de uma declaração de vontade que não apenas constitui
um ato livre, mas pela qual o declarante procura uma relação jurídica entre as várias
possibilidades que oferece o universo jurídico.

2.3 A SUBORDINAÇÃO JURÍDICA DO EMPREGADO

Relacionando-se o art. 2º e o art. 3º da CLT115, uma das principais


conclusões a que se chega é a existência de subordinação na relação empregatícia.
Como dito no item anterior, a dependência do empregado em relação ao empregador
constitui um dos traços diferenciadores do contrato de trabalho em relação aos
demais contratos concebíveis.
A legislação brasileira não define o que seria a "dependência" da qual se
extrai a existência da subordinação. O legislador, portanto, não trata de definir se a

114
GUNTHER, Luiz Eduardo. VILLATORE, Marco Antônio César. MARTINS, Gustavo Afonso.
Acesso à Justiça do Trabalho e o acesso à justiça. Instituto Memória. Curitiba-PR, 2019,
p. 50.
115
Art. 2.o Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os
riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
§ 1.o Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os
profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras
instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
[...]
Art. 3.o Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não
eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

77
subordinação é econômica, técnica ou jurídica. A concepção a respeito do significado
de dependência para a legislação pátria coube à doutrina.
Analisando-se o tema, contudo, tem-se que a subordinação não pode ser
vista como meramente dependência econômica, técnica ou social.
Quanto à dependência econômica, justificar-se-ia pelo fato de o salário
significar o meio (exclusivo ou principal) de subsistência do trabalhador. Sem
embargo, há casos em que o trabalhador possui uma condição econômica de mais
expressividade que o seu empregador. Outras ocorrências denotam que o
trabalhador se dedica a outra atividade que lhe rende além do trabalho subordinado.
Pense-se em alguém que, além de trabalhar por conta alheia numa empresa
qualquer, faz artesanato e o comercializa em feiras e outras exposições.
No Brasil, a ocorrência de contratos de trabalho para mais de um empregador
mostra-se possível, por exemplo, quanto aos contratos a tempo parcial e também
para os trabalhadores que laboram sob o regime de jornada 12 x 36. No que toca à
realização de outra atividade além daquelas caracterizadas como uma relação
empregatícia para complemento da renda, não são raras as pessoas que vendem
artesanato, cosméticos e outros diversos produtos por catálogos, doces e salgados
caseiros, fazem peças de design e publicidade, traduções e tantas outras atividades
realizadas sem a configuração do vínculo empregatício. No jargão popular, fala-se em
"criatividade" para obter renda complementar e conferir mais dignidade à subsistência
própria, assim como do seio familiar.
Dessa maneira, embora seja permitido dizer que a maioria das relações de
emprego possui uma dependência econômica, não se pode utilizar do vocábulo
"todas". De outra banda, os proventos de ordem econômica também ocorrem sem a
presença de um vínculo empregatício, notem-se as diversas atividades citadas.
Adentrando-se o tema da dependência técnica, concebe-se como a orientação
técnica do serviço passada pelo empregador ao empregado. Ao empregador
caberiam os conhecimentos técnicos e científicos para a realização do trabalho.
A dependência social funde os dois critérios, quais sejam o econômico e o
jurídico. O contrato de trabalho normalmente conteria subordinação econômica e
jurídica, sendo excepcionalmente presentes uma ou outra. O critério não se perfaz
suficiente, porque a dependência econômica existe mais como um suporte fático na
relação de emprego, como dito, ainda que o empregado não dependa economicamente

78
do empregador, subsiste a subordinação jurídica, adiante tratada.
A subordinação mais aceita nos dias de hoje a justificar a sujeição do
empregado ao empregador é aquela denominada como jurídica, pela qual o empregado
cumprirá as ordens emanadas pelo empregador ou por seus prepostos.
Verifica-se nas palavras de Nilson de Oliveira do Nascimento que: “o critério da
subordinaçã jurídica se fundamenta no contrato de trabalho. O contrato de trabalho cria
um estado de subordinação hierárquica, em virtude do qual o empregado trabalha sob a
direção do empregador”116.
Em verdade, de um lado tem-se que ao empregador é lícito, é necessário
este poder de comando a fim de que a empresa possa ser organizada e atinja sua
finalidade econômica. De outro lado, tem-se que o empregado está subordinado ao
empregador e necessária se faz sua sujeição a tal poder diretivo.
Ocorre que tal sujeição deve ser pautada por limites, como já dito. De fato,
as mudanças econômicas refletem mudanças nas relações que contemplam esse
poder. "Não se pode esquadrinhar a ciência jurídica divorciada do modo de produção
e do modelo de Estado a ela subjacente."117 Como demonstrado, cada vez se
concebe como mais difícil definir o significado de subordinação.
Relembre-se aqui, desde logo, um dos princípios da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), constante da Declaração de Filadélfia: "o trabalho não é uma
mercadoria". Não se pode confundir o trabalho com mercadoria. "O trabalho, como
causa primária de todas as mercadorias, não pode ser idêntico ao seu produto.
É uma atividade potencial, capaz de produzir por si própria. Materializa-se no objeto
que produz ou transforma."118
Em relação aos aspectos tratados como de subordinação jurídica, tem-se
concebido que são carregados de intersubjetividade, de pessoalidade. Por isso
mesmo que a doutrina os tem considerado como subordinação jurídica subjetiva,
personalista ou hierárquica.119

NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. O Poder diretivo do empregador e os direitos fundamentais


116

do trabalhador na relação de emprego. Tese de doutorado – PUC-SP, 2008, p. 73.


117
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Análise de conjuntura socieconômica e o impacto no
direito do trabalho. In: (Coord.). Direito do trabalho contemporâneo: flexibilização e
efetividade. São Paulo: LTr, 2003. p.8.
118
NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 24.ed.
Saraiva. 2009. p.590
119
GUNTHER, Luiz Eduardo; ZORNIG, Cristina Maria Navarro. O vínculo empregatício e o

79
Nesse sentido, Arnaldo Süssekind que:

Mas a subordinação do empregado é jurídica, porque resulta de um


contrato: nele encontra seu fundamento e seus limites. O conteúdo
desse elemento caracterizador do contrato de trabalho não pode
assimilar-se ao sentido predominante na Idade Média: o empregado
não é “servo” e o empregador não é “senhor”. Há de partir-se do
pressuposto da liberdade individual e da dignidade da pessoa do
trabalhador. Como escreve Evaristo de Moraes Filho, “é de todo
incompatível com a dignidade humana a teórica de alguns autores
alemães – neste particular, verdadeiros precursores da Carta de
Trabalho nazista de 1934 – que vêem na relação de trabalho uma
relação senhorial, na qual uma das partes tem todo o poder e à outra
compete somente obedecer”. Tem razão, portanto, Sanseverino,
quando frisa que a subordinação própria do contrato de trabalho não
sujeita ao empregador toda a pessoa do empregado, sendo, como é,
limitada ao âmbito da execução do trabalho contratado. A
subordinação não cria um “status subjectionis”: é apenas, uma
situação jurídica120.

Ainda quanto ao tema subordinação, uma outra corrente se erigiu: a da


concepção objetiva, que se explica a existência de subordinação pela prestação de
serviços; segundo eles, importam a atividade desenvolvida e o modo como ela se
realiza, não a sujeição pessoal do empregado em relação ao empregador.
É perceptível que a concepção de subordinação do empregado em relação
ao seu empregador, vincula-se, também ao fato central dessa dissertação, o instituto
do poder diretivo do empregador. É nesse sentido que Arnaldo Süssekind: “ao direito
do empregador de dirigir e comandar a atuação concreta do empregado corresponde
o dever de obediência por parte deste; ao direito de controle correspondem os
deveres de obediência, diligência e fidelidade.”121.
Depreende-se das palavras de Maurício Godinho Delgado que a situação
jurídica de dependência vincula-se ao pessoal, ao subjetivo, por outro, a
subordinação – situação jurídica - do contrato de trabalho é objetiva, "[...] atua sobre
o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador."122

requisito da subordinação. Bonijuris, Ano XVI, n.484, p.13, mar. 2004.


120
SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima.
Instituições de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 1997. v. 1., p. 235.
121
SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima.
Instituições de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 1997. v. 1., p. 236.
122
DELGADO, Maurício Godinho. Curo de direito do trabalho. 13ªed., São Paulo, LTr, 2014,
p. 301.

80
Para a corrente que considera a subordinação como de caráter objetivo, o
poder diretivo do empregado encontrará limite de fácil identificação: deve atuar
somente na atividade do empregado, de modo a orientá-la, defini-la, desenvolvê-la.
Desta forma, não se justificam intervenções do poder diretivo do empregador que
venham a espraiar efeitos na pessoa dos empregados.
Ainda que sejam várias as concepções sobre a subordinação, traço marcante
na relação entre empregado e empregador, é sensível a preocupação com os direitos
de personalidade dos empregados, até mesmo decorrente das tecnologias
disruptivas e redes sociais, vide legislação atual, Lei Geral de Proteção de Dados,
Lei nº. 13.709/2018, que tutela os direitos das pessoas físicas, o que, em certa
medida, pode ocorreu são afrontados pela atuação abusiva do poder diretivo do
empregador.

Subordinação Dependência
Objetiva Subjetiva
o poder diretivo do empregado
encontrará limite de fácil identificação:
deve atuar somente na atividade do
empregado, de modo a orientá-la, defini-
la, desenvolvê-la.
Tabela do autor

2.4 O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR À LUZ DOS FUNDAMENTOS


CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS – CLT

Na relação laboral é marcada pela valorização dos direitos humanos e os


direitos fundamentais, é o que se extrai da leitura do art. 1º, IV e art. 170, caput,
CF/88, espraiam seus motes pelos mais variados países. Falando em Brasil, a
Emenda Constitucional 45/2004 acrescentou o §3.o ao artigo 5.o pelo qual, respeitado
o processo legislativo de aprovação por 3/5 nas duas Casas do Congresso Nacional, os
tratados internacionais que versem sobre direitos humanos terão força de Emenda
Constitucional.
No direito, fala-se da reconstrução dos modelos privados a partir do viés

81
constitucional, é a constitucionalização do direito civil, por exemplo. Os operadores
do direito e mesmo as leis, cada vez mais, abrem seus discursos e sua prática à
dignidade da pessoa humana, em detrimento da visão patrimonialista que marcou os
Códigos que se seguiram ao modelo francês napoleônico.
No plano nacional, a Constituição de 1988, em seu capítulo II, intitulado: Dos
Direitos Sociais, dispõe em seu art. 6º, entre outros, que são direitos socais o trabalho
na forma desta Constituição. Em seu art. 7º, prevê os direitos dos trabalhadores, além
de outros, que visem a melhoria de sua condição social.
Como a pretensão não é analisar inciso por inciso, a abordagem se dará de
forma ampla quanto a tutela constitucional dos direitos dos trabalhadores. Veja-se
que, segundo as palavras de Lima “a Constituição de 1988 supervalorizou o ser
humano. (...). Com isso, a Constituinte manifesta seu desejo de mudar o eixo de
prioridade: do Estado para o homem”123.
Segundo o autor acima, pelo viés constitucional, a partir de 1988, a atenção
passa a ser com maior intensidade ao indivíduo e não tanto para o Estado. Com isso
não está a proteger e/ou prestigiar somente o trabalhador, mas a todos os indivíduos,
que se inserem na relação laboral.
Pela localização do art. 7º dentro da Constituição de 1988, é nítido que os
direitos trabalhistas, quanto previstos no Capítulo dos Direitos Sociais, não são
exclusivos e únicos, mas apenas parte importante daquilo que se fixou após
conquistas que a história revela. A propósito, vale destacar as palavras de Lima:

Daí inferir-se que a expressão Direitos Sociais extravasa dos direitos


do trabalhador (ex.: direito à moradia, à saúde, à educação etc.).
Enquanto os direitos de liberdade correspondem ao primeiro postulado
da Revolução Francesa, os sociais ligam-se ao segundo – igualdade.
Pelos primeiros, a pessoa exige que o Estado abstenha-se de
interferir, salvo para assegurar o exercício do direito; no segundo, a
pessoa exige intervenção do Estado, no sentido de assegurar-lhe vida
digna124.

Nessa perspectiva, observa-se que a atuação do Estado deve ser dinâmica


no que se refere a sua prestação ou garantia. Pela primeira, o Estado deveria prestar

123 LIMA, Francisco Meton Marques. Elementos de direito do trabalho e processo trabalhista. São Paulo,
LTr, 2013, p. 38.
124 LIMA, Francisco Meton Marques. Elementos de direito do trabalho e processo trabalhista. São Paulo,

LTr, 2013, p. 40.

82
porque há previsão constitucional, pela segunda, basta que garanta que o disposto na
Constituição seja prestada por ele ou por particulares.
Quanto a tutela constitucional dos direitos dos trabalhadores, e direcionando
o tema ao que se pretende oportunamente analisar, o princípio da intervenção mínima,
far-se-á uma breve descrição de alguns dispositivos atinentes a alguns direitos
trabalhistas indagando-os em razão da inovação trazida pelo §3º, art. 8º, CLT.
Dos 34 incisos, mais o parágrafo único do art. 7º, da Constituição de 1988,
todos, sem exceção, devem ser lidos e interpretados a partir do caput, que em síntese
estabelece quais são os direitos dos trabalhadores, além de outros que visem a
melhoria de sua condição social.
Além dos casos mencionados e elencados na pesquisa (assédio moral, desvio
de função e acúmulo de função), pode ocorrer abuso em outras tarefas/funções, p.ex.
o trabalho intermitente; Duração do trabalho normal superior a oito horas e quarenta
e quatro semanais; ou ainda, negociar que a gestante não será afastada de suas
funções, mesmo que trabalhe em local insalubre? Isso seria abuso do poder diretivo?
Veja que essa questão é metaindividual, vez que liga-se ao seio familiar e à
expectativa de direitos dos nascituro. Nas palavras de Lima:

Proteção do trabalhador reflexa na família: proteção especial da


maternidade – o princípio tutelar conduz textualmente toda a matéria
trabalhista na Constituição e na CLT. Neste sentido, vale destacar a
licença-maternidade, a estabilidade-gestante, o intervalo de
amamentação, meia hora em cada turno (art. 396); direito de creche
(art. 399); direito de transferência de função da gestante, liberação
para consultas médicas (art. 392, §4º, CLT), proibição de
discriminação (art. 373-A, CLT)125;

O art. 394-A da CLT, tem redação que não é destinada apenas à trabalhadora,
mas também à sua família e ao nascituro que está em constante desenvolvimento.
Esse dispositivo é questionável na medida em que atenta contra os direitos da
personalidade, à vida.
São apenas alguns exemplos extraídos do Direito Individual do Trabalho que
certamente reduzem a condição social do trabalhador, mas, com base numa
compreensão fria quanto ao Poder diretivo, pode se presumir que o empregador

LIMA, Francisco Meton Marques. Elementos de direito do trabalho e processo trabalhista. São Paulo,
125

LTr, 2013, p. 43.

83
poderia tudo, o que não se revela na prática da justiça especializada. Vide pesquisa
quantitativa.
No último capítulo será analisado mais atentamente a origem, significação e
aplicação deste princípio nas relações trabalhistas a fim de tentar chamar a atenção
a algo com potencial devastador na clássica e tradicional forma de vínculos laborais
de proteção e garantias.

2.4.1 Poder Disciplinar

O Poder Disciplinar não se confunde com o Poder Diretivo, aquele visa


reprimir a desobediência do empregado, bem como os demais atos classificados no
art. 482, CLT126, e desde já, os verbos do art. 482, CLT, para que se consigne, trata-
se de rol taxativo, vez que prevê sanção, ou seja, é norma que ao definir quais os
comportamentos sujeito a punição, é imprescindível que o empregado, portanto, saiba
que se praticá-lo(s), estarão sujeitos as cominações legais.
O conceito que se utiliza é de Arnaldo Süssekind:

Poder disciplinar. Constituem as sanções disciplinares os meios de


que dispõe o empregador, para a imediata tutela de seus direitos em

126
Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando
constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial
ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido
suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas
físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e
superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão,
em decorrência de conduta dolosa do empregado. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática,
devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança
nacional. (Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966)

84
caso de violação das obrigações assumidas pelo empregado. Daí por
que o dever de obediência é limitado em razão da matéria (obrigações
relativas ou conexas à prestação de trabalho) e em razão do tempo
(vigência do contrato). Dado, porém, o elemento fiduciário, ínsito no
contrato de trabalho, esta última limitação deve ser entendida em
termos: mesmo durante os períodos de suspensão ou interrupção do
contrato, continua o empregado sujeito à obrigação de acatamento às
normas de disciplina e respeito ao empregador e superiores
hierárquicos. A sanção disciplinar pressupõe, ainda, sempre a culpa
do empregado, impondo-se, por outro lado, seja guardada certa
proporção entre a falta e a sanção127.

Um critério que se extrai da citação acima é a proporcionalidade, que junto com o


princípio da razoabilidade, são cânones do Estado Democrático de Direito, isso para se evitar
abusos, seja numa perspectiva vertical (Estado e indivíduos), seja no viés horizontal (entre
particulares).
Nessa ideia de aplicação do princípio da proporcionalidade e razoabilidade nas
relações jurídicas horizontais, nesse particular, laboral, significa que entre a ação do
empregado e o poder disciplinar do empregador, deve se observar tais princípios, o que será
verifica caso a caso, é uma situaçao causuistico que o magistrado avaliará qual disciplina se
aplica à conduta do empregado.
Embora pareça que tal avaliação pelo magistrado seja subjetiva, fato é que a doutrina
já entende que, segundo Arnaldo Süssekind, enfatiza que:

Uma punição excessiva para uma falta leve configuraria o abuso do


direito e não poderia ter o endosso da Justiça. Parece-nos
perfeitamente admissível, nessa hipótese, a “dosagem” da pena pelo
juiz. Fundando-se no contrato, faculdade do empregador, de punir,
disciplinarmente, o empregado, não pode furtar-se ao controle judicial,
e a solução, que defendemos, fugiria, no caso de punição excessiva,
aos extremos, ambos contrários ao direito e à função contratual da
pena, de, ou manter uma punição desproporcionada em relação à
falta, e, pois, abusiva: ou deixar sem penalidade o empregado, que
cometeu falta, embora leve. Por analogia, cabe a invocação, aqui, do
disposto no art. 924 do Código Civil, segundo o qual, “quando se
cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente
a pena estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento”128.

A punição prevista no ordenamento jurídico brasileiro, decorrente do poder


disciplinar do empregador, possui, além dos critérios principiologicos acima, também

127
SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima.
Instituições de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 1997. v. 1, p. 236.
128
SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima.
Instituições de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 1997. v. 1, p. 237.

85
encontra limite quanto as formas de sancionar o empregado, sendo vedado, p.ex.
multa salarial ou puní-lo com transferência da qual o único objetivo é prejudicial.

No direito brasileiro as sanções disciplinares traduzem-se pela


repreensão, pela suspenção e pela despedida. A multa salarial e a
transferência punitiva não são admitidas, sendo que a suspensão não
pode ir além de trinta dias. Dada a finalidade das sanções
disciplinares, que é a de restabelecer o equilíbrio na execução do
trabalho, permitindo a consecução dos fins a que se destina a
empresa, uma das condições de sua aplicação é a imediatidade. Falta
não punida presume-se perdoada. Claro está que o lapso que se pode
razoavelmente admitir, entre a prática do ato faltoso e a incidência da
pena, a fim de que da ausência “in continenti” de punição não seja
induzido o perdão tácito, varia em cada caso, conforme a natureza da
falta, as circunstâncias do ato e a própria organização da empresa.

Além dos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, assim como a


limitação que encontra o poder disciplinar, há outro fator a ser considerado, o lapso
temporal, isso exige, portanto, que entre a falta e a aplicação da penalidade seja
recente, sem que o transcurso do tempo gere a presunção de perdão tácito.

Poder Diretivo Poder Disciplinar


Conformação da prestação laboral Sancionar comportamento em
desacordo com diretrizes legais ou
convencionais.
Alterar a atividade impondo a realização de Exige proporcionalidade e razoabilidade
funções afins (art. 151.º, n. 2, do CT)
p.ex. Art. 482, CLT
Tabela do autor

2.5 NATUREZA JURÍDICA DO PODER DIRETIVO

Parte-se da premissa que o empregador, ao ponto que assume todo o risco


por conseguinte, tem o direito de dirigir seu empreendimento. Como afirmado, diante
do princípio da alteridade, o empregador, para ter controle dos riscos, pode dirigir
sua conduta e empresa de modo a preservá-la bem como, respeitar a dignidade da
pessoa humana.
Assim, conceitualmente, Nilson de Oliveira Nascimento:

86
Ao ser contratado pela empresa o empregador transfere ao
empregador o poder de direção do seu trabalho, passando a ser
subordinado ao mesmo. Assim estrutura-se a relação jurídica objeto
do direito do trabalho: de um lado: o poder de direção reconhecido
pela ordem jurídica ao empregador e exercida como contrapartida
aos riscos da atividade econômica inerentes à atividade empresarial;
de outro lado: o estado de subordinação do empregado, que se
submete às regras de caráter hierárquico emandas do
empregador.129

Para definir, vale-se das palavras de Pavelski, que entender ser


manifestação “de poder diretivo como direito potestativo do empregador, ou seja, ao
exercício do direito do empregador nada pode ser oposto, produzirá efeitos pela mera
declaração de vontade de seu titular”130, o sujeito passivo da relação estaria num
completo estado de sujeição, ou seja, deve suportar a produção dos efeitos jurídicos
inerentes ao direito potestativo131.
Tal direito postestativo é representado pelo poder diretivo, do qual decorrem
outras formas de expressão do poder do empregador, é como categoriza Lima132 ao
expor que quanto aos poderes do empregador, têm-se, outras manifestações de poder
decorrente do diretivo, tais como, regulamentar, fiscalizatório, disciplinar.
Assim, de forma didática, o quadro abaixo esclarece a distinção da seguinte
forma:

Princípio da alteridade - Empregador Princípio da subordinação jurídica


Assume os riscos da atividade
Poder diretivo Dever de obediência
Tabela do autor
Viana esclarece que:

a idéia de direito potestativo não comporta toda a estrutura do poder


diretivo do empregador e de sua relação com o empregado porque
este se obriga a trabalhar nos moldes que forem exigidos e

129 NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. O Poder diretivo do empregador e os direitos fundamentais


do trabalhador na relação de emprego. Tese de doutorado – PUC-SP, 2008, p. 76.
130 PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado em face do exercício

abusivo do poder diretivo do empregador. 2008, p. 114.


131
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 33.ed. São Paulo: LTr,
2007, p.60.
LIMA, Francisco Meton Marques. Elementos de Direito do trabalho e processo trabalhista. São
132

Paulo: LTr, 2013, p. 166-167.

87
preenchidos pelo poder diretivo. Não é uma obrigação de trabalhar
qualquer, genérica ou abstrata e até mesmo inexequível, mas de
acordo com o especificado pelo empregador.133

A tabela acima, foi para evidenciar que a relação jurídica estabelecida entre
empregador e empregado é um negócio jurídico, respeitada as pecurialidades do
Direito do trabalho se comparado ao Direito Civil, mas deixa claro se tratar de relaçao
mútua, prestação e contraprestação.
Assim, contemporaneamente, se reconhece os avanços nas negociações
laborais, de modo que, à luz da Constituição de 1988, bem como princípios da
dignidade da pessoa humana, e princípios próprios – mais evidentes – no direito
comum, também se aplicam no âmbito trabalhista, p.ex. boa-fé objetiva, a função
social dos contratos, vedação ao retrocesso, dentre outros que refletem nas relações
laborais.
Diante do objeto da pesquisa, que é analisar – o abuso do poder diretivo -, e
medidas para mitigá-lo, direciona-se para a definição que respalda a pretensão da
pesquisa, que é defendida por Rui Assis, que sustenta que o contrato de trabalho tem
peculiaridades, como a mencionada correlação de créditos e débitos para
empregado e também para empregador.
Assim, esclarece Pavelski:

a relação de trabalho implica, de forma relevante, a pessoa do


trabalhador, o que dificulta em grande monta a equiparação, a
equivalência dos vínculos obrigacionais entre as partes contratantes.
A seguir, o autor também identifica o empregador como o principal na
relação de crédito, isso por causa do seu poder em face da
subordinação do empregado134.

Assim, afirmar que o Direito do Trabalho não é um negócio jurídico, ou dizer


que é uma relação jurídica bilateral é reduzi-lo frente às complexidades que a
tecnologia impôs, não só ela, mas também a situação de calamidade pública –
Pandemia – que impulsionou a novas formas de se pensar a relação empregatícia.
P.ex. teletrabalho, home office, etc. Não por outra razão, Assis, já defendia que a

133
VIANA, Marcio Túlio. Direito de resistência: possibilidades de autodefesa do
empregado em face do empregador. São Paulo: LTr, 1996, p.134.
134
PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado em face do
exercício abusivo do poder diretivo do empregador. 2008, p. 119.

88
relação empregatícia não se compreende tão-somente como mero negócio bilateral,
mas como uma relação jurídica complexa.
O direito também é mais complexo, há quem destoe da exposição acima, o
que nas palavras de Carlos Alberto da Mota Pinto, direito subjetivo é sinônimo de
liberdade de atuação e poderes, assim entendidos os poderes-deveres ou poderes
funcionais, que não englobam tal liberdade de atuação, porque:

não podem ser exercidos se o seu titular quiser e como queira, mas
devem ser exercidos pelo modo exigido pela função do direito. Se não
forem exercidos quando deviam sê-lo, ou forem exercidos de outro
modo, o seu titular infringe um dever jurídico e é passível de
sanções."135

O que se verifica é que o exercício do direito subjetivo depende da


autonomia, contudo, em se tratando de autonomia, tanto empregador, como
empregado, a possuem, respeitada a situação jurídica de cada um. E a situação é
jurídica, não econômica, vez que o que subordina o empregado é o aspecto jurídico
e não econômico.
É o que se depreende das palavras de Pavelski (2008, p. 119) “partindo
também desta premissa de que a relação de emprego é complexa, levanta-se
corrente de que a natureza jurídica do poder de direção do empregador é de situação
jurídica subjetiva”.
Em termos de superação do conceito de direito subjetivo tal como mencionado,
Pietro Perlingieri assim preleciona:

No ordenamento moderno, o interesse é tutelado se, e enquanto for


conforme não apenas ao interesse do titular, mas também àquele da
coletividade. Na maior parte das hipóteses, o interesse faz nascer
uma situação subjetiva complexa, composta tanto de deveres,
obrigações, ônus. É nesta perspectiva que se coloca a crise do direito
subjetivo. Este nasceu para exprimir um interesse individual e
egoísta, enquanto que a noção de situação subjetiva complexa
configura a função de solidariedade presente ao nível constitucional.136

Assim, a relação de emprego também concentra diversas dessas categorias

135
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. 3.ed. atual. 11. reimp.
Coimbra: Coimbra Editora, 1996.p.169-170.
136
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 2.ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.123.

89
jurídicas que decorrem das situações subjetivas, dentre elas: direitos subjetivos (v.
g. direito de o empregado exigir seu salário e o direito do empregador de se beneficiar
da prestação de serviços), ônus (obrigação de o empregador homologar a rescisão
de contrato de trabalho com mais de um ano junto ao sindicato profissional ou ao
Ministério do Trabalho), poderes (poder diretivo do empregador).137
Eduardo Milléo Baracat, identificando o poder diretivo como situação jurídica
subjetiva, diz que ele não gera uma pretensão, no sentido declinado quanto ao direito
subjetivo, mas a sujeição do empregado. Esclarece o autor, ainda, que o poder de
direção do empregador não pode ser renunciado, porque se o fizer, perderá sua
titularidade.138
Além das teorias acima, há uma terceira corrente defendida por Maurício
Godinho Delgado, que, assim, se manifestou:

o poder intra-empresarial como uma relação jurídica complexa, pois não


se separam os diferentes momentos pelos quais a relação de emprego
passou na história, justamente porque as diferentes características de
cada momento não são estanques e isoladas, vão sendo
sucessivamente modificadas. Diz o autor que o poder é relacional e
se adapta, ou seja, detém uma plasticidade de configuração que varia
também com a assimetria de seus pólos componentes (empregado e
empregador).139

Verifica-se a corrente entende haver uma mútua relação jurídica de


obrigações e deveres140, o que leva a “conclui que o poder não é do empregador,
mas da realidade socioeconômica em que se perfaz a relação de emprego”141, o que
justifica não falar em poder diretivo, mas sim de poder de empregatício, vez que a
subordinação jurídica só ocorre caso presente a relação jurídica – contratual – de
emprego. Caso contrário, não há que se falar em poder diretivo.

137
BARACAT, Eduardo Milléo. Poder de direção do empregador: fundamentos, natureza jurídica e
manifestações. In: _____ (Coord.). Controle do empregado pelo empregador: procedimentos
lícitos e ilícitos. Curitiba: Juruá, 2008, p.34-35.
138
Ibidem, p.36.
139
DELGADO, Mauricio Godinho. O poder empregatício. São Paulo: LTr, 1996. p.191-192.
140
DELGADO, Mauricio Godinho. O poder empregatício. São Paulo: LTr, 1996, p.193.
141 PAVELSKI, Ana Paula. Os direitos da personalidade do empregado em face do exercício

abusivo do poder diretivo do empregador. 2008, p. 120.

90
3 COMPLIANCE COMO MECANISMO DE TUTELA DA RELAÇÃO
CONTRATUAL TRABALHISTA

Nesse capítulo, o objetivo da dissertação é desenvolver uma análise


propositiva quanto ao uso do Programa do Compliance. Para tanto, parte-se da
conceituação, e, posteriormente evolui para apresentá-lo como ferramenta de
institucionalização de políticas trabalhistas a fim de tutelar a relação
empregatícia, tanto o empregador, bem como o empregado, ambos encontrando
no compliance parâmetro de comportamento mais adequado à sua realidade.

3.1 CONCEITO DE COMPLIANCE

O compliance vem do verbo em inglês “to comply”, numa tradução,


conformidade, o que implica em outros verbos, tais como: observar e obedecer
algo que lhe seja imposto, nesse particular, pelo Programa de Compliance, o que
não afasta, por conseguinte, a observância legal e convencional.
Nas palavras de Manzi, entende por Compliance “o ato de cumprir, de
estar em conformidade e executar regulamentos internos e externos, impostos
às atividades da instituição, buscando mitigar o risco atrelado à reputação e ao
regulatório/legal”142.
Assim, depreende-se que o compliance vincula-se mais a ideia de
observância às normas criadas internamente na corporação – empresa – vez
que as demais normas – estatais, p.ex. é de natureza geral, abrange à
coletividade, o que, importa em dizer, por outro, que o compliance, visa atender
a particularidade da empresa e/ou órgão (ente) público que o implementa.
Nesse sentido, cumpre observar a tabela abaixo, a qual exemplifica
alguns diplomas legais e o programa de compliance para a finalidade proposta
nessa dissertação, atividade laboral:

142
MANZI, Vanessa Alessi. Compliance no Brasil: consolidação e perspectivas. São
Paulo: Saint Paul, 2008, p. 15.

91
Da Constituição ao Compliance
Contituição CLT Convenções CCT/ACT Compliance
Art. 7º - Art. 7º Art. 3º - Convenções Convenção Programa
São direitos Considera-se internacionais coletiva de interno de
dos empregado do trabalho: Trabalho e observância
trabalhadores toda pessoa OIT – Acordo obrigatória
urbanos e física que Organização Coletivo de tanto pelo
rurais, além prestar Internacional Trabalho. empregador
de outros que serviços de do Trabalho P.ex. art. 611- como pelos
visem à natureza não A, art. 611-B, empregados
melhoria de eventual a CLT prevê o quanto ao
sua condição empregador, que pode e o que se deve
social: sob a que não pode observar e
dependência ser objeto de cumprir.
deste e negociação.
mediante
salário.
Tabela do autor

Nas palavras de Daniel Cavalcante Silva compreende que o compliance


como:

(...) o programa de compliance passou a ser um mecanismo


efetivo de prevenção ao descumprimento de normas, de
combate a fraudes e desvio de condutas, e, com isso, tornou-se
indispensável à manutenção da competitividade no intrincado
cenário corporativo. Em outras palavras, esse programa tornou-
se um vetor para a proteção da integridade das organizações,
reduzindo riscos e aprimorando controles imprescindíveis para a
tomada de decisões143.

Pode-se dizer que o instituto do compliance está ligado com o corporate


governance, o que se refere ao sistema de organização e direção e empresarial.

143
SILVA, Daniel Cavalcante. Compliance como boa prática de gestão de ensino
superior privado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 2.

92
Tal relação se fundamenta de modo que o compliance é essencial no que tange
às práticas negociais.
É nesse sentido, que Bertoncini e Ferreira:

Para que assim se dê, a empresa deve manter um Programa de


Compliance, calçado num sistema de controle interno,
permeado por procedimentos de integridade, auditoria e
incentivo à denúncia de irregularidades, bem como voltado à
aplicação de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa
jurídica144.

Se depreende, portanto, que a elaboração e implementação do Programa


de Compliance, exige tafera multidisciplinar, o envolvimento de vários setores da
corporação a fim de se criar um instrumento cada vez mais particularizado às
necessidades daquela atividade econômica explorada pela empresa. O conjunto
de medidas tendentes a conduzir o processo de “conformidade”, denomina-se
Compliance Corporativo, o qual se materializa pela conjugação dos esforços de
governança implementados na estrutura administrativa das corporações, tanto
quanto pela adoção de procedimentos de controles internos e externos.
No mesmo sentido, é o entendimento de Giovani Saavedre145:

No Brasil, compliance tem sido compreendido, de um lado,


apenas como parte da implementação das “boas práticas” da
corporate governance. Nesse caso, compliance é entendido
como um “mandamento ético”, o qual deveria melhorar o
relacionamento da empresa com os stakeholders e com o
mercado.

Neste cenário surge a proposta da dissertação, a ideia de Programa de


Compliance Trabalhista a fim de evitar e/ou minimizar eventos que configure
abuso do poder diretivo do empregador.

144
BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes. FERREIRA, Daniel. A importância
do controle cidadão nos programas de integridade (compliance) das empresas estatais
com vistas ao desenvolvimento nacional. Revista Jurídica UNICURITIBA, v. 04, n. 45,
p.126-138, 2016. Disponível em:
http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/1771/1162>. Acesso em
13 de nov.de2020.
145
SAAVEDRA, Giovani Agostini. Reflexões iniciais sobre criminal compliance. In:
Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 18, n. 218, jan., 2011. p. 11/12.

93
3.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO NORTEADORES DO
COMPLIANCE TRABALHISTA

Mesmo com a Reforma Trabalhista de 2017, os princípios do Direito


Laboral permanecem, norteaiam tudo aquilo que se refere às relações laborais.
Se afastar da matriz principiológica, acarreta em desnaturalizar o Direito do
Trabalho e, por conseguinte, a própria tutela específica e especializada que
presta ao jurisdicionado, empregado e empregador.
A perspectiva principiológica se faz necessária e parte-se das palavras
de Paulo Bonavides:

A regras vigem, os princípios valem; o valor que neles se insere


se exprime em graus distintos. Os princípios, enquanto valores
fundamentais, governam a Constituição, o regímen, a ordem
jurídica. Não são apenas a lei, mas o Direito em toda a sua
extensão, substancialidade, plenitude e abrangência146.

Assim, a pesquisa parte da matriz dos princípios do Direito do Trabalho


para, também, nortear a proposta de Programa de Compliance trabalhista, a fim
de que seja desenvolvido à luz dos princípios motrizes da relação laboral. Nesse
sentido, alguns princípios servem de base para o Compliance trabalhista.

3.2.1 Princípio da Vedação do Retrocesso

O Princípio da Vedação do Retrocesso Social também é conhecido como


regra do não retorno da concretização ou simplesmente como proibição do
retrocesso147. Teve origem na jurisprudência europeia, principalmente na
Alemanha e em Portugal.
No direito português, Canotilho148 foi pioneiro na defensa de tal princípio.
Em linhas gerais, entendia possível o ajuizamento de uma ação judicial para
evitar o retrocesso social nas ocasiões em que um direito econômico, social ou

146BONAVIDES. Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros, 2003, p.


288/289
147
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e a Teoria da Constituição. 7.ed.
Almedina, 2003, p. 338.
148 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e a Teoria da Constituição. 7.ed.

Almedina, 2003, p. 260.

94
cultural, garantido pela constituição já estivesse inserido como valor social.
Sendo o direito do trabalho um valor social constitucionalmente
garantido, torna-se aplicável o princípio da vedação do retrocesso na medida em
que se presenciar potencial aplicação diminutiva de direitos trabalhistas,
sobretudo aqueles condizentes com direitos fundamentais do trabalho.
Importa esclarecer não ser tal princípio algo vitalício, contudo, deve
haver medida compensatória em caso de supressão de um direito por outro.
Assim, enquanto os direitos sociais exigem uma prestação e intervenção positiva
do Estado, o princípio da vedação do retrocesso exige uma obrigação de não
fazer, uma abstenção, uma ação negativa. Portanto, este princípio busca evitar
que a Intervenção do Estado ao legislar, por conseguinte, intervir na economia
de forma indireta, enfraqueça os direitos fundamentais outrora reconhecidos e
outorgados pelo próprio Estado.
Para que não se pense em aparente conflito entre o princípio da vedação
do retrocesso e o Estado Democrático de Direito, Barroso149 esclarece que tal
princípio decorre justamente do princípio do Estado Democrático e Social de
Direito, do princípio da dignidade da pessoa humana, do princípio da máxima
eficácia e efetividade das normas definidoras dos direitos fundamentais, do
princípio da proteção da confiança e da própria noção do mínimo existencial.
Portanto, o cenário que se constrói nesse capítulo é a existência dentro
de um mesmo diploma legal de dois princípios, um que prima pela abstenção do
Estado (por parte do Poder Judiciário), e, outro que prima pela presença do
Estado a fim de garantir a efetividade dos direitos sociais, sobretudo,
trabalhistas.
Os direitos sociais, também conhecidos como direitos de segunda
dimensão, estão, ou devem estar intrinsecamente conectados às possibilidades
de o Estado em efetivá-los. Não obstante a isso, fato é que, após trazidos ao
ordenamento jurídico, a sua supressão ou restrição encontra grande resistência
na doutrina em virtude do princípio da vedação ao retrocesso social.
Nesse sentido, não se pode olvidar que o Estado conceder direitos é

149
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas
normas. 5.ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2001, p. 158.

95
algo de suma importância, mas, mais do que isso, é preciso que se permita a
sua estabilidade, de modo que o cidadão dele possa usufruir ao longo do tempo.
Apesar disso, o tema desperta uma certa dose de discussão, pois há três
correntes distintas que possuem as seguintes considerações: a) os direitos
sociais não são cláusulas pétreas, e portanto, poderiam ser abolidos, b) todos
os direitos sociais estão inseridos nas cláusulas pétreas, e por isso, não podem
ser abolidos, e, c) somente os direitos sociais, cuja a titularidade seja individual
são considerados cláusulas pétreas, e assim, estes direitos não poderiam ser
abolidos.
Em que pese as várias vertentes citadas, é preciso ressaltar a análise
realizada por Sarlet (2014, p. 582) sobre a questão no Brasil:

Para a proteção dos direitos sociais, especialmente em face do


legislador, mas também diante de atos administrativos, ganhou
notoriedade, inclusive e de modo particularmente intensivo no
Brasil, a noção de uma proibição jurídico-constitucional de
retrocesso, como mecanismo de controle para coibir e/ou corrigir
medidas restritivas ou mesmo supressivas de direitos sociais150.

O fundamento que justifica a existência do princípio da vedação ao


retrocesso social pode ser considerado na decorrência de o Estado dever,
progressivamente, efetivar direitos sociais, além de guardar íntima relação com
o princípio da segurança jurídica e, assim, nas expressão de Sarlet (2014, p.
583):

Com os princípios do Estado Democrático Social de Direito e de


proteção da confiança, na medida que tutela a proteção da
confiança do indivíduo e da sociedade na ordem jurídica, e de
modo especial na ordem constitucional, enquanto resguardo de
certa estabilidade e continuidade do direito, notadamente quanto
à preservação do núcleo essencial dos direitos sociais151.

Veja-se que nesse sentido, a reforma trabalhista, ao flexibilizar, restringir


direitos, atentou contra a confiança dos cidadãos nos direitos já assegurados,

150
SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional brasileiro. 3.ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 582.
151 SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional brasileiro. 3.ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 583.

96
além disso, considerando que a Constituição de 1988 é dirigente, ou seja, que
possui como escopo transformar a realidade do Estado, a reforma demonstra
não guardar compatibilidade com tal característica.
Complementa-se ainda, nas palavras de Sarlet que:

A necessidade de adaptação dos sistemas de prestações


sociais às constantes transformações da realidade não justifica
o descompasso entre os níveis de proteção já alcançados às
prestações que compõem o mínimo existencial e a legislação
reguladora superveniente que os comprometa, suprimindo ou
reduzindo posições sociais existentes, pois, em sendo este o
caso, poderá ser considerada inconstitucional, vindo a ser
declarada pelo Poder Judiciário152.

No caso da reforma trabalhista, conforme será adiante verificado, sua


justificativa era a necessária “modernização” da legislação, sob o argumento de
que traria competitividade ao Brasil para concorrer com outros países, além de
fomentar a geração de empregos e permitir a retomada do crescimento
econômico.
Verifica-se que estas circunstâncias se amoldam ao destacado acima,
pois estas transformações na situação do país não são suficientes a justificar a
restrição, ou até mesmo a perda de direitos sociais conquistados ao longo dos
tempos. Deste modo, não está o Estado autorizado a violar o núcleo essencial
dos direitos sociais sobre o pretexto de ser necessário para a retomada do
desenvolvimento do país, principalmente o econômico.
Ademais, até mesmo o chamado princípio da reserva do possível, que
consiste na impossibilidade de o Estado cumprir com seus deveres em virtude
de não possuir meios para tanto, não poderia justificar as perdas de direitos já
adquiridos. Para Canotilho153, obtido um certo grau de realização, os direitos
concedidos passam a gozar de garantia institucional e ao mesmo tempo um
direito subjetivo, logo, não haveria a possibilidade de abolição.
Portanto, considerando o princípio da vedação ao retrocesso social, é

152
SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional brasileiro. 3.ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 583.
153 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e a Teoria da Constituição. 7.ed.

Almedina, 2003, p. 326.

97
possível sustentar que a reforma trabalhista, quando suprimiu direitos, perpetrou
uma violação constitucional, consubstanciada na ofensa à segurança jurídica, à
confiança, e aos princípios do Estado Democrático Social de Direito, além de
demonstrar incompatibilidade com o dirigismo, característica marcante da
Constituição de 1988, fato que permite a arguição de inconstitucionalidade das
modificações realizadas perante o Poder Judiciário, que em última análise
deverá trazer à tona debates em torno dos princípios como o da justiça social e
da valorização do trabalho humano, objetivos a serem perseguidos pelo Estado
brasileiro.

3.2.2 Os Princípios da Justiça Social e da Valorização do Trabalho

O ordenamento jurídico é permeado por normas e princípios, a diferença


entre os dois consiste no fato destes serem mandatos de otimização, sem que
possuam um sentido pré-determinado, são carregados de carga valorativa. As
normas, ou regras, por outro lado, expressam padrões de condutas que podem
ou não estarem positivadas.
No Brasil, sabe-se que se adota há muito tempo o positivismo, porém,
nos chamados hard cases, ou casos difíceis, verifica-se que os princípios
possuem grande relevância para a solução da controvérsia.
Para Sundfeld:

Os princípios são as ideias centrais de um sistema, ao qual dão


sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão
de seu modo de organizar-se. Tomando como exemplo de
sistema certa guarnição militar, composta de soldados,
suboficiais e oficiais, com facilidade descobrimos a ideia geral
que explica seu funcionamento: os subordinados devem cumprir
as determinações dos superiores. Sem captar essa ideia, é
totalmente impossível entender o que se passa dentro da
guarnição, a maneira como funciona (...) A enunciação dos
princípios de um sistema tem, portanto, uma primeira utilidade
evidente: ajuda no ato do conhecimento154.

154
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. São Paulo: Editora
Malheiros, 1992, p. 137.

98
Nesse sentido, os princípios são, no ordenamento jurídico, os
norteadores para que as normas sejam editadas. Deste modo, merecem ser
analisados, três princípios relevantes no âmbito das relações de trabalho:
princípio da justiça social, da valorização do trabalho humano e da vedação ao
retrocesso social para descobrir em que medida a reforma na legislação do
trabalho os observou ou não.
Essa organização codificada e/ou de interpretação das normas jurídicas,
faz-se necessário na medida em que refletem diretamente na sociedade.
Noutras palavras, Grau esclarece que “podemos dizer que o direito é um
instrumento de organização social: sistema de normas (princípios) que ordena –
para o fim de assegurá-la – a preservação das condições de existência do
homem em sociedade”155.
Percebe-se, que o princípio da justiça social enquadra-se em uma ideia
de equilíbrio de interesses individuais e/ou coletivos, onde a ponderação e
razoabilidade ganham espaço e protagonismo, essa afirmação é cabal vez que,
segundo Grau o “direito pretende proteger e assegurar a liberdade de agir do
indivíduo, subordinando-a ao interesse coletivo, tendendo à determinação de um
ponto de equilíbrio ente esses dois valores”156.
Importa destacar que ambos sendo previstos na Constituição de 1988,
esta é o fundamento de validade das demais normas, regras e princípios
hierarquicamente inferiores a ela, de modo que a inserção somente será válida
se respeitadas as diretrizes constitucionais. Nas palavras de Streck:

Isso significa afirmar que, enquanto a Constituição é o


fundamento de validade (superior) do ordenamento e
consubstanciadora da própria atividade político-estatal, a
jurisdição constitucional passa a ser a condição de possibilidade
do Estado Democrático de Direito157.

A característica de um Estado Democrático de Direito é justamente a

155
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 11.ed. rev. e
atual. São Paulo, Malheiros Editores, 2006, p. 23.
156
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 11.ed. rev. e
atual. São Paulo, Malheiros Editores, 2006, p. 23.
157
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 3.ed. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2013, p. 37.

99
constitucionalidade das ações submetidas a ela, na medida em que todas devam
ser direcionadas às finalidades constitucionais previstas. As demais normas que
a complementam são para dar efetividade e concretude às suas previsões.
Porém, como explicita Streck, “parcela expressiva das regras e princípios nela
previstos continuam ineficazes”158. E o acesso à justiça é um bom exemplo para
o livro, vez que com a inserção do princípio da intervenção mínima, a tendência
é de mitigar aquele princípio constitucional.
Nesse sentido, Streck, faz a seguinte indagação:

Qual é o papel (e a responsabilidade) do jurista nesse complexo


jogo de força? Quais as condições de acesso à justiça do
cidadão? Visando ao cumprimento (judicial) dos direitos
previstos na Constituição?159

A chamada a assumir responsabilidades feita acima é coerente com


compromisso assumido no pacto social, o que por sua vez possui
parametrização e direção na Constituição de 1988. Ora, se um dos objetivos do
art. 3, da Constituição de 1988, é a construir uma sociedade livre, justa e
solidária, por sua vez, é papel do jurista e operadores do Direito, aplicarem o
Direito direcionado a este objetivo. Isso implica a não utilização, inclusive, do
princípio da intervenção mínima quando verificado que o bem da vida estará
desprotegido e/ou a parte hipossuficiente não terá meios de tutela jurídica
adequada, efetiva e tempestiva.
A justiça social está inserida na Constituição de 1988 no caput do art.
170 (BRASIL, 1988) sua localização topológica está inserida na chamada
Constituição Econômica, que compreende o art. 170 ao 193, todos tratando de
disposições afetas a esta matéria.
O artigo constitucional inaugural prevê que a ordem econômica será
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com o escopo
de assegurar a todos uma existência digna.

158
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 3.ed. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2013, p. 39.
159
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 3.ed. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2013, p. 39.

100
Aqui dois pontos preliminares, os quais serão analisados com mais
detalhes no tópico seguinte, merecem destaque: a valorização do trabalho
humano e a livre iniciativa, o que implica o reconhecimento de que a existência
do trabalho, seja ele com vínculo empregatício ou o desenvolvido pela força do
empreendedor (pautado na livre iniciativa) é considerado fundamental para que
o país atinja os seus objetivos sociais, no caso, que todos os cidadãos possuam
uma vida digna em conformidade com os ditames da justiça social.
Porém, cabe verificar outro princípio constante no caput do art. 170: O
Princípio da Justiça Social (BRASIL, 1988). Expressão que conduz a um conceito
contingencialmente indeterminado, que não tem o vocábulo “social” funcionando
como adjetivo de justiça, mas sim como outro substantivo, e o seu significado
deve ser compreendido como a junção de ambos, é nessa perspectiva que se
manifesta Grau:

Justiça social é conceito cujo termo é indeterminado (...)


contingencial. Do que seja justiça social temos a ideia, que
fatalmente, no entanto, sofreria reduções – e ampliações – nesta
e naquela consciência, quando enunciada em qualificações
verbais. É que justiça social é expressão que, no contexto
constitucional, não designa meramente uma espécie de justiça,
porém um seu dado ideológico. O termo “social”, na expressão,
como averbei em outra oportunidade, não é adjetivo que
qualifique uma forma ou modalidade de justiça, mas que nela
compõe como substantivo que a integra. Não há como fugir,
assim, à necessidade de discernirmos sentido próprio na
expressão, naturalmente distinto daquele que alcançamos
mediante a adição dos sentidos, isolados, dos vocábulos que a
compõem160.

Após esta lição, Grau prossegue e expõe o que deve ser considerado o
conceito de justiça social:

Justiça social, inicialmente, quer significar superação das


injustiças na repartição, a nível pessoal, do produto econômico.
Com o passar do tempo, contudo, passa a conotar cuidados,
referidos à repartição do produto econômico, não apenas
inspirados em razões micro, porém macroeconômicas: as
correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma
imposição ética, passando a consubstanciar exigência de

160
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 11.ed. rev. e
atual. São Paulo, Malheiros Editores, 2006, p. 223/224.

101
qualquer política econômica capitalista161.

Observa-se que o princípio em comento tem como objetivo a repartição


dos proveitos gerados pela sociedade capitalista, de modo que todos possam
ser beneficiados. A Constituição brasileira, ao prever a justiça social logo no título
da ordem econômica almejou que com o crescimento econômico do país, todos
os seus cidadãos pudessem ser contemplados com no mínimo, uma vida digna.
A característica da Constituição de 1988 é de um Estado Democrático
de Direito, razão pela qual, há supremacia da Constituição que além de
parametrizar normas inconstitucionais, assume papel preponderante na direção
do Estado. Assim, as palavras de Streck corroboram:

Com as constituições democráticas do século XX assume um


lugar de destaque outro aspecto, qual seja o da Constituição
como norma diretiva fundamental, que se dirige aos poderes
públicos e condiciona os particulares de tal maneira que
assegura a realização dos direitos fundamentais-sociais (direitos
sociais lato sensu, direito à educação, à subsistência ou ao
trabalho)162.

Certo de que a Constituição de 1988, possui essa característica de


norma fundamental e diretiva, por conseguinte, condiciona e impõe a todos o seu
comando, objetivos e fundamentos. Em outras palavras, a Constituição
parametriza aos seus, o dever de perquirir os objetivos nela contido, respeitando
seus fundamentos, diretrizes e princípios. É assim que se evidencia um Estado
Democrático de Direito, quando o pacto social se efetiva segundo os parâmetros
constitucionais.
Nesse sentido, para Ferreira (2008, p. 289), “segundo a ideologia
democrática liberal, a justiça social compete ao Estado e se realiza no âmbito
das políticas públicas governamentais com o fito de compensar as
desigualdades sociais produzidas pelo mercado”.
A par disso, o princípio da intervenção mínima, se é constitucional, a sua

161 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 11.ed. rev. e
atual. São Paulo, Malheiros Editores, 2006, p. 224.
162
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 3.ed. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2013, p. 113-114.

102
aplicação somente será possível se ocorrer nas definições constitucionais a fim
de concretizar direitos sociais e, sobretudo, não restringir direitos lá contidos,
nesse particular, o acesso à justiça.
Diante disso, o Estado brasileiro tem a obrigação de perseguir a justiça
social, de modo que, segundo Canêdo (2014, p. 23):

As discriminações sejam corrigidas, ou minimizadas, mediante a


implantação de políticas legislativas protecionistas e
recuperadoras da inferioridade social que foi determinada pela
história ou pela cultura, que estão enraizadas na sociedade.
Urge então que sejam criadas medidas compensatórias, com
projetos de inclusão social para substituir a não-discriminação
formal (de inspiração liberal e burguesa, complacente com as
desigualdades oriundas da estrutura econômica) pela não-
discriminação material163.

O Estado deve corrigir ou minimizar as desigualdades por intermédio do


processo legislativo, as leis a serem editadas devem possuir o caráter de
proteger àqueles que, pela essência do mercado no modelo capitalista, estão em
uma situação de inferioridade. O próprio Estado que em sua carta maior possui
o compromisso de observar os ditames da justiça social, ao legislar, deixa de
honrar com as intenções do constituinte originário, quando retira direitos e
restringe garantias, com isso, outros princípios constitucionais podem ser
violados.

3.2.3 O Princípio da Valorização do Trabalho

Princípio importante expressamente previsto na Constituição é o da


valorização do trabalho humano, assim como o da justiça social, possui íntima
relação com o desenvolvimento, principalmente social do país. É através do
trabalho que o cidadão obtém condições de receber a retribuição pelo esforço
dispendido.
Grau afirma que:

163
CANÊDO, Paula Fernandes Teixeira. Direitos à liberdade e à igualdade – Estado
da (in) justiça social. Disponível em <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,direitos-
a-liberdade-e-a-igualdade-estado-da-in-justica-social,46851.html> Acesso em
11.out.2020.

103
A valorização do trabalho humano e reconhecimento do valor
social do trabalho consubstanciam cláusulas principiológicas
que, ao par de afirmarem a compatibilização – conciliação e
composição – (...) portam em si evidentes potencialidades
transformadoras164.

As evidentes potencialidades transformadoras podem ser explicadas no


fato que o trabalhador ao utilizar sua força de trabalho contribuirá com a geração
de riqueza para a sociedade, e o proveito econômico obtido, será com ele
repartido, seja pela continuidade do pagamento de salário, caso empregado com
vínculo empregatício, seja pela geração de lucro, caso empreendedor.
Esta ideia vai ao encontro dos ensinamentos de Grau165 que defende
que a o trabalho humano e a livre iniciativa, insculpidas no art. 170 da
Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), são objetos consagrados a serem
valorizados.
Porém, nesse momento há que se distinguir o trabalhador com vínculo
empregatício e o empreendedor, isso porque, os regimes que a legislação
infraconstitucional lhes confere é muito diferenciado.
O empreendedor toma conta da expressão da livre iniciativa,
consubstanciada na “liberdade individual e liberdade social e econômica”166,
conforme se extrai de Grau. Há, nas palavras de Grau a possibilidade de iniciar
a sua própria atividade, de gerenciá-la, de definir os seus rumos, “não se trata,
pois, no texto constitucional, de atributo conferido ao capital ou ao capitalista,
porém à empresa – ao empresário, apenas enquanto detentor do controle da
empresa”167.
No ordenamento jurídico brasileiro, vários regimes surgiram para
fomentar esta atividade, como o regime do Microempreendedor individual - MEI,
e o SIMPLES NACIONAL, nos quais, há em comum o recebimento de benefícios

164 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 11.ed. rev. e
atual. São Paulo, Malheiros Editores, 2006, p. 198.
165 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 11.ed. rev. e

atual. São Paulo, Malheiros Editores, 2006, p. 200.


166 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 11.ed. rev. e

atual. São Paulo, Malheiros Editores, 2006, p. 201.


167 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 11.ed. rev. e

atual. São Paulo, Malheiros Editores, 2006, p. 208.

104
fiscais, ainda que este favorecimento decorra da própria constituição, no caso,
do inciso IX do art. 170, (BRASIL, 1988) no atual cenário pátrio, observa-se um
desequilíbrio quando comparado ao trabalho realizado no âmbito das relações
de emprego, pois, os empregados enfrentam situação diversa, com as reformas
na legislação passaram a conviver com direitos relativizados, tanto materiais
como os relativos ao acesso ao Poder Judiciário.
Verifica-se haver enorme incongruência no ordenamento jurídico
brasileiro, pois, o trabalho advindo da vertente decorrente do princípio
constitucional da livre iniciativa tem sido favorecido, enquanto o trabalho, oriundo
a vertente das relações de emprego, tem sido duramente desvalorizado, com o
esvaziamento de garantias e direitos.
Neste contexto, é inevitável olhar para a reforma trabalhista como uma
medida de redução de custos com mão-de-obra para os empreendedores,
concedendo, por mais uma vez um tratamento favorecido a esta classe. O
desequilíbrio entre o trabalho desenvolvido pelo empregado e o explorador de
atividade econômica é algo gritante, atualmente a valorização não está no
trabalho em si, mas da maneira como é realizado.
A consequência disso é o impacto no princípio já tratado anteriormente,
o da justiça social. Ao beneficiar uma forma de trabalho em detrimento de outra,
o que se está a permitir é que exista um abismo maior entre o empregado e o
empresário, fato que em última análise em nada contribui com a distribuição de
renda, pelo contrário, estimula a sua concentração.
Ao que parece, o próprio princípio da valorização do trabalho está
sofrendo com uma dicotomia com a reforma trabalhista, pois é patente a
discriminação entre as suas formas, quando na verdade deveriam convergir para
o mesmo objetivo e valorizá-lo como um todo, independentemente da forma e
como o trabalho é prestado.

3.2.4 Princípio da primazia da realidade sobre a forma

A razão de se abordar o referido princípio, se justifica pelo fato de que o


abuso do poder diretivo se manifesta às margens do contrato. Ou seja, o contrato

105
prevê determinada função e, o que pode ocorrer, é o exagero do poder diretivo
que impulsiona o empregador a exigir tarefas alheias àquelas outrora
contratadas e postas no instrumento de contrato.
Nesse sentido, o denominado princípio da primazia da realidade sobre a
forma, esclarece que em uma relação de trabalho o que importa são os fatos,
mesmo que a formalidade contratual seja em sentido diverso. Assim, têm-se uma
ideia que se agrega aos elementos do negócio jurídico – contrato de trabalho -,
a realidade e o contrato devem se espelhar.
Nas palavras de Américo Plá Rodriguez:

O princípio da primazia da realidade significa que, em caso de


discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de
documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro,
isto é, ao que sucede no terreno dos fatos168.

O art. 442, CLT, apresenta a incidência do referido princípio, que


estabelece “contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso,
correspondente à relação de emprego”. Ora, a ideia de corresponder à relação
de emprego quer dizer que há um reflexo do contrato nas práticas daquele
empregado no que tange a função desempenhada.
Outro detalhe perceptivel nesse modelo de contrato – laboral – é
justamente no que diz respeito a possibilidade de ser – tácito ou expresso -, ora,
sendo expresso, o contrato deve refletir na realidade, se é tácito, é a realidade
que impõem qual é a atividade desenvolvida pelo empregado. É o que se
verificar no art. 456 da CLT, "prova do contrato individual do trabalho será feita
pelas anotações constantes da carteira profissional ou por instrumento escrito e
suprida por todo os meios permitidos em direito".
E ainda, ao se tratar do negócio jurídico, elementos essenciais de
validade, o art. 112, CC/02, apresenta que “nas declarações de vontade se
atenderá mais à intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da
linguagem". Em outras palavras, é o comportamento, conduta, prática do
indivíduo que vale, a literalidade do contrato será considerada desde que

168
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2015,
p. 339.

106
espelhe a realidade. É o que se extrai, inclusive do entendimento sumular do
TST, Súmula 12 ao definir que “as anotações apostas pelo empregador na
carteira profissional do empregado não geram presunção ‘juris et de jure’, mas
apenas ‘juris tantum’.”.
A razão de analisar brevemente este princípio, é porque atos praticados
com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos
contidos na constituição, no que tange ao Direito do Trabalho, serão nulos de
pleno direito, é o que se verifica no art. 9º, CLT.
O legislador assim fixou as regras do Direito do Trabalho, o contrato e a
realidade devem estar alinhadas, sob pena de configurar o abuso do poder
diretivo e, eventuais ações administrativas (MPT), ou judiciais, visando a
indenização correspondente e/ou o restabelecimento do contrato em sua origem
ou a sua adequação com a realidade.

3.3 COMPLIANCE TRABALHISTA COMO PARÂMETRO DE


COMPORTAMENTO DO EMPREGADOR E DO EMPREGADO:
EFETIVIDADE DA RELAÇÃO CONTRATUAL

Ao se ouvir o termo Compliance, induz num primeiro contato com a


expressão, pensar em medida que combate a corrupção, o que tem sua razão
de ser, vez que, nas palavras de Zagonel, Séllos, Baracat:

No Brasil, os programas de compliance passaram a ser mais


frequentes e mais conhecidos com a edição da Lei 12.846 de 1º
de agosto de 2013169, também conhecida como “Lei
Anticorrupção”. Por meio de decreto 8.420 (BRASIL, 2015), o
qual busca regulamentar a referida lei, institui-se a ideia de
programas de integridade170.

169 Segundo ensina Anaruez Mathies (2017, p. 146) “a aprovação da Lei Anticorrupção,
coibindo a prática de condutas relacionadas à corrupção, decorreu do compromisso
assumido pelo Brasil por meio das Convenções de Combate à Corrupção da
Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização dos Estados Americanos
(OEA)525 e da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos
Estrangeiros em Transações Internacionais da Organização para a Cooperação
Econômica e Desenvolvimento (OCDE) ”.
170
SÉLLOS-KNOERR, Viviane Côelho, ZAGONE, Marina. BARACAT, Eduardo Milléo.
Compliance e assédio moral nas relações de emprego: Análise do programa da
companhia paranaense de energia – COPEL. Curitiba, Instituto Memória, 2018, p. 7-
28.

107
O objetivo pode se verificar no art. 41, do decreto 8.420/2015:

Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de


integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no
conjunto de mecanismos e procedimentos internos de
integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades
e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas
e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes,
irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração
pública, nacional ou estrangeira.
Parágrafo Único. O programa de integridade deve ser
estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as
características e riscos atuais das atividades de cada pessoa
jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante
aprimoramento e adaptação do referido programa, visando
garantir sua efetividade. (BRASIL, 2015)

A opção por abordar o tema do Compliance é o fato de trabalhar com


condutas, visa gerar uma cultura de integridade, mesmo que pela via expressa
em documento/programa. No ideal da lei acima, o compliance se insere no
sistema corporativo, com objetivo de “coibir irregularidades contra a
administração pública e promover o integral cumprimento dos códigos de ética e
de conduta da empresa”171.
Nas palavras de Henrique Correia, evidencia-se que o Compliance
ganha cada vez mais atenção da área laboral, de modo que as empresas visam
credibilidade e respeitabilidade em observância às normas internas que
fomentem comportamento ético.

Igualmente, o compliance trabalhista tem a finalidade de se


evitar a responsabilização das empresas no âmbito judicial para
que não haja prejuízo à sua imagem e reputação. Trata-se de
uma auditoria interna permanente para prevenir e apurar
violações de direitos trabalhistas na empresa172.

171
SÉLLOS-KNOERR, Viviane Côelho, ZAGONE, Marina.. BARACAT, Eduardo Milléo.
Compliance e assédio moral nas relações de emprego: Análise do programa da
companhia paranaense de energia – COPEL. Curitiba, Instituto Memória, 2018, p. 7-
28.
172
CORREIA, Henrique. Compliance nas Relações Trabalhistas. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 9ª Região V. 9. n.91. Agosto/20. Disponível in
http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial/?numero=91&edicao=11438 Acesso em 16
de nov. 2020.

108
Depreende-se, portanto, que coibir eventuais irregularidades, é também
compatível com o verbo: prevenir. De modo que o Compliance pode ser mais do
um instrumento que prevê punições a atitudes que contrariam os ideiais
valorativos da Empresa, é assim que Viviane Séllos e Leoni:

A atividade de compliance faz parte da segunda linha de defesa


no processo de governança corporativa. Atua principalmente no
monitoramento e prevenção dos riscos decorrentes de: quebras
legais e regulatórias; danos reputacionais e de imagem; lavagem
de dinheiro; corrupção e suborno; quebra do direito do
consumidor, dentre outros riscos empresariais que variam de
acordo com o ramo de atuação e regulação específica173.

Embora o conceito de compliance já esteja definido, é oportuno


transcrever que se trata de um ideal da pessoa jurídica a fim de ser
implementada e exposta a todos aqueles que com ela interage. É nesse sentido
que Ledesma e Rodrigues:

O compliance é um sistema de controle interno que visa colocar


em prática determinadas regras e princípios, que são inerentes
à pessoa jurídica. Não se trata apenas de um controle de
aplicação de sanção, há também uma implementação prévia da
política da pessoa jurídica, que faz com que seus agentes ou
empregados atuem conforme os ideais da empresa174.

Assim, diante desse breve contexto, nada impede que tais medidas que
miram na integridade, possa ser ampliada à toda a corporação, de modo a gerar
a cultura íntegra e previsível, que todos aqueles que integram a estrutura
daquela pessoa jurídica, (de direito privado ou público), bem como aquelas
pessoas naturais ou jurídicas que com ela pactue, saibam previamente que estão

173
SÉLLOS-KNOERR, Viviane Côelho. LEONI, Jaqueline. A importância do
compliance na comunicação empresarial. Revista Percurso, vol. 02, n. 33, 2020.
Disponível em:
http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/percurso/article/view/4354/371372608>
Acesso em 10 de nov. De 2020, p. 83.
174
LEDESMA, Thomás Henrique Welter, RODRIGUES, Maria Lúcia de Barros.
Iimplementação do compliance na fundação nacional do índio – FUNAI. Revista
Jurídica UNICURITIBA, v. 02, n. 43, p.127 2016. Disponível em:
http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/1822/1199>. Acesso em
13 de out.de2020, p. 127.

109
contratando com uma empresa em que se observa e se presa por condutas
lícitas, éticas e íntegras.
Se por um lado o Compliance – no Brasil – surgiu para combater práticas
de corrupção, por outro, já se revela cada vez mais eficaz para repelir qualquer
conduta antiética, assim, Zagonel, Séllos, Baracat, enfatizam que “em âmbito
trabalhista está intimamente relacionado aos processos internos de gestão de
pessoas e ao Direito do Trabalho”175.
O Programa de Compliance pode ser elaborado concomitantemente
com os procedimentos de constituição da sociedade (empresarial e/ou simples),
mas também pode ocorrer já na vigência dos contratos de trabalho, vez que as
empresas estão cada vez mais adequando-se a novas tecnologias, mas também
atentas para regras de conduta e certificados de integridade, conformidade e
profissionalidade.
Colabora com essa afirmação, Henrique Correia:

As técnicas de compliance também podem ser aplicadas no


curso do contrato de trabalho. Como visto, há a criação de um
código de ética e conduta, que orientará toda a atuação da
empresa, inclusive com relação ao pagamento de direitos
trabalhistas e do tratamento conferido aos empregados176.

Enriquece o Programa de Compliance Trabalhista, vez que não compete


com a Constituição, CLT, Convenções Internacionais, tampouco com
negociações coletivas, pelo contrário, soma-se a elas de modo a intensificar a
tutela do vínculo trabalhista, o qual não vem apenas para tutelar o trabalhador,
mas também o próprio empregador, que, previamente terá à disposição
parâmetros de comportamento íntegro a fim de evitar cometer atos abusivos no
exercício do poder diretivo.

175 SÉLLOS-KNOERR, Viviane Côelho, ZAGONE, Marina.. BARACAT, Eduardo Milléo.


Compliance e assédio moral nas relações de emprego: Análise do programa da
companhia paranaense de energia – COPEL. Curitiba, Instituto Memória, 2018, p. 7-
28.
176 CORREIA, Henrique. Compliance nas Relações Trabalhistas. Revista do Tribunal

Regional do Trabalho da 9ª Região V. 9. n.91. Agosto/20. Disponível in


http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial/?numero=91&edicao=11438 Acesso em 16
de nov. 2020.

110
Obviamente que o Programa de Compliance é para parametrizar, dar
forma àquilo que se espera. O que é, eventualmente venha a ser feito de
ilíticirregular, é um problema a posteriori, mas que em nada desabona o
programa em si, tampouco a sua importância. Portanto, conforme se extrai das
palavras de Zagonel, Séllos, Baracat: “muito além do cumprimento das normas
previstas no ordenamento jurídico, a implementação do compliance social busca
promover a ética nas relações de emprego e, consequentemente, mitigar riscos
judiciais”177.
Um passo inicial para a implementação do Programa de Compliance
trabalhista, é detectar o problema que se deseja combater/repelir. O que na
dissertação se destaca como problema é: O abuso do poder diretivo. Assim, o
Programa de Compliance vem para fixar limites e alcance no exercício do poder
diretivo. Em outras palavras, tanto o empregado saberá o que se espera dele,
quais outras condutas, comportamento, atividades está contemplado no contrato
de trabalho, assim como o empregador terá um limite prefixado quanto até onde
poderá exigir do empregado.
A eficácia do Programa de Compliance trabalhista depende da
integração no momento da sua elaboração, de modo que não compete somente
ao setor jurídico, ou ao Recursos Humanos, mas a um corpo de profissionais e,
quiça, com participação de um representante dos empregados, para que se
identifique o problema, e se capte meios de resolve-lo. Com cooperação, as
chances de êxito aumentam. A propósito, Zagonel, Séllos, Baracat, entendem
que é, “oportuno reiterar que os programas de compliance devem integrar-se à
toda gestão da empresa, envolvendo desde diretores até fornecedores de
serviços e produtos”178.
Como já mencionado, o Compliance trabalhista não vem para substituir
e/ou competir com outras normas, pelo contrário, vem para somar e mais do que

177 SÉLLOS-KNOERR, Viviane Côelho, ZAGONE, Marina.. BARACAT, Eduardo Milléo.


Compliance e assédio moral nas relações de emprego: Análise do programa da
companhia paranaense de energia – COPEL. Curitiba, Instituto Memória, 2018, p. 7-
28.
178
SÉLLOS-KNOERR, Viviane Côelho, ZAGONE, Marina.. BARACAT, Eduardo Milléo.
Compliance e assédio moral nas relações de emprego: Análise do programa da
companhia paranaense de energia – COPEL. Curitiba, Instituto Memória, 2018, p. 7-
28.

111
isso, vem a ser desenvolvido em observância com o ordenamento jurídico
vigente. “Por isso, o compliance encontra-se em conexão com a relação
trabalhista, pois visa conscientizar e treinar os empregados, trabalhadores a
respeito das normas éticas internos, de modo a prevenir qualquer ato de fraude
ou conduta irregular dentro e fora da organização”179.
O compliance se mostra de fundamental relevância, eis que padroniza e
tipifica condutas de acordo com o posicionamento ético da instituição, que são
dirigidas por pessoas naturais, e se faz necessário enfatizar isso, para que não
parta de interpretações equivocadas de atribuir à pessoa jurídica
responsabilidades por atitudes ilícitas decididas e praticas pelas passoas
naturais que a compõem. Tanto é assim, que existe o instituto da
desconsideração da personalidade jurídica, que recebeu tratativa nova no art.
50, CC/02.
Ora, se é possível desconsiderar a personalidade jurídica, é porque se
verificou no caso concreto, que as pessoas naturais que compõem o quadro
societário dela agiram em desconformidade com a lei, art. 50, CC/02, p.ex., por
isso a dissertação enfatiza que o Programa de Compliance é mais particular ao
caso concreto de cada empresa, na medida em que verifica o problema e trata
de padronizar condutas íntegras que aquela corporação exige dentro de padrões
éticos e, legais.
Para tanto, é imprescindível ater-se ao fato de que o código só será
efetivo se, “entre outras características, tenha diretrizes justificadas e que
estejam sujeitas a constante revisão, e, além disso, tenham linguagem de fácil
compreensão, de forma a atingir todos os parceiros da empresa”180.
Além da descrição de condutas no código de conduta é preciso que as
consequências em caso de inobservância estejam também previstas. Ademais,

179
NASCIMENTO, Juliana Oliveira. Compliance e sustentabilidade: perspectivas do
futuro corporativo sob o prisma do direito do trabalho. In: Direitos humanos e meio
ambiente do trabalho. São Paulo: LTr, 2016, p. 81-90.
180
MATHIES, Anaruez. Assédio moral na relação de emprego no Brasil: uma
análise dos custos sociais e do mecanismo de compliance. Dissertação (Mestrado
em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa
Catarina. Florianópolis, 2017. Disponível em:<
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/176788>. Acesso em: 20 abr. 2019

112
um programa efetivo necessita da implementação de mecanismos de auditoria,
monitoramento, denúncia e desenvolvimento de ações corretivas181.
Embora as empresas não estejam obrigadas a implementar o
Compliance, como visto acima, está em ascensão, mas que exige, por
conseguinte, que os empreendedores internalizem a ideia de se criar código de
condutas éticas que parametrize toda a organização, bem como aqueles que
com ela se relaciona.
O Compliance trabalhista, além de prevenir de problemas processuais,
padronizar comportamentos éticos, também revela a função social da empresa
que o adota, sobretudo pelo impacto que as empresas exercem na vida de seus
empregados, o que contribui para atingir os objetivos constitucionais do art. 3º,
CF/88.

3.3.1 Há espaço para o compliance na esfera laboral?

Resgata-se o problema da pesquisa: Em que medida o Programa de


Compliance trabalhista pode contribuir com a Justiça laboral a fim de
parametrizar os limites do poder diretivo do empregador?
Diante do que foi pesquisado e exposto, surge outra indagação –
constante no subtópico -, Há espaço para o Compliance na esfera laboral?
Essa pergunta não é retórica, ela é pertinente na medida em que se
trabalha com o método dedutivo dialético, pois parte do geral para o específico,
a qual leva-se em consideração hipóteses positiva e negativa quanto à
problemática da pesquisa.
Assim, a hipótese positiva à pergunta: Há espaço para o Compliance na
esfera laboral? Resposta: Sim. O compliance não repercute somente na esfera
penal – anticorrupção -, situação essa já explorada. O Compliance intensifica-se
cada vez mais no ambito das corporações, pessoas jurídicas de direito público182

181
MATHIES, Anaruez. Assédio moral na relação de emprego no Brasil: uma
análise dos custos sociais e do mecanismo de compliance. 2019, p. 159.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito,
Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2017. Disponível em:<
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/176788>. Acesso em: 20 abr. 2019
182 http://www.cge.pr.gov.br/Categoria-de-Pagina/Compliance

113
ou privado.
Para a pesquisa, o foco é o Compliance na iniciativa privada e as
relações contratuais laborais. Corrobora com a resposta positiva, o fato de que
a própria Companhia Paranaense de Energia Elétrica – COPEL, possui seu
programa de compliance, isso parametriza e orienta o comportamento daqueles
que:

exercem atividades em nome da Copel e de suas subsidiárias


inegrais e controladas, os empregados (independente da sua
função ou posição hierárquica), administradores (membors do
Conselho de Administração e Diretoria Executiva), membros do
Conselho Fiscal, estagiários, fornecedores, prestadores de
serviços e terceirizados, aos quais cabe as responsabilidades de
reger-se por suas disposições e de aplicar, em seu âmbito de
atuação, seu conteúdo, além de promover sua divulgação, seu
entendimento e sua internalização183.

O programa de Compliance, portanto, além de ser estruturado a partir


de multiplos setores da empresa, ainda dialóga com vários setores, todos
aqueles que com ela interage.
Assim, o Compliance vem no sentido de somar aos demais diplomas
legais, de modo a particularizar a conduta ética de todos aqueles membros que
se relacionam com a empresa.
Por outro, numa perspectiva negativa à pergunta: Se há espaço para o
compliance? Não é exagero partir do pressuposto de que a Constituição, a CLT,
as Convenções da OIT, CCT/ACT, já seriam suficientes para tutelar as relações
laborais.
Há espaço para o compliance?
Contituição CLT Convenções CCT/ACT Compliance
Art. 7º - Art. 7º Art. 3º - Convenções Convenção Não seria uma
São direitos Considera-se internacionais coletiva de declaração de
dos empregado do trabalho: Trabalho e que as
trabalhadores toda pessoa OIT – Acordo demais
urbanos e física que Organização Coletivo de normas
rurais, além de prestar Internacional Trabalho. P.ex. anteriores
outros que serviços de do Trabalho art. 611-A, art. não estão
visem à natureza não 611-B, CLT funcionando?
melhoria de eventual a prevê o que

183 https://www.copel.com/hpcweb/institucional/compliance/

114
sua condição empregador, pode e o que
social: sob a não pode ser
dependência objeto de
deste e negociação.
mediante
salário.
Tabela do autor

A pergunta da última coluna também não é retórica. Se com vários outros


diplomas legais, convenções e acordos, se não são suficientes para tutelar a
relação jurídica, porque presumir que o Compliance fará?
Então, no viés negativo, de não se verificar a possibilidade de espaço
para o Complicance, pode se dar justamente pelo fato de que o que falta não é
mais um mecanismo de tutela, mas de efetividade daquilo que já existe.
Essa dialeticidade (impossibilidade e possibilidade), se dá em razão de
se perquirir no caso concreto, com dados da realidade da empresa que objetiva
implementar o Compliance, qual é o problema que visa sanar? Qual é a causa
do problema? Se for inobservância à CLT, as ações judiciais em desfavor da
empresa, com a mesma causa de pedir, indicam que há um problema de
desatenção a regras legais.
Mesmo que as hipóteses gerem mais dúvidas do que certeza, o fato é
que o Compliance é uma realidade, também pode se verificar estatisticamente o
número de empresas aderindo ao programa de conformidade. Tal afirmação se
extrai do sítio eletrônico: Empresas e Negócios:

A adoção de medidas de conformidade (compliance) em


negócios de pequeno e médio porte saltou de 2% para 20%
entre 2012 e 2017, segundo pesquisa feita pela consultoria
Deloitte em parceria com a ICC Brasil (braço brasileiro da
International Chamber of Commerce, organização que reúne
mais de 6 milhões de empresas e associações empresariais de
130 países), divulgada com exclusividade por PEGN.
“Integridade corporativa no Brasil — Evolução do compliance e
das boas práticas empresariais nos últimos anos” ouviu 211
empresas, sendo 46 delas pequenas e médias184.

Assim como o abuso do poder diretivo é um tema a ser enfrentado à luz

184 https://revistapegn.globo.com/Administracao-de-empresas/noticia/2019/07/tudo-nos-
conformes-empreendedores-aderem-ao-compliance.html Acesso em 15 de Dez. 2020

115
dos dados coletados do TST, o compliance também se revela em estatísticas
interessantes, uma ascensão sem volta, ao que tudo indica e se depreende da
matéria do jornal Folha de São Paulo:

Pesquisa da consultoria Deloitte com 103 empresas comprova


essa mudança. Em 2013, 30% afirmaram ter um programa
estruturado de compliance. No ano passado, esse percentual
saltou para 65%. Isso não significa que todas estejam no mais
alto grau do compliance. Levantamento da consultoria Protiviti
com 642 empresas mostra que 48% ainda estão expostas a
riscos de desvios éticos e fraudes185.

A dialeticidade da pesquisa pode se direcionar par ao sim ou para o não,


mas negar a realidade seria abster-se de medidas mais eficazes e presente no
âmbito corportativo.

3.4 COMPLIANCE TRABALHISTA COMO INSTRUMENTO DE


CONSTRUÇÃO DE NEGOCIAÇÕES COLETIVAS

Como já se observou, a negociação coletiva, seja pela CCT ou ACT, é


entabulada com base na autonomia privada coletiva, parametrizada pelos art.
611-A e art. 611-B, CLT. Porém, embora se trate de transação entre particulares,
sem a participação do Estado, tais instrumentos estão sujeitos a apreciação do
Poder Judiciário, conforme visto nas decisões acima.
O Programa de Compliance, intensifica a autonomia privada de modo a
permitir individualizar cada vez mais as normas de regência dos contratos
laborais, assim, com capacidade inclusive de regulamentar comportamentos das
partes.
Em outras palavras, o art. 611-A, CLT apresenta aquilo que pode ser
objeto de negociação coletiva;
O art. 611-B, CLT, expõem o que não pode ser objeto de negociação.
Assim, têm-se duas normas: uma permissiva e outra proibitiva, mas
ambas se referem ao objeto e não ao sujeito de direito. E este é o ponto, o cerne.

185http://estudio.folha.uol.com.br/petrobras/2017/06/1892322-mais-empresas-adotam-praticas-
de-compliance.shtml Acesso em 15 de dez. 2020.

116
Resgatar essa essencia, é ter o Direito do Trabalho Constitucional.
Muito embora o STF já tenha proferido decisões que contrariam súmulas
desenvolvidas ao longo da cultura jurídica do TST, p.ex. Súmula 331, sobre a
terceirização, o Min. Luis Roberto Barroso, na ADPF 324 e no RE 958252, que
discutia a licitude da terceirização da atividade-fim, entendeu e prosperou o seu
voto, de que a terceirização agora passa a ser irrestrita e lítica. Foi para o mundo
do direito do trabalho uma decisão emblemática, vez que contrariou tudo aquilo
que já se tinha pacificado pelo TST.
Então o que o Compliance poderia ter de diferente? E ele estaria sujeito
à apreciação do poder judiciário? Provavelmente sim, vez que se trata do
princípio constitucional de acesso à justiça.
O Programa de Compliance trabalhista se refere aos sujeitos de direito
que integram a relação jurídica laboral, por isso ele não colide com as espécies
de negociação coletiva e/ou individual.
Assim, considerando a valorização da autonomia privada
(individual/coletiva), o que se verifica é o contrato de trabalho com semelhanças
ao contrato cível, mesmo com a presença da subordinação jurídica, isso quanto
aos seus princípio da eticidade e boa-fé por exemplo. Integram, portanto, aquilo
que se denomina, negócio jurídico o qual, segundo Pontes de Miranda, é
composto por elementos os quais são definidos no art. 104, CC/02. A sua
plenitude exige a observância de três planos, o da existência, validade e eficácia.
A negociação coletiva de trabalho, não é alheia a essas questões, é um
negócio jurídico que exige-se a atenção a princípios próprios do Direito do
Trabalho, e também o da boa-fé. Por ser um negócio jurídico, exige-se a
presença dos elementos do negócio jurídico, isso por força do art.8º, CLT. A esse
respeito, Teixeira Filho (1995, p. 1082), explicita quanto ao princípio da boa-fé
nas negociações coletivas:

Trata-se de princípio inerente aos atos jurídicos em geral. (...) A


boa-fé na negociação coletiva deve estar presente não só na
fase de confecção do assenso, pela concentração de esforços
para a conclusão com êxito da negociação, mas também na fase
de fiel execução do que pactuado.

117
As negociações coletivas tiveram origem na Inglaterra, no início do século
XIX186, é na definição de Orlando Gomes, "[...] é uma prévia regulamentação
convencional das condições do trabalho".187 Nesse prisma, a negociação
coletiva visa aproximar os interesses de grupos antagônicos, mas com algo
comum que os unem, o capital e o trabalho. Assim, nas palavras de Gunther e
Villatore:

A negociação coletiva possui uma origem de natureza


psicológica, permitindo, através da aproximação entre os
interessados, uma solução que seja boa (ou menos ruim) para
os conflitos existentes. O conflito solucionado pela lei (em
abstrato) ou pelo juiz (em concreto) nem sempre contentará
integralmente aos envolvidos. A negociação coletiva permite a
solução do problema trabalhista pelas próprias partes, que
conhecem, melhor do que ninguém, os seus próprios
problemas188.

Percebe-se que a ideia psicológica da negociação coletiva reside no


aspecto de envolver interesses subjetivos diversos, muito embora com
pretensões objetivas muitas vezes, uma delas, a melhoria das condições de
trabalho com aumento de benefícios, salários entre outros189. Para tanto, é com
esse instrumento que as partes podem aproximar-se a fim de estabelecerem
seus termos, encargos e condições.
A propósito, Viana e Teixeira Filho (1995, p. 1072) entendem “não
padece dúvida que a negociação coletiva é o meio mais eficaz para a solução
dos conflitos coletivos e, através dela, é que se encontram fórmulas para que

186
GOMES, Miriam Cipriani. Convenção coletiva de trabalho como meio de preservação
de direitos fundamentais e harmonização de interesses econômicos. In: GUNTHER,
Luiz Eduardo (Coord.). Tutela dos direitos de personalidade na atividade
empresarial. Curitiba: Juruá, 2008. p.228. em nota de rodapé, a autora completa que o
surgimento ocorreu pro força do abandono dos trabalhadores, perpetrado pelo Estado
Liberal, em que empregadores e empregados eram tratados igualmente.
187
GOMES, Orlando. A convenção coletiva de trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p.11.
188
GUNTHER, Luiz Eduardo. VILLATORE, Marco Antônio César. Negociações
coletivas de trabalho: As decisões judiciais e o princípio da fraternidade. Curitiba:
Juruá, 2018, p. 109.
189
MARTINS, Gustavo Afonso. Princípio da intervenção mínima: modelo de análise
cartesiana aplicada ao direito do trabalho e o princípio da intervenção mínima.
Dissertação apresentada em 2018, p. 174, para obtenção do título de mestre em Direito.
Programa de mestrado e doutorado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro
Universitário Curitiba-Unicuritiba.

118
seja mantida a paz social”.
É uníssono, portanto, que a negociação coletiva é o elo entre interesses
coletivos divergentes, é nesse instrumento que o diálogo entre as partes será
redigido, para tanto, também não destoa a unidade ao exigir tratamento e
condições igualitárias aos negociantes. A este respeito, Gunther e Villatore,
expressam o entendimento da professora Roberta Bortone, que “ao relacionar
lei e contrato coletivo de trabalho com os problemas atuais do direito sindical,
registrou que, para negociar coletivamente, é preciso certo equilíbrio de
forças”190.
No plano constitucional, o art. 7º, XXVI, CF/88, reconhece as
convenções e acordos coletivos de trabalho, ora, o reconhecimento dado pela
Constituição de 1988, não é meramente exemplificativo, mas taxativo a lhe
outorgar importância enquanto instrumento de efetivação de direitos
fundamentais sociais dos trabalhadores.
Quanto à negociação coletiva, seu âmbito é de tamanha importância
que até mesmo o Tribunal Superior do Trabalho191, na Súmula 364, II reconheceu
a validade de cláusulas convencionais que reduzem o percentual do adicional
de periculosidade.
Assim, ao se falar em negociação coletiva, fala-se em classe
representativa daquela categora, portanto, em síndicatos, os quais passaram a
ser enfraquecidos econômicamente com o passar do tempo, sobretudo após a
Reforma Trabalhista.
Fato é que o modelo constitucional de representação de classe
trabalhadora se dá pela via sindical, o qual se vale da negociação coletiva, que

190 GUNTHER, Luiz Eduardo. VILLATORE, Marco Antônio César. Negociações


coletivas de trabalho: As decisões judiciais e o princípio da fraternidade. Curitiba:
Juruá, 2018, p. 111.
191
N.o 364 - ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO EVENTUAL,
PERMANENTE E INTERMITENTE. (CONVERSÃO DAS ORIENTAÇÕES
JURISPRUDENCIAIS N.os 5, 258 E 280 DA SDI-1)
I - Faz jus ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente
ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas,
quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que,
sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido.
II - A fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal e
proporcional ao tempo de exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que pactuada
em acordos ou convenções coletivos.

119
curiosamente, pela redação do art. 611-A e art. 611-B, CLT, (oriundos da
Reforma Trabalhista) tratam mais do objeto daquilo que pode ser negociado e
daquilo que está proibido de ser entabulado, o que, por outro, o Programa de
Compliance, direciona-se ao comportamento das partes, portanto, atenta-se
aos sujeitos de direito, o que, por sua vez, para que seja eficaz, o teor do
referido Programa, tenderá a aproximar interesses no que se refere às condutas
dos empregados, assim como poderá prever qual é o limite e alcance do poder
diretivo do empregador em exigir tarefas que – supostamente e eventualmente
– não estejam previamente contidas no contrato de trabalho.
Outra justificativa para essa metodologia escolhida, é o fato de se
trabalhar com uma perspectiva econômica e social reflexas no Direito do
Trabalho. A propósito, vale-se das palavras de Bauma:

Além disso, a capacidade e a disposição do capital para comprar


trabalho continuam sendo reforçadas com regularidade pelo
Estado, que faz o possível para manter baixo o “custo da mão
de obra” mediante o desmantelamento dos mecanismos de
barganha coletiva e proteção de emprego, e pela imposição de
freios jurídicos às ações defensivas dos sindicatos – e que com
muita frequência mantêm a solvência das empresas taxando
importações, oferecendo incentivos fiscais para exportações e
subsidiando os dividendos dos acionistas por meio de
comissões governamentais pagas com dinheiro público192.

As palavras de Bauman acima, esclarece a razão de fazer esse


enquadramento do Direito Coletivo do Trabalho, bem como o Programa de
Compliance nesse capítulo, vez que se trabalha a implementação deste segundo
modelo de tutela dos direitos trabalhistas pela via extrajudicial.
No plano nacional, a previsão constitucional se encontra no art. 8º ao art.
11, da Constituição de 1988, versando desde a livre associação profissional ou
sindical, bem como dos representantes dos empregados na empresa, o que
também foram objeto de alterações significativas no plano nacional. Embora a
previsão normativa esteja em vigor, o fato é de um constante enfraquecimento
das classes representativas de categorias profissionais, o que, por conseguinte,

192
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo, a transformação das pessoas em
mercadoria. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro, Zahar, 2008, p. 15.

120
mitiga os direitos trabalhistas.
Diante do enfraquecimento sindical, as negociações coletivas nem
sempre representam e/ou atendem os interesses dos empregados, decorrente
do fato de estar sem força de reivindicação perante a classe patronal. As
discussões a respeito de que se Sindicatos são ou não bons, isso não é
fundamental e objeto da pesquisa, o que é importante e fato, é que se trata de
ser constitucional.
Se a pretensão da Reforma Trabalhista é reformar a hipótese da
negociação prevalecer em relação ao legislado, não seria mais coerente com a
Constituição de 1988, reforçar a atuação das entidades representativas das
categorias profissionais?
Diante da temática negociação coletiva e função sindical, Gunther,
Villatore e Martins, indaga-se:

Porque a mesma legislação outorga deveres e prerrogativas ao


sindicato, se ela mesmo esvazia sua função e/ou
operacionalidade? Se há prerrogativa de fato, é imprescindível
que ela possa ser exercida, sobretudo ao se deparar com a
possibilidade de dispensa coletiva. Portanto, pouco importa,
para fins de tutela dos direitos trabalhistas, se o art. 477-A, CLT,
está no capítulo que trata da rescisão, e o art. 513, CLT, no
capítulo que trata da instituição sindical, na medida em que se
visa o bem da vida tutelado, qual seja, o trabalho, e não
especificamente a disposição dos dispositivos legais, como se
fosse possível e coerente ler e interpretar a CLT e a Constituição
de 1988, art. 8º, de forma isolada e esparsa193.

Em outras palavras, se a negociação coletiva fica prejudicada a fim de


tutelar/defender os interesses da classe empregada, o Programa de Compliance
pode ser um mecanismo de tutela efetiva aos direitos daqueles sujeitos de direito
envolvidos na relação laboral.

193
GUNTHER, Luiz Eduardo. VILLATORE, Marco Antônio César. MARTINS, Gustavo
Afonso. Acesso à Justiça do Trabalho e o princípio da intervenção mínima. Instituto
Memória. Curitiba-PR, 2019, p. 173.

121
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação ao tratar do problema do abuso do poder diretivo


do empregador, buscou apresentar de forma propositiva uma solução que passa
pela elaboração de Programa de Compliance, visa-se com isso, fixar parâmetros
de conduta a ser observado pelas partes na relação contratual laboral.
A pesquisa fixou sua atenção em analisar alterações na execução das
atividades contratadas, mas que divergem daquelas previstas no instrumento
contratual, o que pode configurar abuso do poder diretivo do empregador, sendo
delimitado em alguns subtópicos que são vistos pela Justiça do Trabalho como
ato abusivo: Desvio de Função; Acúmulo de Função; Assédio moral.
As três situações acima, foram extraídas do sítio eletrônico do TST, a
fim de trazer dados empíricos que evidenciam ser um problema recorrente na
Justiça especializada os temas aqui pesquisados. O que reforça a reiteração dos
temas, é a quantidade de processos referente a cada subtópico.
Assim, a dissertação se vincula ao que os dados representam, na
medida em que a realidade laboral nem sempre se filia ao que consta no contrato
– CTPS, o que justifica a existência do princípío da primazia da realidade sobre
a forma. Em outras palavras, a realidade do empregado – trabalhador – é
marcada pela execução de várias atividades, além daquelas contratadas.
A pesquisa – nesse particular – quantitativa, auxilia ao objeto principal
da pesquisa, verificar em que medida o Compliance pode contribuir para evitar
abusividade nas relações laborais, mesmo que disfarçada pelo instituto do Poder
Diretivo do empregador. Portanto, se valeu da jurimetria, coleta de dados
revelam a pertinência da pesquisa ao apotar que há um número expressivo de
processos que lidam com subtópicos que tangenciam o assunto: Abuso do poder
diretivo.
A premissa fixada desde o início é de que se entende que o empregador
possui o Direito do exercício do poder diretivo das atividades, e, ao partir desse
pressuposto, a dissertação se desenvolve com abordagem de assuntos
correlatos, p.ex. jus variandi, sendo didaticamente apresentada tabelas com
distinções claras quanto a cada instituto.
A pesquisa colabora ao fixar o problema de forma clara: Em que medida

122
o empregador, com base em seu poder diretivo, pode exigir mais do(s) seu(s)
empregado(s) além daquilo que consta no contrato.
Diante da constatação de que reiteradamente a Justiça do Trabalho se
depara com questões que ladeiam o abuso do poder diretivo, a pesquisa propôs
a elaboração do Programa de Compliance ser instrumento de tutela das relações
contratuais na esfera trabalhista a fim de parametrizar os limites e alcances do
exercício do poder diretivo do empregador.
Assim, alguns resultados foram encontrados com a pesquisa:
O Programa de Compliance possibilita a parametrização da
(des)configuração do abuso do poder diretivo do empregador;
De igual forma, verifica-se o compliance trabalhista como instrumento de
efetividade ao princípio da boa-fé nas relações contratuais laborais;
Por fim, propõem o Programa de Compliance trabalhista como
parâmetro de comportamento do empregador e do empregado a fim de conceder
segurança jurídica aos contratantes, mais do que isso, a dissertação desloca o
foco que as Negociações Coletivas – CCT/ACT -, que apresenta no art. 611-A e
art. 611-B, CLT, permissões e proibições quanto ao que pode ser objeto de
negociação, e a mudança da ótica se dá porque se retira do objeto da
negociação para o sujeito de direitos daquela negociação.
Nesse sentido, pela natureza do Compliance Trabalhista em definir
condutas, está a tutelar os sujeitos da relação jurídica e não mais o objeto.
Acredita-se ser uma contribuição da pesquisa também esse viés, a mudança de
paradigma do objeto para o sujeito.

123
REFERÊNCIAS

ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação


produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2005.

ARAÚJO, Éder Francelino. Lei da Reforma Trabalhista, comentada artigo por


artigo. São Paulo, Jhmizuno, v. 01, 2017.

ARESE, César. Direitos Humanos Trabalhistas. Teoria e prática de um Novo


Direito do Trabalho. Trad. Luiz Eduardo Gunther, Marco Antônio César Villatore.
Curitiba: Instituto Memória, 2020

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo, a transformação das pessoas em


mercadoria. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro, Zahar, 2008.

BAGOLINI, Luigi. Filosofia do trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1997

BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. São


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BARACAT, Eduardo Milléo. Poder de direção do empregador: fundamentos,


natureza jurídica e manifestações. In: _____ (Coord.). Controle do empregado
pelo empregador: procedimentos lícitos e ilícitos. Curitiba: Juruá, 2008

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Coimbra, 2014.

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