DENIS, Leon. O Grande Enigma
DENIS, Leon. O Grande Enigma
DENIS, Leon. O Grande Enigma
ENIGMA
2 – Léon Denis
O GRANDE ENIGMA
Léon Denis
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3 – O GRANDE ENIGM A
O GRANDE
ENIGMA
Léon Denis
4 – Léon Denis
ÍNDICE
Ao Leitor — pag. 5
Ao Leitor
Ora, essa justiça absoluta, soberana, quaisquer que sejam nossas opiniões
políticas e nossas vistas sociais, deve reconhecer perfeitamente, não é de nosso
mundo. As instituições humanas não a comportam.
Embora chegássemos a corrigir, a melhorar essas instituições e, por
conseguinte, a atenuar muitos males, a diminuir a soma das desigualdades e das
misérias humanas, há causas de aflição, enfermidades cruéis e inatas contra as quais
seremos sempre impotentes: a perda da saúde, da vista, da razão, a separação dos
seres amados, e todo o imenso séquito dos sofrimentos morais, tanto mais vivos
quanto o homem é mais sensível e a civilização mais apurada.
Apesar de todos os melhoramentos sociais, nunca obteremos que o bem e o
mal encontrem neste mundo integral sanção. Se existe essa justiça absoluta, o seu
tri¬bunal não pode estar senão no Além! Mas quem nos provará que esse Além não
é um mito, uma ilusão, uma quimera? As religiões, as filosofias passaram; elas
desdobraram sobre a Alma humana o manto rico de suas concepções e de suas
esperanças. Entretanto, a dúvida subsistiu no fundo das consciências. Uma crítica
minuciosa e sábia tem passado em estreito crivo todas as teorias de outrora. E desse
conjunto maravilhoso só resultaram ruínas.
Mas, em todos os pontos do globo, fenômenos psíquicos se produziram.
Variados, contínuos, inumeráveis, traziam a prova da existência de um mundo
espiritual, invisível, regido por princípios rigorosos, tão imutáveis quanto os da
matéria, mundo que guarda nas suas profundezas o segredo de nossas origens e de
nossos destinos. Uma nova ciência nasceu baseada nas experiências, nas pesquisas e
nos testemunhos de sábios eminentes; uma comunicação se estabelecera com esse
mundo invisível que nos cerca e uma revelação poderosa banha a Humanidade qual
uma onda pura e regeneradora.
Nunca, talvez, no decurso de sua história, a França sentiu mais
profundamente a oportunidade de uma nova orientação moral. As religiões,
dissemos, perderam muito de seu prestígio, e os frutos envenenados do materialismo
se mostram por toda parte. Já tinham feito nascer entre as nações esse conflito
sangrento que nos aproveitou tão pouco. A obra nefasta prossegue na hora presente.
Ao lado do egoísmo e da sensualidade de uns, pompeiam a brutalidade e a avidez de
outros. Os atos de violência, os assassínios e os suicídios se multiplicam. As greves
revestem cada vez caráter mais grave. É a luta das classes, o desencadeamento dos
apetites e dos furores. A voz popular sobe e retumba; o ódio dos pequenos, contra
aqueles que possuem e gozam, tende a passar do domínio das teorias para o dos
fatos. As práticas bárbaras, destruidoras de toda a civilização, penetram nos
costumes do operariado. Esse estado de coisas, agravandose, nos levaria
diretamente à guerra civil e à selvageria.
Tais são os resultados de uma falsa educação nacional. Desde séculos, nem a
escola nem a Igreja têm ensinado ao povo aquilo de que ele tem mais necessidade de
7 – O GRANDE ENIGM A
PRIMEIRA PARTE
DEUS E O UNIVERSO
9 – O GRANDE ENIGM A
I
O GRANDE ENIGMA
1
Esse silêncio é relativo e provém unicamente da imperfeição dos nossos sentidos
10 – Léon Denis
2
G. Le Bon, apesar de suas reticências (A Evolução da matéria, p. 275), é obrigado a reconhecêlo:
"Todas estas operações tão precisas, tão admiravelmente adaptadas a um fim, são dirigidas por forças que
11 – O GRANDE ENIGMA
se conduzem exatamente como se possuíssem uma clarividência muito superior à razão. O que elas
executam a cada instante está muito acima de tudo quanto à ciência mais adiantada pode realizar."
3
REVUE SCIENTIFIQUE, 17 de outubro de 1903.
4
Vide nota complementar, no fim do livro.
12 – Léon Denis
mundo, ele pode seguir essa lei majestosa do progresso, através de todo o lento
trabalho da Natureza, desde as formas ínfimas do ser, desde a célula verde flutuando
no seio das águas, até o homem consciente no qual a unidade da vida se afirma, e
acima dele, de grau em grau, até o infinito. E essa ascensão só se compreende só se
explica pela existência de um princípio universal, de uma energia incessante, eterna,
que penetra toda a Natureza; é ela quem regula e estimula essa evolução colossal dos
seres e dos mundos para o melhor, para o bem.
Deus, tal qual o concebemos, não é, pois, o Deus do panteísmo oriental, que
se confunde com o Universo, nem o Deus antropomorfo, monarca do céu, exterior
ao mundo, de que nos falam as religiões do Ocidente. Deus é manifestado pelo
Universo de que é a representação sensível , mas não se confunde com este. De
igual maneira que em nós a unidade consciente, a Alma, o eu, persiste no meio das
modificações incessantes da matéria corporal, assim, no meio das transformações do
Universo e da incessante renovação de suas partes, subsiste o Ser que é a Alma, a
consciência, o eu que o anima e lhe comunica o movimento e a vida.
E esse grande Ser, absoluto, eterno, que conhece as: nossas necessidades
ouvem o nosso apelo, nossas preces, que é sensível às nossas dores, são quais os
imensos focos em que todos os seres, pela comunhão do pensamento e do
sentimento, vêm haurir forças, 0 socorro, as inspirações necessárias para guiálos
senda do destino, para sustêlos em suas lutas, consolar em suas misérias, levantar
em seus desfalecimentos e em suas quedas.
5
Atualmente não conhecemos, nem podemos conhecer, em sua essência, nem o Espírito nem a Matéria.
15 – O GRANDE ENIGMA
das leis morais. O Universo se desvenda os nossos olhos, à proporção que a nossa
capacidade de compreender as suas leis se desenvolve e engrandece. Lenta é a
incubação das Almas sob a luz divina.
É a ti, ó Potência Suprema! Qualquer que seja o nome que te dêem e por mais
imperfeitamente que sejas compreendida; é a ti, fonte eterna da vida, da beleza, da
harmonia, que se elevam nossas aspirações, nossa confiança, nosso amor.
Onde estão em que céus profundos, misteriosos, tu te escondes? Quantas
Almas acreditaram que bastaria, para te encontrar, o deixar a Terra! Mas tu te
conservas invisível no mundo espiritual, quanto no mundo terrestre, invisível para
aqueles que não adquiriram ainda a pureza suficiente para refletir teus divinos raios.
Tudo revela e manifesta, no entanto, tua presença. Tudo quanto na Natureza
e na Humanidade canta e celebra o amor, a beleza, a perfeição, tudo que vive e
respira é mensagem de Deus. As forças grandiosas que animam o Universo
proclamam a realidade da Inteligência divina; ao lado delas, a majestade de Deus se
manifesta na História, pela ação das grandes Almas que, semelhantes a vagas
imensas, trazem às plagas terrestres todas as potências da obra de sabedoria e de
amor.
E Deus está, assim, em cada um de nós, no templo vivo da consciência. É
aquele o lugar sagrado, o santuário em que se encontra a divina centelha.
Homens! Aprendei a imergir em vós mesmos, a esquadrinhar os mais íntimos
recônditos do vosso ser; interrogaivos no silêncio e no retiro. E aprendereis a
reconhecervos, a conhecer o poder escondido em vós. É ele que leva e faz
resplandecer no fundo de vossas consciências as santas imagens do bem, da verdade,
da justiça, e é honrando essas imagens divinas, rendendolhes um culto diário, que
essa consciência, ainda obscura, se purifica e se ilumina.
Pouco a pouco, a luz se engrandece em nós outros. De igual modo que
gradualmente, de maneira insensível, as sombras dão lugar à luz do dia, assim a
Alma se ilumina das irradiações desse foco que reside nela e faz desabrochar, em
nosso pensamento e em nosso coração, formas sempre novas, sempre inesgotáveis
de verdade e de beleza. E essa luz é também harmonia penetrante, voz que canta na
alma do poeta, do escritor, do profeta, e os inspira e lhes dita as grandes e fortes
obras, nas quais eles trabalham para elevação da Humanidade. Mas, sentem essas
coisas apenas aqueles que, tendo dominado a matéria, se tornaram dignos dessa
comunhão sublime, por esforços seculares, aqueles cujo senso íntimo se abriu às
impressões profundas e conhece o sopro potente que atiça os clarões do gênio, sopro
que passa pelas frontes pensativas e faz estremecer os envoltórios humanos.
16 – Léon Denis
II
UNIDADE SUBSTANCIAL DO
UNIVERSO
6
“A matéria, diz W. Crookes, é um modo do movimento”. (Proc. Roy. Soe, nº 205, pág. 472)
7
“Toda matéria, diz Crookes, tornará a passar pelo estado etéreo de onde veio”. (Discurso no Congresso
de Química, de Berlim, 1901)
17 – O GRANDE ENIGMA
8
Vide G. Le Bon, REVUE SCIENTIFIQUE, 24 de outubro de 1903, pág. 518.
9
Vide REVUE SCIENTIFIQUE, 17, 24 e 31 de outubro de 1903.
10
Desde séculos, afirmavase e defendiase a teoria dos átomos, sem que a conhecessem perfeitamente.
Berthelot a qualifica de “romance engenhoso e sutil”. (Berthelot – La synthese Chimique, 1876, p. 164)
Por ai se vê, diz Le Bon, que certos dogmas científicos não têm mais consistência que as divindades dos
antigos tempos.
18 – Léon Denis
aí o segredo das ardentes simpatias ou das invencíveis repulsões que certos homens
sentem uns pelos outros, à primeira vista.
A maior parte dos problemas psicológicos: sugestão, comunicação à
distância, ações e reações ocultas, visão através de obstáculos, encontram aí a sua
explicação. Estamos ainda na aurora do verdadeiro conhecimento; mas o campo das
pesquisas se acha largamente aberto, e a Ciência vai marchar, de conquista em
conquista, em senda rica de surpresas. O mundo invisível se revela a própria base do
Universo, a fonte eterna das energias físicas e vitais que animam o Cosmos.
Rui assim o principal argumento daqueles que negam a possibilidade da
existência dos Espíritos, dos que não podiam conceber a vida invisível, por falta de
um substrato, de uma substância que escapa aos nossos sentidos. Ora, nós
encontramos, conjuntamente, no mundo dos imponderáveis, os elementos
constitutivos da vida desses seres e as forças que lhes são necessárias para
manifestar sua existência.
Os fenômenos espíritas, de toda ordem, explicamse pelo fato de que um
dispêndio considerável de energia pode produzirse sem dispêndio aparente de
matéria. Os transportes, a desagregação e a reconstituição espontâneos de objetos,
em câmaras fechadas; os casos de levitação; a passagem dos Espíritos através dos
corpos sólidos; aparições e materializações, que provocaram tanta admiração e
suscitaram tantos sarcasmos; tudo isso se torna fácil de compreender, desde que se
conheça o jogo das forças e dos elementos em ação nesses fenômenos. De tal
dissociação de matéria, de que fala G. Le Bon, e que o homem é ainda impotente
para produzir, os Espíritos possuem, de há muito, as regras e as leis. A aplicação dos
raios X não explica também o fenômeno da dupla vista dos médiuns e o da
fotografia espírita? Com efeito, se as placas podem ser influenciadas por certos raios
obscuros, por diversas irradiações de matéria imponderável, que penetram os corpos
opacos, maior e mais forte razão existe para que os fluidos quintessenciados do
envoltório dos Espíritos possam, em determinadas condições, impressionar a retina
dos videntes, aparelho mais delicado e mais complexo que a placa de vidro.
E assim que o Espiritismo se fortalece cada dia, pela aquisição de argumentos
tirados das descobertas da Ciência, e que acabarão por abalar os mais endurecidos
cépticos.
11
“Os produtos da dissociação dos átomos – diz G. Le Bom –, constituem uma substancia intermediária
por suas propriedades entre os corpos ponderáveis e o éter imponderável, isto é, entre dois mundos
profundamente separados até aqui.” (REVUE SCIENTIFIQUE, 17 de outubro de 1903). “As observações
precedentes – diz ainda esse eminente químico –, parecem provar que os diversos corpos simples derivam
de matéria única. Essa matéria primitiva seria produzida por uma condensação do éter.” ( REVUE
SCIENTIFIQUE, 24 de outubro de 1901)
12
Ver nota complementar nº 2, no fim deste volume.
20 – Léon Denis
III
SOLIDARIEDADE;
COMUNHÃO UNIVERSAL
e das quimeras, por meio de processos cuja falsidade só lhe aparece depois das
decepções e dos sofrimentos.
São esses sofrimentos que nos esclarecem nossas dores são lições austeras
elas nos ensinam que a verdadeira felicidade não está nas coisas da matéria
passageira é mutáveis mais na perfeição moral
Nossos erros e faltas repetidos, com as fatais consequências que trazem,
acabam por nos dar a experiência, e esta nos conduz à sabedoria, isto é, ao
conhecimento inato, à intuição da verdade. Chegado a esse sólido terreno, o homem
sentirá o laço que o une a Deus e avançará, em passo mais seguro, de estádios em
estádios, para a grande luz que não se extingue nunca.
13
João, 10:34.
23 – O GRANDE ENIGMA
IV
AS HARMONIAS DO ESPAÇO
Uma das impressões que nos causa, à noite, a observação dos céus, é a de
majestoso silêncio; mas esse silêncio é apenas aparente; resulta da impotência dos
nossos órgãos.
Para seres mais bem aquinhoados, portadores de sentidos abertos aos ruídos
sutis do Infinito, todos os mundos vibram, cantam, palpitam, e suas vibrações,
combinadas, formam um imenso concerto.
Esta lei das grandes harmonias celestes podemos observála em nossa própria
família solar.
Sabese que a ordem de sucessão dos planetas no Espaço é regulada por uma
lei de progressão, chamada lei de Bode14. As distâncias dobram, de planeta a
planeta, a partir do Sol. Cada grupo de satélites obedece à mesma lei.
Ora, este modo de progressão tem um princípio e um sentido. Esse princípio
se liga ao mesmo tempo às leis do número e da medida, às matemáticas e à
harmonia.15
As distâncias planetárias são reguladas segundo a ordem moral da progressão
harmônica; exprimem a própria ordem das vibrações desses planetas e as harmonias
planetárias; calculadas segundo estas regras, resultam em perfeito acordo. Poderse
ia com¬parar o sistema solar a uma harpa imensa, da qual os planetas representam
as cordas. Seria possível, diz Azbel, “reduzindo a cordas sonoras à progressão das
distâncias planetárias, construir um instrumento completo e absolutamente
afinado”.16
No fundo (e nisso reside à maravilha), a lei que rege as relações do som, da
luz, do calor, é a mesma que rege o movimento, a formação e o equilíbrio das
esferas, de igual maneira que lhes regula as distâncias. Esta lei é, ao mesmo tempo, a
dos números, das formas e das idéias. É a lei da harmonia por excelência: é o
pensamento, é a ação divina vislumbrada!
A palavra humana é muito pobre; é insuficiente para exprimir os mistérios
adoráveis da harmonia eterna. A escrita musical somente pode fornecer a sua
14
Tohann Elert Bode, astrônomo alemão (17471826).
15
Vide Azbel, HARMONIA DOS MUNDOS.
16
Idem, pág. 29.
28 – Léon Denis
aparentes dos planetas, nada há que não se explique e não seja assunto de admiração.
Elas constituem espécies de “diálogos de vibrações tão aproximados quanto possível
do uníssono” e apresentam um encanto estético a mais nesse prodígio de beleza que
é o Universo.
Um exemplo, dos mais incisivos, é o dos pequenos planetas, chamados
telescópicos, que evolvem entre Marte e Júpiter, em número de cerca de 520,
ocupando um espaço de oitava inteiro, dividido em outros tantos graus; de onde a
probabilidade de que esse conjunto de mundículos não constitua, como se tem
acreditado, um universo de destroços, mas o laboratório de muitos mundos em
formação, mundos dos quais o estudo do céu nos dirá a gênese futura.
As grandes relações harmônicas que regulam a situação respectiva dos
planetas de nosso sistema solar são em número de quatro e encontram sua aplicação:
Em primeiro lugar: do Sol a Mercúrio; neste ponto também as forças
harmônicas estão em trabalho; planetas novos se esboçam.
Depois, de Mercúrio a Marte. É a região dos pequenos planetas, em que se
move a nossa Terra, representando o papel de dominante local, com tendência a
afastarse do Sol para se aproximar das harmonias planetárias superiores. Marte,
componente deste grupo e do qual podemos distinguir, ao telescópio, os continentes,
os mares, os canais gigantes todo o aparelho de uma civilização anterior à nossa,
Marte, embora menor, é mais bem equilibrado que a nossa morada.
Os 500 planetas telescópicos constituem, em seguida, um intervalo de
transição; formam uma espécie de colar de pérolas celestes ligando o grupo de
planetas inferiores à imponente cadeia dos grandes planetas, de Júpiter a Netuno, e
além. Tal cadeia forma a quarta relação harmônica, de notas decrescentes qual o
volume das esferas gigantescas que a compõem. Nesse grupo, Júpiter tem o papel de
dominante; os dois mundos, maior e menor, nele se combinam.
“Semelhantemente à inversão harmônica do som, diz Azbel 17, é por uma
progressão constante que o grupo antigo de Netuno e Júpiter afirma a formação de
seus volumes. O caos de corpúsculos telescópicos, que segue, fez estacar
bruscamente essa progressão. Júpiter lá ficou qual um segundo sol, no limiar dos
dois sistemas. Dos registros de oitava e de segunda dominante, passou ao de tônica
secundária e relativa, para exprimir o caráter de registro especial, evidentemente
menor e relativo, em paralelo ao do Sol, que ia preencher, enquanto formações mais
novas se dispunham aquém, afastandoo, pouco a pouco, e aos mundos seus
tutelados, do astro de que é o mais robusto filho”.
Robusto, com efeito, e bem imponente em seu curso, esse colossal Júpiter,
que gosto de contemplar na calma das noites de verão, mil e duzentas vezes maior
que o nosso globo, escoltado por seus cinco satélites, dos quais um, Gani medes, tem
o volume de um planeta. Ereto sobre o plano de sua órbita, de maneira a gozar de
30 – Léon Denis
igualdade perpétua de temperatura sob todas as latitudes, com dias e noites sempre
uniformes em sua duração, é, além disso, composto de elementos de densidade
quatro vezes menor que os de nossa maciça morada, o que permite entrever, para os
seres que habitam ou terão de habitar Júpiter, facilidades de deslocamento,
possibilidades de vida aérea que devem fazer dele uma vivenda de predileção. Que
teatro magnífico da vida! Que cena de encanto e de sonho esse astro gigante!
Mais estranho mais maravilhoso ainda é Saturno, cujo aspecto se faz tão
impressionante ao telescópio; Saturno é igual a oitocentos globos terrestres
amontoados, com seu imenso diadema, em forma de anel, e seus oito satélites, entre
os quais Titã, igual em dimensões ao próprio Marte.
Saturno, com o cortejo rico que o acompanha em sua lenta revolução através
do Espaço, constitui, por si só, um verdadeiro universo, imagem reduzida do sistema
solar. É um mundo de trabalho e de pensamento, de ciência e de arte, onde as
manifestações da inteligência e da vida se desenvolvem sob formas de variedade e
riqueza inimagináveis. Sua estética é sábia e complicada; o sentimento do belo
tornouse ali mais sutil e mais profundo pelos movimentos alternantes, pelos
eclipses dos satélites e dos anéis, por todos os jogos de sombra, de luz, de cores, em
suas nuanças se fundem em gradações desconhecidas à vista dos habitantes da Terra,
e também por acordes harmônicos, bem comoventes em suas conclusões analógicas
com os do universo solar por inteiro!
Vêm depois, nas fronteiras do império do Sol, Urano e Netuno, planetas
misteriosos e magníficos, cujo volume é igual a quase uma centena de globos
terrestres reunidos. A nota harmônica de Netuno seria "a culminante do acorde geral,
o cimo do acorde maior de todo o sistema". Depois, são outros planetas longínquos,
sentinelas perdidas do nosso agrupamento celeste, ainda despercebidos, mas
pressentidos e até calculados, segundo as influências que exercem nos confins do
nosso sistema, longa cadeia que nos liga a outras famílias de mundos.
Mais longe se desenvolve o imenso oceano estelar, pélago de luz e de
harmonia, cujas vagas melodiosas por toda parte envolvem, a embalálo, nosso
universo solar, esse universo para nós tão vasto e tão mesquinho em relação ao
Além. É a região do desconhecido, do mistério, que atrai sem cessar o nosso
pensamento, sendo este impotente para medir, para definir seus milhões de sóis de
todas as grandezas, de todas as potências, seus astros múltiplos, coloridos, focos
terríficos que iluminam as profundezas, vertendo em ondas a luz, o calor, a energia,
transportados na imensidão com velocidades formidáveis, com seus cortejos de
mundos, terras do céu, invisíveis, mas suspeitadas, e as famílias humanas que os
habitam, os povos e as cidades, as civilizações grandiosas de que são teatro.
Por toda parte as maravilhas sucedem às maravilhas: grupos de sóis animados
de colorações estranhas, arquipélagos de astros, cometas desgrenhados, errando na
17
Azbel, HARMONIA DOS MUNDOS, pág. 13.
31 – O GRANDE ENIGMA
noite de seu afélio, focos moribundos que se acendem de repente e fulgem no fundo
do abismo, pálidas nebulosas de forma fantástica, fantasmas luminosos cujas
irradiações, diz Herschel, levam 20.000 séculos para chegar até nossa Terra,
formidáveis gêneses de universos, berços e túmulos da vida universal, vozes do
passado, promessas do futuro, esplendores do Infinito!
E todos esses mundos unem suas vibrações em uma poderosa melodia... A
alma livre dos raios terrestres, chegada a essas alturas, ouve a voz profunda dos céus
eternos!
18
Azbel, HARMONIA DOS MUNDOS, pág. 10.
19
“O Sr. Emílio Chizat, diz Azbel ( A MÚSICA NO ESPAÇO), verifica que o jogo de órgão, chamado
‘vozes celestes’, é a aplicação musical intuitiva do papel importante das ‘idéias de estrela’. É provável
que manifestações sinfônicas sejam feitas ulteriormente, a este respeito, que poderão reservar ao público
impressões inesperadas. Que possam elas levar nossos músicos ‘terrestres’, que se extraviam, há noções
um pouco mais altas e reais do sacerdócio da harmonia, que deveriam preencher entre nós”.
32 – Léon Denis
Por toda parte, encontraremos essa concordância que encanta e comove; nesse
domínio, nenhuma dessas discordâncias, dessas decepções, tão frequentes no seio da
Humanidade.
Por toda parte se desdobra essa potência de beleza que leva ao infinito suas
combinações, abrangendo em igual unidade todas as leis, em todos os sentidos:
aritmética, geométrica, estética.
O Universo é um poema sublime do qual começamos a soletrar o primeiro
canto. Apenas discernimos algumas notas, alguns murmúrios longínquos e
enfraquecidos! Já essas primeiras letras do maravilhoso alfabeto musical nos
enchem de entusiasmo. Que será quando, tornados mais dignos de interpretar divina
linguagem, percebermos, compreendermos as grandes harmonias do Espaço, o
acorde infinito na variedade infinita, o canto modulado por esses milhões de astros
que, na diversidade prodigiosa de seus volumes e de seus movimentos, afinam suas
vibrações por uma simpatia eterna?
Perguntarseá, porém: Que diz essa música celeste, essa voz dos céus
profundos?
Essa linguagem ritmada é o Verbo por excelência, aquele pelo qual todos os
mundos e todos os seres superiores se comunicam entre si, chamamse através das
distâncias; pelo qual nos comunicaremos um dia com as outras famílias humanas
que povoam o Espaço estrelado.
É o princípio mesmo das vibrações que servem para traduzir o pensamento, a
telegrafia universal, veículo da idéia em todas as regiões do Universo, linguagem
das almas elevadas, entretendose de um astro a outro com suas obras comuns, com
o fim a atingir, com os progressos a realizar.
É ainda um hino que os mundos cantam a Deus, ora cântico de alegria, de
adoração, ora de lamentações e de prece; é a grande voz da coisas, o grito de amor
que sobe eternamente para a Inteligência ordenadora dos universos.
Quando, pois saberemos destacar nossos pensamentos é eleválos para os
cimos? Quando saberemos penetrar esses mistérios do céu é compreender que cada
descobrimento realizado, cada conquista prosseguida nesta senda da luz e de beleza,
contribui para enobrecer nosso espírito é para engrandecer nossa vida moral e nos
proporciona alegrias superiores a toda as da matéria.
Quando, pois, compreenderemos que é lá, nesse esplêndido Universo, que nosso
próprio destino se desenvolve, e estudálo é estudar o próprio meio onde somos
chamados a reviver, a evolver sem cessar, penetrandonos cada vez mais das
harmonias que o enchem? Que em toda parte a vida se expande em florescências de
Almas? Que o Espaço é povoado de sociedades semnúmero; às quais o ser humano
está ligado pelas leis de sua natureza e de seu futuro?
33 – O GRANDE ENIGMA
V
NECESSIDADE DA IDÉIA
DE DEUS
VI
AS LEIS UNIVERSAIS
em uma generalidade suprema que põe o selo põem sua unidade”. Segundo Burnouf,
“a Ciência está prestes a chegar a uma teoria, cuja fórmula geral confirmaria a
unidade da substância, a invariabilidade da vida e sua união indissolúvel com o
pensamento”.
Ora, que vem a ser essa trilogia da substância, da vida, do pensamento, essa
“generalidade suprema, essa lei universal, esse princípio único”, que preside a todos
os fenômenos da Natureza, a todas as metamorfoses, a todos os atos da vida, a todas
as inspirações do Espírito? Que é, pois, um centro no qual se resume e se confunde
tudo que é tudo que vive tudo que pensa? Que é, senão o absoluto, senão o próprio
Deus?! É verdade que se obstinam a recusar a inteligência e a consciência a esse
absoluto, a essa causa suprema; mas ficará sempre por explicar de que modo uma
causa inteligente — cega inconsciente — pôde produzir todas as magnificências do
Cosmos, todos os esplendores da inteligência, da luz, da vida, sem saber que o fazia.
Como — sem consciência, nem vontade, sem reflexão, nem julgamento —, pôde
produzir seres que refletem, querem, julgam, dotados de consciência e de razão?!
Tudo vem de Deus e remonta a Ele. Um fluido mais sutil que o éter emana do
pensamento criador. Esse fluido muito quintessenciado para ser apreendido pela
nossa compreensão, em consequência de combinações sucessivas, tornouse o éter.
Do éter saíram todas as formas graduadas da matéria e da vida. Chegadas ao ponto
extremo da descida, a substancia e a vida remonta o ciclo imenso das evoluções.
Já o vimos, a ordem e a majestade do Universo não se revelam somente no
movimento dos astros, na marcha dos mundos; revelamse também, de modo
Imponente, na evolução e desenvolvimento da vida na superfície desses mundos.
Hoje, podese estabelecer que a vida se desenvolva se transforma e se apura segundo
um plano preconcebido; se aperfeiçoa a medida que percorre sua órbita imensa.
Começase a compreender que tudo está regulado em vista de um fim, e esse fim é a
progressão do ser; é o crescimento, contínuo, e a realização de formas sempre
perfeitas, de beleza, de sabedoria, de moralidade.
Podese observar em torno de nós essa lei majestosa do progresso, através de
todo o lento trabalho da Natureza; desde as formas inferiores, desde os infinitamente
pequenos, os infusórios que flutuam nas águas, elevandose, de grau em grau, na
escala das espécies, até o homem. O instinto tornase sensibilidade, inteligência,
consciência, razão. Sabemos também que essa ascensão não pára aí. Graças aos
ensinamentos do Além, aprendemos que prossegue, através dos mundos invisíveis,
sob formas cada vez mais sutis, e prossegue, de potência em potência, de glória em
glória, até ao Infinito, até Deus. E essa ascensão grandiosa da vida só se explica pela
existência de uma causa inteligente, de uma energia incessante, que penetra e
envolve toda a Natureza: é quem rege e estimula essa evolução colossal da vida para
o Bem, para o Belo, para o Perfeito!
39 – O GRANDE ENIGMA
20
Vide Leon Denis, O PROBLEMA DO SER, DO DESTINO E DA DOR.
40 – Léon Denis
porque este é um dos primeiros anéis da cadeia, morada de Almas elementares que
estréiam na rude senda do conhecimento, ou, então, de Almas culpadas, em rumo de
reparação. Nos mundos mais adiantados, o Bem se expande e, de grau em grau,
acaba reinando sem partilha.
O Bem é indefinível por si mesmo. Definilo seria minorálo. É preciso
considerálo, não em sua natureza, mas em suas manifestações.
Acima das essências, das formas e das idéias, paira o princípio do Belo e do
Bem, último termo que sou capaz de atingir pelo pensamento, sem o abranger,
todavia. Reside em nossa pequenez a impossibilidade de apreender a existência
última das coisas; mas, a sensibilidade, a inteligência e o conhecimento são outros
tantos pontos de apoio, que permitem à Alma desprenderse do seu estado de
inferioridade e de incerteza, e convencerse de que tudo no Universo, as forças e os
seres, tudo é regido pelo Bem e pelo Belo. A ordem e a majestade do mundo, ordem
física e ordem moral, justiça, liberdade, moralidade, tudo repousa sobre leis eternas;
não há leis eternas sem um Princípio superior, sem uma Razão primeira, causa de
toda a Lei. Também o ser humano, tanto quanto a sociedade, não pode engrandecer
se e progredir sem a idéia de Deus, isto é, sem justiça, sem liberdade, sem respeito
de si mesmo, sem amor; porque Deus, representando a perfeição, é á última palavra,
a suprema garantia de tudo quanto constitui a beleza, a grandeza da vida, de tudo
que faz a potência e a harmonia do Universo!
43 – O GRANDE ENIGMA
VII
A IDÉIA DE DEUS E A
EXPERIMENTAÇÃO PSÍQUICA
21
Vide minhas obras precedentes: CRISTIANISMO E ESPIRITISMO e NO INVISÍVEL; e também MÉDIUNS
E ESPÍRITOS , TRATADO DE ESPIRITISMO EXPERIMENTAL.
44 – Léon Denis
22
Vide J. Maxwell, FENÔMENOS PSÍQUICOS, páginas 232 a 235; Leon Denis, NO INVISÍVEL, cap. XXII.
Vide também RELATÓRIO DE CONGRESSO ESPÍRITA DE BRUXELAS, 1910, págs. 112, 124.
23
Obtemos a prova objetiva deste fato, por meio das Chapas fotográficas. No estado de prece, pelo
contacto dos dedos, seguimos impregnar as chapas de radiações muito mais ativas, de eflúvios mais
intensos do que no estado normal.
46 – Léon Denis
Espírito de escol que responde. Esse Espírito protetor, a convite do Alto, vem dirigir
nossos trabalhos, afastar dali os Espíritos inferiores, deixando somente intervir
aqueles cujas manifestações são úteis para eles próprios ou para os encarnados.
Há aí um princípio infalível. Com o pensamento purificado e a elevação para
Deus, o Espiritismo experimental pode ser uma luz, uma força moral, uma fonte de
consolações.
Sem elas, é a incerteza, a porta aberta a todas as armadilhas do Invisível. É
uma entrada franca a todas as influências, a todos os sopros do abismo, a esses
sopros de ódio, a essas tempestades do mal que passam sobre a Humanidade, à
semelhança de trombas, e a cobrem de desordem e de ruínas.
Sim, é bom, é necessário abrir veredas para comunicar com o mundo dos
Espíritos; mas, antes de tudo, devese evitar que essas veredas sirvam a nossos
inimigos, para nos invadirem. Lembremonos de que há nos mundos invisíveis
muitos elementos impuros. Darlhes entrada, seria derramar sobre a Terra males
inúmeros; seria entregar aos Espíritos perversos uma verdadeira multidão de almas
fracas e desarmadas.
Para entrar em relações com as Potências superiores, com os Espíritos
esclarecidos, é preciso a vontade e a fé, o desinteresse absoluto e a elevação dos
pensamentos. Fora destas condições, o experimentador seria o joguete dos Espíritos
levianos.
“O que se assemelha se ajusta”, diz o provérbio. Com efeito, a lei das
afinidades rege tanto o mundo das Almas quanto o dos corpos.
Há, pois, necessidade, assim sob o ponto de vista teórico, assim sob o ponto
de vista prático, necessidade, e ainda, sob o ponto de vista do progresso ido
Espiritismo, de desenvolver o senso moral, de nos ligarmos às crenças fortes, aos
princípios superiores; necessidade de não abusar das evocações, de não entrar em
comunicação com os Espíritos senão em condições de recolhimento e de paz moral.
O Espiritismo foi dado ao homem como meio de se esclarecer, de se
melhorar, de adquirir qualidades indispensáveis à sua evolução. Se destruíssem nas
Almas ou somente se desprezassem a idéia de Deus e as aspirações elevadas, o
Espiritismo poderseia tornar coisa perigosa. Eis a razão por que não hesitamos em
dizer que o entregarmonos às práticas espíritas sem purificar nossos pensamentos,
sem os fortificar pela prece e pela fé, seria executar obra funesta, cuja
responsabilidade poderia cair pesadamente sobre seus autores.
VIII
AÇÃO DE DEUS NO
MUNDO E NA HISTÓRIA
transmitir as vontades divinas aos seres que estão abaixo dela, atrair a ela, em sua
luz, em seu amor, tudo que se agita, luta e sofre nos mundos inferiores. Não se
contenta mesmo com uma ação oculta. Muitas vezes encarna, toma um corpo e se
torna um missionário, desses que passam quais meteoros na noite dos séculos.
Há outras teorias que consistem em crer que, quando em consequência de
suas peregrinações, a Alma chega à perfeição absoluta, a Deus, depois de longa
permanência no meio das beatitudes celestes, torna a descer ao abismo material, ao
mundo da forma, ao mais baixo grau da escala dos seres, para recomeçar a lenta,
dolorosa e penosa ascensão que acaba de conseguir.
Tal teoria não é mais admissível que a outra; para aceitála seria necessário
fazer abstração da noção do Infinito. Ora, essa noção se impõe embora escape à
nossa análise. Basta refletir um pouco para compreender que a Alma pode
prosseguir a sua marcha ascendente e aproximarse sem cessar do apogeu, sem
jamais atingilo. Deus é o Infinito! É o Absoluto! E nunca seremos, em relação a
Ele, apesar do nosso progresso, senão seres finitos, relativos, limitados.
O ser pode, pois, evoluir, crescer sem cessar, sem nunca realizar a perfeição
absoluta. Isto parece difícil de compreender e, entretanto, que de mais simples?
Deixainos escolher um exemplo ao alcance de todos uns exemplos matemático.
Tomai uma unidade — e a unidade é um pouco a imagem do ser — tomai, pois, a
unidade e ajuntailhe a maior fração que encontrardes. Aproximarvoseis do
algarismo 2, mas nunca o atingireis. Nós, homens, encerrados na carne, temos
grande dificuldade em fazer idéia do papel do Espírito, que contém em si todas as
potências, todas as forças do Universo, todas as belezas e esplendores da vida
celeste e os faz irradiar sobre o mundo. Mas o que podemos e devemos compreender
é que esses Espíritos potentes, esses missionários, esses agentes de Deus, foram, tal
qual ora somos, homens de carne, cheios de fraquezas e misérias; atingiram essas
alturas por suas pesquisas e seus estudos, pela adaptação de todos os seus atos à lei
divina. Ora, o que fizeram todos pode fazer também. Todos têm os germens de um
poder e de uma grandeza iguais ao seu poder e à sua grandeza. Todos têm o mesmo
futuro grandioso, e só de nós outros mesmos dependem o realizálo através de
nossas inúmeras existências.
Graças aos estudos psíquicos, aos fenômenos telepáticos, estamos mais ou
menos aptos para compreender, desde já, que nossas faculdades não se limitam a
nossos sentidos. Nosso Espírito pode irradiar além do corpo, pode receber as
influências dos mundos superiores, as impressões do pensamento divino. 0 apelo do
pensamento humano é ouvido; a Alma, quebrando as fatalidades da carne, pode
transportarse a esse mundo espiritual que é sua herança, seu domínio por vir. Eis
por que é necessário que cada qual se torne seu próprio médium, aprenda a
comunicar com o mundo superior do Espírito.
52 – Léon Denis
Este poder tem sido até aqui o privilégio de alguns iniciados. Hoje, é
necessário que todos o adquiram e que todo homem chegue a apreender, a
compreender as manifestações do pensamento superior. Ele pode chegar aí por uma
vida pura e sem mácula e pelo exercício gradual de suas faculdades.
Todos esses Espíritos potentes têm declarado que vêm em nome de Deus e
para executar a sua vontade. Jesus o afirma várias vezes: “É meu Pai, diz ele, que me
envia”. E Joana d'Arc não é menos precisa: “Venho da parte de Deus, para livrar a
França dos ingleses”.
No meio da noite temerosa do décimo quinto século, nesse abismo de
misérias e de dores em que soçobravam a vida e a honra de uma grande nação, que
trazia Joana à França traída, subjugada, agonizante? Era algum socorro material,
soldados, um exército? Não, o que ela trazia era a fé, a fé em si mesma, a fé no
futuro da França, a fé em Deus!
“Eu venho da parte do Rei do Céu, dizia ela, e tragovos os socorros do Céu”.
E com essa fé a França se ergueu, escapou à destruição e à morte!
O mesmo aconteceu de 1914 a 1918. Só houve um remédio, quer para esse
cepticismo aparatoso, quer para essa indiferença cega que caracterizava o espírito
francês antes da guerra. Só houve um remédio a essa apatia do pensamento e da
consciência nacionais que nos dissimulavam a extensão do perigo. Esse remédio foi
a fé em nós mesmos, nos grandes destinos da Pátria, a fé nessa Potência Suprema
que salvou de novo a França nos dias do Marne e de Verdun.
Mas os dias de perigo e de glória passaram; a união sagrada não sobreviveu
ao drama sanguinolento. O pessimismo, o desencorajamento e a discórdia
retomaram sua ação mórbida; a anarquia e a ruína batem às nossas portas.
O único meio de salvar a sociedade em perigo é elevar os pensamentos e os
corações, todas as aspirações da alma humana para a Potência Infinita — que é
Deus; é unir nossa vontade à sua e nos compenetrarmos da sua Lei: aí está o segredo
de toda a força, de toda a elevação!
E ficaremos surpreendidos e maravilhados, avançando nesta senda esquecida,
de reconhecer, de descobrir que Deus não é abstração metafísica, vago ideal perdido
nas profundezas do sonho, ideal que não existe, conforme o dizem Vacherot e
Renan, senão quando nele pensamos. Não; Deus é um ser vivo, sensível, consciente.
Deus é uma realidade ativa. Deus é nosso pai, nosso guia, nosso condutor, nosso
melhor amigo; por pouco que lhe dirijamos nossos apelos e que lhe abramos nosso
coração, Ele nos esclarecerá com a sua luz, nos aquecerá no seu amor, expandirá
sobre nós sua Alma imensa, sua Alma rica de todas as perfeições; por Ele e Nele
somente nos sentiremos felizes e verdadeiramente irmãos; fora Dele só
encontraremos obscuridade, incerteza, decepção, dor e miséria moral. Eis o socorro
que Joana trazia à França, o socorro que o Espiritualismo moderno traz à
Humanidade!
Podese dizer que o pensamento de Deus irradia sobre a História e sobre o
mundo; Ele tem inspirado as gerações em sua marcha, tem sustentado, levantado
milhões de almas desoladas. Tem sido a força, a esperança suprema, o último apoio
54 – Léon Denis
dos aflitos, dos espoliados, dos sacrificados, de quase todos aqueles que, através dos
tempos, têm sofrido a injustiça, a maldade dos homens, os golpes da adversidade!
Se evocardes a memória das gerações que se têm sucedido sobre a Terra, por
toda parte, vereis os olhares dos homens voltados para essa luz, que nada poderá
extinguir, nem diminuir!
E essa razão por que vos dizemos: Meus irmãos, recolheivos no silêncio das
vossas moradas; elevai frequentemente a Deus os transportes de vossos pensamentos
e dos vossos corações ,expondolhe vossas necessidades, vossas fraquezas, vossas
misérias, e, nas horas difíceis, nos momentos solenes de vossa vida, dirigilhe o
apelo supremo. Então, no mais íntimo do vosso ser, ouvireis como que uma voz vos
responder, consolar, socorrer.
Essa voz vos penetrará de uma emoção profunda; fará talvez brotar vossas
lágrimas, mas levantarvoseis fortalecidos, reconfortados.
Aprendei a orar do mais profundo de vossa alma, e não mais da ponta dos
lábios; aprendei a entrar em comunhão com vosso Pai; a receber seus ensinamentos
misteriosos, reservados, não aos sábios e poderosos, mas às almas puras, aos
corações sinceros.
Quando quiserdes achar refúgio contra as tristezas e as decepções da Terra,
lembraivos de que há somente um meio: elevar o pensamento a essas puras regiões
da luz divina, onde não penetram influências grosseiras do nosso mundo. Os
rumores das paixões, o conflito dos interesses não vão até lá. Chegando a essas
regiões, o Espírito se desprende de preocupações inferiores, de todas as coisas
mesquinhas de nossas existências; paira acima da tempestade humana, mais alto que
os ruídos discordantes da luta pela vida, pelas riquezas e honras vãs; mais alto que
todas essas coisas efêmeras e mutáveis que nos ligam aos mundos materiais. Lá em
cima, o Espírito se esclarece, inebriase dos esplendores da verdade e da luz. Ele vê
e compreende as leis do seu destino.
Diante das largas perspectivas da imortalidade, perante o espetáculo dos
progressos e das ascensões que nos esperam na escala dos mundos, que se tornam
para nós as misérias da vida atual, as vicissitudes do tempo presente?
Aquele que tem em seu pensamento e em seu coração essa fé ardente, essa
confiança absoluta no futuro, essa certeza que o eleva, esse está encouraçado contra
a dor. Ficará invulnerável no meio das provas. Está aí o segredo de todas as forças,
de todo o valor, o segredo dos inovadores, dos mártires, de todos aqueles que,
através dos séculos, oferecem sua vida por uma grande causa; de todos aqueles que,
no meio das torturas, sob a mão do algoz, enquanto seus ossos e sua carne,
esmagados pela roda ou pelo cavalete, não eram mais do que lama sanguinolenta,
achavam ainda a força suficiente para dominar seus sofrimentos e afirmar a Divina
Justiça; daqueles que, sobre o cadafalso, e assim sobre a lenha das fogueiras, viviam
já por antecipação da vida apreciável e gloriosa do Espírito.
55 – O GRANDE ENIGMA
IX
OBJEÇÕES E CONTRADIÇÕES
Sendo o problema divino o mais vasto, o mais profundo dos problemas, pois
que abrange todos os outros, embalou teorias, sistemas semnúmero, que
correspondem a outros tantos graus de compreensão humana, a outros tantos
estádios do pensamento em sua marcha para o absoluto.
Neste domínio, as contradições pululam. Cada religião explica Deus à sua
maneira; cada teoria o descreve a seu modo. E de tudo isso resulta uma confusão,
um caos inextricável. Quantas formas variadas da idéia de Deus, desde o fetiche do
negro até o Parabrahm dos hindus, até o Ato puro de São Tomás! Dessa confusão os
ateus têm tirado argumentos para negar a existência de Deus; os positivistas, para
declarálo “incognoscível”. Como remediar tal desordem? Como escapar a essas
contradições? Da mais simples maneira. Basta elevarmonos acima das teorias e dos
sistemas, bastante alto para ligálas em seu conjunto e pelo que têm de comum.
Basta elevarmonos até à grande Causa, na qual tudo se resume e tudo se explica.
A estreiteza de vistas desnaturou, comprometeu a idéia de Deus. Suprimamos
as barreiras, as peias, sistemas fechados, que se contradizem, se excluem e se
combatem, substituindoos pelas vistas largas das concepções superiores. As certas
alturas, a Ciência, a Filosofia e a Religião, até então divididas, opostas, hostis, sob
suas formas inferiores, unemse e fundemse em uma potente síntese, que é a do
moderno Espiritualismo. Assim se cumpre a lei da evolução das idéias. Depois da
tese, temos a antítese. Tocamos na síntese, que resumirá todas as formas e crenças, e
será a glória do vigésimo século telas estabelecidas e formuladas.
24
Vide, deste mesmo autor, DEPOIS DA MORTE, segunda parte; O PROBLEMA DO SER, DO DESTINO E
DA DOR, caps. XVIII e XIX.
57 – O GRANDE ENIGMA
Não pode ser ambos, porque — dizem — essas concepções são diferentes e
se excluem mutuamente. Daí os dois grandes sistemas sobre Deus; o deísmo e o
panteísmo. Na realidade, tal contribuição é apenas um erro de óptica do espírito
humano, que não sabe compreender, nem a personalidade, nem o infinito.
A personalidade verdadeira é o eu, a inteligência, a vontade, a consciência.
Nada impede concebêla sem, limites, isto é, infinita. Sendo Deus a perfeição, não
pode ser limitado. Assim se conciliam duas noções, na aparência contraditória.
Outra coisa: Deus é incognoscível, como dizem os positivistas e, entre eles,
Berthelot?
É o abismo dos gnósticos, a foi velada dos templos do Egito, o terrível e
misterioso Santo dos Santos dos Hebreus, ou pode ser conhecido?
A resposta é fácil: Deus é incognoscível em sua essência em suas íntimas
profundezas; mas revelase por toda a sua obra, no grande livro aberto nossos olhos
e no fundo de nós mesmos.
Insistese ainda: disseste que o fim essencial da vida, de todas as nossas vidas,
era entrar, cada vez mais, na comunhão universal, para melhor amar e melhor servir
a Deus em seus desígnios. Não podendo Deus ser conhecido em sua plenitude, como
se poderia amar e servir o desconhecido?
Sem dúvida, replicaremos nós, não podemos conhecer a Deus em sua
essência, mas nós o conhecemos por suas leis admiráveis, pelo plano que traçou
todas as existências e no qual brilham a sua sabedoria e sua justiça. Para amar a
Deus não é necessário separálo de sua obra; é preciso vêlo em sua universalidade,
na onda de vida e amor que derrama sobre todas as coisas. Deus não é desconhecido:
é somente invisível.
A alma o pensamento: ó bem e a beleza moral são igualmente invisíveis.
Entretanto, não devemos amálos? E amálos não será ainda amar a Deus — sua
origem, e, ao mesmo tempo, o pensamento supremo, a beleza perfeita, o bem
absoluto?
Não compreendemos, em sua essência, nenhum desses princípios; entretanto,
sabemos que existem e que não podemos escapar à sua influência, dispensandonos
de lhes prestar culto. Se amarmos somente o que conhecemos e compreendemos
com plenitude, que amaríamos, afinal, limitados qual o somos atualmente, nos
marcos estreitos de nossa compreensão terrestre?
Aqueles que reclamam absolutamente uma definição poderseia dizer que
Deus é o Espírito puro, o Pensamento puro. Mas a idéia pura, em sua essência, não
pode ser formulada sem, por isso mesmo, ser diminuída, alterada. Toda fórmula é
uma prisão. Encerrado no cárcere da palavra, o pensamento perde sua irradiação, seu
brilho, quando não perde seu sentido verdadeiro, completo. Empobrecido,
deformado, tornase assim sujeito à crítica e vê desvanecerse o que nele havia de
mais probante. Na vida do Espaço, o pensamento é uma imagem brilhante.
58 – Léon Denis
todos os seres que vivem em sua superfície não podem dispensar seu foco solar: Se
o Sol se extinguir, de repente, que acontecerá? Nosso planeta rolará no vazio dos
espaços, levando nessa carreira a Humanidade deitada para sempre em seu sepulcro
de gelo. Todas as coisas morrerão, o globo será uma necrópole imensa. Triste
silêncio reinará nas grandes cidades adormecidas em seu último sono.
Pois bem! Deus é o Sol das Almas! Extingui a idéia de Deus, e imediatamente
a morte moral se estenderá sobre o mundo. Precisamente porque a idéia de Deus está
falseada, desnaturada por uns, desconhecida por muitos outros, é que a Humanidade
atual erra no meio das tempestades, sem piloto, sem bússola, sem guia, presa da
desordem, entregue a todas as aflições.
Levantar, engrandecer a idéia de Deus, desembaraçála das escórias em que
as religiões e os sistemas a têm envolvido, tal é a missão do Espiritualismo
moderno!
Se tantos homens são ainda incapazes de ver e compreender a harmonia
suprema das leis, dos seres e das coisas, é que a Alma deles não entrou ainda, pelo
senso íntimo, em comunicação com Deus, isto é, com seus pensamentos divinos, que
esclarecem o Universo e que são a luz imperecível do mundo.
Indagamos de nós mesmos, ao terminar, se conseguimos dar um resumo da
idéia de Deus. A palavra humana é muito fraca, muito árida e extremamente fria
para tratar de semelhante assunto. Só a própria harmonia, a grande sinfonia das
esferas e a voz do Infinito poderiam esboçar e exprimir a lei universal.
Há coisas que, de tão profundas, só se sentem, não se descrevem. Deus,
somente em seu amor sem limites, pode revelarnos o seu sentido oculto. E é o que
fará, se em nossa fé, em nossa ascensão para a Verdade, soubermos apresentar,
Aquele que sonda os recônditos mais misteriosos das consciências, uma alma capaz
de compreendêlo, um coração digno de amálo.
60 – Léon Denis
SEGUNDA PARTE
O LIVRO DA NATUREZA
61 – O GRANDE ENIGMA
X
O CÉU ESTRELADO
Assim, todas as estrelas nos cantam seu poema de vida e amor, todas nos
fazem ouvir uma evocação poderosa do passado ou do futuro. Elas são as “moradas”
de nosso Pai, os estádios, os marcos soberbos das estrelas do Infinito, e nós aí
passaremos, aí viveremos todos para entrar um dia na luz eterna e divina.
Espaços e mundos! Que maravilhas nos reservais? Imensidades sidéreas,
profundezas sem limites, dais a impressão da majestade divina. Em vós, por toda
parte e sempre, está à harmonia, o esplendor, a beleza! Diante de vós, todos os
orgulhos caem, todas as vanglórias se desvanecem. Aqui, percorrendo suas órbitas
imensas, estão astros de fogo perto dos qual o nosso Sol não é mais que simples
facho. Cada um deles arrasta em seu séquito um imponente cortejo de esferas que
são outros tantos teatros da evolução. Ali, e assim na Terra, seres sensíveis vivem,
amam, choram. Suas provações e suas lutas comuns criam entre si laços de afeto que
crescerão pouco a pouco.
E assim que as Almas começam a sentir os primeiros eflúvios desse amor que
Deus quer dar a conhecer todos. Mais longe, no insondável abismo, movemse
mundos maravilhosos, habitados por Almas puras, que conheceram o sofrimento, o
sacrifício, e chegaram aos cimos da perfeição; Almas que contemplam Deus em sua
glória, e vão, sem jamais cansar, de astro em astro, de sistema em sistema, levar os
apelos divinos.
Todas essas estrelas parecem sorrir, qual se fosse amigas esquecidas. Seus
mistérios nos atraem. Sentimos que é a herança que Deus nos reserva. Mais tarde,
nos séculos futuros, conheceremos essas maravilhas que nosso pensamento apenas
toca. Percorreremos esse Infinito que a palavra não pode descrever em uma
linguagem limitada.
Há, sem dúvida, nessa ascensão, degraus que não podemos contar tão
numerosos são; mas nossos guias nos ajudarão a subilos, ensinandonos a soletrar
as letras de ouro e de fogo, a divina linguagem da luz e do amor. Então o tempo não
terá mais medida para nós. As distâncias não mais existirão. Não pensaremos mais
nos caminhos obscuros, tortuosos, escarpados, que seguimos no passado, e
aspiraremos às alegrias serenas dos seres que nos tiverem precedido e que traçam,
por meio de jorros de luz, nosso caminho sem fim. Os mundos em que houvermos
vivido terão passado; não serão mais que poeira e detritos; mas nós guardaremos a
deliciosa impressão das venturas colhidas em suas superfícies, das efusões do
coração que começaram a unirnos a outras almas irmãs. Conservaremos a muito
cara e dolorosa lembrança dos males partilhados, e não seremos mais separados
daqueles que tivermos amado, porque os laços são entre as Almas os mesmos que
entre as estrelas. Através dos séculos e dos lugares celestes, subiremos juntos para
Deus, o grande foco de amor que atrai todas as criaturas!
63 – O GRANDE ENIGMA
XI
A FLORESTA
espessas ramagens. Uma árvore secular, patriarca dos bosques, respeitada pelo
machado, e que três ou quatro homens não poderiam abraçar, elevase isolada, alta
qual uma igreja. O raio a tem visitado várias vezes, conseguindo, apenas, quebrar os
seus galhos, deixandoa sempre de pé, altiva e protetora. Seu pé intumesce de raízes
monstruosas, alcatifadas de musgos; coleópteros, semelhantes a pedras preciosas,
correm sobre sua rugosa casca.
Em triste solidão, diversos pinheiros expandem seus fustes avermelhados e
seus galhos torcidos em forma de lira. Será um capricho da Natureza? O pinheiro é a
árvore musical por excelência. Suas agulhas finas e maleáveis balançam ao vento
cheias de carícias e cochichos.
Como é bom perambular sob a sombra silenciosa e comovente dos grandes
bosques, ao longo do límpido regato e dos apagados trilhos traçados pelos cabritos!
Como é agradável estendermonos sobre o veludo das alfombras ou sobre o tapete
dos fetos, na base de qualquer rochedo granítico, para seguir o carreiro dos
escaravelhos dourados sobre as ervas, das lagartixas sobre a pedra, e prestar ouvidos
aos alegres trinados dos passarinhos! Um mundo invisível se agita e freme em redor:
concertos dos infinitamente pequenos acalentando o repouso da terra; insetos, em
legiões, fazem sua ronda a um raio de luz, ao mesmo tempo em que no cimo de um
álamo a toutinegra se externa em garganteios de pérolas. Aqui, tudo é gozo de viver
e metamorfose fecunda! No seio de um ramalhete de árvores, a fonte jorra entre os
rochedos; ela se espreguiça sobre um leito, de calhaus, entre florinhas e campânulas,
hortelãs bravas e salvas. Do sulco esculpido por suas águas, aonde vêm beber os
passarinhos, a onda cristalina corre gota a gota e murmura docemente. Um grande
pinheiro sombreia e protege a pequenina concha. O vento agita suas agulhas,
enquanto a fonte murmura sua cantilena. Um raio de sol, deslizando pela ramagem,
vem por mil reflexos faiscantes sobre a toalha límpida. No ar, libélulas dançam e
folgam; bonitas moscas multicores zumbem ao cálice das flores. Na paisagem
tranquila, a água corrente e murmurante é um símbolo de nossa vida, que surge nas
profundezas obscuras do passado e foge, sem nunca parar, para o oceano dos
destinos, aonde Deus a conduz para tarefas sempre mais altas, sempre novas.
Pequena fonte, pequeno regato, amigo dos filósofos e dos pensadores, vós me falais
da outra margem, para a qual eu me encaminho em cada segundo, e me recordais
que tudo, em volta dos seres, é lição, ensinamento para quem sabe ver auscultar e
compreender a linguagem desses seres e de todas as coisas!
Mas, de repente, o vento sul irrompe; sopro poderoso passa sobre a floresta,
que vibra qual um órgão imenso. Semelhante a uma onda de esmeraldas, o grande
fluxo vegetal intumesce pouco a pouco, ondula e sussurra. Um coração invisível
anima a solidão feraz. Os troncos gigantescos se torcem em longos gemidos.
Clamores sobem das touceiras; dirseia o rodar de carros ou de exércitos que se
entrechocam.
65 – O GRANDE ENIGMA
tumultuosos, aos agitados, oferece seus retiros profundos, propícios à reflexão. Aos
impacientes, ávidos de gozo, diz que nada é duradouro, senão aquilo que custa
trabalho e precisa tempo para germinar, para sair da sombra e subir para o céu. Aos
violentos, aos impulsivos, opõe a vista de sua lenta evolução. Verte a calma nas
almas enfebrecidas. Simpática às alegrias, compassiva às dores humanas, ela cura os
corações chagados, consola, repousa e comunica, a todas as forças obscuras, as
energias escondidas em seu seio. A lenda de Anteu é sempre aplicável aos feridos da
existência, a todos aqueles que esgotaram as suas faculdades, suas potências vitais
nas ásperas lutas deste mundo. Bastalhes pôrse em contacto com a Natureza, para
encontrarem, na virtude secreta que dela emana, recursos ilimitados.
E que analogias, que lições em todas as coisas! A bolota, sob o seu invólucro
modesto, contém não só um carvalho completo em seu majestoso desenvolvimento,
mas uma floresta inteira. A semente minúscula encerra em seu garrido berço toda a
flor, com sua graça, suas cores, seus perfumes. De igual maneira, a Alma humana
possui, em gérmen, todo o desenvolvimento de suas faculdades, de suas potências
futuras. Se não tivéssemos sob os olhos o espetáculo das metamorfoses vegetais, nós
nos recusaríamos a crêlo. As fases de evolução das Almas em seu curso nos
escapam, e não podemos compreender atualmente todo o esplendor de seu porvir.
Temos, no entanto, um exemplo disso na pessoa desses gênios, que passaram através
da História deslumbrantemente, deixando aos pósteros obras imperecíveis. Tais são
as alturas a que se podem elevar as Almas mais atrasadas na escada das vidas
inumeráveis, com o auxílio destes dois fatores essenciais: o tempo e o trabalho!
Assim, a Natureza nos mostra, em toda a beleza da vida, o prêmio do esforço
paciente e corajoso e a imagem dos nossos destinos semfim. Ela nos diz que tudo
está em seu lugar no Universo; mas também que tudo evolve e se transforma Almas
e coisas. A morte é apenas aparente; aos tristes invernos, sucedem os dias
primaveris, cheios de vida e de promessas.
A lei de nossas existências não é diferente das estações. Depois dos dias de
sol, do verão, vem o inverno da velhice, e, com ele, a esperança dos renascimentos e
de nova mocidade. A Natureza, tal quais os seres, ama e sofre. Por toda parte, sob a
onda de amor que transborda no Universo, encontrase a corrente de dor; mas esta é
salutar, pois que, puri¬ficando a sensibilidade do ser, despertam nele qualidades
latentes de emoção, de ternura, e lhe proporciona assim um acréscimo de vida.
25
“Uma bétula – diz O. Reclus –, agitam, por si só, duzentas mil folhas, e outros gigantes tropicais um
milhão”.
68 – Léon Denis
Além; o espírito céltico, em sua sede ardente de saber, de viver e de agir, escapará a
esse círculo estreito.
A idéia fundamental do druidismo é a evolução, a idéia do progresso e do
desenvolvimento na liberdade. Essa idéia é tomada, até certa medida, à Natureza e
completada pela Revelação.
Com efeito, a impressão geral que ressalta do espetáculo do mundo é um
sentimento de harmonia, uma noção de encadeamento, uma idéia de fim e de lei, isto
é, relações eternas dos seres e das coisas. A concepção evolutiva emana do estudo
dessas leis. Há uma direção, uma finalidade na evolução, e esse rumo traz o
conjunto das vidas, por gradações insensíveis e seculares, para um estado sempre
melhor.
O Cristianismo, ou antes, o Catolicismo afastou essa idéia, mas a Ciência nos
torna a levar para ela. Primeiramente, esta espiritualiza a matéria, reduzindoa a
centros de força e nos mostra o sistema nervoso, complicandose cada vez mais na
escala dos seres, para chegar ao homem. As espécies bravias tendem a desaparecer
diante da superioridade do homem. Com o desenvolvimento do cérebro, o
pensamento triunfa. A consciência executa sua ascensão paralela. Há aproximação
entre as leis morais e as certezas físicas e biológicas. A ordem que se manifesta nos
dois domínios chega a conclusões análogas. A Natureza é plástica, móvel quanto
elas, e sofre a influência do Espírito Divino.
Sendo essa evolução a lei central do Universo, o principal papel da ordem
social é facilitála a todos os seus componentes. A vida é, pois, boa, útil e fecunda.
Diante das perspectivas infinitas que ela nos abre, todos os sentimentos deprimentes,
pessimismo, dúvida, tristeza, desespero, desaparecem para dar lugar às inspirações
imortais, à esperança imperecível.
É esse gênio de nossa raça, sobre nadando a onda das invasões, sobrevivendo
a todas as vicissitudes da História, reaparecendo sobre vinte formas diversas, depois
de períodos de eclipse e de silêncio, que explica a grande missão e a irradiação da
França na obra da civilização. Mais que qualquer outra raça, os celtas, cujas origens
se perdem no longínquo vertiginoso dos tempos, os celtas se aproximam, pelo
instinto hereditário, do mundo das causas e das fontes da vida. Tanto na Ciência
quanto na Filosofia, eles conseguiram muitas vezes aplicar o pensamento
desnorteado ao sentimento da Natureza e de suas leis reveladoras, a uma concepção
mais clara dos princípios eternos. Se o entusiasmo e a lei célticos pudessem
extinguirse, haveria menos luz e alegria no mundo, menos transportes apaixonados
para a Verdade e o Bem. Desde mais de um século, o materialismo alemão
entenebreceu o pensamento, para¬lisou seu surto; podemos verificar por toda parte,
em torno de nós, os resultados funestos de sua influência. Mas, eis que o gênio
céltico reaparece sob a forma do espiritualismo moderno, para esclarecer de novo a
69 – O GRANDE ENIGMA
Alma humana em sua ascensão; ele oferece, a todos aqueles cujos lábios estão
dessecados pelo áspero vento da vida, a taça de esperança e de imortalidade.
70 – Léon Denis
XII
O MAR
Nossas costas de França são banhadas por dois mares. O Mediterrâneo é belo
pela harmonia dos contornos, pela limpidez da atmosfera, pela riqueza de seu
colorido. O Oceano é imponente em seus tumultos, e assim em seus recolhimentos,
com as grandes vagas que varrem as areias duas vezes por dia, seu céu agitado,
muitas vezes sombreado, e seu grande sopro purificador. É principalmente dos altos
promontórios armoricanos que o Oceano é majestoso de ver, nas horas de furor,
quando a vaga se precipita, roncando sobre os recifes, mugindo nas enseadas
profundas e secretas, ou rolando, a estrondear, na sombra das cavernas talhadas na
rocha. O queixume do mar tem qualquer coisa de penetrante, de solene, que torna a
71 – O GRANDE ENIGMA
solidão mais triste, mais impressionante. O grito dos maçaricos, dos guinchos, das
gaivotas, que voam girando no meio da tempestade, aumenta a desolação da cena.
Toda a costa se torna branca de espuma. Aos pés do observador, o solo treme a cada
embate surdo da vaga.
Do cabo da Cabra, do Raz de Sein, da ponta de Pernmarch, o espetáculo tem
o mesmo caráter de grandeza épica e selvagem. Por toda parte, montões de rochas
enegrecidas prolongam o continente, assim como outros tantos fragmentos
arrancados à ossatura do globo pelo furor das águas. Longas filas de destroços
estendemse, testemunhando combates seculares que a onda empreende contra o
áspero granito. É um cais formidável, em que os elementos desencadeados
turbilhonam e se precipitam na terra, que geme sob esses golpes redobrados.
O mar acalmou; o vento se apaziguou. A noite desceu e os cintilamentos de
estrelas se acendem no azul profundo do céu. Os faróis brilham com eclipses e
iluminam as sendas do largo. O silêncio se faz, perturbado somente pela grande
melopéia do Oceano, que se eleva grave, contínua, semelhante a uma salmodia, a
uma encantação. Que a diz? Igual a todas as harmonias da Natureza, fala da Causa
suprema, da obra imensa e divina. Lembranos quanto o homem é pequeno por sua
forma material, diante da majestade das águas e do céu; quanto é grande por sua
Alma, que pode abarcar todas as coisas, saborearlhe as belezas, desenvolverem os
seus ensinamentos.
Que homem não experimentou esse sentimento misterioso, que nos retém,
contemplativo e sonhador, diante do espetáculo do mar? Em alguns, segundo o grau
de evolução, é uma espécie de estupor admirativo, misturado de temor; em outros, é
uma comunhão íntima e muda que os invade de modo completo.
Cada elemento manifesta o seu modo os segredos de sua vida profunda. A
Alma humana, por seus sentidos interiores, percebe essa linguagem. As coisas
tendem para nós outros, sem nunca nos atingirem. Nossa Alma vai para as coisas,
sem conseguir penetrálas completamente, mas delas se aproxima bastante para
sentir o parentesco que nos reúne. Daí, entre a Natureza e nós outros, laços, relações
múltiplas e ocultas. Essa fusão com a alma Universal se traduz por uma embriaguez
de vida que nos penetra por todos os poros, embriaguez que a palavra não poderia
exprimir. O mar, e assim a montanha, agem sobre a nossa vida psíquica, nossos
sentimentos e pensamentos e, por essa comunhão íntima, a dualidade da Matéria e
do Espírito cessa um instante, para se fundir na grande unidade que tudo gerou.
Sentimonos associados às forças imensas do Universo, destinados, seres e forças, a
representar, de maneira diversa, um papel nesse vasto teatro.
*
O mar é um grande regenerador. Sem ele, a terra seria estéril e
infecunda; em seu seio se elaboram as chuvas benéficas; todo o sistema de irrigação
72 – Léon Denis
do globo a ele deve o nascimento. Sua efusão de vida é sem limites. Esta grande
força salutar, embora áspera e selvagem, atenua nossas fraquezas físicas e morais.
Pelo perpétuo perigo que apresenta, o mar é uma escola de heroísmo. Comunica ao
homem suas energias; dálhe o pensamento, o caráter, esse modo sério, recolhido,
esse conselho particular de calma e de gravidade que caracteriza as populações
costeiras. Com seus sopros vivificantes, tempera ao mesmo tempo os corpos e as
vontades; proporciona a tolerância e o vigor. Por isso, têm seus fiéis, seus amantes,
seus devotos. Apesar de suas cóleras, revoltas e perigos constantes, quantos com ele
largamente trataram não podem mais dele separarse; ficamlhe ligados por todas as
fibras do ser.
O vasto mar é a imagem do poder, da extensão, da duração. Todos quantos o
têm descrito, comparam o globo a um organismo vivo, felizes por perceberem em
alguns dias de estio as suas pulsações. O fluxo e refluxo são a sua respiração.
Durante a noite, ouvindo ao longe o rumor monótono da vaga, tive muitas vezes a
impressão de que o Oceano respira, qual um Leviatã adormecido. Suas grandes
correntes fazem irradiar até às extremidades do mundo o calor e a eletricidade.
Há em nosso planeta dois centros intensos de vida: Java e o mar das Antilhas,
cercados por dois círculos de vulcões, formidáveis focos de vitalidade e de atividade
submarina. Dois enormes rios deles se destacam semelhantes a aortas, e vão aquecer
o hemisfério boreal. Mary lhes chamou “duas viaslácteas do mar”. Outras correntes
secundárias vão fecundar o Oceano indico, banhando a vasta rede de ilhas, de recifes
e de bancos em que o trabalho dos pólipos estabelece as bases de um continente
futuro. Se o mar tem palpitações, também possui espasmos e convulsões. Entretanto,
sua verdadeira personalidade não se revela nos acidentes ou nas crises de sua
superfície; as mais violentas tempestades não agitam senão parte muito fraca de sua
massa líquida. Para conhecêlo, é necessário estudálo em suas profundezas
misteriosas.
Ali, a uma profundidade de oito mil metros, agitase uma vida obscura,
estranha, iluminada por fenômenos de fosforescência que aclaram, com alvores
fantásticos, as noites silenciosas dos abismos.
Seres luminosos aí pululam; quando atraídos à superfície, brilham um instante
em esteiras de fogo, em feixes cintilantes, mas para se extinguirem logo. Suas
formas são infinitamente variadas; apresentam os aspectos e as cores mais
inesperadas: rosáceas de catedral, rosários de pérolas e de coral, lustres de cristal de
ricos candelabros; estrelas marinhas, tintas de verde, de púrpura, de azul. Essa
aparição fugitiva é um deslumbramento; dános uma idéia enfraquecida das
maravilhas que se encerram nas criptas secretas do mar. Depois, são vegetações de
contos de fadas, sargaços gigantescos, nácares, esmaltes de brilhantes cores,
florestas de corais, gorgõnias e Ísis, todo um mundo singular, primeiro rebate de
vida, esforço de um pensamento que aspira à luz. Quantos mistérios no fundo dessas
73 – O GRANDE ENIGMA
26
Perto de Uson, um pescador, diz Michelet, encontrou oito mil deles em suas redes. Em um porto da
Escócia, encheramse onze mil barris desses peixes em uma noite. Cem mil marinheiros vivem
unicamente da pesca do bacalhau.
74 – Léon Denis
XIII
A MONTANHA
(Impressões de viagem)
Amo tudo da montanha: seus dias de sol, cheios de eflúvios e de raios, e suas
noites serenas, sob milhões de estrelas que cintilam em maior força e parecem mais
perto. Amo até suas tempestades e os clarões dos raios sobre os alcantis.
A tormenta passou. A Natureza retomou seu ar de festa. Por toda parte se
escuta o rangido dos gafanhotos e o matraquear dos grilos. Insetos de todas as
formas e de todas as cores manifestam, a seu modo, a alegria de viver, inebriandose
de ar e de luz.
Mais abaixo, na floresta profunda, na floresta encantada, o concerto dos seres
e das coisas, que domina o ciciar do vento nas ramagens; cânticos de pássaros,
zumbidos de insetos, melopéias dos regatos, das fontes e das cascatinhas, tudo isso
nos arrebata, nos envolve em um encanto indefinível, irresistível.
Retomemos nossa marcha: ainda alguns esforços, cansados, e atingimos o
cimo. Mas que compensação ao nosso trabalho! Um panorama esplêndido se
manifesta, uma decoração incomparável se revela subitamente, espetáculo que
ofusca o olhar e enche a alma de religiosa emoção.
Cimos, sempre cimos, eretos na glória da alva. No fundo do horizonte, picos
solenes se alinham, brancos de neve, com suas geleiras que o Sol faz brilhar, feitas
toalhas de prata. Entre seus enormes cabeços, cavamse desfiladeiros selvagens nos
quais se abrem vales agradáveis. Para o lado do norte, a cadeia se abaixa em
ondulações suaves, dando lugar à planície semfim. Os últimos contrafortes estão
Cobertos de bonitos bosques, de frescos prados, de aldeias pitorescas. Além,
desenrolamse, sem limites, os tapetes verdeeouro dos campos, dos prados, das
campinas, um xadrez de culturas, uma variedade de tons e de cores, que se fundem
em um longínquo vaporoso. Mais longe ainda, o mar imenso resplandece sob o
infinito azul.
O tempo escoa rápido nessas alturas. Em breve, é preciso pensar na volta.
Lentamente, o Sol declina; os vales enchemse de sombra. Já as silhuetas negras dos
grandes picos erigem no céu, onde se acendem os fogos estelares. A voz da torrente
se eleva, mais alta e mais grave, na paz da tarde. Os rebanhos voltam, reunidos pelos
pastores, sob o olhar vigilante dos cães. Os sinos tangem, argentinos, convidando ao
repouso, ao sono. As luzes extinguemse, uma a uma, no vale. E minha alma,
embalada pelas harmonias da montanha, dirige uma ardente homenagem ao Deus
potente, ao Deus criador!
Moços que me ledes, meu pensamento vai até vós, num transporte fraternal,
dizervos: — Aprendei a amar a montanha. É o livro por excelência, diante do qual
todo livro humano é pequeno. Folheando suas páginas grandiosas, mil vezes
recônditas vos aparecerão mil revelações que não suspeitais. Colhereis alegrias
77 – O GRANDE ENIGMA
A flor abre ás carícias do Sol e das lágrimas do rocio; de igual modo a Alma
se expande sob a influência radiosa da grande Natureza. Sob essas poderosas
impressões, tudo nela se comove e vibra. Ela ora, e sua prece é um grito de
reconhecimento e de amor. Da prece, passa à contemplação, essa forma Superior do
78 – Léon Denis
os laços que o encadeiam à carne, e paira no éter sutil. Goza ele, nesse instante, de
êxtases quase divinos.
Não é sem razão que os fatos mais consideráveis da história religiosa se têm
passado sobre os cimos. O Merom, o Gaya 27, o Sinai, o Nebo, o Tabor e o Calvário
são os altares soberbos de onde sobe, em poderoso transporte, a prece dos
iniciadores. Nas almas de escol, a majestade dos grandes espetáculos desperta os
sentidos íntimos, as faculdades psíquicas, e a comunhão com o Invisível se
estabelece. Mas, em graus diversos, quase todos sentimos essa influência. Nesses
momentos, o que há de artificial ou de vulgar, em nossa existência, desaparece para
dar lugar a impressões sobrehumanas.
E qual clareira que se abre no meio de nossas trevas, através das densas
fumaradas que nos escondem habitualmente o céu e asfixiam as mais belas
inteligências. Em um instante percebemos o mundo superior, celeste, infinito. Então,
as irradiações do pensamento divino descem, qual benéfico orvalho, à maravilhada
Alma.
Longe dos preconceitos e das rotinas sociais, a Alma se expande livremente;
encontra o seu gênio peculiar: o “awen” dos druidas. Suas seguras intuições lhe
dizem que todos os sistemas são estéreis e que somente a grande mãenatureza, o
grande livro vivo, nos pode ensinar a verdade e a beleza perfeitas. Nas horas de
recolhimento profundo, seja quando o Sol lança a prodigalidade de sua púrpura
sobre a assembléia dos montes, seja quando a Lua derrama sua luz argêntea no meio
do silêncio formidável, um diálogo solene se estabelece entre a Alma e Deus.
Esses grandes pousos da vida são indispensáveis para que nos retemperemos,
nos reconheçamos, para que possamos ver o fim supremo e nos orientemos, em
passo seguro, para esse fim. Então, à semelhança dos profetas, descemos dos cimos,
engrandecidos, iluminados de uma claridade interior.
Aos apelos do meu pensamento, as recordações despertam em multidão. Eis
nos Pireneus, em ascensão ao, pico de Ger, perto de EauxBonnes. Para atingir a
plataforma rochosa, espécie de mirante que constitui o cimo, é preciso
empoleirarmonos sobre uma aresta, aguda qual lâmina de navalha, de cinquenta
metros de comprimento, acima de um vertiginoso abismo profundo de dois mil pés!
Mas, dali, que vista! Toda a cadeia central se desdobra, desde os montes Malditos
até o pico de Anie, cujo negro cimo emerge de um mar de nuvens, qual ilha do seio
do oceano.
A atmosfera é tão límpida, tão pura, que se distinguem os contornos dos
montes mais longínquos. O Vignemale, o grupo dos grandes picos do Bigorre, com
suas finas arestas, suas cores de geleiras, suas neves imaculadas, erigemse quais
brancos fantasmas sob a ardente luz do meiodia. Graças à transparência do ar, os
27
Montanha da índia onde o Buda recebeu sua revelação.
80 – Léon Denis
picos espanhóis, situados para além de cem quilômetros, mostramse com tanta
nitidez, que se poderia supor estarem próximos.
Eu os torno a ver, como se fosse ontem, esses cimos grandiosos, dominando
linhas de cristal que se sucedem até ao fundo do horizonte: o enorme Baleitous e,
além, em uma aberta, o sombrio MontePerdido. Mais próximo, as formas familiares
do Monné, do Gabizos, os pilones do Marboré, a brecha de Roland, velhos
conhecidos que saúdo, de longe, com prazer.
Serenidade inalterável envolve esta assembléia de gigantes, reunida em um
conciliábulo eterno. No primeiro plano, o pico granítico de Ossau, solitário e feroz,
continua seu sonho de cem séculos.
Mais longe, esses cabeços avermelhados que se escalam para o sul pertencem
à vertente espanhola, áspera, devorada pelo Sol, mas rica de colorido! Dessa
vertente, explorei muitas vezes os circos selvagens, tão pouco conhecidos e de tão
difícil acesso, as gargantas, despenhadeiros onde se precipitam torrentes invisíveis,
que conseguiram cavar um leito subterrâneo no meio de um caos infernal. E que
atalhos, cortados em forma de cornija nos flancos das paredes a pique! Aos nossos
pés, abrese o abismo, a muitas centenas de metros; sobre nossas cabeças, o abutre,
de vorazes apetites, descreve grandes círculos. Entre essas cristas recortadas, alonga
se o Bramatuero, corredor sinistro, cortado de nevadas e lagos gelados, aonde um
padre italiano, que ia para Lourdes, foi assassinado, alguns dias antes da minha
passagem. Mais adiante, escondido no fundo de um circo em forma de funil, de
paredes abruptas e desornadas, Panticosa, estação terminal espanhola. O sítio é
triste; por toda parte, do fundo das gargantas, elevase o estrondo das águas,
semelhante aos rumores de uma tropa em marcha ou ao rodar surdo dos carros.
Voltemos ao pico do Ger. Sobre a geleira vizinha, um guia me faz notar um
ponto negro imóvel, que eu tomo por um rochedo. Mas a seus gritos, 0 objeto se
desloca, move, escapole lentamente. Era um animal. Os gritos do guia despertaram
os ecos da montanha. De todos os recantos do solo, das quebradas selvagens e das
gargantas estreitas saem milhares de vozes. Dirseia uma legião de duendes, de
gnomos, de Espíritos escarninhos. O efeito é surpreendente.
Lancemos um último e demorado olhar sobre esse panorama esplêndido. Sob
a cúpula azulada, as altas montanhas se tingem de tintas fundidas, de pureza e de
riqueza incomparáveis. O sol do Meiodia derrama sobre elas uma profusão de
claridade, um jorro de luz dourada, que aumenta ainda o prestígio de suas formas
fantásticas, atormentadas. Um mundo inteiro de torres, de agulhas, de picos
canelados, de zimbórios, de campanários, de pirâmides, se levanta sob o céu,
amontoado gigantesco de linhas, ora rudes e ásperas, ora arredondadas pelo rude
trabalho das águas. Depois, aqui e ali, no intervalo, altas pastagens verdejantes,
semeadas de currais, de onde sobem, em estreitos fios, fumos azulados; percebemse
as espessas florestas que bordam a fronteira, cascatas cintilantes, lagos tranquilos,
81 – O GRANDE ENIGMA
segundo suas forças, na obra imensa, na potente harmonia do mundo. Ela diz:
“Observa meu curso; é a imagem do teu destino. Agora fujo, torrente impetuosa, por
entre os blocos atormentados. Minha onda rola em cascatas ou se quebra em
espumas; mais tarde, porém, tornarmeei o largo rio, cortado de ilhas, que correrá
calmo, imponente, através da esmeralda dos prados, sob a opala do céu”. Eis o que
diz a voz solene, soberba de grandeza e de eloquência, enquanto contemplo os céus.
Lá em cima, outros problemas me atraem. Para onde vão esses mundos
inumeráveis? Em virtude de que forças se movem, se procuram no seio do
insondável abismo? Sempre, no fundo de tudo, surge o pensamento de Deus, energia
eterna, eterno amor! A mão que dirige os astros na extensão, escreveu ali um nome,
em letras de fogo! Todos esses mundos conhecem seu trilho, sua missão sagrada;
prosseguem infalivelmente. Sabem que representam um papel no plano divino, e a
este se associam estreitamente. Todo o segredo da Natureza está nisso. Os mares, as
florestas e as montanhas não dizem outra coisa. A ViaLáctea, que desenrola através
do Espaço sua poeira de mundos; os cedros gigantescos, que estendem seus longos
ramos acima dos precipícios; a flor, que se expande aos beijos do Sol; tudo nos
murmura: É a Ele que devemos o ser; é por Ele que vivemos e morremos!
Sim, está ali o santuário em que a Alma se abre e se expande à visão do
grande céu e de Deus, autor de sua ordem e sublime beleza. É aquele o templo da
religião eterna e viva, cuja inelutável lei está escrita nas frontes das noites estreladas
e nas profundezas da consciência humana!
Mas eis a alvorada, o majestoso levantar do Sol sobre os cimos longínquos.
Qual esfera de metal incandescente, o astrorei sobe no horizonte. A princípio, os
cimos dentados dos picos flamejam na luz renascente, e, de igual modo que na tarde
anterior, a tinha subido rapidamente em volta de mim, enquanto a sombra descia
com igual velocidade. Como se um véu se tivesse rasgado, todas as minúcias da
floresta, as altas ramarias, as escarpas abruptas dos rochedos e as sinuosidades do
caminho se iluminam. Admirável prestígio da cor! Em um instante tudo se anima,
freme, palpita; o céu e a terra vibram em largo estremecimento. Acima da garganta
estreita onde canta a torrente, a negra silhueta do pico de Ossau se desenha
nitidamente. E retomo o caminho do hotel, bendizendo as circunstâncias que me
permitiram gozar tais espetáculos.
Outras impressões me esperavam nos Alpes. Poderseia dizer com razão que
os Pireneus, por suas formas esbeltas, arrojadas, elegantes, representam o tipo
feminino da montanha. Eles têm frequentemente o encanto e a graça da mulher. Um
véu ligeiramente adorna suas frontes soberbas. Outras vezes, jorros de luz os
transfiguram, transformandoos em montanhasfadas.
83 – O GRANDE ENIGMA
XIV
ELEVAÇÃO
Espírito, Alma, tu que percorres estas páginas, donde vens e para onde vais?
Sobes do fundo do abisma e galgas os degraus inumeráveis da escada da vida. Tu
caminhas para as moradas eternas, onde a grande Lei nos chama e para as quais a
mão de Deus nos conduz. Vais para a Luz, para a Sabedoria, para a Beleza!
Contempla e medita! Por toda parte, obras belas e potentes solicitam tua
atenção. Em seu estudo, haurirás, com coragem e confiança, o justo sentimento do
teu valor e do teu futuro. Os homens só se odeiam, só se desprezam, porque ignoram
a ordem magnífica pela qual estão todos estreitamente aproximados.
Teu caminho é imenso; mas o fim excede em esplendor tudo quanto podes
conceber. Agora pareces bem pequeno no meio do colossal Universo; mas, tu és
grande pelo pensamento, grande por teus destinos imortais.
Trabalha, ama e ora! Cultiva tua inteligência e teu coração! Desenvolve tua
consciência; tornaa mais vasta, mais sensível. Cada vida é um cadinho fecundo, de
onde deves sair purificado, pronto para as missões futuras, maduro para tarefas
sempre mais nobres e maiores. Assim, de esfera em esfera, de círculo em círculo,
prosseguirás em tua carreira, adquirindo forças e qualidades novas, unido aos seres
que amaste, que vivem e reviverão contigo.
Evolverás em comum, na espiral das existências, no seio de maravilhas
insuspeitadas, porque o Universo, e assim tudo, se desenvolve pelo trabalho e
expande suas metamorfoses vivas, oferecendo gozos, satisfações sempre crescentes,
sempre renovadas, às inspirações, aos puros desejos do Espírito!
Nas horas de hesitação, voltate para a Natureza: é a grande inspiradora, o
templo augusto em que, sob véus misteriosos, o Deus escolhido fala ao coração do
prudente, ao Espírito do pensador. Observa o firmamento profundo: os astros que o
povoam são os estádios de tua longa peregrinação, as estações da grande via a que
teu destino te conduz.
Vem! Elevemos nossas Almas; paira um instante comigo, pelo pensamento,
entre os sóis e os mundos! Mais alto, sempre mais alto, no éter insondável! Lá
embaixo, a Terra não é mais que um ponto na vasta extensão. Diante de nós e acima
de nós, os astros se multiplicam. Por toda parte, esferas de ouro, fogos de
esmeraldas, de safira, de ametista e de turquesa descrevem seus movimentos
ritmados. Em nossos rumos, voga astro enorme, arrastando uma centena de mundos
87 – O GRANDE ENIGMA
28
As estrelas, cujo afastamento faz que se pareçam imóveis, movemse em todos os sentidos, em virtude
de leis pouco conhecidas. Movimentos formidáveis arrastam cada foco sideral no turbilhão do Infinito.
Nosso sistema solar voa com grande velocidade para a constelação de Hércules, e vence em 650 séculos
uma distância igual à que nos separa da estrela Alfa do Centauro. Nosso astro central é um dos mais
modestos sóis: Canopo o excede de mais de 10.000 vezes em brilho, Arcturo de 8.000. Visto de sua
superfície, nosso ofuscante foco seria um ponto imperceptível.
29
Segundo as observações telescópicas e a fotografia celeste, a Ciência estabelece que nosso universo se
componha de um milhar de milhão de estrelas. Camille Flammarion crê que este universo não é único.
Nada prova, diz ele, que esse bilhão exista só no Infinito e que, por exemplo, não haja um segundo, um
terceiro, um quarto e cem e mil universos semelhantes aos outros. Esses universos podem ser separados
por espaços absolutamente vazios, desprovidos de éter e, por consequência, invisíveis uns dos outros.
Parece até que conhecemos já algumas das estrelas que não pertencem ao nosso universo sideral.
Podemos citar, por exemplo, com Newcomb, a estrela 1.830 do catálogo de Groombridge, a mais rápida,
cujo movimento foi determinado. Este foi avaliado em 320.000 metros por segundo, e a forca atrativa de
nosso universo inteiro não pode ter determinado tal velocidade. Segundo todas as probabilidades, essa
estrela vem de fora e atravessa nosso universo qual um projétil. O mesmo se pode dizer da de número
9.352 do catálogo de Lacaille, e mesmo de Arturu, a quarta em grandeza das estrelas visíveis e de Mu de
Cassiopéia (conferência de agosto de 1906). Acrescentamos que as potências da Natureza são sem
limites, na extensão e na duração. A luz, que percorre 300.000 quilômetros por segundo, leva 200 séculos
a atravessar a ViaLáctea, formigueiro de estrelas do qual fazemos parte. Essas famílias ou nebulosas são
inúmeras, e todos os dias se descobrem novas, por exemplo, a segunda de Orion, cuja extensão terrifica a
imaginação. Vivemos no seio de um absoluto sem limites, sem começo e sem fim. Ver, também, para
pormenores, a nota complementar nº 3, rio fim deste livro.
88 – Léon Denis
sublimes profundezas, o céu de êxtase, onde vibra mais poderoso, mais melódico, o
pensamento divino, onde o tempo e a distância se anulam, onde a luz e o amor unem
as suas irradiações, onde a Causa das causas, em sua fecundidade incessante,
concebe para todo o sempre a vida eterna e a eterna beleza!
Em nossos dias, o céu não pode ser o que foi tanto tempo para a ciência
humana, isto é, um espaço vazio, triste e deserto. O Infinito se transforma e se
anima. O círculo de nossa vida se alarga em todos os sentidos. Sentimonos ligados
a esse Universo por mil laços. Sua vida é a nossa; sua história é nossa história.
Fontes desconhecidas de meditação, de sensação, se abrem; o futuro toma aos
nossos olhos caráter muitíssimo diferente. Uma impressão profunda nos invade, ao
pensar em destinos tão amplos. Para sempre somos unidos a tudo que vive, ama e
sofre. De todos os pontos do Espaço, de todos esses astros que brilham na extensão,
partem vozes que nos chamam as vozes dos nossos irmãos mais velhos; e essas
vozes nos dizem: “Marcha, marcha, elevate pelo trabalho; faze o bem; cumpre o teu
dever. Vem a nós outros que, iguais a ti, pensamos, lutamos e sofremos nesses
mundos da Matéria. Vem prosseguir conosco tua ascensão para Deus!”.
pensamento supremo vibra e palpita em nosso íntimo, onde brilha, por um instante, a
centelha do gênio. Essas horas inolvidáveis, eu as vivi algumas vezes e, em cada
uma delas, acreditei na visita, na penetração do Espírito. Devolhes a inspiração de
minhas mais belas páginas e de meus melhores discursos.
Aquele que se recolhe no silêncio e na solidão, diante dos espetáculos do mar
ou das montanhas, sente nascer, subir, crescer em si mesmo imagens, pensamentos,
harmonias que o arrebatam, encantam e consolam das terrestres misérias, e lhe
abrem as perspectivas da vida superior. Compreende então que o pensamento de
Deus nos envolve e nos penetra quando, longe das torpezas sociais, sabemos abrir
lhe nossas almas e nossos corações.
30
Vide DEPOIS DA MORTE, cap. IX.
91 – O GRANDE ENIGMA
Em resuma, a Natureza e a Alma são irmãs, com esta diferença: uma evolve
invariavelmente, segundo um plano estabelecido, e a outra, por si mesma, esboça,
em uma página em branco, as grandes linhas do seu destino. São irmãs, porque
provêm ambas da mesma causa eterna e estão unidas por milhares de laços. É o que
explica o império da Natureza sobre os seres. A Natureza atua sobre as Almas
sensíveis qual o magnetizador sobre o seu paciente, provocando o desligamento do
Espírito de sua crisálida de carne. Então, na plenitude de faculdades psíquicas, a
Alma percebe um mundo superior e divino que escapa à maior parte das
inteligências.
Nunca esqueçamos isto: Tudo que cai sob os sentidos físicos, tudo que é do
domínio material, é transitório, submetido à lei da destruição, à morte. As realidades
profundas, eternas, pertencem ao mundo das causas, ao domínio do invisível. Nós
próprios pertencemos a esse mundo, pela parte imperecível de nosso ser.
Eis que, pouco a pouco, a experimentação psíquica e as descobertas dela
decorrentes se propagam e se estendem. O conhecimento do duplo fluídico do
homem, sua ação à distância, antes e depois da morte, a aplicação das forças
magnéticas, a manifestação das potências invisíveis, vêm demonstrar a todo
observador atento que o mundo dos sentidos é uma pobre e obscura prisão,
comparada ao domínio imenso e radioso aberto ao Espírito.31
Os sentidos interiores e as faculdades profundas da Alma dormitam ainda na
maior parte dos homens que ignoram suas riquezas escondidas, seus poderes
latentes. É essa a razão pela qual seus atos se ressentem de falta de base, de ponto de
apoio. Daí, tantas fraquezas e desfalecimentos. Mas., a hora do despertar está
próxima. O homem aprende a conhecer sua Alma, a extensão de seus poderes, de.
Seus atributos; desde logo a separação e a morte deixarão de existir para ele; a maior
parte das misérias que nos assediam desaparecerão, nossos amigos do Espaço virão
mais facilmente nos visitar, corresponder conosco. Uma comunhão íntima se
estabelecerá entre o Céu e a Terra, e a Humanidade entrará em fase mais alta e mais
bela de seus gloriosos destinos.
Com a vista enfraquecida pelo trabalho, lanço ainda um olhar sobre esses
céus que me atraem e sobre essa Natureza que eu amo. Saúdo os mundos que serão
mais tarde nossa recompensa: Júpiter, Sirius, Orion, as Plêiades e essas miríades de
focos, cujos raios trêmulos têm tantas vezes vertido em minha Alma ansiosa a paz
serena e as inefáveis consolações.
31
Vide CRISTIANISMO E ESPIRITISMO, PROVAS EXPERIMENTAIS DA SOBREVIVÊNCIA; NO INVISÍVEL
e O PROBLEMA DO SER, DO DESTINO E DA DOR.
92 – Léon Denis
Em seguida, do Espaço, lanço meu olhar para esta Terra que foi meu berço e
será meu túmulo. Ó Terra, planeta, nossa mãe, campo de nossos labores e de nossos
progressos, onde, lentamente, através da obscuridade das idades, minha consciência
desabrocha com a consciência da Humanidade, tu flutuas no Infinito, acalentada
pelos eflúvios divinos; derramas em volta de ti as vibrações potentes da vida que se
agita em teu seio. Dirseia uma harmonia confusa, feita de rumores e de vagidos,
uma harmonia que sobe do meio dos mares e dos continentes, dos vales e das
florestas, dos rios e dos bosques, e à qual se mistura a queixa humana: murmúrio das
paixões, vozes de dor, ruídos de trabalho e cânticos de festa, gritos de furor e
choques de exércitos. As vezes, também notas calmas e graves dominam esses
rumores; a melodia humana substitui as harmonias da Natureza e o ruído das forças
em ação; o cântico da Alma, liberta das servidões inferiores, saúda a luz. Um cântico
de esperança sobe para Deus em Hosana, numa prece.
É tua alma, ó Terra! Que desperta e faz esforços para sair de obscura ganga,
para misturar sua irradiação e sua voz às irradiações e às harmonias dos mundos
siderais. É tua alma que canta à Alba renascente da Humanidade, porque esta
desperta a seu turno, sai da noite material, do abismo de suas origens. A alma da
Humanidade, que é a da Terra, buscase, aprende a conhecerse, a penetrar sua razão
de ser; pressente seus grandes destinos, quer realizálos.
Prossegue tua carreira, Terra que eu amo! Muitas vezes, já, meu Espírito
sorveu em teus elementos as formas necessárias à sua evolução. Durante séculos,
ignorante e bárbaro, percorri teus caminhos, tuas florestas, voguei sobre teus
oceanos, nada sabendo das coisas essenciais, nem do fim a atingir.
Mas, eis que, chegando ao entardecer da vida, há essa hora crepuscular em
que uma nova tarefa se acaba, em que as sombras se elevam à vontade e cobrem
todas as coisas com seu véu melancólico, considero o caminho percorrido; em
seguida, dirijo meus olhares para diante, para a clareira que se vai abrir para mim no
Além e para suas claridades eternas.
Há esta hora, em que minha Alma se separa, pouco a pouco, de teus liames, ó
Terra, e se prepara para te deixar , ela compreende o fim e a lei da vida. Consciente
do teu papel e do meu, reconhecido a teus benefícios, sabendo por que existo, por
que ajo e como é preciso agir, eu te bendigo, ó Terra, por todos os gozos e por todas
as dores, pelas provações salutares que me proporcionaste, porque, em tudo que te
devo – sensações, emoções, prazeres, sofrimentos –, reconheço os instrumentos de
minha educação, de minha elevação. Eu te bendigo e te amo feliz, quando te deixar,
pelo pensamento de voltar mais tarde, em nova existência, para trabalhar ainda, para
sofrer, para me aperfeiçoar contigo, contribuindo, por meus esforços, para o teu
progresso e o de meus irmãos, que são também teus filhos.
93 – O GRANDE ENIGMA
TERCEIR PARTE
A lei circular,
a missão do século XX
94 – Léon Denis
XV
A LEI CIRCULAR
(A VIDA – AS IDADES DA VIDA – A
MORTE)
sentem tentados a olhar para o fundo! É tão fácil negar as coisas para fugir ao dever
e ao trabalho de estudar e compreender!
O positivista jamais encara o problema da origem, nem o dos fins; contentase
com o momento presente e o explora da melhor maneira. Muitos homens, mesmo
inteligentes, agem igual ,àquele. Por seu lado, o católico limitase a crer no que
manda a igreja, que faz da vida um mistério do começo ao fim, pondolhe alguns
milagres no meio; e quando estas duas palavras são pronunciadas: milagre, mistério!
Todos se inclinam, todos se calam, todos crêem. Por outra parte, os universitários só
acreditaram, durante muito tempo, nos dados da experimentação. Para eles, tudo que
não figurasse em seus programas era destituído de valor. Nunca os ídolos de Bacon
tiveram tantos adoradores. A ciência oficial, também, há meio século vem apenas
contribuindo com diminuto progresso para o pensamento moderno.
Entretanto, o médico dos nossos dias, tão ligado, até então, aos sistemas
materialistas da Escola, começa a sacudir o jugo; e é das fileiras da Medicina atual
que saem os doutores mais autorizados e mais competentes do Espiritualismo.
A próxima geração será mais feliz e ainda melhor dotada. Cresce uma
mocidade, que não surge de nenhum pedagógico e só se instrui na grande escola da
Natureza e da consciência íntima. Esta será verdadeiramente a mocidade livre, isto é,
independente de qualquer educação fictícia, de qualquer método empírico e
convencional. Ela ouve as verdadeiras vozes; a voz interior, a voz subliminal do ser,
a voz que explica o homem ao homem e resolve o teorema do destino com a clareza
que lhe é possível.
É para essa sociedade de amanhã que escrevo estas páginas; dedicoas aos
iniciados e aos avisados, àqueles que, segundo a palavra do Mestre, têm olhos de ver
e ouvidos de ouvir.
Voltemos, pois, à lei circulatória da vida e do destino, isto é, à doutrina da
reencarnação.
Resumiremos ligeiramente a exposição científica, porque nosso fim não é
fazer trabalho dogmático, senão apenas nos entregarmos às efusões platônicas sobre
a vida, suas fases, sobre o destino e sobre a morte, que a remata aparentemente, para
lhe permitir retome o seu novo curso.
.Em realidade, somos unicamente filhos de nós próprios Os fatos aí estão para
confirmar tal asserção. Os filósofos do século XVIII, com seu sistema da alma,
comparada a uma tábua rasa, sobre a qual nada ainda existe escrito, estão, pois,
enganados. Os doutores do generacionismo estariam mais perto da verdade;
exageraram, entretanto, o alcance de sua doutrina, e assim suas conclusões.
Cada encarnação perispiritual introduz, sem dúvida, modalidades novas na
alma da criança, que reedita sua vida; mas, encontra o terreno já cultivado para isso.
Platão tinha razão quando dizia: — “Aprender é recordar”
Assim se explicam os fenômenos de cultura e a fisiologia dos grandes gênios de
que fala a História: a ciência dominante de Pico de Ia Mirandola; a intuição de
Pascal, reconstituindo, aos treze anos de idade, os teoremas de Euclides; Mozart,
compondo, com a idade de doze anos, uma de suas obras mais célebres.
Pode suceder, entretanto, que as leis de hereditariedade embaracem a
manifestação do gênio, porque o Espírito molda o seu corpo, mas só se pode servir
dos elementos postos à sua disposição por essa hereditariedade.
O que acabamos de dizer basto, por enquanto, para justificar cientificamente a
doutrina luminosa das vidas sucessivas.
Responderemos, em poucas palavras, à objeção dos que não cessam de
redizer que, se nossas vidas fossem múltiplas, delas conservaríamos, pelo menos,
uma vaga lembrança.
Já vimos como e – por que – se perde, na ocasião do nascimento, a memória
do passado. Esse eclipse parcial e momentâneo das existências anteriores é
absolutamente necessário para conservarmos intacta, aqui, em nosso mundo, a
liberdade. Se delas nos recordássemos com muita facilidade, haveria confusão na
ordem lógica e fatal do destino; e o Mestre disse em seu Evangelho: “Infeliz daquele
que, tendo posto a mão na charrua, olhar para trás”.
Traçar um sulco firme e seguro exige olhar para diante e fixar unicamente o
futuro.
A obliteração do passado, entretanto, não é, nem absoluta, nem definitiva. O
perispírito, que registrou todos os conhecimentos, todas as sensações, todos os atos,
acorda; sob a influência do hipnotismo, as vozes profundas do passado se fazem
ouvir Assemelhamonos às árvores milenárias das florestas. Seus lustros e decênios
estão inscritos nos círculos concêntricos da casca secular; assim, cada idade de
nossas existências sucessivas deixa uma zona inalterável sobre o perispírito, que
retraça fielmente os matizes mais imperceptíveis do passado e os atos mais
aparentemente apagados da vida mental e de nossa consciência.
Mas é notadamente à hora da morte que o perispírito, prestes a desprenderse,
sente despertar na memória as visões adormecidas das existências transatas. Atestao
a experiência de cada dia.
98 – Léon Denis
Por um médico amigo, ouvimos dizer que, em sua mocidade, estando a ponto
de afogarse, momento em que começava a asfixia todos os quadros de sua vida se
desenrolaram no pensamento em sucessão retrógrada, com pormenores, e
acompanhados de sensação de bem ou de mal, em cada um dos atos de sua vida
inteira.
Era o julgamento espiritual que começava. Esse julgamento sabese, não é
mais que o balanço instantâneo da consciência, que faz pronuncie, nós mesmos, o
veredicto que nos fixa a sorte no novo mundo onde vamos ingressar.
Agora que conhecemos a lei da existência e a doutrina científica da
encarnação, sernosá mais fácil compreender as vicissitudes da viagem terrestre, as
idades pelas quais passamos e o papel que cada degrau da vida humana vem ter na
economia harmoniosa do seu conjunto. Aparecernosão, assim, a adolescência, a
idade madura e a velhice sob o verdadeiro aspecto; debaixo dessa luz elevada do
Espiritualismo, saberemos melhor apreciar e compreender. Morrer para reviver,
reviver para morrer e para viver ainda, tal é a lei única e universal.
O nascimento e a morte são os pórticos luminosos ou obscuros, sob os quais é
preciso passemos, para entrar no templo do destino.
Fato estranho! Essa ciência profunda da origem das coisas, essa gênese do
ser, essa lei do destino, a Antiguidade as conhecia e as compreendia infinitamente
melhor que nós outros. O que mal começamos a restabelecer e provar
cientificamente, já o sabia, por intuição e iniciação, a Grécia, o Egito, o Oriente.
Formava o fundo dos mistérios Isicos e de Elêusis, espécie de representação
dramática da reencarnação das Almas, da sua entrada no Hades, depuração e
transmigração sucessivas.
Essas festas duravam três dias e traduziam, em uma trilogia comovente, todo
o mistério deste mundo e do Além.
No fim das iniciações solenes, os sábios eram sagrados por toda a vida, e os
povos, a quem só se deixava ver a parte simbólica e hieroglífica de tais verdades
esotéricas, pressentiamnas, sob o revestimento do símbolo, e guardavam assim o
verdadeiro sentido da vida. Hoje, esse sentido, nós o perdemos. O Cristianismo
primitivo, o de Jesus e o dos Apóstolos, possuíamno ainda.
A partir do dia em que o espírito grego, em sua sutileza, criou a Teologia, o
senso esotérico desapareceu e a virtude secreta dos ritos hieráticos evaporouse, qual
se fosse à virtude de um sal insípido. A escolástica sufocou a primeira revelação sob
suas montanhas de silogismos e argumentos especiosos e sofísticos.
A mitologia pagã possuía no mais elevado grau, a inteligência das origens e a
noção da gênese vital. Sob a forma de mitos poéticos, transpirava a verdade inicial,
tal qual sob a casca da árvore se revela à seiva da vida.
*
99 – O GRANDE ENIGMA
compreendeu que a Alma talha seu corpo, tal qual Deus forma a Alma, e que o
corpo deve trazer a assinatura de ambos, firma que deve ser a assinatura da Beleza.
Enquanto o nosso século ou o que se seguir não tiver corrigido esse erro, nada
terão feito para o verdadeiro progresso do mundo. Embelezem os corpos, se
quiserem semear as Almas e aplainar o caminho do destino. Não esqueça ó futuros
educadores de povos, que a fealdade é um elemento mórbido.
Tornase, pois, necessário, refazer completamente a educação da mocidade,
se desejar acelerar as vitórias e o progresso do século por vir. É preciso que tudo em
torno dessa juventude: homens e coisas, artes, ciências, literatura, tudo lhe fale de
grandiosidade, nobreza, força, glória e beleza.
Quando a mocidade antiga ia concorrer anualmente às festas gloriosas da
Olimpíada, desde que punha o pé na cidade célebre, era empolgada pela magia
fascinadora da Beleza.
Os edifícios, com sua impecável simetria; o Fórum, com suas soberbas
estátuas, representando ora a formosura de Hércules, ora a de Apolo; o concurso
religioso do povo; a majestade dos templos; a harmoniosa organização da festa; as
coroas de mirto e louro, que faziam já recender o orgulho da vitória; tudo falava aos
efebos vindos das extremidades da Ática para lutar no stadium: “o jovens, sede
felizes, sede grandes, sede belos, sede fortes!” Um pouco mais além, no santuário de
Olímpia, Zeus de Fídias, radiante de imortal beleza, consagrava, com seu gesto
divino, essa lição solene e harmoniosa das coisas.
É preciso ressuscitar essa disciplina da Antiguidade sagrada, se quiser refazer
a juventude e a força da Humanidade.
Tudo repousa hoje na ciência oficial — para método, na democracia — para
princípio social. Eis precisamente que ambas estão ameaçadas. A ciência
materialista esvaise na dissecação e na análise; decompõe em lugar de criar, disseca
em lugar de agir.
Por outra parte, a democracia, em suas obras vivas, traz já os germens da
decadência. Preconiza a mediocridade em todos os gêneros; proscreve o gênio e
desconfia da força; o século XX começou com esse balanço intelectual e moral,
impotente e doloroso. O erro foi de tomar a ciência por ideal e a democracia por fim,
enquanto que ambas são meios, apenas.
A mocidade de amanhã deverá reagir vigorosamente contra essas duas
idolatrias; — a de hoje já começa a fazêlo. Há, entre os nossos jovens, alguns
Espíritos de elite, iniciados, esclarecidos da primeira hora, que desbravam o
caminho e preparam o êxodo e a marcha do Espírito para o futuro. São os
espiritualistas de bom quilate, os que sabem que lá, onde sopra o Espírito, é que está
a verdadeira bondade.
Será a divisa da legião nova, isto é, da mocidade livre, liberta das peias de
falsas disciplinas, da mocidade que se interroga e se ausculta a si própria, que ouve
101 – O GRANDE ENIGMA
Os que nos rodeiam não têm mais na fronte a auréola poética que nossa
imaginação criadora lhes havia colocado; o próprio amor nos revelou alguns de seus
desfalecimentos, talvez mesmo traições; enfim, demonstrounos que a própria
virtude não é, por vezes, mais que uma palavra. Nesse período da vida, uma grande
desgraça ameaça a maior parte dos homens: o cepticismo.
Infeliz daquele que se deixa invadir por essa larva malsã, que neutraliza todas
as forças da maturidade! É, então, bem ao contrário, que o homem deve redobrar de
ânimo, revelar em si o santo entusiasmo da mocidade. Felizes daqueles cujo coração
guardou a fé dos primeiros dias!
Sem dúvida, a idade madura é menos prática, menos primaveril que a
adolescência; as flores decaíram do seu colorido e perfume; mas os frutos,
igualandose aos dos ramos de uma árvore, começam a aparecer na extremidade da
Alma.
Na mocidade, sentese o homem engrandecer; sentese amadurecer no meio
da vida, e é esta uma das mais nobres e mais produtivas paragens da evolução
humana. A idade madura é, por excelência, o período da plenitude; é o rio que corre
com toda a força e espalha pelas campinas a riqueza e a fecundidade.
Nas Almas evoluídas, ricas do capital acumulado nas vidas anteriores, as
grandes obras são escritas ou esboçadas na mocidade; o gênio é adolescente,
podemonos exprimir assim.
102 – Léon Denis
A maior parte dos grandes homens da História sentiu desde sua primeira
mocidade subir ao horizonte do pensamento a estrela que um dia lhes iluminaria a
glória e a imortalidade.
Cristóvão Colombo era ainda criança, e já o visitavam as visões do Novo
Mundo; Rafael era imortal antes de ter atingido a segunda mocidade. Milton contava
12 anos de idade, quando germinou em seu pensamento a. primeira idéia do Paraíso
Perdido. Mas, para a maioria dos homens — porque o gênio é a exceção — o
talento, só, é a regra ordinária. É na maturidade da vida, no meio da floresta, como
se exprimia o Dante, que se realizam, tanto os grandes pensamentos, quanto as
grandes obras. A arte da vida consiste em preparar a idade madura, qual o
trabalhador prepara, apressadamente, a colheita.
Deverseia fazer durar muito tempo, bastante tempo esse período medieval
de nossa existência em que a vida perispiritual esplende em sua pujança possui todo
o poder radiante é vibratório e por isso se torna necessário conservar o mais tempo
possível um alimento essência de ação e de trabalho: sangue puro, sistema nervoso
displinado, corpo vigoroso e são essa mens sana in corpore sano de que fala o sábio
e que é o equilíbrio perfeito da vida física, intelectual e moral. Compreendese,
então, quanto à harmonia e a ordem do ser humano são coisas difíceis de organizar e
conquistar.
Quantas mocidades brilhantes e cheias de promessa caem em abril, a exemplo
do que ocorre com as flores!
O grande inimigo da idade madura, e assim o da vida inteira, é o egoísmo. O
homem se diminui e mata pela necessidade de gozar. As paixões carnais e cerebrais
calcinam o homem pelas duas extremidades, se assim se pode dizer: esvaziam o
cérebro e o coração. O sangue não rejuvenesce com presteza necessária a retardar a
velhice; e é assim que, antes do prazo real, a morte chega. É preciso dar para reaver,
e o sacrifício se torna elemento conservador, pois, diz o Mestre: “aquele que tem
muito cuidado em guardar a vida, por essa mesma razão a compromete e perde”.
“Não há ninguém que viva tanto na Terra,. Quanto àquele que está sempre prestes á
morrer”. “Eles te chamam, tu foges — diz o poeta à morte — eu quero viver, tu
vens”.
A idade madura é o verão de nossa existência terrena; a exemplo da estação
estival, é feita de ardores, cheia de luz; o nascer do sol é logo manhã; o poente é
radioso, e as noites alumiadas suntuosamente pelas estrelas. Sentese aí a criatura
feliz com o viver; tem a consciência de sua força, e dela sabe servirse. É quando
atinge física e moralmente o ponto culminante da Beleza. Porque há uma beleza na
idade madura, e esta é a verdadeira. Um de nossos erros está em crer que a beleza da
mocidade é a única senhora da vida; faltalhe, entretanto, o elemento principal; a
força, resultante do equilíbrio geral e harmonioso do ser.
103 – O GRANDE ENIGMA
XVI
A MISSÃO DO SÉCULO XX
altas manifestações, perdemse na análise infinitesimal; não vêem, por assim dizer,
senão o — pó — das coisas e das idéias.
Faltaram sempre à ciência oficial a independência e a liberdade; apartouse do
caminho, submetendose servilmente à autoridade da Igreja; em seguida, enfeudou
se às doutrinas materialistas do século XVIII e, em seguida, ao panteísmo
germânico. Enfim, depois de quase um século, tornouse o satélite do Positivismo,
essa doutrina incompleta, que se desinteressa sistematicamente do maior problema
que o espírito humano quer e deve resolver o da sua origem e de seu destino. Ela se
limita a arrastar pelo mundo fórmulas secas e banais, semelhantes à “Vitóriaaptera”,
que, desprovida de asas, se achava condenada a rastejar, sem poder elevarse do
solo.
A Ciência céptica havia posto a lei do número na base de tudo. Desde então, a
vida tornouse uma espécie de álgebra, cujas equações nos levaram a uma ou a
muitas incógnitas. Era andar em sentido contrário ao da Natureza; porque o homem
existe para criar e não para decompor; para agir, e não unicamente para analisar.
Esse sistema negativo havia tornado estéreis os trabalhos dos sábios, e foi assim que
vimos, desde muito, ir, pouco a pouco, apagandose, sob nossos olhos, os caracteres
e as consciências, a arte, o ideal e a beleza.
Com efeito, a Ciência desconheceu a lei da estética, consagrando o
naturalismo que disseca a vida, em lugar de desenvolvêla. Em moral, preconizou o
determinismo, que erige em princípio a impotência do esforço e a renúncia à ação.
Na ordem social, a pulverização, ao infinito, dos poderes e das responsabilidades,
dando em resultado, por momentos, a um estado de coisas que confina com a
desordem e a confusão.
A Ciência, que tinha por missão construir uma sociedade sobre bases novas,
destruiu sem nada edificar. Perdendo de vista as grandes altitudes, os grandes focos
do pensamento, a Ciência céptica resfriou o coração humano; destruiu o grau
elevado que poetiza a vida, que a torna suportável. Eis por que as gerações que
surgem se mostram desenganadas e reclamam outra coisa.
Notas complementares
“Com Kant e Laplace, a Astronomia deu novo passo à frente”. Ela estabelece
a hipótese de uma vasta nebulosa animada de poderoso movimento de rotação sobre
si mesma. Em consequência desse movimento, os planetas se destacam, um a um,
como que por si mesmos, da massa comum, cuja parte central dará, enfim,
nascimento ao Sol. Desde então, parece que tudo está mudado, e que a idéia de Deus
se torna estranha à Astronomia. Laplace não pronuncia uma só vez esse nome. Mas,
no estrito ponto de vista da explicação dos fatos, é fundado tal silêncio? De modo
algum. A questão ficou para nós exatamente qual era para Newton. Depois, e assim
antes da hipótese da nebulosa, o problema permanece o mesmo. Se nada faz
equilíbrio à gravidade, sempre presente e sempre atuante, os planetas caem,
precipitamse em linha reta sobre o Sol, ou antes, nada os vem destacar da nebulosa
comum. Somente o movimento giratório desta pode fornecer a força centrífuga
indispensável. E então se estabelece de novo, e nos mesmos termos, o grande
problema inelutável, que em vão se tentava deixar no olvido: Donde vem o
movimento giratório que equilibra o peso?
“Somente Kant ousou responder: da gravidade e das forças repulsivas
desenvolvidas pelos choques interatômicos”. Kant não era matemático e mostrao
bem aqui: Em virtude mesmo do princípio da igualdade da ação e da reação, as
moléculas, depois do choque, desenvolvem a mesma força viva, tanto em uma
direção quanto na direção contrária, da direita para a esquerda, e da esquerda para a
direita. Elas são incapazes, por conseguinte, de gerar na nebulosa a menor rotação de
conjunto.
“Se imóvel no princípio, a nebulosa ficará eternamente imóvel, e, por falta da
força viva, os planetas não se formarão”. Se eles se destacaram, com efeito, da
massa central, é que esta girava sobre si mesma, e, se girava, é que o mesmo Criador
(evocado ostensivamente por Newton) lhe havia, formandoa, impresso aquele
movimento.
“Astrônomos do Observatório de Paris, interrogados, os Srs. Wolf e Puiseux,
não puseram dificuldade alguma em tal reconhecer: A hipótese invocada por Kant,
conclui o Sr. Puiseux, deve ser considerada inoperante”.
“É necessário um primeiro motor”, escreve o Sr. Wolf. (É também a opinião
de Camille Flammarion, consignada em suas obras)
“E no fundo, implicitamente, Laplace não diz talvez outra coisa porque, se
ele não nomeia Deus com todas as letras, fala de uma nebulosa em estado de
rotação, repetidas vezes, e escreve que, em seu movimento de conjunto, a soma dos
arcos descritos por suas moléculas ao redor do eixo é necessariamente nula. Logo,
ele também, tal qual Newton, se reconhecia incapaz de explicar os movimentos do
sistema solar pelas únicas leis da Mecânica”.
119 – O GRANDE ENIGMA
fulge ainda com um brilho que eclipsa todos os astros do nosso céu boreal; e, enfim,
Betelgeuse, da constelação de Orion.
Desta vez, a mais fantástica imaginação não acha palavras para exprimir essa
visão assombrosa. Uma ou outra dessas duas estrelas, Arcturo e Betelgeuse, vale
muitos milhares de sóisiguais ao nosso; entre elas e nosso astro do dia há quase a
mesma proporção que entre o Sol e a Terra.
E, no entanto, a Astronomia ainda achou uma estrela, que as eclipsa. Para
percebêla é preciso ganhar as regiões astrais onde ela brilha na constelação do
Navio; é Canopo, a mais poderosa estrela conhecida até hoje, pois equivale a 7.760
sóis reunidos. Entre todos os astros estudados ao telescópio e de que se tem ensaiado
medir a distância, a luz, o calor e o movimento próprio, Canopo acaba de ser objeto
de estudo especial da parte de um astrônomo inglês, Walkei, membro da Sociedade
Real Astronômica de Londres. Esse estudo tenderia a mostrar que esse prodigioso
sol poderia ser o centro de nosso universo.
A distância de Canopo seria de 489 ciclos anuais de luz, isto é, o raio
luminoso que nos chega hoje (em 1915), dessa estrela, deve ter saído da estrela no
ano de 1426.
Tal astro gigantesco não é, entretanto, o pivô em torno do qual evoluciona o
nosso Sol; é em torno de Alcione, estrela da constelação das Plêiades, que nosso
sistema solar preenche, em duzentos e vinte e cinco mil séculos, uma de suas
grandes revoluções; um raio de luz de Alcione deve viajar durante 715 vezes os 365
dias do ano – antes de poder atingir a Terra. Há estrelas cuja luz só nos chega ao
cabo de 55 séculos.
O grupo das Plêiades compõese de um milhar de estrelas, das quais somente
sete são visíveis a olho nu.
Alcione é de terceira grandeza; mas, fato notável, essas estrelas principais são
animadas de movimento uniforme e paralelo, o que explicaria ser a sua atração mais
poderosa ainda do que a do gigantesco Canopo.
– Fim –
121 – O GRANDE ENIGMA
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