Metrum Classicum

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6

Princípios de Escansão do Verso Latino

Clássico
Este é um texto de apoio para o aprendizado da recitação da poesia latina clássica. Escrevi
porque a exposição e o método aqui descritos são os mais simples que aprendi, e não os
encontro em português.

Se estás estudando apenas este texto escrito, sem o auxílio de um professor falante, a
estratégia é primeiro entender a teoria, sem se preocupar em como pronunciar. Ao final,
daremos indicações práticas de como treinar a pronúncia.

1. Estrutura da Sílaba

1.1. Vogal e Consoante


O som das frases que enunciamos (não só das palavras) é organizado em unidades chamadas
sílabas. Cada sílaba tem um miolo, que é a vogal, ao qual podem ser acrescentadas outras
letras chamadas consoantes.

1.2. Semivogal
Algumas sílabas parecem ter mais de uma vogal, como é o caso da primeira sílaba de cae-lum
(/kai/, na pronúncia clássica), mas apenas uma destas é o miolo, a vogal da sílaba, a que
podemos esticar sem fazer violência ao som original. Aqui seria a letra "A". O "E" desta sílaba é
então chamado de semivogal, por ser uma letra que, em outra circunstância, poderia ser uma
vogal.

As semivogais podem ser vistas como um tipo de consoante, mas também formam uma
unidade especial com a vogal chamada ditongo (como a clara e gema de um ovo).

1.3. Divisão Silábica


A divisão silábica no latim é em geral bem parecida com a no português. A principal diferença
está na maior abundância de hiatos dentro das palavras. Por exemplo: de-us, mu-lí-e-rem,
vé-ni-at.

Além disso, há dois detalhes que serão importantes na escansão de poesia:


Semivogal dupla
A semivogal "i" entre vogais (escrevemos "j") fica nas duas sílabas, ligando-as como uma ponte
pênsil. Ou seja, uma palavra como "majus" soa como "mai-jus". Em português ocorre o mesmo:
"maio" pode soar como "mai-io". A ortografia convencionou a divisão "mai-o". Seja como for,
nosso interesse é o som.

Consoante dupla
O "x" é uma consoante dupla, valendo por "cs". Entre vogais, estas consoantes ficam
naturalmente divididas: "sac-sum" (saxum). A ortografia convencionou "sa-xum", mas, de novo,
interessa-nos o som.

Consoantes repetidas são sempre separadas: op-pi-dum, an-nus, etc.

2. Acidentes da Sílaba

2.1. Quantidade das Vogais


No latim clássico, existem vogais longas e breves. Representamos as vogais longas assim: ā,
ē, ī, ō, ū, (ȳ), colocando acima delas este diacrítico chamado mácron (do grego, "longo").
Representamos as vogais breves assim: ă, ĕ, ĭ, ŏ, ŭ, (y̆), com este diacrítico chamado braquia
(do grego, "breve"). Neste texto, as vogais sem diacrítico serão todas breves.

Mesmo que muitos textos não marquem a distinção, é importante deixar claro que estas são
letras diferentes, que mudam o sentido das palavras. Por exemplo, "ānus" significa "anel", e
"ănus" significa "velha" (e "annus" significa "ano"). A pronúncia das vogais longas deve tomar
mais tempo do que a das vogais breves.

Mais precisamente, é como os talheres. Há algo de comum entre uma colher grande e uma
pequena, mas é bem inconveniente e não civilizado tomar sopa com uma colher de chá, ou
mexer o café com uma colher de sopa.

2.2. Quantidade das Sílabas


Um conceito diferente é o de quantidade das sílabas. Uma sílaba com vogal longa é
naturalmente longa, mas uma sílaba também pode ser longa por terminar em consoante ou
semivogal. Exemplos: as sílabas iniciais de "ā-nus", "ar-ma", "ae-ris", "jūnc-tus".

Uma sílaba será breve se e somente se terminar em vogal breve. Exemplos: "a-vus", "spe-ci-ō",
"stru-ō".

Ou seja, a regra depende unicamente da última letra da sílaba.


Uma regra prática é pronunciar as sílabas longas no dobro do tempo das breves, de modo que
ficamos com bastante tempo para esticar a vogal (se for longa), ou enunciar bem claramente as
consoantes finais (se houver). Consoantes iniciais são espremidas exatamente como no
português.
Conforme dissemos no início, não se preocupe muito em pronunciar as sílabas longas e breves
por enquanto. Isto será mais fácil no contexto da poesia metrificada, que estudaremos mais
abaixo.

Ao desenhar o ritmo de um poema, representamos as sílabas longas e breves com grandes


mácrons e braquias. No computador, fica assim: —, u.

Por exemplo, o primeiro verso da Eneida tem este ritmo:


—uu—uu—————uu—X

(a última sílaba não se mede, então marcamos com "X")

2.3. Acento
Uma vez que as palavras numa frase são pronunciadas sem separação (ver mais abaixo), um
recurso importante da língua para exprimir pelo som a unidade das palavras é o acento.

Como regra geral, toda palavra terá uma sílaba acentuada, mais saliente, chamada de sílaba
tônica. As outras sílabas são chamadas sílabas átonas.

No latim, a acentuação é bem regular, e depende unicamente da penúltima sílaba:


1. Se a penúltima sílaba for longa, o acento fica ali (a palavra é paroxítona):
e.g. tem-pés-tās;
2. Se for breve, o acento fica na antepenúltima (a palavra é proparoxítona):
e.g. spī-rí-tu-ī.

Nota que acentuação é diferente de quantidade: a sílaba tônica pode ser breve, e uma sílaba
longa pode ser átona.

Via de regra, não há palavras oxítonas. Palavras dissílabas serão paroxítonas.

3. Sílabas Prosódicas
Num texto, as palavras são pronunciadas juntas, com pausas ocasionais, que a poesia
organiza em versos. Devemos aprender a dividir as sílabas não só das palavras, mas dos
versos como um todo.

A tradição portuguesa chama isto de sílabas poéticas. Digo "sílabas prosódicas" para não
parecer que é uma peculiaridade da poesia.
3.1. Elisão
Para dividir as sílabas de um verso, primeiro notamos os casos de elisão: Normalmente,
quando uma palavra terminada em vogal (seguida ou não de "m") vem antes de outra
começando em vogal (precedida ou não de "h"), as duas vogais se reduzem a uma só.
Geralmente cai a primeira vogal:

atque altae -> atqualtae


atque hominum -> atquominum
multum ille -> multille
animam hanc -> animanc

(A regra do "m" sugere que esta letra, no final de sílaba, soa pouco, notando-se ao ouvido mais
pelo fechamento da boca do que por um som com a mesma dignidade do "m" inicial.)

Como dito, elidir é o normal e esperado nestes casos. A não-elisão chama-se hiato (hiato entre
palavras), e ocorre por motivos especiais.

3.2. Escansão
Aplicada a regra de elisão, resta juntar todas as palavras e dividir as sílabas normalmente:
dividir as sílabas ignorando os espaços entre as palavras.

3.3. Exemplos
Nos exemplos abaixo, destacamos em negrito as sílabas longas. Escrevemos a mesma divisão
em dois estilos diferentes: um destacando a pronúncia, e o outro preservando o texto original.

in nova fert animus mūtātās dīcere fōrmās


(innovafertanimusmūtātāsdīcerefōrmās)
in-no-va-fer-ta-ni-mus-mū-tā-tās-dī-ce-re-fōr-mās
in /no/va /fer/t a/ni/mus /mū/tā/tās /dī/ce/re /fōr/mās

Nota como o "t" de "fert" se liga ao "a" de "animus". Abaixo, o mesmo ocorre com o "t" de
"tegit", deixando a sílaba "gi" breve.

ante mare et terrās et quod tegit omnia caelum


(antemaretterrāsetquodtegitomniacaelum)
an-te-ma-ret-ter-rā-set-quod-te-gi-tom-ni-a-cae-lum
an/te /ma/re et/ ter/rā/s et /quod /te/gi/t om/ni/a /cae/lum

lītora, multum ille et terrīs jactātus et altō


(lītoramultilletterrīsjactātusetaltō)
lī-to-ra-mul-til-let-ter-rīs-jac-tā-tu-se-tal-tō
lī/to/ra, /mul/tum il/le et /ter/rīs /jac/tā/tu/s e/t al/tō

4. Pés
A poesia clássica não conta meramente as sílabas do verso, mas organiza-as em grupos
chamados pés. Por exemplo, os versos da Eneida usam dois tipos de pé:
● Longa-breve-breve (— u u), chamado dátilo;
● Longa-Longa (— —), chamado espondeu.

(Também há outros tipos de pé, com nomes gregos adoráveis, mas primeiro entendamos a
idéia geral.)

Os versos vistos acima são compostos de seis destes pés. Vê:

in no-va |fer-t a-ni-|mus mū-|tā-tās |dī-ce-re |fōr-mās


1 |2 |3 |4 |5 |6

Ele é por isso chamado de hexâmetro datílico. A princípio, cada pé pode ser tanto um dátilo
como um espondeu.

Uma ressalva: A última sílaba não deve ser medida: mesmo que for breve, contará como longa,
porque a pausa de final de verso a completa. Com isso, o sexto pé é obrigatoriamente um
espondeu.

Exercício: Escandir hexâmetros. O passo-a-passo é este:


1. Aplicar a regra de elisão;
2. Dividir as sílabas;
3. Classificá-las em longas e breves, conforme a regra;
4. Contar os pés.
Em caso de falha, verificar os passos anteriores; considerar a possibilidade de hiato.

5. Pronúncia
Aprender a pronunciar as sílabas com suas diferentes quantidades, harmonizando ainda com o
acento tônico, naturalmente exigirá esforço, mas tenho uma estratégia a sugerir:
1. Recitar hexâmetros datílicos;
2. Recitar outros tipos de verso;
3. Aplicar à prosa.

A idéia é que a regularidade da poesia ajuda bastante. Os hexâmetros já são ricos e variados,
mas depois outros tipos de verso ajudarão a língua a se soltar em seqüências que fogem do
padrão de dátilo/espondeu, e depois na prosa se tenta respeitar o máximo possível as
quantidades, o que fica mais fácil com o tempo.
Quanto ao primeiro passo, recomendo começar recitando só os finais dos versos, que são mais
regulares, e depois tentar emendar o começo com o final.

Com um professor tudo fica bem mais rápido. Um modelo para imitar já ajuda bastante.

Detalhes e dúvidas

Sílabas super-longas
Não existem sílabas "super-longas". Uma sílaba como "scēp" (scēptrum) é simplesmente longa.
De fato, é perfeitamente possível esticar a vogal e pronunciar todas as consoantes no folgado
espaço de tempo de duas sílabas breves. "frāc" (frāctus) deve ser pronunciada com "a" longo,
mas "fac" (factus) com "a" breve (sobrando mais tempo para o "c").

Casos específicos
A palavra "hoc", apesar da ortografia, é etimologicamente "hocc", e portanto sempre vira sílaba
longa. Com o pronome "hic" no nominativo, isto acontece às vezes, por analogia.

Você também pode gostar