Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos
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RESUMO
O estudo da variação linguística deve ser feito de maneira contínua e esclarecedo-
ra a fim de refletir sobre fatores de ordem histórico, social e cultural que influenciam
nas mudanças que ocorrem na linguagem e, consequentemente, podem gerar precon-
ceito com pessoas que utilizam uma determinada variação da língua. O objetivo do
presente artigo é identificar vários metaplasmos que ocorrem na produção de certas
palavras no dialeto caipira e, posteriormente, refletir sobre o preconceito linguístico
que coloca o falante dessa variante em posição de desprestígio. Para isso, partindo de
pressupostos da gramática histórica da língua portuguesa e da Sociolinguística, será
feita a análise de quadrinhos do personagem Chico Bento, desenvolvido por Maurício
de Sousa e disponível na internet.
Palavras-chave:
Metaplasmos. Preconceito Linguístico. Variação Linguística.
ABSTRACT
The study of linguistic variation must be carried out in a continuous and
enlightening way in order to reflect on historical, social and cultural factors that
influence the changes that occur in language and, consequently, can generate prejudice
against people who use a certain language variation. The objective of this article is to
identify several metaplasms that occur in the production of certain words in the caipira
dialect and, later, to reflect on the linguistic prejudice that puts the speaker of this
variant in a position of discredit. For this, based on assumptions of the historical
grammar of the Portuguese language and Sociolinguistics, we will analyze comics of
the character Chico Bento, written by Maurício de Sousa, which are available on the
internet.
Keywords:
Methaplasms. Language prejudice. Language variation.
1. Introdução
A heterogeneidade da língua é algo indiscutível. Diversos aspec-
tos fazem com que a língua esteja em constante mudança e desenvolvi-
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mento. Temos aqui uma mistura de Europa, África, Ásia e Américas, um
pouco de cada cultura, cor de pele e não podia faltar um pouco do traço
de cada falante desses países. Essa mistura faz da nossa língua um objeto
de estudo perfeito, cheio de brechas a serem invadidas e cheia de novas
falas a serem conhecidas. De norte a sul, o Brasil mostra as suas varia-
ções na fala, e nos faz um país rico de histórias, cultura e beleza.
Segundo Câmara Junior (1979), a língua aparece na comunicação
por meio da fala com a qual os homens se comunicam uns com os outros,
e, através desses sons vocais, transmitem ideias, impressões e sentimen-
tos. Ainda segundo o autor, a língua não é homogênea e representa a cul-
tura de um povo.
Na visão de Belini (2004), numa mesma língua, uma mesma pala-
vra pode ser pronunciada de diferentes formas, podendo afetar ou não em
seu léxico. Diferenças lexicais, fonéticas, morfológicas e sintática contri-
buem diretamente para a existência das variações. A língua portuguesa,
assim como outras línguas naturais, apresenta alto grau de diversidade e
de variabilidade que ocorrem por diferentes fatores, podendo variar de
acordo com a região, sexo, nível social e cultural.
Neste sentido, a partir do reconhecimento da natureza viva de uma
língua, a sua variabilidade pode ser, de forma ampla, analisada em duas
dimensões: sincrônica e diacrônica. A primeira dimensão, sincrônica, é
discutida na literatura especializada como variação linguística. Está vari-
ação pode ser motivada por fatores internos à língua, como à diversidade
estrutural e de uso e á fatores extralinguísticos que envolvem a complexa
e dinâmica relação entre usuário, contexto, finalidades e interlocutor. Os
aspectos que influenciam a variação linguística são inúmeros, nos quais
se incluem características sociais, níveis de formalidade, grau de forma-
ção acadêmica, propósito do texto, entre muitos outros. Algumas varian-
tes são consideradas prestigiadas e outras são desprestigiadas. No caso
dos registros, é mais comum que estes sejam vistos como mais ou menos
adequados à situação de uso.
O falante antecede à gramática. A gramática é um registro da lín-
gua, que se faz viva pelos falantes. Dependendo da perspectiva gramati-
cal adotada, descritiva ou prescritiva, busca-se apontar quem teria o papel
central: a gramática normativa ao direcionar o falante? Ou o falante a dar
vida à língua e permitir que essa seja múltipla. No caso dos estudos lin-
guísticos, a abordagem é descritiva. Neste sentido, a gramática registra o
que os falantes realizam com a língua. Quando está em foco uma pers-
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metaplasmos fonológicos comuns entre os falantes de cidades do interior.
Dessa forma, o presente trabalho busca identificar, descrever e
analisar as ocorrências dos metaplasmos nas falas dos personagens Chico
Bento e Cebolinha, demonstrando como as variações linguísticas estão
presentes nos quadrinhos de Mauricio de Sousa, reconhecendo que os
metaplasmos são modificações que as palavras sofreram durante a sua
evolução, sendo essas alterações apenas fonéticas, conservando o signifi-
cado real da palavra.
2. A variação linguística
Entender os fenômenos existentes na fala é de suma importância
para que não haja preconceitos e distinção de uma comunidade por sua
variedade linguística. Estudos sobre variação linguística ajudam a enten-
der a heterogeneidade da língua e a forma na qual a comunicação se es-
tabelece entre os mais diversos grupos de falantes. Para Câmara Junior
(2011), variação é a ―consequência da propriedade da linguagem de nun-
ca ser idêntica em suas formas através da multiplicidade do discurso‖. A
variação linguística é um fenômeno universal e pressupõe a existência de
formas linguísticas alternativas que são denominadas variantes.
Observar a língua como uma atividade social faz com que possa-
mos entendê-la como intrinsecamente heterogênea, instável e que se des-
constrói e reconstrói a todo momento. A variação da fala, muitas vezes, é
vista como um problema a ser solucionado, no entanto, na concepção so-
ciolinguística, as variedades linguísticas não acarretam danos para a uni-
dade da língua, não podendo, dessa forma, seu uso ser ignorado ou re-
primido. José Saramago, escritor português, em um depoimento para o
filme Lìngua: vidas em português, disse: ―Quase me apetece dizer que
não há uma lìngua portuguesa, há lìnguas em português‖. O escritor faz
entender que essa heterogeneidade existente é resultado da sociedade
também heterogênea na qual estamos inseridos.
Segundo F. Tarallo (1986), ―variantes linguìsticas são diversas
maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o
mesmo valor de verdade‖. Este processo acontece porque houve inicial-
mente uma variação. Aceitar esse movimento não uniforme que a língua
desenvolve é acreditar na evolução da língua assim como na evolução
humana. Não podemos, em uma sociedade tão variada, impor a cobrança
de uma língua engessada que cria barreiras de comunicação estabelecen-
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cordo com a região na qual o indivíduo vive. A variação regional surge
com o nascimento de dialetos de uma determinada comunidade de fala,
conforme cada região do país. O fenômeno pode ocorrer em regiões do
país, dentro do mesmo estado e, inclusive, em diferentes áreas geográficas
dentro de um mesmo estado. Uma comunidade rural, por exemplo, utiliza
variações distintas às de uma comunidade urbana dentro de um mesmo
estado.
3. O preconceito linguístico
O preconceito e suas diversas manifestações - preconceito racial,
social, religioso, de gênero, sexual, preconceito físico entre outros, tem
sido abordado em muitos estudos de diversas áreas do conhecimento.
Dentre essas manifestações, no presente trabalho, destaca-se o preconcei-
to linguístico.
Segundo Bortoni-Ricardo (2011) o preconceito é uma questão his-
tórico-social regida por relações de poder. Ele, nada mais é, que, um pré-
julgamento utilizado para estigmatizar algo ou alguém, e pode ocorrer
em diversos âmbitos. A nossa língua, composta de diferentes variações
linguísticas presentes na fala, não fica fora desse julgamento não funda-
mentado e sofre muito com o que conhecemos como preconceito linguís-
tico, que, segundo o Dicionário Houaiss dá-se por:
Qualquer crença sem fundamento científico acerca das línguas e de seus
usuários, como, p.ex., a crença de que existem línguas desenvolvidas e
línguas primitivas, ou de que só a língua das classes cultas possui gramá-
tica, ou de que os povos indígenas da África e da América não possuem
línguas, apenas dialetos. (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa –
ONLINE, verbete preconceito)
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4. Processos fonológicos
A dinamicidade das línguas em se transformar ao longo dos anos
resulta no que denominamos de processos fonológicos. Tal fato se con-
firma diante da pluralidade de línguas que temos em nosso país.
No entanto, o fator histórico não deve ser entendido como único
responsável pelas transformações que ocorrem na língua, uma vez que
elas continuam a ocorrer na atualidade. Nesse sentido Callou e Leite
(2005, p.43) esclarecem que ―os processos que produziram mudanças
históricas são os mesmos que estamos testemunhando a cada momento
hoje.‖.
Botelho e Leite (2005, p. 1) corroboram com esse entendimento
ao destacarem que essas transformações não são simplesmente resultado
da passagem do latim para o português, pois ―como podemos verificar na
língua atual, estes fenômenos continuam agindo e transformando a língua
portuguesa.‖. Os autores ainda apontam que algumas dessas formações
acabam sendo registradas em dicionários, enquanto outras permanecem
apenas em nosso discurso oral.
Na visão de Cagliari (2002), os processos fonológicos dizem res-
peito às ―alterações sonoras que ocorrem nas formas básicas dos morfe-
mas, ao se realizarem foneticamente, são explicadas através de regras que
caracterizam processos fonológicos‖. Tais processos são reconhecidos
como operações mentais aplicadas à fala para converter uma sequência
de sons, com alguma dificuldade específica a uma comunidade de fala, a
uma alternativa idêntica semanticamente, porém com uma estrutura foné-
tica diferente.
A Fonética é a ciência que apresenta os métodos para a descrição,
classificação e transcrição dos sons da fala (Cf. SILVA, 2017). Sendo as-
sim, a fonética faz a descrição real do som emitido pelo falante, levando
em consideração as particularidades de pronúncia de cada indivíduo de
acordo com a comunidade de fala na qual é pertencente.
Para Câmara Junior (2011), a Fonologia configura o estudo dos
fonemas em suas variantes posicionais, combinações e condições prosó-
dicas. Consequentemente, a fonologia faz a interpretação dos resultados
apontados pelas transcrições fonéticas dedicando-se a chegar ao som ide-
al, abstrato, acima das diferenças individuais de cada indivíduo dentro de
sua respectiva comunidade de fala.
Como apontado anteriormente, os processos fonológicos podem
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da palavra. Ex.: cantar > cantá; bobagem >bobage.
C. Metaplasmos por Transposição
Os Metaplasmos por Transposição acontecem pelo deslocamento de posi-
ção de fonemas em um vocábulo ou pela transposição do acento tônico da
palavra.
• Metátese – Transposição de um segmento sonoro em uma mesma sílaba
de um vocábulo. EX.: perguntar > preguntar; perturbação > preturbação
• Hipértese – Transposição de um segmento sonoro de uma sílaba para
outra em um vocábulo. Ex.: bicarbonato > bicabornato, lagartixa > lar-
gatixa
• Hiperbibasmo – Quando acontece o deslocamento do acento tônico.
Quando o acento tônico sofre um recuo no vocábulo, é chamado de Sísto-
le. Ex.: pantâno> pântano; rubrica > rúbrica
Já quando ocorre o avanço do acento tônico no vocábulo chamamos de
Diástole. Ex.: gratuito > gratuíto; opto > opíto.
D. Metaplasmos por Transformação
O fenômeno que ocorre quando um fonema do vocábulo se transforma e
passa a ser outro fonema distinto, no lugar do primeiro, é chamado meta-
plasmo por transformação.
• Vocalização – Ocorre na transformação de uma consoante em vogal.
Ex.: facto > feito; capsa > caixa.
• Consonantização – Na contramão da vocalização, a consonantização
transforma uma vogal em consonante. Ex.: Iesus > Jesus; uita > vida.
• Degeneração – É a transformação do fonema /b/ em fonema /v/. Ex.:
bassoura > vassoura; assobiar > assoviar; arbore > árvore.
• Nasalização – Quando ocorre a transformação de um segmento oral em
nasal. Ex.: aipim > aimpim; ignorante > ingnorante.
• Desnasalização – Inverso a nasalização, um segmento nasal passa a ser
oral. Ex.: luna >lũa > lua; persona > pessoa > pessoa; homem > home;
• Sonorização (ou Lenização) – Caracterizado como a transformação de
um fonema surdo, intervocálico, na consoante sonora homorgânica.
Ex.: acutu > agudo; acetu > azedo.
• Despalatização – Transformação de fonemas palatais em um nasal ou
oral. Ex.: cabeçalho > cabeçálio (ou cabeçário); Paulinho > Paulim.
• Palatização (ou Palatatização) – Ocorre a transformação de um ou mais
segmentos em uma consoante palatal. No português, temos alguns e-
xemplos citados por Bagno (2012):
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ciolinguísticas de todo falante da língua. As marcas linguísticas e sociais
de uma comunidade de fala permite identificá-la e diferenciá-la de ou-
tras. A língua, a sociedade e a cultura são interligadas e as mudanças so-
ciais e culturais são refletidas em sua estrutura linguística.
Imagem 1. Tirinha 1.
Fonte: http://preconceitos-linguisticos.blogspot.com/2012/04/chico-bento.html.
Imagem 2. Tirinha 2.
Fonte: https://br.pinterest.com/pin/610941505703058130/.
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Imagem 3. Tirinha 3.
Fonte: https://cangurunews.com.br/a-turma-da-arvore-e-do-chico-bento-ajudam-voce-a-
plantar-uma-arvore/.
6. Considerações finais
Compreender a importância das variações linguísticas auxilia no
processo de aceitação da cultura de um povo e colabora com diminuição
do preconceito linguístico.
Nas tirinhas de Chico Bento, de Mauricio de Souza, encontramos
algumas variações reconhecidas por grande parcela da população como
pertencente ao falar ―caipira‖. As histórias servem para mostrar que cada
comunidade de fala possui sua particularidade e seus falantes não podem
sofrer preconceitos, pois fazem parte de um país de amplitudes continen-
tais.
É importante reconhecer o caráter heterogêneo da língua para per-
ceber as particularidades de cada comunidade de fala, entendendo que as
variações praticadas por esses falantes não podem ser estigmatizadas ou
menospreza pois refletem a identidade de uma parte da população brasi-
leira. Além disso, esse reconhecimento permite compreender que há fato-
res internos e externos à língua que influenciam os diferentes falares. A
diversidade linguística segue a gramática interna da língua e também é
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