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Complexidade e Mito em "Lúcifer"

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COMPLEXIDADE NARRATIVA: A SÉRIE “LÚCIFER” E AS PERCEPÇÕES DO

MITO DO DIABO
Valtyennya Campos Pires1
Robéria Nádia Araújo Nascimento2

Resumo
O texto aborda uma pesquisa em andamento3 sobre a série americana Lucifer (criada pela
Warner Bros e exibida no Universal Channel) destacando sua complexidade narrativa, que
alia suspense e humor parodiando o mito do Diabo no imaginário cultural. Os fãs se
manifestam sobre a produção através do site www.luciferbrasil.com.br dedicado aos
espectadores da trama. Informações sobre o enredo e interlocuções de jovens receptores
repercutem os episódios configurando o fenômeno midiático da sociedade contemporânea
denominado “cultura de séries”.
Palavras-chave: Série televisiva; Complexidade narrativa; Imaginário cultural.

INTRODUÇÃO
A figura mítica do Diabo constitui uma representação popular que transcende os
escritos de cunho religioso. A ação de representar, de acordo com Chartier (2002), implica
a construção de uma imagem social que permite uma relação decifrável sobre seus
significados. Nessa ótica, a historicidade e a cultura são as instâncias que viabilizam a
criação de signos que se padronizam coletivamente nos sistemas simbólicos de uma dada
sociedade. A menção ao demônio é submetida, então, às repercussões dos mitos coletivos
que o associam à prática do mal.

1
Aluna do Curso de Jornalismo da UEPB. Bolsista de Iniciação Científica (UEPB). E-mail:
[email protected].
2
Professora do Curso de Jornalismo da UEPB. Doutora em Educação (UFPB). Orientadora da Pesquisa. E-
mail: [email protected].
3
Intitulada “Narrativas místicas: ressonâncias, simbologias e arquétipos da série Lucifer” (PIBIC
2018/2019).

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Os textos bíblicos, em particular o Apocalipse e seus heterônimos, se reportam ao


personagem através da menção ao Anjo Satã, um ser decaído que perdeu o céu e encontrou
o inferno. O assédio sofrido por Jesus no deserto, narrado pelos evangelistas, também é um
dos fragmentos das escrituras que mais repercutem essa representação em diversas crenças
que, por extensão, influenciam os mitos sociais. Na história cristã da criação do mundo, a
serpente que tentou Eva no paraíso é vista como a manifestação desse ser. Assim, a partir
do Novo Testamento, propagou-se a mística dessa simbologia em diferentes culturas
ocidentais, através de uma derivação do termo grego “diabolos”. Portanto, no imaginário
cristão, o Diabo é o responsável por desvirtuar os indivíduos dos princípios do bem.
Na cultura popular, sobretudo nas páginas dos folhetos de cordel, o “Senhor das
Trevas” é um tema recorrente, uma vez que os feitos do mal mobilizam a imaginação dos
leitores, por meio de narrativas que traduzem mistérios e simbologias. Magalhães et al
(2012) explicam que esse repertório cultural agrega diversas lendas sobre a concessão de
benefícios do Diabo aos humanos, como riqueza e poder, mas que, em contrapartida,
também exigiam a alma dos indivíduos.
Segundo os autores, a figura do diabo, na representação do inimigo cristão, sempre
foi envolta por uma atmosfera místico-religiosa, configurando o motivo que instigou a caça
católica às bruxas no cenário histórico da Idade Média. Nesse período, muitas mulheres
foram mortas por trazerem nos corpos “marcas do diabo” que as condenavam previamente
em razão de supostos pactos de sangue com essa entidade.
Estabelecendo uma fronteira com essas referências, que ativam o imaginário
popular, a série americana Lucifer, produzida por Tom Kapinos, teve início em 25 de
janeiro de 2016, e sua terceira temporada estreou em 16 de maio de 20184. Além de
investir num argumento criativo, a trama mobiliza nuances de mistério, crime, terror e
fantasia destacando-se como um gênero policial “híbrido”, já que se baseia nas histórias de
investigação e suspense.
Através da paródia e da comédia, Lucifer produz uma inversão do terror numa
paráfrase dos mistérios que cercam o ser do mal. Caracteriza-se pela complexidade
narrativa agregando episódios não lineares e efeitos técnico-estéticos sofisticados. Lopes
(2012) evidencia que esse novo formato gera ciclos de interação e engajamento entre os

4
Em 11 de Maio de 2018, a série foi cancelada pela Fox. No entanto, um mês depois do anúncio de
cancelamento, a Netflix adquiriu os direitos autorais e produziu uma quarta temporada de dez episódios, cujo
lançamento ficou para 2019.

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espectadores que, juntos, alimentam a “cultura de séries”: um fenômeno de entretenimento


heterogêneo, cuja audiência não apenas assiste a programas de televisão, mas também
elabora conteúdos relativos à ficção e/ou assume postura crítica frente aos produtos,
opinando e criando comunidades on line para expressar seus julgamentos. Essa
reverberação coletiva, enfatizada, sobretudo, pela recepção ativa da juventude, é um
termômetro que detecta o grau de aceitação e sucesso das teleficções contemporâneas
sustentando suas continuidades.
Lucifer está disponível nos canais por assinatura, assim como também no Youtube e
na Netflix5, espaços de maior ressonância e acessibilidade, uma vez que a ambiência digital
da internet midiatiza as teleficções em nível global, permitindo ao público assistir aos
episódios e produzir interlocuções com os conteúdos. Situando a série como objeto de
exemplificação desse contexto, destacamos o fã-site oficial Lucifer Brasil,
www.luciferbrasil.com.br, que é administrado e atualizado pelos espectadores da trama.

PROBLEMATIZAÇÃO
As comunidades de fãs e suas estratégias de engajamento expandem a cadeia dos
veículos de comunicação que gravitam em função do gênero audiovisual. De acordo com
Silva (2014), um novo movimento cultural é delineado junto ao público receptor da
teleficção que passa a ser caracterizado “pela criação de espaços noticiosos e críticos,
vinculados ou não a veículos oficiais de comunicação, como grandes jornais e revistas, que
se mantêm focados nas séries de TV” (SILVA, 2014, p. 243).
Lucifer representa esse novo cenário subvertendo os clichês do melodrama através
das diferentes relações de comunicabilidade sugeridas pelo título. A série é inspirada nos
quadrinhos do selo Vertigo (uma divisão da DC Comics), numa coprodução da Warner
Bros TV, DC Comics e Jerry Bruckheimer Television, com Tom Ellis no papel-título.
O início da narrativa mostra Lucifer Morningstar entediado e infeliz no inferno, o
que o faz renunciar ao seu trono e optar pela terra, especificamente por Los Angeles,
Califórnia, nos Estados Unidos. Nessa cidade frenética, ele planeja um período de férias,
mas prolonga sua estadia e se torna um empresário da noite, famoso e bem sucedido, ao

5
Fundada em 1997, nos Estados Unidos, é uma provedora global de filmes e séries de televisão via
streaming, que atualmente registra mais de 100 milhões de assinantes. Streaming é um formato de
distribuição digital de fluxo contínuo. A difusão de dados é multimídia e ocorre através de uma rede de
conteúdos pela internet que pode ser armazenada pelos usuários em seus próprios computadores para
posterior reprodução (MITTEL, 2012).

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abrir o Piano-Bar Lux, com a ajuda de uma aliada demoníaca feroz, chamada Mazikeen
(Lesley-Ann Brandt), que também assume a forma humana e o acompanha na Terra. A
mistura de poder e beleza logo transforma o empresário em objeto de assédio sexual.
No entanto, esse padrão será desafiado pela detetive de homicídios da LAPD Chloe
Dancer (Lauren German), que sente tanto repulsa quanto fascínio por Lucifer, mas resiste a
um envolvimento passional com o homem misterioso, quando este passa a integrar o
departamento de polícia local. No entanto, os métodos de atuação policial do estranho
recém-chegado, no combate aos crimes e na punição dos culpados, são pouco ortodoxos e
as suas habilidades de defesa pessoal são avançadas, somando-se a uma inteligência
sofisticada e a um raciocínio rápido. A junção dessas habilidades causa estranhamento
entre a equipe. A desconfiança do detetive Dan (Kevin Alejandro), parceiro de Chloe, é
evidente, e ele busca desvendar o mistério dessas proezas, sobretudo no que se refere à
competência do “novo colaborador” para extrair os segredos mais ocultos das pessoas
envolvidas nas investigações.
Todos desconhecem a real personalidade de Lucifer e seu poder de destruição, ao
mesmo tempo em que, a contragosto, notam seu empenho no trabalho policial e admiram a
sua capacidade de resolução de mistérios. Esse contexto torna a equipe cada dia mais
dependente das intervenções do protagonista para a elucidação dos casos.
O anjo Amenadiel (D.B. Woodside), seu irmão, é enviado para Los Angeles para
convencer Lucifer a reassumir o seu trono de senhor do inferno e a voltar com ele para o
reino das trevas. Dividido entre ir e ficar, ao conviver com Chloe, que o fascina pela
coragem e beleza, Lucifer vai prolongando sua permanência na cidade.
Todavia, a rejeição contínua de Chloe perturba o equilíbrio emocional de Lucifer,
que não está acostumado a esse tipo de situação, conduzindo o protagonista a fazer análise
com a terapeuta Linda Martin (Rachael Harris) para compreender seu real papel na terra e
sua relação conturbada com a mãe, Charlotte Richards (Tricia Helfer).
A chamada “cultura de séries” reincide através de eventos e “maratonas” dos
produtos ficcionais, quando são tecidas redes de sociabilidade entre grupos de pessoas, nos
momentos de diversão e lazer, multiplicando a sensorialidade dos envolvimentos com os
conteúdos. Maratonas são, na verdade, ações inspiradas no atletismo: sugerem corridas de
longo percurso que exigem grande resistência dos participantes. No contexto ficcional
tanto se refere às programações específicas dos canais, que oferecem episódios das séries
em sequências para promover a recapitulação e beneficiar quem, por ventura, os perdeu;

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como se reporta ao ato de assistir vários episódios seguidos, sem intervalos entre eles, no
horário preferido pelos espectadores, tanto em final de temporada como para rever a série
quantas vezes forem desejadas. Para os fãs, essa tarefa, longe de tirar o fôlego, é uma
prática de fruição prazerosa no contato com as narrativas que avança a cada temporada.
Para Lopes (2004) são eventos que fidelizam a audiência, produzindo, entre os
espectadores, dinâmicas de subjetivação que contagiam diferentes segmentos sociais e
suscitam novas racionalidades no espaço público. Os eventos dos aficionados atraem de
modo significativo a juventude, sempre aberta a novidades possibilitadas pelos dispositivos
digitais de disseminação ficcional.
Sob o viés do humor, a trama de Lucifer retrata uma alquimia da vilania na qual,
paradoxalmente, o protagonista contradiz as expectativas da perversão que lhe são
atribuídas, acionando seus poderes sobrenaturais em favor do bem, para promover uma
justiça social muito particular. Em razão dessa paródia, o vilão-protagonista é um enigma,
pois não se sabe se esse desejo de fazer o bem é sincero ou um artifício para atrair as
pessoas e praticar o mal. Segundo o mito cristão, o “senhor do inferno” é um facilitador de
pactos para a perdição das almas. Que vilão será esse, já que o Diabo da série apresenta um
idealismo utópico similar ao dos mocinhos? Assim, intertextualidades, estereotipias e
apologias dos mitos cristãos são cruzadas resultando, portanto, numa alternância de
registros discursivos que se apropria da seriedade das situações para exibir o seu reverso,
parodiando a realidade (NOGUEIRA, 2010).
Ao tripudiar do “sobrenatural” e de suas questões, Lucifer mantém viva a
simbologia do demônio no imaginário cultural. O imaginário implica, portanto, um
“conjunto das imagens infinitamente heterogêneas existentes na sociedade: ícone, símbolo,
emblema, alegoria, imaginação criadora ou reprodutiva, sonho, mito, delírio” (DURAND,
2002, p. 215). Desse modo, o imaginário cultural é essencialmente identificado com os
mitos, sempre flexíveis a novos significados e transformações sociais.
No entanto, é a complexidade narrativa da série que coloca em questão as
representações coletivas construídas sobre o mito do mal. Os novos formatos de série
agregam características midiáticas adaptadas das novelas, dos filmes, dos videogames e
das histórias em quadrinhos, refinando os novos tratamentos temáticos. A complexidade
narrativa é marcada pelo desenvolvimento de storytelling, que, em sentido literal, remete à
arte de contar boas histórias mobilizando, para isso, técnicas de narração e estratégias
cinematográficas que capturam o foco para os enredos: “A fruição proporcionada por

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narrativas complexas é mais rica e mais multifacetada do que aquela oferecida pela
programação convencional do entretenimento, mais previsível” (MITTEL, 2012, p. 31).
A combinatória de um conjunto de forças históricas opera para transformar a ficção
televisiva, numa prática que começou em 1990, na indústria americana, incorporando as
transformações na indústria midiática, nas tecnologias e no comportamento do público. A
partir disso, como percebe Silva (2014), constata-se a migração de roteiristas, diretores e
atores do cinema mainstream hollywoodiano para a televisão, acrescentando às séries uma
marca distintiva de qualidade que só o cinema poderia oferecer.
Mittel (2012) enumera, então, os aspectos do novo paradigma de séries. O primeiro
concerne à mudança de perspectiva em relação à necessidade de legitimidade do meio
televisivo e o apelo que ele exerce para quem cria. O segundo aspecto concerne à
manipulação cuidadosamente controlada das tramas e personagens, especialmente nas
formas dramática e cômica: o aprofundamento na caracterização dos personagens, a
continuidade do enredo e as variações crescentes a cada episódio.
O crescimento no número de canais a cabo tornou a audiência mais seletiva e
criteriosa, aludindo ao terceiro motivo que explica a complexidade narrativa. As redes de
televisão e seus canais acabaram por reconhecer que o público prefere diversidade
qualitativa: os números dos serviços de video on demand (VOD) só aumentam. Nessa
lógica seletiva, a audiência passa a ser estudada e entendida subjetivamente mais do que já
foi no passado, buscando-se conhecer: quais são suas afinidades? Qual o seu nível
intelectual? Que poder econômico possui? Desde a popularização da transmissão a cabo,
iniciada pelo equipamento de videocassete nos anos 1980, foi ficando evidente a
possibilidade expressiva do controle do espectador sobre a programação, que se torna a
cada dia mais exigente sobre os conteúdos que recebe.

METODOLOGIA
O percurso metodológico deste texto se vincula a uma configuração qualitativa
iniciada por uma revisão de literatura concernente à teleficção nas suas relações
socioculturais, articulando a categoria de imaginário cultural (DURAND, 2002), a acepção
de comédia no gênero ficcional (NOGUEIRA, 2010) e a discussão da complexidade
narrativa (MITTEL, 2010). Entendemos que esses aportes são pertinentes para a
compreensão da série, favorecendo a identificação de suas paródias e paráfrases, além de

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úteis para a verificação da sua ressonância e das suas simbologias no contexto social dos
espectadores observados.
A primeira fase do estudo está sendo marcada por uma Análise de Narrativas
(MOTTA, 2013) para fundamentar o contexto dos episódios e entender os comentários dos
espectadores no site www.luciferbrasil.com.br. Como essa análise ainda está em curso, a
intenção é transmitir neste artigo, de modo preliminar, algumas interlocuções dos fãs da
produção americana. Para a compreensão dos significados desses comentários, são
anexados prints das páginas estudadas, a fim de ilustrar a discussão pretendida. A categoria
teórica de imaginário cultural (DURAND, 2002) constitui o ponto de partida da análise das
mediações selecionadas.
É pela via da linguagem que os indivíduos expressam suas intencionalidades
discursivas e se constituem cognitivamente como sujeitos sociais que interagem com o
mundo atribuindo sentidos aos conteúdos da ficção. Para ilustrar esse contexto, são
analisados cinco comentários de espectadores sobre a construção/interpretação do mito do
Diabo frente à produção americana.
Cada comentário é descrito por meio de uma categoria-chave, relacionada ao tema
abordado. A linguagem é considerada o marcador que define o perfil jovem dos
espectadores, cujas mediações podem sinalizar subjetividades e sensorialidades a respeito
da trama.
Martín-Barbero (2009) nos sugere atrelar a teoria à empiria nas pesquisas sobre
produtos teleficcionais, a fim de acionar a mediação dos seus possíveis significados junto
ao público que os recebe. Dessa forma, parece apropriado registrar as repercussões da série
e apontar os sentidos que ela pode suscitar entre os espectadores.

RESULTADOS
Lúcifer Brasil é um fã-site oficial, administrado por fãs da série. O objetivo é
atualizar e entreter os espectadores, além de possibilitar interação e compartilhamento de
opiniões. As imagens disponibilizadas são reproduções de outros sites. São seis menus
oferecidos para a navegação: o menu “início” apresenta o designer do site e sua identidade
visual. O menu “notícias” informa novidades da série, bastidores e vida pessoal dos
personagens centrais da trama. No menu “fotos” são exibidas imagens de bastidores das
gravações e seus respectivos personagens. No menu “hqs/quadrinhos” são disponibilizados

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arquivos em PDF da editora Vertigo, publicados no ano 2000. No menu “temporadas”,


subdividido em quatro itens (primeira, segunda, terceira e quarta temporadas), os
leitores/espectadores podem assistir episódios (dublados ou legendados) e tecer
comentários sobre os conteúdos. E, por último, o site oferece o menu “contato”, onde os
fãs podem enviar sugestões, críticas, propor parcerias, relatar problemas, indicar melhorias
ou enviar elogios. Eles disponibilizam e-mail e redes sociais para essas finalidades.

Figura 1. Home do site com os menus

Fonte: printscreen realizado pela autora.

O site também possui alguns marcadores para que a navegação seja otimizada. São
eles: episódios, fotos, notícia, sinopse, promos, números e destaque.

Figura 2. Exemplo de um marcador do site (números)

Fonte: printscreen realizado pela autora.

É possível encontrar ainda avaliações dos episódios e comentários dos fãs, de modo
que podemos constatar opiniões acerca do que a série retrata sobre as místicas sagradas.
Pino (2006) argumenta que “o imaginário é o que define a condição humana do homem”
(PINO, 2006, p.47). Nesse sentido, a capacidade criadora do ser humano e suas condições
de existência ocorrem através do imaginário, que se materializa nas relações sociais. Na

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série Lucifer, as questões do “mal” e do “pecado” perpassam as personagens em sua forma


humana, reproduzindo as dualidades e os dilemas dos indivíduos.
Nessa perspectiva, o site é um ambiente propício para críticas e interação com o
público. A partir da observação dos comentários destacados, notamos que grande parte do
público espectador é formado por jovens e adultos de 18 a 30 anos. Nas falas é possível
verificar a ansiedade dos fãs em assistir a série na espera dos lançamentos dos próximos
episódios. Além dessa ressonância, suas visões sobre o “ser diabólico” também são
compartilhadas.

Figura 3. Fãs à espera de novos episódios

Fonte: printscreen realizado pela autora.

Vigotsky (2011) explica que o resultado da imaginação pode representar algo


completamente novo que ganha existência na própria realidade:

Esses produtos da imaginação passaram por uma longa história, que, talvez, deva
ser breve e esquematicamente delineada. [...] Os elementos de que são
construídos foram hauridos da realidade pela pessoa. Internamente, em seu
pensamento, foram submetidos a uma complexa reelaboração, transformando-se
em produto da imaginação. Finalmente, ao se encarnarem, retornam à realidade,
mas já como uma nova força ativa que a modifica. Assim é o círculo completo
da atividade criativa da imaginação (VIGOTSKY, 2011, p. 28-29).

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Figura 4. Fãs comentam sobre os episódios e sobre a aura mística da série

Fonte: printscreen realizado pela autora.

É importante salientar, para fins de análise das paródias, a comicidade presente nos
comentários dos fãs, pois alguns episódios trazem escritos sagrados para sugerir um novo
tipo de abordagem. Lucifer muda o nosso pensamento sobre o “diabo” quando passamos a
enxergá-lo em atos do cotidiano, afinal as “más influências” podem estar em toda parte e,
como no dito popular, “de boas intenções o inferno está cheio”. No comentário abaixo, a
jovem se refere ao amor pelo protagonista parodiando o “amor de Deus”. Nesse sentido, a
fã produz um comentário contagiado pelo lúdico.

Figura 5. Fã faz um trocadilho com uma frase popular

Fonte: printscreen realizado pela autora.

Figura 6. Fã questiona a diferença do Lúcifer bíblico para o Lúcifer fictício

Fonte: printscreen realizado pela autora.

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Em entrevista6 a Juremir Machado e publicado na Revista Famecos, Maffesoli


(2001) declara que o imaginário é algo coletivo. Os sites feitos pelos fãs possibilitam essa
ideia de coletividade através da discussão em grupo, formado por pessoas com interesses
comuns que, juntas, constroem um ambiente apropriado para o imaginário social tomar
forma. “O imaginário é o estado de espírito de um grupo, de um país, de um Estado-nação,
de uma comunidade, etc. O imaginário estabelece vínculo. É cimento social. Logo, se o
imaginário liga, une numa mesma atmosfera, não pode ser individual” (MAFFESOLI,
2001, p. 76).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O site-fã da série Lucifer, intitulado Lúcifer Brasil, permite a troca de saberes,
críticas e informações entre os espectadores e admiradores do enredo americano. É mais
uma plataforma de exibição gratuita7 para as pessoas que não têm acesso aos episódios em
seus lançamentos ou que, por algum motivo, os perderam. O imaginário popular sobre o
diabo, reproduzido pela Igreja, acionou o medo e o misticismo entre muitos fiéis cristãos.
Dessa forma, é interessante observar como o produto televisivo rompe com esses
estereótipos trazendo o mito do mal com ares de “bom sujeito”, capaz de sentir empatia
com o bem. A série faz parte de um fenômeno que conquista milhões de pessoas ao redor
do mundo e, sobretudo, os jovens que dedicam seu tempo para “maratonar” os episódios e
compartilhar informações. Os comentários publicados no site constatam que o
agrupamento de fãs sugere uma mudança comportamental na qual sites e redes sociais
atuam como novos ciclos de interação coletiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHARTIER, Roger. A História cultural: entre práticas e representações. 2a ed. Lisboa:


Difel, 2002.

6
Entrevista concedida a Juremir Machado da Silva, em Paris, em 20 de março de 2001.
7
A série é transmitida pelo canal por assinatura Universal Channel e pelo serviço de streaming Netflix.

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DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins


Fontes, 2002.

LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. “Para uma revisão das identidades coletivas em
tempos de globalização”. In: LOPES, Maria Immacolata Vassalo de (Org.). Telenovela:
internacionalização e interculturalidade. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

LOPES, Maria Immacolata Vassalo de; GÓMEZ, Guillermo Orozco (Orgs.).


Transnacionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos: Anuário Obitel.
Porto Alegre: Sulina, 2012.

MAFFESOLI, M. Apocalipse: opinião pública e opinião publicada. Porto Alegre:


Sulina, 2010.

MAGALHÃES, Antonio Carlos et al. (Orgs). O demoníaco na literatura [online].


Campina Grande: EDUEPB, 2012.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Uma aventura epistemológica. Entrevista concedida a Maria


Immacolata Vassallo de Lopes. Matrizes. São Paulo, v. 2, n. 2, jul./dez. 2009.

MITTEL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea.


Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, jan./jun. 2012.

MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise crítica da narrativa. Brasília: Editora UNB, 2013.

PINO, A. A produção imaginária e a formação do sentido estético. Reflexões úteis para


uma educação humana. Pro-Posições, Campinas, v. 17, n. 2 (50), mai./ago. 2006.

SILVA, Marcel Vieira Barreto. Cultura das séries: forma, contexto e consumo de ficção
seriada na contemporaneidade. Galáxia, São Paulo, n. 27, jun. 2014.

VIGOTSKI, L. S. Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico. São Paulo:


Ática 2011.

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