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PREFÁCIO

Do palco, renasce um poeta.


O alquimista das palavras.
Aquele que transforma um poema em dois.
Uma história em muitos mils.
O mensageiro do caos
traçando linhas reais e desmascarando a famigerada
Democracia racial no Brasil.
Emerson, O poeta de palavra visceral.
E como sentir sua mensagem pelas vísceras? Não há
sentimentos que não transitam pelo sistema digestivo, o
íntimo do nosso ser. A palavra é alimento, produz vida e
também morte, mas os sentimentos são vivos. Todos
eles.
E como digerir as palavras de um ser Afrodiaspórico? As
respostas são múltiplas, feito nós e nossas experiências
de vida.
Conhecedor das estradas, ruas, becos, escadão, vielas,
esquinas e também do aconchego de um lar, o autor
deste livro sabe preparar as palavras de variados
sabores, cozidas no sereno das noites frias, no
quentinho de um corpo que o abraça apertado e no olhar
materno que o acalenta com conselhos sábios.
As palavras de Emerson Poeta Morto, são vivas como
ele mesmo afirma em sua poesia, sua voz atravessa
ruas, morros, bairros, cidades e chega ao nossos
ouvidos como um grito de levante, que nos retira do
lugar, que movimenta nossas vísceras, nosso âmago,
nosso coração. Um grito que nos convida a olharmos
para além das janelas, a sairmos dos nossos portões e
vermos o mundo por uma ótica a partir das
encruzilhadas, com possibilidades mil de experiências,
interpretações e também deglutições, por quê não? Já
que as palavras são alimentos vivos. As páginas deste
livro te conduzirão numa viagem pelas cartografias dos
inúmeros mundos urbanos da Diáspora Negra. Não digo
que será uma viagem fácil de experienciar, a vida tem
sabores múltiplos, por vezes doces, por vezes amargas.
Desejo que com esta viagem encontremos forças e
deixemos a nossa chama da vida bem acesa, em honra
aos que se foram tão cedo, e que essa chama aqueça as
noites frias das calçadas e os quartos sedentos de amor,
saúde e prosperidade. Axé!

Jaiara Dias
Carta

00/00/0000
Estado Intimo, Cidade Dos Motivos
Para : Você

No começo, a escrita era como uma terapia de desabafo,


uma fuga do caos e a revolta criada por uma
adolescência sem minha mãe e o contato precoce com a
morte. Fui afastado do gosto pela leitura por uma
linguagem excludente - ao mesmo tempo - me
encontrei na arte das palavras através do rap. Como os
antigos, o conhecimento e a experiência de vida me foi
entregue pela fala, seja nos conselhos da minha mãe,
nas lições dos mais velhos na rua ou em histórias
rimadas com palavras fora de um padrão. Palavras como
as que eu falo, em meio aos trechos embaixo de alguma
marquise ou nas noites de malokas, eu escrevia entre
linhas tortas de forma “errada” as ideias certas de
algumas histórias, memórias ou revoltas.
Descobri que as palavras podem te tocar, te dar conforto,
trazer incômodo, causar um sorriso e gerar lágrimas. Aos
18, comecei a buscar palavras em várias formas de
leitura, pelos muros e prédios, nos cantos ou em outdoor
e cartazes. Às vezes, em stand-by, nas descobertas de
uma HQ ou na esperança no encontro de escritores que
escrevem de forma livre me fazendo sentir suas
palavras, criando imagem em cada verso, com isso
moldei minha escrita no ponto de vista do conhecimento
nas oratórias que me criaram junto ao acúmulo de novas
palavras e a percepção de que não existe apenas um
jeito de escrever. Coloquei mais do que uma identidade
na escrita: fundi meu DNA, mudei escrever para se
inscrever de todos os sentimentos possíveis com a
palavra. Eu adoro mostrar o incômodo, aquele estalo na
cabeça, um conflito e o questionar.
O Poeta Morto surge no banho de euforia e overdose de
sensações narradas de forma pura, sem esconder cada
toque e palpitar de cada palavra ouvida. Na primeira vez
que assisti um Slam, naquela noite, o desejo de
compartilhar a minha escrita começou a ser regado.
Tremendo, tímido, com as mãos suadas e o medo de
perder a voz, assim foi o início da minha primeira batalha
de Slam e de cara logo no modo Hard - em um palco
com microfone e com muita gente me olhando.
Meu coração a cada palavra falada disparava, mas a
cada descarga de adrenalina que corria pelo meu corpo
causado por poder ver o momento exato do impacto da
minha escrita pelas expressões de rostos desconhecidos
e olhares atentos em cada frase e a espera por cada
verso que saia da minha boca, me trazia a vontade de
quero mais. Ao fim do poema, minhas mãos não
estavam mais suadas, a timidez foi ofuscada, o tremor
agora era diferente e o peito acelerado era de conquista
e satisfação. A competição, na maioria das vezes, era
mais por querer mostrar todas as três poesias que
preparei do que por um pódio. Aprendi a dar valor a
minha escrita, ganhei confiança em dizer que sou um
escritor - este é o meu terceiro livro e tenho orgulho de
dizer isso por que mesmo que ainda hoje - no dia que
escrevi essa carta - ainda não conclui o ensino médio,
mas estou formado na vida que dizem ser exceção e se
mantém constante, com lições como “não nasci rodeada
de livros, nasci rodeada de palavras” de Conceição
Evaristo e “diploma é um pedaço de papel que diz que
você seguiu as regras, deve diminuir distâncias, mas não
te tira da floresta” por Ferréz, que me inspiraram a
buscar e experimentar novas formas de me entregar na
escrita e manifestar a arte da palavra deixando marcas
cravadas.
Me torno Emerson Poeta Morto de escrita viva!
Aprecie e sinta o DNA da minha escrita .

Ass.: Emerson Poeta Morto


PRAZER….

SOU poeta, mas minha INSPIRAÇÃO


Vem da REVOLTA e da dor.
Não! Eu não consigo rimar felicidade, paz e amor.
Essas coisas são tão raras quanto
uma semana sem baculejo
PRA QUEM SOBREVIVE
em meio a rua e o gueto.

Meu poema é tipo O RAP das antigas,


tipo uma seringa que injeta ódio e
FAZ VOCÊ ACORDAR PRA VIDA !

Meus TRECHOS servem PARA


nunca esquecer AQUELES que se foram
Antes mesmo de começar a escrever.
Afinal! Quantos POETAS e MCS, quantas RAINHAS
guerreiras ou princesas
Quantos correria cria ou GRIÔ.

Quantas Cláudia, Luana, Marias Eduardas e Marielle,


quantos DG, Dedé, Ítalo, Marcos Vinícius, João Pedro ou
Amarildos se foram ANTES DE NÓS?
Quando a gente lembra fica mais difícil sorrir! Né?!
Não PODEMOS mais DAR a cara a tapa,
nem pintar O MUNDO SEM DOR.
Já que nem quando eles atravessam
A cabeça de UMA CRIANÇA, eles ouvem
nosso clamor.

Uso os VERSOS pra resistir


declamando dor na sua mente e te
FAZENDO REFLETIR.

Que as ruas da favela se transformem em


cemitérios clandestinos e
A PELE PRETA é o alvo preferido
para se treinar tiro
que a nossa reação seja poética
Ou te cobrindo de bala,
É puro INSTINTO !

Cada palavra é COMO um soco na cara


Para eu nunca ESQUECER que
Trago em cada letra uma lembrança e em CADA
lembrança um CORPO…

Sou Poeta....Morto!

Venho da multidão de poetas mortos massacrados EM


MEIO ÀS CELAS do Carandiru, sou um dos JOVENS
poetas mortos CHACINADOS em uma candelária.
Não, eu não faço parte de uma SOCIEDADE, vim das
ruas e DA favela onde é de MORTE a nossa realidade.
Sou um zumbi guiado por ZUMBI compondo pelas
almas que já não se PODE OUVIR, um mero alquimista
que fez cada gota de suor,
LÁGRIMAS E SANGUE virar letra pra nós não ter que
pegar NAS ESCOPETAS .

Desconhecido
como o corpo de um indigente,
indigesto
como a cara do PRESIDENTE
BRUTAL e doloroso
como a legião de CABOCLOS
QUEIMADOS pelos que contavam escravos como HOJE
se conta às cabeça de gado

TENHO a pior das poesias


declamada com AGONIA
que te leva DESCONFORTO
e não a simpatia
trago a levada de Lampião a Zapata
ou seja, NA CANETA na faca E NA bala
a MINHA VOZ ninguém cala.
Carta I
00/00/0000
Cidade da Mente, Estado Caos
À insuportável ansiedade!

Novamente, escrevo na tentativa de que afaste-se da


minha cabeça e deixe o meu corpo livre. Odeio sua
mania de me sufocar e essa voz enlouquecedora que
faz eu acreditar que tudo pode dar errado. Já te
entreguei minhas unhas, alguns remédios, vários becks
e horas, tantas horas que chega a passar de dia,
tornando-se semanas de uma constante agonia.
Você tem ideia de quantas vezes me vez chorar com sua
palpitação exagerada? Esses tremores insistentes e o
afogamento de sentimentos e dúvidas?
Peço desculpa pela sinceridade, mas eu não aguento
mais você interferindo em cada passo ou trecho da
minha vida. Até em meus sonhos você vem atormentar,
deixando ainda mais exaustiva essa relação.
Quero que me deixe e leve tudo que trouxe contigo,
preciso de espaço para que possa viver novas histórias
para que eu tenha tempo para vencer meus medos e
poder dormir. Atenciosamente suplico mais uma vez que
se vá, e obrigada por nada.

Ass.: Emerson Poeta Morto


FAVELA ROSTO INVISÍVEL

Favelaaa orgulho e lazer…


sim FAVELADO E ORGULHOSO,
MESMO que eu more na beira DO ESGOTO.
Não me INCOMODA subir morro desde moleque
acostumado a trombar com corpo.

Nosso lazer é resistência


a ESSÊNCIA na aparência MARGINAL
incomoda mas virou moda.
A cara fechada de postura ofensiva
que sempre foi forjada
e FORJADO por blindagem de SORRISOS.

O estado cria
que o cria daqui é sempre o suspeito
mesmo quando ele ainda nem saiu do berço.
Idioma PERIFÉRICO, dialética ancestral
GIRO FLEX, ENQUADRO diariamente normal.
Escada,becos e rua
NO ALTO OU NO BAIXO
quem é, sabe por onde da fuga.

A ostentação de sabedoria é EPIDEMIA do mais velho


ao mais novo só tem cabuloso IMORTAL, então treme
BURGUESIA porque
TAMO CHEGANDO E NÃO É MAIS CARNAVAL.
O rosto da rua é comum e marcado
Por efeitos externos,
leva a esperança EM UM olho
e aquele PEDIDO de morte no outro

Nossos ouvidos foram esfolados


POR PALAVRAS como puta, lixo, noia e escória,
o nariz revela o seu medo
CRIADO POR bons costumes
que por mim foi Ignorado
minha boca com FERIDAS
sem expressão entorpecida,
esconde o mais simples sorriso esquecido DE puro
DEVANEIO humano.

ESTE curto momento traz raiva, medo e o desejo


de não ter que viver com o rosto inclinado .
ROSTO COM marcas de LÁGRIMAS e torturas
causadas pelo efeito
desse tal mundo perfeito.
Face QUE SE HUMILHA por pão e moedas, que ainda
acredita EM UMA PRECE!
Seja lá... quem for me escutar... Meu rosto É NEGRO
sabe? Pardo meio amarelado com um pouco daquele
branco manchado,
Você se lembra de mim?
Eu TAVA lá hoje, quando você passou na esquina,
debaixo de uma marquise lá naquele canto do busão que
ninguém quer sentar,
ontem você me viu DEITADO NO CHÃO.
Ironicamente, em frente a uma loja de colchão.
EU SOU aquele que foi queimado vivo,
o que tenta se matar drogado por solidão
e depressão que já nem tem UMA REAÇÃO,
o que tá sendo espancado enquanto você pode ler sobre
aliviado.

Minha pele está cansada,


minha beleza foi apagada,
minha alma completamente sugada,
mastigada,
fatiada e incinerada.

Mas EU ainda SINTO DOR.


tenho faíscas de esperanças,
afinal sou só uma criança!
Você lembra… Você lembra de mim?
Se lembre de mim, talvez assim eu deixe de existir!
Carta II

00/00/0000
Cidade de Tudo, Estado Novo
À Nova masculinidade negra!

Meu amigo, há quanto tempo não nos falamos! Mas


sempre ouço falar de você e lembro de quando
pensávamos que nossa força era ligada a cara seca de
sentimentos e lágrimas. Acreditávamos que quanto mais
enterramos nossas emoções, mais machos seríamos.
Aceitávamos a imagem de brutal e raivoso que nos
destinavam com olhares animalescos fazendo pensar
que éramos igual ou pior que qualquer homem. É claro
que, por muitas vezes, ainda insistimos nos mesmos
erros, isso é novo pra nós como tantas outras coisas
que nos arrancaram e temos que reconstruir,
carregamos a triste singularidade do abandono, dor e a
vida e história regada a violência.
E para poder nos proteger e aos próximos, temos sim
que sermos mais fortes, mas não é preciso fazer isso
sozinho, devemos buscar essa força em coletivo
encontra nossa força num abraço apertado em um beijo
e em uma prosa sobre nós mesmos aceitando todas
emoções e sentimentos .
Na falta de um espelho, que possamos refletir toda luta,
força e afeto de uma matriarca! Dando mais sentido ao
seu nome Nova Masculinidade Negra, nova por ser
imatura, e não inexperiente. Nova por te conhecer há
pouco, e não que você já não existia, e no feminino para
saberem o quanto é poderosa sua existência.
Que “nenhum de nós fique para trás, todos juntos e
unidos.”

Cordialmente, meus parabéns, meus amigos, por mais


um dia de vida!

Ass.: Emerson Poeta Morto


Aquele dia cinza e a maloka.

Dia cinza quebra a rotina.


As ruas vazias fazem dançar o silêncio que parece
estagnar o tempo.
No pensamento sem alimento…
oohh Sofrimento,
essa noite vai ser aquele perrengue.
Vê a cidade ali parada de esquina a esquina.
Portas abaixadas, faz até pensar em liberdade.
Mas logo vem a realidade…
Descendo a rua, vem a barca na minha frente, quase
parando.
Gritou!
O giro flex na minha cara...
Não para, não para, não para!
A minha mente repete angustiada.
Dia molhado e ainda com esculacho,
Tô ferrado!
Me encarando pela janela,
o verme Fardado cospe em minha direção...
Fecho a cara com ódio no olhar.
Posso até apanhar, mas de graça não vai ficar!
O verme sorri debochando, mas não desce da barca.
Afinal, não quer molhar a sua farda.
Um cigarro ajuda a aquecer...
A chuva passa, é hora de se mexer!
Andando pra lá e pra cá, a mente não para.
Nesses dias, é ainda mais difícil manter a sanidade.
Lágrimas rolam e imploram,
Não pela vida, mas pelo fim dela.
Não aguento mais essa é a verdade!
A noite é a pior parte.
Pra esquentar da friaca, só uma cachaça bolada,
que desce a garganta aquecendo o corpo cansado,
que respira aliviado e também amargurado,
por mais um dia assim
Ter passado!

Maloka,
feridas e curas que crescem pelos cantos frios e
escuros da rua maloka
aquele lugar que ninguém
quer passar por perto
pra não se sujar.
Lá!
Onde você não sabe …
não percebe que ali é um lar.

Maloka,
casa de paredes invisíveis
que torna impossível ver que é gente que mora lá.
De criança a ancião,
nosso king size é um pedaço
de papelão!
A minha tela plana é feita
de muros lotados por pichação.
Muitas vezes minha dispensa foi o resto do rango que
você dispensa!
Pensa que só tem noia,
puta e ladrão...
somos poetas, professores, curandeiros, agricultores,
sonhadores, realistas…
na real, o que somos não cabe em uma lista.
Maloka,
quarto sem telhado que deitamos lado a lado,
que quando a chuva cai te faz chorar,
mas também te força a se abraçar, se aconchegar,
esperar e esperar:
a chuva, a bad e até a vida passar!
Não, não temos muita alegria,
se não fosse minha cara de marginal, não sobreviveria!
Porque se você não tem medo de mim,
terá pena ou nojo.
me tornando um alvo fácil, adestrado
e acostumado a aceitar a merda de vida que querem
me dar.
Sou de lá...
cria da Maloka, que sangra, chora e te apavora.
Que grita por respeito e direito,
que se esconde à margem dessa sociedade
que nem percebe que estamos assumindo,
não porque encontramos um lar, mas porque somos o
lixo que o braço do governo vem retirar.

Maloka,
um pedacinho de cada favela,
em pessoas tão belas! Olhem pra ela,
respeitem elas
porque até você pode ter que viver nela!
Carta III
00/00/0000
Cidade da Mente, Estado Caos
Entre o vício e a depressão.

Cotidiano entorpecido por você, a cada trago eu apago,


e te apago, criando segundos de alívio, matando o
tempo e a mente que grita a dor. Inalo tudo ao meu
redor, e no próximo trago levo para o peito as vozes de
agonia e encho o pulmão de desespero.
Sinto que você é causada do acúmulo de dores, medo,
traumas e a minha mania de não se abster em meio ou o
mundo perdido na crueldade, seu efeito é destruidor em
certas doses pode ser fatal, em seu pico faz eu deixar
de me ver, acompanhando de uma sensação de solidão
e tristeza profunda e tudo isso quase sempre em
silêncio. Com ajuda da sociedade - você me diz - ponha
uma cara feliz e sorria, e assim eu faço. Uso máscaras
na tentativa de ser mais sociável, dou um, dois, três,
quatro, cinco…
Goles e respiros em linhas sujas, com mortes, tento de
tudo, mas seu efeito não passa. Afasto de mim a ideia
de acabar com tudo mais rápido, mas a cada minuto,
isso fica mais difícil. Eles falam que você não é real e
ninguém te vê. Eu sei que você tá aqui! Isso me destrói.
Não quero escrever… Não quero ouvir, não quero não
quero sorrir... Não quero conhecer...
Não quero mais viver…
A arte baseada no
futuro real.
A criança que nasce do ódio por nós semeado sempre
vai ser rotulado como cria, menor, correria, vapor
fogueteiro ou contenção varejista de fuga e ilusão que te
anestesia ou até dá inspiração.

Apressados a crescer, impedidos de viver, crianças que


vieram pra ferrar o mundo programadas para morrer,
devolvendo em balas o ódio que foi absorvido como
vitamina D .

No meio da escada, pelas esquinas e cruzamentos


pelos becos ou vielas,
a matemática sistemática engatilhada
nas carga é ensinada,
seja no dia ou na madrugada
Se a pista não tiver molhada,
essa aula eles não falta.
Carreira com a perspectiva de vida
baixa onde a maioria entra para
fortalecer a mãe dentro de casa,
trocando o sorriso de infância
pelo instinto de sobrevivência,
fazendo de tudo que foi dito
como MARGINAL,
resistência!
Portando brinquedo assassino
criado por brancos de boa aparência
pra lucrar na violência.
Alfabetizado na intimidação
formado em verso sangrento
nota máxima no terror,
efeito do reflexo do corpo preto
que cai no gueto
exterminado pelo porco do governo,
que fica rico com o emprego
que mais cria PRISIONEIRO e ENTERRO
de prematuros em meio a guerra fabricada
pra fortalecer a estatística diária na tela,
BIQUEIRA,
CARTÃO POSTAL DO PONTO TURÍSTICO DA
FAVELA.

Sou o futuro que se fortalece


Com ódio e o desejo
Já sei falar, trabalhar, roubar, pedir, fugir
Mas ainda tô aprendendo a sorrir.
Queria saber ler, escrever, brincar,
cantar ou até assobiar, só pra me destacar!

Mas sou comum,


como qualquer outro
Futuro aqui esquecido.
Já entrei e saí várias vezes do sistema.

Me iludiram dizendo que eu teria um lar.


Que alguém iria me amar.
Mas depois da quinta devolução, vi que essa história era
tipo
A do bicho papão
só ilusão!
O desejo de ser normal
Me atormenta todo dia.
E por não poder fazer tudo
o que os outros futuros lembrados podem fazer,
cresço rápido,
perco a esperança.
Sabe aquele sorriso?
Ficou só na lembrança!
Minha expressão vazia,
só traz O sentimento de aceitação.
Aceito os adjetivos que me deram.
Torno tudo aquilo que vocês me impuseram.
Na falta do respeito,
sobrevivo através do seu medo!
A noite e a solidão já não mais me atormentam.
A coragem vem da base do sagrado destilado.
Na madruga sozinho naquela caminhada
Só uma lâmina bem afiada.
De longe vejo o alvo,
um boy bombado
com uma corrente que brilha mais que o céu estrelado.
Sem pensar duas vezes,
meto a mão no cordão.

Encosto a lâmina e grito:


não olha pra traz boyzão!
Corro, corro e corro...
não mais rápido do que os disparos
Caiu no chão alvejado!
Agora sou um futuro acabado,
apagado,
viro passado...
Que foi julgado e executado
por mais um verme desgraçado!!!!
Carta IV

00/00/0000
Cidade do Peito;
Estado Memória:
Para a Força

Você é ancestral, sua força e seus ensinamentos são


aquele sussurro que ainda me mantém de pé. Não
importa como - em espírito ou em memória - só sei que
você ainda tá perto sempre ao meu lado, me alimenta,
me mantém curado, me inclina quando necessário, e até
me cobra com pequenos ou grandes tropeços. Por
vezes, sinto falta de não ter nada além que a sua força
comigo. Às vezes, me falta tudo aquilo que tive que
aprender sozinho.
E o pior, é o que a senhora sempre dizia: “a memória
nunca se rouba, nossa lembrança é eterna”.

Em outras horas, penso que a sua força, e de tudo que


eu preciso, porque o resto eu sempre vou poder achar.
Em minhas lembranças, essa força me mantém curioso
e esperto, e sempre aprendendo como você fez, só que
eu precisei de ajuda, não conseguiria sozinho como
você. Talvez, eu não sou tão forte quanto a senhora, ou
na verdade, eu não preciso ser, graças à senhora.
Sabe o que também sinto falta? Da sua comida, por mais
que tente, nunca fica igual a sua. Acho que nove anos foi
muito pouco tempo pra aprender tudo.
Sinto sua falta, minha força Sônia!

Ass.: Emerson Poeta Morto


O real sentido e o
modo F...

Ser feliz
é não se importar com nada.
Estar bem
é ser insensível a tudo.
Ter esperança
é manter a ilusão.
O sorriso
é uma blindagem venenosa!
O sonho é uma armadilha perigosa.
A saudade
é o despertar do vazio.
A revolta
não passa de um suspiro!
O ódio
é o oxigênio do sangue.
O suor
é o óleo da luta.
A amizade
é um projétil de dois caminhos!
O desespero
é um grito de socorro.
A coragem
é uma gota de insanidade.
A verdade
é um mergulho na hipocrisia.

A humildade
é a essência do saber.
A fama
é uma doutrina de esquecimento.
A gentileza
é puro medo!
O existir
é pura dor!
A justiça me engaiola
O justo me degola.
O estado é genocida,
a pátria é omissa,
o espaço é infinito,
a terra é só dos ricos,
o nativo é esquecido,
o ancestral ainda perseguido!

Favelado
favorito a ser
forjado,
por fantoche
fardado
somos ferrados
forçados a fantasiar felicidade
fissurados por fé
ferramenta pra fabricar força,
a fome forma feridas

físicas que
faz a fera se fortalecer,
falcatrua feito o F.M.I,
a fiança da fama
facilita o fanatismo
faia a fala do filho faminto
farda é farsa
se liga farsista
fascista se falecer
a fênix da favela
a fúria vai florescer a filosofia do fino
filtra o flagelo
a forma frágil por falta de ferro
fez fazer o fim…
a partir daqui
conto/poema
A Noite

Zero, zero, zero e zero se destacava no relógio, no meio da


avenida. E tudo recomeça, um novo dia se inicia, e com ele,
a Noite. Vazios, em meio a rua, somente noturnos trabalham
e comem, bebem e escrevem. Corre, mas ela espera - só
espera - sempre no mesmo ponto.
Já está com as pernas cansadas de ficar na ponta dos pés
Já está cansada de esperar,
já não aguenta os olhares para o seu corpo,
mas ainda não é hora de ir pra casa.
traz no corpo proteção e o sagrado, em seu pescoço leva de
guia a cruz,e na boca - por entre os lábios - uma navalha. E
segura forte a sua bolsa. Afinal, a essa hora, o asfalto é terra
de ninguém e a Noite tem que seguir esperando.
Por um momento, seu olhar parece hipnotizado pelo silêncio
da hora zero. Um olhar que parece uma foto focada ao
longe. Com a percepção de tudo e nada ao mesmo tempo, ela
continua a esperar. Quebrando o silêncio, vem um carro e
para na sua frente. Dentro, um homem branco bem mais velho
que a Noite, que como um comprador em uma feira, olha pra
ela como um produto e só. Ela respira fundo, engole seco...
o motorista faz um sinal chamando, mas algo na mente da
Noite te diz para não ir. Ela então dá dois passos para trás e
diz com a cabeça: não. Um calafrio diferente do que vem na
madrugada toca seu corpo, o cara insiste e lhe mostra
dinheiro, como se só isso bastasse. Mas ela se mantém firme,
lembrando de todas as vezes que não ouviu seus instintos e
se afasta ainda mais. O motorista revoltado joga uma lata de
cerveja em sua direção e solta um grito: sua aberração, e
sorrindo ironicamente, resmungando, nem queria você
mesmo, traveco!
Para a Noite, essas palavras já não ferem tanto depois do
que viu acontecer com sua amiga Estrela...
E ela retorna para aquele olhar hipnotizado com a rotina. Na
cabeça, o conflito de poder estar bem, mesmo que, ainda não
tenha conseguido ir para o trabalho, porém aliviada e com
aquele silêncio só dela, em outro cômodo da mente, o medo
de estar ali sozinha.

O relógio agora mostra que já passou duas horas desse


novo dia, o vento frio da madrugada percorre cada canto que
ela enxerga e por todo seu corpo.
Agora, em sua mente só tem uma mistura de arrependimento
e preocupação de ter deixado seu filho, por mais uma vez,
sozinho. E outro carro se aproxima, e na mente ela repete:
meu pequeno merece um presente, nesse eu vou entrar.
Assim ela vai para o trabalho, que se repete como sempre, a
sua face virada para uma parede vermelha. Aqueles minutos
de espera que parecem horas - em câmera lenta - entre o vai
e vem, sente-se apagando, sufocando com a máscara do
prazer.
O expediente dá uma pausa. Agora ela volta andando pro
ponto, no caminho ela já não aguenta e tira o salto, mas ainda
carrega o cheiro de suor, que mesmo depois do banho não
saiu. Ela se sente impregnada com lembranças amargas. E
como um chamado, um ônibus que vai para sua casa
aparece junto dela em um ponto um pequeno sorriso que
ainda que ainda brilha e dá sinal. Entra o ônibus vazio e
silencioso.
Ela senta na ultima cadeira com a janela aberta, agora sendo
tocada somente pelo vento, segura o sagrado e agradecê...
respira fundo e aproveita aquele silêncio só dela um pouco
mais aconchegante…
Ela é pai, mãe, é o caos, é calmaria, é um sorriso, e às vezes
lágrima, é dia e a Noite .
​O ciclo das cores do desespero

Nasce mais um cria favelado.


Surge mais um predestinado
a sete palmos de chão
ou a ver o sol nascer quadrado.

Não! Esse veio pra vencer,


Venceu!
Chegou aos 13 e não morreu!
Nada mal aos 15 terminou o
fundamental.

Mas não há tempo pra se formar,


já passou da hora de trabalhar.
Acorda, porque as letras não enchem
barriga!

É uma guerra diária entre o


mais fácil e a sobrevivência,
alguns trocados pra me manter
afastado da sina que é a rara, chegada até os 30.

O peito do pé de Pedro é preto!


O peito de Pedro ficou vermelho, no rosto marrom da
mãe de Pedro desce uma gota que transparece seu
desespero
“Pedro, Pedro, oh meu Pedro!”
Ele estudava o dia inteiro, sonhava em ser doutor,
vestir branco e viajar para o estrangeiro.
Com a palma da mão ensopada,
ensanguentada ela gritava, gritava
e alisava seu cabelo “Pedro, Pedro
Oh meu Pedro!”

Vermelho, vermelho,
vermelho no peito do
filho, em suas mãos e no brilho
do giro, aquele giro insistente
que repete a mesma cena na mente.
Primeiro, o flash que de tão rápido
chega ser transparente
em seguida o estouro
que silencia a queda do corpo.

Levando ao grito de “NÃO, NÃO,


NÃO meu filho NÃO!”
outra criança preta no chão, “NÃO”!
Outro suposto suspeito NÃO!

PRETO toda
pele de Pedro.

CINZA era a farda


que alvejava
mais um negro
na quebrada!

não o almejado para o emprego


BRANCO!
Do lençol que cobriu o rosto
de Pedro.
O Pirata

Um passo de cada vez, assim segue o pirata de chinelo


no asfalto, que agora já não está tão quente, e quase
não tem os carros que o apavoram. Essa é a hora para
recolher alguns tesouros amontoados pelos cantos,
empilhados em postes ou transbordando em caixotes
coloridos. Guiando seu próprio barco pelos cantos de um
mar de asfalto, ele segue calmo, a passos lentos,
explorando as pequenas ilhas que vemos apenas como
lixo. Seu barco parece estar pesado, mas para ele isso
não é um problema. Consegue sorrir num trabalho
menosprezado, ignorado e visto como imundo,
ironicamente.
O pirata de chinelo que, às vezes é invisível para a cidade
e para os apressados, faz desaparecer parte do lixo,
aqueles tesouros que só ele enxerga. Mas a magia se
quebrou junto a uma armadilha, dentro de uma das
sacolas da ilha, um caco de espelho, do tamanho de um
dedo, rasga sua mão. Ele segura sua própria mão com
força, seu rosto fica como se trancasse um grito e,
rapidamente, ele começa a respirar como um atleta no
fim de um prova. Nesse momento, ele entra em pause.
Na sua mente, começa a imaginar como cada sacola foi
parar aonde está. O que pode ter dentro de todas elas, e
quantas pessoas criaram aquela ilha. Assim, que a
questão parece ser resolvida, ele se acalma.

O pirata vai para trás do seu barco e pega uma garrafa de


água, lava a mão, e de sua bolsa retira uma faixa e
algumas folhas para fazer um curativo. Essa não seria a
primeira vez e muito menos a última. Ele segue puxando
seu barco com uma mão,sem praguejar por um segundo,
mas com a dor predominando em sua expressão, ele
olha para a lua e sussurra algo só para ela. Encosta o seu
barco, pega uma marmita e senta no meio fio, respira
fundo e observa o vazio. Praticamente sozinho no
asfalto, só consegue ver a criança que bebe e escreve,
um cara correndo e uma moça que sempre espera. O
cara some de sua visão, então ele olha para o relógio da
avenida: É meia noite e um.
O pirata olha para a lua, abre a sua marmita, e sussurra
algo novamente. Coloca seu boné no joelho, e se
alimenta. O dia de trabalho não acabou, mas ele
aproveita ao máximo aquela pausa no mundo. Ele não
leva lixo, ele carrega tesouros. Ele não é sinal de miséria,
ele é uma faísca de esperança. Um trabalhador, um herói.
​Mês de Novembro e o herege

A vida é apenas um sonho


o caminho da morte seria sorte
não estar presente neste presente?
Que derrama veneno do céu
deixando nativos doentes.

O medo da morte é amordaça


que te deixa calado,
é a venda que te mantém cego,
é o alimento do tormento,
que torna rotineiro o rabecão-negreiro,
que carrega aqueles que serão lembrados
no próximo mês de novembro.

Soltem Barrabás, soltem Barrabás!


Mas o Bozo disse que traz a paz,
a paz para quem paga
para aqueles de pele bem clara .

Soltem Barrabás...
mas o bozo falou
quem não tem pecado
que atire a primeira pedra,
atira de AK
que é pra não errar.

Soltem Barrabás...
mas gente o bozo é família, é amor,
Isso dentro de um quadrado,
fora disso você vai ser
caçado e torturado.
Sim, soltem Barrabás!
Porque ele é só mais um pretoque foi encarcerado.
Já, seu Messias se transformou em mito
que não curti debate, prefere grito
e fecha com milícia de assassino
que executa mulheres
como Maria Eduarda,
Claudia, Luana, Aghata Felix, Marielle.

Movido pelo quarto


pecado capital
seus discípulos aplicam
a pena capital
com mãos armadas
ao som de panela
e portanto blusa
verde amarela.

Soltem Barrabás, soltem Barrabás!


Mas moço, o Bozo é gente de bem,
do tipo que usa colarinho, manto e capuz BRANCO!
Crente que pelo bezerro e o ouro
mata rio e destrói terra e povo.

Soltem Barrabás...
que inspirado por cidade de Deus roubou
o caminhão de gás,melhor que seu salvador
que se inspira em carrasco e saúda torturador.
Soltem Barrabás e avisa que,
bandido bom é bandido morto,
já que bandido ruim se elege com base na violência
chega até a presidência.
O Tempo

O tempo passa como se estivesse pelado, só


enxergamos seu corpo negro preenchendo o vazio e a
calmaria da cidade. Ele corre pelas ruas escuras,
atravessando as esquinas, sem nem olhar para o lado.
Ele está atrasado, vai perder o último ônibus. É possível
ouvir sua respiração ofegante, sua presença se nota,
mesmo de longe, com a cidade quase estagnada e ele
em constante movimento.
O tempo corre assustado, sem nem olhar para trás. A
calçada é só sua, são poucos os que não desviam do
seu caminho. Corre fugindo do cárcere, foge dos olhares
e expectativas, ele corre como se estivesse procurando
uma saída, como se ali não fosse seu lugar, corre para
voltar para casa.
O tempo corre, é uma criança livre brincando de pique,
corre ,tipo quando um filho escuta o chamado de sua
mãe, corre como se ele tivesse quebrado uma janela. O
tempo corre para salvar alguém, ele corre para se
despedir de um amigo. Ele corre para encontrar o seu
amor. O tempo corre para entregar uma notícia, corre
porque quer chegar antes da chuva, ele corre feroz -
como uma onça tentando sair de uma queimada na mata
- corre rápido como uma presa, ele corre atento como um
caçador.
O tempo corre focado, é um atleta em seu treino, marca
cada sequência de seus passos acelerados. Calcanhar,
peito do pé e dedos. Calcanhar, peito do pé e dedos em
um compasso, criando um ritmo ditado pelos batimentos
do seu coração e o encontro do pé com o chão, do seu
lado o próprio reflexo, (h)ora adiantado, (h)ora
ultrapassado nas paredes de espelho, ele corre olhando
para seu relógio, em uma disputa do tempo contra o
tempo, em uma maratona numa pista do paradoxo de
sua existência.
O tempo corre pra ser um dos primeiros na fila do posto
de saúde, ele corre pra não perder uma chance, corre
como se fosse a última vaga de emprego. O tempo corre
para ver o mar, corre para se acalmar. Ele corre para
sentir o vento, corre para não revidar. O tempo corre para
buscar o futuro, corre para se distanciar do passado.
O tempo corre apreensivo com o giroflex que se
aproxima, ele corre para viver, corre para atrasar a morte.
O tempo cruza a avenida no momento exato que o
relógio zera e o ontem vira hoje, ele corre passa pela
moça que espera e some assim como apareceu aos
poucos, sozinho e modificando o cenário do asfalto
parado, deixando a pergunta, afinal, quantos contos
cabem no corpo de um jovem negro que corre no meio
da noite?
​A VISÃO DE UM ABA RETA SONHADOR

A aba reta
que esconde a expressão
é pra malocar Frustração
gerando uma postura
de intimidação.

Para prevenir seu olhar de superior


pra bater de frente
ou simplesmente pelo terror.

Aquele medo que parece respeito


é melhor que a pena ou o nojo
que sai da bola do seu olho.
A aba reta que esconde
meu olhar
me força a andar
com cabeça pra CIMA.

É como dona Sônia dizia:


"Sempre vão te pôr pra baixo
Mas a cabeça e o corpo erguido
é o que destrói seus inimigos”.

Prefiro suas mãos


protegendo sua bolsa
do que com chicote
sangrando meu corpo.

Sou mais seu desvio de caminho


do que a catequização e
seu genocídio.

Porque a corrente
que trancava meu pé
dei um banho de prata e ouro
e pendurei no pescoço.

Trago mais que uma postura marginal,


é uma tática ancestral,
onde pintura e adereço no corpo,
vem pra afastar o mal.

Ando com marcas que pra você tem valor


pra vê se me dão algum valor,
a lógica que torna rotineiro o baculejo do aba reta
de corpo negro, é a mesma que aceita o estupro
Por que as mina usa short curto.

Seu medo e sua ação encarcera o


aba reta por "parecer ladrão"
mais deixa livre o assassino
que veste gravata por ser patrão.

A aba reta de quem é favela


até parece que vem com uma peça
mas o paletó e a gravata que te faz promessa
é que vem com caneta para assaltar
e matar gente preta periférica !

É como Tio Bill já perguntou !


"quem é mais bandido
Beira Mar ou Sérgio Naya…"
só que mano antes de responder lembra
qual deles mais parece com você .

Eu tive um sonho,um sonho, onde as HKS


viraram HQS onde o cria chega a griô,
e todas as berettas foram trocadas por
canetas.

Eu tive um sonho , onde a função de 33


picha muro e ensina xadrez, e o status de 157
vem com porte de livro pesado pique advogado,
com aquele enquadro de câmera portátil.

É um sonho!
Onde minha mãe ainda tá viva,
e Dedé voltou para casa com o seu pão,
onde Maria Eduarda chegou da escola,
um sonho onde não tem gaiola,
nem pra preto e nem pra pássaro,
e quem você ama e em quê você crê
não te faz morrer.

Eu tive um sonho
onde não se mora na rua,
e não se escraviza,
onde não tem milícia, nem polícia
e o tráfico é de informação,
onde a ABL implorou por dona Conceição
e a bala perdida é só de galinha gorda
em dia de Cosme e Damião.

Um sonho onde a nossa história não foi apagada,


e o irmão nativo não é chacinado por herói
que vira estátua,
e a pátria que desacata
e mata criança preta na quebrada,
foi extinta por uma Rosa matriarca.

Eu tive um sonho
do tipo que você não quer parar de sonhar,
mas acordei!
Acordei na realidade
que guarda chuva vira fuzil,
Pinho sol era molotov,
furadeira vira pistola
e celular qualquer revólver,

Realidade onde o saco de pipoca tem droga,


e o uniforme da escola
mais parece ímã de chumbo nas costas,
acordei na realidadeque fez Amarildo desaparecer,
rio falecer,
fascista se eleger
e bebê ser atingido na barriga da mãe
antes mesmo de nascer.

Acordei na realidade que arrasta Cláudia no asfalto,


que cinco pretinhos no carro merecem ser fuzilados,
que executa menor
mesmo depois de baleado e algemado,
realidade onde as cordas viraram joelhos
que insistem em nos sufocar,
onde bandido bom é bandido morto
desde que ele seja do morro.

Acordei na realidade escrota


que expõe corpo na hora do almoço ,
que a cada 23 minutos
eles calam mais um neguin,
para não ouvir outro King gritar
“I have a dream”.
A História

Sentada em um king size de papelão, bebendo o resto de


alguma festa, tão nova e frágil quanto a humanidade. Eu
sou a História, a cada gole para me aquecer, um trecho,
uma vida começa ou termina em mim. Cresci falando,
hoje sem voz, escrevo pelas paredes, compartilho em
telas e me guardo no papel. Muitas outras Histórias
vieram antes de mim - tantas outras estão do meu lado -
silenciada, marcada, pintada desenhada ou garranchada.

Eu sou a História que conhece a fome e conversa com a


morte, fui criada pelos que perderam suas terras, a
liberdade, suas vidas e a própria história. Eu sou a
História dessa avenida, mais uma dos noturnos, que
podem até virar filme que você pode ler nesse livro e
mesmo assim por muitos vamos ser esquecidos, eu vi a
guerra e todos os seus nomes. Senti estouros de alegria
guiados por vitórias, e ritmadas na euforia de um
carnaval, escuto as multidões embaladas ao toque dos
tambores e no arranhar das casacas.
Tenho o álcool e escrita como companhia, escolhi
escrever sobre a força da Noite te dei um nome narrei
sua luta, seus motivos, alívios e o seu lindo sorriso,
transformei um trabalhador que quase sempre é invisível,
em um Pirata, um verdadeiro herói, eu vi e te mostrei
todas as versões do jovem Tempo.

Eu sou a História inspirada pelo real e amenizada com


fantasia, embriagada e tenho um caso com a poesia, sou
a História que não foi aceita na literatura, mesmo às
vezes sendo escrita com as normas da academia. Meu
ponto de vista é literalmente marginal, ganho esperança
e conhecimento numa verdadeira aula declamada por
outras histórias em rodas de sarau, sou curada no grito e
performance ditada com palavras de tirar o fôlego no
encanto e força de uma competição de slam. Eu sou a
História em linhas tortas, vivo nas ruas retas, descanso
em esquinas, me protejo em cruzamentos, eu sou a
História que mesmo não sendo a lápis, a qualquer
momento posso ser apagada.
Eu sou a História que não está na história .

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