Uma Historia (Muito) Curta Da V - Henry Gee

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HENRY GEE

Uma história (muito) curta


da vida na Terra
4,6 bilhões de anos em doze capítulos (!)

Tradução do inglês por


GILBERTO STAM
Sumário

Capa
Folha de rosto
Sumário
Primeira linha do tempo — Terra no universo
Crônicas de fogo e gelo
Segunda linha do tempo — A vida na Terra
Congregação dos animais
Terceira linha do tempo — Vida complexa
Surge a coluna vertebral
Terra adentro
À luta, amniotas
Triassic Park
Dinossauros em pleno voo
Esses mamíferos magníficos
Quarta linha do tempo — A era dos mamíferos
Planeta dos macacos
Quinta linha do tempo — Surgem os humanos
Pelo mundo todo
Sexta linha do tempo — Homo sapiens
O fim da Pré-História
O passado do futuro
Epílogo
SUGESTÕES DE LEITURA
AGRADECIMENTOS
NOTAS
ÍNDICE REMISSIVO
SOBRE O AUTOR
À memória de Jenny Clack (1947-2020),
mentora e amiga
Crônicas de fogo e gelo

Era uma vez uma estrela gigante que estava morrendo. Ela estivera
queimando por milhões de anos; agora a fornalha de fusão em seu
núcleo ficara sem combustível para queimar. A estrela gerou a energia
de que necessitava para brilhar por meio da fusão de átomos de
hidrogênio, produzindo hélio. A energia gerada pela fusão não servia
apenas para fazer a estrela brilhar. Era vital para contrabalançar sua
própria gravidade, que puxava tudo para o centro. Quando o
suprimento de hidrogênio diminuiu, ela passou a fundir hélio,
formando átomos de elementos mais pesados, como carbono e
oxigênio. A essa altura, porém, a estrela quase não tinha mais o que
queimar.
Chegou o dia em que todo o combustível acabou. A gravidade
venceu a batalha: a estrela implodiu. Após milhões de anos
queimando, o colapso aconteceu em uma fração de segundo. Ela
reagiu de forma tão explosiva que iluminou o universo — formava-se
uma supernova. Qualquer vida que pudesse ter existido no sistema
planetário da estrela foi aniquilada. Mas do cataclisma de sua morte
nasceram as sementes de algo novo. Por toda parte, elementos
químicos ainda mais pesados, forjados nos momentos finais da vida do
astro — silício, níquel, enxofre e ferro —, foram espalhados pela
explosão.
Milhões de anos depois, a onda de choque gravitacional da
explosão da supernova atravessou uma nuvem de gás, poeira e gelo. O
esticar e encolher dessa onda fizeram com que a nuvem ruísse sobre si
mesma — e, enquanto se contraía, ela começava a girar. A força da
gravidade comprimiu o gás no centro da nuvem com tanta força que os
átomos começaram a se fundir. Os átomos de hidrogênio formaram
hélio, criando luz e calor. Estava completo o ciclo da vida estelar. Da
morte de uma antiga estrela surgiu outra, fresca e nova — o nosso Sol.

A nuvem de gás, poeira e gelo foi enriquecida com os elementos


criados na supernova. Gerou um redemoinho em torno do novo Sol,
depois coagulou, formando um sistema de planetas. Um deles é a nossa
Terra. A Terra infante era muito diferente da que conhecemos hoje.
Para nós, aquela atmosfera teria sido uma névoa tóxica de metano,
dióxido de carbono, vapor de água e hidrogênio. A superfície era um
oceano de lava derretida, perpetuamente agitado pelo impacto de
asteroides, cometas e até de outros planetas. Um deles, Theia, era um
planeta mais ou menos do mesmo tamanho de Marte hoje.1 Theia
atingiu a Terra de raspão e se desintegrou. A colisão lançou grande
parte da superfície da Terra no espaço numa explosão. Assim, por
alguns milhões de anos, nosso planeta teve anéis, como Saturno.
Afinal, os anéis se uniram para criar outro mundo novo — a Lua.2
Tudo isso aconteceu cerca de 4 600 000 000 (4,6 bilhões) de anos
atrás.
Milhões de anos se passaram. Chegou o dia em que a Terra esfriara
o suficiente para que o vapor de água na atmosfera se condensasse e
caísse na forma de chuva. E choveu por milhões de anos, o suficiente
para criar os primeiros oceanos. E tudo o que havia eram oceanos —
não havia terra firme. A Terra, que fora uma bola de fogo, tornou-se
um mundo de água. Mas isso não significava que as coisas estivessem
mais calmas: naquela época, a Terra girava mais rápido em torno de
seu eixo do que hoje, e a nova Lua pairava ameaçadora logo acima do
horizonte escuro, fazendo de cada maré um tsunâmi.

Um planeta é mais que um amontoado de rochas. Com o tempo, todo


planeta com algumas centenas de quilômetros de diâmetro vai
ganhando camadas. Materiais menos densos, como alumínio, silício e
oxigênio, combinam-se em uma fina faixa de rochas perto da
superfície. Materiais mais densos, como níquel e ferro, afundam até o
núcleo. Hoje, o núcleo da Terra é uma bola de metal líquido em
constante rotação. O núcleo se mantém quente por causa da gravidade
e do decaimento de elementos radioativos pesados, como o urânio,
forjados nos momentos finais da antiga supernova. Como a Terra gira,
um campo magnético é gerado no núcleo dela. Seus tentáculos
atravessam o planeta e se estendem até o espaço. Esse campo
magnético nos protege do vento solar, uma tempestade constante de
partículas de energia emitidas pelo Sol. Essas partículas, carregadas
eletricamente, são repelidas pelo campo magnético da Terra e rebatem
ou fluem ao redor do nosso planeta e em direção ao espaço.
O calor da Terra, irradiado para fora do núcleo derretido, mantém
o planeta sempre em ebulição, como uma panela de água fervendo em
um fogão. O calor que sobe à superfície amolece as camadas
superiores e fragmenta a crosta, que é menos densa, mas mais sólida,
forçando suas peças a se separarem e criando oceanos novos entre
elas. Essas peças, as placas tectônicas, estão sempre em movimento.
Elas se esbarram, se ladeiam ou resvalam uma por cima da outra. Essa
movimentação, por sua vez, esculpe trincheiras profundas no fundo
do oceano e eleva montanhas bem acima de sua superfície. Provoca
terremotos e erupções vulcânicas. Constrói novos territórios.
Conforme as montanhas nuas se projetavam na direção do céu,
grandes porções da crosta eram sugadas de volta às profundezas em
fossas oceânicas nas bordas das placas tectônicas. Carregada de
sedimentos e água, essa crosta era levada para o fundo da Terra —
apenas para retornar à superfície assumindo novas formas. O lodo do
fundo do mar nas franjas dos continentes desaparecidos pode, depois
de centenas de milhões de anos, ressurgir em erupções vulcânicas3 ou
ser transformado em diamantes.

Em meio a todas essas catástrofes, surgiu a vida. Foram o tumulto e a


calamidade que a alimentaram, cultivaram, fizeram com que se
desenvolvesse e expandisse. A vida evoluiu nas regiões mais profundas
do oceano, onde as bordas das placas tectônicas mergulhavam na
crosta; e onde jatos de água fervente, ricos em minerais e sob extrema
pressão, jorravam das rachaduras abissais.
Os primeiros seres vivos não passavam de membranas espumosas
em fendas rochosas microscópicas. Eles se formaram quando as
correntes marítimas ascendentes se tornaram turbulentas e se
transformaram em redemoinhos que, ao perder energia, despejaram
sua carga de detritos ricos em minerais4 em frestas e poros das rochas.
Essas membranas eram imperfeitas, semelhantes a peneiras, e
permitiam que algumas substâncias as atravessassem, mas outras não.
Embora fossem porosas, o ambiente dentro delas se tornou mais
calmo e mais ordenado que o turbilhão furioso do lado de fora. Uma
cabana de madeira com teto e paredes ainda é um refúgio da ventania
ártica lá fora, ainda que sua porta bata e suas janelas tremam. As
membranas fizeram de sua permeabilidade uma virtude, usando
fendas como porta de entrada para energia e nutrientes e como saída
para eliminar resíduos.5
Protegidos do clamor químico do mundo exterior, esses pequenos
reservatórios eram abrigos ordenados. Lentamente, eles refinaram a
geração de energia, usando-a para fazer brotar pequenas bolhas, cada
uma delas envolta em sua própria porção da membrana principal. No
início, isso aconteceu de forma aleatória, mas gradualmente se tornou
mais previsível, como resultado do desenvolvimento de um modelo
químico interno que poderia ser copiado e passado para novas
gerações de bolhas formadas por membranas. Isso garantia que elas
fossem cópias mais ou menos fiéis de seus antecessores. As bolhas
mais eficientes começaram a prosperar à custa das menos ordenadas.
Essas bolhas simples estavam às portas da vida, uma vez que
encontraram uma maneira de interromper — ainda que de forma
temporária e com grande esforço — o aumento inexorável da entropia
— a quantidade de desordem no universo. Essa é uma propriedade
essencial da vida. Essas células espumosas como bolha de sabão eram
como minúsculos punhos cerrados desafiando o mundo sem vida.6

Talvez a coisa mais incrível sobre a vida — além de sua própria


existência — seja a rapidez com que ela começou. Ela surgiu apenas
100 milhões de anos depois que o planeta se formou, em profundezas
vulcânicas, quando a jovem Terra ainda era bombardeada por corpos
celestes grandes o suficiente para criar as maiores crateras da Lua.7
Há 3,7 bilhões de anos, a vi­da saiu da escuridão permanente das
profundezas do oceano e se espalhou pelas águas superficiais
iluminadas pelo Sol.8 Há 3,4 bilhões de anos, os seres vivos
começaram a se aglomerar aos trilhões para criar recifes, estruturas
visíveis do espaço.9 A vida na Terra chegou com força total.
No entanto, esses recifes não eram compostos de corais — que só
apareceriam quase 3 bilhões de anos depois. Eles consistiam em fios
esverdeados, finos como cabelo, e pompons de limo feitos de
organismos microscópicos chamados cianobactérias (fig. 1) — as
mesmas criaturas que formam hoje aquela espuma verde azulada em
lagoas. Essas bactérias se espalhavam em finas camadas sobre as
rochas e o leito do mar, apenas para serem cobertas pela areia na
próxima tempestade: mas conquistavam o espaço de novo e,
enterradas mais uma vez, formavam montes com camadas de lodo e
sedimentos. Essas massas em forma de almofada, conhecidas como
estromatólitos, se tornariam a forma de vida mais bem-sucedida e
duradoura que já existiu no planeta — os governantes absolutos do
mundo por 3 bilhões de anos.10
A vida começou em um mundo quente,11 mas sem nenhum som além
do vento e do mar. O vento agitava um ar quase totalmente livre de
oxigênio. Sem a camada protetora de ozônio na atmosfera superior, os
raios ultravioletas do Sol esterilizavam tudo o que estava acima da
superfície do mar ou submerso a poucos centímetros de profundidade.
Como forma de defesa, as colônias de cianobactérias desenvolveram
pigmentos para absorver esses raios nocivos. A energia absorvida
poderia ser posta para funcionar, e as cianobactérias a usavam para
promover reações químicas. Algumas fundiam átomos de carbono,
hidrogênio e oxigênio para criar açúcares e amido. Todo esse processo
é conhecido como fotossíntese. A intempérie virou colheita.
Nas plantas atuais, o pigmento que coleta energia é chamado de
clorofila. A energia solar é utilizada para quebrar a água em
hidrogênio e oxigênio, seus átomos constituintes, liberando mais
energia para impulsionar novas reações químicas. Nos primeiros dias
da Terra as matérias-primas provavelmente eram minerais contendo
ferro ou enxofre. A melhor delas, no entanto, foi e continua sendo a
mais abundante — a água. Mas havia um probleminha. A fotossíntese
da água produz como resíduo um gás incolor e inodoro que queima
tudo que toca — o oxigênio livre, ou O2, uma das substâncias mais
mortais do universo.
Para as primeiras formas de vida, que evoluíram no oceano e sob
uma atmosfera praticamente sem oxigênio livre, o O2 seria uma
catástrofe ambiental. Em perspectiva, no período em que as
cianobactérias faziam seus primeiros ensaios de fotossíntese
oxigenada — há 3 bilhões de anos ou mais — raramente havia mais
que traços de oxigênio livre, portanto, ele não era um poluente
significativo. Mas o oxigênio é tão potente que até mesmo traços dele
eram um desastre para a vida que evoluíra em sua ausência. Essas
lufadas de oxigênio causaram a primeira de muitas extinções em
massa na história da Terra, geração após geração sendo queimada
viva.

O oxigênio livre ficou mais abundante durante o Grande Evento de


Oxidação, um período turbulento entre cerca de 2,4 bilhões e 2,1
bilhões de anos atrás, quando, por razões ainda obscuras, a
concentração do gás na atmosfera aumentou abruptamente, chegando
a valores maiores que o atual, de 21%, para em seguida se estabilizar
um pouco abaixo de 2%. Embora ainda fosse muito pouco para os
padrões modernos, o efeito no ecossistema foi gigantesco.12
Um aumento na atividade tectônica enterrou grande quantidade de
detrito orgânico rico em carbono — os cadáveres de gerações de seres
vivos — sob o fundo do oceano, mantendo-o a salvo do oxigênio. O
resultado foi um excedente de oxigênio livre pronto para reagir com
qualquer coisa que tocasse. O oxigênio deixou marcas até nas rochas,
transformando ferro em ferrugem e carbono em calcário.
Ao mesmo tempo, gases como o metano e o dióxido de carbono
foram removidos do ar, absorvidos pela abundância de rochas recém-
formadas. Eles são dois dos gases componentes da manta isolante que
mantém a Terra aquecida e promovem o que chamamos de “efeito
estufa”. Sem eles, a Terra mergulhou na primeira e maior de suas
muitas eras glaciais, as geleiras se espalhando de polo a polo e
cobrindo todo o planeta por 300 milhões de anos. Apesar de suas
consequências, o Grande Evento de Oxidação e o episódio seguinte, da
Terra Bola de Neve, foram o tipo de desastre apocalíptico que sempre
fez a vida na Terra prosperar. Muitos seres vivos morreram, mas a
vida foi compelida a se submeter a sua próxima revolução.

Nos primeiros 2 bilhões de anos da história da Terra, a forma mais


sofisticada de vida foram as células bacterianas. Essas células parecem
muito simples, sejam elas isoladas ou coladas umas às outras em
camadas no fundo do oceano, ou nos longos filamentos de cabelo de
anjo das cianobactérias. Cada uma, por si só, é minúscula. Numa
cabeça de alfinete cabem, com folga, tantas bactérias quanto o número
de pessoas que foi a Woodstock.[13]
Vistas no microscópio, as células bacterianas parecem simples e
inexpressivas. Mas essa simplicidade é enganosa. Em termos de
hábitos e habitats, as bactérias são altamente adaptáveis. Elas podem
viver em quase qualquer lugar. O número de bactérias dentro do corpo
humano (e em sua superfície) é muito maior que o de células humanas
do próprio corpo. Embora algumas causem doenças graves, não
sobreviveríamos sem a ajuda das bactérias que vivem no intestino e
nos permitem digerir os alimentos.
E o interior humano, apesar de sua grande variação de acidez e
temperatura, é, em termos bacterianos, um lugar aprazível. Para
algumas bactérias, a temperatura de uma chaleira fervente é como um
dia de primavera. Há bactérias que prosperam no petróleo bruto, em
solventes que causam câncer em humanos ou mesmo em resíduos
radioativos. Há bactérias que podem sobreviver ao vácuo do espaço, a
extremos violentos de temperatura ou pressão, ou enterradas dentro
de grãos de sal — e fazem isso há milhões de anos.14
As células bacterianas podem ser pequenas, mas são notoriamente
gregárias. Diferentes espécies se aglomeram para trocar substâncias
químicas. Os dejetos de uma espécie podem servir de refeição a outra.
Os estromatólitos — aqueles primeiros sinais visíveis de vida na Terra
— eram colônias de tipos diferentes de bactérias, que podem trocar
entre si até porções de seus próprios genes. Hoje, essa facilidade de
permutação permite que desenvolvam resistência a antibióticos. Se
uma bactéria não tem um gene de resistência a certo antibiótico, ela
pode obtê-lo no vale-tudo das trocas genéticas com outras espécies
que compartilham o mesmo ambiente.
Foi a tendência das bactérias de formar comunidades de espécies
variadas que permitiu a grande inovação evolutiva posterior. Elas
levaram a vida em grupo para a fase seguinte — a da célula nucleada.

Em algum momento antes de 2 bilhões de anos atrás, pequenas


colônias de bactérias adotaram o hábito de viver dentro de uma
membrana comum.15 Isso começou quando uma pequena célula
bacteriana, chamada Archaeon,[16] se tornou dependente de algumas
das células ao seu redor para obter nutrientes vitais. Essa célula
minúscula formou gavinhas que cresciam em direção a suas vizinhas, a
fim de trocar genes e outros materiais com mais facilidade. Os
participantes do que havia sido uma comuna de células livres se
tornavam, assim, mais interdependentes.
Cada membro se concentrava apenas em um aspecto particular da
vida.
As cianobactérias se especializaram em coletar a luz solar e se
transformaram em cloroplastos — as partículas verdes brilhantes que
agora são encontradas nas células das plantas. Outros tipos de
bactérias se dedicaram a liberar a energia dos alimentos e se tornaram
as minúsculas organelas cor-de-rosa chamadas mitocôndrias,
encontradas em quase todas as células que têm núcleo, sejam vegetais
ou animais.17 Fosse qual fosse a especialidade, todas elas acumulavam
seus recursos genéticos no Archaeon central, que se transformou no
núcleo da célula — sua biblioteca, seu repositório de informações
genéticas, sua memória e sua herança.18
Essa divisão do trabalho tornou a vida da colônia muito mais ágil e
eficiente. O que antes era uma colônia solta se tornou uma entidade
integrada, uma nova ordem de vida — a célula nucleada ou
“eucariótica”. Organismos feitos de células eucarióticas, sejam
isoladas (unicelulares) ou agregadas em conjuntos (pluricelulares) são
chamados de “eucariotas”.19

A evolução do núcleo permitiu um sistema de reprodução mais


organizado. As células bacterianas geralmente se reproduzem
dividindo-se ao meio para criar duas cópias idênticas à célula-mãe. As
variações originadas da incorporação de novo material genético
surgem de forma gradual e aleatória.
Nos eucariotas, por outro lado, cada genitor produz células
reprodutivas especializadas que servem como veículos para uma troca
de material genético altamente coreografada. Os genes de ambos os
genitores são misturados, criando o modelo de um indivíduo novo e
singular, diferente deles. Chamamos de “sexo” essa elegante troca de
material genético.20 O aumento da variação genética em consequência
do sexo levou a um aumento na diversidade, e o saldo evolutivo foi a
riqueza de tipos diferentes de eucariotas e, ao longo do tempo, o
surgimento de agrupamentos de células eucariotas que resultaram em
organismos multicelulares.21
Os eucariotas surgiram de forma discreta e modesta entre cerca de
1,85 bilhão e 850 milhões de anos atrás.[22] Começaram a se
diversificar há cerca de 1,2 bilhão de anos, dando origem às formas
unicelulares ancestrais das algas e dos fungos e protistas, que
antigamente chamávamos de “protozoários”.23 Pela primeira vez, eles
se aventuraram longe do mar e colonizaram lagoas e riachos de água
doce no interior do continente.24 Crostas de algas, fungos e liquens25
começaram a adornar litorais antes sem vida.
Alguns até fizeram experiências multicelulares, como a alga
marinha Bangiomorpha,26 há 1,2 bilhão de anos, e o fungo
Ourasphaira, há aproximadamente 900 milhões de anos.27 Mas houve
seres bem estranhos. Os primeiros sinais conhecidos de vida
multicelular têm 2,1 bilhões de anos. Algumas dessas criaturas tinham
até doze centímetros de comprimento — longe de serem
microscópicas, mas, para nossa visão moderna, tinham formas tão
peculiares que sua relação com algas, fungos ou outros organismos é
obscura.28 Elas talvez fossem algum tipo de bactéria colonial, mas não
podemos descartar a possibilidade de que tenham existido categorias
inteiras de organismos vivos — bacterianos, eucariontes ou algo
inteiramente diferente — que desapareceram sem deixar
descendentes, e que, portanto, temos dificuldade em compreender.

Os primeiros rumores da tempestade que se aproximava vieram da


fissura e do rompimento do supercontinente de Rodínia. Ele incluía
todas as massas de terra significativas daquele período.29 Uma
consequência desse desmembramento foi uma série de eras glaciais do
tipo que não se via desde o Grande Evento de Oxidação. Elas duraram
80 milhões de anos e, como o evento anterior, cobriram todo o globo.
Mas a vida respondeu mais uma vez, enfrentando o desafio.
A vida se alistou na forma pacífica de uma série de algas, fungos e
liquens.
Mas ela era resistente, móvel, e estava querendo briga.
Pois, se a vida na Terra foi forjada no fogo, ela se fortaleceu no
gelo.
Congregação dos animais

O desmembramento de Rodínia, o supercontinente, começou há cerca


de 825 milhões de anos. E continuou por quase 100 milhões de anos,
formando um anel de continentes ao redor da linha do equador. A
ruptura foi acompanhada por erupções vulcânicas poderosas que
expeliram grande quantidade de rocha na superfície, a maior parte
formada de um mineral ígneo chamado basalto. O basalto é facilmente
modificado por intempéries como tempestades, e muito dos volumes
de terra recém-fendidos estavam nos trópicos, onde o calor e a
umidade tornam o intemperismo especialmente feroz.
O vento e as chuvas não jogaram só basalto nos oceanos. Eles
também despejaram nas profundezas, fora do alcance do oxigênio,
imensas quantidades de sedimentos ricos em carbono. Quando o
carbono é oxidado e forma o dióxido de carbono, a Terra é aquecida
pelo efeito estufa. Mas, com o carbono removido da atmosfera, o
efeito cessa e a Terra esfria. Essa dança de carbono, oxigênio e dióxido
de carbono marcaria o ritmo da história subsequente da Terra e da
vida que rastejava em sua superfície.
Como resultado do desgaste dos fragmentos de Rodínia, há cerca
de 715 milhões de anos a Terra foi lançada em uma série de eras
glaciais que duraram cerca de 80 milhões de anos.
Como no episódio que sucedeu o Grande Evento de Oxidação mais
de 1 bilhão de anos antes, essas eras glaciais estimularam a evolução.
Elas prepararam o terreno para o surgimento de uma nova e mais ativa
categoria de eucariota — os animais.1

O carbono que foi levado pela chuva até o mar chegou a um ambiente
que, exceto em uma fina camada próxima à superfície que estava em
contato com a atmosfera, quase não tinha oxigênio. E mais: a
concentração de oxigênio na atmosfera não superava um décimo do
nível atual, sendo ainda menor na superfície do oceano iluminada pelo
Sol. Essa quantia não era suficiente para sustentar qualquer animal
maior que o ponto-final desta frase.
Apesar disso, alguns animais conseguiam subsistir com
quantidades mínimas de oxigênio. É o caso das esponjas (figs. 2 e 3),
que apareceram pela primeira vez há cerca de 800 milhões de anos,2
quando Rodínia estava começando a se fragmentar.

As esponjas eram e são animais muito simples. Embora suas larvas


sejam pequenas e móveis, os exemplares adultos se fixam no mesmo
lugar por toda a vida. Uma esponja adulta tem constituição simples,
formada por uma massa disforme de células perfuradas por milhares
de minúsculos orifícios, canais e espaços. As células que revestem
esses espaços permitem que correntes de água as atravessem
movimentando seus cílios, que são extensões de suas membranas.
Outras células absorvem detritos presentes na água. As esponjas não
têm órgãos ou tecidos distintos. Um exemplar vivo passado numa
peneira e posto de volta na água vai se recompor em uma forma
diferente, mas ainda estará vivo e funcional. É uma forma de vida
simples que requer pouca energia — e pouco oxigênio.
Mas não há motivo para menosprezar o que é simples. Depois que
as primeiras esponjas se estabeleceram, elas mudaram o mundo.
As esponjas que viviam entre os tapetes de lodo que cobriam o
fundo do mar peneiravam partículas de matéria da água. Em um dia, o
volume de água sugado por uma única esponja era pequeno, mas ao
longo de dezenas de milhões de anos, bilhões de esponjas tiveram um
impacto imenso. Seu trabalho lento e constante fez com que o fundo
do mar acumulasse ainda mais carbono, que assim ficou indisponível
para reagir com o oxigênio. Elas também limpavam a água ao seu
redor de detritos que, de outra forma, teriam sido digeridos por
bactérias decompositoras vampiras de oxigênio. O resultado foi o
lento aumento na quantidade de oxigênio dissolvido no mar e no ar
logo acima dele.3

Muito acima das esponjas, águas-vivas e animais menores parecidos


com vermes se alimentavam de pequenos eucariotas e bactérias no
plâncton — como é chamada a região ensolarada do mar mais próxima
da superfície.4 De início, já havia mais oxigênio na superfície das
águas, e os corpos ricos em carbono das criaturas do plâncton, quando
morriam, afundavam rápido em vez de permanecerem suspensos na
água, afastando mais carbono do alcance do oxigênio molecular. O
que, por sua vez, permitiu que mais oxigênio se acumulasse no oceano
e na atmosfera.
Embora algumas das minúsculas criaturas que compunham o
plâncton fossem visíveis a olho nu, muitas eram pequenas o bastante
para que nutrientes e resíduos pudessem simplesmente se difundir
para dentro e para fora de seus corpos. Aquelas um pouco maiores
desenvolveram um local específico para que os nutrientes entrassem e
para que os resíduos saíssem. Esse lugar era a boca, embora tivesse
vida dupla como ânus.
O desenvolvimento de um ânus distinto em algumas espécies de
vermes comuns levou a uma revolução na biosfera. Pela primeira vez,
os resíduos se concentraram em pelotas sólidas, em vez de serem uma
lavagem de excrementos dissolvidos. As fezes afundavam rapidamente
até o fundo do mar em vez de se difundirem lentamente. Isso levou,
literalmente, a uma corrida ao fundo. Organismos decompositores que
consumiam oxigênio começaram a concentrar seus esforços perto do
fundo do mar, e não em toda a coluna de água. Os mares, antes turvos
e estagnados, tornaram-se mais claros e ainda mais ricos em oxigênio
— o suficiente para possibilitar a evolução de formas de vida maiores.5
O desenvolvimento do ânus teve outra consequência. Animais com
a boca em uma extremidade e o ânus em outra começaram a direcionar
seu movimento — a “cabeça” na frente e a “cauda” atrás. No início,
esses seres viviam catando restos do espesso tapete de lodo que jazia
no fundo do oceano havia mais de 2 bilhões de anos.
Então, eles passaram a se enterrar sob o lodo. Depois, comeram o
próprio lodo. Foi quando o reinado inconteste dos estromatólitos
chegou ao fim.
E depois que os animais comeram todo o lodo, começaram a comer
uns aos outros.

Ainda havia pela frente o pequeno desafio da glaciação mundial. Mas a


mudança evolutiva prospera na adversidade, e as algas marinhas
floresceram, nutrindo melhor os primeiros animais do que fariam as
bactérias.6
E talvez a vida animal tenha sido empurrada na direção da
crescente complexidade pelo próprio rigor das glaciações da Terra
Bola de Neve. Seguindo a máxima “o que não mata engorda”, a vida
animal teve, em sua aurora, que ser resiliente para sobreviver ao
período de adversidades mais difícil de sua história. Quando as
glaciações recederam — como todas na história da Terra fizeram —, a
vida animal estava mais eficiente, mais mesquinha e pronta para
consumir qualquer coisa que a Terra colocasse na sua frente.

A vida animal irrompeu em visibilidade por volta de 635 milhões de


anos atrás, no que é conhecido como o período Ediacarano. Nesse
primeiro fluxo de existência complexa floresceram belas formas
frondosas, muitas delas difíceis de classificar.7 Embora algumas
fossem animais, outras talvez fossem liquens, fungos ou criaturas
coloniais de afinidade incerta — ou algo tão completamente diferente
que não temos meios de comparação.
Uma delas, criatura incrivelmente bonita chamada Dickinsonia, era
larga, mas achatada e segmentada. É fácil imaginar uma delas
deslizando graciosamente sobre o sedimento, como os vermes ou as
lesmas-do-mar fazem hoje.8 Outro fóssil, chamado Kimberella, pode
ser um parente muito antigo dos moluscos.9 Outros seres, os
rangeomorfos, são ainda mais difíceis de classificar. Assemelhavam-se
a pães trançados e provavelmente passavam toda a vida no mesmo
lugar, embora — como em um pé de morango — novas colônias
brotassem ao redor do pé-mãe.10 O mundo dessas criaturas
estranhamente belas e alienígenas era plácido e silencioso. Elas viviam
em mares rasos e pontuavam a costa por entre as algas.11

As primeiras criaturas ediacaranas tendiam a ter esse corpo mole e


frondoso. As que eram mais parecidas com animais e que podem ter se
movimentado apareceram mais tarde, há cerca de 560 milhões de anos
— de quando data a aparição generalizada dos traços fósseis. Esse
tipo de fóssil não carrega impressões das criaturas em si, mas sinais de
sua atividade, como marcas de trilhas e tocas. Os traços fósseis são
tão intrigantes quanto as pegadas de um criminoso que acabou de
deixar a cena do crime. Podemos inferir algo sobre a constituição do
criminoso, e até mesmo de suas intenções, a partir de uma pegada.
Mas não podemos dizer muito sobre, por exemplo, as roupas que usava
ou a arma que carregava. Para fazer isso, teríamos que pegá-lo em
flagrante. Muito raramente, conseguimos fazer o mesmo com os
traços fósseis. Um desses casos é o fóssil chamado Yilingia spiciformis,
que viveu bem no final do período Ediacarano. De vez em quando,
espécimes são encontrados no final de suas trilhas, e eles se parecem
com as minhocas que os pescadores usam hoje como isca.12
Esses vestígios têm importância incalculável, por constituírem um
eco, ou uma pós-imagem, do momento da evolução em que os animais
começaram a se movimentar. Até aquele momento, as criaturas
geralmente estavam enraizadas em um ponto fixo por pelo menos uma
parte de seu ciclo de vida. Rastros e traços quase sempre são deixados
por animais acostumados ao movimento muscular direcionado. Se as
fontes de alimento estão por toda parte, não há necessidade de sair
procurando por elas. No entanto, se um animal tem uma única direção
de deslocamento, com uma boca em uma extremidade, geralmente
está procurando algo, e esse algo é comida. Em algum momento no
meio do período Ediacarano, os animais passaram a comer uns aos
outros de forma ativa. E quando isso aconteceu eles também tiveram
de encontrar maneiras de evitar serem comidos.
Um animal que se enterra na lama precisa de um corpo denso e
resiliente para penetrar no sedimento. Existem vários jeitos de ter
essas características. O corpo de um escavador pode ser sustentado
por um esqueleto interno, como, digamos, o do cão jack russell; ou por
um esqueleto externo, como o do caranguejo. No começo, os
esqueletos externos eram macios e flexíveis (como o do camarão), mas
se tornaram duros e mineralizados (como o da lagosta). Outra forma
de se habilitar como escavador é organizar o corpo como uma série de
segmentos repetidos, cada um deles cheio de fluido e separado do
segmento anterior e do posterior por uma espécie de divisória. Se os
segmentos estiverem contidos em um tubo externo e rígido de
músculo, você pode forçar sua entrada no solo exercendo pressão
sobre esse tubo. Se você se movimenta dessa maneira, você é uma
minhoca.
Os parentes marinhos das minhocas fazem a mesma coisa, mas
muitos têm protuberâncias flexíveis em cada segmento, semelhantes a
membros, que os ajudam a cavar, remar ou rastejar na superfície.
Alguns dos primeiros rastros de animais fossilizados, como os do
Yilingia spiciformis, podem ter sido deixados por esse tipo de criatura.
Animais como esses vermes segmentados têm uma organização mais
sofisticada do que as águas-vivas ou mesmo do que platelmintos
simples. E a diferença crucial é que seus corpos são divididos em uma
parte interna e uma externa.
As águas-vivas e os platelmintos simples não possuem entranhas.
No lugar delas, há embolsamentos da superfície, e sua conexão com o
exterior serve tanto de boca quanto de ânus. Animais mais complexos,
por outro lado, dispõem de um tubo intestinal com uma boca em uma
extremidade e um ânus na outra. Eles também podem ter cavidades
internas que separam o intestino da superfície externa. É nesse espaço
que os órgãos internos podem se desenvolver.
Em geral, animais como a água-viva não contam com esse espaço
de armazenamento. A presença de espaço interno indica que o
crescimento do intestino e a superfície externa não estão mais ligados,
permitindo o desenvolvimento de intestinos grandes e complexos e
também de um tamanho maior no todo. Tripas e porte grandes são
úteis se você optar por comer seus semelhantes para sobreviver.
E se é isso que você faz, você precisa de dentes. E, se quiser evitar
ser devorado, precisará de uma armadura. Os animais daquele éden
ediacarano eram, em sua maioria, moles, escorregadios e indefesos. A
expulsão do paraíso foi dura e impiedosa — e desencadeada por outra
grande convulsão da Terra.

Ela aconteceu durante outro momento de pesado intemperismo, no


final do período Ediacarano. A crosta terrestre sofreu tanto com o
clima que grande parte de sua superfície erodiu até o leito rochoso e a
matéria foi toda despejada no mar. Isso teve dois efeitos. Primeiro, o
nível do mar subiu radicalmente, inundando a costa e abrindo mais
espaço para a vida marinha. O segundo foi a súbita disponibilidade de
elementos químicos na água do mar, como o cálcio, ingrediente
essencial para a formação de conchas e esqueletos.13
Os primeiros esqueletos mineralizados têm cerca de 550 milhões
de anos e pertenciam a um animal chamado Cloudina. Pareciam pilhas
de casquinhas de sorvete muito pequenas, aninhadas umas dentro das
outras.14 Fósseis de Cloudina são encontrados no mundo todo e, já
naquela época, alguns deles mostram evidências de terem sido
perfurados por algum predador desconhecido, mas de língua afiada.15
Um pouco mais tarde, por volta de 541 milhões de anos atrás, um
vestígio fóssil chamado Treptichnus começa a aparecer amplamente.
Treptichnus é um tipo especí fico de toca no fundo do mar, feita por
animais desconhecidos. Ele marca o início do período Cambriano e da
segunda grande eflorescência de vida animal — animais que cavavam,
nadavam, lutavam e comiam uns aos outros. Eles tinham esqueletos
duros reforçados por compostos de cálcio. Também tinham dentes.
Talvez os animais mais conhecidos do período Cambriano sejam os
trilobitas (fig. 4). Eram artrópodes16 — ou seja, animais com membros
articulados — que se pareciam bastante com tatuzinhos de jardim.
Eles eram comuns nos mares desde o início do Cambriano até o
Devoniano, quando entram em declínio até sua extinção no final do
Permiano, há cerca de 252 milhões de anos.
Os trilobitas são fósseis relativamente comuns. Todo colecionador
de pedras tem pelo menos um, mas sua familiaridade e sua
onipresença não devem nos levar a subestimá-los. Os trilobitas eram
extraordinariamente belos e complexos como qualquer animal vivo
hoje. Tinham exoesqueletos que podiam trocar à medida que cresciam,
assim como os artrópodes fazem hoje, desde os menores mosquitos até
as maiores lagostas. Talvez o mais notável fossem seus olhos: cada um
era uma coleção de dezenas, até centenas de facetas individuais, como
os olhos de uma libélula. Cada faceta foi preservada em fósseis de
carbonato de cálcio cristalino. Havia variações, é claro. Alguns
trilobitas tinham olhos enormes, enquanto outros eram cegos. Alguns
se especializaram em revirar o fundo do mar, enquanto outros eram
melhores nadadores. Mas a vida cambriana não era feita apenas de
trilobitas.

Um dia, há cerca de 508 milhões de anos, no que hoje é a Colúmbia


Britânica, no Canadá, um deslizamento de terra varreu parte do fundo
do oceano para profundidades ainda maiores — junto com tudo que
vivia ali, na superfície ou acima dela. Os animais foram enterrados
intactos, em condições quase livres de oxigênio. Esse rápido
sepultamento garantiu que eles permanecessem inteiros. Até detalhes
sutis de seus tecidos moles se mantiveram quase intocados no meio
bilhão de anos subsequente. Durante esse tempo, as rochas foram
comprimidas muito lentamente até formar xisto e, nos últimos 50
milhões de anos, foram empurradas dos oceanos para os picos mais
altos da América do Norte, onde, desde a sua descoberta, em 1909,
tornaram-se conhecidas como o Folhelho de Burgess. As criaturas
enterradas representam uma rara fotografia da vida antiga no fundo
do mar no período Cambriano.
É uma coleção e tanto. Um desfile de patas espinhosas e
articuladas, garras barulhentas e antenas emplumadas — todas partes
de animais aparentados de forma obscura com os crustáceos, os
insetos e as aranhas de hoje. Algumas dessas criaturas eram muito
estranhas, mesmo comparadas com a exuberante diversidade de
artrópodes atuais. Havia a Opabinia (fig. 5), com cinco olhos
pedunculados e mandíbulas vorazes presas na ponta de um focinho
flexível semelhante a uma mangueira.
Havia o Anomalocaris, um predador de um metro de comprimento
que percorria as profundezas em busca de presas que pudesse enfiar na
boca circular trituradora de lixo com pinças afiadas.17
E, acima de tudo, havia a Hallucigenia (fig. 6), uma criatura
parecida com um verme que rastejava no fundo do mar, protegida por
uma dupla fileira de espinhos longos e desajeitados que carregava nas
costas.
Enquanto os artrópodes rastejavam no fundo do mar ou nadavam
por ali, um país das maravilhas de vermes se contorcia no lodo abaixo.
Muitas das criaturas encontradas no Folhelho de Burgess são
apenas parentes distantes de animais que vivem hoje.18 No entan to, é
possível discernir com qual dos grandes grupos de animais cada fóssil
tem parentesco, mesmo que seja só um primo remoto e excêntrico.
Assim como os artrópodes — em seu sentido mais amplo, incluindo a
Hallucigenia, bem como fósseis que parecem os modernos vermes
aveludados que se movem na serrapilheira do so­lo das florestas
tropicais, cada um deles parecendo uma minhoca, mas com perninhas
atarracadas, como as do boneco da Michelin —, havia um bocado de
animais aparentados com vários tipos de vermes que se enterram em
sedimentos.
O mesmo acontece com os moluscos, que são tão moles quanto os
artrópodes são pontiagudos, pelo menos por dentro. O Wiwaxia
combinava o corpo de um verme segmentado com a língua denteada,
ou rádula, de um molusco — a mesma rádula que, nas lesmas
modernas, causa estragos na sua alface. Todos vestidos com uma cota
de malha bem diferente da das lesmas.19 Outro animal com uma
rádula, mas que parecia um cruzamento de colchão de ar com moedor
de café, era o Odontogriphus, também parente dos primeiros
moluscos.20
Em outros lugares, havia o Nectocaris, uma criatura muito
primitiva, sem concha, semelhante a uma lula, e o mais antigo membro
conhecido dos moluscos cefalópodes.21 Hoje, esse grupo inclui o
polvo, um dos mais inteligentes e estranhos de todos os invertebrados;
e a lula-colossal, o maior de todos. A história fóssil dos cefalópodes é
tão majestosa quanto sugeriram seus representantes modernos, com a
evolução — pouco depois do Nectocaris — dos náutilos, lulas com
conchas semelhantes a trompetes com vários metros de comprimento;
e, depois, na era dos dinossauros, das amonitas espiraladas (fig. 7),
algumas das quais cresceram tanto quanto pneus de caminhão, a
navegar graciosamente pelos oceanos.

Desde a descoberta do Folhelho de Burgess, foram encontrados


outros depósitos semelhantes com idades parecidas. Eles incluem a
biota de Chengjiang, no sul da China, e se estendem por todo o
mundo, do sul da Austrália ao norte da Groenlândia. Todos são
notáveis pela fidelidade da preservação fóssil nos mínimos detalhes. O
fóssil chinês Fuxianhuia, semelhante ao camarão, por exemplo, foi
encontrado com tantos detalhes que foi possível localizar as conexões
nervosas em seu cérebro.22

Essa incrível preservação é extremamente rara. Ela resulta de uma


tempestade perfeita das circunstâncias geológicas em conjunto com a
bioquímica do enterramento. Em quase todos os casos, os fósseis são
encontrados compostos apenas das partes duras já infundidas com
minerais: conchas, ossos e dentes, em vez de nervos, guelras ou tripas.
Há muito se conhecem fósseis com aproximadamente a mesma idade
dos de Burgess, mas são todos duros e formados por conchas: um
legado da repentina infusão de minerais no mar no final do período
Ediacarano, que permitiu aos animais se vestirem de armaduras.
A eflorescência de formas de vida que ocorreu no período
Cambriano ao longo de apenas 56 milhões de anos não se comparava a
nada que houvesse aparecido antes, exceto a própria origem da vida —
nem com o que veio depois, é preciso dizer. Embora 56 milhões de
anos seja muito tempo, nos 485 milhões de anos subsequentes só
surgiram elaborações de temas bem estabelecidos. É menos tempo que
o intervalo de 66 milhões de anos decorrido desde a extinção dos
dinossauros.
Não é à toa que esse abalo sísmico da evolução ficou conhecido
como a “explosão” cambriana. No entanto, foi mais um estrondo lento
que uma irrupção repentina. Começou com o desmembramento de
Rodínia e a evolução e o eclipse da estranhamente bela fauna
ediacarana, e continuou até cerca de 480 milhões de anos atrás.23

No final do período Cambriano, todos os principais grupos de animais


que ainda existem hoje tinham feito sua primeira aparição no registro
fóssil.24 Não apenas artrópodes e vários tipos de vermes, mas
equinodermos (animais com a pele espinhosa, como os ouriços) e
vertebrados (animais com coluna vertebral, inclusive nós). Um dos
primeiros foi o Metaspriggina, que era semelhante a um peixe e foi
encontrado no Folhelho de Burgess. Em vez de ter uma armadura
externa de calcita, tinha uma espinha dorsal interna e flexível, à qual
se ancoravam músculos poderosos. Isso o ajudava a nadar — e rápido,
para evitar a perseguição apavorante de artrópodes gigantes como o
Anomalocaris.
O Metaspriggina foi um dos primeiros peixes a entrar no registro
fóssil. Mas sua história fica para o próximo capítulo.
Surge a coluna vertebral

Enquanto nos oceanos quentes e rasos do início do Cambriano o


tinido das pinças pontiagudas dos artrópodes se ouvia em toda parte,
algo acontecia mais ao fundo, no pântano arenoso de grãos minerais.
Uma pequena criatura chamada Saccorhytus, menor que a cabeça de
um alfinete, vivia modestamente ali entre os grãos, filtrando detritos
da água.1 A filtração de alimentos não era uma novidade — as
esponjas faziam isso havia 300 milhões de anos —, e muitas outras
criaturas, como os mariscos, a reinventavam. Garimpar o sedimento
para obter pedaços comestíveis é um meio barato e eficiente de ganhar
a vida, especialmente para pequenos animais com poucas demandas
metabólicas. O Saccorhytus era exatamente esse tipo de criatura.
Em forma de batata, embora muitíssimo menor, o Saccorhytus
tinha uma boca grande e circular em uma extremidade, pronta para
receber a corrente de água, puxada — como nas esponjas — por
fileiras de cílios ondulantes. Em cada lado havia uma linha de poros,
como escotilhas nas laterais de um navio, por onde saía a água filtrada.
No interior, redes de muco pegajoso aprisionavam partículas de
detritos. A maior parte do interior do Saccorhytus era ocupada por esse
arranjo de boca e escotilhas, conhecido como faringe. O muco era
enrolado como uma corda e engolido por um intestino interno. Isso e
todo o resto das vísceras ficavam em um espaço relativamente
pequeno na parte de trás. O ânus era interno, e as fezes eram expelidas
pelas escotilhas, junto com os espermatozoides ou os óvulos, lançados
pelo progenitor para tentar a sorte no mundo.

No entanto, o Saccorhytus era um ser indefeso, à mercê dos caprichos


do ambiente, assim como os grãos minerais entre os quais vivia.
Mesmo passando despercebidos por predadores maiores, incontáveis
animais como ele eram engolidos por filtradores de paladar pouco
refinado, como esponjas e moluscos. Alguns dos descendentes do
Saccorhytus encontraram uma saída na evolução, tornando-se maiores,
mais móveis, blindados ou ferozes — ou combinações de tudo isso.
Ser maior significa que a probabilidade de um animal ser engolido
por inteiro é menor — embora ele corra o risco de ser bicado e comido
aos pedaços. Para evitar esse destino, alguns animais desenvolveram
armaduras. Muitos outros já haviam reforçado sua camada externa
com carbonato de cálcio, obtido nos mares ricos em minerais. Um dos
minerais mais comuns — compõe a calcita, o giz, o calcário e o
mármore —, o carbonato de cálcio era abundante nos mares
cambrianos, tornando-se madrepérola quando esculpido por seres
vivos: são as conchas de moluscos e crustáceos, as espículas
microscópicas de esponjas e a armadura sobre a qual se assentam as
formas fantásticas dos recifes de coral.
Alguns dos herdeiros blindados dos Saccorhytus criaram seus trajes
distintivos de cota de malha, cada elo esculpido com um único cristal
de calcita. Ao fazer isso, tornaram-se espinhosos equinodermos
ancestrais das estrelas-do-mar e dos ouri ços-do-mar. Todos os
equinodermos de hoje têm uma forma corporal distinta baseada no
número cinco, totalmente diferente da de qualquer outro animal. No
Cambriano, no entanto, suas formas eram mais variadas. Embora
alguns tivessem simetria bilateral, outros eram trirradiais (ou seja,
com uma simetria baseada no número três), e outros, ainda,
completamente irregulares. Tudo começou com a faringe com boca e
escotilhas do Saccorhytus, que com o tempo foi substituída por outros
modos de alimentação — nenhum equinodermo atual se alimenta
daquela forma.

Os equinodermos optaram por essa estratégia de defesa blindada


contra a predação. Outra solução era fugir — nadar para longe do
agressor o mais rápido possível. Ela foi adotada por outro ramo dos
descendentes do Saccorhytus, alguns dos quais desenvolveram na
extremidade posterior da faringe uma cauda ligeira, boa para escapar
rápido de qualquer ameaça.
Essa cauda começou como uma haste longa e firme mas flexível,
que evoluiu a partir de uma ramificação do intestino. Chamada
notocorda, a estrutura seria como aqueles balões em forma de salsicha
que os animadores torcem em formas incríveis nas festas infantis.
Embora muito flexível, a notocorda retornava à sua forma original
longa e estreita quando não estava sob tensão. Essa propriedade fez
dela um lugar propício para ancorar fileiras de músculos de ambos os
lados, que se contraíam e relaxavam alternadamente. Isso contorcia o
corpo do animal em séries de curvas em S que o impulsionavam pela
água. Os músculos eram coordenados por ramificações regulares de
um nervo que corria ao longo da superfície superior — a medula
espinhal.
Animais cambrianos chamados de vetulicolianos eram assim.2 Um
vetulicoliano, com poucos centímetros de comprimen to, tinha uma
faringe parecida com a de um Saccorhytus acrescida de uma cauda
segmentada. Embora alguns vetulicolianos nadassem em águas
abertas,3 eles passavam a maior parte do tempo enterrados na areia,
com a boca à mostra, filtrando calmamente sedimentos do mar. Se
ameaçados, no entanto, batiam a cauda e nadavam rapidamente para
longe do perigo, estabelecendo-se em um novo local e usando o rabo
para cavar um novo refúgio na areia. Os yunnanozoários eram primos
dos vetulicolianos nos quais a cauda e a faringe começaram a crescer
juntas. Além de se projetar para trás, a cauda também se estendia para
a frente, por cima da faringe, e, mais tarde, a envolvia, resultando
numa forma mais parecida com a de um peixe.4 A Pikaia, uma
estranha criatura encontrada no Folhelho de Burgess, tinha esse
aspecto.5 Outro animal desse tipo foi o Cathaymyrus, da biota de
Chengjiang, na China.6

À primeira vista, o Cathaymyrus parecia um filé de anchova. Mas,


embora sua notocorda e seus blocos de músculos fossem fáceis de
visualizar — com a parte frontal envolvendo a faringe —, faltava-lhe
muito. Uma única mancha de pigmento na frente fazia a função dos
olhos. Não tinha cabeça, escamas, orelhas, nariz, cérebro — não tinha
quase nada. Teria sido um excelente candidato para se juntar à turma
d’O Mágico de Oz. Apesar dessas carências, os Cathaymyrus e seus
parentes viveram bem, ainda que modestamente, por meio bilhão de
anos: enterrados, com a cauda para baixo, nos interstícios ignorados
do mundo, onde passaram quase toda a vida filtrando detritos da água
do mar na tradição consagrada pelo tempo. Só ousavam se deslocar
quando ameaçados, nadando até encontrar um refúgio. Alguns
parentes dos Cathaymyrus sobrevivem até hoje, e são conhecidos como
anfioxos lanceolados.

O Cathaymyrus combinava a faringe e a cauda em um único animal


hidrodinâmico. Alguns de seus primos, porém, adotaram um modo de
vida totalmente diferente. Em vez de juntar a faringe e a cauda, essas
criaturas — os tunicados — as desconstruíram, aproveitando cada
uma delas em diferentes fases da vida.7 A larva do tunicado é
basicamente uma cauda, com um cérebro simples, olhos simples
(ocelos) e um órgão sensível à gravidade. Esses sentidos são
rudimentares, mas atendem aos seus propósitos: distinguir a luz da
escuridão e detectar em qual sentido está o fundo do mar. Ela tem
apenas uma faringe modesta e não pode se alimentar. Isso é bastante
coerente com o seu objetivo, que é procurar um local profundo e
escuro onde possa se instalar quando adulta. Quando encontra um
local adequado, a larva entra de cabeça no chão. A cauda é reabsorvida
e a criatura se transforma no que é basicamente uma faringe
gigantesca, dedicada à alimentação. Estar fixa em um ponto faz dela
uma presa fácil, então os tunicados desenvolveram suas próprias
armaduras, na forma de uma “túnica” feita de celulose. Essa
substância, encontrada apenas em plantas, não é digerível. As túnicas
dos tunicados podem conter outras substâncias exóticas extraídas da
água do mar, como níquel ou vanádio, e às vezes também são
enrijecidas por minerais. O tunicado Pyura, por exemplo, é idêntico a
uma rocha, até que alguém o abra. Eles vivem assim desde o
Cambriano.8
Os tunicados sempre se alimentaram usando o já consagrado sistema
de filtragem da faringe, com a boca e as escotilhas, criado pelo
pioneiro Saccorhytus.9 Seus parentes mais próximos, os vertebrados,
seguiram um caminho totalmente diferente. Eles transformaram o que
antes era um recurso de fuga — a notocorda e a cauda — em um meio
de movimentação para a frente. O Cathaymyrus e seus parentes
usavam a cauda sustentada na notocorda apenas para impulsos muito
curtos. Nos tunicados, em geral, a cauda enrijecida existia apenas na
larva, que a usava de forma específica, para encontrar um bom local
para se estabelecer e, uma vez instalada, ali ficar. Esses animais
precisavam apenas de informações mínimas sobre a direção a seguir.
Para eles, o objetivo da cauda era partir rapidamente em uma jornada
que logo terminaria.
Nenhum vertebrado, no entanto, passa uma parte considerável de
seu ciclo de vida fixo em um único lugar.[10] Uma bateria muito mais
abrangente de sentidos era necessária para estarem sempre alertas. Os
vertebrados desenvolveram olhos grandes e pareados, um olfato
refinado e um elaborado sistema de detecção de correntes de água.[11]
Eles se tornaram muito mais sensíveis a seu ambiente e a seu lugar ali
do que quaisquer outros membros da escola de Saccorhytus: tunicados,
anfioxos, vetulicolianos, equinodermos e assim por diante. Um
sistema sensorial elaborado exige um cérebro complexo e
centralizado. Os cérebros dos vertebrados correspondiam ou até
superavam a complexidade dos de outros animais altamente móveis,
como crustáceos, insetos e o mestre do movimento, o polvo — ainda
que esses cérebros tenham sido constituídos por caminhos muito
diferentes.
E foi assim que, da escuridão do fundo do mar cambriano, como
raios de sol tremulantes perpassando a água, emergiram peixes como o
Metaspriggina,12 o Myllokunmingia e o Haikouichthys.13 Essas
pequenas criaturas são evidências de que os vertebrados surgiram e se
espalharam em meados do Cambriano. Eram os primeiros peixes, e
tinham bocas, mas não mandíbulas; e uma faringe, embora não fosse
mais usada para alimentação por filtragem. Sendo animais muito mais
ativos que seus primos tunicados, os vertebrados precisavam de um
suprimento maior de oxigênio — e as antigas escotilhas faríngeas que
tiveram origem no Saccorhytus se transformaram em fendas
branquiais. A água que entrava pela boca era expulsa pelas brânquias
por ação muscular. As brânquias, ricas em vasos sanguíneos, extraíam
o oxigênio da água e expeliam dióxido de carbono, também conhecido
como gás carbônico. Os vertebrados, então, turbinaram a faringe.
Campos de cílios batendo suavemente foram substituídos por fileiras
de músculos para a ventilação, ou respiração, e a captura ativa de
presas.14

Em parte, os vertebrados precisam de mais energia do que outros


animais, porque geralmente são bastante grandes. Baleias e
dinossauros — ambos vertebrados — são os maiores animais que já
existiram, mas não estão sozinhos. Pense em peixes como o tubarão-
baleia e o tubarão-frade; répteis como a sucuri e as jiboias e o dragão-
de-komodo; mamíferos como os elefantes e os rinocerontes. Poucos
invertebrados podem igualá-los em tamanho. Nós, humanos, também
somos notavelmente grandes para um animal.15 É verdade que alguns
vertebrados podem ser muito pequenos, pesando apenas alguns
gramas: mas todos os vertebrados são visíveis a olho nu. Muitos
invertebrados, por outro lado, são difíceis de enxergar sem lupa ou
microscópio.16
Os insetos, os invertebrados mais numerosos, são sustentados por
um exoesqueleto feito de uma proteína flexível chamada quitina.
Quando o inseto cresce, ele se desfaz do esqueleto externo e, antes de
se mover, espera que o novo, ainda bastante mole, endureça. Essa é
uma das razões pelas quais os insetos são pequenos. Acima de certo
tamanho, um inseto sem exoesqueleto seria esmagado pelo próprio
peso sem sustentação. Os parentes próximos, os crustáceos, também
fazem a muda, mas vivem principalmente na água, que suporta seu
peso. Ou seja, os crustáceos podem ficar um pouco maiores que os
insetos. Pense, por exemplo, em caranguejos ou lagostas, que podem
crescer muito mais que qualquer inseto. Ainda assim, a maior lagosta é
uma tampinha perto de muitos vertebrados.

Os vertebrados mais primitivos de hoje são as lampreias (fig. 8) e os


peixes-bruxa. Eles não têm armadura externa e provavelmente são
assim desde que surgiram. Como os Metaspriggina e outros peixes
extremamente primitivos, também não têm mandíbulas nem
barbatanas emparelhadas. Já outros vertebrados desenvolveram uma
espessa armadura. Os peixes com carapaça apareceram mais tarde no
Cambriano. Embora ainda não tivessem mandíbulas e fossem
sustentados internamente por uma notocorda, a maioria dos primeiros
peixes trajava essa proteção.17 Geralmente, ela consistia em um
conjunto de placas sólidas ao redor da cabeça e da faringe, porém
soltas e mais escamosas na extremidade posterior, para permitir que a
cauda se movesse. A armadura não era feita de calcita ou carbonato de
cálcio, mas de hidroxiapatita, um tipo de fosfato de cálcio. A
armadura de fosfato de cálcio é exclusiva dos vertebrados no reino
animal.[18]

Geralmente, a proteção dos primeiros peixes era como um bolo


espesso de três camadas com diferentes formas de hidroxiapatita. Na
base havia uma camada esponjosa. No meio, uma variedade um pouco
mais densa. E, no alto, uma fina camada muito dura e muito densa
desse mineral. Hoje, essas três formas são conhecidas
respectivamente como “osso”, “dentina” e, por último, “esmalte” — a
substância mais dura produzida por qualquer organismo vivo. Osso,
dentina e esmalte ocorrem, seguindo essas mesmas camadas, em
nossos dentes. Quando os tecidos rígidos surgiram nos vertebrados
havia, em essência, dentes por todo o corpo. Ainda hoje, as escamas
dos tubarões assumem a forma de dentes minúsculos, e é por isso que a
pele de tubarão é abrasiva e já foi usada como lixa.
Os vertebrados desenvolveram armaduras pela mesma razão que
outras criaturas cambrianas se vestiam com tecidos duros — para se
defender.19 A origem dos peixes blindados coincidiu com o
aparecimento de dois superpredadores: os nautiloides e os gigantescos
escorpiões oceânicos chamados euripterídeos.20 Talvez o euripterídeo
mais aterrorizante tenha sido o Jaekelopterus, que viveu no Devoniano.
Um pesadelo de olhos esbugalhados e pinças enormes, que chegava a
cerca de 2,5 metros e provavelmente se alimentava de peixes.21

O primeiro grupo de peixes a usar armaduras foi o dos Pteraspis.


Embora seus escudos da cabeça às vezes se estendessem em ambos os
lados para atuar como planadores aquáticos, eles não tinham
nadadeiras flexíveis e pareadas. Com uma grossa blindagem do lado de
fora, muito pouco se sabe sobre como os Pteraspis eram por dentro,
uma vez que suas caixas cranianas eram feitas de cartilagem, que se
decompõe facilmente, e eles se sustentavam internamente por uma
notocorda de cartilagem esponjosa, mas elástica. Em alguns peixes
com armadura a cartilagem mole dentro da cabeça foi mineralizada, o
que permitiu que as formas do cérebro e os vasos sanguíneos e nervos
associados fossem preservados em grande detalhe. Esses fósseis
mostram que tais animais sem mandíbula se formaram segundo o
modelo das lampreias — eram lampreias com carapaça.
Peixes com armadura e sem mandíbula lotavam os mares desde o
final do Cambriano até o final do Devoniano, e variavam muito em
suas formas extraordinárias. Alguns eram encaixotados em armaduras
de placas e passavam a maior parte do tempo navegando pelo fundo do
mar ou vasculhando a lama em busca de detritos. Em outros, como os
elegantes telodontes,22 a armadura era como um couro de pele de
tubarão, feito de uma cota de malha mais flexível, que possibilitava
movimentos mais rápidos em mar aberto.

Os primeiros peixes, como os Metaspriggina, tinham olhos


emparelhados saltados para a frente, como faróis de motocicleta. Não
havia espaço para um nariz ou narinas. O olfato ficava a cargo das
células da faringe, um resquício herdado dos antigos vertebrados
filtradores. Já nos Pteraspis os olhos se deslocaram para os lados para
dar lugar a uma única narina no alto da cabeça. O cérebro se dividiu
em hemisférios esquerdo e direito, alargando a face.23
A narina única dos Pteraspis (como nas lampreias) levava a um
único órgão dos sentidos — o saco nasal — que ficava em contato com
a base do cérebro. Enquanto isso, outros peixes sem mandíbula
estavam evoluindo em uma direção diferente. Fósseis do cérebro do
Shuyu,24 por exemplo, mostram que ele tinha dois sacos nasais com
abertura na cavidade bucal, em vez de uma única narina com abertura
independente no alto da cabeça. Essa disposição, que alargava ainda
mais a face, é característica dos vertebrados com mandíbulas, mas não
das lampreias nem dos Pteraspis. Outros peixes sem mandíbula
ostentavam barbatanas peitorais emparelhadas (o par logo atrás da
cabeça), algo que nem lampreias nem Pteraspis podiam se vangloriar
de ter — uma característica típica de vertebrados com maxilar. Logo,
o palco estava montado para a evolução das mandíbulas.
Quando os peixes com armaduras ósseas evoluíram e cruzaram
esse rubicão, tornaram-se um tipo inteiramente novo de animal.25
Hoje, as espécies com mandíbulas compreendem mais de 99% dos
vertebrados. Dos vertebrados que não as possuem, sobraram apenas
as lampreias e os peixes-bruxa.

As mandíbulas surgiram quando o primeiro arco branquial — a divisão


cartilaginosa entre a boca e a primeira fenda branquial — foi dividido
ao meio e tornou-se articulado, dando origem aos maxilares superior e
inferior. A primeira fenda branquial foi comprimida até resultar em
um pequeno orifício, o espiráculo, logo atrás e acima do maxilar
superior.
Os placodermes foram os primeiros vertebrados com mandíbulas.
Dotados de escudos de osso maciço na cabeça, à primeira vista
pareciam muito com outros peixes de armadura. Afora os maxilares,
uma inspeção mais detalhada revela outras especializações
encontradas apenas em vertebrados com mandíbula, como um
segundo conjunto de barbatanas emparelhadas, além das peitorais.
Eram as barbatanas pélvicas, situadas mais ou menos uma de cada
lado do ânus.26 Esses animais originaram-se nas profundezas do
período Siluriano e prosperaram até o final do Devoniano.
Os placodermes mais primitivos, os antiarcos, tinham uma
armadura tão reforçada quanto qualquer Pteraspis. Em con traste, os
mais sofisticados deles, chamados de Arthrodira, geralmente (mas nem
sempre) carregavam armaduras mais leves, e um deles — o
Dunkleosteus, que chegava a seis metros de comprimento e tinha
mandíbulas amplas e afiadas — tornou-se o principal predador dos
mares do Devoniano.
Note que me refiro às mandíbulas de Dunkleosteus, não aos dentes,
porque os placodermes não tinham dentes reconhecíveis.27 As
superfícies cortantes nos formidáveis maxilares dessas criaturas eram
as bordas afiadas dos próprios ossos.

Embora esteja entre os mais antigos que conhecemos, vivendo nas


profundezas do Siluriano há 419 milhões de anos, um dos placodermes
mais avançados foi o Entelognathus.28 Ele tinha a armadura reforçada
na cabeça e no tronco típica de um Arthrodira, mas, com cerca de vinte
centímetros de comprimento, era muito menor que seu monstruoso
primo Dunkleosteus.
Outra diferença em relação a Dunkleosteus — e a todos os outros
placodermes — é que suas mandíbulas eram formadas por ossos
comparáveis aos de um peixe ósseo moderno: havia uma diferença
entre o maxilar superior e o maxilar inferior. Essa criatura foi o
primeiro vertebrado com a capacidade física de abrir um sorriso que
reconheceríamos como tal.

Embora os placodermes tenham desaparecido no fim do Devoniano,


três outros grupos de vertebrados com mandíbula surgiram a partir de
seus ancestrais. Foram os peixes cartilaginosos (tubarões, raias [fig. 9]
e seus parentes); os peixes ósseos (que incluem a maioria dos peixes
modernos, de esturjões e peixes pulmonados a sardinhas e cavalos-
marinhos (fig. 10); e todos os vertebrados terrestres, inclusive nós); e
outro grupo totalmente extinto, o dos acantódios, ou tubarões
espinhosos.
Os acantódios sobreviveram até o Permiano. Na maioria dos peixes
cartilaginosos e ósseos, a notocorda — a haste firme e flexível que
sustentava o corpo — foi substituída, durante o desenvolvimento, por
uma estrutura segmentada, a coluna vertebral. Em peixes
cartilaginosos, a coluna é, obviamente, cartilaginosa, embora às vezes
seja parcialmente mineralizada. Nos peixes ósseos, a cartilagem
geralmente é substituída por ossos. Não se sabe se os placodermes e os
acantódios tinham coluna vertebral em vez de notocorda, mas, se
tivessem, ela seria cartilaginosa.29
Os acantódios tinham mais escamas do que armadura, e
distinguiam-se pelo espinho proeminente na ponta de cada barbatana.
Sua anatomia interna era toda cartilaginosa e muito semelhante à dos
tubarões.30 Os acantódios foram uma ramificação precoce dos peixes
cartilaginosos — grupo que sobrevive e prospera até hoje.
Vivendo ao lado do Entelognathus nos mares silurianos havia um
peixe chamado Guiyu oneiros. Ele foi o primeiro membro conhecido
dos peixes ósseos, o grupo que inclui a grande maioria dos vertebrados
atuais.31 Havia peixes ósseos antes do Guiyu, mas seus fósseis são
bastante fragmentários e questionáveis. E o Guiyu não é especial por
estar bem preservado nem por ser um peixe ósseo. É especial porque
estava entre os primeiros de um grupo conhecido como peixes ósseos
com nadadeiras lobadas, um ramo peculiar dos peixes ósseos que deu
origem aos vertebrados terrestres — e a nós.
Terra adentro

A essa altura, os oceanos fervilhavam de criaturas, desde a exuberante


explosão de vida no início do Cambriano até os mares pululando de
peixes do Devoniano. Mas poucos organismos ousaram aventurar-se
acima da superfície das águas, em terra firme. Com razão.
Para começar, por muito tempo houve muito pouca terra. Os
continentes se expandiram lentamente. Quando as placas tectônicas
colidiram, surgiram arcos de ilhas vulcânicas. Plumas mantélicas das
profundezas da Terra perfuraram a crosta, ampliando-a. Essas ilhas se
juntaram e, empurradas pelo planeta inquieto que jazia abaixo,
tornaram-se os primeiros continentes.
Além disso, a vida na terra é difícil. A água é um berço mais
protegido. Sem a capacidade de boiar, as criaturas sentem cada grama
de seu próprio peso puxando-as para baixo. Sob o sol escaldante, seus
tecidos podem secar rapidamente. Sem uma camada constante de
água, as brânquias não funcionam e o animal não consegue respirar.
Eventuais aventureiros, apesar da coragem, foram esmagados,
dessecados e asfixiados. Os pioneiros terrestres encontraram um
ambiente quase tão hostil quanto o espaço vazio.
Sem nenhuma superfície além de rocha vulcânica estéril, era uma
realidade impiedosa. Não havia árvores para fazer sombra, porque as
árvores ainda não existiam. Não havia solo além da poeira varrida pelo
vento, porque é a ação dos seres vivos — raízes, fungos, vermes
escavadores — que cria e enriquece os solos em que as plantas
conseguem crescer. Acima da linha d’água a Terra era um deserto tão
seco e sem vida quanto a Lua que ainda se agigantava no horizonte.
Mas a vida, como percebemos, tende a enfrentar os desafios. Um
ambiente totalmente novo, livre da competição do oceano agitado,
oferecia oportunidades inexploradas de diversidade e crescimento
para a criatura que conseguisse domá-lo. O primeiro passo foi a
colonização de lagoas e riachos do interior por algas, o que aconteceu
há pelo menos 1,2 bilhão de anos.1 É possível que crostas de bactérias,
algas e fungos já se escondessem em recantos ao longo da costa árida.
Talvez alguns daqueles animais ediacaranos frondosos tenham
passado algum tempo acima da linha d’água, presos entre as marés.2
No Cambriano, uma criatura desconhecida deslizou para as praias
baixas e arenosas do continente de Laurentia,[3] deixando rastros que
bizarramente se parecem com marcas de pneu de moto.4 Mas foram
momentos de bravura desafiadora, como se o motociclista tivesse
dado algumas empinadas antes de buscar refúgio mais uma vez sob as
ondas. A vida se aventurou no seco, mas não para ficar.

A invasão da terra começou pra valer em meados do período


Ordoviciano, há cerca de 470 milhões de anos —5 quase ao mesmo
tempo em que um surto de inovações evolutivas nos ocea nos
substituiu muitas das estranhas criaturas cambrianas por outras de
feições mais modernas.6 Plantas pequenas e rastejantes, como
hepáticas e musgos, protagonizaram em terra milhões de minúsculas
invasões. Mas foram seus esporos, duros e resistentes à dessecação,
que lhes permitiram ser mais que visitantes ocasionais. Logo depois,
as primeiras árvores alcançaram o céu. As primeiras foram as
nematófitas. Uma delas, a Prototaxites, tinha um tronco com mais de
um metro de diâmetro e chegava a vários metros de altura. Estava
mais para um líquen gigante — um fungo associado a uma alga — do
que para uma árvore ou mesmo uma samambaia.
Por baixo de tudo, a Terra continuava a se mover. Um episódio de
erupções vulcânicas expeliu rochas que reagiram com o dióxido de
carbono, eliminando-o da atmosfera. Sem o gás carbônico para
alimentar o efeito estufa, a Terra esfriou. Ao mesmo tempo,
Gondwana, o continente gigante austral, cobriu o polo Sul. Geleiras se
formaram mais uma vez, puxando a água, o que reduziu o nível do mar.
Isso fez com que o espaço nas plataformas continentais onde a maioria
dos animais vivia encolhesse. Essa era do gelo durou cerca de 20
milhões de anos, de 460 milhões a 440 milhões de anos atrás. Não foi
tão cataclísmica quanto a que aconteceu no Ediacarano, muito menos
quanto a que alimentou o Grande Evento de Oxidação — mas
extinguiu largo número de espécies de animais marinhos.

A vida, como sempre, reagiu ao ambiente em mutação. Após a


glaciação, surgiram plantas resilientes, semelhantes a samambaias,
com esporos ainda mais resistentes à dessecação do que os das
hepáticas. Estas, superadas, se resignaram aos lugares úmidos e
sombrios onde vivem ainda hoje. A terra, antes nua, revestiu-se de um
verde brilhante.
No final do Siluriano, há cerca de 410 milhões de anos, havia
florestas de nematófitas, musgos e samambaias. As raízes das plantas
trituraram as rochas abaixo delas, formando o solo. Nele, surgiram
fungos, e alguns deles ligaram-se às plantas para compor associações
benéficas — as micorrizas. Os fungos se espalharam no solo,
extraindo minerais importantes para o crescimento das plantas. Em
troca, estas lhes davam alimento produzido pela fotossíntese. As
plantas com extensões micorrízicas em suas raízes se saíram muito
melhor do que as outras. Hoje, praticamente todas as plantas crescem
graças às micorrizas alojadas em torno de suas raízes.7
Expostas ao vento e às intempéries, as plantas soltavam escamas,
esporos e outros pedaços. Nos espaços úmidos formados pela matéria
depositada na floresta, animaizinhos começaram a rastejar.

Os primeiros animais terrestres foram pequenos artrópodes — as


centopeias; alguns parecidos com aranhas, como os opiliões; e pulgas
de jardim, primas próximas dos insetos que logo surgiriam e se
tornariam os animais terrestres de maior sucesso que já existiram, em
termos de número tanto de indivíduos quanto de espécies.
Ao longo do Devoniano, as florestas cresceram e se espalharam.
Elas não eram parecidas com as florestas de hoje.8 Suas primeiras
árvores, as Cladoxylopsida, pareciam juncos gigantes de caule oco e
sem galhos, com cerca de dez metros de altura, que se projetavam em
direção ao céu e terminavam em estruturas parecidas com pincéis ou
com enxota-moscas de crina de cavalo.9 A elas se juntaram depois
plantas semelhantes a musgos e a Equisetum, conhecida como
cavalinha, encontrada em locais úmidos até hoje. As versões modernas
são muito pequenas, mas as parentes ancestrais eram gigantescas. O
Lepidodendron, um musgo do grupo dos licopódios, chegava a
cinquenta metros de altura; as cavalinhas, a vinte. A maioria dessas
árvores era oca. Elas não tinham cerne e eram sustentadas pela grossa
casca externa. Algumas delas, como a Archaeopteris, pareciam mais as
árvores modernas e tinham cerne — mas, em vez de se reproduzirem
por sementes, soltavam esporos como as samambaias.
Essa riqueza de plantas pode parecer, a princípio, uma ótima fonte
de alimento. Mas, por milhões de anos, as plantas ficaram de fora do
cardápio dos animais. Seu tecido lenhoso é duro e indigesto, e elas
também produziam substâncias químicas como fenóis e resinas que os
animais não toleravam. A matéria vegetal só pôde ser ingerida quando
decomposta por bactérias e fungos. Portanto, por muito tempo as
plantas não foram comida e sim o cenário de dramas em miniatura,
onde pequenos carnívoros caçavam minúsculos detritívoros sob a
serrapilheira. A herbivoria era uma habilidade a ser desenvolvida.
Primeiro, por insetos que passaram a se alimentar das partes sensíveis
das plantas — as estruturas reprodutivas, como os cones. E, depois,
por uma novidade que veio do mar: os tetrápodes.

Os animais, como toda a vida, surgiram no mar. A maioria de seus


descendentes ainda está lá, e os vertebrados não são exceção. A maior
parte dos vertebrados, ainda hoje, são peixes. Vistos dessa maneira, os
tetrápodes — os vertebrados que fizeram o deslocamento para a terra
— podem ser considerados um grupo de peixes bastante estranho que
se adaptou à vida acima da linha d’água.
Sua origem remonta ao Ordoviciano — a mesma época dos
primeiros peixes mandibulados —, quando houve um grande aumento
de biodiversidade.10 No Siluriano, já haviam surgido muitos peixes
com mandíbula, como o Guiyu, que apareceu no capítulo anterior.
Nesses peixes primitivos são combinadas características vistas hoje
em dois grupos bastante distintos. O primeiro, dos peixes ósseos com
nadadeiras raiadas, inclui praticamente todos os peixes vivos atuais,
de garoupas a gouramis, de trutas a pregados. Nesses peixes, as
barbatanas emparelhadas são ancoradas diretamente nos ossos da
parede do corpo. Nem sempre eles foram tão dominantes. Em tempos
antigos, os reis do pedaço eram seus primos, os peixes ósseos com
nadadeiras lobadas. Como o nome sugere, as barbatanas
emparelhadas desses peixes eram mantidas afastadas do corpo por
extensões carnudas robustas, sustentadas por ossos extras.

Os peixes de nadadeiras lobadas já foram um grupo variado, que


incluía os Onychodus, criaturas com crânio de ossos soltos e dentes
peculiares, semelhantes a presas; e os Rhizodontida, predadores
gigantescos. O maior deles, o Rhizodus hibberti, chegava a sete metros
de comprimento. Entre eles havia grande variedade de seres, muitos
deles cobertos de escamas grossas revestidas por um tipo de esmalte.
Talvez os peixes de nadadeiras lobadas mais conservadores fossem
(e ainda sejam) os celacantos. Eles apareceram no Devoniano11 e não
mudaram muito até que sumiram durante a era dos dinossauros — ou
assim pareceu por muito tempo. Em 1938, um espécime, que morreu
há pouco tempo, foi descoberto na costa da África do Sul: um
representante de uma população que ainda vive perto das ilhas
Comores, no oceano Índico.12 Mais recentemente, outra população foi
encontrada na Indonésia.13 Embora conhecidos pelos pescadores
locais, talvez tenham escapado à atenção científica devido a seu
habitat, em águas profundas próximas a falésias verticais submarinas.
Em contraste, alguns peixes pulmonados evoluíram tanto que mal
podem ser reconhecidos. O peixe pulmonado australiano Neoceratodus
é um peixe de água doce com armadura de escamas e muito parecido
com os antigos parentes de nadadeiras lobadas, mas seus primos,
Lepidosiren, da América do Sul, e Protopterus, da África, mudaram
tanto que no passado foram confundidos com tetrápodes.14
A dica está no nome.
Embora todos os peixes tenham começado com pulmões —
originalmente uma bolsa que crescia no céu da boca —, na maioria
deles essa bolsa se tornou uma bexiga de gás usada para regular a
flutuabilidade. No celacanto, que é exclusivamente marinho, ela é
preenchida de gordura. Os peixes pulmonados, por sua vez, vivem em
rios e lagoas que podem secar, deixando-os literalmente fora d’água.
Como consequência, fazem muito mais uso dos pulmões para respirar
o ar diretamente. De fato, o Lepidosiren precisa respirar ar para
sobreviver. Isso não significa que os peixes pulmonados sejam
parentes próximos dos tetrápodes. Suas adaptações à terra foram
feitas de forma independente, e, no Lepidosiren e no Protopterus, os
membros murcharam até se transformar em estruturas finas
semelhantes a chicotes, em vez de se tornarem robustos o suficiente
para suportar o peso do animal em terra. Os primeiros peixes
pulmonados, do Devoniano, eram muito parecidos com outros peixes
de nadadeira lobada de sua época.
Assim também eram os peixes cujos primos acabaram se
transferindo para a terra. Criaturas como o Eusthenopteron e o
Osteolepis eram peixes como os outros, mas seus primos próximos já
estavam evoluindo para um estado no qual a vida acima da água se
tornaria uma indulgência ocasional e, depois, um hábito regular.
Muitos desses peixes viviam em cursos d’água rasos e abarrotados
de vegetação rasteira, onde caçavam seus parentes menores. Alguns
cresceram e passaram a usar suas barbatanas flexíveis com suporte de
ossos para chegar aos melhores lugares onde emboscar transeuntes
desavisados. Muitos dos Rhizodontida eram assim. Já os
Elpistostegalia foram bem mais longe.

Os peixes Elpistostegalia foram predadores de águas rasas por


excelência. Ao contrário da maioria dos peixes, que tendem a ser finos
de lado a lado, eles eram achatados de cima para baixo, como
crocodilos — a forma ideal para espreitar nesse habitat. Para
completar, alguns tinham olhos no alto da cabeça, e não nas laterais.
Suas barbatanas não pareadas — dorsal, anal e assim por diante —
eram reduzidas ou ausentes, e as emparelhadas se desenvolveram no
que, para efeitos práticos, eram pequenos braços e pernas com
extremidades semelhantes a barbatanas. O Tiktaalik,15 do final do
Devoniano, é um exemplo típico; o Elpistostege,16 outro. Esses animais
mediam cerca de um metro de comprimento, com mais ou menos o
tamanho e a forma de jacarezinhos. Tinham cabeças largas e
achatadas com os olhos no alto e no meio, um corpo sinuoso e
membros anteriores robustos semelhantes a pernas. Os ossos dos
membros correspondiam muito proximamente aos dos vertebrados
terrestres. Esses peixes tinham pulmões e provavelmente não usavam
muito suas brânquias internas. A parte do teto do crânio que
normalmente se estenderia sobre a região das guelras era bem curta e
formava um “pescoço” distinto, ótimo para um predador de
emboscada que precisava virar a cabeça velozmente para agarrar
presas ligeiras. Os Elpistostegalia eram tetrápodes em quase todos os
aspectos, exceto pelas barbatanas que adornavam suas pernas no lugar
dos dedos.
Tiktaalik, Elpistostege e seus primos viveram há cerca de 370 milhões
de anos, perto do final do Devoniano. Sua história, porém, é muito
mais antiga. Um deles trocou os raios das barbatanas por dedos pelo
menos 25 milhões de anos antes. Cerca de 395 milhões de anos atrás,
um deles deixou suas pegadas em uma praia no que é hoje a região
central da Polônia.17 Ninguém sabe que tipo de tetrápode foi
responsável por essas marcas, mas só pode ter sido um tetrápode.
Além da data antiga, o que chama a atenção é que as pegadas não
foram feitas em água doce, mas em uma planície de maré, perto do
mar. Os primeiros tetrápodes, como Vênus,[18] emergiram diretamente
do oceano. Eles eram adaptados à água salgada, ou talvez à água
salobra dos estuários.19

Por baixo de tudo, a Terra continuava se movendo. Desde o


desmembramento do supercontinente Rodínia, suas partes estavam
dispersas, apartadas. Lentamente, a maré de meio bilhão de anos de
deriva continental começou a mudar. A extinção do Ordoviciano,
quando o grande continente meridional de Gondwana se deslocou
sobre o polo Sul, foi o prenúncio do que estava por vir.
No final do Devoniano, Gondwana e duas grandes massas de terra
do Norte, a Euramérica e a Laurússia, começaram a se aproximar. A
colisão produziria enormes cadeias de montanhas e uma única e vasta
massa de terra — a Pangeia. A coalescência dos continentes, mais uma
vez, fez com que as criaturas que viviam na superfície sentissem seus
efeitos: da mesma forma que as roupas de cama, quando sacudidas,
deslocam brinquedos e migalhas, livros e objetos postos
descuidadamente sobre elas, a ação do clima nas novas montanhas
brutas sugou o dióxido de carbono do ar, reduzindo o efeito estufa e
provocando o retorno das geleiras sobre o polo Sul de Gondwana. Em
outros lugares, o vulcanismo cobrou seu preço. Mais uma vez, a
extinção se aproximava.
A maioria das extinções aconteceu no mar. Os corais foram
severamente atingidos. Esponjas formadoras de recifes, chamadas
estromatoporoides, comuns no Devoniano, desapareceram.20 Os
estromatólitos ressurgiram nos recifes. O tumulto significou a ruína
para os últimos peixes com armadura e sem mandíbula, para os
placodermes e para a maioria dos peixes com nadadeiras lobadas. Mas
outros grupos sobreviveram. As épocas finais do Devoniano foram
marcadas por uma diversidade de tetrápodes.

No início, os tetrápodes não saíam da água. Apesar de disporem de


membros com dedos, ocupavam nichos aquáticos de predadores de
emboscada semelhantes aos dos Rhizodontida e dos Elpistostegalia,
substituindo-os. Quaisquer que fossem os membros com dedos ali, eles
não evoluíram especificamente para a vida em terra.
Entre os tetrápodes mais primitivos estavam o Elginerpeton,21 da
Escócia, e o Ventastega,22 da Letônia. Havia o Tulerpeton23 e o
Parmastega,24 da Rússia, e o Ichthyostega, dos pântanos tropicais no
que é hoje o leste da Groenlândia. O Parmastega se parecia muito com
o Tiktaalik, ou com um jacaré moderno, navegando na água com
apenas os olhos visíveis acima da superfície. O Ichthyostega era
relativamente grande, com cerca de um metro e meio de comprimento,
e corpulento, com uma coluna vertebral de formato curioso — se ele
andasse na terra, o faria como uma foca, em vez de usar suas pernas
grossas e atarracadas.25 O Acanthostega, também da Groenlândia,
alcançava a metade do comprimento do Ichthyostega e era muito mais
esbelto. Embora tivesse membros, eles se projetavam lateralmente e
apresentavam uma forma totalmente inadequada para andar em
qualquer lugar. Ele tinha brânquias internas — assim como um peixe
—, de modo que ficou totalmente confinado à água.26 Em contraste,
seu contemporâneo, o Hynerpeton, da Pensilvânia, nos Estados
Unidos, era muito musculoso e bastante capacitado para viver em
terra.27 Ao final do Devoniano, os tetrápodes se tornaram um grupo
muito diversificado de peixes estranhos com barbatanas lobadas e
com pernas — mas predominantemente aquático.

Pode-se ficar com a impressão de que os primeiros tetrápodes não


tinham pernas de verdade, ou, pelo menos, de que não tinham mãos e
pés. No Tulerpeton havia seis dedos por membro; no Ichthyostega, sete;
no Acanthostega, nada menos que oito.28 Desde então, muitos
tetrápodes perderam dedos e até membros inteiros pelo processo
evolutivo, mas nenhum tetrápode atual desenvolvido normalmente
tem mais que cinco dedos por membro. O membro com cinco dedos
(um estado conhecido como pentadactilia) parece tão arraigado que
chega a ser tomado por um arquétipo na mente de Deus — uma
criatura de seis dedos soa como uma ofensa à ordem natural.

A primeira onda de diversidade de tetrápodes durou até o final do


Devoniano, mas foi gradualmente substituída, nos períodos
subsequentes do Carbonífero, por uma fauna mais “moderna” de
criaturas menores e mais esbeltas.29 Elas se pareciam mais com
salamandras que com peixes e tinham definido quantos dedos
deveriam exibir na extremidade de cada membro.
Cerca de 335 milhões de anos atrás, quando a Pangeia estava
assumindo seus contornos finais, as florestas escuras e úmidas do que
é hoje West Lothian, na Escócia, eram vigorosas, com seres
rastejantes e coaxos dos primeiros tetrápodes, em um ambiente
vulcânico, talvez associado a fontes termais. Um dos tetrápodes dessa
rica fenda foi chamado de Eucritta melanolimnetes — o Monstro da
Lagoa Negra.30

Apesar das pernas suficientemente fortes para suportar o peso em


terra, havia um aspecto da vida dos primeiros tetrápodes que os
prendia à água: a reprodução. Como os anfíbios modernos, esses
primeiros tetrápodes precisavam voltar para o ambiente aquático para
se multiplicar. Seus filhotes devem ter sido como girinos — criaturas
semelhantes a peixes, com barbatanas e brânquias para respirar.
Acontece que estava prestes a surgir um grupo de animais que
revolucionaria a reprodução e possibilitaria a conquista final do
ambiente terrestre. Vivendo nas florestas carboníferas, em meio ao
coaxar de outros vertebrados terrestres primitivos, à correria dos
escorpiões do tamanho de cães grandes e à presença ameaçadora de
euripterídeos — escorpiões marinhos gigantes que seguiam os
tetrápodes até a costa —, havia uma criatura chamada Westlothiana.
Esse pequeno animal parecido com um lagarto31 estava
evolutivamente próximo dos ancestrais de um grupo de tetrápodes que
desenvolveu ovos com cascas duras e à prova d’água. Como cada ovo
era uma lagoa particular, eles podiam ser postos longe da água,
cortando, finalmente, a conexão entre a vida dos vertebrados e o mar.
Esses eram os animais que, um dia, dariam origem aos répteis, às
aves e aos mamíferos.
À luta, amniotas

As florestas de Archaeopteris e Cladoxylopsida foram varridas nas


extinções decorrentes da formação da Pangeia. Os corais e as esponjas
que construíram os grandes recifes dos oceanos do Devoniano
desapareceram. Todos os peixes com armadura — os placodermes —
foram extintos, junto com a maioria dos peixes com nadadeiras
lobadas e quase todos os trilobitas. A espuma, o lodo e os cabelos de
anjo das cianobactérias tomaram conta de tudo. Como nos tempos
antigos, os estromatólitos dominaram os recifes, pelo menos por
algum tempo.1
As extinções representaram um revés para os tetrápodes, cujas
incursões corajosas em terra foram interrompidas. Os tetrápodes que
sobreviveram à extinção ficaram perto da água. De preferência,
dentro dela.
Porém, alguns se reagruparam e tentaram reconquistar a terra
firme sob o céu inclemente. Era uma estirpe muito diferente dos
primeiros tetrápodes, que, de modo muito geral, não passavam de
peixes com pernas.
No início do Carbonífero, uma criatura de um metro de
comprimento chamada Pederpes, à primeira vista parecida com uma
salamandra, rastejou até a praia.2 Ao contrário da extravagância de
polidactilia dos primeiros tetrápodes, como o Acanthostega e o
Ichthyostega, o Pederpes estabeleceu o padrão que permaneceria até
hoje, de não mais que cinco dedos por membro — embora seus
vestígios fósseis indiquem um sexto dedo vestigial, lembrança de
tempos passados.
O Pederpes é considerado um gigante para seu tempo.
Compartilhava o mundo com muitos tetrápodes bem menores3 que
rondavam as margens da água em busca de artrópodes diminutos,
como milípedes, ou travavam minibatalhas mortais com escorpiões —
e combates em escala um pouco maior com os euripterídeos que
também saíram da água, seguindo os passos de suas antigas presas.4
Esses tetrápodes do início do Carbonífero, embora bem mais
adaptados à vida terrestre que seus parentes devonianos, não se
afastaram muito da água. Eles viviam em várzeas inundadas
frequentemente. A jornada para a terra deu alguns passos, mas ainda
era hesitante, um tanto provisória.
Alguns desses tetrápodes, inclusive, permaneceram aquáticos.
Mas poucos perderam os membros recentemente adquiridos. O
Crassigyrinus — um predador de um metro de comprimento parecido
com uma moreia, com membros minúsculos e a mandíbula enorme
cheia de dentes — era uma ameaça aquática que espreitava os
primeiros rios e lagoas do Carbonífero. Alguns poucos foram mais
longe. Pequenos anfíbios em forma de serpente, chamados aistópodes,
perderam completamente os membros.5 Essas criaturas eram
reminiscências de um tempo desaparecido: tetrápodes que nunca
saíram da água. O comprometimento dos tetrápodes com a terra foi,
por muitos milhões de anos, ambíguo.
As plantas terrestres que sombreavam os tetrápodes na esteira das
extinções do fim do Devoniano eram, como os próprios animais,
pequenas e rasteiras em comparação com suas ancestrais. Levou
tempo para que se recuperassem, mas enfim elas se tornaram as mais
poderosas florestas tropicais que já tinham existido. Eram dominadas
por cavalinhas de vinte metros de altura, como a Calamites, e por
licopódios, como o Lepidodendron, que se projetavam cinquenta
metros em direção a um céu que não era azul, mas marrom, e cheirava
a queimado.
A maioria das árvores hoje cresce devagar e vive por décadas ou
até séculos. Seus corpos são suportados por um cerne de madeira.
Mais perto da casca, colunas de vasos transportam água para cima até
as folhas, para abastecer a fotossíntese, e açúcares recém-fabricados
para baixo, a fim de alimentar as raízes e o restante da planta. Cada
árvore se reproduzirá muitas vezes em sua longa vida. Na floresta
tropical, as folhas no dossel sombreiam grande parte do solo e formam
um ecossistema totalmente separado, bem acima do solo escuro da
floresta, de plantas e animais que raramente, ou nunca, tocam o chão.
Mas as florestas de licopódios do Carbonífero não eram assim. Os
licopódios, como seus antepassados devonianos, eram ocos,
sustentados por uma casca grossa em vez de um cerne e cobertos de
escamas verdes semelhantes a folhas. Na verdade, toda a planta — o
tronco e a coroa de galhos inclinados para baixo — era escamosa. Sem
colunas de veios para transporte de água e alimentos, cada uma das
escamas era fotossintética, nutrindo os tecidos vizinhos.
Mais estranho ainda, essas árvores passavam a maior parte de suas
vidas como tocos imperceptíveis no chão. Só quando estavam prontas
para se reproduzir é que elas cresciam, espichando postes para cima
como fogos de artifício em câmera lenta,[6] para explodir em uma
coroa de galhos que lançavam esporos ao vento.
Depois que esses esporos eram dispensados, a árvore morria.
Ao longo de muitos anos de ventos e intempéries, fungos e
bactérias se incrustavam na casca até que ela desmoronasse no chão
encharcado da floresta. Uma floresta de licopódios lembraria a
paisagem desolada da Frente Ocidental da Primeira Guerra Mundial:
crateras de tocos ocos, cheios de refugos de água e morte; as árvores,
como postes, despidas de todas as folhas ou galhos, erguendo-se de um
atoleiro em decomposição. Quase não havia sombra e nenhum sub-
bosque, a não ser o acúmulo de restos que se formava ao redor dos
destroços dos troncos.

A vida perdulária dos licopódios teve imensas consequências para o


planeta. Seu crescimento rápido e repetido consumiu uma quantidade
inacreditável de carbono, absorvido do gás carbônico da atmosfera.
Esse consumo extravagante — junto ao intenso intemperismo das
montanhas recém-criadas — contribuiu para a diminuição do efeito
estufa e a retomada do crescimento das geleiras ao redor do polo Sul.
Em segundo lugar, a maioria das criaturas que hoje são
responsáveis por decompor árvores mortas — cupins, besouros (fig.
11), formigas e assim por diante — ainda não existia. Havia poucos
animais capazes de comer matéria vegetal. Entre eles estavam os
Palaeodictyoptera, um dos primeiros grupos de insetos a desenvolver
asas e voar. Alguns desses animais eram do tamanho de corvos e
tinham três pares de asas e não dois, como os insetos voadores
modernos.7 Na frente dos pares usuais havia um par de pequenas abas
vestigiais, remanescentes de uma era anterior de insetos com muitas
asas que se perdeu. Eles também tinham peças bucais proeminentes e
sugadoras, como os insetos. Voando bem acima do chão, pousavam no
alto dos licopódios para comer seus órgãos tenros produtores de
esporos.8

Em terceiro lugar, toda aquela fotossíntese produziu enormes


quantidades de oxigênio livre. Era tanto oxigênio na atmosfera que os
relâmpagos incendiavam as árvores como tochas, mesmo na floresta
pantanosa encharcada. Isso produzia montanhas de carvão e deixava o
céu permanentemente marrom e esfumaçado.
O carvão das queimadas, o enterramento rápido e a taxa mínima
de apodrecimento fizeram com que muitos troncos de licopódio
fossem rapidamente sepultados inteiros no chão da floresta para, 300
milhões de anos depois, emergir como carvão mineral. Esse é o carvão
que dá nome a todo esse período — o Carbonífero —, embora as
florestas de carvão tenham persistido até o Permiano. Cerca de 90%
de todas as reservas de carvão mineral conhecidas foram depositadas
em um estonteante intervalo de 70 milhões de anos, tempo que durou a
era das florestas de licopódios.9

Os anfíbios prosperavam e se diversificavam nesse período. Enquanto


os menores se contorciam e se enterravam nas margens, perseguindo
escorpiões, aranhas e opiliões, seus primos maiores ainda eram
aquáticos, nadando à procura de presas pequenas ou abocanhando
efeméridas gigantes, Palaeodictyoptera, libélulas do tamanho de
gaivotas e outros insetos alados que fossem parar na superfície da
água.
Alguns deles estavam, como sugere o nome “anfíbio”, numa posição
intermediária, com predileção por hábitos mais terrestres. Os
amniotas surgiram nesse grupo. A princípio, portanto, os amniotas se
pareciam muito com os outros anfíbios com quem compartilhavam o
mundo: todos eram criaturas bem pequenas, semelhantes a
salamandras.10 Como os anfíbios, sumiam em esconderijos na
cavidade dos tocos de licopódios e saíam para atacar baratas e traças,
passando longe de criaturas maiores, pesadelares, que a abundância de
oxigênio fizera crescer como monstros. Os amniotas se esquivavam do
ferrão de escorpiões do tamanho de lobos; escondiam-se de milípedes
tão compridos e largos quanto um tapete mágico; e, presume-se, se
acovardavam diante dos passos pontiagudos da marcha impiedosa dos
euripterídeos, escorpiões marinhos de dois metros que haviam
deixado o oceano para caçar aqueles peixes que eram sua presa e
evoluíam rapidamente.

Para um anfíbio, botar ovos nesse Jardim das Delícias era


imensamente arriscado. Desovar em águas abertas, como uma rã ou
um sapo moderno (fig. 12), significava fornecer um lanche fácil para
qualquer peixe ou outro anfíbio que passasse. Foi preciso então
desenvolver maneiras de proteger os descendentes. Alguns ficavam de
guarda na área de desova. Outros procuravam lagoas e poças longe do
mar aberto — em tocos de árvores, por exemplo; ou talvez desovassem
em massas gelatinosas na vegetação suspensa sobre a água, onde os
girinos cairiam quando eclodissem. Outros, ainda, prolongaram o
estágio larval, eclodindo não como girinos, mas como adultos em
miniatura, prontos para fugir de qualquer ameaça. Alguns foram às
últimas consequências e retiveram os óvulos dentro da mãe, tornando-
se capazes de nutri-los no tecido materno e dar à luz filhotes grandes e
vivos.11

Os amniotas foram mais longe. Sua adaptação não tinha a ver com
o local onde punham ovos, mas com os próprios ovos. O pontinho
preto, desafortunado e desamparado que era o embrião foi cercado
não apenas por um material gelatinoso, mas por uma série de
membranas que o manteriam longe do perigo pelo maior tempo
possível.
Uma delas é o âmnio, a membrana fetal à prova d’água que fornece
ao embrião um lago exclusivo e um sistema de suporte à vida.12 O saco
vitelino o mantém nutrido. Outra membrana, alantoide, coleta e
armazena os resíduos. Ao redor de tudo isso fica o córion e, ao redor
dele, a casca.
A casca dos primeiros amniotas era macia e coriácea, mais
parecida com a casca do ovo da cobra ou do crocodilo que com a do
ovo duro e cristalino das aves.13 É importante ressaltar que os ovos
dos amniotas não precisavam mais dos cuidados parentais sofisticados
e desgastantes que os anfíbios dedicavam à sua prole. Os ovos podiam
ser postos — enterrados sob folhas ou dentro de um tronco apodrecido
para que se mantivessem aquecidos — e, então, abandonados.
No início, o ovo amniota era apenas uma outra maneira de os
anfíbios aumentarem as chances de seus descendentes sobreviverem
em vez de serem devorados antes mesmo de terem eclodido. Mas esses
primeiros animais que punham ovos também desenvolveram uma
maneira de se libertar completamente da água. O ovo amniota era
como um traje espacial para colonizar um mundo novo e hostil
totalmente distante do aquático.
Em alguns milhões de anos, os verdadeiros amniotas apareceram.
Antes pequenos e semelhantes a salamandras, agora ainda eram
pequenos, mas semelhantes a lagartos. Animais como o Hylonomus e o
Petrolacosaurus eram parecidos e faziam mais ou menos as mesmas
coisas: procurar insetos e outros animaizinhos incapazes de escapar
de suas mandíbulas famintas. Esses seres eram próximos das
linhagens que mais tarde produziram cobras, lagartos, crocodilos,
dinossauros e aves. O destino do Archaeothyris, porém, estava em
outra parte. Essa criatura era um pelicossauro, membro de um grupo
de répteis cujos descendentes incluiriam os mamíferos — por
exemplo, nós.

O surgimento do ovo amniota foi a chave para o sucesso dos


vertebrados terrestres. À sua maneira, o mundo das plantas também
respondeu ao desafio da aridez: com a aparição das sementes em uma
série de parentes superficialmente parecidos com a samambaia que
mais tarde se tornariam as coníferas. Eram as samambaias com
sementes.
As hepáticas e os musgos, as primeiras plantas terrestres, são
como os anfíbios, na medida em que sua reprodução depende
totalmente de água. As plantas masculinas produzem
espermatozoides que nadam pela camada brilhante de água que
recobre suas folhas e seus caules, amantes da umidade, em busca de
óvulos de plantas femininas para fertilizar. Um óvulo fertilizado dá
origem a uma planta que não produz óvulos ou esperma, mas pequenas
partículas chamadas esporos. Eles se espalham pelo ambiente e, aonde
chegam, germinam, formando mais plantas masculinas e femininas.
E o ciclo continua, com gerações alternadas de plantas produtoras
de células sexuais (gametófitas) e produtoras de esporos (esporófitas).
Embora os esporos sejam, geralmente, resistentes à dessecação,
esperma e ovos não são, e é por isso que os musgos e as hepáticas estão
sempre conectados à água.
Em musgos e hepáticas, gametófitos e esporófitos são
semelhantes. Em samambaias, as esporófitas prevalecem — é o caso
de todas as samambaias que vemos nas matas e campos, cujos esporos
são produzidos em longas fileiras de cápsulas sob as folhas. Em
contraste, as gametófitas são pequenas, delicadas e ocultas, e não se
parecem muito com as samambaias como as imaginamos. Como
produzem ovos e espermatozoides que se movem por uma película de
água, precisam de locais úmidos para sobreviver. O mesmo valia para
o gigantesco licopódio e a cavalinha das grandes florestas de carvão.
Em algumas das samambaias, as gametófitas diminuíram tanto
que ficaram praticamente do tamanho das células sexuais que
produziam. Tão pequenas, de fato, que toda a geração ficava
confinada aos esporos, que podiam ser masculinos ou femininos. Em
algumas espécies, os esporos femininos geralmente permaneciam
presos à planta em vez de serem lançados no meio ambiente. Os
esporos masculinos eram levados até os femininos pelo vento. O ovo,
uma vez fertilizado, tornava-se uma semente, protegida por uma casca
dura e resistente, e só germinava em condições apropriadas. A
aparição da semente, assim como a do ovo amniota, permitiu que as
plantas também se libertassem da tirania da água.

O crescimento exuberante das florestas carboníferas não durou muito.


Os tempos mudaram com o lento movimento da Pangeia para o norte.
As regiões que antes ficavam sobre o polo Sul e cobriram-se de gelo
durante grande parte do fim do Carbonífero e do início do Permiano,
mais uma vez degelaram. Com a fusão dos continentes do norte e do
sul, não havia caminho desimpedido para a água quente e equatorial
circular pelo globo. Tinha muita terra no meio do caminho.
Mas havia um oceano cheio de vida. Era Tétis, um grande golfo
tropical cercado de recifes, no lado leste da Pangeia, que fazia o
supercontinente todo parecer uma letra C.
Esse formato da Pangeia impedia a água equatorial de circundar a
Terra e isso fazia com que as margens do Tétis tivessem estações
muito variáveis. Períodos longos e secos eram pontuados por chuvas
de monções ferozes, semelhantes àquelas que agora inundam a Índia,
mas em escala global.14 Esse clima sazonal foi demais para as florestas
tropicais de licopódios, que pediam umidade tropical o ano todo. As
florestas encolheram, tornando-se manchas isoladas. A exceção foi o
sul da China, na época um continente insular no extremo leste do
Tétis: uma terra esquecida pelo tempo.
A paisagem foi substituída por uma mistura de samambaias
arbóreas produtoras de esporos, samambaias produtoras de sementes
e licopódios menores, geralmente adaptados a um clima mais sazonal
em que grande parte do ano era seco e muito, muito quente. Longe da
costa, os desertos se espraiavam.

O desaparecimento das florestas de carvão teve um efeito severo sobre


o destino de répteis e anfíbios.15 Os anfíbios sofreram, mas os répteis
conseguiram sobreviver e se adaptar às oportunidades oferecidas pelo
clima mais seco.
Embora muitos anfíbios se parecessem com crocodilos e vivessem
perto da água, alguns encararam o desafio de viver no deserto e
tinham aparência mais reptiliana. Um deles foi o Diadectes, um animal
semelhante ao rinoceronte com até três metros de comprimento e, de
certo modo, um pioneiro. Foi um dos primeiros tetrápodes a adotar
uma dieta nova e radical — o vegetarianismo. Até então, todos os
tetrápodes comiam insetos, peixes ou uns aos outros. É difícil obter
carne, mas, quando deglutida, sua digestão é fácil e rápida. Como as
plantas são obrigadas a ficar onde estão e lutar, elas fazem isso com
tecidos resistentes e fibrosos — cada célula é blindada com uma
parede de celulose indigerível.
Se a matéria vegetal não pode ser decomposta mecanicamente — e
os primeiros tetrápodes não tinham dentes eficazes para moer —, ela
tem de ser picada, cortada, engolida e fermentada lentamente por uma
variedade de bactérias em um intestino espaçoso até virar um
composto que libera nutrientes escassos de forma muito vagarosa. É
por isso que os herbívoros tendem a ser grandes, lentos, e mastigam
praticamente o tempo todo. O Diadectes ganhou companhia. Entre os
primeiros herbívoros reptilianos estavam o pareiassauro, maciço e
verruguento, herdeiro anabolizado do pequeno Hylonomus, o primeiro
réptil, e uma variedade de pelicossauros, entre eles o Edaphosaurus,
criatura bem mais elegante, que ostentava uma grande membrana nas
costas, sustentada por vértebras alongadas.
Esses herbívoros eram predados por anfíbios terrestres, como o
Eryops, que parecia uma mistura de sapo com jacaré. Se tivesse rodas,
seria um veículo blindado com dentes. Outros pelicossauros com vela
nas costas, como o Dimetrodon (fig. 13), competiam com o Eryops.
Ao contrário de mamíferos e aves, répteis e anfíbios não controlam
sua temperatura corporal. Entorpecidos e indefesos no frio, eles
precisam se aquecer ao sol para ficarem ativos. Isso cria uma
oportunidade para os animais capazes de se aquecer e se resfriar mais
rapidamente que os demais. Os pelicossauros estão entre os primeiros
tetrápodes a assumir o controle ativo de seu metabolismo. Quando
ficavam com suas velas voltadas para o sol, o Edaphosaurus e o
Dimetrodon se aqueciam muito mais depressa que os répteis sem essa
capacidade — e eram os primeiros a chegar na comida. Quando as
velas ficavam de frente para o sol, eles perdiam calor rápido também.
Os pelicossauros tinham outro truque: ao contrário da maioria dos
répteis, cujas mandíbulas contam com fileiras de dentes idênticos e
pontiagudos, eles desenvolveram presas de tamanhos diferentes, que
lhes permitem processar alimentos com mais eficiência.
Essas adaptações — regulação do calor e desenvolvimento de
dentes de tamanhos variados — são pistas do que estava por vir. Um
dos descendentes da linhagem dos pelicossauros foi o Tetraceratops,16
que viveu no início do Permiano nos antigos desertos onde hoje fica o
Texas. Embora muito parecido com o pelicossauro, há sinais no crânio
e nos dentes de uma mudança para algo totalmente diferente, uma
nova ordem de répteis na qual algumas das inovações metabólicas dos
pelicossauros se tornaram muito mais acentuadas. Essas criaturas são
conhecidas como terapsidas.17 Também diz-se que são “répteis
semelhantes a mamíferos” — são, de fato, a linhagem da qual os
mamíferos descendem. No meio do Permiano, no entanto, tudo isso
ainda estava dezenas de milhões de anos no futuro.
Os terapsidas diferiam dos pelicossauros e de outros répteis
porque tendiam a manter os membros eretos e embaixo do corpo, em
vez de abertos para os lados. Eles eram dotados de uma variedade
interessante de dentes, adaptados a suas dietas, e tinham sangue
quente; isto é, podiam regular o metabolismo, não importava o que o
sol fizesse. Os terapsidas dominaram as paisagens secas e sazonais da
Pangeia. Eles eclipsaram os pelicossauros, seus parentes, e quase
fizeram com que todos os anfíbios que gostavam mais da terra
voltassem para a água.
Para cada nicho ecológico que o Permiano médio e tardio oferecia,
havia um terapsida que se encaixava perfeitamente. Os primeiros
terapsidas herbívoros incluíam monstros de duas toneladas, como o
Moschops. Depois deles vieram os dicinodontes, sem dúvida os
tetrápodes mais bem-sucedidos e mais feiosos que já andaram no
planeta. Essas criaturas em forma de barril podiam ter desde o
tamanho de um cachorrinho até o de um rinoceronte. Sua cabeça era
larga, mas o rosto foi ficando achatado, como se tivesse passado a vida
prensado contra um vidro. Todos os dentes foram substituídos por um
bico córneo, exceto por um par de caninos superiores muito grandes,
semelhantes a presas de elefante. Embora nominalmente herbívoros,
os dicinodontes engoliam tudo o que conseguissem enfiar na boca.
Alguns menores conseguiam cavar uma toca. Ambos os hábitos
serviriam para protegê-los do apocalipse que estava por vir.
Dicinodontes eram perseguidos por predadores ferozes — seus
primos terapsidas, os gorgonopsídeos. Como os dicinodontes, eles
tinham dimensões variadas, desde o tamanho de um texugo até o de
um urso, mas, exceto pelos gorgonopsídeos não prensarem a cara
contra o vidro, ambos eram muito semelhantes. Quadrúpedes
desleixados e compridos, ostentavam enormes dentes caninos
superiores, comparáveis aos do tigre-dente-de-sabre. Entre outros
terapsidas carnívoros, incluíam-se os cinodontes, menores que os
gorgonopsídeos — os mais tardios ainda menores.
Conforme o Permiano avançava, os cinodontes foram relegados às
margens. Eles eram pequenos e às vezes noturnos. Tinham cérebros
grandes e dentes diferenciados em incisivos, caninos e molares.
Tinham pelos e bigodes. Compartilhavam as fronteiras de seu mundo
com os descendentes de Petrolacosaurus e Hylonomus, pequenos e, em
geral, similares a lagartos.

Em seu auge, a Pangeia se estendia quase de polo a polo. A união dos


continentes em uma única massa de terra teve consequências drásticas
para a vida, tanto na terra quanto nos oceanos. Em terra, formas de
vida até então endêmicas de determinados continentes se misturaram
e se associaram com outras. A competição entre nativos e recém-
chegados foi feroz, e muitos tipos de animais desapareceram.
A vida marinha era mais abundante na plataforma continental — a
parte do mar mais próxima da terra. Quando os continentes se
fundiram, ela diminuiu e a competição por espaço de vida no mar,
portanto, também se tornou intensa.

O próprio clima ficou mais penoso. O interior da Pangeia era seco,


mesmo pontuado por inundações anuais de monção, e — com a deriva
para o norte de toda a massa terrestre — frequentemente muito
quente. Embora as regiões frias do sul da Pangeia estivessem cobertas
por um matagal interminável de uma samambaia chamada
Glossopteris, a vida vegetal não era mais tão luxuriante. Isso implicava
menos oxigênio do que antes: no final do Permiano, respirar ao nível
do mar era como tentar respirar no Himalaia hoje. A vida terrestre
ofegava.

O pior ainda estava por vir, o Armagedom se aproximava. Perto do


final do Permiano, uma pluma mantélica18 que subia das profundezas
da Terra havia milhões de anos atingiu a crosta e a derreteu.
No final do Permiano, não seria necessário descer às profundezas
da Terra para encontrar o inferno, porque o inferno veio à superfície.
Ele ficava no que hoje é a China, onde uma paisagem exuberante de
floresta tropical foi transformada em um caldeirão de magma, lava e
fumaça de gases nocivos que aumentou o efeito estufa, acidificou os
oceanos e despedaçou a camada de ozônio, fazendo ruir o escudo da
Terra contra a radiação ultravioleta.
A vida ainda não estava recuperada desse desastre quando, cerca
de 5 milhões de anos depois, aconteceu outro. A pluma mantélica da
China tinha sido só o aperitivo. O prato principal era uma pluma
mantélica ainda maior que, subindo das profundezas, perfurou a
superfície da Terra onde hoje fica a Sibéria ocidental.
O chão rachou. A lava corria de uma miríade de fissuras e acabou
pavimentando com basalto negro de milhares de metros de espessura
uma área do tamanho do que hoje são os Estados Unidos continentais.
A cinza, a fumaça e o gás que acompanharam a lava mataram quase
toda a vida no planeta. Mas não de imediato: foram 500 mil anos de
agonia tóxica.
Nessa infusão maligna, o dióxido de carbono foi o pior — o
suficiente para criar um efeito estufa que elevou a temperatura média
da superfície da Terra em vários graus. Com a falta de oxigênio e o
calor escaldante que já vinham de antes, partes da Pangeia tornaram-
se completamente inabitáveis.
O efeito nos recifes que margeavam o Tétis foi catastrófico.
Amantes de sol, as algas que viviam dentro dos pólipos gelatinosos —
os recifes de coral — eram ultrassensíveis à temperatura. Quando o
mar esquentou, elas abandonaram suas casas, matando os pólipos.19 O
coral, branqueado e morto, desmoronou. Os corais tabulados e
rugosos, a base dos ecossistemas dos recifes por dezenas de milhões de
anos, já estavam em declínio com a mudança do nível do mar, mas o
evento siberiano foi a pá de cal.20 Sem eles, os organismos diversos
que dependiam desse habitat também foram extintos.
E houve mais. Os vulcões chamuscaram o céu com ácido. O
dióxido de enxofre formou uma espuma no alto da atmosfera, onde
ajudou a constituir partículas microscópicas sobre as quais o vapor de
água se condensou em nuvens que refletiam a luz solar no espaço,
resfriando a superfície da Terra, ainda que temporariamente. Em meio
ao calor havia picos de frio intenso. Quando choveu, o dióxido de
enxofre ácido arrancou a vida vegetal do solo: o lixiviou e queimou as
árvores até reduzi-las a tocos enegrecidos. Traços de ácido clorídrico e
até fluorídrico agudizaram o problema. E enquanto não virava chuva,
o ácido clorídrico danificava a camada de ozônio que protegia a Terra
dos raios ultravioleta.
Em tempos normais, o plâncton no mar e as plantas na terra teriam
absorvido grande parte do dióxido de carbono. Mas a vegetação já
estava sob estresse. Assim, em vez de ser absorvido, o dióxido de
carbono foi lavado pela chuva, aumentando a taxa de intemperismo.
Sem plantas para estabilizar o solo, o clima lavou tudo, deixando a
rocha nua. O mar se tornou uma sopa espessa e turva, não apenas com
sedimentos, mas com as carcaças dos organismos — plantas e animais
— mortos pela carnificina em terra. As bactérias decompositoras
consumiram o pouco oxigênio que restava. Algas tóxicas
desabrocharam sobre os cadáveres até também murcharem. O ácido
borbulhante na água corroía a concha de qualquer criatura que tocasse
até dissolvê-la. Os esqueletos minerais dos quais criaturas marinhas
dependiam — as que sobreviveram no mar escurecido e estagnado —
tornaram-se finos e frágeis, até que não havia mais conchas.
E ainda viria mais. A pluma mantélica desestabilizou os depósitos
de metano, até então congelados sob o oceano Ártico. O gás borbulhou
até a superfície do mar numa velocidade que fez jorrar espuma a uma
altura de centenas de metros na atmosfera. O metano é um gás de
efeito estufa muito mais potente que o dióxido de carbono. O mundo
fritou.
Se isso não bastasse, a cada poucos milhares de anos as erupções
enviavam nuvens de vapor de mercúrio para a atmosfera,21 para
envenenar qualquer coisa que ainda não tivesse sido asfixiada,
gaseada, queimada, fervida, grelhada, frita ou dissolvida.

Ao final, dezenove em cada vinte espécies de animais marinhos e mais


de sete em cada dez terrestres foram extintas. Entre elas, animais que
não deixaram descendentes ou parentes próximos.
A extinção matou o último dos trilobitas, por exemplo. Essas
criaturas atarefadas, parecidas com tatuzinhos de jardim, andavam
apressadamente no fundo do mar e ali nadavam desde o início do
Cambriano. No Permiano, elas já estavam em declínio havia muito
tempo, e restaram tão poucas que seu suspiro final foi discreto, em
tom menor.
O mesmo ocorreu com os blastoides, um grupo de equinodermos
pedunculados. Entre o Cambriano e o Permiano existiram cerca de
vinte tipos de equinodermos, dos quais os blastoides estavam entre os
últimos a sobreviver. Os equinodermos que ainda estão conosco, por
outro lado, são em geral tão familiares que nem reparamos neles. Hoje,
existem apenas cinco tipos: estrelas-do-mar, estrelas-serpente,
pepinos-do-mar, ouriços-do-mar e estrelas-de-pena.[22]
No entanto, poderiam muito bem ser só quatro. Se não fosse por
duas espécies de um gênero de ouriço-do-mar que sobreviveram à
tempestade, eles também teriam sido condenados ao esquecimento.
Os sobreviventes persistiram, evoluíram e se diversificaram até dar
origem a todos os ouriços-do-mar vivos hoje. Embora os modernos —
de ouriços-do-mar-púrpura e globulares às achatadas bolachas-da-
praia (fig. 14) — sejam muito variados, os do Paleozoico eram ainda
mais. Todas as espécies atuais derivam do limitado reservatório
genético que foi legado pelos poucos sobreviventes do cataclismo. Se
não fosse a resistência dessas testemunhas da destruição, os ouriços-
do-mar estariam ausentes das nossas praias e seriam tão remotos e
exóticos para nós quanto os blastoides.23

Praticamente todos os moluscos de concha pereceram, queimados


por ácido ou afogados em um mar sem oxigênio repleto de matéria em
decomposição. Algumas poucas espécies sobreviveram. Uma delas foi
a Claraia, uma bivalve que parecia uma vieira. No Permiano, e até
antes dele, os reis do mar eram criaturas chamadas braquiópodes.
Superficialmente, pareciam moluscos bivalves, com corpos moles
protegidos por duas conchas como mãos em posição de oração, e
ganhavam a vida filtrando detritos da água. A extinção no final do
Permiano desequilibrou a balança. Quase todos os braquiópodes
foram extintos, e os que sobraram se tornaram atores muito figurantes
no ecossistema oceânico moderno. O espólio foi para a Claraia e seus
descendentes, o que explica por que bivalves como o berbigão e o
mexilhão (bem como as vieiras) são os que hoje coalham a costa,
enquanto os braquiópodes geralmente aparecem apenas como fósseis.
A extinção do final do Permiano teve consequências para a vida que
ressoam até hoje.

Em terra, gerações de anfíbios e répteis foram varridas. Legiões de


pareiassauros desajeitados, com chifres e cheios de verrugas,
desapareceram. Da mesma forma, os pelicossauros com velas nas
costas não sobreviveram. Nem a maioria de seus parentes terapsidas.
As manadas de dicinodontes que cortavam cavalinhas e samambaias
nas planícies foram quase inteiramente abatidas, junto com os
gorgonopsídeos dente-de-sabre que os perseguiam.
Praticamente todos os anfíbios voltaram para a água de onde
haviam saído no Devoniano. Todos aqueles que forjaram uma
existência na terra, tornando-se mais reptilianos na vida e nos hábitos,
foram extintos. O ancestral de todos os amniotas, que tornou a vida
terrestre uma proposta muito mais viável, emergira desse grupo de
criaturas, no início do Carbonífero. Nenhum ser como ele vive hoje.

Os portões do inferno, entreabertos na China e escancarados na


Sibéria, sugaram para o abismo quase toda a vida existente. A terra
virou um deserto vazio e silencioso; pouca vida vegetal se agarrava aos
destroços de um planeta moribundo. O oceano restou praticamente
morto. Os recifes se foram, o fundo do mar ficou recoberto por um
tapete fedorento de lodo. Parecia que a vida tinha sido catapultada de
volta ao Pré-Cambriano.
Mas ela retornaria. E quando isso acontecesse, seria na forma do
carnaval mais colorido e exuberante de esplendor que já existiu.
Triassic Park

A recuperação do desastre que encerrou o período Permiano levou


dezenas de milhões de anos. O mundo, outrora repleto de vida tanto
no mar quanto na terra, ficou esvaziado. Um prato cheio para
oportunistas, como o extraordinário Lystrosaurus (fig. 15).

Com o corpo de um porco, a atitude intransigente de um golden


retriever em relação à comida e a cabeça de um abridor de latas
elétrico, o Lystrosaurus foi o equivalente animal a plantas daninhas
brotando em um campo bombardeado. Ele era um dicinodonte,
membro do grande e variado grupo dos terapsidas, que dominara a
terra no Permiano. O hábito de se entocar em buracos pode tê-lo
salvado do apocalipse que ceifou a vida da maioria de seus parentes.
Seu sucesso se deu pela disposição de ir a qualquer lugar e comer
qualquer coisa, e por seu crânio, que era mais largo do que comprido.
Músculos de mastigação maciços moviam a mandíbula sem dentes,
exceto por um bico córneo e afiado. O maxilar superior também foi
reduzido a uma lâmina, com exceção de um par de caninos alongados
na forma de presas em ambos os lados da face chapada. A cabeça
potente funcionava como uma retroescavadeira — raspando,
ceifando, cavando e enfiando na boca tudo que encontrava, em eterna
mastigação.
Imediatamente após a extinção, e por milhões de anos mais, a vida
terrestre foi quase uma monocultura de Lystrosaurus. Eles andavam
em manadas por toda a Pangeia e eram tão felizes nas florestas e nos
pântanos eventuais quanto nos desertos quentes e secos típicos do
período. É claro que havia outros animais, mas nove em cada dez eram
Lystrosaurus: sem dúvida o vertebrado terrestre de maior sucesso que
já existiu.

E o que mais sobreviveu, além do Lystrosaurus? O flerte dos anfíbios


com uma vida terrestre, em animais como o Diadectes e o Eryops, não
durou. Os anfíbios triássicos eram aquáticos, com hábitos e aparência
semelhantes aos dos crocodilos. Alguns deles eram muito grandes —
os maiores sobreviveram até o meio do Cretáceo, remanescentes
antigos de uma era desaparecida, até, finalmente, serem extintos
também. A vitória, digamos assim, foi para as formas menores. O
primeiro sapo, o Triadobatrachus, surgiu no Triássico.
Apesar de seu alcance global, o Lystrosaurus foi muito menos
comum nas regiões dos extremos norte e sul da Pangeia,
particularmente no início do Triássico. Nessa época, as áreas polares,
embora mais frias que a zona equatorial, tórrida ao extremo, eram
áridas entre os cursos d’água, ainda dominados pelos anfíbios
gigantes.

Os herdeiros reptilianos do Triássico descendiam daquelas poucas


criaturas pequenas que escaparam da extinção, na cola (e dentro das
tocas) do Lystrosaurus. Uma vez no Triássico, eles se diversificaram
muito rapidamente em uma deslumbrante variedade de formas —
resposta afrontosa aos eventos que quase destruíram a vida de forma
irrecuperável.1 E muitos desses répteis recém-criados foram para a
água.
Assim como os sapos, as tartarugas são um grupo de animais que
surgiu no Triássico e também se diversificou na água. Embora a
Proganochelys se parecesse com uma tartaruga terrestre moderna, com
um casco totalmente formado em cima e embaixo, outras tartarugas
triássicas eram bem diferentes — entre elas, incluíam-se a
Odontochelys, que tinha um casco totalmente formado na barriga (o
plastrão), mas apenas uma carapaça parcial na parte superior,
composta de costelas largas;2 a Pappochelys, do tamanho de uma
tartaruga de água doce, na qual a carapaça e o plastrão ainda não
haviam se formado completamente;3 e a Eorhynchochelys, de um metro
de comprimento, que não tinha plastrão nem carapaça e combinava
uma cauda longa atípica em tartarugas com um bico muito parecido
com o delas.4 O Triássico foi uma época de ouro para tartarugas,
quase tartarugas e até imitações de tartarugas, com uma grande
variedade de formas e modos de vida.
À primeira vista parecidos com as tartarugas, os placodontes5
eram répteis marinhos de corpo grosso e movimento lento, muitas
vezes blindados com uma carapaça e com dentes em forma de lápide,
especializados em esmagar conchas de moluscos (fig. 16). Enquanto os
placodontes escavavam o lodo em busca de mariscos, outros répteis —
os notossauros e os talatossauros e paquipleurossauros (similares) —
disparavam pelos mares cintilantes em busca de peixes. Essas
criaturas eram esguias, com pescoços e caudas longos e membros
usados como nadadeiras. Os notossauros são parentes dos
plesiossauros — com frequência muito maiores e ainda mais
aquáticos, que surgiriam muito mais tarde. Notossauros,
paquipleurossauros e talatossauros, assim como os placodontes,
viveram e morreram todos no Triássico.

O Tanystropheus rondava as águas rasas e mergulhava atrás de


peixes. Com seis metros de comprimento, tinha o pescoço tão ou mais
longo que seu corpo e cauda combinados. Mais curioso ainda, o
pescoço era rígido, formado por apenas uma dúzia de vértebras muito
compridas. De todas as esquisitices do carnaval reptiliano do
Triássico, o Tanystropheus foi uma das mais estranhas.
Se não contarmos os drepanossauros.
Essas criaturas improváveis passavam a maior parte do tempo
suspensas sobre a água por uma cauda preênsil com uma garra rígida
na ponta que funcionava como gancho. Sustentadas assim no alto,
deslizavam a pata na água para pegar peixes, com a ajuda de garras
semelhantes a anzóis em cada um dos dedos dos membros anteriores,
até fisgar e então engolir a presa com seus longos bicos de ave.[6]
Entre os habitantes dos mares estavam os hupehsuchus,7 pequeno
grupo de répteis aquáticos com membros atarracados semelhantes a
nadadeiras e focinhos longos em forma de bico. Esses estranhos seres
eram aparentados dos ictiossauros, o apogeu dos répteis aquáticos.
Também surgidos no Triássico e lembrando golfinhos, os ictiossauros
passavam a vida toda no mar e davam à luz filhotes, como as baleias.
Alguns chegavam a tamanhos próximos ao delas: o Shonissauro,8 que
alcançava 21 metros de comprimento, foi não só o maior ictiossauro,
mas o maior réptil marinho que conhecemos. Embora os ictiossauros
tenham vivido até o final do Cretáceo, nenhum se comparou a eles em
seu auge no Triássico.

Em terra, os monstruosos pareiassauros do Permiano, chifrudos e


cheios de verrugas, pastaram pela última vez; mas esse não foi o caso
de seus primos distantes, os procolofonídeos. Essas criaturas
pequenas, atarracadas e espinhosas tinham o crânio largo repleto de
dentes apropriados para moer vegetais ou insetos. Nenhuma
vegetação rasteira de samambaias e cicas estaria completa sem essas
criaturas discretas, porém industriosas. Bastaria abrir a folhagem
para ver uma ou mais delas fugindo para a sombra. No Triássico, os
procolofonídeos estavam por toda parte — mas todos desapareceriam
até o final do período.
Eles facilmente se confundiriam com os esfenodontes, também
espinhosos e semelhantes a lagartos, que eram, como os
procolofonídeos, onipresentes. Ao contrário dos procolofonídeos, no
entanto, os esfenodontes sobreviveram — ainda que por pouco — e
vivem até hoje. O único esfenodonte remanescente é a tuatara,
confinada hoje a algumas pequenas ilhotas ao largo da Nova Zelândia,
a última espécie de uma linhagem que remonta a quase 250 milhões de
anos.
O mesmo aconteceu com os primeiros escamados verdadeiros —
os ancestrais dos nossos lagartos e cobras. Eles também surgiram no
Triássico, representados pelo Megachirella.9 Muitos pequenos répteis
primitivos se pareciam superficialmente com lagartos, mas o
Megachirella era de fato um.
Assim como os pequenos anfíbios do Carbonífero, os lagartos
tinham propensão a perder as pernas, o que aconteceu muitas vezes na
evolução desse grupo. O ponto culminante dessa tendência foi o
aparecimento das cobras, que só aconteceria no futuro, no período
Jurássico, quando a dissolução da Pangeia levou ao florescimento
evolutivo de lagartos e cobras.10 Não que as cobras tenham perdido
seus membros de uma só vez — algumas formas primitivas
mantiveram os membros posteriores. A Pachyrhachis, do Cretáceo, que
deslizava ao largo da costa sul do Tétis, tinha membros posteriores
minúsculos e vestigiais.11 A Najash tinha membros posteriores, presos
ao sacro, muito mais robustos e funcionais — e vivia em terra.12 Logo
que surgiram, portanto, as cobras se diversificaram em formas
cavadoras de tocas e nadadoras.
O Lystrosaurus — e um ou outro dicinodonte mais raro que resistiu até
o fim do Permiano — continuou evoluindo e se diversificando, dando
origem a diversos animais semelhantes, mas muito maiores, como o
Kannemeyeria, do tamanho de uma vaca. Essas criaturas percorriam
as planícies ao lado dos rincossauros, que se pareciam bastante com os
dicinodontes, com corpos rechonchudos e focinhos em forma de bico,
mas eram parentes mais próximos do Rei do Triássico — ou Rei dos
Répteis — o arcossauro.
Nem todos os primeiros arcossauros eram pequenos. Um deles foi o
gigantesco e aterrorizante Erythrosuchus, um monstro de cinco metros
que se especializou na abundante fonte de alimento chamada
Lystrosaurus.

Hoje, os arcossauros são representados por dois tipos muito diferentes


de animais — crocodilos e aves. No Triássico, as aves ainda não
existiam, mas havia uma variedade desconcertante de animais mais ou
menos parecidos com crocodilos.
Talvez os mais próximos fossem os fitossauros, que poderiam ser
facilmente confundidos com crocodilos, exceto por sua tendência a ter
narinas no topo da cabeça, e não na ponta — o que permitia que
nadassem com facilidade debaixo d’água com uma superfície mínima
do corpo aparecendo fora dela. Os fitossauros eram carnívoros, ou
melhor, comedores de peixes. Seus parentes, os aetossauros, eram
vegetarianos e se protegiam com carapaças pontiagudas e blindadas,
um presságio dos anquilossauros que surgiriam 100 milhões de anos
depois.
Os aetossauros tinham muitos motivos para temer os formidáveis
rauisuchianos, predadores quadrúpedes que chegavam a seis metros
de comprimento, com crânios profundos e poderosos que se pareciam
sinistramente com os dos grandes dinossauros carnívoros, como os
tiranossauros. Embora muitos crocodilos andem com os membros
abertos lateralmente, eles também são capazes de uma marcha
chamada “caminhada alta”, na qual seus membros ficam com mais
firmeza sob o corpo. Do ponto de vista energético, isso é muito mais
eficiente para a vida terrestre. Os rauisuchianos andavam assim, como
muitos de seus parentes arcossauros. Alguns, porém, eram bípedes, ao
menos por parte do tempo.

No mar, na terra — e no ar. No Permiano e no Triássico, diversos


vertebrados tentaram voar, ávidos por perseguir os insetos que
adotaram o meio aéreo no Carbonífero e se diversificaram no
Triássico em uma variedade de formas incomuns. Diversos répteis
planadores perseguiam libélulas nas florestas do Permiano e do
Triássico: criaturas como o Kuehneosaurus, muito parecida, em
aparência e comportamento, com o Draco, o lagarto planador que
existe hoje. Outra forma tipicamente triássica — na medida em que
era muito estranha e em nada parecida com qualquer coisa vista antes
ou depois — foi o Sharovipteryx. Ele planava entre as árvores usando
uma pele fina esticada entre seus membros posteriores, que eram
muito alongados.
No entanto, foi só no período Triássico que os vertebrados
começaram de fato a voar, em vez de simplesmente planar de árvore
em árvore. Esses aeronautas, os pterossauros (que já foram
conhecidos como pterodáctilos [fig. 17]), eram arcossauros e primos
próximos dos dinossauros.13 Suas asas eram membranas elásticas de
músculo e pele esticadas entre as mãos e o corpo, presas em um dedo
anelar (o quarto dedo) enormemente alongado — a palavra
“pterodáctilo” significa “dedo de asa”. Os primeiros pterossauros eram
pequenos e agitados, como os morcegos. E, como os morcegos,
também eram cobertos por uma penugem.

Ao longo de sua existência, os pterossauros cresceram tanto que,


no final do período Cretáceo, os últimos deles eram tão grandes
quanto pequenos aviões e quase não batiam as asas. De corpo leve,
tudo de que precisavam para decolar era abrir as enormes asas em uma
brisa leve e deixar a física se encarregar do resto. Seu sucesso foi
proporcionado por uma anatomia delicada: um esqueleto modificado
em estruturas rígidas e quadradas feitas de ossos ocos com espessura
quase tão fina quanto papel. Os maiores pterossauros eram adaptados
para ganhar altitude usando térmicas — colunas de ar quente que
sobem a partir do solo. Planadores perfeitos, faziam curvas
incrivelmente fechadas, aproveitando as colunas estreitas, às vezes
menores do que a envergadura de suas asas, subindo cada vez mais
alto até que — em altitude — saíam da térmica e voavam para baixo a
fim de pegar outra.14 Dessa forma, conseguiam percorrer longas
distâncias sem esforço. Pterossauros gigantes como o Pteranodon
cruzavam os mares que se abriram quando a Pangeia se dividiu,
voando entre os jovens continentes.
Apenas os pterossauros realmente grandes, como o próprio
Pteranodon, o monumental Quetzalcoatlus e o Arambourgiana, talvez
ainda maior, podem ter voado dessa maneira. Nenhuma quantidade de
força seria capaz de bater aquelas asas enormes sem fazê-las colapsar.
E os pterossauros não dispunham da quilha das aves, que ancora seus
poderosos músculos de voo (os mesmos do peito de frango servido nas
refeições). Apenas os pterossauros menores tinham asas pequenas o
suficiente para que fossem batidas como as de um morcego.[15] O
último e maior dos pterossauros já voava muito pouco, arrastando-se
pelo chão como uma grande tenda itinerante, com sua cabeçorra capaz
de encarar a de uma girafa.
O desmembramento da Pangeia tornou-se uma oportunidade para
cobras e lagartos. Mas foi a ruína dos pterossauros que navegavam as
correntes de ar. A deriva continental durante o Jurássico e o Cretáceo
fomentou um clima variado e tempestuoso, muito diferente das
temperaturas mais uniformes do Triássico. Embora o clima da
Pangeia com frequência fosse rigoroso, os ventos, fora da estação das
monções, eram fracos. A ausência de gelo nos polos e a liberdade do
oceano para fazer o calor circular em todas as latitudes estreitaram o
gradiente de temperatura entre os polos e o equador. Quando o clima
passou a ser mais ventoso, essas pipas vivas, gigantes e delicadas,
foram arremessadas de cabeça, caindo no chão como guarda-chuvas
quebrados, fraturando-se com o impacto.
Em meio à exuberância de répteis, alguns (muito) poucos terapsidas
que não eram dicinodontes resistiram. No início do Triássico,
cinodontes do tamanho de cães, como o Cynognathus e o Thrinaxodon,
fizeram o papel de carnívoros de pequeno e médio porte. Com o passar
do tempo, as criaturas dessa linhagem ficavam menores e mais
peludas, espreitando quase despercebidas em recantos noturnos e
esquecidos: é essa a origem dos mamíferos. Mas ainda não era a hora
deles.

Entre os arcossauros com bipedia mais acentuada estavam os


primeiros dinossauros, que surgiram, no final do Triássico, da disputa
entre rauisuchianos, rincocéfalos e outros animais mais ou menos
parecidos com crocodilos.
A linhagem dos dinossauros e dos pterossauros — os arcossauros
da “linhagem das aves”, distinta daquela que levou aos crocodilos —
está em um grupo de criaturas do Triássico chamadas Aphanosauria,
como o Teleocrater — um quadrúpede comprido, com o corpo rente ao
solo, que se parecia um pouco com um crocodilo, exceto pelo pescoço
mais longo e pela cabeça pequena.16
Seria difícil adivinhar, olhando para um animal como o Teleocrater,
que sua descendência teria um destino maravilhoso e pesado,
enquanto quase todos os seus parentes arcossauros pereceriam. Havia
uma pista nesse sentido em seus ossos. Os Aphanosauria tinham uma
taxa de crescimento ligeiramente maior que a de muitos outros
arcossauros e eram um pouco mais ativos e conscientes de seu
ambiente.
Mais próximos ainda dos dinossauros estavam os silessauros. Mais
esbeltos e graciosos que os Aphanosauria, tinham longas caudas e
pescoços compridos, ainda que mantivessem as quatro patas no
chão.17 No final do Triássico, todos os Aphanosauria e silessauros
tinham desaparecido. Já seus parentes mais próximos, os dinossauros,
haviam adotado a postura sobre duas pernas como modo de vida, em
vez de usá-la ocasionalmente. Toda a sua anatomia foi construída em
torno disso — e, assim, eles herdaram a Terra.
Os dinossauros começaram discretamente, no interior quente e
úmido de Gondwana, longe das tempestades avassaladoras da costa do
Tétis e do calor hostil dos desertos de ambos os lados. Embora já
tivessem começado a se diversificar em terópodes carnívoros e
saurópodes vegetarianos, famosos por sua história posterior, os
dinossauros eram um espetáculo da segunda divisão no carnaval
triássico de dicinodontes, rincossauros, rauisuchianos, aetossauros,
fitossauros e anfíbios gigantes.
Quando alguns dos maiores herbívoros — os dicinodontes e os
rincossauros — decaíram, os dinossauros herbívoros ocuparam o seu
lugar. Os dinossauros também se mudaram para regiões mais ao norte
e, depois, para os desertos na direção do equador, antes inacessíveis.
Mesmo assim, eles ainda eram atores coadjuvantes no drama maior
protagonizado por arcossauros da linhagem dos crocodilos. Terópodes
como o Coelophysis e o Eoraptor18 eram oportunistas miúdos e velozes,
muito diferentes dos monstros do Jurássico e do Cretáceo.
Rauisuchianos ainda eram os donos do pedaço em terra; os anfíbios
gigantes, nos rios e lagos; e uma profusão de outros répteis, no mar.
Os saurópodes e seus parentes, como o plateossauro, eram grandes,
mas não como as gigantescas baleias terrestres nas quais se
transformariam depois, como o Brachiosaurus ou o Diplodocus. No
final do Triássico, não havia sinais óbvios de que o destino favoreceria
os dinossauros mais do que qualquer outro grupo reptiliano. Os
dinossauros ocupavam a parte do meio da orquestra reptiliana do
Triássico, atrás dos solistas, e ficaram lá por 30 milhões de anos.

Mas, como sempre, por baixo de tudo, a Terra se movia. A Pangeia —


o supercontinente forjado ao longo de centenas de milhões de anos a
partir dos fragmentos de Rodínia — estava se desintegrando.
Tudo começou ao longo de uma região frágil, uma emenda na
crosta, onde outros dramas semelhantes haviam se iniciado e
terminado. Muito antes da Pangeia, ela marcava a linha onde os
Apalaches, paralelos à costa leste da América do Norte, se formaram
— da colisão de duas placas continentais no Ordoviciano, há 480
milhões de anos —, espremendo um oceano antigo até ele desaparecer.
No final do Triássico, a crosta começou a se separar, mais ou
menos nessa mesma linha, para criar o que se tornaria um novo oceano
— o Atlântico. Formou-se um grande vale a partir da fenda, um corte
que era cada vez maior, das Carolinas, no sul, até a baía de Fundy, no
norte. À medida que se alargava, sedimentos de ambos os lados caíam
na abertura: uma colcha de retalhos de rios e lagos em constante
mudança, cheios de vida, com vulcões a brotar por todos os lados.
Num certo momento, a crosta esticou-se a uma espessura tão fina
que o monstro subterrâneo que estava à espreita escapou. Cerca de
201 milhões de anos atrás, uma pústula de magma irrompeu na
superfície da Terra, cobrindo com basalto o leste da América do Norte
e as regiões então adjacentes do norte da África. Dióxido de carbono,
cinzas, fumaça e aquele familiar coquetel de gases nocivos foram
liberados na atmosfera. As temperaturas globais já altas atingiram
picos ainda mais hostis à vida. Era como se a Terra, revoltada pelo
fracasso de quando quase extinguiu a vida 50 milhões de anos antes,
retornasse para se vingar em mais uma tentativa.
Essa crise durou 600 mil anos.
No final, o mar inundou a fenda, formando o início do que se
tornaria o oceano Atlântico. Mas muitos dos animais que poderiam ter
cortado as águas dos mares recém-criados não existiam mais:
talatossauros, paquipleurossauros, notossauros, hupehsuchus e
placodontes haviam desaparecido. Os ictiossauros sobreviveram,
junto com um descendente dos notossauros, o plesiossauro. Em terra,
os dicinodontes e os procolofonídeos, os rauisuchianos e os
rincossauros, os silessauros, os bizarros Sharovipteryx, Tanystropheus
e drepanossauros foram varridos do mapa. O grande circo triássico
partiu, largando para trás um bando de esfarrapados.
A variedade de animais semelhantes a crocodilos foi reduzida à
linhagem que deu origem aos crocodilos atuais. Os anfíbios gigantes
sobreviveram por pouco, junto com os pterossauros, alguns poucos
mamíferos e seus parentes cinodontes terapsidas, os jovens
esfenodontes, tartarugas, sapos e lagartos — e junto com os
dinossauros.
Por que os dinossauros sobreviveram, quando tantas criaturas
parecidas não o fizeram, permanece um mistério. Pode ter sido apenas
uma questão de sorte. Depois do Permiano, foi o Lystrosaurus que
ganhou na loteria da vida. Agora os dinossauros é que ascenderiam e
se diversificariam para povoar o mundo novo que surgia.
Dinossauros em pleno voo

Os dinossauros sempre foram feitos para voar. Tudo começou com sua
fidelidade à bipedia, que sempre foi bem maior que a de seus muitos
parentes parecidos com crocodilos.1
Em sua maioria, os quadrúpedes têm o centro de massa na região
peitoral. Precisam de muita energia para se levantar sobre seus
membros posteriores. É difícil, para eles, ficar em pé de forma
confortável, mesmo que por pouco tempo. Nos dinossauros, porém, o
centro de massa estava acima dos quadris. Um corpo relativamente
curto era contrabalançado por uma cauda longa e rígida atrás. Com os
quadris como ponto de apoio, os dinossauros podiam ficar de pé sobre
os membros posteriores sem esforço. Em vez das patas atarracadas e
robustas da maioria dos amniotas, eles as tinham longas e finas. É
mais fácil mexer as pernas se elas forem mais esguias nas
extremidades, e quanto mais fácil mexê-las, maior a facilidade para a
corrida. Os membros anteriores, que se tornaram desnecessários para
correr, foram reduzidos, e as mãos ficaram livres para outras
atividades, como agarrar presas ou escalar.
Construídos como uma longa alavanca equilibrada sobre pernas
compridas, os dinossauros tinham um sistema de coordenação que
monitorava constantemente sua postura. Seu cérebro e sistema
nervoso eram tão precisos quanto os de qualquer animal que já tenha
existido. Tudo isso permitia que os dinossauros não só ficassem de pé,
como também corressem, andassem, girassem e fizessem piruetas com
equilíbrio e graça nunca vistos na Terra. Era a prova de uma fórmula
vencedora.
Eles varreram tudo que havia à sua frente. Até o final do Triássico,
diversificaram-se e preencheram todos os nichos ecológicos
terrestres, assim como os terapsidas tinham feito no Permiano — mas
com perfeita elegância. Dinossauros carnívoros de todos os tamanhos
caçavam os herbívoros, cuja defesa era crescer e se transformar em
gigantes ou se equipar com armaduras tão grossas que os faziam
parecer tanques de guerra. Os saurópodes se tornaram quadrúpedes
novamente e se transformaram nos maiores animais terrestres que já
existiram, alguns com mais de cinquenta metros de comprimento e, no
caso do Argentinosaurus,2 mais de setenta toneladas.
Mas nem eles escaparam por completo da predação. Foram
caçados por carnívoros gigantescos: “tubarões” em terra, como o
Carcharodontosaurus e o Giganotosaurus,3 e, por fim — nos últimos
dias dos dinossauros —, o Tyrannosaurus rex.
Nele, o potencial inigualável da estrutura dos dinossauros foi
levado ao extremo. Os membros posteriores desse monstro de cinco
toneladas eram colunas gêmeas de tendões e músculos, em que a
velocidade e a graça de seus ancestrais foram trocadas por poder
prodigioso e força praticamente indomável.4 Equilibrado em seus
quadris enormes por uma cauda longa, o corpo era relativamente
curto, os membros anteriores reduzidos a meros vestígios, a massa
concentrada nos poderosos músculos do pescoço e nas amplas
mandíbulas. Estas eram cheias de dentes parecidos em tamanho e
forma com bananas, porém mais duros que o aço. Eles eram capazes
de esmagar ossos5 e perfurar a armadura de herbívoros lentos, mas
bem protegidos e do tamanho de um ônibus, como os anquilossauros e
o Triceratops, que tinha muitos chifres. O tiranossauro e seus parentes
arrancavam pedaços sangrentos de suas presas e os engoliam inteiros
— carne, osso, armadura e tudo o mais.6
Mas os dinossauros também foram bem-sucedidos em ser
pequenos. Alguns eram tão baixinhos que poderiam dançar na palma
da sua mão. O Microraptor, por exemplo, era do tamanho de um corvo
e não pesava mais de um quilo; o peculiar Yi, parecido com um
morcego, diminuto tanto no nome quanto na estatura, pesava menos
que a metade disso.

Terapsidas podiam ter desde o tamanho de um pequeno terrier até o de


um elefante, mas os dinossauros excediam até esses extremos. Como
foi que eles ficaram tão grandes — e tão pequenos?
Tudo começou com a forma como respiravam.
Houvera uma ruptura na história remota dos amniotas. Nos
mamíferos — os últimos terapsidas que sobreviveram, reminiscentes
do Triássico que resistiam corajosamente à sombra dos dinossauros
—, a ventilação era uma questão de inspirar e expirar. Do ponto de
vista objetivo, essa é uma maneira ineficiente de pôr oxigênio para
dentro do corpo e dióxido de carbono para fora. Desperdiça-se energia
puxando ar fresco pela boca e pelo nariz para dentro dos pulmões,
onde o oxigênio é absorvido pelos vasos sanguíneos circundantes.
Esses vasos sanguíneos em seguida devem liberar o dióxido de
carbono residual, que passa pelos mesmos espaços e é exalado pelos
orifícios pelos quais o ar fresco entrou. Ou seja, é muito difícil limpar
de uma vez o ar antigo ou refrescar cada canto e cada fissura em uma
única inspiração.
Os outros amniotas — como dinossauros e lagartos — também
ventilavam pelos mesmos orifícios, mas entre a inspiração e a
expiração acontecia uma coisa bem diferente. Eles desenvolveram um
sistema unidirecional para controle da circulação do ar, o que tornou a
respiração muito eficiente. O ar entrava nos pulmões, mas não saía
logo em seguida. Em vez disso, era desviado, guiado por válvulas
unidirecionais, através de um extenso sistema de sacos aéreos em todo
o corpo. Esse sistema, observado em alguns lagartos até hoje,7
alcançou com os dinossauros seu mais elevado grau de elaboração. Os
espaços aéreos — em última análise, extensões dos pulmões —
cercavam os órgãos internos e até penetravam nos ossos.8 Os
dinossauros estavam cheios de ar.
Esse sistema de circulação era refinado e necessário. O sistema
nervoso potente e a vida tão ativa que exigia a aquisição e o gasto de
grande quantidade de energia fazia com que os dinossauros fossem
quentes. A atividade energética demandava o transporte mais
eficiente possível de ar para os tecidos carentes de oxigênio. O ciclo de
energia gerava grande excesso de calor, e os sacos de ar eram uma boa
maneira de se livrar dele. Este o segredo do enorme tamanho de alguns
dinossauros: eram refrigerados a ar.

Se um corpo cresce, mas mantém a forma, o volume crescerá muito


mais rápido que a área de sua superfície.9 Ou seja, à medida que um
corpo aumenta, há muito mais em seu interior que na parte externa.
Isso pode se tornar um problema quando se trata de adquirir alimento,
água e oxigênio — bem como de eliminar resíduos e o calor gerado
pela digestão ou pelas atividades do dia a dia. Acontece porque a área
disponível para entrada e saída de coisas diminui em relação ao
volume de tecidos que devem ser servidos.
A maioria das criaturas é microscópica, então essa questão lhes é
indiferente; mas, para qualquer ser vivo bem maior que uma vírgula,
torna-se um problema. A solução se dá, primeiro, pelo
desenvolvimento de sistemas especializados de transporte, como
vasos sanguíneos, pulmões e assim por diante; e, segundo, pela
mudança de forma, criando sistemas extensos e retorcidos que fazem
as vezes de radiadores, como as velas dos pelicossauros, as orelhas dos
elefantes e até o interior complexo dos pulmões com sua importante
função de dissipar o excesso de calor, além de realizar trocas
gasosas.10
Quando foram finalmente libertados de um mundo dominado por
dinossauros e puderam se tornar maiores que um texugo, os
mamíferos resolveram o problema de isolamento térmico conforme
cresciam, iam perdendo pelos e suando. O suor secreta água na
superfície da pele, e, à medida que ela evapora, a energia necessária
para transformar o suor líquido em vapor é liberada por minúsculos
vasos sanguíneos logo abaixo da pele, gerando um efeito de frescor.
Além disso, o ar exalado pelos pulmões também é responsável pela
perda de calor, e é por isso que alguns dos mamíferos peludos ofegam,
expondo sua língua comprida e úmida para o alívio da evaporação do
ar. O maior mamífero terrestre era o Paraceratherium, parecido com os
rinocerontes, porém alto, magro e sem chifres, que viveu há cerca de
30 milhões de anos, muito depois do desaparecimento dos
dinossauros. Seus ombros batiam quatro metros e ele pesava até vinte
toneladas.
Mas os grandes dinossauros eram muito, muito maiores que isso.
Em um saurópode gigantesco como o Argentinosaurus, um dos maiores
animais terrestres que já existiram, com setenta toneladas e trinta
metros de comprimento, a área de superfície era pequena comparada
ao volume do corpo. Mesmo mudanças na forma, como desenvolver
pescoço e cauda alongados, não eram suficientes para dissipar todo o
calor gerado pelo interior volumoso.
Geralmente os animais avantajados têm taxas metabólicas mais
baixas que os menores, então costumam ser um pouco mais frios.
Aquecer ao sol um dinossauro do tamanho de um saurópode levaria
muito, muito tempo, mas resfriá-lo levaria o mesmo; então, um
dinossauro enorme, uma vez aquecido, mantinha a temperatura
corporal bem constante simplesmente por ser gigantesco.11
Foi a herança dos dinossauros que os salvou e permitiu que eles
crescessem tanto. Como seus pulmões volumosos se estendiam em um
sistema de sacos aéreos que se ramificava por todo o corpo, eles eram
menos compactos do que pareciam. Os sacos de ar nos ossos também
deixavam o esqueleto mais leve. Os esqueletos dos grandes
dinossauros eram proezas de engenharia biológica, consistindo em
diversos ossos ocos reforçados para sustentação do peso e em apenas
alguns que não cumpriam essa função.
O crucial era o fato de que o sistema interno de sacos aéreos fazia
mais do que conduzir o calor dos pulmões. Ele retirava calor dos
órgãos internos diretamente, sem transportá-lo primeiro pelo corpo
via sangue, depois pelos pulmões, dissipando parte dele no caminho e
agravando o problema. Um grande beneficiado dessa característica foi
o fígado, que gerava muito calor e que, em um grande dinossauro, era
do tamanho de um carro. A refrigeração a ar desses animais era mais
eficiente que a refrigeração a líquido dos mamíferos,12 o que permitiu
a eles se tornarem muito maiores do que os mamíferos jamais seriam,
sem que fervessem até a morte.
O Argentinosaurus era menos um gigante desajeitado do que um
quadrúpede ágil, uma ave que não voava. As aves, herdeiras dos
dinossauros, têm a mesma estrutura leve, o mesmo metabolismo
acelerado e o mesmo sistema de refrigeração a ar — características
extremamente vantajosas para o voo, atividade que exige estrutura
leve.

O voo também está associado a penas. Desde muito cedo na história,


uma das características dos dinossauros era ter cobertura de plumas.
No início, elas eram mais parecidas com pelos, tal como tinham os
pterossauros — o primeiro grupo de vertebrados que aprendeu a voar,
ainda no Triássico —, parentes próximos dos dinossauros.13 A
cobertura de penas oferecia isolamento térmico para um animal
pequeno que, mesmo sem voar, gerava muito calor. O problema
enfrentado pelos dinossauros pequenos e ativos era o oposto do que
desafiava os enormes — precisavam evitar que todo aquele custoso
calor se dissipasse no ambiente.14 Então as penas simples logo
desenvolveram vexilos, bárbulas e cores.15 Animais inteligentes e
vigorosos como os dinossauros tinham vidas sociais intensas, nas
quais a exibição desempenhava um papel importante.
Outra chave para o sucesso dos dinossauros foi o fato de botarem
ovos. Embora os vertebrados em geral sempre tenham posto ovos —
hábito que permitiu a conquista final da terra pelos primeiros
amniotas —, muitos deles reverteram ao hábito ancestral, encontrado
nos primeiros mandibulados, de gerar filhotes que se desenvolvem por
completo no corpo da mãe. Trata-se de encontrar uma estratégia que
proteja a prole, sem incorrer em um custo muito alto para o
progenitor. Os mamíferos começaram botando ovos. Com o tempo,
porém, quase todos eles passaram a gerar filhotes que já nascem
prontos, mas a um custo terrível. Esse tipo de procriação, conhecida
como viviparidade, exige grande gasto de energia, o que limita o
tamanho dos mamíferos terrestres.16 Também limita o número de
descendentes que eles podem gerar de uma só vez.17
Nenhum dinossauro, no entanto, jamais gerou sua prole dessa
maneira. Todos os dinossauros botavam ovos — assim como todos os
arcossauros. Sendo criaturas inteligentes e ativas, os dinossauros
maximizavam o sucesso de sua prole incubando os ovos em ninhos e
cuidando dos filhotes após a eclosão. Muitos deles, especialmente os
herbívoros mais gregários — como os saurópodes e os hadrossauros,
estes menores e mais bípedes, que substituíram amplamente os
saurópodes no Cretáceo —, faziam seus ninhos em colônias comunais
que dominavam a paisagem, estendendo-se por todo o horizonte. As
dinossauros fêmeas retiravam o cálcio de seus próprios ossos para
fornecê-lo a seus ovos: um hábito que as aves mantiveram.18
Era um sacrifício que valia a pena levando em consideração as
vantagens oferecidas pela postura de ovos. O ovo amniota é uma das
obras-primas da evolução. Consiste não apenas em um embrião, mas
em uma cápsula completa de suporte à vida. O ovo contém alimento
suficiente para o animal se desenvolver até a eclosão, bem como um
sistema de descarte de resíduos para garantir que essa biosfera
independente não seja intoxicada. O ato de botar um ovo permitia a
um dinossauro ficar livre dos problemas e dos custos de nutrir os
filhotes dentro de seu próprio corpo.
Alguns deles gastavam energia cuidando de seus filhotes após a
eclosão — mas não tinham a obrigação de fazê-lo. Alguns enterravam
seus ovos em um buraco no solo ou sambaqui e largavam os jovens à
própria sorte. A energia que seria gasta para reproduzir e criar um
pequeno número de descendentes podia ser gasta de outra forma —
por exemplo, colocando um número muito maior de ovos do que a
nutrição interna permitiria. E, claro, crescendo. Os dinossauros
cresciam rapidamente. Os saurópodes precisavam crescer o mais
rápido possível, o suficiente para espantar os carnívoros. Em resposta,
os carnívoros precisavam crescer depressa também. O Tyrannosaurus
rex, por exemplo, atingia sua massa adulta de cinco toneladas em
menos de vinte anos, ganhando até dois quilos por dia — uma taxa
muito maior que a de seus parentes menores.19

Os dinossauros e seus parentes mais próximos passaram milhões de


anos acumulando tudo de que precisavam para voar: penas;
metabolismo acelerado e refrigeração a ar eficiente para mantê-lo sob
controle; estrutura leve e dedicação singular à postura de ovos.20
Certos dinossauros usaram algumas dessas adaptações para fazer
coisas muito diferentes das aves, como crescer até um tamanho que
nenhum animal terrestre conseguiu superar. Com o tempo, porém,
eles ficaram prontos para decolar. Como foi então que deram esse
passo final e levantaram voo?
Tudo começou no período Jurássico, quando uma linhagem de
pequenos dinossauros carnívoros tornou-se ainda menor. Quanto
menores ficavam, mais emplumada ficava sua pele, uma vez que
animais diminutos com metabolismo rápido precisam se manter
aquecidos. Às vezes, eles viviam nas árvores para escapar da atenção
de seus irmãos maiores. Alguns descobriram como usar as asas de
penas para permanecer no ar por mais tempo: e assim surgiram as
aves.

Não há nada mágico em um aerofólio como a asa. Ele é moldado de tal


forma que perturba o ar através do qual se move, fazendo com que uma
parcela de ar se mova extremamente rápido, enquanto a outra
descansa na quietude de redemoinhos e contracorrentes. O resultado
de todas essas variações de velocidade é uma força ascendente na asa,
a qual aumenta de forma proporcional à velocidade da asa e é chamada
de “sustentação”.
Existem duas maneiras de alçar voo.
A primeira é a partir do solo ou da água. O aspirante a aeronauta
deve correr o mais rápido possível contra o vento, batendo as asas com
sua força máxima. A rigor, a decolagem poderia acontecer mesmo se
as asas fossem mantidas rígidas na horizontal, mas nenhum animal
voador corre tão rápido. Bater as asas altera a distribuição de
velocidade do ar que se move ao redor delas, aumentando ainda mais a
força de sustentação e tornando possível o improvável.21
A segunda maneira de voar é empoleirar-se em um lugar alto e cair,
deixando a aceleração da gravidade fazer o trabalho. É ainda mais
fácil quando se consegue pular em uma térmica para flutuar ainda
mais.

Os melhores voadores são bem pequenos, até microscópicos, e vão


para onde o vento os levar. A maioria dos organismos vivos viaja assim
desde tempos imemoriais, sejam eles os esporos das primeiras plantas
terrestres transportados por uma brisa ordoviciana; vírus espirrados
das narinas de um tiranossauro; bactérias que se soltaram da pele dele;
aranhas levadas em fios flutuantes de seda; sejam pequenos insetos —
todos formavam e ainda formam um grande e majoritariamente
ignorado plâncton aéreo que flutua desde pouco acima do solo até a
borda do espaço. Um organismo muito pequeno — um esporo ou um
grão de pólen — não precisa de adaptações especiais, como as asas,
para voar, porque pode ser carregado por muitos quilômetros pela
mais leve rajada de vento.
E é aí que mora o problema. O plâncton aéreo está sujeito aos
caprichos do vento, sem controle do próprio destino. Para que
voadores bem pequenos possam dar alguma direção a suas vidas,
precisam de asas. Ao mesmo tempo, para uma coisa tão pequena
quanto um cisco, as moléculas de ar parecem consideravelmente
maiores do que para uma tão grande quanto, digamos, uma abelha ou
mosca. Para uma partícula de poeira, o ar é viscoso como água ou
xarope, e o ato de voar se parece mais com o de nadar. As asas dos
menores insetos alados parecem mais cerdas do que aerofólios, e
funcionam como pás, dando remadas pelo ar.
Se a criatura for grande o suficiente, a força da gravidade é mais
importante que o movimento das moléculas do ar, e o primeiro estágio
do voo consiste apenas em uma espécie de queda controlada. Assim é o
paraquedismo. Os paraquedistas que conseguem ir mais longe no
sentido horizontal do que caem verticalmente são conhecidos como
“planadores” — mas, ainda assim, é um tipo controlado de queda.22
Vários animais descobriram esse meio de locomoção, desde a
chamada cobra “voadora”, que alarga o corpo de modo a abrir uma
espécie de asa única, e os sapos “voadores”, com enormes pés
semelhantes a paraquedas, até muitos, muitos tipos de répteis
planadores parecidos com lagartos, existentes ou conhecidos a partir
do registro fóssil, que possuem uma membrana esticada de ambos os
lados por costelas extremamente alongadas ou por ossos na própria
pele. Eles fazem isso pelo menos desde o Permiano. Muitos mamíferos
de pequeno porte são paraquedistas habilidosos, como o petauro-do-
açúcar do Sudeste Asiático e uma série de esquilos “voadores”, que
saltam de paraquedas ou planam usando dobras de pele esticadas
entre as patas. Os mamíferos aprenderam a planar assim que
surgiram. Um dos grupos mais antigos, os haramiyidas, decolou no
período Jurássico,23 possivelmente antes da mais antiga ave
conhecida, o Archaeopteryx.
Não pode ser coincidência que todos esses animais planadores
vivam ou tenham vivido em árvores — e que o paraquedismo tenha
surgido muitas vezes de forma independente.24 Afinal, a seleção
natural cobra um preço implacável em caso de quedas de qualquer
criatura que goste de subir em árvores. Assim, qualquer animal com
adaptações que minimizem o impacto e permitam adiar a morte será
favorecido pela seleção natural.25
Só os dinossauros menores tinham alguma perspectiva de voar,
pois, como vimos, as leis da física mostram que conforme o corpo
cresce, os requisitos de energia para o voo aumentam. Só os pequenos
voadores podem bater as asas. Os maiores só conseguem planar.

Os dinossauros usavam uma combinação dos procedimentos para voar


— correr e bater as asas ou planar e cair. De todo modo, eles alçaram
voo por acidente. Bem antes de que voar fosse uma opção, há muito
tempo, vários deles já tinham asas emplumadas e ostentavam tufos de
penas.
Mas coube a uma linhagem de pequenos dinossauros carnívoros
desenvolver uma plumagem completa. Embora essas criaturas fossem
em vários sentidos parecidas com as aves — dobravam as patas como
as aves fazem com as asas,26 incubavam seus ovos como elas,27 e assim
por diante —, algumas eram fisicamente muito grandes para voar.28
No entanto, muitas tinham penas que usavam como isolante térmico,
ou para exibição durante a corte, ou como camuflagem para evitar
predadores, ou ainda uma combinação de todas essas coisas e talvez
outras também.
Os primeiros voos não passavam de saltos curtos e podem ter
começado do solo ou de algum lugar um pouco mais alto. As asas dos
primeiros dinossauros a voar eram boas o suficiente apenas para subir
em galhos baixos e para se empoleirar à noite, nada mais que isso. Os
filhotes, por serem menores, podem ter usado suas asas curtas para
vencer ladeiras íngremes ou subir em troncos de árvores.29 E, uma vez
nos galhos, o que fazer? Mesmo um dinossauro com asas mais
rudimentares, especialmente se fossem pequenas, saltava para baixo,
usando-as para diminuir a velocidade da queda, batendo-as de vez em
quando para ter sustentação. O Archaeopteryx, a célebre “primeira
ave”, tinha asas totalmente emplumadas, mas não possuía a quilha
profunda no esterno de que as aves modernas dispõem para ancorar os
músculos de voo. Assim, o Archaeopteryx talvez não tenha sido um
voador muito eficiente, mas deve ter sido capaz de voar distâncias
curtas entre galhos ou de subir em galhos baixos.

O Archaeopteryx viveu no final do período Jurássico e fazia parte de


um bando muito variado de dinossauros que flertavam com o voo.
Alguns dos primeiros dinossauros voadores eram biplanos, com penas
de voo nas asas e também nas pernas. O mais famoso era o minúsculo
chinês Microraptor, membro dos dinossauros chamados
dromaeossauros.30 Eles eram primos próximos do Archaeopteryx,
junto com outro grupo de bípedes pequenos e inteligentes, os
troodontídeos. E, assim como aves e dromaeossauros, os
troodontídeos estavam testando as penas e, talvez, voos breves. Um
deles, o Anchiornis, tinha penas nos braços e nas pernas — ao estilo
Microraptor — e viveu no período Jurássico31 antes do aparecimento
do Archaeopteryx.
Um dos experimentos de voo mais estranhos foi feito por outro
pequeno grupo de dinossauros muito próximos dos dromaeossauros,
troodontídeos e aves. É quase certo que essas criaturas, cujo tamanho
variava entre o de um pardal e o de um estorninho, viviam em árvores.
Elas eram emplumadas — o Epidexipteryx tinha longas penas em
forma de fita na cauda,32 mas suas asas eram formadas por tecidos de
pele nua, como as dos morcegos.33 Essas criaturas, os
Scansoriopterygidae, foram um curto experimento dinossáurico em
voos como o do morcego — uma faísca de vida que flamejou e morreu
antes mesmo de a primeira ave eclodir do ovo ou de o primeiro
morcego ser desmamado.

Outra peculiaridade da evolução do voo foi a frequência com que os


animais conseguiram perdê-lo.34
As aves parecem não perder a oportunidade de abrir mão do voo
assim que podem. Para começar, nem todas as aves são muito boas em
voar. Pelo menos duas ordens inteiras de aves desistiram disso há
muito tempo. Um grupo é o das ratitas, como o avestruz, a ema, os
casuares e os kiwis, além de seus parentes extintos, os moas da Nova
Zelândia e o Aepyornis, ou ave-elefante de Madagascar, ambos levados
à extinção não muito tempo depois que os seres humanos chegaram lá.
O outro é o dos pinguins, que transformaram suas asas em nadadeiras
para voar debaixo d’água. Os dois grupos são muito antigos. Outras
aves deixaram de voar quando chegaram a ilhas isoladas, onde não
havia predadores terrestres, percebendo que ali podiam ficar numa
boa — entre os exemplos, incluem-se o cormorão-das­-galápagos, o
kakapo (uma espécie de papagaio) da Nova Zelândia e o dodô (um
pombo de tamanho descomunal) (fig. 18) das ilhas Maurício.

No entanto, havia vários outros grupos que não eram aparentados


das ratitas, todos extintos milhões de anos antes de os seres humanos
surgirem. No final do Cretáceo, uma ave primitiva chamada
Ichthyornis, semelhante a uma gaivota com dentes,35 esvoaçava ao
longo das margens de um canal marítimo que antes dividia a América
do Norte de uma ponta à outra, enquanto pterossauros como o
Pteranodon voavam bem alto. Ela estava acompanhada da Hesperornis,
uma grande ave com mais de um metro de comprimento, mas
praticamente sem asas, que — como os pinguins — provavelmente
vivia mergulhando atrás de peixes. Outra ave cretácea, o Patagopteryx,
tinha o tamanho de uma galinha, vivia na Argentina na época em que o
Ichthyornis e o Hesperornis planavam sobre as praias do antigo
Nebraska, e também parece ter desistido de voar. Já um grupo de
dinossauros conhecido como alvarezsaurídeos consistia em um bando
de criaturas muito pequenas e emplumadas, com pernas longas, mas
asas reduzidas a pequenos tocos, cada uma delas com uma grande
garra na ponta. Quando foram descritos pela primeira vez por
cientistas, foram considerados aves que não voavam.36
Voar é um hábito caro. Embora todos os pré-requisitos para o voo
existissem na estrutura dos dinossauros quase desde o início, não é de
surpreender que muitos voadores desistissem quando surgia a
oportunidade. Os membros menores e mais habilitados a voar dos
dromaeossauros e dos troodontídeos geralmente eram exemplos das
suas famílias iniciais: seus descendentes eram maiores e mais afeitos
ao chão. Os últimos dromaeossauros e troodontídeos foram os
dragões que caíram na terra.
As aves deixaram de voar antes mesmo de se tornarem aves.

Não que muitos não tenham continuado a encarar o desafio. Os céus


do Cretáceo logo se encheram de piados, trinados e grasnidos de
inúmeras aves. Em geral eram emitidos pelos enantiornithines, um
grupo de aves bem semelhantes às atuais, exceto por ter mantido
dentes nos bicos e garras nas asas. Mas aves de aspecto moderno
começaram a aparecer bem antes do final do Cretáceo. A marinha
Asteriornis, do final do Cretáceo, por exemplo, era prima do grupo que
acabaria se transformando em patos, gansos e galinhas.37
A Terra continuava mudando. No final do Cretáceo, a Pangeia havia se
dividido em porções de terra parecidas com as atuais. Isso levou à
evolução de diferentes tipos de dinossauros em locais variados. Um
grupo de terópodes chamados abelissauros costumava ser encontrado
somente nos continentes do sul, enquanto os ceratopsianos, como o
Triceratops, quase sempre habitavam o oeste da América do Norte e o
leste da Ásia — regiões que antes estavam unidas umas às outras mas
separadas de outras porções de terra.38
O isolamento de dinossauros em ilhas criou estranhas coleções de
animais selvagens, como em Alice no País das Maravilhas. Durante o
Jurássico, por exemplo, a Europa era um arquipélago de ilhas
tropicais, muito parecido com a Indonésia atual, com uma fauna única
de saurópodes em miniatura, como o Europasaurus, que tinham no
máximo seis metros de comprimento.39 Madagascar, assim como
agora, era um refúgio de seres exóticos. No Cretáceo, muitos nichos
ecológicos da ilha, inclusive o vegetarianismo, foram ocupados por
crocodilos.40

No Cretáceo surgiram as plantas com flores.41 No começo elas eram


pequenas e, como os tetrápodes, viviam perto da água, cobrindo as
margens dos rios com flores brancas e cerosas de nenúfares que se
destacavam nitidamente contra o paredão verde de coníferas.
Havia muito tempo que as plantas protegiam seus embriões dentro
de sementes, mas aquelas com flores adicionaram mais camadas de
proteção. Como em todas as outras, uma célula masculina fertilizava
uma feminina para criar o embrião. Mas as plantas com flores tinham
mais duas células femininas que, fertilizadas por outro
espermatozoide, em um ménage à trois, geravam um tecido chamado
endosperma — no qual o jovem embrião poderia se alimentar. Toda a
estrutura ficava encerrada em uma camada protetora adicional, que se
tornou o fruto. Antes do fruto, havia a flor — colorida e perfumada
para atrair polinizadores. O fruto também podia ser colorido e
perfumado, encorajando os animais a comê-lo e assim dispersar as
sementes por meio de suas fezes.
Já fazia milhões de anos, provavelmente desde a primeira
colonização da terra, que plantas terrestres simples, como os musgos,
tentavam atrair animais para ajudar na fertilização.42 Tais esforços
eram tênues e ocultos, bem diferentes do resplendor das primeiras
plantas com flores, que surgiram junto à proliferação evolutiva de
polinizadores como formigas, abelhas, vespas e besouros — criaturas
que hoje dominam a Terra no que diz respeito ao número de espécies.
O relacionamento entre as plantas com flores e seus polinizadores é
sutil, multifacetado e complexo — e só veio à tona quando a era dos
dinossauros estava no auge.

Parecia que o mundo dos dinossauros não acabaria nunca. De fato,


poderia ter continuado indefinidamente, apesar da irrupção de uma
pluma mantélica na Índia no final do Cretáceo. Fora isso, o Jurássico e
o Cretáceo foram épocas em que a Terra parecia estar profundamente
adormecida. A crise que encerrou o Cretáceo, em contrapartida, veio
rápida, brutal e do céu.
Basta olhar para a superfície da Lua para ver que ela carrega
cicatrizes de colisões. A maior parte das áreas sólidas do Sistema Solar
está repleta de crateras, desde as microscópicas às gigantescas.
Mesmo o mais minúsculo asteroide é salpicado, cratera após cratera,
pelo impacto de mísseis ainda menores. Somente aqueles corpos que
remodelam constantemente suas superfícies conseguem apagar tais
evidências.43
A Terra também foi atingida muitas vezes por corpos espaciais,
mas são raras as crateras que sobreviveram. Os poucos corpos de
impacto que não queimam por completo na atmosfera densa deixam
poucas cicatrizes, pois elas logo são desgastadas pelo vento, pelo
clima, pela água e, é claro, pela atividade dos seres vivos. Vermes
cavam buracos nas paredes das crateras, enfraquecendo-as. As raízes
causam rachaduras, transformando-as em pó. Os mares as enchem, os
sedimentos as enterram, a vida as invade, até que aparentam nunca ter
sequer existido.
Mas basta um. O impacto de um único asteroide há cerca de 66
milhões de anos levou o mundo dos dinossauros a um fim repentino.
Como tudo o que acontece da noite para o dia, o impacto estava em
preparo havia muito tempo. O destino dos dinossauros havia sido
selado uma era antes. Há cerca de 160 milhões de anos, no final do
Jurássico, um choque no distante cinturão de asteroides produziu um
astro de quarenta quilômetros de diâmetro, hoje conhecido como
Baptistina, junto com uma saraivada de mais de mil fragmentos, cada
um com mais de um quilômetro de diâmetro, alguns muito maiores.
Esses arautos da desgraça se dispersaram pelo sistema, por perto do
Sol.44
Cerca de 100 milhões de anos depois, um deles atingiu a Terra.
Mergulhando como uma bomba em trajetória íngreme no Nordeste do
céu,45 o corpo, que pode ter tido até cinquenta quilômetros de
diâmetro, atingiu a costa do que hoje é a península de Yucatán, no
México, a vinte quilômetros por segundo, penetrando na crosta e a
derretendo. Um clarão ofuscante, seguido por um vendaval de mil
quilômetros por hora e um ruído além da imaginação destruíram por
completo a vida em toda a região do Caribe e em grande parte da
América do Norte, antes que o mundo inteiro fosse bombardeado por
explosivos incendiários, produzindo um vento que soprava em
fornalha e transformava árvores em tochas. Tsunâmis puxaram a água
de todo o golfo do México para o mar antes que uma onda de
cinquenta metros voltasse e atingisse a costa, avançando mais de cem
quilômetros pelo continente.
O asteroide perfurou sedimentos ricos em anidrita, uma forma de
sulfato de cálcio reminiscente de um antigo fundo do mar. O impacto
instantaneamente a converteu em dióxido de enxofre gasoso. Na
estratosfera, esse gás criou nuvens que, junto à poeira, bloquearam o
sol, mergulhando o mundo em um inverno que durou anos. Quando o
sol reapareceu, o dióxido de enxofre havia sido lavado na forma de
uma pungente chuva ácida, deixando cicatrizes nas plantas e
dissolvendo todos os recifes.
Nesse meio-tempo, desapareceram todos os dinossauros que não
voavam. Os últimos pterossauros foram derrubados do céu. Nos
mares, os magníficos plesiossauros — sucessores dos notossauros do
Triássico — pereceram, com os mosassauros, temíveis lagartos-
monitores do mar.[46] As grandes amonitas, parentes das lulas e dos
polvos, que cruzavam os mares com suas conchas espiraladas, algumas
do tamanho de pneus de caminhão, foram eliminadas, encerrando um
pedigree que começara no Cambriano.
A cratera resultante tinha 160 quilômetros de diâmetro.
Três quartos de todas as espécies foram extintos, os seres vivos
logo voltaram ao ponto zero. Mas, mais uma vez, a vida se recuperou.
Em 30 mil anos, a camada superficial do mar já era habitada pelo
plâncton,47 cujos esqueletos calcários, que caíam como chuva no fundo
do mar, enterraram os restos da cratera causada pelo impacto.
Os herdeiros foram os descendentes distantes dos terapsidas, que,
como os dinossauros, desenvolveram um metabolismo rápido, usando-
o, porém, de uma maneira totalmente diferente. Eles eram os
mamíferos, que, depois de permanecerem nas sombras desde o
Triássico, finalmente saíam para a luz.
Esses mamíferos magníficos

Era uma vez, nos tempos do Devoniano, um par de ossos na parte de


trás da cabeça de um peixe com armadura, um de cada lado. O peixe
nem reparou. Afinal, estava ocupado jogando areia nos olhos do
escorpião marinho gigante que o perseguia.
Os ossos, porém, continuaram exercendo sua função. Eram um
suporte que sustentava o cérebro cartilaginoso e mole, apoiados na
armadura óssea externa, logo acima do primeiro par de fendas
branquiais.
As mandíbulas se desenvolveram quando dois outros apoios — as
escoras de cartilagem que separavam a boca das primeiras fendas
branquiais — dobraram-se ao meio sobre si mesmas, com a dobra
voltada para trás. Essas dobras, ou articulações da mandíbula, se
apoiavam no primeiro par de fendas branquiais, passando a reduzi-lo a
dois pequenos orifícios. Esses eram os espiráculos, situados nos dois
lados. Dessa forma, as escoras que sustentariam o cérebro passaram a
cumprir função tripla. Eram vigas estruturais, como antes; mas
também ancoravam, em uma extremidade, músculos que abriam e
fechavam os espiráculos. Na outra ponta ficavam perto dos buracos da
caixa craniana que levavam aos ouvidos internos, um de cada lado.
Os ouvidos internos eram estruturas minúsculas e frágeis, sem as
quais o peixe ficaria perdido, desorientado e sem saber onde era “para
cima”. Eles eram constituídos de dois tubos espelhados em forma de
labirinto e cheios de fluido. O movimento do fluido balançava bolhas
mineralizadas que ficavam presas a cílios, os quais, por sua vez,
estavam ligados por suas outras extremidades a células nervosas. O
movimento no ambiente levava ao movimento do fluido, que agitava as
bolhas, que puxavam os cílios, que disparavam impulsos nervosos para
o cérebro — e, instantaneamente, o peixe sabia onde estava: nadando
depressa na água com as garras de um escorpião marinho voraz em seu
encalço.

Esse sistema de canais também era sensível às vibrações da água: de


novo por meio de um sistema de células ciliadas microscópicas, como
as cordas de uma harpa. A vibração tocava as cordas, cada uma
afinada em sua própria nota, e o peixe ouvia o estrondo sinistro de seu
perseguidor. E o par de escoras de sustentação, sempre presentes e
atuantes, uma de cada lado, conduzia essas vibrações do lado de fora
até o ouvido interno.
Nos primeiros tetrápodes, como o Acanthostega, essas escoras de
sustentação — que eram chamadas de osso hiomandibular — eram
vigas robustas. Elas não conduziam o som muito bem, sobretudo se o
tom estivesse acima de um rugido grave, como um trovão distante.1
Quando os tetrápodes enfim chegaram à terra firme, o ambiente
acústico ao ar livre era completamente diferente. As cartilagens que
formavam os arcos branquiais tornaram-se apoios para a língua e a
laringe. Apenas os ossos hiomandibulares ficaram no mesmo lugar.
Mas se tornaram dedicados à detecção do som. Os espiráculos foram
cobertos por membranas finas, os tímpanos. Os ossos
hiomandibulares conduziam as vibrações dos tímpanos diretamente
para o ouvido interno. Por causa dessa nova função, o osso
hiomandibular ganhou um nome mais impressionante: columella auris
— a pequena coluna da orelha. Com um nome menos complicado, ele
também é conhecido como estribo ou osso do estribo, e ficava entre o
tímpano, de um lado, e o ouvido interno, de outro — tudo isso dentro
dos domínios da pequena cavidade do ouvido médio.2

As vibrações dos sons que chegam ao tímpano são conduzidas através


do estribo até o ouvido interno. É assim que anfíbios, répteis e aves
ouvem até hoje. Com o tempo, o estribo se tornou fino como um fio de
cabelo e sensível até a um sussurro. Mas até então tinha seus limites. E
apesar de os piados, coaxados e grasnidos das aves preencherem o ar
— as aves fazem alguns dos ruídos mais altos da natureza —3 elas são
amplamente insensíveis a sons de frequência superior a cerca de 10 mil
ciclos por segundo, ou 10 kHz (quilohertz).4
Já os mamíferos fazem isso de outra forma. Em vez de ter apenas
um osso no ouvido médio — o estribo —, eles têm três. Como antes,
esse osso se conecta ao ouvido interno, e dele segue para o cérebro,
mas dois outros ossos conseguiram se comprimir entre o tímpano e o
estribo: o martelo, que fica preso ao interior do tímpano; e a bigorna,
que liga o martelo ao estribo.5
O efeito disso na sensibilidade dos mamíferos foi dramático. A
cadeia de três ossos amplifica o som. Também aumenta a capacidade
dos ouvidos a frequências mais altas. Nós, humanos, pelo menos na
infância, podemos ouvir notas tão altas quanto 20 kHz, algo muito
superior ao canto mais alto da cotovia.[6] Mas os humanos são surdos
em comparação a vários outros mamíferos, como cães (45 kHz),7
lêmures-de-cauda­-anelada (58 kHz),8 camundongos (70 kHz)9 e gatos
(85 kHz);10 e profundamente surdos em comparação a golfinhos (160
kHz).11 A evolução da cadeia de três ossos no ouvido médio dos
mamíferos lhes possibilitou um universo sensorial inteiramente novo,
inacessível a outros vertebrados.
Era como se tivessem passado inadvertidamente por um pequeno
buraco em uma cerca alta que os confinava a uma densa floresta, para
então descobrir campos abertos de uma amplitude que nunca haviam
imaginado ser possível.

Mas, de onde vieram o martelo e a bigorna?


Quando as mandíbulas surgiram pela primeira vez nos peixes que
fugiam de outros habitantes das profundezas para salvar a vida, suas
articulações ficaram paradas logo abaixo dos espiráculos, a fenda
branquial remanescente que, nos tetrápodes, se tornaria o tímpano.
Ou seja, o fato de a dobradiça da mandíbula estar perto da orelha, e
não em qualquer outro lugar, foi uma daquelas peculiaridades do
tempo e do acaso.
Entretanto, a articulação da mandíbula e o tímpano são mais que
meros vizinhos. Eles são íntimos um do outro. Essa intimidade seria a
chave para o sucesso fortuito dos mamíferos.
Quando o maxilar inferior surgiu pela primeira vez, ele era
somente uma haste de cartilagem, metade da primeira fenda branquial
que se dobrou para formar os maxilares. A metade de cima tornou-se a
maxila superior; a de baixo, a mandíbula inferior. Com o tempo, essa
cartilagem se transformou em osso, embora um resquício — a
cartilagem de Meckel —, antes de desaparecer, persista ao menos no
embrião, como uma fina tira de tecido na superfície interna do maxilar
inferior.
O maxilar inferior de um réptil, ou de um dinossauro, é uma coisa
complicada. Ele é feito não de um osso, mas de vários, cada qual com
sua própria função. O dentário é o osso próximo à frente que, como o
nome sugere, contém os dentes. Já o articular fica próximo à parte de
trás e forma a dobradiça dos maxilares — ou articulação — com um
osso na base do crânio chamado de quadrado. Também era assim nos
ancestrais terapsidas dos mamíferos.
À medida que os terapsidas evoluíram e deram origem aos
mamíferos, eles não só se tornaram ainda menores — passaram do
tamanho de cães grandes para o de cachorrinhos, gatos, doninhas,
camundongos e musaranhos ainda menores — como ficaram cada vez
mais peludos, mas a mandíbula também mudou. O osso dentário
passou a assumir o papel mais importante da mandíbula. Como o
enorme filhote de cuco que força seus irmãos incautos para fora do
ninho, o dentário empurrava tudo para trás, de modo que os outros
ossos da mandíbula foram completamente absorvidos por ele ou
espremidos em um pequeno enclave na parte posterior, próxima ao
estribo. Na verdade, o osso dentário moveu-se tanto para trás que
formou sua própria dobradiça independente, com um osso diferente
do crânio, o esquamosal.
O resultado foi aliviar o osso quadrado de sua função de dobradiça.
Por estar próximo ao estribo, ele passou a ser recrutado a fazer parte
do ouvido. Tornou-se a bigorna. O osso articular foi o próximo a
seguir os mesmos passos, tornando-se o martelo.12

Em alguns dos precursores dos mamíferos, a articulação do maxilar


era uma combinação desconfortável dos ossos dentário e esquamosal,
e do quadrado e articular. Como o quadrado e o articular estavam
evoluindo para a bigorna e o martelo, eles tinham que fazer dois
trabalhos completamente diferentes entre si. Uma das tarefas era ser
parte da suspensão dos maxilares, o que exigia força robusta. A outra
era conduzir o som, o que requeria sensibilidade. Tal como acontecera
com o estribo muitos milhões de anos antes nos peixes ancestrais dos
tetrápodes, esse era um meio-termo que não se sustentava.
Por fim, o quadrado e o articular ficaram flutuando livremente no
ouvido médio — a princípio, presos à mandíbula por um fragmento da
cartilagem de Meckel, que recuava. Depois, até isso desapareceu. Com
a evolução do ouvido médio dos mamíferos, esses dois ossos
despertaram para uma sensibilidade aguçada do mundo sonoro de
modo que nenhum tetrápode jamais havia experimentado.
O ouvido médio dos mamíferos surgiu como consequência direta
da redução de tamanho — 13 e surgiu não apenas uma, mas pelo menos
três vezes, de forma independente: nos ancestrais dos animais que se
tornariam o ornitorrinco e a equidna, da Australásia; nos ancestrais
dos marsupiais e dos mamíferos placentários, que juntos constituem
mais de 99% de todas as espécies vivas de mamíferos hoje; e, pela
terceira vez, nos multituberculados, um grupo de mamíferos que se
assemelhavam a roedores e viveram do Jurássico ao Eoceno, quando
foram extintos.

A longa jornada desde os terapsidas até os mamíferos começou no


início do Triássico, com cinodontes como o Thrinaxodon. Quando
vista de olhos cerrados, essa criatura era um jack russell. No entanto,
além de sua cauda curta e atarracada e de um modo de andar
bamboleado, ela era incrivelmente parecida com um mamífero. Tinha
bigodes e pelo.[14] E era uma escavadora de tocas e buracos.
As diferenças eram ainda mais acentuadas em seu interior. Mesmo
nesse estágio inicial, o osso dentário dominava a maxila inferior,
embora o ouvido médio ainda consistisse apenas no estribo.
Nos répteis, os dentes são simples pontos, e são substituídos
sempre que um deles cai. Os pelicossauros haviam mostrado uma
propensão a variar formas e tamanhos dos dentes, criando um
faqueiro, cada dente especializado em uma tarefa diferente. Essa
tendência continuou com seus descendentes terapsidas.
Podem-se mencionar os gorgonopsídeos, com seus caninos
gigantes; bem como os dicinodontes, presas dos primeiros, com sua
combinação eficaz de dentes caninos e bico córneo. Os cinodontes
também tinham caninos — seu nome, inclusive,significa “dente de
cachorro” —, mas continuaram a tendência à diferenciação nos outros
dentes. Os mamíferos têm quatro tipos básicos de dentes: pinças (os
incisivos), facas (os caninos), fatiadores (os pré-molares) e, na parte de
trás, trituradores (os molares). O Thrinaxodon tinha pinças e facas,
mas os dentes atrás dos caninos não eram claramente diferenciados.
Além disso, em vez de ter costelas ao longo da coluna vertebral,
como os répteis, o Thrinaxodon as confinava ao tórax, o que hoje
chamaríamos de caixa torácica. Essa é uma característica exclusiva
dos mamíferos e sugere que o Thrinaxodon dispunha de um diafragma,
um músculo fino como uma folha que divide o tórax das vísceras e que
teria permitido uma respiração muito mais poderosa e regular.15
Outra adaptação respiratória se deu dentro do nariz. Ao contrário
dos répteis, nos quais as narinas internas estão na cavidade do céu da
boca, perto da região frontal, o Thrinaxodon desenvolveu uma longa
cavidade nasal quase inteiramente separada da boca, juntando-se a ela
só na parte de trás, para que o ar pudesse passar limpo para a
garganta, evitando a mastigação. Desse modo o animal podia mastigar
sua comida sem ter que parar para respirar. A cavidade nasal alargada
foi preenchida por um arabesco labiríntico de ossos, sustentando uma
grande área de membrana mucosa, o que indica olfato apurado e
capacidade de aquecer o ar inspirado enquanto mastigava algum
animal primitivo ainda menor que ele.
A imagem que se tem é a de um animal ativo com metabolismo
acelerado: semelhante ao dos dinossauros, mas obtido de modo
diferente. Em vez de uma rede de sacos aéreos em todo o corpo, o
diafragma bombeava ar para dentro e para fora. Do mesmo jeito que
os dinossauros menores, o Thrinaxodon e os cinodontes posteriores
conservavam o calor com um casaco de pele. Como o metabolismo
rápido consome muito combustível, o ato de comer tornou-se mais
eficiente. Em vez de engolir a comida inteira e digerir à vontade ou,
como as aves e os dinossauros, triturá-la com pedras na moela, o
Thrinaxodon usava uma bateria de dentes diferentes para cortar e
picar sua presa enquanto ainda estava na boca, explorando sua
capacidade de respirar durante a mastigação.

A transformação dos cinodontes nos primeiros mamíferos aconteceu


de forma contínua, envolvendo várias linhagens diferentes e diversas
de terapsidas. No que diz respeito a todos os aspectos importantes, foi
no final do Triássico que surgiram animais indistinguíveis dos
mamíferos. E eles eram minúsculos: Kuehneotherium e Morganucodon
não eram maiores que musaranhos modernos, talvez com dez
centímetros de comprimento, no máximo. Tinham os ouvidos médios
totalmente formados,16 e seus dentes também haviam evoluído para
pinças, facas, fatiadores e trituradores.
Os molares eram especiais porque suas cúspides pontiagudas não
ficavam alinhadas como em um dente de tubarão, mas escalonadas,
criando uma superfície de mastigação bidimensional, com as várias
cúspides e os sulcos dos molares inferiores encaixando-se nos do
maxilar superior. Isso tornava o processamento de alimentos ainda
mais eficiente; era mais uma arma no arsenal de pequenas criaturas
que, todos os dias, tinham de comer uma grande fração de seu próprio
peso corporal em insetos apenas para se manterem vivas. Mesmo
nessa fase inicial, cada mamífero tinha sua própria especialidade
alimentar. Enquanto o Morganucodon podia atacar presas duras e
crocantes, como besouros, o Kuehneotherium preferia seres mais
macios, como as mariposas.17

O metabolismo rápido, estimulado pelos eficientes atos de mastigar e


respirar — parcialmente responsáveis, aliás, pela melhora do olfato
—, a tendência à primeira vista inabalável de ter o corpo cada vez
menor — que por sua vez levou à evolução da audição aguda de alta
frequência — e o hábito de se esconder em tocas indicam que os
mamíferos estavam se adaptando a um habitat que antes era
inacessível a quase todos os outros vertebrados: a noite.
No Triássico, a Pangeia era em muitos aspectos um lugar hostil.
Longe das costas devastadas por tempestades do oceano do Tétis,
grande parte da terra era um deserto em que, durante o dia, o solo
ficava quente demais para ser tocado. O Kuehneotherium e o
Morganucodon viviam nesse deserto, entre vinte e trinta graus ao
norte do equador. Num ambiente como esse, a melhor estratégia era se
esconder em uma toca bem abaixo da superfície, longe do calor do dia,
e sair para caçar à noite ou bem cedo pela manhã. Para tanto, o
metabolismo acelerado é essencial. Os répteis, que dependiam do
calor do sol para se aquecer, perdiam os insetos mais suculentos para
os mamíferos, que já estavam aquecidos. Os insetos também tendiam
a estar mais entorpecidos nesses momentos, tornando-se presas mais
fáceis.
Para aqueles que passavam os dias em tocas escuras, saindo apenas
à noite para caçar sob as estrelas, a visão era muito menos importante
do que a audição, o tato e o olfato — sentidos que, lentamente, foram
aprimorados nos terapsidas desde os tempos do Thrinaxodon. Nos
mamíferos, esses sentidos atingiram seu auge. De dia e acima do solo,
o Triássico era uma profusão de répteis. Mas a noite pertencia aos
mamíferos. Ela seria o parquinho deles pelos próximos 150 milhões de
anos.

Todos os dinossauros nasceram de um ovo. Isso também já foi verdade


para os mamíferos. Era um bom hábito, pois, como vimos, os ovos
permitem a produção rápida de uma prole numerosa com pouco
investimento dos genitores. O Kayentatherium, um terapsida muito
parecido com os mamíferos, que viveu no Jurássico — e, portanto, um
dos últimos de sua classe que não era um mamífero totalmente peludo
—, chocava dezenas de jovens, todos adultos em miniatura, prontos
para seguir seu próprio caminho no mundo.18
Mas uma mudança estava por vir, e ela aconteceria no cérebro. Os
primeiros mamíferos passaram a desenvolver cérebros maiores. Os
recém-eclodidos começaram a ficar parecidos com o que identificamos
como filhotes — um pouco subdesenvolvidos, com a cabeça grande em
relação ao corpo e o cérebro em plena expansão. O tecido cerebral é
muito caro para ser produzido e mantido, tensionando animais
pequenos que já correm o mais rápido possível para permanecer no
mesmo lugar. Assim, em vez de botar muitos ovos, os mamíferos
tinham ninhadas menores e dedicavam mais tempo para cuidar de
cada filhote. As fêmeas começaram a secretar uma substância rica em
gordura e proteína a partir de glândulas sudoríparas modificadas,
garantindo que os jovens fossem alimentados com uma dieta repleta
de todos os nutrientes necessários para crescerem rápido. Chamamos
essa substância de “leite”. Histórica e etimologicamente, a presença de
órgãos produtores de leite, ou mamas, é o que faz um mamífero ser um
mamífero.

A vida de um mamífero era muito tensa. Quando os dinossauros


surgiram, no final do Triássico, os mamíferos já estavam no caminho
certo para sofisticar a arte de ser pequeno e ter uma vida breve, aguda
e cheia de aventura. Mas a tensão energética teria sido menor se eles
houvessem sido capazes de retornar a um tamanho mais normal,
especialmente agora que tinham cérebros grandes para sustentar.
O problema era que, quando os mamíferos se viram em condições
de ir além do papel de pequenos insetívoros noturnos e necrófagos, os
dinossauros haviam evoluído para preencher todas as lacunas
ecológicas disponíveis. De fato, para um dinossauro pequeno,
inteligente e ativo, os mamíferos eram mais que competidores: eram
as presas.

Não que os mamíferos não tenham feito várias tentativas de escapar.


Animais de vida breve evoluem depressa. No tempo dos dinossauros,
pelo menos 25 grupos diferentes de mamíferos surgiram.
Eles eram um bando aventureiro, e não seriam contidos. Embora
nunca tenham sido muito grandes durante o reinado dos dinossauros,
alguns evoluíram para o tamanho de gambás e até de texugos —
grandes o suficiente para roubar ovos e filhotes de dinossauros19 e,
talvez, para fazer com que alguns dos dinossauros menores e
emplumados permanecessem nas árvores.
Ao aumentarem de tamanho, compartilharam o habitat não com
um, mas com pelo menos dois tipos inteiramente diferentes de
mamíferos que evoluíram para uma coisa similar a um esquilo
voador.20 A água também não era segura: o Castorocauda, de
oitocentos gramas, tinha uma cauda achatada, parecida com a do
castor, pele felpuda e dentes afiados, perfeitos para mergulhar em
busca de peixes nos lagos jurássicos.21 Madagascar, um paraíso para o
inusitado, recebeu Vintana e Adalatherium, parecidos com coelhos,
que, com olhos grandes e olfato apurado, estariam alerta a qualquer
espasmo de um dinossauro predador.22

Quando todos os dinossauros morreram, essas linhagens, efêmeras e


vivazes, também se extinguiram — com exceção de quatro. Os
sobreviventes foram os mamíferos monotremados, que botam ovos, os
marsupiais, os placentários e os multituberculados. Cada um deles
poderia fincar raízes no rico molde da história evolutiva que já era
profunda.
Os monotremados são mamíferos porque amamentam seus
filhotes, ainda que eles nasçam de ovos. Esse grupo, hoje representado
pelo ornitorrinco e pela equidna, é o último e peculiar remanescente
de uma linhagem muito antiga que seguiu seu próprio caminho no
período Jurássico e estava em todos os continentes do Sul.23
A maioria dos outros mamíferos — os placentários — abandonou
completamente o hábito de botar ovos, nutrindo internamente um
número menor de filhotes. Os embriões de mamíferos têm as mesmas
membranas que o ovo amniótico — mas sem a casca. No ato final de
devoção altruísta, a própria mãe assumiu esse papel protetor. Do
mesmo modo que os monotremados, os placentários se originaram há
muito tempo, nesse caso com as pequenas criaturas que subiam em
árvores e caçavam insetos nos galhos das florestas jurássicas.24
Já os marsupiais chegaram a um meio-termo sagaz entre os ovos
dos monotremados e a completa nutrição interna dos placentários.
Eles alimentam seus filhotes internamente, mas a prole nasce quando
sequer passa de um embrião. Uma vez no mundo exterior, a pequena
criatura rasteja pela floresta de pelos de sua mãe até uma bolsa e se
prende a um mamilo. Lá, segura e alimentada, ela completa seu
desenvolvimento. Essa estratégia é uma adaptação a ambientes hostis
e marginais, onde é difícil encontrar comida. Se tiver problemas, um
marsupial gestante pode abortar seus rebentos e gerar outros mais
tarde, se e quando as circunstâncias permitirem.
No registro fóssil, os marsupiais são tão antigos quanto os
placentários25 e têm uma longa e ilustre história. Eles se saíram
especialmente bem quando confinados a continentes insulares, onde
assumiram uma variedade surpreendente de formas. Durante grande
parte da era cenozoica, a América do Sul foi seu feudo particular, que
eles compartilhavam com os estranhos (e placentários) edentados —
preguiças, tamanduás, tatus e outros parentes —, embora fossem
súditos de animais como o Thylacosmilus, uma versão marsupial do
tigre-dente-de-sabre, e seus batedores, os borhienídeos, com tamanho
e aparência que variavam entre os de um lobo e de um urso. Quando a
América do Sul colidiu com a América do Norte, uma invasão de
placentários do norte praticamente os eliminou.
Alguns mamíferos sul-americanos reagiram, no entanto, com
contrainvasões, lideradas por preguiças-gigantes e, na vanguarda,
tatus e gambás, que continuam atacando latas de lixo americanas até
hoje. A maioria dos marsupiais atuais vive na Austrália, onde seu
modo único de reprodução os torna adaptados ao interior árido
daquele continente cada vez mais ressecado.
Então, quando os dinossauros por fim morreram, os mamíferos
estavam prontos, aprimorados por 1 milhão de anos de evolução. Eles
irromperam como um champanhe envelhecido, sacudido de antemão e
desarrolhado de forma inexperiente.

Esperando por eles, porém, estavam os maiores predadores do mundo


pós-apocalíptico. Eram de um gênero de aves, os forusracídeos.
Imensos e incapazes de voar, eram parentes de garças e ralídeos, com
crânios do tamanho da cabeça de um cavalo, e decapitavam qualquer
mamífero imprudente que deixasse sua toca. Era como se o
Tyrannosaurus rex tivesse retornado.
Mas mesmo esses horrores desapareceram na poeira das planícies
do Paleoceno, e os mamíferos — principalmente os placentários —
expandiram-se em tamanho e forma. Os primeiros, entretanto,
pareciam cambaleantes e malformados, como se estivessem indecisos
quanto ao seu propósito. Animais como pantodontes e dinocerados,
arctocionídeos e mesoniquídeos, todos há muito desaparecidos,
combinavam características de carnívoros e herbívoros. Pantodontes
e dinocerados eram herbívoros e foram os primeiros a crescer. Alguns
pantodontes eram tão grandes quanto rinocerontes; alguns
dinocerados, do tamanho de elefantes. Embora claramente
herbívoros, eles tinham dentes caninos amedrontadores.26 Os
arctocionídeos combinavam os dentes caninos dos ursos com os
cascos dos veados.
Igualmente ambíguos eram os mesoniquídeos. Os forusracídeos,
também conhecidos como aves gigantes do terror, encontraram seu
par no mesoniquídeo Andrewsarchus, um animal aterrorizante, da
altura do ombro de um homem, com uma cabeça tão comprida quanto
a de um urso pardo do Alasca, e que poderia ter aspirado o crânio
inteiro de um lobo por uma narina. E tinha cascos nos pés. O
Andrewsarchus parecia um porco muito grande e muito bravo.27

Apesar do asteroide, a Terra no final do Cretáceo era um lugar quente


e ameno, e o calor se manteve. Mas, à medida que o Paleoceno
avançava até chegar no Eoceno, o calor equânime tornou-se tórrido.
Planícies e bosques viraram selvas. A primeira onda de mamíferos
primitivos e ambíguos foi gradualmente substituída por outras com
objetivos de vida mais claros. Os ungulados — os mamíferos com
cascos — apareceram pela primeira vez, apesar de durante o Eoceno
serem pequenos e se parecerem mais com esquilos, correndo e
disparando entre as árvores altas, possivelmente para evitar
predadores como a Titanoboa, uma cobra do tamanho de um ônibus.28

Alguns dos primeiros ungulados com dedos dos pés em número par
escaparam na direção mais improvável que se pode imaginar: eles
voltaram para a água e se tornaram baleias. Além do mais, fizeram isso
com entusiasmo e, em termos evolutivos, com grande pressa.
Os primeiros indícios da forma de baleia foram vistos nas
mandíbulas longas e cheias de dentes — no veloz predador Pakicetus,
parecido com um lobo, e no Ichthyolestes, do tamanho de uma raposa
—, uma característica frequentemente encontrada em comedores de
peixes; e em diversas rugas na anatomia do ouvido interno que
poderiam predispor à audição na água.29 Mais obviamente aquático
era o Ambulocetus, semelhante a um leão-marinho ou uma lontra, com
membros mais curtos (embora ainda totalmente funcionais).30
Não demorou muito até que as baleias se tornassem totalmente
aquáticas, assumindo formas como as do Basilosaurus, com vinte
metros de comprimento, em tudo idêntico às serpentes marinhas da
mitologia que se enrolavam todas, embora guardassem minúsculos
vestígios de seus membros posteriores como recordação de seus
antepassados terrestres.31
Depois disso, não houve como pará-las. As baleias substituíram os
lagartos marinhos gigantes — um nicho que estava livre desde a
extinção dos plesiossauros e dos mosassauros, no final do Cretáceo.
Elas se tornaram mamíferos de grande sucesso, entre os mais
inteligentes de todos os animais, e uma delas, a baleia-azul, é o maior
animal que a evolução já produziu. Talvez mais notável que sua
própria transformação tenha sido a velocidade em que o fez — de
corredores terrestres semelhantes a cães a nadadores totalmente
marinhos levaram apenas 8 milhões de anos.32

Outra transformação talvez tenha sido ainda mais surpreendente, por


ter, ao que parece, apagado quase todos os seus vestígios.
Depois de se separar da América do Sul durante o período
Cretáceo, a África se tornou um continente insular, permanecendo
separada por cerca de 40 milhões de anos. Isolados, lá os primeiros
mamíferos placentários, semelhantes aos insetívoros, diversificaram-
se a tal ponto que todos os sinais externos de sua herança comum
desapareceram.33 E eles se transformaram em magníficos elefantes;
em sirênios aquáticos, como o dugongo e o peixe-boi; em porcos-
formigueiros, tenreques, toupeiras-douradas, musaranhos-elefantes e
hiracoides. Todos eles fazem parte da Afrotheria, uma ramificação
paralela de uma superordem mais setentrional, a Laurasiatheria —
que inclui ungulados, baleias, carnívoros, morcegos, pangolins e os
demais insetívoros.
Em toda classificação, sempre há um grupo de sobras. No caso dos
mamíferos, elas eram os Euarchontoglires — uma variedade de
raspadores que incluía ratos, camundongos, coelhos e, como se fossem
uma ideia posterior, os primatas. Essas pequenas criaturas fugidias,
com olhos voltados para a frente, visão em cores, cérebros propensos à
curiosidade e mãos inclinadas à exploração, observavam, das
imponentes florestas tropicais do Eoceno, um mundo em rápida
mudança.
Planeta dos macacos

A coreografia da deriva continental é lenta e impiedosa.


Há cerca de 30 milhões de anos, o continente da Antártida se
libertou da Pangeia e derivou ao sul a ponto de ficar completamente
cercado pelo oceano. O efeito desse evento único no clima da Terra foi
profundo e duradouro. Pela primeira vez, era possível que uma
corrente marítima girasse ininterruptamente ao redor do novo
continente. Ela impedia que a água aquecida nos trópicos chegasse às
costas então amenas da Antártida. Um vento gelado pairava sobre os
picos irregulares e cobertos de árvores dos montes Transantárticos,
uma das cordilheiras mais formidáveis do planeta.
Isso permitiu que em determinado ano a neve que havia caído
durante o inverno não derretesse por completo na primavera,
permanecendo no chão o ano todo. Mais neve caiu e foi acumulada,
camada sobre camada, século após século, comprimida até formar um
gelo contínuo que não derretia. Geleiras começaram a se formar nos
altos vales.
Conforme a Antártida continuava a se deslocar para o sul, o sol
ficava cada vez mais baixo no solstício de verão e as noites de inverno
se tornavam mais longas. Por fim chegou o ano em que o sol do
inverno não apareceu, e o continente passou seis meses sob uma
escuridão ininterrupta. As geleiras cresceram tanto que enterraram e
cobriram as cadeias de montanhas em cujos vales haviam crescido.
Paredes de gelo se espalharam pelas planícies, apagando tudo em seu
caminho. O litoral não as barrava. O gelo marchou sobre o oceano,
formando plataformas glaciais no mar e icebergs para esfriar ainda
mais o oceano da região.
Dentro de alguns milhões de anos, um continente que já tinha sido
exuberante e verde tornou-se um deserto seco e gelado demais para
todos, exceto para o tipo de vida mais primordial — liquens e musgos
— e, mesmo assim, apenas nas regiões mais protegidas do Norte, nas
bordas da terra. Os mares que o cercavam, porém, fervilhavam de
vida.
A história foi parecida no extremo norte do planeta, mas,
curiosamente, ao contrário. Ali os continentes, que seguiam derivando
para o norte, cercavam o oceano Ártico de modo que pouca água
quente do Sul chegava até eles. Uma calota de gelo permanente
começou a se formar no mar setentrional, como se imitasse a outra
muito maior que havia em terra, no extremo sul. Depois de muitos
milhões de anos livre do gelo polar, a Terra voltou a ter calotas polares
definitivas.
As consequências foram percebidas no mundo todo. Antes o
planeta tinha uma temperatura tolerável em quase todos os lugares,
mas agora surgia no clima um gradiente acentuado entre os polos e os
trópicos. Os ventos sopraram com força. O clima tornou-se mais
variável, mais sazonal e mais frio.
Era o fim do planeta selva que os primeiros primatas chamavam de
lar.1
As selvas se dividiram em florestas fragmentadas e isoladas. Grandes
planícies começaram a aparecer nos espaços entre elas, cobertas com
um novo tipo de planta: a gramínea.2 Crescendo de baixo para cima,
em vez de crescer de cima para baixo, a gramínea podia ser cortada
continuamente sem morrer. Esse estranho e novo dom logo foi
aproveitado por animais que se desenvolveram para pastar, um
trabalho mais difícil que somente beliscar as folhas tenras das árvores
da selva, como faziam antes. Isso porque as gramíneas são ricas em
sílica, um mineral que lixa os dentes enquanto o animal as mastiga.
Os ungulados, que haviam se adaptado para explorar as florestas,
agora desenvolviam mandíbulas mais profundas e dentes com muitas
cúspides, capazes de cortar essa comida arenosa. À medida que
evoluíam, se tornavam maiores e faziam ressoarem nas planícies os
trovões emitidos pelos cascos dos cavalos e pelas patas de
rinocerontes gigantescos.
Os descendentes das criaturinhas semelhantes a hipopótamos que
pastavam nos pântanos e nas várzeas da África se mudaram para o
solo seco e duro e se tornaram elefantes. Maiores e cada vez mais
poderosos, eles chegaram à savana. No rastro dos rebanhos vieram os
predadores.

Os primatas também se adaptaram. Muitos permaneceram nas


florestas que encolhiam, vivendo de modo cada vez mais marginal,
mas alguns começaram a complementar a vida nas árvores com
passagens incidentais pelo solo. Como os ungulados, eles também se
tornaram maiores: ser um macaco brincalhão que corre tornou-se uma
decisão mais acertada dos símios.
No Mioceno, o Velho Mundo se transformou no planeta dos
nacacos. Os fragmentos de florestas ralas e as terras áridas ao redor
delas ressoavam com os gritos e rugidos símios. O Ouranopithecus 3 se
balançava na Grécia, enquanto o Ankarapithecus 4 se pendurava na
Turquia. O Dryopithecus patrulhava a Europa central; Proconsul,
Kenyapithecus e Chororapithecus exploravam a África, onde um
parente dos últimos deu origem ao gorila.5 O Lufengpithecus vivia nas
florestas da China, e o Sivapithecus, no sul da Ásia, onde seus parentes
por fim recuaram para as últimas selvas e, por meio do Khoratpithecus,
na Tailândia,6 deram origem aos orangotangos.
Alguns desses macacos eram tão grandes que não conseguiam mais
correr pelos galhos que antes tinham sido suas estradas.7 Em vez
disso, eles passaram a adotar diferentes posturas, como se pendurar
pelos longos braços de galho em galho ou ir se esticando e escalando.
Com o tempo, alguns deles, como o Danuvius, da Europa Central,
optaram por uma postura mais ereta.8
Nem todos esses ensaios foram totalmente bem-sucedidos no
longo prazo. O Oreopithecus, abandonado em uma ilha do
Mediterrâneo que um dia se tornaria a Toscana, tentou ficar de pé.9
Mesmo assim foi extinto.

E a Terra continuava esfriando. As florestas encolheram ainda mais,


levando a maioria dos macacos remanescentes a se refugiar nas matas
remotas da África Central e do Sudeste Asiático.10 Para os demais, a
escolha era dura: ser banido do éden ou ser extinto. Os refugiados
levaram pouco consigo, quase nada além de uma tendência a se
levantar sobre os membros posteriores e andar.
Há 7 milhões de anos, os descendentes do éden passaram a andar
melhor do que escalar. O clima cada vez mais frio transformara
criaturas pequenas em grandes símios; e, depois, grandes símios em
ainda outra coisa. Como tantas vezes antes, a incansável Terra,
voltando do sono, sacudiu sua fina colcha da vida, e esta fez o possível
para se segurar. Os macacos restantes, impulsionados por forças mais
poderosas do que qualquer um deles poderia ter imaginado, deram
seus primeiros passos na longa jornada em direção à humanidade.
O andar ereto como um hábito, e não apenas de modo esporádico,
é a marca mais antiga dos hominíneos — a linhagem humana.11 Os
primeiros hominíneos surgiram no final do Mioceno, cerca de 7
milhões de anos atrás. Um deles foi o Sahelanthropus tchadensis,12 uma
criatura que forrageava ao longo das margens do lago Chade, na
África Ocidental. A região já foi exuberante, e o lago, um dos mais
extensos do mundo. Mas, depois, a tendência do clima a ficar mais
seco só se acentuou: o lago diminuiu até virar um pequeno vestígio de
seu antigo eu, e a paisagem circundante tornou-se um deserto inóspito
e devastado.13 Mas o Sahelanthropus não estava sozinho. Na África
Oriental, há cerca de 5 milhões de anos, viviam outros bípedes, como o
Ardipithecus kadabba,14 da Etiópia, e o Orrorin tugenensis, do Quênia.15
Portanto, para os primatas, o andar ereto, assim como a maioria das
outras inovações da Pré-História humana, surgiu na África.16

Para nós, ficar de pé e andar é tão fácil e tão natural que não lhe damos
o devido valor. Muitos mamíferos podem ficar de pé por pouco tempo
e até andar. Mas é preciso esforço, então logo voltam a ficar de quatro,
o estado típico dos mamíferos.[17] Os hominíneos são diferentes.
Andar ereto é seu padrão — a locomoção em quatro apoios, usando as
mãos e os pés para andar, é, em contraste, antinatural e difícil. A
adoção do bipedalismo por uma linhagem de grandes símios que vivia
nas margens dos rios e nas fronteiras das florestas da África há 7
milhões de anos foi um dos eventos mais notáveis, improváveis e
enigmáticos de toda a história da vida. Ela exigiu uma reengenharia
completa de todo o corpo, da cabeça aos pés.
O orifício por onde a medula espinhal entra no crânio migrou da
parte de trás (onde é encontrado nos quadrúpedes) para a base da
cabeça. Essa característica, e muitas outras coisas, fazia do
Sahelanthropus um hominíneo. Ou seja, ao andar sobre os membros
posteriores seu rosto ficava voltado para a frente, e não para cima,
para o céu, e o crânio se equilibrava no topo da coluna vertebral em
vez ficar apoiado em uma de suas extremidades.
Os efeitos da mudança no resto do corpo foram igualmente
profundos. Quando a coluna vertebral surgiu, há meio bilhão de anos,
era uma estrutura mantida horizontalmente, sob tensão. Nos
hominíneos, ela se deslocou em noventa graus, passando a ser vertical,
sob compressão. Nunca houve uma alteração tão radical nos requisitos
de engenharia da coluna vertebral desde que ela surgira, o que só pode
ser considerado como uma má adaptação — evidência disso são os
problemas nas costas, que constituem uma das causas mais custosas e
frequentes de doenças humanas hoje em dia. Os dinossauros foram
muito bem sucedidos como bípedes, mas o fizeram de uma maneira
diferente: eles mantinham a coluna na horizontal, usando a cauda
longa e rígida como contrapeso. Já os hominíneos, como os grandes
símios, não tinham cauda e se tornaram bípedes do modo mais árduo.
As coisas eram ainda piores para as fêmeas grávidas, que tiveram
de se ajustar a uma carga cada vez mais instável e inconstante — uma
condição que deixou sua marca no desenvolvimento humano. Não é de
se admirar que, durante a maior parte da história, as fêmeas humanas
adultas — das quais a continuação da espécie depende — tenham
passado a vida grávidas ou amamentando.18 Para piorar: em
proporção à altura total, as pernas dos hominíneos tendem a ser mais
longas que as dos macacos. Isso torna a locomoção mais eficiente em
termos energéticos, mas há um custo. O feto fica ainda mais alto em
relação ao solo, elevando o centro de massa e aumentando a
instabilidade.
Como se não bastasse, um hominíneo tem de se mover levantando
um pé do chão, deslocando o centro de massa bruscamente e então
corrigindo-o antes de cair — e tem que fazer isso a cada passo que dá,
o que requer um grau notável de controle. Para tanto, o cérebro, os
nervos e os músculos funcionam em sincronia perfeita, a ponto de não
nos darmos conta.
Os primeiros hominíneos pareciam insignificantes comparados a
alguns dos animais com que compartilhavam o mundo. Mas, na
verdade, eram os caças de elite do reino animal. Os quadrúpedes
podem retumbar, correr e até girar rapidamente, mas essas ações no
geral precisam do torque proporcionado por uma cauda longa e
agitada, como se vê durante a caça de um guepardo.19 Animais com
uma perna em cada extremidade são como aviões de carga que,
quando posicionados na direção certa, prosseguem em voo inabalável.
Os seres humanos, sem esses apoios, são como aviões de combate —
manobráveis de forma quase sobrenatural em detrimento da
estabilidade: apenas os melhores pilotos conseguem controlar os jatos
mais rápidos. Os hominíneos não só andavam igual aos dinossauros;
eles também dançavam, desfilavam, giravam e davam piruetas.
No final, os ganhos do bipedalismo foram enormes. E o começo é
extraordinário. Um testemunho da improbabilidade do bipedalismo
enquanto proposição é o fato de que os hominíneos estão entre os
poucos mamíferos para os quais andar sobre duas pernas é algo
natural — 20 uma raridade ressaltada pelo desamparo de qualquer
humano subitamente privado do uso de um de seus membros
posteriores.21 Depois que entraram na estrada erma que levava ao
bipedalismo, a seleção natural garantiu que eles se tornassem muito
bons nisso, e bem depressa.
A caminhada humana é uma das maravilhas subestimadas do
mundo moderno. Hoje, os cientistas são capazes de desvendar a
estrutura de partículas subatômicas, detectar o rumor e o rangido da
fusão de buracos negros a milhões de anos-luz de distância e até
mesmo perscrutar os primórdios do universo. No entanto, nenhum
robô é capaz de imitar a graça natural e atlética de um ser humano
comum enquanto anda.

A questão persiste: por quê? A resposta fácil é que o bipedalismo é


apenas um dos muitos modos peculiares de locomoção que os macacos
tentaram ao longo de milhões de anos, incluindo se pendurar usando
braços longos, como os gibões; escalar usando os quatro membros
como mãos, como fazem os orangotangos; e o singular nodopedalismo
dos chimpanzés e gorilas. Mas por que os hominíneos tentaram o
andar bípede, em vez de qualquer outra maneira de ir de um lugar para
outro, ainda é uma incógnita. Certamente, a vida em um descampado
não exige isso. Muitos símios grandes, como os Macaca e os babuínos,
vivem em campo aberto e mantiveram as quatro patas firmemente
plantadas no chão duro e seco.
As sugestões de que o bipedalismo libertou as mãos para, digamos,
fazer ferramentas ou segurar bebês, também não se sustentam, dado
que muitos conseguem realizar as duas coisas sem ter feito a mudança
completa para o bipedalismo. Quanto aos primeiros hominíneos, o
máximo que se pode dizer é que eles talvez fossem parcialmente pré-
adaptados ao bipedalismo em virtude de um modo de escalar árvores
na posição ereta, uma postura mais parecida com a usada para andar
no chão. Para eles, caminhar talvez fosse como escalar galhos — mas
sem os galhos.

De qualquer forma, muitos mantiveram a capacidade de escalar. Os


pés de um dos primeiros, o Ardipithecus ramidus, que viveu há 4,4
milhões de anos na Etiópia,22 tinham dedos grandes divergentes, que,
como os polegares, sugerem uma capacidade de preensão — a marca
de uma criatura mais à vontade nas árvores do que andando
confortavelmente à sombra delas, no solo.23 Outra espécie, o
Australopithecus anamensis, que viveu na África Oriental entre 4,2
milhões e 3,8 milhões de anos atrás, também era primitiva em muitos
aspectos, mas dominava melhor o chão.24
O Australopithecus anamensis sobrepôs-se no tempo a uma série de
outras espécies semelhantes. Uma delas, o Australopithecus afarensis,
viveu na mesma região entre 4 milhões e 3 milhões de anos atrás25 e
ainda se saía melhor como bípede. Foi um dos mais bem-sucedidos
entre todos os primeiros hominíneos, uma vez que ocupou regiões
além da África Oriental e, em seu ponto mais a oeste, foi encontrado
no Chade.26 Não importa por onde perambulasse, fazia isso de forma
tão ereta como o fazemos hoje,27 ainda que fosse um escalador hábil.28
Nada disso deveria dar a impressão de que espécies cada vez mais
bípedes substituíam umas às outras de maneira ordenada e
predeterminada. Os hominíneos estavam espalhados pelas savanas da
África Oriental e preferiam viver em um ambiente misto entre pastos,
campos gramados, campos arbustivos e florestas sombreadas perto da
água,29 com algumas espécies que gostavam mais de árvores do que
outras. Até 3,4 milhões de anos atrás, hominíneos que se penduravam
em árvores, semelhantes ao Ardipithecus, ainda viviam na floresta.30
Ou seja, para todos esses primeiros seres, andar ereto era parte de
uma rotina diária que incluía escalar e, talvez, fazer ninhos nos galhos
das árvores, como os macacos fazem ainda hoje. A mistura não se
restringiu ao ambiente, influenciando também a dieta. Alguns
hominíneos começavam a incorporar alimentos mais duros, como
nozes e tubérculos, na dieta tradicional dos primatas, que incluía
frutas, folhas frescas e insetos. A resposta evolutiva os levou a
mudanças comparáveis às observadas nos ungulados da savana: maçãs
do rosto dilatadas para acomodar enormes músculos de mastigação,
mandíbulas profundas e dentes em forma de lápides. Diversas espécies
altamente especializadas desse tipo, agrupadas sem muita precisão no
gênero Paranthropus, apareceram na África entre cerca de 2,6 milhões
e 600 mil anos atrás. Essas criaturas típicas da savana viviam ao lado
de hominíneos mais generalizados — várias espécies de
Australopithecus e nosso próprio gênero, Homo —,31 alguns dos quais
se afeiçoaram a pratos mais suculentos.

Em algum momento há cerca de 3,5 milhões de anos, certos


hominíneos desenvolveram gosto por carne, geralmente obtida de
presas de outros animais. Nenhum hominíneo primitivo tinha dentes
ou garras para competir com um leão ou leopardo, mas eles haviam
começado a lascar pedras, a fazer ferramentas afiadas e a aperfeiçoar
a arte da carnificina.32
As primeiras ferramentas não passavam de pedras lascadas,33 mas
seu impacto na vida humana seria profundo. A visão binocular
aguçada dos primatas, herdada de ancestrais arborícolas do Eoceno —
combinada com uma pedra atirada com as mãos livres da necessidade
mundana da locomoção —, poderia esmagar o cérebro de um leão
necrófago ou dispersar abutres de cima de uma carcaça. Mesmo antes
do desenvolvimento da culinária, o uso dessas ferramentas simples de
pedra para cortar carne e triturar matéria vegetal aumentava
significativamente os nutrientes disponíveis para criaturas34 que
precisavam usar criatividade infinita a fim de manter a ameaça
perpétua de fome sob controle. Ao serem soltas de ossos longos,
estilhaçados por pedras, a carne e a medula repletas de proteínas e
gorduras vitais podiam ser digeridas mais facilmente que raízes
fibrosas e nozes, que exigem uma mastigação implacável. Os
hominíneos que comiam carne e gordura tinham dentes e músculos de
mastigação menores. A energia que economizavam era destinada ao
crescimento do cérebro; o tempo, a fazer outras coisas além de coletar
alimentos e mastigá-los.
A fome, porém, seguia sempre no encalço. Ocorreu a alguns desses
hominíneos em seus momentos de lazer que a carne poderia ser mais
suculenta se fosse capturada fresca em vez de obtida de restos já muito
mastigados por outros animais. Eles aprenderam a fazer ferramentas
de pedra melhores.
Acima de tudo, deram um passo que seria tão revolucionário
quanto ficar de pé havia sido para seus agora distantes ancestrais da
floresta: aprenderam a correr.
Pelo mundo todo

Depois de mais de 50 milhões de anos, o longo e lento declínio da


temperatura da Terra estava prestes a atingir seu nadir.
Tudo estava no lugar certo.
No extremo sul, uma corrente circumpolar trancou a Antártida em
congelamento profundo. No extremo norte, os continentes
convergentes aprisionaram o oceano Ártico em seu próprio inferno
gélido. Mas havia mais por vir.
O sinal da destruição veio do espaço. Não em um impacto
repentino, como aquele que levara o reinado dos dinossauros ao fim
ardente, mas na forma de uma série de mudanças quase imperceptíveis
na órbita da Terra em torno do Sol. Tais mudanças sempre estiveram
lá, em segundo plano, mas, geralmente, seus efeitos sobre os
habitantes do planeta eram tão pequenos que ninguém se importava.
Tudo isso estava prestes a mudar.

A órbita da Terra em torno do Sol não é perfeitamente circular, mas


um pouco elíptica. Se a órbita fosse circular, a Terra permaneceria
sempre a uma distância fixa do Sol. Mas, como é elíptica, a distância
da Terra ao Sol varia ao longo do ano: às vezes ela está mais perto dele,
às vezes menos. Esse desvio do círculo perfeito, conhecido como
excentricidade, é originado da interação gravitacional da Terra com
os outros planetas fazendo suas próprias viagens ao redor do Sol.
Quando está mais próxima, a Terra fica a 147 milhões de
quilômetros do Sol. Em seu ponto mais distante, são 152 milhões de
quilômetros. Isso é bem pouco na escala do universo. No entanto, às
vezes, a órbita da Terra se torna mais excêntrica — mais esticada —,
de modo que a distância mais próxima chega a 129 milhões de
quilômetros do Sol e a mais distante atinge 187 milhões. É como se a
órbita da Terra “inspirasse” e “expirasse” lentamente. Cada respiração
completa dura 100 mil anos. Quanto mais esticada a órbita, mais
extremo o clima, pois o planeta fica muito mais perto que o usual das
fornalhas do Sol e se aventura mais longe, na longa escuridão do
espaço profundo.

Ao mesmo tempo, a inclinação do eixo da Terra oscila com relação ao


seu plano de translação em torno do Sol.
A mudança das estações e a divisão da Terra em faixas climáticas
são consequências de sua inclinação axial. Durante o verão do norte, o
polo Norte fica inclinado em direção ao Sol, em um ângulo de 23,5
graus. Ou seja, todos os lugares ao norte da latitude 66,5 graus — 1 o
Círculo Polar Ártico — ficam continuamente banhados pelo sol. Da
mesma forma, no inverno da região, quando o hemisfério Norte está
inclinado para longe do Sol, o Ártico definha na escuridão total. No
hemisfério Sul, no Círculo Antártico, acontece o contrário 66,5 graus
ao sul. Os trópicos de Câncer e de Capricórnio, nas latitudes 23,5
graus norte e sul, respectivamente, delimitam ao norte e ao sul do
equador o intervalo no qual o Sol está a pino ao meio-dia.
Esse valor atual de 23,5 graus é uma espécie de meio-termo. A
inclinação axial pode variar entre 21,8 e 24,4 graus em um período de
cerca de 41 mil anos e ela afeta a sazonalidade. Quando é maior, os
verões são — em média — ligeiramente mais quentes, e os invernos,
mais frios; o domínio do Ártico e da Antártida será maior; e, nos
trópicos, no ápice do verão, o Sol estará a pino ao meio-dia em
latitudes mais altas. Em outras palavras, o clima da Terra se torna um
pouquinho mais extremo. Quando a inclinação do eixo é inferior a
23,5 graus, o clima geralmente fica mais ameno.

O terceiro fator é a precessão, movimento em que o próprio eixo da


Terra circula, embora muito mais lentamente que o ciclo diário de
rotação. A precessão é muito parecida com o modo de um pião voltear
inclinado à medida que gira. Esse ciclo leva cerca de 26 mil anos para
ser concluído. Pode ser observado, pelos mais pacientes, por um
movimento lento do polo que desenha um círculo no céu. Atualmente,
o polo Norte parece apontar, mais ou menos, para Polaris, a Estrela
Polar da constelação da Ursa Menor. Por causa da precessão, no
entanto, com o tempo, Polaris será substituída por Vega, na
constelação de Lira, outra estrela do norte proeminente.2 Qualquer
um poderá visualizar com clareza esse fenômeno, desde que esteja
disposto a esperar 13 mil anos.

Como consequência desses três ciclos, cada um complementar aos


demais, a quantidade de luz solar recebida nos diversos pontos do
planeta muda de maneira periódica. O resultado é que a Terra passa
por uma onda de frio a cada 100 mil anos, em média.[3]
Por milhões e milhões de anos a órbita respirou, oscilou e se
inclinou dessa maneira, e o efeito geral foi muito pequeno. Ou tinha
sido — até cerca de 2,5 milhões de anos atrás. Até então, o que
acontecia no solo significava mais para os seres vivos: questões como a
fusão e a separação dos continentes, com a consequente perturbação
da química dos oceanos e da atmosfera, eram mais relevantes. Há 2,5
milhões de anos, entretanto, o impacto do mecanismo celestial foi
amplificado, em vez de dissipado, pela situação terrestre.
Com o gelo já nos polos, as condições eram perfeitas. O
mecanismo cósmico e a deriva continental trabalharam juntos,
levando o planeta inteiro a uma série de eras glaciais. Elas começaram
suaves, mas tornaram-se, em geral, mais severas, e continuam até os
dias atuais. Os episódios glaciais duram cerca de 100 mil anos, com
um intervalo de 10 mil a 20 mil anos em que o clima pode se tornar,
brevemente, muito quente e até tropical, mesmo em altas latitudes.
A época mais gélida da onda de frio mais recente foi há 26 mil
anos. Grande parte do nordeste da América do Norte foi enterrado sob
o que é conhecido como camada de gelo Laurentide, e o oeste, sob a
camada de gelo da Cordilheira. A maior parte do noroeste da Europa
definhava sob a camada de gelo Escandinava. Dos Alpes aos Andes, as
cordilheiras gemiam sob as geleiras. Grande parte do restante do
hemisfério Norte não glacial era uma mistura de estepe com tundra
seca, ambas sem árvores e varridas pelo vento.
Toda aquela água congelada tinha de vir de algum lugar: o nível
médio do mar era 120 metros mais baixo do que é hoje. Atualmente,
estamos há 10 mil anos em um período quente, e o nível médio do mar
está mais alto, em média, do que foi por cerca de 2 milhões de anos.
As mudanças climáticas trazidas pelas eras glaciais foram muito
rápidas e, no mínimo, perturbadoras. Os maiores contrastes podem
ser vistos na Grã-Bretanha, que fica no extremo oeste do continente
da Eurásia e, portanto, é altamente sensível às mudanças no oceano e
aos ventos predominantes do oeste. Meio milhão de anos atrás, a Grã-
Bretanha foi enterrada sob uma camada de gelo de um quilômetro e
meio de espessura. Em contraste, há 125 mil anos o clima era tão
quente que os leões caçavam veados nas margens do Tâmisa, e os
hipopótamos chafurdavam tão ao norte quanto o rio Tees. Quarenta e
cinco mil anos atrás, a Grã-Bretanha era formada por estepes sem
árvores onde renas vagavam no inverno e bisões no verão.[4] Há 26 mil
anos, era frio demais até para as renas.5

Essas mudanças abruptas no clima variaram ainda mais por causa das
correntes marítimas e da própria presença do gelo.
O principal motivo por que a Grã-Bretanha tem um clima ameno
hoje, considerando sua latitude relativamente ao norte, é que ela é
banhada por uma corrente marítima quente advinda mais ou menos do
nordeste das Bermudas. Quando essa corrente atinge a ampla região
da Groenlândia, ela encontra a água polar do norte, esfria, entrega seu
ar quente à atmosfera e — uma vez que a água fria é mais densa que a
quente — afunda, se deslocando novamente para o sul e integrando
um sistema mundial de correntes marítimas profundas.
O clima da Grã-Bretanha é extremamente suscetível à latitude em
que a corrente norte esfria e afunda. Se ela passasse muito mais ao sul
do que passa agora, o clima da região seria muito mais frio. Durante as
épocas mais frias das eras glaciais, essa corrente não ultrapassava a
altura da Espanha. Ou seja, o clima da Grã-Bretanha era mais
parecido com o do norte do território canadense de Labrador do que
com o estado de equilíbrio atual.
A corrente marítima profunda é impulsionada no mundo todo não
apenas pelo calor, mas também pela salinidade. Quanto mais salgada
for a água da corrente quente com direção nordeste no Atlântico
Norte, mais densa ela será e mais afundará quando chegar à
Groenlândia. Um efeito colateral disso é que o gelo, que flutua, tende a
ser menos salgado do que o mar em geral.6
Um problema surgiu no fim do último episódio glacial, quando uma
tendência de aquecimento resultou na separação de icebergs da
camada de gelo Laurentide em direção ao Atlântico Norte. O súbito
despejo no mar de enormes quantidades de água fria e doce tornou o
mar menos salgado, fazendo com que a movimentação de água nos
oceanos profundos ficasse menor.7 O resultado foi uma série de curtas
ondas de frio, dentro da tendência de aquecimento.
Quanto ao gelo em si, ele é muito brilhante e reflete a luz do sol.
Quanto mais gelo houver, mais luz solar será refletida de volta ao
espaço e menos o solo será aquecido, o que deixa mais gelo sem
derreter, fazendo com que reflita mais luz solar; e assim
continuamente, em um ciclo de retroalimentação.
Todos esses fatores mostram que os efeitos do majestoso
mecanismo celestial são menos perfeitamente previsíveis do que se
poderia imaginar, e as mudanças climáticas podem ser muito
repentinas. No final da última glaciação, cerca de 10 mil anos atrás, o
clima da Europa passou de subártico para temperado no intervalo de
uma vida humana.
As mudanças dramáticas no clima foram mais severas nas margens
continentais próximas dos polos, mas seus efeitos também puderam
ser sentidos nos trópicos, onde as várias espécies de hominíneos
viviam, ainda que precariamente, nas savanas e fronteiras florestais da
África. A ideia de camada de gelo em si ainda não havia perturbado
seus sonhos mais sombrios. O problema imediato era que o clima, já
seco, tornava-se ainda mais árido.
E tudo aconteceu, meio de repente, cerca de 2,5 milhões de anos
atrás.8
A floresta mirrou.
Os animais de caça se tornaram mais raros, mais ariscos, mais
difíceis de localizar e matar.
Para os hominíneos, não era mais possível viver um tipo de
existência diletante, cavando raízes aqui, catando carcaças ali. As
várias espécies de Paranthropus continuaram obstinadas a cavar,
esmagando nozes e tubérculos em suas poderosas mandíbulas, mas a
vida para eles só ficou mais difícil. Chegou o momento em que os
grupos de Paranthropus se tornaram raros e, por volta de meio milhão
de anos atrás, quando o norte da Europa e a América do Norte
gemeram sob o maior peso de gelo até então, eles desapareceram da
savana.
Nessa época apareceu um novo hominíneo, muito diferente de tudo
que existira até então. Era mais alto que qualquer espécie anterior.
Mais inteligente. Assumiu a postura bípede que os outros haviam
adotado milhões de anos antes e a aperfeiçoou. Enquanto o
Paranthropus se tornara especialista em ser vegetariano e outros
hominíneos, coletores e necrófagos oportunistas, essa nova linhagem
se desenvolveu para ser um predador da savana.
O nome dessa criatura é Homo erectus.
Comparado com os hominíneos anteriores, o Homo erectus era
construído em um chassi totalmente diferente. Como o nome sugere,
era muito mais alto e mais ereto. Seus quadris eram mais estreitos e
suas pernas, proporcionalmente mais longas, o que tornava a
caminhada mais eficiente. Seus braços eram mais curtos: a escalada
era bem menos importante na rotina diária. Embora os hominíneos já
fossem bípedes havia 6 milhões de anos, eles sempre mantiveram
alguma habilidade nas árvores. O Homo erectus foi o primeiro
hominíneo a se comprometer inteiramente com a vida sobre duas
pernas.
Esse compromisso trouxe uma série de outras mudanças. O Homo
erectus consumia muito mais carne em sua dieta. Como vimos, a carne
é mais fácil de digerir que a matéria vegetal e contém um número
maior de nutrientes e calorias disponíveis. O Homo erectus tinha um
intestino reduzido e podia se dar ao luxo de ter um cérebro maior. Este
último é importante, pois o funcionamento do cérebro custa caro. Ele
representa um quinquagésimo da massa do corpo, mas consome um
sexto de toda a energia disponível.
Devido ao intestino reduzido, o Homo erectus tinha uma cintura
mais definida que a de seus ancestrais, sendo um tanto atarracado e
barrigudo. Seus quadris eram mais altos e estreitos, permitindo que o
torso girasse facilmente em relação às pernas. Ao mesmo tempo,
mantinha a cabeça alta, sobre um pescoço bem mais definido. Ou seja,
o Homo erectus podia fazer algo novo: podia correr, balançando os
braços no sentido oposto ao das passadas das pernas, mantendo os
olhos e a cabeça voltados para a frente, em direção a sua meta.
A corrida tornou-se muito importante. Embora o Homo erectus
fosse um velocista ruim se comparado, digamos, com um guepardo ou
um impala, ele se destacava no quesito resistência. Por ser muito
paciente, o Homo erectus podia perseguir grandes presas por
quilômetros, durante horas, até que a presa desmoronasse de
hipertermia.9
Os caçadores sentiam o calor bem menos que suas presas. Isso
acontecia, em parte, porque o Homo erectus havia ficado muito menos
peludo que a maioria dos outros mamíferos. Ou seja, tinha a mesma
quantidade de cabelo, mas ele era fino e muito curto. Os espaços entre
os fios eram preenchidos com glândulas sudoríparas que expeliam
água e resfriavam o corpo por evaporação — algo que os animais
peludos não podiam fazer.
Apesar desses feitos impressionantes, era preciso mais de um
caçador franzino e sem pelos para subjugar um antílope à distância,
mesmo se estivesse à beira da morte. Mais do que em qualquer outro
momento da história dos hominíneos, era importante que os
caçadores trabalhassem em grupos.
E a coesão que era vital para a matança surgiu em casa.

O Homo erectus, semelhante a muitos predadores de campo aberto,


como cães de caça, era um animal social. Tinha inclinação para
atividades como exibição sexual, violência extrema e culinária.
Em algum momento de sua evolução, várias tribos[10] de Homo
erectus aprenderam a usar o fogo. Descobriram, no ato de cozinhar,
uma experiência saborosa e sociável. Na época, eles não estavam
cientes de que cozer os alimentos liberava mais nutrientes e matava
parasitas ou doenças da comida crua. As tribos que usavam o fogo
viviam mais tempo, com mais saúde e produziam mais descendentes
do que aquelas que não usavam. Por fim, as tribos que não usavam o
fogo desapareceram.
A existência desses grupos significava que, até certo ponto, o Homo
erectus era territorial. Os primatas, mais do que quaisquer outros
mamíferos, são propensos à violência, até mesmo ao assassinato.11 Os
hominíneos são os mais assassinos de todos. Ao mesmo tempo, são
amantes tanto quanto são lutadores, parte de um conjunto de
características que inclui estrutura, exibição sexual e social… e a
relativa falta de pelos dos caçadores de clima quente.
A falta de pelos permite diminuir bem o calor. Junto com a postura
bípede, também expõe as partes mais delicadas do ser humano à visão
geral. A exibição sexual pública pode explicar o fato intrigante de que
os machos humanos têm pênis muito maiores, em relação à massa
corporal, do que outros macacos.
A exibição sexual — e a necessidade de coesão do grupo — também
pode explicar por que os seios das fêmeas humanas são proeminentes
em todos os momentos, não apenas durante a amamentação. Em
outros mamíferos, as tetas murcham até praticamente desaparecer
quando a fêmea não está amamentando.
Da mesma forma, a genitália das fêmeas humanas tem a mesma
aparência, não importa se estão ovulando ou não. Em outros primatas,
a genitália externa da fêmea no geral fica muito inchada durante o cio,
tornando seu status reprodutivo evidente para qualquer membro do
grupo. Nos humanos, o status reprodutivo de uma fêmea é oculto a tal
ponto que, muitas vezes, a própria fêmea não o conhece.
Nos humanos, não existe uma “estação de acasalamento”, durante a
qual machos e fêmeas fazem sexo aos olhos do público, como ocorre
em outros mamíferos. Essa é, em parte, uma forma de demonstrar e
impor a posição social. Os humanos, em contraste, podem ser férteis
(ou não) em qualquer época do ano e preferem fazer sexo quando
outros membros do grupo não estão assistindo.
Embora sejam altamente sociais e sociáveis, os humanos tendem a
formar pares com vínculo estável para a criação da prole. Os sistemas
de acasalamento variam muito, mas a regra geral é que um macho e
uma fêmea formam um vínculo que dura os muitos anos necessários
para criar os filhos.
Isso se reflete no grau mais ou menos limitado de diferença física
entre machos e fêmeas — conhecido como dimorfismo sexual. Nas
espécies animais em que os machos tendem a monopolizar um grande
grupo de fêmeas, os machos são muito maiores que as fêmeas. Isso
acontece nos gorilas, macacos que vivem em pequenos grupos em que
um harém de pequenas fêmeas é dominado por um único macho
grande.12 Machos humanos tendem, em média, a ser maiores que as
fêmeas, mas essa diferença é pequena. Em humanos, o dimorfismo
sexual é muito menos relacionado à massa corporal do que à
distribuição de pelos corporais e gordura subcutânea.
Se os humanos formam pares com vínculo estável, por que os
machos humanos têm pênis tão grandes e por que os seios das fêmeas
são sempre proeminentes, como se indivíduos de ambos os sexos
estivessem sempre anunciando sua disponibilidade? Além disso, por
que a genitália feminina é sempre discreta, independentemente do
status reprodutivo? Por que o cio está sempre escondido e o sexo
acontece em particular? Se as ligações dos pares fossem totalmente
estáveis, nada disso deveria importar.
A resposta é que, embora os casais sejam bons para a criação
imediata da prole, os humanos se entregam ao adultério muito mais do
que geralmente se acredita. Diz-se que é preciso uma aldeia para criar
uma criança, e isso é especialmente verdadeiro para as crianças
hominíneas, que nascem em um estado relativamente desamparado e
subdesenvolvido.
A cooperação entre as famílias será favorecida se ninguém puder
ter certeza da paternidade das crianças. Essa cooperação vale também
para a camaradagem dos machos em qualquer grupo de caça. Incertos
de qual filho pertence a qual pai, os machos caçam não apenas para sua
família imediata, mas para toda a tribo.
Em muitos aspectos, os costumes sociais e sexuais dos humanos
têm mais em comum com os das aves do que com os de outros
primatas. Muitas aves são sociais, territoriais, fazem exibição sexual
ativamente e vivem em grupos familiares nos quais os filhos mais
velhos ajudam os pais na criação dos irmãos mais novos antes de sair
de casa e buscar territórios para si mesmos. Muitas espécies de aves
formam pares com vínculos estáveis em público, mas as fêmeas não se
furtam, em segredo, ao acasalamento com outros machos quando seu
parceiro nominal está caçando. Isso faz com que um macho nunca
possa ter certeza se os descendentes que ajuda a criar são seus e quais
foram gerados por outro.13
Diante de tal situação, os machos preferem evitar maiores
prejuízos. Nas sociedades humanas, a melhor estratégia é cooperar
com outros machos. O adultério, afinal, contribui para o vínculo
masculino e mantém as sociedades unidas, apesar da aparência do
vínculo entre pares.
O Homo erectus era muito parecido conosco. Mas as aparências
enganam. Se encarássemos os olhos do Homo erectus, o que veríamos
não seria o choque pelo reconhecimento, mas apenas a astúcia de um
predador, como uma hiena ou um leão.14 O Homo erectus era
desconcertantemente inumano.
A maioria dos mamíferos nasce, cresce rapidamente, se reproduz o
mais depressa possível e, assim que sua capacidade de reprodução se
esgota, morre. O mesmo acontecia com o Homo erectus. Seus filhotes
cresciam velozes da infância à maturidade, sem o longo período de
infância que caracteriza os seres humanos.15 Quando morriam, seus
corpos eram ignorados, largados como carniça. O Homo erectus não
tinha nenhum conceito de vida após a morte. Não tinha visões do
paraíso. Não temia o inferno. Mais importante, não tinha avós para
contarem histórias e funcionarem como reservatório de tradições.

No entanto, o Homo erectus foi o autor dos mais belos artefatos:


aquelas lindas pedras em formato de lágrima, habilmente trabalhadas,
quase como joias, conhecidas como bifaces, eram o artefato típico de
sua cultura de ferramentas de pedra: a acheulense.16
O biface é bem característico porque tem mais ou menos o mesmo
design onde quer que seja encontrado, independentemente de sua
idade ou do material do qual seja feito. Sua associação com uma
espécie particular — o Homo erectus — sugere que, com toda a sua
inegável beleza, era feito de acordo com um design estereotipado e
rígido. Eles foram criados de forma tão impensada quanto as aves
fazem seus ninhos. Se, ao fazer um biface, o fabricante cometesse um
erro na sequência de golpes necessários para desgastar uma pedra de
sílex, não tentaria consertá-la ou talvez transformá-la para algum
outro propósito. Simplesmente descartaria a pedra e começaria de
novo com uma pedra nova.
Essa inumanidade para nós assustadora é sublinhada pelo fato de
que nenhum humano moderno descobriu exatamente para que serviam
os bifaces. Embora muitos tenham o tamanho certo para caber
confortavelmente na mão, podendo ser usados como cutelos, alguns
são grandes demais para tal uso. Em todo caso, por que se
incomodaram? É muito fácil extrair uma borda afiada o suficiente de
uma pedra de sílex para, digamos, esfolar uma carcaça ou remover a
carne dos ossos. Por que, então, eles se deram ao trabalho de fazer
algo tão complexo e bonito quanto um biface para esse propósito? Se
alguém vai atirar pedras — ou mesmo usar um estilingue — para
derrubar uma presa ou um inimigo, por que se dar ao trabalho de criar
um biface para depois jogá-lo fora?
Tendemos a pensar que os itens de tecnologia têm um propósito e
que isso deve ser evidente em seu design. “Para ver uma coisa é preciso
compreendê-la”, escreveu Jorge Luis Borges em seu conto de terror “O
livro de areia”:
A poltrona pressupõe o corpo humano, suas articulações e partes;
as tesouras, o ato de cortar. Que dizer de uma lâmpada ou de um
veículo? O selvagem não pode perceber a Bíblia do missionário; o
passageiro não vê o mesmo cordame que os homens de bordo. Se
víssemos realmente o mundo, talvez o entendêssemos.17
Essa presunção surge da tendência de atribuir à construção
elaborada de objetos um tipo de objetivo ou propósito consciente que é
distinto e exclusivamente humano. Basta olhar para uma colmeia, um
cupinzeiro ou um ninho de ave para perceber que essa equação é falsa.
Por outro lado, certas vezes o Homo erectus fez coisas que nos
parecem muito humanas — como riscar conchas com listras
paralelas.18 Com que propósito, ninguém sabe. Também é possível que
o Homo erectus tenha dominado a arte de velejar, ou a canoagem, em
mar aberto — um dos mais humanos dos ímpetos. Como vimos, ele foi
o primeiro hominíneo que aprendeu a domesticar e usar o fogo.
O que mais quer que tenha sido, ou feito, ou pensado, o Homo
erectus foi uma das respostas da evolução à súbita mudança no clima
há cerca de 2,5 milhões de anos. Em vez de voltar para as florestas
cada vez menores, como fizeram os grandes símios restantes, e viver
numa espécie de parque temático memorial de um passado que
desaparecera,19 ou de tentar extrair meios de sobrevivência cada vez
mais escassos da infecunda savana, como o Paranthropus tentou fazer
e acabou fracassando, o Homo erectus começou a se espalhar mais
amplamente que outros hominíneos para conseguir ganhar a vida na
Terra implacável.
No final, ele foi o primeiro hominíneo a sair da África.

Há 2 milhões de anos, o Homo erectus se espalhou pelo continente,20 e


não ficou comendo poeira. Como resultado da mudança no clima, as
florestas encolheram a tal ponto que a savana passou a se estender
ininterruptamente pela África, o Oriente Médio e as regiões central e
oriental da Ásia. A pradaria interminável fervilhava de caça, e o Homo
erectus a seguia, aonde quer que ela fosse.
Há 1,7 milhão de anos, talvez até antes, ele já perseguia os
rebanhos até a China.21 Há 750 mil anos, usava regularmente as
cavernas em Zhoukoudian, no atual subúrbio de Pequim.22
E, à medida que o Homo erectus se espalhava, ele evoluía.
Esse hominíneo foi o progenitor versátil23 de uma enorme
variedade de espécies comparáveis a gigantes, hobbits, trogloditas,
yetis e — em última análise — a nós. A tendência para a variação
começou cedo. Uma tribo de Homo erectus que viveu na Geórgia, nas
montanhas do Cáucaso, há cerca de 1,7 milhão de anos, era matizada
de forma tão heterogênea que é difícil, de nossa perspectiva moderna,
imaginar que todos pertencessem à mesma espécie.24
Há 1,5 milhão de anos, tribos de Homo erectus penetraram nas ilhas
do Sudeste Asiático. Para fazer isso, bastava andar. O nível do mar era
tão baixo que a maior parte da região era terra seca. As muitas ilhas
que vemos hoje são os fragmentos semiafogados de uma região
outrora muito mais extensa. O Homo erectus viveu em Java até pelo
menos 100 mil anos atrás — 25 o último reduto que resistia, enquanto o
nível do mar subia e a selva mais uma vez os pressionava por todos os
lados.
Talvez eles tenham até sobrevivido por tempo suficiente para
testemunhar a chegada de seus descendentes na região — os humanos
modernos.26 Se tiverem se encontrado, aquele que, para os humanos
modernos, parecia um grande, mas reservado símio da floresta, apenas
um dos vários nativos da região, como o orangotango e seu enorme
primo Gigantopithecus, levou a pior.

Uma vez nas ilhas do Sudeste Asiático, a evolução do Homo erectus deu
algumas reviravoltas surpreendentes. Confinadas às ilhas e isoladas
do continente à medida que o nível do mar subia, diversas tribos
evoluíram cada uma à sua maneira peculiar.
Uma delas chegou a Luzon, nas Filipinas, onde caçou o rinoceronte
nativo27 mais ou menos ao mesmo tempo que seus primos do
continente acendiam faíscas no leste da China. Uma vez abandonados,
esses povos evoluíram até dar origem ao Homo luzonensis, uma espécie
de tamanho minúsculo.28 Além de pequenos, eram, em muitos
aspectos, primitivos. Com o retorno da selva, esses hominíneos mais
uma vez foram viver nas árvores. Eles sobreviveram até pelo menos 50
mil anos atrás. Quando os primeiros humanos modernos chegaram,
esses descendentes atípicos de um caçador da savana africana devem
ter olhado dos galhos para os novos invasores com incompreensão e
horror.

Um destino igualmente estranho aguardava outro grupo de Homo


erectus que chegou a Flores, uma ilha a leste de Java, na Indonésia.
Eles desembarcaram há mais de 1 milhão de anos. Isso é por si só
surpreendente, pois não poderiam simplesmente ter caminhado até lá,
como seus antepassados fizeram para chegar às outras ilhas mais
próximas do continente. Mesmo quando o nível do mar estava mais
baixo, Flores ficava separada do resto do mundo por canais profundos.
É possível que tenham chegado lá por acidente, talvez levados por
uma tempestade, lançados à terra por um tsunâmi causado por um
terremoto ou uma erupção vulcânica, flutuando em restos de
vegetação ou outros detritos. Afinal, essa parte do mundo não é alheia
a eventos extremos, e esses acidentes explicam a existência de plantas
e animais até mesmo nas ilhas mais remotas.
Ou eles podem ter chegado a Flores em algum tipo de embarcação,
mesmo que fosse destinada a pescar perto da costa de outra ilha e
tenha sido levada pelo vento.
De qualquer modo que tenha sido a viagem, depois de chegar a
Flores eles também diminuíram de tamanho com o tempo29 e se
tornaram o que conhecemos como Homo floresiensis. Quando foram
extintos, cerca de 50 mil anos atrás, mais ou menos na mesma época
que seus primos distantes nas Filipinas,30 eles não tinham mais de um
metro de altura, mas fabricavam ferramentas tão bem quanto seus
ancestrais, embora em escala menor, para caber em mãos diminutas.

Essa miniaturização não é incomum; a evolução faz coisas estranhas


com espécies isoladas em ilhas. Animais pequenos se tornam maiores,
e animais grandes diminuem.
O lagarto-monitor de Flores, primo do dragão-de-komodo, chegou
a um tamanho que seria realmente assustador para um humano
moderno, e mais ainda para uma pessoa de um metro de altura, não
importa quão destemida fosse. Alguns ratos alcançaram o tamanho de
terriers.31
Como consequência da frequente variação do nível dos oceanos da
era glacial, muitas ilhas ostentavam espécies únicas de elefantes
minúsculos, e Flores não era exceção. Talvez o Homo erectus tenha ido
a Flores em busca de grandes elefantes e, ao longo dos milênios, tanto
a caça quanto o caçador tenham se tornado menores à medida que se
adaptavam à vida na ilha.32
Mesmo levando em conta seu tamanho reduzido, o Homo
floresiensis tinha um cérebro muito pequeno. Mas, como os
hominíneos da savana descobriram muito tempo antes, ao se tornarem
carnívoros na África, a manutenção do tecido cerebral é notoriamente
custosa. Em uma espécie que enfrenta a escassez a tal ponto que o
nanismo se torna uma possível vantagem diante da seleção natural, há
ainda mais pressão sobre os cérebros para fazer mais com menos. Por
si só, um volume cerebral menor não compromete a inteligência: entre
as aves, corvos e papagaios são notoriamente inteligentes, embora
seus cérebros não sejam maiores que uma noz. O Homo floresiensis
fazia ferramentas tão sofisticadas quanto as do Homo erectus.

Em Flores, Luzon e quase certamente em outros lugares, o Homo


erectus, uma vez isolado, tornou-se menor, transformando-se no que
talvez encarássemos como anões ou hobbits.
Em outros lugares, ele ficou gigante.
Na Europa Ocidental, a espécie se transmutou em Homo antecessor,
uma criatura robusta que se espalhou bem além da savana quente de
seus ancestrais. Há cerca de 800 mil anos, deixou marcas de mão e até
pegadas no leste da Inglaterra — muito mais ao norte do que qualquer
hominíneo havia se aventurado até então.33 Robusto, mas
estranhamente familiar, o Homo antecessor se parecia muito mais com
um humano moderno que o Homo erectus, ou mesmo com os
neandertais, o auge da vida nas cavernas da era do gelo. Nossa
fisionomia humana tem raízes profundas, assim como nossos genes: é
no Homo antecessor que se encontram os primeiros sinais de
parentesco genético com os humanos modernos.34
Um pouco depois, e em outras partes da Europa, apareceu o Homo
heidelbergensis. Os ossos e as ferramentas que chegaram até nós do
coração da Europa mostram que eles eram realmente formidáveis.
Suas lanças de caça, preservadas na Alemanha junto com ferramentas
de pedra e restos de cavalos massacrados, datadas de cerca de 400 mil
anos, se parecem mais com postes de cerca.35 Essas lanças — uma
delas com 2,3 metros de comprimento e quase cinco centímetros de
diâmetro no ponto mais largo — foram projetadas não para serem
enfiadas em algo, mas arremessadas. Levantar e usar essas armas em
batalha deve ter exigido muita força. Um osso de tíbia encontrado no
sul da Inglaterra36 tem tamanho similar ao da tíbia de um homem
humano adulto moderno, mas é muito mais denso e espesso, indicando
um indivíduo excepcionalmente robusto que pesava mais de oitenta
quilos. No outro extremo da Eurásia, humanos de tamanho
comparável apenas às pessoas modernas mais altas saíram das neves
da Manchúria. Havia gigantes na Terra naquela época.
Os descendentes do Homo erectus na Europa e na Ásia estavam,
claramente, evoluindo de acordo com as condições cada vez mais
severas da era glacial. O esbelto velocista de longa distância das
savanas africanas se transformava em alguém novo, diferente: uma
criatura resistente o bastante para os rigores do Norte.

Há cerca de 430 mil anos, uma tribo se estabeleceu em cavernas na


serra de Atapuerca,37 no norte da Espanha. De muitas maneiras, eles
pareciam humanos. O cérebro era mais ou menos do mesmo tamanho
que o dos humanos modernos. Mas eles tinham feições pesadas e
duras. A visão de um mundo sombrio era compensada por uma vida
interior cada vez mais profunda, afinal, eles enterravam seus mortos.
Ao menos não os largavam sem nenhum sinal, como se os cadáveres
fossem qualquer outro objeto: os corpos eram levados para o fundo da
caverna e jogados em um poço profundo. Neles estava a origem dos
neandertais.38
Os neandertais, talvez até mais que o Homo erectus, são um
exemplo de como a vida evolui em resposta aos desafios do ambiente.
Disformes, extremamente adaptados à vida no deserto frio e varrido
pelo vento do norte da Europa, eles viveram lá sem competição por
300 mil anos. Passeavam com leveza pela paisagem e sua cultura
mudava pouco. Mas, com cérebros maiores, em média, que o de um
humano moderno, eles eram pensativos e profundos. E enterravam
seus mortos.
Nas profundezas das cavernas, longe do frio, do vento e da fraca
luz solar da era do gelo, eles lutavam pelo sobrenatural. Em uma gruta
na França, tão enterrada no subsolo que a luz do sol jamais teria
penetrado, construíram estruturas circulares de estalactites trituradas
e ossos de ursos.39 Por qual razão, ninguém sabe. Essas estruturas
misteriosas têm 176 mil anos. São as construções com datação
confiável mais antigas feitas por qualquer hominíneo.
Os neandertais contrastavam de forma gritante com seus
ancestrais Homo erectus, ágeis e de vida livre. Embora eles e suas obras
tenham sido encontrados desde o extremo oeste da Europa até o
Oriente Médio e o sul da Sibéria, grupos individuais de neandertais
não se espalhavam muito pela paisagem. Confrontados com extremos
climáticos que nenhum hominíneo jamais havia experimentado,
faziam breves excursões para buscar comida, mas cultivavam uma
vida mental mais brilhante — como os morlocks de H.G. Wells — sob
a Terra.
Alguns de seus parentes, no entanto, viram ainda mais adiante.
Algum tempo antes de 300 mil anos atrás, uma ramificação dos
neandertais na Ásia Central levantou a vista e viu o planalto Tibetano.
Fora das regiões polares, essa talvez seja a região menos hospitaleira
do mundo para os humanos. O ar é frio, cruel e rarefeito. A neve nunca
derrete. Quando o sol brilha, parece um olho incandescente na
abóbada azul de gelo. No entanto, um grupo de hominíneos achou que,
no alto do Teto do Mundo, conseguiria ganhar a vida. E assim o fez.
Eles escalaram. E, conforme escalavam, evoluíam. Eles se
transformaram nos denisovanos,40 semelhantes aos yetis que, segundo
a lenda, habitaram o planalto milhares de anos depois.41

O Homo erectus e seus descendentes conquistaram o Velho Mundo.


Podem até ter se aventurado no Novo.42 Por volta de 50 mil anos atrás,
muitas espécies de humanos andavam pela Terra. Havia neandertais
na Europa e na Ásia. Naquela época, alguns dos descendentes dos
denisovanos haviam deixado suas fortalezas nas montanhas e descido
até as terras altas do leste da Ásia.43 Aonde quer que fossem, eles se
transformavam para enfrentar os desafios de novos ambientes, como
cavernas profundas, selvas emaranhadas de árvores, ilhas isoladas,
planícies abertas e as montanhas mais altas. O próprio Homo erectus
ainda vivia pacificamente em Java.
E, no entanto, todos esses experimentos de vida humana seriam
varridos do mapa. No final da era glacial, restava apenas uma espécie
de hominíneo. Como o Homo erectus, ele também veio da África.
O fim da Pré-História

Por volta de 700 mil anos atrás, os episódios glaciais foram muito mais
longos que os intervalos quentes que os separaram. A Terra estava
agora em um estado mais ou menos permanente de glaciação. As
pausas eram quentes, inebriantes e breves.
A vida não só sobreviveu, ela prosperou. Regiões da Eurásia não
oprimidas pelo gelo estavam cobertas de estepe verde, que suportava
uma tonelagem quase incalculável de caça. Na primavera e no verão,
bisões migravam pela terra em rebanhos tão grandes que levaria dias
para vê-los passar aos milhões. Eram acompanhados por cavalos e
veados gigantes com chifres incrivelmente extensos; vez ou outra a
eles se juntavam espécies de elefantes, como mamutes e mastodontes;
o resfolegar e a pisada dos rinocerontes lanosos também iam junto. Os
invernos eram só um pouco menos cheios. Muitos animais migravam
para o sul, mas as renas permaneciam na neve. Toda essa carne em
movimento era um ímã para carnívoros como leões, ursos, felinos-
dente-de-sabre, hienas, lobos — e os duros e resistentes herdeiros do
Homo erectus.

Os hominíneos responderam à intensificação da era do gelo com


cérebros e reservas de gordura maiores.
Isso foi, por si só, notável. Como observamos, cérebros são órgãos
que custam caro para funcionar. A economia da natureza geralmente
exige que um animal inteligente tenha apenas um mínimo de gordura,
porque, se a comida acabar, ele será astuto para encontrar mais em
outro lugar antes de morrer de fome. São apenas os menos iluminados
entre os mamíferos que precisam acumular gordura. Os humanos,
porém, são exceção.1 Os humanos mais magros armazenam uma
quantidade superior de gordura que a dos macacos mais gordos.
Animais com cérebros grandes que têm uma boa camada de
isolamento têm tudo de que precisam para lidar com o frio
interminável da era do gelo.
A gordura tinha outro propósito também. A diferença entre os
sexos é em grande parte uma questão de acúmulo dela. O corpo de um
homem adulto contém, em média, cerca de 16% do peso em gordura; o
de uma mulher, 23%. Essa diferença é significativa, uma vez que
energia embutida é um pré-requisito essencial para a fertilidade e a
gravidez, principalmente em tempos de escassez. Como tal, os
mecanismos de seleção favoreceram as fêmeas roliças com curvas
arredondadas, por terem as melhores perspectivas de reprodução.2
Cérebros grandes, no entanto, também podem apresentar
problemas, uma vez que levam a cabeças grandes. Bebês humanos,
com suas cabeçorras, têm dificuldade para nascer. Os bebês só nascem
graças a uma torção de noventa graus da cabeça durante a passagem
pela pélvis da mãe e a emersão pela vagina. Até muito recentemente, o
custo disso era suportado pela mãe, que corria um alto risco de morrer
no processo. Os bebês humanos vêm ao mundo em um estado
relativamente desamparado. Se esperassem até estar mais
desenvolvidos e talvez mais capazes de lidar com o mundo, poderiam
ser grandes demais para passar pelo canal do parto, e sequer
nasceriam. Assim os nove meses de gravidez representam um período
de trégua desconfortável entre o bebê, que precisa ser capaz de lidar
sozinho com o mundo exterior o mais rápido possível, e a mãe, que, se
esperasse mais, teria de jogar dados cada vez mais viciados com a
morte.
É um meio-termo que não agrada a ninguém. Uma espécie em que
os bebês nascem totalmente indefesos e, mesmo se nascerem com
sucesso — de mães que correm alto risco de morte —, levam muitos
anos para atingir a maturidade, provavelmente vai se extinguir muito
depressa. A solução para isso, portanto, foi uma mudança dramática,
mas no outro extremo da vida: a menopausa.

A menopausa é outra inovação evolutiva exclusiva dos humanos. Em


geral, qualquer criatura, mamífero ou não, que seja velha demais para
se reproduzir envelhece e morre na sequência. Em humanos, porém, as
fêmeas que deixaram de se reproduzir na meia-idade podem desfrutar
de muitas décadas de vida útil — e, portanto, criar mais filhos.
O aumento do cérebro e o consequente desamparo dos bebês foi
acompanhado pelo surgimento das avós:3 mulheres na pós-menopausa
que estariam ali para ajudar as filhas a criar os netos. A lógica da
seleção natural não diz nada sobre quem realmente cria os filhos até a
maturidade — contanto que sejam criados por alguém. Ocorre que
uma mulher que deixa de se reproduzir para ajudar as filhas a criar os
netos gerará, em média, um número maior de descendentes do que se
ela mesma permanecesse reprodutiva, competindo por recursos com
suas filhas. Com o tempo, os grupos de humanos que contavam com
mulheres na pós-menopausa para ajudar a criar os filhos levariam
mais dessas crianças à idade reprodutiva. Aqueles que foram
incapazes de explorar um recurso tão valioso quanto esse morreram.
O meio-termo desconfortável foi superado pela cooperação.
O ato de se reproduzir tira energia de todo o resto. Há uma
compensação entre reprodução e longevidade. Assim, ao cessar a
reprodução na meia-idade, as fêmeas humanas aumentaram seu
resultado reprodutivo e passaram a viver mais. Isto é, o aumento do
cérebro levou a um aumento da expectativa de vida, talvez dos vinte e
poucos anos, no Homo erectus, aos quarenta e poucos, nos neandertais
e nos humanos modernos.
Embora as pressões da evolução agissem de forma diferente em
machos e fêmeas, eles compartilhavam os mesmos genes, o que levou a
uma guerra entre os sexos. A pressão era exercida por forças que
selecionavam de dois modos divergentes: um gene, dois mestres. O
resultado foi outro meio-termo. Como as fêmeas precisavam ser mais
gordas para trazer bebês ao mundo, os machos também engordavam,
mas não tanto. Se as fêmeas desenvolveram a menopausa e passaram a
viver mais, os machos passaram a viver mais também, mas não tanto.4
Isso levou à introdução de um novo estrato na sociedade hominínea:
os idosos, de ambos os sexos. Antes da invenção da escrita, os idosos
passaram a ser valorizados como repositórios de conhecimento,
sabedoria, história e narrativas populares.
Pela primeira vez na evolução, existiam espécies nas quais o
conhecimento podia ser transmitido para mais de uma geração ao
mesmo tempo. Os filhotes de muitos animais — como baleias, aves,
cachorros, seres humanos — são capazes de aprender com outros de
sua espécie, adquirindo os recursos de linguagem pela imitação
inconsciente dos adultos ao seu redor. Os humanos são únicos, até
onde se sabe, porque não apenas aprendem, mas também ensinam.5 Os
idosos tornaram isso possível. Enquanto os membros mais jovens da
tribo amamentavam bebês ou caçavam, os idosos, menos produtivos,
passavam seus estoques de conhecimento para as novas gerações de
crianças que, com sua longa infância (em função da relativa
imaturidade ao nascer), tinham bastante tempo para adquiri-los. A
informação abstrata tornou-se uma moeda de sobrevivência tão
importante quanto as calorias. As consequências seriam explosivas. E
tudo começou durante a era do gelo, quando, pela primeira vez,
armazenar gordura e ter um cérebro maior se tornou uma vantagem
para os primatas.

Ao frio cada vez mais profundo da Eurásia somou-se a aridez da


África. A savana ressequida se transformara em deserto seco,
interrompido por poços d’água tão evanescentes quanto miragens. A
sobrevivência era uma luta constante. O armazenamento de gordura
extra também era uma vantagem aqui, assim como tinha sido perto
das camadas de gelo. Os humanos se adaptaram por desenvolver um
metabolismo baseado em ciclos de contração e expansão: eram
capazes de passar muitos dias sem comida, mas, quando matavam um
animal, se empanturravam até o limite da dor, quando não conseguiam
comer nem mais um pedaço ou mesmo se mexer. Esses ciclos eram
ótimos para a absorção dos nutrientes necessários para que
sobrevivessem até a próxima e eventual refeição. Os humanos comiam
com gosto, como se cada refeição pudesse ser a última.6
E apesar da constante ameaça de extinção — talvez até por causa
dela —, os herdeiros do Homo erectus se diversificaram na África,
como tinha acontecido em outros locais.7 Então, há pouco mais de 300
mil anos — exatamente quando os primeiros neandertais se
adaptavam ao frio gelado da Europa —, um novo hominíneo apareceu
no território africano. Era raro, variegado e disperso, mas espalhava-
se por todo o continente.8 Ao encontrar um desses indivíduos
teríamos tido a impressão de nos encarar de frente. Eram os primeiros
de nossa espécie: o Homo sapiens.
Esses novos seres, porém, não eram tão humanos quanto podiam
parecer. No início, o Homo sapiens era uma espécie de ingrediente
bruto. Os humanos modernos foram endurecidos por mais de 250 mil
anos de anos de fracasso. Nos primeiros 98% de sua existência, a
história do Homo sapiens foi uma tragédia comovente, mas os
participantes não sobreviveram para contá-la. Quase todos
pereceram, praticamente toda a espécie desapareceu por completo.
Ao longo de sua jornada, porém, o conjunto de genes do Homo
sapiens adquiriu um tempero de DNA de outros hominíneos, tanto na
África quanto fora dela. Trata-se de uma espécie com muitos
genitores, e cada um deles adicionou seu próprio sabor especial a uma
mistura que, contra todas as probabilidades, por fim deu certo.

Desde o início, o Homo sapiens já existia fora de sua terra principal


africana, fazendo incursões no sul da Europa cerca de 200 mil anos
atrás e na região do Levante entre 180 mil e 100 mil anos atrás.9 Mas
esses deslocamentos deixaram poucos vestígios, como uma mancha de
água na areia do deserto. O Homo sapiens ainda era uma espécie
tropical, um turista em busca de tempo bom. Se as condições da África
eram duras, as da Eurásia eram piores. E, se o Homo sapiens tivesse
persistido, teria descoberto que o caminho estava bloqueado pelos
neandertais, os quais, no auge da fama, tinham muito mais cultura e
costume para lidar com o longo frio da Europa, podendo se dar ao luxo
de apostar no longo prazo. Para eles, os humanos não seriam mais que
visitantes ocasionais, como uma leve geada antes do amanhecer em
um dia de verão — ou nem isso.

As coisas não estavam muito melhores para a nova espécie em


território africano. De fato, à medida que as eras glaciais avançavam,
as condições tornavam-se cada vez piores. Os bandos de Homo sapiens,
que, para começo de conversa, já não eram muito comuns, foram
sumindo, primeiro em um lugar e depois em outro, desaparecendo ou
cruzando com outras variedades de hominíneos antes que esses
híbridos também desaparecessem. Chegou o momento em que o Homo
sapiens praticamente desapareceu ao norte do rio Zambeze. Por fim,
ficou confinado a um oásis na extremidade noroeste do que hoje é o
deserto de Kalahari, a leste do delta do Okavango.
No início da era glacial, a região fora exuberante. A área era regada
pelo lago Makgadikgadi, que, no seu auge, era do tamanho da Suíça. À
medida que a África secava, o lago se fragmentava em outros menores,
cursos d’água, pântanos e matas, onde girafas e zebras perambulavam.
Os últimos Homo sapiens remanescentes e esfarrapados
encontraram refúgio entre as lagoas e os canaviais do pântano de
Makgadikgadi há cerca de 200 mil anos, assim como, milênios depois,
o último reduto do rei Alfred foi nos pântanos de Athelney — onde ele
se reorganizou, buscou consolo, assou alguns bolos queimados e
emergiu para derrotar os dinamarqueses e retomar o reino de Wessex.
Se a Inglaterra começou em Athelney, as raízes da própria
humanidade podem muito bem estar no pântano de Makgadikgadi. Se
alguma vez existiu um jardim do éden em algum lugar, foi lá.10
Um pouco à maneira do patinho feio, o Homo sapiens se escondeu
no pântano de Makgadikgadi por 70 mil anos. Mas, quando
finalmente emergiu, havia se tornado um cisne.

Por dezenas de milhares de anos, o pântano de Makgadikgadi foi um


oásis cercado por terrenos cada vez mais inóspitos: desertos secos e
salinas. Assim, uma vez que o Homo sapiens se instalou ali, não seria
tão simples sair. Cerca de 130 mil anos antes, o Sol tinha começado a
brilhar um pouco mais forte na Terra do que brilhara por algum
tempo. O mecanismo celestial de excentricidade, inclinação axial e
precessão tinha conseguido produzir um intervalo de clima mais
quente do que se havia visto por muitos milênios.
Na Europa, as grandes geleiras foram substituídas — ainda que
brevemente — por condições climáticas quase tropicais. Essa foi a
época em que, na Grã-Bretanha, leões saltitavam em Trafalgar Square,
elefantes pastavam em Cambridge e hipopótamos chafurdavam onde
hoje fica a cidade de Sunderland. Assim como na Grã-Bretanha, na
África o clima também se abrandou. As gerações mais recentes de
Homo sapiens descobriram que o deserto depois de Makgadikgadi
havia se tornado um mar de grama.
Eles se mudaram, seguindo a caça — e bem a tempo, porque o
Makgadikgadi logo secou por inteiro. Hoje ele é um deserto de sal que
não sustenta nenhum ser vivo mais complexo que crostas de
cianobactérias: uma regressão aos primeiros dias da vida na Terra.

Bandos de Homo sapiens seguiram a caça até chegar à costa no


extremo sul da África. Quando o fizeram, desenvolveram um modo de
vida totalmente novo, baseado na abundância de proteínas do mar.
Para pessoas acostumadas a raízes duras, frutas imprevisíveis e
hábitos ariscos de presas cautelosas, o oceano era um banquete além
da imaginação. Mariscos repletos de proteínas e nutrientes essenciais
e incapazes de fugir. Algas e peixes saborosos e salgados, muito mais
fáceis de capturar do que o impala ou a gazela.
Como se dessem um suspiro coletivo de alívio depois de uma longa
história de adversidade, esses primeiros garimpeiros de praia
tornaram-se muito mais tranquilos e começaram a fazer coisas que os
humanos nunca haviam feito antes. Em banquetes, enfeitavam uns aos
outros com colares de contas de conchas. Pintavam-se com carvão e
almagre.11 Gravavam seus símbolos em padrões xadrez em cascas de
ovo de avestruz e pintavam a si mesmos de vermelho nas rochas.12
Com certeza os neandertais e até o Homo erectus usavam conchas e
faziam gravuras de vez em quando, mas essas pessoas estavam se
engajando em tais atividades com uma intensidade e
comprometimento novos.

No início, essas tecnologias parecem ter aparecido e desaparecido


como fogos-fátuos, como se, às vezes, os humanos perdessem o
talento ou a vocação. Mas o uso da tecnologia foi aprimorado e se
tornou mais habitual à medida que a população crescia devagar e as
tradições eram consolidadas. Os caiçaras também começaram a usar
pedra de uma maneira nova. Em vez de desbastar rochas para fazer
artefatos que coubessem na mão, eles criaram peças muito menores,
trabalhadas com cuidado e endurecidas pelo calor, que poderiam, por
exemplo, ser posicionadas em flechas. Inventaram armas de projéteis,
que poderiam matar a presa à distância, sendo relativamente pouco
arriscadas para o agressor.13
Outros exilados do éden seguiram na direção oposta, ao norte. O
Zambeze era o seu rubicão. Assim que chegaram à África Oriental,
juntaram-se a eles emigrantes do extremo sul da África, que
introduziram suas tecnologias avançadas — cosméticos, colares de
conchas e, acima de tudo, o arco e flecha. O resultado foi explosivo. A
população de Homo sapiens na África Oriental passou de uns pequenos
bandos para uma população que tinha chances de viver mais que uma
mosquinha.14 Há cerca de 110 mil anos, eles estavam de novo
espalhados pela África e faziam novas incursões fora de sua pátria.
E desta vez iriam para ficar.

Foi como um alarme de incêndio na madrugada. Há cerca de 74 mil


anos, um vulcão chamado monte Toba, na ilha de Sumatra, na
Indonésia, explodiu em erupção, num evento catastrófico sem igual
em milhões de anos na Terra.15 A erupção levou o período de relativo
calor, que já estava em declínio, ao fim repentino. Choveram detritos
sobre toda a região do oceano Índico, em regiões tão distantes quanto
a costa da África do Sul.16 Centenas de quilômetros cúbicos de cinzas
foram lançados na atmosfera, mergulhando o mundo em um súbito
frio glacial.
Em tempos anteriores, o desastre poderia ter removido por
completo a humanidade nascente da face da Terra. Dessa vez, parece
que o Homo sapiens não titubeou. Até então, nossa espécie havia se
espalhado da África pela bacia do oceano Índico. Humanos lascadores
de pedra estavam na Índia,17 haviam vagado até Sumatra —18 o
epicentro da explosão — e chegado ao sul da China.
Quando os exilados de Makgadikgadi deixaram seu oásis, a primeira
coisa que fizeram foi ir para a praia. Mais tarde, ao deixar a África, os
humanos primeiro deixaram a linha da costa, atravessando o sul da
Arábia e a Índia e entrando no Sudeste Asiático. Quando o clima
permitia, eles também viajaram para o interior, seguindo os cursos de
rios em direção à savana.
Não se deve entender esse episódio como o êxodo de Moisés, mas
como uma série de minúsculos acontecimentos que se combinaram até
criar um tipo de padrão predeterminado. As pessoas não olhavam para
o horizonte e, num acesso de antevisão heroica, aproximavam-se de
algum destino manifesto. Os indivíduos viviam a vida inteira mais ou
menos no mesmo lugar. A pressão populacional sugeria que algumas
pessoas poderiam se mudar, digamos, para além do próximo
promontório. O tempo inclemente forçou muitos reveses. Humanos
em tribos diferentes, mas próximas, unidos por laços de
relacionamento, se reuniam em épocas de festival para cantar, dançar,
trocar histórias fantásticas e escolher parceiros. Semelhante a todos
os primatas, uma vez pareada, a fêmea se mudaria do país de seus
ancestrais e se estabeleceria com a família de seu companheiro em
algum lugar distante — do outro lado do rio, talvez, ou na colina
seguinte.19
A migração, portanto, não foi um evento único, mas uma série de
episódios esparsos. Ela prova que havia um método comum e pulsava,
junto com as mudanças climáticas regulares impostas pelos ciclos
orbitais da Terra, em especial os 21 mil anos do ciclo de precessão.20
Os migrantes humanos seguiam suas estrelas — diferentes estrelas,
em diferentes momentos.
Como espécie, os humanos parecem ter tido rodinhas nos pés
especialmente entre 106 mil e 94 mil anos atrás, quando se espalharam
pelo outrora hospitaleiro sul da Arábia e pela Índia; entre 89 mil e 73
mil anos atrás, quando chegaram às ilhas do Sudeste Asiático; entre 59
mil e 47 mil anos atrás — um período de migração especialmente
movimentado através da Arábia e em direção à Ásia, quando também
desembarcaram na Austrália;21 e, finalmente, entre 45 mil e 29 mil
anos atrás, quando a Eurásia foi toda ocupada, inclusive em altas
latitudes, e foram feitas tentativas hesitantes de entrar nas Américas
— e também algumas migrações de volta para a África.
Isso não significa que os humanos ficaram parados em outros
períodos — esses foram os intervalos em que o clima esteve ameno o
bastante para favorecer a migração. Houve momentos em que os
humanos em expansão foram divididos. Por exemplo, no período frio e
seco logo após a erupção do monte Toba, os africanos foram isolados
da população no sul da Ásia. Eles não se encontrariam novamente por
mais 10 mil anos.
No caminho, humanos migratórios encontraram outros
hominíneos. Os encontros eram raros; seus resultados, variáveis. Às
vezes, as tribos percebiam a diferença entre si e lutavam. Em outras,
cumprimentavam-se como primos distantes ao perceber que, afinal,
não eram tão diferentes quanto pareciam à primeira vista. Eles
criavam vínculos por meio de contação de histórias e troca de
parceiros. Os humanos modernos encontraram os neandertais no
Levante e procriaram com eles. Como resultado, todos os humanos
modernos com ancestrais que não são exclusivamente africanos
carregam um pouco de DNA neandertal.22 No sudeste da Ásia, os
migrantes adicionaram genes dos denisovanos ao pool genético
humano — eram os descendentes dos habitantes das montanhas, que
agora já estavam aclimatados às terras baixas. Os genes denisovanos
são encontrados agora muito longe da fortaleza de montanhas onde
surgiram, em pessoas nas ilhas do Sudeste Asiático e em todo o
Pacífico. Mas, numa curiosa reviravolta do destino, o gene que
permite aos tibetanos modernos viverem sem problemas no ar
rarefeito no Teto do Mundo foi um presente de despedida dos povos
das neves eternas,23 que desapareceram como espécie singular há
menos de 30 mil anos — completamente absorvidos pela grande onda
de Homo sapiens.

Há cerca de 45 mil anos, os humanos modernos finalmente invadiram


a Europa, em várias frentes, da Bulgária, no leste, à Espanha e à Itália,
no oeste.24 Os neandertais, dominantes na Europa por 250 mil anos,
haviam repelido todas as incursões anteriores de Homo sapiens. Dessa
vez, no entanto, entraram em declínio acentuado e, há 40 mil anos,
esse suprassumo da era do gelo estava praticamente extinto.25
As razões ainda são muito debatidas. Talvez eles tenham lutado
com humanos modernos. Com certeza procriaram com eles.26 É
possível que, diante de uma espécie que se reproduzia um pouco mais
rápido, tenham desaparecido sem muita resistência e talvez se
afastado de seu território natal.27 No final, havia tantos humanos
modernos na Europa que os neandertais remanescentes, escondidos
em seus últimos e distantes redutos — do sul da Espanha28 à Rússia
ártica —,29 eram pouquíssimos e dispersos demais para serem capazes
de encontrar parceiros de sua própria espécie.30
As populações neandertais sempre foram pequenas. Conforme
diminuíam ainda mais, os efeitos da endogamia e os acidentes
causavam estrago. Chega um ponto nas sociedades no qual elas ficam
pequenas demais para serem viáveis, e não há nada que leve tanto uma
população à extinção quanto a falta de pessoas.31 Assim, era mais
simples procriar com os invasores. O DNA de um maxilar humano de 40
mil anos de uma caverna na Romênia mostra que seu dono tinha um
bisavô neandertal.32

A partir do Leste Europeu, os humanos modernos seguiram o curso do


Danúbio, cujos arredores da nascente mostram evidências do
florescimento de uma exuberância cultural.33 Eles faziam esculturas
de animais, humanos, humanos com cabeça de animais e até patos em
baixo relevo que penduravam nas paredes de cavernas suburbanas.34
Fizeram, repetidamente, esculturas de mulheres obesas, grávidas e de
seios enormes — evocações pungentes da importância da fartura e da
fertilidade em uma sociedade que nunca esteve longe da fome. Eram
apelos a um poder superior.
Imagens de animais apareceram mais ou menos ao mesmo tempo
nas paredes de cavernas em extremos opostos da Eurásia. Às
merecidamente famosas pinturas rupestres na França e na Espanha
juntaram-se exemplos parecidos em Celebes e Bornéu, no Sudeste
Asiático.35 A arte rupestre tende a aparecer em espaços com
ressonância acústica, e tinha teor ritual. As imagens parecem ter sido
apenas um dos componentes de cerimônias que incluíam música e
dança.36
Quando os seres humanos atingiam a maioridade, eram
convidados por um xamã a ir a esses espaços para atos de iniciação na
tribo. Como parte da cerimônia, o homenageado era pintado com ocre
ou fuligem e instruído a fazer uma impressão de sua mão na parede da
caverna: como se deixasse sua marca no livro da vida. Para dizer:
“Estou aqui”.
Após 4,5 bilhões de anos de tumulto sem sentido, a Terra deu à luz
uma espécie que se tornou consciente de si mesma, que se perguntou o
que fazer a seguir.
O passado do futuro

Todas as espécies felizes e prósperas são iguais. Cada espécie, quando


entra em extinção, o faz à sua maneira.[1]

Como consequência das mudanças climáticas, as florestas se dividem


em pequenos espigões isolados em meio a um oceano de gramíneas
onde antes havia árvores.
À medida que as calotas polares derretem, a inundação da terra
deixa ilhas isoladas onde antes havia cumes de montanhas.
Então o que acontece com as formas de vida que se agarram aos
restos do que, para elas, eram mundos muito maiores?

Alguns grupos aproveitam o isolamento para dar origem a formas


novas e estranhas. Pense, por exemplo, no Homo floresiensis e nos
elefantes anões que ele caçava. Muitas outras populações afastadas,
no entanto, ficam pequenas demais para se viabilizarem. Pode haver
pouca comida ou água para sobreviver. Os indivíduos podem não
conseguir encontrar com quem procriar ou, se encontram, devem ser
parentes próximos, e a população sucumbe à consanguinidade.2
Outros simplesmente não conseguem se adaptar, tentando viver de
acordo com velhos hábitos em circunstâncias que mudaram muito.3
Um a um, os indivíduos morrem, por indisposição genética, por idade
ou por acidente, deixando cada vez menos descendentes, até que não
haja mais nenhum. A população se extingue.
Por fim, quando todas as outras populações da espécie falharem,
cada uma delas enfrentando sua própria agonia nos fragmentos do
outrora extenso habitat em que se encontra tão abandonada, a última
população sobrevivente corre um risco maior de sucumbir a algum
desastre local muito específico. Pode ser quase qualquer coisa, longe
do grande apocalipse do impacto de asteroides ou da erupção de
campos de magma, como um deslizamento de terra que extingue sua
única fonte de alimento ou uma coisa aparentemente tão prosaica
quanto a demolição de seu último refúgio para dar lugar a uma obra.
Outras espécies podem parecer abundantes, sem motivos para
temer o desaparecimento iminente. Porém, um exame mais minucioso
pode revelar que elas estão há muito no vermelho no extrato da vida,
marcadas para uma extinção tão certa quanto se tivessem sido
ceifadas em seu auge. Embora possam ser abundantes no habitat ao
qual se acostumaram, a remoção adicional do habitat — mesmo que
moderada — pode garantir sua extirpação. Elas estão, literalmente,
com os dias contados. O desaparecimento de borboletas e mariposas
das pastagens calcárias [no sudoeste da Inglaterra], por exemplo, tem
mais a ver com a remoção de seu habitat muitas décadas atrás que com
a perda atual do meio em que vivem.4 Essas espécies incorreram no
que é chamado de “dívida de extinção”.5
Outras, no entanto, por algum motivo, reduzirão sua taxa de
reprodução, e a taxa de mortalidade ultrapassará a de natalidade.
O Homo sapiens foi fundamental para criar as condições em que
muitas espécies diferentes foram extintas. Da mesma forma, o próprio
Homo sapiens pode estar vulnerável a um ou mais desses diferentes
meios de desaparecimento.

Os episódios passados de extinção em grande escala são tão remotos


que é difícil separar histórias individuais do barulho geral e da
confusão do desastre.
A causa fundamental da extinção em massa no final do Permiano,
por exemplo, foi a ressurgência de lava na Sibéria, que liberou gases
elevando drasticamente a temperatura da atmosfera por meio do
efeito estufa, e envenenando o ar e os oceanos. Mas, por mais
cataclísmico que tenha sido o episódio, e por mais que os seres vivos
como um todo tenham sofrido, cada animal ou planta, cada pólipo de
coral e cada pelicossauro encontrou a morte à sua maneira. As
extinções em massa, portanto, representam a soma de muitas mortes
prematuras individuais, cada qual com sua tragédia particular.
O fim do Pleistoceno, há cerca de 10 mil anos, foi marcado pelo
desaparecimento de praticamente todos os animais com massa maior
que a de um cão grande em toda a Eurásia, nas Américas e na
Austrália. A causa fundamental da extinção pode ter sido a expansão
da humanidade voraz. Ou pode ter sido uma mudança dramática no
clima, como aconteceu tantas vezes durante o Pleistoceno. É bastante
provável que tenha sido uma mistura de ambas.
No entanto, as extinções do desfecho do Pleistoceno estão muito
mais próximas de nós no tempo do que a catástrofe do fim do
Permiano. Os vestígios do episódio estão mais frescos e podem ser
coletados com mais precisão. O destino de espécies individuais pode
ser rastreado.6
Por exemplo, os espaços vitais de duas espécies representativas da
era do gelo — o cervo-gigante (popularmente conhecido como alce-
irlandês) e o mamute-lanoso — encolheram drasticamente em apenas
alguns milhares de anos. Esse declínio vertiginoso coincidiu com
mudanças repentinas no clima e na vegetação da qual dependiam.7 A
caça apenas acelerou um fim que teria chegado mais cedo ou mais
tarde. Cervos-gigantes e mamutes desapareceram, mas existem
fósseis aos montes e eles podem ser datados de forma confiável, de
modo que seu declínio e sua queda podem ser mapeados nos mínimos
detalhes. Se tivessem partido no final do Permiano, provavelmente
não saberíamos muito além do fato de que desapareceram, nada além
disso.
Extinções mais recentes podem ser datadas com muita precisão. O
último boi selvagem, ou auroque (Bos primigenius) foi baleado na
Polônia em 1627. Dado o alto número de pessoas com armas, essa era
uma extinção que tendia mesmo a acontecer. Dito isso, ela
representou a extinção em sua forma mais aguda, particular e
pungente: a bala que derrubou aquele único boi pôs fim ao último
indivíduo restante de uma espécie que já havia sido abundante em
toda a Europa. Em compensação, no momento em que escrevo, o
rinoceronte-branco-do-norte (Ceratotherium simum cottoni) ainda está
conosco. Imensos esforços são feitos para garantir que os indivíduos
remanescentes não caiam no esquecimento depois de estarem na mira
de um caçador. No entanto, como a população dessa espécie é
composta de apenas dois indivíduos, ambos do sexo feminino, é
apenas uma questão de tempo — e não muito.
O caso do auroque, porém, é diferente daquele do rinoceronte. Os
primeiros pertenciam a um dos poucos ramos da árvore genealógica
dos mamíferos — a família dos bovídeos, que inclui cabras e ovelhas, e
uma legião de espécies de antílopes — que ainda prospera. Se não
fosse pela humanidade, os auroques ainda poderiam estar conosco. Ao
contrário, os rinocerontes tiveram seu apogeu no Oligoceno, quando
eles e outros ungulados de dedos ímpares eram muito diversificados.
Desde então, porém, vêm decaindo: em grande parte superados por
ungulados de dedos pares, como bovídeos, que antes incluíam o
auroque. A humanidade apenas apressou um fim que estava
praticamente escrito muito antes de os humanos surgirem.

O mundo hoje já está há 2,5 milhões de anos em uma série de eras


glaciais que ainda prosseguirão por dezenas de milhões de anos. O
gelo já aumentou e diminuiu mais de vinte vezes, levando a
perturbações climáticas em escala nunca vista desde o Eoceno. E está
apenas começando. A cada avanço e recuo do gelo, o jogo muda.
Algumas espécies vão morrer. Outras florescerão. Aquelas que
florescerem em um ciclo poderão perecer no próximo.8 E haverá quase
cem outros ciclos glaciais-interglaciais antes que essa série da era do
gelo chegue ao fim.
O Homo sapiens tirou proveito do ciclo atual. A espécie tornou-se
autoconsciente quando o intervalo anterior de calor, cerca de 125 mil
anos atrás, decaiu a um estágio de frio prolongado. Ele aproveitou o
baixo nível do mar para migrar, saltando entre ilhas isoladas.
No momento em que o gelo chegou a sua maior extensão, cerca de
26 mil anos atrás, a humanidade havia montado acampamento em
todo o Velho Mundo e chegado até a cruzar para o Novo.9 Apenas
Madagascar, Nova Zelândia, as outras ilhas da Oceania e a Antártida
ainda não haviam sentido a pressão de um pé humano em suas costas
— e mesmo elas, com o tempo, a sentiriam.[10] Durante esse avanço,
todas as outras espécies de hominíneos desapareceram. O Homo
sapiens é a última. A única que restou.

Durante quase toda a sua história, os humanos foram caçadores e


coletores e, como todos os forrageadores sábios, conheciam os
melhores lugares para suas atividades. Pouco tempo depois de o gelo
ter avançado ao máximo, visitas frequentes a locais repetidos para
colher plantas úteis exerceram uma seleção natural sobre elas a fim de
que produzissem frutos e sementes que fossem mais atraentes aos
visitantes. Os padeiros começaram a moer as sementes de trigo
selvagem e cevada para fazer farinha e assar pão há pelo menos 23 mil
anos.11 A agricultura surgiu em várias partes do mundo de forma mais
ou menos simultânea no final do Pleistoceno, há 10 mil anos.12
Desde então, o aumento da população humana tem sido dramático.
No momento, essa única espécie consome um quarto de todos os
produtos da fotossíntese vegetal da Terra.13 Inevitavelmente, esse
sequestro significa menos recursos para todas as outras milhões de
espécies, algumas das quais, como resultado, estão desaparecendo.
No entanto, a maior parte do crescimento foi, de fato, muito
recente. O aumento exponencial da população é perceptível no
intervalo de uma vida humana. A população mais que dobrou durante
minha vida14 e quadruplicou desde que meus avós nasceram. No
panorama do tempo geológico, entretanto, a súbita ascensão da
humanidade é insignificante.

A maior parte do impacto da humanidade no planeta ocorreu a partir


da Revolução Industrial, que começou há cerca de trezentos anos,
quando o Homo sapiens passou a usar o poder do carvão em escala
industrial.
O carvão é formado dos restos de florestas carboníferas ricos em
energia. Um pouco mais tarde, a humanidade aprendeu a localizar e
extrair petróleo, uma mistura densa de energia de hidrocarbonetos
líquidos criada pela lenta transformação dos fósseis de plâncton,
conforme são prensados e aquecidos devagar pela rocha que se
acumula nas camadas acima. A queima desses combustíveis fósseis
tem estimulado o crescimento da população humana ainda mais que a
agricultura — mas só nas gerações mais recentes.
O dióxido de carbono é um importante subproduto da queima de
combustíveis fósseis, junto com outros gases, como o dióxido de
enxofre e os óxidos de nitrogênio. Assim, o processamento do petróleo
libera diversos poluentes exóticos, que vão do chumbo ao plástico.
Entre os resultados estão o aumento acentuado da temperatura; as
extinções generalizadas de animais e plantas; a acidificação dos
oceanos em detrimento dos recifes de corais etc. O efeito geral tem
sido bastante semelhante ao que poderia ter ocorrido se uma pluma
mantélica tivesse chegado à superfície por meio de sedimentos
orgânicos.
Comparada às várias eructações que levaram o Permiano a um
final tão agonizante, a atual perturbação induzida pelo homem será
extremamente breve. Medidas já estão sendo tomadas para reduzir a
emissão de dióxido de carbono e encontrar outras fontes de energia
além dos combustíveis fósseis. O pico de carbono causado pelo ser
humano será alto, mas muito estreito — talvez estreito demais para
ser detectado no longo prazo.
Os humanos existem em grandes números há um tempo tão curto
que em, digamos, 250 milhões de anos, os vestígios de poucas pessoas
— ou talvez de nenhuma — terão sido preservados. Esses
prospectores do futuro, com equipamentos da mais refinada
sensibilidade, talvez — nada mais que talvez — sejam capazes de
detectar sinais débeis de isótopos incomuns, indicando que, em um
curto intervalo ao longo da era do gelo cenozoica, algo aconteceu, mas
talvez sejam incapazes de dizer exatamente o quê.
Nos próximos milhares de anos, o Homo sapiens desaparecerá. A
causa será, em parte, o pagamento de uma dívida de extinção há muito
vencida. A porção de habitat ocupada pela humanidade é nada menos
que a Terra inteira, e, progressivamente, os seres humanos a estão
tornando menos habitável.
A principal razão, porém, será uma falha na renovação
populacional. A população humana provavelmente atingirá o limite no
século atual, depois do qual diminuirá. Em 2100, a humanidade será
menor do que é hoje.15 Embora os humanos se esforcem para reparar
os danos causados à Terra por suas atividades, eles não sobreviverão
mais que alguns milhares e dezenas de milhares de anos.
Os humanos já são notavelmente homogêneos em termos
genéticos, quando comparados com nossos parentes mais próximos
entre os macacos. Esse é um sinal de que houve um ou mais gargalos
genéticos no início da história humana, seguidos por uma rápida
expansão — um legado das várias vezes em que, no passado remoto, a
humanidade passou perto da extinção.16 A extinção será o resultado
combinado de variação genética insuficiente em razão de episódios
profundos na Pré-História; dívida de extinção causada pela perda de
habitat atual; falha reprodutiva, dadas as mudanças no
comportamento humano e no meio ambiente; e problemas mais locais
enfrentados por pequenos grupos isolados de outros semelhantes.

As geleiras, no entanto, muitas vezes ainda vão se expandir e


retroceder, avançar e recuar. A injeção de dióxido de carbono induzida
pelo homem atrasará a data do próximo avanço glacial, mas, quando
ele vier, será ainda mais repentino. O desprendimento de icebergs nos
oceanos induzido pelo clima, especialmente no Atlântico Norte,
adicionará tanta água doce ao mar que a corrente do Golfo ficará
estagnada, e a Europa e a América do Norte mergulharão em uma
glaciação de grande porte num intervalo menor que uma vida humana.
Mas nenhum humano estará lá para sentir o frio.
Eles desaparecerão algum tempo antes de todo o dióxido de
carbono gerado por sua atividade frenética finalmente se esgotar. O
efeito estufa residual aliviará essa onda de frio por um tempo, até ela
atacar de novo, e então chegará o primeiro episódio glacial repentino
de uma sequência, seguidos de períodos mais quentes, até que,
finalmente, o excesso de dióxido de carbono seja absorvido e a grande
era do gelo cenozoica possa prosseguir sem mais interrupções.[17]

Em cerca de 30 milhões de anos, a Antártida terá se deslocado tanto


para o norte que a água quente e equatorial varrerá os últimos
vestígios da calota de gelo. Qual terá sido o custo, em vida, desse longo
período de frio?
Todos os mamíferos terrestres maiores que texugos serão extintos.
Não haverá mais grandes ungulados, elefantes, rinocerontes, leões,
tigres, girafas ou ursos. Os marsupiais estarão perto do fim. O
ornitorrinco e a equidna — mamíferos que põem ovos, cujas linhagens
remontam às profundezas do Triássico — terão feito seus últimos
ninhos. Não haverá mais primatas. O Homo sapiens, o último do grupo,
terá desaparecido muito tempo antes.
Haverá algumas aves pequenas e certos lagartos e cobras. Répteis
maiores, como tartarugas e jacarés, terão morrido, assim como todos
os anfíbios restantes.
Ainda haverá muitos roedores, mas talvez seja difícil reconhecê-los
como tais. As novas variedades de herbívoros serão descendentes de
camundongos e ratos. Entre os carnívoros tradicionais, restarão
apenas as formas menores, do tipo mangusto ou furão. Carnívoros
maiores serão roedores revisitados. Exceto, é claro, pelos predadores
mais aterrorizantes, que terão origem em morcegos gigantes que não
voam.18
Ainda haverá peixes no mar. Os tubarões continuarão navegando
como têm feito desde o Devoniano. Haverá recifes, compostos de um
novo tipo de coral ou esponja.
E ainda haverá baleias, por um tempo.

Na mais panorâmica das escalas, a história da vida na Terra, com todo


o seu drama, todas as suas idas e vindas, é governada por apenas duas
coisas. Uma delas é o lento declínio na quantidade de dióxido de
carbono na atmosfera. A outra é o aumento constante do brilho do
Sol.19
Em grande parte, a vida é baseada na capacidade que as plantas
fotossintéticas têm de converter o gás carbônico da atmosfera em
matéria viva. Para fazer isso, a maioria delas requer uma concentração
de dióxido de carbono na atmosfera de cerca de 150 ppm (partes por
milhão). Isso se baseia na suposição de que as plantas convertem
dióxido de carbono em açúcar usando apenas um tipo de fotossíntese,
chamada de via “C3”. Existe, no entanto, outro tipo de fotossíntese, a
via “C4”, que se vira com muito menos — apenas 10 ppm. O problema
da via C4 é que ela precisa de mais energia, razão pela qual, na maioria
das vezes, as plantas tendem a preferir a primeira via.20
Há alguns milhões de anos, com a evolução das gramíneas,
especialmente na savana tropical, que tendem a usar a via C4, mais
perdulária em energia, mas econômica em dióxido de carbono, houve
uma mudança. No geral, e apesar dos picos e vales ocasionais, o
dióxido de carbono vinha diminuindo constantemente ao longo da
história da Terra, e, no meio da era cenozoica, chegou a um ponto tão
baixo que a seleção natural começou a favorecer essa forma incomum
de fotossíntese, apesar do custo extra.
Esse é apenas um exemplo da reação da vida aos desafios lançados
pelas mudanças nas condições da Terra à qual ela está confinada. Por
trás de muitos desses desafios está o aumento constante da
quantidade de calor solar que chega à Terra; e os altos e baixos — mas,
principalmente, os baixos — de gás carbônico.

Por que o dióxido de carbono está se tornando tão escasso e tão


precioso? A resposta pode ser resumida em uma única palavra:
desintegração. Novas rochas, impulsionadas através da terra até se
tornarem montanhas, são erodidas rapidamente. Esse processo suga o
dióxido de carbono da atmosfera. As rochas erodidas são moídas e se
transformam em pó, que segue seu caminho e acaba chegando ao mar,
onde é enterrado no solo oceânico.
Nos primeiros dias da Terra, toda a superfície do planeta estava
coberta de oceano. Havia pouca ou nenhuma terra para erodir. Ao
longo do tempo, no entanto, a proporção de terra aumentou
constantemente e, com ela, o potencial de desintegração. Lenta e
constantemente, a quantidade de gás carbônico removido da
atmosfera aumentou em relação à taxa de reposição por meio, por
exemplo, de erupções vulcânicas.21

Um dos primeiros desafios da vida ocorreu durante o Grande Evento


de Oxidação, entre 2,4 bilhões e 2,1 bilhões de anos atrás. Um pico na
atividade tectônica levou a um aumento acentuado no sequestro de
carbono. O gás carbônico foi removido do ar. O mundo, deixando de
se beneficiar do efeito estufa, foi coberto de gelo de polo a polo — o
primeiro e maior episódio da Terra Bola de Neve — e mergulhou em
uma era glacial que durou 300 milhões de anos. A gravidade disso foi
exacerbada pelo fato de o Sol produzir muito menos calor do que hoje,
fato que influenciaria o curso vital no planeta.
A vida respondeu aumentando sua complexidade. Bactérias
individuais que viviam em associações pouco intensas reuniram seus
recursos, e cada indivíduo se concentrou no aspecto da vida em que se
saía melhor. Foi um exemplo clássico da divisão do trabalho, saído
diretamente de Adam Smith e A riqueza das nações. Fábricas em que
cada trabalhador se concentra em uma tarefa específica, em vez de
cada um tentar fazer tudo sozinho, são muito mais eficientes do que a
soma de suas partes. Da mesma forma, as novas células nucleadas, ou
eucarióticas, podiam fazer mais com menos.

O grande desafio seguinte da vida aconteceu por volta de 825 milhões


de anos atrás, com o desmembramento do supercontinente Rodínia.
Como antes, isso levou a um aumento maciço da desintegração, ao
sequestro de carbono e a outra série prolongada de eras glaciais. Essas
eras glaciais causaram episódios de Terra Bola de Neve, embora não
tenham durado tanto quanto o que congelou o planeta durante o
Grande Evento de Oxidação. Embora houvesse mais terra para erodir,
o Sol era mais quente do que é hoje.22
Naquela época, os eucariotas estavam de novo aumentando sua
complexidade, diferentes células verdadeiramente nucleadas se
agrupando para formar um organismo composto de muitas células
diferentes, cada uma concentrada em uma tarefa distinta, como a
digestão, a reprodução e a defesa. A evolução dos animais foi uma
consequência direta das eras glaciais que se seguiram ao
desmembramento de Rodínia.
Mais uma vez, a vida respondeu à grande perturbação ambiental
por meio de uma revisão completa de sua economia doméstica. A
multicelularidade permitiu que os organismos se tornassem maiores,
se movessem mais rápido, avançassem e explorassem mais recursos de
uma maneira que células eucarióticas individuais nunca poderiam.

Não que os eucariotas tenham olhado para seus calendários e,


percebendo que estavam a 825 milhões de anos dos dias de hoje,
tenham decidido unanimemente se tornar multicelulares. Criaturas
multicelulares tinham evoluído muito antes, e eucariotas unicelulares
— e bactérias — ainda seriam extremamente comuns. O que
aconteceu foi que o estado multicelular se tornou mais corriqueiro, em
vez de ser apenas uma esquisitice. Há 1 bilhão de anos, veríamos,
ocasionalmente, a fronde de algas marinhas em meio a um mar de
lodo. Há 800 milhões de anos, as algas marinhas estavam em toda
parte. Há 500 milhões de anos, as algas marinhas pululavam ao lado
dos animais, algumas grandes o suficiente para serem vistas a olho nu.

De forma semelhante, a vida está se preparando para a próxima


transição de complexidade na evolução. Assim como bactérias se
associaram para criar eucariotas e assim como eles se combinaram
para criar animais multicelulares, plantas e fungos, esses organismos
também se combinarão para produzir, nas últimas etapas da vida na
Terra, um tipo totalmente novo de organismo, com poder e eficiência
que nem sequer podemos imaginar.
As sementes foram plantadas há muito tempo.

Pouco depois de chegar à terra firme, as plantas descobriram que a


vida era muito mais fácil ao formar associações estreitas com fungos
subterrâneos chamados micorrizas, que se ligavam às raízes delas. As
plantas supriam os fungos com os nutrientes da fotossíntese. Em
troca, eles cavavam fundo no solo em busca de minerais.23
Hoje, a maioria das plantas terrestres se associa a micorrizas e, de
fato, não poderia sobreviver sem elas. Da próxima vez que você
caminhar pela floresta, considere que no chão, sob seus pés, as
micorrizas de diferentes plantas se conectaram para trocar nutrientes,
formando uma rede de internet das árvores que regula o crescimento
de toda a flora. A floresta — com todas as suas árvores e micorrizas —
é um único superorganismo.24
Isso porque os fungos têm o potencial de regular a vida em áreas
muito grandes. Um dos maiores organismos conhecidos é um
espécime do fungo Armillaria bulbosa cujos fios microscópicos se
espalharam por uma área de quinze hectares em uma floresta no norte
de Michigan. Embora não se perceba sua existência, ele tem uma
massa total de mais de 10 mil quilos e vive há mais de 1 500 anos.25
Definir esse fungo como um indivíduo, porém, é difícil. Os filamentos
dele se espalham, invisíveis, invasivos, insuspeitos, em todos os cantos
e recantos, formando gigantescas associações secretas, enterradas na
escuridão do solo.

Muito mais tarde, quando a era dos dinossauros chegava ao seu


apogeu, o mundo das plantas passou por uma revolução silenciosa. Era
a evolução das flores.
As plantas com flores começaram como pequenos seres que
rastejavam nas margens de corpos d’água de todo o mundo, mas logo
se tornaram muito mais comuns. Cem milhões de anos depois, elas são
a forma dominante de planta terrestre.
Uma das vantagens das flores é que elas atraem polinizadores, em
vez de depender do vento, do clima e do acaso para serem fertilizadas.
Como em tantas outras áreas, a vida causou um curto-circuito no meio
ambiente ao gerar as plantas com flores, distorcendo as
probabilidades em seu favor.
Assim, talvez não tenha sido coincidência que a origem das flores
ocorreu junto com um aumento dramático no número de insetos
polinizadores, especialmente formigas, abelhas e vespas
(coletivamente, Hymenoptera) e borboletas e mariposas
(Lepidoptera).26 Esses insetos já existiam havia milhões de anos, mas o
surgimento das flores impulsionou sua evolução.
Algumas plantas e seus polinizadores têm relações tão próximas
que não conseguem sobreviver um sem o outro. Os figos, por exemplo,
não podem se reproduzir sem as vespas-do-figo, que construíram suas
vidas em torno da planta. O que consideramos os frutos do figo são, na
verdade, habitats criados para e pelas vespas.27 A relação entre a
mandioca e a mariposa-da-mandioca é parecida, juntas formando um
único organismo.28

Muitas formigas, abelhas e vespas evoluíram para uma condição nova


e mais integrada, totalmente separada de suas associações com as
plantas — embora a evolução destas tenha dado um impulso à
evolução daquelas. Vários insetos se reúnem em colônias gigantescas
nas quais os indivíduos são especializados em tarefas específicas,
como proteção ou busca por alimento. Notavelmente, a reprodução é
atribuída a um único indivíduo, a rainha. Assim como em um
organismo multicelular, os assuntos reprodutivos se concentram em
uma população distinta de células.
Essas colônias são superorganismos e chegam a mostrar
comportamentos variados que, de outra forma, seriam características
de um só animal. Por exemplo, algumas colônias da formiga forrageira
Pogonomyrmex barbatus tendem a enviar menos forrageadoras durante
as secas do que outras colônias, e essa restrição é compensada pela
fundação de novas colônias.29 Assim como os humanos, as formigas
formam associações íntimas com as bactérias que vivem dentro delas e
com outros animais do entorno. Elas cultivam ativamente jardins de
fungos. E cuidam de bandos de pulgões domesticados para obter o
melado que eles secretam.
A organização social é uma característica ligada ao sucesso.30 O
êxito do Homo sapiens pode ser atribuído a essa tendência de
organização, na qual — como insetos sociais — os indivíduos tendem
a se especializar em tarefas específicas. Tal constituição permite
acumular mais recursos, com maior facilidade, do que seria possível
para indivíduos sozinhos. Quantas pessoas no mundo de hoje seriam
capazes de viver com algum conforto se fossem obrigadas a suprir até
mesmo suas necessidades mais básicas? O mesmo vale para os insetos
sociais. Era verdade antes de eles surgirem, e será verdade muito
depois que os humanos forem extintos. De fato, os benefícios de
indivíduos pequenos e da organização em grande escala se tornarão
ainda mais importantes no futuro.

Com o passar do tempo, e diante da escassez de gás carbônico,


associações como essa se tornarão mais comuns. Organismos
individuais ficarão menores e usarão recursos de modo mais eficiente,
se aliando a superorganismos sociais muito maiores. Ao mesmo
tempo, as plantas dependerão dos animais para fornecer dióxido de
carbono e polinizá-las. Vegetais com associações menos próximas
acabarão morrendo de fome. Vespas-do-figo e mariposas-da-mandioca
já são muito diferentes, na forma e no comportamento, de seus
parentes mais livres e independentes.
As plantas desenvolverão associações mais íntimas com seus
polinizadores, especialmente se forem insetos sociais. Essa mudança
vai se acelerar até que os insetos se tornem simples veículos para
mediar a fertilização e fornecer dióxido de carbono. No final, eles
serão pouco mais que órgãos microscópicos dentro da planta, da
mesma forma que as mitocôndrias dentro de nossas células já foram
bactérias de vida livre. A reprodução dos insetos se tornará
completamente sincronizada com a dos vegetais. Eles terão se tornado
um só.
Mas as plantas também terão mudado a ponto de se tornarem
irreconhecíveis. Talvez fiquem parecidas com fungos, com a maior
parte de seu corpo na forma de raízes ou tubérculos subterrâneos,
possivelmente expandidos em cavernas ocas e inchadas, nas quais seus
insetos transformados em vermes microscópicos, ou mesmo células
ameboides — seus parceiros produtores de dióxido de carbono —,
viverão a vida inteira dedicados a auxiliar a fertilização de pequenas
flores produzidas internamente. Apenas de vez em quando uma planta
enviará tecido fotossintético acima do solo. Mas, com menos dióxido
de carbono a ser coletado, e murchadas pelo calor crescente do Sol, “de
vez em quando” se tornará “raramente”, que se tornará “quase nunca”.
Alguns vegetais, porém, enviarão pequenas flores acima do solo
para liberar e coletar pólen ao vento, para manter a diversidade
genética e, talvez, como sinais, uma espécie de semáforo, para dizer
que nem tudo está perdido.

E, no entanto, a Terra ainda se move. Daqui a 250 milhões de anos, os


continentes terão novamente convergido em um supercontinente, o
maior até agora. Muito parecido com a Pangeia, ele ficará sobre o
equador.31 Grande parte do interior será o mais seco dos desertos,
cercado por cadeias de montanhas de altura e extensão titânicas.
Nele haverá poucos sinais de vida. No mar, a vida será mais
simples, e grande parte dela ficará concentrada no fundo. A terra
parecerá completamente sem vida. Uma ilusão. Ainda haverá vida,
mas será preciso cavar — uma distância longa, muito longa — para
encontrá-la.
Mesmo hoje, uma vasta legião de seres vivos vive no subsolo,
desconsiderada, mais profunda até que as raízes das plantas, mais
profunda que as micorrizas e os fungos como o Armillaria, embora eles
possam percebê-la.
No subsolo profundo vivem bactérias que extraem minerais,
sobrevivendo parcamente com a energia obtida pela conversão de uma
forma em outra.32 Entre as rachaduras, essas bactérias são predadas
por uma série de criaturas minúsculas.33 A maioria são vermes
cilíndricos, chamados nematelmintos, a forma de vida animal mais
negligenciada e ignorada, embora infeste animais e plantas tão
completamente que um cientista observou que, se toda a vida na Terra
fosse transparente, exceto esses vermes, ainda assim seria possível ver
as formas fantasmagóricas das árvores, dos animais, das pessoas e do
próprio solo.34
A vida na biosfera ultrassubterrânea continua de forma tão
preguiçosa que, em comparação, faz as geleiras parecerem tão vivas
quanto bezerrinhos. Tão lenta, na verdade, que mal se distingue da
morte. As bactérias crescem bem devagar, se dividem raramente e
podem viver por milênios. Conforme o mundo esquentar e o dióxido
de carbono na atmosfera se tornar mais escasso, a vida nas
profundezas vai ser mais veloz.
O próprio calor vai incitá-la, assim como a invasão, vinda de cima,
de um novo tipo de organismo, um compósito quase inimaginável do
que terão sido, em um passado distante, criaturas chamadas fungos,
plantas e animais, mas que são o último reduto de vida perto da
superfície do planeta. Esses superorganismos colocarão as bactérias
lentas das profundezas para trabalhar, oferecendo um porto seguro em
troca de energia e nutrientes, pois a fotossíntese será coisa do
passado.
Os filamentos de aparência fúngica dos superorganismos se
ramificarão pela crosta terrestre, sempre em busca de mais sustento,
mais organismos para reunir, até que, um dia, no final da noite da
Terra, os filamentos de todos os superorganismos se encontrarão e se
fundirão. No fim, talvez, os seres vivos possam se reunir em uma única
entidade viva, desafiando a morte da luz.

A Terra continuará a se mover, embora mais devagar, como se


estivesse com dor, porque o planeta agora está muito velho, como se
tivesse artrite. As placas tectônicas não estão tão bem lubrificadas
quanto antes.
Na juventude do planeta, os grandes motores de calor convectivo
que impulsionavam a deriva continental eram alimentados por uma
fornalha nuclear: o decaimento lento e radioativo de elementos como
urânio e tório, forjados nos segundos finais de uma supernova, que
fugiram para o centro do planeta quando ele se formou, há tanto
tempo. Quase todos esses elementos se esgotaram.
O supercontinente que converge cerca de 800 milhões de anos no
futuro será o maior da história do planeta. Também será o último. Pois
os continentes, cujo deslocamento inquieto tem sido o combustível
para a vida e, muitas vezes, seu inimigo, finalmente terão parado.
Não haverá vida na superfície. Mesmo nas profundezas do subsolo,
os últimos seres darão seu suspiro final. As formas de vida que
restaram no mar, convergindo em torno de fontes hidrotermais,
morrerão de fome à medida que os “fumantes” de hidrogênio e
enxofre, ricos em minerais, caem e morrem.
Em cerca de 1 bilhão de anos, a vida na Terra, que tão habilmente
transformou cada desafio à sua existência em uma oportunidade para
florescer, finalmente terá expirado.35
Epílogo

Parafraseando o que alguém disse uma vez em outro contexto, a


carreira de todos os seres vivos termina em extinção. Até mesmo a
própria vida não vai durar. O Homo sapiens não será uma exceção.
Talvez não uma exceção, mas, apesar de tudo, uma
excepcionalidade. Embora a maioria das espécies de mamíferos dure
cerca de 1 milhão de anos, e o Homo sapiens, mesmo em seu sentido
mais amplo, exista há menos da metade desse tempo, a humanidade é
uma espécie excepcional. Pode durar milhões de anos mais — ou cair
morta subitamente na próxima terça-feira.
A razão pela qual o Homo sapiens é excepcional é que é a única
espécie que, até onde se sabe, tomou consciência de seu lugar no
mundo. Tornou-se consciente do dano que está causando ao planeta e,
portanto, começou a tomar medidas para limitá-lo.

Atualmente, há muita preocupação de que o Homo sapiens tenha


precipitado o que tem sido chamado de a “sexta” extinção em massa,
um evento de magnitude semelhante à das “Cinco Grandes”, as
extinções no final dos períodos Permiano, Cretáceo, Ordoviciano,
Triássico e Devoniano — eventos detectáveis no registro geológico
centenas de milhões de anos depois.
Embora seja verdade que a taxa de extinção “de fundo” — o arroz
com feijão do dia a dia de espécies que evoluem e se extinguem, cada
qual por suas próprias razões — aumentou desde a evolução dos
humanos e é especialmente alta no presente, a humanidade precisará
continuar o que está fazendo por mais quinhentos anos para que a
atual taxa de extinção seja comparável à das Cinco Grandes.1 Isso é
quase o dobro do intervalo entre a Revolução Industrial e os dias
atuais. Muito dano foi feito, mas ainda há tempo para evitar que se
torne tão ruim quanto poderia ser se a humanidade não fizesse nada.
Não é a sexta extinção. Pelo menos, por enquanto.
A humanidade também precipitou um episódio de aquecimento
global devido, em grande parte, à emissão repentina de dióxido de
carbono na atmosfera. Os efeitos do aquecimento global já estão
sendo sentidos e estão causando perturbações significativas na saúde
e na segurança humanas, bem como na vida de muitas espécies
diferentes.

Pode-se dizer, é claro, que é da natureza do clima ser mutável: que


nosso planeta já foi uma bola de magma; já foi um mundo de água; já
se revestiu de selva de polo a polo; e já se envolveu em gelo com vários
quilômetros de espessura.
Deter a mudança climática, portanto, pode parecer um exercício
de arrogância narcisista colossal, como o rei Canuto advertiu seus
cortesãos que sugeriram que qualquer rei digno desse nome deveria
ser capaz de reverter a maré com uma ordem. É tentador responder
PAREM AS PLACAS TECTÔNICAS! ou PAREM JÁ AS PLACAS TECTÔNICAS!,
quando somos confrontados com slogans como SALVE O PLANETA!
Afinal, a Terra já existia 4,6 bilhões de anos antes de o Homo sapiens
aparecer, e ainda estará aqui muito depois que ele se for.

Tal visão dispéptica só seria justificada se a humanidade não tivesse


consciência de suas atividades como, digamos, as primeiras bactérias
fotossintéticas que adulteraram a atmosfera com quantidades
pequenas, mas letais, do veneno mortal que hoje conhecemos como
oxigênio molecular.
No entanto, temos consciência disso e já estamos tomando medidas
para agir de forma mais responsável. Em todo o mundo, a emissão de
combustíveis fósseis vem sendo eliminada em favor de alternativas
menos poluentes. Por exemplo, o terceiro trimestre de 2019 foi o
primeiro intervalo em que o Reino Unido gerou mais eletricidade de
fontes renováveis do que de usinas de energia que queimam
combustíveis fósseis, e a tendência é melhorar ainda mais.2 As cidades
estão mais limpas e verdes.
Cinquenta anos atrás, quando a população da Terra era metade do
número atual, havia sérias preocupações de que a humanidade logo
não conseguiria se alimentar.3 Cinquenta anos depois, no entanto, a
Terra suporta o dobro de pessoas, que são, em geral, mais saudáveis e
vivem mais, e em um estado de maior afluência do que antes. Avançou-
se o debate acerca do dano causado pela significativa desigualdade
social, em vez de discutir-se a ausência de recursos.
Os seres humanos estão começando a se sustentar de forma mais
econômica. Eles o fazem rápido e com algum entusiasmo. Embora o
consumo per capita de energia ainda esteja aumentando em todo o
mundo, ele diminuiu em alguns países de renda alta. No Reino Unido e
nos Estados Unidos, o consumo de energia per capita atingiu o pico na
década de 1970, mantendo-se mais ou menos o mesmo até os anos
2000, quando passou a diminuir de forma acentuada: no Reino Unido,
o uso de energia per capita decresceu em quase um quarto só nos
últimos vinte anos.4
Os humanos também são mais bem educados do que antes. Em
1970, apenas um em cada cinco humanos permanecia na escola até os
doze anos. Hoje esse número é pouco mais de um em cada dois (51%),
podendo atingir 61% até 2030,5 segundo projeções.
A população humana, que antes ameaçava ultrapassar todos os
limites de controle, atingirá o pico no presente século, e em seguida
começará a cair. Em 2100, será menor do que é agora.6
Tecnologia mais eficiente e melhorias na agricultura foram
responsáveis por muitas dessas coisas. Mas talvez o fator mais
importante na melhoria da condição humana ao longo do século
passado tenha sido o empoderamento reprodutivo, político e social
das mulheres, especialmente nos países em desenvolvimento. Agora
que as mulheres têm domínio cada vez maior sobre seus próprios
corpos e maior participação nos assuntos humanos, a humanidade
dobrou sua força de trabalho, melhorou sua eficiência energética geral
e reduziu o crescimento populacional.
Ainda há muitos desafios pela frente. No entanto, a humanidade,
como a vida sempre fez, responderá — está respondendo — a eles pela
divisão do trabalho e, assim, fazendo muito mais com menos recursos.
O Homo sapiens, contudo, acabará extinto, mais cedo ou mais
tarde.

Talvez haja uma cláusula de rescisão, mas, quando examinada de


perto, ela se revelará ilusória. Este livro trata da vida na Terra e
mostra que as condições no planeta, um dia, se tornarão hostis demais
para qualquer tipo de vida, não importando quão engenhosa ela seja.
Mas não abordei como a vida pode se estender além da Terra.
Embora se saiba que alguns organismos podem resistir à exposição
ao espaço,7 o Homo sapiens é a primeira espécie da Terra que, até onde
se sabe, partiu deliberadamente para o espaço, estabeleceu uma
estação espacial tripulada em órbita e pôs os pés em outro mundo, a
Lua. Portanto, é possível que os seres humanos deixem a Terra de
modo regular e até vivam de modo definitivo no espaço, seja em
superfícies planetárias ou habitats artificiais.
Por enquanto, isso parece improvável. No momento em que
escrevo, apenas um punhado de pessoas visitou a Lua,[8] todas antes de
1972. Isso não é necessariamente uma razão para pessimismo. Quando
os primeiros humanos modernos, vivendo na costa do sul da África há
cerca de 125 mil anos, desenvolveram cosméticos e aprenderam a
desenhar e usar arco e flecha pela primeira vez, a tecnologia nasceu
brilhante, para depois ser aparentemente esquecida, às vezes por
milhares de anos, até que, enfim, foi readquirida e acabou se tornando
uma coisa comum. Pode ser que essas atividades exijam um número
suficiente de pessoas, vivendo suficientemente perto umas das outras,
para sustentá-las e garantir que os ofícios e as habilidades necessárias
sejam mantidos.
As viagens espaciais, que parecem abandonadas, estão voltando à
tona após uma longa dormência e podem se tornar rotina. As
melhorias na tecnologia permitiram que as viagens espaciais não
sejam mais tão caras a ponto de só os governos poderem se dar ao luxo
de promovê-las. Empresas privadas se envolveram na empreitada. A
perspectiva de pessoas visitando o espaço para ver a vista não é mais
uma questão de ficção científica. No início, os únicos clientes serão os
fabulosamente ricos — mas isso também já foi verdade para as viagens
aéreas.
Vale a pena notar a rapidez com que a tecnologia evoluiu. Por
exemplo, cinquenta anos separaram o primeiro pouso humano na Lua
(julho de 1969) do primeiro voo transatlântico de avião (junho de
1919), realizado por dois pilotos corajosos em uma engenhoca que, aos
olhos modernos, parece um frágil arranjo de lona, madeira e motores
de cortador de grama amarrados com barbante.
Apesar disso tudo, a extinção ainda será o destino da humanidade,
mesmo que, um dia, a espécie chegue às estrelas. As colônias de
humanos serão muito pequenas e separadas por grandes distâncias,
aumentando a possibilidade de que muitas entrem em colapso por
falta de pessoas e diversidade genética, e aquelas que tiverem sucesso
acabarão por divergir em espécies diferentes. Não haverá como
escapar disso.

Qual será, então, o legado humano? Quando comparado ao período da


vida na Terra, nenhum. Toda a história humana, tão intensa e tão
breve, todas as guerras, toda a literatura, todos os príncipes e
ditadores em seus palácios, toda a alegria, todo o sofrimento, todos os
amores, sonhos e realizações, não deixarão mais que uma camada,
com milímetros de espessura, em alguma futura rocha sedimentar até
que ela também seja erodida a pó e acabe no fundo do oceano.
De alguma forma, porém, isso torna ainda mais significativo, ainda
mais importante, que procuremos preservar o que temos, para tornar
nossa efêmera existência a mais confortável possível, para nós
mesmos e nossos companheiros de espécie.
Criador de estrelas, de Olaf Stapledon (1886-1950), é talvez a obra
de ficção especulativa mais audaciosa já publicada. O fato de que
poucos tenham ouvido falar dela talvez seja uma função de sua
imensidão ameaçadora (embora o livro em si seja bastante curto).
Trata-se da história do nosso cosmos, que (na história) leva mais de
400 bilhões de anos para se formar — e esse é apenas um dos vários
universos. A história da humanidade ocupa um mero parágrafo.
O protagonista sai de casa depois de uma discussão com sua
esposa. Sentado na encosta de uma colina, é tomado por uma visão em
que é transportado para o cosmos. Ao encontrar outros viajantes, ele
se torna parte de uma comunidade de almas que se envolve em muitas
aventuras até que, reunidos em uma mente cósmica, encontram o
Criador. Nosso universo é apenas um experimento de Seu ofício — a
oficina do Criador está dispersa em outros universos de brinquedo.
Além disso, universos ainda mais extraordinários estão por vir.
Voltando para casa, o protagonista reflete sobre suas viagens. Vale
lembrar que Stapledon era um pacifista convicto que, no entanto,
testemunhou em primeira mão os horrores da guerra, tendo
trabalhado no serviço de ambulância dos Amigos na Frente Ocidental.
Criador de estrelas foi publicado em 1937, quando o mundo estava
entrando em outro conflito global: algo que o protagonista discute no
prólogo e no posfácio do livro.
Como pode, pergunta o narrador, uma pessoa comum enfrentar um
horror tão desumano?
Ele oferece “dois sinais luminosos de orientação”. O primeiro,
“nosso luminoso átomo de comunidade”. O segundo, aparentemente
antitético, “a luz fria das estrelas”, na qual assuntos como guerras
mundiais são de pouca importância. Ele conclui: “Estranho que pareça
mais, não menos, urgente fazer parte desse desafio, esse breve esforço
de animálculos que lutam para obter para sua raça algum aumento de
lucidez antes da escuridão final”.
Portanto, não se desespere. A Terra resiste, e a vida ainda está
viva.
Sugestões de leitura

Como você verá, este livro traz notas extensas que detalham algumas
das pesquisas primárias nas quais ele se baseia. Por natureza, artigos
científicos são destinados a serem lidos por outros cientistas. Aqui, em
contraste, ofereço algumas sugestões de leitura adicionais que, espero,
sejam mais acessíveis.
BENTON, Michael J. When Life Nearly Died. Londres: Thames & Hudson, 2003. A história
da extinção do final do Permiano em detalhes aterrorizantes (e, portanto,
envolventes), com uma análise das possíveis causas.
BERREBY, David. Us and Them. Nova York: Little, Brown, 2005. A respeito do
comportamento humano, em particular a facilidade com que formamos grupos e
alianças mutuamente hostis. Este é o melhor livro de antropologia que já li. Pode
espalhar.
BRANNEN, Peter. The Ends of the World. Londres: Oneworld, 2017. A história das várias
extinções em massa na história da Terra.
BRUSATTE, Steve. The Rise and Fall of the Dinosaurs. Londres: Macmillan, 2018. [Ed.
bras.: Ascensão e queda dos dinossauros: uma nova história de um mundo perdido.
Trad. de Catharina Pinheiro. Rio de Janeiro: Record, 2019.] Um livro conciso, atual e
emocionante acerca do que há de mais recente nas pesquisas sobre dinossauros.
CLACK, Jennifer. Gaining Ground. Bloomington: Indiana University Press, 2012. Guia
sobre a origem dos vertebrados terrestres desde seus primórdios nos peixes.
DIXON, Dougal. After Man. Londres: Granada, 1981. Uma visão divertida sobre como a
vida selvagem poderia ser daqui a 50 milhões de anos se os seres humanos
desaparecessem hoje.
FORTEY, Richard. The Earth: An Intimate History. Londres: HarperCollins, 2005. Toda a
história do nosso planeta de uma perspectiva geológica.
FRASER, Nicholas. Dawn of the Dinosaurs. Bloomington: Indiana University Press, 2006.
A história do período Triássico, injustamente negligenciado. Ilustrações evocativas
de Douglas Henderson.
GEE, Henry. In Search of Deep Time. Nova York: The Free Press, 1999, publicado no Reino
Unido como Deep Time. Londres: Fourth Estate, 2000. Um livro que alerta sobre o
assunto deste que você tem em mãos: usar um registro fóssil incompleto para
contar uma história. Em vez disso, pode-se usar o registro para delinear muitas
histórias possíveis, algumas das quais muito mais interessantes do que aquela que
você achava que conhecia.
______. The Accidental Species. Chicago: University of Chicago Press, 2013. Seu guia
prático para o estudo das origens e da evolução humanas, desbancando alguns mitos
e destronando a humanidade de seu alto status.
______. Across the Bridge. Chicago: University of Chicago Press, 2018. Um guia das
origens dos vertebrados, o grupo de animais ao qual pertencemos.
______; REY, Luis V. A Field Guide to Dinosaurs. Londres: Aurum, 2003. Um guia para
viajantes ao mundo dos dinossauros; é muito especulativo. Vale a pena pela incrível
arte de Luis V. Rey.
GIBBONS, Ann. The First Human. Nova York: Anchor, 2006. A história da pesquisa sobre
as origens humanas, por uma comentarista líder na área.
LANE, Nick. The Vital Question. Londres: Profile, 2005. [Ed. bras.: Questão vital: por que
a vida é como é? Trad. de Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 2017.] Uma visão
de como a vida começou, por um escritor cheio de entusiasmo.
LIEBERMAN, Daniel. The Story of the Human Body. Londres: Allen Lane, 2013. [Ed. bras.:
A história do corpo humano: evolução, saúde e doença. Trad. de Maria Luiza X. de A.
Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.] Um relato da evolução humana e por que nosso
estilo de vida moderno é tão inadequado para nossa herança.
MCGHEE, George R., Jr. Carboniferous Giants and Mass Extinction. Nova York:
Columbia University Press, 2018. Relato animado do mundo nos períodos
Carbonífero e Permiano.
NIELD, Ted. Supercontinent. Londres: Granta, 2007. A história da deriva continental e o
ciclo de meio bilhão de anos do supercontinente.
PROTHERO, Donald R. The Princeton Field Guide to Prehistoric Mammals. Princeton:
Princeton University Press, 2017. Se você está confuso sobre teniodontes e
tilodontes, pantodontes e dinocerados, este livro é para você. Lindas ilustrações de
Mary Persis Williams.
SHUBIN, Neil. Your Inner Fish. Londres: Penguin, 2009. Como a herança dos peixes pode
ser encontrada nos humanos que vivem hoje.
STRINGER, Chris. The Origin of Our Species. Londres: Allen Lane, 2011. A história de
como o Homo sapiens veio a ser como é.
STUART, Anthony J. Vanished Giants. Chicago: University of Chicago Press, 2021. Visão
detalhada, porém acessível, da extinção da maioria dos grandes animais no final do
Pleistoceno. Alguém sabia que existia uma espécie chamada “yesterday’s camel”
[camelo de ontem]?
THEWISSEN, J. G. M. “Hans”. The Walking Whales. Oakland: University of California
Press, 2014. A incrível história de como um grupo de animais terrestres voltou ao
mar e se tornou totalmente marinho em apenas 8 milhões de anos.
WARD, Peter; BROWNLEE, Donald. The Life and Death of Planet Earth. Nova York: Henry
Holt, 2002. Um prognóstico sombrio do futuro da vida em nosso planeta.
WILSON, Edward O. The Social Conquest of Earth. Nova York: Liveright, 2012. [Ed. bras.:
A conquista social da Terra. Trad. de Ivo Korytowski. São Paulo: Companhia das
Letras, 2013.] Polêmica apaixonada do fundador da sociobiologia sobre como a
evolução produziu superorganismos que herdaram a Terra, sejam eles formigas ou
humanos.
Agradecimentos

Depois de Across the Bridge [Do outro lado da ponte], jurei que não
escreveria outro livro.
“Não vou escrever outro livro”, exclamei ao meu colega David
Adam. Na época, David era repórter e redator-chefe da Nature, onde
nós dois trabalhávamos. Eu costumava interromper David para
conversar sobre livros. Ele havia escrito dois: O homem que não
conseguia parar [Trad. de Flávia de Assis. Rio de Janeiro: Objetiva,
2015] e The Genius Within [O gênio interior].
Ignorando meus protestos, David sugeriu que eu escrevesse algo a
respeito das incríveis pesquisas sobre fósseis que tivera o privilégio de
encontrar, ao longo dos anos, em minha mesa na Nature.
Ainda declarando que não escreveria outro livro, escrevi o livro.
Era mais uma exposição reveladora do que um livro de divulgação
científica, intitulada Vamos falar sobre Rex: uma história pessoal da vida
na Terra. Minha agente, Jill Grinberg, da Jill Grinberg Literary
Management, estava ansiosa para ler o que eu estava escrevendo, mas
eu ponderei que, sendo uma revelação pessoal e sem censuras,
mostrando até as verrugas, seria melhor eu escrever o livro inteiro e
compartilhá-lo com todos aqueles que eram mencionados pelo nome
antes que fosse publicado. Ela concordou. E foi isso que fiz.
Os primeiros sinais de inquietação vieram de meus pais, que
diziam que estava tudo muito bom, querido, mas quem, além dos
mencionados, realmente se interessaria por ele? Jill sugeriu que eu
tentasse uma narrativa mais direta. Assim começou uma conversa que
levou meses de rascunhos, muitos bytes de e-mail e várias conversas
telefônicas até tarde da noite, antes que a versão final surgisse.
David Adam merece os primeiros agradecimentos, pois o livro foi
ideia dele, pelo menos de início. Se você não gostou, culpe-o. Embora
eu me lembre de nossa colega Helen Pearson ter ajudado.
Muitas pessoas viram partes do livro enquanto ele era escrito, e
algumas até fizeram sugestões úteis, embora, é claro, os erros sejam
inteiramente meus, assim como muitas das especulações fantasiosas.
Agradeço pelos sábios conselhos de Per Erik Ahlberg, Michel Brunet,
Brian Clegg, Simon Conway Morris, Victoria Herridge, Philippe
Janvier, Meave Leakey, Oleg Lebedev, Dan Lieberman, Zhe-Xi Luo,
Hanneke Meijer, Mark Norell, Richard “Bert” Roberts, De-Gan Shu,
Neil Shubin, Magdalena Skipper, Fred Spoor, Chris Stringer, Tony
Stuart, Tim White, Xing Xu e especialmente Jenny Clack, que enviou
comentários durante sua doença terminal. Este livro é dedicado à
memória dela.
Steve Brusatte (autor de Ascensão e queda dos dinossauros) fez
muitos comentários úteis e deu o rascunho a seus alunos, muitos dos
quais ofereceram gentilmente seus próprios comentários. Desse
modo, obrigado a Matthew Byrne, Eilidh Camp­bell, Alexiane
Charron, Nicole Donald, Lisa Elliott, Karen Helliesen, Rhoslyn
Howroyd, Severin Hryn, Eilidh Kirk, Zoi Kynigopoulou, Panayiotis
Louca, Daniel Piroska, Hans Püschel, Ruhaani Salins, Alina Sandauer,
Ruby Stevens, Struan Stevenson, Michaela Turanski, Gabija
Vasiliauskaite e um aluno que optou por permanecer anônimo.
Peço desculpas a qualquer pessoa merecedora de menção cujo
nome eu tenha omitido por descuido.
Jill me representa desde o milênio passado. Já passamos por muita
coisa juntos. Quando ela vendeu meu primeiro livro comercial, In
Search of Deep Time [Em busca do tempo profundo], voei para Nova
York para levá-la para jantar. Nunca se diga que a era do cavalheirismo
está morta. Foi sob a orientação de Jill que aquilo que começou como
um livro de memórias grosseiro se transformou no livro que está
diante de você, que chamou a atenção de Ravindra Mirchandani, da
Picador, e George Witte, da St. Martin’s Press, que assumiu o projeto
em um momento muito difícil (a pandemia de Covid-19 estava em
pleno andamento). Agradeço a Ravi, George, Jill e todos os seus
colegas por levarem o projeto adiante.
O livro teria sido impossível se eu não tivesse tido a sorte de ter
sido contratado pela revista científica Nature naquela sexta-feira, 11
de dezembro de 1987, pelo grande e saudoso John Maddox,
permitindo-me assim ver de camarote o desfilar de descobertas
durante o que talvez seja o período mais emocionante da história da
ciência.
Devo mais agradecimentos a minha família, pelo encorajamento,
embora meus mais sinceros agradecimentos sejam dedicados a minha
esposa Penny, cuja reação habitual às exclamações de que eu jamais
vou escrever outro livro é um sorriso de cumplicidade.
Foi Penny quem me trancou em meu escritório entre as sete e as
nove horas todas as noites (exceto sextas e sábados) com uma xícara
de chá, dois biscoitos digestivos e minha fiel cachorra Lulu.
Eu nunca teria conseguido sem elas.
Notas

CRÔNICAS DE FOGO E GELO


1. Veja, por exemplo, Robin M. Canup e Erik Asphaug, “Origin of the Moon in a Giant
Impact Near the End of The Earth’s Formation”. Nature, v. 412, pp. 708-12, 2001; Jay
Melosh, “A New Model Moon”. Nature, v. 412, pp. 694-5, 2001.
2. Isso explica por que a Terra e a Lua têm composições semelhantes e também por que
a Lua é bastante especial. Comparada com a maioria dos satélites do Sistema Solar, a
Lua é muito grande em relação ao seu corpo primário (a Terra, nesse caso). (Veja
Alessandra Mastrobuono-Battisti et al., “A Primordial Origin for the Compositional
Similarity Between the Earth and the Moon”. Nature, v. 520, pp. 212-5, 2012.)
3. Para ilustrar quão ativa a Terra é até hoje, a placa tectônica da Austrália está se
movendo para o norte na direção da Indonésia, amassando-a à medida que avança a uma
taxa duas vezes mais rápida que a do crescimento das unhas do professor Bert Roberts,
da Universidade de Wollongong (conforme me disse o próprio Bert — as taxas de
crescimento das unhas podem variar). Pode parecer pouco, mas aumenta com o tempo.
Conforme a Austrália avança para o norte, a margem norte de Java é deformada para
baixo e submerge. Se você já sobrevoou a costa norte de Java, como eu, talvez tenha
percebido que, no passado, os distritos mais ao norte da cidade de Jacarta foram
abandonados ao mar. E Bert continua tendo que cortar as unhas.
4. Como estou contando isso tudo mais como uma história do que como um exercício
científico, algumas das coisas que direi têm mais base em evidências do que outras. As
circunstâncias da origem da vida são talvez menos compreendidas do que qualquer
outra coisa que discutirei — exceto, talvez, por grande parte do último capítulo. Esta é
a parte que mais se aproxima de “invencionice”. Parte do problema é que a própria vida
é muito difícil de definir, assunto abordado por Carl Zimmer em seu livro Life’s Edge
(Dutton, 2021).
5. Mais especificamente, as membranas acumulam carga elétrica e permitem que ela se
dissipe realizando um trabalho útil, como impulsionar reações químicas. É basicamente
assim que uma bateria funciona. Então, assim como agora, os seres vivos eram movidos
a eletricidade. Isso é surpreendentemente poderoso. Como a diferença de carga entre
o interior e o exterior das células é mensurável, mas a distância é microscópica, a
diferença de potencial pode ser muito grande, da ordem de 40 a 80 mV (milivolts). Para
um relato vibrante do papel da carga elétrica na origem da vida e muito mais, veja o
livro de Nick Lane, Questão vital (Trad. de Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco,
2017).
6. Pense nos adolescentes e como a compreensão e a consciência deles aumentam às
custas da ordem do entorno.
7. As rochas mais antigas que sobrevivem desde os primeiros dias da Terra têm entre
3,8 e 4 bilhões de anos; no entanto, sabe-se que cristais minúsculos, mas muito
robustos, de um mineral chamado zircão sobreviveram mais de 4,4 bilhões de anos,
resultado do intemperismo em rochas ainda mais antigas que, desde então, sofreram
erosão até desaparecerem por completo. Alguns desses zircões antigos trazem sinais
— meros fantasmas da memória de sombras vislumbradas pelo canto do olho — de que
a vida passou por ali há mais de 4 bilhões de anos. Os seres vivos têm uma química única
relacionada, em grande parte, aos átomos de carbono. Quase todos os átomos de
carbono são de uma variedade, ou “isótopo”, conhecida como carbono-12. Uma pequena
proporção de átomos de carbono é do isótopo conhecido como carbono-13, que é um
pouco mais pesado. Os tipos de reações químicas que ocorrem nos seres vivos são tão
intensos que eles rejeitam o carbono-13 e, portanto, são ricos em carbono-12 em
relação ao ambiente inorgânico — e essa discrepância pode ser medida. Rochas muito
antigas que contêm carbono, mas um pouco menos de carbono-13 que o esperado em
relação ao carbono-12, podem indicar que a vida já esteve presente, mesmo que os
vestígios corporais tenham desaparecido — da mesma forma que a presença do gato
de Cheshire, que desaparece gradualmente, pode ser revelada pelo seu sorriso que
persiste. É nesse tipo de evidência que se baseia a afirmação de que a vida já existia na
Terra há pelo menos 4,1 bilhões de anos. Ela vem de um cristal de zircão que tem uma
mancha de grafite de carbono com relativa riqueza de carbono-12, sugerindo que a vida
na Terra começou há tanto tempo que sua origem antecede as primeiras rochas. (Veja
Simon A. Wilde et al., “Evidence from Detrital Zircons for the Existence of Continental
Crust and Oceans on the Earth 4.4 Gyr Ago”. Nature, v. 409, pp. 175-8, 2001.)
8. Veja Emmanuelle J. Javaux, “Challenges in Evidencing the Earliest Traces of Life”.
Nature, v. 572, pp. 451-60, 2019, para um lembrete salutar dos problemas de interpretar
fósseis muito antigos.
9. No momento em que escrevo este livro, a evidência mais antiga geralmente aceita de
vida na Terra vem de um corpo de rocha chamado Strelley Pool Chert, na Austrália, que
preserva os vestígios não de um ou dois fósseis, mas de todo um ecossistema de recifes
que prosperou em um oceano quente e ensolarado há cerca de 3,43 bilhões de anos.
(Veja Abigail C. Allwood et al., “Stromatolite Reef from the Early Archaean Era of
Australia”. Nature, v. 441, pp. 714-8, 2006.) Existem outras hipóteses, que remontam a
mais de 4 bilhões de anos, mas seu status é controverso.
10. Pelo menos até a evolução de animais que pudessem pastar neles. Hoje, os
estromatólitos sobrevivem apenas naqueles lugares raros que os animais não
conseguem alcançar. Um desses lugares é a baía Shark, na Austrália Ocidental, um
corpo de água muito salgado para que qualquer coisa, exceto o lodo, sobreviva.
11. Isso é estranho, porque o Sol não era tão brilhante como é agora, uma circunstância
conhecida como o “paradoxo do jovem Sol fraco”. É um paradoxo porque a Terra
realmente deveria ter sido uma bola de gelo. No entanto, a atmosfera primitiva estava
cheia de gases de efeito estufa potentes, como o metano, que mantinham a
temperatura alta.
12. As causas do Grande Evento de Oxidação ainda são muito debatidas. As evidências
sugerem um período mais extenso de atividade que trouxe gases do interior profundo
da Terra para a superfície. (Veja Timothy W. Lyons et al., “The Rise of Oxygen in the
Earth’s Early Ocean and Atmosphere”. Nature, v. 506, pp. 307-15, 2014; Bernard Marty et
al., “Geochemical Evidence for High Volatile Fluxes from the Mantle at the End of the
Archaean”. Nature, v. 575, pp. 485-8, 2019; e James Eguchi et al., “Great Oxidation and
Lomagundi Events Linked by Deep Cycling and Enhanced Degassing of Carbon”. Nature
Geoscience, v. 13, pp. 71-6, 2020. Disponível em: <www.doi: 10.1038/s41561-019-0492-
6>. Acesso em: 21 fev. 2024.)
[13] Como disse Joni Mitchell, “quando chegamos a Woodstock, éramos meio milhão de
fortes”, e como acrescentou um jornalista de música desgastado pelo festival, “… e 300
mil de nós estavam procurando o banheiro”. (Esta e as demais notas são do autor,
exceto se sinalizado de outra maneira.)
14. Veja Russell H. Vreeland et al., “Isolation of a 250 Million-Year-Old HaloTolerant
Bacterium from a Primary Salt Crystal”. Nature, v. 407, pp. 897-900, 2000; John Parkes,
“A Case of Bacterial Immortality?”. Nature, v. 407, pp. 844-5, 2000.
15. É possível que essa tendência tenha sido impulsionada pelo trauma do Grande
Evento de Oxidação.
[16] Tecnicamente, “bactéria” e “Archaea” (plural de “Archaeon”) — em português,
Arquea — são tipos muito diferentes de organismos. Mas todos são pequenos e têm o
mesmo grau de organização, então aqui uso “bactéria” como um termo familiar para
ambos os tipos.
17. Veja Joran Martijn et al., “Deep Mitochondrial Origin Outside Sampled
Alphaproteobacterial”. Nature, v. 557, pp. 101-5, 2018.
18. A fusão entre diferentes tipos de bactérias e Archaea para criar células nucleadas
foi rastreada por um tipo de arqueologia molecular que decompõe os eventos de fusão
(Maria C. Rivera e James A. Lake, “The Ring of Life Provides Evidence for a Genome
Fusion Origin of Eukaryotes”. Nature, v. 431, pp. 152-5, 2004; William Martin e T. Martin
Embley, “Early Evolution Comes Full Circle”. Nature, v. 431, pp. 134-7, 2004). A identidade
de Archaeon que formou o núcleo era obscura, pois também teria de ter
características de células nucleadas que Archaea não possuem, como um esqueleto em
miniatura de fibras proteicas. Archaea desse tipo já foram descobertas em sedimentos
do fundo do mar (veja Anja Spang et al., “Complex Archaea that Bridge the Gap
Between Prokaryotes and Eukaryotes”. Nature, v. 521, pp. 173-9, 2015; T. Martin Embley e
Tom A. Williams, “Steps on the Road to Eukaryotes”. Nature, v. 521, pp. 169-70, 2015;
Katarzyna Zaremba­-Niedzwiedska et al., “Asgard Archaea Illuminate the Origin of
Eukaryote Cellular Complexity”. Nature, v. 541, pp. 353-8, 2017; James O. McInerney e
Mary J. O’Connell, “Mind the Gaps in Cell Evolution”. Nature, v. 541, pp. 297-9, 2017;
Laura Eme et al., “Archaea and the Origin of Eukaryotes”. Nature Reviews Microbiology,
v. 15, pp. 711-23, 2017). Após um esforço heroico, essas células foram cultivadas em
laboratório (Hiroyuki Imachi et al., “Isolation of an Archaeon at the Prokaryote­-
Eukaryote Interface”. Nature, v. 577, pp. 519-25, 2020; Christa Schleper e Filipa L. Sousa,
“Meet the Relatives of Our Cellular Ancestor”. Nature, v. 577, pp. 478-9). Curiosamente,
as células são muito pequenas, mas estendem longas gavinhas que abraçam bactérias
próximas, algumas delas necessárias para sua sobrevivência; um possível precursor
para a formação de células (Gautam Dey et al., “On the Archaeal Origins of Eukaryotes
and the Challenges of Inferring Phenotype from Genotype”. Trends in Cell Biology, v. 26,
pp. 476-85, 2016).
19. Ainda hoje, a maioria dos eucariotas vive no confinamento de uma célula única. Os
eucariotas unicelulares incluem as amebas e os paramécios, encontrados em qualquer
lago de jardim, bem como muitos organismos que causam doenças, como malária,
doença do sono tropical e leishmaniose. Entre os eucariotas com corpos que consistem
em muitas células unidas, incluem-se animais, plantas e fungos, além de muitas algas,
como as marinhas, embora mesmo eucariotas multicelulares passem parte de seu ciclo
de vida como uma única célula. Você, cara pessoa que está lendo, veio de uma única
célula.
20. “Sexo” é totalmente distinto de “gênero”. No início, os participantes produziam
células sexuais de tamanho mais ou menos igual. O “gênero” entrou em cena quando um
“tipo de parceiro” produziu células sexuais grandes em pequena quantidade, que
chamamos de “óvulos”, e o outro produziu células sexuais muito pequenas em grande
quantidade, que chamamos de “espermatozoides”. É do interesse dos produtores de
espermatozoides fertilizar o maior número possível de óvulos, mas isso entra em
conflito com os interesses dos produtores de óvulos, que tendem a ser muito mais
exigentes quanto à qualidade dos espermatozoides que permitirão fertilizar seu
estoque limitado de óvulos. Havia começado a guerra entre machos e fêmeas.
21. A vida multicelular evoluiu muitas vezes, de forma bem independente (veja Arnau
Sebé-Pedros et al., “The Origin of Metazoa: A Unicellular Perspective”. Nature Reviews
Genetics, v. 18, pp. 498-512, 2017). Além dos animais, há as plantas e seus parentes
próximos: as algas verdes, vários tipos de algas vermelhas e marrons e fungos variados.
A maioria dos eucariotas, no entanto, ainda é unicelular — assim como todas as células
sexuais dos eucariotas, inclusive óvulos e espermatozoides humanos. De certa maneira,
portanto, pode-se ver a multicelularidade como um mecanismo de apoio para permitir o
suprimento mais eficiente de células sexuais.
[22] Os geólogos — que, na ausência de um apocalipse tectônico iminente que vá abalar
o mundo, preferem ficar na cama — se referem a esse período da história da Terra, de
forma um tanto depreciativa, como Boring Billion [Os bilhões de anos monótonos].
23. Os protistas compreendem uma vasta gama de organismos eucariotas unicelulares
altamente diversos que costumavam ser relegados a um “grupo lata de lixo” chamado
“protozoários”. Além da vida familiar dos lagos, como a ameba e o paramécio, eles
incluem criaturas importantes para o sistema terrestre, como dinoflagelados, que
causam as “marés vermelhas”, e foraminíferos e cocolitóforos, que criam para si
mesmos carapaças minerais de rara beleza; para a medicina, como os parasitas da
malária e os tripanossomas, causadores da doença do sono; e para a curiosidade e a
admiração gerais, como o dinoflagelado Nematodinium, que tem um olho perfeitamente
formado, com uma camada semelhante à córnea, uma lente e uma retina (veja Gregory
S. Gavelis, “Eye-Like Ocelloids Are Built from Different Endosymbiotically Acquired
Components”. Nature, v. 523, pp. 204-7, 2015). Os protistas são como um jack russell
terrier: o que lhes falta em tamanho, eles compensam em personalidade.
24. Ver Paul K. Strother et al., “Earth’s First Non-Marine Eukaryotes”. Nature, v. 473, pp.
505-9, 2011.
25. Os liquens são associações tão íntimas de algas e fungos que podem ser
reconhecidos como espécies distintas. Para uma deliciosa dissertação sobre liquens,
veja o livro A trama da vida: como os fungos constroem o mundo, de Merlin Sheldrake
(trad. de Gilberto Stam. São Paulo: Ubu/ Fósforo, 2021).
26. Veja Nicholas J. Butterfield, “Bangiomorpha Pubescens n. Gen. n. Sp.: Implications
for the Evolution of Sex, Multicellularity, and the Mesoproterozoic/Neoproterozoic
Radiation of Eukaryotes”. Paleobiology, v. 26, pp. 386-404, 2000.
27. Veja Corentin C. Loron et al., “Early Fungi from the Proterozoic Era in Arctic
Canada”. Nature, v. 570, pp. 232-5, 2019.
28. Veja Abderrazak El Albani et al., “Large Colonial Organisms with Coordinated
Growth in Oxygenated Environments 2.1 Gyr Ago”. Nature, v. 466, pp. 100-4, 2010.
29. As placas tectônicas respiram. A cada poucas centenas de milhões de anos, os
continentes se agregam em uma única massa de terra supercontinental, que se desfaz
novamente quando plumas mantélicas das profundezas da Terra a perfuram por baixo,
separando-os mais uma vez. O supercontinente mais recente foi a Pangeia, que atingiu
sua maior extensão há cerca de 250 milhões de anos. Rodínia foi o anterior; antes dele,
houve Colúmbia; e há evidências de outros ainda mais antigos. Tudo que você precisa
saber sobre placas tectônicas pode ser encontrado em Supercontinent, do meu amigo
Ted Nield (Londres: Granta, 2007). Ted me garante que o livro não é sobre uma
superabstenção sexual, como alguns podem ter pensado.

CONGREGAÇÃO DOS ANIMAIS


1. Tirei muito deste capítulo do artigo de Timothy M. Lenton et al., “Co-Evolution of
Eukaryotes and Ocean Oxigenation in the Neoproterozoic Era”. Nature Geoscience, v. 7,
pp. 257-65, 2014.
2. A data de origem das esponjas é controversa. As reveladoras espículas mineralizadas
que formam o esqueleto das esponjas raramente, ou nunca, aparecem antes do
Cambriano, e fósseis “moleculares” que se pensava serem indicativos da presença de
esponjas podem ter sido formados por protistas. (Veja J. Alex Zumberge et al.,
“Demosponge Steroid Biomarker 26-methylstigmastane Provides Evidence for
Neoproterozoic Animals”. Nature Ecology & Evolution, v. 2, pp. 1709-14, 2018; Joseph P.
Botting e Benjamin J. Nettersheim, “Searching for Sponge Origins”. Nature Ecology &
Evolution, v. 2, pp. 1685-6, 2018; Benjamin J. Nettersheim et al., “Putative Sponge
Biomarkers in Unicellular Rhizaria Question an Early Rise of Animals”. Nature Ecology &
Evolution, v. 3, pp. 577-81, 2019.)
3. Veja Michael Tatzel et al., “Late Neoproterozoic Seawater Oxigenation By Siliceous
Sponges”. Nature Communications, v. 8, p. 621, 2017. É inevitável lembrar do último livro
de Darwin, The Formation of Vegetable Mould through the Action of Worms [A
formação da terra vegetal pela ação das minhocas], publicado em 1881, pouco antes da
morte do grande homem. Seria preciso se esforçar muito para encontrar um livro com
um título menos atraente, mas, dito isso, uma vez encontrei nas prateleiras de livros
enviados à Nature para resenha um grande volume chamado Activated Sludge [Lodo
ativado]. Mas estou divagando. Worms [Minhocas] (como é usualmente conhecido entre
os conhecedores de Darwin) mostra como a ação das minhocas revolvendo o solo pode,
ao longo de imensos períodos, transformar a paisagem. Dado que esse pequeno livro
encapsulava os grandes temas de tempo e mudança que dominaram a vida de Darwin
em um guia que podia ser compreendido por todos, Worms é a pedra angular perfeita
para seu gênio. Sendo Darwin, ele realmente mediu os efeitos das minhocas registrando
quanto tempo uma pedra colocada no gramado de seu quintal levava para diminuir pela
ação das minhocas que revolviam o solo abaixo dela.
4. Tecnicamente, o termo plâncton se refere a uma parte do oceano, e não aos
organismos que vivem nele. O plâncton é a camada superficial do oceano iluminada pelo
sol, rica em oxigênio produzido pelas algas fotossintéticas, e as comunidades de animais
que vivem nas algas e uns nos outros. Muitos animais que habitam o fundo do oceano
quando adultos (inclusive as esponjas) têm larvas que vivem no plâncton.
5. Veja Graham A. Logan et al., “Terminal Proterozoic Reorganization of Biogeochemical
Cycles”. Nature, v. 376, pp. 53-6, 1995.
6. Veja Jochen J. Brocks et al., “The Rise of Algae in Cryogenic Oceans and the
Emergence of Animals”. Nature, v. 548, pp. 578-81, 2017.
7. O nome da fauna ediacarana vem das cadeias de montanhas no sul da Austrália, onde
os primeiros fósseis dessa idade foram descobertos. Desde então, fósseis ediacaranos
foram encontrados em locais dispersos por todo o mundo, desde a gélida Rússia ártica,
da Terra Nova canadense varrida pelo vento e dos desertos da Namíbia até os arredores
relativamente mansos da Inglaterra central.
8. Acredita-se agora que Dickinsonia tenha sido um animal, embora não esteja claro de
que tipo. (Veja Ilya Bobrovskiy et al., “Ancient Steroids Establish the Ediacaran Fossil
Dickinsonia as One of the Earliest Animals”. Science, v. 361, pp. 1246-9, 2018.)
9. Veja Mikhail Fedonkin e Benjamin Waggoner, “The Late Precambrian Fossil Kimberella
is a Mollusc-Like Bilaterian-Organism”. Nature, v. 388, pp. 868-71, 1997.
10. Veja Mikhail A. Mitchell et al., “Reconstructing the Reproductive Mode of an
Ediacaran Macro-Organism”. Nature, v. 524, pp. 343-6, 2015.
11. Gregory Retallack sugeriu que alguns animais ediacaranos viviam em terra, uma
afirmação que é, para dizer o mínimo, controversa. (Veja Gregory Retallack, “Ediacaran
Life on Land”. Nature, v. 493, pp. 89-92, 2013; Shuhai Xiao e L. Paul Knauth, “Fossils Come
into Land”. Nature, v. 493, pp. 28-9, 2013.)
12. Veja Zhe Chen et al., “Death March of a Segmented and Trilobate Bilaterian
Elucidates Early Animal Evolution”. Nature, v. 573, pp. 412-5, 2019.
13. Invariavelmente, as partes duras dos animais são feitas de compostos de cálcio. Em
mariscos, é carbonato de cálcio. Em animais com coluna vertebral, como peixes e seres
humanos, é fosfato de cálcio. (Veja Shanan E. Peters e Robert R. Gaines, “Formation of
the ‘Great Unconformity’ as a Trigger for the Cambrian Explosion”. Nature, v. 484, pp.
363-6, 2012.)
14. É muito difícil descobrir que tipo de animal produziu os esqueletos cônicos
empilhados chamados Cloudina. A preservação rara de tecidos moles sugere que eles
foram feitos por animais semelhantes a vermes com trato digestivo. (James D.
Schiffbauer et al., “Discovery of Bilaterian-Type Through-Guts in Cloudinomorphs from
the Terminal Ediacaran Period”. Nature Communications, v. 11, p. 205, 2020.)
15. Veja Stefan Bengtson e Yue Zhao, “Predatorial Borings in Late Precambrian
Mineralized Exoskeletons”. Science, v. 257, pp. 367-9, 1992.
16. Os artrópodes constituem, de longe, o grupo animal de maior sucesso. Nesse time
incluem-se os insetos e seus primos marinhos, os crustáceos; milípedes e centopeias;
aranhas, escorpiões, ácaros e carrapatos, bem como os mais obscuros picnogonídeos
(aranhas-do-mar) e xiphosura (caranguejos­-ferradura) e uma série de formas extintas,
como euripterídeos e, claro, os trilobitas. Primos próximos dos artrópodes, os curiosos
onicóforos, ou vermes aveludados, hoje são humildes criaturas da serrapilheira dos
solos das florestas tropicais, mas já tiveram uma nobre história marinha; e os
tardígrados, ou ursos-d’água — pequenas criaturas encontradas entre musgos,
curiosamente cativantes por serem quase indestrutíveis, sendo capazes de resistir à
ebulição, ao congelamento e ao vácuo do espaço. Se alguém da Marvel ou da DC Comics
estiver lendo isto, você perdeu a oportunidade de inventar o Homem Tardígrado. Fica a
dica.
17. O Tamisiocaris, um parente do Anomalocaris, parece ter sido mais pacífico, tendo
desenvolvido escovas em forma de franjas em seus apêndices frontais em forma de
garra, adequados para coletar plâncton, à maneira das cerdas das baleias ou dos
rastros branquiais de um tubarão-frade (Jakob Vinther et al., “A Suspension-Feeding
Anomalocarid from the Early Cambrian”. Nature, v. 507, pp. 496-9, 2014). Ao contrário
de muitas formas cambrianas, os anomalocaridídeos sobreviveram até o Ordoviciano,
quando as espécies filtradoras cresceram até o imenso tamanho de dois metros. (Peter
Van Roy et al., “Anomalocaridid Trunk Limb Homology Revealed by a Giant Filter­-feeder
with Paired Flaps”. Nature, v. 522, pp. 77-80, 2015.)
18. Talvez não seja tão verdadeiro dizer isso agora quanto na década de 1980, quando
Stephen Jay Gould escreveu Wonderful Life (Nova York: W. W. Norton & Company,
1990), sua ode ao Folhelho de Burgess, um livro que trouxe aos holofotes esse olhar
sobre a vida oceânica. Gould sugeriu que muitos dos animais de Burgess não tinham
parentes próximos entre os animais que vivem hoje.
19. Veja Zhifei Zhang et al., “New Reconstruction of the Wiwaxia Scleritome, with Data
from Chengjiang Juveniles”. Scientific Reports, v. 5, 14810, 2015.
20. Veja Jean-Bernard Caron et al., “A Soft-Bodied Mollusc with Radula from the Middle
Cambrian Burgess Shales”. Nature, v. 442, pp. 159-63, 2006; Stefan Bengtson, “A Ghost
with a Bite”. Nature, v. 442, pp. 146-7, 2006.
21. Veja Martin R. Smith e Jean-Bernard Caron, “Primitive Soft-Bodied Cephalopods
from the Cambrian”. Nature, v. 465, pp. 469-72, 2010; Stefan Bengtson, “A Little Kraken
Wakes”. Nature, v. 465, pp. 427-8, 2010.
22. Veja, por exemplo, Xiaoya Ma et al., “Complex Brain and Optic Lobes in an Early
Cambrian Arthropod”. Nature, v. 490, pp. 258-61, 2012. Isso, obviamente, é controverso
— alguns pesquisadores sugerem que o sistema nervoso reconstruído do Fuxianhuia é
mais aparente do que real e resulta, em vez disso, de halos bacterianos formados pela
decomposição de órgãos internos. Veja Jianni Liu et al., “Microbial Decay Analysis
Challenges Interpretation of Putative Organ Systems in Cambrian Fuxianhuiids”.
Proceedings of the Royal Society of London Series B, v. 285, 20180051. Disponível em:
<www.doi.org/10.1098/rspb.2018.0051>. Acesso em: 20 set. 2022.
23. Para uma análise mais esmiuçada da transição entre Ediacarano e Cambriano, veja
Rachel Wood et al., “Integrated Records of Environmental Change and Evolution
Challenge the Cambrian Explosion”. Nature Ecology & Evolution, v. 3, pp. 528-38, 2019.
24. Embora se deva acrescentar que muitos tipos de animais conhecidos hoje têm
registros fósseis que são exíguos ou totalmente ausentes. Muitos deles eram parasitas
de corpo mole. O registro fóssil de nematoides, ou lombrigas, é quase (mas não
totalmente) inexistente. De tênias fósseis não há nenhum sinal.

SURGE A COLUNA VERTEBRAL


1. Veja Jian Han et al., “Meiofaunal Deuterostomes from the Basal Cambrian of Shaanxi
(China)”. Nature, v. 542, pp. 228-31, 2017. Embora o Saccorhytus seja real, sua anatomia
interna descrita aqui é inteiramente conjectural, e boa parte da história antiga dos
vertebrados é alvo de debate. Um dos pontos mais discutíveis é se os curiosos animais
conhecidos como vetulicolianos — vamos conhecê-los em breve — tinham notocordas.
Para a história completa, incluindo todas as advertências, convido você a ler meu livro
Across the Bridge: Understanding the Origin of the Vertebrates (Chicago: University of
Chicago Press, 2018).
2. Veja Degan Shu et al., “Primitive Deuterostomes from the Chengjiang Lagerstätte
(Lower Cambrian, China)”. Nature, v. 414, pp. 419-24, 2001, que comentei em: Henry Gee,
“On Being Vetulicolian”. Nature, v. 414, pp. 407-9, 2001.
3. Vi isso realizado de maneira formidável em um diorama 3D animado no Museu de
História Natural de Xangai, que dava vida à biota de Chengjiang do sul da China
cambriana. Entre muitas outras maravilhas, mostrava um cardume de vetulicolianos
navegando em águas abertas.
4. Essa é a interpretação defendida por J.-Y. Chen et al., “A Possible Early Cambrian
Chordate”. Nature, v. 377, pp. 720-2, 1995; “An Early Cambrian Craniate­-like Chordate”.
Nature, v. 402, pp. 518-22, 1999, embora outras explicações sejam possíveis, como
frequentemente é o caso para fósseis estranhos e antigos. Veja, por exemplo, Degan
Shu et al., “Reinterpretation of Yunnanozoon as the Earliest Known Hemichordate”.
Nature, v. 380, pp. 428-30, 1996.
5. Veja Simon Conway Morris e Jean-Bernard Caron, “Pikaia gracilens Walcott, A Stem-
Group Chordate from the Middle Cambrian of British Columbia”. Biological Reviews, v.
87, pp. 480-512, 2012.
6. Degan Shu et al., “A Pikaia-like Chordate from the Lower Cambrian of China”. Nature,
v. 384, pp. 157-8, 1996.
7. O fato de que a forma do corpo dos vertebrados era, essencialmente, uma aliança
incômoda entre duas regiões muito diferentes — uma faringe para alimentação e uma
cauda para movimento — foi compreendido por Alfred Sherwood Romer em um artigo
difícil, mas visionário, “The Vertebrate as a Dual Animal — Somatic and Visceral”.
Evolutionary Biology, v. 6, pp. 121-56, 1972.
8. Jun-Yuan Chen et al., “The First Tunicate from the Early Cambrian of China”.
Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v.
100, pp. 8314-8, 2003. Os tunicados são até hoje um grupo de animais negligenciado,
mas muito bem-sucedido. Alguns se desviaram do ciclo de vida descrito no texto. Em
algumas espécies, a larva se torna madura enquanto ainda é móvel. Estes, as salpas e os
larváceos tornaram-se importantes na ecologia dos oceanos abertos. Os larváceos
podem ser pequenos, mas cada um deles cria uma intrincada “casa” feita de muco; essas
estruturas notavelmente complexas são partes importantes do ciclo do carbono
oceânico. A localização remota e a fragilidade deles impõem imensos desafios para
obter imagens suas, algo que só se tornou possível recentemente (veja Kakani Katija et
al., “Revealing Enigmatic Mucus Structures in the Deep Sea Using DeepPIV”. Nature, v.
583, pp. 78-82, 2020). Outros tunicados, no entanto, se tornaram coloniais, com
centenas ou milhares de animais fundidos em um único superorganismo, que pode ficar
ancorado ou flutuando na água. Os pirossomas, por exemplo, formam enormes colônias
flutuantes em forma de trompete. Embora cada indivíduo seja pequeno, a colônia pode
ser grande o suficiente para os mergulhadores nadarem dentro delas. Alguns tunicados
podem se reproduzir sem sexo, por brotamento. Outros têm vidas sexuais de intrincada
complexidade. A vida de um tunicado é como um éden marinho longo e livre.
9. Bem, quase todos. Alguns tunicados tornaram-se carnívoros, um modo de vida que
algumas criaturas acham tentador, por mais inadequado que pareça. Todo mundo está
familiarizado com uma planta carnívora. E, justamente quando você achava que era
seguro relaxar na banheira, existem até esponjas carnívoras. (Jean Vacelet e Nicole
Boury-Esnault, “Carnivorous Sponges”. Nature, v. 373, pp. 333-5, 1995.)
[10] Exceto gatos.

[11] Em peixes (isto é, vertebrados aquáticos), esse é o sistema de linha lateral. Nos
vertebrados terrestres (isto é, tetrápodes), ele foi reduzido ao sistema vestibular do
ouvido interno, cujos movimentos nos fornecem nosso sentido de para cima e para
baixo e de onde estamos no ambiente.
12. Simon Conway Morris e Jean-Bernard Caron, “A Primitive Fish from the Cambrian of
North America”. Nature, v. 512, pp. 419-22, 2014.
13. Degan Shu et al., “Lower Cambrian Vertebrates from South China”. Nature, v. 402,
pp. 42-6, 1999.
14. A transformação de uma faringe filtradora em um conjunto de brânquias pode
parecer drástica, e é. No entanto, é realizada por um vertebrado até hoje, a larva da
lampreia. A larva, chamada ammocoete, passa sua vida como um anfioxo, enterrada, com
a cauda para baixo, em sedimentos. No fim, ela se metamorfoseia, e a faringe filtradora
se transforma na faringe do predador adulto. As lampreias e seus primos, os peixes-
bruxa (que, até onde se sabe, não têm estágios larvais filtradores), são semelhantes aos
primeiros peixes, pois são inteiramente moles, sustentados por uma notocorda elástica,
e não têm mandíbulas. Sua boca está alinhada com dentes feitos de uma substância
semelhante à de um chifre. Lampreias e peixes-bruxa são predadores notórios,
mostrando que a ausência de mandíbula não é barreira para a vida como um caçador.
15. Como os vertebrados ficaram tão grandes, em termos do mecanismo que os
impulsionou, é um mistério. Duas respostas possíveis, que não são mutuamente
excludentes, são as seguintes. A primeira é que em algum momento na ancestralidade
dos vertebrados, o genoma (a totalidade do material genético) foi duplicado, e
duplicado novamente. Embora muitos dos genes duplicados tenham sido
posteriormente perdidos, os vertebrados têm mais que o dobro do número de genes
dos invertebrados. A segunda é que os vertebrados embrionários possuem um tecido
chamado “crista neural”, que consiste em um grupo de células que migram do sistema
nervoso central em desenvolvimento e se espalham pelo corpo, transformando — como
se fosse com pó mágico de fadas — partes indiferenciadas do corpo em algo novo. Sem
a crista neural, os vertebrados não teriam pele, rosto, olhos ou ouvidos. A crista neural
também cria uma longa lista de outras partes do corpo, desde as glândulas
suprarrenais até partes do coração. É possível que o aumento da complexidade gerado
pela crista neural tenha levado ao tamanho grande (veja Stephen A. Green et al.,
“Evolution of Vertebrates as Viewed from the Crest”. Nature, v. 520, pp. 474-82, 2015).
O anfioxo é notável por sua ausência de crista neural, embora haja indícios dela em
tunicados (veja Ryoko Horie et al., “Shared Evolution Origin of Vertebrate Neural Crest
and Cranial Placodes”. Nature, v. 560, pp. 228-32, 2018; Philip Barron Abitua et al.,
“Identification of a Rudimentary Neural Crest in a Non-Vertebrate Chordate”. Nature, v.
492, pp. 104-7, 2012).
16. O maior invertebrado conhecido é a lula-colossal (Mesonychoteuthis hamiltoni), que,
acredita-se, tem uma massa de cerca de 750 quilos, comparável à de um grande urso. O
menor vertebrado conhecido em comprimento é provavelmente o Paedophryne
amauensis, um sapo da Nova Guiné que mede cerca de 7,7 milímetros de comprimento
(sua massa não é conhecida). Em termos de massa, os menores mamíferos são o
musaranho-de-dentes­-brancos­-pigmeu (Suncus etruscans, com menos de 2,6 gramas) e
o morcego­-nariz-de­-porco-de-kitti (Craseonycteris thonglongyai, com menos de dois
gramas). Você precisaria de 375 mil morcegos-nariz-de-porco-de-kitti para
contrabalançar uma lula-colossal.
17. Para uma introdução sobre o registro fóssil dos primeiros vertebrados, veja Philippe
Janvier, “Facts and Fancies About Early Fossil Chordates and Vertebrates”. Nature, v.
520, pp. 483-9, 2015.
[18] Quer dizer, quase exclusiva. Alguns animais semelhantes a moluscos, chamados
braquiópodes, têm conchas de fosfato de cálcio. E ainda hoje os vertebrados têm alguns
tecidos que são endurecidos com carbonato de cálcio — são os “otólitos” ou “cristais
do ouvido”, encontrados no ouvido dos peixes e no ouvido interno dos humanos, onde
colaboram com o sentido de equilíbrio.
19. Não se sabe por que os vertebrados escolheram o fosfato de cálcio em vez do
carbonato de cálcio. No entanto, o fosfato é um nutriente vital que, ao contrário do
onipresente carbonato, às vezes é escasso no mar. Talvez os vertebrados usassem o
fosfato de cálcio como reserva de fosfato e também como meio de defesa. O fosfato é
um ingrediente essencial do material genético, o DNA. Animais grandes com
metabolismo rápido — como os vertebrados — precisam de maior acesso ao fosfato do
que os menores e de metabolismo mais lento, e isso pode ter levado ao uso de fosfato
de cálcio: como reserva, além de armadura.
20. Veja Alfred S. Romer, “Eurypterid Influence on Vertebrate History”. Science, v. 78,
pp. 114-7, 1933.
21. Veja Simon J. Braddy et al., “Giant Claw Reveals the Largest Ever Arthropod”. Biology
Letters, v. 4, 20 nov. 2007. Disponível em: <www. doi/10.1098/rsbl.2007. 0491>. Acesso
em: 21 fev. 2024. É arrepiante pensar que o Jaekelopterus tinha parentes que às vezes
vinham à praia e rondavam as florestas noturnas naquela época alienígena: veja Martin
A. Whyte, “A Gigantic Fossil Artropod Trackway”. Nature, v. 438, p. 576, 2005.
22. Veja Mark V. H. Wilson e Michael W. Caldwell, “New Silurian and Devonian Fork-Tailed
‘Thelodonts’ Are Jawless Vertebrates with Stomachs and Deep Bodies”. Nature, v. 361,
pp. 442-4, 1993.
23. Existe um defeito congênito raro chamado ciclopia em que o rosto tem um único
olho mediano e não tem nariz, e o cérebro não é dividido em metades esquerda e
direita. Os fetos com esse defeito quase sempre são natimortos e, caso contrário, não
sobrevivem mais que algumas horas. Essa condição angustiante é resultado da falha do
cérebro em se dividir em duas metades e do rosto em se alargar, e pode ser que seja
uma lembrança dos estágios iniciais da evolução facial.
24. Zhikun Gai et al., “Fossil Jawless Fish from China Foreshadows Early Jawed
Vertebrate Anatomy”. Nature, v. 476, pp. 324-7, 2011.
25. Para um guia acessível sobre a evolução inicial dos vertebrados com mandíbulas, veja
Martin D. Brazeau e Matt Friedman, “The Origin and Early Phylogenetic History of
Jawed Vertebrates”. Nature, v. 520, pp. 490-7, 2015.
26. Os vertebrados com mandíbula, então, têm dois pares de barbatanas pareadas,
totalizando quatro barbatanas, as progenitoras de nossos braços e pernas. Não se sabe
por que temos dois pares, em vez de três ou quatro ou mesmo nenhum. Às barbatanas
emparelhadas somam-se as barbatanas da linha média, não emparelhadas, como as
barbatanas dorsal, anal e caudal vistas em muitos peixes.
27. Talvez eles não tivessem dentes, mas os placodermes eram bons de cama. Agora há
ampla evidência fóssil de que eles tinham fertilização interna e, possivelmente, nasciam
vivos, como alguns tubarões de hoje. Veja, por exemplo, John A. Long et al., “Copulation
in Antiarch Placoderms and the Origin of Gnathostome Internal Fertilization”. Nature, v.
517, pp. 196-9, 2015.
28. Isso não significa que a evolução estivesse retrocedendo: apenas que boa parte da
história dos placodermes ainda não foi descoberta e, presumivelmente, repousa
imperturbada em rochas primitivas do Siluriano. Isso também se aplica aos primeiros
peixes ósseos, encontrados nos mesmos depósitos silurianos no sul da China. Para
detalhes sobre o Entelognathus, veja Min Zhu et al., “A Silurian Placoderm with
Osteichthyan-Like Marginal Jaw Bones”. Nature, v. 502, pp. 188-93, 2013; Matt Friedman
e Martin D. Brazeau, “A Jaw-Dropping Fossil Fish”. Nature, v. 502, pp. 175-7, 2013.
29. Bem, em quase todos. Mesmo um peixe ósseo avançado como o celacanto mantém
uma notocorda ao longo da vida, como se fosse uma lampreia ou um peixe-bruxa.
30. A caixa craniana cartilaginosa dos acantódios raramente é preservada. No entanto,
sabe-se o suficiente sobre os crânios do Ptomacanthus, a forma devoniana, e do
Acanthodes, a forma permiana, para observar o parentesco com os tubarões. (Veja
Martin D. Brazeau, “The Brain Case and Jaws of a Devonian ‘Acanthodian’ and Modern
Gnathostome Origins”. Nature, v. 457, pp. 305-8, 2009; Samuel P. Davis et al.,
“Acanthodes and Shark-Like Conditions in the Last Common Ancestor of Modern
Gnathostomes”. Nature, v. 486, pp. 247-50, 2012.)
31. Min Zhu et al., “The Oldest Articulated Osteichthyan Reveals Mosaic Gnathostome
Characters”. Nature, v. 458, pp. 469-74, 2009.

TERRA ADENTRO
1. Veja Paul K. Strother et al., “Earth’s First Non-Marine Eukaryotes”, op. cit.
2. Veja Gregory Retallack, “Ediacaran Life on Land”, op. cit.
[3] No que é hoje o leste da América do Norte.
4. A trilha se chama Climactichnites — seu criador, provavelmente algo como uma
lesma gigante. Ver Patrick R. Getty e James W. Hagadorn, “Paleobiology of the
Climactichnites Tracemaker”. Paleontology, v. 52, pp. 753-78, 2009.
5. Para uma boa visão geral da história inicial da vida na terra, veja William A. Shear, “The
Early Development of Terrestrial Ecosystems”. Nature, v. 351, pp. 283-9, 1991.
6. Esse foi o Grande Evento de Biodiversificação do Ordoviciano, ou GOBE, na sigla em
inglês. Para uma introdução sobre esse período fecundo da história da vida, veja
Thomas Servais e David A. T. Harper, “The Great Ordovician Biodiversification Event
(GOBE): Definition, Concept and Duration”. Lethaia, v. 51, pp. 151-64, 2018.
7. Veja Luc Simon et al., “Origin and Diversification of Endomycorrhizal Fungi and
Coincidence with Vascular Land Plants”. Nature, v. 363, pp. 67-9, 1993.
8. Para uma excelente e muito detalhada explicação sobre as plantas das primeiras
florestas, veja Carboniferous Giants and Mass Extinction: The Late Paleozoic Ice Age
World, de George R. McGhee Jr. (Nova York: Columbia University Press, 2018).
9. Veja William Stein et al., “Giant Cladoxylopsid Trees Resolve the Enigma of the Earth’s
Earliest Forest Stumps at Gilboa”. Nature, v. 446, pp. 904-7, 2007.
10. Isso é inteiramente especulativo. No entanto, dado que placodermes avançados e
até membros de grupos modernos de peixes apareceram no Siluriano, talvez não seja
algo tão improvável assim.
11. Veja Min Zhu et al., “Earliest Known Coelacanth Skull Extends the Range of
Anatomically Modern Coelacanths to the Early Devonian”. Nature Communications, v. 3,
p. 772, 2012.
12. Veja Peter L. Forey, “Golden Jubilee for the Coelacanth Latimeria chalumnae”.
Nature, v. 336, pp. 727-32, 1988.
13. Veja Mark Erdmann et al., “Indonesian ‘King of the Sea’ Discovered”. Nature, v. 395, p.
335, 1998.
14. O peixe pulmonado australiano tem o maior genoma de todos os animais conhecidos,
catorze vezes maior que o dos humanos. Embora semelhante ao genoma dos
tetrápodes, está repleto de “lixo” acumulado durante sua longa história evolutiva. (Veja
Axel Meyer et al., “Giant Lungfish Genome Elucidates the Conquest of the Land by
Vertebrates”. Nature, v. 590, pp. 284-9, 2021.)
15. Veja Edward Daeschler et al., “A Devonian Tetrapod-Like Fish and the Evolution of
the Tetrapod Body Plan”. Nature, v. 440, pp. 757-63, 2006.
16. Veja Richard Cloutier et al., “Elpistostege and the Origin of the Vertebrate Hand”.
Nature, v. 579, pp. 549-54, 2020.
17. Veja Grzegorz Niedzwiedzki et al., “Tetrapod Trackways from the Early Devonian
Middle of Poland”. Nature, v. 463, pp. 43-8, 2010.
[18] Ou, pelo menos, como Ursula Andress em 007 contra o satânico Dr. No (1962).

19. Veja Jean Goedert et al., “Euryhaline Ecology of Early Tetrapods Revealed by Stable
Isotopes”. Nature, v. 558, pp. 68-72, 2018. Parece muito estranho pensar nos primeiros
tetrápodes — essencialmente, anfíbios — emergindo diretamente do mar, já que a
maioria dos anfíbios que conhecemos vive em água doce. No entanto, ainda hoje, alguns
anfíbios vivem em habitats de água salobra, como manguezais: veja Gareth R. Hopkins e
Edmund D. Brodie, “Occurrence of Amphibians in Saline Habitats: A Review and
Evolutionary Perspective”. Herpetological Monographs, v. 29, pp. 1-27, 2015.
20. Veja Colin W. Stearn, “Effect of the Frasnian-Famennian Extinction Event on the
Stromatoporoids”. Geology, v. 15, pp. 677-9, 1987.
21. Veja Per Erik Ahlberg, “Potential Stem-Tetrapod Remains from the Devonian of Scat
Craig, Morayshire, Scotland”. Zoological Journal of the Linnean Society of London, v.
122, pp. 99-141, 2008.
22. Veja Per Erik Ahlberg et al., “Ventastega curonica and the Origin of Tetrapod
Morphology”. Nature, v. 453, pp. 1199-204, 2008.
23. Veja Oleg A. Lebedev, “The First Find of a Devonian Tetrapod in USSR”. Doklady Akad.
Nauk. SSSR, v. 278, pp. 1470-73, 1984 (em russo).
24. Veja Pavel A. Beznosov et al., “Morphology of the First Reconstructable Tetrapod
Parmastega aelidae”. Nature, v. 574, pp. 527-31, 2019; Nadia B. Fröbisch e Florian
Witzmann, “Early Tetrapods had an Eye on the Land”. Nature, v. 574, pp. 494-5, 2019.
25. Veja Per Erik Ahlberg et al., “The Axial Skeleton of the Devonian Tetrapod
Ichthyostega”. Nature, v. 437, pp. 137-40, 2005.
26. Veja Michael I. Coates e Jennifer A. Clack, “Fish-Like Gills and Breathing in the
Earliest Known Tetrapod”. Nature, v. 352, pp. 234-6, 1991.
27. Veja Edward B. Daeschler et al., “A Devonian Tetrapod from North America”. Science,
v. 265, pp. 639-42, 1994.
28. Veja Michael I. Coates e Jennifer A. Clack, “Polydactyly in the Earliest Known
Tetrapod Limbs”. Nature, v. 347, pp. 66-9, 1990.
29. Veja Jennifer A. Clack et al., “Phylogenetic and Environmental Context of a
Tournaisian Tetrapod Fauna”. Nature Ecology & Evolution, v. 1, 0002, 2016.
30. Id., “A New Early Carboniferous Tetrapod with a mélange of Crown-Group
Characters”. Nature, v. 394, pp. 66-9, 1998.
31. Veja Tim R. Smithson, “The Earliest Known Reptile”. Nature, v. 342, pp. 676-8, 1989;
Tim R. Smithson e W. D. I. Rolfe, “Westlothiana gen. nov.: Naming the Earliest Known
Reptile”. Scottish Journal of Geology, v. 26, pp. 137-8, 1990.

À LUTA, AMNIOTAS
1. Veja Le Yao et al., “Global Microbial Carbonate Proliferation After the End-Devonian
Mass Extinction: Mainly Controlled by Demise of Skeletal Bioconstructors”. Scientific
Reports, v. 6, 39694, 2016.
2. Veja Jennifer A. Clack, “An Early Tetrapod from ‘Romer’s Gap’”. Nature, v. 418, pp. 72-6,
2002.
3. Id., “Phylogenetic and Environmental Context of a Tournaisian Tetrapod Fauna”, op.
cit.
4. Veja Timothy Smithson et al., “Earliest Carboniferous Tetrapod and Arthropod
Faunas from Scotland Populate Romer’s Gap”. Proceedings of the National Academy of
Science of the United States of America, v. 109, pp. 4532-7, 2012.
5. Veja Jason D. Pardo et al., “Hidden Morphological Diversity Among Early Tetrapods”.
Nature, v. 546, pp. 642-5, 2017.
[6] Realmente lenta — cada explosão durando vários anos.

7. Os insetos que parecem ter um único par de asas têm um segundo par de forma
disfarçada. Nos besouros, o par frontal se tornou uma cobertura de asa resistente. Nas
moscas, o segundo par é reduzido a um par de órgãos minúsculos que giram
rapidamente e servem como giroscópios, o que explica sua lendária capacidade de
manobra e o motivo pelo qual são tão difíceis de acertar com um jornal enrolado.
8. Veja Andrew Ross, “Insect Evolution: the Origin of Wings”. Current Biology, v. 27, pp.
R103-22, 2016. Infelizmente, os paleodictiópteros não estão mais entre nós — eles
desapareceram no final do Permiano, junto com as florestas que os nutriam.
9. Sou grato a Carboniferous Giants and Mass Extinction, de George McGhee Jr. (Nova
York: Columbia University Press, 2018) por suas descrições expressivas e detalhadas da
vida nas grandes florestas de carvão.
10. Uma visão dramática da vida no início do Carbonífero, quando as grandes florestas
de carvão haviam acabado de surgir, vem de uma pedreira de calcário em East Kirkton,
perto de Edimburgo, na Escócia. Há cerca de 330 milhões de anos ela estava perto do
equador e produziu vestígios notáveis de anfíbios primitivos, amniotas (e seus parentes
próximos), bem como artrópodes como milípedes, escorpiões, a mais antiga aranha
opilião conhecida e fragmentos de euripterídeos gigantes. O tesouro se formou em
função de condições geológicas incomuns: a área era geologicamente ativa, com fontes
termais — que deviam ser desfavoráveis à vida aquática — e próxima de vulcões ativos
que, de tempos em tempos, revestiam tudo de cinzas quentes. Ao mesmo tempo, havia
muita lama preta pegajosa e sem oxigênio, na qual as criaturas podiam ser preservadas
quase intactas. Não havia peixes. Para a geologia e uma visão geral, veja Stanley P. Wood
et al., “A Terrestrial Fauna from the Scottish Lower Carboniferous”. Nature, v. 314, pp.
355-6, 1985; Andrew R. Milner, “Scottish Window on Terrestrial Life in the Early
Carboniferous”. Nature, v. 314, pp. 320-1, 1985. Além do quase amniota Westlothiana e
de muitas outras formas, East Kirkton produziu um baphetídeo — um membro de um
grupo de animais que não era nem amniota nem anfíbio, ilustrando o fato de que,
naquela época, era difícil, apenas olhando para eles, descobrir qual criatura pertencia a
qual grupo. E não sabemos qual deles pôs que tipo de ovo, ou se houve alguma forma de
transição entre ovo de anfíbio e ovo de amniota. Essa criatura foi nomeada, em
referência ao seu entorno, Eucritta melanolimnetes — a Criatura da Lagoa Negra
(Jennifer A. Clack, “A New Early Carboniferous Tetrapod with a mélange of Crown-
Group Characters”, op. cit.).
11. Embora neste ponto eu tenha me desviado para a especulação, os anfíbios modernos
adotaram todas essas estratégias e muitas outras, então é razoável especular que seus
parentes extintos tenham feito o mesmo.
12. Nós, humanos, não pomos ovos, mas retivemos as várias membranas, incluindo o
âmnio, que é o saco dentro do qual o feto se desenvolve. Quando a futura mãe anuncia
que “a bolsa estourou”, foi o saco amniótico que se rompeu, um evento logo seguido pela
eclosão. Ou, no nosso caso, pelo nascimento.
13. Até a casca dos ovos de dinossauros era coriácea, assim como os maiores ovos
fósseis conhecidos, possivelmente postos por um réptil marinho. Veja Mark Norell et al.,
“The First Dinosaur Egg Was Soft”. Nature, jun. 2020. Disponível em:
<www.doi.org/10.1038/s41586-020-2412-8>. Acesso em: 21 fev. 2024; Lucas J. Legendre
et al., “A Giant Soft-Shelled Egg from the Late Cretaceous of Antarctica”. Nature, v.
583, pp. 411-4, jun. 2020. Disponível em: <www.doi.org/10.1038/s41586-020-2377-7>.
Acesso em: 21 fev. 2024; Johan Lindgren e Benjamin P. Kear, “Hard Evidence from Soft
Fossil Eggs”. Nature, jun. 2020. Disponível em: <www.doi.org/10.1038/d41586-020-
01732-8>. Acesso em: 21 fev. 2024.
14. Para muito mais detalhes sobre a formação da Pangeia e suas consequências,
especialmente o colapso de quase toda a vida no final do Permiano, ver os livros
Supercontinent, de Ted Nield (Londres: Granta, 2007), e When Life Nearly Died, de
Michael J. Benton (Londres: Thames & Hudson, 2003).
15. Veja Sarda Sahney et al., “Rainforest Collapse Triggered Carboniferous Tetrapod
Diversification in Euramerica”. Geology, v. 38, pp. 1079-82, 2010.
16. Veja Michel Laurin e Robert R. Reisz, “Tetraceratops is the Earliest Known
Therapsid”. Nature, v. 345, pp. 249-50, 1990.
17. Totalmente distinto de “teropsídeos”, que dirá de “terapeutas”.
18. As plumas mantélicas são diferentes dos solavancos e da moagem regulares da
deriva continental. Elas surgem das profundezas do planeta, onde o manto da Terra
encontra o núcleo. Anomalias de temperatura locais fazem com que o magma suba até
encontrar a crosta, que derrete. Várias características notáveis da Terra atual foram
causadas por plumas mantélicas, como a ilha da Islândia (onde a pluma coincide com um
centro de expansão no meio do oceano) e o Havaí (onde a pluma emergiu do centro de
uma área tectônica). As plumas duram milhões de anos, mas nem sempre são ativas. Ou
seja, uma pluma estática sob uma placa tectônica em movimento pode criar uma cadeia
de ilhas sucessivamente mais antigas — como a agulha de uma máquina de costura que
cria uma cadeia de pontos em um pedaço de tecido em movimento. Por exemplo, a placa
do Pacífico está se movendo lentamente para noroeste através da pluma mantélica,
criando uma cadeia de ilhas que são sucessivamente mais velhas quanto mais nos
afastamos do ponto quente da pluma. Isso significa que a grande ilha do Havaí, no
extremo sudeste da cadeia, é transversal à pluma e ainda é vulcanicamente ativa; os
vulcões das ilhas a noroeste, como Maui e Oahu, estão adormecidos ou extintos, e as
ilhas ficam progressivamente menores e mais erodidas conforme se avança ainda mais a
noroeste, terminando como nada mais que pequenos atóis, como Laysan e Midway, nas
extremidades. Essas últimas ilhas já foram tão grandes e espetaculares quanto o
próprio Havaí, mas a placa em movimento, tendo encontrado a pluma, segue em frente,
deixando que o tempo e as intempéries degradem as evidências de sua passagem. A
grande ilha do Havaí irá decair lentamente, conforme a placa se desloca para noroeste,
e a atividade vulcânica se concentrará no monte submarino Lo’ihi, cerca de 975 metros
abaixo das ondas da costa sudeste da grande ilha.
19. Esse é o fenômeno conhecido como “branqueamento de corais”, que acontece hoje
como consequência do aumento de concentração de dióxido de carbono na atmosfera.
20. Todos os recifes de coral modernos são feitos de outro tipo de coral pedregoso, que
surgiu no Triássico. Os corais rugosos e tabulados — sua diversidade e a diversidade
que eles sustentavam — são nada mais do que memórias fossilizadas.
21. Stephen E. Grasby et al., “Toxic Mercury Pulses Into Late Permian Terrestrial and
Marine Environments”. Geology, v. 48, 2020. Disponível em:
<www.doi.org/10.1130/G47295.1>. Acesso em: 21 fev. 2024.
[22] As estrelas-de-pena são as formas de vida livre dos lírios-do-mar, ou crinoides, hoje
encontrados principalmente em águas profundas.
23. A história do Miocidaris, o último gênero de ouriço-do-mar, é contada por Douglas
H. Erwin em “The Permo-Triassic Extinction”. Nature, v. 367, pp. 231-6, 1994.

TRIASSIC PARK
1. Os dinossauros, que surgiram no final do Triássico, sempre recebem destaque em
qualquer discussão sobre a vida pré-histórica. Isso é uma pena, pois a variedade de
formas reptilianas que viviam no Triássico era, sob todos os aspectos exceto tamanho
bruto, igual à dos dinossauros em diversidade e, de nossa perspectiva, em estranheza.
Isso deriva do fato de que os livros sobre dinossauros estão por toda parte, enquanto
os trabalhos sobre o Triássico são muito mais escassos. Refiro-me em especial ao
magistral tratado de Nicholas Fraser, ilustrado por Douglas Henderson, que hoje é
muito difícil de encontrar, e cujo título, Life In The Triassic [Vida no Triássico], teve que
ser relegado a subtítulo para que o livro pudesse ser divulgado, provocativamente,
como Dawn of the Dinosaurs [Alvorecer dos dinossauros. Bloomington: Indiana
University Press, 2006]. Adquiri uma cópia usada. Ela havia sido excluída da biblioteca
pública em Pinellas Park, na Flórida. Aposto que lá ainda há prateleiras cheias de livros
sobre dinossauros.
2. Veja Chun Li et al., “An Ancestral Turtle from the Late Triassic of Southwestern
China”. Nature, v. 456, pp. 497-501, 2008; Robert Reisz e Jason Head, “Turtle Origins Out
to Sea”. Nature, v. 456, pp. 450-1, 2008.
3. Veja Rainer Schoch e Hans-Dieter Sues, “A Middle Triassic Stem-Turtle and the
Evolution of the Turtle Body Plan”. Nature, v. 523, pp. 584-7, 2015. Uma reavaliação
recente propõe que era mais provável que a Pappochelys fosse mais uma escavadora em
terra do que uma nadadora no mar. (Veja Rainer Schoch et al., “Microanatomy of the
Stem-Turtle Pappochelys rosinae Indicates a Predominantly Fossorial Mode of Life and
Clarifies Early Steps in the Evolution of the Shell”. Scientific Reports, v. 9, 10430, 2019.)
4. Veja Chun Li et al., “A Triassic Stem Turtle with an Edentulous Beak”. Nature, v. 560,
pp. 476-9, 2018.
5. Veja James Neenan et al., “European Origin of Placodont Marine Reptiles and the
Evolution of Crushing Dentition in Placodontia”. Nature Communications, v. 4, 1621,
2013.
[6] Se você acha que estou inventando isso, você está só um pouco certo. A anatomia
dos drepanossauros é difícil de descrever. Eles já foram apresentados como nadadores,
escaladores de árvores com caudas preênseis, escavadores… e, com seus estranhos
crânios parecidos com os de aves, parentes primitivos delas.
7. Veja, por exemplo, Xiao-hong Chen et al., “A Small Short-Necked Hupehsuchian from
the Lower Triassic of Hubei Province, China”. PLoS ONE, v. 9, e115244, dez. 2014.
8. Veja Elizabeth L. Nicholls e Makoto Manabe, “Giant Ichthyosaurs of the Triassic — A
New Species of Shonisaurus from the Pardonet Formation (Norian: Late Triassic) of
British Columbia”. Journal of Vertebrate Paleontology, v. 24, pp. 838-49, 2004.
9. Veja Tiago Simões et al., “The Origin of Squamates Revealed by a Middle Triassic
Lizard from the Italian Alps”. Nature, v. 557, pp. 706-9, 2018.
10. Veja Michael Caldwell et al., “The Oldest Known Snakes from the Middle Jurassic-
Lower Cretaceous Provide Insights on Snake Evolution”. Nature Communications, v. 6,
5996, 2015.
11. Veja Michael Caldwell e Michael S. Y. Lee, “A Snake with Legs from the Marine
Cretaceous of the Middle East”. Nature, v. 386, pp. 705-9, 1997.
12. Veja Sebastián Apesteguía e Hussam Zaher, “A Cretaceous Terrestrial Snake with
Robust Hindlimbs and a Sacrum”. Nature, v. 440, pp. 1037-40, 2006.
13. O ancestral comum dos dinossauros e dos pterossauros pode ter sido um animal
bastante pequeno, o que poderia explicar a tendência ao sangue quente, bem como a
penugem observada em ambos os grupos. Veja Christian Kammerer et al., “A Tiny
Ornithodiran Archosaur from the Triassic of Madagascar and the Role of
Miniaturization in Dinosaur and Pterosaur Ancestry”. Proceedings of the National
Academy of Sciences of the United States of America, v. 117, jul. 2020. Disponível em:
<www.doi.org/10.1073/pnas.1916631117>. Acesso em: 22 fev. 2024. Descobrir as raízes
específicas da linhagem de pterossauros, no entanto, tem sido um desafio. Os primeiros
pterossauros aparecem no registro fóssil totalmente formados. No entanto, uma pista
de sua ancestralidade está na descoberta de pequenos arcossauros bípedes chamados
lagerpetídeos. Estes claramente não eram capazes de voar, mas compartilham detalhes
da anatomia do cérebro e do pulso exclusivamente com pterossauros, sugerindo que
estavam mais intimamente relacionados a eles do que a outros animais. Veja Martín
Ezcurra et al., “Enigmatic Dinosaur Precursors Bridge the Gap to the Origin of
Pterosauria”. Nature, v. 588, pp. 445-9, 2020; Kevin Padian, “Closest Relatives Found for
Pterosaurs, the First Flying Vertebrates”. Nature, v. 588, pp. 400-1, 2020.
14. Está tudo em um maravilhoso artigo de Cherrie D. Bramwell e G. R. Whitfield
intitulado “Biomechanics of Pteranodon”, originalmente publicado em 1984 em
Philosophical Transactions of the Royal Society of London Series B, v. 267, 890, jul. 1974.
Disponível em: <www.doi.org/10.1098/rstb.1974.0007>. Acesso em: 22 fev. 2024. Quando
eu estudava na Universidade de Leeds no início dos anos 1980, meu professor, Robert
McNeill Alexander, me passou um projeto de pesquisa sobre répteis voadores.
Alexander era o principal especialista em biomecânica — a ciência do movimento animal
—, então minha dissertação ficou cheia de aerodinâmica: sustentação, arrasto, curva
polar, planagem e efeito solo. Foi Alexander quem me indicou o artigo clássico de
Bramwell e Whitfield.
[15] Os morcegos — os únicos mamíferos ainda existentes que voam, em vez de
simplesmente planar — também não têm esterno quilhado, como as aves têm.
16. Veja Sterling J. Nesbitt et al., “The Earliest Bird-Line Archosaurs and the Assembly
of the Dinosaur Body Plan”. Nature, v. 544, pp. 484-7, 2017.
17. O mais antigo silessauro foi o Asilisaurus, do Triássico médio na Tanzânia. Veja
Sterling J. Nesbitt et al., “Ecologically Distinct Dinosaurian Sister Group Shows Early
Diversification of Ornithodira”. Nature, v. 464, pp. 95-8, 2010.
18. Veja Paul C. Sereno et al., “Primitive Dinosaur Skeleton from Argentina and the Early
Evolution of Dinosauria”. Nature, v. 361, pp. 64-6, 1993.

DINOSSAUROS EM PLENO VOO


1. Para um exame detalhado da biomecânica envolvida na transição da caminhada bípede
para o voo, consulte Vivian Allen et al., “Linking the Evolution of Body Shape and
Locomotor Biomechanics in Bird-Line Archosaurs”. Nature, v. 497, pp. 104-7, 2013.
2. Veja Jose F. Bonaparte e Rodolfo A. Coria, “Un nuevo y gigantesco sauropodo
titanosaurio de la Formación Río Limay (Albiano-Cenomaniano) de la Provincia del
Neuquén, Argentina”. Ameghiniana, v. 30, pp. 271-82, 1993.
3. Veja Rodolfo A. Coria e Leonardo Salgado, “A New Giant Carnivorous Dinosaur from
the Cretaceous of Patagonia”. Nature, v. 377, pp. 224-6, 1995.
4. Para se mover em velocidade um pouco maior que a de um passo lento, o T. rex
precisaria de membros posteriores de tamanho inviável — seus músculos extensores da
perna teriam que ter 99% da massa de todo o animal — e esse número vale para cada
perna, não ambas. (Veja John R. Hutchinson e Mariano Garcia, “Tyrannosaurus Was Not
a Fast Runner”. Nature, v. 415, pp. 1018-21, 2002.)
5. Veja Gregory M. Erickson et al., “Bite-Force Estimation for Tyrannosaurus rex from
Tooth-Marked Bones”. Nature, v. 382, pp. 706-8, 1996; Paul M. Gignac e Gregory M.
Erickson, “The Biomechanics Behind Extreme Osteophagy in Tyrannosaurus rex”.
Scientific Reports, v. 7, 2012, 2017.
6. Foram encontradas fezes fossilizadas, ou coprólitos, de dinossauros carnívoros
gigantes, provavelmente Tyrannosaurus rex. Uma delas mede 44 centímetros de
comprimento por treze centímetros de largura e dezesseis centímetros de altura, e
tem uma massa de mais de sete quilos, sendo que até metade consiste em fragmentos
ósseos. (Veja Karen Chin et al., “A King-Sized Theropod Coprolite”. Nature, v. 393, pp.
680-2, 1998.)
7. Veja Emma Schachner et al., “Unidirectional Pulmonary Airflow Patterns in the
Savannah Monitor Lizard”. Nature, v. 506, pp. 367-70, 2014.
8. Veja, por exemplo, Patrick O’Connor e Leon Claessens, “Basic Avian Pulmonar Design
and Flow-Through Ventilation in Non-Avian Theropod Dinosaurs”. Nature, v. 436, pp.
253-6, 2005, que relata como os sacos de ar penetravam nos longos ossos do
Majungatholus atopus, um dinossauro carnívoro que viveu onde hoje fica Madagascar.
9. Imagine um cubo de açúcar que mede um centímetro de cada lado. Seu volume será 1
× 1 × 1 = 1 centímetro cúbico. Um cubo tem seis lados com a mesma área, então a área
da superfície do nosso cubo de açúcar será 6 × 1 × 1 = 6 centímetros quadrados, uma
proporção de 6:1. Agora, imagine um cubo de açúcar que mede dois centímetros de
cada lado. O volume cresceu para 2 × 2 × 2 = 8 centímetros cúbicos, mas a área da
superfície será de 6 × 2 × 2 = 24 centímetros quadrados, uma proporção de 24:8 ou 3:1.
Em resumo, dobrando o tamanho da unidade do cubo, a área da superfície foi reduzida
pela metade em relação ao volume.
10. Considere que a área de superfície total de um ser humano do lado de fora está
entre 1,5 e 2 metros quadrados, mas a área de superfície de um par de pulmões
humanos está entre 50 e 75 metros quadrados.
11. Esse fenômeno, conhecido como gigantotermia, tem sido usado para explicar como
animais grandes e aparentemente de sangue frio, como as tartarugas-gigantes — que
podem ter uma massa de mais de novecentos quilos — conseguem se manter aquecidas
mesmo nadando em mares frios. (Veja Frank Paladino et al., “Metabolism of Leatherback
Turtles, Gigantothermy, and Thermoregulation of Dinosaurs”. Nature, v. 344, pp. 858-60,
1990.)
12. Para uma discussão muito perspicaz sobre esse assunto, veja P. Martin Sander et al.,
“Biology of the Sauropod Dinosaurs: The Evolution of Gigantism”. Biological Reviews of
the Cambridge Philosophical Society, v. 86, pp. 117-55, 2011.
13. A cobertura de pelos dos pterossauros também pode ser uma variedade de
plumagem de penas: veja Zixiao Yang et al., “Pterosaur Integumentary Structures with
Complex Feather-Like Branching”. Nature Ecology & Evolution, v. 3, pp. 24-30, 2019.
14. Se não penas, então cabelo, ou, se vivendo uma vida simplificada no mar, gordura.
Mamíferos marinhos, como baleias e focas, têm uma espessa camada de gordura que
isola a região central do corpo e apresenta forma aerodinâmica, suavizando quaisquer
protuberâncias e saliências. Sabe-se agora que os extintos répteis marinhos conhecidos
como ictiossauros, que se pareciam muito com os golfinhos modernos, tinham capas de
gordura, presumivelmente pelas mesmas razões. (Veja Johan Lindgren et al., “Soft-
Tissue Evidence for Homeothermy and Crypsis in a Jurassic Ichthyosaur”. Nature, v. 564,
pp. 359-65, 2018.)
15. Veja Fucheng Zhang et al., “Fossilized Melanosomes and the Colour of Cretaceous
Dinosaurs and Birds”. Nature, v. 463, pp. 1075-8, 2010; Xing Xu et al., “Exceptional
Dinosaur Fossils Show Ontogenetic Development of Early Feathers”. Nature, v. 464, pp.
1338-41, 2010; Quanguo Li et al., “Melanosome Evolution Indicates a Key Physiological
Shift Within Feathered Dinosaurs”. Nature, v. 507, pp. 350-3, 2014; Dongyu Hu et al., “A
Bony-Crested Jurassic Dinosaur with Evidence of Iridescent Plumage Highlights
Complexity in Early Paravian Evolution”. Nature Communications, v. 9, 217, 2018.
16. As coisas são diferentes no mar, onde a água permite o suporte de corpos muito
maiores do que é possível em terra e favorece a viviparidade, porque retornar à terra
para desovar, como fazem as tartarugas, é extremamente arriscado. Isso pode explicar
por que os primeiros vertebrados com mandíbula — os placodermes — eram vivíparos
e por que o hábito é visto em muitos peixes, como os tubarões. Os ictiossauros, os
amniotas que retornaram ao mar no Triássico e se tornaram muito parecidos com as
baleias, eram vivíparos. As próprias baleias são, é claro, vivíparas, como quase todos os
mamíferos, e se tornaram os maiores animais conhecidos, eclipsando até os maiores
dinossauros.
17. O Kayentatherium, do início do Jurássico, no Arizona, era um tritilodonte — um
membro de um grupo tardio de terapsidas que chegou muito perto de ser um
mamífero, mas não cumpriu os requisitos necessários. Embora muito provavelmente
tenha sido peludo, quase certamente punha ovos. Uma única ninhada de
Kayentatherium podia conter pelo menos 38 indivíduos — muito mais do que qualquer
ninhada de mamífero. (Veja Eva A. Hoffman e Timothy B. Rowe, “Jurassic Stem-Mammal
Perinates and the Origin of Mammalian Reproduction and Growth”. Nature, v. 561, pp.
104-8, 2018.)
18. Veja Mary Higby Schweitzer et al., “Gender-Specific Reproductive Tissue in Ratites
and Tyrannosaurus rex”. Science, v. 308, pp. 1456-60, 2005; Mary Higby Schweitzer et
al., “Chemistry Supports the Identification of Gender-Specific Reproductive Tissue in
Tyrannosaurus rex”. Scientific Reports, v. 6, 23099, 2016.
19. Veja Gregory M. Erickson et al., “Gigantism and Comparative Life History
Parameters of Tyrannosaurid Dinosaurs”. Nature, v. 430, pp. 772-5, 2004.
20. A viviparidade seria um sério obstáculo ao voo das aves. Talvez não seja coincidência
que os pterossauros — os primos voadores dos dinossauros — também pusessem ovos
(veja Qiang Ji et al., “Pterosaur Egg with a Leathery Shell”. Nature, v. 432, 572, 2004),
além de terem desenvolvido uma camada de estruturas parecidas com penas e uma
estrutura de voo muito leve.
21. Aves aquáticas, como cisnes e gansos, decolam assim, e pelo esforço que fazem
pode-se ver por que aves um pouco maiores não seriam capazes de voar dessa maneira.
Os aviões também fazem isso, mesmo sem bater as asas, e é por isso que os grandes
aviões têm motores enormes com impulso incrível. É preciso muita energia para colocar
um avião Jumbo no ar. Como todo mundo que já viu um avião voando sabe, é claro que a
física não basta para fazer uma estrutura tão maciça voar. Os aviões voam apenas
porque acreditamos que eles podem fazer isso. Se parássemos de acreditar, eles
cairiam do céu. Isso é o que eu realmente acho. Mas não conte a ninguém. Fica entre
nós, está bem?
22. Tim White me lembrou que algumas formigas sem asas, embora muito pequenas e
que poderiam ser consideradas aeroplâncton sem rumo, podem planar, de certa forma.
Veja Stephen Yanoviak et al., “Aerial Manoeuvrability in Wingless Gliding Ants
(Cephalotes atratus)”. Proceedings of the Royal Society of London Series B, v. 277, 2010.
Disponível em: <www.doi.org/10.1098/rspb.2010.0170>. Acesso: 26 fev. 2024.
23. Veja, por exemplo, Jin Meng et al., “A Mesozoic Gliding Mammal from Northeastern
China”. Nature, v. 444, pp. 889-93, 2006.
24. Os menores paraquedistas, porém, usam fios e cerdas em vez de membranas
contínuas semelhantes a asas. Costuma-se pensar em aranhas, usando longos fios para
carregá-las no ar, ou nas sementes eriçadas que os jovens apaixonados desde tempos
imemoriais sopram das flores de dente-de­-leão. Cada semente de dente-de-leão pode
ser transportada por quilômetros com um caule terminando em um tufo semelhante a
uma escova para limpar chaminés. Em vez de tentar prender todo o ar abaixo dele, o
tufo permite que a maior parte dele passe, e é aqui que a mágica acontece. O fluxo de ar
que passa pelo tufo torna-se turbulento, formando uma espécie de anel de fumaça
acima do tufo. Esse anel, com a forma de uma rosquinha espremida nas laterais, é uma
área de baixa pressão, um ciclone em miniatura, um centro de tempestade bem
pequeno. Ele literalmente suga o tufo para cima, diminuindo sua taxa de descida. (Veja
Cathal Cummins et al., “A Separated Vortex Ring Underlies the Flight of the Dandelion”.
Nature, v. 562, pp. 414-8, 2018.)
25. Os primeiros estágios do paraquedismo antigo foram estudados em gatos
modernos no mais contemporâneo dos habitats da vida selvagem: Manhattan.
Veterinários em Nova York estão familiarizados com um padrão de lesões felinas
conhecido como “síndrome de arranha-céu”, sofrido por gatos aventureiros que caem
de janelas altas. Os veterinários de Nova York traçaram a gravidade dos ferimentos dos
felinos em relação à altura de que haviam caído em cada caso. As lesões tendem a ficar
mais graves à medida que a altura aumenta, mas chega um ponto acima do qual as
lesões dos gatos ficam menos graves, não mais. Os veterinários citam o caso de um gato
que caiu de uma altura de 32 andares e saiu apenas com ferimentos leves no peito, em
um dente e em sua dignidade. Não é à toa que o provérbio diz que os gatos têm sete
vidas. O que parece acontecer é que, quando um gato cai, seus músculos relaxam e suas
patas se abrem para os lados, formando uma espécie de paraquedas. O gato pode
sofrer lesões na mandíbula e no tórax, mas sobreviver. (Veja W. O. Whitney e C. J.
Mehlhaff, “High-Rise Syndrome in Cats”. Journal of the American Veterinary Medical
Association, v. 192, p. 542, 1988.)
26. Veja Fernando E. Novas e Pablo F. Puertat, “New Evidence Concerning Avian Origins
from the Late Cretaceous of Patagonia”. Nature, v. 387, pp. 390-2, 1997.
27. Veja Mark Norell et al., “A Nesting Dinosaur”. Nature, v. 378, pp. 774-6, 1995.
28. Veja, por exemplo, Xing Xu et al., “A Therizinosauroid Dinosaur with Integumentary
Structures from China”. Nature, v. 399, pp. 350-4, 1999, que descreve estruturas
semelhantes a penas no Beipaiosaurus, um dos muito estranhos terizinossauros. Eram
terópodes esquisitos e desajeitados que se tornaram herbívoros e teriam sido tão
aerodinâmicos quanto um cobogó [elemento vazado de concreto ou porcelana]. Veja
também Xing Xu et al., “A Gigantic Bird-Like Dinosaur from the Late Cretaceous of
China”. Nature, v. 447, pp. 844-7, 2007, sobre o Gigantoraptor, um monstro de oito
metros e 1 400 quilos que era uma exceção entre os oviraptorossaurídeos, em geral
ágeis e semelhantes a aves. Essa criatura certamente não voava — mas não se sabe se
tinha penas.
29. Ken Dial, da Universidade de Montana, pesquisou a forma como os filhotes de uma
espécie de perdiz chamada chukar usam suas asas para ajudá-los a subir encostas
muito íngremes, um tipo de locomoção chamada “corrida inclinada assistida por asas”
— o que teria sido útil para um animal pequeno e indefeso escapar de predadores. (Veja
Kenneth Dial et al., “A Fundamental Avian Wing-Stroke Provides a New Perspective on
the Evolution of Flight”. Nature, v. 451, pp. 985-9, 2008.)
30. Xing Xu et al., “The Smallest Known Non-Avian Theropod Dinosaur”. Nature, v. 408,
pp. 705-8, 2000; Gareth Dyke et al., “Aerodynamic Performance of the Feathered
Dinosaur Microraptor and the Evolution of Feathered Flight”. Nature Communications,
v. 4, 2489, 2013.
31. Dongyu Hu et al., “A Pre-Archaeopteryx Troödontid Theropod from China with Long
Feathers on the Metatarsus”. Nature, v. 461, pp. 640-3, 2009.
32. Veja Fucheng Zhang et al., “A Bizarre Jurassic Maniraptoran from China with
Elongate, Ribbon-Like Feathers”. Nature, v. 455, pp. 1105-8, 2008.
33. Veja Xing Xu et al., “A Bizarre Jurassic Maniraptoran Theropod with Preserved
Evidence of Membranous Wings”. Nature, v. 521, pp. 70-3, 2015; Min Wang et al., “A New
Jurassic Scansoriopterygid and the Loss of Membranous Wings in Theropod Dinosaurs”.
Nature, v. 569, pp. 256-9, 2019.
34. Com certeza, não há morcegos conhecidos que tenham perdido a capacidade de
voar, embora os morcegos mistacinídeos da Nova Zelândia vivam a maior parte do
tempo no solo. A menos que se considerem as possíveis reconstruções de alguns
pterossauros gigantes como não voadores, também não havia pterossauros que
perderam a capacidade de voar.
35. Ver Daniel Field et al., “Complete Ichthyornis Skull Illuminates Mosaic Assembly of
the Avian Head”. Nature, v. 557, pp. 96-100, 2018.
36. Veja Perle Altangerel et al., “Flightless Bird from the Cretaceous of Mongolia”.
Nature, v. 362, pp. 623-6, 1993, para a descoberta da primeira dessas esquisitices, o
Mononykus; e Luis Chiappe et al., “The Skull of a Relative of the Stem-Group Bird
Mononykus”. Nature, v. 392, pp. 275-8, 1998, para a descoberta de outra, o Shuvuuia, que
mostra que aquela primeira não foi um acaso.
37. Veja Daniel Field et al., “Late Cretaceous Neornithine from Europe Illuminates the
Origins of Crown Birds”. Nature, v. 579, pp. 397-401, 2020, e o comentário que o
acompanha: Kevin Padian, “Poultry Through Time”. Nature, v. 579, pp. 351-2, 2020. Outra
ave do Cretáceo que pode ser uma representante precoce das aves aquáticas é o
Vegavis, da Antártida: veja Julia Clarke et al., “Definitive Fossil Evidence for the Extant
Avian Radiation in the Cretaceous”. Nature, v. 433, pp. 305-8, 2005. O Vegavis tinha uma
siringe bem desenvolvida (Julia Clarke et al., “Fossil Evidence of the Avian Vocal Organ
from the Mesozoic”. Nature, v. 538, pp. 502-5, 2016; Patrick M. O’Connor, “Ancient Avian
Aria from Antarctica”. Nature, v. 538, pp. 468-9, 2016), o órgão vocal exclusivo das aves
que produz desde o grasnar de um ganso até o trinado de rouxinóis, que, segundo a
lenda, pode ser ouvido em Berkeley Square, mas só quando os anjos jantam no Ritz.
38. Note o “quase sempre”, pois a biologia valoriza suas exceções. Há pelo menos um
registro de um dinossauro ceratopsiano na Europa. Veja, por exemplo, Attila Ösi et al.,
“A Late Cretaceous Ceratopsian Dinosaur from Europe with Asian Affinities”. Nature, v.
465, pp. 466-8, 2010; Xing Xu, “Horned Dinosaurs Venture Abroad”. Nature, v. 465, pp.
431-2, 2010.
39. Veja P. Martin Sander et al., “Bone Histology Indicates Insular Dwarfism in a New
Late Jurassic Sauropod Dinosaur”. Nature, v. 441, pp. 739-41, 2006.
40. Veja Gregory Buckley et al., “A Pug-Nosed Crocodyliform from the Late Cretaceous
of Madagascar”. Nature, v. 405, pp. 941-4, 2000.
41. Veja Michael W. Frohlich e Mark W. Chase, “After a Dozen Years of Progress the
Origin of Angiosperms Is Still a Great Mystery”. Nature, v. 450, pp. 1184-9, 2007.
42. Veja, por exemplo, Todd Rosenstiel et al., “Sex-Specific Volatile Compounds Influence
Microarthropod-Mediated Fertilization of Moss”. Nature, v. 489, pp. 431-3, 2012.
43. Costuma-se pensar em Io e Europa, ambas luas de Júpiter, mas bem diferentes
entre si. A superfície de Io é constantemente modificada pela atividade vulcânica; a de
Europa, pelo gelo que escoa de um oceano subterrâneo.
44. Veja William Bottke et al., “An Asteroid Breakup 160 Myr Ago as the Probable Source
of the K/T Impactor”. Nature, v. 449, pp. 48-53, 2007; Philippe Claeys e Steven Goderis,
“Lethal Billiards”. Nature, v. 449, pp. 30-1, 2007.
45. Veja Gareth S. Collins et al., “A Steeply Inclined Trajectory for the Chicxulub
Impact”. Nature Communications, v. 11, 1480, 2020.
[46] Os últimos ictiossauros desapareceram alguns milhões de anos antes, evitando
assim toda a confusão e a barafunda apocalípticas.
47. Veja Christopher Lowery et al., “Rapid Recovery of Life at Ground Zero of the End-
Cretaceous Mass Extinction”. Nature, v. 558, pp. 288-91, 2018.

ESSES MAMÍFEROS MAGNÍFICOS


1. Veja Jennifer A. Clack, “Discovery of the Earliest-Known Tetrapod Stapes”. Nature, v.
342, pp. 425-7, 1989; Alec L. Panchen, “Ears and Vertebrate Evolution”. Nature, v. 342, pp.
342-3, 1989; Jennifer A. Clack, “Earliest Known Tetrapod Braincase and the Evolution of
the Stapes and Fenestra Ovalis”. Nature, v. 369, pp. 392-4, 1994. O ouvido médio do
Ichthyostega, parente do Acanthostega, parece ter sido modificado, formando um tipo
de órgão auditivo aquático diferente de qualquer outra coisa vista na evolução.
(Jennifer A. Clack et al., “A Uniquely SpecialIzed Ear in a Very Early Tetrapod”. Nature, v.
425, pp. 65-9, 2003.)
2. Enquanto o espiráculo conduzia a água para dentro e para fora, fazendo a ligação
entre o mundo exterior e a cavidade bucal, o tímpano formava uma barreira, definindo
os limites externos do ouvido médio. O ouvido médio, no entanto, manteve uma conexão
com a cavidade bucal. Você pode perceber isso quando engole: a ação equaliza a
pressão entre o ouvido médio e o mundo exterior, por meio de uma conexão chamada
trompa de Eustáquio. É por isso que o som fica distorcido quando você está resfriado. A
trompa de Eustáquio se enche de muco, dificultando a equalização da pressão, de modo
que o tímpano funciona com menos eficiência. Isso também explica por que ascender e
descender em uma aeronave pode ser tão doloroso. Mesmo em uma cabine
pressurizada, mudanças repentinas na pressão atmosférica são suficientes para colocar
o tímpano sob tensão, e é por isso que é uma boa ideia engolir, empurrando o ar pela
trompa de Eustáquio e limpando quaisquer bloqueios. Assoar o nariz tem o mesmo
efeito. Em humanos adultos, a trompa de Eustáquio fica inclinada para baixo entre o
ouvido médio e a parte de trás da garganta, de modo que o muco é drenado
naturalmente. Em crianças pequenas, no entanto, a trompa de Eustáquio é mais ou
menos horizontal. Nas crianças pequenas, por serem como são — adoráveis vetores de
contágio de nariz ranhoso —, o muco fica preso na trompa de Eustáquio, levando a um
fenômeno conhecido como glue ear, que pode ser tratado fazendo pequenos orifícios
no tímpano, que cicatrizam depois, quando a criança já superou o problema.
3. O araponga-da-amazônia (Procnias albus) macho, ave branca da Amazônia, faz os
ruídos mais altos de qualquer ave empoleirada, e faz isso quando está bem perto da
fêmea que pretende cortejar. A infeliz namorada experimenta uma pressão sonora de
125 decibéis (Jeffrey Podos e Mario Cohn-Haft, “Extremely Loud Mating Songs at Close
Range in White Bellbirds”. Current Biology, v. 29, 2019. Disponível em:
<www.doi.org/10.1016/j.cub.2019.09.028>. Acesso em: 26 fev. 2024). Em humanos, isso é
alto o suficiente para ser doloroso. O Guinness Book of Records relatou níveis de
pressão sonora de 117 dB durante um show da minha banda favorita, Deep Purple, no
Rainbow Theatre, em Londres, em 1972, no qual três membros da plateia desmaiaram. O
recorde já foi quebrado, mas como o Guinness não registra mais tais feitos, a maioria
dos relatos subsequentes (como os 136 dB em um Kiss Koncert em Ottawa, em 2009)
não é oficial. No entanto, dado que os decibéis aumentam de forma logarítmica, o
chamado do araponga­-da-amazônia é quase três vezes mais alto que o desempenho
ensurdecedor do Deep Purple. É um mistério por que a fêmea aguenta tanto barulho.
4. Para referência, o “lá” acima do dó central no piano é afinado convencionalmente em
uma frequência de 440 Hz. A frequência dobra a cada oitava, então o lá uma oitava
acima tem 880 Hz; duas oitavas acima, 1 760 Hz (ou 1,76 kHz); e três oitavas acima, 3 520
Hz (3,52 kHz). Depois disso, um teclado de piano comum não tem mais notas. Se
houvesse outro lá, seria de 7 040 Hz (7,04 kHz), o que está acima das notas mais altas
que a maioria das aves costuma ouvir.
5. Vale a pena comentar os nomes rústicos desses ossos, que lembram algum ferreiro de
mãos calosas de um romance de Thomas Hardy. Nos humanos, o estribo [do ouvido] se
parece muito com um estribo [peça da sela de montaria]. A base plana fica na “janela
oval” que é o portal para o ouvido interno. A base fica suspensa por dois pinos
separados que se unem mais acima, como um osso da sorte ou, na verdade, um estribo.
O orifício entre as duas pontas é penetrado por um vaso sanguíneo, a artéria
estapediana. Uma vez que temos um estribo, é natural chamar os outros ossos de
martelo e bigorna, mesmo que eles não se pareçam particularmente com seus
homônimos ferrosos. O estribo é o menor osso do corpo humano; o martelo e a bigorna
são pouco maiores. Juntos, esses ossos são os “ossículos” ou “pequenos ossos” do
ouvido médio.
[6] Funciona assim na infância, pelo menos. A sensibilidade às frequências mais altas
tende a diminuir com a idade, especialmente naqueles que passaram a juventude
ouvindo, ah, digamos, Deep Purple.
7. Veja Henry Heffner, “Hearing in Large and Small Dogs (Canis familiaris)”. Journal of
the Acoustical Society of America, v. 60, S88, 1976.
8. Veja Rickye S. Heffner, “Primate Hearing from a Mammalian Perspective”. The
Anatomical Record, v. 281A, pp. 1111-22, 2004.
9. Veja Katherine Ralls, “Auditory Sensitivity in Mice: Peromyscus and Mus musculus”.
Animal Behaviour, v. 15, pp. 123-8, 1967.
10. Veja Rickye S. Heffner e Henry Heffner, “Hearing Range of the Domestic Cat”.
Hearing Research, v. 19, pp. 85-8, 1985.
11. Veja Ronald Kastelein et al., “Audiogram of a Striped Dolphin (Stenella coeruleoalba)”.
Journal of the Acoustical Society of America, v. 113, pp. 1130-7, 2003.
12. Para uma ampla pesquisa recente sobre essa notável transformação e muito mais
sobre o início da história dos mamíferos, veja Zhe-Xi Luo, “Transformation and
Diversification in Early Mammal Evolution”. Nature, v. 450, pp. 1011-9, 2007.
13. Veja Stephan Lautenschlager et al., “The Role of Miniaturization in the Evolution of
the Mammalian Jaw and Middle Ear”. Nature, v. 561, pp. 533-7, 2018.
[14] Quase certamente tinha bigodes. O pelo, no entanto, é conjectural.
15. Veja Katrina Jones et al., “Regionalization of the Axial Skeleton Predates Functional
Adaptation in the Forerunners of Mammals”. Nature Ecology & Evolution, v. 4, pp. 470-8,
2020.
16. Uma reconstrução da orelha do Morganucodon sugere que ele pode ter sido sensível
a sons de até 10 kHz. (Veja John J. Rosowski e A. Graybeal, “What Did Morganucodon
Hear?”. Zoological Journal of the Linnean Society, v. 101, pp. 131-68, 2008.)
17. Veja Pamela Gill et al., “Dietary Specializations and Diversity in Feeding Ecology of
the Earliest Stem Mammals”. Nature, v. 512, pp. 303-5, 2014.
18. Veja Eva A. Hoffman e Timothy B. Rowe, “Jurassic Stem-Mammal Perinates and the
Origin of Mammalian Reproduction”. Nature, v. 561, pp. 104-8, 2018.
19. Veja Yaoming Hu et al., “Large Mesozoic Mammals Fed on Young Dinosaurs”. Nature,
v. 433, pp. 149-52, 2005; Anne Weil, “Living Large in the Cretaceous”. Nature, v. 433, pp.
116-7, 2005.
20. Veja Jin Meng et al., “A Mesozoic Gliding Mammal from Northeastern China”. Nature,
v. 444, pp. 889-93, 2006. Mais tarde descobriu-se que essa criatura, o Volaticotherium,
do final do Jurássico na Mongólia Interior, era membro de um grupo chamado
triconodontes. Estes eram distintos dos haramiyidas, um grupo de mamíferos muito
antigo que também alçava voo; veja, por exemplo, Jin Meng et al., “New Gliding
Mamiferaforms from the Jurassic”. Nature, v. 548, pp. 291-6, 2017; Gang Han et al., “A
Jurassic Gliding Euharamiyidan Mammal with an Ear of Five Auditory Bones”. Nature, v.
551, pp. 451-6, 2017.
21. Veja Qiang Ji et al., “A Swimming Mammaliaform from the Middle Jurassic and
Ecomorphological Diversification of Early Mammals”. Science, v. 311, pp. 1123-7, 2006.
22. Veja David W. Krause et al., “First Cranial Remains of a Gondwanatherian Mammal
Reveal Remarkable Mosaicism”. Nature, v. 515, pp. 512-7, 2014; Anne Weil, “A Beast of the
Southern Wild”. Nature, v. 515, pp. 495-6, 2014; David W. Krause et al., “Skeleton of a
Cretaceous Mammal from Madagascar Reflects Long-Term Insularity”. Nature, v. 581,
pp. 421-7, 2020.
23. Veja, por exemplo, Zhe-Xi Luo et al., “Dual Origin of Tribosphenic Mammals”. Nature,
v. 409, pp. 53-7, 2001; Anne Weil, “Relationships to Chew Over”. Nature, v. 409, pp. 28-31,
2001; Oliver Rauhut et al., “A Jurassic Mammal from South America”. Nature, v. 416, pp.
165-8, 2002.
24. Veja Shundong Bi et al., “An Early Cretaceous Eutherian and the Placental­-Marsupial
Dichotomy”. Nature, v. 558, pp. 390-5, 2018; Zhe-Xi Luo et al., “A Jurassic Eutherian
Mammal and Divergence of Marsupials and Placentals”. Nature, v. 476, pp. 442-5, 2011;
Qiang Ji et al., “The Earliest Known Eutherian Mammal”. Nature, v. 416, pp. 816-22, 2002.
25. Veja Zhe-Xi Luo et al., “An Early Cretaceous Tribosphenic Mammal and Metatherian
Evolution”. Science, v. 302, pp. 1934-40, 2003.
26. Pantodontes e dinocerados já foram agrupados em um único grupo, os amblípodes.
Quando descobri isso, ainda na graduação, fiquei tão encantado com o nome que
telefonei para minha mãe naquele mesmo dia para informá-la desse fato (foi de uma
cabine telefônica — telefones celulares não eram comuns na época). Eu disse a ela que
existira um grupo de herbívoros grandes e lentos, parecidos com rinocerontes ou
hipopótamos, e eles eram chamados de amblípodes [em inglês, amble significa vagar e
pod (do grego) significa pés ou patas]. “Que bacana, querido”, disse minha mãe, “dá até
pra imaginá-los, vagando com suas patas.”
27. Para um excelente guia sobre a evolução dos mamíferos, veja Donald R. Prothero, The
Princeton Field Guide to Prehistoric Mammals (Princeton: Princeton University Press,
2017).
28. Veja Jason J. Head et al., “Giant Boid Snake from the Palaeocene Neotropics Reveals
Hotter Past Equatorial Temperatures”. Nature, v. 457, pp. 715-7, 2009; Matthew Huber,
“Snakes Tell a Torrid Tale”. Nature, v. 457, pp. 669-71, 2009.
29. Veja J. G. M. Thewissen et al., “Skeletons of Terrestrial Cetaceans and the
Relationship of Whales to Artiodactyls”. Nature, v. 413, pp. 277-81, 2001; Christian de
Muizon, “Walking with Whales”. Nature, v. 413, pp. 259-60, 2001.
30. Veja J. G. M. Thewissen et al., “Fossil Evidence for the Origin of Aquatic Locomotion
in Archaeocete Whales”. Science, v. 263, pp. 210-2, 1994.
31. Veja Philip D. Gingerich et al., “Hind Limbs of Eocene Basilosaurus: Evidence of Feet in
Whales”. Science, v. 249, pp. 154-7, 1990.
32. Para mais informações sobre a evolução das baleias, veja J. G. M. “Hans” Thewissen,
The Walking Whales: From Land to Water in Eight Million Years (Oakland: University of
California Press, 2014).
33. Veja Ole Madsen et al., “Parallel Adaptive Radiations in Two Major Clades of
Placental Mammals”. Nature, v. 409, pp. 610-4, 2001.

PLANETA DOS MACACOS


1. Entre os primatas mais primitivos — os prossímios — incluem-se os lêmures atuais
(confinados a Madagascar) e alguns outros, como os galagos e os társios. Os primeiros
társios conhecidos se estabeleceram há 55 milhões de anos, sugerindo que os
antropoides — o grupo que inclui macacos, símios e humanos — também já existiam
(veja Xijun Ni et al., “The Oldest Known Primate Skeleton and Early Haplorhine
Evolution”. Nature, v. 498, pp. 60-3, 2013). Os primeiros representantes conhecidos dos
antropoides, também do Eoceno, já eram muito diversificados, sugerindo uma história
evolutiva longa (veja Daniel L. Gebo et al., “The Oldest Known Anthropoid Postcranial
Fossils and the Early Evolution of Higher Primates”. Nature, v. 404, pp. 276-8, 2000;
Jean-Jacques Jaeger et al., “Late Middle Eocene Epoch of Libya Yields Earliest Known
Radiation of African Anthropoids”. Nature, v. 467, pp. 1095-8, 2010). No Oligoceno, há
pelo menos 25 milhões de anos, os antropoides se dividiram em macacos e símios. (Veja
Nancy J. Stevens et al., “Oligocene Divergence Between Old World Monkeys and Apes”.
Nature, v. 497, pp. 611-4, 2013.)
2. Algumas gramíneas tropicais exploraram um tipo de fotossíntese pouco utilizado até
então, conhecido pelos bioquímicos como “via C4”, pouco utilizado por ser mais
elaborado que a “via C3” usada pela maioria das plantas. A via C4, no entanto, faz uso
mais eficiente do dióxido de carbono. Quando o dióxido de carbono é abundante na
atmosfera, há pouco valor em usar a via C4. Mas as plantas tinham, talvez, sentido uma
mudança de longo prazo na atmosfera da Terra; isto é, uma diminuição lenta e
progressiva na quantidade de dióxido de carbono. Veja, por exemplo, Colin P. Osborne e
Lawren Sack, “Evolution of C4 Plants: A New Hypothesis for an Interaction of CO2 and
Water Relations Mediated by Plant Hydraulics”. Philosophical Transactions of the Royal
Society of London Series B, v. 367, pp. 583-600, 2012.
3. Louis de Bonis et al., “New Hominid Skull Material from the Late Miocene of
Macedonia in Northern Greece”. Nature, v. 345, pp. 712-4, 1990.
4. Veja Berna Alpagut et al., “A New Specimen of Ankarapithecus meteai from the Sinap
Formation of Central Anatolia”. Nature, v. 382, pp. 349-51, 1996.
5. Veja Gen Suwa et al., “A New Species of Great Ape from the Late Miocene Epoch in
Ethiopia”. Nature, v. 448, pp. 921-4, 2007.
6. Veja Yaowalak Chaimanee et al., “A New Orangutan Relative from the Late Miocene of
Thailand”. Nature, v. 427, pp. 439-41, 2004.
7. Talvez o maior macaco que já existiu tenha sido o Gigantopithecus, que viveu no
Sudeste Asiático no Pleistoceno. Pode ter tido o dobro do tamanho de um gorila —
embora isso seja difícil de estimar, pois é conhecido apenas a partir de fragmentos de
dentes e mandíbula. Um estudo de proteínas do esmalte dos dentes mostra que era um
parente dos orangotangos. (Veja Frido Welker et al., “Enamel Proteome Shows that
Gigantopithecus was an Early Diverging Pongine”. Nature, v. 576, pp. 262-5, 2019.)
8. Veja Madelaine Böhme et al., “A New Miocene Ape and Locomotion in the Ancestor of
Great Apes and Humans”. Nature, v. 575, pp. 489-93, 2019, e o comentário de Tracy L.
Kivell, “Fossil Ape Hints and How Walking on Two Feet Evolved”. Nature, v. 575, pp. 445-6,
2019.
9. Veja Lorenzo Rook et al., “Oreopithecus was a Bipedal Ape After All: Evidence from
the Iliac Cancellous Architecture”. Proceedings of the National Academy of Sciences of
the United States of America, v. 96, pp. 8795-9, 1999.
10. Nunca houve grandes símios nas Américas. Eles surgiram a partir de macacos do
Velho Mundo: os macacos do Novo Mundo são apenas parentes distantes, que podem
ter evoluído de imigrantes que chegaram às Américas vindos da África no Eoceno (veja
Mariano Bond et al., “Eocene Primates of South America and the African Origins of New
World Monkeys”. Nature, v. 520, pp. 538-41, 2015). Eles se distinguem de seus primos do
Velho Mundo por reterem caudas longas, que muitas vezes são capazes de agarrar e
funcionam como um quinto membro. Essa pode ser uma razão pela qual, nas Américas,
os macacos permaneceram macacos e não deram origem a nenhuma forma semelhante
de grande símio ou mesmo formas terrestres, como os macacos quase sem cauda do
Velho Mundo.
11. Devo acrescentar uma nota para dissipar qualquer confusão entre os termos
“hominíneo” e “hominídeo”. O termo “hominídeo” costumava se referir a qualquer
membro da família Hominidae, que incluía humanos modernos e quaisquer parentes
extintos dos humanos que não estivessem mais intimamente relacionados aos grandes
macacos, ou pongídeos, da família Pongidae. Nos últimos anos, ficou claro que os
Pongidae não formam um grupo “natural”: ou seja, um grupo no qual todos os membros
compartilham exclusivamente o mesmo ancestral comum. Acontece que os humanos
estão mais intimamente relacionados com os chimpanzés do que humanos e chimpanzés
estão relacionados com gorilas, enquanto o orangotango é um parente mais distante.
Ou seja, a família Pongidae não pode compartilhar uma ancestralidade comum que não
inclua também a ancestralidade dos Hominidae. Para resolver isso, a definição da família
Hominidae foi expandida para incluir todos os grandes símios, bem como os humanos, e
o nome hominíneo (membro da subtribo Hominina, da tribo Hominini, da subfamília
Homininae) é usado para se referir aos humanos modernos e quaisquer parentes
extintos de humanos que não estejam mais intimamente relacionados aos chimpanzés
— e é assim que uso o termo aqui. As coisas ficam ainda mais confusas pelo uso
conflitante. Alguns pesquisadores agora usam o termo “hominíneo” nesse sentido,
enquanto outros ainda usam “hominídeo”, e alguns desses dois grupos mudaram de ideia
com o tempo, tornando a leitura de parte da literatura a que me refiro um tanto
confusa.
12. Veja Michel Brunet et al., “A New Hominid from the Upper Miocene of Chad, Central
Africa”. Nature, v. 418, pp. 145-51, 2002; e Patrick Vignaud et al., “Geology and
Palaeontology of the Upper Miocene Toros-Menalla Hominid Locality, Chad”. Nature, v.
418, pp. 152-5, 2002. Bernard Wood escreveu um comentário, “Hominid Revelations from
Chad”. Nature, v. 418, pp. 133-5, 2002.
13. Os descobridores do crânio do Sahelanthropus o batizaram de “Toumaï ”. Em goran,
a língua das pessoas que se agarram à vida nessa região inóspita, isso significa
“esperança de vida”.
14. Veja Yohannes Haile-Selassie et al., “Late Miocene Hominids from the Middle Awash,
Ethiopia”. Nature, v. 412, pp. 178-81, 2001.
15. Martin Pickford et al., “Bipedalism in Orrorin tugenensis Revealed by Its Femora”.
Comptes Rendus Palevol, v. 1, pp. 191-203, 2002.
16. Em sua maioria, as descobertas em evolução humana datadas a partir de 5 milhões
de anos atrás foram feitas em uma estreita faixa da África que se estende do Malawi, no
sul, em direção ao norte, passando pela Tanzânia, pelo Quênia e pela Etiópia. Esse é o
Great Rift Valley [Vale da Grande Fenda], um corte que se alarga gradualmente, criado
conforme duas seções da crosta terrestre são dilaceradas pelas forças das placas
tectônicas. Pedaços gigantescos da parede da fenda caem no espaço cada vez maior: os
efeitos da chuva e do sol, por erosão, os transformam em sedimentos. À medida que as
placas se separam, o magma cospe e borbulha por baixo, criando vulcões. Rios e lagos
estão sempre se formando, fundindo-se, expandindo-se e encolhendo no fundo do vale.
A combinação de sedimentação, lagos e vulcões é ideal para a fossilização, e foi dos
sedimentos lacustres da Fenda de Quênia, Tanzânia e Etiópia que se coletou a maior
parte das evidências da evolução humana. A maior parte do restante vem de cavernas
de calcário antigas e erodidas em uma pequena área do Sul da África, conhecida como o
“Berço da Humanidade”. Os sedimentos das cavernas são notoriamente difíceis de
datar, embora algum progresso tenha ocorrido. Veja, por exemplo, Robyn Pickering et
al., “U-Pb­-Dated Flowstones Restrict South African Early Hominin Record to Dry
Climate Phases”. Nature, v. 565, pp. 226-9, 2019. A Terra ainda está se movendo e, por
isso, segue adiante: em alguns milhões de anos, a África a leste da Fenda terá se
separado de seu continente pai. O mar vai invadir para preencher o vazio. A Fenda é um
novo oceano pego no ato de nascer; mais ou menos como a fenda no leste da América
do Norte no final do Triássico, que deu origem ao oceano Atlântico, mas sem o mesmo
drama.
[17] E algo que os bebês ainda mantêm.
18. Veja Katherine K. Whitcome et al., “Fetal Load and the Evolution of Lumbar Lordosis
in Bipedal Hominins”. Nature, v. 450, pp. 1075-8, 2007.
19. Veja Alan M. Wilson et al., “Biomechanics of Predator-Prey Arms Race in Lion, Zebra,
Cheetah and Impala”. Nature, v. 554, pp. 183-8, 2018; e o comentário de Andrew A.
Biewener, “Evolutionary Race as Predators Hunt Prey”. Nature, v. 554, pp. 176-8, 2018.
20. Outros mamíferos bípedes são os cangurus e vários roedores saltitantes, como os
jerboas; mas os cangurus sustentam a postura ereta com a ajuda de uma cauda longa, e
os roedores saltitantes tendem a pular, usando os dois pés ao mesmo tempo.
21. Algo que descobri por conta própria quando quebrei um tornozelo em um acidente
trivial em casa, em agosto de 2018. Esse acidente me deixou totalmente desamparado,
um estado que melhorou graças aos procedimentos instantaneamente acessíveis do
aparelho quase incompreensivelmente complexo e vasto que é o National Health
Service; incluindo uma ambulância, um hospital-escola totalmente equipado,
paramédicos, enfermeiros, anestesistas, cirurgiões, sem contar um exército de pessoal
de apoio e — quando saí do hospital — fisioterapeutas; o empréstimo de uma cadeira
de rodas da Cruz Vermelha; e (principalmente) os cuidados da sra. Gee, que, em parte
devido a seu grande sofrimento, decidiu se matricular em um curso de enfermagem,
especializando­-se em pacientes com dificuldades de aprendizagem (vai entender). O
National Health Service é o maior empregador não apenas na Grã-Bretanha, mas em
toda a Europa, e consome uma fatia considerável das despesas públicas da Grã-
Bretanha. Sem esse apoio, um hominíneo antigo que quebrasse o tornozelo na savana
africana provavelmente teria sido morto e comido.
22. Veja Tim D. White et al., “Australopithecus ramidus, a New Species of Early Hominid
from Aramis, Ethiopia”. Nature, v. 371, pp. 306-12, 1994.
23. Veja Ann Gibbons, “A Rare 4.4-million-year-old Skeleton Has Drawn Back the Curtain
of Time to Reveal the Surprising Body Plan and Ecology of Our Earliest Ancestors”.
Science, v. 326, pp. 1598-9, 2009.
24. Veja Meave Leakey et al., “New Four-Million-Year-Old Hominid Species from Kanapoi
and Allia Bay, Kenya”. Nature, v. 376, pp. 565-71, 1995; Yohannes Haile-Selassie et al., “A
3.8-Million-Year-Old Hominin Cranium from Woranso­-Mille, Ethiopia”. Nature, v. 573, pp.
214-9, 2019; Fred Spoor, “Elusive Cranium of Early Hominin Found”. Nature, v. 573, pp.
200-2, 2019.
25. Donald Johanson et al., “A New Species of the Genus Australopithecus (Primates,
Hominidae) from the Pliocene of Eastern Africa”. Kirtlandia, v. 28, pp. 1-14, 1978. Pelo
menos duas outras espécies são conhecidas por terem vivido na área no mesmo
período. Veja Yohannes Haile-Selassie et al., “New Species From Ethiopia Further
Expands Middle Pliocene Hominin Diversity”. Nature, v. 521, pp. 483-8, 2015; Fred Spoor,
“The Middle Pliocene Gets Crowded”. Nature, v. 521, pp. 432-3, 2015; Meave G. Leakey et
al., “New Hominin Genus from Eastern Africa Shows Diverse Middle Pliocene Lineages”.
Nature, v. 410, pp. 433-40, 2001; Daniel Lieberman, “Another Face in Our Family Tree”.
Nature, v. 410, pp. 419-20, 2001.
26. Onde uma criatura muito semelhante foi batizada como Australopithecus
bahrelghazali: Michel Brunet et al., “The First Australopithecine 2,500 Kilometres West
of the Rift Valley (Chad)”. Nature, v. 378, pp. 273-5, 1995.
27. Conforme revelado por pegadas depositadas em cinzas vulcânicas úmidas e
preservadas em Laetoli, na Tanzânia. As pegadas de hominíneos ocorrem em dois
lugares separados. Em um deles, um hominíneo caminha sozinho. No outro, um
hominíneo parece estar acompanhado por uma criança que possivelmente está
seguindo o adulto. (Veja Mary D. Leakey e R. L. Hay, “Pliocene Footprints in the Laetolil
Beds and Laetoli, Northern Tanzania”. Nature, v. 278, pp. 317-23, 1979.)
28. Dito isso, fraturas no espécime mais completo, o famoso esqueleto conhecido como
“Lucy”, sugerem que ela morreu por ferimentos sofridos ao cair de uma árvore. (Veja
John Kappelman et al., “Perimortem Fractures in Lucy Suggest Mortality from Fall Out
of a Tree”. Nature, v. 537, pp. 503-7, 2016.)
29. Veja Thure Cerling et al., “Woody Cover and Hominin Environments in the Past 6
Million Years”. Nature, v. 476, pp. 51-6, 2011; Craig S. Feibel, “Shades of the Savannah”.
Nature, v. 476, pp. 39-40, 2011.
30. Yohannes Haile-Selassie et al., “A New Hominin Foot from Ethiopia Shows Multiple
Pliocene Bipedal Adaptations”. Nature, v. 483, pp. 565-9, 2012; Daniel Lieberman, “Those
Feet in Ancient Times”. Nature, v. 483, pp. 550-1, 2012.
31. Havia várias espécies de Australopithecus e Homo, como Australopithecus garhi
(veja Berhane Asfaw et al., “Australopithecus garhi: a New Species of Early Hominid
from Ethiopia”. Science, v. 284, pp. 629-35, 1999); Australopithecus sediba (Lee Berger
et al., “Australopithecus sediba: a New Species of Homo-like Australopith from South
Africa”. Science, v. 328, pp. 195-204, 2010); Homo habilis e Homo rudolfensis (Fred Spoor
et al., “Reconstructed Homo habilis Type OH7 Suggests Deep-Rooted Species Diversity
in Early Homo”. Nature, v. 519, pp. 83-6, 2015); e Homo naledi (Lee Berger et al., “Homo
naledi: a New Species of the Genus Homo from the Dinaledi Chamber, South Africa”.
eLife, v. 4, 2015). A relação entre essas criaturas é alvo de amplo debate. Embora a
denominação de Homo tenha sido originalmente concebida para refletir maior tamanho
do cérebro e capacidade tecnológica (veja L. S. B. Leakey, “A New Fossil Skull from
Olduvai”. Nature, v. 184, pp. 491-3, 1959; L. S. B. Leakey et al., “A New Species of the
Genus Homo from Olduvai Gorge”. Nature, v. 202, pp. 7-9, 1964), a descoberta de
ferramentas de pedra muito anteriores ao Homo mais antigo — cerca de 3,3 milhões de
anos atrás — colocou essa distinção em dúvida. De fato, foi apresentado um argumento
bem embasado de que as diferenças entre as primeiras espécies de Homo e o
Australopithecus eram pequenas demais para que eles merecessem essa distinção (veja
Bernard Wood e Mark Collard, “The Human Genus”. Science, v. 284, pp. 65-71, 1999).
32. Veja Sonia Harmand et al., “3.3-Million-Year-Old Stone Tools from Lomekwi 3, West
Turkana, Kenya”. Nature, v. 521, pp. 310-5, 2015; Erella Hovers, “Tools Go Back in Time”.
Nature, v. 521, pp. 294-5, 2015; Shannon McPherron et al., “Evidence for Stone-Tool-
Assisted Consumption of Animal Tissues Before 3.39 Million Years Ago at Dikika,
Ethiopia”. Nature, v. 466, pp. 857-60, 2010; David Braun, “Australopithecine Butchers”.
Nature, v. 466, 828, 2010.
33. As primeiras ferramentas não eram mais sofisticadas do que aquelas que os
chimpanzés usam hoje, e é muito difícil distingui-las das rochas lascadas por processos
naturais. De fato, várias espécies de primatas, não apenas hominíneos, são conhecidas
por selecionar seixos e movê-los para áreas específicas para uso. É difícil distinguir
alguns desses artefatos daqueles atribuídos aos primeiros hominíneos. (Veja Michael
Haslam et al., “Primate Archaeology Evolves”. Nature Ecology & Evolution, v. 1, pp. 1431-7,
2017.)
34. Veja Katherine D. Zink e Daniel E. Lieberman, “Impact of Meat and Lower Palaeolithic
Food Processing Techniques on Chewing in Humans”. Nature, v. 531, pp. 500-3, 2016.
PELO MUNDO TODO
1. … que é a mesma coisa que 23,5 graus a partir da vertical, mas expresso como uma
divergência da horizontal. Os dois valores somam noventa graus.
2. O mesmo vale para as estrelas do hemisfério Sul. No entanto, aparentemente, a
região celestial do polo Sul é um pedaço de céu especialmente monótono e chato, com
nada de muito especial e certamente nenhuma estrela proeminente para marcar o
equivalente a Polaris.
[3] Isso foi calculado por um matemático chamado Milutin Milankovic (1879­-1958), que
fez tudo sem computador. Imagine só.
[4] Essa é uma das minhas poucas descobertas genuínas, que se encontra, jamais lida,
em minha tese de doutorado.
5. Para além do fato de eu ser britânico e ter estudado a fauna da era glacial da Grã-
Bretanha para minha tese de doutorado, há uma boa razão para escolher a Grã-
Bretanha como exemplo. Como uma ilha na borda ocidental de uma grande massa de
terra, ela foi vítima das mudanças climáticas mais extremas nesse período, e por isso é
um bom exemplo da situação geral. Essa é a minha desculpa. E não vou ceder.
6. Veja Glen A. Jones, “A Stop-Start Ocean Conveyer”. Nature, v. 349, pp. 364-5, 1991.
7. Esses pulsos repentinos de desprendimento de icebergs são conhecidos como
eventos de Heinrich. Veja Jeremy Bassis et al., “Heinrich Events Triggered by Ocean
Forcing and Modulated by Iostatic Adjustment”. Nature, v. 542, pp. 332-4, 2017; Andreas
Vieli, “Pulsating Ice Sheet”. Nature, v. 542, pp. 298-9, 2017.
8. Isso é capturado de forma surpreendente no solo. Os leitos fósseis na Etiópia que
abrangem a transição mostram uma diminuição acentuada nas espécies que gostam de
florestas mistas, como o Australopithecus, e um aumento nas espécies de campo
aberto, como cavalos, camelos — e o Homo. Veja Zeresenay Alemseged et al., “Fossils
from Mille-Logya, Afar, Ethiopia, Elucidate the Link Between Pliocene Environmental
Change and Homo Origins”. Nature Communications, v. 11, 2480, 2020.
9. Veja Dennis Bramble e Daniel Lieberman, “Endurance Running and the Evolution of
Homo”. Nature, v. 432, pp. 345-52, 2004, para um ensaio convincente sobre a
importância da corrida de resistência na história humana. Devo acrescentar que sua
exegese sobre anatomia diz respeito ao Homo sapiens, não ao Homo erectus
especificamente, então tomei algumas liberdades. Dito isso, o Homo erectus foi o
primeiro hominíneo com uma forma corporal muito semelhante à dos humanos
modernos.
[ 10] O termo “tribo” nesse sentido refere-se a um grupo distinto de indivíduos ligados
por parentesco e tradição que vivem mais ou menos no mesmo lugar e são distintos
culturalmente e, em parte, geneticamente de outros grupos semelhantes.
11. Uma comparação das taxas de violência letal em mamíferos mostra que hominíneos e
primatas são mais violentos que mamíferos em geral. (Veja José María Gómez et al.,
“The Phylogenetic Roots of Human Lethal Violence”. Nature, v. 538, pp. 233-7, 2016, com
o comentário de Mark Pagel, “Lethal Violence Deep in the Human Lineage”. Nature, v.
538, pp. 180-1, 2016.)
12. … com um pênis minúsculo. O membro masculino ereto de um gorila tem cerca de
três centímetros de comprimento. Mesmo um homem humano médio pode adicionar
dez centímetros a isso. Veja Mark Maslin, “Why Did Humans Evolve Big Penises But Small
Testicles?”. The Conversation, 25 jan. 2017; David Veale et al., “Am I Normal? A Systemic
Review and Construction of Nomograms for Flaccid and Erect Penis Length and
Circumference in up to 15,521 Men”. BJU International, v. 115, pp. 978-86, 2015.
13. Veja Sigrunn Eliassen e Christian Jørgensen, “Extra-Pair Mating and Evolution of
Cooperative Neighbourhoods”. PloS ONE, 2014. Disponível em:
<www.doi.org/10.1371./journal.pone.0099878>. Acesso em: 27 fev. 2024; Ben C. Sheldon
e Marc Mangel, “Love Thy Neighbour”. Nature, v. 512, pp. 381-2, 2014.
14. Alan Walker e Pat Shipman descrevem o Homo erectus como tal em seu perspicaz
livro The Wisdom of Bones (Nova York: Vintage, 1997).
15. Veja Christopher Dean et al., “Growth Processes in Teeth Distinguish Modern
Humans from Homo erectus and Earlier Hominins”. Nature, v. 414, pp. 628-31, 2001; e o
comentário de Jacopo Moggi-Cecchi, “Questions of Growth”. Nature, v. 414, pp. 595-7,
2001.
16. Embora as primeiras ferramentas acheulenses conhecidas tenham sido encontradas
na África (veja, por exemplo, Berhane Asfaw et al., “The Earliest Acheulean from Konso-
Gardula”. Nature, v. 360, pp. 732-5, 1992), a cultura como um todo é nomeada em
homenagem a Saint-Acheul, um sítio arqueológico na França onde ela foi descoberta.
17. Jorge Luis Borges, “There are more things”. In: O livro de areia. Trad. de Davi
Arrigucci Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, pp. 43-50.
18. Veja Josephine Joordens et al., “Homo erectus at Trinil on Java Used Shells for Tool
Production and Engraving”. Nature, v. 518, pp. 228-31, 2015.
19. As pessoas sempre ficaram surpresas ao saber que os humanos são parentes
próximos dos chimpanzés, do gorila e do orangotango. Considerações religiosas à
parte, os humanos são surpreendentemente diferentes dessas criaturas. A razão é que,
enquanto os humanos mudaram muito em relação ao ancestral comum que
compartilhamos com os macacos, os macacos mudaram muito menos.
20. O primeiro fóssil conhecido atribuível ao Homo erectus é uma parte de um crânio da
caverna Drimolen, na África do Sul, datado em pouco mais de 2 milhões de anos atrás:
veja Andy Herries et al., “Contemporaneity of Australopithecus, Paranthropus and
Early Homo erectus in South Africa”. Science, v. 368, 2020. Disponível em: <www.doi:
10.1126/science.aaw7293>. Acesso em: 21 fev. 2024. O exemplo mais completo de Homo
erectus africano é o esqueleto de um jovem do Quênia: veja Frank Brown et al., “Early
Homo erectus Skeleton from West Lake Turkana, Kenya”. Nature, v. 316, pp. 788-92, 1985.
A forma longa e esguia do esqueleto contrasta marcadamente com as estruturas mais
atarracadas dos hominíneos anteriores.
21. Veja Min Zhu et al., “Hominin Occupation of the Chinese Loess Plateau Since About
2.1 Million Years Ago”. Nature, v. 559, pp. 608-12, 2018.
22. Veja Guanjun Shen et al., “Age of Zhoukoudian Homo erectus Determined with
26Al/10Be Burial Dating”. Nature, v. 458, pp. 198-200, 2009; e o comentário de Russell L.
Ciochon e E. Arthur Bettis, “Asian Homo erectus Converge in Time”. Nature, v. 458, pp.
153-4, 2009.
23. Veja Jeffrey Schwartz, “Why Constrain Hominid Taxic Diversity?”. Nature Ecology &
Evolution, 5 ago. 2019. Disponível em: <www.doi.org/10.1038/s41559-019-0959-2>.
Acesso em: 27 fev. 2024, para um argumento incisivo em favor da diversidade
taxonômica de Homo erectus.
24. Considerando que todas as espécies têm formalmente um nome binomial que
consiste em um gênero (Homo) e uma espécie (como sapiens), e também podem
adquirir um nome subespecífico (como, bem, sapiens, o que dá Homo sapiens sapiens),
esses povos antigos adquiriram, recentemente, um tetranômio, Homo erectus ergaster
georgicus, um nome único nos anais da nomenclatura, exceto talvez por membros da
família real britânica, e que apenas sublinha o fato de que ser membro de Homo erectus
é uma religião muito aberta. Veja Leo Gabunia e Abesalom Vekua, “A Plio-Pleistocene
Hominid from Dmanisi, East Georgia, Caucasus”. Nature, v. 373, pp. 509-12, 1995; David
Lordkipanidze et al., “A Complete Skull from Dmanisi, Georgia, and the Evolutionary
Biology of Early Homo”. Science, v. 342, pp. 326-31, 2013, para esse nome notável e uma
discussão sobre os problemas concretos de enfiar espécimes fósseis no que poderiam
ter sido espécies de graus desconhecidos de variação.
25. Veja Yan Rizal et al., “Last Appearance of Homo erectus at Ngandong, Java, 117,000-
108,000 Years Ago”. Nature, v. 577, pp. 381-5, 2020.
26. Veja C. Swisher et al., “Latest Homo erectus of Java: Potential Contemporaneity
with Homo sapiens in Southeast Asia”. Science, v. 274, pp. 1870-4, 1996.
27. Veja Thomas Ingicco et al., “Earliest Known Hominin Activity in the Philippines by 709
Thousand Years Ago”. Nature, v. 557, pp. 233-7, 2018.
28. Veja Florent Détroit et al., “A New Species of Homo from the Late Pleistocene of the
Philippines”. Nature, v. 568, pp. 181-6, 2019, e o comentário de Matthew W. Tocheri,
“Previously Unknown Human Species Found in Asia Raises Questions About Early
Hominin Dispersals from Africa”. Nature, v. 568, pp. 176-8, 2019.
29. Veja Peter Brown et al., “A New Small-Bodied Hominin from the Late Pleistocene of
Flores, Indonesia”. Nature, v. 431, pp. 1055-61, 2004, com comentário de Marta Mirazón
Lahr e Robert Foley, “Human Evolution Writ Small”. Nature, v. 431, pp. 1043-4, 2004; M. J.
Morwood et al., “Further Evidence for Small-Bodied Hominins from the Late Pleistocene
of Flores, Indonesia”. Nature, v. 437, pp. 1012-7, 2005; e a coleção on-line The Hobbit at
10. Disponível em: <www.nature.com/collections/baiecchdeh>. Acesso em: 28 fev. 2024.
30. Veja Thomas Sutikna et al., “Revised Stratigraphy and Chronology for Homo
floresiensis at Liang Bua in Indonesia”. Nature, v. 532, pp. 366-9, 2016; Gerrit D. van den
Bergh et al., “Homo floresiensis-like Fossils from the Early Middle Pleistocene of Flores”.
Nature, v. 534, pp. 245-8, 2016; Adam Brumm et al., “Early Stone Technology on Flores
and its Implications for Homo floresiensis”. Nature, v. 441, pp. 624-8, 2006.
31. Esses ratos ainda existem e são acompanhados por ratos de tamanho médio e ratos
pequenos. Quando visitei a caverna de Liang Bua em Flores, onde os primeiros
espécimes de Homo floresiensis foram desenterrados, passei um dia feliz ajudando o dr.
Hanneke Meijer a organizar as centenas de ossos de ratos em diferentes classes de
tamanho, além de centenas de ossos de morcegos, e — o interesse especial de Hanneke
— os menos frequentes, mas muito valorizados, ossos de aves. Esses ossos tinham sido
arduamente extraídos de cada grama de sedimento escavado do solo e colocados em
sacos marcados com a localização tridimensional exata onde o sedimento fora
encontrado. Os trabalhadores do acampamento levaram os sacos pesados morro
abaixo até os arrozais, peneiraram os ossos e os levaram de volta para nós os
estudarmos. Qualquer escavação deve dar enorme crédito ao trabalho árduo da equipe
de bastidores que torna possíveis as grandes descobertas, aquelas anunciadas com
fanfarra em revistas científicas internacionais.
32. Victoria Herridge me lembrou de fazer menção especial aos elefantes anões. Não
posso deixar de imaginar que elefantes e pessoas ficaram cada vez menores, até ficarem
microscópicos e, efetivamente invisíveis, desaparecerem de vista, como o protagonista
de O incrível homem que encolheu (1957).
33. Veja José-María Bermúdez de Castro et al., “A Hominid from the Lower Pleistocene
of Atapuerca, Spain: Possible Ancestor to Neandertals and Modern Humans”. Science, v.
276, pp. 1392-5, 1997; Simon A. Parfitt et al., “Early Pleistocene Human Occupation at the
Edge of the Boreal Zone in Northwest Europe”. Nature, v. 466, pp. 229-33, 2010, com o
comentário de Andrew P. Roberts e Rainer Grün, “Archaeology: Early Human
Northerners”. Nature, v. 466, pp. 189-90, 2010; Nick Ashton et al., “Hominin Footprints
from Early Pleistocene Deposits at Happisburgh, UK”. PloS ONE, 2014. Disponível em:
<www.doi.org/10.1371/journal.pone.0088329>. Acesso em: 27 fev. 2024.
34. Veja Frido Welker et al., “The Dental Proteome of Homo antecessor”. Nature, v. 580,
pp. 235-8, 2020.
35. Veja Hartmut Thieme, “Lower Palaeolithic Hunting Spears from Germany”. Nature, v.
385, pp. 807-10, 1997.
36. Veja Mark Roberts et al., “A Hominid Tibia from Middle Pleistocene Sediments at
Boxgrove, UK”. Nature, v. 369, pp. 311-3, 1994.
37. Veja Juan-Luis Arsuaga et al., “Three New Human Skulls from the Sima de los Huesos
Middle Pleistocene Site in Sierra de Atapuerca, Spain”. Nature, v. 362, pp. 534-7, 1993.
38. O DNA nuclear mostra que os indivíduos de Atapuerca eram parentes mais
próximos dos neandertais que de qualquer outro hominíneo. Veja Matthias Meyer et al.,
“Nuclear DNA Sequences from the Middle Pleistocene Sima de los Huesos Hominins”.
Nature, v. 531, pp. 504-7, 2016.
39. Veja Jacques Jaubert et al., “Early Neanderthal Constructions Deep in Bruniquel
Cave in Southwestern France”. Nature, v. 534, pp. 111-4, 2016; e o comentário de Marie
Soressi, “Neanderthals Built Underground”. Nature, v. 534, pp. 43-4, 2016.
40. Os denisovanos têm esse nome por causa da caverna Denisova nas montanhas do
Altai, no sul da Sibéria, onde seus vestígios foram identificados pela primeira vez. Eles
não têm — ainda — um nome zoológico formal.
41. Veja Fahu Chen et al., “A Late Middle Pleistocene Denisovan Mandible from the
Tibetan Plateau”. Nature, v. 569, pp. 409-12, 2019.
42. Se foi assim, eles pisaram muito levemente mesmo. Argumenta-se, de forma muito
controversa, que um local de morte de mastodontes no sul da Califórnia datado em
cerca de 125 mil anos atrás foi formado por ação humana. Se for verdade, isso é muito
anterior à data de início da ocupação humana nas Américas, que, de acordo com os mais
otimistas, é de, no máximo, 30 mil anos atrás. (Veja Steven Holen et al., “A 130,000-Year-
Old Archaeological Site in Southern California, USA”. Nature, v. 544, pp. 479-83, 2017.)
43. Veja David Reich et al., “Genetic History of an Archaic Hominin Group from Denisova
Cave in Siberia”. Nature, v. 468, pp. 1053-60, 2010; e o comentário de Carlos D.
Bustamante e Brenna M. Henn, “Shadows of Early Migrations”. Nature, v. 468, pp. 1044-
5, 2010.

O FIM DA PRÉ-HISTÓRIA
1. Veja Ana Navarrete et al., “Energetics and the Evolution of Human Brain Size”. Nature,
v. 480, pp. 91-3, 2011; Richard Potts, “Big Brains Explained”. Nature, v. 480, pp. 43-4, 2011.
2. A seleção natural também favoreceu a preferência masculina por formas de corpo
feminino mais curvilíneas: veja Douglas W. Yu e Glenn H. Shepard Jr., “Is Beauty in the
Eye of the Beholder?”. Nature, v. 396, pp. 321-2, 1998.
3. Veja Kristen Hawkes, “Grandmothers and the Evolution of Human Longevity”.
American Journal of Human Biology, v. 15, pp. 380-400, 2003. É desnecessário dizer que
a hipótese da avó, como tudo o mais na evolução da história da vida humana, é
controversa, mas é a que parece fazer mais sentido para mim.
4. Isso explica por que os homens têm mamilos. Como as fêmeas têm seios e mamilos, os
machos também têm mamilos, embora menores e não funcionais. Eles também incorrem
em um custo: o câncer de mama ocorre nos homens, assim como nas mulheres, mas é
raro. Paradoxalmente, a evolução das preferências femininas de escolha de parceiros
faz com que características prejudiciais sejam mantidas nos machos. (Veja Pavitra
Muralidhar, “Mating Preferences of Selfish Sex Chromosomes”. Nature, v. 570, pp. 376-9;
Mark Kirkpatrick, “Sex Chromosomes Manipulate Mate Choice”. Nature, v. 570, pp. 311-
2, 2019.)
5. Sou grato a Simon Conway Morris por este insight.
6. Jared Diamond especula que o aumento do diabetes tipo 2, em especial entre pessoas
que até recentemente viviam em dietas de subsistência, é o resultado de uma mudança
repentina para o estilo de vida ocidental em que não há fome e é comum a ingestão em
excesso de alimentos açucarados. (Veja Jared Diamond, “The Double Puzzle of
Diabetes”. Nature, v. 423, pp. 599-602, 2003.)
7. O Homo rhodesiensis, uma criatura semelhante ao Homo heidelbergensis, viveu na
África Central há cerca de 300 mil anos (veja Rainer Grün et al., “Dating the Skull from
Broken Hill, Zambia, and Its Position in Human Evolution”. Nature, v. 580, pp. 372-5,
2020), mas houve outros. Uma espécie de hominíneo com um crânio notavelmente
arcaico viveu na Nigéria até recentemente, há 11 mil anos (veja Katerina Harvati et al.,
“The Later Stone Age Calvaria from Iwo Eleru, Nigeria: Morphology and Chronology”.
PloS ONE, 2011. Disponível em: <www.doi.org/10.1371/journal.pone.0024024>. Acesso
em: 27 fev. 2024). Há evidências de outras espécies arcaicas na África, preservadas
apenas na forma de fragmentos de DNA em humanos modernos — como muitos gatos
de Cheshire, que vão desaparecendo gradualmente até que restem apenas seus
sorrisos. (Veja, por exemplo, PingHsun Hsieh et al., “Model-Based Analyses of Whole-
Genome Data Reveal a Complex Evolutionary History Involving Archaic Introgression in
Central African Pygmies”. Genome Research, v. 26, pp. 291-300, 2016.)
8. As primeiras evidências conhecidas do surgimento do Homo sapiens datam de cerca
de 315 mil anos atrás e vêm do Marrocos (veja Jean-Jacques Hublin et al., “New Fossils
from Jebel Irhoud, Morocco, and the Pan-African Origin of Homo sapiens”. Nature, v.
546, pp. 289-92, 2017; Daniel Richter et al., “The Age of the Hominin Fossils from Jebel
Irhoud, Morocco, and the Origins of the Middle Stone Age”. Nature, v. 546, pp. 293-6,
2017; Chris Stringer e Julia Galway-Witham, “On the Origin of Our Species”. Nature, v.
546, pp. 212-4, 2017). Entre outros espécimes antigos de Homo sapiens há vestígios de
Kibish, na Etiópia, datados em cerca de 195 mil anos atrás (Ian McDougall et al.,
“Stratigraphic Placement and Age of Modern Humans from Kibish, Ethiopia”. Nature, v.
433, pp. 733-6, 2005), e o Médio Awash, também na Etiópia (veja Tim White et al.,
“Pleistocene Homo sapiens from Middle Awash, Ethiopia”. Nature, v. 423, pp. 742-7, 2003;
Chris Stringer, “Out of Ethiopia”. Nature, v. 423, pp. 693-5, 2003).
9. Veja Katerina Harvati et al., “Apidima Cave Fossils Provide Earliest Evidence of Homo
sapiens in Eurasia”. Nature, v. 571, pp. 500-4, 2019; Frank McDermott et al., “Mass-
Spectrometric U-series Dates for Israeli Neanderthal/Early Modern Hominid Sites”.
Nature, v. 363, pp. 252-5, 1993; Israel Hershkovitz et al., “The Earliest Modern Humans
Outside Africa”. Science, v. 359, pp. 456-9, 2018.
10. Veja Eva Chan et al., “Human Origins in a Southern African Palaeo-Wetland and First
Migrations”. Nature, v. 575, pp. 185-9, 2019.
11. Veja Christopher Henshilwood et al., “A 100,000-year-old Ochre-Processing
Workshop at Blombos Cave, South Africa”. Science, v. 334, pp. 219-22, 2011.
12. Veja Christopher Henshilwood et al., “An Abstract Drawing from the 73,000-year-
old Levels at Blombos Cave, South Africa”. Nature, v. 562, pp. 115-8, 2018.
13. Veja Kyle Brown et al., “An Early and Enduring Advanced Technology Originating
71,000 Years Ago in South Africa”. Nature, v. 491, pp. 590-3.
14. Veja Teresa Rito et al., “A Dispersal of Homo sapiens from Southern to Eastern Africa
Immediately Preceded the Out-of-Africa Migration”. Scientific Reports, v. 9, 4728, 2019.
15. Toba superou e muito a famosa erupção do Tambora, também na Indonésia, em 1815,
que deu início ao “ano sem verão”, quando um grupo de radicais que esperava desfrutar
de férias de verão acabou se refugiando em uma vila no lago Genebra e se divertindo ao
compor histórias de terror. Uma das pessoas do grupo era a adolescente Mary Shelley,
que criou a história Frankenstein ou o Prometeu moderno. Certamente, algo guardado
para um dia de chuva.
16. Veja Eugene Smith et al., “Humans Thrived in South Africa Through the Toba
Eruption About 74,000 Years Ago”. Nature, v. 555, pp. 511-5, 2018.
17. Veja Michael Petraglia et al., “Middle Paleolithic Assemblages from the Indian
Subcontinent Before and After the Toba Super-Eruption”. Science, v. 317, pp. 114-6,
2007.
18. Veja Kira Westaway et al., “An Early Modern Human Presence in Sumatra 73,000-
63,000 Years Ago”. Nature, v. 548, pp. 322-5, 2017.
19. Esse aparenta ser o caso dos australopitecos. A análise de traços químicos no
esmalte dos dentes de australopitecos mostra que os indivíduos menores —
presumivelmente do sexo feminino — se movimentavam mais que os machos ao longo da
vida. (Veja Sandi Copeland et al., “Strontium Isotope Evidence for Landscape Use by
Early Hominins”. Nature, v. 474, pp. 76-8, 2011; Margaret Schoeninger, “In Search of the
Australopithecines”. Nature, v. 474, pp. 43-5, 2011.)
20. Veja Axel Timmermann e Tobias Friedrich, “Late Pleistocene Climate Drivers of Early
Human Migration”. Nature, v. 538, pp. 92-5, 2016.
21. Veja Chris Clarkson et al., “Human Occupation of Northern Australia by 65,000
Years Ago”. Nature, v. 547, pp. 306-10, 2017.
22. Veja, por exemplo, Fernando A. Villanea e Joshua G. Schraiber, “Multiple Episodes of
Interbreeding Between Neanderthals and Modern Humans”. Nature Ecology & Evolution,
v. 3, pp. 39-44, 2019, com comentário de Fabrizio Mafessoni, “Encounters with Archaic
Hominins”. Nature Ecology & Evolution, v. 3, pp. 14-5, 2019; Sriram Sankararaman et al.,
“The Genomic Landscape of Neanderthal Ancestry in Present-Day Humans”. Nature, v.
507, pp. 354-7, 2014.
23. Veja Emilia Huerta-Sánchez et al., “Altitude Adaptation in Tibetans Caused by
Introgression of Denisovan-like DNA”. Nature, v. 512, pp. 194-7, 2014.
24. Veja Jean-Jacques Hublin et al., “Initial Upper Palaeolithic Homo sapiens from Bacho
Kiro Cave, Bulgaria”. Nature, v. 581, pp. 299-302, 2020, com comentário de Helen Fewlass
et al., “A 14C Chronology for the Middle to Upper Palaeolithic Transition at Bacho Kiro
Cave, Bulgaria”. Nature Ecology & Evolution, v. 4, pp. 794-801, 2020, e comentário de
William E. Banks, “Puzzling out the Middle-to-Upper Palaeolithic Transition”. Nature
Ecology & Evolution, v. 4, pp. 775-6, 2020. Veja também Miguel Cortés-Sanchéz et al., “An
Early Aurignacian Arrival in South-Western Europe”. Nature Ecology & Evolution, v. 3,
pp. 207-12, 2019; Stefano Benazzi et al., “Early Dispersal of Modern Humans in Europe
and Implications for Neanderthal Behaviour”. Nature, v. 479, pp. 525-8, 2011.
25. Veja Tom Higham et al., “The Timing and Spatiotemporal Patterning of Neanderthal
Disappearance”. Nature, v. 512, pp. 306-9, 2014, com comentário de William Davies, “The
Time of the Last Neanderthals”. Nature, v. 512, pp. 260-1, 2014.
26. “Você está me dizendo que eles copularam?”, perguntou um membro idoso e
incrédulo da plateia, em tom afetado, a um palestrante que abordava esse tema sensível
em uma reunião sobre DNA antigo na Royal Society, em Londres. Sentado em algum
lugar no fundo, fiquei tentado a me levantar e responder, em um tom igualmente
imperioso, que “não só eles copularam, mas sua união foi abençoada com muitos
descendentes!”. Permaneci no meu assento.
27. Veja Oren Koldony e Marcus W. Feldman, “A Parsimonious Neutral Model Suggests
Neanderthal Replacement Was Determined by Migration and Random Species Drift”.
Nature Communications, v. 8, 1040, 2017; Christopher Stringer e Clive Gamble, In
Search of the Neanderthals (Londres: Thames & Hudson, 1994). Mecanismos
semelhantes foram observados em outras espécies. O esquilo cinzento norte-
americano, por exemplo, foi introduzido na Inglaterra no século 18. Duzentos anos
depois, ele havia praticamente substituído o esquilo vermelho nativo, em virtude de uma
reprodução mais rápida e uma atitude mais agressiva em relação à posse de território.
(Veja Akira Okubo et al., “On the Space Spread of the Grey Squirrel in Britain”.
Proceedings of the Royal Society of London Series B, v. 238, pp. 113-25, 1989.)
28. Veja João Zilhão et al., “Precise Dating of the Middle-to-Upper Paleolithic Transition
in Murcia (Spain) Supports Late Neandertal Persistence in Iberia”. Heliyon, v. 3, e00435,
2017.
29. Veja Ludovic Slimak et al., “Late Mousterian Persistence Near the Arctic Circle”.
Science, v. 332, pp. 841-5, 2011.
30. Veja Krist Vaesen et al., “Inbreeding, Allee Effects and Stochasticity Might Be
Sufficient to Account for Neanderthal Extinction”. PLoS ONE, v. 14, e0225117, 2019.
31. Veja Jared Diamond, “The Last People Alive”. Nature, v. 370, pp. 331-2, 1994.
32. Veja Qiaomei Fu et al., “An Early Modern Human from Romania with a Recent
Neanderthal Ancestor”. Nature, v. 524, pp. 216-9, 2015.
33. Veja Nicholas Conard et al., “New Flutes Document the Earliest Musical Tradition In
Southwestern Germany”. Nature, v. 460, pp. 737-40, 2009.
34. Veja Nicholas Conard, “Palaeolithic Ivory Sculptures from Southwestern Germany
and the Origins of Figurative Art”. Nature, v. 426, pp. 830-2, 2003.
35. Veja Maxime Aubert et al., “Pleistocene Cave Art from Sulawesi, Indonesia”. Nature,
v. 514, pp. 223-7, 2014; Maxime Aubert et al., “Palaeolithic Cave Art in Borneo”. Nature, v.
564, pp. 254-7, 2018.
36. Veja David Lubman, “Did Paleolithic Cave Artists Intentionally Paint at Resonant
Cave Locations?”. Journal of the Acoustical Society of America, v. 141, 3999, 2017.

O PASSADO DO FUTURO
1 Eu chamo isso de “o princípio Kariênina”. De nada.
[ ]
2. Dark Eden, romance de Chris Beckett (Londres: Corvus, 2012), é a história de John
Redlantern, um dos 532 descendentes de dois astronautas presos em um planeta
distante. É uma história comovente dos esforços desesperados de uma pequena
comunidade para sobreviver, apesar dos efeitos da malformação congênita causada
pela endogamia.
3. Faz lembrar da trágica história do Dedeckera eurekensis, um arbusto confinado ao
deserto de Mojave. Ele evoluiu em circunstâncias mais brandas, mas a incapacidade de
se adaptar gerou uma série de anormalidades genéticas que resultaram na
incapacidade quase total de se reproduzir. (Veja Delbert Wiens et al., “Developmental
Failure and Loss of Reproductive Capacity in the Rare Palaeoendemic Shrub Dedeckera
eurekensis”. Nature, v. 338, pp. 65-7, 1989.)
4. Veja Anu Sang et al., “Indirect Evidence for an Extinction Debt of Grassland
Butterflies Half Century After Habitat Loss”. Biological Conservation, v. 143, pp. 1405-
13, 2010.
5. Veja David Tilman et al., “Habitat Destruction and the Extinction Debt”. Nature, v. 371,
pp. 65-6, 1994.
6. Veja Anthony J. Stuart, Vanished Giants (Chicago: University of Chicago Press, 2020)
para um relato abrangente e legível das extinções do final do Pleistoceno.
7. Veja Anthony J. Stuart et al., “Pleistocene to Holocene Extinction Dynamics in Giant
Deer and Woolly Mammoth”. Nature, v. 431, pp. 684-9, 2004.
8. Por exemplo, em minha tese de doutorado não publicada e nunca lida, Bovidae from
the Pleistocene of Britain (Fitzwilliam College, University of Cambridge, 1991), mostro
que um tipo de bisão pequeno e robusto era comum na Grã­-Bretanha no meio da era do
gelo mais recente, mas foi substituído por uma forma maior à medida que a era do gelo
progredia. Os bisões também eram comuns durante o período interglacial anterior de
Ipswich, mas eram maiores e viviam na Inglaterra fora do vale do Tâmisa — naquela
época, Londres era o país dos auroques. No Hoxnian, um ou dois interglaciais antes, os
auroques eram comuns, e os bisões não eram encontrados em parte alguma, nem
mesmo por dinheiro vivo. E mesmo antes disso, no Cromerian, não havia auroques, mas
havia bisões — de outro tipo. Mas os sedimentos do Pleistoceno na Grã-Bretanha são
comuns e é (relativamente) fácil colocá-los em ordem. Tal resolução não seria possível
com depósitos, digamos, de idade permiana.
9. Há muito se pensa que a chegada humana às Américas não poderia ter sido anterior a
cerca de 15 mil anos atrás. No entanto, a nova arqueologia e métodos de datação
reformulados mostram que os humanos estavam presentes, ainda que esparsamente,
há cerca de 30 mil anos, ou até antes. (Veja Lorena Becerra-Valdivia e Thomas Higham,
“The Timing and Effect of the Earliest Human Arrivals in North America”, 2020.
Disponível em: <www.doi.org/10.1038/s41586-020-2491-6>. Acesso em: 27 fev. 2024;
Ciprian Ardelean et al., “Evidence for Human Occupation in Mexico Around the Last
Glacial Maximum”. Nature, v. 584, pp. 87-92, 2020.)
[10] A Lua também. Mas como esta história é sobre a vida na Terra, isso sem dúvida
foge do escopo da minha tarefa.
11. Veja Dolores Piperno et al., “Processing of Wild Cereal Grains in the Upper
Palaeolithic Revealed by Starch Grain Analysis”. Nature, v. 430, pp. 670-3, 2004.
12. Veja Jared Diamond, “Evolution, Consequences and Future of Plant and Animal
Domestication”. Nature, v. 418, pp. 700-7, 2002.
13. Veja Fridolin Krausmann et al., “Global Human Appropriation of Net Primary
Production Doubled in the 20th Century”. Proceedings of the National Academy of
Sciences of the United States of America, v. 110, pp. 10324-9, 2013.
14. Caso esteja interessado, eu nasci em 1962. “Good Luck Charm”, de Elvis Presley, ficou
no topo da Billboard Hot 100 e no Top of the Pops do Reino Unido.
15. A Taxa de Fecundidade Total (TFT) — a taxa em que os bebês devem nascer para
superar a taxa de mortalidade — é de 2,1 filhos por mãe: seria 2,0, mas um pouco é
adicionado para compensar eventuais problemas nos primeiros anos e o fato de que
crianças do sexo masculino são mais propensas a morrer que as do sexo feminino. Em
2100, 183 países (dos 195 estudados) terão uma TFT inferior a essa, e a população global
será menor do que é agora. Em alguns países, como Espanha, Tailândia e Japão, a
população terá diminuído pela metade até essa data. (Veja Stein Emil Vollset et al.,
“Fertility, Mortality, Migration and Population Scenarios for 195 Countries and
Territories from 2017 to 2100: A Forecasting Analysis for the Global Burden of Disease
Study”. The Lancet, v. 396, 10258, 2020. Disponível em: <www.doi.org/10.1016/S0140-
6736(20)30677-2>. Acesso em: 27 fev. 2024.)
16. Veja Henrik Kaessmann et al., “Great Ape DNA Sequences Reveal a Reduced Diversity
and an Expansion in Humans”. Nature Genetics, v. 27, pp. 155-6, 2001; Henrik Kaessmann
et al., “Extensive Nuclear DNA Sequence Diversity Among Chimpanzees”. Science, v. 286,
pp. 1159-62, 1999.
[17] Devo dizer que, deste ponto em diante, a maior parte do que digo é especulação, ou
o que os cientistas chamam de “invencionices”. Como alguém disse uma vez, é muito
difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro.
18. Tomei emprestada essa imagem impressionante de After Man: A Zoology of the
Future (Granada Publishing, 1982), em que Dougal Dixon especula sobre os animais que
podem surgir 50 milhões de anos após o fim da humanidade. O “predador noturno” é um
horrível carnívoro derivado de morcego que ronda as florestas noturnas de uma massa
de terra vulcânica recém-formada chamada Batávia, colonizada apenas por morcegos.
As criaturas se transformam, ocupando muitos nichos ecológicos diferentes dos que
geralmente são ocupados por morcegos.
19. Se você quiser passar uma noite preocupado e insone, leia The Life and Death of
Planet Earth, de Peter Ward e Donald Brownlee (Times Books, Henry Holt and Co.,
2002), no qual esses dois fatores são explorados sem piedade.
20. A concentração atmosférica de dióxido de carbono nos últimos 800 mil anos nunca
ultrapassou cerca de 300 ppm. Em 2018, como fruto da atividade humana, ultrapassou
400 ppm, uma concentração que não era vista havia mais de 3 milhões de anos. (Veja
Koji Hashimoto, “Global Temperature and Atmospheric Carbon Dioxide Concentration”.
In: Global Carbon Dioxide Recycling. Singapore: Springer, 2019, Coleção SpringerBriefs
in Energy.)
21. É claro que a explicação é mais complexa que isso. A imagem que acabei de pintar
baseia-se na ideia de que é apenas rocha de silicato nua e sem vida que é intemperizada.
Embora isso fosse verdade há bilhões de anos, a presença da vida muda o jogo. A
presença de matéria orgânica e rocha sedimentar rica em carbonatos influencia a taxa
de intemperismo tanto para cima quanto para baixo, de maneiras difíceis de prever
(Robert G. Hilton e A. Joshua West, “Mountains, Erosion and the Carbon Cycle”. Nature
Reviews Earth & Environment, v. 1, pp. 284-99, 2020). Além disso, a maior parte do
carbono em terra é armazenada em um substrato inteiramente gerado pela vida; isto é,
o solo. O aumento da temperatura estimula uma maior respiração dos micróbios do
solo, cujo resultado é a liberação de dióxido de carbono na atmosfera (Thomas
Crowther et al., “Quantifying Global Soil Carbon Losses in Response to Warming”.
Nature, v. 540, pp. 104-8, 2016). Esses e outros processos influenciam a transferência
de dióxido de carbono da atmosfera para o mar profundo.
22. Outra complicação é que, há cerca de 800 milhões de anos, a Terra pode ter sido
atingida uma ou mais vezes por asteroides: um levantamento de crateras na Lua mostra
um aumento nos impactos nessa época. (Veja Kentaro Terada et al., “Asteroid Shower
on the Earth-Moon System Immediately Before the Cryogenian Period Revealed by
Kaguya”. Nature Communications, v. 11, 3453, 2020.)
23. Veja Luc Simon et al., “Origin and Diversification of Endomycorrhizal Fungi and
Coincidence with Vascular Land Plants”, op. cit.
24. Veja Suzanne W. Simard et al., “Net Transfer of Carbon Between Ectomycorrhizal
Tree Species in the Field”. Nature, v. 388, pp. 579-82, 1997; Yuan Yuan Song et al.,
“Defoliation of Interior Douglas-fir Elicits Carbon Transfer and Stress Signalling to
Ponderosa Pine Neighbors Through Ectomycorrhizal Networks”. Scientific Reports, v. 5,
8495, 2015 e John Whitfield, “Underground Networking”. Nature, v. 449, pp. 136-8, 2007.
25. Veja Myron L. Smith et al., “The Fungus Armillaria bulbosa Is Among the Largest and
Oldest Living Organisms”. Nature, v. 356, pp. 428-31, 1992.
26. Hymenoptera começou a se diversificar há cerca de 281 milhões de anos (Ralph
Peters et al., “Evolutionary History of the Hymenoptera”. Current Biology, v. 27, pp.
1013-8, 2017); as primeiras mariposas conhecidas viveram há 300 milhões de anos (Akito
Kawahara et al., “Phylogenomics Reveals the Evolutionary Timing and Pattern of
Butterflies and Moths”. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United
States of America, v. 116, pp. 22657-63, 2019).
27. Para uma introdução útil, que explica por que, quando comemos um figo, não ficamos
com a boca cheia de vespas, veja James M. Cook e Stuart A. West, “Figs and Fig Wasps”.
Current Biology, v. 15, pp. 978-80, 2005.
28. Veja Carol A. Sheppard e Richard A. Oliver, “Yucca Moths and Yucca Plants:
Discovery of ‘the Most Wonderful Case of Fertilisation’”. American Entomologist, v. 50,
pp. 32-46, 2004.
29. Veja Deborah M. Gordon, “The Rewards of Restraint in the Collective Regulation of
Foraging by Harvester Ant Colonies”. Nature, v. 498, pp. 91-3, 2013.
30. Um tema discutido em forma de livro por Edward O. Wilson em A conquista social
da Terra (Trad. de Ivo Korytowski. São Paulo: Companhia das Letras, 2013).
31. Os cientistas são unânimes quanto à formação de um supercontinente nos próximos
250 milhões de anos, mas as opiniões divergem quanto à sua forma exata. Um modelo
diz que as Américas avançarão para o oeste até encontrarem o leste da Ásia, eliminando
o oceano Pacífico. Outro sustenta que as Américas serão atraídas para a borda
ocidental da Eurásia, como aconteceu no passado, acabando com o Atlântico. O livro
Supercontinent, de Ted Nield, explica os raciocínios por trás desses cenários.
32. Para uma boa introdução à biosfera profunda, veja Amanda Leigh Mascarelli, “Low
Life”. Nature, v. 459, pp. 770-3, 2009.
33. Veja Gaetan Borgonie et al., “Eukaryotic Opportunists Dominate the Deep-
Subsurface Biosphere in South Africa”. Nature Communications, v. 6, 8952, 2015; Gaetan
Borgonie et al., “Nematoda from the Terrestrial Deep Subsurface of South Africa”.
Nature, v. 474, pp. 79-82, 2011.
34. O cientista foi Nathan A. Cobb, que desenhou esse retrato de lombrigas à caneta
em: “Nematodes and Their Relationships”. United States Department of Agriculture
Yearbook. Washington: US Department of Agriculture, 1914, p. 472.
35. Os modelos do ciclo de carbono sugerem que a vida desaparecerá entre 900 milhões
e 1,5 bilhão de anos no futuro. Um bilhão de anos depois disso, os oceanos evaporarão.
Veja Ken Caldeira e James F. Kasting, “The Life Span of the Biosphere Revisited”. Nature,
v. 360, pp. 721-3, 1992. O que acontece depois disso depende da rapidez com que os
oceanos irão ferver. Se for rapidamente, a Terra secará e se tornará um planeta quente
e deserto. Se for lentamente, grande parte da atmosfera cobrirá a Terra, criando um
efeito estufa tão poderoso que a superfície do planeta derreterá. Essas visões
deliciosas são descritas por Peter Ward e Donald Brownlee em The Life and Death of
Planet Earth (Times Books, Henry Holt and Co., 2002). No final, isso pouco deve
importar: em muitos bilhões de anos mais, o Sol se expandirá em uma gigante vermelha
que encherá o céu, fritando a Terra em cinzas e possivelmente consumindo-a, antes de
perder a maior parte de sua massa na forma de uma nebulosa planetária e encolher até
se tornar uma pequena estrela anã branca que pode durar trilhões de anos. O Sol, por
mais massivo que seja, não é o suficiente para explodir e se tornar uma supernova,
semeando novas gerações de estrelas, planetas e vida.

EPÍLOGO
1. Veja Anthony Barnosky et al., “Has the Earth’s Sixth Mass Extinction Already
Arrived?”. Nature, v. 471, pp. 51-7, 2011.
2. Veja Simon Evans, “Analysis: UK Renewables Generate More Electricity than Fossil
Fuels for First Time”. CarbonBrief, 14 out. 2019. Disponível em:
<www.carbonbrief.org/analysis-uk-renewables-generate-more-electricity-than-fossil-
fuels-for-first-time>. Acesso em: 26 jul. 2020.
3. Veja, por exemplo, o livro de Paul Ehrlich, The Population Bomb (San Francisco: Sierra
Club; Nova York: Ballantine Books, 1968). Para uma avaliação de seus efeitos após meio
século, consulte Charles C. Mann, “The Book That Incited a Worldwide Fear of
Overpopulation”. Smithsonian Magazine, jan. 2018. Disponível em:
<www.smithsonianmag.com/innovation/book-incited-worldwide-fear-overpopulation-
180967499/>. Acesso em: 26 jul. 2020.
4. Veja Hannah Ritchie, Pablo Rosado e Max Roser, “Energy”. Our World in Data.
Disponível em: <www.ourworldindata.org/energy>. Acesso em: 26 jul. 2020.
5. Veja Joseph Friedman et al., “Measuring and Forecasting Progress Towards the
Education-Related SDG Targets”. Nature, v. 580, pp. 636-9, 2020.
6. Veja Stein Emil Vollset et al., “Fertility, Mortality, Migration and Population Scenarios
for 195 Countries and Territories from 2017 to 2100: A Forecasting Analysis for the
Global Burden of Disease Study”, op. cit.
7. Veja, por exemplo, Gerda Horneck et al., “Space Microbiology”. Microbiology and
Molecular Biology Reviews, v. 74, pp. 121-56, 2010. A possibilidade de que seres vivos
(além de humanos) possam viajar entre planetas é algo que optei por não discutir neste
livro.
[8] … e todos eram machos, o que limita um pouco as oportunidades reprodutivas.
Índice de termos para busca

abelhas
abelissauros
Acanthodes
Acanthostega
acantódios
acúmulo de gordura (em hominíneos)
Adalatherium
Aepyornis
aerofólio
aetossauros
África; Norte da África
Afrotheria
agricultura
água doce, colonização de
águas-vivas
aistópodes
alantoide
Alexander, Robert McNeill
algas
Alpes
alvarezsaurídeos
amblípodes
Ambulocetus
América do Norte
América do Sul
âmnio
amniotas
amonitas
Anchiornis
Andes
Andrewsarchus
anfíbios
anfioxo
anidrita
animais; animais terrestres primitivos; aparecimento de; primeiras formas de
locomoção; resiliência
Ankarapithecus
Anomalocaris
anquilossauros
Antártida
antiarcos
antropoides
ânus
Apalaches
Aphanosauria
aprendizagem
Arambourgiana
aranhas
araponga-da-amazônia (Procnias albus)
Archaeon (Archaea)
Archaeopteris
Archaeopteryx
Archaeothyris
arcossauros; “linhagem das aves”; “linhagem dos crocodilos”; marcha de
arctocionídeos
Ardipithecus; kadabba; ramidus
Argentina
Argentinosaurus
Armillaria bulbosa
Arthrodira
Ártico, oceano
articular
artrópodes
árvores; crescimento de
asas; em pterossauros
Asilisaurus
Asteriornis
asteroides
Atapuerca
Atlântico Norte
Atlântico, formação do oceano
auroques (Bos primigenius)
Australásia (Austrália)
Australopithecus; afarensis; anamensis; bahrelghazali; garhi; sediba
aves
aves-elefantes
avestruzes
avós
babuínos
bactérias
baleia-azul
baleias; aprendizado em; evolução de; reprodução em
bananas
Bangiomorpha
Baptistina (asteroide)
baratas
basalto
Basilosaurus
Beipaiosaurus
berbigão
“Berço da Humanidade”
besouros
bigodes
bigorna
biosfera profunda
biota de Chengjiang
bipedalismo, evolução do: em dinossauros; em humanos
bisões
bivalves
blastoides
boca; em peixes; origem da
bolachas-da-praia
borboletas
Borges, Jorge Luis
borhienídeos
bovídeos
Brachiosaurus
brânquias; Acanthostega; arcos; fendas; região (pescoço)
braquiópodes
C3, via
C4, via
cães
caixa craniana
Calamites
cálcio; carbonato de; fosfato de; sulfato de
calcita
camada de gelo da Cordilheira
camada de gelo Escandinava
camada de gelo Laurentide
camada de ozônio
Cambriano, período
carapaça
Carbonífero, período
Carcharodontosaurus
Caribe
carnívoros
cartilagem de Meckel
cartilagens
carvão
Castorocauda
casuares
Cathaymyrus
cauda (em vertebrados)
cavalinhas
cavalos
celacantos
célula nucleada ver eucariota
celulose: em plantas; em tunicados
cenozoica, era; era do gelo
centopeias
ceratopsianos
cérebro; divisão em hemisférios; expansão em cinodontes; em hominíneos
cervo-gigante
Chade; lago
chimpanzés
China
Chororapithecus
cianobactérias; como cloroplastos; pigmentos de
cicas
ciclopia
cinodontes
Cladoxylopsida
Claraia
Climactichnites
clorofila
cloroplastos, origem dos
Cloudina
cobras; voadoras
coelhos
Coelophysis
Colúmbia Britânica
Columella auris
coluna vertebral; em hominíneos
complexidade, aumento em
cones (em plantas)
coníferas
continentes
corais; rugosos; tabulados
córion
cormorão-das-galápagos
corrente do Golfo
costelas (em terapsidas e mamíferos)
cotovias
Crassigyrinus
crateras (de impacto)
Cretáceo, período
crista neural
crocodilos
crustáceos
cultura acheulense
cupins
Cynognathus
Danúbio
Danuvius
Darwin, Charles: The Formation of Vegetable Mould through the Action of Worms
Dedeckera eurekensis
dedos, evolução de; nos primeiros tetrápodes
Deep Purple
denisovanos
dentário, osso
dentes; caninos; incisivos; em mamíferos; molares; em pelicossauros; pré­-molares; em
terapsidas
dentina
deriva continental
Devoniano, período; florestas do
Diadectes
diafragma
dicinodontes
Dickinsonia
Dimetrodon
dinocerados
dinossauros; ancestralidade comum com pterossauros; bipedalismo em; carnívoros;
crescimento de; era dos; extinção dos; herbívoros; ovos em; reprodução em;
respiração em; surgimento de; tamanho de; taxas metabólicas em; voo em
dióxido de carbono; declínio lento de
Diplodocus
dívida de extinção
dodô
Draco
dragão-de-komodo
drepanossauros
dromaeossauros
Dryopithecus
dugongo
Dunkleosteus
East Kirkton
Edaphosaurus
edentados
Ediacarano, período; organismos do
efeito estufa
efeméridas
elefantes
Elginerpeton
Elpistostegalia
Elpistostege
ema
enantiornithines
endosperma
Entelognathus
entropia
Eoceno
Eoraptor
Eorhynchochelys
Epidexipteryx
equidna
equinodermos
Equisetum
Eryops
Erythrosuchus
escamados
Escócia
escorpiões
esfenodontes
esmalte
espiráculo
esponjas
esporófitos
esporos
esquamosal
esqueletos; em dinossauros; origem de; em pterossauros; em trilobitas
esquilos voadores
estrelas-de-pena
estrelas-serpente
estribo
estromatólitos
estromatoporoides
Etiópia
Euarchontoglires
eucariota
Eucritta melanolimnetes
Euramérica
Eurásia
euripterídeos
Europa
Europasaurus
Eusthenopteron
eventos de Heinrich
evolução; de asas de insetos; de baleias; de bipedalismo em dinossauros; de bipedalismo
em humanos; de eucariotas; de flores; de frutas; de mandíbulas; de ouvidos; de
sementes; do cérebro; do rosto; em ilhas
excentricidade (na órbita da Terra ao redor do Sol)
explosão cambriana
extinção; do final do Cretáceo; do final do Permiano; do final do Pleistoceno
extinções em massa
face, evolução da
faringe
ferramentas: acheulenses; mais antigas
fezes; no Tyranossaurus rex
figos (e vespas-do-figo)
Filipinas
filtradores
fitossauros
Flores, ilha de
Folhelho de Burgess
formigas
forusracídeos
fotossíntese; em cianobactérias; oxigenada
frutas, evolução de
fungos; em liquens; fungos primitivos
Fuxianhuia
galagos
gambás
gametófitos
gatos
genes; duplicação em vertebrados
Geórgia (montanhas do Cáucaso)
gibões
Giganotosaurus
Gigantopithecus
Gigantoraptor
gigantotermia
glaciações ver idades do gelo
Glossopteris
golden retriever
golfinhos
Gondwana
gorgonopsídeos
gorilas
Gould, Stephen Jay, Wonderful Life
Grã-Bretanha; mudança climática na
gramíneas
Grande Evento de Biodiversificação do Ordoviciano (GOBE)
Grande Evento de Oxidação (GOE)
grandes símios; locomoção de
gravidez
Great Rift Valley
Groenlândia
Guiyu
hadrossauros
Haikouichthys
Hallucigenia
haramiyidas
Havaí
hepáticas
herbivoria (vegetarianismo)
Hesperornis
hidroxiapatita
Himalaia
hiomandibular, osso
hiracoides
hominídeos
hominíneos; ambiente de; bipedalismo em; correndo; depósitos de gordura; dieta em;
diferença de “hominídeo”; dimorfismo sexual; expansão do cérebro em; gravidez em;
nascimento; tecnologia
Homo; habilis; naledi; rudolfensis
Homo antecessor
Homo erectus; organização social em; origem na África
Homo floresiensis
Homo heidelbergensis
Homo luzonensis
Homo rhodesiensis
Homo sapiens; extinção de; natureza excepcional de; no espaço
humanos; aprendizagem em; audição em; avós; crescimento populacional em; culinária
em; evolução do bipedalismo; gravidez em; infância em; legado de; menopausa em;
modernos; nascimento em; organização social; sexo em; tamanho de
hupehsuchus
Hylonomus
Hymenoptera
Hynerpeton
Ichthyolestes
Ichthyornis
Ichthyostega
ictiossauros
idades do gelo
idosos
ilhas Comores
ilhas Galápagos
ilhas do Sudeste Asiático
ilhas, evolução em ver evolução: em ilhas
inclinação axial (da Terra em relação ao plano de sua órbita)
Índia
Índico, oceano
Indonésia
infância
insetívoros
insetos; associação com plantas com flores; evolução das asas em; organização social
em
intestino
invertebrados, tamanho de
isótopos de carbono
jack russell terrier
Jaekelopterus
Java
jiboia
Jurássico, período
kakapo
Kalahari, deserto de
Kannemeyeria
Kayentatherium
Kenyapithecus
Khoratpithecus
Kimberella
kiwis
Kuehneosaurus
Kuehneotherium
Laetoli, Tanzânia
lagartos
lagerpetídeos
lampreias
laringe
Laurasiatheria
Laurentia
Laurússia
leite
lêmures; de-cauda-anelada
Lepidodendron
Lepidoptera
lesmas-do-mar
Letônia
Levante
libélulas
licopódios
língua
liquens
lombrigas
Lua
“Lucy”
Lufengpithecus
lula
lula-colossal (Mesonychoteuthis hamiltoni)
Luzon
Lystrosaurus
macacos; do Velho Mundo
Madagascar
Mágico de Oz, O
magma; plumas mantélicas
Majungatholus atopus
Makgadikgadi, lago
mamíferos; audição em; dentes de; extinção de; hábito noturno em; metabolismo de;
placentários; reprodução em; tamanho de; voadores
mamutes
mandíbulas; evolução de; inferior
mandioca (e mariposas-da-mandioca)
mariposas
mariscos
marsupiais
martelo
mastodontes
Maurício, ilhas
maxilar inferior ver mandíbulas, evolução de
medula espinhal
Megachirella
membros anteriores
menopausa
mesoniquídeos
metabolismo, regulação de; em humanos; em mamíferos
metano (depósitos submarinos)
Metaspriggina
México; golfo do
mexilhão
Michigan
micorrizas
Microraptor
Milankovic, Milutin
milípedes
Mioceno
Miocidaris
mitocôndrias
moas
moluscos; cefalópodes
monções
monotremados
monte Toba
montes Transantárticos
morcegos; morcego-nariz-de-porco (Craseonycteris thonglongyai)
Morganucodon
mosassauros
Moschops
mudanças climáticas; durante a era do gelo mais recente; induzida pelo homem; no
Jurássico e no Cretáceo; no Paleoceno e no Eoceno; no Permiano
multituberculados
musaranhos-elefantes
musgos
Myllokunmingia
nadadeiras
Najash
nariz, evolução do
nautiloides
neandertais
Nectocaris
nematófitas
nenúfares
nodopedalismo
notocorda
notossauros
Nova Guiné
Nova Zelândia
núcleo
oceanos: correntes; criação de; falta precoce de oxigênio; origem da vida em
Odontochelys
Odontogriphus
Okavango, delta do
olhos: em Pteraspis; em trilobitas; em vertebrados
Oligoceno
Onychodus
Opabinia
opiliões
orangotangos
Ordoviciano, período; Grande Evento de Biodiversificação do Ordoviciano (GOBE)
Oreopithecus
organismos multicelulares
organização social
ornitorrinco
Orrorin tugenensis
osso; em arcossauros
Osteolepis
otólitos (pedras no ouvido)
Ouranopithecus
Ourasphaira
ouriços-do-mar
ouvido: evolução do; interno; médio
oviraptorossaurídeos
ovos: anfíbios; aves; casca de; cobras; crocodilos; dinossauros; evolução em amniotas;
mamíferos; plantas de sementes; plantas inferiores
oxigênio: concentração na atmosfera; e oceano; como uma toxina; na vida dos
vertebrados
Pachyrhachis
Pacífico, oceano
Paedophryne amauensis
Pakicetus
Palaeodictyoptera
Paleoceno
Pangeia
pangolins
pantodontes
Pappochelys
paquipleurossauros
Paraceratherium
Paranthropus
paraquedismo
pareiassauros
Parmastega
Patagopteryx
Pederpes
peixes; cartilaginosos; nadadeiras lobadas; ósseos
peixes pulmonados; genoma de peixes pulmonados australianos
peixes-boi
peixes-bruxa
peixes-lanceta ver anfioxo
pelicossauros; dentes de
pelos; em mamíferos; em pterossauros; em terapsidas
penas; em dinossauros
Pensilvânia
pentadactilia
pepinos-do-mar
Permiano, período; extinção em massa do
pescoço, evolução do
petauro-do-açúcar
Petrolacosaurus
petróleo
Pikaia
pinguins
placas tectônicas
placodermes; reprodução em
placodontes
planagem; em mamíferos; princípios de; em répteis
planalto Tibetano
plâncton; aéreo
plantas; associação com insetos polinizadores; associação com micorrizas; com flores;
evolução de sementes; indigestas
plastrão
plataforma continental
platelmintos
plateossauro
Pleistoceno
plesiossauros
Pogonomyrmex barbatus (formiga forrageira)
polinização
polvo
porco-formigueiro
precessão (do eixo axial de rotação da Terra)
preguiças; preguiças-gigantes
primatas; violência em
procolofonídeos
Proconsul
Proganochelys
prossímios
protistas
Prototaxites
protozoa ver protistas
Pteranodon
Pteraspis
pterossauros; ascendência de; ovos de; plumagem
Ptomacanthus
pulgões
pulmões
Pyura
quadrado
quase tartarugas
Quênia
Quetzalcoatlus
quitina
rádula
rangeomorfos
ratitas
ratos
rauisuchianos
renas
reprodução; em amniotas; em anfíbios; em bactérias; compensação entre longevidade e;
em dinossauros; em eucariotas; em hepáticas e musgos; em plantas com sementes;
em terapsidas; nos primeiros tetrápodes
répteis; aquáticos; voadores e planadores
Revolução Industrial
Rhizodontida
Rhizodus hibberti
rincocéfalos
rincossauros
rinocerontes; brancos-do-norte (Ceratotherium simum cottoni); lanosos
Rodínia
roedores
Rússia
Saccorhytus
saco nasal
saco vitelino
Sahelanthropus tchadensis
samambaias; arbóreas; com sementes
sapos; voadores
saurópodes
Scansoriopterygidae
sementes
sexo, origem de; em humanos
Sharovipteryx
Shonissauro
Shuvuuia
Shuyu
Sibéria
silessauros
Siluriano, período
sirênios
Sistema Solar
Sivapithecus
Smith, Adam, A riqueza das nações
Sol; aumento no brilho do; destino do; formação do; órbita da Terra ao redor do;
radiação ultravioleta; vento solar
Stapledon, W. Olaf, Criador de estrelas
Strelley Pool Chert
sucuri
sudorese
sul da China (continente)
Sumatra
Suncus etruscans (musaranho-de­-dentes-brancos-pigmeu)
supercontinentes; ciclos dos
superorganismos
talatossauros
tamanho: efeitos na forma; na evolução dos mamíferos; em relação ao voo
Tamisiocaris
Tanystropheus
tardígrados
társios
tartarugas
tatus
Taxa de Fecundidade Total (TFT)
telodontes
tenreques
terapsidas; dentes de
terizinossauros
terópodes
Terra: atmosfera inicial; calor interno; campo magnético; composição da; crosta; núcleo;
órbita ao redor do Sol; rochas mais antigas; superfície inicial
Terra Bola de Neve
Tétis (oceano)
Tetraceratops
tetrápodes; audição em; do Carbonífero; dieta de; diversidade dos primeiros
tetrápodes; reprodução nos primeiros tetrápodes
Texas
Theia
Thrinaxodon
Thylacosmilus
Tiktaalik
tímpanos
Titanoboa
toupeiras-douradas
traças
traços fósseis
Treptichnus
Triássico, período
Triadobatrachus
Triceratops
triconodontes
trilobitas
tritilodontes
trompa de Eustáquio
troodontídeos
tuatara
tubarões; baleia; frade; pele de
Tulerpeton
tunicados
Tyrannosaurus (rex); fezes (coprólitos) de
ungulados; com dedos pares; com dedos ímpares
Vale da Grande Fenda
vapor de mercúrio
variação genética
Vegavis
Ventastega
vento solar
vermes: aveludados; no Folhelho de Burgess; segmentados
vertebrados; dentes; duplicação de genes; evolução das mandíbulas; tamanho grande
de; terrestres; voo
vespas
vetulicolianos
vida na Terra; aumento de complexidade; origem da; resiliência da; últimas etapas da
vieiras
Vintana
Volaticotherium
voo: em aves; em dinossauros; perda de; princípios de; em pterossauros
Wells, H.G.
West Lothian
Westlothiana
Wiwaxia
Yi
Yilingia spiciformis
Yucatán
yunnanozoários
Zambeze, rio
Zhoukoudian (cavernas)
zircões
John Gilbeý
HENRY GEE nasceu em 1962 e vive em Cromer, Inglaterra, com sua
família e vários pets. Formou-se nas universidades de Leeds e
Cambridge. Por mais de três décadas tem sido escritor e editor na
revista científica de referência internacional Nature. Além deste, é
autor de livros sobre evolução, origem dos vertebrados, história do
genoma humano, dinossauros, entre outros.
Copyright © 2021 Henry Gee
Originalmente publicado em 2021 por Picador, uma marca de Pan Macmillan, uma
divisão da Macmillan Publishers International Limited
Copyright da tradução © 2024 Editora Fósforo
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida,
arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio sem a permissão
expressa e por escrito da Editora Fósforo.
Título original: A (Very) Short History of Life on Earth: 4.6 Billion Years in 12 Chapters
DIRETORAS EDITORIAIS Fernanda Diamant e Rita Mattar
EDITORA Eloah Pina
ASSISTENTE EDITORIAL Millena Machado
PREPARAÇÃO Bonie Santos
REVISÃO Eduardo Russo e Gabriela Rocha
ÍNDICE REMISSIVO Probo Poletti
DIRETORA DE ARTE Julia Monteiro
CAPA E ILUSTRAÇÃO Carol Grespan e Daniel Bueno
PROJETO GRÁFICO Alles Blau
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Página Viva
VERSÃO DIGITAL Marina Pastore
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Gee, Henry
Uma história (muito) curta da vida na Terra [livro eletrônico] : 4,6
bilhões de anos em doze capítulos / Henry Gee ; tradução do inglês
por Gilberto Stam. -- 1. ed. -- São Paulo : Fósforo, 2024.
ePub
Título original: A (Very) Short History of Life on Earth.
ISBN 978-65-6000-015-5
1. Geologia 2. Paleontologia 3. Planeta Terra 4. Pré-história 5.
Universo - Origem I. Título.
24-199959 CDD-507
Índice para catálogo sistemático:
1. Universo : Origem e evolução 507
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

Editora Fósforo
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