Histórico Do Desenvolvimento Das Bandas

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ENTE ND IM E NTO HISTÓ RICO DO DESENV OL VIMEN TO


DA M ÚS ICA P ARA SO PRO S

Marcelo Jardim
2008

MÚSICA PARA SOPROS


O período compreendido entre a segunda metade do século XVIII e o iní-
cio do século XIX foi de grandes revoluções. A Revolução Francesa (1789-
1799), a Revolução Americana (1755-1783) e ainda as Guerras Napoleônicas
(1804-1815) abriram espaço para novas nações e estabeleceram novas idéias
políticas. Essas idéias definitivamente todos os campos das artes e afetariam,
conseqüentemente, toda a música composta durante e depois desses eventos.
A partir daí, o progresso dos grupos e bandas de sopro chega ao início do
século XIX com um rico acervo instrumental.
Wilhelm Wieprecht (1802-1872), um celebrado maestro de banda militar da
antiga Prússia, fez inúmeras recomendações importantes sobre a instrumenta-
ção e a proporção entre as seções (naipes) da banda. Foi um dos primeiros a
estudar e defender a utilização da trompa e dos trompetes com válvulas dentro
dos grupos, em função do ganho técnico. Suas transcrições das sinfonias de
Beethoven e Mozart, assim como as transcrições de aberturas clássicas e român-
ticas, excertos operísticos e temas nacionais, entre outras, ampliaram sensivel-
mente o repertório para bandas. Wieprecht também foi o criador da tuba.
Richard Franko Goldman (1910-1980) sugere que o conceito do conjun-
to de sopros moderno – chamado de banda de música ou mesmo banda sin-
fônica – tenha começado com a Revolução Francesa e com a organização da
Banda da Guarda Nacional Francesa por Bernard Serrette (1765-1858). De
acordo com Goldman, o desenvolvimento das bandas foi influenciado mais
profundamente pela Revolução Francesa do que por qualquer outro aconte-
cimento anterior ou posterior. Com o crescente interesse em atender aos
anseios e ao entusiasmo da população frente ao estabelecimento de uma nova
ordem política, a música se tornou uma fantástica e fundamental via de
expressão. As bandas ocuparam um importante papel nesse novo cenário: eram
organizadas para o povo e pelo povo – e cresceram em proporções jamais vis-

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tas, tornando-se essenciais e destacadas nas celebrações patrióticas e festivas ao


ar livre.

[...] A quantidade dessas demonstrações, e a abundância de música


nova escrita para as mesmas, é um testemunho da febre emocional dos
primeiros anos da república. Em 1789, um jovem músico chamado
Sarrete agrupou 45 instrumentistas de sopro de bandas e orquestras
existentes e formou a Banda da Guarda Nacional. Essa banda foi
aumentada para 70 músicos em 1790, e era mantida pela Prefeitura
de Paris. Gossec (1734-1829), um dos principais compositores france-
ses daquele tempo, tornou-se “Mestre da Banda”, com Charles Simon
Catel (1773-1830), outro celebrado compositor, como seu assistente. A
Banda da Guarda Nacional, dissolvida pelo decreto da Convenção em
1972, tornou-se o núcleo do famoso Conservatório Nacional de
Música de Paris.

Outras bandas surgiram e todos os principais compositores daquela época abaste-


ceram-nas com música nova. Goldman salienta que, do ponto de vista da atividade
espontânea, de popularidade e importância, aquele período talvez tenha sido o mais
excitante e significativo da história da música para banda na Europa. Um estudioso
daquele período, Goldman descreveu assim o status das bandas revolucionárias:

[...] O progresso foi considerável, graças à iniciativa da Banda da Guarda


Nacional de Paris, fundadora do Conservatório. Quebrando todos os preceden-
tes, aqueles artistas usavam todos os mais conhecidos instrumentos de sopro
nas bandas militares, que eram compostas simplesmente por oboés, clarinetas,
trompas e fagotes. Inventaram novos instrumentos. Além disso, aumentaram e
direcionaram o repertório com composições originais, que variavam na instru-
mentação, estruturadas na forma de aberturas de concerto e sinfonias, porém
altamente desenvolvidas e obviamente mais interessantes do que os pot-pour-
ris de árias de óperas, que estavam em alta naquela época e formavam a maior
parte do repertório conhecido das bandas militares.

A grande maioria dessas composições, entre as quais figuram obras esplêndidas


de compositores como Cherubini (1760-1842), Gossec (1734-1829), Catel (1773-

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1830) e Mehul (1763-1817), são desconhecidas, infelizmente, entre os regentes


atuais. A instrumentação típica desse tipo de banda de regimento, à época de
Napoleão, consistia em um piccolo, 16 clarinetas, quatro fagotes, duas serpentes,
dois trompetes, um trompete baixo, quatro trompas, três trombones, duas caixas, um
bumbo, triângulo e dois pares de pratos. Uma banda, portanto, de aproximadamen-
te 40 instrumentistas. É importante dizer que, no período de 1795 a 1810, as ban-
das francesas eram as melhores da Europa. A Serpente e o Ophicleide foram os pre-
cursores da tuba; ambos utilizavam bocais e eram afinados em Bb. Apesar de ocu-
parem a função de baixo, não eram adequados por inúmeros motivos e foram subs-
tituídos a partir do desenvolvimento da tuba por Wieprecht.
Durante a primeira metade do século XIX, o desenvolvimento dos instru-
mentos de madeiras e metais por Theobald Boehm, Auguste Buffet, Hyancinthe
Klose, Heckel, Blumel e Stoelzel, juntamente com a criação de uma outra famí-
lia de instrumentos por Joseph Adolphe Sax (1814-1894), inventor dos saxofo-
nes e dos saxhorn’s, foram fatores que ajudaram a incrementar o potencial téc-
nico e expressivo dos instrumentos de sopro e das próprias bandas. Sax exercia
grande influência na escolha dos instrumentos que comporiam as bandas mili-
tares francesas até meados do século XIX; foi o responsável direto pela inclu-
são de barítono, flugelhorn, tuba (modificada a partir da tuba de Wieprecht),
saxofones e saxhornes nas bandas militares. Em 1854, o órgão governamental
específico aprovou a nova instrumentação padrão para as bandas militares fran-
cesas, que modificava a predominância das clarinetas e introduzia a família de
saxofones e demais instrumentos.
Quando escreveu a Sinfonia Eroica em 1805 e as demais sinfonias nos anos
posteriores, Ludwig van Beethoven (1770-1827) estabeleceu a predominância
da orquestra como o maior conjunto instrumental, aumentou a extensão das
possibilidades orquestrais mais do que qualquer outro compositor, desde Glück
até Wagner. Na Eroica, o naipe de trompas recebeu o acréscimo de mais uma
trompa; e com a Nona Sinfonia, o conhecido quarteto tradicional se fixou de
forma definitiva na escrita orquestral. O próprio Beethoven já o havia utiliza-
do em Egmont, e mesmo Mozart na Gran Partita e na Sinfonia 21, mas, como
relata Adam Case, a utilização do quarteto de trompas no final do século XVIII
e início do século XIX se deu mais pelas possibilidades de aumento da exten-
são nas escolhas das notas e tonalidades do que pelo aumento do colorido da
sonoridade das trompas na orquestra. Nestas sinfonias, Beethoven estabeleceu

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também o divórcio do casamento ancestral do cello com o contrabaixo; o pic-


colo e o contra-fagote tornaram-se parte integrante da família das madeiras
orquestrais e os trombones começaram a aparecer com certa freqüência, embo-
ra sua aplicação com a utilização completa de seus recursos cromáticos apareça
somente na Sinfonia em B menor (Inacabada), de Franz Schubert (1797-1828).
Em 1824, enquanto estava na estação de águas de Bad Dobberan, no Mar
Báltico, Felix Mendelssohn (1809-1847) compôs seu Noturno para Harmonie
(uma flauta, dois oboés, duas clarinetas, dois fagotes, duas trompas, um trompe-
te e um barítono – bass horn). Mais tarde, reorquestrou a obra para uma
orquestra de sopros maior e publicou-a em 1839, juntamente com Simrock,
como Abertura para Banda, Op. 24. Carl Maria von Weber (1786-1826) e Hector
Berlioz (1803-1869) expandiram a lista de instrumentos de sopro na orquestra,
atribuindo-lhes expressivas partes solistas. Em 1840, Berlioz compôs a Grand
Symphonie Fúnebre et Triomphale, Op. 15, para o 10º aniversario da Revolução de
Julho de 1830, e em 1844 Richard Wagner (1813-1883) compôs Trauersinfonie
para a cerimônia de enterro dos restos mortais de Carl Maria von Weber em
Dresden, depois de seu retorno de Londres, onde estava enterrado. Ambas as
obras de Berlioz e Wagner foram escritas para importantes apresentações ao ar
livre e orquestradas para banda.
Com relação à Trauersinfonie, Michael Votta faz uma análise musicológica da
obra em artigo publicado no livro The Wind Ensemble and its repertoire (HUNS-
BERGER, 1994, p. 169), na qual traz à tona elementos importantes para o seu
entendimento. O subtítulo da obra, por exemplo – Música Fúnebre sobre Temas
de Carl Maria von Weber – deixa claro que o compositor utilizou temas de Weber
arranjados para banda. Pode-se dizer que Trauersinfonie ou Trauermusik seria uma
transcrição da música de Weber para banda, realizada por Wagner o que não
tira, de forma alguma a importância, da obra ou o seu brilho natural, pela bela
construção musical. A contribuição de Wagner para o desenvolvimento dos ins-
trumentos de sopro ultrapassa sensivelmente a Trauersinfonie, escrita original-
mente para banda. O extensivo número de transcrições de seu material operís-
tico excede em número, talvez, qualquer outro tipo de material musical utili-
zado nos programas de concerto. Suas aberturas se encontram entre as obras
mais tocadas de todos os tempos, por bandas do mundo inteiro. Wagner tam-
bém foi construtor de instrumentos para atender às suas necessidades acústicas
e expressivas junto à Orquestra de Bayreuth. Desenvolveu um instrumento

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denominado tuba wagneriana, afinado em F e Bb, com o mesmo timbre das


trompas, com acréscimo, em extensão, de uma oitava e uma quinta abaixo, em
relação às trompas afinadas em F.

Em resumo, as principais contribuições de Wagner foram:

1. As madeiras da orquestra cresceram em tamanho, em naipes de quatro


instrumentos. Foi responsável pela padronização da orquestração, estabelecen-
do a homogenia para o quarteto de madeiras;

2. Nas obras de Wagner, os metais foram alçados ao mais alto patamar de


desenvolvimento. Utilizados em quartetos, como as madeiras, com a finalidade
de realizar acordes mais complexos; os metais, como seção da orquestra (17
foram utilizados no Anel), adquiriam individualidade, independência e estatura
completa no corpo orquestral.

O Tratado de Orquestração, de Hector Berlioz (Grand Traité d’instrumentation et


d’orchestration modernes), escrito em 1843, abasteceu inúmeros compositores e
regentes com importantes informações mecânicas e técnicas sobre os instru-
mentos da orquestra, especialmente os instrumentos de sopro. Com sua paleta
de cores orquestrais reveladas em suas composições e com o tratado, Berlioz
passou a ser considerado por muitos o criador da orquestra moderna. Importante
observar que até o ano de 1843, vários mecanismos e instrumentos novos
foram sendo adicionados à atividade orquestral e bandística em todo o mundo.

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Como podemos verificar pela pesquisa realizada por Kenneth Berger:

Ano Inovação
1677 Uma chave é adicionada na flauta transversal
1690 A primeira clarineta (Denner) aparece
1770 Surge o corno de basseto (Basset horn)
1793 Surge a clarineta baixo, ainda em uma forma rudimentar
1808 A chave em forma de anel é patenteada
1810 Ivan Muller traz à luz uma clarineta de 13 chaves
1810 Surge o bugle (fluegelhorn) com chaves
1815 É inventado o piston com válvula (pistos/pistões)
1830 Surgem os primeiros metais com três válvulas (pistos)
1832 Surgem as boquilhas cônicas Boehm para flauta
1840 Adolphe Sax inventa o saxofone
1843 Adolphe Sax inventa os saxhorns
1843 Klosè e Buffet melhoram a clarineta (Sistema Boehm)
Tabela 1: Inovações técnicas e desenvolvimento dos instrumentos de sopros

Durante a segunda metade do século XIX, importantes compositores escre-


veram obras para pequenos grupos camerísticos de sopros e para os sopros
orquestrais. Antonin Dvörak (1841-1904) compôs sua Serenata em D menor, Op.
44; Charles Gounod (1818-1893) compôs sua Petite Symphonie em 1883; e
Richard Strauss (1864-1949) compôs a Serenata em Eb, Op. 7 em 1881 e a Suite
em Bb, Op. 4 em 1884.
John Philip Sousa (1854-1932) iniciou sua fabulosa carreira como mestre de
banda e compositor em 1880, na U.S. Marine Band. Durante 12 anos, realizou
um intenso e vitorioso trabalho de popularização da banda na cultura ameri-
cana, que se estendeu de 1892 – ano em que se retirou do serviço militar e
fundou sua própria banda – até 1932, o ano de sua morte. Tocava com a Sousa’s
Band pelos Estados Unidos de ponta a ponta, além de realizar turnês por diver-
sos países da Europa e por todo o mundo, durante as quais compôs e tocou suas
conhecidas marchas.
No Brasil, em 1896, Anacleto Augusto de Medeiros (1866-1907) foi con-
vidado pelo tenente-coronel Eugênio Jardim para organizar a Banda do
Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, arregimentando para isto ex-cole-

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gas da Banda do Arsenal de Guerra e também outros chorões de boa técni-


ca. A banda foi criada num momento em que o Rio concentrava o maior
número de bandas militares do Brasil e era considerado o maior centro for-
mador de músicos profissionais. Anacleto, que até então havia sido regente da
Banda do Recreio Musical Paquetaense e de orquestras de bailes de carnaval,
transformou a Banda do Corpo de Bombeiros na melhor banda militar do
Brasil, em sua época.

ESTABELECENDO CONCEITOS: A ORQUESTRA DE SOPROS

Podemos definir como um marco para o Conceito do Conjunto de Sopros (Wind


Ensemble Concept), do qual passaremos a tratar neste estudo, o concerto realizado
em 5 de fevereiro de 1951 na Eastman School of Music da Universidade de
Rochester, no Estado de Nova York, nos Estados Unidos, sob a batuta do regente
Frederick Fennell (1914-2004). Este concerto surgiu um ano antes da criação da
Eastman Wind Ensemble, lançada por Fennell com o objetivo de dar uma nova
direção ao desenvolvimento da prática interpretativa para os instrumentos de
sopros e percussão. A partir de então, o mundo musical testemunhou um enorme
desenvolvimento e o redescobrimento de um repertório para esses instrumentos
- não somente pelo volume de obras escritas, mas por novos enfoques no trata-
mento dos grupos aos quais se destinavam. Uma nova e maravilhosa literatura
musical começou a emergir das salas de concertos, valorizando sobretudo o poten-
cial técnico e musical de alguns instrumentos de origem ainda recente naquele
vasto cenário artístico. Novas possibilidades de programas começaram a ser apre-
sentadas ao público normal – e mesmo ao público antes acostumado aos sons mais
populares das bandas de música no Brasil e das bandas de concerto, como são cha-
madas nos Estados Unidos.
Houve uma mudança de mentalidade por parte de grande número de regen-
tes, compositores e músicos, com relação à suas concepções de sonoridade, prepa-
ração de concerto e padrão do som da banda, normalmente voltado para as mar-
chas, dobrados, transcrições do repertório erudito e da música popular. Um novo
aspecto do universo da banda se abriu a descobertas de timbres, diversidades instru-
mentais, tratamento orquestral mais refinado, mudanças estruturais na formação do
próprio corpo orquestral encontrado na banda – e, acima de tudo, um maior apro-
veitamento das possibilidades artísticas do grupo.

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Nas palavras de Frederick Fennell:

No inverno de 1951, um concerto não usual de música para instrumentos de


sopro foi apresentado na Eastman School of Music, sob a direção deste que
escreve. A noite de música começou com um Ricercare para instrumentos de
sopros de Adrian Willaert (1480-1562) e terminou com dez composições,
além das Sinfonias para Instrumentos de Sopro, de Igor Stravinsky (1882-
1971). Este programa [...] teve um significado que foi muito além da bele-
za da música tocada e da excelência da apresentação oferecida pelos estudan-
tes de nosso Departamento de Conjuntos Instrumentais. É um prazer recor-
dar o maravilhoso efeito deste concerto; além da aceitação do público e da
imprensa, é um prazer recordar, lembrar como foi a reação dos músicos - posi-
tiva, articulada e entusiástica ao extremo. O resultado direto dessa noite de
música original para instrumentos de sopro foi o estabelecimento, no outono de
1952, da Eastman Wind Ensemble.

É importante notar, no relato de Fennel, o conceito que permeava a pro-


gramação do concerto, iniciado com o Ricercare de Willaert (composto no
século XVI) e concluído com as Sinfonias para Instrumentos de Sopro, de
Stravinsky (composta em 1920); No mesmo concerto dá-se o desenvolvi-
mento da formação flexível para a Wind Ensemble, o conjunto de sopros. Com
esse propósito, começou-se a diminuir a distância entre a música de concer-
to e a prática musical das bandas de concerto, cujo repertório era mais volta-
do para um entretenimento de fácil entendimento, com músicas populares e
os mesmos standards de transcrições do repertório sinfônico e marchas. A
banda sempre foi sinônimo de massa sonora. Fennell encaminhou uma carta
mimeografada a 400 compositores de todo o mundo, expondo o plano de ati-
vidade do novo grupo.
A proposta nunca foi suplantar as atividades com as bandas sinfônicas, ou
qualquer outra formação de banda. Foi, sim, a de abrir uma nova perspectiva
para o repertório já existente para sopros camerísticos ou sopros orquestrais,
dentro da estrutura da banda, de modo a diversificar sua atuação e elevar a
atividade musical ao nível técnico das orquestras sinfônicas de boa qualidade
artística.

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A instrumentação sugerida foi:


Palhetas/Madeiras Metais

2 flautas e 1 piccolo e/ou flauta alto 3 cornets em Bb ou 5 trompetes Bb


2 oboés e 1 corne inglês 2 trompetes em Bb
1 clarineta em Eb (requinta) 4 trompas
8 clarinetas em Bb, ou clarinetas em A 2 euphoniuns (bombardinos)
(divididas da maneira desejada ou
em número menor)

1 clarineta alto em Eb 3 trombones


1 clarineta baixo em Bb 1 Tuba Eb
2 saxofones alto Eb 1 Tuba BBb ou 2 Tuba BBb
se desejado
1 saxofone tenor Bb 1 Contrabaixo
1 saxofone bar tono Eb
Outros Instrumentos
Percussão, harpa, celesta, piano, órgão, cravo, instrumentos de cordas como
solistas e coro, se desejado
Tabela 2: Instrumentação da Orquestra de Sopros proposta por Fennell

Com esta instrumentação em mente, e com as cartas encaminhadas aos


compositores, o interesse de Fennell era que houvesse uma adesão a esta pro-
posta, dando liberdade para o compositor agregar ou mesmo não utilizar toda
a instrumentação proposta.

Ao escolher esta modesta instrumentação [...] foi minha primeira intenção


conseguir a força instrumental da forma mais simples possível. Esta instru-
mentação é simplesmente a utilizada na orquestra para a qual Richard
Wagner orquestrou seu “O Anel dos Nibelungos” [...] com a adição de
uma seção de saxofones, uma clarineta alto e a diminuição de um trompete
baixo. Esta é a mesma seção de sopros utilizada por Stravinsky depois em “A
Sagração da Primavera”.

Em verdade, mais importante do que a instrumentação utilizada foi, com


certeza, o conceito de dar ao compositor a liberdade de definir o som que esti-
mularia com sua composição, com liberdade para flexibilizar o grupo de forma

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a buscar timbres novos, técnicas desafiadoras, uma estrutura além da música


massiva das bandas de concerto. Enfim, uma nova alternativa em literatura para
os sopros orquestrais a ser explorada – e também uma porta a mais para os
compositores atuarem no campo da arte musical. Tratar os sopros como uma
orquestra tornou-se um novo meio de expressão artística – uma forma de bus-
car, qualitativamente, novos resultados sonoros.
Até o início de 1950, a literatura específica para banda de concerto ou
banda sinfônica era escassa, em nível mundial; havia poucas fontes onde hou-
vesse um tratamento orquestral na instrumentação e mesmo uma preocupação
em destacar o grupo como um meio de expressão artística de conotação sin-
fônica. Pouco havia sido produzido até então, se comparado ao desenvolvimen-
to que se verificou nas décadas seguintes. Mas um material de excelente quali-
dade já podia ser organizado, com todo o conceito nele embutido.

Compositor Obra Ano


Felix Mendelsohn-Bartholdi Abertura para Sopros Op. 24 1824
Hector Berlioz Sinfonia Fúnebre e Triunfal 1840
Richard Wagner Trauersinfonie 1848
Gustav Mahler Um Mitternarcht 1902
Georges Enesco Dixtuor, Op. 14 1906
Gustav Holst Primeira Suite em Eb, Op. 28, nº 1 1909
Gustav Holst Segunda Suíte em F, Op. 28, nº 2 1911
Florent Schmitt Dionysiaques, Op. 62, n. 1 1913
Percy Grainger Irish Tune from County Derry 1918
Igor Stravinsky Sinfonias para Instrumentos de Sopros 1920
Ralph Vaugham-Williams English Folk Song Suite 1923
Ralph Vaugham-Williams Sea Songs 1923
Ralph Vaugham-Williams Toccata Marziale 1924
Gordon Jacob William Byrd Suite 1924
Gordon Jacob An Original Suite 1924
Gustav Holst Fugue à la Gigue 1928
Gustav Holst Hammersmith 1931
Ottorino Respighi Huntingtower Ballad 1932
Percy Grainger Lads of Wamphray 1935
Percy Grainger Lincolnshire Posy 1936

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Arthur Honegger La Marche sur la Bastille 1936


Sergei Prokofiev Athletic Festival March 1937
Ralph Vaugham-Williams Flourish for Wind Band 1939
Nikolai Miaskovsky Sinfonia n. 19 em Eb 1939
William Schuman Newsreel 1939
Morton Gold Jericho 1940
Roy Harris Cimaron Overture 1941
Paul Creston Legend 1942
Samuel Barber Comando March 1943
Alfred Reed Russian Christmas Music 1944
Arnold Schöenberg Tema e Variações Op. 43ª 1943
Darius Milhaud Suíte Francesa, Op. 248 1944
Robert Russell Bennett Suite of Old American Dances 1947
Virgil Thomson A Solemn Music 1949
Vincent Persichetti Divertimento para Banda, Op. 42ª 1950
William Schuman George Washignton Bridge 1950
Paul Hindemith Sinfonia em Bb 1950
Tabela 3: Exemplos de obras compostas para Banda anterior a 1950

Gustav Holst (1874-1934) compôs suas duas suítes para banda em 1909 e
1911, provavelmente atendendo ao apelo de amigos, mestres de bandas na
Inglaterra do início do século XX, para que escrevesse bons materiais musicais
para seus grupos musicais. Holst foi trombonista em bandas civis de caráter
militar, as chamadas English Military Bands, e também em bandas de entrete-
nimento em estações de veraneio, de 1895 até 1903. Possuía, aliás, grande
conhecimento nesse meio. Não se tem notícia, porém, de apresentações dessas
obras antes de 1920, ano da estréia da Suíte em Eb, executada pelos 165 com-
ponentes da Royal Military School Music Band. A Segunda Suíte em F teve sua
estréia em 30 de junho de 1922, interpretada pela mesma banda, em parceria
com a British Music Society at Royal Albert Hall, em Londres.
Amigo de Holst, Ralph Vaugham-Williams (1872-1958) escreveu cinco
obras para banda, das quais a primeira e mais conhecida é a English Folk Song
Suite, composta em três movimentos. Originalmente possuía quatro movimentos,
mas o segundo transformou-se numa obra à parte, Sea Songs. No ano seguinte
compôs Toccata Marziale, desta vez com um grau de dificuldade muito maior do

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que o das obras anteriores – e com caráter original, não baseado em canções fol-
clóricas. Em 1986, o pesquisador Robert Grechesky encontrou uma obra perdida
de Vaugham Williams, Adágio para Banda Militar, na sala de manuscritos do Museu
Britânico. Segundo ele, pode ser o segundo movimento de um Concerto Grosso para
banda militar, no qual o compositor estaria trabalhando. O primeiro movimento
desse concerto se tornou a Toccata Marziale, o segundo estava desaparecido e o ter-
ceiro nunca chegou a ser composto. Em 1938,Vaugham Williams escreveu England
Pleasant Land, para coro misto e banda militar, obra que continha muito do mate-
rial que mais tarde utilizaria em sua Quinta Sinfonia; em 1939 compôs Flourish, para
banda militar.
Em 1913, Florent Smith (1870-1958), amigo de Villa-Lobos, compôs
Dionysiaques, estreada 12 anos mais tarde pelos 100 componentes da Banda da
Guarda Republicana Francesa, em 9 de junho de 1925, nos Jardins de Luxemburgo.
Esse tipo de repertório traz consigo o mesmo direcionamento dado por seus com-
positores às obras para orquestra sinfônica: equilíbrio entre as vozes, planos distin-
tos de dinâmica e timbres, utilização de técnicas de composição mais elaboradas e
utilização da paleta orquestral quanto à instrumentação para sopros e percussão,
entre outros elementos. Em outras palavras, o contato com as bandas abriu, para os
compositores que escreviam para orquestras sinfônicas, uma nova perspeciva de
escrita e de conceito para aquele tipo de grupo.
Ainda no círculo dos amigos que Villa-Lobos no período em que esteve pela
primeira vez em Paris, estava Edgar Varèse (1885-1965). Entre 1923 e 1931,Varèse
compôs obras revolucionárias para madeiras, metais e percussão, como Octandre e
Hiperprism em 1923, seguidas por Intégrales, em 1925, e em 1931 por sua obra-prima
para grupo de percussão, Ionisation.Todas essas composições, de extrema complexi-
dade e originalidade, refletem claramente a determinação do compositor em
repensar a estética da música ocidental da época.
Outro compositor que conheceu Villa-Lobos no Rio de Janeiro entre 1917 e
1919, durante a visita ao Brasil da delegação francesa dirigida pelo poeta Paul
Claudel, foi Darius Milhaud (1892-1974), que no entanto não chegou a ser próxi-
mo ao compositor. Milhaud se aproximou das atividades da música popular e se
maravilhou com o maxixe, o samba, os cateretês e os tangos (choros) brasileiros; e
teceu inúmeros elogios aos músicos que desenvolveram estes estilos, como
Tupynamba e o genial [Ernesto] Nazareth, em suas palavras. A Suíte Francesa, Op.
248, composta por Milhaud em 1944 para banda, pode ser considerada uma das

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obras que melhor exemplifica o conceito da utilização dos instrumentos de sopro


para possibilitar uma execução em nível artístico. Em cada um dos cinco movi-
mentos da Suite, o compositor utilizou temas folclóricos das províncias francesas
onde os pais dos alunos da banda (de colégios americanos) estavam lutando, na
Segunda Grande Guerra, contra os invasores alemães.
Ao introduzir os conceitos da orquestra de sopros/conjunto de sopros, Fennell
estimulou, no meio das bandas, as discussões sobre a real função desses grupos no
desenvolvimento de um repertório de qualidade e na transformação de alunos em
excelentes músicos, através de um currículo acadêmico melhor e mais bem dire-
cionado.
Quanto aos estilos musicais tratados nos repertórios distintos de cada formação,
devemos levar em conta as diferenças culturais no processo de formação e desen-
volvimento das atividades de cada grupo sinfônico. No Brasil, a banda de música se
tornou uma grande escola popular de música, por receber pessoas da comunidade
que tinham interesse em aprender música e em tocar um instrumento. Com isto, a
grande maioria do material escrito é de cunho popular, ou de agrado popular. Nos
Estados Unidos, a proposta da banda de concerto seguiu o caminho da escola, inte-
grando-se às demais atividades curriculares. Com isto, a procura por questões liga-
das ao desenvolvimento de uma pedagogia musical se tornou intrínseca na produ-
ção musical para essa formação.

CONCLUSÃO:
É possível definir e avançar com as linhas de atuação de uma banda de música,
banda de concerto, banda sinfônica, grupos camerísticos, bandas marciais, bandas de
metais e tantas outras formações com sopros e percussão, aproveitando um enorme
leque de repertório. O regente deve buscar cada vez mais informação, para que
saiba explorar ao máximo o potencial de seu grupo e estimulá-lo em seu cresci-
mento técnico e musical, sempre em busca do vínculo direto com o público ao
qual o trabalho será destinado. Esse processo chama-se educar. Aliar conhecimento
a essas atividades significa colocar à frente de tudo, sempre, o objetivo principal de
todo o trabalho – que é, em última análise, a realização musical como atividade bási-
ca para a formação sócio-cultural do ser humano.

Pequeno Guia Prático para o Regente de Banda — 19

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