SILVA, D. M. Da PORTELA, E. N. SIMON, H. S. BARRETO, A. Dos S. Um Panorama Das Políticas de Proteção Infantojuvenis No Brasil

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EUNICE NÓBREGA PORTELA

DIRCE MARIA DA SILVA


BRUNA BEATRIZ DA ROCHA
REBECA FREITAS IVANICSKA
(O������������)

EDUCAÇÃO EM MOVIMENTO:
T RANSFORMAÇÕES E D ESAFIOS
NA C ONTEMPORANEIDADE
V����� 2

2022
© Dos Organizadores - 2022
Editoração e capa: Schreiben
Imagem da capa: Peshkovagalina - Freepik.com
Revisão: os autores
Conselho Editorial (Editora Schreiben):
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Esta obra é uma produção independente. A exatidão das informações, opiniões e conceitos
emitidos, bem como da procedência das tabelas, quadros, mapas e fotografias é de exclusiva
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Tel: (49) 3678 7254
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www.editoraschreiben.com

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


E24 Educação em movimento : transformações e desafios na contemporaneidade.
Volume 2. / Organizadoras : Eunice Nóbrega Portela ...[et al.]. – Itapiranga :
Schreiben, 2022.
196 p. : il. ; e-book
E-book no formato PDF.

EISBN: 978-65-5440-050-3
DOI: 10.29327/586122

1. Educação inclusiva. 2. Educação – políticas públicas. 3. Educação – tecnolo-


gias. I. Título. II. Portela, Eunice Nóbrega. III. Silva, Dirce Maria da. IV. Rocha,
Bruna Beatriz da. V. Rebeca Freitas Ivanicska.
CDU 37
Bibliotecária responsável Kátia Rosi Possobon CRB10/1782
SUMÁRIO

PREFÁCIO...................................................................................................6
Eunice Nóbrega Portela
APRESENTAÇÃO........................................................................................8
Dirce Maria da Silva

EIXO 1 - EDUCAÇÃO, INCLUSÃO EM MOVIMENTO


SER AUTISTA: OS DILEMAS E CONFLITOS NO PROCESSO
DE INCLUSÃO SOCIAL............................................................................12
Eunice Nóbrega Portela
Larissa Argenta Ferreira de Melo
Dirce Maria da Silva
TECNOLOGIAS ASSISTIVAS E ESCOLARIZAÇÃO DE CRIANÇAS
AUTISTAS NO BRASIL: O QUE DIZ A LITERATURA...........................20
Shirley de Lima Ferreira Arantes
Dara Cristina Fernandes Gonçalves
A EDUCAÇÃO ESPECIAL NAS COMUNIDADES DOS POVOS
ORIGINÁRIOS: LEVANTAMENTO DE TESES E DISSERTAÇÕES
BRASILEIRAS............................................................................................34
Rhuan Guilherme Tardo Ribeiro
Vânia de Fatima Tluszcz Lippert
Bruna Marques Duarte
Renato Souza da Cruz
APRENDIZAGEM E COGNIÇÃO: OS PROCESSOS DE ENSINO
DOS INDIVÍDUOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS COM
OCORRÊNCIAS BEM SUCEDIDAS NA APRENDIZAGEM...................45
Simone Helen Drumond Ischkanian
Vinícius Guiraldelli Barbosa
Alcione Santos de Souza
Gladys Nogueira Cabral
Cássia Cilene Fernandes
Sandro Garabed Ischkanian
EDUCAÇÃO MUSICAL INCLUSIVA: A MUSICALIZAÇÃO SOB
A PERSPECTIVA DE PROFESSORES QUE ATUAM NA
EDUCAÇÃO INFANTIL...........................................................................55
Ássia dos Santos Barreto
Regina Finck Schambeck
Dirce Maria da Silva
DIREITO: PRODUÇÃO CIENTÍFICA E FORMAÇÃO DE
RECURSOS HUMANOS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL...........................64
Simone Helen Drumond Ischkanian
Gabriel Nascimento de Carvalho
Vinícius Guiraldelli Barbosa
Alcione Santos de Souza
Elimeire Alves de Oliveira
Ana Caroline Barros da Silva

EIXO 2 - EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS EM MOVIMENTO


UM PANORAMA DAS POLÍTICAS DE PROTEÇÃO
INFANTOJUVENIS NO BRASIL: DO CARÁTER PUNITIVO À
ESFERA SOCIOPEDAGÓGICA................................................................76
Dirce Maria da Silva
Eunice Nóbrega Portela
Henrique Smidt Simon
Ássia dos Santos Barreto
EDUCAÇÃO: DIREITO HUMANO PARA O PLENO
DESENVOLVIMENTO DO SER ...............................................................90
Cláudia Mota
Flávia Paiva
A POLÍTICA SALARIAL PROFISSIONAL NACIONAL EM
MATO GROSSO DO SUL FRENTE AS MEDIDAS DE
AUSTERIDADE FISCAL...........................................................................98
Ionaldo Julian Costa Bruno
A “NEUTRALIDADE” IDEOLÓGICA NO ESPAÇO ESCOLAR...........112
Maria Eduarda Klein Kulmann
Gabriel Grabowski
Lovani Volmer
OS MOVIMENTOS DO NEOLIBERALISMO E O RECENTE
ATAQUE A EDUCAÇÃO NA EMENDA CONSTITUCIONAL
NÚMERO 95............................................................................................120
Ionaldo Julian Costa Bruno
EIXO 3 - EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E HISTORICIDADE
ZIGMUNT BAUMAN E A MODERNIDADE LÍQUIDA:
SUJEITO E COISA PARI PASSU NO (DES) COMPASSO DO
CAPITALISMO.........................................................................................135
Cirlene Pereira dos Reis Almeida
SOCIEDADES PRISMÁTICAS, TRAÇOS CULTURAIS E A
PÓS-CONTEMPORANEIDADE: OS CAMINHOS “PEDAGÓGICOS”
DA COMPETIVIDADE E SUSTENTABILIDADE NA ESTRUTURA
SOCIAL E PRODUTIVA BRASILEIRA...................................................145
Paulo César Rodrigues de Mello
DE ALCOBAÇA À CIDADE DA ENERGIA:
A INTENSA E ACELERADA EXPANSÃO DO MUNICÍPIO DE
TUCURUÍ (1978-1985) .............................................................................157
Marta Macedo
Alberto Damasceno
CAMPO NOVO DE PARECIS-MT: UM ESTUDO
SOCIOLINGUÍSTICO DA ESCOLA URBANA JARDIM DAS
PALMEIRAS E A EDUCAÇÃO INDÍGENA...........................................169
Paula Torres Fernandes
Karina de Jesus Araújo
Manoel Mourivaldo Santiago Almeida
PRÁTICAS DO SISTEMA DE CONTAGEM GUARANI DA
TERRA INDÍGENA TEKOHA OCOY.....................................................182
Rhuan Guilherme Tardo Ribeiro
Josie Agatha Parrilha da Silva
Vânia de Fatima Tluszcz Lippert
Bruna Marques Duarte
Renato Souza da Cruz
POSFÁCIO................................................................................................194
Eunice Nóbrega Portela
ORGANIZAÇÃO......................................................................................195
PREFÁCIO

Honra-me sobremaneira prefaciar o livro EDUCAÇÃO EM MOVI-


MENTO: TRANSFORMAÇÕES E DESAFIOS NA CONTEMPORANEI-
DADE. Como o próprio título sugere, o leitor certamente será atraído para as
diversas possibilidades de abordagens sobre o tema a que este poderá contem-
plar. Pelo título, a priori, é plausível conjeturar e/ou até mesmo imaginar, que
os artigos que o compõem tragam conteúdos de movimentos sociais no contex-
to da educação ou até mesmo no contíguo das analogias ensino-aprendizagem
institucionalizadas.
Isso é compreensível pois o leitor ao qual essa obra se destina tem a con-
vicção de que a educação não se limita ao aparato escolar-burocrático-institucio-
nal-estatal. Ao contrário, ela se constitui na dinâmica cotidiana, na multiplicidade
de contextos, espaços e saberes. A educação é, portanto, um movimento contínuo
de troca, experiências, reflexões, ações, desejos, intercâmbios, aspirações, desa-
fios, luta e transformações. Assim, os movimentos sociais são práticas sociais que
transcendem e chegam, portanto, às áreas de abrangência das temáticas propostas.
Os movimentos devem ser entendidos como expressão dos limites e das
contradições da sociedade contemporânea e são, desse modo, intimamente edu-
cativos. Entendemos que o determinante ou a centralidade do homem e da to-
talidade da construção do conhecimento funda-se no trabalho, na práxis. Desse
modo, as construções teórico-práticas descritas no universo da presente obra
trazem contribuições valiosas sobre concepções da educação em uma perspecti-
va interdisciplinar.
Os processos educativos postos em prática e descritos pelos pesquisado-
res, em sua grande maioria educadores, evidenciam o compromisso pela cons-
trução da equidade, autonomia, inclusão, pluralidade e a diversidade cultural.
Reconhecer e dialogar com tal pluralidade, compreender os diferentes contextos,
conhecer as realidades e posicionar-se diante delas para entendê-las, é impres-
cindível no processo de compreensão da realidade concreta, ao buscar soluções
para os problemas nos quais eles estão diretamente ou indiretamente envolvidos
no cotidiano como sujeitos sociais e como educadores.
Essa troca de experiências promove a integração de saberes que abre es-
paço, não somente para a apreensão da realidade, mas para a busca da transfor-
mação, da promoção da equidade e efetivação da democracia.
Como toda obra fruto de pesquisas, EDUCAÇÃO EM MOVIMEN-
TO: TRANSFORMAÇÕES E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE

6
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

também deve ser lida, refletida e debatida, tendo em vista as contribuições, a


riqueza específica de cada eixo temático e de cada capitulo, na diversidade que
apresenta e nos desafios que lança aos leitores, instigando-os a dar continuidade
e aperfeiçoamento às temáticas abordadas.
Que a presente obra seja um norte e que outros pesquisadores aceitem o
desafio!

Brasília, 4 de novembro de 2022.

Eunice Nóbrega Portela


Doutora em Educação pela Universidade de Brasília-UnB.

7
APRESENTAÇÃO

A diversidade de composições textuais abarcadas pela obra EDUCAÇÃO


EM MOVIMENTO: TRANSFORMAÇÕES E DESAFIOS NA CONTEM-
PORANEIDADE - VOLUME 2 reporta-nos à proposição multicultural1 do
currículo acadêmico-educacional, reafirmando-se o respeito à diversidade, em
um mundo cada vez mais relativizado, que permite a interconexão dos sistemas,
“que precisam levar em conta o pluralismo das culturas2, com base na ideia de
equidade3 e diferenças”, convergindo para a multiplicidade polifônica de vozes
que se comunicam, “dentro do respeito aos sujeitos e às individualidades, para
os quais o conceito de diversidade se direciona4”.
Por conseguinte, este livro reúne textos de pesquisadores da Educação,
bem como das áreas da Psicologia, Psicanálise, Arteterapia, Saúde, Música,
Sociologia, Gestão, Meio Ambiente, Políticas Públicas, Sociolinguística, den-
tre outras, oriundos de pesquisadores, profissionais liberais e acadêmicos das
diversas regiões do Brasil, mesclando a contribuição de Professores Pós-Dou-
tores, Doutores, Doutorandos, Mestres, Mestrandos, Especialistas, Graduados,
Estudantes e Pesquisadores das mais diversas instituições, públicas e privadas
do país, numa miríade de olhares que, ao reunir esforços conjuntos em torno de
um tema, conforme a proposta democrática do Projeto Obras Coletivas, plasma
na presente coletânea uma miscelânea de visões que perpassa pelos debates con-
temporâneos no campo educacional e áreas correlatas.
Trabalha-se, nesse sentido, a partir da concepção presente nas políticas
públicas voltadas à educação, “no bojo da pluralidade da composição dos sis-
temas5, leis e normativas que regulamentam e norteiam a seara educacional,
observando princípios e fins, no sentido de promover o pleno desenvolvimento da

1 Veja sobre teorias críticas e pós-críticas dos currículos, que representam o fundamento de
uma concepção multicultural, que questiona o enfoque disciplinar das opções curriculares
em: SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias críticas
do currículo. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
2 FORQUIN, Jean Claude. École et culture. Le point de vue des sociologues britanniques Bruxelas:
De Boeck, 1989. Tradução brasileira: Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do
conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
3 CANDAU, Vera Maria. O currículo entre o relativismo e o universalismo: dialogando com
Jean-Claude Forquin. Revista Educação & Sociedade, Porto Alegre, ano XXI, n. 73, p. 79-
83, dez, 2000.
4 Leia sobre o assunto em: ISHAI, Micheline R. (Org.). Direitos Humanos: uma antropolo-
gia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. v. 02.
5 BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB. 9394/1996.
8
pessoa6”. Neste segundo volume, os textos estão organizados em três eixos temá-
ticos que totalizam dezesseis capítulos dispostos conforme demonstrado a seguir.
O EIXO TEMÁTICO I: EDUCAÇÃO, INCLUSÃO EM MOVIMEN-
TO reafirma o compromisso com a pesquisa em torno do desenvolvimento do
conceito de inclusão escolar no Brasil, relacionado quase que estritamente ao
campo da Educação Especial em sua concepção, demonstrando que houve trans-
formação e evolução das políticas públicas concernentes ao assunto, que hoje pro-
curam alcançar todos os que são histórica e negativamente discriminados78.
A composição do primeiro eixo deste segundo volume perfaz seis capítu-
los, cujos temas são: Ser autista: os dilemas e conflitos no processo de inclusão
social; em seguida, Tecnologias Assistivas e escolarização de crianças autistas
no Brasil: o que diz a literatura; depois, A Educação Especial nas comunidades
dos povos originários: levantamento de teses e dissertações brasileiras; Apren-
dizagem e cognição: os processos de ensino dos indivíduos com necessidades
especiais com ocorrências bem sucedidas na aprendizagem; Educação musical
inclusiva: a musicalização sob a perspectiva de professores que atuam na Edu-
cação Infantil, Direito: produção científica e formação de recursos humanos em
Educação Especial.
O EIXO TEMÁTICO II: EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS EM
MOVIMENTO é composto por cinco capítulos, que são: Um panorama das
políticas de proteção infantojuvenis no Brasil: do caráter punitivo à esfera so-
ciopedagógica; Educação: Direito Humano para o pleno desenvolvimento do
ser; A Política Salarial Profissional Nacional em Mato Grosso do Sul frente às
medidas de austeridade fiscal; A “neutralidade” ideológica no espaço escolar;
e, Os movimentos do neoliberalismo e o recente ataque à Educação na Emenda
Constitucional número 95. Este bloco atenta para a Educação como “bem públi-
co que requer estudos e interfaces com outras áreas do conhecimento, buscando
fortalecer a Educação como direito subjetivo, pressupondo-se a proteção e ga-
rantia de direitos fundamentais inalienáveis9”.
O EIXO TEMÁTICO III: EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E HISTO-
RICIDADE fortalece, em seus cinco capítulos, debates pós-contemporâneos
sobre capitalismo e culturalidade, tecnologias e sustentabilidade, modernidade
6 Leia: PORTELA et al. As transformações plurais dos cenários educativos: Volume I e II.
(Orgs.).: Eunice Nóbrega Portela, Dirce Maria da Silva, Bruna Beatriz da Rocha, Rebeca
Freitas Ivanicska. Itapiranga: Schreiben, 2022.
7 TODOS PELA EDUCAÇÃO. De Olho nas Metas. Primeiro relatório de acompanhamento
das 5 Metas do movimento Todos Pela Educação. São Paulo: Todos Pela Educação, 2008.
8 BRASIL, Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
9 Veja: ARAUJO, Gilda Cardoso de. Estado, política educacional e direito à educação no
Brasil: “o problema maior é o de estudar”. Educ. Rev. Curitiba, nº 39, p. 279-292, abr. 2011.
9
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

líquida, sociolinguística e educação escolar indígena10. Os capítulos que com-


põem o Eixo III são: Zigmunt Bauman e a modernidade líquida: sujeito e coisa
pari passu no (des) compasso do capitalismo; Sociedades prismáticas, traços cul-
turais e a pós-contemporaneidade: os caminhos “pedagógicos” da competivi-
dade e sustentabilidade na estrutura social e produtiva brasileira; De Alcobaça
à cidade da energia: a intensa e acelerada expansão do município de Tucuruí
(1978-1985); Campo novo de Parecis-MT: um estudo sociolinguístico da Escola
Urbana Jardim das Palmeiras e a Educação Indígena, e, Práticas do sistema de
contagem Guarani da terra indígena Tekoha Ocoy.
Apresenta-se, dessa forma, nos termos de uma ecologia dos saberes e do pensa-
mento sugerida por Edgar Morin12 e outros pensadores vinculados à abordagem das
11

teorias interdisciplinares, um “dialogar com outros saberes, a ponto de reconhecer


neles e em seus sujeitos, sua legitimidade, por meio da dialética da racionalidade
moderna disjuntiva, pois é a partir dela que se pensa o mundo e se age nele13”.

Brasília, 05 de novembro de 2022.

Dirce Maria da Silva


Mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Estudos sobre Violência, na
linha de pesquisa em Estado, Políticas Públicas e Cidadania pelo Centro Uni-
versitário UNIEURO/Brasília/DF.

10 Veja: CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática peda-
gógica. In: MOREIRA, Antônio, Flávio e CANDAU, Vera Maria (org.) Multiculturalis-
mo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. 10 ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
11 MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma - reformar o pensamento. 12ª ed.
Rio de Janeiro: Bertrand, 2006.
12 MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 10º ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2007.
13 Veja a respeito em: SILVA. Ana Tereza Reis da. Educação em Direitos Humanos: o currí-
culo entre o relativismo e o universalismo. Educ. Soc., Campinas, v. 36, nº. 131, p. 461-478,
abr.-jun., 2015.
10
Eixo 1
EDUCAÇÃO,
INCLUSÃO EM MOVIMENTO
SER AUTISTA: OS DILEMAS E CONFLITOS
NO PROCESSO DE INCLUSÃO SOCIAL
Eunice Nóbrega Portela1
Larissa Argenta Ferreira de Melo2
Dirce Maria da Silva3

1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo discorrer sobre a subjetividade do sujeito


autista, traçando um recorte sobre os dilemas e conflitos vividos por eles no
processo de inclusão social.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) caracteriza-se como um dis-
túrbio do neurodesenvolvimento atípico, com manifestações comportamentais,
déficits na comunicação e interação social, apresentando padrões de compor-
tamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar, por esses motivos,
repertório restrito de interesses e atividades (SULKES, 2022).
A abordagem subjetiva no presente trabalho parte do pressuposto de que
a pessoa autista tem suas singularidades no processo de constituição. Nesse sen-
tido, adota-se o conceito de subjetividade como o “processo pelo qual algo se
torna constitutivo e pertencente ao indivíduo, ocorrendo de tal forma que esse

1 Doutora em Educação com ênfase em Psicologia Social pela Universidade de Brasília.


Mestre em Educação. Pós-Graduada em Administração Escolar, Psicopedagogia Clíni-
ca e Institucional e Neuropsicologia Clínica. Especialista em Orientação Educacional.
Graduada em Pedagogia pela Universidade de Brasília. Pós-Doutorado Profissional em
Psicanálise. Escritora, Pesquisadora, Palestrante, Consultora Educacional e Empresarial,
Docente Universitária; Psicanalista Clínica. E-mail: [email protected]. A autora fa-
z-se parte da Neurodiversa. Instagram: neurodiversa.tea.tdah.
2 Mestranda em Direitos Sociais e Processos Reivindicatórios pelo Centro Universitário
IESB. Pós- Graduada em Direito Processo Civil. Graduada em Direito pela UniDF e em
Administração pela Universidade de Brasília. Advogada e Bancária. E-mail: laruargen-
[email protected]. Coautora Autista e Asperger. Faz parte da Neurodiversa. Instagram:
neurodiversa.tea.tdah.
3 Mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Estudos sobre a Violência, na linha de pesqui-
sa em Estado, Políticas Públicas e Cidadania. Bacharel em Administração. Pós-Graduada
em nível de Especialização em Gestão Pública e Negócios; Docência do Ensino Superior;
Língua Inglesa; Educação a Distância; Psicopedagogia Clínica e Institucional. Graduada
em Letras Português/Inglês e suas respectivas Literaturas. Graduada em Pedagogia - Sé-
ries Iniciais/Supervisão e Orientação Escolar. Professora da Educação Básica e do Ensino
Superior. Escritora. Pesquisadora. E-mail: [email protected].
12
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

pertencimento se torna único e singular” (SILVA, 2007, p. 75).


A gênese da subjetividade está no interior do sujeito, é constituída na rela-
ção de como o sujeito internaliza, apropria-se, interrelacionam-se, num processo
dialético entre o interno e o externo, o objetivo e o subjetivo.
Bock (2001, p. 23) explica que “a subjetividade é concebida como algo
que se constitui na relação com o mundo material e social, mundo este que só
existe pela atividade humana. Subjetividade e objetividade se constituem uma à
outra sem se confundir”.
Desse modo, o presente estudo parte da concepção do desenvolvimento da
subjetividade, ancorada na psicologia histórico-cultural. Busca-se explicar como
a consciência, propriedade especificamente humana do psiquismo, se constitui
nas e pelas relações sociais e como é concebida na perspectiva do sujeito autista,
nas diferentes formas de interação (VYGOTSKY, 2009; LEONTIEV, 1983).
Este estudo é de caráter exploratório e descritivo, realizado a partir de re-
ferencial bibliográfico sobre a temática em epigrafe, com abordagem qualitativa
(MARCONI E LAKATOS, 2009; GIL, 2008).

2. A SUBJETIVIDADE DO AUTISTA

Ao entendermos o TEA como oriundo de aspectos puramente neurobio-


lógicos, comportamentais, ou como um transtorno do neurodesenvolvimento
infantil, que difere apenas de intensidade, estamos negando a subjetividade que
é constitutiva do ser humano, que é a força da produção mais genuína do ser hu-
mano, e nos submetendo apenas às questões instrumentais do transtorno (GON-
ZÁLEZ REY, 2007).
Neste aspecto, faz-se necessária a construção de arcabouço científico e
social que apresente perspectivas para o melhor entendimento da subjetividade
inerente ao indivíduo que, a despeito de ser uma pessoa com TEA, mantêm a
sua singularidade construída com base no conjunto de elementos que o identifi-
cam como ser humano.
A Teoria da Subjetividade, apresentada por González Rey (1997, 2003,
2005, 2007, 2017), apresenta sistematização de percepções sobre a formação da
subjetividade do indivíduo que extrapolam, no caso do TEA, as questões relati-
vas à neurodiversidade e aspectos biológicos, contemplando, também, questões
inerentes ao universo social e cultural em que este indivíduo está inserido.
Falar da pessoa com Transtorno do Espectro Autista, na perspectiva da
Teoria da Subjetividade, nos faz questionar como se desenvolvem os processos
de subjetivação do indivíduo, que recursos pessoais ele adquire para avançar em
seu desenvolvimento, realizando escolhas, e não apenas reproduzindo ações ou
pensamentos dos outros (GONZÁLES REY, 2011).
13
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

Entendemos como configurações subjetivas, a partir da Teoria da Subje-


tividade, as formas complexas em que os sentidos subjetivos são organizados,
que por sua vez são produzidos nos processos de subjetivação individual e social
de cada pessoa, que têm em seu desdobramento simbólico-emocional um movi-
mento individual, mas também permeado pelas relações sociais dos espaços que
ocupam em sociedade (GONZÁLEZ REY, 2003).
Pensar no desenvolvimento subjetivo das pessoas com TEA representa um
novo caminhar, uma nova postura, uma outra forma de encarar e superar os crité-
rios tão bem especificados pela saúde a respeito deste sujeito. É também possibili-
tar, na medida do possível, a despadronização, para que se possa levar em conta a
singularidade do processo de desenvolvimento. O desenvolvimento da subjetivida-
de é um processo contínuo e permanente, de diferentes configurações subjetivas,
que se constroem nos mais variados espaços sociais (SILVA E ROZEK, 2019).
O fato de o TEA, em sua definição, conglobar indivíduos que apresentam
diferentes correlações e interrelações entre as neurodiversidades enfrentadas,
bem como na interação prática com o mundo circundante, ocasiona maior difi-
culdade na identificação de padrões subjetivos que se apliquem a determinados
grupos de indivíduos dentro do espectro.
Destaca-se ainda a existência de um imaginário social coletivo acerca
de quais seriam as características manifestas de um indivíduo com TEA, qua-
se sempre eivadas de visões estereotipadas acerca dos comportamentos e atitu-
des esperadas de uma pessoa com autismo, confundindo-se a neurodiversidade
desta condição com síndromes ou deficiências mentais geradoras de manifestas
condições facilmente perceptíveis no aspecto coletivo e externo.
Existe ainda um outro aspecto da subjetividade no universo das pessoas
com TEA, que se refere à autopercepção, tanto em relação à existência do trans-
torno e de suas comorbidades, quanto a respeito dos impactos da existência
destas condições em suas percepções e interações com os aspectos objetivos,
emocionais e cinestésicos do ambiente em que está inserido. Os diagnósticos
tardios, via de regra, são fatores preponderantes para a ocorrência de dificulda-
des nesse processo.

2.1 O Processo de Inclusão Social

No Brasil existe o esforço em promover a inclusão das pessoas com au-


tismo. Existem normativas que são aplicadas no universo das necessidades es-
pecíficas do TEA, visando assegurar a inclusão e proteção da pessoa com o
transtorno, assegurando-lhes direitos e garantias em diferentes áreas (PORTE-
LA, MELO; SILVA, 2022).
A Lei Nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, instituiu a Política
14
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

Nacional de Proteção da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. A legis-


lação apresenta como núcleo essencial as diretrizes e direitos do autista, além
de algumas disposições regulamentadas acerca da efetivação da Política, em
âmbito nacional, a saber:
 Utilização da fita quebra-cabeça, símbolo mundial da conscientiza-
ção do transtorno do espectro autista, em estabelecimentos públicos
e privados, como identificação de prioridade (BRASIL, 2012, ART.
1º; § 3).
 Inclusão em classes comuns de ensino regular, com direito à acom-
panhante especializado, em caso de necessidade (BRASIL, 2012,
ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO).
 Criação da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do
Espectro Autista (CIPTEA), com vistas a garantir atenção integral,
pronto atendimento e prioridade no acesso aos serviços públicos e
privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência so-
cial (BRASIL, 2012, ART. 3º-A).

Entretanto, a ação normativa de maior significância na garantia à pro-


teção dos direitos do autista, consiste na inclusão da pessoa com TEA no rol
de pessoas com deficiência, para todos os efeitos legais, conforme disposto no
corpo desta Lei, que “a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada
pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais” (BRASIL, 2012, ART. 1º §
2º). Em especial no que se refere às garantias previstas na Lei Nº 13.146, de 6
de julho de 2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Esse arcabouço jurídico, em aspecto teórico, viabiliza o exercício da cida-
dania pela população com TEA, de modo digno, justo e solidário, conforme pre-
visto constitucionalmente. Destaca-se, nesse sentido, a necessária complementa-
ridade de ações práticas que concretizem a disposição normativa, considerando
não somente o poder público, mas a sociedade como um todo, que deve atuar
como coadjuvante e corresponsável pela proteção e efetivação dos direitos das
pessoas autistas (PORTELA, ARGENTA E SILVA, 2022).

2.2 Dilemas e Conflitos

No Brasil, verifica-se, então, a caracterização de dilemas e conflitos no


que se refere à proteção social às pessoas com TEA, bem como no que se refere
à consideração dos aspectos objetivos e subjetivos inerentes à condição, e mais
ainda, ao se acrescentar o fator sociotemporal como aspecto de significativo im-
pacto na avaliação desse cenário.
O aspecto objetivo contempla notadamente os aspectos biológicos e
15
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

comportamentais descritos em literatura médica, bem como a literalidade dos


instrumentos normativos, que dispõem acerca da proteção jurídica às pessoas
com TEA.
Neste contexto, um dos principais pontos de conflito consiste na correta
identificação, pela população em geral, da pessoa com TEA, de modo a pos-
sibilitar que o autista usufrua da proteção social que lhe é devida. Por não se
enquadrar em um conjunto de características externas que, à semelhança das
síndromes, possibilitem a identificação visual, o autista ainda encontra significa-
tivas dificuldades em inserir-se socialmente dentro de suas condições, seja pela
ausência de instrumentalização sociojurídica que ofereça o correto suporte aos
casos mais severos, seja pela dificuldade de identificação dos autistas leves, sem
deficiência mental ou com altas habilidades.
O dilema, portanto, consiste na efetivação da proteção social do autista
no contexto sociocultural brasileiro, que quase nada conhece acerca do TEA,
sendo o conhecimento difundido socialmente quase sempre composto de visões
leigas acerca do autismo.
Já no aspecto subjetivo, o principal gargalo consiste na dificuldade em
diagnosticar o indivíduo com TEA, notadamente quando se trata de autismo
leve ou com ausência de prejuízos intelectuais significativos. Desta forma, o au-
tista, até a efetiva identificação de sua condição, passa por diversas avaliações
acerca de suas demandas neurobiológicas, a partir da premissa de avaliação ado-
tada para indivíduos de funcionamento neurotípico.
Após o diagnóstico, e durante o processo de internalização desta condi-
ção, com a respectiva ressignificação dos comportamentos, pensamentos e atitu-
des à luz das características do TEA, o autista, no aspecto social, vive o conflito
entre a sua identificação como pertencente ao conjunto de indivíduos com TEA,
mas também pela existência de um universo particular de características que lhe
são pessoais, conferindo-lhe a individualidade e singularidade inerentes à sua
condição humana.
O dilema subjetivo relacionado à proteção social consiste, portanto, na
correta identificação e apoio aos indivíduos com TEA, levando em consideração
suas características e necessidades subjetivas, mas também na garantia, a cada
autista, dentro de suas condições particulares de vida, o suporte necessário para
que possua uma vida ancorada na dignidade da pessoa humana.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discorrer sobre a subjetividade do sujeito autista requer a compreensão


dos processos de subjetivação do indivíduo dentro da singularidade que envol-
ve a construção do ser autista em todas as suas dimensões, intelectual, física,
16
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

afetiva, social e cultural, além da garantia dos direitos fundamentais que assegu-
rem a inclusão em todos os setores.
Isso pressupõe a construção permanente de um projeto de inclusão que
leve em consideração as subjetividades, as garantias, normas que assegurem o
atendimento das necessidades especificas, o combate a todo tipo de preconceito
e a busca pela inclusão, inclusive no mundo do trabalho.
A Teoria da Subjetividade mostrou-se uma construção teórica pertinente
aos estudos sobre as abordagens do TEA, pois traz contribuições sistemáticas
de percepções sobre a constituição da subjetividade do indivíduo que superam,
no caso do TEA, as questões relativas à neurodiversidade e aspectos biológi-
cos, considerando, também, questões intrínsecas ao contexto social e cultural no
qual eles estão inseridos.
Na revisão da literatura, os principais conflitos encontrados referem-se à
falta de informação da sociedade sobre o TEA, à falta de empatia com as singu-
laridades comportamentais dos autistas, à exclusão social, insuficiência de aten-
dimento médico e terapêutico especializado e ausência de instrumentalização
sociojurídica que apoie os autistas mais graves, ou em decorrência de conflitos
ocorridos em função das crises comuns, que eles precisam lidar, muitas vezes
sem o apoio necessário que lhes deve ser assegurado.
Assim, os dilemas mais comuns estão ligados sobretudo à fragilidade da
proteção social do autista num contexto sociocultural que leve em consideração
sua subjetividade e que promova consideração e suporte às garantias, para que
os autistas possam se desenvolver de forma plena, inseridos em contextos inclu-
sivos que legitimem a dignidade da pessoa humana.
Espera-se que este artigo conduza a reflexões que possam contribuir para
a compreensão da subjetividade do ser autista e que suscite a consciência de no-
vos estudos e outros olhares, bem como mais empatia à causa da efetiva inclusão
das pessoas com TEA.

4. REFERÊNCIAS
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transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.
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17
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Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

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19
TECNOLOGIAS ASSISTIVAS E ESCOLARIZAÇÃO
DE CRIANÇAS AUTISTAS NO BRASIL:
O QUE DIZ A LITERATURA
Shirley de Lima Ferreira Arantes1
Dara Cristina Fernandes Gonçalves2

INTRODUÇÃO

Este trabalho3 apresenta uma revisão de pesquisas que abordam os usos


das Tecnologias Assistivas (TA) na escolarização de crianças diagnosticadas no
Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais na sua quinta
versão (DSM-V), define o TEA como transtorno do neurodesenvolvimento de
complexa etiologia individual, que acomete mais indivíduos do sexo masculino,
caracterizado pela presença dos seguintes sintomas: a) prejuízo persistente na comu-
nicação social recíproca e na interação social; b) padrões restritos e repetitivos de comporta-
mento, interesses ou atividades; c e d) presença dos sintomas desde o início da infância e
limitação ou prejuízo do funcionamento diário. Esses sintomas variam em grau e in-
tensidade, configurando ampla heterogeneidade clínica (American Psychological
Association [APA], 2014). Estima-se que a prevalência de crianças diagnosticadas
com TEA é de uma em cada 68 crianças (ALMEIDA; NEVES, 2020).
O tratamento é individualizado, se beneficia de atividades em pequenos
grupos, deve estar a cargo de equipe multiprofissional e ter início precoce. Não
obstante, não se fala em cura para o autismo, por não se tratar de uma doen-
ça. Contudo, as características comportamentais, comunicativas e expressivas
do sujeito autista podem se alterar ao longo do seu desenvolvimento, em uma

1 Doutora em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pelo Programa EICOS/


Instituto de Psicologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora
Adjunta de Psicologia da Educação na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG/
Unidade Ibirité). E-mail: [email protected], Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.
br/1253127538394696.
2 Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG/
Unidade Ibirité). E-mail: [email protected], Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.
br/3410911132189560.
3 Esta pesquisa foi desenvolvida com apoio do Programa de Apoio à Pesquisa – PAPq/
UEMG, Edital 05/2020, e Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa – PQ/
UEMG, Chamada 01/2021.
20
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

perspectiva mais favorável à sua inclusão e participação social. Assim, sob in-
tervenções adequadas, com boas oportunidades de escolarização e socialização,
características que justificaram o diagnóstico em determinado momento podem
ser atenuadas, sendo impedidas de se manifestar e não estando mais presen-
tes em momento posterior, configurando uma saída do espectro (LAMPREIA,
2007; DUARTE; SILVA; VELOSO, 2018).
A Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno
do Espectro Autista, Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, estabelece em
seu Artigo 1º, parágrafo segundo, que a pessoa com TEA é considerada pessoa
com deficiência (BRASIL, 2012). O direito à educação de pessoas com deficiên-
cia é preconizado na Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) e na Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996). Dentre outras legislações
importantes na área, o artigo 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
determina que é obrigação do Estado garantir Atendimento Educacional Espe-
cializado (AEE) às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular
de ensino (BRASIL, 1990).
No campo escolar, Martins e Monteiro (2017) destacam a centralidade
da construção de possibilidades favoráveis e profícuas de socialização, comu-
nicação e aprendizagem para a inclusão de crianças autistas. A importância da
avaliação individualizada da necessidade de adaptação dos materiais escolares,
das condições de execução das atividades e das estratégias de avaliação do de-
sempenho escolar são discutidas por diversos autores (APORTA; LACERDA,
2018; BARBERINI, 2016; NEVES; RAHME; FERREIRA, 2019). Nessa dire-
ção, deve-se assegurar a construção do Plano de Ensino Individualizado (PEI), o
qual “[...] pode ser pensado como um estudo de caso. O PEI significa, portanto,
um documento a ser elaborado conjuntamente pelos professores, propondo uma
mesma linha de ação pedagógica, tanto no ensino regular como no AEE” (NE-
VES, 2017, p. 491).
Dentre outras temáticas abordadas na literatura, para o escopo do presen-
te trabalho destaca-se a utilização de Tecnologias Assistivas (TA) nos processos
ensino-aprendizagem de crianças autistas. No Brasil, o Comitê de Ajudas Téc-
nicas (CAT), define a Tecnologia Assistiva como:
[...] área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba
produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que obje-
tivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação
de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, vi-
sando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social
(CAT, 2007, p. 3).

Segundo Bersch (2009; 2017), a Tecnologia Assistiva é um recurso do


usuário com objetivo disruptivo, ou seja, aquilo que proporciona novos caminhos
21
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

para que a pessoa com deficiência possa acessar e concluir determinada tarefa.
Em relação à escolarização, salienta a diferença entre TA e tecnologias edu-
cacionais comuns no contexto escolar, estas últimas envolvem a aplicação de
ferramentas tecnológicas com o objetivo de favorecer a aprendizagem, enquanto
uma TA auxilia o usuário a “romper barreiras”, favorecendo a autonomia, a
participação e a inclusão (BERSCH, 2017, p.12).
Com base nessas considerações, o presente trabalho tem por objetivo apre-
sentar uma revisão de estudos brasileiros focados na utilização de Tecnologias
Assistivas na escolarização de crianças autistas, com vistas à caracterização dos
problemas focados, aspectos teórico-metodológicos e resultados mais relevantes.
Na próxima seção, os aspectos metodológicos da pesquisa são detalhados.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo bibliográfico, inspirado na modalidade revisão in-


tegrativa, método específico de revisão que “[...] sumaria a produção cientifica
e teórica produzida de modo a fornecer um conhecimento amplo sobre determi-
nado fenómeno” (PAIS RIBEIRO, 2014, p. 676). A revisão integrativa configura
ampla abordagem metodológica que “[...] possibilita gerar conclusões genéricas
a respeito de uma particular área de estudo” (PAIS RIBEIRO, 2014, p. 677),
incluindo a análise crítica de pesquisas e apontando lacunas do conhecimento.
Foi definida como questão norteadora a seguinte pergunta: “Quais são os
problemas focados, as características teórico-metodológicas e os resultados mais
relevantes da literatura especializada sobre os usos das tecnologias assistivas na
escolarização de crianças com diagnóstico de TEA no Brasil no período de 2000-
2021?”. Para responder à questão norteadora, realizou-se em abr./2021 uma
busca utilizando a combinação dos descritores “escolarização”; “TEA”; “tecno-
logias assistivas”, e o operados booleano AND, nas seguintes bases acadêmicas:
Portal BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), SciELO (Scientific Electronic Library
Online), Periódicos Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ní-
vel Superior). De modo complementar, foram consultados periódicos científicos
da área e as referências bibliográficas dos artigos incluídos na pesquisa.
Os critérios de inclusão e exclusão envolveram estudos brasileiros, pu-
blicados em português, entre os anos de 2000 a 2021, sendo excluídos estudos
focados em outros diagnósticos ou comorbidades, fora do período delimitado
e pesquisas realizadas em outros países. Os resultados foram organizados de
maneira descritiva e são apresentados em tabelas, facultando ao leitor panorama
sintético de determinado segmento da produção científica do assunto, segundo
os critérios de inclusão do estudo.

22
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

RESULTADOS

A partir do levantamento inicial, com base nos descritores definidos fo-


ram encontrados 119 artigos. Após a leitura dos títulos e, quando necessário,
dos resumos, foram excluídos 106 artigos por não preencherem os critérios de
inclusão no que se refere ao recorte temporal, natureza do estudo, pertinência
ao tema e local de publicação. Portanto, inicialmente, foram selecionados 13
artigos (Tabela 1).

Tabela 1- Resultados da busca por combinação terciária “escolarização” and “transtorno


do espectro do autismo” and “tecnologias assistivas” em bases de dados
Combinação terciária SciELO BVS Capes
Encontrados 65 8 46
Selecionados 11 1 1
Fonte: Elaboração própria, abr. 2021.

Ao final da leitura integral e análise do escopo dos 13 artigos seleciona-


dos, com base nos critérios de inclusão e exclusão foram incluídos na revisão
apenas 7 artigos, que corresponderam a todas os critérios do estudo (Quadro 1).

Quadro 1 – Artigos incluídos na revisão, por ano de publicação


Título Autores Ano Objetivo Periódico
Discutir os limites e as possibi-
Tecnologias móveis na in- SANTARO- Revista
lidades da configuração tecnoló-
clusão escolar e digital de SA, L. M. Brasileira de
2015 gica 1:1 em apoiar processos de
estudantes com Transtor- C.; CON- Educação
inclusão escolar e digital na rede
nos de Espectro Autista FORTO, D. Especial
pública brasileira de ensino.
As Contribuições do uso
Analisar as interações comuni-
da Comunicação Alter- TOGAS- Revista
cativas de um aluno autista com
nativa no processo de HI, C. M.; Brasileira de
2016 uma professora e uma estagiária
inclusão escolar de um WALTER, Educação
em ambiente de sala de aula re-
aluno com Transtorno C. C. F. Especial
gular.
do Espectro do Autismo
Modelagem em Vídeo Discutir os resultados das in-
RODRI- Revista
para o Ensino de Habili- tervenções que implementaram
GUES, V.; brasileira de
dades de Comunicação a 2017 a MV para ensinar habilidades
ALMEIDA, educação
Indivíduos com Autismo: de comunicação para indivíduos
M. A. especial.
Revisão de Estudos com TEA.
Revista
Mapeamento sistemáti- Mapear o estado e conhecimento Eletrônica
co: sistemas audiovisuais TOSCANO, das técnicas e métodos de utiliza- de Comu-
para o ensino de crianças R. M.; BE- 2019 ção de sistemas audiovisuais no nicação,
com o transtorno do es- CKER, V. processo de ensino de crianças Informação e
pectro autista com TEA. Inovação em
Saúde

23
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

Analisar os efeitos do Picture


Exchange Communication System
Implementação do PECS
RODRI- (PECS) associado ao Point-of- Revista
associado ao Point-of-View
GUES, V.; -view Video Modeling (POVM) Brasileira de
Video Modeling na Educa- 2020
ALMEIDA, nas habilidades comunicativas Educação
ção Infantil para crianças
M. A. de três crianças diagnosticadas Especial
com autismo
com TEA e Necessidades Com-
plexas de Comunicação.
Revisão sistemática da literatura
com foco em jogos digitais usa-
Revista Ibe-
dos como tecnologias assistivas
Jogos Digitais para Pes- roamericana
FERNAN- para indivíduos com TEA, a fim
soas com Transtornos de tecnologia
DES, M.; de verificar a consistência de tal
do Espectro do Autismo 2020 em educação
NOHAMA, abordagem, encorajando a conti-
(TEA): Uma Revisão e educação
P. nuidade das pesquisas e do desen-
Sistemática. em tecnolo-
volvimento de jogos digitais com
gia.
foco em tecnologia assistiva para
pessoas com TEA.
Elaborar um ambiente digital
denominado como mTEA para
aplicação de programas de ensi-
Software mTEA: do De- SILVA, M.
no por tentativas discretas, fun- Revista
senho Computacional à D.; SOA-
damentados na perspectiva com- Brasileira de
Aplicação por Profissio- RES, A. C. 2020
portamental, assim como avaliar Educação
nais com Estudantes com B.; BENI-
o uso do mTEA, em relação à Especial
Autismo TEZ, P.
elaboração e à aplicação das ati-
vidades por duas profissionais
com estudantes com TEA.
Fonte: Elaboração própria, abr. 2021.

Santarosa e Conforto (2015) realizaram pesquisa qualitativa apoiada na


teoria sócio-histórica que problematiza a relação entre estudantes com TEA e
dispositivos móveis (laptops e tablets), destacando o papel das políticas públicas
afirmativamente inclusivas para o empoderamento de estudantes com deficiência:
Por meio de políticas públicas inclusivas, a diversidade humana e os dis-
positivos móveis (laptops e tablets) começam a imprimir as possibilidades
e os desafios relacionados à presença de estudantes com deficiência na
escola regular, como também de experienciar de conceitos de conectivida-
de, de portabilidade, de flexibilidade, de pertencimento e de customização
(SANTAROSA; CONFORTO, 2015, p. 350).

A pesquisa envolveu três escolas inclusivas, com estudantes com deficiên-


cia regularmente matriculados, participantes do programa brasileiro “Um Com-
putador por Aluno (UCA)”, que possuíam Sala de Recursos Multifuncionais
(SRM) e efetiva utilização do dispositivo móvel. Docentes de classes inclusivas e
profissionais que atuavam na SRM responsáveis pelo AEE atuaram como obser-
vadores participantes, elaborando relatórios de observação dos estudantes com
deficiência em processo de inclusão escolar e tecnológica e registros em diário
de campo. Mediante esses critérios, participaram da pesquisa 3 professores e 3

24
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

alunos com TEA, um par (professor e aluno) de cada instituição selecionada.


A partir dos relatos de observação constatou-se que as crianças eram incluídas
de modo diferencial no contexto das escolas. Uma autista não verbal (TLC),
comparecia apenas em dois dias fixos na semana, um dos quais para a Educação
Física, permanecendo apenas 1 hora por dia e, em casa, era proibida de mani-
pular o laptop educacional, os pais (pedreiro e diarista) não questionavam essas
determinações escolares (SANTAROSA; CONFORTO, 2015).
Evidencia-se que as 3 crianças não demonstraram interesse pelo laptop,
mediante aspectos restritivos de usabilidade, como o tamanho reduzido da tela e
do teclado, o uso do mouse e as configurações do sistema operacional. As ativida-
des com uso do laptop eram ouvir música e assistir a vídeos musicais no Youtu-
be, funcionando, desse modo como “[...] dispositivo de ordenamento corporal,
condizente com a meta de socialização estabelecida para esses estudantes com
deficiência” (SANTAROSA; CONFORTO, 2015, p. 358). Outro aspecto desta-
cado são os efeitos do apoio parental, atravessado pela situação socioeconômica
e escolarização dos pais. Assim, para APL,
Pelo perfil familiar, ambos com curso superior e o pai atuando na área
da tecnologia, os responsáveis pelo estudante reconheceram o potencial
do dispositivo móvel como instrumento de mediação no processo de de-
senvolvimento do filho, principalmente na área da comunicação. Perceber
os problemas de usabilidade que [APL] manifestava ao interagir com o
modelo computacional do equipamento em uso pelo programa UCA fez
com que a família incluísse na lista de materiais escolares do filho um iPad
(SANTAROSA; CONFORTO, 2015, p. 359).

Inspiradas na presença do tablet na mochila de APL e pressupondo que “A


universalidade deve estar garantida pelo acesso ao recurso computacional e não
pela configuração tecnológica” (SANTAROSA; CONFORTO, 2015, p. 358), as
pesquisadoras analisaram a introdução desse dispositivo móvel na escola, que
opera por meio do toque dos dedos. Enquanto o laptop foi considerado “[...]
pouco amigável e de difícil compreensão” (idem, 2015, p.363), o tablet, com sua
tecnologia mais simples, acessível e intuitiva, que admite mudanças de posi-
ção corporal, facilitou aprendizagens, como o contato com códigos importantes
para o processo de alfabetização de APL.
Em relação a GF, a mãe era professora efetiva na mesma instituição onde
o filho estudava, “[...] profissional responsável pelo atendimento especializado na
escola, não reconhecia no laptop educacional reais possibilidades para o desen-
volvimento de sujeitos com deficiência” (SANTAROSA; CONFORTO, 2015, p.
363). Desse modo, “[...] movimentos em busca da inserção de [GF] no universo
da cultura digital foram pouco valorizados e até mesmo questionados pela mãe
quando em um momento de maior agressividade do filho” (idem, 2015, p. 363).

25
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

Desse modo, as autoras expõem o descompasso na materialização de po-


líticas públicas inclusivas no âmbito da inclusão escolar e digital da rede pública,
evidenciando
[...] o distanciamento entre a configuração 1:1 e as especificidades de estu-
dantes com deficiência matriculados em escolas inclusivas não foi coloca-
do como um real problema para as instituições pesquisadas. Para o públi-
co-alvo da Educação Especial, a lógica excludente do sistema educacional
ofertava não uma tecnologia móvel acessível, mas a massinha de modelar,
a corda, o material em EVA e, para os que revelaram uma maior dificul-
dade comportamental, a sedação via Ritalina (SANTAROSA; CONFOR-
TO, 2015, p. 364).

O trabalho de Togashi e Walter (2016), aborda resultados de pesquisa que


introduziu o uso do The Picture Exchange Communication System (PECS-Adaptado)
a professores da rede municipal do Rio de Janeiro (RJ), que atuam no AEE. O
PECS-Adaptado é um sistema de Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA),
subárea da Tecnologia Assistiva, que se baseia na troca de figuras (cartões de co-
municação) por itens desejados. O artigo focaliza a continuidade da utilização do
PECS-Adaptado com um aluno com TEA pela professora de AEE e, também, por
professora e estagiária no ensino regular, discutindo a comunicação como um dos
facilitadores do processo de inclusão escolar, demarcando a existência de outras
características relacionadas às pessoas com TEA que também influenciam nesse
processo. Mostra-se o panorama da evolução do aluno ao longo das sessões du-
rante a investigação maior e, um ano após a mesma, demonstra-se a introdução
do sistema, a adaptação do aluno e como, ao final, este já era capaz de estruturar
frases simples. Tal evolução se deve ao empenho da professora e manutenção de
sua capacitação, demonstrando a importância da formação continuada. Ressal-
ta-se as potencialidades do uso da CAA para o desenvolvimento de alunos com
dificuldades de comunicação (TOGASHI; WALTER, 2016).
Na segunda parte do estudo analisa-se o uso do PECS-Adaptado na sala
de aula regular. Embora o sistema não tenha sido utilizado de forma signifi-
cativa, possibilitou a comunicação do aluno com a professora e a estagiária,
configurando importante ferramenta de comunicação. Inicialmente, a professo-
ra mantinha contato direto com o aluno, mas, com a chegada da estagiária de
inclusão, a professora delega à estagiária o papel de acompanhar o aluno, prática
considerada frequente nas escolas. Conclui-se que a inclusão de crianças com
TEA na escola regular envolve um conjunto de aspectos importantes, dentre
os quais a comunicação se destaca. Desse modo, Tecnologias Assistivas facili-
tadoras da comunicação configuram uma ferramenta importante. Sugere-se a
realização de novos estudos voltados ao tema, destacando-se a importância da
formação continuada e do interesse do professor em renovar sua prática, para

26
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

efetiva inclusão escolar (TOGASHI; WALTER, 2016).


O trabalho de revisão de Rodrigues e Almeida (2017, p. 595) incluiu arti-
gos publicados entre os anos de 2010 a 2016 no Portal de Periódicos da CAPES
que abordaram a Modelagem em Vídeo (MV) e habilidades de comunicação de
pessoas com TEA. A MV “[...] é considerada uma prática baseada em evidên-
cias para indivíduos com TEA pelo fato desta população preferir e responder
melhor às estratégias de ensino por meio de pistas visuais”, utilizada para o ensi-
no de diversas habilidades e favorecida pela atual disponibilidade de dispositivos
móveis, como tablets e smartphones.
Foram incluídos 11 estudos que enfatizaram os ganhos da pessoa com
TEA em suas habilidades de comunicação por meio da MV a partir dos três
tipos de MV: Modelagem em Vídeo com outros como modelo (MVO), adultos
ou pares; a Automodelagem em Vídeo (AV), em que o aprendiz aparece desem-
penhando o comportamento alvo independentemente; a Modelagem em Vídeo
a partir do ponto de vista (MVPV), filmado na perspectiva da primeira pessoa,
a filmadora é posicionada na altura do ombro de uma pessoa. A análise dos
artigos indicou que a maioria das intervenções ocorreu em escolas especiais,
com autistas não-verbais, utilizando o MVO com uso de adultos, principalmen-
te. Procedimentos de generalização por meio de ambientes, materiais, pessoas e
estímulos, manutenção e validade social ocorreram em metade dos estudos. Os
autores concluem que os estudos evidenciam “[...] que a modelagem em vídeo
é um procedimento empiricamente comprovado para ensinar uma variedade de
habilidades comunicativas para crianças com TEA”, sugerindo a importância
de pesquisa que considerem a variedade diagnóstica desta população (RODRI-
GUES; ALMEIDA, 2017, p. 605).
Toscano e Becker (2019, p. 411) realizaram “[...] mapeamento sistemá-
tico do estado de conhecimento das técnicas e dos métodos de utilização de
sistemas audiovisuais, tais como vídeos, apps e jogos no processo de ensino de
habilidades” a crianças com TEA. O levamento envolveu trabalhos publicados
no período de 2015 a 2017 em quatro bases de dados, sendo incluídos 19 artigos
no estudo. Os resultados indicaram que os artigos publicados principalmente em
periódicos de psicologia, mas, também, computação, ciência da informação, en-
genharia e educação física apresentam propostas interdisciplinares de interven-
ção baseada em evidências e descrevem experimentos realizados em diferentes
países. Segundo os autores está presente,
[...] de modo majoritário nos artigos é a dificuldade da transferência das
habilidades ensinadas pela solução midiática para o contexto social do in-
divíduo portador de TEA, bem como a capacidade de generalizar o com-
portamento que lhe foi representado. A recorrente afirmação sobre a difi-
culdade de realizar e acompanhar testes por longos períodos, assim como

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

a complexidade de variáveis que envolvem os portadores desse espectro,


reflete em pesquisas que alcançaram de modo parcial os resultados preten-
didos e apontam a necessidade de prosseguir estudos e experimentações
sobre o tema (TOSCANO; BECKER, 2019, p. 420).

Rodrigues e Almeida (2020) também pesquisaram a intervenção em Co-


municação Suplementar e/ou Alternativa com crianças autistas, por meio do
treinamento do PECS, isolado, e em associação ao Point-of-View Video Modeling
(POVM), um dos modelos da técnica de videomodelação em primeira pessoa
que se destaca por sua eficácia para o ensino de diversas habilidades. Segundo
os autores, por meio da associação do PECS ao POVM, a aprendizagem ocorre
de maneira mais rápida.
O estudo foi realizado em uma escola municipal de Educação Infantil, no
interior do estado de São Paulo (SP), com três crianças autistas, de 4 a 6 anos
e 7 meses, que apresentavam diferencialmente características como habilidades
de comunicação limitadas, ecolalias, ausência de iniciativa para iniciar a comu-
nicação, fala ininteligível, vocalizações não articuladas e balbucios, comporta-
mentos estereotipados e repetitivos. Foram selecionados como modelos colegas
com idade próxima à dos participantes, indicados pela professora, que “[...] rea-
lizavam as trocas de figuras das fases do PECS com adultos modelos que desem-
penharam o papel de Parceiros de Comunicação nos vídeos” (RODRIGUES;
ALMEIDA, 2020, p. 408).
Em síntese, o procedimento experimental adotado foi linha de base inter-
mitente, intervenção e follow-up. A linha de base envolveu a apresentação de um
item de interesse da criança e uma imagem correspondente ao item, observan-
do-se se, e como, a criança pediria o mesmo, alcançando uma taxa de 60% de
respostas corretas para cada criança. A partir de então a intervenção consistiu
na aplicação do treinamento do PECS de forma isolada com cada criança, se-
guido pela associação ao POVM, quando as crianças assistiram aos vídeos dos
modelos, visando média igual ou superior a 80% de acertos. Após um mês de
intervenção, na etapa de follow-up, verificou-se se houve aprendizagem e se esta
foi mantida (RODRIGUES; ALMEIDA, 2020).
Os resultados indicaram que, após as intervenções com o PECS isolada-
mente e o PECS associado ao POVM, ocorreu de forma imediata e abrupta uma
mudança de nível para todas as crianças, o que as autoras associam ao fato de
que as intervenções incluem estímulos, dicas e organização de reforço. Eviden-
cia-se a manutenção do comportamento-alvo no follow-up, com utilização inde-
pendente do PECS pelas crianças, sendo que a associação do PECS ao POVM
“[...] favoreceu uma aprendizagem mais rápida e com maior número de acertos
do que o PECS isoladamente” (RODRIGUES; ALMEIDA, 2020, p. 414).
Conclui-se que a aplicação do PECS associado ao POVM é eficaz no
28
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

ensino de habilidades e Necessidades Complexas de Comunicação, facilitando


o processo de aprendizagem de crianças com TEA, contudo, considera-se desa-
fiadora a aplicação destes recursos no contexto das escolas regulares.
Fernandes e Nohama (2020, p. 72) desenvolveram revisão sistemática da
literatura com foco em jogos digitais usados como Tecnologias Assistivas para
pessoas com TEA: “[...] na base digital IEEE Xplore, foram pesquisados estudos
que continham o termo game em conjunto com termos relacionados ao TEA”.
Foram identificados 62 artigos que abordam jogos digitais que visam melhorar
alguma área com desenvolvimento atípico nas pessoas com TEA, por meio do
emprego das plataformas desktop, mobile e tabletop.
Em relação à plataforma mobile, sistemas operacionais Android e IOS,
foram identificados diferentes jogos que envolvem, separadamente, os seguintes
aspectos: dispositivos externos acoplados, como óculos 3D; utilização da câme-
ra, para obtenção e tratamento de imagens e reconhecimento de emoções; geolo-
calização, que permite rastrear outro dispositivo ou enviar localização; gravação
de som, que permite analisar a clareza e dicção da fala, por exemplo. A platafor-
ma desktop concentra o maior número de jogos identificados na pesquisa. Aque-
les que utilizam o computador e mouse visam aprendizagens como o alfabeto, a
matemática e a usar dinheiro, dentre outros. Quando dispositivos externos como
óculos 3D e sensores de detecção de movimento são acoplados, favorecem a
detecção de respostas corporais, podendo contribuir para o reconhecimento das
emoções, treino da habilidade de concentração, melhora da coordenação mo-
tora, e estímulo a comunicação entre jogadores. Também foram identificados
jogos que utilizam reconhecimento facial e de voz. A maioria dos jogos desen-
volvidos para a plataforma tabletop, dispositivo multi-touch em formato de mesa
que permite a interação espontânea dos jogadores e a comunicação verbal e não
verbal, são baseados na resolução conjunta de desafios. Concluem que os jogos
digitais desenvolvidos como Tecnologias Assistivas para pessoas com TEA con-
figuram assunto recorrente nas discussões a respeito de TA para autistas, apre-
sentando resultados positivos de melhora das habilidades, observando que “[...]
dentre os estudos selecionados, nenhum faz menção negativa ao uso de jogos
digitais como tecnologias assistivas para pessoas com TEA” (FERNANDES;
NOHAMA, 2020, p. 78).
Silva, Soares e Benitez (2020), relatam a elaboração de ambiente digital
denominado mTEA para aplicação de programas de ensino por tentativas dis-
cretas a crianças com TEA, fundamentado na perspectiva comportamental. O
mTEA foi desenvolvido em linguagem Java e pode ser acessado de qualquer na-
vegador e apresenta interface simples e interativa. É capaz de avaliar o repertório
de entrada do estudante com TEA e subsidiar a elaboração de atividades

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

personalizadas, aplicar as atividades, registrar e analisar o desempenho e propor


novas atividades. Participaram duas profissionais e cinco crianças com TEA,
entre 4 e 9 anos de idade. As profissionais aplicaram atividades elaboradas es-
pecificamente para cada criança, de acordo com a necessidade de cada uma
diversas vezes, em contextos distintos. Após essas aplicações responderam a um
questionário, com sete questões avaliando o mTEA. Os resultados indicaram que
o mTEA atingiu o objetivo proposto para personalizar as atividades em cada cur-
rículo de ensino de cada estudante, apesar de ainda carecer de aperfeiçoamento.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os artigos incluídos na presente revisão incluem relatos de pesquisa/in-


tervenção (4) e trabalhos de revisão da literatura (3), publicados majoritaria-
mente em periódico especializado da área (5), a maioria no ano de 2020 (3). As
revisões abordam a Modelagem em Vídeo (MV) e habilidades de comunicação
de pessoas com TEA (1); técnicas e métodos de utilização de sistemas audiovi-
suais como vídeos, apps e jogos no processo de ensino de habilidades a crianças
com TEA (1); jogos digitais usados como Tecnologias Assistivas para pessoas
com TEA (1). Os relatos de pesquisa abordaram a avaliação da relação de es-
tudantes com TEA e dispositivos móveis no contexto das políticas públicas (1);
a introdução do PECS-adaptado no contexto do AEE e do ensino regular (1);
o treinamento do PECS isolado e associado ao POVM no contexto do ensino
regular (1); a elaboração de ambiente digital denominado mTEA e aplicação de
programas de ensino por tentativas discretas a crianças com TEA na escola (1).
Predomina nesses trabalhos o referencial teórico da Análise do Compor-
tamento Aplicada (ABA), destacando-se os resultados positivos do esforço de
compreensão e elaboração de soluções baseadas em evidências para domínios
diagnósticos do TEA, com ênfase nas habilidades comunicativas. As limitações
indicadas pelos estudos salientam as dificuldades de generalização dos compor-
tamentos aprendidos para outros contextos e a variedade diagnóstica da popula-
ção com TEA. Foi identificado 1 estudo apoiado na Teoria sócio-histórica que
envolveu aspectos contextuais: as políticas públicas; a condição socioeconômi-
ca; e o apoio parental; demonstrando maior potencial crítico sobre as potencia-
lidades e fragilidades das interações dos sujeitos com TEA com a tecnologia
móvel em contexto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados desta revisão sugerem a predominância do uso de TA para o


desenvolvimento de habilidades comunicativas de alunos autistas matriculados

30
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

na Educação Infantil e Ensino Fundamental/Anos Iniciais, o que nos permite


inferir a preocupação com o desenvolvimento na primeira infância, principal-
mente por meio de estímulos visuais, bem-sucedidas em seu propósito de es-
timular a repetição de determinados comportamentos, muitas vezes de forma
superficial e mecânica, sem a elaboração de um significado verdadeiro, como
ato completo de pensamento. Desse modo, nos parece pertinente considerar que
o uso das TA com crianças autistas à luz das teorias cognitivo-comportamentais,
dista do necessário aprofundamento no processo de socialização em contexto.
Com esse investimento em recursos padronizados, os trabalhos abordados no
estudo destacam que as diferenças abrangidas pela noção de espectro inerente à
concepção do transtorno, e as singularidades, são pouco investidas no processo
individual e coletivo de escolarização, desenvolvimento e inclusão.

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33
A EDUCAÇÃO ESPECIAL NAS COMUNIDADES DOS
POVOS ORIGINÁRIOS: LEVANTAMENTO DE TESES
E DISSERTAÇÕES BRASILEIRAS
Rhuan Guilherme Tardo Ribeiro1
Vânia de Fatima Tluszcz Lippert2
Bruna Marques Duarte3
Renato Souza da Cruz4

INTRODUÇÃO

Este trabalho buscou analisar as teses e dissertações publicadas no con-


texto brasileiro entre os anos de 2010 a 2020, tendo como objetivo compreender
como as pesquisas de doutorado e mestrado brasileiras entendem a perspectiva
da Educação Especial Indígena. Para isso, realizou-se uma busca na base de
dados do Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamen-
to de Pessoal de Nível Superior (CAPES), utilizando-se os descritos “Educação
Especial” AND “Educação Indígena”. Dos oito trabalhos levantados, sete se
enquadram na perspectiva de Educação Especial Indígena e nos apontam como
a educação se revela importante na integração da pessoa com deficiência em
sua comunidade, bem como a necessidade de políticas públicas voltadas para a
1 Doutor em Educação em Ciência e Matemática pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM). Mestre em Ensino pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Professor
de Matemática e Física no Colégio Estadual Indígena Teko Ñemoingo - São Miguel do
Iguaçu/PR. Membro do grupo de pesquisa: INTERART: Interação entre arte, ciência e
educação: diálogos e interfaces com as Artes Visuais da Universidade Estadual de Ponta
Grossa (UEPG). E-mail: [email protected].
2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação para Educação em Ciência e a Matemática
pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestra em Ensino pela Universidade Es-
tadual do Oeste do Paraná. Professora de Matemática e Sala de Recursos Multifuncional
para Altas Habilidades/Superdotação no Colégio Estadual Monteiro Lobato - Céu Azul/
PR. E-mail: [email protected].
3 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação para Educação em Ciência e a Matemática
pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Educação pela Universidade
Estadual do Paraná (UNESPAR). Professora de Ciências na Secretaria de Estadual de
Educação do Paraná. E-mail: [email protected].
4 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais e Sustentabilidade pela
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Professor de Biologia/Ciências
e Pedagogo no Colégio Estadual Indígena Teko Ñemoingo - São Miguel do Iguaçu/PR.
E-mail: [email protected].
34
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

saúde e educação indígena, diante das necessidades formativas dos profissionais


que atuam nas aldeias bem como, a falta de acesso à saúde nestes locais. Nesse
sentido, incentivamos que pesquisadores tenham interesses na relação à Educa-
ção Especial e a Educação Indígena, uma vez que, é necessário olhar para todas
as realidades socioculturais, pois é preciso estudar e discutir a Educação Espe-
cial e Inclusiva para os povos indígenas, sendo relevante considerar como cada
grupo entende o processo de escolarização em suas comunidades.
Os princípios da Educação Especial Inclusiva foram difundidos interna-
cionalmente por meio da Conferência Mundial sobre Educação para Necessi-
dades Educativas Especiais que ocorreu na Espanha, em junho de 1994, que
resultou na Declaração de Salamanca, documento no qual contempla-se assun-
tos sobre os ambientes educacionais e o acesso à educação de qualidade. Tendo
como eixo o direito à educação, a declaração versa sobre a construção de escolas
capacitadas na educação de todos os alunos, independentemente de sexo, gêne-
ro, Idade, raça, religião, credo, origem, classe social, condições físicas, sensoriais
e intelectuais (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994).
A concepção de Educação Inclusiva foi reformulada na produção tex-
tual político-normativa brasileira, principalmente no que tange à escolarização
de alunos com deficiência, Transtornos do Espectro Autista (TEA) e altas ha-
bilidades/superdotação – definidos como Público-Alvo da Educação Especial
(PAEE). Nesse sentido, as influências do princípio da educação inclusiva têm
se dado na produção textual político-normativa brasileira, em particular no que
diz respeito à escolarização de alunos PAEE (VENERE, 2005).
Quando voltamos nossos olhares para os contextos educacionais, as ques-
tões relacionadas à Educação Especial tornam-se ainda mais significativas ao
analisarmos esta perspectiva inserida na Educação Indígena, uma vez que não
podemos nos desvencilhar da importância dos povos indígenas para a cultura
brasileira. Destacamos, que os povos originários representam atualmente 0,4 %
da população brasileira, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Dados do Censo 2010 mostram que essa população passou
de 29.000 em 1991 para 817,9 mil. Apesar dos dados divulgados pelo IBGE
mostrarem uma população crescente de indígenas brasileiros, no Brasil tem sido
pouco discutido sobre as reais condições de vida da população indígena com
deficiência (SOUZA, 2010).
Apesar do crescente do número de indivíduos deste grupo singular, os in-
dígenas ainda são vistos como figuras estereotipadas, estranhas, indefesas e fol-
clóricas. Sendo esquecida ao ponto de pertencerem a uma das populações com
maior índice de analfabetismo, que vivem em áreas extremas de pobreza. Essa
situação de abandono agrava-se quando eles possuem algum tipo de deficiência,

35
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

pois, muitas vezes não recebem os devidos cuidados em relação à saúde e à edu-
cação (BURRATO, 2010).
A situação de pobreza ou miséria dos povos indígenas os tornam vulnerá-
veis e propensos a vivenciar deficiências em confrontação com a população em
geral ocasionados principalmente ao alto nível de carência, à grande antropiza-
ção do meio ambiente junto a influência e consequências de grandes empreendi-
mentos de desenvolvimento como (hidrelétricas ou atividades mineradoras) e ao
maior risco de serem vítimas de violência” (ONU, 2016). Neste contexto, há vá-
rios fatores determinantes na ocorrência de deficiências entre estas populações,
como: doenças infecciosas, alcoolismo, uso de drogas ilícitas e seus efeitos cola-
terais, tabagismo e poluição. Ademais existem os fatores genéticos cromossômi-
cos, como síndrome de Down, entre outros. Somado a isso, há a precariedade
no atendimento às gestantes indígenas que não recebem tratamento adequado
no pré e pós-natal (BARROCO, 2008).
Diante das considerações sobre a saúde da população indígena, sua situa-
ção de indigência e a relação destes fatores com o surgimento de deficiências,
consideramos a necessidade de se discutir uma educação inclusiva nesta conjun-
tura. As escolas indígenas têm suas próprias características, definidas não por
sua espacialização não urbana, mas por concepções, princípios, culturas, lingua-
gens, relações sociais e trabalho das populações indígenas. Trata-se, portanto,
de escolas diferenciadas, capazes de organizar seus espaços de tempo educativo
levando em conta os modos de existência dos povos indígenas (MUNARIN,
2011). Além disso, as práticas pedagógicas na educação escolar indígena, devem
levar em conta a articulação entre as intenções de aprendizagem e o desenvolvi-
mento humano, considerando as diferenças socioculturais e necessidades espe-
cíficas dos alunos (BRITO, 2013).
Ante o exposto, vale mencionar a essencialidade de se discutir a Educação
Indígena no contexto inclusivo devido ao aumento de matrículas de crianças
com necessidades especiais em escolas indígenas. Tal circunstância gera um im-
pacto cultural no trabalho dos professores indígenas e não indígenas. Assim, tor-
na-se de extrema importância pensar uma formação específica para esses profis-
sionais, o que denota uma política educacional direcionada às escolas indígenas
que atenda às necessidades dos alunos aborígenes com necessidades especiais de
acordo com a sua realidade cultural específica (GRAF; RIOS, 2020).
Nesse ínterim, o estudo busca apresentar diálogos de pesquisas brasileiras
que descrevem sobre a Educação Especial no contexto dos povos originários,
como forma de responder a seguinte questão: Qual a caracterização teórica,
metodológica e analítica de pesquisas nacionais que discorrem sobre a Educa-
ção Especial na Educação Indígena? Como forma de apresentar resultados de

36
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

pesquisas que respeitem os povos originários, suas crenças culturais e espirituais,


inferindo diálogos que possam valorizar a vida humana como mecanismo de
empatia e solidariedade sociocultural.

IDENTIFICAÇÃO, DEFINIÇÃO E APRESENTAÇÃO DOS TRA-


BALHOS

Nesta seção apresentaremos um cenário de pesquisas de nível Stricto Sensu,


produzidas em universidades brasileiras, entre os anos de 2010 a 2020 (períodos
em que estes estudos foram publicados), que apresentam uma perspectiva sobre a
Educação Especial no contexto da Educação Indígena. Os trabalhos encontrados
ajudaram na construção de aspectos teóricos, metodológicos e analíticos da edu-
cação como mecanismos de defesa da diversidade no processo de escolarização.
A busca por pesquisas produzidas se deu na base de dados do Catálogo
de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ní-
vel Superior (CAPES), disponibilizados digitalmente em sua plataforma. Para
iniciar o levantamento bibliográfico escolhemos, simultaneamente, em ambas
as plataformas, duas palavras-chave relacionadas ao nosso objeto de pesquisa:
“Educação Especial” AND “Educação Indígena”, buscando estudos na área de
ensino e educação. Essa pesquisa inicial resultou em (oito) trabalhos que passa-
ram por um processo de leitura para serem selecionados e analisados (CERVO;
BERVIAN; SILVA, 2007). Além desses, 1 (um) estudo não estava disponível no
repositório da universidade para domínio público.
As informações acerca dos trabalhos selecionados estão elencadas no
(Quadro 1), no qual organizamos, por ordem cronológica, os dados relativos
ao título, autor, orientador (a), instituição, modalidade de pós-graduação e ano
da defesa. Logo em seguida a essa compilação, caracterizamos cada trabalho
relacionando como eles discorrem sobre os estudos que permeiam a Educação
Especial na perspectiva da Educação Indígena

Quadro 1 - Trabalhos sobre a Educação Especial no contexto dos povos indígenas


Titulo Orientador Pós-Gra- Ano da
Autor (a) Instituição
(a) duação Defesa
Prevenção de Deficiência: MARIA DA
BURATTO, Universida- Doutorado
Programa de Formação para PIEDADE
LUCIA de Federal em Educa- 2010
Professores Kaingang na RESENDA
GOUVEA São Carlos ção Especial
Terra Indígena Ivaí-Paraná DA COSTA
A Constituição do Sujeito Universida-
MARILDA
Surdo na Cultura Guarani- COELHO, de Estadual Mestrado
MORAES
-Kaiowá: Os processos pró- LUCIANA da Grande em Educa- 2013
GARCIA
prios de interação e comuni- LOPES Dourados ção
BRUNO
cação na família e na escola

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

A criança Indígena Surda Na


LIMA, BRUNO, Universida-
Cultura Guarani-Kaiowá: Mestrado
JULIANA MARILDA de Federal
Um estudo sobre as formas em Educa- 2013
MARIA DA MORAES da Grande
de comunicação e Inclusão ção
SILVA GARCIA Dourados
na família e na escola
A Educação Inclusiva na
RODRI-
Escola Indígena Ebenezer do ROBERTO Escola Mestrado
GUES,
Povo Tikuna da Comunidade ERVINO Superior de em Educa- 2018
DARCIMAR
de Filadélfia no Município de ZWETSCH Teologia ção
SOUZA
Benjamin Constante Am
A Escolarização do Público- MARISTE-
SANTOS,
-Alvo da Educação Especial LA Universida- Mestrado
EDINEIDE
Nas Escolas Estaduais da BORTO- de Estadual em Educa- 2018
RODRI-
Educação do Campo no Mu- LON DE de Roraima ção
GUES DOS
nicípio de Boa Vista/RR MATOS
Identidade Profissional do
ROSELI
Professor que atua na Sala PORTELA,
BERNAR- Universida- Mestrado
de Recurso Multifuncional: SELMA
DO SILVA de Estadual em Educa- 2019
Estudo a partir de uma MARIA
DOS SAN- de Roraima ção
Escola Estadual Indígena em CUNHA
TOS
Roraima
A Construção de Corpos FERRARI, MÔNICA Universida-
Doutorado
com e sem Deficiência nas ANA CA- MARIA de Federal
em Educa- 2020
Práticas de Circulação de ROLINA FARID de Minas
ção
conhecimento Xakriabá’ MACHADO RAHME Gerais
CLAUDIO Mestrado
A Experimentação no Ensi- GONZA- Universida-
ROBERTO Profissional
no de Química e os Saberes GA, KEZIA de Estadual 2020
MACHADO em Ensino
Indígenas RIBEIRO. de Goiás
BENITE de Ciências
Fonte: Autores, 2022.

Da análise do quadro percebemos que o primeiro trabalho publicado na


seara pesquisa é o de Buratto (2010), no qual descreve-se doenças que afetam os
indígenas Kaigang e possíveis deficiências causadas por essas enfermidades. O ob-
jetivo buscado pela autora, foi a formação de professores Kaigang, para a atuação
na prevenção de deficiências. Para esse estudo, dez professores da etnia Kaigang
cumpriram com os requisitos estabelecidos e participaram dos trabalhos.
A abordagem qualitativa teve caráter exploratório e desentivo. Na obser-
vação e coleta de dados o ambiente natural foi o cenário principal. Foram utili-
zados um questionário para levantamento de incidência de casos de deficiência
e questionários pré e pós-aplicação do programa de prevenção com os dados
apresentados em quadros e gráficos que mostraram a apropriação de conteúdos
e experiências vividas com o desenvolvimento do programa. Ainda, com o pro-
grama de prevenção da saúde dos índios Kaigang, constatou-se que estas pes-
soas enfrentam dificuldade de acesso ao atendimento de saúde e que precisam
que as políticas públicas venham ao encontro com as suas necessidades.
Coelho (2011), desenvolveu seu trabalho com o objetivo geral de investigar

38
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

os sujeitos surdos pertencentes ao grupo Guarani-Kaiowá e compreender as re-


lações entre a família e a escola no ambiente. E como objetivos específicos a
pesquisadora, buscou conhecer a surdez na cultura Guarani-Kaiowá, identificar
como se dá a comunicação entre os sujeitos dessa etnia e descrever a interação e
comunicação na família e na escola.
A pesquisa desenvolvida tinha caráter qualitativo com delineamento
teórico metodológico baseado nos estudos culturais. Para a coleta de dados
utilizou-se de análise documental, observação participante com comunicação
espontânea com indígenas surdos e suas famílias e as entrevistas foram semies-
truturadas. As análises mostraram as condições de vida dos sujeitos indígenas
surdos e permitem a compreensão das relações existentes entre as culturas em
contato e as línguas usadas nas aldeias identificadas na pesquisa.
Com a pesquisa Coelho (2011), mostra que o indígena surdo ao passar
pelo processo de aprendizagem pode ser inserido na cultura e na sociedade, com-
preender a realidade e comunicar-se entre seus pares e com a comunidade em
geral. Nos relatos dos indígenas participantes da pesquisa é destacado percep-
ções quanto a mudança cultural que está acontecendo no grupo, como o aban-
dono das práticas religiosas e costumes tradicionais da comunidade indígena.
A pesquisa de Lima (2013), teve como objetivo principal investigar as for-
mas de comunicação e inclusão da criança surda indígena no contexto familiar
e escolar das Aldeias Bororó e Jaguapiru, em Dourados, MS. Nesse estudo, os
objetivos específicos buscados foram a compreensão da comunicação das crian-
ças indígenas surdas nas relações com a família e com a escola, a identificação
tanto das facilidades como dificuldades de comunicação e inclusão da criança
indígena surda e a descrição das ações da família e da escola para a inclusão
dessas crianças no sistema educacional. A pesquisa é qualitativa de cunho etno-
gráfico com observação participante. A coleta e a análise de dados foram obtidas
por meio de diário de campo, entrevistas semiestruturadas e conversas informais
com os professores indígenas e os familiares das crianças indígenas surdas.
No contexto dessa pesquisa Lima (2013), observou a preocupação dos pro-
fessores com a inserção da Educação Especial com moldes externos à realidade
educacional indígena, sem a consulta e participação da comunidade. A partir des-
se contexto, a pesquisadora chama a atenção para a busca de uma gestão própria
de Educação Especial nas escolas que atendem as crianças indígenas surdas, o en-
sino da Libras para toda a comunidade escolar, e principalmente, formação conti-
nuada para os professores indígenas que atuam na educação de indígenas surdos.
A pesquisa de Rodrigues (2014), discute a educação inclusiva na educa-
ção escolar indígena a partir de uma escola indígena do povo Tikuna, no alto
Solimões, AM. Tem como sujeitos da pesquisa estudantes com necessidades

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

educacionais especiais de uma escola municipal indígena. A pesquisa é biblio-


gráfica e documental e teve como instrumento de coleta de dados o diário de
campo nos moldes de estudo etnográfico.
Os estudos de Rodrigues (2014), referem-se aos problemas de aprendiza-
gem e atendimento educacional especializado de estudantes identificados com
necessidades educacionais especiais e as dificuldades que permeiam o trabalho
docente relacionado aos alunos com deficiência e as condições de ensino na
escola indígena perante as propostas da Educação Inclusiva. Para Rodrigues
(2014), este estudo revelou que é preciso ser consciente quanto aos assuntos refe-
rentes às temáticas da Educação Inclusiva Indígena, pois são poucos os estudos
voltados à realidade de crianças com deficiência nas comunidades indígenas.
Rodrigues (2014), espera que seu trabalho sirva de inspiração para que outros
pesquisadores desenvolvam também se interessem pela temática.
A pesquisa de Santos (2018), trouxe como sujeitos da pesquisa estudan-
tes da Educação Especial no qual buscou compreender os seus processos de
escolarização. Teve como objetivos específicos analisar se as instituições que
trabalham na perspectiva da Educação Especial dispunham e oferecem acessibi-
lidade no processo de escolarização dos sujeitos e ainda, procurou especificar a
formação dos professores que atuam na área de Educação Especial.
O estudo foi documental com observação e realização de entrevistas e
procedeu tecnicamente empregando o estudo de caso. A análise dos dados foi
construída sob a perspectiva teórico-metodológica da investigação, tendo como
base o Materialismo Histórico-Dialético na abordagem da pedagogia histórico-
-crítica para compreender a escolarização do público-alvo da Educação Especial
nas escolas da Educação do Campo no município de Boa Vista-RR.
Na sua dissertação Portela (2019), apresenta como objetivo geral de es-
tudo a análise de como acontece a formação dos professores atuantes nas Salas
de Recursos Multifuncionais no contexto da Escola Indígena em Roraima, na
qual o referencial de análise é a Teoria Histórico-Cultural. A pesquisa tem abor-
dagem qualitativa de cunho bibliográfico, com entrevistas semiestruturadas e
análise documental para coleta de dados.
Em seus estudos Portela (2019), evidencia que a Educação Inclusiva está
em processo lento de inserção e apreensão dos saberes culturais dos docentes
indígenas e, portanto, é emergente um novo olhar pedagógico quanto à inclu-
são de alunos com deficiência em todos os espaços escolares. para isso tem-se
a necessidade de que os estudos sejam por vezes mais críticos e voltados para a
motivação dos profissionais atuantes nessa área de ensino e aprendizagem.
Ferrari (2020), em sua tese de doutorado, apresenta como objetivo principal
de estudo, examinar como os corpos são constituídos com e sem deficiência, a partir

40
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

das práticas de circulação do conhecimento Xakriabá, considerando e relacionan-


do-os com outros humanos e também não humanos. Como metodologia, a obser-
vação participante estruturou-se etnograficamente na Teoria Ator-Rede (TAR), que
possibilita a ação de humanos e não humanos nas práticas das comunidades.
A pesquisa foi desenvolvida no Território Indígena Xakriabá, mais preci-
samente nas Aldeias Barreiro Preto e Imbaúba, de 2017 a 2019. Os referenciais
teóricos utilizados serviram de alicerce para as discussões que discorreram so-
bre a história e os conceitos que tratam e abordam a deficiência, o quanto são
implicadas pelas políticas públicas e como ocorrem nos ambientes escolares, e
também, como as percepções de alguns povos indígenas acerca dos corpos que
apresentam deficiência.
Os resultados alcançados por Ferrari (2020) na sua pesquisa, apontam a
importância das práticas comunitárias na construção de corpos sem deficiência
e chamam a atenção para a urgência da elaboração e implementação de políticas
educacionais direcionadas para a Educação Especial dos povos indígenas, as
quais vem sendo solicitada por eles, e faz tempo.
Gonzaga (2020), em sua dissertação, aborda a temática indígena no cur-
rículo de ciências, em especial a química, na qual envolve processos metodoló-
gicos capazes de articular conhecimentos tradicionais e conteúdos científicos,
de acordo com a Lei 11.645/2008, que torna obrigatório o estudo da História e
Cultura Afro-brasileira e Indígena em todo o currículo escolar (BRASIL, 2008).
A pesquisa tem cunho descritivo e abordagem participante atrelada à pesquisa
de campo. A coleta de dados se deu por meio de questionários aplicados para
professores da Licenciatura Intercultural Indígena, na perspectiva de uma revi-
são bibliográfica que possibilitou desenvolver como produto educacional, um
livreto, que contempla roteiros para aulas de química experimental com aborda-
gens, relatos, elementos e discussões da cultura indígena, ressaltando principal-
mente a valorização da perspectiva étnica decolonial.
Por meio da leitura das dissertações e teses, foi possível perceber que dos
oito trabalhos analisados, sete se enquadram na proposta da Educação Especial
para os estudantes indígenas, assim, estes trabalhos contribuem para responder
à questão de investigação desta revisão. A partir das discussões das pesquisas
deste levantamento, indicamos a indigência de se incentivar o interesse dos pes-
quisadores em relação a Educação Especial e a Educação Indígena olhando
para todas as realidades socioculturais, pois, percebe-se a necessidade de estudar
e discutir a Educação Especial e Inclusiva para todos os povos indígenas, dando
a devida importância de como cada grupo entende o processo de escolarização
em suas comunidades.

41
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste momento retomamos o objetivo deste trabalho, que consiste em


apresentar os diálogos teóricos, metodológicos e analíticos de pesquisas de dou-
torado e mestrado brasileiras sobre a perspectiva da Educação Especial Indíge-
na. Dos aspectos analisados nos referidos trabalhos, evidenciamos que metodo-
logicamente estes centram-se na perspectiva qualitativa utilizando métodos de
coletas de dados como questionários, análise documental, observação partici-
pante, entre outros.
Dos aspectos analíticos referentes à Educação Especial indígena, os tra-
balhos nos revelam como a educação mostra-se importante na reintegração dos
indígenas com deficiência em sua comunidade. O que ressalta a relevância da
formação docente para como orientadores da comunidade para a prevenção de
deficiências, e como combatentes do preconceito e da segregação da pessoa com
deficiência nas comunidades indígenas.
Culturalmente as deficiências existentes nas aldeias são vistas como con-
sequência do abandono cultural, o que desvela uma mudança estrutural ocor-
rida no contexto indígena causado pela aproximação com as pessoas não indí-
genas. Nesse sentido, a formação de profissionais de saúde e educação deve-se
voltar para a compreensão dos aspectos sociais e culturais da comunidade em
que atuarão, pois é necessária uma Educação Inclusiva Indígena que considere
os aspectos socioculturais de cada povo.
Tais necessidades formativas, se alinham à falta de acesso aos programas
de saúde aos indígenas, ingerência de políticas assistencialistas que não se preo-
cupam com o desenvolvimento de projetos em prol ao fim da pobreza e condi-
ções básicas e substanciais de saúde e saneamento básico o que denota a rele-
vância do desenvolvimento e implementação de políticas públicas voltadas às
suas questões. Nesse sentido, as pesquisas analisadas mostraram-se importantes
como indicadores de aspectos a serem analisados neste processo de elaboração e
implementação de medidas que visem a melhoria da qualidade educacional e de
saúde dos indígenas como defesa da diversidade dos povos originários.
Logo, entendemos a importância que a escola assume nas comunidades
indígenas e para o contexto da Educação Especial inclusiva desses sujeitos. A
educação deve ser um mecanismo de respeito à diversidade, e os profissionais
que atuam nesses espaços indígenas devem continuamente discutir uma educa-
ção escolar e tradicional indígena que seja voltada a realidade e as necessidades
de cada comunidade, sempre com o intuito de fortalecer e enaltecer os saberes e
fazeres desses povos

42
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

REFERÊNCIAS
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de pessoas com e sem deficiência. In: FAUSTINO, R. C; CHAVES, M; BAR-
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tribuições da teoria histórico cultural. Maringá: Eduem, 2008.p.91-111
BRASIL. Lei 11.645/08 de 10 de março de 2008. Diário Oficial da União,
Poder Executivo, Brasília, 2008.
BRITO, S.M.P. A inclusão de alunos com deficiência na escola pública de
ensino médio: em foco o Projeto Político Pedagógico do Centro de Ensino
Médio Liceu Maranhense. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) – Uni-
versidade Federal do Maranhão, São Luís, 2013.
BURATTO, L. G. Prevenção de deficiência: programa de formação para pro-
fessores Kaingang na terra indígena Ivaí – Paraná. 2010.198 f. Tese (Doutora-
do) - Universidade Federal de São Carlos, 2010.
CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A.; SILVA, R. Metodologia científica. 6. ed.
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COELHO, L. L. A constituição do sujeito surdo na cultura guarani-kaiowá:
os processos próprios de interação e comunicação na família e na escola. 2011.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, da Universida-
de Federal da Grande Dourados, Dourados, MS, 2011.
DECLARAÇÃO DE SALAMANCA: Sobre Princípios, Políticas e Práticas na
Área das Necessidades Educativas Especiais, Salamanca-Espanha,1994.
FERRARI, A. C. A construção de corpos com e sem deficiência nas práticas
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duação em Educação - Conhecimento e Inclusão Social) - Universidade
Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 2020.
GONZAGA, K. R. A. A experimentação no ensino de química e os saberes
indígenas. 2020. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de Ciências)
- Câmpus Central - Sede: Anápolis – CET, Universidade Estadual de Goiás,
Anápolis-GO, 2020.
GRAF, L. RIOS, F.H Inclusão escolar indígena: os maiores desafios enfren-
tados pelos professores com alunos de necessidades especiais da etnia xokleng
trabalho de conclusão de curso centro universitário internacional - Uninter,
2020.
LIMA, J. M. S. A criança indígena surda na cultura Guarani-Kaiowá: um es-
tudo sobre as formas de comunicação e inclusão na família e na escola. 2013.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade
Federal da Grande Dourados, Dourados, MS, 2013.
PORTELA, S. M. C. Identidade profissional do professor que atua na sala
de recurso multifuncional: estudo a partir de uma Escola Estadual indígena
43
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

em Roraima. 2019. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Educação) -


UERR/IFRR, Roraima, 2019.
RODRIGUES, D. S. A educação inclusiva na escola indígena Ebenezer do
povo Tikuna da Comunidade de Filadélfia no município de Benjamin Cons-
tant-AM. 2014. Dissertação (Mestrado em Teologia) - Faculdades EST, São
Leopoldo, 2014.
SANTOS, E. R. S. A escolarização do público-alvo da educação especial nas
escolas estaduais da educação do campo no Município de Boa Vista/RR.
2018. Dissertação (Pós Graduação em Educação) - Universidade Estadual de
Roraima e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima,
Roraima. 2018.
SOUZA, V. P. S. Crianças indígenas Kaiowá e Guarani: Um estudo sobre as
representações sociais da deficiência e o acesso às políticas de saúde e educa-
ção em aldeias da região da Grande Dourados. 155f. Dourados, 2011. Disserta-
ção (Mestrado em Educação). Universidade Federal da Grande Dourados, 2011.
VENERE, M. R. Políticas públicas para populações indígenas com neces-
sidades especiais em Rondônia: o duplo desafio da diferença. Dissertação
(Mestrado) – Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Núcleo de
Ciência e Tecnologia. Programa de Pós-Graduação – Porto Velho, 139 p. 2005.

44
APRENDIZAGEM E COGNIÇÃO:
OS PROCESSOS DE ENSINO DOS INDIVÍDUOS COM
NECESSIDADES ESPECIAIS COM OCORRÊNCIAS
BEM SUCEDIDAS NA APRENDIZAGEM
Simone Helen Drumond Ischkanian1
Vinícius Guiraldelli Barbosa2
Alcione Santos de Souza3
Gladys Nogueira Cabral4
Cássia Cilene Fernandes5
Sandro Garabed Ischkanian6

1. INTRODUÇÃO

O caminho temático pretendido faz um resgate do papel educacional


e social da educação para a construção do conhecimento. Ao referendar o

1 Simone Helen Drumond Ischkanian - Doutoranda em Educação, Professora SEMED,


UEA e IFAM – Autora do Método de Portfólios Educacionais (Inclusão – Autismo e
Educação). SHDI é autora de artigos e livros, é epigrafe, citação e referencia em (TCCs,
artigos, pesquisas e livros). E-mail: [email protected].
2 Vinícius Guiraldelli Barbosa - Graduado em Ciências Contábeis (Centro Universitário de
Votuporanga) UNIFEV e Administração Pública (Universidade Federal de Uberlândia)
UFU. Especialista em Gestão Contábil. E-mail: [email protected].
3 Alcione Santos de Souza - Doutoranda em Ciências Agrárias - UFRN. Posdoutoranda
do Programa de Mestrado profissional em Geografia – UFRN. Docente de Geografia na
Universidade do Estado do Pará. http://lattes.cnpq.br/3920607811795246. https://orcid.
org/0000-0003-4562-5111. E-mail: [email protected].
4 Gladys Nogueira Cabral - Autora de artigos e livros, é citação e referencia em artigos
de livros. Mestranda em Tecnologias Emergentes na Educação pela MUST University.
Psicóloga (UAP/UFF). Administradora (FASC). Professora de Idiomas (ETEP). E-mail:
[email protected].
5 Cássia Cilene Fernandes - Professora de Língua Portuguesa, Redação e Literatura no
IFBaiano. Doutoranda em Língua Portuguesa e Linguística pela Pontifícia Universi-
dade Católica de Minas de Gerais, Mestra em Língua Portuguesa pela Pontifícia Uni-
versidade Católica de Minas de Gerais, Especialista em Língua Portuguesa (UNI-BH),
Graduada em Letras (UFMG). CV: http://lattes.cnpq.br/7072790433066 ID Lattes:
7072790433066976. E-mail: [email protected].
6 Sandro Garabed Ischkanian - Especialista em Comunicação (COMAER). Matemático
(UFAM). Escotista UEB GEJO – RadioAmador LABRE - AM – RadioEscotista Grupo
Escoteiro João Oscalino – GEJO AM e GEJO SP.
45
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

conhecimento, o artigo busca “relacionar a aprendizagem estabelecida no es-


paço singular das formulações cognitivas e em quais parâmetros esta pode ser
efetivado e avaliado” (FERNANDES, 2022).
Estamos vivenciando momentos onde a necessidade de aperfeiçoar de
forma eficiente os processos de ensino e aprendizagem dos indivíduos com ne-
cessidades especiais. Urge a necessidades de “destacar um ensino com ocorrên-
cias bem sucedidas na aprendizagem para auxiliar no aprimoramento das ativi-
dades do ensino infantil a educação superior” (NOGUEIRA CABRAL, 2022).
Entender os instrumentos que são utilizados nas práticas de ensino é vital
para incorporá-los de “maneira eficiente em sala de aula, trabalhando seus pon-
tos fortes e distribuindo com as semelhanças e diferenças entre eles” (SANTOS
DE SOUZA, 2022).
É impossível delimitar precisamente a efervescência globalizante de tão
grandioso tema, mas é possível analisarmos os rumos tomados e as direções que
apontam para o conhecimento transcendente. Para tanto, ao “revermos as teses
desenvolvidas em âmbito nacional e seus conteúdos relacionados a esta área es-
pecífica iniciamos um breve panorama da situação atual” (FERNANDES, 2022).
No portal CAPES, ao analisarmos os temas produzidos nos programas da
instituição, até setembro de 2022, relacionados à “aprendizagem e cognição: os
processos de ensino dos indivíduos com necessidades especiais com ocorrências
bem sucedidas na aprendizagem” - destacamos que a pluralidade dos artigos
analisados evidencia os impactos positivos que essa proposta governamental
causa no universo educacional, mais precisamente, no grupo de professores. A
análise desse grupo especificamente recebe uma multiplicidade de interesse dos
pesquisadores, e, dentro desse universo, em sua quase totalidade, a temática é
a relação estabelecida de (representação social, imaginário, saberes, olhares), a
construção da prática pedagógica (vivencias cotidianas) ou a “formação especí-
fica desses profissionais frente à situação de inclusão irrestrita ou frente a uma
patologia ou situação específica como: autismo, psicose, surdez, hospitalização”
(SANTOS DE SOUZA, 2022).

46
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

Fonte: Autores (2022)

2. DESENVOLVIMENTO

Para fazer a inclusão de verdade e garantir a aprendizagem de todos os


alunos tipicos e atipicos no contexto educacional é preciso fortalecer a formação
dos educadores e planejar uma boa rede de apoio entre alunos, docentes, gesto-
res, famílias e profissionais de saúde. Por tanto, para que a aprendizagem ocorra
é preciso que, o educando construa um sentido pessoal e que isso se transforme
em significado social. Logo, a primeira preocupação do educador deve ser a de
ajudar o aluno tipico ou atipico a construir sentido sobre o que irá aprender e
não a de apresentar conceitos e procedimentos prontos.

AS DIFERENÇAS DE: DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM E


TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM

A dificuldade de aprendizagem e transtorno de aprendizagem não são


sinônimos. O transtorno é uma “alteração no desenvolvimento, a dificuldade
pode ser causada tanto por motivos biológicos como também culturais ou até
mesmo psíquicos” (NOGUEIRA CABRAL, 2022).

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

TRANSTORNO DE
DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM
APRENDIZAGEM
Os bloqueios no aprendizado podem ser
Apesar de uma situação social, cultu-
tanto por déficits cognitivos como tam-
ral e psicológica estável, a pessoa com
bém por causas emocionais e culturais.
transtorno de aprendizagem apresenta
A dificuldade de aprendizagem é muitas vezes
dificuldades por conta de um desen-
resolvida com a intervenção escolar, acom-
volvimento neurológico insatisfatório.
panhada pela pedagoga e psicopedagoga.
É essencial buscar atendimento psicoló-
Mudanças pontuais podem resolver a questão de
gico para realizar o tratamento adequado.
dificuldade de aprendizagem.
É fundamental realizar mudanças na
A troca de metodologia, aliada a um excelente
abordagem, metodologia e avaliação
planejamento especifico, horário de aula, cole-
para que haja progresso nas áreas de di-
gas, melhora significativamente o déficit abran-
ficuldades.
gente em relação ao aprendizado.
Fonte: Autores (2022)

O CONHECIMENTO FUNDAMENTAL SOBRE O DESENVOLVI-


MENTO DO COMPORTAMENTO SIMBÓLICO

Comportamento simbólico é a capacidade de “uma pessoa de responder


ou usar um sistema de símbolos significativos” (SANTOS DE SOUZA, 2022).
A perspectiva do comportamento simbólico argumenta que a realidade de
uma organização é construída socialmente através da comunicação, enquanto,
no mundo não simbólico, interagimos diretamente com propriedades físicas dos
objetos ou eventos, no caso de símbolos, é preciso “aprender a relacionar cada
símbolo com os aspectos relevantes do mundo não simbólico e aprender a agir em
relação ao símbolo como se fosse aquilo que representa” (FERNANDES, 2022).
A principal abordagem para a prevenção ou remediação de déficits no
funcionamento simbólico é o ensino (seja em ambiente educacional, terapêuti-
co, familiar, ou em todos eles) que resulte na aprendizagem cumulativa de rela-
ções simbólicas, associado ao fortalecimento do suporte educacional e família e
do coletivo educacional (NOGUEIRA CABRAL, 2022).

COMO DESENVOLVER PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA APREN-


DIZAGEM E COGNIÇÃO

Valendo-se da ética profissional, troque experiências com os outros cole-


gas educadores da mesma instituição e de outras instituições. Procure saber mais
sobre a importância da colaboração entre pares.
Inclua metodologias ativas no seu plano de aula, a gamificação é trans-
cendente para o desenvolvimento das aprendizagens e aflorar cognições
Coloque os alunos atípicos no centro do processo de ensino e aprendiza-
gem. É importante destacar que no contexto histórico do século XXI o professor

48
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

deixou de ser o detentor do conhecimento e o discente típico ou atípico, um


ouvinte passivo.
Conheça o contexto sociocultural em que suas turmas estão inseridas. Só
assim você vai conseguir promover uma aprendizagem significativa.
Aposte na formação continuada. É com cursos e especializações que a co-
munidade educacional coletiva se manterá atualizada e conseguirá acompanhar
as novas demandas educativas da sociedade.
O desenvolvimento de práticas pedagógicas é um processo que não tem
prazo para terminar, por tanto, o coletivo educacional, deve ter em mente que o
aprimoramento de suas capacidades como educador e gestor das ações educa-
cionais globalizantes é um processo contínuo.

VERSÕES INFORMATIZADAS, PARA O ENSINO DE LEITURA,


ESCRITA E MATEMÁTICA, QUE INCLUEM VARIÁVEIS CRUCIAIS
PARA A OCORRÊNCIA BEM SUCEDIDA DA APRENDIZAGEM

As versões informatizadas (tecnologias) podem e devem ser usadas para


melhorar a desenvolver a leitura, escrita e interpretações de fatos que contextua-
lizam a matemática. A tecnologia melhorara o vocabulário, a fluência e até mes-
mo a compreensão de palavras visuais por meio da leitura em um computador,
celular ou tablet. Nas habilidades de escrita, os softwares de processamento de
texto promovem não apenas a composição, mas também a edição e revisão de
maneira que simplificam a tarefa de escrever. A publicação eletrônica e a publi-
cação na Web permitem que o trabalho seja levado além da sala de aula para um
mundo virtual com interações mais construtivas e a possibilidade de incorporar
outras mídias em um documento escrito como: figuras, gráficos, vídeos, etc,
aumentando a interatividade na escrita.
A comunicação oral aprimorada por tecnologias ativas e inovadoras per-
mitem que estudantes de locais remotos ou de todo o mundo se comuniquem
oralmente por meio de ferramentas de videoconferência e áudio.
Os estudantes brasileiros podem superar o problema do contato insuficiente
com falantes nativos da língua inglesa usando ferramentas de áudio e vídeo online
para falar com nativos da língua em plataformas seguras e, assim, permitindo o
desenvolvimento de habilidades auditivas, vocais, visuais e cognitivas que são im-
portantes no aprendizado linguístico. Estas conversas podem ajudar falantes não
nativos de uma língua com a prática de linguagem natural e sotaques culturais,
de maneira que até agora não eram possíveis devido à distância. Realmente, não
há dúvida de que o aprendizado de idiomas com auxílio da tecnologia e a comu-
nicação mediada por computadores e smartphones melhoram as experiências de
ensino e aprendizagem nas áreas de linguística e inteligência de linguagem.

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM E COGNIÇÃO QUE ENGLOBAM


AS PROJEÇÕES DO ARTIGO

Descrever sobre os processos básicos de ensino, aprendizagem e cognição,


evidenciando os possíveis comprometimentos desses processos em “indivíduos
com necessidades especiais de ensino, incluindo deficiência intelectual, autismo
ou problemas de aprendizagem” (GOYOS, 2022).
Evidenciar procedimentos e técnicas para a avaliação coesa, quanto ao ensi-
no de habilidades simples e complexas. De modo geral, evidenciar a “aprendizagem
de indivíduos com deficiências, e especialmente da deficiência intelectual, (...) para
um controle apurado das variáveis envolvidas no processo” (GOYOS, 2022).
Demonstrar experiências bem sucedidas para permitir a identificação de parâ-
metros relevantes e a descrição minuciosa dos processos resultantes, para a represen-
tação do artigo “Aprendizagem e Cognição: os processos de ensino dos indivíduos
com necessidades especiais com ocorrências bem sucedidas na aprendizagem”.
Para firmar a importância dos objetivos, segundo o ECA, “a criança e
o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de
sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o traba-
lho”(BRASIL, 1997).
O estatuto também estipula os deveres do Estado para que sejam assegu-
rados os direitos apontados, quais sejam: Igualdade de condições para o acesso
e permanência na escola; Direito de ser respeitado por seus educadores; Direito
de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares supe-
riores; Direito de organização e participação em entidades estudantis; Acesso a
escola pública e gratuita próxima de sua residência; Garantir ensino fundamen-
tal, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade
própria; Assegurar progressivamente a extensão da obrigatoriedade e gratuidade
ao ensino médio; Oferecer atendimento educacional especializado aos portado-
res de deficiência (atualmente a nomenclatura utilizada é PCD – Pessoa com
Deficiência), preferencialmente na rede regular de ensino; Oferecer atendimento
em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; Garantir acesso
aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo
a capacidade de cada um; Ofertar ensino noturno “regular, adequado às condi-
ções do adolescente trabalhador; Promover atendimento no ensino fundamen-
tal, através de programas suplementares de material didático escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde” (GUIRALDELLI BARBOSA, 2022).
Vale lembrar que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito
público subjetivo, o que quer dizer que, caso o Poder Público não o garanta ou
não o faça de maneira regular, o cidadão tem a possibilidade de exigi-lo judi-
cialmente. Todos os poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - e níveis da
50
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

federação - União, Estados e Municípios - devem efetivar os direitos e garantias


previstos, bem como fiscalizar seu cumprimento, para o quê devem existir ór-
gãos capacitados e competentes para os PCD (Pessoa com Deficiência).

AS CONDIÇÕES PARA A INCORPORAÇÃO DE ELEMENTOS


EDUCACIONAIS DELINEADOS PELOS AUTORES DO ARTIGO, À
PRÁTICA PEDAGÓGICA EDUCACIONAL

Conforme Olívia Baldissera (jornalista, historiadora e analista de conteú-


do da Pós-Graduação em Educação UNISINOS), “não existe uma lista limitada
de práticas pedagógicas que um educador transcendente possa seguir, afinal,
como escrevemos lá no começo do artigo, elas estão sempre se transformando
para atenderem as demandas de uma sociedade cada vez mais conectada”.
Estimular o diálogo entre os estudantes típicos e atípicos - O educador
deve fazer perguntas investigativas aos estudantes típicos e atípicos, que devem
expor suas opiniões formular argumentos para debater com os demais colegas.
O objetivo desta prática pedagógica transformadora é proporcionar para que a
turma construa em conjunto novas possibilidades de aprendizagem e ao mesmo
tempo trabalhar habilidades de comunicação ou comunicações.
É preciso assumir um papel de mediador coeso da aprendizagem e cogni-
ção, para aflorar os processos de ensino dos indivíduos com necessidades espe-
ciais e projetar ocorrências bem sucedidas na aprendizagem e assim, para garan-
tir que todos os discentes tenham espaço para falar. É unanime entre os autores
do artigo, destacar que é importante explicar como vai ser a dinâmica da aula e
entender o que a turma já sabe sobre o conteúdo proposto.
Acompanhar estudantes com dificuldades de aprendizagem - O acompa-
nhamento deve ser projetado de forma sistemática, periódica e constante. A estra-
tégia é planejar atividades que ofereçam diferentes oportunidades de aprendizagem
para os estudantes. O acompanhamento consiste em diagnóstico, intervenção e mo-
nitoramento durante todo o ano letivo, para que a recuperação das defasagens ao
longo do ano letivo. A metodologia pode ser resumida nos seguintes assuntos:

Realização de simulados e avaliações Planejar atividades (com ou sem adaptações


(com ou sem adaptações necessárias), necessárias), em duplas, trios e pequenos
para entender lacunas de compreensão e grupos, divididos de acordo com os resultados
ajustar aulas futuras. das avaliações
Solicitar que os estudantes típicos e atípi- Os trabalhos em grupo são importantes prá-
cos, com melhor desempenho ajudem os ticas pedagógicas para trocar conhecimentos,
colegas nas atividades em sala. sentimentos e emoções.
O professor deve assumir o papel de media- O objetivo é aflorar os saberes um do outro e,
dor e, assim, vai conseguir dar mais aten- assim, a turma avança em suas diversas habi-
ção aos grupos com mais dificuldades. lidades.
Fonte: Autores (2022)

51
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

Propor situações-problemas para a turma resolver em conjunto – Essa


pratica “incentiva os estudantes a recorrem a conhecimentos prévios e a debate-
rem entre si para encontrar a solução mais adequada ao problema proposto pelo
educador” (GUIRALDELLI BARBOSA, 2022).
O docente deve fazer a mediação do debate entre os colegas, adotando as
seguintes ações:
• Mobilizar o conteúdo já trabalhado em aulas anteriores que tem
relação com a situação-problema;
• Incentivar os estudantes a raciocinarem logicamente;
• Orientar a turma a criar estratégias para encontrar a solução;
• Pedir que a turma valide e verifique a estratégia proposta; e
• Garantir o respeito e o debate saudável de ideias entre os estudantes.

A CONSTRUÇÃO DE PROGRAMAS FLEXÍVEIS, QUE POSSAM SER


EMPREGADOS POR PROFESSORES DE ALUNOS COM GRAUS
VARIADOS DE NECESSIDADES ESPECIAIS

Descrever sobre os processos básicos


A aprendizagem e cognição pode ser definida
de ensino, aprendizagem e cognição,
como os processos conscientes e inconscientes pe-
evidenciando os possíveis comprome-
los quais o conhecimento é acumulado. Esses pro-
timentos desses processos em “indi-
cessos cognitivos incluem pensar, conhecer, lem-
víduos com necessidades especiais de
brar, julgar e resolver problemas. Estas são funções
ensino, incluindo deficiência intelectu-
de nível superior do cérebro e abrangem linguagem,
al, autismo ou problemas de aprendi-
imaginação, percepção e planejamento.
zagem” (GOYOS, 2022).
Evidenciar procedimentos e técnicas Desenvolver procedimentos e técnicas para a ava-
para a avaliação coesa, quanto ao ensi- liação coesa permite ao educador, verificar a efi-
no de habilidades simples e complexas. cácia dos estimulos transcendetes, criativos e ino-
Comprovar a “aprendizagem de indiví- vador realizados nos processos de ensino e apren-
duos com deficiências, e especialmente dizagem. Esta avaliação será gerada para todos os
da deficiência intelectual, (...) para um alunos, independente da situação do mesmo, evi-
controle apurado das variáveis envolvi- denciar a “aprendizagem de indivíduos com defi-
das no processo” (GOYOS, 2022). ciências, e especialmente da deficiência intelectual.
Permitir a identificação de parâmetros relevantes
Demonstrar experiências bem suce-
e a descrição minuciosa dos processos resultantes
didas para permitir a identificação de
é primordial para:
parâmetros relevantes e a descrição
• Cumprir a lei brasileira de inclusão e demais
minuciosa dos processos resultantes.
dispositivos legais da inclusão.
Evidenciar que a “Aprendizagem e
• Remover as barreiras, principalmente atitudi-
Cognição: os processos de ensino dos
nais.
indivíduos com necessidades especiais
• Combater o capacitismo por meio de uma po-
com ocorrências bem sucedidas na
lítica organizacional inclusiva.
aprendizagem” são perspectivas pri-
• Investir em tecnologias assistivas incorpora-
mordiais para inclusão verdadeira.
rando desenho.
Fonte: Autores (2022)

Os nove passos descritos abaixo foram adaptados das pesquisadoras,

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Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

educadoras e especialistas em matemática, Norma Suely Gomes Allevato e


Lourdes de la Rosa Onuchic e contextualizam os objetivos propostos no artigo
“A construção de programas flexíveis, que possam ser empregados por profes-
sores de alunos com graus variados de necessidades especiais” e podem ser ade-
quados para qualquer disciplina:
1. Preparação do problema: o professor seleciona um problema com o
objetivo de construir um novo conceito, princípio ou procedimento;
2. Leitura individual: cada estudante deve receber uma cópia do proble-
ma para ler individualmente o enunciado;
3. Leitura em conjunto: em seguida, o professor deve dividir a turma em
grupos. Todos leem o enunciado em conjunto;
4. Resolução do problema: depois de verificar que não há dúvidas sobre
o enunciado, o professor deve pedir aos alunos que pensem uma solução para o
problema em grupo, em um trabalho cooperativo e colaborativo;
5. Observação e incentivo: o professor atua como mediador e analisa o
comportamento da turma. É importante incentivar os estudantes a usarem seus
conhecimentos prévios para resolver o problema;
6. Registro das resoluções na lousa: um representante de cada grupo
deve apresentar e registrar a solução desenvolvida na lousa. Assim toda a turma
consegue analisá-la e discuti-la;
7. Plenária: a turma debate as diferentes soluções propostas pelos colegas;
8. Busca do consenso: após o debate sobre as soluções, o professor tenta
chegar a um consenso com os estudantes sobre a solução mais adequada para o
problema proposto;
9. Formalização do conteúdo: o professor deve registrar na lousa uma
apresentação formal do conhecimento trabalhado na atividade. É preciso padro-
nizar conceitos, princípios e procedimentos usados durante a resolução.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inclusão social aumenta a diversidade e favorece toda a sociedade.


Além disso, a inclusão escolar fornece a possibilidade de indivíduos em grupos
vulneráveis terminarem seus estudos e ascenderem socialmente. As atividades
que delineamos nesta obra, são valorosos experimentos em laboratório real de
em sala de aula, espaços educacionais e clinicas psicopedagógicas, em conso-
nância com o Método de Portfólios Inclusão, Autismo e Educação SHDI, que
possibilitam aos estudantes típicos e atípicos, levantar hipóteses, fazer registros e
tirar conclusões. Assim, eles desenvolvem um pensamento sistemático, crítico e
autônomo que os ajudará a lidar com as situações do dia a dia de dentro e fora
do ambiente educacional.
53
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

O registro educacional e um excelente planejamento são ótimas formas de


crianças, jovens e adultos no contexto da inclusão trabalhar habilidades de co-
municação oral e escrita. Este contexto permite explicitar a relação entre teoria
e prática para a turma desenvolver o conhecimento de forma abrangente. Para
isso, o educador deve ir além de definições, conceitos e generalizações. Ele deve
estimular que os discentes criem hipóteses a partir da observação dos diversos
experimentos planejados de forma interdisciplinar e pessoal.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Brasília, Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 1997.
FERNANDES, C.C. O resgate do papel educacional e social da educação
para a construção do conhecimento. Disponível em. https://autismosimo-
nehelendrumond.blogspot.com/2022/09/o-resgate-do-papel-educacional-e-so-
cial.html. Acesso em: 27 set. 2022.
GUIRALDELLI BARBOSA, V. Aprender e ensinar para transcender é fator
primordial. Disponível em. https://autismosimonehelendrumond.blogspot.
com/2022/09/aprender-e-ensinar-para-transcender-e.html. Acesso em: 27 set.
2022.
GOYOS, Antonio Celso de Noronha. Linha de Pesquisa 1: Aprendizagem e
cognição de indivíduos com necessidades especiais de ensino. Disponível em.
https://www.ppgees.ufscar.br/pt-br/o-ppgees/linhas-de-pesquisa. Google Ci-
tations Antonio Celso de Noronha Goyos: goo.gl/tjo9hN. Acesso em: 16 set.
2022.
NOGUEIRA CABRAL. G. Os processos de ensino e aprendizagem devem
ser aperfeiçoados. Disponível em. https://autismosimonehelendrumond.
blogspot.com/2022/09/os-processos-de-ensino-e-aprendizagem.html. Acesso
em: 27 set. 2022.
SANTOS DE SOUZA, A. Educar para transformar possibilidades. Disponí-
vel em. https://autismosimonehelendrumond.blogspot.com/2022/09/edu-
car-para-transformar-possibilidades.html. Acesso em: 27 set. 2022.

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EDUCAÇÃO MUSICAL INCLUSIVA:
A MUSICALIZAÇÃO SOB A PERSPECTIVA
DE PROFESSORES QUE ATUAM NA
EDUCAÇÃO INFANTIL1
Ássia dos Santos Barreto2
Regina Finck Schambeck3
Dirce Maria da Silva4

1. INTRODUÇÃO

O conceito de musicalização infantil que permeia o presente capítulo é


aquele proposto por Madalozzo (2019, p. 25) que a define como “um processo

1 Texto originalmente publicado no XI Encontro de Pesquisa e Extensão do Grupo de


Pesquisa Música e Educação - MusE – 2021. Educação musical na América Latina em
tempos de pandemia, de 21 a 24 de setembro de 2021, em parceria com RELEM – Rede
Latino-Americana de Educação Musical.
2 Mestre em Educação Musical pelo PPGE-Faed-UDESC. Licenciada em Artes Visuais
pela Faculdade UniBF. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Católica
de Brasília. Acadêmica Membro da Academia de Letras do Valparaíso/GO. Professora de
musicalização infantil para a primeira infância e Ensino Fundamental I, e a musicalização
como terapia para crianças com necessidades especiais. Professora de Canto e Técnicas
Vocais. Oficineira e Produtora Executiva em Projetos Culturais. Escritora. Pesquisadora.
E-mail: [email protected].
3 Bacharel em Ciências Contábeis pela Fundação Educacional e Empresarial do Alto do Rio
do Peixe. Graduada em Educação Artística Habilitação Música pela Universidade do Esta-
do de Santa Catarina. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Doutora em Educação pelo mesmo Programa (2009). Professora voluntária da Uni-
versidade do Estado de Santa Catarina-UDESC. Atua no Programa de Pós-Graduação em
Música/PPGMUS, Mestrado Profissional ProfArtes (CEART/UDESC) e como professora
colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Educação da FAED/UDESC. Membro
do Grupo de Pesquisa Música e Educação-MusE e do Grupo Educação, Arte e Inclusão.
Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Música, atuando principalmente nos se-
guintes temas: educação musical, estágios curriculares, métodos de pesquisa, educação es-
pecial e formação de professores. Foi editora da Revista da Abem (2017-2019) e exerceu a
função de Diretora de Ensino CEART/UDESC. E-mail: [email protected].
4 Mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Estudos sobre a Violência, na linha de pesqui-
sa em Estado, Políticas Públicas e Cidadania. Bacharel em Administração. Pós-Graduada
em nível de Especialização em Gestão Pública e Negócios; Docência do Ensino Superior;
Língua Inglesa; Educação a Distância; Psicopedagogia Clínica e Institucional. Graduada
em Letras Português/Inglês e suas respectivas Literaturas. Graduada em Pedagogia - Sé-
ries Iniciais/Supervisão e Orientação Escolar. Professora da Educação Básica e do Ensino
Superior. Escritora. Pesquisadora. E-mail: [email protected].
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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

em que através de práticas monitoradas por professores de música visa “estabe-


lecer a sensibilização sonora das crianças, envolvendo-as de maneira significati-
va e introduzindo-as ao universo musical”.
Nesse sentido, o papel assumido enquanto professor de musicalização
numa sala de aula inclusiva se configura em preparar e desenvolver os conteú-
dos, propor as atividades e atentar às insurgentes necessidades de adaptá-los
para o melhor aproveitamento de todos, bem como monitorar e auxiliar na exe-
cução das atividades.
O presente capítulo faz parte do desenvolvimento de uma pesquisa de
Mestrado, que teve como fator motivacional a experiência de musicalização in-
fantil de uma das autoras. No contexto da pesquisa procurou-se mediar os pri-
meiros contatos da criança com a música, estimular a investigação dos sons de
diversos instrumentos musicais, dos sons de seus corpos, ritmos, melodias, har-
monias e, principalmente, desenvolver práticas pedagógicas que estimulassem a
inclusão das crianças com deficiência.

2. APRENDIZAGEM MUSICAL E DESENVOLVIMENTO

As crianças exercem papel ativo no desenvolvimento das atividades mu-


sicais em sala de aula. Corsaro (2011) refere-se às crianças como “indivíduos,
atores nos seus processos de desenvolvimento e aprendizagem, a partir de como
internalizam os conhecimentos do universo dos adultos e atribuem significados
a eles” (CORSARO, 2011, p.1).
Madalozzo (2019, p. 26) de igual maneira, reforça a premissa de que “nos
processos de musicalização infantil é necessário que “a criança esteja engajada e
envolvida no seu processo de aprendizagem musical, desenvolvendo autonomia
e participando ativamente das aulas de música”.
Edler–Carvalho (2006) orienta e adverte que nos processos de aprendiza-
gem seria preciso saber “o que é e como ele se dá”. Nesse sentido, é igualmente
importante conhecer sobre o processo de desenvolvimento humano em suas di-
versas facetas, examinando suas relações com a aprendizagem. Nesse sentido:
Educadores que se identificam como profissionais da aprendizagem trans-
formam suas salas de aula em espaços prazerosos onde, tanto eles como
os alunos são cúmplices de uma aventura que é o aprender, o aprender a
aprender e o aprender a pensar. Neste caso o “clima” das atividades propi-
cia ações comunicativas entre esses e seus professores (EDLER–CARVA-
LHO (2006, P. 40).

De acordo com a autora, em sala de aula, muitas barreiras podem ser en-
frentadas e superadas graças à criatividade e à vontade do professor, que se perce-
be como profissional da aprendizagem, ou seja, aquele, preocupado com a pessoa

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Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

de seu aluno e que deposita sua energia em torno dos alunos, os aprendizes.
Os participantes da pesquisa se posicionam com relação aos processos de
desenvolvimento como profissionais da aprendizagem da música.
P1 - A música faz parte das cinco inteligências múltiplas da criança. Uma dessas
inteligências que é a musical influi em todas as outras, que é a cognição, o raciocínio
lógico, né, toda a parte de lateralidade. Porque música move a criança[...], a mú-
sica faz parte da vida de todo mundo. É muito visível a influência da música no
desenvolvimento em todas as áreas fundamentais.
P2 - O desenvolvimento da criança se desenvolve na afetividade que pra mim é o
mais importante, no controle emocional, da sabedoria emocional da criança dela
saber lidar melhor com situações que em relação a outras crianças de sua mesma
idade que não estejam sendo musicalizadas [...]. A música faz parte da sua vida! É
muito importante o ensino da música na primeira infância[...]. Isso é uma planta-
ção que a criança vai colher pro resto da vida.
P3 - É motivação e intenção. Pra mim na educação musical, o meu dever principal
é fazer com que as crianças sejam seres de expressão e tenham segurança e confiança
no seu expressar, sabe... E, aí, isso casa com todas essas teorias que a gente estuda,
né, o Gordon, o Orff, Dalcroze, todos eles batem muito nessa tecla [...] de que as
crianças tem muito pra entregar, e a gente precisa criar meios pra que elas estejam
o tempo todo improvisando, criando, se movendo, dando ideias!
As observações dos professores ajudam a lançar fundamentos considera-
dos importantes para os processos de desenvolvimento e aprendizagem na musi-
calização na Educação Infantil (EI), quando são desenvolvidos em uma sala de
aula inclusiva, ou seja, “o potencial da música de estimular o desenvolvimento
de crianças, sobretudo, aquelas que apresentam necessidades educativas espe-
ciais, por suas faculdades de ativação de diversas partes do cérebro, impulsio-
nando o crescimento cognitivo e psicomotor” (ARAÚJO, 2007, p. 47).
Com relação ao conceito expandido de necessidades específicas de apren-
dizagem, é possível fazer referência aos princípios norteadores da Declaração de
Salamanca (UNESCO, 1994) que inclui, além de crianças com quaisquer espécies
de deficiência, aquelas que estejam enfrentando algum tipo de situação, a exem-
plo de crianças que estejam passando por precárias condições socioeconômicas,
raciais, sexuais, de gênero, religiosas, de higiene pessoal e nível de instrução.
Deste modo, além do enfrentamento das condições adversas por que pas-
sam as crianças em situação de vulnerabilidade social, a Declaração prevê, tam-
bém, o atendimento para àquelas com dificuldades pontuais e/ou temporárias
de aprendizagem e que necessitam de respostas individualizadas.
Nesse sentido, o princípio fundamental da escola inclusiva é de que ela
deve acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas,

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Conforme predispões


textos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997):
Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem-dotadas; crianças que
vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nôma-
des; crianças de minorias lingüísticas, étnicos ou culturais e crianças de outros
grupos e zonas desfavorecidas ou marginalizados (BRASIL, 1997, p. 17; 18).

Sendo assim, no paradigma da inclusão todos se beneficiam, quando as


escolas e seus professores, profissionais da aprendizagem promovem respostas
às diferenças individuais dos estudantes. Em uma escola inclusiva amplia-se o
público alvo a ser atendido, para além da deficiência identificada, abrangendo,
também, crianças com outras necessidades específicas, ou seja, daquelas que
passam a ser especiais quando exigem respostas específicas e adequadas e que,
da mesma forma, exigem das escolas, dos educadores e demais responsáveis,
uma formação mais humanizadora e voltada para ações mais pontuais, que
atendam às diversidades dos alunos.

3. PERSPECTIVAS SOBRE A EDUCAÇÃO MUSICAL INCLUSIVA


NOS PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

Ao realizar uma investigação sobre a educação musical inclusiva voltada


ao público da Educação Infantil (EI), foram encontrados trabalhos que desta-
cam a relevância e o envolvimento das crianças como agentes de interações sem
preconceitos, seja de ordem cultural, física ou socioeconômica.
Ao mesmo tempo, a literatura consultada e os estudos de autores como
Araújo (2007), Brown e Jellison (2004), Louro (2006) e Schambeck (2016, 2017)
indicam que se fazem necessárias pesquisas sobre educação musical especial que
discutam a construção de um ambiente inclusivo, seja pela adoção de práticas
pedagógicas ou pelas adequações curriculares. Adequações essas que implicam
planejamento pedagógico e ações docentes, fundamentadas em critérios que de-
finem: “o que o aluno deve aprender; como e quando aprender; que formas de
organização do ensino são mais eficientes para o processo de aprendizagem;
como e quando avaliar o aluno” (BRASIL, 2006, p. 68).
Como indica Diniz (2012, p. 32) é na EI, que começaríamos a “mudança da
lógica do aluno como sujeito que traz diferenças”, ou seja, as deficiências não po-
dem ser tratadas como defeitos, mas sim, como “condições inerentes àquele aluno”
e, portanto, as práticas pedagógicas deverão “contemplar as diferenças, rompendo
com os padrões ultrapassados de homogeneidade e uniformização, enfatizando a
práxis e a exploração das qualidades de cada sujeito como uno e múltiplo”.
Nessa perspectiva, para remover obstáculos e tornar o ambiente efetivamente
inclusivo, seria preciso tornar a aprendizagem “interessante e útil”. O professor,
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Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

para melhor conhecer os interesses de seus alunos precisa, então, “estimular a sua
própria escuta criando, diariamente, um tempo de ouvir os alunos reconhecendo,
em suas falas, o que lhes serve como motivação, bem como conhecendo a “baga-
gem” que trazem para a escola” (EDLER-CARVALHO, 2006, p. 40).
P2 - Eu tive alguns alunos com deficiência e eu acredito que a educação musical já
é inclusiva, que a música consegue fazer isso perfeitamente! Ela consegue abranger
a todos, todes, sem distinção alguma. Mas pra isso é muito importante que o pro-
fissional saiba o que ele tá fazendo. Acho que eu tive o privilégio de trabalhar num
lugar que me ensinou muito a como lidar com essas pessoas, a dar o cuidado que
elas merecem, a ter o olhar pra elas num sentido mais amplo. Elas merecem um
cuidado nosso, saber o que falar, como falar [...] como devemos agir em determina-
das situações. [...] minha experiência é a de dar o maior afeto que puder dar [...].
E trabalhar com empatia de entender que aquela pessoa é diferente e talvez o que
funcione para a maioria não funcione com ela, então você tem que adaptar uma
nova aula para incluir aquela pessoa, né! E, é isso, você ter a empatia e a paciência
para lidar com isso.
P3 - Pra começar eu acho que a música por si só ela é super inclusiva, eu já tive
experiência com crianças com autismo severo, por exemplo, e outras com autismo
leve e outras, ainda, com necessidades específicas. Mas eu percebo que as crianças
se encantam muito, só de você cantar, de emitir sons musicais, as crianças ficam
assim muito atentas. É outro tipo de atenção que a gente consegue com a música!
Para Edler-Carvalho, a criatividade metodológica do professor que atua
em contexto da escola inclusiva, somada à sua convicção de que a aprendizagem
é possível para todos os alunos e de que ninguém pode estabelecer limites do
outro, certamente contribuirão para “remover os obstáculos que tantos e tantos
alunos têm enfrentado no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem”
(2006, p. 41). Assim, como nos aponta a autora, as “necessidades básicas de
aprender, às vezes mecanicamente e sem reflexão, precisam ser cotejadas com
as necessidades básicas para aprender” (EDLER–CARVALHO, 2006, p. 43).
As adaptações dos processos de desenvolvimento e aprendizagem precisam
estar menos centrados em conteúdos e mais voltadas para o contexto em que a
aprendizagem ocorre, assim estará “tanto mais fadada ao sucesso quanto melhor
for a qualidade das respostas educativas das escolas” (EDLER–CARVALHO,
2006, p.42). Como nos relata o Professor 1 participante da pesquisa:
P1 - Mas a gente tem que deixar claro que tem vários problemas na educação inclu-
siva no Brasil! Vou falar no Brasil porque é o que eu conheço é só aqui nessa área.
Eu trabalhei em várias escolas que elas não faziam inclusão, não se preocupavam
em incluir. Por exemplo, crianças com autismo severo ficavam excluídas junto com
a monitora, sem participar das aulas. Então, assim, eu vi vários problemas. Fiz na

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

monografia de conclusão do curso de licenciatura plena em música, um relato de


experiência sobre uma criança que tinha transtorno psicomotor e autismo. Então,
eu relatei o que eu passei com essa criança durante quatro anos, ela começou bem
pequena. Hoje ela tem dezenove anos, terminou faculdade de moda, mas é uma
moça que tem suas limitações e dificuldades. A grande facilidade dela é a de ser de
uma família que tem recursos, né, e que pôde proporcionar a mim e a ela, termos
essa oportunidade de ter uma relação musical de experiência. Tudo foi relatado
desde o primeiro dia de aula com ela, que eu cheguei em casa e chorei porque eu
não sabia o que fazer. A gente não tem isso em livros, né, não tem livro falando pra
trabalhar isso ou aquilo em educação musical, não tem! É a experiência! E nesse
primeiro dia eu achei que não ia conseguir. No segundo dia eu já fui ali tentando,
junto com a minha orientadora do curso de música, porque além da deficiência
cognitiva, havia a deficiência motora, então a gente fez um trabalho tão bonito com
ela que deu um TCC [...]. Foi um trabalho tão bonito que teve uma apresentação
da comemoração da imigração japonesa no Pará, eu me formei em Belém, né, e
ela foi assistir o ensaio porque eu queria que ela dançasse, ela foi assistir o ensaio e
não ensaiou. Aí no dia da apresentação ela foi, vestiu o quimono e cantou e dan-
çou, claro que com suas limitações, lógico, com dificuldade motora, mas dançou e
cantou a música inteira.
O relato acima nos mostra que a Professora 1 usou estratégias de adequações
pedagógicas para desafiar a aluna a conseguir o seu máximo possível. Sob uma
perspectiva holística, todas as crianças estão envolvidas no processo de aprender
o máximo que puderem de uma determinada matéria. O relato nos mostra que o
que a estudante aprendeu teve relação direta com os seus interesses e habilidades.
A partir dessa perspectiva, pode-se afirmar que todos os alunos podem conseguir
tirar proveito das oportunidades de aprendizagem oferecidas na sala de aula.
Perguntados sobre a preparação para atuar no contexto da EI, os profes-
sores se manifestaram:
P1 - Os lugares que te preparam não te dão suporte suficiente para saber como agir.
O ambiente que você está trabalhando, na maioria das vezes, não é propício pro
ensino inclusivo, então, você tem, realmente, que ter vontade de fazer com que a
aula também seja produtiva para aquele aluno. É um esforço pessoal [...].
P2 – Encontro nas pesquisas na área da saúde alguns relatos que te orientam pra
você conhecer basicamente um pouco sobre os transtornos, os graus desses trans-
tornos. Aí tudo ajuda, tentar buscar referência com professores que já tenham
experiência, foi assim que eu fiz! Eu busquei bastante trocar com professores que
já trabalhassem a inclusão e eles me ajudaram muito sobre o que fazer para ter
inclusão, mesmo quando não há ambiente adequado, nem estrutura e nem uma
formação que te instruísse. [...] Apesar de ser uma turma, a gente tem que ter esse

60
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

olhar individual para cada aluno que esteja nela, tentando dar atenção ao que cada
um precisa assim, conseguir ter essa sagacidade de enxergar que talvez aquele aluno
esteja com dificuldade em um tipo de atividade, mas esteja se dando super bem com
outra prática, e esse aqui não, entendeu?!
As adaptações pedagógicas, portanto, se constituem possibilidades educa-
cionais para atuar frente às condições de aprendizagem dos alunos com neces-
sidade específicas de aprendizagem. Pressupõe que se realize a adequação para
enriquecimento ou aprofundamento dos conteúdos, quando necessário, para
torná-los apropriados às peculiaridades dos alunos. Como nos relata o Professor
2 é preciso ter sagacidade e entender as “aptidões e limitações de cada um”.
Assim, não se trata de um novo planejamento, mas de um planejamento
dinâmico, alterável, passível de ampliação, para que atenda realmente a todos
os educandos. Em outras palavras, “não se fixar no que de especial possa ter a
educação dos alunos, mas flexibilizar a prática educacional para atender a todos
e propiciar seu progresso, em função de suas possibilidades e diferenças indivi-
duais (BRASIL, 2006, p. 66-67).
P1 – Quero contar um relato de experiência que aconteceu na minha sala, um
aluno com espectro de autismo altíssimo que costumava ficar vagando pela sala e
amiúde participava da rodinha, ele parou no meio da sala e reproduziu o padrão
rítmico perfeitamente, ele parou, sentou com os colegas, pegou o tambor e fez o
padrão que a gente estava trabalhando. Por mais que ele tivesse andando pela sala,
aparentemente sem prestar atenção, sem participar, ele prestava total atenção ao
que a gente estava fazendo. Ler, conversar, entender o que se passa no mundinho
particular deles é muito importante, buscar sempre conhecimento.
P2 - O que eu percebia quando chegava para dar minha aula é que no dia a dia elas
só deixavam a criança isolada com a monitora em um canto e davam aula, sem se
importar com a presença dela ali. Eu percebia que essa criança era muito deixada
de lado, e as crianças só reproduziam essa postura que os outros adultos tinham, eu
mesma era muito imatura na época e não tinha ainda muito conhecimento nem
ferramentas, não sabia como fazer para incluí-la mais, eu tinha aqueles trinta mi-
nutos só de aula semanal, mas eu vejo que eu falhei em muitos momentos por não
saber o que fazer ou mesmo onde buscar o apoio.
As colocações acima implicam em conferir especial atenção aos tempos,
aos espaços e às interações. Assim, coloca-se para os profissionais da educação
infantil a importância da construção de propostas pedagógicas capazes de garan-
tir à criança “múltiplas oportunidades de experimentação, interação e aprendi-
zagens, o que implica repensar tempos, espaços e agrupamentos” (MARQUES,
2017, p. 158).
Acreditamos que a criança com necessidades educativas especiais seja

61
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

considerada pela escola inclusiva e pelos professores que atuam nesse contexto,
como um ser que produz cultura, e, portanto, com direitos à participação, pro-
visão e proteção.
P3 - Tem os que entender que ser professor nunca é um caminho com ponto final, a
gente nunca vai chegar num ponto final como educador em que a gente vai receber
os louros e dizer que chegamos até onde desejávamos, de pensar que já sabemos
tudo. O professor precisa estar em constante busca, se reciclando e a educação inclu-
siva mesmo é um campo a ser explorado. As necessidades vão surgindo, a sociedade
vai mudando e vão surgindo sempre novos desafios. A educação inclusiva é um
deles. A gente tem muito o que aprender ainda [...].
À guisa de reflexão final, destacamos que os participantes da pesquisa re-
lataram que não encontraram respaldo na graduação para desenvolver o ensino
inclusivo e que tiveram que buscar apoio formativo por conta própria para a con-
dução do seu trabalho. Ao mesmo tempo afirmaram que encontraram pouca lite-
ratura disponível para subsidiar as práticas de musicalização nos espaços educati-
vos com a presença de estudantes com necessidades específicas de aprendizagem.
Ressaltaram, por fim, que as instituições de Educação Infantil, por ra-
zões diversas, apresentam dificuldades para dar sustentação pedagógica para o
estabelecimento do ensino inclusivo.
Diante das observações acima, fica claro a importância de fazermos pes-
quisas que se aprofundem no tema da musicalização como uma área de conhe-
cimento com potencial para a promoção e construção da Educação Inclusiva.
Escutar os professores e conhecer o que fazem para atuar nesse contexto tem
nos ajudado a estabelecer fundamentos e a contribuir para o estabelecimento de
diretrizes para os futuros processos fomativos.

4. REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Rusiel. A Educação Musical Inclusiva nas Escolas de Educação
Básica: A Educação Musical Inclusiva nas Escolas de Educação Básica: pers-
pectivas Conceituais e Metodológicas. Dissertação (Pós Graduação Mestra-
do) - Universidade Federal da paraíba, 2007.
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1997.
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cias para o tendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com
altas habilidades/superdotação. [2. ed.] / coordenação geral SEESP/MEC.
- Brasília : MEC, Secretaria de Educação Especial, (pp. 143). (Série: Saberes e
práticas da inclusão), 2006.
BROWN, Laura; JELLISON, Judith. Music Research with Children and Youth

62
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

with Disabilities and Typically Developing Peers: A Systematic Review. Journal of


Music Therapy, 2012.
CORSARO, William. Ação Coletiva e Agência nas Culturas de Pares Infan-
tis. Departament of Sociology, Indiana University, 2011.
DINIZ, Margareth. Inclusão de pessoas com deficiência e/ou necessidades
específicas: avanços e desafios. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.
EDLER-CARVALHO, Rosita. Removendo barreiras na prática pedagógica
em sala de aula. In: Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo compe-
tências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos
com altas habilidades/superdotação. [2. ed.] / coordenação geral SEESP/
MEC. - Brasília: MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006.
LOURO, Viviane. Educação musical e deficiência: propostas pedagógicas.
Editora do Autor, 2006.
MADALOZZO, Tiago. A prática criativa e a autonomia musical infantis:
sentidos musicais e sociais do envolvimento de crianças de cinco anos de
idade em atividades de musicalização. (Doutorado em Música) - Universida-
de Federal do Paraná, 2019.
MARQUES, Amanda Cristina Teagno Lopes. Sociologia da infância e edu-
cação infantil: à procura de um diálogo. Educação, Santa Maria, (42), 1,149-
162, 2017.
SCHAMBECK, Regina Finck. Vendo, sentindo e tocando: processos de mu-
sicalização de crianças surdas. Orfeu, 2017, (2), 3, 114-134.
SCHAMBECK, Regina Finck. Inclusão de alunos com deficiência na sala de
aula: tendências de pesquisa e impactos na formação do professor de música.
Revista da Abem, Londrina, 2016, 24, 36, 23-35.
UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades edu-
cativas especiais. Brasília: CORDE, 1994.

63
DIREITO: PRODUÇÃO CIENTÍFICA E
FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS
EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Simone Helen Drumond Ischkanian1
Gabriel Nascimento de Carvalho2
Vinícius Guiraldelli Barbosa3
Alcione Santos de Souza4
Elimeire Alves de Oliveira5
Ana Caroline Barros da Silva6

1. INTRODUÇÃO

Este artigo enfatiza a produção científica brasileira no que tange à te-


mática da inclusão da educação infantil ao ensino superior. É uma análise de
origem bibliográfica, que se caracteriza como um estudo descritivo e qualitativo,
1 Simone Helen Drumond Ischkanian - Doutoranda em Educação, Professora SEMED,
UEA e IFAM – Autora do Método de Portfólios Educacionais (Inclusão – Autismo e
Educação). SHDI é autora de artigos e livros, é epigrafe, citação e referencia em (TCCs,
artigos, pesquisas e livros). E-mail: [email protected].
2 Gabriel Nascimento de Carvalho – Autor de artigos e livros, é citação em artigos de livros.
Administração (UNIP). Direito (IAMES). Educador Voluntário do GEJO Grupo Escotei-
ro João Oscalino e UEB. RadioArmador / RádioEscotista GEJO.
3 Vinícius Guiraldelli Barbosa - Graduado em Ciências Contábeis (Centro Universitário de
Votuporanga) UNIFEV e Administração Pública (Universidade Federal de Uberlândia)
UFU. Especialista em Gestão Contábil. E-mail: [email protected].
4 Alcione Santos de Souza - Doutorado em Ciências Agrárias UFRA, http://lattes.cnpq.
br/3920607811795246 https://orcid.org/0000-0003-4562-5111. E-mail: alcione.souza@
uepa.br.
5 Elimeire Alves de Oliveira - Professora e Coordenadora do Curso de Pedagogia na Fa-
culdade FUTURA - GRUPO EDUCACIONAL FAVENI. Graduada em Direito (UNI-
FEV). Graduada em Pedagogia (Faculdade de Antônio Augusto Reis Neves). Graduada
em Letras (UNIFEV) Especialista em Gestão Escolar (UNICAMP). Mestre em Ensino e
Processos Formativos (UNESP). E-mail: [email protected].
6 Ana Caroline Barros da Silva - Possui formação em Direito e Letras. Especialista em Di-
reito Constitucional e Processual Civil. Atualmente, é mestranda do NIDES - Núcleo In-
terdisciplinar para o Desenvolvimento Social da UFRJ (Universidade Federal do Rio de
Janeiro). Assistente de Pesquisa do LLM Direito, da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Faz
parte do programa de residência jurídica da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janei-
ro, modalidade de ensino, pesquisa e auxílio prático no âmbito do Direito Civil. E-mail:
[email protected].
64
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

enfocando aspectos como as abordagens e vertentes epistemológicas da área


“globalizante da produção científica em educação especial e da formação de
recursos humanos em educação especial” (CARVALHO, 2022).
A desigualdade social e suas diferentes formas de manifestação fazem
parte do contexto econômico brasileiro no âmbito econômico - social, a pan-
demia destacou diferenças, obstaculizou condições e acesso a direitos, bens
e serviços a integrantes da sociedade, o que pôde ser visualizado pela forte
queda no poder de compra de grupos menos favorecidos. Segundo dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (SASSE, 2021, p.01 apud SI-
GETTE, E.; BARROS, A.C.S, 2021, p.02), “[...] mais de 30% dos residentes
dos 5.570 municípios brasileiros utilizaram a etapa inicial do auxílio aprovado
pelo Congresso Nacional no ano de 2020, ano em que a pandemia se instalou
mundialmente. [...]”, por tanto as analises realizadas, para a construção teóri-
ca, os procedimentos metodológicos e a efetividade dos resultados empreen-
didos neste campo de conhecimento, também contextualizam a desigualdade
social e coesamente reportam as questões a respeito de como o “DIREITO:
PRODUÇÃO CIENTÍFICA E FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS EM
EDUCAÇÃO ESPECIAL” têm impactado diretamente nas práticas da educa-
ção inclusiva no Brasil.
Neste sentido Gabriel Nascimento de Carvalho, destaca que ao conjetu-
rar sobre a produção de conhecimento, a produção cientifica e a formação em
recursos humanos na área de educação especial, que somente pesquisar já não é
suficiente para nortear caminhos e mudar rumos com pensamentos retrógrados
sobre “a inclusão, é preciso produzir novos conhecimentos que possam impul-
sionar todo contexto da Educação Especial” (ALVES DE OLIVEIRA, 2022).
O educador Vinícius Guiraldelli Barbosa, evidencia que criticas infunda-
da, sem uma visão ampla do que se está discorrendo, não valem como trampo-
lim para um saber amplo do perguntar e do responder, às demandas de conheci-
mentos (que não são poucas) para fornecer mudanças positivas.
No contexto histórico da educação especial, diversas terminologias fo-
ram utilizadas para designar as pessoas com deficiências (PCDs): portadores
de necessidades especiais, portadores de deficiência, deficientes, pessoas com
deficiência, entre outras.
Professora e Coordenadora do Curso de Pedagogia na Faculdade FUTU-
RA, Elimeire Alves de Oliveira, realça que ao usar ou não usar termos técnicos
corretamente não é uma mera questão semântica ou sem importância, se deseja-
mos falar ou escrever construtivamente, numa perspectiva inclusiva, sobre qual-
quer assunto de cunho humano. E a terminologia correta é especialmente im-
portante quando abordamos assuntos tradicionalmente eivados de preconceitos,

65
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

estigmas e estereótipos, como é o caso das deficiências que vários milhões de


pessoas possuem no Brasil.
Alcione Santos de Souza é professora universitária é destaca que os ter-
mos são considerados corretos em função de certos valores e conceitos vigentes
em cada sociedade e em cada época. Assim, eles passam a ser incorretos quan-
do esses valores e conceitos vão sendo substituídos por outros, o que exige o
uso de outras palavras.
Concordamos com Sassaki (2003, p. 160), pois “a construção de uma ver-
dadeira sociedade inclusiva passa também pelo cuidado com a linguagem”. A
inclusão é um processo em construção e dependente do comprometimento dos
professores envolvidos na formação inclusiva; assim, o aperfeiçoamento pro-
fissional, como a formação de recursos humanos em educação especial, “são
elementos constitucionais na capacitação de professores e demais servidores de
uma instituição publica ou particular” (ALVES DE OLIVEIRA, 2022).
Os estudos de análise da produção científica no campo da educação espe-
cial têm apontado diferentes perspectivas teóricas, conceituais e metodológicas,
com relação aos objetos de estudo e abordagens, indicando aos pesquisadores da
área que a diversidade de perspectivas propicia um diálogo entre as múltiplas for-
mas de aprofundamento teórico e conceitual, porém já está no tempo de uma
efetivação real das pesquisas para promover mudanças significativas na “história
da sociedade científica e promover formações de recursos humanos em educação
especial que possam se palpáveis na realidade de cada um” (SANTOS DE SOU-
ZA, 2022).

2. DESENVOLVEMENTO

DIREITO: O PRINCIPIO DA IGUALDADE

O principio da igualdade é um principio constitucional, previsto no artigo


5º da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe:
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-
reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, (...). (grifo nosso)

A doutora Ana Caroline Barros da Silva ratifica que o desígnio desse


princípio no que diz respeito a “Produção Científica e Formação de Recursos
Humanos em Educação Especial” é promover o tratamento igualitário entre os
indivíduos, pretendendo amenizar, ou ate mesmo, eliminar o tratamento desi-
gual na inclusão e todo ato discriminatório, uma vez que o ato “discriminatório
na análise da pessoa com deficiência ocorre quando a diferenciação, exclusão

66
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

e restrição por motivos da deficiência, fazendo com que a pessoa com deficiên-
cia seja impossibilitada de exercer o seu direito constitucional de igualdade”
(CARVALHO, 2022).
O patrimônio jurídico das pessoas com deficiências (PCDs) se resume
no cumprimento do direito à igualdade, quer apenas cuidando de resguardar a
obediência à isonomia de todos diante do texto legal, evitando discriminações,
quer colocando as pessoas portadoras de deficiência em “situação privilegiada
em relação aos demais cidadãos, benefícios perfeitamente justificados e expli-
cados pela própria dificuldade de integração natural desse grupo de pessoas”
(BARROS DA SILVA, 2022).
O artigo 4° do Estatuto da pessoa com deficiência aborda o tratamen-
to igualitário e não discriminatório, proporcionando resguardo à pessoa com
deficiência. E assim dispõe: “Art. 4° Toda pessoa com deficiência tem direito
a igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma
espécie de discriminação.
A igualdade formal esta prevista no artigo 5° da Constituição Federal.
Na “Produção Científica e Formação de Recursos Humanos em Educação Es-
pecial”, objetivo principal é abordar que perante a lei, todos são iguais. E que a
legislação não pode ser fonte de desigualdade entre as pessoas.
O principio da igualdade material aborda que pessoas diferenciadas rece-
bam tratamentos conforme a sua peculiaridade. Assim, em algumas “situações
onde qualquer pessoa apresentar suas limitações, deve receber tratamento de
forma diferenciada, respaldando assim o principio da igualdade” (ISCHKA-
NIAN. 2022).
Desta forma, a igualdade é o principio de regra principal, e deve ser observa-
da diante de indivíduos diferentes, uma vez que, nessa s”ituação haverá regulamen-
tações diferentes, que visa gerar e assegurar a igualdade” (CARVALHO, 2022).

DIREITO: PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O principio da dignidade da pessoa humana é o efeito da evolução do


pensamento humano. Esse princípio rodeia desde a existência humana, apesar
de que não havia ainda uma concepção legal, mas os seus vestígios já se faziam
presentes na consciência humana. A dignidade da pessoa humana é um dos
princípios basilar do Estado Democrático de Direito, visto que é um dos fun-
damentos, e esta previsto na Constituição Federal de 1988 no artigo 1°, inciso
III, que assim dispõe:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:

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(Organizadoras)

I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
(grifo nosso)

Este conjunto de princípios e valores, que protege o individuo em sua


dignidades, abrangendo a proteção na integridade físico, moral e espiritual, “é
fator primordial contextualizar as produções científicas e a formação de recursos
humanos (FRH) em Educação Especial” (BARROS DA SILVA, 2022).

DIREITO: A PRODUÇÃO CIENTÍFICA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

A produção científica em educação especial no Brasil revela uma


estrutura amgente de possibilidades, “envolvendo leis, decretos e artigos
solidos e com material humano de alto nível” (ISCHKANIAN. 2022).

Fonte: Autores (2022)

A pesquisa científica em educação especial proporciona a resolução de


problemáticas relevantes para a sociedade. Ou seja, “os resultados de um estudo,
publicados em artigos ou apresentados em congressos, têm o mesmo objetivo:
melhorar algum processo” (SANTOS DE SOUZA, 2022).
A produção científica em educação especial cresce, uma vez que novos
pesquisadores vêm se formando, num ciclo virtuoso que torna o país cada vez
mais independente.

PRODUÇÃO CIENTÍFICA EM PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO EM


EDUCAÇÃO ESPECIAL EDUCAÇÃO ESPECIAL
A produção científica é conceituada
A produção do conhecimento, encontra-se
como o resultado do processo de criação
organicamente ligada ao modo de produção
do conhecimento, através da pesquisa,
que se realiza por meio das relações existentes
explicitado e registrado em um suporte.
entre sua base material (unidade de forças
É através da produção cientifica, que o
produtivas e relações de produção) e as
conhecimento de dentro da universidade
superestruturas (jurídico-política e ideológica).
chega até a sociedade e organizações.
Fonte: Autores (2022)

É indiscutível a importância da produção científica em educação especial


no país. Atualmente, este contexto vem melhorando a vida em sociedade, pro-
pulsionando, consequentemente, o desenvolvimento nacional e ampliando os

68
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

direitos das pessoas com deficiencia.


No contexto de uma sociedade que sofre um momento pós-pandêmico e
com os males da vida moderna, cientistas e pesquisadores em educação especial
são os profissionais nos quais vemos esperança. Somos nós, os profissionais es-
pecialistas que se preocupam e dedicam-se em estudos em prol da melhoria de
toda uma sociedade. “As etapas do método científico são: observação, questio-
namento, formulação de hipótese, realização de experimentos, aceitação/rejei-
ção das hipóteses e conclusão” (GUIRALDELLI BARBOSA, 2022).
A pesquisa científica deve ser algo incentivado pelas universidades e go-
verno. E os profissionais que trabalham por trás dessas exaustivas jornadas, de-
vem ter o reconhecimento e incentivo.
A importância da pesquisa científica na sociedade é gigante. Há uma
necessidade permanente de avanços na educação, saúde, educação inclusiva,
tecnologias e demais áreas do conhecimento. Por isso, “incentivar e premiar
os profissionais que dedicam a vida a melhorar a vida das pessoas é essencial”
(CARVALHO, 2022).

DIREITO: A FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS EM EDUCAÇÃO


ESPECIAL

A formação de recursos humanos em educação especial tem produzido


impactos positivos na prática da educação especial, através da produção do co-
nhecimento nas universidades, impactos fora dos âmbitos acadêmicos.
As oportunidades criadas por meio de programas de extensão “ofertados
à comunidade em geral, tem ampliado perspectivas de formação de recursos
humanos em educação especial” (GUIRALDELLI BARBOSA, 2022).
Em termos da qualidade e profundidade dos conteúdos oferecidos, estes
foram de alto nível, não só em virtude da constituição e capacitação dos coordena-
dores dos cursos e docentes que prepararam o conteúdo das disciplinas ministra-
das, mas principalmente por envolverem alunos de Pós-Graduação em Educação
Especial, mestrandos e doutorandos, nas atividades de tutoria e preparação dos
materiais oferecidos nas aulas. Esses cursos preenchem “uma lacuna na formação
de diversos profissionais que atuam nas salas de aula comum, no Atendimento
Educacional Especializado (AEE), afinal as pesquisas transformam a realidade da
educação especial no Brasil” (ALVES DE OLIVEIRA, 2022).
As produções científicas de artigos, teses e dissertações em educação espe-
cial, auxiliam e transformam a realidade da educação especial no país, quando
citadas, em outros estudos voltados para a construção de novos conhecimentos
e avaliação de intervenção, tornam-se a corrente do bem, que amplia os horizon-
tes para inserção de pessoas com deficiência na comunidade de maneira plena.
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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

No entanto, em que pese essa divulgação ainda ser dirigida, na maioria


das vezes, aos próprios pares, alguns esforços por parte dos cientistas já podem
ser notados no sentido de fazer os resultados de suas pesquisas chegarem ao
grande público, ou seja, a sociedade. Isso tem acontecido, por exemplo, por
meio da participação de pesquisadores e cientistas em programas de populari-
zação científica.

No caso específico dos pesquisadores da educação especial, a divulgação


do conhecimento científico produzido no País tem sido promovida em eventos
nacionais e regionais, os quais têm congregado grande número de participantes,
e que se constituem em “foros privilegiados de troca de experiências e possibili-
dades de parcerias, visando ao aprofundamento de questões que afetam a educa-
ção especial na perspectiva da inclusão” (ISCHKANIAN. 2022).

RECURSOS HUMANOS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PARA PREPARAR


UMA INSTITUIÇÃO REPLETA POSSIBILIDADES.

Entenda como através da produção científica e formação de recursos huma-


nos em educação especial, você pode preparar sua instituição para receber pessoas
com deficiência e proporcionar um ambiente acolhedor e repleto de possibilidades.
A missão de preparar o ambiente educacional para receber as pessoas
com deficiências não é mais um diferencial, e sim, algo indispensável. O desafio
está em fazer as adaptações de forma a dar condições para o desenvolvimen-
to socioemocional desses indivíduos. É importante descobrir quais adaptações
são necessárias para que sua instituição esteja bem preparada para receber e
70
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

englobar a educação inclusiva em vários fatores, que vão desde a estrutura até
os métodos de ensino.
Neste artigo, explicaremos a importância do preparo da instituição, além
de mostrar como essa adaptação deve ser feita e as definições do estatuto da pes-
soa com deficiência. Nosso objetivo é enfatizar conceitos para que a pessoa com
deficiência tenha liberdade e autonomia, aprendendo a agir com naturalidade,
tanto no ambiente escolar quanto fora dele.
Para alcançar esse objetivo, o diálogo com as famílias é necessário e con-
tribui para a percepção de dificuldades e vitórias. É importante saber que exis-
tem diferenças entre a educação especial e a inclusiva.
EDUCAÇÃO INCLUSIVA EDUCAÇÃO ESPECIAL
O objetivo garantir o desenvolvimento das
O objetivo é proporcionar o acesso à educa-
potencialidades e engloba diferentes métodos
ção regular para qualquer pessoa, não impor-
de ensino e o auxílio de profissionais capaci-
tando as limitações físicas ou intelectuais.
tados.
Fonte: Autores (2022)

É um tipo de educação não exclui o outro, mas se complementam. O


texto do Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe avanços para a educação
especial. Ele obriga as instituições educacionais privadas a aplicarem medidas
de adaptação para receber indivíduos com deficiências no ensino regular. Além
disso, estabelece a proibição de qualquer tipo de ônus financeiro nas matrículas
e mensalidades. A lei ainda fala sobre a obrigatoriedade da adoção de um “pro-
jeto pedagógico que assegure o atendimento especializado para o estudante com
deficiência, que precisa estar acompanhado por um profissional capacitado para
a atividade” (GUIRALDELLI BARBOSA, 2022).
As atitudes discriminatórias, impedimento do exercício de “direitos e li-
berdades fundamentais das pessoas com deficiência, assim como o abandono
ou exclusão, podem render pena de até 3 anos de reclusão, mais multa” (ISCH-
KANIAN. 2022).
As adaptações para a educação especial não podem se limitar a atributos
estruturais ou físicos. As transformações variam entre vários níveis e falaremos
sobre eles na sequência:
Preparo do corpo docente: A capacitação profissional inclui um plano
para que os educadores e funcionários aprendam como podem contribuir com
a educação inclusiva. Dentro de suas funções específicas, todos precisam estar
preparados para atuar de forma positiva na educação desses alunos.
Adaptação do projeto pedagógico: Além de receber a matrícula de pes-
soas com deficiência, as instituições precisam oferecer um projeto pedagógico
inclusivo. As mudanças são necessárias, dentre elas a eliminação de barreiras

71
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

arquitetônicas, a introdução de recursos e tecnologias assistivas e a oferta de


profissionais do ensino especial.
Uso da tecnologia: A utilização de recursos multifuncionais e tecnologia con-
tribuem para o desenvolvimento das pessoas com deficiência. Quanto mais variadas
forem as atividades, maiores serão as chances de respostas positivas dos individuos.
Medição do desempenho: É importante que os educadores pensem nas
lógicas inclusivas na hora de avaliar os conhecimentos de cada individuo. É re-
comendado que os processos avaliativos sejam compatíveis a especificidades de
cada individuo, compete a educação globalizante, prover os recursos de acessibi-
lidade fundamentais para que os indivíduos com alguma deficiência participem
da mesma avaliação de forma coesa.
Conhecer o estudante de forma integral: Uma boa maneira de propor-
cionar desenvolvimento para as PCDs é buscar compreender profundamente as
individualidades de cada um. Isso pode ser feito ao conhecer o histórico escolar,
as preferências e as habilidades. Dessa maneira, é possível encontrar maneiras
mais favoráveis para promover o crescimento pessoal.
Fomentar um ambiente de cooperação e livre de preconceitos: A institui-
ção não deve ser um ambiente de discriminação e exclusão. Portanto, é desejável
que os educadores e colaboradores ofereçam atividades que incentivem a noção de
respeito ao próximo e compreendam que todos têm o mesmo valor e importância.
Parceria entre escola e família: A família pode contribuir para o engaja-
mento dos indivíduos. O diálogo entre instituição e familiares deve permanecer
aberto, proporcionando a oportunidade de detectar o que está funcionando e as
dificuldades no processo educacional.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação tem ofere-


cido um conjunto amplo de publicações de cunho teórico e didático-pedagógico,
fruto de seus programas e ações no campo da educação especial, nas quais cola-
boram pesquisadores e especialistas da área.
O núcleo para o efetivo “direito: produção científica e formação de re-
cursos humanos em educação especial” é o comprometimento eficaz das ins-
tituições com as ações inclusivas. Nas discussões, pesquisas bibliográficas e
projeções pessoais dos autores do artigo, observou-se que o atual arcabouço nor-
mativo atende satisfatoriamente às demandas para inclusão; no entanto, é na
sua operacionalização que se encontram as maiores dificuldades.
Os editais anuais do CNPq – que atendem parte da demanda de recursos
para as pesquisas na área, evidencia nos resultados projetados pelos pesquisa-
dores que algumas instituições brasileiras não desenvolvem as ações de inclusão
72
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

de modo análogo que possam atender a demanda de forma eficaz, elas pos-
suem especificidades e capacidades orçamentárias dessemelhantes; e tratam as
demandas de modos díspares.
O CAPES na área de educação especial tem promovido o acesso e divul-
gação da produção científica; investimentos na formação de recursos de alto
nível no país e exterior; promoção da cooperação científica internacional; indu-
ção e fomento da formação inicial e continuada de professores para a educação
básica nos formatos presencial e a distância.
Vários instrumentos de avaliação já verificam a existência dos mecanismos
de inclusão; contudo, às vezes eles apenas checam a sua presença e não se estão
atendendo satisfatoriamente a todas as necessidades das pessoas com deficiência.
A educação à distância (EAD), aflora os desafios semelhantes aos cursos
presenciais, seja quando os alunos com deficiência ou não, urge a necessidade de
viabilizar a interação social, tanto no modelo presencial como a distância, pois,
como característica do ensino superior, ela contribui para o desenvolvimento
pessoal e a autonomia da pessoa com deficiência, neste sentido o papel do pro-
fessor é imprescindível. A formação e a pesquisa na área da educação especial
sob a perspectiva da educação inclusiva devem ser foco transcendente para a
educação das pessoas com deficiência (PCDs), transtornos globais do desenvol-
vimento (TGD) e altas habilidades/superdotação (AH/SD).
Em suma, o insucesso, a insegurança, os receios compõem a vida da pes-
soa com deficiência; o amadurecimento emocional e intelectual é um direito e
devem estar presentes no cotidiano da produção científica e formação de re-
cursos humanos em educação especial. Assim as pessoas com deficiência, po-
dem vivem as mesmas experiências das demais pessoas, contudo, eles possuem
singularidades que precisam ser atendidas satisfatoriamente para que sintam-se
preparados no contexto educacional.

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numa perspectiva inclusiva. Disponível em: https://autismosimonehelendru-
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view/sigette-77-91. Acesso em: 23 set. 2022.

74
Eixo 2
EDUCAÇÃO,
POLÍTICAS PÚBLICAS EM
MOVIMENTO
UM PANORAMA DAS POLÍTICAS DE PROTEÇÃO
INFANTOJUVENIS NO BRASIL: DO CARÁTER
PUNITIVO À ESFERA SOCIOPEDAGÓGICA
Dirce Maria da Silva1
Eunice Nóbrega Portela2
Henrique Smidt Simon3
Ássia dos Santos Barreto4

1. INTRODUÇÃO

Partindo-se da pergunta sobre como se desenvolveram as concepções a res-


peito do tratamento social da criança e do adolescente no Brasil, o presente capítu-
lo, de revisão de literatura, relata a regulação do tratamento da infância e da juven-
tude no Brasil. A promulgação da Carta Magna em 1988 é o marco delimitador
do final do período de Situação Irregular. Seu texto determina o início da vigência
1 Mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Estudos sobre a Violência, na linha de pesqui-
sa em Estado, Políticas Públicas e Cidadania. Bacharel em Administração. Pós-Graduada
em nível de Especialização em Gestão Pública e Negócios; Docência do Ensino Superior;
Língua Inglesa; Educação a Distância; Psicopedagogia Clínica e Institucional. Graduada
em Letras Português/Inglês e suas respectivas Literaturas. Graduada em Pedagogia - Sé-
ries Iniciais/Supervisão e Orientação Escolar. Professora da Educação Básica e do Ensino
Superior. Escritora. Pesquisadora. E-mail: [email protected].
2 Doutora em Educação com ênfase em Psicologia Social pela Universidade de Brasília.
Mestre em Educação. Pós-Graduada em Administração Escolar, Psicopedagogia Clínica e
Institucional e Neuropsicologia Clínica. Especialista em Orientação Educacional. Gradu-
ada em Pedagogia pela Universidade de Brasília. Pós-Doutorado Profissional em Psicaná-
lise. Escritora, Pesquisadora, Palestrante, Consultora Educacional e Empresarial, Docente
Universitária; Psicanalista Clínica. E-mail: [email protected].
3 Graduação em Direito pela Universidade de Brasília. Mestrado em Direito pela Universi-
dade de Brasília. Doutorado em Direito pela Universidade de Brasília. Professor do Cen-
tro Universitário de Brasília (CEUB), Professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desen-
volvimento e Pesquisa (IDP). Revisor de periódico da Revista Jurídica da Presidência.
Advogado da Martins Costa e Simon Advogados e Professor Substituto da Universidade
de Brasília. E-mail: [email protected].
4 Mestre em Educação Musical pelo PPGE-Faed-UDESC. Licenciada em Artes Visuais
pela Faculdade UniBF. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Católica
de Brasília. Acadêmica Membro da Academia de Letras do Valparaíso/GO. Professora de
musicalização infantil para a primeira infância e Ensino Fundamental I, e a musicalização
como terapia para crianças com necessidades especiais. Professora de Canto e Técnicas
Vocais. Oficineira e Produtora Executiva em Projetos Culturais. Escritora. Pesquisadora.
E-mail: [email protected].
76
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

do regime de Proteção Integral voltado à população infantojuvenil no país.


O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 ratifica as determinações
constitucionais e reafirma a determinação da busca pela efetivação dos direitos
relacionados à população infantojuvenil em solo brasileiro. A análise proposta
permite sustentar a hipótese de que foi apenas com a retomada da Democracia
no Brasil que crianças e adolescentes passaram a ser tratados como cidadãos de
forma completa e adequada a suas peculiaridades.
Inicia-se o percurso histórico-compreensivo pelo “Código de Menores”
de 1927; adentra-se a seguir ao período do Serviço de Assistência ao Menor, de
1941; em seguida, à Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor e à Política
Nacional do Bem-Estar do Menor de 1969, para logo após alcançar o “Código
de Menores” de 1979.

2. DECRETO Nº 17.943-A DE 1927, O PRIMEIRO CÓDIGO DE MENORES

A evolução do direito da criança e do adolescente teve um reconhecimen-


to e um avanço maior no decorrer do século XX, em que se reconheceu a condi-
ção peculiar desses indivíduos como pessoas em desenvolvimento, dependentes
da família, da sociedade e do Estado, para alcançar o pleno desenvolvimento
físico, psicológico e intelectual (RIZZINI & PILOTTI, 2011, p. 19).
Deve-se destacar que o discurso dos idealizadores dos modelos de assis-
tência ao menor, no início do século XX, era pautado pela intenção de proteger
o menor pobre. Percebe-se no contexto a dicotomia entre a defesa do menor e
o interesse da sociedade da época, visto que a delinquência juvenil representa-
va perigo à ordem pública e deveria ser combatida. Nesse sentido, passou-se a
exigir por parte dos governantes brasileiros redirecionamentos também no trata-
mento para com os menores infratores no país.
O Primeiro Código de Menores, o Decreto n. 17.943-A, de 12-10-1927,
conhecido também como Código Mello Mattos (CMM), foi a primeira lei no
Brasil dedicada à proteção da infância e da adolescência (BRASIL, 2015). O
Código especificava o objeto do atendimento, ao afirmar: “O menor, de um ou
outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade,
será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção
contidas neste Código” (BRASIL, 1927, ART. 1º).
A partir da aprovação do CMM, o Poder Judiciário tornou-se central no
trato das questões sociais referentes ao público infantojuvenil, de modo a garan-
tir o controle social ao Estado e a punição por infrações cometidas deixou de ser
vista como sanção-castigo, para assumir caráter de sanção-educação, por meio
da assistência e reeducação de comportamento, sendo dever do Estado assistir
os menores desvalidos (ALBERTON, 2005, p. 58; SARAIVA, 2009).
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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

O Decreto n. 17.943-A/1927 substituiu concepções anteriores como a de


discernimento, culpabilidade e responsabilidade, disciplinando que a assistência à
infância deveria passar da esfera punitiva para a educacional. Conforme Rizzini
(1995), “a partir da década de 1930 a educação começou a ser defendida não
apenas como forma de moldar as individualidades, mas também como forma
de abrir novos espaços de participação social”. Nesse mesmo sentido, Josiane
Rose Petry Veronese (1997) afirma que “a mudança de tratamento do caráter
punitivo no Decreto de 1927 foi algo inovador e importante”, ainda que efetiva-
mente não tenha ainda acontecido essa modificação da forma como foi proposta
inicialmente.
No bojo das ações contempladas pelo CMM, houve a proibição do tra-
balho de menores de 12 anos, instituindo-se medidas de proteção ao trabalho e
ensejando-se a mentalidade educacional sobre o tema, de acordo com o texto
da recém-criada Organização Mundial do Trabalho (OIT, 1919). Os jovens que
já fossem alfabetizados poderiam trabalhar, conforme o Decreto, “os menores
providos de certificados de estudos primarios, pelo menos do curso elementar, podem ser
empregados a partir da idade de 12 annos” (BRASIL. DECRETO Nº 17.943-A DE
1927, § 3º).
Naquele contexto histórico, a delinquência, termo corrente da época,
aparecia como resultado do estado de abandono e representava todas as figu-
ras relacionadas a menores: “expostos (art. 14 do CMM: infantes até sete annos de
idade, encontrados em estado de abandono), abandonados (art. 26); vadios (art. 28);
mendigos (art. 29) e libertinos (art. 30)”, todas traziam em comum a possibilida-
de da delinquência (BRASIL. DECRETO N. 17.943-A DE 1927; ALVARES,
1989).
Faleiros (2009) explica que na orientação então prevalecente, “a questão
da política para a criança foi encaminhada para o abrigo e a disciplina, a assis-
tência e a repressão, com emergência de novas obrigações do Estado em cuidar
da infância pobre, garantir educação, formação profissional e encaminhamento
pessoal e competente” (FALEIROS, 2009, p. 48).
Rizzini (2004) confirma que “a internação, desde os anos 1900, se dava
em grandes instituições denominadas de internatos de menores ou orfanatos,
que funcionavam nos moldes de asilos, voltados para a correção do comporta-
mento, feita com base na educação profissionalizante”.
Kramer (1982) explica que “a partir da década de 1930 o termo “criança”
passou a ficar mais em evidência, sendo gradualmente modificado e relacionado
ao termo infância. Mas isso não alterou, de fato, a relação com o termo “me-
nor”, tido como sinônimo de marginalidade e de pobreza”.

78
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

3. O SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA AO MENOR E A FUNDAÇÃO NA-


CIONAL DO BEM-ESTAR DO MENOR

As políticas destinadas à infância, no Estado Novo, continuaram a confi-


gurar ações de tutela e proteção, mas foram remodeladas por nova regulamenta-
ção e criação de novas instituições públicas voltadas à primeira infância. Nesse
período, incorporou-se aos discursos o mote “criança cidadã do futuro”, que
devia receber cuidados especiais do Estado (KRAMER, 1982, p. 202).
Segundo Liberati (2012) “o discurso de então era que infância e a juventu-
de passariam a ser objetos de cuidados e garantias especiais por parte do Estado,
que tomaria todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e
morais de vida e harmonioso desenvolvimento das suas faculdades”.
A Constituição de 1937 foi clara ao introduzir proteção à criança e ao
adolescente. O texto constitucional vigente à época previa que a assistência à
infância e à juventude devia ser objeto de cuidados e garantias especiais por
parte do Estado, que deveria tomar todas as medidas destinadas a assegurar-lhes
condições físicas e morais de vida e harmonioso desenvolvimento de suas facul-
dades (BRASIL, 1937, ART. 127; PORTO, 2012, p. 83).
A educação recebe destaque no texto constitucional quando declara ser
dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de ins-
tituições públicas de ensino, em todos os seus graus, a possibilidade de rece-
berem educação adequada às faculdades, aptidões e tendências vocacionais à
infância e à juventude (BRASIL, 1937, ART. 129; PORTO, 2012, p. 84). Mas o
que se viu posteriormente foi um quadro diferente do proposto pelo texto cons-
titucional, a começar pela criação, em 5 de novembro de 1941, do Decreto-lei
Nº 3.799/1941, o Serviço de Assistência aos Menores (SAM), subordinado ao
Ministério da Justiça e ao Juizado de Menores.
Tornando-se um órgão de alcance nacional a partir de 1944, o SAM era
semelhante a um sistema prisional destinado aos menores. Segundo Saraiva
(2009), “a orientação do órgão era correcional-repressiva. Seu sistema basea-
va-se em internatos, reformatórios e casas de correção para adolescentes au-
tores de infração penal, de patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de
ofícios urbanos para os menores carentes e abandonados” (SARAIVA, 2009,
p. 43).
O Serviço foi criado para cumprir as medidas aplicadas aos infratores
pelo Juiz, tornando-se mais uma administradora de instituições do que, de fato,
uma política direta de atendimento ao infrator (LIBERATI, 2002, p. 60).
Em 1944, o Serviço contava com 33 educandários, somente para o sexo
masculino. Uma década depois, pelo processo de expansão nacional, os esta-
belecimentos particulares articulados com o Atendimento eram em número de
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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

trezentos, mas a maior parte em situação irregular, pois não havia vínculo con-
tratual com a instituição O SAM foi suspenso devido às práticas irregulares e
repressivas. Conforme Rizzini (1995), a internação tinha o objetivo de proteger
e reabilitar o menor para viver em sociedade, mas precárias condições de funcio-
namento das instituições de atendimento, a internação de menores criminosos
junto com crianças carentes ou abandonados, além da superlotação e desvio de
verbas, acabaram gerando para o Serviço de Atendimento a alcunha de escola
do crime (RIZZINI, 1995, p. 278; RIZZINI, 2004).
Zamora (2005) afirma que “lá eram largados desde assaltantes e assassinos
até meninos pequenos que cometiam pequenos furtos ou simplesmente vagavam
pelas ruas da cidade. Rituais de suplício eram desenvolvidos para correção dos
rebeldes, com o emprego de instrumentos como palmatórias, varas e porretes”
(ZAMORA, 2005, p. 2-6).
Entre 1930 e 1964, colônias agrícolas foram instaladas para que os sen-
tenciados pudessem cumprir o período final de suas penas; e a partir de 1964, o
Instituto Penal Cândido Mendes tornou-se uma penitenciária de segurança má-
xima, mantendo no local os indivíduos considerados mais perigosos à sociedade
(SANTOS, 2007, p. 1-2).
Dessa forma, esse Serviço de Atendimento, que tinha como objetivo abri-
gar menores desvalidos e infratores, acabou fracassando, ao utilizar-se de méto-
dos inadequados e apenas repressivos no atendimento às crianças e adolescentes
(JESUS, 2006, p. 52).
A instauração dos Juizados de Menores possibilitou incorporar à assistên-
cia o espírito científico da época, transcrito para a prática jurídica pelo inquérito
médico-psicológico e social, com técnicas provenientes dos campos da psiquia-
tria, psicologia, ciências sociais, medicina higienista e seus desdobramentos (RI-
ZZINI, 2004).
Mas as discussões e reformulações legislativas em curso foram interrom-
pidas pelo Golpe Militar. Em dezembro de 1964, os militares instituíram o De-
creto-Lei Nº 4.513/64, criando a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
(FUNABEM) e a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM), que
passaram a coordenar as ações na área. A questão da infância passou a ser tra-
tada como problema de segurança nacional, de forma descentralizada, dando
origem às FEBEMs estaduais, órgãos executores das medidas sancionatórias
(SABOIA RIBEIRO, 2015-2016, p. 8).
Com as FEBEMs, previa-se o atendimento do menor em situação ir-
regular por equipes de profissionais. Mas na prática, a criança/adolescente,
ao contrário de ser sujeito de intervenção conjunta de um corpo de profissio-
nais, era antes, objeto de atitudes diferenciadas e distantes entre si, que não

80
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

resultavam no desenvolvimento pessoal e social da criança e do adolescente


(SANTOS, 2007, p. 171).
A FEBEM incluía um sistema de escolarização de meninos pobres com
preparação para o trabalho, concomitante à educação formal regular. Tais mu-
danças ficaram reduzidas a nomenclaturas apenas, pois os menores continua-
vam internados nos mesmos prédios, e a serem cuidados pelos antigos funcioná-
rios do SAM. Eles passaram a receber a denominação de “carentes”, o que não
alterou em nada o rótulo de menores marginalizados. A FUNABEM manteve
os mesmos aspectos de política assistencialista, com práticas repressivas apenas.
Volpi (2011) diz que o golpe militar de 1964 modificou o contexto de tratamento
dado à infância e à adolescência, mas, na prática, nada mudou.

4. O SEGUNDO CÓDIGO DE MENORES, DE 1979

A questão do “Menor em Situação Irregular” foi enfatizada pela Lei Nº.


6.697/79, que se voltou aos efeitos e não às causas dos problemas atinentes à po-
pulação infantojuvenil, sem determinações voltadas ao desenvolvimento de uma
política de proteção e prevenção. Conforme Santos (2007), “a Lei em questão
não trouxe compromisso com a solução do problema social do menor, limitan-
do-se a regular, de forma opressiva e omissa, os direitos fundamentais”.
Assinalada desde o primeiro “Código de Menores” de 1927, a expressão
“situação irregular” foi ampliada no contexto do segundo “Código de Meno-
res”, como proposta do professor Allyrio Cavallieri, na fase de estudos para a
elaboração do “Código de Menores” de 1979, em substituição às denominações
“abandonado”, “delinquente”, “infrator”, “exposto”, etc., e aplicava-se, de for-
ma genérica, a todos os casos de competência do Juiz de Menores ou em que o
Direito do Menor fosse aplicável (SEGUNDO, 2003).
Pode-se entender “situação irregular” como privação de condições essen-
ciais de subsistência, por ação ou irresponsabilidade dos pais. Observa-se que a
“Doutrina da Situação Irregular”, no segundo “Código de Menores”, de forma
equivocada, “mantinha redação que responsabilizava tão somente as condições
materiais de existência dos pais ou responsáveis, ou do próprio menor. As ma-
zelas sociais não eram problematizadas, mas reduzidas a questões jurídicas e de
cunho assistencialista” (FALEIROS, 2009).
Liberati (2004), afirma que “o “Código Menorista” era uma espécie de
“Código Penal do Menor”, não relacionava nenhum direito, a não ser sobre
assistência religiosa; não trazia nenhuma medida de apoio à família, mantendo
a criança e o jovem como seres privados de direitos (LIBERATI, 2004, p. 15).
Veronese (2007) acrescenta que, “os princípios tutelares que funda-
mentavam a Doutrina da Situação Irregular não eram cumpridos, porque a
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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

metodologia aplicada, em vez de socializar, massificava, despersonalizava, ao


contrário de criar estruturas sólidas nos planos psicológico, biológico e social”.
Saraiva (2002) esclarece que, “a ideologia da Situação Irregular não esta-
belecia diferenças das situações decorrentes das condutas dos jovens e mantinha
nos mesmos ambientes de clausura, infratores, abandonados e vítimas de maus
tratos, pois, estariam todos na mesma situação de irregularidade” (SARAIVA,
2002, p. 39-44).
A “Situação Irregular” poderia ser definida na verdade, segundo Fachi-
netto (2009), como “situação de perigo, que levaria o menor à marginalização
ampla, acarretada pelo abandono material ou moral, o que constituía um passo
a mais para a criminalidade, que acontecia, via de regra, em consequência de
situações de desagregação familiar” (FACHINETTO, 2009, p. 48).
Segundo a Lei Nº 6.697/79, encontravam-se na “irregularidade” “a crian-
ça ou o adolescente privado de condições essenciais à subsistência, saúde e ins-
trução; as vítimas de maus tratos; os que apresentassem desvio de conduta, em
virtude de inadaptação familiar ou comunitária; e os autores de infração penal”
dentre outros (BRASIL. LEI N. 6.697/79, ART. 2).
Isso demonstra que na vigência do “Código de Menores” de 1979, “o
menor era objeto da norma apenas pelo fato de não se ajustar aos padrões esta-
belecidos”. Assim, todo ser humano abaixo de 18 anos, que não se ajustasse à
situação ideal imaginada pelo legislador, estaria, automaticamente, em situação
irregular (FACHINETTO, 2009; HOLLMAN, 2009).
Conforme Costa (2006), “as políticas até então vigentes limitavam-se a
aplicar medidas judiciais cabíveis, não se preocupando com questões de reinser-
ção social do jovem infrator, com educação e formação do caráter, dentre outras
necessidades básicas inerentes à infância e à adolescência”. Assim, “a expressão
“ressocialização” não possui utilização antropológica, porque seria necessário
problematizar a ideia de ressocializar à luz da Antropologia e das implicações
disso para a área” (COSTA, 2006, P. 58).
A realidade por trás dos muros das instituições de menores jamais cor-
respondeu às expectativas de reeducação ou ressocialização. Segundo Martins
(2005), “tais instituições serviram apenas para que a sociedade escondesse par-
cela significativa de crianças e jovens em “situação irregular”, nome eufemista
dos pauperizados e excluídos pela lógica do sistema vigente”.
Dessa forma, o Código de Menores de 1979, proposto como forma de atua-
lizar a legislação, que trazia, a princípio, intenção de trabalhar com maior eficácia
os problemas que afetavam a população infantojuvenil (crianças abandonadas, ca-
rentes, etc.), também não logrou êxito quanto aos resultados almejados.

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Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

4. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A CONSO-


LIDAÇÃO DO REGIME DE PROTEÇÃO INTEGRAL

O Estatuto da Criança e do Adolescente esclarece que “na área socioedu-


cativa, o termo ressocializar refere-se à ideia de restabelecer, reintegrar o adoles-
cente à sociedade de forma que ele não viole mais as regras de convívio social,
abandonando práticas consideradas como atos infracionais” (BRASIL. LEI N.
8.069/90, ART. 103).
O início da ruptura paradigmática se deu com a Declaração Universal
dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU), em 1959, dando lugar a outra forma de lidar com o
público infantojuvenil. No Brasil, a Constituição de 1988 estabeleceu direitos
fundamentais para a criança e para o adolescente, dando-lhes garantias e priori-
dades necessárias àqueles que ainda estão em desenvolvimento, determinando
proteção plena, conforme ficou estabelecido no caput do artigo 227 da Consti-
tuição Federal de 1988 (BRASIL. 1988, ART. 227; EC N. 65, DE 2010).
A Convenção Internacional dos Direitos da Criança vinha sendo discu-
tida desde o Ano Internacional da Criança (1979). As pessoas que redigiram a
Emenda Popular Criança Prioridade Nacional, cuja redação gerou o artigo 227,
puderam redigi-lo com base no texto do Projeto de Convenção Internacional
dos Direitos da Criança, que naquela ocasião estava sendo discutido em várias
partes do mundo por especialistas, governantes e ONG’s, antes de ser submetido
à votação na Assembleia Geral da ONU.
A caminhada da comunidade internacional em favor dos Direitos da
Criança teve início em 1923, quando a União Internacional Save the Children
redigiu e aprovou documento que ficou conhecido como Declaração de Gene-
bra, com os princípios básicos da Proteção à Infância. No ano seguinte, 1924,
a Quinta Assembleia da Sociedade das Nações propôs aos países-membros que
pautassem a sua conduta em relação à infância pelos princípios nela contidos.
Terminada a II Guerra Mundial, a ONU aprovou Declaração que ampliou os
direitos constantes no texto de 1924. Onze anos depois, em 1959, a Assembleia
Geral, órgão máximo da Organização das Nações Unidas, aprovou a Declara-
ção Universal dos Direitos da Criança, aumentando substancialmente o elenco
dos direitos aplicáveis à população infantil (COSTA, 2005).
Para efetiva aplicação da Doutrina da Proteção Integral, “deve-se reco-
nhecer as crianças e adolescente com respeito à condição de pessoas em de-
senvolvimento, o que os torna merecedores de proteção integral por parte da
família, da sociedade e do Estado, que, através de políticas específicas, devem
promover a defesa desses direitos” (COSTA, 2005, p. 19).
A Doutrina da Proteção Integral foi ratificada pelo Estatuto da Criança e
83
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

do Adolescente (BRASIL. LEI N. 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990). Confor-


me Leão (2012), “a DPI baseia-se no princípio do melhor interesse da criança.
Sua aplicação dá conta de que, segundo os artigos terceiro e quarto do ECA, o
Estado brasileiro tem o dever de garantir as necessidades da pessoa em desenvol-
vimento (até 18 anos de idade)” (LEÃO, 2012, p. 15).
Assim, ao incorporar à legislação brasileira a Convenção Internacional
dos Direitos da Criança, o ECA determina que a criança (menor de 12 anos)
e o adolescente (12 a 18 anos), são sujeitos de direitos, pois estão em condição
peculiar de desenvolvimento, e a eles deve ser garantida proteção com priorida-
de absoluta. Esse cuidado diferenciado se estende também a normas específicas
de responsabilização por crimes (atos infracionais), nesse processo evolutivo,
aplicando-se igualmente tais direitos aos adolescentes em conflito com a lei e em
situação de privação de liberdade.
A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento está expressamente
prevista na Constituição Federal de 1988, quando afirma que “se deve obediên-
cia aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar
de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida pri-
vativa de liberdade a adolescentes em conflito com a lei” (BRASIL. CF, 1988,
ART. 227, § V).
O Estatuto da Criança e do Adolescente afirma a necessária efetivação de
políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio
e harmonioso da criança e do adolescente, em condições dignas de existência. O
interesse superior das crianças e dos adolescentes, a partir do ECA, passa a cons-
tituir critério essencial para a tomada de decisões em qualquer assunto capaz de
afetar a população infantojuvenil (BRASIL. LEI Nº. 8.069/90, ART. ART. 2º;
ART. 105; ART. 7º; ART. 99-102; ART. 110).
Dessa forma, os termos criança e adolescente passaram a denotar sig-
nificação diversa daquela constante dos “códigos menoristas”. “A denominação
“adolescente em conflito com a lei”, passou a ser utilizada em substituição a
“menor infrator”, excluído do campo legal por representar o período correcio-
nal-repressivo, apesar de ainda ser equivocadamente utilizado com referência
ao Sistema Socioeducativo” (SILVA, 2017; SIMON & SILVA, 2021; SMIDT &
MARIA DA SILVA. D., 2022).
A substituição do termo “menor infrator” para “adolescente em conflito
com a lei” tem o objetivo de fazer distinção do ato infracional, que define a
subjetividade do indivíduo, ou seja, ele é delinquente, devendo, por isso ser descar-
tado. “A expressão “adolescente em conflito com a lei” situa a infração em um
momento específico da trajetória de vida do adolescente” (VOLPI, 2011).
Quanto à busca de garantia de desenvolvimento integral da criança e do

84
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

adolescente, Saraiva (2009) diz que “a DPI tem como objetivo garantir a crian-
ças e adolescentes direitos à sobrevivência, ao desenvolvimento pessoal e social;
à integridade física, psicológica e moral, preconizando a criação e articulação
de ações nas áreas das Políticas Sociais Básicas” (SARAIVA, 2009, p. 59-60).
Conforme Faleiros (2009), “esse novo paradigma reconhece crianças e
adolescentes como cidadãos e garante a efetivação de seus direitos, com absolu-
ta prioridade no acesso às políticas sociais.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O delineamento do presente texto concentrou-se em uma abordagem pa-


norâmica do antigo modelo de Situação Irregular, de cunho “menorista”, rumo
ao contexto da Doutrina da Proteção Integral voltado ao público infantojuvenil
no país. As determinações elencadas a partir da Constituição Federal de 1988
e do Estatuto da Criança e do Adolescente determinaram a clara oposição à
Situação Irregular, de desrespeito à dignidade da pessoa humana, destacando a
necessária garantia dos direitos fundamentais a crianças e adolescentes.
No Distrito Federal, a mudança veio direcionar o reordenamento institucio-
nal dos antigos centros de internação para adolescentes infratores aos novos comple-
xos denominados de Unidades de Internação. Isso foi possível devido às mudanças
no tratamento jurídico e social de proteção, que vieram nortear o desenvolvimento
de novos institutos e políticas públicas que precisam observar o princípio da Prote-
ção Integral no atendimento, no que concerne às medidas protetivas para com os
menores de 12 anos de idade e às medidas socioeducativas direcionadas aos jovens
em confito com a lei, com idade entre 12 anos completos e 18 anos.
A aplicação das medidas socioeducativas conta, hoje, com instituto es-
pecífico que direciona a aplicação de medidas sancionatórias, que aprovou o
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), como um ins-
trumento de natureza pedagógica, em oposição às formas institucionais basi-
camente repressivas voltadas a adolescentes em conflito com a lei, no campo
da socioeducação, observando-se o novo paradigma dos direitos das crianças e
adolescentes no Brasil.
A descrição das teorias sucessivas sobre o tratamento de crianças e ado-
lescentes em situação de vulnerabilidade no país permite inferir que não apenas
as sucessivas legislações tendiam a marginalizar esse grupo social, mas a falta
de cobrança e fiscalização das ações voltadas para a realização dos objetivos
propostos nas diversas leis levam a efeitos diversos mais deletérios.
Este histórico serve de lição a respeito dos feitos e críticas para com o
atual Estatuto da Criança e Adolescente. Não basta a mudança de paradigma
em previsões legais abstratas e em alterações de designações linguísticas, faz-se
85
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

necessário a mudança de mentalidade institucional e o controle dos agentes es-


tatais responsáveis pela realização das políticas públicas pertinentes.

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Educação em Movimento:
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89
EDUCAÇÃO: DIREITO HUMANO PARA O
PLENO DESENVOLVIMENTO DO SER
Cláudia Mota1
Flávia Paiva2

1. INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade, a educação enfrenta desafios nos


mais diversos cenários: social, econômico, político, cultural. Atualmente, diante
de tantas transformações sociais, esses desafios aumentaram, de tal modo que de-
terminadas adaptações educacionais se tornaram imprescindíveis - a exemplo da
prática da educação à distância, em todas as etapas de ensino, durante a pandemia.
Em decorrência disso, surgiram, então, novos questionamentos, provo-
cando a comunidade científica à pesquisa, à observação, ao estudo para melhor
compreender o que, de fato, deve ser projetado e implementado, vislumbran-
do-se uma educação mais inclusiva, de qualidade, capaz de garantir maiores
oportunidades profissionais.
Nesse panorama, a educação se evidencia, ainda mais, como direito hu-
mano e fonte de desenvolvimento, na medida que propicia a ampliação das li-
berdades, a conscientização das funções cívicas e políticas e a defesa de outros
Direitos Humanos.
Com efeito, tratados e convenções internacionais como a Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do Homem, o Protocolo de San Salvador e a legislação nacional (Constituição
Federal de 1988 e Lei de Diretrizes e Bases da Educação) preveem a educação
como um direito humano e fundamental que assume relevância política e cultu-
ral nos processos de formação e de inclusão social.
Pesquisas, estudos e artigos demonstram que a educação constitui o
1 Mestrado em Ciência Política com ênfase em Direitos Humanos, Cidadania e Estudos
sobre a Violência, na linha de pesquisa em Estado, Políticas Públicas e Cidadania, pelo
Centro Universitário UNIEURO/Brasília/DF. Pós-graduanda em Sociologia pela Fun-
dação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Servidora do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). E-mail: [email protected].
2 Mestrado em Ciência Política com ênfase em Direitos Humanos, Cidadania e Estudos
sobre a Violência, na linha de pesquisa em Estado, Políticas Públicas e Cidadania, pelo
Centro Universitário UNIEURO/Brasília/DF. Doutoranda em Educação pela Universi-
dade do Vale do Sapucaí (UNIVAS/ MG). E-mail: [email protected].
90
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

indivíduo intelectualmente, mas, para além da construção cognitiva, existem


outros resultados positivos que ultrapassam o intelecto: “a Educação desloca o
homo sapiens para o posto de ser humano” (PREUSSLER; OLIVEIRA; SILVA;
2021), sendo, portanto, um imperativo para a formação humana.
Nessa perspectiva, após horas de estudos e conversas (por vídeochama-
das) entre a doutoranda em Educação, Flávia Paiva e, a pós-graduanda em So-
ciologia, Cláudia Mota, surgiu a ideia de pesquisar e escrever a respeito do de-
senvolvimento do cidadão sob a ótica humanitária da Educação.
Pela leitura de textos, tanto da área da Educação quanto da Sociologiam
as autoras remetem-se ao pensamento crítico-construtivo de Paulo Freire: “olhar
para o passado deve ser apenas um meio de entender mais claramente o que e quem eles
são, para que possam construir mais sabiamente o futuro” (FREIRE, 2013, grifo nos-
so). Logo, se a prática de ontem se torna ponto de partida para o aperfeiçoamen-
to do amanhã, é proeminente entender como a Corte Interamericana de Direitos
Humanos (CORTE/IDH, 2004) conceitua a educação.
Vale abrir um parêntese aqui para esclarecer que, o estudo ora proposto é
retomar e debater a educação como direito humano, diferentemente da educa-
ção em direitos humanos, a qual caberia tratar em outro trabalho. Diante disso,
como bem explica Maria Victoria Benevides (2007) na palestra de abertura do
Seminário de Educação em Direitos Humanos (SÃO PAULO, 2000), “a edu-
cação em direitos humanos” é uma prática educativa permanente, continuada
e global, voltada para a mudança, com carga valorativa, que é compartilhada
pelos envolvidos (educadores e educandos) nos processos educacionais.
A base bibliográfica deste trabalho se fez pelo estudo de Paulo Freire,
de Amartya Sen, da coletânea Educação, direitos humanos e inclusão (organizada
pelos professores Washington Cesar Shoiti Nozu e Gustavo de Souza Preussler,
2021) e do artigo Amartya Sen e o direito à educação para o desenvolvimento humano
(REYMÃO; CEBOLÃO, 2017).
De modo geral, o estudo provoca a discussão a respeito da educação como
fonte de desenvolvimento humano; e, especificamente, apresenta o conceito de
educação segundo a Corte IDH e debate a importância da métrica Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) na construção do futuro da educação. Dessa forma, a pretensão aqui é
debater a educação na perspectiva conceitual de direitos humanos e apontar o
conhecimento e o aprendizado como indispensáveis ao desenvolvimento do ser.

2. DESENVOLVIMENTO

O debate sobre a educação como direito humano e fonte de desenvolvi-


mento deve partir da premissa de que a capacitação pelo estudo e aprendizado
91
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

permite aos cidadãos o exercício de seu papel social no mundo, a aquisição de


consciência das potencialidades humanas, a convivência saudável com os indi-
víduos e a percepção realista da sociedade em face do conjunto de diversidades
políticas, sociais, culturais, religiosas.
Assim, constata-se que o processo educativo construtivo é necessário à de-
senvoltura humana (física, mental, moral, psicológica e social) e deve se iniciar no
ambiente familiar, para, então, estender-se ao ambiente escolar, influenciando e
formando o comportamento do ser humano nos demais espaços de convivência.
Ao considerar as etapas educacionais que conduzem esse desenvolvimen-
to, nota-se na educação formal: a educação infantil, quando são ministrados na
escola os conceitos primeiros, incluindo temáticas acerca de diversidade, igual-
dade, tolerância, respeito e interpessoalidade; a educação fundamental, quando
uma parte relevante da cognição é estimulada e formada, como preparação para
a próxima fase (ensino médio), em que se conjecturam as expectativas profissio-
nais; e, a educação superior que direciona o educando ao mercado de trabalho
(PREUSSLER; OLIVEIRA; SILVA; 2021).
Nessa linha de compreensão, infere-se que o mencionado processo edu-
cativo, além de promover o conhecimento, deve mirar, como objetivo principal,
a preparação do indivíduo não somente para uma atividade profissional de sua
escolha, mas, sobretudo, para o convívio social, aprendendo a respeitar diferen-
ças, com o “olhar para o futuro” (FREIRE, 2013) de uma sociedade livre, justa
e solidária (ANDRADE, 2013).
Em face da concepção da educação como direito humano, é relevante
destacar as legislações protetivas advindas da evolução histórica dos Direitos
Humanos e da própria democracia. Com efeito, no decorrer da história, a edu-
cação passou a ser reconhecida no ordenamento jurídico internacional como
o mais importante dos direitos do ser humano. Trata-se de um direito humano
fundamental garantido pela legislação interna (BRASIL, 1988; BRASIL, 1996)
e pela externa (convenções e tratados internacionais).
Constitucionalmente, a educação deve ser promovida e estimulada pela
sociedade, a fim de que o ser humano adquira seu pleno desenvolvimento, seja
preparado para o exercício da cidadania, alcance seu crescimento pessoal e inte-
lectual, bem como sua qualificação para o trabalho (BRASIL, CF, 1988).
Nessa perspectiva, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017)
confirma que a educação é um direito humano essencial, garantido da educa-
ção infantil até o ensino médio, quando define os conhecimentos que devem
ser ensinados na educação básica e estabelece a referência para o currículo das
escolas. Como já mencionado pelas autoras em outros trabalhos, a Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação nacional (BRASIL, 1996) dispõe que os processos de

92
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

formação incluem o desenvolvimento na vida familiar, no trabalho, nas institui-


ções, nos movimentos sociais e nas manifestações culturais.
Conforme mencionado na introdução deste estudo, o ordenamento jurí-
dico internacional destaca algumas convenções: Declaração Universal dos Di-
reitos Humanos, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem,
Protocolo de San Salvador.
Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, todos terão di-
reito à educação e esta deve buscar o pleno desenvolvimento da personalidade
humana (ONU, 1948).
De acordo com a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Ho-
mem, a educação deve proporcionar à pessoa condições de subsistência digna,
de melhoria do bem-estar, a fim de poder ser útil à sociedade (Convenção Ame-
ricana sobre Direitos Humanos, 1969).
Outra convenção que prevê a educação como um direito humano é o
Protocolo de San Salvador, o qual dispõe que a educação deverá orientar o in-
divíduo ao pleno desenvolvimento, para que viva com dignidade e fortaleça o
pluralismo ideológico, as liberdades fundamentais. Além disso, informa que a
educação tem por fim capacitar as pessoas para a participação efetiva na socie-
dade democrática e múltipla. (Convenção Americana sobre Direitos Humanos
em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, 1988).
Diante dessa linha conceitual, ressalta-se o Sistema Interamericano de Di-
reitos Humanos (SIDH) que consiste em um instrumento de formação e de prote-
ção dos direitos humanos, compõe-se pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH), sediada em Washington, D.C. e pela CORTE IDH, sediada
em São José, Costa Rica. O SIDH iniciou formalmente seu trabalho com o ad-
vento da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (OEA, 1948).
A CIDH é um órgão autônomo da Organização dos Estados Ameri-
canos (OEA), integrada por sete membros independentes, atuantes de forma
pessoal, eleitos por Assembleia-Geral. Entre tantas funções do referido órgão,
destaca-se, nessa pesquisa, a promoção, a observância e a defesa dos direitos
humanos, incluindo-se a educação. Distintamente, em paralelo, a CORTE IDH,
integrada por sete juízes nacionais de Estados-Membros da OEA, é regida por
Estatuto próprio e tem caráter de instituição judiciária autônoma. Tem funções
consultiva e jurisdicional, devendo interpretar a Convenção Americana de
Direitos Humanos para conhecer de qualquer caso submetido pelos Estados
Partes ou pela Comissão (CIDH).
Conforme prevê a Organização dos Estados Americanos (OEA) caberá
à Corte julgar demandas que tratem de violação ao direito à educação. Diante
disso, é relevante compreender que para a Corte “o direito à educação se atrela à

93
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

dignidade e independe de privação da liberdade para sua efetivação” (CABRAL, PE-


RUZZO, LIMA, 2021). De fato, para a Corte, o direito à educação alcança a for-
mação dos seres humanos, possibilidade uma vida digna e promove a liberdade
de escolhas ao indivíduo.
Ademais, os supracitados autores afirmam que, para a efetivação desse di-
reito humano, deve-se ter número adequado de profissionais capacitados, inves-
timento em insumos (mesas, cadeiras, materiais educativos) e, principalmente,
implementação de políticas e programas educacionais eficientes que promovam
o desenvolvimento físico, mental, moral, psicológico e social. Salientam ainda
que a Corte tem decisões punindo Estados que violaram o direito à educação.
Nesses termos, exemplificam violações entendidas pela Corte: o não forneci-
mento de programas educacionais contínuos; a não emissão de certidão de nas-
cimento, para promover matrículas de crianças em idade escolar; falta de equi-
pamentos; discriminações; dentre outras.
Nesse contexto (CABRAL; PERUZZO; LIMA; 2021), citam o artigo 13
do Protocolo de San Salvador evidenciando que a educação é “um direito huma-
no propriamente dito e meio indispensável para a realização de outros direitos
humanos” e para isso, deve atender quatro características essenciais: disponibi-
lidade (execução de programas educacionais); acessibilidade (não discrimina-
ção, acesso físico e econômico); aceitabilidade (forma e conteúdo em currículo
escolar e métodos pedagógicos); e, adaptabilidade (flexibilidade e adaptação às
necessidades das comunidades).
Observa-se que o SIDH estabelece que a educação é mola de propulsão
em termos de acesso a oportunidades e, sobretudo, como forma de alcançar o
desenvolvimento face à concepção da vida humana. Da conceituação de Direi-
tos Humanos da Corte IDH associada à teoria desenvolvimentista de Amartya
Sen, conclui-se que a educação consiste na base de toda a formação humana.
Ela exerce papel essencial na produção e reprodução sociocultural, ini-
ciando-se na família, espaço de representação física e mental, bem como am-
biental de reprodução comportamental sobre alimentação, corpo, higiene, afeto,
ensinamentos básicos. O processo de socialização é primordial para a inclusão
e desenvolvimento do ser na sociedade, na família, no trabalho, nos ambientes
de interpessoalidade, os quais confirmam a aquisição de conhecimentos, habi-
lidades e valores. Como indivíduo, assevera-se a importância da educação no
contexto de interesses objetivos e relações de poder (CARVALHO, 2004).
A educação inclusiva, que não se refere apenas ao terreno educativo, con-
siste no caminho para a inserção social e depende da execução de políticas pú-
blicas que tenham como missão o pleno desenvolvimento humano (a eficiência
educacional somada à formação do ser humano) (CARDONA, 2015).

94
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

Deve-se compreender que a inclusão não se restringe à comunicação entre


professor-aluno, mas parte da concepção do princípio de educação universal,
que alcança a valorização das diferenças. O verdadeiro significado de ser incluí-
do está na participação no mercado de trabalho competitivo e na construção de
uma sociedade livre que compreenda a diversidade e a respeite. Assim, a escola
está, nesse cenário, como intermediadora do sistema social, político e econômi-
co vigente na sociedade. (CARDONA, 2015).
O estudo de Amartya Sen (1993) tem importância para a educação por-
que compreende a necessidade da educação inclusiva e assevera que sua promo-
ção desenvolve o ser no todo (física, mental, moral, psicológica e social).
Amartya Sem (1993) colaborou com o economista paquistanês Mahbub
ul Hag na idealização da métrica denominada IDH – Índice de Desenvolvimen-
to Humano, que é utilizada para aferir o nível de desenvolvimento de uma nação
no âmbito da educação, da saúde e da renda.
Da fonte disponibilizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA, 2009), verifica-se que o IDH serve como um parâmetro, para aferir o
nível de desenvolvimento de uma nação no âmbito da educação, da saúde e da
renda. O valor dessa métrica é o alcance que ele possui, porquanto, de modo
geral, todos os cidadãos de qualquer país são atingidos por essa variável.
Em 1990, o referido índice foi utilizado pela primeira vez pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 1990). Ademais, utilizar
essa variável em face dos direitos fundamentais (educação, saúde e renda) per-
mite uma comparação com outros países e serve de métrica para aferir e avaliar
a execução de políticas frente às demandas sociais. Como referência numérica,
o IDH varia entre 0 e 1: quanto mais próximo de 0, menor é o indicador para os
quesitos de saúde, educação e renda; e quanto mais próximo de 1, melhores são
as condições para esses quesitos (IPEA, 2009).
Para este trabalho, interessa a aferição relacionada à educação. O in-
dicador educação se refere “à quantidade média de anos de estudo de uma
população” (IPEA, 2009)
De um lado, conclui-se que, quanto maior o tempo de constância de uma
população na escola, maiores oportunidades de desenvolvimento para o país. De
outro lado, expõe que o empenho da gestão com o futuro de sua nação relaciona-
-se às futuras gerações. Do mesmo modo, aferem-se as políticas públicas que pos-
sibilitam a inscrição de todas as crianças e adolescentes em escolas, diminuindo
taxas de evasão, repetência, dentre outras questões que podem ser medidas (IPEA,
2009).
Portanto, depreende-se que a discussão sobre educação como direi-
to humano é perene, haja vista as diversas teorias e formas de compreender a

95
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

relevância do estudo e do aprendizado. Além disso, é imprescindível conhecer


as potencialidades humanas para direcioná-las a uma finalidade social positi-
va. Este breve estudo provocou o debate sobre educação como fonte de desen-
volvimento humano, destacou o que é educação para a Corte IDH e citou a
importância da métrica Índice de Desenvolvimento Humano, segundo dados
coletados pelo Ipea, para comparar, quantitativa e qualitativamente, com outros
países e também para avaliar a execução de políticas frente às demandas sociais.

3. CONSIDERAÇÕES

Ao apresentar a educação como um direito humano e fonte de desenvolvi-


mento, este trabalho confirmou, mais uma vez, que sem educação, sem conheci-
mento não se constrói uma sociedade igualitária e inclusiva. Da reflexão de Paulo
Freire, as autoras chegaram ao debate sobre a educação como um direito humano
indispensável ao desenvolvimento do ser, já que a educação assume a missão de
intervir no processo de formação do ser humano na sua individualidade.
Ao mencionar as convenções internacionais e a legislação interna, de-
preende-se que, apesar da normatização em prol do direito à educação, a desi-
gualdade assola o país de tal forma que a vida digna prospectada na lei não é a
realidade da sociedade brasileira e, mesmo com tantas transformações sociais,
há muito para se construir e conquistar para que todos possam alcançar condi-
ções dignas de subsistência, melhoria na qualidade de vida e pleno desenvolvi-
mento da personalidade.
Nesse contexto, infere-se que, de fato, a educação cumpre papel preponde-
rante na constituição intelectual, todavia é preciso mais que isso. Faz-se impres-
cindível o investimento de recursos, a capacitação de professores e a implemen-
tação de políticas educacionais para que se alcance o pleno desenvolvimento
físico, mental, moral, psicológico e social de todos os indivíduos.
Portanto, a educação, sob a ótica dos direitos humanos, referencia-se
como o direito mais importante do ser humano, pois, o processo educacional é
condição sem a qual os seres humanos não poderiam se desenvolver socialmen-
te, ou seja, da educação ninguém pode escapar.

4. REFERÊNCIAS
ANDRADE, Marcelo. É a educação um direito humano? Em busca das ra-
zões suficientes para se justiçar o direito de formar-se como um humano. Edu-
cação (Porto Alegre, impresso), v. 36, n.1, p. 21-27, jan/abr. 2013.
BENEVIDES, Maria Victoria. Educação em Direitos Humanos: de que se
trata? Palestra de abertura do Seminário de Educação em Direitos Humanos,
São Paulo, 18/02/2000. Revisão da autora feita em abril de 2007.
96
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e


bases da educação nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira.
Brasília, 1996.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de
1988.
CARDONA, Maria João. et. al. Guião de educação género e cidadania – pré-
-escola. 1ª ed. Comissão para a cidadania e a igualdade de gênero: Lisboa,
2015.
CARVALHO, Maria Eulina Pessoa de. Modos de educação, gênero e relações
escola-família. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, p. 41-58, jan./abr. 2004.
DRÈZE, Jean; SEN, Amartya. Glória incerta: a Índia e suas contradições.
Tradução de Ricardo Doninelli Mendes, Laila Coutinho. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 2015.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Editora Paz e Terra.
Rio de Janeiro, 1986.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra (Coleção Leitura), 1997.
NOZU, Washington Cesar Shoiti; PREUSSLER, Gustavo de Souza (Org.).
Educação, direitos humanos e inclusão. Curitiba: Íthala, 2021.
PINHEIRO, Maurício Mota Saboya: As liberdades humanas como bases de
desenvolvimento: Uma análise conceitual da abordagem das capacidades hu-
manas de Amartya Sen. Brasília: IPEA, 2012. Disponível em http://www.ipea.
gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1794.pdf. Acesso em 20 out 2022.
PREUSSLER, Gustavo de Souza; OLIVEIRA, Adriel Seródio de; SILVA,
Luzia Bernardes da. Direito humano à educação como conditio sine qua non
para a humanização. In: NOZU, Washington Cesar Shoiti; PREUSSLER,
Gustavo de Souza (Org.). Educação, direitos humanos e inclusão. Curitiba:
Íthala, 2021.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. Tradução de Laura Teixei-
ra Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SEN, Amartya. O Desenvolvimento como Expansão das Capacidades. Lua
Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n. 28-29, pp. 313-334, abr.,
1993.

97
A POLÍTICA SALARIAL PROFISSIONAL NACIONAL
EM MATO GROSSO DO SUL FRENTE AS MEDIDAS
DE AUSTERIDADE FISCAL
Ionaldo Julian Costa Bruno1

INTRODUÇÃO

O neoliberalismo aprofundou-se como política central do estado brasileiro


nos pós redemocratização e, em quase todos os governos eleitos, neste período, os
chefes do poder executivo emplacaram suas agendas de aprofundamento do discur-
so de austeridades fiscal em busca de um estado mínimo e os constantes questio-
namentos aos direitos fundamentais constitucionais, enquanto políticas de Estado.
As conduções do Estado por diferentes presidenciáveis nos últimos trinta
anos, desde a reabertura democrática, possibilitaram a existência de diferentes
movimentos e diferentes escolhas nas gestões dos distintos chefes do executivo.
Esta alternância e essa cinesia no executivo, evidenciou o desejo de hegemonia
neoliberal para o Estado nacional. Mas, desde a década de 1980, ainda que al-
çando partes significantes do Estado, os defensores do neoliberalismo não con-
seguiram materializar essa hegemonia.
Os cenários pela valorização decente ganha corpo em todo o percurso
de construção de políticas públicas para valorização do profissional docente na
nova república do brasil democrático. Ainda que por inúmeras vezes aconte-
cendo apenas por meio disputas políticas, judicialização e também pelos os mo-
vimentos no seio das organizações representativas de classes, algumas dessas
ações e mobilizações acabaram se materializando como direitos constitucionais.
Os engendramentos políticos nos entes federados nem sempre foram favo-
ráveis para os avanços na valorização docente, e por isso, passaram a acontecer
por meio de conquistas na esfera da União, com sua prerrogativa de federaliza-
ção de políticas nacionais. As legislações que remeteram à valorização profis-
sional, amaram-se como frutos de muitos movimentos em fóruns, congressos,
encontros, publicações científicas da área e mobilizações grevistas dos docentes
durante os últimos cinquenta anos.
Ou seja, não podemos afirmar que tais políticas aconteceram de forma

1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGEDU da Universidade


Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: [email protected]. Tel: 67 99219-4554.
98
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

simples, rápida e logo após o marco constitucional, pelo contrário, o que a his-
tória trará as novas gerações, as quais lerão sobre o tema, é que se tratando de
políticas públicas de valorização do magistério pelo Estado brasileiros, entes
federados e municípios, e um grande um número, reinsistiram em assegurar o
direito para estes trabalhadores.
Em específico, neste trabalho, compreendermos os caminhos que políti-
cas de valorização docente vêm sofrendo no estado de Mato Grosso do Sul, que
possui aproximadamente vinte mil professores e professoras em sua rede (BRA-
SIL, 2021), buscamos demonstrar como a garantia da efetivação destes direitos
caminhou diante dos distintos governos e reivindicações dos trabalhadores neste
tempo de austeridade, entendendo, como a legislação caminhou em segundo
plano diante dos dogmas das políticas neoliberais de austeridades.
A realidade que nos debruçaremos é a do estado do Mato Grosso do Sul
e suas medidas tomadas a partir de 2017, com aprovação da Emenda Estadual
Constitucional nº 77, de teto dos gastos da execução orçamentaria. Criou-se
assim, o cenário perfeito de aplicabilidade das políticas de austeridade e todo o
receituário do dogma neoliberal e suas contradições estruturais.
A metodologia usada para essa investigação é a pesquisa documental com
a utilização da produção científica de referências na área, de dados estatísticos
apresentados por instituições como INEP e legislações no âmbito nacional e do
espaço geográfico do estado de Mato Grosso do Sul. O trabalho foi divido em
duas partes distinta, abordando na primeira delas, uma discussão a respeito do
processo histórico de implementação de políticas de valorização da remunera-
ção docente no âmbito nacional, e no segundo momento uma investigação e
análise das políticas de austeridades no Mato Grosso do Sul, a fim de evidenciar
seus impactos no processo de solidificação de uma rede política em garantia dos
direitos de melhoria da remuneração do magistério.

POLÍTICA SALARIAL DOCENTE APÓS 1988: GARANTIA DE


CONQUISTAS DA MELHORIA DA REMUNERAÇÃO DOCENTE

Após a Constituição Federal de 1988, passou-se a entender a valorização


docente como um dos pilares para melhoria da qualidade da educação, previsto
em seus princípios, no artigo 205 e inciso VII (BRASIL, 1988 p. 01), a busca por
uma “garantia de padrão de qualidade”. Tornou-se obrigatória a execução de
ações diretas e intervenções do Estado brasileiro, na busca pela tão sonhada qua-
lidade na educação e sua universalização enquanto política pública de Estado.
Destarte, ao pensar a busca por essa qualidade, fica evidente que é ne-
cessário que se aponte “um caminho para garantir uma educação pública de
qualidade” (GOUVEIA, 2006 p. 84), propondo alguns indicadores de qualidade
99
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

para mensuração destas ações e seus resultados. Pensar essa qualidade é agrupar
uma série de intervenções que consiga remodelar uma nova qualidade, ou que,
[...] não se trata mais, como queria Rui Barbosa, de reproduzir o modelo
norte-americano. Na era da informação, ter ou não ter acesso à educação
faz enorme diferença. E mais: trata-se de encontrar um novo paradigma
de vida, de vida sustentável, que possa renovar nossos sistemas de ensino
e lhes dar sentido, como sustenta a Década das Nações Unidas da
Educação para o Desenvolvimento Sustentável (GADOTTI, 2008 p. 6).

Um dos campos que é destaque para melhorar a qualidade de educação é


a necessidade de repensar a remuneração docente no Brasil, que historicamente
manteve-se muito baixa em relação aos profissionais com a mesmas formações
e os profissionais do magistério em outros países. Segundo o professor Pinto
(2009, p.52), os dados históricos descrevem como o conjunto de valores pagos à
docência na educação básica recebia desde da época do império até a provação
do PSPN em 2008. Destaca-se que,
A lei de 1827, quando a moeda em vigor era o Real original, mais co-
nhecido pela alcunha de Réis, muito embora não definisse a hora-ativida-
de, estabelecia que os “ordenados” dos professores teriam um valor “de
200$000 a 500$00 anuais, com atenção às circunstâncias da população e
carestia dos lugares”. Em valores de 2009, esses salários representariam,
respectivamente, R$ 1.138 e R$ 2.846, mensais, considerando 13 salários
por ano. Não deixa de ser curioso que o piso aprovado em 2008, de R$
950, em valores de janeiro daquele ano, atualizado para janeiro de 2009,
com base no índice definido pela legislação, e que considera a variação do
valor mínimo do Fundeb para as séries iniciais do ensino fundamental,
corresponda a R$ 1.128/mês, ou seja, praticamente o “piso” de 1827.

Não podemos deixar de ressaltar que, com a reabertura democrática foram


aparecendo legislações, normatizações e pareceres a garantir concretização desse
princípio constitucional em outros documentos. Esses documentos formam uma
rede para garantias legais, que iniciam na constituição e chegam até a Lei nº 11.738
de 16 de julho de 2008 (BRASIL, 2008) do Piso Salarial Profissional Nacional para
o magistério, atribuindo a república responsabilidade enquanto política de Estado, a
fim de normatizar e regular a valorização docente em todo território nacional.
É importante ressaltar que também foram aprovadas políticas de fundos
que são importantes ferramentas legais para valorização e da remuneração do-
cente, no ano de 1996, foi sancionada a Lei nº 9.424, de 24 de dezembro (BRA-
SIL, 1996) que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, na forma pre-
vista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Essa
política garantiu uma captação de investimentos e de recursos para a valorização
docente, destinando uma quantia significativa para pagamento salarial e outros

100
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

fins no processo de produção do ato educativo.


No ano de 2006, o então presidente Luis Inácio Lula da Silva, sancionou
a lei que Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educa-
ção Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de que
trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei
n o 10.195, de 14 de fevereiro de 2001 (BRASIL, 2006), que passou a parte deste
fundo todas as etapas da educação básica.
Em 2001 foi sancionada a Lei nº 10.172 que aprova o Plano Nacional de
Educação – PNE (BRASIL, 2001), elaborado em 1996, com vigência de dez
anos. Nela as metas e estratégias foram desenhadas para ampliar direitos e ga-
rantir melhorias no cenário brasileiro, embora apenas algumas destas metas fo-
ram realmente alcançadas. Mesmo não alçando efetivamente tudo o que propôs,
pode-se se tê-la como um avanço na garantia de financiamento e com previsão
para criação do “Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Supe-
rior, constituído, entre outras fontes, pelo menos 75% dos recursos da União vin-
culados à manutenção e desenvolvimento do ensino [...] (BRASIL, 2008 p. 45).
Com o fim da vigência do PNE 2001-2010, aconteceram os debates e as
produções coletivas para elaboração do documento atual, deu-se destaque para
valorização docente e do financiamento da educação. Podemos encontrar refe-
rências diretas como a meta 17 e 18 falam da valorização docente, equiparação
salarial e a implantação de planos de cargo carreira. Como forma de garantir
esse investimento, o próprio documento aponta na meta vinte os meios de finan-
ciar essa ampliação de recurso, pontuando a necessidade de que seja investido,
no mínimo 10% do produto interno bruto nacional em educação (Brasil, 2014).
Ao colocar a discussão a responsabilidade constitucional, é neste momen-
to possível entender que a valorização e remuneração docente, enquanto direito
do profissional, esteve historicamente preenchida das políticas clientelistas das
localidades de munícipio e estados. Apenas a partir de 2008, com aprovação
da lei do PSPN, que os profissionais do magistério público da educação básica,
adquiriram certeza na equiparação salarial com os demais profissionais em nível
nacional caminhou entre todos os entes federados.
Segundo Pinto (2009, p. 54), “pelos valores apresentados, percebe-se quão
pouco valorizada, do ponto de vista da remuneração, é a carreira dos professo-
res da educação básica”. Para a professora Andressa Barbosa (2001) essa remu-
neração baixa é uma complicação que trazem impactos negativos a educação
brasileira. Desta forma, o PSPN nasce com a intensão clara de equiparar a re-
muneração do docente brasileiro que é muito a baixo dos demais salários de
profissionais com a mesma formação acadêmica.
Ao observar a tabela a seguir, produzida pelo Departamento Intersindical

101
EUNICE NÓBREGA PORTELA | DIRCE MARIA DA SILVA | BRUNA BEATRIZ DA ROCHA | REBECA FREITAS IVANICSKA
(ORGANIZADORAS)

de Estatística e Estudos Socioeconômicos - DIEESE em 2020, observamos


como a remuneração docente muda em cada estado, e que os diferentes valo-
res pagos, são fatores determinantes as vontades dos governadores que estão à
frente do poder executivo. Este fator de disparidade de valares, não é um fato in-
constitucional, pois a organização estrutural constitucional de responsabilidade
da remuneração estabelece responsabilidade aos entes federados.

Grafico 1 – Média Remuneratória do Magistério por unidades federativas em 2020.

Fonte: Elaborado pelo DIEESE.

Em seu relatório, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Eco-


nômico – OCDEE, evidenciou que a remuneração é uma das formas de atrair os
jovens para o magistério, segundo o texto “salários atraentes sejam claramente
importantes para melhorar o apelo da docência” (ORGANIZAÇÃO DE COO-
PERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, 2006, p. 216). Desta
forma, aumentar esse rendimento é também uma forma de garantir a continui-
dade de atratividade os novos profissionais.
O que podemos perceber até aqui é que a remuneração docente até o início
dos ganhos com o cumprimento do PSPN, era muito aquém do que se espera para
um profissional com formação igual. Historicamente não foi dado importância à
remuneração docente, como quesito de qualidade na educação, ao atribuir insigni-
ficante valor monetário ao trabalho que é realizado dentro e fora da escola.

AUSTERIDADES E SEUS IMPACTOS NAS POLÍTICAS DE REMU-


NERAÇÃO DOCENTE EM MATO GROSSO DO SUL.

A realidade brasileira nos pós golpe de 2016 é a de aprofundamento das


demandas do mercado e também da instalação de fundamentos dos neoliberais
ao Estado brasileiro. Com o enfraquecimento do campo progressista de esquerda,
observamos o avanço da força liberal no campo econômico, apontando-se como
102
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

a solução milagrosa a ideia de um estado em dificuldades que pede socorro. Para


Mészaros (1993 p. 118) essa estratégia é “altamente significativa, quanto a isso,
que o desenvolvimento do Estado capitalista no pós-segunda guerra, orientado
para o consenso, tenha apresentado um corretivo prático para essa conceituação
falaciosa através de intervenções diretas do mesmo estado”, ou seja, um discurso
que já esteve no manual neoliberal desde o início do século XX.
Nessas disputas, o modelo de estado neoliberal se propõe como via de Esta-
do, nos quais se “[...] favorecem a integridade do sistema financeiro e a solvência das
instituições financeiras e não o bem-estar da população ou a qualidade ambiental”
(HARVEY, 2014 p.81), que aplica seus esforços em utilizar o aparato estatal em
busca de um estado mínimo de intervenções e que trabalhe para o setor financeiro
da economia mundial, enquanto partes de uma globalização econômica.
A proposta de Emenda Constitucional PEC/241 ou PEC do controle do
“teto dos gastos”, após aprovação na Câmera Federal seguiu para o plenário
do Senado Federal, como PEC/55 e foi aprovada sem nenhuma mudança ou
alteração de texto inicial, a qual acrescentou nove atos as Disposições Consti-
tucionais Transitórias (ADCT), sendo eles, os artigos 106º a 114º. Segundo o
texto da redação da PEC/55, que após aprovada transformou-se em Emenda
Constitucional nº 95, legislou que:
Art. 106. Fica instituído o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos
Fiscal e da Seguridade Social da União, que vigorará por vinte exercícios
financeiros, nos termos dos artigos 107 a 114 deste Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
Art. 107. Ficam estabelecidos, para cada exercício, limites individualiza-
dos para as despesas primárias. (BRASIL, 2016).

Para Amaral (2016), essas despesas primárias são “[...] associadas ao pa-
gamento de pessoal e encargos sociais, outras despesas correntes água, luz, tele-
fone, limpeza, vigilância, terceirizados, material de consumo etc.), investimen-
tos (equipamentos, material permanente, construções etc.” (AMARAL, 2016).
O modelo adotado de manejo dos gastos do Estado estipulou para cada um
dos poderes da estrutura federativa brasileira, um limite de gastos controlados e
revisado pela inflação do ano anterior e pelo Índice de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA). Para Vazquez (2017) a síntese deste modelo econômico:
[...] desestrutura o financiamento da política social brasileira ao eliminar a
vinculação de receitas destinadas à educação e ao orçamento da segurida-
de social, que compreende as políticas de saúde, previdência e assistência
social. Tais vinculações expressam conquistas sociais que foram garanti-
das na Constituição de 1988, visando estabelecer prioridade e preservar
o gasto público nestas áreas sociais, independentemente do governo que
estivesse no poder (VAZQUEZ, 2017, p.1)

103
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

Segundo a Nota Técnica emitida pela Associação Nacional de Pesquisa-


dores em Financiamento da Educação (FINEDUCA), o investimento do PIB
em educação, sofrerá perdas decrescentes e sistemáticas com Emenda Constitu-
cional nº 95, e a partir do ano de 2018 os recursos da vinculação constitucional,
apontariam para um cenário em que “partindo-se de um percentual de 18% e
considerando-se um crescimento da receita real de 3% ao ano, após 5 anos a
vinculação já estaria em 16%; após 10 anos, em 13,8% e após 20 anos chegaria a
10,3%, ou seja, uma redução de 43% no índice” (FINEDUCA, 2016).
Por meio da federalização, a política de austeridade se propalou pelos
Estados brasileiros, inclusive com outros alinhamentos, como o caso da Emenda
Constitucional Estadual nº 77, de 18 abril de 2017 (MATO GROSSO DO SUL,
2017). De tal forma, esta política deu continuidade a austeridade fiscal iniciada
pela EC nº 95, acrescentando artigos ao Ato das Disposições Constitucionais
Gerais e Transitórias da Constituição Estadual.
A EC Estadual nº. 77 entrou em votação no dia 14 de abril de 2017, na As-
sembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, e foi promulgado em Diário Oficial
no dia 18 de abril do mesmo ano, pelo então presidente da casa, deputado estadual
Junior Mochi. Na estrutura desta nova legislação econômica, em Mato Grosso do
Sul, o texto altera os artigos n. 55, 56, 57, 58 e 59, instituindo o novo modelo de
Regime de Limitações de Gastos, que dispõe sobre os gastos no Orçamento Fiscal
e de Seguridade Social do Estado, no Ministério Público Estadual e para a Defen-
soria Pública Estadual (MATO GROSSO DO SUL, 2017).
As novas determinantes do texto preveem que o congelamento das despe-
sas se restrinja às despesas primárias, de forma individualizada para os poderes
distintos, tais como o Poder Executivo, Poder Legislativo, Tribunal de Constas,
Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública. As despesas primá-
rias são aquelas consideradas principais ao funcionamento das atividades dos
diversos poderes, tal como esclarecido por Amaral (2017):
[...] despesas associadas ao pagamento de pessoal e encargos sociais, ou-
tras despesas correntes (água, luz, telefone, limpeza, vigilância, terceiri-
zados, material de consumo etc.), investimentos (equipamentos, material
permanente, construções etc.) e inversões financeiras (aquisição de imó-
veis etc.). (AMARAL, 2017, p. 2-3).

A legislação determinou ainda que para o exercício 2018, o limite corres-


pondesse ao valor nominal previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
correspondente; já para os exercícios subsequentes (2019- 2028) ficou estabeleci-
do que seria equivalente ao valor do limite referente ao exercício imediatamente
anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA), acumulado no período de doze meses, tendo como referência o

104
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

mês de abril do exercício anterior ao que se refere à lei orçamentária.


A Emenda estabelece que a partir do crescimento da receita corrente lí-
quida, que exceder ao índice de correção, é previsto, que seja acrescido o percen-
tual de 20% a este total, podendo ser elevado até 50% a desejo do chefe do poder
executivo, desde que a receita não comprometa a meta do resultado primário,
sendo que jamais deve ser maior que 90% do valor nominal da receita corrente
líquida. A EC Estadual nº 77 ainda prevê que só não caberá sua aplicabilidade
em casos específicos, conforme estabelecido no art. 56
6° Não se incluem na base de cálculo e nos limites estabelecidos neste artigo:
I - transferências constitucionais e legais obrigatórias aos Municípios;
II - Fundos e receitas de aplicação vinculada aos Poderes Executivo, Judi-
ciário, legislativo, ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas e à Defen-
soria Pública do Estado (MATO GROSSO DO SUL, 2017, p. 1).

É previsto, entretanto, que o executivo poderá propor, após o 5º ano


de cumprimento do regime de limitação de gastos, a alteração do método de
correção de limites estabelecidos. Essa medida poderá ocorrer por meio de [...]
projeto de lei complementar para alteração do método de correção dos limites a
que se refere o §§ 1º ao 4º do art. 56 deste Ato das Disposições Constitucionais
Gerais e Transitórias. (MATO GROSSO DO SUL, 2017, p. 1).
Com a reeleição do Governador Reinaldo Azambuja, em 2018, uma sé-
rie de mudanças nas legislações começaram a acontecer, e encaminhamento de
uma série de projetos de leis, do executivo para câmara legislativa estadual, a fim
de popor mudanças que se enquadravam à lógica da EC Estadual nº 77, atingin-
do diretamente fatores do funcionalismo estadual e a estrutura organizacional
do estatuto dos servidores do magistério em Mato Grosso do Sul.
Infere-se a partir desse contexto que a EC Estadual nº 77/2017, impõe
em âmbito local um ajuste com poucas diferenças do apresentado na EC nº
95/2016, com derrocada perda de direitos. Embora tenha ocorrido manifesta-
ções da classe trabalhadora para impedir sua materialização, a EC Estadual nº
77/2017 teve sua tramitação acelerada no poder legislativo, com uma diferença
de apenas quatro dias entre sua apresentação no plenário e sua publicação na
imprensa oficial do Estado. Logo, os efeitos produzidos pela EC Estadual nº
77/2017 tem assolado a classe trabalhadora, nas diferentes estratégias adotadas
pelo governo local e em várias frentes.
Os impactos do NRF para aa categorias docente no Mato Grosso do Sul
é expressa pela EC Estadual nº 77, cujas consequências restringem as expecta-
tivas de continuidade à política de valorização na remuneração do magistério
que vinha ganhando força nas últimas duas décadas no Brasil e de modo par-
ticular na Rede Estadual de Educação em Mato Grosso do Sul (REE/MS).

105
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

Os ganhos com o Piso Salarial Profissional Nacional – PSPN, (BRASIL, 2008)


aparecem claramente quando analisamos a tabela 1, referente à evolução do
aumento salarial nacional dos professores.

Tabela 1 - Evolução do PSPN (2015/2020)


PSPN
Ano
Reajuste Nominal
2015 13,01% 1.917,53
2016 11,36% 2.135,44
2017 7,64% 2.298,59
2018 6,82% 2.455,35
2019 4,17% 2.557,74
2020 12,84% 2.886,15
Fonte: FNDE/MEC. Elaboração: DIEESE/Subseção Apeoesp.

Percebemos que os sucessivos aumentos gerados pelo percentual de rea-


justes trouxeram ganhos importantes no valor real salarial, os quais apresen-
taram crescimento de 55,84% nos últimos onze anos da política. Quando nos
atentamos as somas do ciclo de cinco anos de reajustes, temos 50,09% de acú-
mulo percentual, em relação ao ano de 2015. Tais dados apontam para mate-
rialização das ideias convencionadas de equiparação salarial dos docentes com
demais carreiras, com a mesma formação.
Em específico, no MS, a materialização do PSPN aconteceu no ano de 2015,
por meio da aprovação da Lei nº 200 (MATO GROSSO DO SUL, 2015). O docu-
mento organizou o processo de integralização do piso de forma escalonada que du-
raria de 2018 até 2021, contudo em 2019, com a Lei Complementar nº 266 (MATO
GROSSO DO SUL, 2019) foi repactuado para que sua integralidade seja alcançada
apenas em 2024 (FERNANDES, 2020, p. 7), ampliando-se o prazo de efetiva inte-
gralização e gerando um impacto direto no valor remuneratório dos docentes.
Outro reflexo bastante claro, que sinaliza a defasagem do salário docente
em resposta a crise estrutural, ocorre na aprovação da Lei Complementar 266,
de 10 de julho de 2019, que define que os professores de 40h, efetivos ou contra-
tados, recebam o Piso definido pelo estado, enquanto os professores temporários
recebam 32% a menos, inferior ao Piso para efetivos. Vale ressaltar que, no se-
gundo semestre de 2019, a REE/MS contava com “onze mil convocados e oito
mil concursados” (FERNANDES, 2020, p. 9).
A referida Lei Complementar estabelece no art. 17-B tal condição aos
convocados:
A remuneração a ser paga ao profissional convocado para 40 (quaren-
ta) horas semanais será estabelecida em tabela própria a ser fixada em
106
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

regulamento observadas as seguintes condicionantes:


I - o valor da remuneração não será inferior ao Piso Nacional;
II - a remuneração será prevista de forma escalonada, de acordo com o
grau de qualificação do profissional convocado;
III - não se aplicará aos profissionais convocados a tabela remuneratória
vigente para os Profissionais da Educação Básica.
Parágrafo único. Na hipótese de a convocação ser inferior a 40 (quarenta)
horas semanais, o valor da remuneração será calculado proporcionalmen-
te (MATO GROSSO DO SUL, 2019, p. 2).

De acordo com a referida lei, no momento da convocação, o professor


pode exercer o direito de escolha de até 40 (quarenta) horas semanais para a
disciplina/componente curricular para o qual se inscreveu. Entretanto, quando
convocado deve assinar um Termo de Ajuste e Compromisso - TAC, com con-
cordância dos deveres a serem cumpridos na disciplina ou componente curricu-
lar no referido período da convocação, e constará a remuneração corresponden-
te, ou seja, o professor deve se submeter às condições estabelecidas para exercer
a docência, ou seja, assumir a responsabilidades que omitem a obrigação primei-
ra do Estado de fornecer um ambiente com qualidade em condições favoráveis
para o exercício do professor.
A perda da isonomia salarial dos professores temporários (convocados)
foi notória, ao desvincular a equivalência salarial provocou o aparecimento de
diferentes percentuais remuneratórios na rede estadual. Quase 2/3 dos professo-
res passaram a ter uma diferença salarial em volta de 59,14%.Em 2020, ess di-
ferença passou a ser de 83,85% com o reajuste concedido aos docentes efetivos,
conforme na tabela 2, tornando a determinação do valor pago aos docentes com
contratos como atribuição do chefe do poder executivo.

Tabela 2 - A Remuneração Salarial Inicial dos Docentes de Rede Estadual de MS eminício


de carreira 2015/2020
Concursado Percentual Convocado
Percentual de Diferença % entre
em início de Reajuste em início
Ano Reajuste con- remuneração do
deCarreira concedido deCarreira
cedido (%) efetivo e convocado
(40/h) (%) (40/h)
2015 4245,39 4,47 4245,39 4,47
2016 5007,54 5,92 5007,54 5,92

2017 5.174,75 2,94 5.174,75 2,94

2018 6.079,17 5,47 6.079,17 5,47


2019 6.445,47 6,0 4.049,99* 0,0 - 59,14
2020 7.446,26 15,53 4.049,99* 0,0 - 83,85
Fonte: Tabelas de salários da FETEMS (2015 até 2020).
*A partir do 2º semestre 2019 com mudanças no Estatuto do Magistério na Lei n. 226, de
10 julho 2019, os professores convocados perderam isonomia salarial que existia REE/MS.

107
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

Ademais, outras medidas foram tomadas pelo governo estadual que as-
solaram a classe trabalhadora do setor, tal como o aumento da alíquota previ-
denciária de 11% para 14% ocorrida por meio da Lei nº 5.101/2017 (MATO
GROSSO DO SUL, 2017) apresentada sob a justificativa de controle do déficit
previdenciário, alinhado a um discurso de reequilíbrio das contas e um melhor
gerenciamento de gastos públicos.
A EC Estadual nº 77/2017 possibilitou ao estado de Mato Grosso do Sul
a tomada de medidas relacionadas “[...] ao contingenciamento de despesas com
pessoal, com o saneamento da folha de pagamento. O bloqueio de novos cargos
comissionados, reavaliação dos concursos públicos e nomeação de pessoal efeti-
vo” (FERNANDES, 2020 p. 3). Portanto, tais impactos da austeridade em MS
desencadearam uma série de ataques aos ganhos salariais docentes da REE/MS
e nos ganhos legislacionais da última década e ciclo político.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Nos últimos anos, observamos um significativo ganho com as políticas


públicas que construíram uma rede de maior valorização do salário docente em
todo território nacional. Percebemos a relutância de não cumprimento pelos
chefes do poder executivos nas diferentes esferas das relações federativas, em
cumprir o que as legislações estabeleceram. Outro ponto importante é que a
remuneração docente do magistério na educação básica no Brasil sempre foi
muito distante dos demais profissionais com mesmo nível de formação, e om
políticas federais, foi possível materializar essa melhoria salarial.
No contexto da aprovação da EC nº 95 se observou a federalização de
legislações de austeridades, que foram quase que simultâneas nas unidades fede-
rativas. No MS a EC Estadual nº 77 atingiu drasticamente os ganhos da remune-
ração docente escalonando para 2024 a integralização do PSPN, em outra frente
aumentou o valor de contribuição previdenciário de 11% para 14% e eliminou a
isonomia salarial aos professores convocados.
Neste sentido, pode-se perceber que a remuneração docente está inseri-
da em um contexto de disputa, evidenciando a fragilidade dos esforços e das
conquistas ao longo da história, bem como, o enfraquecimento da política pelo
funcionamento da EC nº 95, que fragiliza o pacto federativo, pois as instâncias
de governo passam a se manifestar em função da desobrigação de conceder rea-
justes, gerando instabilidade e de credibilidade da lei e evoluindo contra a con-
cepção constitucional de garantia de padrão de qualidade e valorização docente.
Neste contexto, as disputas são intensificadas, os efeitos nocivos da crise
financeira e estrutural, fortalecendo a exploração e a precarização do trabalho
docente, seja pela redução dos salários, pela tensão na jornada de trabalho, pela
108
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

extinção dos direitos trabalhistas, pela política de austeridade fiscal que revogam
as medidas protetivas ao trabalhador historicamente conquistados. O resultado
disso é o abandono do cumprimento das conquistas salariais nos últimos anos,
ameaçando a continuidade das políticas educacionais no interior das redes.

REFERÊNCIAS
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109
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

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ao art. 49, da Lei Complementar nº 087, de 31 de janeiro de 2000, que
dispõe sobre o Estatuto dos Profissionais da Educação Básica do Esta-
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Básica do Estado de Mato Grosso do Sul e dá outras providências. DOE. ANO
XLI n. 9.942 Campo Grande, segunda-feira, 15 de julho de 2019. Disponível
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110
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

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Acesso em: 29 out. 2022.
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relles>. Acesso em: 29 out. 2022.

111
A “NEUTRALIDADE” IDEOLÓGICA
NO ESPAÇO ESCOLAR
Maria Eduarda Klein Kulmann1
Gabriel Grabowski2
Lovani Volmer3

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende investigar as incoerências no discurso escolar


isento. Para isso, o trabalho está dividido em subseções, além da conclusão, que
permitem o entendimento da inevitável presença das ideologias no ambiente
escolar e acadêmico. A pesquisa, de cunho bibliográfico (PRODANOV; FREI-
TAS, 2013), é dividida na história da educação no Brasil, pelos trabalhos de
Keim (2001), Bueno (2001) e Ferreira (2006); seguido disso, temos uma breve
análise da neutralidade ideológica nas escolas, em que se analisa a teoria de cor-
pos negados de Paulo Freire pelos olhos de Brighente e Mesquida (2016), com en-
foque na comunidade LGBTQIA+, pessoas não brancas e mulheres cisgêneras;
após, fala-se do papel social da escola através das teorias educacionais de Emile
Durkheim (2011), fundador da Sociologia, além de Bueno (2011) e Keim (2001).
Para que entendamos a proposta deste trabalho, é fundamental compreen-
der o conceito de fascismo, é necessário revisitar a obra de Orwell (2017), que
diz que o nacionalismo é sempre considerado fascista. Ainda, segundo Togliatti
(2010), o fascismo é um sistema reacionário de massas. Assim, pode-se rela-
cionar tal conceito com os movimentos de ultradireita que tiveram ascensão
nos últimos anos em território brasileiro, bem como suas pautas negacionistas.
O negacionismo é, também, um movimento de massas, sendo considerado um
processo coletivo de negação (RATTON, 2022)
Ao formarmos professores, estamos lhes dando algumas ideias de práticas
a serem abordadas com seus futuros alunos — seja de referenciais ou até mesmo
de atividades em sala de aula. Um grande exemplo de tal prática é o dia 19 de
abril, conhecido como Dia do Índio. As reflexões, sobretudo nos anos iniciais,
voltadas a esta data tendem a ser extremamente estereotipadas, raramente tra-
zendo a voz de algum povo originário — o que, por si só, já é algo ideológico.

1 Graduanda em LETRAS pela Universidade FEEVALE.


2 Doutor. Atua na Universidade FEEVALE.
3 Doutora. Atua na Universidade FEEVALE.
112
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

A questão principal, ao falarmos de ideologia no ambiente escolar, não


é se seremos parciais ou não, mas sim para que lado nos inclinaremos. Nas dé-
cadas iniciais do século XXI, momento em que este artigo está sendo escrito,
temos, embora em decadência, a polêmica da “ideologia de gênero” dentro das
escolas. Ora, se tratarmos gênero como um fenômeno social, conforme diversas
estudiosas da área, ele não é nada senão ideológico. Deste modo, a “ideologia”
de gênero nada mais é do que o próprio gênero. Assim, quando falamos deste
conceito, devemos ter em mente que o Brasil é o país que mais mata transsexuais
e travestis; que, em 2021, uma mulher foi vítima de feminicídio a cada sete horas
— e que estes são apenas os dados reportados às autoridades. Tais informações,
por si só, são extremamente ideológicas, pois perpetuam uma ideologia misógi-
na e transfóbica muito perpetuada na sociedade em que vivemos.

2. IDEOLOGIA

Nesta seção, conceituaremos o termo ideologia, fundamental para o en-


tendimento do presente trabalho. Para isso, utilizaremos de teóricos como Frei-
re, Chaui, Misiaszek e Torres.
A filósofa brasileira Marilena Chaui afirma que ideologia é um conceito
histórico, social e político que oculta a realidade. Tal ocultamento “(...) é uma
forma de assegurar e manter a opressão econômica, a desigualdade social e a
dominação política” (CHAUI, 2008, p. 7). De tal modo, é possível afirmar que
este fenômeno oculta a verdadeira realidade sociopolítica do país. Ainda: “a
história não é a sucessão de fatos no tempo, não é o progresso de ideias, mas o
modo como homens determinados em condições determinadas criam os meios
e as formas de sua existência social, reproduzem ou transformam essa existência
social que é econômica, política e cultural” (ibidem, p. 23).
Os mecanismos de opressão, uma vez que consolidados a ponto de pa-
recerem “naturais”, suprimem as ideologias liberadoras que ajudariam o indi-
víduo a compreender e ler o mundo de forma a quebrar com o ciclo ideológico
(MISIASZEK, TORRES, 2008). Para Freire (2005), tal mecanismo, que apa-
renta ser natural é, sobretudo, neoliberal, e faz com que a globalização pareça
algo inerente à sociedade e não um produto sociocultural de nosso tempo, sendo
impossível a ocorrência de qualquer mudança.

3. EDUCAÇÃO BRASILEIRA — DO PASSADO À ATUALIDADE

Na presente seção, explicitaremos a escola como ferramenta espaço públi-


co de construção da cidadania, além da formação do aluno como ser individual
e, mais importante, social. Para isso, esta parte do trabalho foi dividida em três

113
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

subseções, sendo elas: 2.1) a educação no Brasil; 2.2) a neutralidade ideológica


na escola - uma visão de gênero e raça; e, por fim, 2.3) o papel social da escola.

3.1 A educação no Brasil: a construção

A educação formal e etnocêntrica surge no Brasil com o início da coloni-


zação. Alguns dos primeiros registros de docência se dão no Sul do Brasil, mais
precisamente nos Sete Povos das Missões, com a catequização de indígenas, a
fim de “civilizá-los”. Contudo, muito após a expulsão dos jesuítas do território
gaúcho, alguns educadores, como Anísio Teixeira, propõem uma educação na-
cional, fugindo dos moldes europeus de ensino-aprendizagem (KEIM, 2001).
Ainda segundo Keim (ibidem), as escolas com práticas de ensino importadas,
principalmente dos Estados Unidos, ganham força com a instauração de gran-
des indústrias estrangeiras no Brasil; assim, têm-se um ensino voltado à forma-
ção de mão-de-obra qualificada para tais empreendimentos.
Após anos de luta, professores e teóricos instauram a primeira Lei das
Diretrizes de Base (LDB), lei nº 4.024 de 1961, que foi abortada em 1964, com o
golpe militar. Apesar das tentativas de cessar uma educação libertadora, vide o
apresentado por Paulo Freire, estas continuam ganhando fôlego, principalmente
pelo legado do teórico anteriormente citado e suas ações no Nordeste brasileiro.
Bueno (2001) e Ferreira (2006), reafirmam que a educação na década de 1960
é extremamente voltada às escolas de massas, democratizando o acesso à edu-
cação para as parcelas da população antes esquecidas, e, ainda, utilizando da
educação como uma forma de redistribuição de renda. Contudo, Bueno (2001),
traz, ainda, que, com a falta de políticas públicas educacionais, surgem proble-
mas como a superlotação de salas de aula.
Quando falamos em políticas públicas de qualidade, voltamo-nos à im-
portância do papel estatal da educação. Em tempos como os que vivemos, tocar
em todo e qualquer assunto voltado ao Estado faz com que sejamos taxados de
ideológicos. De fato, a escola está repleta de ideologias e é impossível que não
seja assim, conforme veremos na subseção seguinte.

3.2 Escola Sem Partido

Na presente seção apresentaremos o movimento Escola Sem Partido,


criado em 2004 por Miguel Nagib, procurador do estado de São Paulo e cristão
(BULGARELLI; ALMEIDA, 2022; RESENDE; FARIA, idem) criou o primeiro
projeto de lei do Escola Sem Partido (ESP). O movimento, que é liderado pela
bancada cristã, sobretudo por parlamentares neopentecostais, católicos carismá-
ticos e espíritas kardecistas, foi elaborado na mesma época da Base Nacional

114
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

Comum Curricular (BNCC) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


(LDB) e se opunha a elas, alegando que os documentos deveriam conter apenas
matérias curriculares e não falar em direitos (RESENDE; FARIA, 2022).
Ainda, o ESP alega que as escolas possuem “doutrinação ideológica”,
sendo necessário substituir os “ideais marxistas” por valores cristãos (RESEN-
DE; FARIA, 2022). Para eles, a doutrinação se dá por meio da proposição de:
a) pluralidade religiosa (sobretudo se presentes religiões de matriz africana); b)
estudos sobre o evolucionismo (que bate de frente com a crença do criacionis-
mo); e c) estudos voltados à educação social (que, para os líderes conservadores
do ESP, estimulariam as relações sexuais entre jovens).
O homeschooling, ideia importada dos Estados Unidos, é outro proje-
to proposto pelo ESP (RESENDE; FARIA, 2022). De acordo com Grabowski
(2019), a educação domiciliar altera o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) e o LDB. Ainda, é de suma importância identificar os perigos de tal prá-
tica, uma vez que muitos casos de violência sexual e física domiciliares foram
identificados por professores ou demais funcionários de instituições escolares.
Para que possamos elucidar as incongruências no discurso do ESP, citaremos,
na próxima seção, teóricos como Durkheim (2011), Bueno (2001), Keim (2001) e
Young (2007) a fim de explicitarmos o papel socializador do ambiente escolar.

4. O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA

Para que entendamos a lacuna que há quando tratamos a ideologia como


um viés negativo dentro da escola, é necessário, primeiramente, entendermos o
papel social que a educação e, principalmente, a educação institucionalizada,
carrega. Assim, este será o tópico desta subseção.
A escola tem um papel essencial na formação cultural e social do indiví-
duo, construindo um cidadão e um sujeito social (BUENO, 2001; DURKHEIM,
2011). Contudo, para o pioneiro da Sociologia, Emile Durkheim (2011), o sujei-
to social variará de acordo com a sociedade em que vivemos; exemplifica-se, en-
tão, que o indivíduo no campo não é o mesmo do que o da cidade. Deste modo,
não haveria viabilidade para que suas educações fossem as mesmas, visto que a
educação segue o modelo homogêneo da sociedade — isto é, se se dá de acordo
com o que a sociedade julga aceitável e necessário.
Assim, o sociólogo diz que o ser humano não nasce com os conhecimen-
tos definidos e que isso lhe é ensinado pelo meio que vive.
Aqui, para darmos sequência ao viés do presente trabalho, não se nasce
julgando o caráter ideológico da escola como algo ruim. Esta ideia nos é cons-
truída de acordo com o mundo em que vivemos e, sobretudo, pelas classes que
dominam o Estado, responsável, direta e indiretamente, pelas políticas públicas
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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

que englobam o conhecimento, seja ele institucionalizado ou não. Deste modo,


o pensamento livre e a crítica seriam inúteis e perigosos (DURKHEIM, 2011).
Perigoso, obviamente, por ameaçar a tradição; e inútil, pois as forças esmagado-
ras e burguesas das instituições não dão espaço para a construção de um pensa-
mento que, possivelmente, as destruiriam.
Paulo Freire, ao falar da educação bancária; isto é, a escola como um
produto a ser vendido, com o uso de moedas para premiar aqueles que alcançam
seus objetivos e punir os que não o fazem (apud KEIM, 2001). Tal conceituali-
zação entra de acordo com o que Young (2007) fala sobre a não diferenciação da
escolaridade. Isto é, a educação como mercadoria, o que acontece quando, por
exemplo, as escolas competem por alunos.
Ainda, de acordo com Keim (2001):
Atualmente a educação é controlada e muitas iniciativas são cerceadas pe-
los governos, na medida em que impõem currículos e procedimentos me-
todológicos manifestos através de programas como os PCNs e avaliações
como o ENEM, o SAEB e o ENC (provão) e também através da avaliação
de controle ideológico, cognitivo e metodológico dos livros didáticos e das
instituições educacionais (KEIM, 2001, p. 44)

Deste modo, a educação, apesar de ser mais democrática no século XXI


do que nos tempos anteriores, conforme já explicitado na seção 2.1 deste estudo,
continua sendo excludente. Tal afirmação pode ser confirmada ao pensarmos nas
universidades federais e estaduais que, apesar de públicas, tem um caráter elitista.
Peguemos como exemplo a Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). A instituição tem seus cursos majoritariamente nos turnos diurnos
— manhã e tarde —, e, assim, impossibilita grande parte de seus alunos de tra-
balhar. E, se levarmos em consideração as bolsas Capes e CNPq de mestrado e
doutorado, estas completaram, em 2022, nove anos sem reajuste. Ou seja, se le-
varmos em consideração a inflação, houve queda de 66,6% no valor dos auxílios
(ZANLORESSI; GOMES, 2022).
Assim, questiona-se: quem está nas universidades públicas? E, mais impor-
tante: a quem elas pertencem? Ora, se conforme bem apontado por Keim (2001),
as avaliações como ENEM, e até mesmo o vestibular, limitam o acesso ao ensino
gratuito, suas estruturas também o fazem. Novamente: embora afirme-se que a
educação seja mais democratizada do que nos séculos anteriores ao XXI, estamos
em vias de alcançarmos novas limitações do ensino no que tange ao seu acesso.
Na subseção 3.3, tratemos a problemática da falácia de uma escola “neu-
tra” através dos recortes de gênero e raça.

116
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

4.1 A neutralidade ideológica na escola — uma visão de gênero e raça

A neutralidade ideológica, apesar de muito citada, é, teórica e pratica-


mente, quase que utópica, senão impossível, visto que todos enquanto cidadãos
somos regados de vivências que, inevitavelmente, moldam nosso modo de pen-
sar e agir. Assim, conforme Perrenoud (2007, p. 11), “(...) não é possível formar
professores sem fazer escolhas ideológicas”. Tais decisões podem partir tanto
dos autores estudados em ambientes acadêmicos, com lacunas de autores não-
-brancos, LGBTQIA+, mulheres e fora do eixo anglo-saxão, quanto da maneira
com que o conteúdo é abordado em sala de aula.
Brighente e Mesquida (2016) bem apontam em seu trabalho Paulo Freire: da
denúncia bancária ao anúncio de uma pedagogia libertadora o que chamam de corpos
negados, isto é, corpos aos quais se proibiu a mera existência (FREIRE, 1992 apud
BRIGHENTE; MESQUIDA, 2016). Deste modo, é possível observarmos como,
apesar dos vinte anos desde a fala de Paulo Freire, em entrevista para Mario Sérgio
Cortella e Paulo Tarso Venceslau, tal teoria ainda se faz extremamente atual.
Conforme já discutido, a comunidade LGBTQIA+, bem como os corpos
não-brancos e de mulheres cisgêneras, são negados, uma vez que são marginaliza-
dos socialmente. Voltando-nos à educação e tendo como base as estruturas citadas
anteriormente — misoginia e racismo —, as autoras afirmam que os educadores,
ao negarem a existência dos corpos de tais alunos, fabricam ferramentas para pa-
dronizar existências sociais (BRIGHENTE; MESQUIDA, 2016).
Para que a inserção destes corpos marginalizados seja efetiva, é necessá-
rio mais do que o reconhecimento de que eles existem; é preciso inseri-los de for-
ma efetiva na vida escolar. Com base em Adichie (2019), que relata o perigo de
uma história única em seu livro homônimo, é fundamental que leiamos pessoas
não-brancas, LGBTQIA+ e do eixo periférico. Tal necessidade se dá por conta
da diversidade de posicionamentos vinculados às vivências múltiplas. Embora
pessoas fora do circuito marginalizado possam ser empáticas e conhecedoras
de outras vivências, os corpos negados devem estar em posição de contar suas
próprias histórias. Em outras palavras, é preciso lê-los; seja para entendê-los ou
para que os estudantes possam reconhecer seus corpos em sala de aula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou apontar a incoerência do discurso neutrali-


zador das ideologias da escola. Apesar de a escola ter se democratizado desde
a colonização brasileira, a sociedade está voltando, se já não voltou, para uma
elitização do conhecimento.
É importante frisar, ainda, que a educação sempre serviu e, provavelmente,

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

sempre servirá, para manter os interesses sociais. Como vivemos em um sistema


democrático e capitalista, é inviável ignorarmos o caráter burguês do Estado
vigente. Assim, faz-se necessário enfatizar que são os interesses desta classe que
permeiam as escolas. Isto é, se a educação é, hoje, misógina (aqui, entra a LGB-
TQIA+ fobia, uma vez que está é variada das opressões de gênero) e racista
(seja com os povos originários, conforme apontado na introdução, ou com os
descendentes dos africanos escravizados), assim o faz por conta dos interesses
da classe burguesa.
É importante enfatizar a importância de tal pesquisa pois, com a ascensão
da extrema direita no Brasil, a escola está cada vez mais limitada a preparar o
aluno para ser um ser social. Projetos como o Escola sem Partido, liderado pelo
Movimento Brasil Livre (MBL) estão cada vez mais em pauta, seja na mídia
ou no Congresso Federal (para mais informações, ver Escola sem Mordaça).
Assim, o presente estudo buscou elucidar acerca da impossibilidade da neutrali-
dade, além das problemáticas acerca de projetos como o ESP, que buscam fazer
do professor um ser isento, assim como apagar seus traços individuais.
Conclui-se, assim, que apesar de o presidente Bolsonaro insistir em seus
discursos que seu mandato não teria viés ideológico e que o Brasil “voltaria”
a ser um país “livre das amarras ideológicas”, a gestão atabalhoada do MEC
é a mais ideológica da história da pasta, permeando o projeto de educação do
governo, anti-intelectualista, típico de governos autoritários que chegam ao po-
der por vias populistas e se sentem ameaçados pela liberdade de pensamento,
especialmente a da imprensa, e da autonomia acadêmica.

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119
OS MOVIMENTOS DO NEOLIBERALISMO E O
RECENTE ATAQUE A EDUCAÇÃO NA EMENDA
CONSTITUCIONAL NÚMERO 95
Ionaldo Julian Costa Bruno1

INTRODUÇÃO

A reabertura do Estado por diferentes presidenciáveis nos últimos trinta


anos, desde a reabertura democrática, trouxe a possibilidade da existência de
diferentes movimentos ideológicos e diferentes escolhas nas gestões dos distin-
tos presidentes. Estas mudanças e cinesia no executivo sempre buscaram uma
desejada hegemonia para Estado nacional, mas desde a constituinte de década
de 1980, ainda que alçando partes significantes do Estado, os defensores do neo-
liberalismo não conseguiram materializar essa hegemonia.
Muitas destas mediadas neoliberais se propuseram como solução para a
anunciada visão economicista do mercado, de uma situação emergencial das
contas do Estado brasileiro. Soluções que propõe instaurar mudanças em um Es-
tado inchado pelos gastos públicos, das más gestões ocorridas no ciclo políticos
anteriores e embasado no discurso dos locutores do Estado mínimo.
Este artigo busca apresentar como os movimentos do sistema neoliberal
adentraram no Estado brasileiro como solução para as diferentes crises de ciclos,
e as escolhas governamentais de cada gestor em seus mandatos políticos. Anali-
saremos também, como o receituário neoliberal do Consenso de Washington e
a doutrina das instituições financeiras mundiais, conseguiram impor exigências
dogmáticas, principalmente aos países das periferias das bordas do capitalismo.
A metodologia utilizada para este texto é a revisão da literatura, em visita a
autores referências em políticas educacionais, como o professor Nelson Cardoso
do Amaral, e autores clássicos da crítica ao neoliberalismo com David Harvey e
Perry Anderson. Outros autores da historiografia brasileira, tais como Laura Car-
valho, Theotonio Santos e André Singer. Além da pesquisa documental, também
se utilizou alguns dados estatísticos de instituições como a Associação Nacional
de Pesquisadores em Financiamento da Educação - FINEDUCA e o Departa-
mento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE.

1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGEDU da Universidade


Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: [email protected]: 67 99219-4554.
120
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

A estruturação deste trabalho passa por uma organização interna em três


partes, sendo que na primeira elucidaremos a abertura do Estado brasileiro ao
neoliberalismo e o próprio conceito de neoliberalismo. Já na segunda divisão a
temática central é a consolidação do neoliberalismo nos governos pós-redemo-
cratização e suas estratégias para essa consolidação. Na terceira seção detalha-
remos a recente investida da austeridade privatista durante no governo de ex-
-presidente Michael Temer em relação a educação, e concluiremos com algumas
considerações finais deste movimento dentro do Estado brasileiro democrático.

A ABERTURA DO MERCADO BRASILEIRO E ENTRADA NEOLIBERAL

A chefia do poder executivo na política brasileira esteve na mão de di-


ferentes modelos e projetos políticos ideológicos na pós-redemocratização da
década de 1980. O caminho democrático do voto popular trouxe a possibilidade
de a massa populacional encontrar no seu representante do executivo, possi-
bilidades de discursos com diferentes caminhos de governança, expressos em
diferentes relações com as políticas sociais e diferentes modus operandi de seus
modelos econômicos.
Nessas disputas, o modelo de estado neoliberal se propõe como via de
Estado, nos quais se “[...] favorecem a integridade do sistema financeiro e a
solvência das instituições financeiras e não o bem-estar da população ou a qua-
lidade ambiental” (HARVEY, 2014 p.81), que aplica seus esforços em utilizar o
aparato estatal em busca de um estado mínimo de intervenções e que trabalhe
para o setor financeiro da economia mundial, enquanto partes de uma globali-
zação econômica.
No Brasil a questão em torno de processo de redemocratização também
acendeu a disputa pelo modelo de sociedade, economia, políticas sociais, po-
líticas públicas, educação e seguridade social que seria concebido a partir da
constituinte convocado para o final de da década de 1980. Assim como vimos
organicidade dos movimentos sociais, políticos de centro e esquerda, entidades
de classes, alas da igreja católica e outros movimentos ligados ao pensamento
político de esquerda, também vimos
[...] diante do processo de transição da ditadura civil-militar para a Nova
República – movimento lento e gradual, e acima de tudo, seguro para as
estruturas dominantes do país -, a burguesia brasileira já começou a reagir
às formas de organização das classes trabalhadoras e passam a organizar
suas estratégias para adequar-se às novas formas de se relacionar com o
Estado em redemocratização. (CASIMIRO, 2018 p.

Momento esse que José Luis Fiori (2008, p. 164) descreve como o ponto
de partida, em que “[...] a fronda conservadora implodiu. Foi o período em que

121
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

uma política econômica de corte liberal encobriu uma luta feroz pela hegemonia
entre as várias frações burguesas e conservadoras unidas pelo apoio ao regime
militar”, agregando as velhas elites econômicas, as organizações conservadoras
civis e militares, no objetivo de retomada das instituições nacionais e a direção
do estado brasileiro.
Nos anos da ditadura militara2, têm-se início a inclinação para abertura do
livre mercado internacional mundial. E os militares no poder, passam a beber das
experiências mundiais concretas do neoliberalismo, dos quais, globalmente pres-
sionam ao enraizamento territorial da hegemonia3 econômica mundial neoliberal
principalmente via financiamento pelo Fundo Monetário Internacional – FMI.
Nas estruturas da base econômica do regime militar a grande preocupação
estava com as altas taxas de inflação, que já vinham incomodando o governo de
João Goulart do Partido do Trabalhista Brasileiro - PTB (1961 -1964), fenômeno
econômico recorrente, que e as intervenções dos militares buscou gerenciar de
forma sistemática, a fim de enfrentar essa pedra no sapato brasileiro. Para isso,
impuseram políticas que de certa maneira atingiram a classe trabalhadora e até
mesmo parte da elite econômica nacional.
Economicamente esse período ficou conhecido com o milagre brasileiro,
pois vimos um avanço em valores de crescimento do PIB e de investimentos
externos no Brasil, e as raízes “capitalistas se generalizam nas cidades e também
no campo e a economia brasileira atinge taxas de crescimento econômico jamais
visto antes ou depois” (MACIEL, 2016; SANTOS, 2021; MIGUEL, 2019). Ao
custo de vermos o país de endividar drasticamente, impondo os gestores destinar
um expressivo valor ao pagamento desta dívida.
O pensamento neoliberal não tem suas bases da doutrina liberalismo or-
todoxo, que deslocando do liberalismo clássico ou ordoliberalismo, pois sua es-
trutura está entrelaçada ao pensamento do mercado como o motor regulador do
sistema econômico livre, em um Estado pequeno, mínimo e que trabalhe pelo
mercado. O neoliberalismo desabrocha para comunidade internacional a partir
de um texto escrito quase na metade do século XX, no qual de Friedrich Hayek
o intitula de O Caminho da Servidão, pontuando suas ideias, e propondo um
[...] ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de

2 A ditadura militar brasileira permeou duas décadas assombrando a história recente nacional
de 1964 até 1985. O Golpe de Estado nacional foi desencadeado em 31 de março de 1964, e
tomando o poder das mãos do governo João Goulart e assumindo um presidente escolhido
de forma indireta, endossados por alas dos militares, da igreja católica e da sociedade civil.
3 O conceito de hegemonia que é abordado no marxismo, busca expressar as relações de
organizações sociais de um determinado momento histórico, atrelados aos encadeamen-
tos de relação “direção” em oposição do “domínio”, e também no sentido de “indicar
a sua particular valência em relação à genérica acepção de preeminência, supremacia”
(LIGUORI; VOZA, 2017 p. 177).
122
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

mercado por parte do Estado, denunciada como uma ameaça letal à liber-
dade, não somente econômica, mas também política. O remédio, então,
era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o
poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os
gastos sociais e nas intervenções econômicas. (ANDERSON, 1995, p. 9).

A grande organização que representou e disseminou o pensamento neo-


liberal foi a Mont Pèlerin, fundada em 1947 na Suíça, na qual, se agrupou os
grandes pensadores liberais da época. Em suas bases o grande desejo era levan-
tar-se como oposição doutrinária, para “combater o keynesianismo e o solida-
rismo reinantes e preparar as bases de outro tipo de capitalismo, duro e livre de
regras para o futuro” (ANDERSON, 1995 p. 10), que descartava a regulação do
Estado e ocupava o lugar de propulsor econômico, na ideia de que as maquinas
estatais “devem ser mantidas num nível mínimo” (HARVEY, 2014 p. 12).
A capilarização do pensamento neoliberal tomou conta de muitos países
em torno do globo, alcançando efetivo enraizamento nos sistemas político-eco-
nômicos das democracias, principalmente após a implosão da União Soviética4.
Para o geógrafo britânico David Harvey (2005 p. 112-13) países como Suíça,
Nova Zelândia, África do Sul e até mesmo o comunismo na China, seguiram
esse caminho na direção econômica neoliberal.
Duas escolas que se destacaram para difusão da proposta e do pensamen-
to intelectual acadêmico e filosófico da doutrina neoliberal foram a Escola Aus-
tríaca e a Escola de Chicago. Em ambas a principal disputa se travou no campo
das ideias e da reorganização das próximas gerações ao ideário do neoliberalis-
mo, ratificando que seria necessário e “[...] fundamental a batalha das ideias,
e que provavelmente está duraria ao menos uma geração para ser ganha, não
apenas contra o marxismo, mas também contra o socialismo, o planejamento
estatal e o intervencionismo keynesiano [...]” (HARVEY, 2014, p.31).
No Brasil após pouco mais de três décadas do fim da ditadura militar
brasileira, e a retomada dos diretos civis, a população ainda começa a entender
e fugir dos males de um sistema autoritário e repressivo. Neste cenário, optando
pela de construção de uma sociedade mais igualitária e que caminhe para equi-
dade social, observamos essas bases e pensamentos, nos escritos da carta magna
e o ideário dos constituintes.
Contudo, a retomada da democracia política esteve sempre intrínseca
a ideia de democracia de econômica liberal. O sistema econômico brasileiro

4 A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) foi uma nação que surgi no ano de
1922 como fruto de uma revolução de 1917. Dentro desta união de repúblicas temos quinze
nações, sendo elas: Rússia, Ucrânia, Belarus, Estônia, Letônia, Lituânia, Armênia, Geórgia,
Moldávia, Azerbaijão, Cazaquistão, Tadjiquistão, Quirguistão, Turcomenistão, Uzbequis-
tão. A sua dissolução ocorreu no ano de 1991, no governo de Mikhail Gorbachev, princi-
palmente influenciada pelos problemas econômicos que se encontrava a URSS.
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(Organizadoras)

sempre esteve no centro das disputas pela classe dominante e “a nova utopia da
globalização e mais uma onda de liquidez internacional criaram as bases mate-
riais e ideológicas da nova virada liberal das elites no Estado brasileiro” (FIORI,
2008 p.195). Ainda que a classe de abastados brasileiros, sempre estivesse anexa-
da às bases dos governos ditatórias militares e se estruturando para permanecer
nos alicerces da constituinte e nos governos pós-redemocratização.

OS GOVERNOS DEMOCRÁTICOS E A CONSOLIDAÇÃO DO


NEOLIBERALISMO NO BRASIL

O caminho de solidificação brasileira da democracia liberal passou pelo


processo de redemocratização e a retomada de representantes da sociedade civil
aos cargos de comando do executivo e legislativo. Outro ponto significante na
década de 1980 é a volta dos direitos individuais cassados nos anos de regime
militar e a retomada do voto direto para eleições dos representantes políticos.
Com a reforma dos partidos políticos de 1979 vimos emergir no cenário
político, alguns partidos que futuramente assumiriam o comando do executivo,
entre eles temos o Partido dos Trabalhadores – PT, o Partido do Movimento
Democrático Brasileiro – PMDB, o Partido Popular – PP e também o Partido
Trabalhista Brasileiro – PDT. Alguns desses partidos, como próprio PMDB pas-
saram construir um novo olhar sobre o neoliberalismo mundial, para eles
[...] uma nova concepção econômica internacional da década de 1980, que
retira alguns elementos do neoliberalismo, mas que não aceita as suas con-
sequências econômicas mais globais, na medida em que ele está associado
a políticas econômicas e financeiras restritivas, apoiadas pelo Fundo Mo-
netário Internacional, as quais chocam com os interesses dessa população
emergente [...] (SANTOS, 2021 p. 293).

Essa influência política cresceu contra pontos do neoliberalismo mundial


e também o aplicado no Brasil, expressou-se diretamente em alguns movimen-
tos sociais que foram fundamentais na transição da democracia, como exemplo
temos o movimento, “Diretas Já!” (OLIVERIA; MARINHO, 2012; VIERA,
2015; SANTOS, 2021), que se caracterizou como manifestações em junho de
1984 reunindo diferentes parcelas da sociedade, em diferentes frações de classes
sociais pelo direto as eleições diretas.
Na linha histórica de presidenciáveis civis o primeiro nome é Tancredo
Neves, que morre em 1985 e assume o vice-presidente José Sarney. Seu governo
trouxe medidas consideráveis para aquele ano, entre as mais significantes Eval-
do Viera (2015 p. 399) destaca o retorno do voto direito e secreto para prefeitos,
senadores e deputados, a eleição presidencial por maioria absoluta dos votos
recebidos, habilita-se o voto para o analfabeto e a liberdade de formação de

124
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

partidos, ou seja, passos importantes para a constituinte de 1988.


Durante o pleito de 1989 temos a primeira grande eleição presidencial com
civis disputando o voto popular, entre os nomes principais nas disputas estavam
Leonel Brizola do - PDT, Luiz Inácio Lula da Silva do - PT e Fernando Collor de
Mello do Partido da Renovação Nacional – PRN, considerado o “filho da dita-
dura” (SANTOS, 2021 p. 346). Presidenciáveis com pensamento que vão “desde
o “desenvolvimentismo reformista” de Ulysses Guimarães até o “neoliberalismo
extremado” de Fernando Collor” (MACIEL, 2011 p. 100). “grifos do autor”.
No lugar Fernando Collor de Mello assume a presidência Itamar Franco
para uma gestão de 1992 até 1995. Um político ligado há uma ala do MDB com
predisposição a uma centro-esquerda e que teoricamente pensa em outro mode-
lo de desenvolvimento econômico. Inevitavelmente Itamar sucumbiu à equipe
econômica de Fernando Henrique Cardoso – FHC na criação do Plano Real,
e neste novo projeto de moeda “retoma as velhas teses de Fundo Monetário
Internacional – FMI no que diz respeito ao papel do déficit público (esquecendo
o papel dos juros da dívida pública em sua criação, que corresponde a 60% dos
gastos públicos)” (SANTOS, 2021 p. 356).
O neoliberalismo que se enraizou nas estruturas do Estado brasileiro
como política de gerenciamento e determinismo econômico, plantou os dog-
mas vindos do consenso de Washington, que “foi estabelecido quando os países
emergentes passaram de fato a seguir o receituário indicado pelos Estados Uni-
dos e, suas agências internacionais parceiras, FMI e Banco Mundial” (OLIVEI-
RA; MARINHO 2012 p. 67), caindo, inevitavelmente, nas garras da dependên-
cia das dívidas angariadas nos mecanismos internacionais de financiamento e
nas políticas de austeridades e controle monetário.
Este receituário foi seguido pelos gestores da década 1990 e garantiram que
a receita neoliberal fosse efetivada concretamente nos dois governos de Cardoso à
frente do executivo. Ao final do governo, o que se percebia, é que a gestão “exauriu-
-se na turbulência econômico-financeira no exterior” (VIEIRA, 2015 p. 677), e a ela
somando, a dificuldade de um limitado olhar social que equipe de FHC tinha. Tais
fatos de pouca popularidade marcaram a administração, evidenciado uma demasia-
da atenção ao exterior e pouca atenção aos problemas sociais do país.
No pleito de 2002 com a vitória do Luis Inácio Lula da Silva e com a eleição
de Dilma Rousseff em 2011, materializou-se um projeto que iniciou ainda nos anos
de 1980 com fundação do PT. Este projeto reuniu o desejo de outra proposta de
gerenciamento dos recursos públicos, significando a derrota do candidato do José
Serra – PSDB, o qual foi apresentada como a continuidade do trabalho do FHC.
Contraditoriamente ao esperado do governo de esquerda de Lula, no primei-
ro ano de vigência de seu mandato suas ações foram conservadoras, buscou agradar

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

o mercado e a elite financeira nacional. André Singer (2012, p. 10) escreve que se
estabelece “o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco central (BC) aumen-
tou os juros de 25% para 26,5%. [...] o executivo subiu a meta de superávit primário
de 3,75 em 2002, já considerada alta, para 4,25% do PIB”, instaurando medidas que
marcaram este primeiro momento e contribuíram para estruturarão de um superávit
primário da balança de arrecadação e gastos orçamentários em 2003.
Os anos subsequentes a esse primeiro pacto de arrocho financeiro, dos quais
se construíram às bases que estabilizaram a economia lulista, ficou conhecido como
o “milagrinho brasileiro” (CARVALHO, 2018 p. 13), pois apresentou uma boa recu-
peração econômica que se deu “sobre tudo pela expansão de 14,5% nas exportações
do país, [...]. No ano seguinte, o crescimento já foi bem mais modesto, a expansão
da economia em 2005 foi de 3,2% [...] (CARVALHO, 2018 p. 17).
Outro ponto que podemos destacar é que nos dois governos de Lula, até
o impeachment de Dilma, a base econômica se manteve dentro dos dogmas
do pensamento neoliberal que foram difundidos pelos organismos de financia-
mento internacional como FMI nos pensamentos dos Chicago boys. Segundo
Marcelo Curado (2011, p. 94) as ações realizadas se deram com uma
[...] política econômica manteve, com alterações marginais, o arranjo ma-
croeconômico definido na segunda gestão de Fernando Henrique Cardo-
so, ou seja, manteve o tripé metas de inflação, regime de câmbio flutuante
com intervenção (diry floating) e ajuste fiscal”.

As políticas econômicas dos governos petistas não conseguiram segurar


mais uma crise econômica monstruosa causada pelo setor imobiliário norte
americano em 2008, na qual, o capitalismo mundial globalizado sucumbiu a
mais uma saturação acumulativa cíclica. Pode se constatar que a crise mundial
de 2008 aconteceu pelas “contradições do capitalismo na qual se destacam a
queda tendencial da taxa de lucro, os problemas gerados pelo subprime (moda-
lidade de empréstimos como crédito de risco) e a especulação imobiliária nos
Estados Unidos e em países europeus” (TEXEIRA; PAIM, 2018 p. 11).
No final dos governos do partido dos trabalhadores, a imagem que ficou,
foi de que mesmo o país estando em melhor situação econômica que seus ante-
cessores, as políticas as reformas pretendidas não aconteceram, e que a
[...] reforma tributária não saiu do papel, sendo mantida uma pesada e
arcaica estrutura tributária. A simplificação e a redução da carga tributá-
ria não ocorreram no governo Lula. Apesar disso, pode-se afirmar que no
campo fiscal ocorreram alguns avanços importantes, com destaque para a
evolução da dívida pública. Em janeiro de 2003 a dívida pública mobiliá-
ria total (líquida) era de 60,3% do PIB, enquanto em novembro de 2010
este montante atingia 41,3% do PIB” (CURADO, 2011 p. 96).

Todos os presidentes dos pós-redemocratização, até o governo de Dilma,


126
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

tiveram que acompanhar a organização um modelo político econômico que fo-


ram impostas pelo mercado financeiro aos países da periferia do capitalismo.
Nas Américas e no Brasil, ideias neoliberais se estruturam por uma agenda que
teve a austeridade, liberdade econômica, abertura econômica, controle da infla-
ção e as privatizações como medias mais comuns.

A NOVA REFORMA FISCAL 2016 E O APROFUNDAMENTO NEO-


LIBERAL DOS ÚLTIMOS ANOS.

Após o processo eleitoral de 2014 para escolha do represente da presidên-


cia da república, o país passou por uma grande turbulência no cenário político e
de estabilidade democrática do país. A então presidenta eleita Dilma Vana Rou-
sseff do PT, foi empossada ao cargo de chefe do poder executivo pelo processo
de Apuração Eleitoral nº 0001578-04.2014.6.00.000 (BRASIL, 2014).
Totalizaram-se doze meses de mandato, e a população brasileira viu o então
presidente da Câmara Federal o Deputado Eduardo Cunha, no dia doze de dezem-
bro de 2015, acolher o pedido de impeachment contra o mandato da presidenta
eleita. Alegando que a chefe do executivo cometerá crime de responsabilidade ao
autorizar manobras fiscais, as quais, ficaram conhecidas como pedaladas fiscais.
O processo caminhou na instância do legislativo e foi julgado no sena-
do, culminando no período de um ano e meio, na “interrupção” do mandato.
Assumiu em se lugar o então vice-presidente em exercício Michel Miguel Elias
Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
O novo contexto engendrado foi altamente divulgado pela nova equipe
econômica na direção política do país, apontado, que a atual situação econômi-
ca, era fruto de uma série de fatores desastrosos de gerências e de escolhas eco-
nômicas e políticas da presidenta afastada. Assim, após assumir o ex-vice-pre-
sidente decide implementar como escolha econômica, uma agenda neoliberal,
administrada pelo ex-ministro do então governo do ex-presidente Luis Inácio
Lula da Silva – PT, Henrique de Campos Meirelles, atual Ministro de Fazenda.
A aposta política atenderia uma agenda econômica liberal, apresentada
e indicada pelo Fundo Monetária Internacional – FMI, que recebeu o nome de
“Uma Ponte para o Futuro”. Entre as muitas ações iniciadas na busca do con-
trole e mudanças no equilíbrio fiscal das contas do governo, Meirelles declarou
em entrevista para o Jornal El país, que “não há possibilidade de prosseguir
economicamente no Brasil gastando muito mais do que a sociedade pode pagar.
Este não é um plano meramente fiscal”. (ALESSI, 2016, p. 1).
A proposta de Emenda Constitucional PEC/241 ou PEC do controle do
“teto dos gastos”, após aprovação na Câmera Federal seguiu para o plenário do
senado da república, como PEC/55 e em novo embate político foi aprovada sem
127
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

nenhuma mudança ou alteração de texto inicial, a qual acrescentou nove atos as


Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), sendo eles, os artigos 106º a
114º. Segundo o texto da redação da PEC/55, que após aprovada transformou-
-se em Emenda Constitucional nº 95, legislou que:
Art. 106. Fica instituído o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos
Fiscal e da Seguridade Social da União, que vigorará por vinte exercícios
financeiros, nos termos dos artigos 107 a 114 deste Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
Art. 107. Ficam estabelecidos, para cada exercício, limites individualiza-
dos para as despesas primárias. (BRASIL, 2016).

Esse novo modelo de regime fiscal impactou diretamente nas despesas


primárias dos investimentos do governo brasileiro e perdurarão por vinte anos,
estabelecendo que só a partir do décimo ano em vigência o presidente em exer-
cício poderá propor alterações na fórmula e nos instrumentos de cálculo dos
percentuais de investimento para os outros próximos dez anos. Para Amaral
(2016), essas despesas primárias são “[...] associadas ao pagamento de pessoal
e encargos sociais, outras despesas correntes (água, luz, telefone, limpeza, vigi-
lância, terceirizados, material de consumo etc.), investimentos (equipamentos,
material permanente, construções etc.)” (AMARAL, 2016).
O modelo adotado de manejo dos gastos do Estado estipulou para cada
um dos poderes da estrutura federativa brasileira, um limite de gastos controla-
dos e revisado pela inflação do ano anterior e pelo Índice de Preços ao Consumi-
dor Amplo (IPCA). Para Vazquez (2017) a síntese deste modelo econômico é a:
[...] desestrutura o financiamento da política social brasileira ao eliminar a
vinculação de receitas destinadas à educação e ao orçamento da segurida-
de social, que compreende as políticas de saúde, previdência e assistência
social. Tais vinculações expressam conquistas sociais que foram garanti-
das na Constituição de 1988, visando estabelecer prioridade e preservar
o gasto público nestas áreas sociais, independentemente do governo que
estivesse no poder. (VAZQUEZ, 2017).

Ainda, segundo a Nota Técnica emitida pela Associação Nacional de


Pesquisadores em Financiamento da Educação (FINEDUCA), o investimento
do PIB em educação, sofrerá perdas decrescentes e sistemáticas com Emenda
Constitucional nº 95, e a partir do ano de 2018 os recursos da vinculação consti-
tucional, apontariam para um cenário em que “partindo-se de um percentual de
18% e considerando-se um crescimento da receita real de 3% ao ano, após 5 anos
a vinculação já estaria em 16%; após 10 anos, em 13,8% e após 20 anos chegaria
a 10,3%, ou seja, uma redução de 43% no índice” (FINEDUCA, 2016). Como
apresenta Gráfico 01 abaixo.
Outra importante contribuição elucidativa dos efeitos da PEC/241 foi o

128
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

texto do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos


(DIEESE), em sua Nota Técnica nº 161, intitulada PEC nº 241/2016: o novo re-
gime fiscal e seus possíveis impactos (DIEESE, 2016), constatando que as apro-
vações destas mudanças constitucionais contribuirão para que os investimentos
em educação e outras obrigações tenham um nível de crescimento muito linear
e sem grandes variações, mesmo com uma maior demanda de investimentos.
É importante perceber que, mesmo garantindo a manutenção dos au-
mentos reais que foram implementados entre 2003 e 2015 nas despesas
com educação e saúde, as pressões por mais e melhores serviços públicos
tendem a se intensificar. Essa pressão deve aumentar seja por questões
demográficas, como o crescimento e o envelhecimento da população, ou
pelo constante aumento das demandas sociais. Além disso, considerando
a grande carência da sociedade brasileira por serviços públicos, o congela-
mento real das despesas primárias por um período de 20 anos, tal qual de-
finido pela nova regra, poderá comprometer ou até mesmo não assegurar
a todos o atendimento mínimo desses serviços. (DIEESE, 2016).

Com a limitação de investimentos encarcerada aos números anuais da


inflação e do IPCA, o dinheiro oriundo de receitas vinculadas sofrerá ano após
ano, durante os próximos vinte anos, com uma visível diminuição gradual na
porcentagem dos recursos vinculados. A nota continua esclarecendo, que os in-
vestimentos em MDE já vinham caindo desde 2015 e que “em termos reais os
gastos da União com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) só tem
caído e devem continuar a cair em 2016. Vale ressaltar que, de 2012 a 2015, hou-
ve uma redução de 15 bilhões de reais” (FINEDUCA, 2016).

Gráfico 01 – Efeitos da Emenda Constitucional nº 95 na Vinculação da União

Fonte: Nota técnica 01/2016 da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento


da Educação (FINEDUCA).

Diretamente, essa nova postura fiscal, atinge setores primordiais para o


desenvolvimento do país, são setores como da educação e a saúde, previdência
social, etc. Que ficam atados a uma opção de cunho econômico, que vai limitar

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

os investimentos das políticas públicas e sociais. Certamente, uma opção ideoló-


gica da limitação brusca de investimentos nas bases destas políticas constitucio-
nais. Pois, “trata-se de uma invenção, sem experiência internacional ou respaldo
teórico algum, cujo objetivo único é criar um “ambiente ideal para negócios
financeiros” (VAZQUEZ, 2017, p.1), que não se compromete com desmandas
da educação nacional, gratuita, laica e para todos e todas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos anos de 1970, até os dias atuais estão registrados pela reto-
mada mundial do pensamento de estado mínimo e abertura global ao mercado
financeiro. O mundo passou a ser regido pelo discurso de um Estado mínimo e
desregulado, que vieram das duas grandes hegemonias mundiais do capitalismo.
O Keynesianismo norte americano e o Estado de bem-estar social europeu fo-
ram berços filosóficos e práticos do levante neoliberal. O qual se espalhou para
todo o globo, por meio coercitivo, da dominação hegemônica dos EUA no fim
da segunda guerra mundial.
O Estado brasileiro sofreu com o regime ditatorial durante 20 anos, pe-
ríodo que os militares pregaram um nacionalismo como inexistente. Apesar de
criarem algumas empresas estatais importantes, esse período foi marcado por
ações diretas para abertura econômica do mercado brasileiro, com o aprofunda-
mento do endividamento internacional, além de um descontrole generalizado
da infração e uma dívida externa gigantesca.
Já nos governos da pós-redemocratização de 1988 os partidos criados
com a abertura dos partidos político, o voto popular passou a conduzir os pre-
sidenciáveis civis ao poder executivo. Todos os presidenciáveis, com diferentes
linhas e visões ideológicas, construíram atitudes de alinhamento com mercado e
as diretrizes de instituições financeiras internacionais.
A resistência da esquerda e centro esquerda por um Estado com outro
modelo de gerenciamento, mesmo nos governos do PT, não conseguiu desvin-
cular as exigências do mercado financeiro internacional e as regras e influências
das crises cíclicas do liberalismo. Já o os governos de direita aprofundaram as
privatizações, seguiram as regras a bula do consenso de Washington e aplicaram
duros medidas de austeridades fiscais.
Como fruto desse momento, a Emenda Constitucional nº 95 deve atingirá
grande parcela de investimentos destinados a educação brasileira, pelo fato de criar
um teto de gastos, que impõem ao gestor do executivo um limite investimentos
diretos em educação. Produzindo um recuo em valor nominal de investimentos
em setores fundamentais, com seguridade social, educação e segurança pública.
Os movimentos do Estado brasileiro são travados dentro de um sistema
130
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

globalizado do mercado financeiro neoliberal, do qual, o Brasil está na periferia


do sistema capitalista. Neste local, as mudanças presidenciais no Brasil, dos últi-
mos trinta anos, não fugiram das determinações de aproximação dos mercados e
as imposições das instituições que controlam os mercados financeiros mundiais.

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133
Eixo 3
EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E
HISTORICIDADE
ZIGMUNT BAUMAN E A MODERNIDADE LÍQUIDA:
SUJEITO E COISA PARI PASSU NO (DES)
COMPASSO DO CAPITALISMO
Cirlene Pereira dos Reis Almeida1

1. INTRODUÇÃO

A filosofia sempre permeou o universo humano, uma vez que se refere à


busca constante do conhecimento e da verdade. Segundo Marilena Chauí (2003,
p. 25), a filosofia “indica a disposição interior de quem estima o saber, ou o es-
tado de espírito da pessoa que deseja o conhecimento, procura-o e o respeita”.
Filosofando, é possível refletir, criticar e argumentar acerca do mundo e de tudo
que o rodeia, pois ela permite ao indivíduo uma visão mais clara e ampla dos
fatos da vida e dos extremos da natureza, tais como vida e morte, o verdadeiro
e o falso, o certo e o errado.
Por se fazer presente em vários campos do conhecimento, a filosofia sem-
pre despertou a curiosidade e o interesse de muitos estudiosos, por isso mesmo,
não se vinculou somente a uma área acadêmica: abrangeu a sociologia, a filo-
sofia, a ciência política e outras. Um desses estudiosos é o filósofo e sociólogo
Zigmunt Bauman, que nasceu na Polônia, no ano de 1925, e atuou até o ano de
2017, quando veio a falecer. Malgrado tenha produzido bastante, desde a década
de 50, é no final da década de 80 que consegue destaque no cenário mundial,
justamente quando passa a se interessar e a se debruçar sobre assuntos concer-
nentes à modernidade.
No final dos anos de 1990, a procura pelas obras de Bauman aumentou mui-
tíssimo no Brasil. A partir daí, é uma constante encontrar em trabalhos acadêmicos,
tais como teses, dissertações, monografias, e artigos, várias referências a esse autor.
Nesse diapasão, o objetivo do trabalho em tela é mostrar, a partir de um
estudo bibliográfico, a vida e a obra de Zigmunt Bauman, as características que
permeiam sua teoria, e ainda, a importância de suas ideias para a sociedade con-
temporânea. Sobre o problema de pesquisa, o mesmo está basilado nas seguintes
1 Mestre em Linguística pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ);
Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).
Coordenadora dos Cursos de Letras e Pedagogia do Centro Universitário de Desenvol-
vimento do Centro-Oeste (UNIDESC); Professora efetiva da Universidade Estadual de
Goiás (UEG), Campus Uruaçu. E-mail: [email protected].
135
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

perguntas: Quais as principais características desenvolvidas pela teoria filosófica


e sociológica de Zigmunt Bauman e qual a sua contribuição, importância e rele-
vância para o contexto contemporâneo?
Para a construção do trabalho, inicialmente, será feita uma breve introdu-
ção da temática abordada aqui. A seguir será apresentada uma síntese da vida
e obra desse autor, bem como a apresentação da teoria e dos fundamentos de
seu pensamento. Em um terceiro momento, será mostrada a importância desse
estudioso, considerando o contexto contemporâneo. Por último, e não menos
importante, serão apresentadas as considerações finais.
Espera-se que este trabalho contribua, sobremaneira, para pesquisas
vindouras.

2. ZIGMUND BAUMAN: TECENDO UMA HISTÓRIA, DESENHANDO


UMA TEORIA

Zygmunt Bauman é um dos filósofos e sociólogos mais profícuos e ex-


pressivos da contemporaneidade e cujas obras têm sido lidas de forma ampla,
principalmente, a partir de sua obra “Modernidade líquida”, no ano de 2001,
cerne de toda a sua produção teórica.
Antes, porém, da apresentação da teoria desse autor, é mister conhecer
um pouco de sua história, posto que esta pode influenciar em sua produção
escrita. No caso específico de Bauman, pouco se encontra sobre sua vida na lite-
ratura produzida até hoje, exceto por um ou outro trecho que aparecem, sobre-
tudo, em entrevistas. Entretanto, são recorrentes em sua produção temas como
modernidade sólida e líquida, ambivalência, amor, entre outros.
De família humilde e de origem judia, tinha poucas chances de ter acesso
a uma educação universitária, porquanto as universidades polonesas dispunham
da norma do numeros clausus2 em relação aos judeus e pela própria condição
financeira dos pais que não permitia que o menino Bauman pudesse estudar em
outro país. Tal fato, porém, não lhe impediu de seguir com os estudos, já que,
segundo o próprio Bauman (2011), ele fora sempre muito estudioso, esforçado
e um leitor assíduo.
Ao eclodir a Segunda Guerra Mundial, quando ocorreu a invasão da Po-
lônia pelos nazistas, no ano de 1939, o garoto, com quatorze anos apenas, fugiu
com a família para a Rússia, extinta União Soviética. Em 1943, já com dezoito
anos, se alista no exército polonês formado na União Soviética. (TESTER &
JACOBSEN, 2005; BAUMAN, 2004, 2011; ALMEIDA, GOMES & BRACHT
2009).

2 O termo Numerus Clausus deriva do latim e, em uma tradução literal, significa números
fechados. Tal vocábulo é utilizado para designar um rol taxativo.
136
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

Durante esse período, curioso por desvendar alguns mistérios do universo


e talvez em decorrência do momento ruim que a humanidade estava vivendo,
resolveu se dedicar ao estudo da física. Nesse interregno entre se juntar ao exér-
cito polonês e retornar para seu país de origem, diz:
Eu fiz dois anos de curso universitário de física por correspondência (na
Rússia, os estrangeiros não tinham permissão de viver em cidades grandes,
onde havia universidades). Lembro de, como tantos adolescentes, me sen-
tir um tanto apavorado e esmagado pelos mistérios e enigmas do universo
e de desejar ardentemente dedicar minha vida a desvendar esses mistérios
e a solucionar esses enigmas. Meus estudos, no entanto, foram interrom-
pidos pelo apelo das armas, quando eu tinha 18 anos, para jamais serem
retomados (BAUMAN, 2004b, p. 303).

Findada a guerra, foi nomeado major do exército polonês. Volta para


uma Polônia totalmente destruída, porém agora residindo em Varsóvia. Sobre
seu país, diz Bauman:
Eu me vi novamente numa Polônia arruinada pela ocupação nazista, que
se somava a um anterior legado de miséria, de desemprego em massa, de
conflitos étnicos e religiosos, aparentemente insolúveis e de exploração de
classe (BAUMAN, 2011, p. 304).

Em 1946, entra na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universi-


dade de Varsóvia. Iniciou os estudos fazendo Sociologia, porém logo ingressou no
curso de Filosofia e tal mudança se deu em decorrência de a disciplina de sociolo-
gia ter sido cancelada pelo governo comunista polonês que estava em processo de
“stalinização”, ou seja, por razões de cunho ideológico.
Em 1951, associa-se ao Partido Comunista Polonês. Em 1953, é expulso
do exército polonês por motivos antissemitas. Em 1954, torna-se o mais jovem
professor da Universidade de Varsóvia. Fez mestrado em Filosofia e depois dou-
toramento em Sociologia, concluído no ano de 1956, quando teve início o pro-
cesso de “desestalinização” do governo e a inserção novamente dessa nos cur-
rículos. Sempre teve predileção pela sociologia, principalmente, porque julgava
que esta podia auxiliá-lo na reconstrução da Polônia, de maneira a transformá-
-la em um país mais digno e humano. Para Bauman, no mundo daquela época,
não havia dúvidas de que a Sociologia era a área de conhecimento mais propícia
e adequada para os desafios promovidos pelo pós-guerra. É nesse cenário, con-
forme Tester & Jacobsen (2005), que conhece Janina, com quem se casou e teve
três filhas. Viveu com ela durante 62 anos quando esta veio a falecer.
Entre 1956 e 1957, faz um pós-doutorado na London School of Economy,
sobre as classes operárias inglesas. Já decepcionado, principalmente, com os cami-
nhos do governo comunista da Polônia, abandona as ideias dogmáticas marxistas,
passando a criticar de forma contundente as ações desse governo (TESTER &

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

JACOBSEN, 2005; ALMEIDA, GOMES & BRACHT 2009; BAUMAN, 2011).


Bauman (2007), mesmo tendo trabalhado no serviço secreto nacional, foi
perseguido por esse mesmo órgão por cerca de 15 anos. Em 1968, Bauman e
outros intelectuais são acusados de influenciar negativamente estudantes, o que
culminou na sua expulsão da universidade e a um exílio forçado. Passa a resi-
dir em Israel e a ministrar aulas na Universidade de Tel Aviv. Morou também
por períodos curtos no Canadá e na Austrália. Três anos após se mudar para
Israel é convidado para chefiar o Departamento de Sociologia da Universidade
de Leeds, onde finalmente permanece até sua aposentadoria, em 1990. Faleceu
em janeiro de 2017, já com 91 anos de idade.
São recorrentes em suas mais de 50 obras e nos diversos artigos que pro-
duziu, temas como o consumismo, comunidade, trabalho, tempo, a globaliza-
ção e as transformações atinentes às relações humanas. É considerado um dos
pensadores mais importantes e populares do fim do século XXI.

2.1 Sobre a Obra e as Ideias de Zigmunt Bauman

Zigmunt Bauman produziu uma vasta obra entre livros e artigos e traba-
lhou temas diversificados. Entretanto, foi a partir da publicação de “Moderni-
dade líquida”, no ano de 2001, que se notabilizou como um crítico da moderni-
dade, a qual, segundo o próprio filósofo define, é como uma sociedade líquida
e cujo foco está sempre num mesmo sentido: a inconstância que as formas do
capitalismo tardio impuseram e que cotidianamente impulsiona o ser humano
para uma vida sem estruturas sólidas sobre as quais tenta se apoiar.
O teórico é um dos representantes da chamada sociologia humanística,
posto que, na maioria de suas obras, dedicou-se a estudar a condição humana.
Alguns estudiosos o veem como um escritor perspicaz; outros como um autor
ingênuo e até pessimista.
Bauman (2001) produziu vasta obra, porém aqui serão apresentadas aque-
las que são o cerne de seu pensamento: a obra “Modernidade Líquida”. No livro
em questão, o articulista mostra que as ideias de emancipação, individualidade,
tempo e espaço, trabalho e comunidade estão propensas a mudar de maneira
rápida e imprevisível.
Para compreender, de maneira mais ampla, a respeito do conceito de Mo-
dernidade líquida, é necessário recorrer a alguns escritos de Bauman (2001). De
acordo com o filósofo, as várias esferas que compõem a sociedade contemporânea,
tais como vida privada, vida pública e relacionamentos humanos, transformam-se
cotidianamente, corroborando para que essas instituições percam a solidez e se
liquefaçam, tornando-se desproporcionais, irregulares. A modernidade líquida é
o tempo do desapego, provisoriedade e do processo de individualização. É tempo
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Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

de liberdade, porém, ao mesmo tempo, também de insegurança.


O ser humano, escondido em meio às metrópoles, ao sentir a possibilida-
de de liberdade, desenvolve uma sensação de impotência difícil de ser delineada,
posto que, nesse desejo pela liberdade, encontra-se, por sua própria conta, um
risco em meio ao concreto (BAUMAN, 1998, 2000, 2001).
Nesse contexto, a responsabilidade é deixada às energias de cada um, o
que corrobora para a solução biográfica das contradições sistêmicas. E, como a
maioria dos indivíduos, devido à escassez de tempo em decorrência da preocu-
pação com as várias atividades assumidas, poucos são aqueles que têm dispo-
nibilidade para conversar ou oferecer uma ajuda ao próximo, inclusive ao seu
próprio vizinho, que muitas vezes, nem conhece.
Assim sendo, ocorre um processo de mercantilização no relacionamento
eu-outro e, como esses laços de afeto já são arrefecidos e podem se desfazer a
qualquer momento, principalmente se uma das partes se sentir desagradada.
Assim, “O interesse público é reduzido à curiosidade sobre as vidas privadas de
figuras públicas e a arte da vida pública é reduzida à exposição pública das ques-
tões privadas e a confissões de sentimentos privados” (BAUMAN, 2001, p. 46).
Embora a semente da modernidade líquida esteja no início do capitalis-
mo industrial, ou seja, na Revolução Industrial, é na década de 1960 que ficará
bastante evidente, notadamente porque as relações econômicas se sobreporão
às relações sociais e humanas, fato que abrirá caminho para que, cada vez mais,
haja um enfraquecimento de laço entre pessoas e instituições, ou seja, a lógica
do consumo se tornará superior à lógica moral. Nesse sentido, as pessoas passa-
rão a ser analisadas e avaliadas não pelo que são realmente, mas pela capacidade
de compra que possuem.
Considerando esse cenário, as instituições ficam estremecidas. O indivi-
dualismo tomou conta de tudo no momento em que o sujeito se tornou um
“empreendedor” de si mesmo, o que nos leva à convicção de que se o sujeito,
nessa lógica da modernidade líquida, não alcança sucesso, a responsabilidade é
completamente dele. Cada pessoa é uma instituição e o que antes se considerava
exploração do sistema capitalista passa a ser visto como uma relação natural em
que o indivíduo, empreendedor de si mesmo, vende a sua força de trabalho ao
sujeito empreendedor que é o dono do capital.
Bauman (2001) ressalta que a modernidade líquida é célere, visto que está
sempre em sintonia com a moda e o pensamento da época. A ciência, a técnica,
a educação, a saúde, as relações humanas e tudo o mais que envolve esse uni-
verso criado pelo homem, ficam submetidos à lógica capitalista de consumo.
A modernidade líquida torna exacerbado o terrorismo e o individualismo, os
quais emergem, em conformidade com esse autor, em não-lugares, ou seja, em

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(Organizadoras)

terras-de-ninguém. É o tempo da violência e as cidades do século XXI fazem


parte dessa modernidade líquida, uma vez que, nesse momento, parte da huma-
nidade está inserida nelas:
Os fluidos se movem facilmente. Eles ‘fluem’, ‘escorrem’, ‘esvaem-se’, ‘res-
pingam’, ‘transbordam’, ‘vazam’, ‘inundam’, ‘borrifam’, ‘pingam’, são ‘fil-
trados’, ‘destilados’; diferentemente dos sólidos, não são facilmente conti-
dos - contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam
seu caminho... Associamos ‘leveza’ ou ‘ausência de peso’ à mobilidade e à
inconstância: sabemos pela prática que quanto mais leves viajamos, com
maior facilidade e rapidez nos movemos (BAUMAN, 2001, p. 8).

Nessa busca por definir o que é a modernidade líquida, Bauman (2005)


faz-nos pensar e refletir sobre a existência de seres humanos com status de lixo,
pois os indivíduos descartam uns aos outros com a maior facilidade, sempre
com o intuito de obedecer à máxima da sociedade em que se insere que é a de
consumir sempre e cada vez mais.
Na visão de Bauman (2005), o sujeito da modernidade líquida é formado
por uma série de mal-estares, tais como depressão, insegurança, sentimentos de
aflição e ansiedade, e tudo isso porque constantemente é ameaçado de se tornar
descartável e supérfluo, assim como acontece com o lixo. Assim, o homem pas-
sa praticamente a vida toda em busca de segurança e de estratégias que visem a
distanciá-lo daquilo que é capaz de transformá-lo em “lixo humano”.
O teórico faz uma série de questionamentos sobre as redes sociais, as quais
estabeleceram um novo formato de contatos e vínculos. E embora tenham pontos
positivos, não proporcionam um diálogo real, já que é mais fácil lidar e se fechar
em grupos pessoas que possuem os mesmos pontos de vistas que possuímos do
que lidar com pessoas em grupos que vão de encontro ao que pensamos. A rede
só é mantida viva em decorrência de duas atividades, sendo elas: conectar e desco-
nectar e ambas as atividades podem ser feitas muito rapidamente, basta apenas o
sujeito desejar ou não desejar aquele contato, o que é uma das especificidades da
sociedade líquida “O atrativo da ‘amizade Facebook’ é que é fácil conectar, mas a
grande atração é a facilidade de desconectar”, preleciona Bauman (2005).
O autor assevera ainda que as redes sociais e a internet intensificaram o
que ele denominou de amor líquido, posto que, diferentemente da modernidade
sólida, na modernidade líquida não se busca uma companhia afetiva e amorosa,
mas, sim, estabelecer uma conexão cujo objetivo é proporcionar prazer ao indi-
víduo, podendo ser esse de cunho sexual ou não, sendo que essa última substitui
o que antes era chamado de amizade.
Na verdade, a busca pelo prazer a qualquer custo é a máxima da moder-
nidade líquida, mesmo que para isso as pessoas sejam transformadas em ob-
jetos. As relações entre as pessoas se tornaram banais e casuais. Quanto mais
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Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

conexões você tiver, mais importante você se torna. Quanto mais você ostentar,
mais célebre se tornará. No caso do Facebook, quanto mais amigos se tem, mais
requisitada a pessoa é.
Em relação ao sexo, transformou-se em mero objeto de prazer, diferente-
mente da modernidade sólida, que o considerava mais que uma forma de repro-
dução, era amor, emoção, confiança. Na modernidade líquida, sexo está vincu-
lado apenas a prazer, desse modo, quanto mais parceiros o sujeito tiver, melhor,
isso evita a criação de vínculos.
Em Bauman (2005), o consumo é uma das molas-mestras na moderni-
dade líquida, tanto que as pessoas consomem de modo irracional. Criou-se um
fetiche não apenas pela prática de consumir, mas também pelas marcas, não
se importando com o produto em si, mas com quem o fabrica e o seu preço. O
sujeito é “objetificado” pelo capitalismo, tornando-se apenas o que ele consome,
e não mais o que ele é. Na modernidade líquida, ter é mais importante do que
ser. A banalização da amizade e do namoro são reflexos desse modo de vida,
que prioriza o consumo e transforma as pessoas em objetos e essa promessa de
felicidade torna os seres humanos cada vez mais tristes, mais ansiosos, mais
depressivos, mais insatisfeitos consigo mesmos e, consequentemente, com os
outros também. Como esse prazer é efêmero, o sujeito sente a necessidade de
buscá-lo constantemente.
Nessa lógica, o sujeito é aquilo que ele consome. No discurso consumista,
o homem vive sua vida tranquilamente sem realmente querer saber sobre o que
está acontecendo à sua volta. Sente-se como um espectador e não como prota-
gonista. E nesse momento, incerto como o atual, consumir parece satisfazer as
ansiedades e necessidades dos seres humanos. E isso, para compreender a teoria
de Bauman, é primordial.

2.2 Sobre a Importância de Bauman para a compreensão da sociedade moderna

A compreensão obre a teoria a respeito da modernidade líquida é impor-


tante para a compreensão da sociedade moderna, porque levanta a questão e a
preocupação com a coisificação do homem, notadamente em decorrência do
capitalismo, que vincula a sociedade contemporânea à ideia de que tudo que é
produzido pelo ser humano pode ser vendido ou apresentado com o intuito de
se obter proveito próprio (BAUMAN, 2008).
Essa coisificação ocorre de forma tão tênue que o ser humano nem per-
cebe o quanto é modelado e condicionado à racionalização da modernidade
líquida. “O consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de mani-
pulação sistemática de signos” (BAUDRILLARD, 1993, p. 206).
Bauman (2001) traz à baila que o homem está se tornando cada vez mais
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(Organizadoras)

individualista, pensando em si próprio, nos seus próprios ganhos, por isso mes-
mo vai deixando de participar cada vez menos no governo do Estado, o que
consequentemente aumentará a distância existente entre a democracia ideal e a
democracia real. O que tem importância para o cidadão é o interesse e o consu-
mo próprio e isso transforma o mundo numa grande loja de departamentos, com
estantes contendo ofertas diversificadas.
O teórico alerta os indivíduos acerca da ressignificação do consumo na
atualidade, algo que saiu do campo semântico de compra, de mercadoria e ser-
viços, para o campo da configuração de novas relações sociais, principalmente,
no âmbito cultural. Considerando essa assertiva,
[…] ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e nin-
guém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e
recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de
uma mercadoria vendável. A “subjetividade” do “sujeito”, e a maior par-
te daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentra-
-se num esforço sem fim para ela própria se tornar, e permanecer, uma
mercadoria vendável. A característica mais proeminente da sociedade de
consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta – é a
transformação dos consumidores em mercadorias (BAUMAN, 2008, p. 20).

Isso gera uma luta constante para se destacar da massa única, o que leva
ao uso das mais variadas tecnologias oferecidas pelo mercado consumidor. No
ambiente da sociedade líquida, tem-se outra forma de planejar e de se organizar
a vida, diferente daquela da modernidade sólida. As relações no primeiro tipo de
modernidade devem ser estabelecidas em um prazo mais curto, para tanto deve-
-se aproveitar as chances que a vida oferece, abandonando as chances anteriores
como quem troca de roupa ou de sapatos. Os objetos de consumo e as vidas
humanas ficam no mesmo patamar, ou seja, tornam-se equivalentes.
As ideias de Bauman são importantes porque soam como denúncia da
coisificação do homem e de sua transformação em mercadoria. Sua teoria cha-
ma a atenção no sentido de o ser humano despertar, questionar e se conscienti-
zar da necessidade da mudança, de maneira que as relações passem a ser vistas
não em termos de mercado, visto que a “mercadorização” das vidas humanas é
o estágio mais violento, a que o autor chamou de capitalismo parasitário.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve como objetivo mostrar, por intermédio de um estudo bi-
bliográfico, a vida e a obra de Zygmunt Bauman, as características que permeiam
sua teoria e ainda a importância de suas ideias para a sociedade contemporânea.
Lançando mão de alguns livros desse autor e ainda de uma coleção de entrevis-
tas, foi possível traçar um perfil de boa parte das ideias que norteiam sua teoria.
142
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

Ao discorrer sobre a modernidade líquida, o autor ofereceu uma enorme


contribuição no sentido de colocar o ser humano para pensar a respeito de si pró-
prio e do seu lugar no mundo, já que não se pode admitir que homem e objeto
sejam reduzidos a um mesmo patamar. Em relação à sua teoria, a mesma vai ao
encontro do que verdadeiramente ocorre na sociedade contemporânea, em que o
papel do consumo tem se sobreposto à ética, e à própria antropologia da realidade.
Ao se produzir o trabalho em tela, não se pretendeu reduzir a visão de
Bauman a questões bibliográficas, apenas, posto que sua produção vai muito além
disso. Por isso mesmo, podemos dizer que nosso objetivo primordial foi investigar
o que de sua vida e formação está presente em seu pensamento. Espera-se que este
trabalho possa contribuir com trabalhos que certamente ainda estão por vir.

4. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Felipe Quintão de.; GOMES, Ivan Marcelo & Bracht, Valter. Bau-
man & a Educação. Autêntica Editora, Belo Horizonte, 2009.
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 1993.
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2000.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade; tradução Mauro
Gama, Cláudia Martinelli Gama; revisão técnica Luís Carlos Fridman. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e holocausto; tradução Marcus Penchel.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida; tradução Plínio Dentzien. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2001.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi; tradução
Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas; tradução Carlos Alberto Medei-
ros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
BAUMAN, Zygmunt. Professor with a past. Entrevista concedida a Aida Ede-
mariam, The Guardian, 2007.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em
mercadorias. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. Bauman sobre Bauman: diálogos com Beith Tester;
tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2011.

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2003.


TESTER, Keith. & JACOBSEN, Michael Hviid. Bauman Before Postmo-
dernity: Invitation, Conversations and Annotated Bibliography 1953-1989.
Aalborg University Press, Aalborg. Zahar Editora (2014). Catálogo: Zygmunt
Bauman. Editora Zahar, 2005.

144
SOCIEDADES PRISMÁTICAS, TRAÇOS CULTURAIS
E A PÓS-CONTEMPORANEIDADE: OS CAMINHOS
“PEDAGÓGICOS” DA COMPETIVIDADE E
SUSTENTABILIDADE NA ESTRUTURA
SOCIAL E PRODUTIVA BRASILEIRA
Paulo César Rodrigues de Mello1

INTRODUÇÃO

Na segunda metade dos anos 90 do século passado, os importantes e pro-


fundos - talvez pouco considerados - estudos realizados por Betânia Tanure de
Barros e Marco Aurélio Spyer Prates, à época ligados à Fundação Dom Cabral,
apresentam a conformação da estrutura de ação social brasileira articulada por
traços culturais emanentes do processo histórico brasileiro intervenientes nas
relações entre líderes e liderados nas organizações locais, embasados em grande
parte pela antropologia de Roberto Damatta2 pela sociologia de Guerreiro Ra-
mos3 e Fred W. Riggs4.
Faz-se desnecessário a observação do quanto as mudanças e novas tec-
nologias promoveram a disrupção dos processos produtivos e impactaram o
posicionamento econômico e geopolítico de nações, da necessidade de novos

1 Administrador; Especialista em Administração e Planejamento para Docentes; Mestre em


Administração, especialmente interessado em cultura, comportamento e as influências
internas e externas da cultura sobre estruturas organizacionais. Pesquisador. Consultor
Autônomo. Escritor. E-mail: [email protected].
2 Roberto Augusto DaMatta é um antropólogo, conferencista, filósofo, consultor, colunista
de jornal e produtor brasileiro de TV. É Professor Titular de Antropologia Social do De-
partamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e
Professor Emérito da Universidade de Notre Dame/Paris-FR.
3 Guerreiro Ramos foi um dos principais sociólogos brasileiros nas décadas de 1950 e 1960,
período durante o qual pesquisou e escreveu sobre relações raciais, teoria sociológica e po-
lítica nacionalista. Em minha opinião, um nome que não recebe o devido reconhecimento
da comunidade afrodescendente brasileira. Conquistou posicionamentos importantes em
nível nacional e internacional em tempos em que os obstáculos à ascensão social da comu-
nidade eram ainda mais contundentes.
4 Fred W. Riggs foi um cientista político e pioneiro da Administração Pública. Inovou com
seu modelo Riggsiano, que demonstra a plasticidade e adaptabilidade de sociedades aos
modelos institucionais. Foi Professor Emérito do Departamento de Ciência Política da
Universidade do Havaí/USA.
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(Organizadoras)

conhecimentos e recursos, bem como a transmutação das posturas individuais


para a adequação das compulsórias transformações nas relações de trabalho, li-
derança, Qualidade e produtividade, nesses quase 30 anos desde sua publicação.
Dentre tantos fatores e traços culturais que compõem a formação dessa
intrincada estrutura de ação social/cultural nas organizações brasileiras, pre-
tendo a apresentação e a discussão sobre duas importantes características que,
em minha experiência profissional em estruturas produtivas e no exercício da
docência em Administração são as que merecem especial atenção e exercício
evolutivo por parte de Instituições governamentais, familiares e educacionais:
o formalismo (nosso famoso “jeitinho”) e o prismatismo observado na socieda-
de brasileira. Quais mudanças são imperativas? Qual o papel das Instituições?
Como readequar nossa postura frente às reais necessidades de formação crítica
e técnica nessa pós contemporaneidade?

1. VISÃO GERAL DO SISTEMA DE AÇÃO CULTURAL/SOCIAL


PROPOSTO POR BARROS E PRATES

Resultado de pesquisas realizadas em cerca de 500 empresas localizadas


no sul e sudeste do Brasil e na digressão dos autores referenciados na intro-
dução, Barros e Prates idealizaram a dinâmica das relações estabelecidas nos
sistemas estruturais e sociais das organizações sob quatro subsistemas a saber:

1.1 O Subsistema Institucional

De forma breve define-se Instituições como entes que definem as normas,


os procedimentos, o comportamento esperado, as regras. Em outras palavras,
no subsistema Institucional são definidas as formalidades que regulam as dinâ-
micas de interação, ou seja, um conjunto de regras e normas estabelecidas para
a satisfação de interesses coletivos: o Estado, o Congresso, escolas, famílias, re-
ligiões são instituições.

1.2 O Subsistema Pessoal

Esse subsistema, fortemente baseado nas definições de Roberto Damatta,


é o espaço da “rua”, da “casa”, da informalidade, não obstante, mesmo dentro
desse espaço, especialmente quando se tratam de famílias, existem regras pecu-
liares em sua dinâmica.

1.3 O Subsistema dos Líderes

Representa a ação/operacionalização do subsistema institucional, ou

146
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

seja, são aqueles que coordenam a prática e a ação dos princípios, normas e
procedimentos que emanam do sistema institucional.

1.4 O Subsistema dos Liderados

É o subsistema que representa/sofre a ação e a prática institucional. Mui-


to comum, por exemplo, colaboradores de uma empresa nem sempre concorda-
rem com alguns princípios institucionais, no entanto submeterem-se a eles pela
necessidade do emprego ou pela configuração passiva das estruturas sociais.
Preliminarmente, assim é representada a estrutura:

FIGURA 1

Fonte: Elaboração do autor, 2022. Adaptado de Barros e Prates,1997

Observe que as extremidades das colunas se sobrepõem umas às outras e


essa sobreposição é articulada ou influenciada entre os subsistemas, por meio de
traços culturais. Assim, o que articula a relação entre instituições e líderes é um
conjunto de traços, assim como a relação entre líderes e o espaço da casa, entre o
pessoal e liderados, entre institucional e pessoal e assim por diante. Abaixo e para
fins meramente ilustrativos, são demonstrados todos os traços culturais envolvidos
nesse grande sistema. No entanto, para o atendimento dos objetivos do presente
trabalho, será explorado apenas o traço cultural do formalismo, explorado mais
amiúde no item 3. Assim, portanto, se apresenta o sistema em sua visão geral:

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FIGURA 2

Fonte: Elaboração do autor, 2022. Adaptado de Barros e Prates,1997.

De forma sintética, o sistema pode ser assim interpretado: o traço cultu-


ral que articula a relação entre o subsistema institucional com o subsistema de
líderes é a concentração de poder. Já o subsistema de liderados, articula-se com o
subsistema institucional é a sua postura de espectador. De mesma forma, o per-
sonalismo, ou seja, uma reinterpretação daquilo que emana do sistema institu-
cional é o traço que se articula às ações dos líderes e com o subsistema pessoal.
O subsistema pessoal, ou ainda, o espaço da “rua”, num sentido de pre-
servação de sua sustentabilidade, é caracterizado por sua resignação ou acúmulo
de sucessivas frustrações geradas pela reinterpretação da concentração do poder
que gera a submissão à vontade de alguém ou ao destino, que comumente pode
ser interpretada como “as coisas são assim mesmo; deixa pra lá”, o que faz emer-
gir o traço do evitar conflitos.
Observe que o nascedouro dessa intrincada relação é o subsistema Insti-
tucional, o qual acentuará e qualificará a característica dos demais subsistemas.
Apreende-se a partir daí, o peso e a importância das instituições sobre a configu-
ração de grupos e indivíduos, seja ela no âmbito pessoal (da rua) ou técnico pro-
fissional. Nesse sentido, as instituições estabelecem uma espécie de “pedagogia”
que interfere de maneira contundente todos os aspectos da vida em sociedade de
grupos e indivíduos.
Não obstante, para a verificação de traços culturais que promovem de
maneira setorizada essa articulação entre subsistemas, existem ainda os traços
que integram diretamente os subsistemas institucional e o pessoal e, dessa for-
ma, adentra-se efetivamente no objeto de análise a que se propõe esse trabalho.

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Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

2. O FORMALISMO E O CARÁTER PRISMÁTICO DE ESTRUTU-


RAS SOCIAIS

Na consolidação do princípio de que as instituições exercem papel pre-


ponderante sobre grupos e indivíduos, Barros e Prates constatam essa domi-
nação direta por meio de traços que, empiricamente são observados por todos
aqueles que possuem níveis críticos mais apurados, mas que cientificamente nem
sempre são facilmente explicados. O exemplo disso, em ambiente brasileiro, o
formalismo, ou ainda, o tão propalado “jeitinho brasileiro”, é o traço cultural que
dá o tônus operacional recíproco nos processos de permanência dos processos
institucionais e de sobrevivência de indivíduos e grupos sociais. É controle da
incerteza, da forma como se lida com o desconhecido e com o desenvolvimen-
to da tolerância à senóide criada pelas conveniências institucionais, ainda que
potencialmente discordantes, para não se sentirem ameaçados. De acordo com
Barros e Prates (1997), essa adaptação tem na tecnologia, nas leis e na religião
fontes de criação de maiores sentimentos de segurança.
No sentido institucional para o pessoal, o formalismo se manifesta basi-
camente pelo exercício do paternalismo, do provimento, no estabelecimento e
criação de “pupilos”, que se encarregam da disseminação dessa figura do “gran-
de pai”. Já no sentido pessoal para o institucional, esse “abrigo” proporcionado
pelas instituições, cria a flexibilidade e a resignação sobre as normas, procedi-
mentos e regras comportamentais esperadas pelas instituições.

FIGURA 3

Fonte: Elaboração do autor, 2022. Adaptado de Barros e Prates,1997.

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Ainda que não diretamente correlacionados pelos autores, essa relação,


quase perversa, estabelecida na reciprocidade entre instituições, indivíduos
ou grupos sociais, criam essa flexibilidade que proporciona o trânsito entre
o antigo e moderno; entre a ética, a moral e o questionável. É o difratar dos
princípios na adaptação comportamental e o estabelecimento de certo conforto
e a manutenção do equilíbrio mínimo para suportar as pressões.

2.1 Sociedades Prismáticas: o trânsito entre o antigo e o moderno de estruturas


sociais

Sociedades prismáticas são estruturas de ambientes que passam por pro-


fundas mudanças institucionais e tecnológicas. Buscam a contextualização am-
biental, a adaptação do que se desenvolve ou se vive no momento ao se traçar
alternativas na relação entre o meio externo, instituição, pensamento e ação
(RIGGS, 1964, p. 134).
Especialmente a partir dos anos 1990, as estruturas sociais e produtivas
brasileiras tiveram de se ajustar às imposições da nova ordem produtiva e co-
mercial do mundo. Esse ajuste fez-se especialmente difícil para as pequenas
estruturas que, em função de suas especificidades histórico-culturais, estavam
diretamente ligadas a aspectos da natureza humana. As pequenas estruturas pro-
dutivas em transformação - maioria em ambiente brasileiro - constituem tipos
próprios, modelos particulares que podem “cristalizar-se e não necessariamente
evoluir aos padrões de estruturas sociais ou modelos econômicos de estruturas
mais desenvolvidas” (AMORIM, 1996, p. 113) que ditam e impõem novos mo-
dus comerciais, industriais e comportamentais. Eis aqui a interconexão com o
traço do formalismo que, em muito, é fruto do comportamento institucional
instável que tanto caracteriza a formação de nossa sociedade, desde momentos
preliminares ao efetivo estabelecimento da data de descobrimento de nossas ter-
ras até os dias de hoje.
De acordo com Riggs (1964), para a compreensão do comportamento de
sociedades prismáticas, deve-se supor a existência de três tipos hipotéticos de es-
truturas sociais: as concentradas, as difratadas e as prismáticas, linearmente dis-
tribuídas em uma escala. Tal princípio foi adotado por Guerreiro Ramos (1966)
para explicar os fenômenos nos processos de gestão e condução da estrutura
pública no Brasil.

150
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

FIGURA 4

Fonte: A Escala Ecológica de Riggs. Elaboração do autor, 2022. Adaptado de Ramos, 1966.

Na extremidade esquerda da escala, encontram-se as hipotéticas estru-


turas totalmente concentradas, ou seja, admite-se que a sociedade esteja basea-
da sobre apenas uma estrutura. Nela, as determinações sociais e as respectivas
funcionalidades emanam de uma única unidade de comando. De acordo com
Ramos (1966), esse modelo estrutural sugere que no momento da operaciona-
lização, as estruturas funcionais sejam sobrepostas para o alcance do objetivo
final da instituição ou organização. Estruturas puramente agrárias, por exemplo,
tendem a esse modelo estrutural social, em que um só indivíduo pode exercer
poder sobre várias subestruturas, ou ainda, desenvolver várias atividades em di-
ferentes etapas de produção.
Na extremidade direita encontra-se a também hipotética estrutura social
difratada. Nesse tipo de estrutura, cada integrante corresponde a uma função,
sem interferências diretas, indiretas e recíprocas. Em outras palavras, sem sobre-
posição de funções. Estruturas sociais altamente industrializadas e automatiza-
das, por exemplo, tendem a essa situação.
O modelo intermediário na escala é o prismático, cuja concepção é a que
mais se aproxima das estruturas reais das sociedades. Possui regras e normas
bem definidas para as ações sociais. Porém, tais normas e regras podem sofrer
variações na transposição de princípios a requisitos nas esferas administrativas,
políticas e sociais. Em resposta a fatores ligados ao comando institucional e
organizacional, o modelo prismático apresenta variações da funcionalidade da
estrutura, ora com tendências ao modelo concentrado, ora ao difratado. Ou seja,
uma sociedade prismática se caracteriza por sua dualidade filosófica, cujos valo-
res transitam entre o conservador e o moderno.
A intensidade do trânsito entre a concentração e a difração é defini-
da pelo grau de heterogeneidade das sociedades prismáticas. De acordo com
Riggs (1964), o sentido de heterogeneidade reside na coexistência “do antigo
e o moderno, o atrasado e o avançado, o velho e o novo”. Até que uma das

151
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

características prevaleça, o confronto entre o antes e o agora é inevitável. A fun-


ções, no entanto, seguem uma ordem preestabelecida, num arranjo entre forças
que sugere o caos, mas que tem sua lógica intrínseca. Lógica na compreensão
das características do ambiente institucional, que levam determinado meio à
ênfase pela concentração ou difração. Têm, no entanto, limites e controles ge-
rados pela cultura e história. Riggs (1964) ainda define “a heterogeneidade dis-
tingue-se do caos, porque nela a amplitude da variação obedece a determinado
padrão, e há uma lei e um elemento histórico que determina as relações entre
esses fenômenos contrastantes”.
De fato, não existem sociedades puramente concentradas, difratadas ou
prismáticas. Mas sim, aquelas que apresentam maior ou menor grau de concen-
tração a partir da posição central; ou ainda, maior ou menor grau de absorção
das normas e procedimentos das estruturas organizacionais sociais ou produ-
tivas. De acordo com Ramos (1966), uma sociedade com alto grau de concen-
tração, situa-se no máximo, na posição “S”, enquanto outra sociedade – com
nível elevado de difração- ocuparia a posição “E”. O ponto médio representa as
sociedades altamente prismatizadas. Quando na posição “T”, tendem à concen-
tração, e no ponto “F”, à difração. Sob o ponto de vista estratégico, essas tendên-
cias podem ser entendidas como movimentos de adaptação às novas regras que
as instituições impõem ao desenvolvimento do jogo competitivo.

2.2 A natureza prismática da sociedade brasileira e as especificidades em gestão


das organizações

Baseado na vivência e expertise desenvolvida em estruturas de produção e


educacionais, observo que a estrutura social brasileira preenche todos os requi-
sitos à classificação de prismática e formalista, por meio de fluxo de alimentação
e retroalimentação que não correspondem à missão de formação, mas de mera
titulação ou de apresentação de resultados.
Segundo Ramos (1966), tecnicamente nos aproximaríamos da descrição
mais fidedigna das estruturas sociais e administrativas do ambiente nacional, no
momento em que fosse possível a medição do grau de prismatismo e da hete-
rogeneidade das estruturas sociais e organizacionais. De acordo com dados do
Ministério da Economia, “o primeiro quadrimestre de 2022 registrou a abertura
de mais de 1,3 milhão de empresas no país”. O saldo no período ficou positivo,
com 808.243 empresas abertas, descontadas as 541.884 empresas fechadas nos
primeiros quatro meses do ano. Com esse resultado, o total de empresas ativas
no país subiu para 19.373.257. Em outras palavras, as pequenas estruturas cor-
respondem às micro e pequenas empresas (MPEs), que representam 99% do
total das empresas brasileiras e são responsáveis por 62% dos empregos e por
152
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

27% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o documento.


Não obstante números que impressionam, é observado a grande quan-
tidade de empresas que fecham suas portas por conta da desconsideração de
fatores cruciais para o setup institucional e, por sua vez, da disseminação de
comportamento voltado para a sustentabilidade. São alguns deles:
• Não observar as exigências legais – excessivas e burocráticas, que ten-
tam controlar e incitam a prática do formalismo/” jeitinho” brasileiro.
• Não planejar aspectos financeiros, cujos princípios advogo, pela massiva
educação nesse aspecto, desde os primeiros momentos da vida escolar.
• Não estudar mercado. Há grande aposta em processos intuitivos que
descartam a complexidade envolvida no comportamento de consumo e
nas configurações socioeconômicas.
• Não elaborar planos que clarifiquem, tanto aspectos de consumo quan-
to concorrenciais.
• Definição simplista de preços.

Pode-se facilmente compor a digressão de tais fatores para quaisquer mo-


mentos ou natureza produtiva. Se aqueles que representam o papel institucional
não os consideram, o que poderia ser dito sobre aqueles que estão submetidos à
essa força institucional?
Ao se estabelecer paralelismos entre Barros e Prates, Ramos e Riggs, su-
gere-se aqui o desenvolvimento de estudos sobre organizações a partir de três
vias: especificidades organizacionais, decisionais e individuais. Intrínsecas a es-
tas especificidades, encontram-se também análises basilares dos aspectos histó-
ricos, culturais e da natureza humana.
Na primeira via de análise e especificidades organizacionais, sugere a
consideração de aspectos relativos às peculiaridades da cultura e da natureza
das comunicações estabelecidas entre os membros da estrutura. Pequenas estru-
turas possuem configurações simples que proporcionam contato direto entre o
líder e a equipe (pais e filhos; proprietários e funcionários; líderes e liderados)
e delegação incipiente de autoridade ou desenvolvimento de responsabilidade.
Aspectos como a intuição, baixo nível de maturidade na condução de gru-
pos, de organização de documentos, de processos e personalização, ressaltam a
característica prismática e formalista na gestão das estruturas. Para esses dirigen-
tes é preferível agir só e guiado mais pela sua sensibilidade, que na consideração
de meios técnicos, sejam eles emanados pela administração, pela psicologia ou
outros princípios baseados em aspectos técnicos e científicos.
Na segunda via de análise e especificidades decisionais emergem caracte-
rísticas de personalidade, idiossincrásicas destituídas de ordem que estabeleçam
procedimento coerentemente concebido. Dessa forma, intui-se a tendência das
estruturas reduzidas e prismáticas apresentarem características de concentração
153
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

de poder. Ao se correlacionar com o contexto histórico e político brasileiro, au-


fere-se a esse traço a apresentação de níveis internos elevados de ocorrência.
Na terceira via de análise, das especificidades individuais, características
culturais nacionais exercem contundente influência na performance gerencial de
estruturas simples. O patrimonialismo, onde há a fusão entre o pessoal, familiar e
o organizacional, trata de conferir um quadro mutualista entre família, sociedade
e universo pessoal. Tal especificidade propicia nível de interação entre dirigentes,
líderes, professores e aqueles que a eles estão numa posição de subordinação ou
tutela, que extrapolam questões meramente organizacionais, o que torna difuso o
caráter técnico e profissional que se estabelece entre gestores de quaisquer nature-
zas e os integrantes das estruturas que estão sendo lideradas ou conduzidas.
Qual seja a via adotada no processo de análise, fatores estruturais e cul-
turais das organizações celulares ou de pequeno porte, responsáveis pela disse-
minação de fatores macro influentes, têm como plano de fundo a influência de
aspectos históricos e sociais que permeiam a ação humana e individual. Há aqui
como silogizar que estruturas caracterizadas pela sua simplicidade estrutural
e na condução personalista, vêem-se imersas em inúmeras possibilidades nas
discrepâncias com macroteorizações por elas esperadas para a inserção no rol
de estruturas diferenciadas e competitivas. Assim sendo, as pequenas estruturas
sociais, expõem e influenciam seus nichos no mercado ou em outras estruturas
sociais de maior porte quando os indivíduos as adentram.

3 CONCLUSÕES

No momento em que as conclusões sobre a exposição das ideias aqui


expostas se encaminham, o Brasil tem o resultado da primeira fase das eleições
para presidente e a definição dos quadros para senadores, governadores, depu-
tados federais e estaduais. Longe de uma coincidência, o quadro que ora se
apresenta, especialmente no que se refere ao resultados do primeiro turno para
presidente, esse caráter formalista e difratado da sociedade brasileira é exposto
de maneira cabal. Enquanto o quadro para o executivo mostra tendência pro-
gressista, a composição dos quadros para o legislativo federal, estadual e Senado
apresentam composição majoritariamente conservadora ou, no mínimo, passí-
vel de trânsito fluído entre as duas extremidades.
Tal situação implica, ao menos para a configuração do executivo de ca-
racterística progressista, enormes dificuldades de consolidação de sua ideologia
ou princípios. Dentre tantos exemplos, cito aqui o estado de Minas Gerais, onde
governo estadual, senador, deputados federais e estaduais representam, em sua
maioria, posicionamentos mais tendentes ao conservadorismo, enquanto, no pri-
meiro turno, o candidato progressista ao executivo obteve maioria. Esse quadro
154
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

Institucional, que reflete essa plasticidade, trânsito e paradoxo, só vem reforçar


aquilo que se enfrenta no cotidiano social do país e nas dificuldades que profes-
sores, gestores e líderes enfrentam no processo de homogeneidade técnica para
a formação de traços mais competitivos de nossos alunos e profissionais.
Ora nos apresentamos conservadores e exigentes, ora clama-se por posi-
cionamentos mais progressistas e postergadores e, muitas vezes, cumpridores de
ações protocolares que exijam maior consistência sobre aquilo que exigem as
instituições. De forma não diferente, muitas vezes as instituições, em especial as
educacionais e produtivas, cumprem de forma protocolar imposições oriundas
de esferas superiores ou de entidades regulatórias
A mitigação do formalismo, equilíbrio nos níveis de prismatismo espe-
cialmente na educação, demandam a necessidade de uma pedagogia institucio-
nal de altíssima complexidade para a competitividade e amadurecimento das
estruturas organizacionais adaptadas às características da evolução histórica
brasileira e que, independente das paixões ideológicas, trabalhem pelo sentido
de nação, de grupo, que sobreponha o interesse coletivo ao interesse individual.
À configuração do sistema de ação cultural proposto por Barros e Prates
(1997) precede uma série de análises sobre o processo de formação da nação
brasileira que influenciaram o nosso modus produtivo. As alternâncias institu-
cionais de governo desde a era pré-descobrimento, trataram de imprimir plasti-
cidade à sociedade brasileira, que hoje se vê imersa em um contexto cruel para
a construção de fatores geopolíticos e de competitividade. Há de se ter o enten-
dimento da posição institucional no âmbito político, de administração e de lide-
rança para que, de fato, haja exemplos a serem disseminados para aqueles que
recebem a delegação de liderança e que exerce a ação sobre liderados.
Há de se disseminar o sentido matricial5 nas estruturas – o que é quase utópi-
co em ambiente brasileiro - diante da sanha de concentração de poder tão comum
naqueles que o detém, que estão na posição de topo do comando de estruturas.
Em muitos casos, essa capacidade de adaptação e resignação aos impera-
tivos institucionais pelo subsistema social nos apresenta também uma série de
fatores positivos, como por exemplo, o estímulo à criatividade no contorno e na
resolução de problemas que se revestem de uma capa técnica na reinterpretação
daquilo que emana das instituições. No entanto, há de se promover a mitigação
de aspectos sobre o “faz de conta” com resultados perenes presente nos sub-
sistemas institucional e pessoal, sejam eles de natureza produtiva, de serviços
e, em especial, nas estruturas educacionais.

5 Estruturas que levem a construção de uma ideia com a colaboração do conhecimento e


participação de todos. Muito útil e rica em grupos de trabalho e colaboram tanto no sen-
tido social-democrático, quanto no enriquecimento da construção do conhecimento e na
qualidade e produtividade de produtos e serviços.
155
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

O posicionamento prismático, ou seja, não congelado em posições con-


centradas ou difratadas são altamente benéficas também para colaborar para
as baixas dos níveis de preconceitos. São, no entanto, perniciosas, quando esse
trânsito se dê meramente pelo interesse de subsistência ou permanência nas es-
truturas e corrompam aspectos de valores internos dos indivíduos. Nesse po-
sicionamento sadio, que cria a tolerância ao diferente, são observados o papel
essencial das instituições como configuradoras da dinâmica social. Sobre insti-
tuições e na colaboração que promovem para a formação consciente e consisten-
te de indivíduos, atribuo a grande responsabilidade.
O que no primeiro momento possa parecer conservador, é adaptável a
quaisquer ideologias; as instituições que efetivamente se apresentarem técnica e
verdadeiramente preparadas são aquelas que efetivamente levarão à construção
de indivíduos e organizações capazes, com alto grau de autonomia e efetivamen-
te integradoras. Organizações e indivíduos são reflexos institucionais.

REFERÊNCIAS
AMORIM, Mauro Pires. Administração em Países em Transição: Riggs e o
modelo prismático. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro,RJ. V2. N.7, p.
113-129, dez. 1996.
BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMIA. EMPREENDEDORISMO: Mais
de 1,3 milhão de empresas são criadas no país em quatro meses. Disponível
em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2022/julho/
mais-de-1-3-milhao-de-empresas-sao-criadas-no-pais-em-quatro-meses. Acessa-
do em 01-10-2022 às 11:06.
DAMATTA, Roberto. A casa & a rua. Espaço, cidadania, mulher e morte no
Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
PRATES, Marco Aurélio Spyer; BARROS, Betania Tanure de. O estilo brasi-
leiro de Administrar. São Paulo: Atlas, 1997.
RAMOS, Guerreiro. Administração e estratégia de desenvolvimento. Rio de
Janeiro: FGV, 1966.
RIGGS, Fred W. Ecologia da Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV,
1964.

156
DE ALCOBAÇA À CIDADE DA ENERGIA:
A INTENSA E ACELERADA EXPANSÃO DO
MUNICÍPIO DE TUCURUÍ (1978-1985)
Marta Macedo1
Alberto Damasceno2

INTRODUÇÃO

Tucuruí é uma cidade localizada no sudoeste do Pará, seu nome deriva-se


da língua tupi antiga que significa “gafanhotos verdes” com a articulação de
tukura (gafanhoto) e oby (verde). A explicação da origem da palavra nos faz
lembrar uma metáfora que cabe perfeitamente para relatar um fato histórico que
aconteceu na década de 1970 e que mudaria drasticamente a cidade e a região,
quando um amplo número de sujeitos de várias regiões do Brasil, em busca de
trabalho e melhores condições de vida, assemelharam-se a uma ‘nuvem de gafa-
nhotos’ na pequena cidade de Tucuruí.
Este trabalho apresenta alguns dados iniciais da pesquisa que analisa o
processo de implementação de uma rede de ensino particular no período de
1978-1985, na cidade que abrigou a construção da barragem hidrelétrica nas
margens do rio Tocantins no Pará sendo resultado de revisão bibliográfica e
pesquisa documental sobre a educação no período militar no estado do Pará.
Discutir o processo de construção da rede Unidade Integrada de Ensino Tucu-
ruí (UIET) implica, necessariamente, compreender o contexto em que se deu a
implementação dessa rede de educação na Amazônia, nesta medida, contex-
tualizamos historicamente a formação da cidade fazendo uma breve análise das
transformações ocorridas nesta região.
O estudo se caracteriza como resultado de uma pesquisa bibliográfica,

1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará. Mestra em Educação pelo


Programa de Pós Graduação em Gestão e Currículo da Educação Básica (PPEB) da
UFPA. Doutoranda no curso de Pós-Graduação em Educação na Amazônia (PGEDA)
da Universidade Federal do Pará. Exerce cargo de Pedagoga na Universidade Federal do
Pará, Campus de Tucuruí (CAMTUC). [email protected].
2 Professor Titular da Universidade Federal do Pará, atua no Programa de Pós-graduação
em educação da Amazônia (PGEDA) do Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Edu-
cação Básica (NEB/UFPA). Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade católica
de São Paulo (1998). Coordenador do Laboratório de Pesquisas em Memória e História
da Educação (LAPEM). [email protected].
157
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

situado no limite temporal entre as décadas de 1970 e 1980 e nosso campo de


observação teve abordagem local. Na sua primeira parte nos utilizamos de um
levantamento bibliográfico sobre o desenvolvimento da Amazônia a partir de
sua história, das finalidades, dos interesses e grupos amazônidas partindo dos
aportes teóricos de autores que debatem e discutem sobre os problemas dessa re-
gião como Campos e Castro (2015), Mello (2015), Stella (2009), Maciel (2012),
Colares (2011), Trindade Jr e outros.
A construção do referencial teórico que norteará a pesquisa se baseou na
revisão de literatura que debate e discute a região e tem como objetivo identificar
como se deu a formação da cidade em diferentes aspectos, no interior da Ama-
zônia, no decorrer da sua história.
Especificamente sobre a cidade-empresa em Tucuruí foi feito um levanta-
mento no Catálogo de Teses e Dissertações, da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Em termos de periódicos utilizamos o artigo
de Oliveira (2020) que aborda “Cidade-empresa e controle da mão de obra na cons-
trução da usina hidrelétrica de Tucuruí”. Em relação às origens da cidade a busca se
deu nos sistemas de bancos de dados da Biblioteca Central da Universidade Federal
do Pará (UFPA) utilizamos a dissertação de Araújo (2009), que analisa “Os territó-
rios protegidos e a Eletronorte na área de influência da UHE Tucuruí”.
Julgamos importante este estudo, assim como as pesquisas sobre a histo-
riografia da educação na Amazônia para compreendê-la em maior profundida-
de e, como educadores, melhor atuar sobre ela, com o cuidado de “não prescin-
dir do regional, do nacional, e até mesmo do internacional”, (Colares, 2011, p.
189) reconhecendo sua complexidade, tanto do seu vasto território, como da sua
população diversa, dinâmica e plural. Isto é importante para não incorrermos
ao erro de representar a região a partir de um pequeno espaço e, principalmente
para dar voz àqueles que foram esquecidos no decorrer da história.
Com o compromisso de desvelar os acontecimentos para além das apa-
rências, principalmente no caso de uma região que atualmente é centro das aten-
ções no mundo, compactuamos com o entendimento de Colares (2011) acerca
do nosso cuidado em não
produzir ou incentivar a produção de uma história em que os acontecimen-
tos locais sejam autônomos e desvinculados dos grandes projetos que mo-
vem os interesses mais amplos e que ultrapassam os o ambiente e as rela-
ções sociais da localidade específica que esteja sendo objeto de estudo. Ao
contrário, a busca permanente é movida pela compreensão de que há uma
profunda interrelação entre o particular e o geral (COLARES, 2011, p. 188).

Desta maneira está posto, portanto, o desafio de compreender,


identificar e situar nosso objeto estabelecendo uma relação de comple-
xos acontecimentos históricos em um município amazônico.
158
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

ANTIGA ALCOBAÇA

Para expor a formação da cidade de Tucuruí faz-se necessário reforçar o


compromisso de trazer novas narrativas sobre a Amazônia como afirmam Cas-
tro e Campos (2015), rompendo
com as interpretações tradicionais que traduzem uma história linear e de
dominantes, e considera como núcleo central a interpretação dos processos
reais e coletivos, que podem ser lidos, de um lado, na construção da vida
social, do cotidiano, da família, da cultura, das trajetórias sociais, da mo-
bilidade e, de outro, da visibilidade de diferentes formas de dominação, de
resistência e de afirmação de sujeitos (CASTRO e CAMPOS, 2015, p.16).

Os autores destacam que é preciso deixar de lado a visão etnocentrista


que se faz da Amazônia, uma visão de terra inexplorada que precisa ser domi-
nada ou mesmo a ideia da floresta que pode salvar o planeta, e nos fixarmos na
existência daqueles que habitam a região, pois infelizmente, essas ideias ainda
dominam o imaginário popular e tornaram-se hegemônicas ao longo do tempo.
É sempre bom lembrar que os povos originários dessa região foram os in-
dígenas e em Tucuruí não foi diferente. Em suas origens o território foi habitado
pelos povos Asuriní do Tocantins, Paracanã e Gavião. Como afirma Castro e
Campos (2015) os indígenas sofreram dos colonizadores toda forma de violência
visto que explica “o poder colonial e a catequese destribalizaram, desaldearam,
arrancaram os índios de seus territórios e de suas culturas e os levaram, através
de descimientos para outros lugares de redistribuição, ignorando seu pertenci-
mento étnico e territorial” (CASTRO; CAMPOS, 2015, p. 416). É neste senti-
do que a formação da sociedade amazônica, denominada por Maciel (2012)
de sociedade cabocla amazônica sofreu “a natureza beligerante do processo de
conquista da Amazônia pelos portugueses, incluindo as formas mercantis de
organização e exploração do trabalho” (MACIEL, 2012, p. 125).
Alcobaça (primeiro nome da cidade de Tucuruí) foi um dos povoados
mais antigos no sudeste do Pará, tendo sido fundada em 1789, ainda no período
colonial. Segundo Araújo (2008) a localidade surgiu no contexto da construção
de fortes e povoados no século XVII-XVIII com uma economia baseada no ex-
trativismo vegetal da castanha-do-pará. Essas atividades resultaram em grande
movimento na região possibilitando a construção de infraestruturas e se tornan-
do um importante entreposto comercial para a região.
Importante destacar que no período colonial a expansão da área do
Tocantins se tornou expressiva, em decorrência da produção extrativista e da
coleta de drogas do sertão, que conforme Castro e Campos (2015) eram parte
das exportações e consumo interno da Província do Grão Pará e Amazônia,
além de ligar os povoados de Cametá e Alcobaça alcançando a direção oeste do

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

Maranhão e a província de Goiás.


Sobre a colonização de Alcobaça, Da Matta e Laraia (1978) destacam
que os missionários foram os primeiros a chegarem a região, através de des-
cimento3, com o deslocamento dos indígenas para aldeias próximas as vilas,
ocasionando assim muitas mortes devido a doenças e epidemias, às quais os
indígenas eram mais vulneráveis. Os autores também reforçam que, desde
os finais do século XVII, há um aumento e incentivo à produção e cultivo
dos produtos da floresta, colaborando assim para o povoamento da região do
Tocantins; além disso, relatam diversas atrocidades contra os indígenas neste
período, como a separação das suas famílias de origem, a prostituição das
mulheres indígenas, a introdução de novos alimentos, como o açúcar, o arroz,
o café, além da propagação de epidemias, como a gripe dizimando milhares
de indígenas.
A necessidade de exportar castanha e caucho originários de Marabá para
a região do Tocantins determinou, no início do século XX, a construção da Es-
trada de Ferro Tocantins. Sobre este assunto, Da Matta e Laraia (1978) apontam
que
Alcobaça ressurge e toma um impulso maior quando em 1927, efetiva-
mente inicia-se a construção da ferrovia, obra que somente foi completada
no início da década de quarenta. Rasgar a mata virgem foi um trabalho
lento e penoso. Os 117 quilômetros de estrada custaram dezenas de víti-
mas. Mais mortíferas que ‘as taquaras dos caboclos’ eram as picadas dos
mosquitos: a malária, como ainda hoje acontece, abriu muitos claros nos
grupos dos trabalhadores (DA MATTA; LARAIA, 1978, p. 31).

A Companhia Ferroviária e Fluvial de Tocantins Araguaia era a responsá-


vel pela construção da Estrada de Ferro Tocantins que tinha no seu trajeto Alcoba-
ça (Tucuruí) à Praia da Rainha. A seguir constam imagens do mapa da EFT, que
tinha uma litorina que transportava apenas 18 passageiros, por isso, muitas vezes
amontoavam passageiros nos vagões de cargas; eram frequentes os descarrilha-
mentos devido aos dormentes podres, além das viagens durarem semanas.
Pelos motivos elencados em 1890 foi criada a Companhia Ferroviária
e Fluvial de Tocantins Araguaia que ia de Alcobaça (Tucuruí) à Praia da
Rainha.

3 Descimento eram as expedições jesuíticas que tinham como objetivo doutrinar e aculturar
os indígenas com os ensinamentos cristãos e habituá-los ao trabalho rotineiro. A maior
parte da tarefa extrativas das drogas do sertão era dos indígenas.
160
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

Figura 1 – Mapa da EFT

Fonte: : <http://www.vfco.brazilia.jor.br>.

Com a sua construção aconteceu o primeiro grande deslocamento de pes-


soas para a região em busca de trabalho, principalmente nordestinos, mocajuben-
ses e cametaenses. A EFT foi a primeira grande obra que traria, supostamente,
desenvolvimento para a região foi um retrato do descaso e da descontinuidade,
tão presentes na história política do nosso país e não alcançou efetivamente o
seu objetivo, pois o governo a desativou em 1974 para dar início a uma nova
empreitada que também tinha como objetivo o tão sonhado desenvolvimento.
Segundo Da Matta e Laraia (1978) foi somente a partir do século XX que
os esforços para o povoamento da região do Tocantins, através da extensa co-
mercialização da castanha e a existência da estrada de ferro, fizeram aumentar a
população na área urbana do município.
Uma característica de desenvolvimento que reforça as desigualdades so-
ciais na região e a cada ocupação de um grande projeto, gera profundas transfor-
mações no espaço e na sociedade, além de conflitos de terra, pobreza, miséria

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

a uma imensa maioria da população. Além disso, as teorias sobre o desenvolvi-


mento se transformariam no período de transição do século XX para o século
XXI ampliando para
desenvolvimento regional, crescimento econômico, mercado de trabalho
formal e informal, classes sociais, desigualdades sociais, distribuição de
renda, pobreza e alienação, mas sempre giravam no âmbito do desen-
volvimento capitalista e do projeto de modernidade, reduzíveis assim, à
matriz do crescimento econômico. As crises cíclicas do capitalismo, além
da reforma do Estado sob programas de ajustes neoliberais advindas de
instituições globais, pressionaram, e tensionam ainda mais o planejamen-
to governamental e as estratégias de crescimento econômico (CASTRO e
CAMPOS, 2015, p. 26).

Sobre este assunto Mello (2015), corrobora que


Desde o longo período colonial até a recentemente proclamada república
(1889), o modelo de ocupação e exploração da Amazônia esteve assenta-
do no que pode ser cunhado de economia de saque: atividades extrativas de
produtos primários, de baixíssimo valor agregado, destinados à comercia-
lização e industrialização em centros mais desenvolvidos, sem retenção de
excedente à economia (MELLO, 2015, p.91).

Mello (2015) destaca três grandes ciclos econômicos para a região: os 300
anos das ‘drogas do sertão’ no período colonial, os 60 anos do período da borra-
cha e os 10 anos do dito ‘milagre econômico’ no período militar e a implantação
dos grandes projetos para a Amazônia que se constituíram em iniciativas nas
áreas de mineração, madeira, agropecuária e energia elétrica, modificando de
modo estrutural a economia e o meio ambiente.
O dito “milagre econômico” no período militar deu origem às primeiras
ideias sobre a construção da barragem de Tucuruí, uma empreitada do capitalis-
mo para a região que seria tema de extensos debates no campo social, político,
ambiental e econômico pois como vimos, modificaria drasticamente a pequena
cidade de Tucuruí4 que passou a ser conhecida como “cidade da energia”.

CIDADE DA ENERGIA

A construção da barragem da Usina Hidrelétrica de Tucuruí nasce no


contexto das políticas de desenvolvimento econômico do regime militar no pe-
ríodo de 1964 a 1985. Segundo Castro e Campos (2015) ao estado do Pará era
reservado o papel de contribuir para a redução do déficit nas contas exter-
nas do país. Os investimentos se concentraram em grandes projetos primá-
rios-exportadores, dos quais se destacam a exploração de minas de ferro de

4 Tornou-se Tucuruí em 1947, com o Decreto Legislativo n. 4.505, de 30 de dezembro de


1943 no governo de Magalhães Barata.
162
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

Carajás pela Companhia Vale do Rio Doce, e de alumínio em Barcarena


pelo Complexo Albrás-Alunorte, associados a construção da Hidrelétrica
de Tucuruí (CASTRO e CAMPOS, 2015, p. 448).

Quando os militares chegam ao poder, em 1964, eles criam uma nova


forma de administrar o Estado, com uma política autoritária e medidas refor-
mistas para modernizar a burocracia nacional. Além disso, a construção da
barragem de Tucuruí era parte do planejamento das ações do governo militar
tendo como premissa o ideário nacional-desenvolvimentista para a Amazônia.
As ações voltadas para a Amazônia se organizaram através de vários planos,
com a UHT fazendo parte do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND)
do governo Geisel, no campo de atuação dos Complexos Mínero-Metalúrgico e
foram mais descritos no II Plano de Desenvolvimento da Amazônia (PDAM),
obtendo uma melhor cobertura por ter imagens de radar do projeto Radar da
Amazônia (RADAM).
Sobre a construção da UHT Gomes e Rocha (2002) elencam fatores inter-
nos e externos. Externos as sucessivas altas do petróleo na década de 70 e o exce-
dente no mercado financeiro internacional, ocasionando às formas de endivida-
mento externo, quanto aos internos, o governo ditatorial facilitou uma tomada
de decisões com o intuito de equilibrar o território e difundir a ideia de moderni-
zação da sociedade sendo a energia fundamental para a industrialização.
A construção da barragem foi um projeto do Estado ditatorial que além
do objetivo de contribuir para o desenvolvimento econômico do país, visava o
desenvolvimento e a segurança nacional. A barragem favorecia aos interesses de
controlar e dominar o extenso território amazônico, contribuindo para o proje-
to de extração mineral e captação do capital estrangeiro. Entretanto, durante o
período de sua construção gerou grandes impactos ambientais e sociais efeitos
negativos à população nativa.
Aqui é importante retomarmos a metáfora da “nuvem de gafanhotos”
pois ilustra um dos efeitos da implantação do projeto. Oliveira (2020) informa
que a hidrelétrica
foi a primeira barragem desse porte a ser construída em uma área de flo-
resta tropical úmida, e permanece até hoje uma das maiores barragens do
mundo. Essa obra mobilizou mais de 25 mil trabalhadores e trabalhado-
ras, 700 máquinas e é hoje a principal usina geradora do subsistema Norte
do Sistema Interligado Nacional de energia, gerando hoje em média 8.370
MW (OLIVEIRA, 2020, p. 04).

Além dos grandes desafios impostos pela natureza para a construção


da barragem a autora também destaca que para além de atrair mão de obra
para a construção, houve o desafio de fixar esses trabalhadores na região, daí a

163
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

necessidade da instalação de uma cidade-empresa5 para abrigar os trabalhado-


res, ampliando ou implantando serviços urbanos para atendê-los e, nesse contex-
to, a criação de uma rede privada de ensino.
A instalação de cidades-empresa na região Amazônica, espaços criados
por empresas para abrigar trabalhadores na região, não foi inédita em Tucuruí.
Desde a fundação de Fordlândia na década de 1920 em Belterra até a vila Cara-
jás (da Vale) e a vila de Barcarena (da Albrás) estas são estratégias utilizadas na
fixação dos trabalhadores na região.
Na instalação da Estrada de Ferro Tocantins (EFT), quando Tucuruí ain-
da se chamava Alcobaça, Oliveira (2020) destaca que já havia um processo de
urbanização como company town já na sua implantação, contudo a Eletronorte
repetiu o mesmo processo, contudo, de forma bem mais ampla e acelerada. Con-
forme Oliveira (2020)
A Vila Permanente que começou a ser construída em 1976, foi a verdadeira
cidade-empresa, enclave da Eletronorte no local, que deveria ser usada não
apenas na fase de construção, mas também durante a operação da usina e
que existe até hoje. Essa área foi projetada para abrigar 34.000 habitantes,
mais de seis vezes a população de Tucuruí antes da barragem. Aproveitando
a topografia local, ela foi construída no alto para oferecer uma vista panorâ-
mica da barragem e de seu lago (OLIVEIRA, 2020, p. 11).

Além do impacto demográfico com o aumento populacional a cidade so-


freu diversas transformações ambientais transformações do espaço6. O nosso obje-
to de pesquisa se encontra neste espaço de profundas transformações e nos impõe
um grande desafio de compreender como se deu o processo de implementação e
organização de uma rede de educação para atender a esse grande projeto.
Oliveira (2020) aponta as diferenças na infraestrutura física entre os que
moravam nas vilas residenciais que abrigavam os trabalhadores e os moradores
da cidade. A autora define como “cidade livre”, por não ter o controle exercido
pelas empresas, como a Camargo Corrêa e Eletronorte, destaca
Enquanto a maioria dos trabalhadores da barragem tinha acesso a água,
eletricidade, sistema de esgoto, educação, saúde, entre outros serviços pú-
blicos e instalações urbanas e de lazer fornecidas pela Eletronorte, a popu-
lação (antiga e nova) da velha Tucuruí vivia em grande parte em condições

5 Segundo Marin “A cidade empresa é a matriz formativa de uma organização que se desen-
volve sob uma forma particular de sociedade industrial na região amazônica, portanto, ela
não aparece com outra vocação, com outra cultura ou ethos urbanos, a não ser a própria
fisionomia da empresa a sua logomarca” no prefácio do livro Cidade e Empresa na Ama-
zônia: gestão do território e desenvolvimento (2002).
6 Segundo a autora, além de 2.430 km2 de área inundadas para o reservatório (duas vezes
maior que o Estado do Rio de janeiro), para o canteiro de obras foi desmatada uma área
de 191.840 m2 (o equivalente a 26 campos de futebol) quanto ao aumento da população
cerca de 70% dos trabalhadores vinham das regiões Sul e Sudeste.
164
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

totalmente precárias. A prefeitura de Tucuruí não possuía o mesmo orça-


mento da Eletronorte e enfrentava a multiplicação desordenada de sua
população (OLIVEIRA, 2020, p.21).

Sobre os grandes projetos Trindade Jr e Rocha (2002) apontam resulta-


ram em profundas transformações no espaço provocando rupturas na ocupação
deste espaço e nas relações sociais ali contidas. A necessidade de criar um espa-
ço urbano para abrigar os trabalhadores da obra ao mesmo tempo que serve de
suporte para o empreendimento apresentam fatores específicos:
a) representam uma espécie de extensão da linha de produção das empresas
que estão ligadas; b) pela sua natureza, concepção e densidades técnicas,
tendem a negar os padrões regionais de urbanização, definidos ao longo
do processo de produção do espaço amazônico; c) caracterizam uma nova
forma de gestão do espaço local e regional, dada a relativa autonomia eco-
nômica e ‘política’ de que são investidas, haja vista que, como integrantes
das empresas, centralizam decisões, dispõem de recursos financeiros e con-
centram a maior parte do pessoal qualificado; d) ainda que em alguns casos
se apresentem como ‘cidades abertas’, a concepção urbanística que as carac-
teriza, de ‘natureza fechada’, acabam por defini-las como verdadeiros ‘en-
claves urbanos’, capazes de assegurar as atividades da empresa e o controle
da força de trabalho (TRINDADE JR e ROCHA, 2002, p. 18)

Como aponta Pereira; Silva e Ferreira (2002) ao entrar na Vila Residencial


a 11 km da cidade de Tucuruí “tem-se a impressão de estar entrando em um
‘outro mundo’. É a realidade de um mundo intencionalmente produzido, racio-
nalmente organizado” (2002, p. 60). A vila é toda programada, o traçado das
ruas, os edifícios, a escolha do terreno tudo foi feito com objetivos específicos e
de acordo com as necessidades da empresa, além da proximidade à Usina que
facilita o acesso dos trabalhadores ao canteiro de obras.
De acordo com Trindade Jr e Rocha (2002) “A concepção urbanística
desenvolvida foi pensada para adequar o perfil do relevo à estratificação sócio-
-profissional desejada pela empresa, isto é, a morfologia do terreno atende à
intencionalidade de segregação espaço-funcional” e ainda aponta “esta forma
de organização espacial não possibilita uma maior integração dos vários seg-
mentos existentes, exercendo a empresa o controle e monopólio sobre o espaço
produzido” (2002, p. 61).
O estudo sobre a UIE que estava inserida dentro de uma cidade empresa
requer uma compreensão maior das relações estabelecidas neste espaço de pro-
fundas transformações e complexidades. A referida instituição chegou a ter 18
unidades escolares e atendia da educação infantil ao ensino médio profissionali-
zante, aglutinando um total de 22 mil estudantes7.

7 De acordo com relatórios da UIE nos arquivos da biblioteca pública da Vila Permanente
em Tucuruí.
165
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

Imagem 1 – Vila Permanente

Fonte: blogtucurui.blogsot.com

A rede Unidade Integrada de Ensino Tucuruí (UIET) foi criada em 1978,


no contexto de uma Ditadura Civil Militar e tinha como principal característica
a oferta de educação formal para os filhos dos funcionários das empresas Ele-
tronorte e Construtora Camargo Corrêa, além de outras empresas que atuavam
na construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí – UHT. A escolha do período
que demarca este estudo se deu por conta do início da criação da rede UIET no
final da década de 1970 e seu término em 1985, concomitante à chegada dos tra-
balhadores para a construção da usina e seus familiares. A referida rede chegou
a ter 18 unidades escolares oferecendo turmas de escola infantil a turmas de 1º
e 2º grau com as habilitações de ensino profissionalizante (magistério, edifica-
ções, saúde e administração) com prédios escolares próprios, a manutenção da
estrutura física assim como a política de formação e contratação de professores
cabendo exclusivamente à Construtora Camargo Corrêa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo procurou identificar a expansão de uma cidade na Amazônia


levando em conta os problemas e interesses sociais, econômicos e políticos que
permearam esse processo, sendo importante destacar que a implementação de
um grande projeto num período regido pelo autoritarismo ocasionou profundas
modificações em diferentes aspectos.
Neste trabalho, observamos a importância de aprofundarmos a historio-
grafia da educação no Pará e na Amazônia com um duplo desafio, de compreen-
der a historiografia sobre projetos hidrelétricos, como afirma Oliveira (2020), e
de identificar a implantação de uma rede de ensino privada inserida neste lócus,

166
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

tão diferenciado, modificado e controlado. Além disso, tal investigação nos de-
manda diversos questionamentos sobre a relação pública e privada das empresas
e do Estado que organizaram esta rede de ensino para a região, mantendo um
poder de decisão inquestionável na época, além das profundas transformações
culturais que ocorreram neste espaço devido à presença de sujeitos de outras
regiões, principalmente Sul e Sudeste.
Se os desafios para a Amazônia ainda são muitos, sua superação ou mi-
tigação depende de um novo modelo de desenvolvimento que difira da lógica
capitalista de apropriação privada da natureza, com suas matrizes econômicas
e sociais excludentes e destrutivas. Nesse sentido, são imprescindíveis políticas
públicas de base científica, comprometidas com as demandas das populações
locais e voltadas para as futuras gerações, além de investimentos na ciência e em
pesquisas que valorizem os saberes locais envolvendo maior número de institui-
ções para o fortalecimento da democracia.

REFERÊNCIAS
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de influência da UHE Tucuruí. Dissertação de mestrado. UFPA; Belém, 2008.
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168
CAMPO NOVO DE PARECIS-MT:
UM ESTUDO SOCIOLINGUÍSTICO DA ESCOLA
URBANA JARDIM DAS PALMEIRAS E A
EDUCAÇÃO INDÍGENA
Paula Torres Fernandes1
Karina de Jesus Araújo2
Manoel Mourivaldo Santiago Almeida3

1. INTRODUÇÃO

Segundo a Constituição de 1988, após a aprovação da Lei de Diretrizes e


Bases da Educação Nacional 9394/96, no Brasil, o sistema educacional passou
por uma grande reformulação no que se refere à educação escolar indígena.
Com isso, Santos e Serrão (2017, p. 211) afirma que “surgem necessidades
de discutir o processo de formação de professores não indígenas para atuarem
na educação escolar indígena”. Para tanto, este artigo tem o objetivo de anali-
sar como estes atuam com alunos indígenas nas escolas localizadas em áreas
urbanas do município de Campo Novo do Parecis - MT, em específico, a Escola
Municipal Jardim das Palmeiras e fomentar estudos de cunho sociolinguísticos.
Nesta busca, analisaram-se as leis que regem a educação escolar indígena
voltada para a formação do professor em sala de aula, e como isso contribui ou
não para a aprendizagem dos alunos. A abordagem adotada foi a qualitativa
com enfoque crítico. Diante disso, percebe-se a necessidade que as escolas ur-
banas têm de se adequar à realidade indígena de forma que contribua para sua
formação pessoal, profissional e não esquecer que existem raízes culturais a se
preservar, de forma a evidenciar variações culturais e linguísticas existentes.
Portanto, a política nacional por meio da educação direcionou o conheci-
mento sobre o tema para a escola, multidisciplinando, validando a contribuição

1 Mestranda em Letras: Estudos Linguísticos, Universidade do Estado de Mato Grosso –


UNEMAT, Campus Sinop/MT. Professora da Educação Básica, E-mail: paula.fernan-
[email protected].
2 Mestranda em Letras: Estudos Linguísticos, Universidade do Estado de Mato Grosso
– UNEMAT, Campus Sinop/MT. Professora da Educação Básica pela SEDUC – MT.
E-mail: [email protected].
3 Doutorado Direto em Letras: Filologia e Língua Portuguesa, Universidade de São Paulo/
SP. Professor Titular da Universidade de São Paulo/SP. E-mail: [email protected].
169
EUNICE NÓBREGA PORTELA | DIRCE MARIA DA SILVA | BRUNA BEATRIZ DA ROCHA | REBECA FREITAS IVANICSKA
(ORGANIZADORAS)

para o aprendizado e o exercício de cidadania. Decorrente do papel estratégico


e formativo da história nos currículos escolares, que tem o objetivo de contribuir
para o estudo acerca da educação para cidadania (ALVES e SANTOS, 2016).
Desta forma, o presente artigo busca por meio de uma pesquisa bibliográfica e
de campo, com enfoque sociolinguístico, avaliar o ensino conduzido aos alunos
indígenas, debater a formação contínua dos docentes não-indígenas.

2. MUNICÍPIO DE CAMPO NOVO DO PARECIS-MT

É um município do estado de Mato Grosso, na Região Centro-Oeste do


Brasil. Localiza-se a uma latitude 13º40›31”sul e a uma longitude 57º53›31» oeste,
estando a uma altitude de 572 metros. Sua população estimada
em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de 27.577
habitantes. Maior produtor nacional de girassol e pipoca, possui cerca de 40%
do território destinado às safras de grãos. Possui uma área de 9 448,384 quilô-
metros quadrados (IBGE, 2021)4.

Figura 01: Localização do município e Campo Novo do Parecis/MT

Fonte: IBGE, (2021).

2.1 Contexto Histórico

A história do município de Campo Novo do Parecis, a princípio, se confun-


de com a história dos indígenas Paresi, que ficaram conhecidos como “Parecis”

4 Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/mt/campo-novo-do-parecis.


html. Acesso em: 15 de nov. 2021.
Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mt/campo-novo-do-parecis/historico.
Acesso em 15 de nov. 2021.
170
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

mas a autodenominação é Haliti e na ortografia atual se usa Haliti-Paresi - o ser


humano verdadeiro ( PLANO DE GESTÃO HALITI-PARESI, 2019).
As primeiras referências a este povo são do último quartel do século XVII,
quando o bandeirante Antônio Pires Campos, adentrando a região através do rio
Sepotuba, atingiu um extenso chapadão, o qual denominou “Reino dos Parecis”.
Durante o período de exploração das minas de Cuiabá e Diamanti-
no (século XVIII), as aldeias Paresi constituíram-se em pontos de provisão
de mão de obra escrava, uma vez que eram considerados pacíficos e de “fácil
trato”. Durante o ciclo da borracha no estado de Mato Grosso (início do século
XX), uma das regiões mais ricas em seringais eram os «sertões dos Parecis”.
Com isso, os indígenas continuaram a ser explorados por seringueiros,
que os aproveitaram como guias e, mais tarde, como mão de obra. Em 1907, o
então coronel Cândido Mariano da Silva Rondon passou pela região durante
os trabalhos de instalação de linhas telegráficas a oeste de Cuiabá e, em busca
do rio Juruena, atingiu o Rio Verde e seguiu para o norte em busca do Salto
Utiariti. Rondon, vendo que os índios Paresi estavam sendo explorados na extra-
ção da seringa, convenceu-os a se instalarem próximo da linha telegráfica, trei-
nou alguns deles na manutenção da rede e iniciou a construção de uma escola.
Em 1943, foi criado, através da Lei Nº 545, de 26 de outubro, o distrito de
Utiariti, pertencente ao município de Diamantino. A partir de 1946, Utiariti
tornou-se um centro educacional dos grupos indígenas, sob a égide da Missão
Anchieta. Na missão, os povos indígenas eram proibidos de falar sua língua e
os casamentos entre as diferentes populações eram incentivados, como forma de
forçar o abandono das línguas e culturas indígenas e a adoção da língua portu-
guesa e da cultura não indígena.
A partir daí, uma nova estrada, seguindo o itinerário da antiga linha tele-
gráfica de Rondon, foi construída na década de 1960 e pavimentada na década
de 1980, incentivando o desenvolvimento econômico da região.
Durante a década de 1970, houve a abertura de fazendas e a instalação de
famílias de migrantes vindos, principalmente, dos estados da Região Sul e Nordeste.
Diversas dessas famílias assentaram-se à beira da estrada entre Diamantino e Utia-
riti. Com o fim da missão indígena, o local prosperou e tornou-se sede do distrito.
A Lei Nº 5 315, de 04 de julho de 1988, de autoria do deputado estadual Jaime
Muraro, criou o município de Campo Novo do Parecis, desmembrado do município
de Diamantino, IBGE (2021) e Plano De Gestão Haliti-Paresi (2019).

3. ESCOLA MUNICIPAL JARDIM DAS PALMEIRAS

A Escola Municipal Jardim das Palmeiras (EMJP), fundada em 10 de maio


de 1999, sendo autorizada a funcionar pela Resolução Nº 057/00, localizada à rua
171
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

Arara Azul, 580 NW, Bairro Jardim das Palmeiras, Cidade de Campo Novo do
Parecis – MT. Ela tem um papel social importantíssimo no município por atender
crianças de bairros periféricos, proporcionando, além de aprendizado, socializa-
ção, inclusão, e benefícios às famílias como, por exemplo, parcerias com atendi-
mento médico oftalmologista, distribuição de óculos, cestas básicas e etc.
Conforme consta no Plano Político Pedagógico (2021), a EMJP tem
como alguns de seus objetivos garantir os conhecimentos básicos a todos os
alunos matriculados, possibilitando-lhes um ensino de qualidade bem como
contribuir para a formação do aluno tendo como meta à participação contínua
na comunidade, na efetivação do conhecimento, da cultura e dos valores éticos
e morais, alicerçados nos conhecimentos técnicos e científicos e ainda, aperfei-
çoar os meios de integração entre escola e comunidade, buscando disseminar a
participação e a cooperação O que justifica a fala anterior sobre à escola exercer
cunho social na comunidade. A Figura 02 mostra a fachada da escola.

Figura 02: Escola Municipal Jardim das Palmeiras

Fonte: Escola Municipal jardim das Palmeiras.

3.1 Aspectos Sociolinguísticos na Educação Urbana de Indígenas

A Educação Escolar Indígena tem sido uma temática relevante para a rea-
lização de estudos em diferentes áreas, tendo em vista o conjunto de diretrizes,
documentos e amparos legais que evidenciam o reconhecimento do direito dos
índios a firmarem a identidade sociocultural, o uso de suas línguas maternas e
os processos próprios de aprendizagem, no intuito de proteger as manifestações
das culturas indígenas e salvaguardar as línguas (COELHO e ANDRADE, 2021
apud, BRASIL, 1988; BRASIL, 1996; BRASIL, 1998).
Para Barcellos (2016, p. 08), retratar a Sociolinguística é:
Pensar sobre o estudo da língua falada vinculada ao contexto social, sob
a influência de fatores como etnia, sexo, faixa etária, nível social, grau de
formação etc. Estudar a fala das comunidades linguísticas requer alguns
cuidados durante a coleta de dados, de forma a garantir a cientificidade do
método sociolinguístico.
172
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

Para Bortoni-Ricardo (2004, p. 23):


Um domínio social é um espaço físico onde as pessoas interagem assumin-
do certos papéis sociais. Os papéis sociais são um conjunto de obrigações
e de direitos definidos por normas socioculturais. Os papéis sociais são
construídos no próprio processo da interação humana. Quando usamos a
linguagem para nos comunicar, também estamos construindo e reforçan-
do os papéis sociais próprios de cada domínio.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010):


Os resultados do Censo 2010 apontam para 274 línguas indígenas faladas por
indivíduos pertencentes a 305 etnias diferentes. Essas declarações ultrapassa-
ram as estimativas iniciais feitas pela FUNAI. Entretanto, no que diz respeito
aos números totais de língua e etnia, há ainda a necessidade de estudos lin-
guísticos e antropológicos mais aprofundados, pois algumas línguas declara-
das podem ser variações de uma mesma língua, assim como algumas etnias
também se constituem em subgrupos ou segmentos de uma mesma etnia.

Conforme Bortoni-Ricardo (2005, p. 128), “a Sociolinguística Educacio-


nal compreende todas as propostas e pesquisas sociolinguísticas que tenham por
objetivo contribuir para o aperfeiçoamento do processo educacional, principal-
mente na área de ensino de língua materna”. Assim, ela entra com um papel im-
portantíssimo ressaltando o valor cultural, a variação, e o respeito à diversidade.
Nesse contexto, a Escola Municipal Jardim das Palmeiras tem a função so-
ciolinguística para com seus alunos indígenas, pertencentes da Etnia Haliti-Paresi.
Este alunado, além do apoio educacional, frente ao ensino da língua portuguesa,
necessita de mecanismos de inserção cultural urbano, socialização adequada, e
principalmente a manutenção da sua língua materna nesse processo de aprendiza-
do. A Foto 04 evidencia a tentativa de socialização dos alunos da escola.
O Brasil é, ainda, multilíngue: além das línguas trazidas por imigrantes,
das variedades regionais do português brasileiro e dos falares afrodescendentes,
estima-se que no país ainda sobrevivem, em graus variados de vitalidade, em tor-
no de 160 línguas ameríndias, distribuídas em 40 famílias, duas macro famílias
( troncos) e uma dezena de línguas isoladas (FRANCHETTO, 2016.p.01).
Vale a pena lembrar que isso evidencia o plurilinguismo, que faz com que
diferentes línguas entrem em contato. Os contextos como ocorrem esses conta-
tos, seja na figura do sujeito bilíngue ou na situação específica de aquisição de
uma língua, configuram-se como os primeiros objetos de estudo da Sociolinguís-
tica (CALVET, 2002, p. 35).
Para Oliveira (2019, p. 42), “o contato linguístico se define quando há
falantes de línguas diferentes convivendo em uma mesma comunidade”. Ob-
serva-se que o fenômeno do contato linguístico não se restringe à uma língua
específica: pode acontecer a qualquer língua, desde que coexista com outra. Para

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(Organizadoras)

Calvet (2002, p. 36), “o indivíduo também pode estabelecer o contato entre lín-
guas quando são utilizadas alternadamente pela mesma pessoa”.
Ademais, Mussalin (2001, p. 31), “apresenta como estudo da Sociolin-
guística, observa as relações entre linguagem e sociedade, que se funda mediante
um contexto histórico e cultural construído ao longo do tempo”. O estudo da
Sociolinguística é o estudo da língua falada, observada, descrita e analisada em
seu contexto social.
Tem como ponto de partida uma comunidade linguística específica e o
compartilhamento verbal de um conjunto de normas a respeito dos usos linguís-
ticos. Essa comunidade de fala se caracteriza por indivíduos que se relacionam
por meio de redes comunicativas diversas e que orientam seu comportamento
verbal por um conjunto de regras comuns (MUSSALIN, 2001. p. 31),
A Linguística é uma ciência ampla e abrange também o estudo da “mor-
fologia”, que vem a ser o processo de formação das palavras e suas classificações
no que tange o aspecto gramatical; porém para que tal fenômeno faça sentido,
devem ser levados em consideração os aspectos socioculturais da comunidade.
Desta forma, a definição de uma palavra não é simples, e no caso dos neologis-
mos, estão atrelados à falta de itens lexicais para que estabelecer um canal de
comunicação linear, como afirma Mussalin (2001, p. 78).
Assim, as pessoas são confrontadas cotidianamente com problemas na
comunicação, apesar de todas elas serem utentes de alguma língua natural. Com
isso, todos os dias surgem à necessidade de novas palavras para nomear coi-
sas, objetos, etc. que sua língua não designava antes. Esse processo criativo é
conhecido como “neologismo”. Calvet (2002, p. 35), “assinala ser essa uma
realidade universal, e que apresenta registros desde o período de colonização”.
Ainda Calvet (2002, p. 33), “ressalta que os itens lexicais fazem parte do
“léxico”, um conjunto de palavras pertencentes à determinada língua (dicio-
nário)”. Esta língua estará sempre em processo de mudança em sua estrutura
interna ou nas atitudes linguísticas. A ação sobre a língua apresenta diferentes
objetivos entre eles a revitalização da língua em sua forma escrita ou falada. A
Sociolinguística, portanto, é a linguística constituída em um campo amplo de
estudo, englobando: morfologia, neologismos, o léxico, dentre outros objetos.
A língua é fruto das experiências socioculturais do povo que a fala, como
também traduz sua singularidade nas formas de representar as relações que a
permeiam e que a morte de uma língua significa uma perda imensurável para a
humanidade. No caso do Brasil, apesar da exigência do uso da língua portuguesa,
outras línguas, mesmo sendo minoritárias não deixaram de existir, foram sendo
extintas, por serem menos prestigiadas pela sociedade (OLIVEIRA 2019, p. 43).
Os conflitos do contato linguístico não possuem ordem estrutural formal,

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Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

sendo antes dinâmicos, em que a ação dos falantes de uma comunidade sofre in-
fluência da língua de contato, de patamar dominante, respaldado na política de
línguas exercida pela sociedade. Essa é a mesma realidade da Escola Municipal
Jardim das Palmeiras, localizada em área urbana, a ser investigada, em que a
língua padronizada é o português e a minoritária é o indígena.

4. EDUCAÇÃO INDÍGENA: CONTEXTO HISTÓRICO

Conforme Santos e Serrão (2017, p. 211),


No Brasil, no período da colonização, a oferta de educação escolar às
comunidades indígenas foi realizada pelas missões jesuítas que tinham
como objetivo a catequização, “civilização” dos indígenas, forçando-os a
abandonar seus hábitos, costumes e tradições, para adotar o catolicismo
e integrar-se a sociedade nacional, tornando-se um ser “social”. Desde o
primeiro contato com o homem “civilizador”, os povos indígenas mos-
traram um modo de vida próprio, com educação “diferenciada” daquela
que chegara, sendo vista como inadequada para a educação tradicional
do “colonizador”. A escola que os colonizadores trouxeram junto com
as missões, era de uma concepção de outro mundo, da “modernidade”
ocidental, baseada na ciência moderna, que trazia um projeto educativo
de formação cristã, em que a escola serviria como instrumento de imposi-
ção de valores e negação das identidades indígenas, perspectiva diferente
do tipo de educação que os povos indígenas estavam acostumados a ter,
uma educação baseada na reciprocidade, na família e na religião expressa
na história, no conhecimento ancestral desses povos, num todo integrado.

Em seguida, as comunidades indígenas passaram pelo “plano civilizador”


do Padre Manuel da Nóbrega em 1558, que objetivava recriar a vida dos povos
indígenas por meio de princípios que nortearam e modificaram a vida dos povos
indígenas, fazendo com que eles ficassem em um lugar determinado e que pu-
dessem recriar sua aldeia e lá morar.
Porém, em 1757 os jesuítas foram expulsos do Brasil, e os aldeamentos
foram elevados à categoria de vila, sendo criado o Diretório que representava o
Governo na relação entre este e a mão de obra barata (indígena). Com a implan-
tação dos diretórios, massificou-se a escravidão indígena para o trabalho braçal
e certos ofícios como mecânica, oficinas entre outros (SANTOS e SERRÃO,
2017).
Em 1798 foi revogado o Diretório dos Índios e até 1845 nada o substituiu
oficialmente. Com o decreto 426 de 24 de julho do referido ano, regulamentou-
-se as Missões para que as mesmas voltassem para o Brasil (SECAD, 2007).
Conforme Novaes (2006, p. 01):
O início das políticas indígenas remonta o princípio do governo republicano,
vista a criação de órgãos em defesa ao índio. Somente na década de 1970,

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(Organizadoras)

sob iniciativa das organizações não-governamentais, tiveram início os pri-


meiros encontros de povos indígenas para discutir e reivindicar seus direitos.

Com isso, os povos indígenas começaram a reivindicar uma educação


escolar de qualidade desde a década de 70, no qual o fator mais importante era a
valorização da diversidade linguística dos povos indígenas e que estes pudessem
utilizar sua língua materna no processo de alfabetização no contexto escolar.

4.1 Indígenas Parecis/ Haliti-Paresi

A Chapada dos Parecis, no Noroeste do Mato Grosso, é constituinte do


divisor das bacias amazônica e platina, e identifica geograficamente a região do
Rio Sacuriuiná, onde há a Ponte de Pedra, o lugar de origem do povo (REGINA,
2011 p. 89).
Segundo Rondon (1947, p. 05):
As primeiras informações sobre os Parecis são devidas a Antonio Pires de
Campos, que na sua breve notícia (Revista do Instituto Tomo XXV, Rio de
janeiro, 1862), descreve o Reino dos Parecis como existia em 1723. Eram
os índios muito numerosos naquela época; em um dia de marcha passa-
vam-se 10 e 12 aldeias, cada uma contendo 10 a 30 casas redondas de feitio
de um forno, muito altas [...]

Conforme o Plano de gestão Haliti-Paresi (2019, p. 08), “ficaram conhe-


cidos como “Parecis”, mas a autodenominação é Haliti e na ortografia atual se
usa Haliti-Paresi (o ser humano verdadeiro)”.
Uma das próximas notícias mais concreta sobre os Halitis, no século
XVIII, quando os movimentos coordenados pelas bandeiras. Paulistanos que
seguiram sertão adentro, à procura de ouro e escravos indígenas - principalmen-
te os Haliti-Paresi, a forte motivação rumo à colonização de Mato Grosso e a
fundação de suas primeiras vilas e cidades (PLANO DE GESTÃO HALITI-
-PARESI, 2019, p. 16).
Assim, Campos (1862, p. 433) relata:
(...) Todos os rios por donde habitam os Paresis, e todos os mais que não
posso nomear correm para as águas do Grão-Pará e desta chapada indo
para baixo também habitam nações que confinam com o Grão-Pará.
Os do fronteiro chamam-se Poritacas, estes avizinham com outra nação
chamados Cabixis, estes vivem de andar a corso matando gente para seu
sustento e com a mesma carne criam seus filhos, por cuja causa são mui
temidos, e para adiante vai mais gentio e aldeias aonde não cheguei (...)

4.2 A Educação Escolar

Sobrinho (2011, p. 243), afirma que “a escola deveria representar, para as

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Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

crianças indígenas, uma grande possibilidade de aprenderem os conhecimentos


necessários para o relacionamento com a sociedade envolvente, e que garantis-
sem continuar sobrevivendo ao contato, espaço urbano.” Os valores culturais
são essenciais para a estruturação dessa sociedade, em que são evidenciados
através da coletividade e dos rituais.
Com isso, o ambiente escolar deveria contribuir para este processo de for-
talecimento desses valores. No entanto, o resultado observado é a exclusão, por
ser um lugar multicultural. Isso faz com que a cultura dominante acabe sobres-
saindo sobre as demais, o que torna a escola um lugar de inversão de valores ou
de aculturação (SILVA, 2001).
Segundo Rodrigues (2012), “a aculturação é o nome dado ao processo de
troca entre culturas diferentes a partir de sua convivência, de forma que a cultura
de um sofre ou exerce influência sobre a construção cultural do outro”.
Diante desse contexto, o corpo docente da escola deve considerar a in-
terculturalidade em seu trabalho pedagógico junto ao aluno indígena, para que
possa haver reflexão sobre o que se está trabalhando em sala de aula, assim de
acordo com Paula (1999. p. 76-77):
A dimensão da interculturalidade está hoje colocada como um dos aspec-
tos desejáveis para uma escola indígena, tida mesmo como uma das con-
dições necessárias para que seja respeitada a especificidade da educação
escolar indígena, como transparece nitidamente numa das metas elabora-
das recentemente para o Plano Nacional de Educação: “Criar, dentro de
um ano, a categoria oficial de ‘escola bilíngüe’.

4.3 Educação Escolar Indígena: Diretrizes Fundamentais

A partir de 1988, com a Constituição Federal, o Ministério da Educação


ficou responsável pela proposição da política de educação escolar indígena, pas-
sando os Estados e Municípios a serem responsáveis por suas execuções sob a
orientação do MEC em 1991. A legislação educacional preconiza a interlocução
indígena com os gestores públicos em diversos documentos, como prevê a LDB
nº 9.394/96, no Artigo 79.
De acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 10.172/01
a escola entre grupos indígenas ganhou, um novo significado e um novo sentido,
como meio para assegurar o acesso a conhecimentos gerais sem precisar negar as
especificidades culturais e a identidades daqueles grupos. Políticas desenvolvidas
pelo Ministério da Educação e expressas por meio do Referencial Curricular Na-
cional de Educação Indígena (RCNEI) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) visam assegurar aos povos indígenas uma escola de qualidade, que respeite
suas especificidades culturais e garanta sua participação nos projetos futuros do país.

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Com a implementação e execução das políticas públicas educacionais,


voltadas para os indígenas e a educação em suas comunidades, propostas na
Constituição Federal, LDB, RCNEI (Referencial Curricular Nacional para
Educação Indígena), PNE, e entre outros, muito já foi alcançado, mas ainda há
grandes desafios pela frente para o pleno desenvolvimento da educação junto às
comunidades indígenas, como garantir a formação dos professores para suprir
as necessidades da educação escolar indígena, produção de livros, referencias de
autoria indígena para o fortalecimento dos currículos diferenciados, recursos fi-
nanceiros para a ampliação, construção e reformas das escolas nas comunidades
indígenas. A luta por tais conquistas visa a formação dos alunos indígenas de
forma que sua identidade seja respeitada e preservada.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A luta dos povos indígenas é por uma escola diferenciada que valorize sua
cultura e que tenham professores capacitados para a transmissão de conhecimen-
tos. Porém, outra realidade é a que se observa no município de Campo Novo do
Parecis-MT, em que encontram indígenas que matriculam seus filhos em escolas
da rede estadual e municipal de ensino, onde os professores não recebem prepara-
ção nem capacitação adequada para trabalhar com o alunado indígena, em alguns
casos não sabendo nem mesmo que na sala de aula há crianças e/ou jovens indí-
genas, deixando estes à margem do processo de ensino e aprendizagem.
Para o artigo utilizou-se de entrevistas. Dados coletados através de 04
(quatro) professores que ministram aulas aos alunos indígenas citados no traba-
lho. Segundo os professores entrevistados, na escola não é ofertado o ensino da
língua materna por professores indígenas, pelo fato de não existir profissionais
nativos. Segundo eles, é um fato lamentável porque o aluno indígena tem um
saber diferente do saber do não indígena e os profissionais em sua prática peda-
gógica devem reconhecer e compreender as diversas culturas presentes em sala
de aula, considerando essa multiplicidade de formas de percepção do mundo e
apreensão da realidade e dos conhecimentos.
Referente à segunda pergunta, se os professores dessa unidade escolar
recebem formação continuada que implemente, costumes indígenas ou ainda
compreensão da língua materna dos mesmos por formadores indígenas, os do-
centes relataram que a escola faz esporadicamente encontros que viabilizem esse
contato com a etnia em estudo, palestras ministradas por professores indígenas
que se deslocam da aldeia até a cidade no intuito de mediar essa formação.
No entanto, se faz necessário implantar com mais frequência esses atos na
escola. De forma que gere um acompanhamento contínuo para que seja possível
uma prática pedagógica diferenciada que supra essa demanda de alunos indígenas
178
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

na escola urbana, faz-se necessário e urgente a revisão das políticas públicas existen-
tes voltadas para educação escolar indígena nas escolas urbanas, pois anualmente
escolas estaduais e municipais recebem crianças e jovens indígenas, sem, no entanto,
ter professores qualificados o suficiente para trabalharem com essa realidade.
Por mais que a escola tenha em seu Projeto Político pedagógico (PPP),
ações objetivas de contribuir para a formação do aluno tendo como meta à par-
ticipação contínua na comunidade, na efetivação do conhecimento, da cultura
e dos valores éticos e morais, alicerçados nos conhecimentos técnicos e cientí-
ficos; respeitar e valorizar a diversidade cultural e socioeconômica do aluno,
não foi implantado até o momento mecanismos para o ensino mútuo da língua
portuguesa e língua materna na tentativa de dar manutenção à cultura nativa.
Historicamente percebem-se conquistas legais significativas, porém aten-
dendo somente a realidade de uma educação escolar indígena nas comunidades
indígenas de cada povo, ficando ignorado o processo de ensino e aprendizagem
vivenciado pelos indígenas em escolas urbanas, localizadas fora de suas comuni-
dades. Isso responde os questionamentos feitos nas perguntas seguintes lançadas
aos docentes, relacionadas às políticas públicas existentes ou não e, se a escola
em questão está amparada ou não por tais ações.
Além disso, foi exposto o entendimento por parte dos professores sobre a
necessidade de superar a visão reducionista e considerar a interculturalidade em
sua prática metodológica de ensino, tendo um olhar mais aprofundado sobre a
pluralidade cultural existente em sala de aula. E, para que haja essa conscienti-
zação é preciso uma formação continuada sobre o assunto com aportes teóricos
e metodológicos que possam efetivar sua atuação de forma a estabelecer um
relacionamento com os alunos indígenas no processo de ensino e aprendizagem
dentro da escola urbana.
Para tanto, os professores gostariam de trabalhar nessa perspectiva de en-
sino para desenvolver aulas que englobem os diferentes saberes produzidos pelos
alunos indígenas, considerando que esse estudo intercultural abre portas para
conhecer e reconhecer o envolvimento e a inter-relação entre as diversas culturas
que compõe o espaço escolar.
Em suma, os resultados designam à importância de revitalizar a varieda-
de de línguas e diversidade das situações culturais, linguísticas e geográficas dos
povos nativos, observados em discussões que incluam dimensões relacionadas à
diversidade, à interculturalidade e à formação integral, bem como, a necessidade
da preparação e da exposição de materiais didáticos que assegurem estudantes
indígenas e não indígenas.

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

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181
PRÁTICAS DO SISTEMA DE CONTAGEM
GUARANI DA TERRA INDÍGENA
TEKOHA OCOY
Rhuan Guilherme Tardo Ribeiro1
Josie Agatha Parrilha da Silva2
Vânia de Fatima Tluszcz Lippert3
Bruna Marques Duarte4
Renato Souza da Cruz5

INTRODUÇÃO

A história tem dentre seus propósitos comunicar feitos humanos a partir


das necessidades sociais. Ela se revela como fonte de preservação do passado e
em seu sentido mais abrangente, incorpora todas as áreas do conhecimento a
partir do entrelaçamento de vestígios aqui compreendidos como fontes histó-
ricas. No entanto, não conseguimos contar toda a história, apenas partes que
1 Doutor em Educação em Ciência e Matemática pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM). Mestre em Ensino pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Professor
de Matemática e Física no Colégio Estadual Indígena Teko Ñemoingo - São Miguel do
Iguaçu/PR. Membro do grupo de pesquisa: INTERART: Interação entre arte, ciência e
educação: diálogos e interfaces com as Artes Visuais da Universidade Estadual de Ponta
Grossa (UEPG). E-mail: [email protected].
2 Doutora em Educação para Ciência e Matemática pela Universidade Estadual de Maringá.
Docente do corpo permanente dos Programas stricto sensu de Pós-Graduação: Ensino em Ci-
ências e a Educação Matemática (PPGECEM -UEPG). Professora permanente do Programa
stricto sensu de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática -PCM -UEM.E-
-mail: [email protected].
3 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação para Educação em Ciência e a Matemática
pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestra em Ensino pela Universidade Es-
tadual do Oeste do Paraná. Professora de Matemática e Sala de Recursos Multifuncional
para Altas Habilidades/Superdotação no Colégio Estadual Monteiro Lobato - Céu Azul/
PR. E-mail: [email protected].
4 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação para Educação em Ciência e a Matemática
pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Educação pela Universidade
Estadual do Paraná (UNESPAR). Professora de Ciências na Secretaria de Estadual de
Educação do Paraná. E-mail: [email protected].
5 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais e Sustentabilidade pela
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Professor de Biologia/Ciências
e Pedagogo no Colégio Estadual Indígena Teko Ñemoingo - São Miguel do Iguaçu/PR.
E-mail: [email protected].
182
Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

se configuram como um recorte dentro de algo maior (D’AMBROSIO, 2012).


Nesse viés, a matemática, enquanto área do conhecimento e criação humana,
tem uma história própria e diferenciada para cada sociedade que a desvelou.
Uma história que é recontada por pesquisadores engajados em uma prática so-
cial investigativa. Quando falamos em desvelar a matemática, entendemos que
há um empenho por solucionar problemas práticos e cotidianos; diferentes co-
munidades apresentam diferentes problemas e com isso, as soluções também
podem se configurar como independentes.
Assim, o objetivo deste estudo é compreender os métodos de enumeração
demonstrados nos saberes e fazeres culturais dos povos originários da etnia Gua-
rani localizada no município de São Miguel do Iguaçu no estado do Paraná. O
que pode indicar possibilidades pedagógicas para os ensinamentos da matemá-
tica nos centros de ensino escolar indígena. Pois, a compreensão do panorama
geral desses grupos específicos e diferenciados fortalece a similitude entre os in-
tegrantes da escola de educação básica nas Terra Indígenas (TI), principalmente
no que se refere aos professores indígenas e não indígenas que lecionam mate-
mática. Nesse contexto, o foco deste trabalho é o diálogo entre saberes indígenas
e acadêmicos que influenciaram o ensino de matemática nas escolas indígenas a
partir do contexto da interculturalidade.
A situação da educação básica e o reflexo das atividades nela desenvol-
vidas exigem que o professor se torne pesquisador de sua própria prática e pos-
sibilite a compreensão de diversos aspectos do ensino e da aprendizagem nas
escolas indígenas. Nesse aspecto, esta pesquisa de natureza etnográfica, se con-
centra nas práticas de contagem a partir de um entendimento etnomatemático.
As informações foram obtidas durante o processo de aprendizagem na disci-
plina de matemática do colégio indígena “Teko Ñemoingo”. O pesquisador e
primeiro autor desses relatos, observou seus alunos indígenas conforme suas
habilidades de numeração em práticas cotidianas e nos processos de contagem
da etnia guarani, no qual foi possível contemplar diferentes formas de represen-
tação relacionadas aos métodos de trabalho, relações com a cultura envolvente e
formas de escrita escolarizada.
Destaca-se que no cenário atual, a matemática assume uma característica cur-
ricular ocidental, baseada em uma tendência social nem sempre aplicável no contex-
to sul-americano, assim, não se conecta com outros modos de se fazer matemática.
Contudo, não devemos desconsiderar outros fazeres matemáticos por não pertencer
ao velho currículo. Comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas mobilizam e
materializam formas de conhecimento para trabalhar e resolver problemas diários, e
alguns destes são fazeres considerados matemáticos aos olhos etnomatemáticos que
também compõem parte da história da matemática brasileira.

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Esse elo entre o saber fazer da comunidade indígena com o programa da


Etnomatemática, leva em consideração a preocupação em desvendar e fortalecer
as práticas socioculturais permeadas de um fazer matemático próprio e específico,
além das fronteiras eurocêntricas – berço do olhar sistematizado – desvelando
fronteiras histórico-culturais de comunidades nativas (RIBEIRO et al., 2021).
Temos ciência que a colonização do Brasil datada a partir de 1500, deixou
rastros de exploração e extinção da maioria das comunidades indígenas que aqui
residiam e com elas seus saberes. As poucas comunidades que hoje ainda resis-
tem, mantém em essência a maioria de suas práticas tradicionais, produzindo
seus artesanatos e grafismos, permeados de saberes sobre a natureza, expressos
oralmente e concebidos por nós como fazeres matemáticos. Elas também pro-
duziram artifícios que possibilitam a contagem, com critérios próprios de nu-
meração. Segundo Brandt (2005) por não ser universal, nem único, o sistema de
numeração é uma produção humana que possui uma natureza arbitrária.
No Paraná, residem diferentes etnias indígenas: Guarani, Kaingang,
Xokleng e os Xetá. Este artigo versará exclusivamente sobre um grupo guarani
específico, a comunidade indígena Tekoha Ocoy, já que os autores desse traba-
lho estão inseridos no contexto dessa comunidade guarani situada no oeste do
Paraná. Estes integrantes dos povos ameríndios, possuem um modo de repre-
sentação numérica própria com características que os distinguem do sistema de
numeração decimal quando analisados sob o nosso olhar matemático ocidental.
Em verdade, o sistema de numeração dos guarani possuem diferentes
abordagens quando analisados no viés de utilidades de cada comunidade. Nesse
sentido questionamos: Que características tem o sistema de numeração guarani
quando olhamos para o seu uso na comunidade indígena guarani Tekoha Ocoy,
localizada no município de São Miguel do Iguaçu-PR?
De modo a responder tal questionamento, nosso objetivo neste artigo é
apresentar o sistema de numeração guarani descrevendo essa prática sociocul-
tural na comunidade indígena guarani Tekoha Ocoy, localizada no município de
São Miguel do Iguaçu-PR, oeste do Paraná.
Na primeira parte deste artigo, discorremos sobre a formação do povo
guarani e dessa comunidade. Em sequência sobre o sistema de numeração gua-
rani e suas relações com a comunidade a partir dos diálogos com os professores
indígenas da aldeia Tekoha Ocoy, a partir de conversas informais em um dia de
estudo para formação continuada de professores indígenas e não indígenas. Por
fim, tecemos nossas considerações finais.

UM POUCO DA HISTÓRIA DO POVO TEKOHA OCOY

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE de


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Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

2010, as populações indígenas do Brasil são de 896,9 mil indígenas, as quais com-
põem 0,4% da população brasileira atual. A Fundação Nacional do Índio - FUNAI
identificou 505 terras indígenas que representam 12,5% do território nacional, 106,7
milhões de hectares, destes, sua maioria se localiza em área rural. Em 2005, a po-
pulação Guarani no continente foi estimada em 94.657 habitantes. No Brasil, de
acordo com o IBGE (2010), esse número é de 67.523 indígenas (RIBEIRO; MA-
CHADO; TRIVIZOLI, 2021; RIBEIRO; MACHADO; SILVA, 2021).
Neste panorama, destacamos os que residem no Paraná, sendo quatro po-
vos: Guarani, Kaingang, Xokleng e os Xetá, com um total aproximado de 13.300
indígenas, sendo 30% guaranis, de tronco linguístico Tupi-Guarani. Apesar de os
guarani terem sofrido intensa imposição governamental e política no que se refere
aos seus saberes tradicionais e culturais, estes ainda conservam grande parte de suas
tradições como sua língua materna, seus artesanatos e seus rituais em adoração a
Nhanderu (Deus) na casa de rezas (RIBEIRO; MACHADO; TRIVIZOLI, 2021).
A comunidade da aldeia Tekoha Ocoy, conhecida como Avá-Guarani6 do
Ocoy, se localiza atualmente no município de São Miguel do Iguaçu, no oeste do
Paraná. Sua história e localização sofreram fortes influências estruturais a partir
da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu em Foz do Iguaçu-PR na década
de 1970, visto que originalmente essa comunidade se localizava na região trí-
plice fronteira e com as inundações das terras, os guaranis perderam parte de
seu território, parte de seu isolamento social e sofreram intensa influência não
indígenas sobre os seus fazeres e saberes (RIBEIRO, 2019).
O embate histórico entre a construção da usina e a manutenção da tra-
dição indígena, pesou em vitória para o primeiro protagonista, e no início da
década de 1980, a comunidade foi levada para uma porção menor de terra (de
condições não equiparáveis ao local que habitavam) em São Miguel do Igua-
çu-PR, às margens do lago de Itaipu, denominada aldeia Tekoha Ocoy. Ribeiro
(2019) destaca o desrespeito a esses povos singulares, que deveriam ser protegi-
dos constitucionalmente.
Hoje cerca de 850 pessoas vivem na aldeia Guarani do Ocoy, numa área
de 231 hectares de terra. Essa população pertence aos subgrupos dos Mbya e
Ñhandeva, duas das três divisões dos povos Guarani. Ainda falam a língua Gua-
rani, traço de extrema importância para a manutenção da sua cultura. Caracteri-
zam-se também pela maioria das famílias não permanecerem em um mesmo lo-
cal por muito tempo, pois se deslocam de uma comunidade indígena para outra
e entre os países da tríplice fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai) (RIBEIRO,

6 “Os Avá-guarani é uma denominação dada ao grupo indígena distribuído entre o leste da
Bolívia, oeste do Paraguai, noroeste da Argentina e sul e centro-oeste do Brasil” (RIBEI-
RO, MACHADO, TRIVIZOLI, 2021, p. 16).
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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

2019).
Na Figura 1 é possível observar a localização que compreende o aldea-
mento Guarani do Ocoy:

Figura 1 - Localização da Aldeia Guarani de Ocoy

Fonte: Autores, 2022.

Diante disso, é possível pensar os aldeamentos como algo mais do que um


simples espaço de dominação e exploração dos colonizadores sobre tais grupos
singulares. Contudo, os não indígenas deixaram marcas de influência direta so-
bre a forma de ser e viver dos Guarani. E um dos exemplos a saber, é a poluição
e a falta de natureza, como animais, rios e florestas, onde os indígenas possam
viver conforme suas necessidades cotidianas e culturais (RIBEIRO, 2019).
Para além das perdas culturais e sociais, os indígenas aldeados tiveram
que aprender ali novas práticas que lhes permitem integrar, agir e negociar com
a sociedade em busca de possíveis conhecimentos para melhores condições de
vida, permitindo-lhes aprender a manejar e manipular novos instrumentos de
fala, compreensão e política, em busca de interesses e necessidade da comunida-
de de Ocoy (ALMEIDA, 2003).
Dito isso, é evidente a importância que o Colégio Estadual Indígena Teko
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Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

Ñemoingo assume nesse aldeamento, transformando sempre que possível, as


muitas situações de ensino em oportunidades de Educação Diferenciada e de
qualidade aos seus envolvidos, em realidade penosa, imposta pelos órgãos gover-
namentais, pois além de se tornar uma instituição que promove conhecimentos
acadêmicos, relaciona a aprendizagem dos conteúdos curriculares aos saberes e
fazeres presentes na cultura, religião e costumes da comunidade, articulando o
ser e o conviver Guarani.

PRÁTICAS DE NUMERAMENTO DO POVO INDÍGENA DE OCOY

Ao longo dos anos as sociedades foram se estruturando conforme suas ne-


cessidades cotidianas, e assim foram desenvolvendo conhecimentos que contribuem
para a organização de suas tarefas diárias, como os cuidados com a casa, a agricultu-
ra e até a pesca e a caça. Com isso, evidencia-se que as civilizações antigas consegui-
ram chegar à abstração e elaborar seus sistemas de numeração (PEDROZA, 2010).
Ao passar do tempo, diferentes culturas produziram diferentes matemá-
ticas. Nesse sentido, quando voltamos o olhar para os grupos indígenas brasi-
leiros, e identificamos essas matemáticas acerca da história das matemáticas,
fortalecemos um sistema multicultural e transcultural do povo brasileiro.
Estes conhecimentos surgiram na necessidade de organização, que pos-
sibilitou aos seres humanos desenvolverem formas de contagem, construindo
junto aos seus grupos e seus núcleos familiares novas maneiras para quantificar
seu cotidiano principalmente nos momentos de caça, pesca, plantio e colheita.
Nesse contexto, os indígenas trabalham a relação matemática e a natureza, em
que o número não representa apenas noções quantitativas, mas considera-se a
complexidade do todo, como a cosmologia e a astronomia. Assim, o propósito
de compreender a formação dos mais diversos sistemas numéricos e seus dife-
rentes contextos históricos (FREITAS, 2011)
Assim, segundo Lübeck e Rodrigues (2013), quando investigamos e discuti-
mos algum assunto ligado a qualquer aspecto da cultura humana, nos atentamos
aos invólucros que circunstanciam esses objetos. Este inquérito nos envolve de tal
modo a descrever e direcionar mitos, a compreender metaforismos e a empregar
a criticidade sobre as ações que complementam o nosso trabalho enquanto inves-
tigadores adeptos do programa de pesquisa denominado Etnomatemática.

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EUNICE NÓBREGA PORTELA | DIRCE MARIA DA SILVA | BRUNA BEATRIZ DA ROCHA | REBECA FREITAS IVANICSKA
(ORGANIZADORAS)

Figura 2 - Representação do sistema de numeração dos Guarani de Ocoy

Fonte: Autores, 2022.

Os Guarani utilizam seus sistemas de contagem a partir de grupos de


cinco, dez, cem e assim por diante, em que a formação da escrita do numeral
se constrói acerca da junção silábica da palavra nominal de cada número. Para
eles, há dois motivos pelo qual cinco é a principal base de contagem: o número
de dedos de uma mão e o caule da mandioca. De acordo com os conhecimentos
Guarani, a superfície do caule da mandioca possui vários caroços que se ali-
nham a cada grupo de cinco (SILVA, 2011).
Em entrevista, um dos professores Guarani dessa comunidade relata que
cada povo indígena desenvolveu ao longo dos anos um sistema de numeração e
de representação conforme suas línguas maternas e suas localizações geográfi-
cas. Destacou também o professor, que o povo Guarani, se diferencia também
dentro de seus troncos linguísticos e isso já influencia diretamente na formação,
nomenclatura e na representação de seus números.
Durante o diálogo, o docente relatou que muitas comunidades indígenas
contam pelos gomos da mandioca, pedras, gravetos de árvores, sementes e até
mesmo os dedos das mãos, como é feito na comunidade Tekoha Ocoy onde este
estudo acontece. Explicou então que cada mão tem uma expressão ligada a um
valor numérico como mostra a Figura 3 abaixo:

188
EDUCAÇÃO EM MOVIMENTO:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

Figura 3 - Sistema de numeração Guarani/Tekoha Ocoy - 0 até 20

.
Fonte: Autores, 2022.

Desta forma, quando se fala de práticas de contagem, desenvolvidas por gru-


pos indígenas, as diferentes práticas de contagem, a partir da perspectiva da etno-
matemática e das histórias das matemáticas, remetem aos saberes próprios, pois
estes acolhem diferentes explicações. Os povos executam suas práticas de natureza
matemática, tais como contar, medir, comparar e classificar, de diferentes maneiras.
Desse modo, segundo Silva e Caldeira (2016), um único símbolo pode ter
tanto a função quantitativa quanto a função de expor elementos da cultura do
povo Guarani. A cultura também possui aspectos determinantes, tais como cos-
mologia, língua e as práticas de organização familiar, cultural, religiosa, política
e social que os diferenciam de outros grupos indígenas e dos não indígenas.

Quadro 1 - Sistema de numeração Guarani dos dedos das mãos de 0 até 10


Números Nomenclatura na língua
Representação com os dedos das mãos
indo-arábicos materna Guarani

1 Peteĩ

2 Mokõi

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EUNICE NÓBREGA PORTELA | DIRCE MARIA DA SILVA | BRUNA BEATRIZ DA ROCHA | REBECA FREITAS IVANICSKA
(ORGANIZADORAS)

3
Mbohapy

4 Irundy

5 Po

Poteĩ
6

7 Pokõi

Poapy
8

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EDUCAÇÃO EM MOVIMENTO:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

9 Porundy

10 Pa

Fonte: Autores, 2022.

Apesar de ser pouco utilizado esse formato de contagem com as mãos


pelo povo Guarani nos dias atuais, isso está diretamente ligado a influência dos
currículos escolares eurocêntricos, repassados nas escolas como representação
numérica, muito se permanece nesta comunidade com os indígenas mais velhos
e perpassam esses saberes matemáticos das novas gerações. Os indígenas Guara-
ni possuem uma forma de contar manualmente como mostra o quadro anterior
e busca dispor os dedos de forma a constituir pares dentro de cada mão. A indi-
cação pela base cinco é justificada pela maneira como os Guarani percebem e
lidam com o mundo no qual vivem e estão inseridos (SILVA, 2011).
Quando observado a formação e escrita do número, em sua prática de
contagem, este é formado pelas junções dos radicais das palavras. O núme-
ro zero (Mba’eve), no contexto diário e no uso das palavras também significa
“nada”. Assim como em alguns sistemas de numeração. O número 5 (Po), em
seu uso diário da língua materna representa “mão”, ou seja, a mesma mão que
possui cinco dedos. Em seguida o número seis (Poteĩ), é formado pela composi-
ção dos números (5 + 1), e na formação de palavras seus radicais que formam
esse contexto, (Po + teĩ) formando o número seis (Poteĩ). E os demais números
constroem essa mesma ideia. O número dez (Pa), se destaca por que essa mesma
nomenclatura no contexto diário, representa a expressão “terminou”, ou seja,
quando termina a contagem dos dez dedos das mãos.
Diante disso, é comum contar associando quantidades aos dedos das
mãos. A própria origem do sistema decimal indo-arábico está relacionada à con-
tagem dos 10 dedos das mãos. Então, caso tivéssemos 6 (seis) ou 8 (oito) dedos,
provavelmente os agrupamentos poderiam ser outros. Em línguas indígenas en-
contramos também a relação entre os dedos das mãos como o povo Guarani e
191
Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

os outros tipos de agrupamentos conforme suas realidades socioculturais (FER-


REIRA, 1998).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fim, podemos destacar que a medida que caracterizamos o sistema de


numeração guarani discorrendo sobre essa prática sociocultural na comunidade
indígena guarani Tekoha Ocoy, localizada no município de São Miguel do Igua-
çu-PR, oeste do Paraná, contemplamos nosso objetivo, uma vez que, que cada
comunidade indígena é singular, desenvolvendo ao longo dos anos um sistema
de numeração e de representação próprio conforme sua língua materna e suas
localizações geográficas
Estudos como este, contribuem para formação e fortalecimento dos gru-
pos indígenas, destacando os saberes e fazeres do povo Guarani. Diante disso,
observamos também que o fator tronco linguístico influencia diretamente na for-
mação, nomenclatura e na representação de seus números. Conjecturarmos que
o fizemos foi um diálogo sobre as novas formas de fazer matemática, e colocar
em questão a importância que os grupos indígenas tiveram para formação dos
povos brasileiros sendo os primeiros a chegar no território e contribuir para os
aspectos socioculturais, linguísticos e alimentícios da nossa cultura.

REFERÊNCIAS
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2003.
BRANDT, C. F. Contribuições dos registros de representação semiótica na
conceituação do sistema de numeração. 2005. Tese (doutorado) - Universida-
de Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação. Programa de
Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica.
D’AMBROSIO, U. Tendências e perspectivas historiográficas e novos desafios
na História da Matemática e na Educação Matemática. Educação Matemáti-
ca Pesquisa: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação
Matemática, v. 14, n. 3, p. 336-347, 2012.
FERREIRA, M. K. L. Madikauku : os dez dedos das mãos : matemática e po-
vos indígenas no Brasil / Mariana Kawall Leal Ferreira. Brasília: MEC, 1998.
FREITAS, R. M. C.; RUIZ, M. A. S. . Etnomatemática: Sistema de numera-
ção dos povos indígenas do Alto Rio Negro no Estado do Amazonas. In: XV
ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 2011, Campina Grande-PB. Anais e Ca-
derno de Resumo XV EBRAPEM, 2011. v. 01.
LÜBECK, M.; RODRIGUES, T. D. Incluir é Melhor que Integrar: uma con-
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Educação em Movimento:
Transformações e desafios na Contemporaneidade - Volume 2

cepção da educação etnomatemática e da educação inclusiva. RLE (Pasto), v.


6, p. 8-23, 2013.
PEDROZA, P. A. Universidade Estadual do Ceará- UECE Faculdade de Edu-
cação, Ciências e Letras do Sertão Central Curso: Licenciatura plena em Mate-
mática Sistemas de Numeração Antigos. Orientador: MS Antonio Grangeiro
Filho. Quixadá-CE, 05 de Agosto de 2010.
RIBEIRO, R. G. T.; MACHADO, S. R. A.; TRIVIZOLI, Lucieli M. Conceitos
geométricos em artesanatos e grafismos: uma tradição histórico-cultural de
uma comunidade guarani. São Paulo: Livraria da Física, 2021.
RIBEIRO, R. G. T. Práticas educativas de matemática implementadas no
Ensino Médio em um colégio estadual indígena Guarani. 104 p. Dissertação
(Mestrado) do Programa de Pós-graduação em Ensino, Universidade Estadual
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RIBEIRO, R. G. T.; MACHADO, S. R. A.; SILVA, A. A. Etnomatemática como
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Divino Bruno da; LEITE, Maria Adriana; SANTOS JÚNIOR, José Nazareno
dos. Práticas socioculturais na Amazônia. Curitiba, PR: CRV, 2021.
SILVA, S. F. Sistema de numeração dos Guarani [dissertação]: caminhos
para a prática pedagógica / Sérgio Florentino da Silva; orientador, Ademir
Donizeti Caldeira. - Florianópolis, SC, 2011. 252 p.
SILVA, S. F; CALDEIRA, A. D. Etnomatemática do Sistema de Contagem
Guarani das Aldeias Itaty, do Morro dos Cavalos, e M’Biguaçu. BOLEMA:
Boletim de Educação Matemática (Online), v. 30, p. 992-1013, 2016.

193
POSFÁCIO

Posfaciar este livro é uma empreitada prazerosa; é falar dos muitos apren-
dizados que sua leitura me proporcionou. Um foi ter tido o privilégio de ser uma
das organizadoras, juntamente com as professoras Dirce Maria da Silva, Rebeca
Freitas Ivanicska e Bruna Beatriz da Rocha. Outro, foi de ser autora e coautora
de alguns artigos que a compõem, seguido do privilégio de poder organizar a
obra em eixos temáticos, sendo esta última uma tarefa não muito simples. A
escolha, enquanto ato político e responsável, nos coloca diante do respeitoso
desafio de escolher os contornos que serão essenciais para a composição, se-
quenciamento e compreensão das temáticas apresentadas pelos pesquisadores.
A todos nosso muito obrigada!
Cabe informar que a escolha dos eixos permitiu ainda a abertura de um
espaço de diálogo entre os diferentes autores entre si e entre seus leitores, pois
entendemos que existe a possibilidade dessa troca. Mesmo quando o leitor não
possa acrescentar suas percepções ao conteúdo da obra, o diálogo ocorre de
forma indireta e o conhecimento se propaga de forma espontânea, comprome-
tida, democrática e transformadora, pois cada um faz a leitura e releitura dos
contextos, imprimindo suas percepções e modificando suas práxis.
Esse movimento é a expressão da dialética apresentando posições, oposição
e conflitos, originados pela contradição entre princípios teóricos ou fenômenos em-
píricos e a realidade social e histórica. Representa não só a possibilidade do diálo-
go, como também do debate entre interlocutores comprometidos com a busca do
conhecimento, apreensão e percepção da realidade em suas diferentes totalidades.
Este livro é parte da história da educação em movimento permanente.
Um espaço em que Pós-Doutores, Doutores, Mestres, Especialistas e Gradua-
dos se unem para a construção de saberes sobre as práticas educativas e lançam
diferentes olhares sobre a totalidade, que, na tradução de suas concepções sobre
o processo educativo, imprime a subjetividade de um sujeito partícipe do proces-
so de transformação das realidades, vistas sob o prisma do pesquisador.
Ao leitor, deixo o convite para traduzir em forma de texto suas inquieta-
ções, buscas, percepções e concepções, e, quem sabe, participar como autor de
outras coletâneas conosco. Fica o convite, o desafio e a nosso profundo agrade-
cimento pela leitura e propagação de saberes.

Eunice Nóbrega Portela


Doutora em Educação pela Universidade de Brasília- UnB.

194
ORGANIZAÇÃO

Eunice Nóbrega Portela: Doutora em Educação pela Universidade de Brasília.


Mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília, área de concentra-
ção em Política e Administração da Educação, linha de pesquisa Gestão e Eco-
nomia da Educação. Pós-Graduada em Administração Escolar, Psicopedagogia
Clínica e Institucional e Neuropsicologia Clínica. Especialista em Orientação
Educacional. Graduada em Pedagogia pela Universidade de Brasília. Pós-Dou-
torado Profissional em Psicanálise. Escritora, Pesquisadora, Palestrante, Con-
sultora Educacional e Empresarial, Docente Universitária; Psicanalista Clínica.
Currículo Lattes: Http://lattes.cnpq.br/4499951422512139. Orcid: https://or-
cid.org/0000-0003-2706-5448. E-mail: [email protected].

Dirce Maria da Silva: Mestrado em Direitos Humanos, Cidadania e Estudos so-


bre a Violência, na linha de pesquisa em Estado, Políticas Públicas e Cidadania,
pelo Centro Universitário UNIEURO/Brasília/DF. Pós-Graduação em Gestão
Pública/Gestão e Negócios pelo Instituto Federal de Brasília - IFB. Especiali-
zações: Docência do Ensino Superior, Língua Inglesa, Educação a Distância
(EAD), Recursos Humanos e Psicopedagogia Clínica e Institucional. Graduada
em Letras Português/Inglês com suas respectivas Literaturas (Licenciatura Ple-
na). Graduada em Pedagogia - Séries Iniciais, Supervisão e Orientação Escolar
(Licenciatura Plena). Graduada em Administração de Empresas (Bacharelado).
Pesquisadora. Docente da Educação Básica e Ensino Superior. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/7836053563578154. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-
57141419. E-mail: [email protected].

Bruna Beatriz da Rocha: Mestra em Educação (UFLA/MG), Especialista em


Didática e Trabalho Docente (IF SUDESTE MG – Campus São João del-Rei),
Especialista em Coordenação Pedagógica e Supervisão Escolar (FAVENI).
Graduada em Licenciatura em Educação Física (IF SUDESTE MG – Campus
Barbacena), Criadora e Organizadora do projeto “Obras Coletivas MG”, Pro-
fessora da rede pública e da rede privada de ensino. E-mail: bruuna_rocha1@
hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4118837127203139

Rebeca Freitas Ivanicska: Mestra em Educação pela Universidade Federal de


Lavras. Criadora e Organizadora do projeto “Obras Coletivas MG”. Técnica
em Educação pela Rede Municipal de Barbacena/MG. Advogada e Pedagoga.

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Eunice Nóbrega Portela | Dirce Maria da Silva | Bruna Beatriz da Rocha | Rebeca Freitas Ivanicska
(Organizadoras)

Pós-graduada em Gestão de Trabalho Pedagógico (FAVENI/ES), Pós-gradua-


da em Educação Especial e Inclusiva (FUTURA/SP). Graduada em Pedago-
gia (UEMG/Barbacena). Bacharel em Direito (UNIPTAN/MG). Pós Gra-
duanda em Direito Previdenciário/ LEGALE SP. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Corpo, Cultura e Diversidade; Políticas Públicas e
Gestão Escolar. E-mail: [email protected]. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/0499371715345312

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