Rondon 1940 Etnografia RevBrasGeo
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INQUERITOS GEOGRAFICOS
ETNOGRAFIA
Inquérito científico solicitado pela Presidência do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística ao Consultor Téç:nico respectivo, em virtude da Resolu-
ção n.0 37, de 4 de Maio de 1939, do Diretório Central do Conselho Nacional de
Geografia.
QUESITOS:
a) - Qual o conceito moderno, o estado atual dos conhecimentos e dos
métodos de pesquisa referentes à Etnografia ?
b) ~ Que opinião tem sôbre a situação atual no Brasil, das pesquisas
efetuadas e· do emprêgo dos métodos modernos quanto à Etno-
grafia?
c) - Que medidas sugere para que o Conselho Nacional de Geografia 1
dentro das suas atribuições, promova o aperfeiçoamento e a in-
tensificação, no país, das pesquisas sôbre Etnografia ?
d) - Que bibliografia indica sôbre os assuntos constantes do presente
questionário ?
PROBLEMA ETNOGRÁFICO
PREÂMBULO GERAL
2 Ikatten - E' um processo de tingir que permite ao tecido fabricado com o fio proveniente
do ikatten apresentar variada coloração. O processo consiste em dar muitos nós no fio com que
se val tecer o pano; mergulhá-lo na solução da tinta escolhida para o caso, e depois desatar os
nós para levar o fio ao t~ar. Está bem entendido que a parte interior dos nós não sofrerá o
efeito da tinturaria, e por conseguinte o fio, depois de dasatados os nós se apresentará com
duas colorações.
598 REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA
• Elliot Smith, defensor da íntima relação entre as grandes culturas americanas e a antiga
civilização egípcia.
• "La lengua de Adan y el hombre de Tiahuanaco", La Paz, 1888.
• "La parole humaine", Paris, 1908.
602 :REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA
• "Ortgen de los tndios del Perú, Me:Jico, Santa Fé de Bogotá, Chile" - Lima 1681 (reim-
presso em Madri, 1891).
INQ~ITOS GEOGRAFICOS 603
a respeito obras que fizeram época: "Les origines de l'homme américain"; "Les
australiens en Amerique"; "Recherches d'une voie de migration des australiens
vers l' Amérique".
Desde Humboldt que essa teoria foi tomando vulto por demonstrações de
caráter científico, até firmar-se na escola norte.:americana, formada pelos es-
tudos especializados de etnografia e etnologia dos sábios da grande República
norte-americana.
Se os ameríndios, de um modo genérico, constituem uma só raça ou sub-raça
do Continente, é assunto que se não pode em absoluto afirmar. ·
Temos que separar os índios da América do Norte, onde se observa maior
homogeneidade entre os diversos tipos, dos que viveram espalhados pelos vastos
territórios da América Central e do Sul, entre os quais a diferenciação é mais
pronunciada.
Em que consiste a hipótese de uma só raça americana?
Essa hipótese é baseada na possibilidade da migração de um só povo da
Asia para a América, o Mongol ou Mongolóide, por exemplo, em ondas sucessivas
de grandes intervalos.
A hipótese contrária se fundamenta na possibilidade da multiplicidade de
emigrações de povos diferentes da Asia, Oceania, etc.
Desde Cuvier que os traços antropológicos do índio americano foram assimi-
lados aos do tronco mongol, já pelo pigmento avermelhado, que deu nome aos
índios da América do Norte, característico que se aproxima grandemente dos
habitantes asiáticos da Mongólia e já pela forma e côr do cabelo, constituindo
êsses povos o grupo lisótrico, um dos três em que se enquadrou a espécie humana
pela natureza do cabelo. Outros característicos etnológicos: forma do ôlho,
largura da cara com pômulos salientes, incisivos em forma de pá, mancha de
genipapo, etc., levam os ameríndios ao grupo dos mongóis ou mongolóides.
O raciocínio dos partidários desta hipótese os induz a considerar, principal-
mente o seu maior entusiasta, Hrdlichka, que estudou o tipo puro dos mongóis
setentrionais, que nestas tribus paleoasiáticas é que se encontra o resto do
primitivo tronco que passou para a América, ou vice-versa, de cá para lá, tal
a semelhança dos tipos étnicos.
E' verdade que há muitos caracteres entre os ameríndios que diferem dos
que apresentam, por exemplo, os chineses e japoneses, o que leva alguns dos
partidários da hipótese da parecença dos ameríndios com os puros mongóis,
a estender essa solução a outras regiões da costa oriental da Asia. Donde a
opinião de outros autores como Holmes, Chamberlain, Wissler, Hamy a incluir
os ameríndios nas tribus mongolóides protomongóis e indomongóis. Em uma
palavra, segundo a opinião de Pericot, as migrações asiáticas para a América
podem ser consideradas formadas de elementos de origem variada, saídos do
litoral asiático, tecnicamente denominados mongolóides ou premongóis.
Trombetti aduz argumentos filológicos de valor para concretizar o foco asiá-
tico na população ameríndia.
As línguas indochinas, particularmente a da tribu Munda Kmer, na opinião
daquele etnólogo e de outros, parecem ser o tronco dos idiomas ameríndios.
A Etnografia e a Arqueologia apresentam também, segundo muitos pes-
quisadores, motivos apreciáveis que fazem a ligação antropológica dos dois Con-
tinentes em discussão.
Parece que o critério da multiplicidade, em parcelas relativamente pequenas,
de emigrações das ilhas oceânicas conjuntamente, ou em épocas separadas,
com as mongólicas puras não deve ser desprezado, tal como não seria pos-
sível negar no Brasil, a relação prehistórica do tipo da Lagoa Santa, descoberto
por Lund, com o resto dos íncolas brasileiros.
7 Introduction à l'étude des races humaines, - Paris, 1887 - L'homme fosslle de Lagoa.
Santa au Brésll et ses descendents actuels, Moscou, 1879.
REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA
1.0 - O tipo americano não constitue. uma raça única. Seu tipo físico apre-
senta variantes bastante consideráveis, fruto da reunião de diversos elementos
antropológicos, que pelo contacto criaram feições de rosto comuns à maior parte
da povoação, indicando antiguidade no contacto. Os elementos primitivos en-
contram-se isolados.
2. 0 - Do estudo das línguas e dos costumes se deduz semelhante variedade
de certa unidade.
3.o - o estudo arqueológico e antropológico não permite uma conclusão
definitiva, porém, o que não admite dúvida é o homem encontrar-se na Amé-
nca desde o fim da época glacial e é provável que entrasse durante o Pleis-
toceno.
4.0 - Não há razões para supô-lo autóctono.
5.0 - ·o fundo primitivo da população é formado por elementos dolicocé-
falos (punimóides, Lagoa Santa, etc.) com caractéres primitivos e parecenças
ainda não explicadas com neandertalóides, (homem fóssil de Neanderthal, vale
da bacia do Reno), e australóides, melanésios e europeóides.
6.0 - Sôbre êste fundo se superpuseram vários movimentos de gente nova,
especialmente braquicéfalos asiáticos de tipo mongolóide. Nas povoações paleo-
asiáticas e nas ilhas que bordam o Continente asiático encontram-se restos dos
tipos que entraram na América.
7.0 - O grupo esquil:nau (aurálio ?) será o último que chegara.
8.0 - O único caminho conhecido com segurança é o do estreito de Behring,
que gozou noutros tempos de condições mais favoráveis para a vida.
9. 0 - Nenhuma das emigrações pode ser posterior à formação das grandes
culturas do oriente asiático.
10.0 - Combinados, de acôrdo com os fenômenos da evolução e de mútuas
reações, todos estes elementos, desenvolveram por si próprios civilizações origi-
nais, extremamente relacionadas entre si, sem receber do exterior qualquer imi-
tação ou influência esporádicas pela via do Pacífico (navegações polinésicas) .
11.0 - O esfôrço dos futuros investigadores deve dirigir-se a assegurar a
existência destas relações oceanianas e a procurar o caminho e a época em
que as emigrações puderam chegar à América, a circunscrever as camadas de
população americana e a resolver o problema das semelhanças e relações com as
civilizações oceanianas e do sudeste asiático (civilização cambodjeana dos
mon-kmer) e outras com esta relacionadas.
1ilsse conceito e êsses métodos foram de iniciativa de Von den Steinen, que
para alcançar resultados positivos empreendeu duas Expedições longínquas às
cabeceiras do Xingú afim de recolher materiais de cada tribu acaso encontrada
em seu percurso geográfico, para dêsses estudos parciais destacar ensaios gerais
sôbre a história do Continente sul-americano, particularmente sôbre a do Brasil
pré-cabraliano.
Identicamente procedeu Rivet em suas pesquisas sôbre algumas tribus da
República do Equador. 10 E modernamente Robert Lowie, que estudou detida-
mente a etnografia e etnologia da tribu Crow do Estado Montana dos Estados
Unidos da América do Norte.
O conceito moderno da pesquisa referente à Etnografia é que a Arqueologia
como instrumento técnico-histórico fornece o elemento essencial às comparações
respectivas que os estudos modernos vão realizando para melhor assentar a base
lógica dos conhecimentos da Antropologia americana, isto é, para estudo siste-
mático do Ameríndio.
O método de pesquisas diretas, criado por Lowie, é o que modernamente tem
produzido resultados positivos, já para os Museus americanos, já para o nosso
Nacional.
Lá, aquele Professor estudou a etnologia e etnografia dos índios Crow; aquí
o Professor Roquete Pinto pesquisou diretamente os hábitos, costumes e tôdas as
manifestações materiais da atividade de algumas tribus da Nação Nambiquara
da Serra do Norte no Estado de Mato Grosso.
O mesmo fez há pouco tempo nos Estados da Baía e de Pernambuco o Di-
retor do Museu Goeldi de Belém do Pará, Professor Carlos Estêvão, que pesquisou
diretamente nos remanescentes de grupos da tribu Carirí daquelas zonas geográ-
ficas o que de etnologia e etnografia ·ainda podem oferecer aqueles derradeiros
abencerragens da grande tribu, que, como já lembrámos, em fins de 1671 era
missionada pelo Reverendo Padre capuchinho Martin de Nantes nas regiões de
Oeste daqueles Estados, no vale do rio São Francisco.
O diligente etnólogo Curt Nimuendajú, ex-funcionário do Serviço de Pro-
teção aos índios, incansavelmente tem feito pesquisas diretas em dezenas de
Aldeias de diversas tribus, desde São Paulo até o vale do rio Oiapoque, pelos rios
Araguaia, Tocantins, Tapajós e Madeira, neste último concorrendo para a con-
solidação da atração dos guerreiros Parintintins, cuja pacificação, iniciada pela
Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas
foi arrematada pelo Serviço de Proteção aos índios. '
1ilste etnólogo forneceu ao Professor Carlos Estêvão notas esclarecedoras,
aduzidas à Separata do "Boletim do Museu Nacional", de sua autoria, sôbre os
remanescentes dos índios Apinagé do Alto-Tocantins. O mesmo método empre-
gou o chefe daquela Comissão Telegráfica no perfuntório apanhado de ligeiras
nótulas que pessoalmente colheu em sua rápida passagem pelas restantes tribus
do antigo reino dos índios Paricí ( Arití) e através das dezenas de grupos ou
sub-tribus da populosa nação N ambiquara. 11
O etnógrafo da mencionada Comissão João Barbosa de Faria, ex-funcionário
do Serviço de Proteção aos índios, pesquisou diretamente, principalmente com
intuitos filológicos, nas aldeias dos índios Terénas, Bororos (como Encarregado
da Povoação Indígena de São Lourenço, antiga Teresa Cristina), Paricís, Nambi-
quaras, Quep-queriuats, Ariquemes, Galibís, Paricurás, Caripunás (rio Uaçá) ·
Macuxís, Uápixánas (rio Branco, fronteira britânica), Uabois (rio das Trombetas/.
Identicamente teem procedido viajantes dos Museus americanos. Ultima-
mente alguns deles penetraram o rio Tapirapés, permanecendo meses entre os
índios da tribu dêste nome, investigando os hábitos e costumes dêsses índios e
coligindo vocabulário de seu idioma. 1!lsse material será o elemento essencial
para o estudo que os professores dos respectivos museus farão pelo método
de Lowie.
Podemos, sem receio de exagêro nem de fantasias, afirmar que o estado
atual dos conhecimentos referentes à Etnografia é lisongeiro, pela extensão das
pesquisas e estudos realizados na América e especialmente no Brasil, desde
Anchieta, Lery Staden, até Von den Steinen, Ehrenreich, Roquete Pinto, Petrul-
lo, Koch Grünberg, K. G. Grubl. ·
MEDIDAS A ADOTAR
CONCLUSõES
Em conclusão:
Penso, com Rivet e Metreaux, que o conceito moderno, estado atual dos
conhecimentos e dos métodos de pesquisa referente à Etnografia, é o que Robert
Lowie adotou para construir o ''Quadro da vida indígena". Desprezando hipó-
teses teóricas, aquele mestre da Etnologia mostra, em têrmos claros e rigorosos,
o método moderno, racional, no seu meditado julgamento, que se deve hoje
empregar para ter uma idéia integral, exata, da primitividade humana, caracte-
rizada pela vida do íncola.
Ji:sse conceito e êsse método consistem:
1.0 - Insistir nas observações detalhadas da atividade das tribus mais pri-
mitivas, estudando a fundo a sua vida no seu próprio "habitat".
2.0 -Ligar as culturas ou civilizações de um tipo rudimentar às de estru-
tura mais complexa, passada ou presente para, por comparação, surpreender os
efeitos dos fenômenos de contacto das civilizações correspondentes, onde a lei
da imitação revelará todo o profundo senso da realidade.
Portanto, o método das pesquisas diretas de detalhes é hoje, pelos ameri-
canos e por todos os etnólogos e etnógrafos modernos, o único adotado, capaz
de proporcionar melhores conhecimentos dos respectivos fenômenos, contra os
audaciosos ensaios que as hipóteses teóricas fragilmente apresentavam.
3.o - Minha opinião a respeito da situação atual das pesquisas efetuadas
no Brasil e do emprêgo dos métodos modernos quanto à Etnografia, é que o
Museu Nacional se orienta, depois da República, pelo método moderno das pes-
quisas diretas, deixando de lado o método histórico-cultural, tradicionalmente
empregado antigamente por todos os Museus e Academias em que se estudava a
Antropologia com especialidades etnológicas e etnográficas.
4.o - Para aperfeiçoamento e intensificação das pesquisas etnográficas no
Brasil, por parte do Conselho Nacional de Geografia, apresento a idéia da cons-
tituição de um grupo de etnógrafos do Conselho, anexo aos técnicos exploradores
dos nossos sertões, agindó nas suas pesquisa$ de' acôrdo com o processo moderno
adotado pelo Museu NacionaL li:sses especialistas pelos seus estudos aprofun-
dados poderiam apresentar - quem sabe? - conclusões capazes de aperfeiçoa-
mento das pesquisas, proporcionando maior entusiasmo nesse estudo, com inten-
sificação, portanto, das viagens em busca de novos elementos.
BIBLIOGRAFIA