Leticia S 4.5 - Lidofranci
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DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
RIBEIRÃO PRETO
2022
A Psicologia é, por natureza, uma ciência no campo das humanidades. Sendo assim, é
necessário realizar reflexões que vão além da discussão biomédica da doença e da cura, já que
a atuação do psicólogo abrange multifacetas e requer um olhar crítico sobre todos os aspectos
que envolvem o paciente, para que haja uma relação terapêutica harmoniosa.
Nesse sentido, um dos pilares que baseiam a sociedade contemporânea é, sem dúvidas,
meio muitas vezes coercitivo, que exige uma conduta de vida específica. Max Weber (1904)
afirma que existe um ethos, ou seja, um conjunto de costumes e hábitos, sejam eles
comportamentais (instituições, afazeres etc.) ou culturais (valores, ideais ou crenças), que são
e sempre mais dinheiro, no mais rigoroso resguardo de todo gozo imediato do dinheiro ganho”
A lógica de lucro que rege esse sistema é opressora, tratando o ser humano em função
do ganho como finalidade de vida, e não mais o ganho em função do ser humano como meio
“tradicionalismo”, que aponta que o ser humano não quer, por natureza, sempre ganhar mais
dinheiro, e sim viver do modo como está habituado, ganhando o necessário para tanto.
A “ética social” da cultura capitalista inserida na sociedade trata a busca pelo lucro
que, para ter sucesso na vida, é necessário abdicar de todas as tarefas que não acrescentem ao
ganho monetário, fazendo do indivíduo uma máquina que somente é movida por dinheiro. Tal
lentamente, e quem se mostra afetado por essa lógica é tido como um fracasso. Desse modo,
caso o sucesso – e aqui fala-se de uma ascensão econômica – não for alcançado, a
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culpabilização atinge somente o indivíduo. A saúde psíquica e física é de suma importância
para o pleno funcionamento do organismo, mas, desde o momento em que se negligencia esses
apontando que se alguém, em determinada situação, não alcançou um patamar desejado pelas
expectativas alheias, é, portanto, uma falha. Nesse aspecto, a atuação do psicólogo se faz
psicólogo que sempre teve uma vida abastada, cercada pela lógica do ganho pessoal e da
meritocracia – o fazer por merecer –, não será plenamente capaz de entender as necessidades
profissionais com o olhar crítico sobre as muitas influências sociais que exercem poder sobre
a vida individual.
gênero feminino, e como elas se dão são de extrema importância para a inclusão de uma visão
A formação do sujeito como sujeito com gênero é então moldada através de transações
complexas entre a violência como momento originário e a violência que se infiltra nas
relações correntes e se torna uma espécie de atmosfera que não pode ser expelida para
“fora”. (Das, 2011, p. 15).
De acordo com a autora, as duas estão interligadas e formam o sujeito do gênero feminino, que
passados, por mais que não façam parte do contexto atual vivido, ainda são constantemente
mediados pelo modo em que o mundo está organizado. É como se o passado cercasse o presente
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como uma atmosfera. Consoante a isso, as violências de gênero podem ser sentidas por muitas
mulheres, ainda que não as sofram diretamente. Veena Das (2011) afirma que uma forma de
do sofrimento.
perspectiva, “as vidas individuais são definidas pelo contexto, mas são também geradoras de
novos contextos” (Das, 2011, p. 18). Sendo assim, é possível utilizar o mesmo exemplo do
compreendidas pelo profissional, ainda que do gênero feminino, se o contexto de criação diferir
muito. A subjetividade das experiências vividas de acordo com a conjuntura em que se está
dos problemas e dores do outro vai para além da empatia; é preciso apreender e racionalizar as
implicações do contexto cultural, social e econômico que o indivíduo está inserido. Dessa
forma, o estudo das Ciências Sociais é imprescindível para obter uma visão de diferentes
perspectivas, podendo, assim, formar profissionais de saúde mental mais capacitados para lidar
melhoras.
Seguindo esse raciocínio, pode-se entender que a tríade gênero, classe e raça também
se conectam. A autora Helena Hirata (2014) faz a definição de dois conceitos para explicar a
e nas relações interpessoais. O termo é dividido em duas categorias, estas são: estrutural e
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consequências para mulheres pretas. A interseccionalidade política, por sua vez, consiste nas
entender como a divisão social do trabalho ocorre em três dimensões: classe, gênero e origem.
Hirata (2014), a partir de estudos sobre os trabalhos de cuidado no Brasil, França e Japão,
conclui que as cuidadoras são, em grande maioria, pobres, imigrantes e menos qualificadas.
Esse resultado reforça a ideia de que o contexto se relaciona com as vivências, e ambos são
dotados de subjetividade.
Dito isso, é importante frisar a necessidade de uma formação que apoie os profissionais
de psicologia com o intuito de incluir todas as pessoas no processo terapêutico, para que sejam
compreendidas em sua totalidade. Lucas Veiga (2019) discorre sobre a psicologia e como é
A questão racial deve ser uma pauta presente nos debates sobre a psicologia, já que esta
nasceu em um contexto europeu, tendo como percursores homens brancos. A violência vivida
diariamente pela população negra, decorrente de séculos de escravatura e políticas que ainda
perpetuam o racismo institucionalizado, gera feridas que, apenas com a empatia pelo próximo,
não serão curadas. É certo que o papel do psicólogo nesse âmbito não irá mudar a realidade em
que pessoas negras estão inseridas, mas, ao entender e compartilhar de vivências semelhantes
as do paciente, o profissional terá recursos mais apropriados para lidar com as demandas,
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verdadeiramente acolhendo o indivíduo. A psicologia, por si só, ainda é bastante elitizada e por
muito tempo lidou apenas com demandas de uma classe específica: pessoas brancas e ricas.
Entender o corpo negro nunca foi uma necessidade vista, e os efeitos dessa realidade
reverberam no cotidiano de pessoas que tiveram que lidar com seus problemas de forma omissa
e escondida. Neusa Souza (1983) fala sobre a relação do negro com o próprio corpo e no efeito
Ainda nesse aspecto, um fato importante para frisar é que “a maioria dos psicólogos e
racializados” (Schucman, 2014). Assim, é nítida a dificuldade que a psicologia, bem como a
ciência em um geral, tem para incluir corpos pertencentes a minorias, tanto no contexto de
Perante todas as reflexões realizadas neste trabalho, conclui-se que os indivíduos são
afetados por múltiplos fatores e precisam lidar com dores que são semelhantes em um aspecto
macro, mas que possuem subjetividades e sutilezas do humano. Portanto, é necessário que os
graduados em psicologia tenham conhecimento sobre essas questões, que vão além do
acolhimento. Para tal, o conhecimento das Ciências Sociais é imprescindível para que reflexões
sejam feitas e, assim, a psicologia alcance esferas mais complexas e seja capaz de lidar com
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Referências
Das, V. (2011). O ato de testemunhar: violência, gênero e subjetividade. Cadernos Pagu, 37,
9–41. https://doi.org/10.1590/S0104-83332011000200002
Hirata, H. (2014). Gênero, classe e raça: Interseccionalidade e consubstancialidade das
relações sociais. Tempo Social, 26, 61–73. https://doi.org/10.1590/S0103-
20702014000100005
Veiga, L. M. (2019). Descolonizando a psicologia: notas para uma Psicologia Preta. Fractal:
Revista de Psicologia, 31, 244–248. https://doi.org/10.22409/1984-
0292/V31I_ESP/29000
Weber, M. (2004). A ética protestante e o espírito do capitalismo. In: O “espírito do
capitalismo” (pp. 41-69). Companhia das Letras.
Barbosa, F. C., Molina, A. M. R., do Prado, P. S., Pasqualin, F. A. (2022). Islam,
decolonialidade e(m) diálogos plurais. Ambigrama.