Um Animal Selvagem - Joël Dicker
Um Animal Selvagem - Joël Dicker
Um Animal Selvagem - Joël Dicker
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Índice
Um animal selvagem
Créditos
Os factos
2022
junho de 2022
de 2022
de 2022
de 2022
de 2022
de 2022
junho de 2022
de 2022
de 2022
2022
junho de 2022
de 2022
junho de 2022
de 2022
2022
dia do assalto)
2023
Sobre o autor
Edição em formato digital: maio de 2024
UM ANIMAL SELVAGEM
© desta edição:
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breve citação em artigos e críticas, sem a prévia autorização por escrito do editor.
ISBN: 978-989-583-003-9
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OS FACTOS
O dia do assalto
assim que viu o outro chegar, sacou do revólver que trazia escondido à
aniversário
CAPÍTULO 1
SEGUNDA-FEIRA, 13 DE JUNHO
TERÇA-FEIRA, 14 DE JUNHO
QUARTA-FEIRA, 15 DE JUNHO
QUINTA-FEIRA, 16 DE JUNHO
SEXTA-FEIRA, 17 DE JUNHO
despercebido.
surpreendia uma raposa a cirandar pela relva. Chegou até a ver uma
dormiam com os estores abertos, e ele conseguia ver tudo: ela a levantar-
se, a descer à cozinha para fazer café e a bebê-lo à janela. Era uma
dormia.
*
crianças acordassem.
— Greg? És tu?
sofá e encostou-se a ela. Mas era nítido que Karine não estava para aí
virada.
bocadinho.
uma certa vergonha de espiar daquela forma uma mulher em sua casa.
uma festa que os Braun organizaram. Desde essa noite, não voltara a ser
o mesmo.
***
Um mês antes
Greg e Karine podiam ter vindo a pé, mas a ameaça de chuva fez
com que optassem pelo automóvel. De uma casa à outra, o trajeto não
muitas vezes correr para aqui com o cão e nunca me passou pela cabeça
vegetação em volta.
Karine, por seu lado, não conhecia os Braun. Por isso, estava um
se a falar:
Greg concordou.
esperar?
conversa.
clube?
que não levava a lado nenhum —, foi simpático da parte deles terem-nos
convidado.
Cologny, um ano antes, não lhes fizera nada bem. Até aí, tinham vivido
Vives. Uma rua animada, com muitas lojas próximas e o lago Léman
pouco apertados, por serem uma família de quatro, mas com uma renda
do lado de Greg (após a morte da sua avó). Desde que recebera esse
Greg afirmava que não havia melhor opção para a família: o mercado
imobiliário não parara de crescer nas últimas décadas. E foi assim que
perguntava-se uma e outra vez o que raio estavam eles a fazer naquele
tipo.
fazem?
elegância, vestida com muito bom gosto, como sempre. No entanto, não
Depois a porta abriu-se e, logo ali, tanto Greg como Karine foram
torso musculado.
Sophie, por seu lado, trazia um vestido preto divino, curto, muito
Encarar Sophie e Arpad, naquela noite, era como ser fulminado por
um relâmpago.
surpreendentes.
Naquela noite, pela primeira vez desde que chegara a Cologny,
estava bonita. E no lugar certo. Por causa de uma simples festa, voltou a
gostar de si mesma.
Greg, por razões evidentes. Desde que entrou naquela casa, os seus
certamente a primeira vez que a via, mas agora ela revelava-se a uma
do seu corpo.
modo como ela olhava para Arpad e desejou estar no lugar dele. Ela pôs
bonito resultado…
***
no que Sophie lhe dissera: «Não tem mal…», mas o mal estava nele. No
através dos bosques. A uma distância segura, poderia ver tudo o que
cedo, à primeira luz do dia, aproveitando a saída para fazer jogging com
o cão. Vira Sophie de pé, à janela. Depois disso, passara a vir todas as
manhãs.
um mês, para se convencer de que tudo correria bem e que o seu lugar
Porém, exatamente vinte dias depois, a sua vida iria ser virada do
avesso.
Sábado, 2 de julho de 2022
O DIA DO ASSALTO
9h31
Domingo, 12 de junho
TERÇA-FEIRA, 14 DE JUNHO
QUARTA-FEIRA, 15 DE JUNHO
QUINTA-FEIRA, 16 DE JUNHO
SEXTA-FEIRA, 17 DE JUNHO
Isaak, do alto dos seus quase sete anos. — É alguma ocasião especial?
— O vosso pai tem razão — disse ela. — A vida é uma festa. Nunca
se esqueçam disso.
perguntou Isaak.
Arpad, divertido.
replicou Sophie.
Arpad vestia roupa desportiva. Ou seja, não podia de todo sair assim
para o banco.
ele perdeu o voo ontem à noite. Vou aproveitar para fazer um bocadinho
pequeno paraíso.
Rhône.
uma cena a Greg, sob o olhar dos rapazes que comiam os seus cereais. O
ainda de madrugada.
de dormir um pouco!
pressão do trabalho.
— Pois bem, apanha ar ao fim do dia, que assim já não fazes com
que toda a gente chegue atrasada! Como hoje, que vou chegar à loja
vontade com que Sophie deslizava pela vida, enquanto ela tinha a
chegou. Karine entrou. Sentou-se num dos bancos de trás e tirou da sua
automóvel. Sophie dizia que nunca tinha tempo de acabar o seu café
Greg espreitou o relógio, para ter uma ideia do seu atraso, antes de
— Com todo o prazer. Vamos lá. Pior não fico… Mas não quero
— Sim. Porquê?
— Por nada.
trabalho, tinha a impressão de não lhe sobrar tempo para nada. E quando
Arpad, entre dois goles de café, falava animadamente com Greg, mas
conversa.
Greg não fazia a mínima ideia do que Arpad acabara de dizer. Por
isso respondeu:
Arpad riu-se.
— Como assim?
meus clientes são uns chatos do caraças, que nunca estão satisfeitos.
— Nessa frente também não corre tudo bem. Quem tem filhos, tem
Fala, fala, pensou Greg, eu bem vejo como ela te acorda de manhã.
Arpad prosseguiu:
Greg.
— Não faço ideia. A Sophie finge que o assunto não lhe interessa e
diz que não quer fazer nada de especial. A ideia para já é passarmos o
fim de semana com os pais dela, em Saint-Tropez, para festejar em
— Tenho de ir.
dava voltas à cabeça por causa dos quarenta anos de Sophie: queria
uma joia valiosa a Sophie. Incomodado com este dilema, decidiu dar
O DIA DO ASSALTO
9h33
Domingo, 12 de junho
Segunda-feira, 13 de junho
QUARTA-FEIRA, 15 DE JUNHO
QUINTA-FEIRA, 16 DE JUNHO
SEXTA-FEIRA, 17 DE JUNHO
para a levar ao fim do dia, mas ela saía demasiado tarde, uma vez que a
ainda não estava lá: devia ter sido obrigado a fazer horas extraordinárias.
Para não variar… Ou seja, o jantar ainda estava por fazer. Durante um
selfies. Não arrumava, não limpava, não cozinhava («só estou aqui para
podiam permitir-se este luxo e Natalia era paga para estar entretida com
dos pais.
Karine mandou Natalia embora, disse aos filhos para irem tomar
comprara para Sophie e que acabou por ficar para ela. O seu telemóvel
— lamentou Sophie.
dos miúdos e isso tudo. Mais o Greg e o raio da sua mania de ir correr…
— Dá, claro que dá. Aliás, fui eu que te liguei — observou Sophie.
interlocutora:
gritos. Ela estava só do outro lado do fio, mas sentia-se num outro
mundo.
podia?
que haviam começado uns dias antes. A leitura à noite era sempre um
a sua pequena tribo suspensa dos seus lábios. E quanto mais o seu
pudesse parar.
que os filhos estavam por fim prontos para se irem deitar, o mais velho
confessou, a chorar, que não tinha feito os trabalhos de casa e que por
isso iria ter problemas na escola. Foi preciso que o pai o ajudasse com
sarcástico. — A última vez que lhe disse alguma coisa, ficou toda
ofendida.
— insistiu Greg.
— Esse «convém» é dirigido a mim? — perguntou Karine, que
banho!
um sopapo!
insípidos. Não queria saber para nada das histórias de papelada e das
fundo, não podia dizê-lo ao marido, mas desejava uma vida como a de
frente à televisão.
cão.
o passeia.
noite.
Saíra de casa com a ideia de darem uma volta ao quarteirão. Mas deu
ao caminho privado que levava à Casa de Vidro. Era mais forte do que
sala de estar! Sophie, nua sobre o sofá, oferecia-se ao marido que, por
dormia.
e foi para a cozinha. Não era capaz de pregar olho. Estava a remoer uma
SETEMBRO DE 2007
Saint-Tropez
Teria de deixar para sempre este lugar que tanto amava. Não podia
rasto.
pequeno automóvel.
responsável pelo bar licenciado em Finanças. Fico contente por ti. Mas
No Béatrice, esperava ver Sophie, mas ela ainda não chegara. Como
procura. Em vão. No fundo, era melhor assim: ela não teria engolido
nenhuma das suas mentiras. O melhor talvez fosse mesmo renunciar a
Ou assim acreditava.
CAPÍTULO 4
Domingo, 12 de junho
Segunda-feira, 13 de junho
Terça-feira, 14 de junho
QUINTA-FEIRA, 16 DE JUNHO
SEXTA-FEIRA, 17 DE JUNHO
café. Greg arrumou a garrafa e pegou nos binóculos. Reparou que ela era
Greg percebeu que a sua presença fora detetada. Correu até junto do
Greg tentava a todo o custo soltar a trela. Mas, quanto mais puxava,
mais o nó se apertava. Imbecil do cão! Não tinha uma faca com ele, era
e viu Arpad a sair da cozinha para o jardim, gritando: «Quem está aí?»
gritos de Arpad, que devia estar tão assustado quanto ele. Mais alguns
fugir.
— Pare imediatamente!
polícia.
Ela ainda estava a dormir, mas a frase de Greg fez com que se
soerguesse logo.
Ele fez que sim com a cabeça e saiu de casa vestido de forma
volante só com uma das mãos, usou a outra para pegar no pirilampo azul
descaracterizada.
as duas crianças.
apanhou-me de surpresa.
absolutamente normal.
chamar a polícia todos os dias e Léa quis saber se, por causa dos
menina.
dissimular a preocupação.
arrependeu logo.
em relação àquilo.
No jardim, Arpad percorria o relvado, junto à orla da floresta. Não
havia ali qualquer barreira, nem sequer uma sebe. Era a natureza que
sítio. Ocorreu-lhe que fora talvez um pouco ingénuo julgar que a sua
da polícia.
fez o briefing geral, com base nas informações recebidas um pouco antes
por telefone:
quaisquer indícios. A não ser aquela trela presa a uma árvore. Mas
perguntou ainda um dos agentes a Arpad, para mostrar que estava a levar
aquilo a sério.
— Sim. Exatamente.
mais uma vez o solo, mas na terra seca não se viam quaisquer pegadas.
— Não.
judiciária. Duvidava muito que o seu interlocutor lhe desse saída, mas
queria fazer tudo como devia: era melhor não correr riscos com estes
tipos dos bairros finórios que conhecem pessoas influentes e que não
público.
— Uma trela presa a uma árvore, a sério? Como é que eles entraram
na casa?
beber o seu café e viu alguém, no lado de fora do jardim, que parecia
conversa.
***
Oito da manhã.
afastados da agitação.
criminal. Ela fazia parte da equipa de polícias que tinha sido repelida, de
atraente.
— Guarda isto só para ti, mas vamos lançar o ataque — disse Greg à
Tudo o que ela podia ver do seu interlocutor eram os olhos, que
— Liégean.
— Greg.
proibido.
intervenção policial, era a primeira vez que lhe acontecia. Ficou quase
sem fala. Além do mais, há muito tempo que ninguém se metia com ele.
trabalhar. Esta manhã, Sophie devia vir buscá-la a casa. Natalia, que se
Sophie não era a sua motorista particular e ela talvez se tivesse atrasado
por causa dos filhos. Pôs os óculos de sol, porque achava que isso lhe
janela.
Karine tirou-os logo: ainda não havia sol que os justificasse e queria
dela.
explicar Sophie. — Não posso falar muito agora, mas depois conto-te
tudo.
envolta em tristeza.
dentro.
cozinha.
meus pais…
— Mas quem era o homem que estava ali escondido a olhar para
mim?
que iria pôr e buscar Léa e Isaak às suas atividades, haveria sempre
alguém na propriedade.
estava descansada.
da rua.
fora a ela que Sophie recorrera. Queria muito saber o que se passava. E
incentivou-a:
voltar a ouvi-lo.
— O quê?!
tivesse entrado. Eu estava a beber o meu café, por volta das seis da
— E depois?
entretanto fugiu.
tudo aquilo.
— Espera, temos mesmo de falar disto ao Greg.
— Achas?
— Claro que sim. De certeza que ele pode fazer alguma coisa —
Karine não revelou mais nada, para não pôr em causa o segredo que
rodeava o cargo do marido. Os Braun sabiam que Greg era polícia, mas,
emergência.
Conseguirias identificá-lo?
Era como se… Não interessa, vais pensar que sou doida…
própria casa.
***
Meio-dia, na loja.
Karine comia uma sanduíche numa sala sem janelas que servia de
equipamento de choque, havia uma com o seu grupo sanguíneo, A+, que
intervenção.
se moveu.
aqui.
lamentou Greg.
Greg fez que sim com a cabeça. Ao chegar, deixou que Arpad o
plástico.
Sophie.
quê uma trela? E por que raio haveria ele de deixar no local um indício
a sério.
acordar.
filmes!
Despejou nozes numa tacinha e abriu uma garrafa de vinho. Greg, junto
seu campo de visão para beijar a mulher no pescoço, antes de pegar nos
tecido.
perguntou:
que ele supusera. Com um pouco mais de luminosidade, ela teria sido
segurança para instalar um alarme, mas que a marcação mais rápida que
os miúdos…
verdadeiro gesto espontâneo. Para Greg, foi como que uma investidura.
dentro a trela do cão. Diria que as análises não haviam revelado nada.
O DIA DO ASSALTO
9h34
de-rosa.
cronómetro.
Domingo, 12 de junho
Segunda-feira, 13 de junho
Terça-feira, 14 de junho
Quarta-feira, 15 de junho
momento:
Sophie, cautelosa.
escolheu uma mesa ao fundo, para não correr o risco de ser vista por
cumplicidade era tão evidente que toda a gente diria estarem ali amigas
inveja.
Karine observou Sophie até ela desaparecer pela porta do belo
mão.
algo do que ela própria tinha sido no início da sua vida profissional.
Samuel Hennel.
do seu lugar:
Sophie.
— Ainda nem sequer fiz as malas. Trato disso logo à noite. Por outro
lado, amanhã não passo aqui de manhã. Vou diretamente de casa para a
Hennel.
Sophie.
***
mas do qual se ocupava com esmero, mantendo até uma pequena horta.
dois rapazes precipitaram-se para abraçar o pai, seguidos pelo cão Sandy
e por Agnès, a mãe de Karine, que ficava a tomar conta das crianças às
um ramo de flores para a sua mulher. O alegre grupo voltou então para
dentro.
flores numa jarra com água. — Fica para comer connosco, Agnès?
A senhora sorriu.
— Obrigada, és um anjo.
modernos.
mesmo o que ainda pode ser reparado, para nos impingirem as suas
dormir?
genro. Adorava-o. Achava que a filha lhe fazia a vida negra sem razão
vizinhos e por toda a comunidade. O que é que lhe passara pela cabeça
para ir espiar uma mulher em sua casa? Perguntava-se de onde viria essa
pulsão.
para fazer um chá, Greg pediu-lhe uma Coca-Cola. Ela trouxe-lhe uma
preparara uma bebida, com cubos de gelo e uma rodela de limão. Karine
eram feios, mas não estavam tão bem tratados como os de Sophie.
repente.
— Faço isso quando tiver tempo — respondeu Karine, os olhos fixos
no ecrã.
***
data. Era o encontro semanal entre eles. Depois do jogo, jantavam juntos
vejo a fazer a mesma coisa toda a vida. Imagino-me muito mais a fazer
pais da Sophie.
terceiro episódio seguido da sua série. Karine foi para cima, deitar-se.
Greg saiu para ir passear Sandy. Deu alguns passos na noite. O cão
atrás das pistas olfativas que ia encontrando. Greg, ao ver tanta agitação,
Chegado ao fim da rua, Greg, que saíra apenas para que Sandy
Era mais forte do que ele. Mas, depois dos acontecimentos da véspera,
não podia correr quaisquer riscos. Por isso, enviou uma mensagem a
Sophie:
bruscamente.
*
A trinta metros de Greg, o homem, agachado para melhor se
— Está aí alguém?
Um dos canídeos seguiu uma pista olfativa até uma estrada agrícola,
lhes:
veículo sobre o qual não se sabia absolutamente nada. Era o mesmo que
Greg:
saber porquê.
para agir?
Claro que Greg não podia explicar por que razão sabia perfeitamente
responder:
— Força.
— Conheces alguém que possa ter algo contra ti? Tens problemas de
alguma espécie?
noite?
Greg quis tranquilizá-la.
— Ele não volta de certeza. Mas se acontecer seja o que for, tens o
— Obrigada.
caro.
com o seu cão, pôde enfim deixar que se desenhasse no seu rosto o
procurar.
telefone no pátio.
rosto: era belo. Devia andar pelos cinquenta anos. A intensidade do seu
valentia.
Fumou à janela, espreitando as redondezas. Sempre em alerta.
deixar-se surpreender, esta noite? Nem parecia coisa dele. E quem seria
MAIO DE 2007
Paris
de um ano.
recebeu a visita de uma amiga que não via há muito tempo: Céline, que
se mudara para Montreal dois anos antes, com o objetivo de terminar os
pouco, depois Sophie foi dormir no seu quarto, deixando o sofá para a
vontade.
— Quando?
— Há dois anos.
— Logo à noite? Nem penses. Vai ser uma sopa e meter-me na cama
gabinete de Sophie.
vez que a sua colega Jessica está, por assim dizer, doente, preciso que
— E depois já faz três meses que ela foi para o céu. A certa altura, é
piquena?
ocupo-me do assunto.
— Claro.
eu já tenho outro compromisso a que não posso faltar. Ele estará aqui às
onze horas.
calmo.
Uma hora mais tarde, Sophie recebia Samuel Hennel numa das
conhecia.
apenas faltava assinar. O velho senhor parecia triste. Como que apagado.
interrompeu-o.
Ludmila não teria querido que andasse a perder sangue por causa de um
documentos…
pedirá para preencher, mais tarde ou mais cedo. Pensei que facilitaria os
Lamento muito…
Thémard:
iluminou-se.
***
o pedido ao patrão.
— Mas o que é que interessa se ele pode ou não sair de casa? Já lhe
informações necessárias.
perguntou.
É
— Nem tudo se pode resolver por telefone. É preciso saber cuidar
Collonge-Bellerive.
aos convidados, mas Thémard estava tão contrariado que nem se dignou
— Como pôde constatar, nem sequer valia a pena ter vindo visitá-lo.
Só conversa de circunstância.
pensou que podia dar uma voltinha pela cidade. Mas Thémard, do alto
neste ofício. Ele adora chocolates com licor de cereja, sabe, aquelas
ficar convencida com o que lá havia. Ela procurava algo mais simbólico.
Talvez uma planta? Numa florista, encontrou um magnífico bonsai.
árvore à empregada que abriu a porta e voltou a correr para o carro. Mas
perguntou.
bombons com recheio. Além disso, a ele nunca lhe falei dos bonsais…
***
Depois do verão, as chatices de Samuel Hennel com o fisco francês
mim. Devo dizer-lhe que até me dá jeito, porque não posso passar o meu
tempo em viagens à Suíça. Não sei o que você lhe fez, mas ele só tem
desagradáveis.
Não lhe permito… Talvez convenha recordar-lhe que sou o seu patrão.
— Basta! Não cuspa na mão que lhe dá de comer! Veja lá por onde é
que está a ir, Sophie! O melhor é resolver o mais rápido possível essa
reter o meu dinheiro e que o banco suíço esteja disposto a colaborar com
eles.
— Sophie? — articulou.
Nesse dia, ao sair do banco, Sophie não resistiu a virar-se para trás,
andar.
— Isto até parece uma cena de filme — disse, num tom divertido.
— Saímos juntos durante uns tempos. Ele trabalhava para o meu pai,
naquela altura.
para o outro.
perfeitamente, ao insistir com Thémard para que fosse você a vir hoje,
responder de chofre:
— A decisão de lhe propor que venha trabalhar para mim. Por sua
conta.
Ele sorriu.
já sou velho, por isso convém que tenha outras fontes de rendimento
para além de mim, para não ficar descalça no dia em que eu já não
conheceram.
***
Associados.
Arpad era o homem da vida dela. E isto era de tal maneira óbvio que
ela nem sequer fingiu andar à procura de um sítio para ficar: mudou-se
não saberem um do outro durante três anos. Quando falaram sobre isso,
tinhas ido de férias, para Itália. Pensei que já não me querias ver mais.
— Que eu já não queria ver-te mais? Mas eu era louca por ti! Eu é
Sophie sorriu.
— Gosto muito!
circunstâncias.
Domingo, 12 de junho
Segunda-feira, 13 de junho
Terça-feira, 14 de junho
Quarta-feira, 15 de junho
Quinta-feira, 16 de junho
Sophie abriu os olhos. A noite fora curta. Ela não parava de pensar
Desceu à cozinha. Não ousou abrir os estores. Pela primeira vez, sentia
ver Arpad.
estar lá toda…
— A tua irmã vem de propósito e de certeza que o teu pai já deve ter
Sophie sabia que Arpad tinha razão. Além disso, era de facto
Isto ficará mais seguro do que o Fort Knox. E sabes uma coisa? Até lá
vou contratar uma empresa de segurança para fazer algumas rondas na
nossa ausência.
Greg interveio:
— Tens a certeza de que isso não é uma grande maçada para ti? —
perguntou Arpad.
Isaak.
avisadas.
Ela concordou.
cedo, lá no banco…
— Tens a certeza?
Voltaram a beijar-se.
arbustos. O condutor viu Arpad a afastar-se. Não era ele que lhe
uma bela manhã, e mais bela ainda ficou, agora que a vejo!
— Aceito um café.
— perguntou.
onde pegar.
disso tudo.
Sophie lançou uma das suas gargalhadas solares, de que ele gostava
a falar-lhe do incidente da noite anterior, mas acabou por não dizer nada.
mail, se quiseres.
seus pensamentos.
Arpad decidiu ficar-se por ali, no que dizia respeito à Costa Rica.
***
Cinco da tarde.
Agora que a via fora do seu papel de investigadora da polícia, Greg disse
para si mesmo que Marion lhe parecia muito jovem. Não que isso lhe
desagradasse. Que idade poderia ela ter? Nem sequer trinta anos. Tudo
naquela mulher era um apelo ao desejo: o seu corpo tão firme, o seu
espírito fresco, a sua liberdade. Ele despia-a com o olhar e via tudo
disse:
Sabia muitíssimo bem o que iria fazer ali durante o fim de semana.
Sábado, 2 de julho de 2022
O DIA DO ASSALTO
9h36
os três reféns.
desimpedido.
assalto.
10 ANOS ANTES
JUNHO DE 2012
Genebra
A conversa girou em torno das férias que vinham aí. Era verão e eles
ainda não tinham planeado nada. Os hotéis estavam a atingir o limite das
Mediterrâneo.
— Pois bem, tem o dia inteiro para pensar, senhor Braun. Esta noite,
decidimos isso.
era ela. Era nela que toda a gente reparava, era ela que toda a gente
reconhecia.
detestava-se por pensar nisso — era saber que ganhava claramente mais
dedos, não sabia ao certo se o fazia para lhe dar prazer a ela, ou para se
cenário Saint-Tropez.
viajar.
horrorizada.
disse-lhe ela.
vergonha do que fizeste. Tens vergonha e por isso não ousas regressar. Já
guarda. — Achas que vou encontrar trabalho num banco, depois do que
onde for.
— Não tenhas. Toda a gente faz disparates pelo menos uma vez na
frente.
É
— É o que eu estou a fazer.
Genebra.
***
Setembro de 2007
Claro que Patrick Müller se lembrava dele. Passara uma parte do seu
perguntou-lhe:
sentido da pergunta.
Arpad sorriu.
— Estudei Finanças. O meu sonho é tornar-me banqueiro. E espero
Dois meses mais tarde, eis que Arpad lhe telefonava. Estava naquele
encontrou-se com ele nessa mesma tarde. Arpad ainda não tinha
os clientes mais difíceis. Por ter visto Arpad em ação no Béatrice, não
teve quaisquer dúvidas de que ele faria maravilhas. Quinze dias mais
inquietação nos seus pais. É certo que a ligação à Suíça era forte: uma
pais de Arpad sentiam que alguma coisa não batia certo. Durante muito
tempo, mesmo depois de ter sido recrutado para o banco, a mãe voltava
— Nada. Porquê?
***
— Aí há demasiada gente.
Taormina.
salto a Capri.
Arpad não percebia a razão de Sophie ter lançado para cima da mesa
o tema das férias, se claramente não sabia ainda o que queria fazer.
De repente, ficou muito pálido, algo que não escapou ao olhar atento
de Sophie.
A mentira funcionou.
prestes a apanhá-lo.
***
julho.
para o mar.
namorado da filha.
sentia de brilhar ao lado dela, esse ser para o qual todos os olhos se
viravam.
essencial para a sobrevivência da relação entre os dois. Uma vez que ela
Domingo, 12 de junho
Segunda-feira, 13 de junho
Terça-feira, 14 de junho
Quarta-feira, 15 de junho
Quinta-feira, 16 de junho
Sexta-feira, 17 de junho
TROPEZ)
ostentação de mau gosto dos anos oitenta. A casa era o grande orgulho
fora construída por ele, como se a tivesse erguido com as próprias mãos.
«quem paga, manda», parecia encolher diante da filha. Tanto assim que
sua mulher.
Por alinhar tão bem com a maneira de ser da família dela, Sophie
Sophie. Pelos vistos, aqui conseguia pôr o sono em dia. Ainda bem. Mas
ideia de não faltar muito para ter a família toda reunida. A irmã de
constatar as evidências.
responder.
logo.
espiar… Não quis estar a falar disso ontem à noite, em frente dos
meninos…
— E são.
É
— É bonito quereres dar-me razão, Arpad, mas confesso-te que isso
— Bernard, como já lhe disse, tudo leva a crer que se tratou de uma
opinião, o tipo tão depressa não se vai arriscar, depois de quase ter sido
argumentou Bernard.
sério. Pedi até a um vizinho nosso, que é polícia, para fazer umas
Arpad enviara uma SMS a Greg uns minutos antes, para saber
num templo. Levava consigo uma mala feita de plástico reforçado e uma
caixa de ferramentas.
completado por uma palmatória ou uma chibata. Mas agora queria muito
Depois de estudar o local, fixou a sua atenção num dos armários. Como
precisava de ficar mais alto, foi buscar uma cadeira ao quarto de um dos
Sem dar nas vistas, ia observando com atenção tudo à sua volta. Teria de
Cannes durante o dia. Esta festa era da filha, mas também era a sua
Confessava que o que mais queria era oferecer-lhe netos (em vez de
fizesse para Bernard). Alice, por seu lado, começara a perorar sobre as
do seu nariz, que a sua ideia era falar em francês com os filhos,
quadradas.
Sophie reagiu com uma gargalhada. E nunca ficava tão bela como
Estás sozinho?
brusco.
insistia. Era a primeira vez que alguém lhe enviava este tipo de imagens.
no fim de contas acabasse por ser ele a definir o que iria ser o prato de
convidados:
— Mark, Mark, não me digas que vais passar ao lado de uma bela
lagosta? E tu, Arpad, porque é que não vais para o entrecosto com
trufas? Dizem que a dose é para duas pessoas, mas na verdade não é
ainda à mesa, bebiam um chá. Greg só queria fazer uma coisa: consultar
Mensagem 1: Gostas?
Mensagem 3: Quero-te.
pose lasciva
Desculpa, estava…
idiotas. Na verdade, não sabia muito bem o que escrever. Nunca fizera
a sua atenção nele. Ali, mesmo por cima do lavatório, numa pequena
esqui. Além dos sogros, estavam ele e Karine, mais os filhos. Todos a
sorrir alegremente.
O efeito foi radical. Greg compôs-se, apagou as mensagens de
Meia-noite em Saint-Tropez.
então era Sophie que tornava tudo melhor. Mas o que preocupava Arpad
do preço.
aniversário que acompanhara o bolo, mas Only You, dos Platters. Sophie
a gente queria ir dormir, menos Bernard, que pediu aos genros que lhe
sem hesitar a grappa e o Cohiba que o sogro lhe passou para as mãos.
Arpad, por seu lado, não se sentia lá muito tentado pela ideia de fumar,
admoestava: «Meu pequeno Arpad, não vais dizer que não a esta
maravilha!»
rendimentos. Foi então que, sem dúvida com a ajuda do álcool, decidiu
americano.
É
— É importante termos um dinheiro só nosso — explicou Bernard.
temos de partilhar uma parte com o Estado, mas sem exageros. Também
Arpad.
Bernard, que nunca abordara este assunto com os genros, disse tudo
— Ah, pois!
Ela inquietou-se:
dele…
Ela fixou os seus olhos nos dele e segurou-lhe no rosto com as duas
mãos.
mas Arpad não estava para aí virado. Então ela desistiu da ideia e
Estónio.
— Em Genebra?
menos ainda por telefone. Mas este era um caso especial: ainda não
o Estónio.
— No fundo, és um sentimentalão.
beijou-a.
Sábado, 2 de julho de 2022
O DIA DO ASSALTO
9h36
Apanhar o Arpad.
Domingo, 12 de junho
Segunda-feira, 13 de junho
Terça-feira, 14 de junho
Quarta-feira, 15 de junho
Quinta-feira, 16 de junho
Sexta-feira, 17 de junho
TROPEZ)
Mas, para sua grande surpresa, tocou no corpo do marido. Estava ali, ao
seu lado, ainda a dormir. Karine sentiu-se feliz e rolou devagarinho para
o convite.
os seios da mulher.
fazer café.
com ele. Mas encontrou a cama vazia. Greg estava na casa de banho, a
pequeno-almoço.
Karine ao marido.
gostava…
— Tu gostavas do quê?
E então, merda, pensou Karine, porque não hei de dizer aquilo que
me vai na alma?
desabafou.
meus pais.
Era riu-se. Mas sabia que Arpad se escondia atrás dos comentários
Arpad desconversou.
é nada…
merdosos.
poupar grande coisa. Conto sempre com o bónus. Ontem à noite, o teu
pai e o Mark gabaram-se dos seus ganhos ocultos. Isso fez-me perceber
pouco… inferiorizado.
— Arpad, meu amor, promete-me que nunca te vais angustiar por
— Do Julien Martet?
— Tentado a investir?
— Queres a verdade? Acho que sim. Gostava de ter uma vida mais
simples, sem obrigações, sem clientes que me dão cabo da cabeça, sem
depender das flutuações do mercado. Uma vida longe dos olhares dos
Sophie não soube o que responder. Claro que a vida parecia mais
agradável num país onde o tempo era sempre bom e quente todo o ano.
Mas aquilo que eles tinham construído em Genebra não era de somenos.
Ela não pensava sequer na grande casa, nem no estilo de vida deles, mas
sim no equilíbrio da família. Achava que era um equilíbrio harmonioso.
perturbado Sophie.
***
do jantar, toda a gente se atirou à água. Greg exibiu com orgulho o seu
coxa…
vinho.
descansados.
para passear o cão. Sabem, acho que aquele tipo era só um assaltante de
casas pouco esperto, que veio reconhecer o terreno e tão depressa não
duros que são chamados quando as coisas correm mesmo mal. E que em
falava da nova amiga. E ele não podia criticá-la por isso, porque Sophie
tinha o mesmíssimo efeito nele. Como não reagiu à sua proposta, Karine
onde Arpad aproveitava para ler um pouco. Ela tirou-lhe o livro das
questão do bónus no banco, que o mais certo era não ser pago. Este ano,
Murmurou-lhe ao ouvido:
ligado a um recetor.
brigada possuía uns vinte conjuntos. Ninguém, pensou ele, daria pela
ABRIL DE 2015
Genebra
estendidos na relva.
porque o seu sogro ficaria doente caso não lhe dessem a oportunidade de
em que acreditava poder ser feliz, mas ainda não ousara falar dele a
sonhavam. E ela sabia isso porque o visitara, sem dizer nada ao marido.
tudo era perfeito, exceto o preço, razão pela qual ainda nada dissera a
chegado.
uma revelação.
anúncio.
Sophie apontou com o dedo para uma imagem que tinha por cima o
a hipótese de eles se tornarem proprietários. Foi então que ela lhe disse:
lado que nos permita comprar um apartamento desse nível. Viste bem o
preço?
De início, Arpad pensou que ela estava a ser ingénua: estava a par do
seu património, que era modesto. Ou, pelo menos, era o que Arpad
segredos.
sala dos cofres. Ali, foram recebidos por um outro funcionário que
tamanhos diferentes.
do cofre e afastou-se, para que Arpad pudesse ver o que havia lá dentro.
***
— O meu pai fez muito dinheiro por fora — começou por dizer. —
de Bernard tirando notas dos bolsos como se estes não tivessem fundo.
Sophie retomou:
jantar.
mas que não tinha na verdade assim tanta liquidez nas suas contas. Por
um cofre num banco, assim que regressasse a Genebra. Foi o que fiz.
Depois, algumas semanas mais tarde, ele e a minha mãe passaram por
meu pai quis mesmo trazê-lo consigo até à Suíça, para evitar que fosse
— E então?
— Sei lá. Não sabia como é que tu reagirias. Não queria que
julgasses o meu pai. E depois, temia por ti. Pelo teu emprego. Isto é
dinheiro não declarado, não queria que estivesses envolvido nisto, que
lado, sentia-se aliviada pela confissão, mas nervosa com o modo como o
nos olhos. — Não quero que esta fortuna enorme estrague alguma coisa
entre nós. E além disso sou advogada, convém lembrar! Posso ser
expulsa da Ordem.
a conversa.
depois, o que faria com ele? Enquanto para nós… para nós poderia ser
um belo empurrão…
apartamento.
Arpad afastou logo essa ideia.
dia a dia. Mas não num apartamento, isso ia logo levantar suspeitas.
desesperou Sophie, que não queria desistir da casa com que sonhava. —
— Já o visitaste?
melhor de todos. E é este, juro. Confia em mim. Vamos ser tão felizes
ali!
Fora por isso que levara tanto tempo a falar-lhe do assunto. Arpad queria
mulher, mas sobretudo porque desejava brilhar aos olhos dela. Era a
— Encontraste o quê?
— Como?
clientes reais, que existem, mas na realidade essas verbas que eles
deveriam pagar serão enviadas por ti, em dinheiro vivo, de uma estação
problema.
— A não ser que paguemos por ele muito menos do que o preço
o proprietário do apartamento.
em tom de brincadeira:
da visita.
— Justamente, senhor Wallon, nós não viemos aqui apenas para ver
o apartamento.
— Senhor Wallon, espero que não se ofenda com o que vou dizer.
— Fale à vontade.
— É verdade, sim. Mas o que é que isso tem a ver com o nosso
negócio?
ainda assim, que Arpad prosseguisse. E este chegou por fim à proposta
terço mais barato. Claro que depois receberá o montante total que está a
reclamar uma parte desta venda, só poderá ter pretensões sobre o valor
— Negócio fechado!
furioso.
ela.
— Quem é que te diz que ela vai ficar nas lonas? Se calhar, até foi
tipo qualquer e agora vai fazer tudo para sugar o máximo ao futuro ex-
marido.
— Oh, pára com isso, Arpad! A conversa machista não te fica nada
bem.
teu pai e ponto final, já que fazes tanta questão de manter os teus
princípios!
***
caixotes.
Domingo, 12 de junho
Segunda-feira, 13 de junho
Terça-feira, 14 de junho
Quarta-feira, 15 de junho
Quinta-feira, 16 de junho
Sexta-feira, 17 de junho
SOPHIE)
Sophie abriu um olho.
carro?
do aniversário dela.
na casa.
— Eu ocupo-me destes senhores — sugeriu Arpad a Sophie. —
— Claro que sim. Mas tens a certeza que não é complicado ficares
entrar nele no último segundo. Não podia esperar mais, caso contrário
da janela aberta.
sorrindo.
— Obrigada. Entra!
— Calha bem teres passado por aqui — disse Karine. — Tenho uma
Era uma pulseira feita com um fio azul e ornamentada por uma
volta do pulso.
— Ainda não sei. Será que me apetece juntar muita gente? Não
marido.
Karine invejou-a por dizer aquilo, bem mais do que a invejava pela
sua casa, pelo seu automóvel, ou pelo seu estilo de vida. Não queria isto
dizer que ela não gostasse dos seus filhos e de Greg, mas o tempo
passado com eles, ultimamente, acabava quase sempre por ser sinónimo
falamos de nada.» Mas não teve coragem. Tudo o que saiu da sua boca
— O nosso segredo?
dela nunca utilizar o dinheiro sem primeiro lhe dizer que o faria.
compreendeu então que Bernard era não apenas muito mais rico do que
ele imaginara, mas sobretudo que devia estar seriamente preocupado,
dizer ao pai que tinham comprado a nova casa com o dinheiro dele,
Arpad. — Quero ficar fora de tudo isso. E se ele te falar do assunto, diz
— E não aceites mais dinheiro vindo dele, por favor. Não quero ser
— Está prometido.
***
Fevereiro de 2019
expandindo, reinava o caos: Isaak, três anos, e Léa, um ano, estavam aos
os pais de Sophie.
Duas ou três semanas mais tarde, Arpad foi até ao cofre do Crédit
***
Três anos mais tarde, diante do cofre do qual iria retirar as notas
avidamente, o tesouro.
— Lamento muito…
— Claro.
mas ainda não sei como tirar uma fotografia a mim mesmo.
— Posso ensinar-te.
— Ai é?
— Sim. Não sou apenas uma boa polícia, sabes… A minha guitarra
nua a Arpad.
sua frente, cativa, imaginou que ela era Sophie. Tinha a cabeça a andar à
Arpad.
Ela mentiu:
— Parabéns, Sophie!
ele.
Ele estava feliz com o reencontro. Há três anos que não a via. Agora
que podia admirá-la mais de perto, constatava que não mudara nada.
Pelo contrário: o tempo tornara-a ainda mais bela, se é que isso era
possível.
atlético.
uma camisa. Não queria fazer má figura. Mas Sophie, como sempre,
bonita.
— E os filhotes?
Ó
— Ótimos. Mas crescem demasiado depressa. Olha…
família. Mas o Fera olhava para ela, muito mais do que para o ecrã.
***
Fevereiro de 2019
San Remo
Mas, desta vez, era mais doloroso ainda: Sophie acabara de lhe dizer que
a relação deles não podia continuar. Era tempo de pôr um ponto final.
Ela não podia trair mais o marido e os filhos. Contra eles, o Fera sabia
ela chorou. O Fera gostou de ver essas lágrimas. Significavam que ele
aeroporto.
***
Na esplanada, o Fera voltou a dizer a Sophie:
mais elegante. Mas ela estava-se completamente nas tintas para isso.
coração disparar.
Minha Pantera,
Não foste feita para essa vida numa jaula. Talvez te tenhas
tua rotina e o teu dia a dia são as grades que te prendem. A tua
Amo-te.
O teu,
Fera
***
— Não me agradeças ainda. Falta veres o presente que tenho para ti.
Ela sorriu.
— Tonto, o meu presente és tu.
massinhas, que ele próprio fizera: uma piscadela de olho à conversa que
azul.
Aquele era sem dúvida o mais sumptuoso presente que alguma vez
Mas nada valia ao pé do presente que o Fera lhe dera, umas horas
antes.
Um ano antes
JUNHO DE 2021
Genebra
sorriso de circunstância.
mandara construir a casa uns anos antes. Uma casa moderna, toda em
no seio de uma floresta. Morara ali brevemente com a sua família, mas
ano antes.
por uma casa com jardim. Ela gostava muito da sua vida urbana e do
forma honesta.
Encontrou-se rapidamente um comprador para o apartamento. A
descoberta de Greg
CAPÍTULO 10
QUARTA-FEIRA, 22 DE JUNHO
QUINTA-FEIRA, 23 DE JUNHO
SEXTA-FEIRA, 24 DE JUNHO
SÁBADO, 25 DE JUNHO
para três.
uma emergência relacionada com o trabalho. Ele não pedia desculpa por
voltar tarde, ele pedia desculpa pelo que estava prestes a fazer.
roupa. As luzes suaves, os estores para baixo, velas acesas. Greg pensou
coisas avançassem tão rapidamente, mas porque não? Greg fez-lhe sinal
Vidro. Ele nunca voltava tão tarde. Reparou num Peugeot cinzento, com
copo de vinho.
ficámos duas horas numa reunião de crise. Amanhã, vou ter de dizer a
bordéus.
— Temos uma visita-surpresa. Acho que vais ficar logo mais bem-
disposto.
— Quem é?
— Adivinha.
— Nem mais.
para Sophie, que lhe pegou numa das mãos e o levou para a sala de estar.
O DIA DO ASSALTO
isso era essencial para se manter vivo, caso as coisas dessem para o
torto. Mas desta vez, mesmo se não o quisesse admitir, era diferente:
pelo fim do briefing para vestir o colete à prova de bala, enfiar o passa-
Terça-feira, 21 de junho
QUINTA-FEIRA, 23 DE JUNHO
SEXTA-FEIRA, 24 DE JUNHO
SÁBADO, 25 DE JUNHO
Pela primeira vez desde há muito tempo, foi Arpad que acordou
antes de toda a gente. Sophie abriu um olho no momento em que ele saía
coisa não estava bem. E era por causa do Fera. Sophie intuía que o jantar
não tinha sido boa ideia, mas o Fera insistira. Queria conhecer a vida
familiar dela, ver onde é que ela morava, voltar a ver Arpad. Ela não
conseguira dizer-lhe que não. Ela nunca soube dizer-lhe que não.
certo era Arpad ficar com uma pulga atrás da orelha. Tudo poderia ter
sido tão mais simples, mas agora ela precisava de gerir a situação
— É por causa das pessoas que vou despedir hoje — mentiu Arpad.
nada marcado de especial para esta manhã. O que é que eu posso fazer
nesta via, não reparou no Peugeot cinzento que esperava por ele, perto
do cruzamento.
Pouco importava, e ele sentiu que tinha feito bem em vir àquela hora.
Greg.
Braun. Ao ver Karine, ali à frente dele, sentia-se quase culpado de não
pais de família infiéis, e agora que dera esse passo não tinha sequer a
Greg sabia muito bem o que Karine lhe diria se ele sacasse de um
deles, mas Karine nunca estivera pelos ajustes, exigindo-lhe «fazer amor
Greg compreendeu que Karine não vira que era o seu dia de folga e
que iria, agora, fazer de tudo para lhe arranjar coisas para fazer. Por isso,
antecipou-se:
Karine teria preferido a boleia de Sophie, mas, por uma vez que
Greg tomava uma iniciativa deste género, achou melhor aceitar. Escreveu
uma SMS a Sophie para lhe propor que se encontrassem no Café des
Aviateurs.
mensagem.
ti.
perfeito…
vais?
— Claro. Não posso perder isso por nada. Há dez dias que o Isaak
casa…
— Com muito prazer! Ainda por cima, parece que o tempo vai estar
ótimo!
vez da habitual salada que murcha ao sol, ela preparasse uma travessa
mais de uma hora, e dois expressos, que ele estava ali imóvel, a pensar.
Fera, que não cessara de o observar, decidiu passar à ação. Vindo sabe-
cima da mesa.
— Olha, eu não sei o que te trouxe a Genebra, nem faço ideia do que
família e a mim.
Não.
sabia, ao atender, que ela lhe ia pedir para voltar lá. Não se enganou.
anunciou Karine. — Compra uma botija de gás e o que for preciso para
talho. Enquanto ela falava, Greg recebeu uma mensagem de Marion, que
Marion: Às cinco?
sua mulher. — Regresso à loja por voltas das cinco, para comprar a
***
Cinco da tarde, no apartamento de Marion.
Tudo estava pronto para receber Greg. Ela colocara, sobre uma
ardósia, carne seca dos Grisões, junto a uma tábua de queijos. Uma
ambos na varanda. O prédio era feio, mas muito alto, oferecendo uma
Exceto o início: aquela história das algemas não lhe agradara de todo.
Não tinha quaisquer tabus, mas aquilo, aquilo não era nada a onda dela.
ouviu-a. Era agradável estar com um homem que a ouvia, uma mudança
em relação aos tipos que só sabiam falar deles mesmos. Ela queria muito
Liégean? Não usava aliança, não mencionara mulher nem filhos, por
isso deduzira que ele seria solteiro. Marion sonhava com uma relação
séria e sentia que ele era diferente dos tipos que costumava encontrar
idade: tinha pelo menos uns doze ou quinze anos a mais do que ela.
indicação horária. Sem dúvida que lhe ofereceria um copo. Que ele
aceitaria por delicadeza. Mas não se podiam esticar muito, ele poderia
Greg encolheu-se.
se.
aperitivo, espera-se que apareçamos com uma garrafa de vinho, não com
Quanto mais ela vociferava, mais Greg perdia a vontade de estar ali.
daquela situação?
***
Sophie sabia que ele tivera um dia muito duro no banco e que se devia
mostrar atenciosa. Mas estava demasiado entusiasmada, demasiado
excitada pela irrupção do Fera na sua vida tão arrumadinha. Fez, porém,
trabalho.
gordas. Mas nem por isso renunciarão às coisas que já possuem. E terão
Ponzi ambulantes.
das férias de Natal, passadas num hotel de luxo na ilha Maurícia, fora
para o cargo.
lado dela sem ainda lhe ter dito nada. E no dia seguinte, de manhã,
dias passados a deambular por aqui e por ali, percebi rapidamente o que
se estava a passar.
Arpad indignou-se.
— Tu andaste a seguir-me?
silêncio?
colarinho do polo.
a Genebra?
Existe um tipo duro por baixo do fato de banqueiro. Queres saber o que
ajudinha…
Sábado, 2 de julho de 2022
O DIA DO ASSALTO
Temera a chegada deste dia. Agora que o dia chegara, sentia-se quase
promessa.
qualquer rasto.
16 ANOS ANTES
JULHO DE 2006
Draguignan, França
Estava aterrorizado.
pelos polícias com bastante dinheiro líquido em sua posse. A verba foi-
da cela. Havia duas camas. Uma delas estava ocupada por um tipo
— Podes usar a mesa e uma das prateleiras. Eu ocupei isto tudo, mas
Arpad arrumou os seus parcos haveres aqui e ali, sem saber se estava
prisão toda a gente o tratava por «Fera». Cerca de trinta e cinco anos,
que acontecia e ele tinha também a confiança dos guardas. Muitas vezes,
estabelecimento.
Uma das regras, na prisão, era nunca falar dos motivos que levaram à
com aquele jovem, filho de boas famílias, dez anos mais novo, e
perguntava-se por que raio teria ele ido ali parar. Acabou por abordá-lo
sem rodeios.
— Sim.
— Uma estupidez.
***
Saint-Tropez
destino.
moda.
É
— É pouco.
bar?
me.
lhe a porta.
pudesse vir a estar do outro lado do balcão. E, enquanto esse dia não
diploma.
um bocadinho de pernil.
disponível para a ajudar. De manhã, ele fazia a sua cama e tinha o hábito
de lavar a loiça. Um rapaz respeitador, não daqueles que acham que toda
Martin, e não queria que ela o visse agora a chegar de táxi. Contudo, a
sorte parecia estar do seu lado: durante a manhã, Mathilde foi ter com
para ir ver a irmã, a Cannes. Assim que Mathilde se foi embora, a via
Por segurança, impôs-se um limite. Teria de regressar por volta das duas
da tarde.
Três da tarde.
mais caros: burrata com caviar, seguida de spaghetti com lagosta. E para
lhe entregara.
***
o riso.
logo que não, obrigado, como é óbvio. Só tinha uma preocupação: estar
não?» e mandou vir a ementa, olhou bem para tudo e, por fim, pediu um
escolha, mas devo avisar desde já que terão de esperar cerca de vinte
minutos.»
champanhe. Quer dizer, virou-a ela, porque eu quase não lhe toquei. Foi
então que percebi que ela estava completamente bêbeda, e o sol a dar de
chapa nas nossas cabeças também não ajudava. E eis que se põe a falar
esconder.
soufflé.
— Ele continua a não atender. Mas já vos disse, de certeza que não
uma manobra bastante arriscada, mas com uma boa aceleração ele
acidente. Ninguém ficara ferido. Ele não bebera nada antes, nem se
Londres, pelo que tem todas as razões para nunca mais voltar aqui.
de empréstimo!
— implorou.
***
suspensa.
— Acho que vou sentir falta de estar aqui contigo — disse Arpad,
— Não digas disparates, pá! Vais ver que estamos sempre muito
***
reservas.
trabalho e era excelente no que fazia. Depois, havia aquela rapariga que
Arpad.
— Claro que não — mentiu ele. — Não sou assim tão maluco.
tinham cruzado uma ou duas vezes. Mas mais valia serem discretos, e
nada divertia mais Sophie do que deixar que um cliente se metesse com
dura.
— Agradeço tudo o que fizeste por mim, mas prefiro ir-me embora antes
— Qual vida?
miserável que não me permite sequer pagar para ter um teto sobre a
estivador.
tempos.
Terça-feira, 21 de junho
Quarta-feira, 22 de junho
SEXTA-FEIRA, 24 DE JUNHO
SÁBADO, 25 DE JUNHO
de Vidro.
foi falso alarme. A câmara não permitia fazer grandes planos, o que era
uma pena. Ele teria gostado, neste instante, de focar apenas o seu rosto,
Prometera-lhe que não haveria mais algemas e que da próxima vez iriam
Na sua cama, Arpad tinha os olhos bem abertos, algo que Greg não
estava acordado. A pensar no Fera. Por que raio surgia ele ao fim de
mulher para saber que ela não teria sido capaz de lho ocultar, se
encontrava.
chato — disse.
Pensou que devia parar de mentir sobre o seu trabalho. De cada vez
seguido Arpad, para lhe dar a volta. Mas agora era ela que precisava que
lhe dessem a volta. Por causa do Fera. Combinara encontrar-se com ele
naquela manhã, ali mesmo. Na casa. Ele dissera que seria mais discreto.
Sophie devia fazer toda uma encenação, saindo para o trabalho como
todos os dias. Para não levantar suspeitas. Ela estava muitíssimo nervosa
sua potencial nomeação para o cargo. Não demorou muito a cair das
nuvens.
entre mãos.
— Exatamente.
coisa, não se descosiam. Será que já sabiam tudo? Optou por interpretar
imagens, em vão.
***
manhã?
articulou:
que dizia «meu amor»? Decidiu voltar à Casa de Vidro para ver o que se
passava.
dias que dava sinais de andar muito tenso. E não tinha nada a ver com o
banco, como ele dava a entender. Estava tenso desde o regresso do Fera.
sentia isso.
o resto do caminho a pé, para que ninguém desse por ele. Meteu pelo
trilho sem saída que ia dar à sua casa. Digitou o código do portão e
Fera.
Decidiu não entrar logo em casa, mas dar antes a volta pelo lado da
17 DE SETEMBRO DE 2007
Menton, França
sua posse duas informações cruciais. A primeira era que o diretor vivia
cujo motor estava a funcionar, mas que quase não se via, na escuridão.
têmpora.
acesos, para não chamar a atenção. Tudo o que o diretor podia constatar
— Agora, Bruno, faz o que te digo e vai correr tudo bem. Vais
para a porta de serviço. Era mais do que óbvio que eles tinham feito o
reconhecimento do local.
obedecer. Não tentar qualquer tipo de gesto heroico. Fosse como fosse,
proteger dinheiro que nem sequer era seu. Digitou o código no teclado
alarme mas ao mesmo tempo alertava a polícia. Neste dia, preferiu não
comparsa, em inglês:
— Time!
lugar de estacionamento.
Terça-feira, 21 de junho
Quarta-feira, 22 de junho
Quinta-feira, 23 de junho
SÁBADO, 25 DE JUNHO
Vidro.
passar por casa. Não quis armar uma confusão à frente dos filhos.
Ela interpretava tão bem o seu papel de inocente, parecia tão sincera,
que ele teve quase a sensação de estar louco e de ter imaginado uma
se, além disso, de que, se revelasse o que tinha visto na véspera, ela seria
dissera simplesmente que, uma vez que ele descobrira tudo, não valia a
pena prolongar a farsa, e foi viver com o outro. Arpad não podia correr o
tempo de saberes.
— Em Saint-Tropez?
— Em Menton.
— Em Menton?
precipitadamente.
escapara: que raio de história seria aquela de uma fuga? Quem era o tal
Começou por se deter naquele «Fera», mas o nome não obteve quaisquer
superfície?
algo que acontecera em Menton, quinze anos antes. Ou seja, algo que
***
Fatio, sem se aperceber de que era seguida. Desta vez, era o marido que
Arpad concluiu que ela não lhe mentira. Por uma vez. Este almoço
ele tinha acesso. Mas se a seguira, não fora tanto para verificar se ela
duplicado das chaves. Sabia agora que Sophie levava uma vida dupla,
mas precisava de uma prova tangível, porque não sabia lidar com a
calma dela, com aquele modo de se lhe dirigir como se ele é que fosse o
Fera. Que faria depois para tentar salvar o casamento? Como é que se
de saída.
— Não, deixa estar. Isto é coisa para não mais de dois minutos.
da Sophie? — perguntou.
mensagens de e-mail.
repente, o seu olhar fixou-se numa fiada de livros. No meio dos manuais
sempre ali vira, sem lhe dar importância. Era uma obra consagrada ao
Fera e Sophie tinham uma relação há quinze anos. À medida que lia, foi
sempre.
a tua falta… Sinto falta do teu corpo… Podíamos ter sido felizes
juntos.»
Espanha, em 2016. Numa carta posterior a essa viagem dos dois, o Fera
desses momentos vividos juntos (…) esses dias que passaram demasiado
depressa».
continuar a escrever-lhe.
San Remo. «Sonho com encontrar-te lá, outra vez. Quero reviver os
Não foste feita para essa vida numa jaula. Talvez te tenhas
tua rotina e o teu dia a dia são as grades que te prendem. A tua
Amo-te.
O teu,
Fera
encontrar com o Fera aí, depois aproveitara esse pretexto para organizar
para Paris, Arpad nunca imaginara que pudesse na realidade estar noutra
Pedira aos pais para virem a Genebra tomar conta das crianças. Tudo
despesas com viagens. Nem sinal de uma estadia em Londres. Por outro
de ida e volta para Nice, cidade que fica a uma hora de San Remo, por
estrada.
***
Fevereiro de 2019
Sophie riu-se.
que se parecem todos uns com os outros e café intragável. Sinto a tua
O DIA DO ASSALTO
iminente.
Sabemos que vão assaltar uma joalharia hoje. Ainda não sabemos qual.
Terça-feira, 21 de junho
Quarta-feira, 22 de junho
Quinta-feira, 23 de junho
Sexta-feira, 24 de junho
calma.
Greg limitou-se a dizer que sim com a cabeça. Não parecia muito
convencido.
Braun…
Ficara a saber que o marido já sabia. Ou, pelo menos, que sabia em
barbecue dessa noite. Não se sentia capaz de fingir que eram uma
— Estou ansiosa por vos receber em nossa casa esta noite! O jogo de
Saiu para o pátio com duas chávenas de café e juntou-se a ele no sofá
— Sei que passaste pelo escritório — disse ela, com uma voz suave.
— Imagino que tenhas lido as cartas. Talvez tivesse podido falar-te delas
ele era teu amigo, acreditei que ele te pudesse encontrar. Uma coisa
levou à outra e tivemos um breve caso. Não durou muito, eu não estava
— Se não foi mais do que uma coisa passageira, como é que explicas
tantas cartas?
nos regularmente. Era evidente, nas entrelinhas, que ele não se resignara
com a nossa separação, mas do meu lado sempre fui muito clara com
bem. Guardei as cartas do Fera como guardei muitas outras que recebi
estivesse num canto, a acumular pó. Então guardei as cartas nesse livro
encontrado as outras.
Ele não se lembrava de ter visto essas outras coisas. Não prestara
Sophie, que conhecia bem o marido, sentiu que ele estava quase a
ficar convencido com as suas explicações. Ainda não estava ganho, mas
De repente, perguntou:
— Quais excursões?
— Nunca fui com o Fera a Saragoça, nem a San Remo, nem a outro
Arpad passou-se.
propósito de San Remo, em 2019. Uma carta em que ele te diz: «San
viemos no mesmo dia. Perguntei-me, aliás, o que andava ali a fazer. Foi
2019!
— Espera, meu querido — disse ela com uma voz muitíssima calma
suas errâncias, mas não sei o que te levou a pensar que eu estivesse com
lhe essa liberdade de imaginar. Enfim, estou curiosa para ver onde estão
chave da missiva:
um sentido diferente.
com ele — observou Sophie. — Meu amor, és tão querido quando fazes
encontrar-te lá», ou «ainda quero reviver o que fizemos», vê-se bem que
Sophie era muito convincente. Mas Arpad ainda não dissera a sua
última palavra.
avião para Nice, que fica a uma hora de caminho de San Remo. É uma
fingiu-se surpreendida.
É
— Vês? — disse Arpad. — É um bilhete para Nice. Podes explicar-
me isto?
— Foi a Véronique que se deslocou a Nice. Não eu. E agora que vejo
este bilhete, recordo-me que era a época do meu cliente Perez, que
Arpad não soube o que responder. O mais certo era ter olhado para a
— O que é bizarro, por outro lado, é não ver aqui o bilhete para
Londres. Onde é que terá ido parar? Isto significa que há erros no
fevereiro de 2019.
— Em que hotel?
hesitação.
número é o mesmo.
Ela abraçou-o.
— Alô?
estou a ligar-lhe para lhe colocar uma pergunta estapafúrdia. Vai parecer
idiota, mas tem a ver com a viagem que fez a Londres com a Sophie.
— Claro que sim, foi para concluir a venda de uma parte da minha
coleção de pintura.
ela.
***
ancião pensou de início que ela se teria esquecido de lhe pedir para
— O que é que se passa? Estou aqui para si… Pode dizer-me tudo.
— Um amante? — perguntou.
— Não, não! Eu amo-o. Amo-o mais do que tudo. Mas o que eu vivo
com este outro homem é único. Ele é como… ele é como uma droga. É
posso escolher entre ele e o outro. Não consigo escolher… Preciso dos
dois! Arpad é a minha razão de viver. Mas o outro é como uma vida
dentro da vida.
posso ajudar…
— Então não é a sua advogada que tem agora diante de si, mas a sua
de uma viagem que nós fizemos, o senhor e eu, a Londres, há três anos.
— Justamente. Preciso que diga que foi isso que aconteceu. Que
coleção de arte.
***
plausível.
computador.
Foi então necessário apelar a ajudas exteriores. Primeiro, Samuel.
Não tivera outra alternativa que não fosse envolvê-lo neste imbróglio.
relação entre nós, mas não sei como explicar Saragoça. A menos que ele
sítio.
Ao fim de tantos anos, era a primeira vez que via sinais de ciúme no
leu de manhã. O seu marido caíra que nem um patinho. Ou talvez não.
Fera lhe dizia como tinha sido bom o reencontro em Espanha. Também
Não apenas lhe mentia, como achava que ele era um imbecil. Para
e ele.
— Obrigada por fazeres isto tudo por mim — disse, toda ternurenta.
eternidade a encontrar a manteiga com sal, depois pegou num saco com
cubos de gelo e outro com gelo picado. Estava quase a chegar à caixa
— Queria falar contigo. Como imagino que em tua casa, com a tua
— Seguiste-me?
— Não tens nada a ver com isso! — ripostou Greg, que começava a
feito… Não devia ter feito o que fiz. E arrependo-me. Peço-te desculpa.
viraram as cabeças. Greg sentia-se cada vez mais nervoso. Não estava
quem não estava casado. Não tinha alternativa que não fosse recorrer a
quero voltar a ver-te, não quero nunca mais ouvir falar de ti!
Começou a chorar.
Quatro da tarde, no estádio de Cologny-La Fontenette.
atitude. Mas Marion fizera com que se passasse dos carretos. Aquela
estaria a escrever?
tatuagem. O Fera sempre tivera razão. Tudo isto era mais forte do que
Depois do jogo (que terminou com uma vitória dos miúdos deles),
que o jantar avançava, de tanto olhar para Sophie, sentada à sua frente,
soubesse que ela lhe mentia. Que levava uma vida dupla. Tinha vontade
— O quê?
com outro.
Às onze da noite, os Braun saíram da Verruga. Tinham vindo de
— Boa noite a todos! Então como é que foi esse barbecue em casa
que possuído.
próximo!
uma vez por todas. Nem que fosse preciso matá-lo. Arpad começou a
lhe então:
— A Sophie é minha.
Fera não oferecia resistência, o máximo que fazia era gritar. Dir-se-ia o
sem que ela o visse, fixou Arpad nos olhos e lançou-lhe um sorriso de
triunfo.
desconhecido.
— É verdade, Arpad?
O DIA DO ASSALTO
O início do assalto
flagrante!
observação.
à loja.
está o Arpad?
ordem.
CAPÍTULO 15
Terça-feira, 21 de junho
Quarta-feira, 22 de junho
Quinta-feira, 23 de junho
Sexta-feira, 24 de junho
Sábado, 25 de junho
(A DESCOBERTA DE GREG)
Nove da manhã, na Verruga.
— Não faço ideia… Vou telefonar a uns colegas daqui a nada, para
saber mais. Mas o que é que lhe deu para se passar daquela maneira?
superior ao limite legal, pelo que foi levado num veículo da patrulha e
mulher.
certeza e devia ter uma boa razão para se atirar a ele daquela maneira.
outros países europeus. Teria de esperar pelo dia seguinte para fazer a
apresentou queixa.
passou-se.
escondia a verdade.
nada, para irem tomar banho no lago com os filhos dela. Isso vai
***
Quando viu a silhueta exausta dele a entrar pela porta da rua, a única
não fosse a sua casa. Não abriu a boca, o que só fez aumentar a
— Os miúdos estão?
mal-estar. Acrescentou:
à noite.
— Porque ele tentou ligar-me pelo menos dez vezes. Imagino que
— Porque não queria que me olhasses com pena, como estás a fazer
agora. Não queria que telefonasses para o teu querido papá a pedir ajuda.
Queria resolver o assunto por mim. Queria dar a volta. Mostrar-te que
apercebo-me agora de que tudo o que fiz, desde há quinze anos, foi para
que me admirasses. Um único elogio saído da tua boca foi sempre para
ela o admirasse.
que vou dormir na nossa cama como se não se tivesse passado nada?
Ela vacilava.
teu trabalho!
Caraíbas, fevereiro nos Alpes. Como é que vamos pagar tudo isso?
mentir, foi?
— Desculpa — pediu.
— É complicado…
— Porquê?
lixar!
telemóvel.
— Obrigada.
diria que ele chegara a sentir-se um rival deste demente. Olhava agora
passear o Sandy.
casa, mas não parece nada bem. Vou passar rapidamente por lá, para lhe
dar apoio.
e silencioso.
triangulação. Leva algum tempo, mas faz-se. Foda-se, Greg, o que raio
estás tu a fazer?
— Greg, estás a filmar esse tipo? O que é que se passa, pá? Sabes
que não vou poder fingir que não sei de nada. Tenho de avisar o chefe,
agentes da unidade. Tens de certeza uma boa razão para teres roubado
atender. Ela teria falado logo. Pelo contrário, este interlocutor continuava
entregar o telemóvel a Arpad. Uma forma de lhe provar que estava tudo
Sabia bem que o objeto do seu amor lhe escapava cada vez mais.
— Fera?
— Sim.
tinha sido incapaz de o matar, só havia uma solução: dar-lhe o que ele
vai ser?
— Este sábado.
prestes a recomeçar.
Sábado, 2 de julho de 2022
O DIA DO ASSALTO
o assalto.
assalto
CAPÍTULO 16
TERÇA-FEIRA, 28 DE JUNHO
QUARTA-FEIRA, 29 DE JUNHO
QUINTA-FEIRA, 30 DE JUNHO
SEXTA-FEIRA, 1 DE JULHO
Na véspera, depois de passar por casa, voltara a sair, sem sequer lhe
Fera.
— Se achas que vou deixar que esse merdoso me trate assim, estás
desajeitadamente.
em tudo!
— Claro que tens razão — admitiu Bernard. — Ainda assim, ele
desculpas e…
necessária para enfrentar o ego do pai, para além de tudo o resto. E eis
intercomunicador:
ser livre. Ela queria ser selvagem. Já não queria mais ser Sophie Braun.
Às quatro da manhã era ainda muito cedo para se levantar, mas ela
Arpad, mas nada. Em poucos dias, este homem que ela trazia
culpa era toda dela. Se Arpad se passara dos carretos, se tinha revistado
Sophie ficou a pensar nestas coisas até ao despertar dos filhos. Para o
que, diante dos filhos, voltara a colocar a sua máscara de mãe perfeita.
Ela esteve quase a dizer «por uns tempos», mas conteve-se. Não os
queria desestabilizar.
no primeiro andar.
com o senhor?
dele.
Fez sorrisos tranquilizadores aos filhos, sabendo que eles eram tudo
menos parvos.
— Evidentemente!
vazio.
Pensou que poderiam ser os filhos a querer falar com ele. Mas não tinha
tempo dos luxos e das cinco estrelas parecia agora muito distante.
homem honrado, manteria a sua palavra. Era a única solução que Arpad
composto por campos e uma vasta floresta. Os 1200 habitantes que ali
fronteira invisível. Alguém que passeie por ali pode passar de um país
para o outro sem sequer se dar conta. Era o lugar ideal para o Fera:
dinheiro vivo, claro. Se tudo corresse bem, ele ficaria longe nos dias que
ninguém dar por isso. Ele verificara isso ao fugir da polícia, a partir da
casa dos Braun. Além disso, o edifício onde instalara o Esconderijo não
todas as horas, sem se cruzar fosse com quem fosse. Os senhorios não
pareciam bisbilhoteiros, mas mais valia ter alguma prudência. Por fim,
que dava para uma sala de estar, um quartinho e uma casa de banho
armazém, e passar daí para o chão, o que facilitava uma eventual fuga
tinham sido captadas por ele mesmo nos últimos dez dias, e revelara-as
numa loja de fotografia. Não era muito prudente, mas também não era
«Que bela família que o senhor tem.» Ao ouvir isto, sentiu um orgulho
imenso. E uma pontinha de tristeza, também. Não contradissera o
se como peixe na água. Uma noite em que os três tinham bebido bem
para lá da conta, foram dar à casa do Fera. Nem Arpad nem Sophie se
ouviram música, conversaram sobre isto e aquilo. Nessa noite, ela quis
saber mais sobre ele. Perguntou-lhe qual a origem da sua alcunha. Ele
começaram a brilhar. Ele sabia que era muito bonito e tinha consciência
amor a poucos metros de Arpad, que dormia como uma pedra. No dia
mãos dadas. Alguns minutos depois da partida, o Fera reparou que ela se
uma vez. O Fera pensou que se tratara de uma pulsão passageira. Mas
Sophie. Era impossível que ela tivesse passado antes, porque Isaak ainda
tinha posto a andar. Fora Greg que lhe contara. Karine gostava de
dizendo que um dos miúdos estava doente), ela queria era informações
frescas!
uma voz interpelou-a: Karine. Ao vê-la, Sophie ganhou logo outra cor:
da outra.
segurança.
responder.
— Deixa lá isso! Sei que os últimos dias devem ter sido muito
difíceis…
desmanchar em lágrimas.
Karine não queria acreditar no que ouvia: era mesmo verdade, ela
tinha um amante.
carro…
— Não propriamente.
— Desabafo contigo.
Sophie concordou.
sair só os dois. Os miúdos vão para casa dos meus pais, na Provença. E
Karine sorriu para si própria, satisfeita com a volta que a sua vida
estava a dar. Sim, nem tudo fora simples, sobretudo no último ano, que
este fim de semana romântico no Piemonte era a prova disso. Ela sabia
que criticara muito Greg por causa do seu trabalho. Mas a verdade é que
desajeitadamente.
sábado!
carreira! Eu sei que fiz merda. Eu sei que meti a pata na poça!
sábado».
muito simpático, do género golden boy. Vive com a família não muito
local. Em suma, uma noite, estava em sua casa quando ele recebeu uma
lo. Não sei porque o fiz. Deformação profissional, sem dúvida. Falou de
é que te garante que o incidente de Menton era o assalto? Ele podia estar
pessoal.
interrogou o chefe.
Arpad já não tem quase nada nas contas. Precisa de dinheiro para salvar
mulher de Arpad sentiu que alguém andava a vigiar a casa. Acabou por
— E…?
— Conta…
dedo do meio. Uma coisa nada ao estilo de Arpad, perder a cabeça por
registado em França.
francesa lhe transmitira uma hora antes. O chefe leu em voz alta o nome
Menton.
que se metera.
não tinha mais do que suspeitas, nada de sólido. Temia que ninguém me
pensar no que estava a fazer. Disse para mim próprio que regularizaria
— Obcecado!
— Isso sei eu! — constatou o chefe, que não lhe dava descanso. — E
judiciária?
minuciosamente arquitetado.
— Nesse caso, seria a brigada criminal a pegar no dossiê — disse
brigada criminal e a coisa não acabou bem. Tive medo de que ela
sabotasse o dossiê!
— Eu sei que fiz merda. Eu sei que fiz mesmo merda. Mas não
Estes tipos não são meninos de coro: já fizeram um refém no outro caso.
Sábado, pode haver pessoas feridas, ou pior, e não teremos feito nada
para o evitar.
— Vamos cobrir o Greg. Ele fez uma asneira, mas vamos apanhar
conhece bem esse tal Arpad Braun e que tem uma janela de
coisa compõe-se.
vou salvar uma segunda. Agora que estou a par das tuas idiotices, o meu
uma vista desafogada para as grandes pistas de alcatrão: não era difícil
De o espancar de novo. Mas sabia que, desta vez, o Fera não lhe daria
voluntariamente que ele o agredisse. Por ter visto como o Fera na prisão
O outro caminhou muito devagar até ele, sem dizer palavra. Trazia
disse-lhe:
asas, viu a montra da loja da Cartier. O Fera fez desfilar uma série de
podia fazer marcha atrás. O Fera adivinhou que o seu acólito estava a
ficar desorientado.
tivermos um no outro.
mundo é mesmo pequeno. Mas, enfim, não percamos o fio das coisas,
Depois disso, cada um sairá pelo seu lado e encontramo-nos mais tarde.
facilmente na multidão.
nada por escrito, não tomes notas e não baralhes as etapas do assalto.
Tens tudo perfeitamente registado na tua cabeça. Também não fales
disto ao telefone.
polícia. E, sobretudo, não pode haver mais contactos entre nós. Sou eu
que te ligarei na sexta à noite, para te confirmar que está tudo em ordem
Compreendido?
O Fera agitou-se.
encontrar.
— Pois. O que eu quero dizer é que podes ficar com a minha parte.
vasto, não faltam bancos e joalharias para assaltar, por isso deixa-me em
Arpad reteve-o.
disse.
O outro imobilizou-se.
— «Minha Pantera, não foste feita para essa vida numa jaula. Talvez
tua rotina e o teu dia a dia são as grades que te prendem. A tua
desfazer o rosto de Arpad com murros. Há muito que sonhava com isso.
aquele cartão.
— Um escritor italiano.
Mas qual era a relação entre Viscontini, Sophie e o Fera? Seria um autor
apreciado por Sophie? Ela nunca lhe falara dele. Tinha a sensação de
tom provocador:
afastar-se.
companheiro de squash. Arpad deixou tocar, mas Julien insistiu até ele
atender.
emprego?
ver desmascarado desta forma. E, mais uma vez, sentiu-se traído pela
mulher.
seis meses. Porque é que não falaste disto comigo? Jogamos squash
— Tinha vergonha!
inferior.
— Arpad, és meu amigo por seres o homem que és. O resto não tem
importância.
dia. O que dizes? Daqui até lá, vou ver se há lugares na nossa empresa a
que te possas candidatar. A Sophie disse-me que estás fora de casa.
— Num hotel.
destino ao Piemonte.
sala e a ama escarrapachada no sofá. Não trocaria por nada este pequeno
mundo imperfeito que era o seu, porque valia mais ser feliz na Verruga
O DIA DO ASSALTO
9h45
polícia judiciária.
as luzes azuis a girar. Arpad não via nada, e pouco ouvia. Efeito
de misericórdia.
Segunda-feira, 27 de junho
QUARTA-FEIRA, 29 DE JUNHO
QUINTA-FEIRA, 30 DE JUNHO
SEXTA-FEIRA, 1 DE JULHO
colando-se ao irmão.
— Em Londres.
noite…
— Não, não.
Ele sabia que os filhos estavam chocados com o que tinham visto no
polícia.
bem.
ir-se embora com os filhos? Então era mesmo o fim. Ouvir isto foi
emoções.
tuas.
os filhos.
sua família. Era algo de insuportável. E tal como fora a causa de tudo
isto, também teria de ser ela a solução. Não podia mais continuar assim.
para Saint-Tropez, Arpad ganhou algum ânimo: nem tudo estava perdido
sempre do Fera. Voltaria a ter a sua mulher só para si. Sem precisar de
temer um eventual regresso do predador. Acabou por achar que até era
bom que os filhos partissem para Sul na sexta-feira: era melhor que
estivessem longe de Genebra. Após o assalto, iria ter com eles. E nessa
e gestos de Arpad, desde a véspera à noite. Uma agente que fingia ser
observação.
Marion sorriu.
— Não faço ideia. Mas este tem o ar dos tipos sem histórias —
disse.
histórias. E depois, o que é que ele está a fazer num hotel, ainda por
ilícito?
conheço-o…
— E…?
credíveis.
exemplar.
pensar noutra coisa. Quase nem dormira por causa daquela carta. Seria
verdade? Andaria Greg a enganá-la? Seria ela mais uma dessas idiotas
ingénuas que nunca duvidam de nada? Será que, quando ele voltava para
das ditas intervenções? E quem teria escrito aquelas coisas horríveis? Ela
bem lera que o Greg era um badalhoco. Seria uma das suas conquistas a
vingar-se dele?
mas estava protegido por uma palavra-passe que Greg não dava a
costumava dizer.
coisa.
Arpad passou a manhã à procura do livro.
vendia edições originais, obras raras e mapas de outras épocas. Foi ali
Precisava de compreender.
***
Quase meio-dia.
Tenho a certeza de que deve dormir com toda a gente. Tem cara disso.
elementos, por isso sei que vai fazer um trabalho exemplar. Agradeço-
agora a palavra.
relatório.
muito fácil seguir o seu rasto. Instalou-se no quarto de um hotel que fica
começou com o regresso dele ao hotel, por volta das 17 horas. Ele ficou
Negativo. Nem no hotel, nem em sua casa. Sobretudo não em sua casa,
uma vez que notoriamente ele não fica lá. Já agora, sabemos a razão
desta ausência?
— Pois, mas eu não estou aqui para lhe facilitar a vida — lembrou o
por favor!
nós. Depois disso, a mulher tentou ligar-lhe duas vezes, ontem à noite,
mas ele não atendeu. Esta manhã, ligou aos filhos, em videochamada,
através desse segundo telemóvel que o seu cúmplice falou com ele no
outro dia.
o procurador.
— Não temos mais nada por enquanto, a não ser a conversa ouvida
sábado.
— E Arpad Braun?
na place du Bourg-de-Four.
saber tudo.
esperava com um ramo de rosas que não sabia onde pousar. Era evidente
desde que chegara a Genebra. Era mais discreto. Mas Sophie sugerira
da sombra.
vestir. Há muito tempo que não vestia uma. Ficava até com um certo ar
Vira Arpad a fazer-lhe este gesto quando saíam do Hôtel des Bergues,
início, mas interpretou como uma vontade de ser discreto, para dar ao
— Fera…
— Mas…?
— As coisas mudaram.
momento.
entre nós.
mão:
— Tens de compreender que existem duas Sophie. Uma que foi feita
para estar contigo, a outra que foi feita para estar com o Arpad e os
filhos. Tenho três pessoas que contam comigo, não lhes posso fazer isto.
Mas tinha de o deixar ir. Abandonou por sua vez o restaurante e voltou
Amo-te.
O teu,
Fera
ligou para Arpad. Este continuava a ler o seu livro no café de Bourg-de-
Four.
por perto, sem dar nas vistas, e que de repente penetrou na floresta
adjacente.
Nenhuma resposta.
***
encontrar, mas, após longas pesquisas, conseguiu por fim descobrir uma
Sophie.
Mas Karine estava ali, mesmo ao lado, a fingir que fazia um chá.
rastos e estonteada.
A PANTERA
Toscana, 1912
Brachetto.
os manter na linha. Do alto dos seus sessenta e cinco anos, dos quais
sua autoridade sobre os empregados mais velhos, que sabiam todos que
amiúde.
extinguir-se-ia com ele. Luchino Alani di Madura era o último elo dessa
seu brasão.
serviço dos pais dele quando tinha quinze anos. Cinquenta anos mais
tarde, cuidava dele e mimava-o como ao filho que nunca chegou a ter.
Quando Luchino voltava, era uma festa para ela. Chegava geralmente
imenso sofá de madeira trazido do Brasil? Que pretendia ele fazer com a
espetacular urso empalhado que ele trouxera de uma surtida nas florestas
russas?
consoante o que ele lhe contava nas cartas. Mas estas tornaram-se cada
vez mais curtas e cada vez mais espaçadas. Na última, dizia estar para
«para breve».
severo.
gente.
Giovanna fez soar o alerta geral, mesmo sabendo que estava tudo
bonito.
abraçava.
adorada Giovanna.
no estábulo!
fome. Pediu leite, e Giovanna foi logo à cozinha. Voltou com uma tigela,
***
pedir um biscoito.
virem acariciar o felino, que se deitava de barriga para cima para receber
as festas no pelo. Não era por isso raro ver o último dos Madura, sentado
animal.
— Ela está a crescer sem problema nenhum — confirmava o clínico,
divertido.
mais ter falado na ideia de partir novamente de viagem. Como é que ele
***
Durante os três anos seguintes, a pantera contribuiu para a felicidade
nesse mesmo dia. Um amigo de Milão, de quem ele queria muito receber
frenesim.
Então, lentamente, com a mão livre, abriu uma gaveta da sua secretária e
concluiu:
Segunda-feira, 27 de junho
Terça-feira, 28 de junho
QUINTA-FEIRA, 30 DE JUNHO
SEXTA-FEIRA, 1 DE JULHO
deslizou para fora da cama e desceu até à cozinha. Fez um café que foi
***
escrita por Viscontini. Mergulhado na leitura, não viu que Karine pegara
Um porco nojento!
Greg sentiu-se invadido pelo pânico. Caíra que nem um patinho. Não
sabia o que dizer, e muito menos o que fazer. Ele, que sabia gerir as
apanhar desprevenido.
Mas isso não chegava para deter Karine, que se transformara num
filhos.
posso dizer mais nada, mas instalámos uma câmara no seu quarto.
da Sophie?
vigilância.
horrorosa!
uma vontade. Ele não teve escrúpulos de filmar o ecrã com o seu
É
trabalho e um para a família. É preciso separar as coisas. Não se pode
misturar tudo!
E como é que eu sei que não me estás a atirar areia para os olhos? Quem
interessa!
— Oh, poupa-me! Eu bem vejo que todos ficam loucos com ela!
— O que é que suspeitam que o Arpad fez, para que a polícia chegue
— E por que raio haveria ele de andar ao soco com esse tipo, se se
rematar:
lhe Karine.
***
pensar no que o marido lhe dissera: «Eu nunca te faria uma coisa
dessas!» Se ele não fizera nada de mal, de onde vinha então aquela carta
que o acusava de ser um badalhoco? Fosse o que fosse que ele tivesse
feito, ela queria bater-se pelo seu marido e pela sua família. Não deixar
sua amiga Justine, sozinha com os seus três filhos às costas, desde que
fim do mês e reduzida a uma vida de solidão. Seria preciso destruir tudo
fechar os olhos?
noite de sábado. Pensou no modo como Greg olhava para Arpad e este
passava entre Greg e Sophie. Caso contrário, porque lhe teria ele feito a
confidência que fez? Não eram assim tão próximos. Na verdade, não se
tratara de uma confidência: ele falara-lhe disso porque era uma questão
seu marido e Sophie. Mas aquela cabra não se ficaria a rir. Ela tinha de
Sophie olhava, feliz, para a sua pequena tribo de novo reunida. A família
cidade.
O rapaz insistiu:
— Vá lá, por favor, por favor, papá ! Há bué tempo que não vamos
megafone.
Atendeu.
— Alô?
Era o Fera.
me que o farias.
Isaak e Léa foram para um dos lados, passando diante dos dioramas que
diretamente nos olhos. Isaak regressou pouco depois para junto dele,
Mas de repente abriu-se a porta de uma das cabinas e viu surgir o Fera.
Arpad enervou-se.
— Eu não tenho isso no sangue! Não sou um assaltante! Foi por isso
que fugi de Saint-Tropez. Assim que soube que tinhas assaltado o banco
postal em Menton, fiz tudo como tu me tinhas dito para fazer: sair dali
para fora. Não sou um assaltante, porra! Não tenho isso no sangue!
SETEMBRO DE 2007
Saint-Tropez
disparou:
Fera.
tempos.
Arpad ficou a olhar longamente para o Fera. Perguntava-se o que
queria ele dizer ao certo com «imenso dinheiro». Mas pouco importava
o montante, ele passara pela prisão alguns meses antes e não fazia
declarou.
O Fera sugeriu a Arpad que refletisse durante uns dias. Mas no que
***
daqui!
Arpad estava assustadíssimo, mas fez tudo para não o dar a entender.
denuncie?
lhe o cano da pistola na boca. Arpad, com a voz abafada pela arma,
gritou de terror.
madrugada, o diretor do banco postal de Menton foi feito refém por dois
joelhos, Sophie.
CAPÍTULO 19
Segunda-feira, 27 de junho
Terça-feira, 28 de junho
Quarta-feira, 29 de junho
SEXTA-FEIRA, 1 DE JULHO
entrarem no museu. Noutra, um homem que entrou por sua vez, depois
deles. A inspetora pôs lado a lado esta última imagem e o único retrato
antes.
não têm grande peso legal, se apanharmos pela frente um bom advogado
de defesa.
Marion concordava.
conseguir junto dos Serviços Secretos uma imagem mais recente, uma
do que evidente.
— Em sua opinião, terá sido nesse curto lapso de tempo que Braun
porta principal, mas depois como que se volatilizou. Não voltámos a vê-
viu nada. Ocorreu ainda assim um incidente: o alarme de uma das saídas
museu dão para um pequeno parque com muitas árvores, onde é fácil
previsto para sábado de manhã. Mas Arpad não parece ter muita vontade
de participar.
farias.
Philippe Carral?
sério, decida correr tantos riscos ao telefonar de uma linha que é tudo
menos segura.
interpôs Marion.
perguntou o procurador.
instante de reflexão.
Greg:
É
— És tu que vais dirigir a operação no sábado.
— Obrigado.
sábado.
Cinco e meia da tarde, em Cologny.
tu…
de mim! Era óbvio que querias sexo, não podes negar isso!
— Queria sexo, sim, mas não o sexo que aconteceu! Foi uma
procurador perguntamos-lhe.
mensagem a Karine:
agrícola, antes de avançar a pé pelo meio das árvores. Deparou logo com
de um tronco morto.
aqui?
seguir o suspeito caso ele abandone a casa. Temos ainda dois inspetores
for preciso.
montado.
estar a brincar com o fogo, mas era mais forte do que ele. Prometeu a si
mesmo, ainda assim, que seria a última vez que utilizaria a câmara.
sossego.
descoroçoado com o que descobrira sobre ela. Não lhe saía da cabeça a
quando admitira diante do Fera não ter espírito de assaltante, ao que ele
respondera: «Sei-o bem. Não é de ti que estou a falar.» Isto antes de lhe
Fez-lhe várias perguntas, mas o outro não lhe deu mais explicações. «A
Arpad voltara à Casa de Vidro. Parecia-lhe que o chão se abria por baixo
confrontou Sophie.
***
Na véspera, à noite
a tentar explicar-te!
enraivecido.
— Que aos vinte e cinco anos, eu, a princesinha burguesa que vivia
ao meu pai, diante do qual toda a gente se vergava, incluindo tu, que
dissimulavas o teu namoro com a filha do patrão! Por isso, sim, fui
Disse logo que sim, sem mesmo saber do que se tratava. E quando ele
dos meus limites. Não por causa do dinheiro. Não queria saber do
Arpad.
outros assaltos?
Menton?
assaltos. Já não sabia o que era pior. E compreendia agora como é que o
estamos a ter esta conversa. Foste assaltar um banco quando já eras mãe
de família!
— Em San Remo, foi uma joalharia — achou ela que era necessário
precisar.
— Eu sei! Foi por isso que nunca te falei destas coisas. No entanto,
amas tanto, a Sophie que atrai todos os olhares, essa Sophie existe
fazem parte de mim. Uma parte secreta, escondida o mais fundo que
não.
— Nunca!
nosso quarto!
encontros eram no esconderijo dele, mas na quinta-feira ele quis vir até
aqui.
***
Na quinta-feira anterior
elétricos.
— Sai já daqui! Nunca devia ter aceitado que viesses a minha casa.
***
E foi por isso que me sentia culpada de te ter perdido. Desde que voltei a
devastado:
murmurou ela.
deitar abaixo a casa. O casal já não existia. Ele já não queria estar ali.
— Não tens de ficar com ciúmes. Ele é o que tu não podes ser.
bem!
— Mas é contigo que eu quero estar! Foi contigo que eu fiz a minha
se me amasses verdadeiramente!
virulento.
— Tudo isto é mais forte do que eu! Sou vítima das minhas pulsões
conhaque no bar e encheu dois copos. Ela bebeu vários goles antes de
impusera-me isso. Não tanto por medo dos riscos, mas porque via bem
que o ritmo estava a aumentar. Temia ficar agarrada àquilo. Cada nova
experiência era ainda mais forte do que a anterior. Era como se houvesse
imperativamente.
Ela prosseguiu:
suas cartas foram rareando. Mas para ser completamente franca, quando
ele me disse que vinha a Genebra esperei no fundo de mim mesma que
depois…
Arpad.
de si.
como é que posso ter a certeza de que um belo dia não serás, apesar das
contar que já quiseste pôr um fim a isto depois de San Remo, mas que o
as coisas correrem mal, se fores morta ou presa pela polícia, a culpa será
minha. Porque esteve nas minhas mãos impedir-te. Ou seja, tanto num
***
acabara de a fixar. Agora estava tudo em ordem, mas não lhe agradava o
levava a correr riscos inúteis. Ele, que sempre fora tão rigoroso, via-se
Sophie é que lhe ligava por esta via. Atendeu. Era Arpad, que lhe
perguntou de chofre:
Sophie?
desculpa.
— Desculpa?
— Sim. Tudo isto nunca foi contra ti, mas pela Sophie.
— Não foi a minha intenção inicial. Disse-te que vim a Genebra por
encontro no Caravelle?
assalto. Por ti. Que tinha jurado que San Remo fora a última vez e que
talvez ela mudasse de ideias. Combinei o encontro sem saber muito bem
porquê. Não sei o que me passou pela cabeça, mas só consegui criar
— Agora o quê?
— Como já te disse: ela vai renunciar ao assalto, por ti. Mas vais
perdê-la.
Fera.
ser o que é. Tens de respeitar a sua natureza. Será a mais bela forma de a
amares.
— O quê?
— É a minha condição.
ainda se mantém?
abra a porta. Ainda por cima é mulher, nunca ninguém desconfiará dela.
Podes zelar por ela. Jura-me que nada lhe acontecerá. E se houver
confusão, fazes com que ela fuja, em segurança. Se for preciso, em caso
de confronto com a polícia, gritas que é tua refém, ou seja, uma cliente
normal que teve o azar de estar à hora errada no lugar errado. Terás de te
ela souber antes, há o risco de renunciar à ideia. Eu quero que ela possa
20 DE SETEMBRO DE 2007
Brachetto, Toscana
altas e as silvas por todo o lado não deixavam quaisquer dúvidas sobre o
agrícola.
posta para o pequeno-almoço. O Fera fazia café num bico de gás. Sophie
dissera aos pais que partia, sozinha, em viagem por Itália. Na véspera do
nos próximos tempos. Por outro lado, eclipsara-se sem prevenir Arpad.
Na altura, pareceu-lhe que era mais seguro assim. Ele faria sempre
ele. Nos últimos três dias, tinham feito amor muitas vezes. Ela estava
Sophie.
quiseres.
GATTINO
1912-1915
particular pelo capítulo sobre a pantera, que lhe causou uma forte
impressão.
livres no meio do olival. Mas após três semanas, o que em tempos fora
um redil passou a ser uma prisão para ela. Aos poucos, foi tomada por
***
fora embora.
— Para onde? — perguntou, desamparada.
vais? Tudo bem? O teu pai disse-nos que estás de férias em Itália.
ainda era muito cedo, que era melhor permanecerem escondidos mais
algum tempo, mas não a podia obrigar a nada. Ela era uma pantera, não
que a amava. Sentia que esse sentimento não era recíproco. Tinha o
coração partido.
nas suas veias, sabia que fora transformada por aquela experiência.
A véspera do assalto
Segunda-feira, 27 de junho
Terça-feira, 28 de junho
Quarta-feira, 29 de junho
Quinta-feira, 30 de junho
celeridade — explicou.
Greg ansiava por partilhar com toda a gente a descoberta que fizera
traseiras.
traseiras» do quê? Nem sequer sabemos qual vai ser o edifício visado.
disse Greg —, será mais fácil detê-los. Mas eu prefiro pôr em cima da
assalto iminente.
um maior grau de certeza que era mesmo Philippe Carral quem estava
até agora.
um restaurante de praia.
Fera, e explicou:
igual na coxa.
Marion interveio:
tatuada na coxa.
a conversa.
no fogo» tem pouco valor legal. Mas é preciso tirar a limpo essa questão
certo?
marido, antes de passar ao ato. Mas até agora não houve nada que nos
chamasse a atenção.
procurador. — Abram bem os olhos e sigam cada passo que ela der.
Às onze da manhã, os agentes de atalaia viram o Porsche de Sophie
reconhecida:
estiveres a…
revelar o seu pacto com o Fera. Quase deitou tudo a perder ao colocar-
— Não deve ser difícil perceberes que não consigo pensar em mais nada.
Fera…
Ele acenou com a cabeça, para lhe mostrar que estava atento. Ela
prosseguiu:
Interrompeu-a logo:
Sophie decidiu ignorar o comentário. Havia uma boa razão para que
responder.
comigo ao Esconderijo.
— Ao Esconderijo?
celeiro.
antes das férias de verão, descambara num ruidoso e alegre bruaá. Toda
pelo rádio.
controlo de rotina.
— Para Saint-Tropez.
Diz que vai para Saint-Tropez, para casa dos pais, onde tenciona passar
o mês de julho.
desligar.
judiciária.
observação.
si, não sei, mas eu não tenho propriamente vontade que a minha carreira
***
Arpad encontrou-se com o seu amigo Julien Martet num bar do centro
da cidade.
de ter sido.
— Ouve — disse Julien —, isto fica entre nós, mas fui investigar
para gerir os clientes franceses. Sei que tens o perfil certo para o lugar.
— Não é nada garantido, mas vou dar o meu melhor. E se não for
resolver-se.
tom mais ligeiro. Mas Arpad continuava com a cabeça noutro lado:
contava as horas para o assalto. Além disso, estava-se bem nas tintas
***
porta de casa. Tudo pronto para o dia seguinte. Karine foi ter com Greg
vinho.
seu marido. Mas ele esforçava-se e ela devia fazer o mesmo. Decidira-se
Greg ainda não a avisara. Sabia que Karine iria fazer uma cena e por
causa do trânsito.
— Achas mesmo?
para que Greg reparasse que tinha ido à pedicure. Mas Greg não reagiu.
amanhã de manhã…
Karine só tinha vontade de chorar. Mas não à frente dele. Deu meia-
Foi para o piso de cima, enquanto ele ficou no rés do chão. Karine
Sophie, chegava ao fim um jantar feliz. Uma meia hora mais cedo,
ele mesmo.
ia ser maravilhoso.
distintivos.
baixo, na carroçaria…
oficial, mas entre polícias era sabido que o tempo é precioso nestas
vigilância.
Atendeu. Ela apareceu no ecrã, com a sala de estar dos pais como
lhe a mulher.
— Bem. Muito bem, até. Ele diz que talvez tenha um emprego para
apertado.
deliciosas!
acontecido.
— Amanhã à tarde.
Bernard.
O dia do assalto
Segunda-feira, 27 de junho
Terça-feira, 28 de junho
Quarta-feira, 29 de junho
Quinta-feira, 30 de junho
Sexta-feira, 1 de julho
eles a ocupar-se das crianças, desde o levantar, com uma ida prevista a
Cannes durante o dia inteiro, o que lhe permitiria dormir até tarde.
regresso a Genebra.
***
Cinco da manhã.
Preparou café e deixou o cão sair para o jardim. Culpava-se por ter
dois. Mas lamentava a incompreensão dela. O seu trabalho não era uma
atividade qualquer. Havia um assalto prestes a acontecer: não podia
convinha. Antes de sair de casa, escreveu uma nota que deixou em cima
da mesa da cozinha.
para Itália.
Amo-te
Era a primeira vez que saía para uma operação sem beijar a mulher.
fora curta e agitada. Os sete minutos que tinha pela frente pareciam-lhe,
necessitava de descansar.
***
Releu uma última vez as instruções que Sophie lhe dera na véspera,
indícios.
***
atacar uma joalharia. Ainda não sabemos qual. Perdemos a pista do tal
saia de casa.
***
Oito da manhã.
Arpad entrou no carro, deixou a Casa de Vidro e conduziu em
***
Nove da manhã.
de carro. Teve apenas tempo para ver Arpad a entrar pela porta da frente
Como é óbvio, ela obedeceu às ordens que lhe deram. Uma vez
fechar à chave a porta da loja, antes de o levar por sua vez para um lugar
observação.
à loja.
está o Arpad?
— Não vejo ninguém dentro da loja.
delito.
ordem.
para a sala das traseiras da joalharia, onde estavam retidos os três reféns.
— Estamos prontos para ir embora — disse com uma voz muito
desimpedido.
assalto.
polícia judiciária.
Greg, encapuçado e com o uniforme de choque, teve especial prazer
as luzes azuis a girar. Arpad não via nada, e pouco ouvia. Efeito
***
deserto, mas só ele é que sabia disso. Entrou e falou em voz alta com a
distância:
mais um pouco? Claro que sim. Dorme mais um bocadinho. Até já.
***
da loja.
***
elegante que acabava de entrar, veio recebê-lo com uma certa deferência.
lhe útil?
Sophie.
Uma vez lá, Arpad pousou o anel sobre o tabuleiro em veludo que lhe
objeto.
explicou Arpad.
uma lupa.
O empregado ausentou-se da sala por uns instantes. Quando
regressou, com uma lupa na mão, constatou que o anel já não estava
pousado na mesa.
Arpad.
***
mesa sem se aperceber e o anel caiu no chão, que é alcatifado. Por isso,
não ouviu nada. Nessa altura, vejam, o meu colega voltou à sala com a
caído.
cliente queria sair da sala, mas um dos seguranças pediu-lhe para não se
***
importante.
***
Arpad é no mínimo suspeito. Entra na loja, o seu anel cai ao chão como
que por acaso, o empregado encontra-o, ele faz uma cena e vai-se
embora.
me muito, inspetor, não haja dúvidas! E agora, com que base é que o vou
— Enfim, sabe tão bem como eu que existem áreas cinzentas neste
papéis!
se sabe. Há algo que nos está a escapar, isso é óbvio, mas não sei o quê.
Mas aperte com ele: neste momento, não temos nada, por isso não
apercebido.
vistas. Ninguém prestara atenção àquele casal que passara por ali uma
hora antes, igual a tantos outros. Naquele lugar, não havia uma única
mais abaixo.
meio, apreciava muito o Fera: gostava que ele fosse um lobo solitário,
muito fiável, com um código de conduta que na maior parte dos outros
corria riscos por dá cá aquela palha, e era isso que explicava a sua
***
29 de abril de 2022
— Em Genebra?
uma fortuna, peças que não consegue vender. Diamantes cor-de-rosa que
seguro. São cinco diamantes que valem vinte e cinco milhões de euros.
O Estónio sorriu.
sorriso.
***
furiosa.
Cartier não sabia ainda que ele nos poderia ser útil.
— Útil?
serviria de distração.
calmas!
cúmplice?
explicar-te é que, quando o Arpad percebeu que este assalto seria feito
— Nesse caso, ele iria pedir-te que renunciasses. Ele queria mesmo
Mas ele não tem qualquer experiência neste tipo de coisas, era um risco
muito grande pô-lo a participar. Por isso enviei-o à loja da Cartier, não
porque talvez recusasse esse papel. E como combinámos, ele e eu, não te
dizer nada até ao último momento, nunca chegou a saber que não iria
foi só um engodo.
filha.
festejarem o último assalto. Mas sentia que ainda não era o momento
Depois disso, ele desapareceria da vida dela para sempre, não apenas
liberdade.
que tudo estava perdido. Mas após uma breve passagem pela cela,
diamante se soltou. Posso saber o que se passa? E por que motivo fui
chamaram a polícia?
ainda não se apercebera de que o podia fazer. Ela tentava forçá-lo a falar.
absolutamente escusado. Foram eles que vos chamaram? Foi por isso
queixa.
Arpad dissera esta última frase para testar a inspetora. Ela não o
contradisse. Quereria isto dizer que não tinham nada contra ele? Mas
havia uma questão que o preocupava mais do que tudo o resto: o que
Tropez…
Marion sentia que não poderia manter Arpad à sua guarda durante
chofre.
toda a verdade. É por aí que te podem apertar. Eles estão muito bem
motivos para tal, mas o caso acabou por ser arquivado. Um estúpido
isso quis ajudá-lo cá fora. Arranjei-lhe trabalho, mas ele não o aguentou
muito tempo. Acabámos por nos perder de vista quando me vim instalar
aqui, em Genebra.
passado sábado, cheguei a vias de facto com ele. Dei-lhe uma tareia.
a mesma coisa.
na passada quarta-feira.
Arpad vacilou.
endrominar as pessoas. Não leves isto a mal, não é uma crítica. É uma
força tua.»
— Ora essa! Ele queria era ajustar contas comigo, depois da nossa
queixa contra ele. Acho que só vamos lá com uma ordem de restrição ou
provavelmente não estaria à sua frente agora. Duvido muito que ele fosse
ali para ver os animais empalhados. Imagino que só não ousou atacar-
Arpad: Alô?
Voz de homem: Sábado de manhã conto contigo.
farias.
eles tenham gravado conversas tuas com o Fera, mas não poderão
confirmar que se trata mesmo dele.» Como é que ela conseguira antever
telefonema.
explicou Arpad. — Mas eu não estava para isso, até porque queria ir
para Saint-Tropez. Mandei-o dar uma curva. Consegue ser muito chato,
o Elmar: damos-lhe a mão e ele quer logo o braço todo. Pode ligar-lhe,
sempre desligado.
interrogatório.
deixar ir.
amigo estónio!
sabia. Que instalara uma câmara no quarto dos Braun e que há dois dias
terminava ali mesmo. E tudo isso para nada: o assalto nem sequer
do casal. Ele vira Arpad a utilizá-lo em duas ocasiões, para falar com o
refletir.
justifique.
do rodapé, dizes que o usavas para falar com os teus clientes, no banco,
instante que Sophie sabia algo que ele ignorava. Mais uma vez, ela não
lhe dissera tudo. Mas não teve tempo de pensar mais sobre isto, porque
perguntou a Arpad:
Arpad não disse nada, mas o motorista fez questão de lhe contar:
Cartier. Por isso invadiram o sítio, com o corpo de intervenção. Foi uma
confusão do caraças.
— Não sei que raio de confusão inventaram eles, mas o certo é que
não fizeram a coisa por menos: foi logo o corpo de intervenção e tudo.
Até rebentaram com a porta da loja, veja lá. Saiu caro, o mal-entendido.
lhe falara. Para evitar que o seu automóvel fosse visto por lá, decidiu
Jussy.
O meio-dia soou no campanário da igreja da pequena aldeia de
Jussy.
O táxi seguiu pela rua principal. Continuou depois por uma estrada
que serpenteava entre searas de trigo. A paisagem não podia ser mais
bucólica.
Arpad viu ao longe a exploração agrícola. Soube que era ali porque
Arpad, mas Greg fez orelhas moucas. Decidido a provar a todos os seus
este deixou a esquadra, no táxi. Ao ver que o taxista conduzia para fora
escondidas.
Jussy. Deduziu que este teria decerto virado para um dos muitos
passageiro. Greg colocou sobre o tejadilho a luz azul giratória e fez sinal
— Ali à frente, numa quinta. O senhor vai por esta estrada e quando
segue pelo caminho até chegar a um conjunto de casas. Primeiro vai ver
lhe confessar:
silenciosamente do óculo.
— Arpad? O que é que fazes aqui? — perguntou o Fera, tresloucado,
Soph’.
garrafa e as duas flutes. — E por que raio estão a beber champanhe? Não
deviam antes ter levado o vosso estúpido assalto até ao fim? O que é que
não sabem.
porque não te podia revelar que a tua mulher era uma ladra.
Mas eu não fazia ideia dessa manobra de diversão criada pelo Fera. Nem
falaram de ti, Fera. O meu telemóvel estava sob escuta. Eles pareciam
***
caras com Karine, que a esperava à frente do edifício onde ficava o seu
escritório de advocacia.
cabra!
raiva.
acalmar os ânimos.
falso!
ou põe-te a andar.
— Comigo?
coisa. Nem dormir com o Greg, nem prejudicar-te, nem fazer-te mal
— Porque…
Arpad? — perguntou.
conhecidos… Vês, afinal não sou assim tão popular como tu julgavas.
Mas nessa festa fiz uma amiga. Uma pessoa completa, íntegra, divertida,
espantosa. Tu.
— A polícia pôs uma câmara no vosso quarto. Foi assim que o Greg
— O quê?
Arpad, para muito longe, antes que a polícia vos apanhe. Não quero que
passos da nossa. Isso seria péssimo para o Greg. Ele passaria o tempo a
Sophie. É uma amiga.» Isso tudo para andar à tua volta, como um
dar conta disso. Desde o aniversário do Arpad, o Greg está como que
enfeitiçado. Desde essa noite, nunca mais foi o mesmo homem. Mas eu
tenho.
***
relato de Sophie.
— Não faço ideia. Mas quando contei ao Fera, ele viu nisso uma
oportunidade.
Sophie continuou:
assalto à Cartier.
disse.
brincadeira de crianças.
então:
exclamou:
cinzento.
pulos.
protocolo de emergência.
Arpad que a seguisse. Este, grande de mais, ficou entalado pela cintura.
Preso na armadilha.
No pátio, diante das casas da quinta, Greg estava a ser examinado por
— Estou.
Esquecer Sophie.
***
gerente da loja que, preocupada por não conseguir falar com o marido,
***
ficou ainda mais uns instantes dentro do carro. Tinha nas mãos um
Feliz aniversário
Fera
QUATRO MESES APÓS O ASSALTO
23 DE NOVEMBRO DE 2022
videovigilância.
mesmo modo, não era possível estabelecer uma ligação entre ela e o Fera
com base numa presumível tatuagem comum, pois aquela que o Fera
identificar.
afetuosamente de Sophie. Era a primeira e última vez que a via, mas teve
31 de dezembro de 2023
Greg ficou um momento a observar a Verruga, a partir do seu
automóvel.
Karine acabara de sair com os filhos, sem dar pela sua presença. Ele
ia ali quase todas as manhãs, para ver os seus. Sentia a falta da sua vida
semana.
— Vens ao banho?
— Vou já.
prestes a estremecer.
obcecado por ela e espia todos os seus movimentos, até os mais íntimos.
romance com Os últimos dias dos nossos pais. Mas foi o segundo
sobre o caso Harry Quebert foi publicado em trinta e três países, vendeu
Alfaguara.
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