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Simone Troisi e Cristiana Paccini

Nascemos
e jamais morreremos
Vida de Chiara Corbella Petrillo

6.ª Edição
Título original:
Siamo nati e non moriremo mai più
Storia di Chiara Corbella Petrillo
© Edizioni Porziuncola
Via Protomartiri Francescani, 2
06081 S. Maria degli Angeli – Assisi (PG)
www.edizioniporziuncola.it
ISBN: 978-88-270-1015-0

Tradução
Marco Cunha, sj

Revisão da tradução
António Valério, sj

Capa
Constança Archer de Carvalho

Fotos
© Todos os direitos reservados

Paginação
Editorial AO

Impressão e Acabamentos
Sersilito – Empresa Gráfica, Lda.

Depósito Legal n.º


521852/23

ISBN
978-972-39-0968-5

1.ª edição
novembro de 2014

6.ª edição
novembro de 2023

Com todas as licenças necessárias

©
SECRETARIADO NACIONAL DO APOSTOLADO DA ORAÇÃO
Rua S. Barnabé, 32 – 4710-309 BRAGA | Tel.: 253 689 440
www.redemundialdeoracaodopapa.pt | [email protected]
Prefácio à Edição Portuguesa

A vida de Chiara Corbella Petrillo tinha de ser trazida à luz –


«Não se acende uma candeia para a colocar debaixo do alqueire»
(Mt 5, 15). Viveu como filha de Deus, abandonando-se confiada-
mente ao seu Amor e à sua vontade, abraçando a lógica da cruz: a
da doação gratuita e radical de si mesma por Amor. E, com a sua
vida, manifestou a Glória de Deus.
Disso quiseram dar testemunho, neste livro, o seu marido, Enrico
Petrillo, e os seus amigos Simone Troisi e Cristiana Paccini.
Após um período de namoro conturbado pelo medo de uma
entrega total um ao outro, sem máscaras ou defesas, Chiara e
Enrico descobrem a sua vocação matrimonial. Na contemplação
da cruz, encontram o fundamento para essa entrega. Chiara vê
o matrimónio como «um caminho para chegarem ao Céu». Du-
rante um tempo difícil de separação pôde treinar a espera orante,
para perceber se Enrico fazia parte do projeto de Deus para ela.
Aprendeu a confiar que, se a relação dos dois era uma porta aber-
ta por Ele, então Enrico não a poderia fechar. Este abandono em
Deus tornou-a livre para se mostrar na sua verdade. E a pobreza
de Chiara chamou Enrico ao amor. Reconhecem Deus como fon-
te única de consolação. Percebem que a fecundidade do seu amor
só será possível em Deus, origem do seu amor conjugal.
Toda a vida de Chiara é um testemunho de entrega, de aban-
dono confiado à vontade de Deus, de aceitação incondicional de
adversidades das quais não percebe o porquê. Mas sabe esperar
pela resposta. Ela virá quando estiver preparada para a entender.
Porque, como diz Enrico, «se te sentes amado tudo podes». E o
Amor nunca a desiludiu. Pelo contrário, foi fonte de Alegria, Paz

5
Nascemos e jamais morreremos

e Serenidade. Tudo acolhe como dom e faz da sua vida, dom.


Quer o que Deus quer. Por isso, com Enrico, aceita o dom de
Maria Letizia e Davide, sabendo, desde cedo na gravidez, que
nascem para logo serem levados ao Céu. E, contudo, em cada
uma destas entregas o seu coração exulta de Alegria. É a graça
recebida para continuar a dizer a Deus o seu «eis-me aqui!» de
Maria, com quem Chiara se identifica. Também ela aceitou «um
filho que não era para ela e que veria morrer aos pés da cruz».
Foi necessário percorrer este caminho de cruz, para poder re-
ceber livremente de Deus a sua última e exigente missão: dar a
vida por Francesco, o filho tão esperado e, finalmente, destinado
a viver junto deles. Entre a sua vida ameaçada por uma doença
agressiva e fatal e a vida que traz dentro de si, escolhe a última.
Porque é dom de Deus, e não pertença sua. Generosamente, vai-
-se retirando para que o filho não sofra com o corte da relação
com aquela que o trouxe à vida. Amar não é possuir. É querer o
bem do outro.
Finalmente, vive o sofrimento de uma doença terminal e mu-
tilante com a Serenidade de quem vive em Deus e com Deus.
Prepara a sua ida para o Pai celebrando a vida, encontrando for-
ças para atender outras pessoas em sofrimento, manifestando o
seu amor por todos os que com ela fizeram a Peregrinação a
caminho do Céu.
Há muitas histórias de sofrimento idênticas à de Chiara.
O sofrimento sem sentido fecha-nos dentro de nós mesmos.
Mata a relação que nos realiza enquanto seres humanos. Fomos
criados por Amor, para amar e ser amados. O Amor está impresso
no coração de todos os homens, mesmo daqueles que não acre-
ditam que a fonte desse Amor é Deus. Todos sem exceção somos
carentes de Amor!
Chiara mostra que é possível viver bem a situação de doença.
Até ao fim. Vence o medo e a aridez espiritual abrindo o coração
para acolher o amor de Deus e de quantos dela se aproximam.

6
Prefácio à Edição Portuguesa

Dando-lhes a possibilidade de amar, ama-os, e o sofrimento, em


vez de morte, gera vida, alegria interior e comunhão. Aceita a
doença. Vive o «hoje» como condição necessária para poder en-
frentar a vida, saboreando e agradecendo as pequenas alegrias que
cada dia lhe traz, animando todos os que, como ela, estão fragi-
lizados. Não perde a oportunidade de verbalizar o quanto ama
cada pessoa que a acompanhou ao longo da sua vida. Para crentes
e não crentes, a forma como viveu e deu sentido ao sofrimento faz
do seu testemunho uma mensagem de esperança.
Ao longo destas páginas, em que Simone e Cristiana nos fazem
comungar da grandeza do Amor, é impossível não estabelecer o
paralelismo entre as vidas de Chiara e de Jesus. A permanente co-
munhão com o Pai, através da oração. O serviço aos mais frágeis.
O esquecimento de si. A experiência de sentir-se abandonada
logo seguida do acolhimento da vontade de Deus. E, finalmente,
a entrega radical da vida, por Amor.
Quem vê Chiara, vê Jesus, vê o Pai – diz o seu diretor espiri-
tual. Como acontece diante de Jesus na cruz, confrontados com
esta história de santificação, somos compelidos a dizer: «o quanto
amou»! Na vasilha que foi o mais íntimo do seu coração, e que
encheu na fonte da Vida sob o olhar de Maria, Chiara transfor-
mou a dor em Amor, Paz e Alegria. Esse foi o milagre da sua vida.
Com Chiara, somos levados ao Céu, à comunhão com o
Amor. À Eternidade. Onde nunca mais morreremos.

Luísa Viterbo
Médica oncologista
Outubro de 2014

7
Apresentação

«Aquilo que vimos»

«Já que muitos empreenderam compor uma narração


dos factos que entre nós se consumaram…», são as palavras
que abrem o Evangelho de Lucas. Com as mesmas palavras,
Simone e Cristiana poderiam ter começado a biografia de
Chiara Corbella Petrillo.
O desejo de conhecer Chiara foi, logo desde o início, muito
forte e, no seu funeral, quando, no fim da homilia, se disse: «Se
quereis saber mais, vinde e fazei-nos perguntas», milhares de pes-
soas responderam ao convite, pedindo-nos, durante todo o ano,
que déssemos o nosso testemunho, entrevistas ou algum tipo de
material sobre Chiara.
Imediatamente nos demos conta da exigência de tantos em
ouvir falar dela e da sua história, uma história que surpreende e,
ao mesmo tempo, aterroriza e fascina. Muitos relataram aquilo
que aconteceu: artigos nos jornais nacionais, capítulos inteiros de
livros, discussões em blogues...
No entanto, como sucede frequentemente nestes casos, o de-
sejo (legítimo) de compreender, unido às poucas informações
disponíveis, deu lugar a algumas interpretações e acrescentos de
pormenores que nada tinham a ver com a realidade.
Tendo em consideração tudo isto e também a impossibili-
dade de Enrico dar reposta a todos os pedidos que lhe chega-
vam de todas as partes, nasceu o projeto deste livro. Um ins-
trumento para difundir e dar a conhecer a sua história como
realmente aconteceu.

9
Nascemos e jamais morreremos

Depois de vencida uma primeira e natural resistência, devida


ao facto de termos de «partilhar» a história de Chiara com muitís-
simas pessoas, crentes e desconhecidas, pensámos pedir ao Simone
e à Cristiana para fazer, recorrendo uma vez mais às palavras de
São Lucas, «cuidadas investigações desde a sua origem e expô-las
por escrito e pela sua ordem» (Lc 1, 3).
As páginas que vão ler não refletem simplesmente o ponto de
vista dos dois Autores sobre aquilo que aconteceu. O «cuidado»
com que Simone recolheu as memórias dos familiares e amigos que
conviveram de perto com a história de Chiara faz deste livro um
testemunho de fé de uma porção da Igreja que narra a Vida Eterna
e atualiza as palavras de São João, no seu Evangelho: «nós falamos
do que sabemos e damos testemunho do que vimos» (Jo 3, 11).

Padre Vito d’Amato

10
Prefácio

Para não me esquecer

Estou aqui, agora, no teu quarto, o teu último quarto. Dormiste


aqui uma só noite e agora é o teu quarto. Foi aqui que se abriram as
portas, foi aqui que Ele em pessoa veio ao teu encontro. É o quarto
onde os vossos olhos apaixonados finalmente se encontraram. Es-
tou aqui neste lugar santo e faço memória de todas as coisas.
Passou apenas um ano desde aquela última e única Missa cele-
brada neste quarto. Comovo-me com tanto amor recebido e dado,
sempre juntos, e descubro-me outra vez apaixonado por ti e por
Ele. Talvez seja até demasiado fácil para mim continuar apaixona-
do, saciei-me com abundância. Comi «mel dos rochedos», para
usar um termo bíblico. A... melhor carbonara, diria. Foi também
aqui que nos disseste, no Evangelho daquela última Missa, «vós
sois o sal da terra, a luz do mundo». Era e é o seu mandato: «Ide
por todo o Mundo e anunciai o Evangelho».
Existe um mundo que te ama de uma maneira extraordinária.
Sentem-te próxima no seu sofrimento, pedem a tua intercessão
como se já fosses uma santa reconhecida [pela Igreja]. Eu não
quero que se precipitem, ainda que não tenha dúvidas que sejas
santa. A tua felicidade é o Imprimatur do Senhor. Como quem
diz: «Passei por aqui, isto é uma coisa minha».
Sabes, meu amor, o nosso amor continua a gerar filhos (o Padre
Vito fez-me tomar consciência disto). Temos tantos filhos que já
não consigo lembrar-me do nome de todos. Não são filhos segun-
do a carne, mas são filhos no Senhor. Espero que o Francesco me
perdoe porque abri o seu presente, a tua carta para o seu aniversário.

11
Nascemos e jamais morreremos

Também a escrevi um bocadinho e pensei que devia partilhá-la


com eles, os filhos mais distantes. Espero não ter feito mal. Pensei
que ao fazê-lo não estaria a roubar o teu amor pelo Francy, pois ele
é o teu filho segundo a carne.
Mas, sabes, existe um mundo que preferiria que nunca tivesses
existido, porque não é fácil deixar-se perscrutar por Deus através de
ti: nos teus olhos, na tua venda, no teu sorriso, na tua beleza, Ele
está sempre presente. Por isso é necessário este livro. Sim, um livro
sobre ti, meu amor, porque ainda continuamos a maravilhar-nos!
Um livro que não serve para explicar a verdade, porque esta sabe-se
explicar muito bem sozinha, nem sequer para te fazer publicidade
(como tantos gostariam de ter feito). A verdade plena nunca está
presente em quem te quer vender alguma coisa, mas tu, sim, podes
falar da verdade porque deste tudo aquilo que podias. A vida.
Era necessário que desses a vida, meu amor, era necessário.
Para que os cegos possam ver, para que quem tem sede beba, para
que os soberbos sejam dispersos nos pensamentos do seu coração
e para que o seu povo saiba que a escravidão terminou e o Rei
vem na sua glória.
Este livro serve simplesmente para dar testemunho, àqueles
que estiverem dispostos a abrir o coração, que Deus é bom e que
se pode morrer feliz. Sobretudo serve-me a mim, para não me
esquecer. Eu vi, somente pela graça de Deus, aquilo que muitos
profetas e reis quiseram ver mas não viram. Seria culpado se me
calasse. Tenho de dar testemunho. Eu daqui e tu daí, de onde
estás, unidos num amor que é novo para nós, diferente, mas cer-
tamente não menos forte.
Para escrever este livro pensei no Simone e na Cristiana: quem
melhor do que eles, amigos íntimos com quem partilhámos tantos
segredos da nossa alma, caminhando juntos na mesma direção, fa-
lando a mesma linguagem, testemunhas oculares também eles desta
maravilhosa história? Pensei neles e acho que tomei a melhor decisão.
Gostaria de o escrever eu mesmo, mas num momento raro de

12
Prefácio

honestidade infinita perguntei-me a mim mesmo: «Mas quando?


Ainda nem sequer percebeste em qual gaveta deves pôr as meias e em
qual a roupa interior! É melhor que o façam eles». Eles são perfeitos.
Partilhei esta ideia com o Padre Vito e ele deu-lhe a sua bênção.
Por isso escolhi-os a eles: rezam, têm um coração puro e dese-
jam o bem. Estiveram sempre presentes, desde que os conhecemos
em Assis como noivos. Nós no seu casamento e eles no nosso, um
mês depois. Estiveram ali, a rezar por nós do outro lado da porta,
enquanto nascia a Maria e, depois, no seu «funeral»; estiveram
presentes quando nasceu o Davide e também no seu «funeral»;
estiveram sempre presentes, no batizado do Francesco e, por fim,
na nossa Páscoa, quando tudo se cumpriu. Quem melhor do que
eles para escrever este livro?
Simone, que fez os estudos na área da edição, tinha todas as
qualidades para escrever da melhor forma a tua história; Cristiana,
a amiga com quem, mais que todos, partilhaste mais a tua fé. Ela
conhece alguns segredos do teu coração... Conversas entre mulhe-
res de inteligência superior. Quanta beleza, quanta Providência.
E eles conseguiram. Foi um trabalho difícil para eles, rezavam
juntos todas as manhãs, antes de começarem a trabalhar, escuta-
ram horas e horas de testemunhos recolhidos de entre os amigos
mais próximos. Transcreveram e compilaram tudo com muito
cuidado e conseguiram escrever, não um livro romântico, mas
um primeiro livro que fala de ti, de nós e sobretudo de Deus, de
como Ele ama. É apenas um primeiro livro, sei que se escreverão
muitos outros, em muitas línguas.
Disseste-me frases tão fortes como inteiros volumes de teo-
logia. Não sei se tinhas consciência disso quando as dizias... Eu
acho mesmo que sim.
Com toda a diligência, eu escrevia-as para não me esquecer.
Sim, para não me esquecer.

Enrico Petrillo

13
Introdução

Uma amizade profunda

«Chamo-me Chiara, tenho 25 anos, sou casada há um ano e


alguns meses com o Enrico. Nesta noite, se conseguir, partilho
convosco a história da nossa filha, Maria Grazia Letizia, que nas-
ceu no dia 10 de junho deste ano». Estamos no dia 19 de novem-
bro de 2009. Chiara está a dar um testemunho na igreja de Santa
Francesca Romana, no Ardeatino, em Roma. As suas palavras
naquela noite abrem os corações de muitas pessoas. Uma história
exemplar, partilhada de modo simples, com toda a naturalidade.
Não é possível interpretar mal o que ela diz. Tal como é impos-
sível não compreender a verdade que, diz Chiara, «Deus coloca
dentro de cada um de nós».

Chiara e Enrico tinham decidido levar até ao fim a gravidez


de uma menina anencéfala. A menina nasceu, foi batizada e
meia hora depois subiu para o Pai. Agora eles, cinco meses de-
pois de um funeral em que Chiara tocou violino e Enrico can-
tou as suas canções, estavam ali a partilhar a misteriosa alegria
que os tinha acompanhado.
Apenas três anos depois, muitos dos que tinham conhecido
Chiara naquela ocasião participaram no seu funeral. E era algo
verdadeiramente especial sentir-se a fazer parte de tal aconte-
cimento. Naquela ocasião, o Padre Vito, diretor espiritual dos
Petrillo, convidou os presentes a deixarem-se interrogar por esta
família que, entretanto, tinha acolhido um outro filho, também

15
Nascemos e jamais morreremos

este morto logo após o nascimento, e tinha vivido com confiança


e paz a doença de Chiara durante a sua terceira gravidez.
Quem quisesse conhecer a história de Chiara e Enrico teria
encontrado, entre familiares e amigos, testemunhas desta vida ex-
traordinária disponíveis para contar como tudo aconteceu.
Aqui estamos. Nós estamos entre as testemunhas. Incrivel-
mente, estivemos com eles nos momentos mais decisivos.
Este livro nasce graças aos pedidos de quem se aproximou de
Chiara, mesmo só por ter ouvido falar. Por dom de Deus, vive-
mos com eles este caminho de graça, de maravilhas belíssimas
como um arco-íris depois de um grande temporal. E foram gran-
des e muitos os dilúvios.

Quem é Chiara? Porquê tanta atenção à sua volta? O que é


que ela fez? À primeira vista, a sua é uma história dramática de
uma mãe que morre de cancro, deixando sozinhos o marido e o
filho. Provavelmente, uma história semelhante a tantas outras.
Mas nesta há algo diferente. Tudo foi vivido na alegria e transfor-
mou-se em vida para os outros.
Como uma criança que segue o cheiro de um bolo que acabou
de sair do forno, tantos seguiram o perfume destes dois esposos
que reconhecem no sofrimento a sua dança, que sorriem enfren-
tando as provas mais duras e descobrem uma felicidade à qual
todos nós, na verdade, somos chamados. Um perfume inebriante,
perturbador, que se agarra a ti, mesmo que, assustado, inicial-
mente o tenhas combatido.
Que coisa ou quem levou Chiara a morrer assim? Escutámos
aqueles que a amaram com um amor único, mais forte do que
qualquer tempestade. Fizemos memória de todos os momentos
que o Senhor nos concedeu poder partilhar com ela. Porque esta
história contém uma mensagem. É um anúncio sólido e credível
de algo que aconteceu há dois mil anos e que continua a acontecer

16
Introdução

em cada dia, desde então. «A quantos o receberam, aos que n’Ele


creem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus».
Uma pessoa morre como viveu. Chiara morreu de uma ma-
neira incrível, sorrindo diante da morte. Muito mais do que
serena: feliz. Estar a seu lado foi ver o viver e o morrer de um
filho de Deus.
Existe uma fotografia de Chiara e Enrico em que eles se afas-
tam, de costas, abraçados. Foi tirada no dia 4 de abril de 2012,
menos de uma hora depois do veredicto dos médicos. Estávamos
numa das pontes que ligam a Ilha Tiberina e o Fatebenefratelli, o
hospital romano que Chiara e Enrico deixavam pela enésima vez,
sempre da mesma maneira, abraçados. Como sempre, sem que o
soubéssemos, tínhamos chegado ao hospital na hora certa.
Enquanto caminhávamos atrás deles, com o Francesco no
carrinho de bebé, a certa altura, Chiara e Enrico voltaram-se e,
fazendo o gesto de uma pistola, faziam de conta que estavam a
disparar para o Francesco, dizendo «bum bum» a cada disparo.
Francesco, que começava a rir e se mexia muito, cumpriria um
ano dali a dois meses. Acompanhámo-los ao carro, estacionado
no lungotevere1, e abraçámo-nos entre lágrimas. Chiara não per-
deu nem sequer aquela oportunidade para amar.

Em Assis, nasceu com eles uma amizade simples e profunda.


Já nos conhecíamos, mas foi à sombra da Porciúncula que nos
tornámos irmãos. Foi muito bom caminhar juntos. Casámo-nos
com poucas semanas de diferença e, desde então, não nos voltá-
mos a separar. Falávamos de tudo: das coisas mais corriqueiras,
como o peito de frango com laranja ou as plantas do jardim, e de
outras muito importantes, como o Paraíso e a morte. Partilhámos

1
Uma avenida de Roma que acompanha o rio desta cidade, o Tibre, que
em italiano se diz «Tevere» [N. T.].

17
Nascemos e jamais morreremos

o quotidiano de jovens esposos, conhecemos os dois primeiros


filhos deles, as suas alegrias e dificuldades como pais. Quando a
doença lhes bateu à porta, logo depois de saberem da vinda do
Francesco, vimos com os nossos próprios olhos que verdadeira-
mente a vida vence a morte. Passávamos dias inteiros a falar, a
fazer grandes perguntas, a esperar juntos. Caminhávamos como
se estivéssemos unidos com cordas2, cada um pronto para puxar
pelo outro quando este estivesse em dificuldade.
Nós fomos espectadores e protagonistas de cada acontecimento
da sua história. Frequentemente, com Chiara, perguntávamo-nos
o porquê disto. Talvez o descubramos somente quanto morrer-
mos, quando o amor nos explica todas as coisas.

A seu lado não custava nada acreditar na vida eterna. Parecia


que a podias tocar, davas-te conta de estar já mergulhado nela.
Um dos maiores dons que eles nos deram foi mostrar-nos que
aquilo que temos é o hoje. E neste presente podes ser feliz, muito
mais do que terias a coragem de imaginar. É nas coisas comuns
que o extraordinário de Deus pode intervir. E eles aprenderam
de modo admirável a dar espaço à graça, que não vê a hora de te
mostrar as maravilhas de que é capaz.
O engano maior é pensar que isto seja um privilégio reservado
aos Petrillo, é acreditar que eles foram «especiais». Pelo contrário,
Deus é Pai de todos, da mesma maneira. Muitas vezes, olhando
para eles, pensámos que, se Deus ajuda desta forma, também nós
poderemos levar a nossa cruz.
O seu casamento foi a estrutura de tudo isto. Neste sacra-
mento, a graça multiplicava-se. Diante dos nossos olhos, eles
transformavam-se em altar. Vimo-los, pouco a pouco, restituir
tudo: Maria Grazia Letizia e Davide Giovanni, o pequenino
Francesco, os seus projetos de jovem casal. Mas sobretudo o seu

2
Como fazem os alpinistas, todos ligados por uma corda [N. T.].

18
Introdução

amor, a parte mais dura. Não nos lembramos de um só dia de


desespero. Pelo contrário, a sua alegria crescia. Reconheciam cada
coisa como um dom e eram muito conscientes que esta terra não
é a nossa pátria e nós não somos o ponto de chegada. Entretanto,
também o nosso paladar mudava: «Aquilo que me parecia amar-
go foi transformado em doçura de alma e de corpo»3.
O corpo é feito para amar, é este o seu objetivo. É através
do corpo que o mal, a frustração, a dor nos atingem na nossa
história e nos nossos dias. Mas a boa notícia é que precisamente
através de um outro Corpo chegarão a consolação e a salvação.
Chiara e Enrico mostraram-nos isso com a sua história; viveram
o casamento como um caminho seguro para a santidade, como
uma vocação plena.
Se por milagre se entende uma cura física, então este livro não
contém milagres. Nenhuma cura.
O milagre que contamos é outro: uma alegria desarmante, sim-
ples e transparente. Um tesouro a descobrir. A perfeita alegria de
Francisco de Assis (ou misteriosa alegria, como diria Enrico) que
transforma o mal em bem, que alarga o coração e o horizonte.

Descobrir-se amados é o centro de toda a nossa existência.


Apenas preenchidos por este amor total e louco podemos cres-
cer e amar, da nossa parte. Existe uma gradação nos nossos ca-
minhos, sinal de uma infinita ternura da parte de Deus.
O Senhor usou uma pedagogia também para estes nossos
amigos, um caminho de amadurecimento no amor. Acompanhar
Maria Grazia Letizia no seu nascimento para o Céu era apenas o
primeiro dos «pequenos passos possíveis» de que Chiara falava.
«Pequenos passos possíveis», diz Enrico, «são todos os da nossa
história. O facto de acompanhar primeiro um filho à eternidade;

3
AA. VV., Fonti Francescane. Padova, Editrici Francescane, n. 110,
2004, p. 99.

19
Nascemos e jamais morreremos

depois, um segundo; depois ficar grávida de um filho finalmente


saudável, lindíssimo; descobrir que a Chiara tem um tumor; des-
cobrir que se tem de esperar…».
Depois, os tratamentos, as terapias. Mas, apesar de tudo isto,
os seus rostos estiveram sempre iluminados, serenos, sorridentes.
Com um sorriso autêntico, sempre. Vistas de fora, todas estas
provações aterrorizam. Somos levados a pensar que nunca con-
seguiremos encarar coisas semelhantes. Mas cada passo é acom-
panhado por uma graça necessária.
Chiara irritava-se muito quando lhe atribuíam qualquer dom
especial ou uma coragem muito própria que lhe permitia enca-
rar tais desafios. Ela dizia-nos muitas vezes que era medrosa por
natureza. Contava a sorrir que, na escola, nunca conseguiu ir vo-
luntariamente a um exame oral, mesmo que estivesse preparada,
por ter muito medo.
Sublinhava sempre que se ela o podia fazer, também qual-
quer um o poderia. O esforço está no dar espaço, no confiar,
no acreditar verdadeiramente que Deus é bom e tem em mente
apenas maravilhas.

«O olhar», afirmou João Paulo II, «exprime aquilo que está no


coração, é uma porta para a verdade interior»4. Quem se cruzou
com os olhos de Chiara sabe que ela não mentia, que existe real-
mente uma esperança e que essa esperança é válida para todos.
Também por isto se estava tão bem junto deles.
Chiara não apenas sabia ouvir, mas tinha extrema consideração
pelas opiniões e conselhos dos outros. Um aspeto que a caraterizava
era precisamente o serviço, o não se poupar nas pequenas coisas, que
lhe permitiu exprimir a gratuidade também nas coisas maiores.
Chiara aceitou livremente a sua pobreza, a sua dependência.
És alguém quando pertences a alguém. Saber que és de Jesus, que

4
Audiência Geral de 10 de setembro de 1980.

20
Introdução

dependes d’Ele, permitia a Chiara ser aquilo que era, renunciar a


perceber, escolhendo bendizer Deus e abençoar quem estava a seu
lado. Dar-se é a única verdadeira possibilidade. E foi precisamen-
te isso que Chiara, a partir de um certo momento, fez. Abraçou
verdadeiramente a sua cruz, porque «Deus é o Sumo Bem que dá
valor a tudo o que existe», e é «a plenitude daquela alegria que
não se desvanece, mesmo quando banhada pelas lágrimas»5.
Talvez a história de Chiara esteja destinada a isto, a mostrar a
beleza do matrimónio que, com as suas urgências, os seus dons e
as suas dificuldades, é realmente um caminho que santifica. Os
esposos, de facto, revelam ao mundo como Deus ama.
«Nós não nos sentimos corajosos», disse uma vez Chiara, «por-
que na realidade a única coisa que fizemos foi dizer SIM, passo
a passo». Esta frase é um pequeno tesouro. Contém tudo aquilo
que é preciso saber.
A oração e a fraternidade foram fundamentais. Sem a oração,
diziam, não teriam sido capazes de fazer nada. Tantas pessoas,
não só os mais próximos, rezaram por eles, um pouco por todo
o mundo. Juntaram-se, pouco a pouco, novos companheiros de
viagem. Cada um chegando na hora certa, cada um sinal daquela
Providência que proporcionava toda esta maravilha. Foram apoio
para eles, e nas fases mais duras eram aquela pequena chama que
iluminava a escuridão. Junto ao nosso, estão também aqui os seus
testemunhos: dos familiares, amigos e médicos que percorreram
toda ou parte desta estrada.
Nestes anos, vimos como a história de Chiara se difundiu de
maneira inesperada. Entrou nas casas, nos hospitais e em tantas
outras histórias. Para relatar os seus efeitos seria necessário um ou-
tro livro. Logo a após a sua morte, o interesse por ela subiu até às
estrelas (em todos os sentidos), deixando-nos estupefactos e gratos.

5
Canopi, Anna Maria – «La riflessione. Solo l’umile incontra Dio». Credere.
La gioia della fede, n. 3, 2013, p. 45.

21
Nascemos e jamais morreremos

«Toda esta luz», disse Enrico, «está a difundir-se sem que eu


faça nada. Telefonou-me o Cardeal Vallini e disse-me, naquela
manhã, que viria ao funeral da Chiara... sempre nos maravilhá-
mos por tanto amor à nossa volta».
Em resumo, porquê escrever um livro? Porque muitos querem
conhecer Chiara. Perceber como fez para viver (e morrer) assim.
Muitos sabem simplesmente que é uma jovem mulher, que mor-
reu depois de ter adiado os tratamentos para que pudesse nascer
o seu filho, mas é muito mais do que isso. Por detrás de tudo
está um casamento lindíssimo, vivido plenamente e na alegria.
Um amor tão verdadeiro que os levou juntos à cruz. Aquilo que
vimos, vos narramos agora.
A beleza salvará o mundo, escreveu Dostoevskij. Sim, mas que
beleza? A de um rosto feliz no sofrimento. A do rosto de Jesus.
Uma beleza que também Chiara nos mostrou.

Nota sobre o título

Nascemos e jamais morreremos. Esta frase está ligada à imagem


de Chiara, mas Chiara nunca a pronunciou, ainda que seja per-
feita para ela. Pronunciou-a Enrico. É uma frase que ouviu a um
responsável da comunidade «Gesù Risorto», doente terminal de
cancro nos ossos. Enrico tinha cerca de 15 anos e ficou muito
impressionado. Repetiu-a muitas vezes, e nós sabíamos que ele
a queria escrever numa t-shirt, porque achava que era uma boa
notícia para dar a todos.
No dia 12 de junho de 2012, o dia anterior à morte de Chiara,
oferecemos ao Enrico, à Chiara e ao Francesco três t-shirts com
esta frase e com o desenho de um girassol que nasce.
Chiara pedira-nos que escrevêssemos uma fábula para o
Francesco, para que lhe pudesse explicar a sua história e a dos
seus dois irmãos. A fábula terminava com esta frase: Nascemos e
jamais morreremos.

22
Introdução

Nas últimas horas ao lado dela, e imediatamente depois,


quando a fábula foi colocada na câmara ardente, ao lado do seu
corpo e das suas fotografias, aquela frase continuou no ar. Foi lida
por todos, reconhecida como verdadeira por todos. Tanto que,
quando Enrico preparou a lembrança de Chiara para o funeral,
a escolha da frase foi automática. Aquela frase foi realmente im-
pressa sobre o peito de Chiara. E no coração de todos aqueles que
a conheceram, pessoalmente ou graças àquela imagem.

23
Apêndice à 6.ª Edição Portuguesa

Causa de beatificação de Chiara Corbella Petrillo

Para se dar início a uma Causa de beatificação, as leis da


Igreja preveem um intervalo de cinco anos entre a data da morte
e a abertura do processo canónico. Deve também permanecer
viva entre um grande número de fiéis a convicção de que a pes-
soa em causa levou uma vida de santidade (fama sanctitas) e de
que os fiéis obtêm graças divinas devido à sua intercessão (fama
signorum). Foi a verificação destas condições que levou a Igreja
a atribuir a Chiara Corbella Petrillo o título de «Serva de Deus»
e, por decreto datado de 2 de julho de 2018, assinado pelo Car-
deal Angelo de Donatis, Vigário-Geral da Diocese de Roma,
a anunciar oficialmente a abertura da Causa de Beatificação e
Canonização desta Serva de Deus. O ato público de abertura da
Causa teve lugar em cerimónia solene, realizada na Basílica de
São João de Latrão, a 21 de setembro de 2018.
Sobre Chiara, afirma o referido Decreto: «A sua oblação per-
manece como um farol luminoso de esperança, testemunho da fé
em Deus, Autor da vida, exemplo de amor maior do que o medo
e a morte».
As graças alcançadas por intercessão da Serva de Deus Chiara
Corbella Petrillo devem ser comunicadas ao Tribunal Diocesa-
no do Vicariato de Roma (Piazza S. Giovanni in Laterano, 6 –
00184 Roma).

169
Oração que os fiéis podem rezar
solicitando a intercessão
da Serva de Deus Chiara Corbella Petrillo

Deus infinitamente bom,


que na vossa grande misericórdia
escolhestes Chiara
como vossa filha predileta
e com sabedoria a guiastes
nos caminhos do Evangelho,
ensinando-a, por meio de Maria,
a cuidar do vosso Filho
com amor apaixonado
e a segui-lo como esposa e mãe
com confiança inabalável no caminho da cruz,
concedei-nos que a luz do Evangelho de Cristo,
que brilha em Chiara,
reanime a certeza da vida eterna
na alma dos nossos irmãos.
Por sua intercessão
concedei-nos as graças que vos pedimos
e, se for segundo a vossa vontade,
concedei-nos que Chiara seja proclamada Beata,
para nosso bem e glória do vosso Nome.
Por Cristo, Nosso Senhor.
Ámen.

[Com aprovação eclesiástica]

171
Índice

Prefácio à Edição Portuguesa......................................................... 5

Apresentação
«Aquilo que vimos»..................................................................... 9

Prefácio
Para não me esquecer................................................................... 11

Introdução
Uma amizade profunda............................................................... 15

Capítulo 1
«Talvez não tenha entendido nada»............................................. 25

Capítulo 2
Viver e deixar-se amar.................................................................. 37

Capítulo 3
Nada de imperfeito...................................................................... 63

Capítulo 4
Francesco e o dragão.................................................................... 85

173
Nascemos e jamais morreremos

Capítulo 5
21 de setembro............................................................................. 121

Capítulo 6
A graça de viver a graça................................................................ 127

Agradecimentos............................................................................. 167

Apêndice à 6.ª Edição Portuguesa.................................................. 169

Índice ........................................................................................... 173

174

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