A Propriedade Imobiliaria No Ordenamento Juridico Brasileiro
A Propriedade Imobiliaria No Ordenamento Juridico Brasileiro
A Propriedade Imobiliaria No Ordenamento Juridico Brasileiro
IMOBILIÁRIA NO
ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
Autor:
Diego Brainer de Souza
2021
Diego Brainer de Souza
Sumário
Introdução ......................................................................................................................... 4
1. Propriedade .............................................................................................................. 10
1.1. definição .......................................................................................................................................... 10
1.2. elementos constitutivos ................................................................................................................... 11
1.3. função social .................................................................................................................................... 16
1.4. propriedade urbana e rural ............................................................................................................. 20
“está na Lei, mas a Lei não é todo o Direito. (...) O Estado pode ditar a norma jurídica, mas o simples fato de o
fazer não significa que esteja agindo conforme o Direito, que a ele pode transcender e até contrapor-se, caso
não se harmonize com as prerrogativas inerentes ao ser humano e à defesa do convívio social” - San Tiago Dantas
(Aula na Faculdade Nacional de Direito – FND).1
1
Excerto extraído da biografia de San Tiago Dantas: DUTRA, Pedro. San Tiago Dantas: A razão vencida – O ideólogo (1911-
1945). São Paulo: Singular, 2014, p. 414.
INTRODUÇÃO
Precipuamente, intenta-se com o presente curso entender o direito real por excelência, o mais completo
de todos os direitos reais constantes do rol do art. 1.225 do Código Civil,2 a propriedade.
No tocante à bibliografia recomendada, indica-se a leitura atenta da presente apostila, dos slides
apresentados em sala de aula, das referências feitas ao longo do curso, mas, principalmente:
(i) TEPEDINO, Gustavo. RENTERIA, Pablo. MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo Monteiro.
Fundamentos do Direito Civil. Fundamentos do Direito Civil – Direitos Reais - Vol. 2. Editora Forense.
2021.
(ii) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Contratos. Vol. III. 21ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2020.
(iii) MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Curso de Direito Civil. Direito das coisas, vol. V, São Paulo: Atlas,
2018.
DIEGO BRAINER DE SOUZA ANDRÉ – Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professor de Direito Civil do ICESENSA, do Unyleya/Estratégia, do CEPED-Uerj e conteudista da
UNESA. Ex-Professor Substituto da UFRJ. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), tendo obtido diploma de dignidade acadêmica Magna Cum Laude. Membro do Instituto
Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC). Procurador do Município de Paraty. Advogado.
Antes, porém, de tratarmos propriamente do regime jurídico da propriedade imobiliária, é mister que
sejam feitas considerações iniciais sobre os direitos reais.
Diferentemente dos direitos obrigacionais, que possuem efeito apenas entre as partes (inter partes), os
direitos reais apresentam oponibilidade contra todos (efeito erga omnes). Daí se conclui que os direitos reais
são absolutos e os direitos obrigacionais relativos. Isto é, opera-se presunção de que absolutamente todos
os indivíduos possuem conhecimento acerca daquela relação jurídica estabelecida.
2
Art. 1.225. São direitos reais: I - a propriedade; II - a superfície; III - as servidões; IV - o usufruto; V - o uso; VI - a habitação; VII
- o direito do promitente comprador do imóvel; VIII - o penhor; IX - a hipoteca; X - a anticrese. XI - a concessão de uso especial
para fins de moradia; XII - a concessão de direito real de uso; XIII - a laje.
É exatamente por tal motivo que se diz que os direitos reais se apresentam em rol típico (tipicidade) e
taxativo (taxatividade). Vejamos cada um deles.
Um dos eixos delimitadores e mais clássicos dos direitos reais é o princípio da taxatividade, segundo o
qual tais figuras são de criação exclusiva do legislador. Dessa forma, somente a fonte legal reconhece
eficácia aos tipos de direito formulados, não sendo possível a criação, pela autonomia privada, de novos
institutos dos quais decorram vínculos reais. Essa é uma diferença nodal com os direitos de crédito (pessoais
ou obrigacionais), que se regem pela lógica da atipicidade, submetidos, pois, ao princípio da liberdade para
a sua formulação e a fixação da disciplina jurídica que melhor atenda aos interesses das partes contratantes.
Portanto, são direitos reais: a propriedade; a superfície; as servidões; o usufruto; o uso; a habitação; o
direito do promitente comprador do imóvel; o penhor; a hipoteca; a anticrese. a concessão de uso especial
para fins de moradia; a concessão de direito real de uso; XIII - a laje (rol do já mencionado art. 1.225 do CC).
Corolário lógico do numerus clausus, o princípio da tipicidade significa que o conteúdo estrutural dos
direitos reais também é previsto em lei, isto é, a forma de concreção interna do direito com a delimitação
de seu funcionamento. Nesse viés, ao passo que a taxatividade diz respeito à reserva legal, a tipicidade
refere-se à modalidade de exercício do instituto, conferindo elementos ao regime aplicável (por qual prazo
o direito real existirá; se está submetido a alguma condição; modulação de exercício).
A doutrina mais tradicional finda por confundir a taxatividade e a tipicidade, dizendo que são basicamente
idênticas. Não são. Dizer isso é basicamente esvaziar qualquer espaço de autonomia negocial no âmbito dos
direitos reais, o que não corresponde com a realidade. A liberdade nos direitos reais atua principalmente no
âmbito da tipicidade, ou seja, de regulação interna quanto ao exercício dos direitos reais.
A atuação da autonomia privada na operacionalização do direito real de usufruto, desde que preservada
a substância da coisa, na medida em que, em conformidade com a doutrina, as regras estabelecidas sobre
os direitos do usufrutuário têm caráter dispositivo, prevalecendo, no que tange à extensão do uso e do gozo
sobre a coisa, o que estipular o título constitutivo; nos novos contornos que o direito real de penhor vem
assumindo na prática negocial em virtude da inserção de determinadas cláusulas; a admissibilidade do pacto
marciano no direito brasileiro.
E isso sem qualquer prejuízo de a liberdade negocial estar no âmago de outros institutos que se ligam a
algum dos direitos reais concebidos formalmente, como empreendimentos de shopping centers e hoteleiros,
loteamentos, os condomínios de um modo geral (mormente por meio das convenções condominiais), a
multipropriedade imobiliária, os fundos imobiliários, a utilização de espaços em cemitérios, dentre outros.
Ilustrando-se, um caso emblemático atualmente em uso é a figura do chamado condotel. Aqui, deve-se
pensar, inicialmente, em um condomínio edilício (condomínio de apartamentos): compra-se uma unidade
no prédio e passa-se a ser proprietário daquele apartamento, ou seja, a ter a propriedade privada sobre a
unidade autônoma, de modo que todos os proprietários exclusivos são também co-proprietários das partes
comuns, havendo uma soma da propriedade exclusiva com co-propriedade da coisa comum. No condotel,
adquire-se uma unidade autônoma não para usar, não para morar, mas já sabendo que aquele
empreendimento será um hotel. Compra-se o imóvel com uma obrigação de entregá-la para administradora
hoteleira, que vai gerir todas as unidades com uma função hoteleira, não sendo possível desvirtuá-la dessa
atividade. Esse é um exemplo em que, por meio da autonomia privada, valeu-se de um direito real que já
existe, que é o direito de propriedade, para se criar uma disciplina jurídica nova sobre ou a partir da estrutura
mínima que o legislador estabeleceu para o direito de propriedade e para o condomínio edilício.
Desse modo, se o direito concretamente criado não corresponder a uma das espécies prefixadas e aos
substratos pertinentes, o ordenamento não lhe reconhece efeitos reais, admitindo, quando muito, a sua
natureza obrigacional. É possível, porém, que se reconheça espaços de atuação de liberdade dentro do
escopo da tipicidade dos direitos reais – forjando institutos interessantíssimos na prática da seara imobiliária,
como o condotel.
O rol (taxatividade) é criado pelo legislador, ok! O funcionamento do direito real (tipicidade) consta
apenas em seu traço essencial também determinado no Código Civil, muitas vezes apenas em regras
dispositivas. É possível que as partes convencionem sobre o modo de exercício do direito quando não violar
normas de ordem pública ou características essenciais de tais direitos reais. Veja aí o espaço de criação das
figuras de direito imobiliário!
O rol é taxativo. Os tipos legais são abertos, permitem a infiltração pela autonomia privada.
Encontra-se o caráter absoluto da oponibilidade e não o caráter absoluto do direito em si (nenhum direito
é absoluto). Trata-se da ideia de que todos estariam sujeitos à oponibilidade desse direito.
ii. Publicidade
Justamente para que seja possível dar segurança jurídica ao terceiro, há a necessidade que o ato
constitutivo do direito real se torne público para que o terceiro possa dele ter conhecimento. Acerca deste
assunto, o que se tem observado são questões que dizem respeito à ausência de registro de um determinado
direito real e a possibilidade ou não de oposição dessa prerrogativa a um terceiro.
Os direitos reais são em numerus clausus, ou seja, taxativos e isto tem sido majoritariamente defendido,
no sentido de que é necessário ter um a previsão legal quanto a determinado rol de direitos. No entanto, a
discussão é se há a necessidade de limitar, no uso desses direitos, ao regime típico (tipicidade), estritamente
legalista ou se seria possível modificar o âmbito interno de um direito real previsto em lei e adequá-lo à
realidade fática, dando contornos funcionais mais elásticos.
Nota-se que também é uma característica que se observará nos direitos reais. Isso porque o Direito Real
adere à coisa, de modo que irá acompanhá-la onde quer que esta vá, permitindo o exercício do poder de
sequela.
v. Perpetuidade
Essa característica não é para todos os direitos reais. É para o caso da propriedade. Isso, pois, diversos
direitos reais são temporários, ou seja, são constituídos de forma temporária, como é o caso do usufruto, do
uso, da habitação e dos direitos reais de garantia que são todos constituídos com essa característica de
limitação no tempo (submissão a uma causa resolutiva, a termo futuro etc.).
vi) Preferência
A questão da preferência envolve a prioridade registral, ou seja, aquele que tem o seu título registrado
primeiro teria, via de regra, uma prioridade sobre as demais pessoas, inclusive titulares de outros direitos
reais que eventualmente tenham seus títulos registrados. Há, contudo, exceções. Por vezes, são ressalvadas
por lei situações como a preferência do credor hipotecário que pode ser afastada frente a um crédito
tributário.
Por fim, ainda nessa apresentação inicial, é importante saber que todo o regime dos direitos reais parte
do direito de propriedade.
A propriedade plena ou alodial é a situação em que o proprietário tem consigo os atributos de gozar, usar,
reaver e dispor da coisa. Na hipótese, todos esses caracteres estão em seus poderes de forma unitária, sem
que terceiros tenham qualquer direito sobre a coisa. Em outras palavras, pode-se afirmar didaticamente que
todos os elementos previstos no art. 1.228 do CC estão reunidos no seu titular.3
Por sua vez, na hipótese da propriedade limitada ou restrita os atributos dominais estão distribuídos entre
pessoas distintas. É a situação em que recai sobre a propriedade algum ônus, caso da hipoteca, da servidão
ou do usufruto, ou inclusive quando a propriedade for resolúvel, dependente de condição ou termo,
conforme disposto nos arts. 1.359 e 1.360 do Código Civil. O que se percebe, desse modo, é que um ou alguns
dos atributos da propriedade passam a ser realizados por outrem, até como uma forma de atribuir mais
funcionalidade ao instituto.
3
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha.
Ora, os outros direitos reais do rol do art. 1.225 do CC representam apenas potencialidades do direito de
propriedade. Lembrem-se: os direitos reais são de gozo ou fruição da coisa alheia ou de garantia.
Na esteira das palavras de Rubens Limongi França, “a propriedade ou domínio não constitui uma relação
jurídica una. Antes, assim, é um complexo de relações jurídicas a que correspondem outros tantos direitos
subjetivos. Esses direitos subjetivos podem ser descompostos ou desmembrados sendo que, a cada um,
corresponde determinado direito real”. Entre os contemporâneos, como ensina Luciano de Camargo
Penteado, tais direitos “visam conferir ao titular da situação jurídica a possibilidade de realizar algum tipo
utilidade”, e que, nesse momento, “passa a haver, no sistema jurídico, uma relação jurídica entre o
proprietário e o seu titular, relação jurídica esta que se denomina de relação jurídica real”.4
4
PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. São Paulo: RT, 2008, p. 402.
1. PROPRIEDADE
A propriedade é o objeto central no estudo dos direitos reais, ocupando posição de proeminência. Ela é,
na realidade, paradigma para todos os outros direitos reais. Os direitos reais limitados (usufruto, uso,
habitação etc.), por exemplo, partem de uma comparação com a propriedade, uma vez que são direitos que
decorrem da atribuição, por parte do proprietário, a um terceiro, de um dos poderes que lhe são inerentes
ao exercício do domínio. A posse, igualmente, relação de fato (a posse majoritariamente não é considerada
um direito real), nada mais é do que o exercício de algumas das faculdades inerentes à propriedade.
1.1. DEFINIÇÃO
Segundo a definição clássica do direito de propriedade, que se extrai da própria literalidade do art. 1228
do CC,5 trata-se do direito real que confere ao seu titular as faculdades jurídicas de uso, gozo, disposição e
reivindicação do bem. Vários autores contemporâneos afirmam que essa definição se tornou insuficiente,
por parecer sugerir que o proprietário tem apenas prerrogativas, quando, hoje, na realidade, possui
inúmeros deveres.
Isso porque também precisamos de uma análise funcional das categorias jurídicas. Ao passo que o aspecto
estrutural nos diz o que é o instituto, quais são os poderes conferidos ao seu titular, o aspecto funcional
corresponde às perguntas “para que serve?”, “qual é a função que aquele instituto desempenha?”, “por que
aquele poder é conferido ao seu titular?”, “qual a função que ele deve desempenhar dentro da nossa ordem
jurídica?”.
Sintetizando:
5
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha.
É preciso dizer que o aspecto funcional por muito tempo não se mostrou relevante dentro do direito de
propriedade; durante a grande parte da trajetória da existência da propriedade, ela foi observada como algo
absoluto, ensimesmado, suficiente per se. Apenas recentemente o perfil funcional passou a integrar a análise
das categorias jurídicas.
Fracionando didaticamente o art. 1.228 do CC, locus do qual extraímos o ASPECTO ESTRUTURAL, temos
que o dispositivo traz duas dimensões relevantes do direito de propriedade: (i) conteúdo econômico; (ii)
conteúdo jurídico.
A dimensão econômica do direito de propriedade está identificada no direito de usar, gozar e dispor da
coisa. Por sua vez, a dimensão jurídica diz respeito à tutela da propriedade contra interferências externas.
Veja, portanto, que o conteúdo jurídico do direito de propriedade se refere, sobretudo à possibilidade de
ajuizamento de ação reivindicatória, que é uma ação de natureza petitória em que se discute o melhor título,
conferida ao proprietário para proteger a sua titularidade (totalmente diferente de uma ação possessória).
Frise-se, então, antes de pormenorizar os elementos constitutivos do direito de propriedade: não basta
mais analisar o aspecto estrutural dos institutos; tão importante quanto a análise do aspecto estrutural é a
análise do aspecto funcional, isto é, conferir se o instituto jurídico, no caso concreto, além de apresentar
uma estrutura lícita, também se dessume capaz de atender a uma função legitimada pelo ordenamento
jurídico, dentro do que se entende como a axiologia constitucional (valores constitucionais).
➢ USO
Confere ao seu titular a possibilidade de usar e servir-se do bem. E não há nenhuma dúvida de que esse
uso pode ser direto ou indireto. O uso direto é quando o próprio proprietário se utiliza da coisa, já o uso
indireto pode se dar, por exemplo, por meio do detentor, na locação, no comodato etc (desmembramento
da posse em posse direta e indireta). No ponto, está-se a tratar da titularidade da faculdade jurídica de uso
e não apenas do exercício.
O locatário, como possuidor direto que é, por exemplo, tem o exercício da faculdade jurídica de uso, mas
não a titularidade da prerrogativa – exercida pelo possuidor indireto proprietário –, tanto porque a
titularidade das faculdades jurídicas só se transfere através de direito real.
E mais, a titularidade da faculdade jurídica de uso pelo proprietário abrange a possibilidade de exercício
ou não da faculdade jurídica, ou seja, ele pode usar ou não usar. A titularidade da faculdade jurídica de uso
pelo proprietário abrange a possibilidade de uso ou não uso, o simples não exercício da faculdade jurídica
de uso, per se, pelo proprietário não gera a extinção da propriedade. O que pode propiciar a extinção da
propriedade é eventual usucapião a favor de outrem
O usufruto, por exemplo, pode ser extinto pelo não uso. A servidão também pode se extinguir pelo não
uso (art. 1389, III do CC; art. 1410, VIII). Isso não acontece com o direito de propriedade! O proprietário pode
usar ou não usar o bem.
Então, o direito de usar se refere à possibilidade que o proprietário tem de fazer, como o próprio nome
indica, uso direto do seu bem, ou de conferir esse direito a um terceiro. Então, ele pode habitar, pode deixar
que alguém habite, ou pode não habitar ou não deixar que ninguém habite, porque todos esses poderes
permitem que o proprietário os exerça ou não.
➢ DE GOZO OU FRUIÇÃO
Perfaz a possibilidade de perceber os frutos ou produtos da coisa (lembrando que os frutos são renováveis
e os produtos não são renováveis).
Essa é a intelecção do art. 1.232 do CC, segundo o qual “[o]s frutos e mais produtos da coisa pertencem,
ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem”.
Isto é, ainda que separados da coisa os frutos e produtos pertencem ao proprietário, salvo preceito jurídico
especial.
Então, o direito de gozar, também conhecido como o direito de fruir, refere-se à possibilidade de o
proprietário perceber os frutos do bem.
➢ DE DISPOSIÇÃO
E a disposição jurídica pode ser total ou parcial. A total é quando há efetiva transferência do direito de
propriedade. Já a disposição jurídica parcial ocorre quando há transferência da titularidade de parte das
faculdades jurídicas inerentes à propriedade, como no caso do usufruto e da servidão.
Atente-se: não confunda transferência da titularidade das faculdades jurídicas com a mera transferência
do exercício das faculdades jurídicas. Uma se dá apenas por meio de direito real; para a transferência do
mero exercício basta relação obrigacional.
Isso é muito importante, pois quando se fala em propriedade restrita ou limitada, trata-se daquela em
que o proprietário não titulariza todas as faculdades jurídicas. Então, numa relação locatícia o locador tem
propriedade plena! O nu-proprietário no usufruto sim, tem propriedade restrita ou limitada.
A característica do direito de propriedade que propicia essa alienação jurídica parcial é a chamada
ELASTICIDADE ou FRAGMENTARIEDADE. É graças a isso que se verifica viável a transferência de parte das
faculdades jurídicas, sem que haja a perda do direito de propriedade. E aí tem um princípio que na verdade
evidencia que essa elasticidade é temporária – é o chamado PRINCÍPIO DA CONSOLIDAÇÃO.
O direito de dispor é a única faculdade que o único que exerce é o próprio dono, quem tem a senhoria
sobre a coisa. A faculdade de dispor se refere à possibilidade de o proprietário alienar o seu bem a terceiros,
da forma como lhe aprouver, podendo fazê-lo de forma gratuita ou onerosa. A faculdade de dispor é
exclusiva ao proprietário, de sorte que não existe nenhum direito real sobre coisa alheia que confira ao
terceiro a faculdade de dispor da propriedade. Esse é o conteúdo econômico da propriedade.
➢ REIVINDICAÇÃO
O proprietário, em alguns casos, tem à sua disposição tanto a tutela reivindicatória quanto a tutela
possessória. O fato de caber tutela possessória em favor do proprietário não afasta o cabimento de tutela
reivindicatória.
Todavia, em alguns casos, o proprietário não tem a tutela possessória! Imagine o proprietário que nunca
teve posse, aquele que acabou de adquirir a propriedade. Nesse caso, não há tutela possessória à sua
disposição, havendo apenas tutela petitória, fundada em título.
Por isso, é comum que se diga que a tutela reivindicatória se aplica em favor do proprietário não
possuidor em face do possuidor não proprietário.
Sintetizando: o usufruto é um direito real sobre coisa alheia, que o proprietário cria sobre a sua
propriedade, conferindo a um terceiro esses dois direitos simultaneamente, o direito de usar e o direito de
fruir. O direito real de uso também é a concessão de uma prerrogativa sobre coisa alheia, criado pelo
proprietário, por meio do qual ele confere a um terceiro o direito de usar a coisa, sem restringir, de regra,
que uso esse terceiro pode fazer da coisa. O direito de habitação também é um direito real sobre coisa alheia,
constituído pelo proprietário sobre o seu bem, por meio do qual ele destaca o uso específico da coisa, que é
a habitação. Por meio desse direito real sobre coisa alheia, que é o direito de habitação, o terceiro a quem é
conferido esse direito só pode fazer um uso específico, que é habitar.
As faculdades de usar e gozar, embora sejam poderes inerentes ao domínio, podem ser destacados pelo
dono da sua senhoria e conferidos a um terceiro. Mas atenção: o direito de dispor (terceira faculdade
inerente ao domínio) só quem pode exercer é o próprio dono.
(a) Exclusividade
Remonta ao art. 1.231 do CC, segundo o qual “[a] propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova
em contrário”. Essa exclusividade significa que sobre cada bem só pode incidir um direito de propriedade,
não havendo, por desiderato lógico, jamais, vários direitos de propriedade sobre o mesmo bem. A situação
do condomínio é peculiar, em que há dois ou mais proprietários em relação ao mesmo bem. Ocorre que,
mesmo no condomínio, na verdade o que se tem é UM direito de propriedade titularizado por duas ou mais
pessoas; não são dois direitos de propriedade, E SIM um direito de propriedade que é partilhado por
múltiplos titulares.
(b) Plenitude
Falar que a propriedade se presume plena significa que, a priori, o titular ostenta todos os poderes
inerentes ao domínio: poder de usar, de gozar e de dispor da coisa. Então, a plenitude da propriedade
significa que o direito confere ao seu titular todos os poderes inerentes ao domínio. Essa é a regra, mas se
admite prova em contrário. É uma presunção relativa porque o próprio proprietário pode destacar uma
dessas faculdades da sua senhoria e conferi-la a um terceiro.
(c) Elasticidade
Diz-se que a propriedade é elástica, pois pode ser plena, em sua maior dimensão, ou pode se retrair
justamente quando o proprietário destaca uma das suas faculdades e confere a um terceiro. Nesta situação,
quando ele recupera tal prerrogativa dominial, ela volta a se estender a sua plenitude. Essa elasticidade do
domínio significa justamente que o proprietário pode ostentar todas as faculdades, ou alguma(s) delas,
destacando-as oportunamente, em um efeito tipo sanfona.
(d) Perpetuidade
A propriedade é perpétua, no sentido de que, de regra, não há uma prescrição extintiva do direito de
propriedade. O direito de crédito, por exemplo, nasce para se extinguir; o destino do direito de crédito é a
relação creditória acabar com o pagamento. Então, a relação creditória é temporária, ela nasce fadada à
extinção e, se o seu titular não exerce seu direito de crédito, há a extinção de sua pretensão.
Isso não acontece no direito de propriedade. A propriedade é perpétua, pois a titularidade tende a se
perpetuar no tempo, para todo o sempre. E, como foi dito, dentro do poder de usar, está também a faculdade
de não usar, então, o não uso da propriedade, por si só, não acarreta prescrição extintiva, como acontece
nos direitos de crédito. O não uso da propriedade, de acordo com sua função social, pode gerar prescrição
aquisitiva para um terceiro; o proprietário pode perder sua propriedade não porque ocorreu prescrição
extintiva contra ele, mas porque nasceu uma prescrição aquisitiva em favor de um terceiro, ou seja, o direito
de um terceiro nasceu contraposto ao seu direito de propriedade.
Mas, se não há o nascimento desse direito em favor de um terceiro, o proprietário pode deixar seu terreno
durante 50 anos fechado, sem usar e não terá perdido sua propriedade por causa disso. Essa é a regra, mas
obviamente existem situações em que o não uso poderá conduzir à perda do direito de propriedade. No
Estatuto da Cidade temos situações em que o município pode obrigar o proprietário a conferir um uso à sua
propriedade e há diversos mecanismos na legislação para o município obrigar o proprietário.
Por exemplo, há o IPTU progressivo. Se o proprietário continua inerte, o IPTU vai aumentando... mas há
limites para o IPTU aumentar e, atingido esse limite, a legislação fornece outras ferramentas ao Município
para tentar obrigar o proprietário a construir, a usar o bem, até chegar o momento em que aquele
proprietário será desapropriado.
Então, no limite, o não uso pode conduzir à perda da propriedade, mas isso não acontece de forma
exclusiva pelo decurso do tempo, como acontece na relação extintiva dos direitos de crédito.
(e) Relatividade
Não são apenas as normas de ordem pública, como era antigamente, expressamente previstas pelo
legislador, que limitam o direito de propriedade. Atualmente, não existem direitos absolutos, mesmo os
direitos da personalidade são nesse sentido relativos, podem ser objetos de limitação. Então, o direito de
propriedade é relativo nesse aspecto, porquanto sofre, sim, diversas ordens de limitações do seu conteúdo.
(f) Complexidade
Mas, como sabemos, hoje, toda relação jurídica é complexa. Em ambos os polos da relação temos
situações jurídicas subjetivas ativas e passivas, inclusive no direito de propriedade. Hoje se fala não só em
obrigação como processo, como também em direitos reais como processo. Então, o proprietário não tem só
direitos e poderes, ele tem deveres, tem ônus e obrigações.
Embora toda relação jurídica seja complexa, é claro que se qualificam esses polos a partir da situação
predominante, assim como se faz na relação obrigacional. No contrato, o credor não tem só situação jurídica
ativa, não tem só direito de crédito, ele tem também diversos deveres, muitos deles impostos pela boa-fé
objetiva. Na posição do credor, que é tradicionalmente vista como uma situação jurídica ativa, temos
também situações jurídicas passivas; assim como na posição do devedor, que sempre foi vista
tradicionalmente como uma posição passiva, temos também situações jurídicas ativas. O devedor também
pode exigir condutas do credor, ao menos aquelas decorrentes dos deveres de conduta impostos pela boa-
fé objetiva ao credor, e o mesmo acontece no direito de propriedade.
O proprietário não tem só posições ativas, tem também situações jurídicas passivas e a coletividade tem
situações jurídicas ativas em relação a esse proprietário. A propriedade, assim como toda e qualquer relação
jurídica, é uma relação jurídica complexa, impondo também deveres sociais ao seu titular.
A diferença é que a função social estabelece limitação intrínseca ao direito de propriedade, isto é,
dentro do próprio direito; a função social integra, hoje, a própria estrutura do direito de propriedade.
Nessa perspectiva, o uso e o gozo devem ser exercidos em harmonia com a função social, independente
de previsão legal.
As imposições não são apenas de obrigações negativas, mas também positivas, tal como o proprietário
de um terreno não deixar o mato crescer de modo que atinja 02 metros, que atraia mosquitos etc.
A função social da propriedade já estava presente, de certa forma, nas Constituições de 1937, 1946 e de
1967. Aparecia, contudo, tão somente como norma programática dirigida ao Estado. Era um ditame que não
vinculava os particulares e sequer era capaz de transformar o conteúdo do direito de propriedade.
Somente na Constituição de 1988 a função social da propriedade, além de estar presente na ordem
econômica e social, passa a integrar o art. 5º, sendo, portanto, qualificada como direito fundamental. Temos
no inciso XXII do art. 5º, o reconhecimento da propriedade privada como direito fundamental e, já no inciso
seguinte, de nº XXIII, a previsão da função social da propriedade.
Então, a CRFB/88 foi que realmente fez a grande virada no que tange à função social, porque só com ela
passou a integrar o conteúdo do domínio, a vincular os particulares, a ser parâmetro para atribuição de
legitimidade do exercício da propriedade, passando a ser direito fundamental. Isso impôs uma mudança
muito radical na análise da propriedade, porque o aspecto funcional dos institutos altera, muitas vezes, a
própria estrutura do direito.
No presente contexto, não dá para falar no estudo da propriedade no singular, porque não há apenas um
estatuto proprietário. Isso, pois, não temos uma disciplina jurídica única em relação ao direito de
propriedade. A funcionalização da propriedade cria, necessariamente, diversas propriedades. Há, com efeito,
vários estatutos proprietários. E o que isso quer dizer? Que a disciplina jurídica da propriedade depende de
diversas questões e aspectos relacionados ao caso concreto; aos valores constitucionais em jogo em cada
causa.
Então, teremos o estatuto jurídico de acordo com o titular daquela propriedade (sendo brasileiro ou
estrangeiro, o regime jurídico daquela propriedade será diferente); de acordo com o tamanho da
propriedade (pequena, média ou grandes propriedades têm regimes jurídicos diferentes, que estão
diretamente ligados à sua função social); de acordo com a produtividade da propriedade (a propriedade
produtiva tem uma regra, a improdutiva tem outra); de acordo com a localização da propriedade (rural tem
um estatuto jurídico e a urbana tem outro). Todos estes diversos estatutos jurídicos proprietários são
construídos na demanda concreta, naquela propriedade específica, a partir da função social que deve
desempenhar.
Portanto, na verdade, chegamos à conclusão de que nós temos tantos estatutos jurídicos quantas forem
as propriedades existentes. Somente no caso concreto é que conseguimos definir, de acordo com todas essas
variáveis, quais são ou qual é o conteúdo daquela propriedade específica, integrado pela função social
daquela propriedade. Cada propriedade tem uma função social, não dá para, em abstrato, analisar o
conteúdo de uma propriedade.
Então, a nossa Constituição assumiu um papel de vanguarda muito importante no que tange ao direito de
propriedade. Não só porque previu a função social no rol dos direitos fundamentais, mas porque previu, em
diversos dispositivos, a usucapião, que decorre, evidentemente, da falta de função social da propriedade in
concreto. Frise-se que a usucapião decorre, cumulativamente, do fato de o proprietário não dar àquela
propriedade a sua função social e, de outro lado, de um terceiro exercer a posse de acordo com a sua função
social. Então, a usucapião é, de certa forma, decorrente do desatendimento da função social da propriedade
pelo dono.
Vale dizer que a Constituição reduziu os prazos da usucapião, ratificando, mais uma vez, a importância da
propriedade ser exercida de acordo com a sua função social. Se o proprietário não exerce a função social da
propriedade, reduzem-se os prazos para que quem está exercendo aquela posse de acordo com a função
social adquira também a propriedade.
Nessa diretriz, o constituinte, nos artigos 182 e 183 previu a utilização da propriedade urbana no âmbito
bem mais amplo da política territorial urbana, conforme se depreende abaixo, in verbis:
Art. 182.
(...)
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende as exigências fundamentais de ordenação
da cidade expressas no plano diretor.
E no art. 186 da CRFB/88, fixam-se os parâmetros para a configuração da função social da propriedade,
que são os seguintes, ipsis litteris:
Art. 186.
A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de
exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Ao contrário da função social dos contratos, que nem o legislador civil definiu o que é – e a doutrina
discute isso em demasia –, o constituinte, atento à importância da função social da propriedade, já previu
no art. 186 quais são os critérios que devemos observar para verificar se aquela específica propriedade
cumpre a sua função social. Ou seja, nesse dispositivo – abstratamente – se diz o que é necessário para que
aquele direito seja protegido pelo nosso ordenamento jurídico.
O nosso legislador civil, atendendo ao chamado do constituinte, embora no caput do art. 1.228 tenha
tratado exclusivamente do aspecto estrutural, incluiu no parágrafo 1º o aspecto funcional da propriedade e
diz o seguinte:
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e
de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das
águas.
Até pouco tempo, era só esse aspecto que regulava a propriedade, mas nós temos hoje o aspecto social,
que faz com que o direito se volte também para fora, para a coletividade. Então, a necessidade de
atendimento da finalidade econômica e da finalidade social é uma tentativa de conjugar os interesses
proprietários com os interesses sociais. E isso, hoje, deve ser buscado em relação a todo e qualquer direito.
Mas será que a função social, necessariamente requer uma atuação proativa, uma atuação promotora
daquele instituto? Nem sempre. A função social dos institutos, de regra, impõe uma abstenção do titular de
gerar dano, gerar prejuízo, de interferir em situações não titulares. Então, nem sempre vamos conseguir
identificar uma atuação promotora da função social, seja no contrato, seja na propriedade.
Prosseguindo no § 1º, “e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei
especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem
como evitada a poluição do ar e das águas”. Vejam que essa parte final do dispositivo traz, de novo, alguns
critérios para analisarmos a função social, voltando-se a questões de meio ambiente.
Isso revela muito do momento em que o Código Civil foi editado, porque, naquele momento, começou-
se a pensar, de forma mais séria, em aspectos ecológicos. O legislador incluiu expressamente essas previsões
voltadas para o meio ambiente no § 1º, o que não quer dizer, evidentemente, que não existem outros
critérios, outros aspectos que tenham que ser analisados na função social. É óbvio que este não é um rol
exaustivo (taxativo). Esse elenco só revela uma particular preocupação do legislador civil, naquele momento
histórico
Então, o § 1º, a reboque da nossa Constituição, dispõe sobre a importância da função social da
propriedade. E a função social da propriedade, como toda e qualquer função social, interfere diretamente
na estrutura do direito. Isso significa que a função social não é um aspecto externo ao direito de propriedade.
Quer-se dizer: a função social não limita externamente o direito de propriedade, como se tivéssemos
prerrogativas amplíssimas dentro das quais o proprietário pudesse usar, gozar e dispor de forma absoluta, e
a função social viesse por fora, de alguma forma, limitando, restringindo essa propriedade. Não é isso que
acontece.
A função social da propriedade vem atuar aqui dentro do conteúdo do direito de propriedade. A
propriedade daquele titular já nasce com o conteúdo redimensionado, com um conteúdo alterado pela
função social. O aspecto funcional é interno ao direito e isso significa que a estrutura daquele direito, os
poderes conferidos ao seu titular já nascem remodelados, alterados, redimensionados pela função social.
A titularidade de um proprietário de uma propriedade rural, que tem uma área de reserva ambiental, já
nasce sem a possibilidade de destruir aquela reserva ambiental. Aquilo já não está no conteúdo da
propriedade dele, a possibilidade de usar aquela reserva ambiental de alguma forma, a possibilidade de usar
a sua propriedade destruindo aquela reserva ambiental já não está no conteúdo da sua propriedade, já não
está dentro do poder de usar e fruir que ele tem enquanto proprietário.
Nesse viés, a função altera a estrutura. Se antes se tinha um direito de propriedade concebido como um
poder absoluto, em que o proprietário era senhor pleno da sua propriedade, que podia fazer o que quer que
ele quisesse, hoje já não é mais assim. As faculdades inerentes ao domínio já nascem condicionadas,
limitadas, remodeladas pela função social.
Muita gente chegou a afirmar que a função social era o fim da propriedade privada, isto é, uma
intervenção odiosa no direito, mas hoje o tema se encontra amplamente aceito e incorporado em nosso
ordenamento jurídico.
Muitos são, todavia, os distanciamentos na prática entre as duas. A um se aplica a usucapião especial
urbana, a outro a usucapião especial rural. Um poderá ser objeto de locação, na forma da Lei do Inquilinato,
o outro objeto de arrendamento rural. Um deve pagar ITR (Imposto Territorial Rural), já o outro IPTU
(Imposto Predial e Territorial Urbano).
Ocorre que, nada obstante essas relevantes dissonâncias, definir conceitualmente imóvel rural e urbano
não se dessume tarefa das mais simples. Isso porque, em nosso ordenamento, há uma profusão de leis que
trabalham com critérios distintos para a fixação da natureza do imóvel.
Dessa forma, em vista de cada problema concreto, a identificação de uma propriedade como rural ou
urbana depende propriamente da norma legal atinente à hipótese, sendo a classificação, portanto,
casuística.6
➢ O art. 183, relativo à usucapião especial urbana e, ainda mais claramente, o art. 191, pertinente à
usucapião especial rural pro labore, ambos da Constituição Federal utilizam o critério da localização,
ao utilizarem expressões como “área urbana” e “área de terra em zona rural”.7
➢ Já o art. art. 4º, I, da Lei n.º 4.504/1964 (Estatuto da Terra) se vale do critério da destinação, com uma
redação que serve como base para diversos outros diplomas que se valem do mesmo critério.8
➢ O art. 1º, § 2º, da Lei n.º 9.393/1996, para efeitos da cobrança do ITR, também adota o critério da
localização,9 embora o STJ tenha entendimento diferente, isto é, no sentido de que para o fim de
tributação deve valer o critério da destinação econômica do imóvel, com base no art. 15 do Decreto-
Lei n.º 57/1966, o qual aquela corte considera vigente.10
6
Ver a presente explanação também em <https://direitoambiental.com/os-conceitos-de-imovel-rural-e-imovel-urbano-no-
sistema-juridico-brasileiro/>. Acesso em 04/02/2021.
7
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural; Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua
como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-
a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
8
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se: I – ‘Imóvel Rural’, o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua
localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de
valorização, quer através de iniciativa privada”.
9
Art. 1º O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o
domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de cada ano. (…) §
2º Para os efeitos desta Lei, considera-se imóvel rural a área contínua, formada de uma ou mais parcelas de terras, localizada na
zona rural do município.” Como ressaltado, apesar da clareza do dispositivo, o STJ tem considerado vigente o Decreto-Lei n.º
57/1966, cujo art. 15 privilegia o critério da destinação.
10
Art. 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente,
seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e
demais tributos com o mesmo cobrados.” (Revogação suspensa pela RSF nº 9, de 2005).
➢ O art. 3º da Lei n.º 6.766/1976 (Lei de Parcelamento do Solo) se vale do critério da localização.11
➢ O art. 4º, I, da Lei n.º 8.629/1993 (que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais
relativos à reforma agrária) recorre ao critério da destinação.12
➢ A Lei nº 8.245/1991 (Lei de Locação de Imóveis Urbanos) utiliza o critério da destinação para fins de
delimitação dos bens objetos dos contratos de locação que regula (atinentes à locação de imóveis
urbanos para fins residenciais ou comerciais), o que se denota em virtude de interpretação
doutrinária majoritária (baseada em interpretação sistemática com o Estatuto da terra e com o
instituto do arrendamento rural).
➢ Por fim, a Instrução Normativa MMA n.º 2, de 05 de maio de 2014 (que define os procedimentos
gerais do Cadastro Ambiental Rural – CAR) se baseia no critério da destinação – trazendo a conclusão
de que, para fins de inscrição no CAR, imóvel rural é aquele destinado à atividade rural.13
Dessumem-se dois critérios fundamentais utilizados na legislação brasileira e identificados pela doutrina
para efetuar a distinção: o critério da localização e o critério da destinação: (i) pelo critério da localização, é
rural o imóvel situado fora do perímetro urbano, cuja fixação cabe ao Município. Portanto, a diferenciação
se faz por exclusão: é rural o imóvel que não é urbano; (ii) pelo critério da destinação, estabelece-se que,
qualquer que seja sua localização, será rural o imóvel que tenha finalidade econômica de exploração agrícola,
pecuária, extrativa ou agroindustrial.
Como dito, a legislação brasileira utiliza os dois critérios de forma oscilante. Contudo, o parâmetro mais
aceito é, sem dúvidas, o da destinação, que trabalha funcionalmente o bem, voltando os olhos ao que ele
efetivamente serve. Vale dizer, são imóveis rurais os que se destinam a fins agrícolas (lavoura) ou pecuários,
quer se encontrem dentro ou fora dos limites urbanos, como, por exemplo, as chácaras de culturas agrícolas
(como aquela apresentada no exemplo concreto no início deste artigo) – cf. art. 4º da Lei n. 4.504/1964; são
11
Art. 3º Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de
urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.” Assim, cumpre ressaltar que, para
efeitos de ordenação do solo, a competência para dizer se a terra está em zona urbana ou rural é do Município, conforme
explicitado neste artigo, na Constituição Federal, no Decreto 271, e na Lei n. 7.803/1989.
12
Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se: I- Imóvel Rural – o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua
localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial”
(sem itálico no original).
13
Art. 2º Para os efeitos desta Instrução Normativa, entende-se por: I – imóvel rural: o prédio rústico de área contínua, qualquer
que seja sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou
agroindustrial, conforme disposto no inciso I do art. 4º da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, podendo ser caracterizado
como: a) pequena propriedade ou posse: com área de até 4 (quatro) módulos fiscais, incluindo aquelas descritas nos termos do
inciso V do art. 3º da Lei nº 651, de 2012; b) média propriedade ou posse: com área superior a 4 (quatro) até 15 (quinze) módulos
fiscais; c) grande propriedade ou posse: com área superior a 15 (quinze) módulos fiscais” (sem itálico no original).
Em suma, para finalizar com um exemplo: a Lei do Parcelamento do Solo Urbano não se aplica a
parcelamento rural. Existem disciplinas específicas de direito agrário que trabalham com essa hipótese de
parcelamento do solo rural. E mais importante: a Lei 6.766/79 usa o critério da localização. Como já há algum
tempo existe uma dúvida em relação à definição do que seria solo urbano e solo rural, o próprio legislador
falou que só vai parcelar solo urbano em zonas urbanas ou zonas de urbanização específica. Para evitar que
alguém fale que, ainda que a terra esteja numa área rural, tem uma finalidade urbana, e quer desenvolver
comércio ou vender para pessoas poderem habitar na moradia, visando se submeter à lei 6766/79 e não às
leis de direito agrário que existem, o legislador determina que não.
A bem dizer, nossa Constituição trata da propriedade em diversos pontos, todos eles ligados, de certa
forma, à função social. A partir dela, com efeito, extraem-se critérios para identificação do que seja um
exercício condizente com a função social da propriedade, bem como hipóteses constitucionais de usucapião
e de desapropriação por mau uso da terra.
Do mesmo modo, a desapropriação consta como tópico de política urbana, no art. 182 da CRFB/88,
funcionando como consequência para o não cumprimento da exigência para que o proprietário cumpra
função social do bem, nas situações de solo não edificado, subutilizado ou não utilizado, como também da
política agrícola e fundiária e de reforma agrária, no art. 184 da Constituição, aduzindo competir “à União
desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua
função social (...)”.
Lado outro, a própria CRFB/88 protege a propriedade rural de desapropriação, nos termos do art. 185,
nos seguintes termos:
Art. 185.
I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II - a propriedade produtiva.
Então, conjugando os ditames do Código Civil com a Constituição Federal, percebemos que houve uma
série de mudanças importantes no âmbito do direito de propriedade: saímos de uma análise exclusivamente
estrutural e abstrata para a análise também funcional e do fato concreto; de uma análise da vontade
exclusiva, arbitrária e egoísta do proprietário para uma análise do interesse que está por trás daquela
propriedade; da concepção de propriedade como um instituto regido por um único estatuto jurídico para
adotarmos o conceito de diversas propriedades, ou seja, não se fala mais em propriedade, mas sim em
propriedades, porque temos diversas disciplinas diferentes, vários estatutos jurídicos de acordo com a
propriedade que estamos tratando especificamente.
No tocante ao Código Civil, outros dois pontos são igualmente relevantes: o abuso de direito das
prerrogativas dominiais e a extensão da propriedade imobiliária.
Quanto ao primeiro ponto, impõe o § 2º do art. 1.228 que “[s]ão defesos os atos que não trazem ao
proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”.
Muitos autores festejaram esse dispositivo dizendo que finalmente o CC havia finalmente previsto o abuso
de direito de propriedade. No entanto, a crítica que se faz é a sua parte final, quando determina "que sejam
animados pela intenção”, ou seja, em sua literalidade, a norma adota a teoria dos atos emulativos, segundo
a qual só há abuso de direito quando existe a intenção de prejudicar outrem.
Ocorre que essa é uma teoria ultrapassada, porque, ao fim e ao cabo, subordina a aplicação do abuso de
direito a critérios subjetivos, quer-se dizer, ela amesquinha a função dos princípios no ordenamento jurídico
brasileiro, reduzindo a própria leitura sistemática que deve ser realizada a partir do art. 187 do mesmo CC,
ora transcrito, ipsis litteris:
Art. 187.
Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Hoje, essa interpretação literal encontra-se superada, não mais se exigindo que haja intenção do
proprietário de prejudicar outrem. Mas muito cuidado aqui! Grande parte dos manuais diz que não se aplica
a teoria dos atos emulativos com base na leitura do art. 187 do CC (retro), mas esse argumento é totalmente
falho, porque se trata de regra geral e o art. 1228, §2º, do CC, é especial, e não poderia ser invocado diante
da regra especial.
Ao que tudo indica, o principal argumento para superar a interpretação literal é mesmo a invocação da
função social da propriedade como interesse constitucionalmente tutelado. Isso porque se só pudéssemos
aplicar o abuso de direito de propriedade diante de elemento subjetivo, estaríamos interpretando a CRFB/88
conforme o CC e não o contrário. Lembre-se aqui da supremacia hierárquica da Constituição;
Nesse sentido é o Enunciado 49 do CJF, segundo o qual “[i]nterpreta-se restritivamente a regra do art.
1.228, § 2º, do novo Código Civil, em harmonia com o princípio da função social da propriedade e com o
disposto no art. 187”.
Então, o § 2° do artigo 1.228 traz a figura do abuso do direito, mas o faz de forma ultrapassada.
O abuso do direito nasce na França como ato emulativo, como o exercício de uma titularidade voltada a
causar danos a outra pessoa. O abuso de direito é um instituto que foi criado pelos tribunais, perfazendo
uma construção da jurisprudência francesa. E, naquela época, nos idos do século XIX, tinha-se uma
concepção de propriedade plena e absoluta, aquela tradicional do liberalismo, e que não admitia qualquer
restrição. A limitação que o direito de propriedade admitia era apenas aquela imposta pela ordem pública.
Então, no primeiro caso em que se falou de abuso do direito, o sujeito tinha uma propriedade e o seu
vizinho lindeiro costumava soltar balões com seu filho em seu próprio terreno. Acontece que esses balões,
em razão de alguma questão meteorológica naquela região, sempre acabavam cruzando a propriedade do
vizinho. Esse vizinho resolveu construir dentro da sua propriedade várias torres pontiagudas e altíssimas, de
modo que os balões batiam e caíam, de modo a impedir que o baloeiro continuasse a exercer essa atividade
recreativa com seu filho. O baloeiro, que será chamado de proprietário A, ajuizou uma ação para obrigar o B
a tirar as estacas do terreno dele.
O B alegou que construiu as estacas dentro de sua propriedade e que dentro dela pode fazer o que quiser.
Ora, afinal, ele é dono! E era assim que se entendia o direito de propriedade; o direito de propriedade
conferia ao proprietário não só a propriedade do solo, mas a de uma coluna vertical que ia do céu até a maior
profundeza do subsolo e o sujeito poderia fazer o que bem entendesse.
O juiz olhou a situação e entendeu que estava errado, que não poderia ser assim. Então, pela primeira vez
o juiz francês falou que o B até é dono de uma coluna vertical sob sua propriedade, mas não pode exercer
esse direito com o objetivo exclusivo de prejudicar o seu vizinho. O B não está retirando nenhuma utilidade
com a construção dessas estacas; essa construção tem como único e exclusivo objetivo prejudicar a atividade
do vizinho A. Essa atividade de A em nada interfere na propriedade de B. Só porque ele está passando no
espaço aéreo de B, não tem direito de impedir, sob pena de exercer de forma abusiva a sua propriedade.
Veja que pela primeira vez se falou em abuso do direito, e ele nasceu como uma vedação ao ato emulativo,
como uma vedação ao exercício de um direito com o objetivo de prejudicar terceiros. Note que o abuso do
direito é um problema de exercício, não de titularidade: só pode abusar de um direito quem tem o direito.
O abuso do direito é um instituto que pressupõe que o sujeito seja titular daquele direito; ele tem direito, é
proprietário. O problema é que, quando ele vai exercer, faz errado. Ele exerce não com a intenção de obter
todas as utilidades que a propriedade pode conferir, mas, no caso do exemplo dado, com o objetivo de
prejudicar o vizinho.
Acontece, como dito, que o art. 187 do CC objetivou o abuso do direito e, hoje em dia, há abuso do direito
mesmo quando o sujeito exerce sem a intenção de prejudicar outra pessoa. E o sujeito que exerce a sua
propriedade contra a função social, abusa do direito? Estamos dizendo o tempo todo que a função social da
propriedade altera a própria estrutura do direito de propriedade; altera os poderes inerentes ao domínio; o
conteúdo dos poderes inerentes ao domínio. Com efeito, o proprietário já não tem o direito de desmatar a
área de preservação, porquanto a propriedade dele já nasce sem aquele direito.
Se o abuso do direito é o exercício irregular de uma prerrogativa que é reconhecida, será que o exercício
da propriedade contrariamente à sua função social é um abuso do direito ou é um ato ilícito pelo exercício
de um não direito? A partir do momento que a função social altera a própria estrutura do direito de
propriedade, retirando da titularidade aqueles poderes, ou aquelas formas de exercício, será que não
podemos falar que em razão da alteração da estrutura há mesmo um ato ilícito e não um abuso do direito?
A figura do abuso do direito é um soldado de reserva no CC, isto é, uma válvula de escape do sistema para
afastar das titularidades situações que não estão expressamente reguladas. O ato ilícito é um problema de
estrutura, a lei diz que não pode, retirando-se da titularidade uma determinada possibilidade, de sorte que
quem faz aquilo comete um ato ilícito. O abuso do direito é um problema funcional, um problema de
exercício contra a função. O sistema não fecha se pensarmos que a função altera a estrutura, pois se a função
alterou a estrutura, aquele exercício já não compreende aquele exercício.
Quando não temos uma resposta na ordem jurídica, usamos o abuso do direito. Mas, como temos uma
concepção na ordem jurídica de função social que altera a própria estrutura – e ela é tão importante que
altera o conteúdo do direito – parece que não precisamos lançar mão do abuso do direito, simplesmente
porque uma propriedade que não exerce sua função social não tem tutela constitucional, sendo, portanto,
inconstitucional.
Enfim, esta é uma reflexão para se pensar do ponto de vista mais dogmático, mas a jurisprudência e a
maioria dos autores usam o abuso do direito, tanto porque sendo ato ilícito ou abuso de direito a
consequência prática é a mesma: desfazer o ato, indenizatório etc.
De qualquer forma, essa percepção do abuso do direito como exercício contrário à função social foi muito
relevante no momento em que esta não estava consolidada dogmaticamente, na doutrina e na
jurisprudência. Já agora, a partir do momento que a função social da propriedade se consolidou, deixou de
ser necessário recorrer ao abuso do direito, para já integrarmos isso na questão do ato ilícito.
Quanto à extensão da propriedade imobiliária, temos que o direito do solo abrange o espaço aéreo e o
subsolo. Todavia, o proprietário não pode se opor a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma
altura ou profundidade tais que não violem seu legítimo interesse (art. 1.229 do CC), como ocorre com a
passagem de um avião ou de um metrô nas propriedades alheias.
A propriedade do solo não abrange jazidas, minas e demais recursos minerais, potenciais de energia
hidráulica e monumentos arqueológicos (art. 1.230 do CC), que são todos bens da União. Nada obstante, o
proprietário tem direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil, desde
que sem transformação industrial.
Pois bem. A propriedade deve recair sobre bens corpóreos, materiais, tangíveis. Existe uma discussão
acerca da possibilidade de direitos imateriais serem objetos de propriedade como, por exemplo, os direitos
autorais. É uma matéria muito debatida no âmbito da doutrina.
O direito de propriedade deve recair sobre um bem individualizado, o qual seja possível identificar com
clareza - aqui temos o atributo da especialização. O objeto da propriedade tem que ser um bem apropriável.
Os bens que não são passiveis de apropriação como o mar, a praia, não podem ser também objeto de direito
de propriedade.
Portanto, são essas as três características que um objeto de propriedade deve ostentar: o bem deve ser
corpóreo, individualizado e passível de apropriação.
Há limites de diversas ordens: materiais, normativos, voluntários... e o que mais chama a atenção é a
complexidade para identifica-los. A bem dizer, o bem móvel é muito fácil de ser individualização, recaindo
sobre todas as partes materiais daquele bem móvel. Não há discussão.
A dificuldade surge justamente no que tange aos bens imóveis. No que tange ao aspecto horizontal,
verifica-se facilmente identificado (ou deveria ser), a partir do Registro Geral de Imóveis. Em tese, no RGI
conta a descrição completa do imóvel. Além de ter a indicação da titularidade, tem-se também a extensão
horizontal do bem. O RGI tem que descrever minuciosamente e precisamente tal dado, inclusive
esclarecendo quem são os confinantes fronteiriços.
Às vezes isso é feito de forma meio indevida, porque não é raro que, por exemplo, sobretudo no campo,
seja colocado assim “a fazenda X vai ao Norte até o encontro da fazenda Y, ao Sul até a propriedade da
fazenda Z”, e em muitos casos não tem muro; não há cercas separando-as. Então, pode ser que tenha uma
certa divergência, por haver uma precária identificação no RGI da propriedade, gerando conflitos.
Imaginem o sujeito A é proprietário de uma grande extensão de terra no interior do Rio de Janeiro. Se a
extensão fosse algo absoluto, como se concebia anteriormente, a pessoa poderia proibir aviões de
sobrevoarem o espaço aéreo da propriedade; poderia também proibir o metrô de passar um túnel embaixo
daquele local. Mas se percebe claramente que isso não seria razoável, sobretudo atualmente. Então, até que
ponto o proprietário pode proibir ou não o uso do espaço aéreo e o uso do seu subsolo? Ou até que ponto
ele próprio pode aproveitar do seu espaço aéreo ou do seu subsolo?
O artigo 1.229 do CC traz dois critérios fundamentais. O primeiro é o da utilidade do exercício, em que é
preciso que o uso seja capaz de conferir algum benefício ao proprietário. No nosso exemplo da França, o
proprietário construiu aquelas estacas sem que aquilo tivesse qualquer utilidade para ele. O objetivo da
construção daquelas estacas era meramente aborrecer, perturbar, impedir que seu vizinho exercesse a sua
atividade recreativa.
Perceba: não é necessário que haja prejuízo para alguém, basta que não haja utilidade. No entanto, esse
critério não é suficiente, porque pode ser que haja uma utilidade sim, mas que mesmo assim seja vedado
aquele exercício. O direito de propriedade é o direito de usar, gozar e dispor e evidentemente o direito de
impedir que terceiros interfiram. A propriedade é exclusiva no sentido de que o proprietário também afigura-
se o único que pode se beneficiar daquele bem, usá-lo e fruí-lo.
Até que ponto o proprietário pode impedir que terceiros, em qualquer situação, se aproveitem em alguma
medida de sua propriedade, do seu espaço aéreo e subsolo? Posso impedir que um avião sobrevoe o meu
espaço aéreo? Não. Não posso impedir esse aproveitamento da minha propriedade pelas companhias
aéreas. Posso impedir que o metrô passe um túnel subterrâneo sob o meu solo? Não posso impedir esse
aproveitamento. Posso impedir que a companhia de água e esgoto passe tubulação de água e esgoto sob a
minha propriedade? Depende!
Eu posso construir uma garagem no meu subsolo? Posso, pois se tem utilidade nesse exercício. Agora, se
a companhia de água e esgoto quiser passar uma tubulação na minha garagem, no meu subsolo, eu tenho
interesse em impedir que a companhia de água e esgoto passe por lá a tubulação? Existiria interesse se essa
passagem causasse um prejuízo grave, na situação de abalar a estrutura do meu bem, por exemplo. Só que
no ponto há aí um interesse coletivo envolvendo a passagem dessa tubulação e deve-se tentar conciliar tais
valores. Essa passagem deve ser feita de modo a causar o menor transtorno possível para o proprietário...
ok! Agora, se não for possível, se só tiver aquele caminho par passar, a companhia de água e esgoto vai ter
que achar um trajeto ainda que seja pela minha propriedade causando prejuízo. Evidentemente, nesse
exemplo, pode-se ter uma indenização para o proprietário.
No passado, havia muita fiação no ar e problemas de colocação de postes. Dessa forma, também existia
muita controvérsia sobre isso em relação à companhia de luz e de telefone que queriam instalar esses
materiais dentro de propriedades. Nesses casos, indeniza-se o proprietário do bem.
Então, esses dois critérios são conciliatórios, buscando conciliar a possibilidade do proprietário obter o
aproveitamento econômico que ele deseja do bem e, de outro modo, não impedir que terceiros obtenham
esse aproveitamento, quando for necessário.
Há outras questões no que tange, sobretudo, ao subsolo. O subsolo tem riquezas infinitas, por exemplo,
jazidas de minério. E de quem são esses recursos? A Constituição estabelece que todos os recursos minerais
são da União (art. 20 da CRFB/88). Então, não é porque a pessoa descobre uma mina de diamante no seu
subsolo, que ela também será dona desses bens ali presentes. Mas o proprietário do solo terá a preferência
para a exploração desses minerais... Assim, a União pode conceder a esse proprietário a possibilidade de
explorar de forma prioritária esses recursos, porém a propriedade dessas minas não é do dono do subsolo,
mas sim da União, conforme também prevê o DL 227/1967.
O mesmo se passa com os recursos hídricos, porquanto também não são do proprietário. O Código de
Águas previa que as águas, que não são navegáveis, podem ser objeto de propriedade particular. Mas, hoje,
os ambientalistas questionam muito essa regra. Então, há uma certa controvérsia quanto à possiblidade de
propriedade privada em relação aos recursos hídricos. E isso também está regulado na
Lei nº 9.427/96.
(i) o proprietário é dono do espaço aéreo e do subsolo no limite da utilidade que ele possa retirar desse
espaço aéreo e desse subsolo, de modo que ele não pode impedir que terceiros os utilizem, se ele não tiver
interesse legitimo nessa proibição.
Art. 1.229.
A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao
seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura
ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.
Art. 1.230.
A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia
hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais.
(iii) Confirmação da ideia de que o proprietário é obrigado a tolerar essa passagem de condutos
subterrâneos de serviços de utilidade pública, mediante o recebimento de indenização, que atenda também
a desvalorização da área remanescente
Art. 1.286.
Ademais, em relação à extensão do direito de propriedade, tem-se que o princípio da gravitação jurídica
indica que a todos os acessórios se estende o direito de propriedade, art. 1.232:
Art. 1.232.
Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por
preceito jurídico especial, couberem a outrem.
A regra é que todos os frutos pertencem ao proprietário. E essa parte final do dispositivo transcrito trata,
a título excepcional, do possuidor de boa-fé, haja vista que não se trata de proprietário, mas mesmo assim
tem direito sobre os frutos percebidos/colhidos. Ele não deve, portanto, devolver os frutos ao proprietário,
tampouco deve indenizar por ter ficado com esses bens, uma vez que há tal expressa exceção legal.
Por fim, o direito de propriedade se estende, ainda, sobre as partes integrantes do bem. Todas as acessões
que sejam feitas em determinado bem imóvel pertencem, de regra, ao proprietário. Ex.: As construções,
plantações, cercas, muros que são feitos/colocados no terreno.
Quanto aos limites normativos à extensão do direito de propriedade, o primeiro deles é, como dito, a
função social da propriedade. E há diversos limites estabelecidos na legislação para a Administração Pública,
normas de postura municipais, por exemplo, estabelecendo uma série de regras que o proprietário deve
observar.
O sujeito não pode construir na altura que quiser, posto que as normas de posturas da municipalidade
atuarão nesse conformação, assim como no tipo de atividade que naquele local pode ser desenvolvida etc.
Então, tem-se que o Poder Público impõe uma série regras com o objetivo de organizar a cidade e a
convivência urbana.
Há uma terceira ordem de limites que são aqueles estabelecidos no interesse das boas relações de
vizinhança.
No passado, quando as pessoas moravam no campo e as propriedades eram muito afastadas umas das
outras, não havia muitos problemas. Mas, hoje, como todos moram na cidade de modo aglomerado, são
imprescindíveis normas para evitar conflitos de vizinhança
Nesse sentido, o Código prevê diversas regras sobre isso. Ele impõe, por exemplo, que se há uma árvore
no imóvel, que avança seus galhos para a propriedade do vizinho e caem frutos no terreno, acabando por
quebrar a telha desse vizinho, há dever de indenizar. As regras do direito de vizinhança, igualmente, dirão se
é possível abrir uma janela de cara para a janela do vizinho, havendo, pois, distância mínima que deve haver
de uma janela a outra, a fim de garantir o mínimo de privacidade.
Nesse viés, essas normas de direito de vizinhança têm como objetivo limitar a propriedade, visando
garantir uma harmonia entre os proprietários vizinhos.
Por fim há os limites voluntários, em que os próprios proprietários podem criar esses limites
voluntariamente. Por exemplo, quando a pessoa estabelece uma servidão de passagem na sua propriedade
em favor do vizinho, ela está limitando seu direito de propriedade voluntariamente, uma vez que, ao fim e
ao cabo, permite que uma outra pessoa passe por sua propriedade, limitando o que ela mesma pode fazer
naquele espaço. Essa limitação, portanto, é criada voluntariamente. Há outros tipos de limitações, como a
servidão de aqueduto, servidão de vista, dentre outras, que são limitações que o proprietário cria em relação
à sua propriedade de forma voluntária, que limitarão o próprio exercício do direito de propriedade (atenção:
não confundir com a passagem forçada do imóvel encravado).
Por fim, em relação ao sujeito da propriedade, qualquer pessoa pode ser titular de propriedade: pessoas
físicas e jurídicas (de direito público e de direito privado, até menores de idade (absolutamente ou
relativamente incapaz). Agora, nem todos podem ser titulares de toda propriedade. Existe uma restrição ao
estrangeiro em relação à propriedade brasileira. Logo, qualquer nacional pode ser titular de direito de
propriedade no Brasil, mas há limitações em relação ao estrangeiro. Para os estrangeiros, há disciplina
específica na aquisição da propriedade.
A definição clássica do direito de propriedade conduz para a noção de direito real que atribui ao seu titular
as faculdades jurídicas de uso, gozo (ou fruição), livre disposição e reivindicação do bem (art. 1.228 do CC).
Tal definição não está equivocada, mas, como já dito ao longo da presente apostila, mostra-se insuficiente,
por não enfatizar o caráter funcional da propriedade imobiliária.
Mesmo antes da função social, todavia, já havia limitações extrínsecas ao direito de propriedade, como o
direito de vizinhança e as situações de intervenção do Estado na propriedade, que usualmente impunham
obrigação de não fazer.
A grande novidade é que a CRFB/88 traz limitação intrínseca ao direito de propriedade, que passa a
integrar a sua própria estrutura, e impõe obrigações positivas além das negativas. A função social
“obrigacionaliza” o direito de propriedade, tornando-o relação complexa de direitos e deveres. Não por razão
diversa, defende-se que o direito de propriedade passa a ter estrutura econômica (núcleo interno), dentro
da qual se insere uso, gozo e a disposição, bem como a estrutura jurídica (núcleo externo), na qual se insere
a faculdade de reivindicação. Ao lado da estrutura econômica e jurídica, ainda, situa-se o aspecto funcional
(concepção dinâmica do direito de propriedade, associada à função social).
Com efeito, a função social da propriedade deve ser vista tanto nas relações internas (coproprietários -
condomínio) quanto nas relações externas (terceiros).
A função social tem previsão nos arts. 5º, XXXIII, 170, 183, 184 e 186 da Constituição. O Estatuto da Cidade
também traz regras importantes sobre a função social da propriedade (Lei 10.257/01).
Nessa perspectiva, muito se fala sobre a função social da cidade, que é verificada quando oferece, de
forma equilibrada, 4 funções: a) moradia; b) trabalho; c) circulação de pessoas e d) lazer.
No tocante ao Estatuto da Cidade há 3 institutos urbanísticos que estão previstos na CRFB/88, no art. 182,
§4º, especificamente no Capítulo da Ordem Urbana, in verbis:
Art. 182.
A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais
fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-
estar de seus habitantes.
§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir,
nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que
promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo
Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o
valor real da indenização e os juros legais.
Apesar de ser um avanço termos instrumentos para exigir que o proprietário do solo urbano cumpra sua
função social, o artigo retro é muito criticado porque exige requisitos em demasia: a) lei específica; b) que a
área esteja incluída no Plano Diretor; c) que sejam nos termos da lei federal, que é o Estatuto da Cidade.
Art. 5o Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a
edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo
fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.
I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente;
II – (VETADO)
§ 2o O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo
a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.
§ 3o A notificação far-se-á:
I – por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprietário do imóvel ou, no caso de
este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração;
II – por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo inciso I.
I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente;
§ 5o Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a que se refere o
caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o
empreendimento como um todo.
Art. 6o A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere
as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5o desta Lei, sem interrupção de
quaisquer prazos.
In casu, pode-se exigir postura positiva do proprietário quanto ao aproveitamento do imóvel. Com efeito,
o parcelamento e a edificação compulsórios atinge a perenidade do direito real caso haja o não uso, exigindo
do proprietário um agir (facere). O Estatuto da Cidade alude a parcelamento, edificações ou uso
compulsórios, ao passo que a Constituição elenca somente em parcelamento e edificações compulsórios.
Por isso, houve uma discussão acerca da constitucionalidade da inserção do uso compulsório, mas a
maioria da doutrina entende que parcelar e edificar são formas de utilizar. Assim, o uso seria um gênero que
comporta espécies, não perfectibilizando uma nova obrigação imposta ao proprietário do solo urbano.
O §1º, I, do art. 5º indica o que é considerado um imóvel subutilizado “cujo aproveitamento seja inferior
ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente”. O inciso II desse mesmo dispositivo
foi vetado, porque tratava do uso ilegal, como construções em áreas non aedificandis, ou comercial em uma
área residencial.
O uso ilegal é diferente do subuso. No uso ilegal, o proprietário está dando uma destinação ao imóvel,
que, todavia, não é adequada por força de uma legislação específica. Trata-se, assim, de conceito distinto do
não uso, de sorte que o parcelamento e edificação compulsórios não são instrumentos adequados para
corrigir essa ilegalidade. São conceitos distintos que possuem remédios também diferentes.
Assim, uma vez identificado o subuso do imóvel, o proprietário será notificado, devendo a notificação ser
averbada no RGI, para gerar uma eficácia erga omnes. Ato contínuo, o proprietário tem o prazo de 1 (um)
ano para apresentar o projeto da iniciativa que ele pretende implantar. Depois de entregue esse projeto,
possui 2 (dois) anos para iniciar as obras do empreendimento.
A notificação averbada no RGI é como se fosse um gravame no imóvel. Dessa forma, quem adquiri o bem,
seja por ato inter vivos ou causa mortis, também assume a obrigação parcelar, edificar ou utilizar já tento
fluído o prazo inicialmente iniciado. Então, não há se falar em interrupção ou suspensão do prazo já iniciado.
É comum o proprietário alegar a falta de verba para parcelar, edificar ou usar a sua propriedade. É
necessário, contudo, vincular isso ao disposto no art. 46 do Estatuto da Cidade que prevê que se o particular
não tiver meios para dar função social a sua propriedade, pode-se propor um consórcio com o Município e,
assim, o ente pode vir como sócio para implementar a ideia do particular.
Art. 46.
O poder público municipal poderá facultar ao proprietário da área atingida pela obrigação de que trata o caput
do art. 5o desta Lei, ou objeto de regularização fundiária urbana para fins de regularização fundiária, o
estabelecimento de consórcio imobiliário como forma de viabilização financeira do aproveitamento do imóvel.
§ 2o O valor das unidades imobiliárias a serem entregues ao proprietário será correspondente ao valor do imóvel
antes da execução das obras.
§ 3o A instauração do consórcio imobiliário por proprietários que tenham dado causa à formação de núcleos
urbanos informais, ou por seus sucessores, não os eximirá das responsabilidades administrativa, civil ou criminal
Se passar o prazo para o proprietário apresentar o projeto ou para iniciar as obras, passa-se para a
instituição do IPTU progressivo.
➢ IPTU PROGRESSIVO
Art. 7o Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta Lei,
ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do
imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da
alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.
§ 1o O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5o
desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze
por cento.
§ 2o Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá
a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no
art. 8o.
§ 3o É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.
Uma vez que a simples notificação não impeliu o proprietário a dar uso a seu imóvel, a Municipalidade
introduz a cobrança do IPTU progressivo.
Trata-se, então, o IPTU progressivo de uma outra ferramenta para buscar o mesmo objetivo, que é o
cumprimento da função social da propriedade. Assim, se depois de aplicado o IPTU progressivo, o
proprietário vai e apresenta o projeto, a cobrança da exação majorada é suspensa.
Pode-se majorar a alíquota por no máximo 5 (cinco) anos, mas há de se observar um teto de alíquota de
15% (quinze por cento) do valor venal do imóvel e também um limite de majoração anual de 2x (duas vezes)
o valor da alíquota do ano anterior.
A doutrina discute a existência ou não de um confisco com a alíquota de até 15% (quinze por cento) do
valor venal do imóvel.
CARVALHINHO entende que como há uma finalidade extrafiscal, não há se falar em confisco, porque o
proprietário tem opção de não pagar esse valor, é só dar uma destinação ao imóvel.
RICARDO LOBO TORRES entendia que a finalidade extrafiscal por si só não é suficiente para a afastar a
possibilidade de um confisco. É preciso que se verifique no caso concreto outras condições. E é possível que
se tenha um excesso, mesmo buscado uma finalidade urbanística, de modo a caracterizar o confisco. Então,
de acordo com essa concepção, seria necessário depreender a riqueza que está sendo tributada, isto é, a
condição do proprietário para que se descarte a caracterização do confisco.
Essa desapropriação é uma das modalidades que temos no nosso ordenamento jurídico. Aqui, o
pagamento é feito por meio de títulos da dívida pública municipal.
Houve a notificação do proprietário para que ele parcelasse ou explorasse o imóvel, passaram os prazos
de 1 (um) e 2 (dois) anos e nada fez. Foi instituído o IPTU progressivo, passaram 5 anos com a cobrança
progressiva e mesmo assim nada...
Art. 8o Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a
obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel,
com pagamento em títulos da dívida pública.
§ 1o Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federal e serão resgatados no prazo de até
dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de
seis por cento ao ano.
I – refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras
realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2o do art. 5o
desta Lei;
§ 3o Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório para pagamento de tributos.
§ 4o O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco anos, contado a
partir da sua incorporação ao patrimônio público.
§ 5o O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação
ou concessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento licitatório.
§ 6o Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do § 5o as mesmas obrigações de parcelamento,
edificação ou utilização previstas no art. 5o desta Lei.
A doutrina denomina essa modalidade de intervenção drástica como desapropriação-sanção, porque ela
decorre do descumprimento dos ônus urbanísticos que todo o proprietário de imóvel urbano possui.
A degradação da garantia a propriedade vem por meio da forma como a indenização pela desapropriação
sub oculi ocorre, que não é prévia, nem em dinheiro... e nem justa. É posterior e em títulos da dívida pública.
Essa obrigação de realizar a desapropriação é limitada, porque a forma de pagamento é feita por títulos
da dívida pública, que, para a sua emissão, há necessidade de autorização do Senado. E para que seja
deferido isso, é preciso que o ente possua capacidade de endividamento. Assim, o município tem que ter
capacidade financeira para realizar essa desapropriação.
Nesta senda, essa desapropriação não se trata de somente um querer ou não do ente, ele tem que poder
efetivamente aplica-la.
Sua definição está no §2º do art. 8º do Estatuto da Cidade, sendo: o valor da base de cálculo do IPTU –
que muitas vezes não é o seu valor de mercado –; sendo descontada a mais valia urbana – que são
investimentos que o Poder Público (não se restringe ao município) tenha feito naquela região e que tenham
valorizado o imóvel; não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.
O §4º do art. 8º do Estatuto da Cidade impõe ao Município o adequado aproveitamento do imóvel que
foi desapropriado, o que tem que ser feito no prazo máximo de 5 (cinco) anos, contados a partir da sua
incorporação ao patrimônio público.
Essa adequado aproveitamento poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de
alienação ou concessão a terceiros, com o devido procedimento licitatório, e quem adquirir esse imóvel terá
que cumprir com as obrigações de parcelamento, edificação ou uso do imóvel, conforme preveem os§§ 5º e
6º do art. 8º do Estatuto da Cidade.
Há de se mencionar que caso o Prefeito e os outros agentes públicos envolvidos não procedam o
adequado aproveitamento do imóvel desapropriado no prazo máximo de 5 anos, incorrerão em improbidade
administrativa, conforme prevê o art. 52, II do Estatuto da Cidade.
Art. 52.
Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação de outras sanções cabíveis, o
Prefeito incorre em improbidade administrativa, nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, quando:
II – deixar de proceder, no prazo de cinco anos, o adequado aproveitamento do imóvel incorporado ao patrimônio
público, conforme o disposto no § 4o do art. 8o desta Lei;
Por fim, ainda no tocante ao Estatuto da Cidade, vale mencionar a usucapião especial urbano. Trata-se de
instituto que tem mais aplicação prática, porque não tem previsão da necessidade de regra municipal
específica. Está prevista no art. 183 da CRFB/88 e no art. 9º do Estatuto da Cidade, in verbis:
Art. 183.
Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio,
desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
Art. 9o Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados,
por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-
lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1o O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2o O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3o Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde
que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
Existem vários requisitos para a caracterização dessa usucapião: finalidade específica de fins de moradia;
sujeito ativo pessoa física; limitação de área: até 250 m²; prazo de 5 anos, ininterruptos e sem oposição; não
pode ser proprietário de outro imóvel, quer seja urbano ou rural; só pode adquirir imóvel por essa
modalidade apenas uma vez.
Também há no Estatuto da Cidade a modalidade coletiva da usucapião especial urbana, prevista no art.
10, ipsis litteris:
Art. 10.
Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo
número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de
serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou
rural.
§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu
antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§ 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá
de título para registro no cartório de registro de imóveis.
§ 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da
dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo
frações ideais diferenciadas.
§ 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável
tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à
constituição do condomínio.
§ 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos
condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.
Requisitos: prazo de 5 (cinco) anos e não pode ser proprietário de outro imóvel, quer seja urbano ou rural.
Antes de 2017, a redação legal exigia imóveis com áreas menores que 250 m²; população de baixa renda;
e para fins de moradia. Hoje, o resultado da divisão entre a área total pelo número de possuidores tem que
ser menor do que 250 m²; e a lei remete a núcleos urbanos informais existentes.
A usucapião será declarada pelo juiz, por meio de sentença, que servirá de título para registro no RGI.
Nessa sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da
dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos,
estabelecendo frações ideais diferenciadas.
A sentença também constitui um condomínio indivisível, justamente porque não há como identificar a
posse individualizada, que, de regra, não é passível de extinção. Se a municipalidade, contudo, urbanizar a
área depois da constituição desse condomínio e houver deliberação favorável por no mínimo 2/3 dos
condôminos, poderá haver a dissolução. Com a urbanização, é mais fácil de identificar a área de cada um.
Os arts. 11 a 14 do Estatuto da Cidade preveem regras processuais quanto à ação de usucapião que se
aplica tanto para a usucapião especial individual ou coletivo.
Art. 11.
Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou
possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel usucapiendo.
Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana:
III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com
personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.
§ 2o O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de
registro de imóveis.
Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença
que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis.
Art. 14. Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito processual a ser observado é o sumário
Na usucapião conjunta, tem-se uma cumulação de pedidos individuais, cada autor possuindo a sua posse
individualmente identificável, mas resolvem entrar com ação em litisconsórcio, que é facultativo e simples.
Em linhas gerais, há vários modos de aquisição que são comuns às propriedades móveis e imóveis. Nosso
foco será apenas o que tange aos bens imóveis.
Em relação à propriedade imóvel, há a transcrição imobiliária, que é o modo de adquirir, por excelência,
a titularidade proprietária. A regra é que só se adquire a propriedade imóvel por meio da transcrição. Em
síntese, nada mais é que o ato de levar o título jurídico ao Registro Geral de Imóveis, para que o tabelião
registre junto à matricula daquele imóvel aquela transferência da propriedade.
Apenas assim a propriedade será adquirida pelo comprador. Isso significa dizer que o nosso sistema que
entende que a celebração de um contrato não é suficiente para transmitir a propriedade.
Se a pessoa celebrar uma escritura definitiva pública de compra e venda de um bem imóvel e guardá-la
na gaveta, ela não será proprietária de absolutamente nada. Ela só irá adquirir aquela propriedade se levar
essa escritura pública de compra e venda ao RGI e houver a transcrição daquele título junto à matricula do
imóvel. Apenas a partir desse momento ela se torna proprietária. Isso significa que a transcrição é
constitutiva do direito.
A tradição está para os bens móveis, assim como a transcrição está para os bens imóveis.
Há, todavia, várias classificações de modos de aquisição da propriedade. A primeira delas é a aquisição
originária ou derivada, em relação à qual é preciso ter muita atenção.
A aquisição originária é aquela que se estabelece sem relação jurídica com o titular anterior. O sujeito
adquire a propriedade sem que essa propriedade tenha sido transmitida a partir de uma relação jurídica pelo
proprietário anterior. E a partir desta definição, a usucapião seria a aquisição originária por excelência. Tem
outras, como por exemplo, a acessão. Mas a usucapião seria a aquisição de modo originária por excelência.
De outro lado, a aquisição derivada é aquela que se dá por meio de uma relação jurídica com o titular
anterior. Isto é, o proprietário anterior transmite a propriedade para o novo titular. É a regra, uma vez que
qualquer contrato que se celebra com o titular anterior enseja uma aquisição derivada da propriedade.
A título de informação, na visão do professor Caio Mário, a aquisição originária seria aquela em que ocorre
a apropriação do bem pela primeira vez, ou seja, só haveria aquisição originária se aquele bem nunca tivesse
sido objeto de propriedade de ninguém e se houvesse a sua apropriação pela primeira vez. Segundo ele, a
título de exemplo, a ocupação seria uma forma de aquisição originária. Mas a usucapião não! Porque na
usucapião já houve um proprietário anterior. Então, nessa visão minoritária, as hipóteses de aquisição
originárias hoje seriam muito pequenas, pois são poucos os bens que nunca foram apropriados.
É importantíssimo saber se estamos diante de uma aquisição derivada ou originária pelo seguinte: na
aquisição originária, como não se tem a transmissão da prioridade pelo proprietário anterior, adquire-se a
propriedade, de forma originária, livre de qualquer vício ou ônus que ela ostentasse na mão do titular
anterior. É como se inaugurasse uma nova propriedade.
Na transmissão do direito de propriedade para alguém, aliena-se o que se tem. Se temos uma propriedade
sobre a qual há, por exemplo, certo ônus real, o adquirente irá adquirir com este ônus real.
Pensemos na hipoteca. Digamos que vamos ao banco e pedimos um empréstimo e o banco exige uma
garantia. Oferecemos um imóvel. As garantias sobre bens imóveis se chamam hipoteca. Então, é uma
garantia real em favor do banco. Isto significa que se a hipoteca for levada a registro no RGI, ela se torna um
direito real de garantia. E por ser um direito real de garantia, acompanha o bem imóvel nas mãos de quem
quer que ele esteja. Isto significa que se vendemos um apartamento para alguém, o banco pode ficar
tranquilo porque aquela hipoteca irá acompanhar aquele imóvel nas mãos do futuro proprietário. Então,
quem comprar aquele imóvel terá uma hipoteca pendente, de modo que, se não pagar, o banco poderá
executar aquela garantia, porque é uma aquisição derivada. Por ser uma aquisição derivada acompanha o
bem todos os ônus, percalços, vícios que haja em relação àquela titularidade.
Agora, se alguém usucapir este imóvel, o que acontece? Se alguém usucapir aquele imóvel, teremos uma
aquisição originária. E por ser uma aquisição originária, inaugura-se um novo direito de propriedade sobre
aquele bem imóvel, de sorte que aquele direito real que pendia sobre ele é extinto, ou seja, não acompanha
a propriedade que se inaugura nas mãos do novo titular.
A aquisição a título universal é aquela em que se adquire uma universalidade de direitos. A aquisição a
título universal, no direito civil, só existe causa mortis, ou seja, os sucessores do falecido adquirem a herança,
e ali está o ativo e o passivo, tudo dentro dessa universalidade. Ninguém pode transmitir o seu patrimônio
como universalidade de direitos para uma outra pessoa.
A sucessão a título singular é aquela que se adquire um bem individualizado, que é a regra na aquisição
inter vivos. É possível também ter a aquisição a título singular causa mortis, como, por exemplo, no caso do
legado. Então, a aquisição a título singular podemos ter inter vivos ou causa mortis entre pessoas naturais.
Veja: ninguém pode transmitir o seu patrimônio enquanto o conjunto de relações jurídicas passivas e
ativas, que essa pessoa ostenta. Só pode transmitir o conteúdo do patrimônio. Pode transmitir as dívidas, os
bens, mas ninguém deixa de ter um patrimônio.
Vistas as classificações, tal como adiantado no início deste tópico, existem quatro modos de aquisição
da propriedade imóvel: a transcrição, que é um modo de aquisição por excelência; a usucapião; a sucessão
hereditária; e a acessão. Os três últimos são comuns a propriedade móvel também. Só a transcrição que é
exclusiva da propriedade imóvel.
Como já visto, a usucapião é um exemplo eloquente da importância da função social da posse como forma
de acesso a bens. Então, de um lado, se tem um possuidor que exerce a posse de acordo com a sua função
social, e, de outro, um proprietário que não o faz.
Também já foi falado que a Constituição foi bastante cuidadosa com a função social da propriedade,
havendo feito questão de fazer incluir textualmente diversas modalidades de usucapião.
E essa preocupação do Constituinte refletiu no Código Civil. O legislador civil previu diversas modalidades
de usucapião, repetiu aquelas previstas na constituição e criou outras, a exemplo da usucapião tabular que
não estava no CC/16. Então, nosso legislador de 2002 atendeu ao chamado do Poder.
O legislador civil, além de prever novas modalidades de usucapião – como a usucapião tabular –, reduziu
consideravelmente os prazos de usucapião.
De regra, todos os bens corpóreos, móveis ou imóveis, são passiveis de usucapião. Há exceções como os
bens fora do comércio; as terras indígenas; os bens públicos. Outro exemplo seria a posse ad interdicta, que
é aquela transmitida ao possuidor pelo proprietário contratualmente (salvo interversão da posse).
A usucapião é uma espécie de prescrição aquisitiva. Lembre-se que não existe prescrição extintiva contra
o proprietário. Ao revés, diferentemente dos direitos de crédito, que nascem para se extinguir, e contra os
quais pode ocorrer prescrição extintiva, o direito de propriedade tende à perpetuidade. Foi visto, também,
que o não uso está contemplado na faculdade de usar. Então, o não uso do direito de propriedade não gera
a extinção da prescrição extintiva do direito de propriedade. O que pode gerar a perda da propriedade para
o seu titular é o nascimento de um direito em favor de um terceiro com a prescrição aquisitiva. Logo, o que
gera a extinção da propriedade é uma prescrição aquisitiva, e não a prescrição extintiva.
A usucapião de um lado privilegia a função social da posse e, de outro, de alguma forma, pune aquele
titular da propriedade que não exerce sua titularidade com sua função social. Há dois lados dessa mesma
moeda que é o exercício da função social da posse por parte do possuidor que vai usucapir a propriedade; e
de outro lado o não exercício da função social da propriedade pelo seu titular. A bem dizer, a combinação
dessas duas circunstâncias conduz à usucapião.
Quanto à usucapião, o que constitui a propriedade aqui é o preenchimento dos requisitos de cada
modalidade. Então, não é nem a sentença per se, nem o registro da sentença no RGI, sendo este meramente
declaratório, assim como a sentença também o é.
Art. 1.241.
Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel.
Há dois gerais, que configuram a posse ad usucapionem, aplicáveis para qualquer modalidade:
1) Posse com animus domini – intenção de ser dono para a aquisição por usucapião.
2) Posse contínua, mansa e pacífica – exercida sem violência, de forma incontestada. Isto é, não pode
ter sido objeto de contestação levada a cabo pelo proprietário contra o qual se deseja usucapir.
Art. 1.238.
Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a
propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença,
a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Aqui, há exigência da posse sem interrupção nem oposição, que é o requisito da posse contínua, mansa e
pacifica; do requisito da posse com animus domni, quando fala em possuir como seu o imóvel; e apenas um
requisito especial, que é o requisito temporal.
Portanto, o único requisito especial da usucapião extraordinária é o prazo de 15 (quinze) anos, que é o
maior prazo de usucapião na legislação. Como não se exige nenhum outro requisito, ou seja, o possuidor
pode estar de má-fé, ter uma posse injusta, não precisa ter justo título... Basta que ele tenha uma posse ad
usucapionem pelo lapso temporal mencionado para que tenha direito à aquisição do domínio.
No parágrafo único do mesmo dispositivo legal, o legislador previu uma situação especial de usucapião
extraordinária: se o possuidor exercer esse estado de fato com a finalidade de ali residir, de estabelecer
moradia naquele bem, ou se tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo, o prazo da usucapião é
reduzido para 10 (dez) anos.
Fez-se uma concessão àquele que exerce aquela posse com uma finalidade específica, qual seja, a
utilização daquele bem para sua moradia habitual ou então realizar obras ou serviços de caráter produtivo.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido
no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Usucapião ordinária
Art. 1.242.
Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé,
o possuir por dez anos.
Então tem os requisitos genéricos e os requisitos especiais, que são o justo título e a boa-fé.
Veja que a usucapião extraordinária especial do parágrafo único do art. 1.238 do CC não exige justo título
e boa-fé, mas apenas uma finalidade especifica, ao passo que a usucapião ordinária não exige tal finalidade
específica, e sim justo título e boa-fé. O prazo é o mesmo nas duas, qual seja 10 (dez) anos, mas os requisitos
são diferentes.
Art. 1.242.
(...)
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido,
onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os
possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico
Não havia no Código Civil de 1916, tratando-se de uma novidade do CC atual, dirigida para o adquirente
de boa-fé.
Então, se o adquirente adquiriu com base no registro, onerosamente e de boa-fé, ele perde a propriedade
do imóvel para o verdadeiro proprietário, desde que este proprietário reivindique no prazo de 5 (cinco) anos,
pois, passado esse período, o terceiro de boa-fé adquire esta propriedade por usucapião, não havendo mais
tutela contra ele. Esta foi uma tentativa de solução de consenso, de proteger o proprietário, mas conferir a
este adquirente de boa-fé a título oneroso um olhar parcimonioso, prevendo a possibilidade de usucapir por
um prazo reduzido.
Portanto, o parágrafo único do art. 1.242 do CC traz uma modalidade especial de usucapião. Ela só existe
porque aqui o sujeito adquire o bem imóvel confiando no nosso sistema registral, que goza de presunção
relativa de veracidade.
Exemplo: houve uma fraude no sistema registral, com a duplicação da matrícula do imóvel e quem vendeu
aquela propriedade não foi o proprietário legítimo, e sim um terceiro que alienou a non domino. O sujeito
adquirente confiou no registro, havendo conferido que a pessoa que estava vendendo era aquela em cujo
nome estava o registro. Nessa situação, nada obstante a boa-fé, o proprietário, pelo direito de sequela,
possui ação reivindicatória contra o terceiro adquirente.
Logo, o terceiro terá que devolver aquela propriedade, salvo se já tiver cumprido o lapso temporal da
usucapião tabular.
Reforçando: deve ser uma aquisição onerosa; o adquirente deve estar de boa-fé; ele não pode saber que
houve venda a non domino
Já estava prevista na nossa Constituição, no art. 191, bem como no Código Civil, no art. 1.239, reproduzido
quase que ipsis litteris:
Art. 191.
Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos,
sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu
trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Art. 1.239.
Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos,
sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu
trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Quais os requisitos dessa usucapião, além da posse ad usucapionem? Lapso temporal igual ou superior a
5 (cinco) anos; que o imóvel não seja maior que 50 (cinquenta) hectares; que a propriedade tenha sido
tornada produtiva por meio do trabalho do possuidor ou de sua família.
O sujeito tem que morar na terra e cultivar nela. Mas... o que acontece se a área for superior a 50
hectares?
Digamos que a área que ele tenha ocupado seja de 60 (sessenta) hectares. Nesse caso, o entendimento
para tentar proteger o possuidor é limitar a usucapião a 50 (cinquenta) hectares. Agora, se ele estiver há 10
(dez) anos, pode usucapir tudo pela modalidade extraordinária especial.
Outro requisito é que esse possuidor não pode ser proprietário de nenhum outro imóvel, seja urbano ou
rural.
O constituinte previu, ainda no mesmo artigo da usucapião rural especial, também uma modalidade
análoga para a propriedade urbana, que é a usucapião especial urbana chamada de usucapião pró-moradia,
que está remetido no art. 1.240, do CC, com o mesmo teor.
Art. 183.
Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio,
desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Os requisitos são muito parecidos com os da usucapião especial rural, mas com as adaptações necessárias:
não pode ser proprietário de nenhum outro imóvel, seja urbano ou rural; limite do tamanho dessa
propriedade, de até 250 m² (duzentos e cinquenta); finalidade especifica para a sua moradia ou de sua
família; e requisito temporal de cinco anos.
Ninguém pode adquirir por usucapião especial urbano por mais de uma vez (art. 183, § 2º).
Há uma discussão muito importante em relação a essas duas modalidades de usucapião, a rural e a urbana
especial, que é a seguinte: (i) todos os municípios estabelecem o seu plano diretor, regras de zoneamento
urbano, e nessas regras de zoneamento urbano fixam-se módulo mínimos, no sentido de que nenhuma
propriedade imóvel pode ser registrada se tiver menos de tantos m²; (ii) no Estatuto da Terra, existe a mesma
disposição em relação às propriedades da zona rural, que fixam módulos rurais mínimos - art. 65, da Lei
4.504/64.
Em relação ao módulo rural, o objetivo é garantir que a propriedade seja produtiva. Isso porque se
presumo que uma propriedade rural muito pequena não é capaz de ser produtiva. Por sua vez, a função do
módulo urbano é organizar a ocupação das cidades, garantindo também um espaço mínimo e saudável,
salubre, para a ocupação das pessoas.
Ocorre aqui que a Constituição e o Código Civil estabelecem o tamanho máximo do imóvel objeto da
usucapião: na usucapião especial rural, o tamanho máximo é de 50 hectares; na usucapião especial urbana
é de 250 m².
Será que esses limites do Estatuto da Terra e das leis municipais, no que tange ao módulo rural e módulo
urbano podem servir de limite para usucapião? Ou seja, é possível usucapir imóvel rural inferior ao módulo
rural? É possível usucapir imóvel urbano inferior ao módulo urbano? Isso foi gerou uma discussão enorme
na doutrina e na jurisprudência, mas, por fim, prevaleceu o entendimento que é possível sim usucapir
imóveis inferiores ao módulo rural ou ao módulo urbano.
Em 2015, o plenário do STF em Repercussão Geral fixou a seguinte tese: “preenchido os requisitos do art.
183, da CF, o reconhecimento da usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação
infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área que situado o imóvel”.
Nesse mesmo sentido há o enunciado 594, do CJF, segundo o qual [é] possível adquirir a propriedade de
área menor do que o módulo rural estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural.
A Constituição que é a nossa norma de hierarquia máxima não previu tamanho mínimo, então, não é o
legislador infraconstitucional que pode fazê-lo.
Há uma novidade no nosso sistema que foi introduzida no Estatuto da Cidade, já mencionada, que é a
chamada usucapião coletiva.
Art.10.
Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo
número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de
serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou
rural.
Por que a usucapião aqui é coletiva? Porque todas as pessoas que ocupam vão usucapir aquela área,
desde que toda aquela área dividida por aqueles possuidores não dê mais que 250 m² por possuidor. O
objetivo é a regularização fundiária.
Prevista no art. 1.240-A do CC, trata-se do menor prazo de usucapião que há no ordenamento: 2 (dois)
anos. E foi criada para uma situação muito especial: a família ocupa o imóvel próprio e um dos consortes
abandona o lar, deixando os filhos e seu parceiro. Há uma situação de abandono por parte de um dos
cônjuges.
Nesse caso, se o sujeito ficar mais de 2 (dois) anos fora, o cônjuge irá, com seus filhos, usucapir o imóvel,
exercendo a propriedade exclusiva.
Destaca-se que a usucapião aqui se dá entre os cônjuges e companheiros. Afigura-se como usucapião no
âmbito da família, com o objetivo de arrefecer a situação do abandonado.
Art. 1.240-A.
Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre
imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge
ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Veja então que o instituto protege o direito à moradia da pessoa que ficou no imóvel. Trata-se de uma
escolha que visa proteger o mínimo existencial daquele que, materialmente, pouco ou nada mais possui,
ainda que isso se dê em detrimento da hipótese abstrata de tutela à propriedade daquele que abandonou o
lar. Assegura-se, ademais, segurança jurídica material àquele que no imóvel permaneceu após ter sido
abandonado financeiro e moralmente.
RESUMO
➢ USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA: (art. 1238, CC/02): REGRA: 15 anos; independente de título e de boa-
fé; EXCEÇÃO: 10 anos se verificados todos os requisitos acima + moradia habitual ou obra/serviços
produtivos.
➢ USUCAPIÃO ORDINÁRIA: (art. 1242, CC/02): REGRA: 10 anos; justo título e boa-fé; EXCEÇÃO: 5 anos
+ Imóvel adquirido onerosamente + Registro cancelado + moradia habitual ou investimentos.
➢ USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL: (art. 1239, CC/02): 5 anos; não proprietário de outro imóvel; 50
hectares; trabalho + moradia.
➢ USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA: (art. 1240, CC/02): 5 anos + moradia; não proprietário de outro
imóvel; 250m²
➢ USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DE LAR: (art. 1240-A, CC/02): 2 anos + moradia +
abandono de lar pelo coproprietário; sem oposição + exclusividade; 250 m²; independente de título
e boa-fé; não proprietário de outro imóvel.
➢ USUCAPIÃO COLETIVO: (art. 10 e ss. do Estatuto da Cidade): Áreas urbanas com mais de 250 m²;
população de baixa renda + utiliza para moradia; 5 anos; impossível identificar os terrenos ocupados
por cada possuidor; possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Por fim, existe ainda a usucapião extrajudicial (art. 216-A da Lei de Registros Públicos – incluído pelo
CPC/15). É uma forma nova de requerimento. É feito em cartório do registro de imóveis da comarca em
que estiver situado o imóvel via requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com
ata notarial lavrada pelo tabelião, planta e memorial descritivo, certidões negativas e justo título ou
quaisquer outros documentos.
Por que se criou esse sistema para a transmissão da aquisição da propriedade imóvel? Por uma razão
muito simples: a propriedade imóvel sempre foi o objeto, o símbolo, ou a manifestação de riqueza mais
pujante de todas as sociedades. Logo, entendeu-se necessário criar uma sistema também seguro e público
de transmissão dessa riqueza. Então, o objetivo do sistema registral é conferir segurança a transmissão
daqueles bens que sempre foram tidos como maior símbolo de maior vulto, e dar publicidade a essa
titularidade, vez que todos os registros de imóveis são públicos e qualquer pessoa pode consultá-los para
saber quem é o dono de determinada propriedade. E este foi o grande motor para a criação deste sistema
registral dos bens imóveis.
Hoje em dia se relativiza um pouco isto porque sabemos que a riqueza está muito nos bens móveis.
Antigamente, a riqueza estava nos bens imóveis. Mas, hoje, quanto valem as ações destas grandes
empresas? A riqueza mobiliária é muito grande. E se observamos bem, alguns bens móveis passam a ostentar
também um sistema de transmissão especial. As ações precisam ser transcritas para serem transmitidas.
Alguns bens móveis, em razão da importância que assumem ou da riqueza que eles revelam, passam também
de forma excepcional a contar com um sistema registral próprio com o fim de conferir segurança jurídica e
publicidade aquelas transmissões. Hoje é possível encontrar um sistema de transcrição relativo a transmissão
de bens móveis. Contudo, não é a regra, mas existe, tendo em vista o fato de esses bens móveis ostentarem
e encerrarem uma riqueza importante no âmbito daquela sociedade.
No sistema alemão, o registro gera presunção absoluta de propriedade, ou seja, o nome de quem constar
no registro é o proprietário daquele bem. Se houve uma fraude no registro, se houve uma aquisição a non
domino e alguém conseguiu fazer o seu nome do lado da matrícula do imóvel, não tem discussão, aquela
pessoa é considerada proprietária e o proprietário verdadeiro não consegue recuperar a propriedade, não
consegue alterar o registro. Ele terá no máximo o direito de indenização, mas não terá o direito de recuperar
aquela propriedade. Ou seja, presunção absoluta. Isso confere segurança jurídica de certa forma, uma vez
que se comprar um bem imóvel da pessoa, cujo nome está aquela matrícula, pode ter a certeza de que
aquele é o verdadeiro dono e de que amanhã aparecerá uma pessoa alegando que se adquiriu aquele bem
a non domino. Isso não acontece na Alemanha, mas acontece no Brasil.
No Brasil, nosso sistema registral gera presunção relativa de propriedade, ou seja, admite-se prova em
contrário. Se alguém fizer uma fraude no RGI, às vezes, abre-se uma segunda matrícula para o imóvel,
registra-se um imóvel em nome de terceiro e este terceiro transmite aquela propriedade. Pode o verdadeiro
proprietário questionar que houve fraude? Se ele provar que ocorreu, o que adquiriu de boa-fé terá que
devolver a propriedade. Então, confia-se no registro desconfiando. Por isso, se faz necessário verificar a
cadeia sucessória, a regularidade da cadeia sucessória.
Tendo em vista isto, o nosso legislador criou uma forma de tentar mitigar esse prejuízo, esta desproteção
desse adquirente a non domino de boa-fé, que foi a chamada usucapião tabular (art. 1.247, parágrafo único,
do CC), que é uma novidade do CC vigente. Trata-se de uma modalidade de usucapião com prazo reduzido
em favor do terceiro de boa-fé, concebido como uma forma de mitigar essa insegurança que gera a
presunção relativa de propriedade do nosso sistema registral. Então, se o verdadeiro proprietário provar que
houve alguma irregularidade, ele consegue recuperar a propriedade se não houver a usucapião tabular
mencionado no dispositivo supracitado.
Nós temos ainda dois princípios que regem os sistemas registrais no mundo, pelo menos no mundo
ocidental que conhecemos. O princípio da inscrição também consta no sistema alemão. Pelo princípio da
inscrição, a propriedade se adquire com o registro daquele imóvel no RGI, ou seja, é preciso transcrever para
o nome do proprietário no sistema registral para que se constitua a propriedade em favor daquela pessoa.
O registro, portanto, é constitutivo. Então, uma vez inserido o nome do sujeito no registro, há presunção de
propriedade.
Na França, há o princípio da publicidade, pois nesse país a propriedade se transmite com o contrato.
Então, se foi celebrado contrato de compra e venda, já há transmissão da propriedade. Logo, o sistema
registral busca apenas dar publicidade à propriedade. Com efeito, o sistema registral na França é
declaratório, pois a transmissão da propriedade se dá com o título.
No Brasil, adota-se o sistema de inscrição mitigado, porque embora a propriedade se constitua com a
transcrição, como há uma presunção relativa, é possível que aquela pessoa em cujo nome está aquele imóvel
não seja o verdadeiro proprietário. É possível alterar o registro se provar alguma irregularidade na aquisição.
Ao contrário do que acontece na Alemanha. Há ainda outra distinção relevante entre o sistema alemão e o
brasileiro que decorre dessa característica. O sistema alemão é um sistema abstrato, enquanto o brasileiro
é um sistema causal.
Na Alemanha, celebra-se o contrato de compra e venda e depois a partes celebram um segundo negócio,
por meio do qual elas se obrigam a ir ao registro e transferir a propriedade para o nome do adquirente. Esse
segundo negócio é levado para averbação no RGI e não o contrato. Logo, o registro se abstrai do contrato,
pois o que importa é esse segundo negócio. Por isso é chamado de abstrato, se liberta da causa da
transmissão. É por isso que qualquer irregularidade no título aquisitivo é irrelevante no direito alemão, já
que esse título não é levado para transcrição. Por isso, qualquer vício ou irregularidade no título não tem
importância.
Já no Brasil, o sistema registral é causal, porque é preciso levar o título que suscita/justifica aquela
transmissão de propriedade, que é a escritura pública de compra e venda. É preciso levá-la, transcrevê-la
junto à matrícula do imóvel. Hoje em dia, não se transcreve mais o inteiro teor, mas as principais condições.
Se houver alguma irregularidade no título, pode-se pedir a alteração do registro ou o seu cancelamento. Se
provar uma falsificação nesse título, nesse contrato que ensejou uma irregular transmissão dor registro, é
possível alterá-lo. Por isso o nosso registro gera presunção relativa. Ele é causal, isto é, está diretamente
vinculado ao título. No sistema alemão, portanto, o proprietário original fica no prejuízo, só tendo tutela
indenizatória, e não a tutela real.
Então, no Brasil, o nosso registro constitui a propriedade. São princípios/regras que regem o sistema
registral brasileiro a matrícula do imóvel, pois todo imóvel tem que ter uma matrícula no RGI. Nessa
matrícula, estará a história do imóvel, desde a sua origem (primeiro proprietário) e todas as transmissões,
vicissitudes, ônus reais etc. E a continuidade do registro, que é fundamental para saber a regularidade da
cadeia sucessória. Esse princípio impõe ao tabelião examinar quando recebe o título para transcrever se a
pessoa que está vendendo naquele contrato é a pessoa em cujo nome está averbada a matrícula, pois só
quem pode vender é o proprietário em cujo nome está a matrícula. Se não for a mesma pessoa, ele não pode
registrar, ainda que não haja propriamente uma irregularidade.
Dispõe o art. 237 da Lei n° 6.015/73 que “[a]inda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro
que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.
A ordem de apresentação é muito importante no que tange aos direitos reais de garantia, sobretudo na
hipoteca. É possível a constituição de muitas hipotecas sobre um bem imóvel. O primeiro credor hipotecário
pode ficar tranquilo quanto à constituição de outras hipotecas, pois ele tem preferência na satisfação do seu
crédito sobre o segundo e assim por diante. Se sobrar algo da hipoteca, o segundo credor hipotecário se
satisfaz e assim sucessivamente. Para garantir essa preferência, não basta a celebração de contrato para
constituir direito real de hipoteca. É preciso levar o contrato no RGI.
Essa preferência não vem da ordem de celebração do contrato de hipoteca, isto é, de quem é o primeiro
credor hipotecário. Como o direito real depende da transcrição do título, somente será o primeiro credor
hipotecário e só terá efetivamente a se satisfazer em primeiro lugar se for a primeira a registrar o título no
RGI.
Art. 182.
Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da seqüência rigorosa
de sua apresentação.
Art. 186.
O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que
apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente.
Pode ser que o cartório não dê o número de protocolo imediatamente, dando apenas o recibo de que o
contrato foi deixado lá, entregando o número de protocolo apenas depois. Mas há no registro a hora em que
o título foi apresentado. Se no final do dia, o oficial se deparar com mais de um contrato sobre o mesmo
bem, ele vai registrar primeiro aquele que tem a hora mais cedo. Nesse caso, a hora da apresentação é mais
importante.
Com relação ao princípio da legalidade, o tabelião ao receber o título é obrigado a fazer a qualificação
registral do título, ou seja, o exame sobre a sua legalidade. Assim, analisa-se se o pedido do registro está
instruído com a documentação exigida pela lei; se o vendedor é casado, se tem outorga uxória, certidão de
casamento; documento de identidade; se o título apresenta algum vício de nulidade; se o direito dos
particulares procura constituir correspondem a algum dos tipos reais.
SINTETIZANDO:
➢ O sistema alemão é o que se chama de sistema de inscrição, pois a constituição da titularidade ocorre
por meio do registro. Aqui, há desvinculação total da causa contratual.
➢ Já nosso sistema é de inscrição mitigada, tendo em vista que o registro é constitutivo, mas sem gerar
presunção absoluta (de sorte que se mostra possível a alteração da titularidade registrada).
- Princípio da matrícula: toda propriedade imóvel tem que ter uma matrícula própria no RGI.
- Princípio da legalidade: tabelião faz uma qualificação registral do título assim que o recebe (análise da
legalidade)
Art. 252.
O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que
o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.
Então, vejam: é indispensável o cancelamento do registro. Se o título que deu causa àquela transcrição
for anulado, ou for rescindido, ou for provado alguma falha nele, não é isso que faz com que aquele titular
deixe de ser proprietário. Não basta uma declaração judicial, por exemplo, de que aquele contrato foi
celebrado sob coação. Se o coator continuar no registro, ele continuará sendo proprietário.
Lembre-se: a titularidade no direito brasileiro se determina pelo registro, não pelo título. Então, se houver
uma anulação do título, uma declaração de nulidade do título ou se esse título for por alguma razão resolvido,
não é o que basta. Uma vez resolvido o contrato, uma vez anulado o título, essa anulação tem que ser
refletida no registro, e só depois de cancelado o registro é que efetivamente o verdadeiro titular poderá
perseguir os bens nas mãos de quem quer que injustamente o possua, por meio da ação reivindicatória.
Uma curiosidade a ser falada: o cancelamento de qualquer registro do RGI só pode acontecer depois do
trânsito em julgado.
Não esqueça: o sistema registral tem eficácia constitutiva, ou seja, é por meio do registro que se
constitui a propriedade.
Contudo, há exceções. uma dessas exceções é a transmissão causa mortis da propriedade. Com a abertura
da sucessão, pela força do chamado direito de saisine, transmite-se aos herdeiros do de cujus, não só a posse,
mas a propriedade de toda a herança. É a abertura da sucessão via direito de saisine que transmite a
propriedade. Então, aqui, o registro não é constitutivo, e sim declaratório, uma vez que a transcrição da
propriedade já ocorreu no momento da sucessão.
O mesmo acontece, como será visto, quando a aquisição se dá por usucapião. O possuidor, quando do
preenchimento dos requisitos, já a adquiriu e o juiz apenas declara essa aquisição. Esse novo proprietário
pegará essa sentença e a levará ao RGI. Essa transcrição será, de novo, declaratória, assim como foi a
sentença do juiz que reconheceu a usucapião.
Art. 1.245.
Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1 o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2 o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo
cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.
Art. 1.246.
O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no
protocolo.
Art. 1.247.
Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule.
Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé
ou do título do terceiro adquirente..
A aquisição da propriedade não ocorre quando o oficial ou o tabelião efetivamente faz a transcrição do
título junto à matrícula do imóvel no RGI. Isso, às vezes, pode demorar, até porque o oficial, como visto, vai
fazer aquele exame de legalidade do título. Então, ele recebe o título e não faz aquela qualificação do título
imediatamente, vai fazer em outro momento oportuno. O responsável pelo cartório só irá efetivamente
inscrever aquele título se a qualificação da legalidade for positiva e isso leva um tempo. Por isso que a
transcrição possui efeitos retroativos, retroagindo à data da prenotação do protocolo.
É nesse momento em que se apresenta o título e que se ganha o número de protocolo que o sujeito se
tornará efetivamente proprietário, caso haja de fato a transcrição do título.
Talvez o aspecto mais relevante da função social da propriedade seja a possibilidade de permitir o acesso
a bens. Isso se afigura das coisas mais difíceis na nossa realidade contemporânea de ampla desigualdade
social, porquanto poucas pessoas têm acesso à propriedade, e muitas vezes é exatamente pelo exercício de
prerrogativas dominiais que se consegue realizar valores existenciais importantes, como moradia. O acesso
aos bens, portanto, é um instrumento para realização plena da dignidade da pessoa humana.
Ela é um direito daquele que a titulariza, mormente no aspecto do exercício dos poderes dominiais de
uso, gozo e fruição da coisa. Outrossim, é direito também dos indivíduos de um modo geral para fins de
realização do direito de moradia, alçado na Constituição, no art. 6º, como direito social. Aqui, nesta
concepção, temos a propriedade como direito de acesso a funcionalidades essenciais, que direciona para a
ideia de uma propriedade dever, isto é, de implementação da função social por parte dos proprietários, ante
a escassez de bens para muitas pessoas. E, ao mesmo tempo, a propriedade é faculdade, pois há ampla
maleabilidade ao proprietário em relação à maneira que ele irá praticar suas prerrogativas dominiais, que,
como visto, devem guardar consonância com os valores do ordenamento jurídico.
E a função social da propriedade permite o acesso aos bens de que modo? O proprietário que não
promove a função social da propriedade, vai perder sua propriedade e permitir que quem a exerce tenha
acesso àquele bem.
Com efeito, representativas dessas perspectivas do regime da propriedade são as suas hipóteses de
perda. Senão vejamos.
O artigo 1.275 dispõe que “[a]lém das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade: I - por
alienação; II - pela renúncia; III - por abandono; IV - por perecimento da coisa; V - por desapropriação; pela
desapropriação”.
Frise-se que esse dispositivo não é taxativo, mas só perde a propriedade nas situações em que a lei prever.
Isto é, a autonomia privada não pode estabelecer uma forma de perda da propriedade.
Ab initio, pode-se distinguir as causas de perda da propriedade em dois grandes grupos: as chamadas
causas voluntárias de perda da propriedade, que são aquelas que decorrem da vontade do seu titular, como
a alienação, a renúncia e o abandono; e as chamadas causas não voluntárias de perda da propriedade, como
o que acontece no perecimento da coisa e na desapropriação. A usucapião, já vista, também é involuntária,
assim como a acessão (será tratada no tópico subsequente).
Quanto aos modos voluntários, temos a alienação, aqui entendida em sentido amplo, gratuita (doação,
por exemplo) ou onerosa (compra e venda, por exemplo).
Determina o parágrafo único do art. 1.275 do CC que, no caso de alienação, a perda da propriedade ocorre
com o registro do título translativo, que é, ordinariamente, o contrato de compra e venda ou o contrato de
doação, no RGI. Nesse mesmo sentido, também os atos de renúncia somente terão efeitos da perda da
propriedade quando submetidos a registro.
Há dois lados da moeda: se a pessoa vende seu apartamento para alguém este sujeito só vai adquirir a
propriedade quando o contrato de compra e venda for registrado no RGI. Concomitantemente, a pessoa que
aliena só perderá a propriedade quando esse contrato for registrado no cartório. A aquisição da propriedade
ocorre no exato momento da perda da propriedade.
Já na renúncia, o indivíduo simplesmente abre mão do seu direito, despindo-se daquelas prerrogativas
que antes possuía. Ocorre que na renúncia da propriedade, isso não se dá em benefício de ninguém (na
doação sim).
Como se faz a renúncia à propriedade imóvel? Havia muita discussão, mas o art. 108 do CC deixa claro
também como deve ser feita essa renúncia. Primeiro, há de se registrar o ato renunciativo no RGI; não basta
falar que não quer mais o terreno. A forma específica é de escritura pública:
Art. 108.
Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à
constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta
vezes o maior salário mínimo vigente no País.
O abandono, por sua vez, é uma dificuldade natural, porque a grande diferença para a renúncia é que
nesta há a manifestação expressa e inequívoca de vontade que se verifica com o registro desse ato
renunciativo no RGI. Ocorre que o abandono não se dá por meio de uma manifestação expressa de vontade.
Ele decorre, sim, da verificação material da intenção do proprietário de se despojar da coisa. Então, no
abandono tem-se a extinção de atos de posse. O proprietário deixa de praticar atos de posse em relação
àquela propriedade e manifesta de forma tácita a intenção de abandonar.
O que é essa intenção de abandonar? Como se verifica essa intenção de abandonar em relação a uma
propriedade imóvel? É difícil porque, como já visto, o direito de propriedade em si abarca a faculdade de
usar e não usar. Se o proprietário pode não usar o seu imóvel, quando que esse não uso vai indicar a intenção
de abandonar, se o não uso também é uma faculdade inerente ao domínio?
1.1 Cessação de atos de posse pelo proprietário: posse direta e indireta. Logo, se conserva a posse
indireta, não há cessação de posse.
1.3 Não ter do outro lado alguém exercendo posse. Do contrário, fala-se em aquisição da posse por este
que está exercendo-a, e não em abandono; trabalha-se com a usucapião, ou com outro mecanismo de perda
da propriedade. Para o abandono, ninguém pode estar exercendo a posse.
Art. 1.276, § 2º - Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os
atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.
Esse parágrafo estabeleceu um critério para a identificação dessa intenção do sujeito de abandonar a
propriedade. Ele estabelece uma presunção iuris et de iure (absoluta), que não admite prova em contrário.
Se o sujeito permanece morando no imóvel, não há abandono. Assim, cessados os atos de posse, deixar o
proprietário de satisfazer os ônus fiscais. O sujeito, além de cessar os atos de posse, ou seja, não morar mais,
ele para de pagar os impostos, IPTU, ITR (propriedade rural).
Essa presunção absoluta no caso de não pagamento de impostos pode gerar algumas dificuldades.
Se o sujeito para de pagar os impostos, ele deveria procurar a municipalidade para de alguma forma tentar
renegociar a dívida ou fazer algum acordo, a fim de proteger a propriedade. Se ele não exerce os atos de
posse, para de pagar e não procura a municipalidade, é um forte indicativo de abandono. Mas há muitos
autores que afirmam que esse parágrafo é inconstitucional sob o argumento de que ele importa em confisco.
Isso porque, sem o devido processo legal, o proprietário perderia sumariamente a sua propriedade.
Afirma-se também que na desapropriação, que é um instituto por meio do qual o poder público pode
expropriar, com o devido processo legal, há o pagamento de indenização. E na usucapião que também é
forma pela qual o proprietário perde a propriedade, porque cessa atos de posse, também existe de alguma
forma o devido processo legal, pois o sujeito tem a possibilidade de se defender no processo dessa alegação
de usucapião. No abandono do parágrafo 2º mencionado, tudo acontece à revelia do proprietário, bastante
cessar os atos de posse e parar de pagar os impostos para a presunção absoluta de abandono.
No abandono, quem vai adquirir a propriedade é o município e há uma presunção de que ele, imbuído
sempre da intenção de atender o interesse público, dará uma destinação a esse imóvel condizente com o
interesse social e, portanto, o poder público mais do que ninguém deve atender à função social da
propriedade. Na usucapião há um interesse privado. No abandono, porém, verifica-se um interesse público.
2. Procedimentais:
Art. 1.276.
O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e
que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à
propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.
§ 1o O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem
vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.
Com a declaração do bem abandonado, isto é, com os elementos substanciais (cessação dos atos de posse
+ suspensão do pagamento dos impostos), o poder público pode arrecadar este bem declarando-o vago.
Uma vez arrecadado, ele fica declarado vago sob custódia do poder público por 3 (três) anos. Neste período,
o poder público ainda não é dono, não adquiriu a propriedade... O bem é vago. Ele já foi abandonado, já saiu
da titularidade do particular, mas não entrou na titularidade do poder público, tendo este apenas custódia
do bem para que ele não fique se deteriorando.
O poder público deve comunicar esta arrecadação ao proprietário e, se ele permanecer omisso e deixar
transcorrer os três anos após a arrecadação, o bem se incorpora ao patrimônio do Município ou do Distrito
Federal, se for imóvel urbano, ou ao patrimônio da União, se for imóvel rural.
Esses elementos procedimentais são necessários para que o bem seja incorporado ao patrimônio de
poder público.
Portanto, não há um prazo para se caracterizar o abandono pelo não pagamento do imposto, não há um
lapso temporal especificado na legislação. O abandono se dá antes da arrecadação. Esses três anos são
necessários para o bem ser incorporado no patrimônio do poder público.
É uma incongruência, pois o abandono é caracterizado com os elementos substanciais. Então, houve o
abandono, o poder público arrecada, declara o bem vago e três anos depois ele adquire. Mas ele tem que
comunicar o proprietário desta arrecadação, que pode, dentro desses três anos, aparecer e impedir essa
aquisição por parte do Município. Se para arrecadar precisa do abandono, que é perda da propriedade, mas
durante esse prazo ele pode impedir a aquisição a propriedade pelo poder público, o que está acontecendo
nesse período?
O abandono liberatório é a única forma de o proprietário se livrar dos ônus fiscais. A pessoa não pagou e
não paga mais.
O problema foi que não havia ainda prazo para essas pessoas usucapirem o bem, e sob a égide do Código
Civil anterior, o prazo de usucapião era muito maior. Não havia também o Estatuto da Cidade com a previsão
da usucapião coletiva por 5 (cinco) anos. Então, a forma de tutelar essas pessoas foi caracterizar o abandono
por parte dos proprietários do terreno.
Assim, foi configurado o abandono para impedir a reivindicação por parte dos proprietários.
Nos bens imóveis, isso é um pouco mais complexo porque o máximo que dá para falar é em perecimento
da acessão. Ou seja, se eu tenho uma casa construída num terreno e um terremoto derruba a casa, deixa de
haver a acessão, mas eu continuo proprietária do terreno.
Se cai um meteoro em cima do terreno, nesse caso talvez seja possível pensarmos numa hipótese de
perecimento do bem imóvel de forma ampla. Se cai um prédio, por exemplo, os proprietários permanecem
sendo proprietários de uma fração do terreno. Apenas houve perecimento do apartamento enquanto
unidade autônoma. Então, é mais difícil se pensar numa hipótese de perecimento do bem imóvel, que cause
a parda da propriedade, mas de bem móvel é muito mais simples.
Para que haja a perda da propriedade por desapropriação, é necessário que o Poder Público faça um
decreto expropriatório, no qual ele é obrigado a indicar a razão da desapropriação. Nesse decreto, deve-se
dizer se a expropriação está acontecendo por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social. E
deve indicar qual é essa utilidade, necessidade ou interesse. Ex. O Estado vai desapropriar para construir
uma ciclovia, hospital, escola; poder público precisa passar com o metrô naquele terreno etc.
Neste contexto, há duas discussões interessantes: O primeiro diz respeito à desapropriação por interesse
social, que se dá, normalmente, quando o proprietário não usa a sua propriedade, ou seja, quando ele não
exerce a função social da propriedade. Mas, como já vimos, não basta o mero não uso da propriedade, haja
vista que o não uso está abarcado dentro da faculdade de usar (usar e não usar). Então, o que precisa ser
investigado é em que situações o não uso deixa de merecer a proteção por parte do ordenamento?
Isso depende do tipo de propriedade que estejamos tratando. Cuidando-se de uma propriedade rural,
temos em razão da questão fundiária no Brasil, que é gravíssima, sobretudo o critério da improdutividade.
O imóvel rural improdutivo é suscetível de desapropriação, ou seja, o não uso do imóvel rural, concomitante
com a improdutividade enseja a desapropriação por interesse social. Em relação ao imóvel urbano, há um
passo a passo para que esse não uso enseje a desapropriação. Se o proprietário tem um terreno urbano que
não usa, nunca foi edificado, não são pagos os impostos, a primeira coisa que o Poder público/município
pode fazer é estabelecer a edificação compulsória. O Município, como já visto em tópico antecedente, avisa
que o proprietário deve construir ali e dá um prazo para que edifique sobre aquele terreno.
Se o proprietário continua inerte, não usando a propriedade, o Poder Público sobe um degrau nos seus
instrumentos de coerção e passa a aplicar o imposto territorial progressivo, isto é, passa a incidir o IPTU
progressivo. Atingindo o teto máximo do instrumento, sem que o sujeito tenha construído, o Estado passa a
poder desapropriar.
Então, tem que passar por esse passo a passo. Mas, como estamos falando de desapropriação, mesmo
assim o sujeito vai receber uma indenização.
Então, o não uso deixa de ser tutelado, resguardando ainda um resquício de tutela, que é a indenização.
Em relação à desapropriação por necessidade ou utilidade pública, em que, por exemplo, o sujeito
desapropria para construir escola, para passar uma rodovia, construir hospital etc., o que acontece se ele
não realiza aquela finalidade declarada no decreto expropriatório? Isso sempre foi objeto de uma
controvérsia gigantesca, tanto no âmbito do direito administrativo, quando no âmbito do direito Civil.
O entendimento que se tem hoje é que ele pode até não dar aquela destinação declarada no decreto,
mas ele tem que dar uma destinação pública. Exemplo: No decreto expropriatório, o Poder Público havia
declarado que a finalidade era construir uma escola, mas construiu um hospital, então não tem problema,
pois foi dada uma destinação pública.
Se ele não dá uma destinação pública, pode o proprietário fazer alguma coisa, aplica-se o art. 519 do CC.
Art. 519.
Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino
para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de
preferência, pelo preço atual da coisa.
Vejam que ele tem apenas um direito de preferência ou perempção legal para recomprar a coisa pelo
preço atual; não é pelo preço que ele recebeu na expropriação, mas quanto vale hoje.
Percebe-se, pois, que os mecanismos de perda da propriedade são, passo contínuo, instrumentos que
podem operacionalizar o acesso a bens fundamentais.
7. ACESSÕES E BENFEITORIAS.
As acessões são acréscimos em uma coisa (aumento de volume de uma propriedade). Constituem modo
originário de aquisição de propriedade.
Ordinariamente, as acessões se submetem à teoria da gravitação jurídica, de forma que a coisa acrescida
pertence, normalmente, ao proprietário da coisa principal.
As acessões podem ser naturais ou artificiais (humanas). Estas são as construções ou plantações. Já
aquelas são a avulsão, aluvião, álveo abandonado e formação de ilhas.
Art. 1.248.
A acessão pode dar-se: I - por formação de ilhas; II - por aluvião; III - por avulsão; IV - por abandono de álveo; V
- por plantações ou construções.
➢ Avulsão
É o desprendimento abrupto e repentino de terras. Ex: desabamento de terra. O proprietário que perdeu
o pedaço de terra tem prazo decadencial de um ano para reclamar a avulsão. O proprietário acrescido pode
optar entre indenizar ou restituir, se possível, o prejudicado.
➢ Aluvião.
É o desprendimento lento e gradual de terras. Nesse caso, o proprietário prejudicado não tem direito a
qualquer ressarcimento, pois poderia ter evitado a aluvião, já que esta ocorre lenta e gradualmente.
Tartuce enxerga dois tipos de aluvião: A) aluvião própria – acréscimo de terras às margens de um curso
de água, de forma lenta e imperceptível; depósitos naturais ou desvios das águas. Esses acréscimos
pertencem aos donos dos terrenos marginais, seguindo a regra de que o acessório segue o principal. Pode-
se dizer que na aluvião própria a terra vem; e B) aluvião imprópria – as partes descobertas pelo afastamento
das águas de um curso são assim denominadas, hipótese em que a água vai, ou seja, do rio que vai embora.
➢ Formação de ilhas.
É o acréscimo de terras em meio às águas. As ilhas formadas em mares ou rios navegáveis pertencem à
União. Já as ilhas formadas em águas “particulares” pertencem aos proprietários ribeirinhos respectivos, na
proporção de suas testadas.
➢ Abandono de álveo.
Álveo é a área ordinariamente encoberta pelas águas do rio. O álveo é abandonado quando o rio seca. O
álveo abandonado é acrescido pelo proprietário ribeirinho correspondente, na proporção de sua testada.
Mesmo em caso de rio navegável, o álveo abandonado pertence ao proprietário ribeirinho, pois a União só
é proprietária do rio, e não do álveo.
➢ Acessão humana.
Desde o Direito Romano, sempre se aplicou o brocardo superficies solo cedit (aquele que constrói ou
planta em solo alheio perde a titularidade sobre tais construções ou plantações em detrimento do
proprietário do terreno - gravitação jurídica). Esta máxima está consagrada no art. 1.255, caput, do CC.
Art. 1.255.
Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas
e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.
Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de
boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada
judicialmente, se não houver acordo.
O CC atual trouxe duas exceções a tal brocardo: a) o art. 1.255, p.ú., que contempla a acessão invertida
(quem planta ou constrói em solo alheio adquire a propriedade do solo, desde que tenha agido de boa-fé e
que a construção ou plantação exceda consideravelmente o valor do terreno); e b) o direito de superfície,
no qual haverá duas titularidades paralelas: uma do solo e outra da superfície.
Cuidado para não confundir acessões com benfeitorias. Alguns autores apontam um critério quantitativo,
porém, o professor Cristiano Chaves diz que o melhor critério é o finalístico: se o acréscimo tem uma
finalidade específica em relação à coisa principal, é benfeitoria; se o acréscimo não tem função específica, é
acessão. Essa diferença é meramente doutrinária, pois, sob o ponto de vista prático, tanto as acessões como
as benfeitorias são bens acessórios, não havendo diferença de regimes jurídicos. Contudo, a regra de
inversão da gravitação é apenas para as acessões, nunca para as benfeitorias.
Com efeito, a acessão é uma forma de aquisição da propriedade tanto móvel quanto imóvel, e ela decorre
do fato de haver junção física de uma coisa à outra coisa. Nós tínhamos, originalmente, dois bens, duas coisas
autônomas, independentes, separadas, que, em razão de algum fenômeno específico – que pode ser um
fenômeno natural ou atividade humana –, juntaram-se e passaram a ser consideradas uma coisa. Daí, temos
que investigar quem será o dono da coisa nova que se formou a partir da união de dois bens inicialmente
distintos, logo, o estudo da acessão é a atribuição da propriedade desse bem novo que se formou a partir da
união desses dois bens originalmente autônomos, e de quem será, portanto, a propriedade dessa coisa nova.
Quais são os requisitos para a aquisição da propriedade por meio da acessão? Primeiro: que haja a união
entre duas coisas distintas, duas coisas independentes individualizadas; segundo: que uma delas seja
acessória da outra, no sentido de que uma é coisa principal e a outra é a coisa que acede, a coisa que se une
a essa coisa principal. O terceiro requisito é que essa união se dê forma indissolúvel, que não seja possível
separá-las mais, até porque, se for possível separá-las, cada titular conserva sua propriedade sobre a parte
que originalmente lhe cabia. O quarto e último requisito, que é possível deduzir desse estudo, é que os bens
originais têm que pertencer a titulares diferentes. Falar em aquisição de um bem por alguém só é possível
se esse alguém não for titular daquele bem originariamente, vez que só teremos aquisição de propriedade
por acessão quando o titular da coisa chamada principal não seja titular da coisa chamada acessória porque,
se o for, a união das duas coisas não gerará a aquisição da propriedade, porque ele já é titular das duas
coisas. É indispensável para aquisição por acessão que essas duas coisas sejam titularizadas por pessoas
diferentes.
Como visto, temos a acessão natural, que se dá por força da natureza, sem intervenção da atividade
humana; e temos a chamada acessão artificial, que acontece sobretudo a partir da atuação humana. A
acessão natural é de coisa imóvel que se junta a coisa imóvel, ou seja, um imóvel acede à outro imóvel; a
artificial é de uma coisa móvel que se junta a uma coisa imóvel e passa a ser, portanto, um bem imóvel único.
Como foi dito, um dos requisitos da acessão é que as coisas sejam titularizadas por pessoas diferentes. E
por que a coisa nova tem que ser atribuída a um desses titulares? Porque temos, no direito real, a chamada
indivisibilidade ou unicidade do domínio.
Alguns autores dizem que na acessão, a aquisição da propriedade por essa pessoa a quem vamos atribuir
a propriedade do todo se dá de forma instantânea, ou seja, no exato momento da união material entre essas
duas coisas. Isto não é verdade, porque há algumas situações em que a aquisição é instantânea, sim, basta
a união das duas coisas, a união material e física das duas coisas para que o titular de uma delas se torne
titular da coisa inteira, mas nem sempre isto acontece. Já vimos que há situações em que essa aquisição
requer o decurso de um certo tempo, ou requer uma indenização por parte do proprietário a quem se atribui
a propriedade em favor daquele que perde a propriedade da coisa. Então, nem sempre é um aquisição
instantânea, por vezes, dependerá de outros requisitos que, apenas quando forem preenchidos, gerarão a
aquisição da propriedade.
Essa aquisição é perpétua, como perpétuo é o direito de propriedade. O direito de propriedade tende a
ser perpétuo, ele não é limitado no tempo. E aqui, como temos a formação de uma nova propriedade, o
sujeito que adquire a propriedade desse bem que acede ao seu bem, ele adquire de forma perpétua também,
ele se torna um titular como era antes deste outro bem juntar-se fisicamente a sua propriedade, ou seja,
não há uma limitação temporal para esta titularidade que surge a partir da acessão. É uma aquisição de
propriedade sem limitação temporal.
A primeira hipótese de acessão é a natural, aquela que decorre naturalmente, decorre da força da
natureza. E temos diversas possibilidades de acessão natural. A primeira delas é a chamada de formação de
ilhas. Aqui, temos um certo problema interpretativo, por isso vamos ao artigo 1.249 do CC:
Art. 1.249.
As ilhas que se formarem em correntes comuns ou particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos
fronteiros, observadas as regras seguintes.
Qual o problema aqui? O caput trata de “correntes comuns ou particulares pertencem aos proprietários
ribeirinhos”. O grande problema é que existe uma controvérsia enorme, sobretudo pelos ambientalistas,
segundo a qual não há mais, hoje, águas privadas, correntes privadas. Se analisarmos na Constituição Federal
a quem pertencem as águas navegáveis, não navegáveis etc., pelo que se pode depreender desta leitura, do
Código de Águas e do Código Civil, seriam águas particulares aquelas que não fossem navegáveis. Entendeu
o legislador que as águas que não são navegáveis, que não servem para transporte de pessoas e coisas, são
águas que não têm grande interesse público, de modo que o proprietário do terreno que fica em frente
àquelas águas também seria proprietário delas e poderia, portanto, impedir qualquer um de utilizar, de
passar por lá.
Contudo, os ambientalistas têm sustentado que, hoje em dia, não é mais possível falar em águas
particulares. Hoje, entendem que todas as águas seriam águas públicas. Muito se falado sobre os bens
comuns, que são aqueles bens que têm uma relevância social bastante considerável e que, por causa disso,
nenhuma pessoa poderia se apropriar desses bens, eles deveriam ser utilizados por toda a sociedade, de
modo que o uso de um não atrapalhe o uso do outro.
Os bens comuns são uma categoria de bens que está sendo estudada de forma bastante profunda na
Itália, e no Brasil também. Então, começa-se a falar que todas as águas são bens comuns e não pode ser
usada de forma exclusiva por algum particular.
Por que essa controvérsia é importante? Porque se não houver águas particulares, se todas as águas são
comuns, as ilhas que surgirem nessas águas também serão ilhas públicas e não particulares. A grande
distinção do nosso legislador é essa: se a ilha surge numa corrente particular essa ilha pertencerá ao
proprietário ribeirinho. Vamos ao artigo 24 do Código de Águas:
Art. 24.
As ilhas ou ilhotas, que se formarem, pelo desdobramento de um novo braço de corrente, pertencem aos
proprietários dos terrenos, a custa dos quais se formaram.
Parágrafo único. Se a corrente, porém, é navegável ou flutuável, eles poderão entrar para o domínio público,
mediante prévia indenização.
Art. 1.249.
As ilhas que se formarem em correntes comuns ou particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos
fronteiros, observadas as regras seguintes:
I - as que se formarem no meio do rio consideram-se acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros
de ambas as margens, na proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais;
O que é álveo? É a margem do rio. Então, quando a ilha se forma no meio do rio, como se atribui a
propriedade? “Acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na
proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais” . Há uma propriedade A,
uma B e uma C e, de repente, surge uma ilha. Como dividiremos? Metade do álveo, na proporção da testada
– testada é a frente de cada terreno –. Então, essa parte da ilha pertence a C, essa parte pertence a B e a
outra a A. Divide-se o rio ao meio e se projeta a frente do terreno de cada margem sobre a ilha.
II - as que se formarem entre a referida linha e uma das margens consideram-se acréscimos aos terrenos
ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado.
Nesse caso, proprietários serão só os proprietários da margem na qual surgiu a ilha, e projeta-se da mesma
forma a testada das propriedades, uma parte é do A e outra parte é do B.
III - as que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio continuam a pertencer aos proprietários
dos terrenos à custa dos quais se constituíram.
Imaginem, nesse caso, que o rio abre um novo braço, e segue por ele. De um lado fica o terreno do B,
após fica o rio e, mais à frente, formou-se um novo braço de rio. Então, as ilhas que vierem a se formar aqui
serão exclusivamente do proprietário B.
O artigo 24 do Código de Águas complementa esse inciso III e diz que, se esse braço de rio for navegável,
isso será um rio público. Logo, o Poder Público também seria dono dessas ilhas, mas teria que indenizar o
proprietário, uma vez que esse rio é navegável e será utilizado pela coletividade. Então, o particular tem que
ser indenizado para que essas ilhas também se tornem domínio público.
Então, em todas essas hipóteses de acessão natural por formação de ilha, se tem a aquisição instantânea
da propriedade. Basta o surgimento da ilha para que os proprietários A, B, C e D se tornem proprietários
dessas partes das ilhas. Aqui, o legislador não exigiu nenhum outro requisito específico para a aquisição dessa
propriedade. Ela é, portanto, instantânea, no exato momento em que nasce a ilha, o proprietário do terreno
ribeirinho, nas proporções que foram analisadas, torna-se também proprietário dessas ilhas.
A segunda forma de aquisição da propriedade por acessão natural é o chamado aluvião. Vamos ao artigo
1.250 do Código:
Art. 1.250.
Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens
das correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização.
A aluvião se distingue da avulsão pelo trecho "sucessiva e imperceptivelmente". O que acontece é que se
tem um rio e o sujeito tem a sua propriedade à beira. Esse é um rio caudaloso, que tem uma corrente forte
e, de forma sucessiva e imperceptivelmente, bem devagar, ao longo de anos – muitas vezes –, ele vai
trazendo sedimentos que começam a se acumular bem na margem dessa propriedade. Esse acúmulo não
será perceptível inicialmente, mas, ao longo de mais alguns anos se percebe que, na verdade, a margem
desse terreno já não é mais a originária, já se formou até uma praia.
Ao longo dos anos, o depósito de areia, de sedimentos, acabou somando a este terreno uma porção de
terra, de propriedade. E o proprietário do terreno A adquire esta porção de terreno também de forma
instantânea, sem necessidade de indenização, independentemente de onde tenha saído esses sedimentos,
pois certamente saíram do terreno de alguém. Às vezes, esse depósito acaba, por alguma questão do curso
do rio, depositado no terreno, mas não há como saber de onde saiu, pois isso ocorre de forma sucessiva e
imperceptível ao longo de muitos anos.
Logo, não é possível saber de onde saiu cada porção desta terra que foi depositada, o proprietário A
adquire a propriedade deste acréscimo, independentemente de indenização a quem quer que seja, porque
não é possível identificar de onde veio. Então, na aluvião tem-se a aquisição da propriedade de forma
imediata independentemente de indenização.
Parágrafo único. O terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-se-á
entre eles, na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem.
Art. 1.251.
Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono
deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em um
ano, ninguém houver reclamado.
Imaginem que, em um dia, acontece uma chuvarada e desce uma tromba d’água da cabeceira do rio com
tanta força que o rio suprime uma parte do terreno B, que se desprende inteira, se projeta e gruda ao terreno
A. Vejam, trata-se de força natural, porque estamos diante de acessão natural. Ninguém foi lá retirou essa
terra e jogou lá. Além de natural é violenta, no aluvião era de forma imperceptível, paulatina. Aqui, é de
forma violenta e uma porção inteira de terra, se destaca de um terreno e se acopla no outro. Então, é possível
identificar de onde saiu essa porção de terra, dá para saber quem é o proprietário prejudicado.
Qual é a regra aqui? O A vai adquirir essa propriedade? Depende, há duas opções aqui. Primeiro, ele só
vai adquirir se indenizar o proprietário B. O A tem o direito potestativo de escolher se ele devolve essa porção
de terra – e então vai vir com escavadeiras para trazer essa terra de volta, de modo a aterrar o terreno B de
novo –, ou se prefere adquirir a propriedade desta porção de terra indenizando o B por isso. Então, é um
direito potestativo do A e o B não pode exigir uma dessas opções. O A escolhe se ele quer ficar com a
propriedade dessa terra que se juntou violentamente ao seu terreno, ou se ele quer devolver essa terra ao
B e, portanto, não adquire propriedade nenhuma. Então, para fechar o raciocínio, essa aquisição não é
instantânea, ela depende da indenização. Ele só vai adquirir, nesse nosso caso, se o B reclama imediatamente
o A só vai adquirir a propriedade se ele indenizar o B.
1. É direito potestativo do A escolher dentro desse 1 ano se quer devolver ou indenizar, pois para que
ele adquira a propriedade ele tem que indenizar;
2. Ultrapassado esse prazo de 1 ano ele adquire a propriedade sem necessidade de indenização, e este
é um prazo decadencial. Todos sabem que prazos decadenciais não se interrompem e também não se
suspendem.
Parágrafo único. Recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a porção de
terra deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida.
Art. 1.252.
O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham
indenização os donos dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios
marginais se estendem até o meio do álveo.
Esta é a situação do rio que secou. “Álveo” é o curso do rio, álveo abandonado é o leito do rio que secou,
isso ocorre muito no Nordeste. Nesse caso, é o rio que secou definitivamente, para sempre. Então, a
propriedade desse leito do rio vai ser atribuída à acessão natural dos proprietários dos terrenos ribeirinhos,
naquela mesma proporção vista em relação às ilhas.
Dessa forma, havia um rio que deixou de existir. Divide-se o álveo ao meio e projeta-se as testadas (divisão
entre a propriedade A e B) até o meio. Vejam:
A aquisição aqui é instantânea, imediata, e não há necessidade de nenhum requisito, seja temporal ou
indenizatório. Contudo, isso não acontece quando o rio seca temporariamente. Não é essa situação, aqui é
um rio que secou definitivamente e os proprietários ribeirinhos adquirem a propriedade daquela parte pela
qual passava o rio e agora não passa mais.
A acessão artificial é a aquisição da propriedade a partir da atuação humana. Aqui, alguém constrói em
terreno alheio ou então o próprio proprietário do terreno constrói o seu terreno com material alheio. Isso
possui uma aplicação prática fundamental, sobretudo em construções de grande vulto, quando a construtora
constrói o edifício tomando parte do terreno do vizinho. Isso não é raro de acontecer e serão vistos os
diversos fatores envolvidos.
Art. 1.253.
Toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e à sua custa, até que
se prove o contrário.
Essa é a regra geral: tudo que é construído sobre um bem imóvel, um terreno, presume-se ser do
proprietário do terreno. Então, se alguém levanta um edifício, ou uma casa, ou uma cerca ou se faz uma
plantação em certo terreno, a presunção é de aquela plantação será propriedade do dono do terreno. Essa
é a regra mais básica da acessão. Essas construções e plantações acedem ao terreno e se incorporam à
propriedade imóvel do dono do terreno. Contudo, há exceções que serão logo vistas.
Primeiramente, o terreno, o bem imóvel. Em segundo lugar, a atuação humana. Em terceiro lugar, as
matérias primas. Ou seja, sementes ou material para construção. Então, se tem uma atuação humana sobre
um terreno com sementes ou materiais de construções.
(i) Alguém pode construir ou cultivar, em terreno próprio, com material próprio. Aqui, não há um conflito,
e se aplica a regra geral da acessão. O dono do terreno é o dono também das construções.
(ii) Alguém constrói ou cultiva em terreno alheio com material próprio. Por exemplo, eu plano café no
terreno do vizinho, eu construo minha casa e além disso, avanço dez centímetros do terreno do vizinho.
Como isso será resolvido, quem irá adquirir a propriedade de quem? Eu vou adquirir a propriedade do
terreno, ou o vizinho a propriedade das minhas plantações, ou vai adquirir a propriedade da minha
construção? Aqui, se tem uma série de questões para analisar. Por exemplo, a boa ou má-fé do sujeito que
estava construindo, ou seja, se ele sabia ou não que estava invadindo o terreno alheio; a proporção dessa
invasão, se essa invasão é muito grande ou pequena. Tudo isso tem que ser analisado para verificar quem
irá adquirir qual propriedade.
(iii) Alguém constrói ou planta em terreno alheio com material alheio. Ou seja, eu planto café no terreno
do vizinho com semente do outro vizinho.
(iv) Alguém, ao construir terreno próprio, invade o terreno contíguo. Essa é a hipótese parecida com a
hipótese (ii), mas nela é exclusivamente no terreno próprio. Na hipótese (iv), o sujeito constrói e cultiva no
dele mas invade o terreno do vizinho.
Art. 1.254.
Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a
propriedade destes; mas fica obrigado a pagar-lhes o valor, além de responder por perdas e danos, se agiu de
má-fé.
Então, o sujeito, no seu próprio terreno, planta usando sementes do vizinho ou constrói usando as telhas
que estavam no terreno do vizinho. A regra aqui é que o bem móvel vai aceder ao bem imóvel. O proprietário
do bem imóvel vai adquirir a propriedade do bem móvel que se incorporou ao seu imóvel.
Mas, aqui, vai haver indenização, que pode ser calculada de duas formas diferentes. Digamos que eu
tenha uma fazenda e a fazenda do vizinho fica ao meu lado, nós dois plantamos café. Eu encomendei
sementes de café e o fornecedor das sementes de café deixou os sacos na frente das nossas fazendas. Como
eu tinha encomendado as sementes, eu peguei as sementes e plantei. Contudo, descobri que B havia
encomendado também, e quem deixou as sementes foi o fornecedor do B, e não o meu fornecedor. Assim,
eu plantei com a semente do B e eu estava de boa-fé. Nessa situação, eu irei adquirir propriedade das
sementes, tudo que foi adquirido ali vai ser propriedade minha e eu terei que indenizar o B somente pelo
preço das sementes.
Agora, se eu estiver de má-fé, se eu não tiver encomendado semente nenhuma, chego e vejo que o
fornecedor de B deixou sementes, eu esqueci de encomendar sementes e está na época de plantar, não
daria tempo de encomendar; eu pego a semente do B e planto. O B ficará sem sementes e perderá a época
da plantação, perderá essa safra, e eu agi de má-fé. Eu terei que pagar não só o valor dessas sementes, mas
também terei que indenizar perdas e danos.
No primeiro caso, ainda que ele perca a possibilidade de plantar, porque não conseguiu encomendar
novas sementes e não conseguiu cultivar a terra nessa época, eu não tenho que indenizar os danos, só
indenizar as sementes, porque agi de boa-fé. O que se tem aqui é a tutela compensatória no primeiro caso,
em que o sujeito age de boa-fé, e a tutela indenizatória se ele age de má-fé: além de restituir o valor das
sementes, ele tem que indenizar também as perdas e danos.
Próxima hipótese: alguém constrói ou cultiva em terreno alheio com material próprio (item ii). Planta-se
com as próprias sementes de café no terreno do vizinho. Ou então se constrói no terreno do vizinho, isso
pode acontecer até aqui na área urbana, embora seja mais comum na área rural, sobretudo quando não se
tem as demarcações com cercas e muros.
Art. 1.255.
Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas
e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.
É a regra geral: bem móvel que acede ao imóvel passa a ser propriedade do titular do bem imóvel. É a
regra geral da acessão. Pensemos em um loteamento enorme, eu comprei a parte X e no RGI diz que comprei
a parte X. Mas eu fui o primeiro a comprar e achei que comprei a parte Y. Então, eu construo a minha casa
na parte Y. Mas essa parte Y já havia sido adquirida por alguém. Aplica-se a regra do 1.255: o proprietário da
parte Y vai adquirir a parte da minha construção. Assim também será se eu plantar café no terreno do vizinho
porque foi destruída a cerca que havia ali, e eu já não sabia o que é meu e o que é dele, acabo achando que
é meu, construo, planto e o meu vizinho vai adquirir a propriedade disso. Mas, como agi de boa-fé nessas
duas hipóteses, o proprietário do terreno Y terá que me indenizar daquela construção.
Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de
boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada
judicialmente, se não houver acordo.
A isso chamamos de acessão invertida. Invertida porque a regra é que o proprietário do solo adquira tudo
que se incorpora no solo. Neste caso, se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do
terreno, o proprietário da construção vai adquirir a propriedade do terreno, por isso dizemos que este é um
caso de acessão invertida. Então, se o que foi construído é uma casa, por exemplo, e essa casa vale mais do
que o terreno, não é o proprietário que irá adquirir a casa, mas sim o proprietário da construção que irá
adquirir o terreno. Para isso, o valor da construção deve exceder consideravelmente o valor do terreno.
Vamos supor que seja um terreno em frente à praia, de um valor altíssimo e alguém constrói uma casa
simples, neste caso, não irá adquirir o terreno, obviamente, pois o valor da construção deve exceder
consideravelmente o valor do terreno. Se for construída uma mansão, cujo valor exceda consideravelmente
o valor do terreno, ele irá adquirir o terreno, mas este caso só se aplica se a pessoa agir de boa-fé, porque
se agir de má-fé, ou seja, a pessoa sabia que o terreno não era dela e resolveu construir naquele terreno
uma mansão que excedesse consideravelmente o valor do terreno para adquirir o terreno, ela não irá
adquirir o terreno. Por exemplo, uma pessoa quer comprar um terreno em frente à praia e faz uma proposta
ao proprietário do terreno, contudo, este não tem a intenção de vender e a pessoa inconformada, constrói
uma mansão no terreno que exceda o valor dele para que apenas indenize o proprietário do terreno, de
forma planejada.
Então, para que haja uma acessão invertida é necessário que se tenha boa-fé. Caso a pessoa tenha agido
de má-fé, irá se aplicar a regra geral da acessão, ou seja, o proprietário do solo irá adquirir tudo que sobre
este se construa e, neste caso, quem construiu de má-fé não terá nem direito à indenização. Mesmo quando
a pessoa age de boa-fé e perde e propriedade da casa para o proprietário do terreno, só será indenizado se
agiu de boa-fé. Então, no caso descrito acima, a pessoa “meteu os pés pelas mãos”, porque, além de não
adquirir o terreno, irá perder a propriedade da casa sem indenização, sem ressarcimento nenhum. Isto se dá
porque a regra é que tudo que se constrói sobre o terreno é do proprietário do terreno.
Art. 1.256.
Se de ambas as partes houve má-fé, adquirirá o proprietário as sementes, plantas e construções, devendo
ressarcir o valor das acessões.
Parágrafo único. Presume-se má-fé no proprietário, quando o trabalho de construção, ou lavoura, se fez em sua
presença e sem impugnação sua.
Como assim má-fé? A pessoa “A” foi lá e começou a construir no terreno do vizinho. Voltamos ao caso em
que a pessoa queria comprar o terreno em frente à praia. O sujeito B (proprietário do terreno) viu que o A
começou a construir no seu terreno e, como já tinha estudado direitos reais, ficou quieto. Assim, o B pensou:
“A está achando que irá adquirir a propriedade do terreno, mas quem irá adquirir a propriedade da casa sou
eu, pois ele está agindo de má-fé, então, irei ficar quieto, irei deixar ele construir e irei adquirir a propriedade
da casa dele”. Então, ambos estão de má-fé, e o artigo diz que “adquirirá o proprietário as sementes, plantas
e construções, devendo ressarcir o valor das acessões”. Neste caso, se ambos estão de má-fé, mantém-se a
regra geral, de que o proprietário do terreno é proprietário também de tudo que se constrói e se planta
sobre seu imóvel.
Em relação ao parágrafo único, se encaixa exatamente o exemplo que foi dado, o sujeito B viu que o A
estava construindo ali, então presume-se a má-fé. A má-fé dupla chama a aplicação da regra geral.
Vamos à terceira hipótese: alguém constrói em terreno alheio, com material alheio (item iii).
Art. 1.257.
O disposto no artigo antecedente aplica-se ao caso de não pertencerem as sementes, plantas ou materiais a
quem de boa-fé os empregou em solo alheio.
Parágrafo único. O proprietário das sementes, plantas ou materiais poderá cobrar do proprietário do solo a
indenização devida, quando não puder havê-la do plantador ou construtor.
Então, mesmo que a pessoa aja de boa-fé, se a pessoa planta ou constrói no terreno alheio, com material
alheio, quem adquire a propriedade da plantação ou da construção é o proprietário do terreno.
Na situação do parágrafo único, as sementes ou materiais utilizados para construção são de uma terceira
pessoa. Então, uma pessoa planta com as sementes de uma outra pessoa, no terreno de um terceiro. Neste
caso, o legislador previu uma responsabilidade subsidiária do proprietário do terreno. Subsidiária porque diz
o parágrafo único que ele só poderá cobrar do proprietário do terreno se quem plantou ou construiu não
puder indenizar. Assim, primeiro irá cobrar de quem construiu ou plantou, e, caso esta pessoa não possa
indenizar, poderá cobrar do dono do terreno.
O legislador pensou que, na realidade prática da vida, muitas vezes quem planta é o lavrador, que tem
poucos recursos e que planta no terreno do vizinho. Então, o legislador, querendo proteger a vítima, que é
o dono das sementes, de um possível não ressarcimento por parte do lavrador humilde, estabeleceu uma
responsabilidade subsidiária do dono do terreno, até para evitar o enriquecimento sem causa do mesmo.
Se o terceiro, dono do material, cobrar de quem plantou, quem plantou, como agiu de boa-fé, poderá ser
indenizado pelo dono do terreno, podendo regredir ao dono do terreno o valor dessas sementes. Se o
proprietário das sementes for o construtor, irá se aplicar os artigos que já foram vistos, arts. 1.254 a 1.256.
Quarta situação: alguém, ao construir em terreno próprio, invade terreno alheio contíguo (item iv). Ou
seja, a pessoa planta e constrói no seu próprio terreno, mas esta plantação ou construção invade o terreno
do vizinho. Neste caso, irá se analisar (i) se a pessoa estava de boa ou má-fé de quem plantou ou construiu;
e (ii) a fração do terreno invadida.
Se a pessoa está de boa-fé e, por exemplo, constrói um edifício, faz uma incorporação imobiliária e invade
uma parte do terreno do vizinho.
Art. 1.258.
Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em proporção não superior à vigésima
parte deste, adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção
exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente, também, valor da área perdida e a
desvalorização da área remanescente.
Parágrafo único. Pagando em décuplo as perdas e danos previstos neste artigo, o construtor de má-fé adquire a
propriedade da parte do solo que invadiu, se em proporção à vigésima parte deste e o valor da construção
exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a
construção.
Então, a pessoa constrói no seu terreno e invade menos da vigésima parte (1/20) do terreno alheio. Neste
caso, haverá novamente a acessão invertida, pois o construtor de boa-fé irá adquirir a parte invadida, não é
o proprietário do terreno que irá adquirir. Ou seja, a construtora irá adquirir a propriedade desta faixa de
terra e deverá pagar a indenização correspondente desta faixa de terra, bem como a desvalorização do
terreno alheio, tendo em vista a perda desta faixa de terra.
No caso do parágrafo único, se o sujeito estiver de má-fé, será necessário saber se ele invadiu mais da
vigésima parte, se invadiu mais, não terá jeito, terá que demolir.
Mas, e se invadiu menos do que a vigésima parte e o valor da construção excede consideravelmente o
valor desta parte que foi invadida e não é possível demolir sem grave dano à construção principal? Nesse
caso, a primeira coisa que se deve observar é se invadiu mais ou menos da vigésima parte, tendo invadido
menos, continuaremos a analisar. Ainda que tenha invadido menos, a construção excede um valor
considerável da faixa do terreno invadida? Excede. Aqui, o legislador adotou um critério econômico, porque
não é economicamente interessante determinar a demolição de uma construção com valor grande, para
reconhecer ao proprietário do terreno a propriedade sobre esta faixa de terra. Então, excedendo-se
consideravelmente o valor desta parte do terreno e se não puder se demolir a faixa invasora sem causar
grande prejuízo. Vejam que são critérios cumulativos.
Se o que foi construído na faixa de terreno alheio exceder consideravelmente o valor do terreno, mas
sendo possível demolir essa parte da construção sem interferir no prédio, exemplo: vamos supor que tenha
se construído ali a raia de uma piscina moderna, cujo valor excede consideravelmente o valor da parte deste
terreno. Neste caso, o sujeito não irá adquirir a propriedade desta faixa de terra, pois é possível destruir a
piscina sem prejuízo do resto da construção, pois neste caso a pessoa estava de má-fé.
Assim, para adquirir esta propriedade, (i) não se poderá ultrapassar a vigésima parte do terreno invadido;
(ii) esta construção deve exceder consideravelmente o valor daquela terra invadida; e (iii) não pode ser
possível a demolição desta parte invadida sem prejuízo do restante da construção. O invasor só irá adquirir
esta faixa de terra se todos estes requisitos forem acumulados e mediante indenização de 10x as perdas e
danos previstas no caput, que são aquelas previstas para o construtor de boa-fé, que são: o valor da faixa de
terra indevida, mais a desvalorização do terreno. Então, irá se calcular este montante, faixa de terreno
invadida e desvalorização do terreno e irá se multiplicar por 10, que é o que o construtor de má-fé terá que
indenizar.
Repontuando... estamos vendo como se dá a disciplina do conflito entre vizinhos. É preciso verificar se
ele está de boa ou má-fé e o quanto ele invade o terreno do vizinho. O último artigo sobre esse tema é
justamente o 1.259 que diz o seguinte:
Art. 1.259.
Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio exceder a vigésima parte deste, adquire a
propriedade da parte do solo invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão
acrescer à construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é
obrigado a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro.
Então, vejam, se ele está de boa-fé e ele invade mais do que a vigésima parte, ainda assim ele adquire a
propriedade. Qual é a diferença para a situação em que ele invade menos do que a vigésima parte, estando
de boa-fé? Vamos recuperar o artigo anterior, o art. 1.258:
Art. 1.258.
Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em proporção não superior à vigésima
parte deste, adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção
exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente, também, o valor da área perdida e a
desvalorização da área remanescente.
Ele só adquire a propriedade da parte invadida se o valor da construção exceder o dessa parte. No art.
1.259, o legislador nada fala sobre o valor da construção excedendo o terreno, ele sempre adquire estando
de boa-fé, mas você tem aqui uma diferença no que tange à indenização. Aqui, a indenização corresponde a
que valor? O valor da área invadida, a desvalorização da área remanescente mais o valor que a invasão
acrescenta à construção. Na situação em que ele invade menos do que a vigésima parte, a indenização só se
refere à parte do solo invadido e a desvalorização da área remanescente, não abarcando o valor que a
construção acrescenta à propriedade, a forma de cálculo da indenização é diferente. Ele adquire sempre a
propriedade pelo art. 1.259 estando de boa-fé, mas o valor da indenização é mais gravoso para o construtor
de boa-fé.
Se ele está de má-fé, ele é sempre obrigado a demolir, se invade mais do que a vigésima parte, é obrigado
a demolir o que ele construiu, pagando as despesas e danos apurados, que serão devidos em dobro,
independentemente do valor da construção. Lembremos que, no artigo anterior, no parágrafo único, diz-se
que ele adquire a propriedade do solo invadido, se a construção excede consideravelmente o valor da parte
invadida que puder ser demolido sem grave prejuízo para a construção.
Então, estando de má-fé, ele pode adquirir a propriedade se ele invade menos do que a vigésima parte e
há a presença desses outros requisitos. Agora, se ele invade mais do que a vigésima parte, ele nunca poderá
adquirir a propriedade e terá que demolir a construção independentemente se o seu valor ser considerado
bem superior ao da área invadida, independentemente se a sua demolição causar prejuízo ao resto da
construção.
Por fim, nós temos dois parágrafos no art. 1.228 que suscitam muita controvérsia na nossa doutrina. Diz
o parágrafo quarto:
Art. 1.228.
O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer
que injustamente a possua ou detenha.
§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na
posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela
houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social
e econômico relevante.
§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço,
valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
Esses parágrafos 4º e 5º são objeto de inúmeras controvérsias e inúmeras críticas. Qual é a natureza
jurídica desse instituto, do que estamos tratando nesses parágrafos? Há autores que entendem que isso é
uma espécie de desapropriação. Não parece, no entanto, ser este o melhor entendimento. Porque, em
primeiro lugar, a desapropriação é um ato do poder público, que interfere na propriedade privada,
desapropriando-a com a finalidade de interesse público e de utilidade pública, mas é um ato que parte do
poder público, que indeniza, com o dinheiro dos cofres públicos, o proprietário expropriado.
Nesse instituto do qual estamos tratando, não temos um ato do poder público, nós temos a ocupação de
uma extensa área por um número considerável de pessoas, que realizam nessa extensa área obras e serviços
considerados de interesse social e econômico. Então, não é um ato que decorre da atuação do poder público.
Um segundo argumento contrário de que esse dispositivo seria uma espécie de desapropriação seria o
referente à indenização. Nós temos lá no parágrafo 5º a informação segundo a qual o juiz fixará a justa
indenização devida ao proprietário. Apesar das inúmeras controvérsias que existem sobre quem deve pagar
essa justa indenização, o entendimento que tem prevalecido é aquele segundo o qual quem paga são essas
pessoas que adquirem essa propriedade, não é o poder público quem arca com essa indenização, é aquele
conjunto de pessoas que realizou, nessa extensa área, essas obras e serviços, que detêm a posse dessa
extensa área.
Então, essas duas características desse instituto, não é um ato do poder público e quem paga essa
indenização não é o poder público, mas essas pessoas que ocupam essa área, afastam essa natureza jurídica
de desapropriação. De que estaríamos tratando então nesses parágrafos 4º e 5º? O Prof. Pablo Rentería,
afirma que temos aí uma espécie de acessão invertida. Nós acabamos de ver é uma espécie de aquisição da
propriedade, móvel ou imóvel.
Nós vimos que, de regra, o proprietário do bem imóvel adquire a propriedade de tudo o que é construído
no bem imóvel. O dono do imóvel adquire a propriedade do que nele se incorpora. Essa é a regra da acessão,
tudo o que acede ao imóvel é adquirido pelo proprietário do imóvel. Nós vimos algumas situações em que
ocorre o contrário, nós chamamos de acessão invertida. Lembram-se que vimos quando alguém constrói em
terreno alheio, de boa-fé, e essa construção excede o valor do terreno. Isso chamamos de acessão invertida,
porque é uma exceção à regra, porque nesse caso não é o proprietário do solo que adquirirá a propriedade
da casa construída, é o proprietário da casa construída que adquirirá a propriedade do solo. É uma acessão
invertida quando o proprietário da acessão, da construção adquire a propriedade do solo.
É isso o que acontece aqui, nós temos uma acessão invertida. As pessoas que realizam as obras e serviços
de interesse social e econômico é que vão adquirir a propriedade dessa extensa área. E por que isso é uma
acessão invertida social? Porque esses dispositivos têm endereço certo, só faltou o legislador colocar o nome,
que isso é dirigido às favelas, às comunidades carentes, esse é o destino desses dispositivos. O objetivo aqui
é regularizar a situação fundiária de inúmeras comunidades carentes que são erguidas, erigidas em terrenos
particulares e que ali se consolidam ao longo dos anos.
Então, segundo o entendimento do Prof. Pablo Rentería, com o qual eu concordo e com o qual o Prof.
Gustavo Tepedino concorda também, nós temos aqui uma acessão social invertida.
Vamos tratar um pouco desses diversos requisitos presentes nesses parágrafos 4º e 5º. Como vocês já
devem ter percebido, nós temos diversos conceitos jurídicos indeterminados aqui, o que dificulta demais a
aplicação desse instituto. Vejam só, o proprietário poderá ser privado da coisa (estamos tratando de perda
da propriedade pelo proprietário da coisa, pelo seu titular) se o imóvel reivindicado (normalmente esse
instituto aparece como? se o proprietário fez uma ação reivindicatória diante dessas pessoas e, como forma
de defesa, essas pessoas alegam essa acessão social invertida) consistir extensa área (o que é uma extensa
área? nosso primeiro problema) na posse ininterrupta e de boa-fé (nosso segundo requisito, tudo bem, isso
aqui, já resolvemos o que é posse ininterrupta e de boa-fé) por mais de 5 anos (nosso requisito temporal) de
considerável número de pessoas (o que é um considerável número de pessoas? 5, 10, 100, 200 pessoas) que
nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz (vejam
aqui a discricionariedade judicial, o que não é arbitrariedade, todo juiz tem a chamada discricionariedade
interpretativa, das várias possibilidades de interpretação de um texto, ele vai extrair a norma que melhor
regula o caso concreto, isso faz parte da discricionariedade judicial, então esta não é arbitrariedade) de
interesse social e relevante (então só no caso concreto que o juiz vai densificar esse conteúdo, vai identificar,
preencher o conteúdo desse conceito jurídico aqui).
Então, vejam, nós temos diversas dificuldades: o que é essa extensa área, o que é um número considerável
de pessoas e o que são obras e serviços de interesse social e econômico relevante. E o nosso outro problema
está no parágrafo quinto: o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário. Por que isso é um
problema? Se estamos tratando de uma extensa área, ocupada por pessoas carentes.
Prof. Anderson Schreiber escreveu um texto sobre esses parágrafos e disse que nós temos aí um
“ornitorrinco jurídico”, porque é um instituto completamente inaplicável em razão dessas diversas
dificuldades que o legislador previu. Nesse texto, o professor entende que esse parágrafo 5º é
inconstitucional, porque nós temos no Estatuto da Cidade a chamada usucapião coletiva, que admite a
aquisição por usucapião, sem pagamento de indenização por parte dos possuidores.
O Prof. Anderson fala o seguinte: se nós temos lá no Estatuto da Cidade o instituto da usucapião coletiva
o mesmo prazo sem pagamento de indenização, não terá sentido aqui nos parágrafos 4º e 5º do Código Civil
o legislador, também em razão da posse de boa-fé, presentes esses outros requisitos, exigir o pagamento de
indenização pelo proprietário. Então, para ele, esse parágrafo 5º é inconstitucional, não deveria ser exigida
a presença desses requisitos e mais o pagamento dessa indenização. Ele sustenta a inconstitucionalidade
desse parágrafo 5º.
Fato é que não foi declarada a sua inconstitucionalidade, cabendo a nós lidarmos com ele. A primeira
dificuldade desse parágrafo 5º, além dessa discussão sobre a sua constitucionalidade ou não: como esse
grupo considerável de pessoas carentes que ocupa essa extensa área terá dinheiro para pagar essa
indenização? Já vimos que não será o Estado que paga, porque não é desapropriação, é instituto de direito
privado. Estamos tratando de uma extensa área, não é um terreninho.
Segundo problema: o que é uma justa indenização? É o valor do terreno da extensa área? Que valor? O
valor de hoje? Isso aqui não vale nada hoje. Quanto vale uma área ocupada por 100 famílias carentes? Se
você for analisar a justa indenização pelo valor de mercado dessa extensa área hoje ocupada por esse
conjunto considerável de pessoas que realizou obras de considerável valor econômico e social e que ocupa
há 5 anos com posse ininterrupta e de boa-fé, não vale nada essa extensa área.
O que se afirma é que essa indenização seria o valor dessa extensa área antes da ocupação, o que também
é incongruente, porque você está privilegiando a inércia do proprietário, que ficou 5 anos sentado sem nada
fazer e vem agora receber a indenização no valor daquele terreno que ele tinha como se ele não tivesse sido
ocupado. Parece que há um certo prêmio a esse proprietário desidioso e é sabido que o Direito não socorre
quem não corre atrás dos seus direitos. O sujeito está há pelo menos 5 anos sem fazer nada porque para
essa galera ter esse direito aqui eles têm que estar a pelo menos 5 anos ininterruptos. O indivíduo ficou 5
anos na inércia. Eles estão há 5 anos de boa-fé ininterruptos na posse desse terreno e realizando essas obras
ostensivamente, está todo mundo vendo. Não era uma família, era um número considerável de pessoas.
Então o que é a justa indenização?
Por isso que o Anderson Schreiber chama corretamente de “ornitorrinco jurídico”. Tem um bico do pato,
tem um corpo de foca, é um bicho esquisito. Mas fato é que ele está aí e tem que ser dada uma interpretação
que dê o mínimo de aplicabilidade a esse instituto. Parece correto entendê-lo como uma acessão social
invertida e não como uma forma de desapropriação e não como uma usucapião. Por que isso não é
usucapião? Por causa do § 5º tem pagamento de indenização, essa pessoa paga indenização.
Veja, então, que as acessões representam meio de aquisição da propriedade imóvel, as benfeitorias não;
As acessões podem ser naturais ou físicas; as naturais constam do art. 1248, I a IV e as físicas no inciso V. As
naturais resultam de eventos naturais, enquanto as físicas resultam da atuação humana. Já as benfeitorias,
art. 97, decorrem necessariamente da intervenção humana, e o art. 97 fala em intervenção do proprietário,
possuidor e detentor – isso gera até certa discussão; pelo art. 97 só é melhoria se decorre de um deles.
Em relação às construções, tem-se que resultam da intervenção humana. A doutrina já construiu a ideia
de que as construções representam a edificação de algo novo, ao passo em que as benfeitorias representam
melhoramento ou acréscimo sobre algo pré-existente.
Exemplo: tenho um terreno cru e levanto 05 suítes, então é construção; se tenho uma casa com 04 quartos
e faço mais um, é benfeitoria.
Em relação à construção temos regra específica (art. 1255, caput), então a rigor não aplicaríamos o art.
1219 que trata de benfeitorias.
Art. 1.255.
Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas
e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.
Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de
boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada
judicialmente, se não houver acordo.
Art. 1.219.
O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às
voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer
o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.
Naquele artigo o legislador consagra o direito de indenização para o possuidor de boa-fé, mas não prevê
o direito de retenção para a construção. A questão é delicada porque direito de retenção não se presume,
porque é resquício de autotutela. Mas vejam que teríamos aqui uma contradição insuperável: se o possuidor
de boa-fé faz um banheiro ele teria direito de retenção; se faz uma casa inteira não teria. É uma situação que
chama atenção porque é a única hipótese em que o STJ admite direito de retenção por analogia em
homenagem à harmonia do sistema.
Há quem defenda que a indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis não é absoluta. É necessário se
aferir no caso concreto o efetivo aproveitamento pelo proprietário. Imaginem que num local extremamente
rico e valorizado o possuidor de boa-fé tenha feito uma construção muito pequena e extremamente rústica
e incompatível com a localidade. E fica claro e evidente que o proprietário não irá se beneficiar daquela
benfeitoria. Há quem defenda que nesses casos não é cabível a indenização, pois não haveria enriquecimento
sem causa.
No mesmo art. 1219, em relação às benfeitorias voluptuárias, o legislador diz que se elas não forem
indenizadas ele pode levantá-las. Então, a princípio, o CC não prevê meio de o possuidor constranger a ser
indenizado (a lei não impõe ao proprietário a obrigação de indenizar).
O CC diz que o possuidor de boa-fé não pode levantar se esse levantamento atinge a substância do bem.
TEPEDINO diz que, na realidade, pode desde que o possuidor se comprometa a reparar os danos causados
pelo levantamento.
Posição dominante: direito real. Vejam que o direito de retenção recai sobre a coisa e mais, é oponível
erga omnes. Vejam que se alguém compra um bem que vem sendo objeto de retenção o comprador
sucumbe diante do direito de retenção. O retentor poderá se valer de tutela possessória, inclusive, em face
de adquirentes do bem.
Mas seria direito real sem registro aqui? Porque o direito de retenção não é passível de registro. Muitos
criticam essa corrente dizendo que não tem registro. Então, como é que vai se dar a oponibilidade erga
omnes sem a publicidade necessária? Aqui nós aplicaríamos a parte final do art. 1.227 do CC. É possível que
tenhamos direitos reais sobre imóveis independentemente de registro. É uma exceção, mas é possível.
2ª corrente (CHAVES): posição minoritária, no sentido de que estamos aqui diante de um direito
obrigacional sui generis. Isso porque o direito de retenção recai sobre a coisa, tem oponibilidade erga omnes,
mas seria direito obrigacional, porque o direito de retenção não está elencado no art. 1.225 do CC – traz o
rol dos direitos reais e esse rol seria taxativo.
Em relação ao possuidor de má-fé temos o art. 1.220, que diz que só tem direito a ser indenizado por
benfeitorias necessárias, e mesmo assim sem direito de retenção. O dispositivo diz, ainda, que o possuidor
de má fé não pode levantar as benfeitorias voluptuárias.
Art. 1.220.
Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de
retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.
Uma questão que o artigo não enfrenta é se pode o possuidor de má fé levantar as benfeitorias úteis? (a
indenização nitidamente não cabe).
2ª CORRENTE (TEPEDINO): não pode levantar, a uma porque o art. 1220 define os direitos do possuidor
de má fé, e o rol é taxativo; a duas, a alegação de enriquecimento sem causa nem sempre é válida porque
nem sempre aquelas benfeitorias úteis serão aproveitadas pelo proprietário ou possuidor.
Há uma posição do CAIO MÁRIO de que só se justifica essa impossibilidade de levantamento das
benfeitorias voluptuárias se houver prejuízo à substância do bem. É nítido que o objetivo da regra é punir o
possuidor de má-fé. Só que nessa de punir o possuidor de má-fé, a aplicação cega do dispositivo pode gerar
enriquecimento sem causa do proprietário (posição minoritária).
Art. 1.222.
O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu
valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual.
Art. 1222 do CC: esse artigo aparentemente confere uma proteção ao possuidor de boa-fé. O CC aqui
prevê dois parâmetros: o “valor atual” e o “custo”. Tem duas correntes para interpretar essas expressões:
1ª corrente: quando a lei fala em “valor atual” significa o custo atual, ou seja, quanto o sujeito gastaria
para fazer a benfeitoria hoje. E a expressão “custo” seria o custo histórico com correção monetária (quanto
o sujeito gastou lá trás com correção monetária).
Consequência prática da adoção da 2ª corrente: a regra estaria punindo o possuidor de boa-fé, porque o
reflexo da valorização aqui é inferior ao “custo” da benfeitoria realizada.
Essas regras que estamos vendo são regras gerais e como toda regra geral, cedem diante de regras
especiais. O que mais chama atenção aqui é o art. 35 da Lei 8.245/91 (lei de locação). As benfeitorias úteis
só são indenizáveis se tiverem sido anteriormente autorizadas. O legislador foi mais rigoroso, já que o
locatário sabe que tem a obrigação de restituir, ele sabe que está fazendo benfeitoria em um bem que não
lhe pertence. É muito diferente da sistemática do possuidor de boa-fé, que ignora o vício, isto é, faz
benfeitoria em um imóvel que supõe que te pertence. Essa sistemática do art. 35 se parece muito com a
sistemática da retrovenda do art. 505, CC (no pacto de retrovenda aquele que vende tem o direito
potestativo de readquirir o bem, então aquele que adquire o bem com direito de retrovenda tem
propriedade resolúvel; o art. 505 diz que ele só tem direito a ser indenizado por benfeitorias úteis se teve
autorização).
Vale a pena enfrentar o seguinte. O art. 35 da lei de locações começa dizendo “salvo expressa disposição
contratual em contrário”, ou seja, a regra é dispositiva. Com base nisto foi editada a súmula 335 do STJ. Será
que isso vale para benfeitoria necessária?
É discutível; muitos afirmam que não por conta do enriquecimento sem causa. A súmula não seria
aplicável no caso de benfeitoria necessária. Outra discussão é se a súmula se aplica em contrato de adesão,
por força do art. 424, CC. Há quem refute a aplicação do art. 424 neste caso dizendo que a sistemática da
locação se submete à legislação específica, até mesmo pelo que diz o art. 2.036. Esse argumento de que o
art. 424 não se aplica à lei de locações por ser lei especial não é um argumento insuperável, é discutível. Pelo
dialogo de fontes podemos projetar o que há da regra geral para especial e vice-versa. TEPEDINO e
ANDERSON SCHREIBER costumam dizer que esse diálogo não fica à mercê da criatividade do interprete para
mitigar a lógica da especialidade. O que justifica o diálogo é a existência de um valor constitucionalmente
tutelado, isto é, se uma determinada regra está imbuída de um valor constitucionalmente tutelado, fica à
mercê de ser aplicada em outras situações que não apenas aquelas que ali contempladas.