Serra Antologiadoromancefolhetim

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Tania Rebelo Costa Serra

Antologia do
romance-folhetim
(ítyprô/o)
Tania Rebelo Costa Serra
nasceu no Rio de Janeiro a 10 de
outubro de 1950. Começou seus
estudos universitários na Sor­
bonne, em Paris, em 1968.
Voltando ao Brasil, licenciou-
se em língua e literatura bra­
sileira, portuguesa e francesa e
defendeu sua tese de mestrado
em 1982. Tendo completado seu
curso de doutorado na New
York University, em 1986, le­
ciona literatura brasileira na
Universidade de Brasília, onde
faz parte do quadro permanente.
A professora é membro da
Academia Brasiliense de Letras e
está presentemente trabalhando
numa segunda antologia de ro-
mances-folhetins, que trará o
texto integral de dez romances
brasileiros inéditos, publicados
apenas em jornais e revistas li­
terárias entre os anos de 1830 e
1859.
ANTOLOGIA DO ROMANCE-FOLHETIM
(1839 a 1870)
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Reitor
João Claudio Todorov

Vice-Reitor
Erico Paulo Siegmar Weidle

Editora Universidade de Brasília

Diretor
Alexandre Lima

Conselho Editorial
Presidente
Emanuel Araújo

Alexandre Lima
Álvaro Tamayo
Aryon DallTgna Rodrigues
Dourimar Nunes de Moura
Emanuel Araújo
Euridice Carvalho de Sardinha Ferro
Lúcio Benedito Reno Salomon
Marcel Auguste Dardenne
Sylvia Ficher
Vilma de Mendonça Figueiredo
Volnei Garrafa
Tania Rebelo Costa Serra

Antologia do romance-folhetim
(1839 a 1870)

EDITORA

UnB
Direitos exclusivos para esta edição:
EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
SCS Q. 02 — Bloco C — N9 78 — Ed. OK — 29 andar
70300-500 — Brasília — DF
Fax: (061)225-5611

Copyright © 1997 by Tania Rebelo Costa Serra

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser


armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem a autorização por
escrito da Editora.

Impresso no Brasil

Supervisão editorial
Aírton Lugarinho
Preparação de originais
Fatima Rejane de Meneses
Revisão
Fatima Rejane de Meneses e Yana Palankof
Editoração eletrônica
Elias Saldanha Nunes
Capa
Maurício Borges
Supervisão gráfica
Elmano Rodrigues Pinheiro

ISBN: 85-230-0473-4

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central


da Universidade de Brasília

Serra, Tania Rebelo Costa


Antologia do romance-folhetim: (1839 a 1870) / Tania Re­
belo Costa Serra — Brasília : Editora Universidade de Brasília,
1997.
245p.

1. Romance-folhetim - literatura. 2. Literatura - antologia. I.


Título.
CDU 869.0(81)
087.65(81)
Para Diana Bemardes
in memo riam

Para Tiago e Miguel


Agradecimentos

Gostaria, agora, de tecer alguns agradecimentos. Mais uma


vez, e espero que por muitos anos ainda por vir, à Seção de Docu­
mentação e Pesquisa da Biblioteca Nacional. As suas dedicadas
pesquisadoras, o meu fraterno agradecimento. A Plínio Doyle, meu
querido amigo nonagenário, que, desta vez, mandou microfilmar
para mim três romances saídos no Ostensor Brasileiro, obrigada
por existir. Os meus agradecimentos, também, a Rosângela Ran­
gel, da Fundação Casa de Rui Barbosa, pela presteza ao microfil­
mar o que pedimos. Ao CNPq, por ter-me dado a oportunidade
financeira de empreender a pesquisa que resultou nesta antologia.
A meu irmão André Rebelo Costa, o mágico da computação, pela
formatação e tudo o mais relativo à paginação do trabalho original.
À minha chefe no Departamento de Teoria Literária e Literaturas
do Instituto de Letras da Universidade de Brasília, professora Hil­
da Orquídea Hartmann Lontra, pelo apoio total e irrestrito a este
projeto e pela sua compreensão quanto à redução do número de
minhas horas-aula no segundo semestre de 1996, a fim de poder
dedicar-me mais integralmente à digitação dos textos desta antolo­
gia. À minha eterna amiga, Maria da Conceição, sempre tão com­
panheira. E last, but not least, a meu marido, Sergio Barbosa Serra,
pelos conselhos sempre úteis e por aceitar dividir-me com os fo­
lhetins do século XIX, paixão arrebatadora. A todos o meu muito
obrigada.
Sumário

Introdução crítica, 11

Precursores
João Manuel Pereira da Silva, 31
O ANIVERSÁRIO DE DOM MIGUEL EM 1828 (ROMANCE HIS­
TÓRICO), 32
JUSTINIANO JOSÉ DA ROCHA, 57
OS ASSASSINOS MISTERIOSOS OU A PAIXÃO DOS DIAMANTES
(NOVELA HISTÓRICA), 58
Domingos José Gonçalves de Magalhães, 79
Amância (romance), 80
CONSOLIDADORES
Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa, 111
O FILHO DO PESCADOR (ROMANCE), 112
Joaquim Norberto de Sousa e Silva, 119
Maria, ou vinte anos depois (romance brasiliense), 120
Januário Garcia ou as sete orelhas (romance), 142
Joaquim Manuel de Macedo, 149
voragem, 150
Nina, 167
Apêndice
Lucas José de Alvarenga, 175
Statira e Zoroastes (novela), 176
Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, 185
Heróides de Olímpia e herculano, jovens brasileiros; ou o
TRIUNFO CONJUGAL, 186
José Higino Sodré Pereira da Nóbrega, 197
Os ASSASSINOS E O ADULTÉRIO, 198

Bibliografias
Bibliografia concisa do folhetim francês no Brasil, 209
Bibliografia da ficção brasileira (1826-1870), 213
Bibliografia de apoio, 231
Introdução crítica

O que é de gosto regala a vida.


Marlyse Meyer, Folhetim: uma história

Em 1968, enquanto a França se via convulsionada por uma


profunda revolta estudantil e operária, Christian Zimmer começa a
recolher dados para publicar (entre 1978 e 1984) o livro Le retour
de la fiction (A volta da ficção; ficção aqui entendida como sinô­
nimo de imaginação). Talvez por coincidência, enquanto nos mu­
ros da cidade eram pichadas frases como “1’imagination au pou-
voir!” (“a imaginação ao poder!”), Zimmer pensava, baseado na
observação de filmes feitos naqueles últimos anos, que se podería
falar, naquele momento, de um “declínio do político” e de um
“renascimento do espiritual, uma vingança do sagrado” (p. 17).
Essa revanche do sagrado implicaria uma regressão do racional e
uma conseqüente superativação do simbólico: “le plaisir contre le
sens: c’est là, au fond, la substance secrète du discours hédoniste
sur le thème du ‘retour de la fiction’” (“o prazer contra o sentido:
está aí, no fundo, a substância secreta do discurso hedonista sobre
o tema da ‘volta da ficção’”, p. 21).
Zimmer vai dizer em seu livro que, nos povos antigos, é na
imaginação coletiva que se pode encontrar a explicação da realida­
de, por meio da utilização dos mitos. Seria, pois, no imaginário
coletivo (ou no inconsciente coletivo da humanidade, para usar as
palavras de Jung citadas pelo autor) que ficariam depositadas in­
formações imemoriais sobre o real — e como lidar com ele —, as
quais não só não desaparecem como também emergem com toda a
12 Tania Rebelo Costa Serra

força em determinados períodos históricos, como este conturbado


fim de século e de milênio. Um corolário dessa afirmação é o de
que, acompanhando o registro do imaginário, vem a capacidade de
modificar o real pela arte da evasão, que nada mais seria do que a
tentativa de compensar o homem de suas frustrações, pela volta a
um estado de ordem e de bem-estar.
Prazer e bem-estar, eis as palavras mágicas que estão por trás
do conceito de evasão e, portanto, do de romance-folhetim, con­
forme se verá mais adiante. Se concordássemos com Zimmer e
identificássemos no atual momento histórico um período de priori­
zação da ficção, poderiamos concluir que os momentos históricos
de grande tensão social trazem embutidos em si a necessidade do
divertimento e do prazer, “produtos” veiculados principalmente
pela evasão.
Qual seria, portanto, o interesse de uma antologia do romance-
folhetim brasileiro do século XIX para o público do século XX?
Por que se verifica um interesse tão grande pelo gênero em nossos
dias? Por que a publicação de grande número de trabalhos acadê­
micos sobre o assunto? Evidentemente, o tópico “folhetim” está na
crista da onda. Estamos passando por um período histórico extre­
mamente conturbado, que traria em si a necessidade de compensa­
ção psíquica pelo imaginário/evasão, que regularizaria as incerte­
zas trazidas por um dia-a-dia estressante e cheio de dúvidas; que
proporia um estado de cosmos a uma situação de caos. O estudo do
passado, assim, ajudaria a compreender o presente.
Naturalmente, não se pode esquecer o interesse didático que
uma tal antologia representaria, especialmente para o público uni­
versitário. Por não existir nenhuma outra publicada — temos duas
antologias do conto romântico —, este trabalho pretende resgatar
um momento de nossa história literária e trazer à luz textos que
nunca foram publicados neste século; que jaziam quietamente nas
prateleiras da Biblioteca Nacional, esperando para serem lembrados.
Se examinarmos os períodos literários desde a Antigüidade
Clássica até o final do século XIX, verificaremos haver uma osci­
lação entre duas grandes tendências: a da priorização da mimesis
— verificada pelo culto da razão como forma de conhecimento e
da imitatio, a que se podería chamar de “realismo” — e a da prio­
rização da imaginação — que se mostra pelo culto da intuição
Antologia do romance-folhetim brasileiro 13

como forma de conhecimento da realidade e pela utilização da


sensibilidade criativa, a que se chamaria “romantismo”. A “volta
da ficção” correspondería a um momento de priorização do ro­
mantismo, mas não apenas no século XX, como aquela a que se
refere Christian Zimmer, e sim recorrentemente através da Histó­
ria. Outros momentos semelhantes nas culturas ocidentais corres­
ponderíam ao Medievalismo, ao Barroco e, finalmente, ao Roman­
tismo. O romance-folhetim ocorre neste último período histórico-
literário.
Por outro lado, é necessário verificar que a estrutura narrativa
e a temática do que se convencionou chamar de romance-folhetim
datam da Antigüidade Clássica e vêm existindo paralelamente ao
épico desde então. Nos períodos histórico-literários citados acima,
ele aparece com mais pujança, mas não deixa de existir, embora
com menos prestígio, nos outros momentos de priorização do rea­
lismo. Vejamos agora quem foi seu antepassado, num breve estudo
diacrônico do gênero.
No seu livro The novel before the novel, Arthur Heiserman
sugere a aparição de uma ficção (aqui entendida como prosa de
ficção) do tipo história romanesca1 já no fim do século III a. C. no
Egito. De qualquer maneira, pode-se inferir que as histórias das
mitologias das primeiras civilizações do mundo antigo tenham
circulado oralmente desde a mais remota Antigüidade. No entanto,
será apenas a partir do mundo grego que se começará a traçar a
história do romance.12 Este seria uma decorrência quase que direta
do tipo de vida urbana que se tinha adotado.
O professor sueco Tomas Hãgg sugere uma cronologia, em
seu livro The novel in Antiquity, em que a história do pensamento
grego pode ser dividida em cinco grandes períodos. Se tomarmos
essas datas como ponto de referência instrumental, vemos surgir a
epopéia no período arcaico. Se a origem desta é oral, Homero vai
fixar essa oralidade criando o poema épico com a Ilíada e a Odis­
séia. Acontece que a matéria da epopéia e a da história romanesca

1 Vide Northrop Frye, Anatomia da crítica, pp. 185 e ss.


2 Em inglês, romance por oposição a novel. O romance é a prosa de ficção total­
mente “inventada”, ou seja, sem tentar basear-se num mito específico ou num
feito histórico, ou mesmo dito histórico; narrativa em que as grandes aventuras,
o amor à primeira vista e a distração aparecem como características principais.
14 Tania Rebelo Costa Serra

são uma e a mesma. Hegel, já no século XIX, vai dizer que o ro­
mance é a epopéia burguesa moderna. Mas basta pensarmos nas
aventuras de Ulisses, tentando voltar para casa, passando por gran­
des perigos e aventuras fantásticas (de vez em quando ajudado
pelos deuses, já que o maravilhoso era um item estrutural obrigató­
rio na epopéia), para identificarmos alguns dos motivos recorrentes
do romance na Antigüidade.
De posse da matéria romanesca, o épico e/ou sua paródia, fal­
tam a esse romance os meios retóricos necessários e o tempo histó­
rico ideal para sua eclosão. Aqueles vão ser criados no período
clássico e este será o da invasão da Pérsia por Alexandre, quando a
cultura ocidental é levada às fronteiras da índia. A fusão de cultu­
ras daí decorrente ocasionará um sincretismo, que embasa o hele-
nismo e que dará margem à criação da prosa de ficção do tipo ro­
manesco.

A estória romanesca é, de todas as formas literárias, a mais pró­


xima do sonho que realiza o desejo. (...) Traduzida em termos
de sonho, a estória romanesca de procura é a busca, por parte da
libido ou do eu que deseja, de uma realização que a livre das
angústias da realidade, mas ainda contenha essa realidade (“O
mythos de verão”, Anatomia da crítica, Northrop Frye, p. 185).

Mas que angústia poderia ter o homem antigo, que vivia em


seu mundo bem organizado culturalmente, onde as perguntas ti­
nham respostas adequadas por intermédio de mitos específicos?
A resposta está diretamente ligada ao processo de urbanização, que
distanciava o homem da terra, da imagem de paraíso e “inventava”
a evasão para substituir a realidade. Não se pode ter certeza sobre a
formação de mecanismos de defesa pela mente humana, como a
utilização da evasão, mas pode-se quase afirmar que, durante o
helenismo, período de bastante instabilidade política, a história
romanceada teve um grande impulso. O professor americano B. E.
Perry, em The ancient romances. A literary-historical account of
their origins, chega a afirmar que aquela época assemelha-se bas­
tante à que estamos vivendo. É possível. Por conseguinte, essa
afirmação serve perfeitamente para embasar essa leitura do con­
ceito estudado, à vista da repetição de determinados fatores sociais.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 15

Enfim, o que esse sincretismo causou de fertilidade à arte, ti­


rou de segurança à sociedade como um todo. De qualquer maneira,
o que nos interessa observar nesse período difícil é que ele gerou o
público necessário para a leitura (em voz alta) dos romances; um
público urbano que sente na carne a perda progressiva da seguran­
ça existente na sociedade fechada em que vivia antes?
Entra-se no período bizantino após o helênico e o romano.
O chamado “romance bizantino” tem aí o seu momento de apogeu,
embora nem sempre bem visto pelas elites. Concomitantemente a
ele surgem as narrativas romanceadas das vidas dos santos, que
tanta importância terão, mais adiante, durante a baixa Idade Média
européia. De qualquer modo, a temática que vai caracterizar o gê­
nero pode ali ser encontrada. Arthur Heiserman, mencionado aci­
ma, declara haver, já nas primeiras cem palavras desses textos,
dezenas de convenções temáticas, como os heróis jovens, bonitos e
ricos; o amor à primeira vista; piratas e bandidos que raptam a
mocinha; fugas; milagres; reconhecimentos extraordinários; peri­
pécias fantásticas, etc., que permitem facilmente reconhecê-las.
Mikhail Bakhtin retoma o estudo do romance grego e bizanti­
no, mencionando também essa questão do amor à primeira vista e
a do divertimento do leitor decorrente das longas peripécias con­
tando as peregrinações dos heróis. No entanto, o conceito principal
com o qual vai lidar é o da carnavalização, baseada na paródia e na
sátira menipéia (Questões de literatura e de estética. A teoria do
romance, pp. 213 e ss.). Os romances assim construídos admitem a
inserção do cômico no épico; a crítica social pelo humor, às vezes
parodiando textos conhecidos; a mistura de discursos. É o caso de

3 Garcia Gual, em Origenes de la novela, traça um quadro cronológico das princi­


pais obras do período: 1 - século II a. C.: Histórias milésias, de Aristides; Uto­
pias de viagens, de Jâmbulo; A vida de Alexandre, anônimo. 2 - século I a. C.:
Nino e Semíramis, aparentemente anônimo. 3 - século I d. C.: As maravilhas de
Tules, de A. Diogenes; Chaereas e Calirhoe, de Chariton; Satíricon, de Petrô-
nio. 4 - século II; Crônicas troianas, de Dares e Dictis; Efesíacas, de Jenofonte
de Efeso; Babilônicas, de Jâmblico; Verdadeira história, de Luciano; O asno de
ouro, de Apuleio; Leucipae Clitofonte, de Aquiles Tácio. 5 - final do século II e
começo do III; Daphnis e Chloé, de Longo; Reconhecimentos, de Pseudo-
Clemente; Apolônio de Tiro, anônimo; Etiópicas e Theágenes e Chlaricléia, de
Heliodoro.
16 Tania Rebelo Costa Serra

Rabelais, por exemplo, no Gargantua e no Pantagruel. Voltaremos


a esse autor mais adiante, quando chegarmos ao período clássico.
Estudando o romance na Idade Média, Paul Zumthor diz, em
A letra e a voz, que

o “romance” surgiu, com efeito, por volta de 1160-1170, na


junção da oralidade e da escritura. Logo de saída colocado por
escrito, transmissível apenas pela leitura, (...), o “romance” re­
cusa a oralidade das tradições antigas, que terminarão, a partir
do século XV, marginalizando-se em “cultura popular”. (...)
Os romances em prosa do século XII, tanto o Lancelot
francês quanto o Tristano italiano ou a Demanda portuguesa,
mostram-se como projeção de um conto, ao mesmo tempo nar­
rador impessoal e fonte do relato. (...) (De qualquer forma)
muitas vezes já foi comentado (que) o “romance” em verso é
feliz, aberto, otimista; o “romance” em prosa tende a acabar em
tragédia. (...) Como nós talvez, em nosso fim de século, nossos
predecessores do século XII, atentos aos sinais de decrepitude
que seu mundo mostrava, experimentavam a necessidade de um
discurso ‘verdadeiro’ sobre sua história, para assegurar-lhe, ao
menos em esperança, os fundamentos. (...).
(No século XIX) os romances de Eugène Sue reutilizam
truques dos cantores de gesta; ainda sob o segundo Império, nos
imóveis parisienses de bairros operários, ocorria que o porteiro
fazia em voz alta a leitura de um folhetim aos locatários reuni­
dos; não há muito tempo, lia-se assim em família. Em nossos
dias, deslocam-se os lugares dessa voz: séries radiofônicas, te­
levisivas e, mais sutilmente, a onipresente revista em quadri­
nhos (...). E de uma cultura de massas que se ergue globalmente
a poesia medieval, e não de uma “literatura” (pp. 265 e ss).

A história romanesca vai evoluindo, assim, com ligeiras


adaptações, de acordo com a cultura e o momento histórico literá­
rio que a abrigam. Uma das formas que vive desde a Antigüidade
até o Classicismo, por exemplo, é a do cronotopo idílico-pastoril,
para utilizar os conceitos de Bakhtin, a quem voltamos a recorrer.
Segundo este autor, volta-se a ele durante o Classicismo (séculos
XVI, XVII e XVIII), com o romance bucólico-pastoril — a meu
ver, este é um filão que perdura até os dias de hoje, metamorfosea-
do no Regionalismo. Como representante dele, aponta-nos a Ga-
Antologia do romance-folhetim brasileiro 17

latéa, de Cervantes,4 romance lido pela heroína de O moço loiro,


do brasileiríssimo Joaquim Manuel de Macedo, no Rio de Janeiro
de 1845.
Uma outra vertente da ficção de divertimento no século XVI
são os romances sentimentais, verdadeiros códigos para o “bom
comportamento” no amor cortês. A rigor, esses romances são uma
continuação da poesia cortês medieval, em que são especificadas
as regras para o comportamento amoroso adequado à corte. Bons
exemplos deles são o português Bemadim Ribeiro, autor de Histó­
ria de menina e moça, e os espanhóis Juan Rodríguez dei Padrón
— Sierbo libre de amor — e Diego de San Pedro — Cárcel de
amor. No Barroco francês voltamos a encontrar resquícios dessa
tradição, com o trabalho de Mlle de Scudéry, La carte du tendre
(O mapa do amor).
Já agora no século XVII, o estudo diacrônico do gênero leva-
nos a encontrar os gigantescos romances barrocos,5 com relação
aos quais a já citada Mlle de Scudéry tem um papel importante.
Encontra-se, também, uma outra variante, a que Bakhtin chama de
“romance de provações”:

o romance grego é uma variante de gênero muito flexível e que


tem enorme força vital. E particularmente viva na história do
romance a idéia da provação como organizadora da composi­
ção. Nós a encontramos nos romances de cavalaria tanto da
baixa como principalmente da alta Idade Média. (...)
Após o Barroco, o significado organizacional da idéia de
provação diminuiu acentuadamente. Mas ela não morre, e
mantém-se como uma das idéias organizacionais do romance
em todas as épocas subseqüentes. Ela se enriquece de variado
conteúdo ideológico e a própria provação conduz freqüente-

4 Outros romances pastorais do século XVI: Arcadia, de Sannazar; Diana, de


Montemayor.
5 Principais romances no Barroco: Astrée, de Honoré d’Urfé; Cleopatra, de Cal-
prenède; Arminius e Thusnelda, de Lohenstein; Artamênis ou O Grande Cyrus e
Clélie, da Mlle de Scudéry; e suas paródias: Le berger extravagant, de Sorel;
Roman comique, de Scarron; Quatrième livre de 1'Enéide Travestie e Le roman
bourgeois, de Furetière; Chant VI de l’Enéide, de Perrault; Ovide en belle hu-
meur, de d’Assoucy; Histoire comique ou voyage à la Lune, de Cyrano de Ber­
gerac.
18 Tania Rebelo Costa Serra

mente a resultados negativos. No século XIX e início do XX


encontramos, por exemplo, tais tipos e variantes da idéia de
provação: está difundido o tipo de provação da vocação da es­
colha e da genialidade. Uma de suas variantes é a provação do
parvenu de Napoleão no romance francês. Outro tipo é a prova­
ção da saúde biológica e da adaptação à vida. Finalmente, os
últimos tipos e variantes da idéia de provação na produção de
romances de baixa qualidade tais como: provação do reforma­
dor moral, do nietzschiano, do amoral, da mulher emancipada,
etc. (p. 231).

Um reforço à idéia bakhtiniana de romance de provação é a de


“romantismos anticapitalistas”, trazida por Michel Lõwy. Segundo
o autor francês, a literatura romântica (século XIX) e a pré-
romântica (século XVIII) são literaturas de crítica ideológica,
mesmo que seja pela forma da evasão. Quando o herói vence as
provações — freqüentemente necessárias ao texto — com as quais
é defrontado, ele está mostrando, por um lado, uma sociedade
doente que precisa ser modificada e, por outro lado, a possibilida­
de de se alcançar a justiça nesta terra. Trata-se da velha idéia de
retorno à ordem primordial, depois de um momento de caos, que,
assim, fica relativizado; da idéia de regulamentação do real, pre­
sente em toda a literatura do gênero, desde a Antigüidade Clássica
até a novela televisiva de hoje em dia, sem que para isso seja es­
quecido o prazer que deve advir dessas leituras.
Estamos agora muito perto, no que se refere à diacronia do
romance-folhetim, da fixação deste gênero na primeira metade do
século XIX. Os aspectos acima abordados serão fundamentais para
sua compreensão, como veremos a seguir. Antes, porém, é neces­
sário, ainda, mencionar os romances de viagem do século XVIII,
receptores da tradição da literatura de viagem do século XVI,
como o anônimo português História trágico-marítima. São esses,
por exemplo, o Robinson Crusoe, de Defoe, ou As viagens de
Gulliver, de Swift. Tampouco é possível deixar de mencionar as
obras paródicas aos romances de aventuras, como o Candide, de
Voltaire. Este conto/romance está para o romance de viagens e de
aventuras assim como o Dom Quixote está para o romance de ca­
valaria. Eles fazem sua paródia e, portanto, canonizam-nos.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 19

Os romances pré-romântico e o romântico, como Paulo e Vir­


gínia (1789), de Bemadin de Saint-Pierre, lidíssimo no nosso Bra­
sil da primeira metade do século XIX, insistem na característica de
provação levantada por Bakhtin, ao mesmo tempo em que
“educam” o leitor, criticando severamente a sociedade moderna,
tomada pela sede do ouro. Coincidentemente, desde meados do
século XVIII, o pêndulo vai oscilar para o romantismo em literatu­
ra e nas artes em geral: observa-se o surgimento de uma prosa de
ficção com tendências à priorização do sentimento e da imagina­
ção; verifica-se a volta triunfal do romance bizantino e sua decor­
rente legitimação pela intelligentsia — Daphnis e Chloé, de Lon­
go, por exemplo, é republicado em fins do século XVIII e sobre ele
Goethe vai-se pronunciar, dizendo ser uma obra-prima da literatura
universal.
Observa-se, também, a criação de uma nova variante do gêne­
ro: trata-se do romance gótico, surgido no âmbito de uma Inglater­
ra em processo acelerado de industrialização, tendo como público
alvo o proletariado urbano, nova classe social que emerge da Re­
volução Industrial — o quatrième état, ao qual Zola se vai referir
um século mais tarde. Um bom exemplo dessa prosa de ficção de
total evasão é O castelo de Otranto, de Horace Walpole, aristo­
crata e membro do Parlamento inglês, que, penso poder-se afirmar,
inicia a literatura de massa na Europa, literatura esta que, em bre­
ve, aparecerá “fatiada” nos periódicos das principais capitais do
mundo ocidental.
Chegamos, finalmente, ao século XIX e, mais precisamente,
ao ano de 1836 na França. Em Paris, o jornalista Émile Girardin
tem uma idéia que se provará genial: a fim de aumentar a venda-
gem de seu jornal, La Presse, pede a alguns romancistas que pu­
bliquem, em capítulos, no seu periódico. Sua intuição prova-se
correta: em um ano, a tiragem do jornal pula de 70.000 para
200.000 exemplares. Utilizando técnica muito próxima do melo­
drama popular — priorização da história trágica, cercada de lágri­
mas, mas que pode admitir, se não um final feliz, pelo menos uma
séria lição de moral —, o romance em folhetim começa a ser devo­
rado pela massa de operários em busca de divertimento para um
dia-a-dia estafante. Conforme verificou Paul Zumthor, é pelo veio
da cultura de massa que o “romance” medieval chega aos séculos
20 Tania Rebelo Costa Serra

XIX e XX, tendo evoluído do romance grego para o medievo pela


oralidade, que aqui continua pela voz do porteiro que lê para seus
locatários.
Observemos agora, sincronicamente, o “fenômeno” romance-
folhetim e romance em folhetim na França e no Brasil. Os maiores
nomes franceses da primeira modalidade foram Eugène Sue e Ale­
xandre Dumas. Balzac publicou nas duas formas, mas não gostava
de ver seu nome ligado ao gênero romance-folhetim, já considera­
do popular; opta, então, pelo pseudônimo, que não vai utilizar
quando da publicação de seus romances “sérios”. Outros nomes
importantes da primeira modalidade são: Paul Féval, Ponson du
Terrail (da série Rocambole), Paul de Kock, F. Soulié, E. Scribe,
etc. (vide “Bibliografia concisa do folhetim francês no Brasil”, no
final desta antologia).
O dois tipos de romance chegam aos jornais brasileiros imedia­
tamente depois, por volta de 1839. Em um depoimento famoso,
José de Alencar diz que, ainda estudante, ia esperar o trem que
traria o jornal — com o seu folhetim, é claro — e ali mesmo na
estação, debaixo do lampião a gás, um jovem do grupo era esco­
lhido para ler em voz alta o capítulo da semana. Outro exemplo é
dado pelo mesmo escritor, quando relata a leitura de um romance
num sarau de família. O dito romance era tão sentimental que to­
dos choravam copiosamente, inclusive o que lia em voz alta, quan­
do eis que lá aparece um amigo da família. Este ficou preocupadís-
simo, achando que alguma morte havia acontecido, e queda-se
perplexo ao ser informado de que se tratava apenas da leitura do
último folhetim da moda (Como e porque sou romancista, p. 28).
A respeito do romance-folhetim e do romance em folhetim é
fundamental ler-se o trabalho de Marlyse Meyer, Folhetim: uma
história, que dá a epígrafe a esta “Introdução crítica”. A professora
da USP, além de examinar minuciosamente o surgimento do fo­
lhetim na França e no Brasil, traz o estudo do gênero até os dias de
hoje, identificando-o, assim como o havia feito Paul Zumthor, à
sua irmã televisiva: a novela de TV; o folhetim eletrônico.
O “processo do enquanto dura” (para utilizar as palavras de Samira
Campedelli em A telenovela, p. 23) está na base desse veículo de
comunicação. Quanto mais sucesso estiver fazendo a novela, mais
capítulos irão ao ar. O mesmo acontecia, por exemplo, com o Ro-
Antologia do romance-folhetim brasileiro 21

cambole, de Ponson du Terrail, que tantas vezes foi obrigado a


ressuscitá-lo.
Antes de podermos prosseguir com o estudo sincrônico do
folhetim, é necessário primeiro esclarecer a diferença entre roman­
ce em folhetim e romance-folhetim. Talvez facilite ao leitor, para
fazer essa diferenciação, saber que Madame Bovary, de Flaubert, e
quase toda a prosa de ficção de Machado de Assis foram publica­
dos em folhetins. O romance em folhetim tem preocupações es­
truturais e temáticas que diferem das do romance-folhetim, mais
voltado para o grande público em busca de diversão, embora esta
não seja negada no romance em folhetim. A diferença básica está
nos objetivos literários: o romance em folhetim está sempre atento
à sua organização interna, com vistas a uma unidade da estrutura
narrativa necessária para seu valor estético, enquanto o romance-
folhetim pode ir sendo construído no dia a dia até o total esgota­
mento da curiosidade do público, o que causa, freqüentemente,
falhas nessa unidade. Ainda um exemplo prático para tentar escla­
recer essa diferença: os romances A moreninha (que, a rigor, não
chegou a ser publicado em periódicos, mas que o poderia perfei-
tamente ter sido) e O moço loiro, ambos de Joaquim Manuel de
Macedo (este, a essência mesmo do romance-folhetim).
Essas diferenças, no entanto, são tênues e mais servem a uma
necessidade didática de classificar e esclarecer do que a provar a
existência de uma real dicotomia entre os textos. Vejamos o que
diz Marlyse Meyer sobre o romance-folhetim:

o romance-folhetim é essencialmente uma nova concepção de


lançamento de ficção, qualquer que seja seu autor e o campo
que abranja.
E óbvio que as próprias condições de publicação devem
ter influído na estrutura narrativa. (...) Verifica-se, além disso,
genial adaptação à técnica do “suspense” e ao rápido e amplo
ritmo folhetinesco dos grandes temas românticos: o herói vin­
gador ou purificador, a jovem deflorada e pura, os terríveis ho­
mens do mal, os grandes mitos modernos da cidade devoradora,
a História e as histórias fabulosas, etc. (p. 31).
(...) Nele tudo se encontra: enredo cheio de suspense, rap­
tos, seqüestros, abandonos, torneios medievais, castelos góti­
cos, ruínas, capelas, exaltação da natureza, a velha Escócia,
22 Tania Rebelo Costa Serra

ilhas selvagens, nobres cavaleiros e horríveis vilões (...); exal­


tação da coragem indômita que justifica o rapto e da virtude
submissa, doméstica e domesticadora (p. 46).
[Por outro lado, utiliza-se habilmente] recursos de maqui­
naria comuns aos dois gêneros [folhetim e melodrama]: raptos,
perseguições no escuro, tempestades no momento oportuno [ou
inoportuno], narcóticos que permitem “abusar” das mulheres,
maniqueísmo com a vitória dos bons sentimentos e da virtude,
apesar de nem sempre o romance-folhetim ter um happy ending
(p. 71).
(...) O germe do processo folhetinesco e novelo-televisivo
(...) [é] a adição de infinitos enredos paralelos mas imbricados
por um elemento que pertence ao enredo principal, que só se
desvendam para serem costurados a ele no epílogo. Desses que
se chamam romans à tiroirs (p. 161).
[Nos romances-folhetins da segunda fase, no entanto] não
há mais clima para os grandes arroubos do folhetim romântico.
Do romantismo, melhor dizendo, do grande folhetim romântico,
reencontramos na série Rocambole (...) a estrutura maniqueísta,
o grande tema da vingança, da prostituta redimida, do satanis-
mo. Coragem, fidelidade, lealdade em luta contra suborno e
traição, caridade, redenção, melodrama, enfim, todos os gran­
des sentimentos próprios ao folhetim apimentam e movimentam
a ação romanesca, mas trapaceados todos pela “arma terrível”
da dissimulação. (...) Dá-se um esvaziamento da carga emocio­
nal que marcava situações, temas e personagens quando vividas
no primeiro grau dos modelos propulsores, o que é compensa­
do, porém, pela ansiedade de leitura provocada pela aceleração
no ritmo, pela resfolegante acumulação de peripécias, pelos
suspenses e cortes hábeis, pela admiração, até, diante da eston­
teante capacidade de invenção (pp. 170-171).

Como vemos, várias características temáticas do romance,


como vem sendo estudado desde a Antigüidade Clássica até o pre­
sente momento histórico-literário, encontram-se aqui, possibilitan­
do ao romance-folhetim ser o legítimo herdeiro da função lúdica
que acompanha o gênero há tantos séculos.
Quem poderia ser, então, o público do folhetim no Brasil ro­
mântico? Sem dúvida é um público novo, sem tradição cultural —
a sinhazinha e o estudante, por exemplo —, diferente, contudo, do
Antologia do romance-folhetim brasileiro 23

público europeu. Este já começa a ter uma vivência de industriali­


zação e de capitalismo que ainda não havia chegado à ex-colônia
de Portugal. No entanto, devido à função lúdica a que me referi
acima, o público do folhetim, tanto aqui quanto na França, vai ser
aquele de quem não é requerido muito raciocínio; que, deparado
com uma situação mirabolante e/ou patética, vai procurar a solução
dos conflitos no próprio texto, que não lhe propõe qualquer refle­
xão. Se, por causa das exigências da escola romântica, o romance-
folhetim traz embutida uma crítica moral e uma proposta ideali-
zante de solução dos problemas sociais, estas nunca são apresenta­
das, requerendo a reflexão do leitor, senão a sua empatia pelo caso.
No entanto, é a partir dos romances de Eugène Sue — o qual,
a rigor, propõe uma utopia social — que surge uma conscientiza­
ção do público: a “descoberta” de que há problemas graves na
sociedade capitalista do século XIX que precisam ser soluciona­
dos, sobretudo as injustiças sociais. É Sue, muito naturalmente, o
precursor de Zola e do Naturalismo, quem vai denunciar contun­
dentemente esses cancros, inventando o romance social.
O estilo do romance-folhetim, por outro lado, não tem qual­
quer compromisso com as formas literárias conhecidas e regula­
mentadas pelas poéticas da época. Esta é, também, uma das carac­
terísticas da sátira menipéia estudada por Bakhtin, e um dos fatores
do prosaísmo e da popularidade dos textos, que vêm preencher a
função de divertimento coletivo a que se referiu Zumthor.
Entre os gêneros “acoplados” pelo romance-folhetim encon­
tramos o dramático, sobretudo o melodrama. Num cenário descrito
bastante teatralmente, descrição sobretudo dos ambientes onde se
passam as ações, percebe-se que o agravamento das tensões vai
progressivamente aumentando; o suspense, no entanto, é mantido,
capítulo por capítulo, até o fim da narrativa, a fim de que o leitor
possa ter uma perspectiva de solução dessas tensões apenas no
final do livro. Essa solução, aliás, toma-se freqüentemente a mensa­
gem principal do romance, sobretudo no folhetim ultra-romântico.
Um outro aspecto do melodrama que é adotado pelo romance-
folhetim é o sensacionalismo, sempre presente em uma narrativa
em que o enredo relatando amores contrariados, somados a duelos,
tiros, fugas na noite, tudo isso num ambiente de noite tempestuosa
cheia de relâmpagos e trovões, é comumente montado sob um
24 Tania Rebelo Costa Serra

discurso fortemente sentimentalista. De um modo geral, há a ten­


dência à comovida contemplação da desgraça humana e a um fas­
cínio pelas situações dramáticas e apaixonantes.
Os personagens, normalmente, são tipos, estereótipos mesmo,
incluindo pelo menos três principais: o herói, a heroína e o vilão.
Há variações entre os protagonistas, que podem ser, por exemplo,
a dupla homem honrado/mulher virtuosa, sem as conotações de
extrema juventude e beleza que está por trás do tema do amor à
primeira vista, já descrito por Bakhtin.
Essas longas histórias, em capítulos que terminam sempre em
suspense, passam a ser encomendadas pelos jornais e, se apareciam
primeiro nos rodapés, em breve já vêm em encartes que o leitor
pode separar, colecionar e ter um livrinho ao fim de alguns meses.
Passam de “entrada” a “prato principal”, se é que se pode usar esta
analogia antropofágica.
Elas trazem sempre uma visão estereotipada da vida; não há
análise psicológica dos personagens. A rigor, tratam dos pequenos
grandes dramas familiares, em que há uma extrema valorização do
eu, sobretudo, está claro, durante o Romantismo. O herói maravi­
lhoso consegue vencer as forças obscuras do Mal e consegue pro­
var a teoria do bom selvagem de Rousseau: os homens nascem
puros; a sociedade corrompe-os, mas é possível a redenção.
Ainda um aspecto que deve ser ressaltado é o da atração pelo
fantástico, pelo nebuloso, pelo exótico, sobretudo no romance
gótico. Esses textos não dão importância à verossimilhança, sendo
o maravilhoso o que deve ser priorizado, bem à maneira dos ro­
mances de cavalaria medievais.
Esse aspecto, paradoxalmente, não invalida uma última ca­
racterística do romance-folhetim: o reportar-se aos fatos do cotidia­
no, do prosaico:

reencontramos aqui (no fait divers) o universo do folhetim e sua


relação de causalidade muitas vezes estrambótica, sua estrutura
iterativa que não é só chamariz para segurar o público mas uma
cadeia de coincidências que também têm significado, subenten­
dendo a noção de Providência. Pode-se talvez apontar para um
aparente paradoxo: o folhetim, que parece o melhor exemplo de
obra aberta a todos os caprichos do leitor, dócil às sempre espi­
chadas e utilitárias invenções do autor, parece no entanto se
Antologia do romance-folhetim brasileiro 25

aproximar dessa “totalidade imanente” do fait divers; sua repe­


tição estrutural acaba sendo produtora de um sentido misterioso
que no entanto sempre escapa, nunca se alcança, e é precisa­
mente o grude que mantém preso o leitor, que “sabe” perceber
as “coincidências” habilmente montadas pelo autor-Providência
(M. Meyer, Folhetim: uma história, p. 100).

O romance-folhetim, retrato idealizado do cotidiano, é, por­


tanto, já no século XIX, um gênero popular, por atender mais à
necessidade de divertimento do leitor do que à sua reflexão filosó-
fico-metafísica. Ele é uma das primeiras manifestações da cultura
de massa que emerge do seio do capitalismo na Europa industriali­
zada, reutilizando a velha fórmula conhecida desde o romance
bizantino. No Brasil, vem prencher as mesmas lacunas psicológi­
cas, embora em uma sociedade situada na periferia do capitalismo,
o que em nada lhe modifica a estrutura.
Nada disso lhe invalida o interesse. Hoje em dia, diante da
amplitude do “fenômeno”, até mesmo a universidade capitulou de
sua posição elitista e o está estudando. Se ele freqüentemente peca
no que diz respeito à estética tradicional, do ponto de vista de uma
sociologia da literatura é fundamental o seu estudo. Por outro lado,
não há como negar seu interesse histórico-literário. Neste mo­
mento em que os estudos de literatura voltados para a perspectiva
histórica voltam a ter um enorme trânsito nas universidades, o
resgate dos textos dos romances-folhetins do século XIX toma-se
objeto de pesquisa acadêmica.
Se, nos períodos de priorização do romantismo, há um siste­
mático recurso ao imaginário popular, o romance-folhetim român­
tico é um veículo privilegiado para exemplificá-lo. A evasão, outro
lado dessa mesma moeda, passa a ser compreendida, após a leitura
minuciosa dos textos, como tendo uma função lúdica. Esta seria
uma espécie de compensação psicológica para momentos de gran­
des transformações sociais que aconteceram no século XIX, quan­
do da introdução do capitalismo nas sociedades ocidentais, e que
voltam a acontecer agora, neste período de fim de milênio: o pós-
pós-modemo. Esperemos que a leitura das obras do passado ajude
a lançar uma luz sobre o presente e que possibilite a construção de
uma ponte para o futuro.
26 Tania Rebelo Costa Serra

Esta antologia

Desde 1983 atuo na área de pesquisa em História da Literatu­


ra. Após terminar meus cursos de PhD em Literatura Brasileira na
New York University, escolhi trabalhar no âmbito do Romantismo
brasileiro com Joaquim Manuel de Macedo, no que veio a dar a
dissertação de Doutorado: Joaquim Manuel de Macedo ou os dois
Macedos. A luneta mágica do II Reinado (Rio de Janeiro, Depar­
tamento Nacional do Livro/Biblioteca Nacional, 1994).
Em fevereiro de 1995 ganhei uma bolsa do CNPq para efetivar
pesquisa e resgate de textos dos romances-folhetins e dos roman­
ces em folhetins do Romantismo brasileiro. O meu projeto de pes­
quisa visava à publicação de uma antologia dos textos recuperados
durante a pesquisa. E deles que trata esta antologia.
Como foi efetivada a escolha desses textos e quais critérios
balizaram a pesquisa? Em primeiro lugar, determinei um critério
para o período literário escolhido: este seria o do pleno Romantis­
mo no Brasil, ou seja, entre 18366 e 1870. Em seguida, utilizando
como bússola a bibliografia do gênero existente no trabalho de
José Ramos Tinhorão, escrevi à Biblioteca Nacional pedindo a
verificação da existência daqueles textos em seus arquivos e mi­
crofilmes. Fi-lo também com a Fundação Casa de Rui Barbosa —
leia-se Plínio Doyle —, com os Reais Gabinetes Portugueses de
Leitura do Rio de Janeiro, Salvador, Recife e São Luís, além da
Biblioteca Mário de Andrade em São Paulo. Esta última respon-
deu-me rapidamente, via fax, que nada possuía do que eu havia
listado. Nenhum dos Reais Gabinetes se dignou a responder à mi­
nha correspondência, o que foi plenamente compensado pela res­
posta sempre eficiente do meu querido amigo Dr. Plínio Doyle e
das “meninas” da seção de documentação da Biblioteca Nacional.
Encontrei-me, assim, com um universo possível de textos
bastante extenso. Estes iam desde Olaya e Júlio, ou a periquita
(primeiro conto/romance publicado em revista brasileira, no ano de
1830 — antes do Romantismo, portanto), até um Voragem, de
Macedo, da coleção de Plínio Doyle.

6 O primeiro romance-folhetim, no entanto, aparece apenas em 1839.


Antologia do romance-folhetim brasileiro 27

Dado o interesse de um texto como A periquita, incluí-o entre


os que de fato pedi, embora extrapolasse o critério do período lite­
rário antes fixado por mim. É o mesmo caso do romance Statira e
Zoroastes, de 1826. Apliquei, então, um novo critério seletivo, o
do desconhecimento dos textos no século XX, ou seja, não selecio­
nei texto algum publicado neste século para figurar na antologia.
Por esse critério, todo o Alencar publicado em nossos dias foi ex­
cluído, assim como os Macedos ainda republicados. Não é o caso,
por exemplo, de Voragem, que aqui virá transcrito, como já viram
no sumário.
Por fim, de posse de uma vasta bibliografia, acumulada du­
rante os dois anos da pesquisa, e de inúmeras obras já em papel,
após a microfilmagem, pude proceder à leitura dos romances. Per­
cebí que o número era excessivo para apenas uma antologia. Com
a ajuda do professor Antonio Dimas, da USP, decidi organizar
primeiramente os textos que haviam aparecido pelo menos uma
vez em livro — embora apenas no século XIX. Aqueles que foram
publicados somente em periódicos foram guardados e constituirão
o material para um futuro trabalho.
Assim, decidi que os romances que fugiam de alguma maneira
aos critérios adotados, mas que tinham algum tipo de interesse,
entrariam para um apêncice. É o caso do Statira e Zoroastes acima
mencionado. Por outro lado, digitei eu mesma os textos, a fim de
lhes atualizar a ortografia. Mexi o mínimo possível, no entanto, na
pontuação. Todo profissional que tem o hábito de ler os originais
do Romantismo brasileiro sabe perfeitamente como a pontuação é
utilizada aleatoriamente, segundo as regras contemporâneas.
“Atualizei” apenas algumas distorções maiores, como, por exem­
plo, o predicado separado do sujeito por vírgula. Como esta não é
uma edição crítica, não indiquei o lugar dessas modificações.
Cada romance escolhido tem seu próprio comentário crítico na
página dedicada à biografia do autor. No entanto, é necessário
esclarecer desde agora que a noção rígida de classificação interna,
que possibilita hoje a diferenciação do conto, da novela e do ro­
mance, não existia na época. A palavra “romance” era empregada
no lugar de “conto”, como Os romances da semana, de Macedo,
ou os Contos fluminenses, de Machado de Assis. A mesma coisa
acontecia com a palavra “novela”. Assim, nesta antologia do ro-
28 Tania Rebelo Costa Serra

mance-folhetim, os primeiros textos que aparecem são, a rigor,


contos longos.
Estes constam também de uma dessas duas antologias: Anto­
logia do conto romântico e O conto no Brasil. Os precursores,
ambas incluídas na bibliografia final, que indica, também, seu
conteúdo. Como aparecem nas folhas de rosto de todas as obras
recuperadas as palavras: romance brasileiro, ou: novela brasílica,
decidi manter a designação original e incluí-los nesta antologia,
sobretudo por causa de seu enorme valor histórico-literário.
Precursores
João Manuel Pereira da Silva

João Manuel Pereira da Silva nasceu no dia 30 de agosto de


1817, no Rio de Janeiro, e ali morreu em 1898. Foi um dos funda­
dores da Academia Brasileira de Letras e primeiro titular da cadeira
XXXIV, tomando como patrono o poeta Sousa Caldas. Foi tam­
bém deputado e senador.
Pereira da Silva está entre os mais importantes precursores do
romance-folhetim do começo do Romantismo brasileiro, freqüen-
temente incluindo alusões políticas em sua prosa. Escreveu tam­
bém críticas, biografias, inúmeras traduções e, ainda, sobre a His­
tória do Brasil.
Vindo de Paris, onde se havia formado em Direito, já a partir
de 1838 começa a colaborar em diversas folhas literárias e jornais,
entre eles a revista Niterói — para a qual contribuiu ainda em
Paris —, o Jornal dos Debates, o Jornal do Commercio, O Cro­
nista, O Gabinete de Leitura e o Museu Universal. Seus primeiros
escritos de ficção aparecem no Gabinete de Leitura, ainda em
1837, mas o escritor vai-se notabilizar pelo jornalismo político.
O aniversário de Dom Miguel em 1828 (1839) é um roman-
cete de influência totalmente européia. Não é possível classificá-lo
com rigor como romance, novela ou conto. Faz parte daqueles
trabalhos, já mencionados anteriormente, em que a precisão do
gênero não existe, sem que isso venha a diminuir sua importância
ou interesse. Foi classificado pelo próprio autor como “romance
histórico”.
Totalmente ambientado em Portugal, esse romancete tem níti­
das conotações políticas, já que foi escrito durante o conturbado
momento da Regência, quando se questionava a manutenção da
32 Tania Rebelo Costa Serra

Monarquia. Dado seu imenso interesse histórico-literário e o pe­


queno tamanho, será aqui transcrito integralmente.

O aniversário de Dom Miguel em 1828


(romance histórico)

PRÓLOGO

What beauties doth Lisboa first unfold!


Lord Byron, Childe Harold

Conheces tu Lisboa, amigo leitor? Viste-a algum dia banhar-


se majestosamente no Tejo, e o Tejo, como que agradecido, amo­
rosamente recebê-la, e docemente beijá-la? Sentiste acaso refres­
car-te as faces sua brisa suave e perfumada? Respiraste sua at­
mosfera do oriente, atmosfera de paixão e de voluptuosidade, em
que o murmúrio das águas do rio, o gemido do vento, o rumor da
cidade, o sacudir das árvores parecem uma orquestra universal de
amor, em que cada coisa da criação, desde a vaga até a planta,
desde a planta até o verme, desde o verme até o homem, parecem
exalar suspiros de prazer e de deleite?
É para lá que nós marchamos hoje, meu leitor. É Lisboa o tea­
tro da história que vou narrar-vos. Deixemos por alguns momentos
a nossa bela pátria e as nossas grandiosas florestas. Visitemos a
terra de nossos gloriosos avós, ouçamos o gemido da guitarra por­
tuguesa, recebamos também algumas inspirações desse país que
deu ao mundo o divino Luís de Camões, desse país tão fértil, ou-
trora tão poderoso, e hoje de todos o mais desgraçado.
Se há uma cidade grande e majestosa, que reúna em seu seio
tudo o que pode encantar os sentidos, tudo o que pode cativar a
imaginação, é sem dúvida Lisboa.
Edificada no melhor canto da Europa, gozando de um clima
alegre, saudável e sereno, de uma atmosfera pura, branda e suave,
de um céu azul-claro, tão resplandecente, e tão marchetado de
brilhantes estrelas, que se diria o manto de uma imperatriz de Bi-
Antologia do romance-folhetim brasileiro 33

zâncio, colocado no meio da mais esplêndida natureza; nenhuma


sultana egípcia, nenhuma odalisca de Constantinopla se espelha
nas águas do Cirenaico ou do Bósforo, com mais amor e abandono
do que ela o faz, debruçando-se sobre o Tejo, e brincando com
suas vagas.
E não é só a natureza que ali é grande; os feitos dos homens
antigos — que os de hoje nada valem — são dignos também de
serem contados, e de passar à posteridade.
Não se admira somente o Tejo que, rolando suas águas tão
brancas como o diamante, através de campinas cultivadas, de
quintas majestosas e de lindos pomares, atravessado por mil barcas
ligeiras, por navios de todas as grandezas, e de todos os países,
vem, como um amante fiel e submisso, curvar-se humildemente
aos pés da soberba cidade, e trazer-lhe de mimo as preciosidades
dos outros povos, os perfumes da Ásia, as pérolas da África e os
tesouros da América.
Não se admira somente os formosos sítios, as amenas planí­
cies, e as sete montanhas pitorescas sobre que se assenta Lisboa,
como se fora a Roma dos modernos tempos, tendo por toga con­
sular o cinto magnífico de seus palácios, e, por coroa de flores e de
ramos, os zimbórios de seus conventos e as torres de suas igrejas.
Há coisas mais belas e mais esplêndidas ainda, e devidas aos
esforços dos homens. Há monumentos primorosos, soberbos edifí­
cios, que transmitirão eternamente aos séculos futuros a glória do
povo lusitano.
E se vos não contentais com os que se encerram dentro em
seus muros, se vos não agradam o seu palácio da Ajuda, o seu ter­
reiro do Paço, os seus aquedutos, o seu porto, o seu S. Carlos, a
sua estátua equestre, as suas igrejas do Coração de Jesus, S. Vi­
cente de Fora, e Jerônimo, ali mesmo a seu lado, vizinhos a ela,
como partes dela, encontrareis Belém com seus lindos jardins,
Mafra com seu grandioso convento, Sintra com suas belas quintas,
e Almada com suas vistas pitorescas.
Mas, como é lei inexorável do fado que não haja beleza sem
senão, Lisboa há por vezes sido vítima dos mais atrozes aconteci­
mentos; erupções da terra, sublevações do povo, anarquia dos no­
bres, despotismos dos reis e enchentes do rio, tudo a tem assolado
e perseguido. E essas tristes cenas que se produziram em seu seio,
34 Tania Rebelo Costa Serra

lhe fizeram perder a reminiscência de sua antiga glória, e olvidar


os altos feitos de seus filhos.
E por isso que, ingrata e inconstante, ela se esquece cedo da­
queles que há pouco adorara como deuses; é por isso que seus
monarcas têm aparecido e dasaparecido, e ela se há conservado
sem deles guardar a memória. Que lhe importa que reine hoje Mi­
guel ou Maria, que governe Passos ou Palmela, contanto que sua
vida se passe em contínuo divertimento, contanto que lhe não fal­
tem festas, jogos de entrudo, procissões religiosas, arcos de triunfo
e fogos de artifício; contanto que seus dias sejam alegres, suas
noites de voluptuosidade e seus sonhos de ouro!
Que sinais deixaram nessa terra tantos diversos dominadores
que, seduzidos por sua doçura e beleza, têm vindo aí procurar
abrigo? Passaram os tempos Romanos, e apenas um ou outro resto
de mármore quebrado manifesta a sua aparição. Passaram os ára­
bes, os sarracenos, os castelhanos, os mesmos fenícios e os cruza­
dos, e as únicas reminiscências que restam deles são essas árvores
frutíferas que tão bem ali se aclimataram, o loureiro, a rosa da La­
conia, a palmeira do Egito, o carvalho do Helicão, o cipreste da
Itália, a figueira de Tunis e Argel.
Eis tudo o que resta de tantos povos diferentes que dominaram
esse punhado de bravos, esse torrão abençoado. Eis tudo: e as
igrejas que existem, os templos que sobram, os edifícios que res­
tam são obras todas de lusitanos. Mas esses lusitanos, dignos de
sua mãe, fiéis à sua pátria, cumpridores de suas promessas, esses
homens que sabiam combater e amar, enristar a lança e entoar
cânticos apaixonados, passaram por uma vez; o último deles dorme
o sono eterno sobre o sepulcro de Gomes Freire de Andrade.

Salut, murs de Palerme!


Delavigne, Vêpres Siciliennes

O sol começava a desaparecer, e seus raios, despedindo


amortecidos, pareciam riscar na atmosfera linhas de ouro. O céu
Antologia do romance-folhetim brasileiro 35

estava sereno e claro, a tarde fresca, e a noite prometia revelar


novas belezas.
Entrava nesse momento em Lisboa um jovem que denotava ter
de idade vinte e seis anos. Seu rosto melancólico, sua nobre fisio­
nomia e sua figura lhe atraíam necessariamente a simpatia geral.
Encaminhou-se por uma pequena e estreita rua e dirigiu-se
para uma casa baixa e escura. Uma velha criada o esperava à porta,
e, apenas o avistou, não pôde conter o pranto que lhe saltava dos
olhos...
Passaram por um tristonho corredor e chegaram a uma sala
aonde se achava, sentado sobre uma velha poltrona, um ancião
respeitável, em quem a idade, os trabalhos e a dor não puderam
sufocar o fogo e o entusiasmo da mocidade.
— Meu pai, meu querido pai! gritou-lhe o jovem, lançando-se
a seus braços e beijando-lhe as mãos.
Houve alguns minutos de silêncio em que as palavras morre­
ram nos lábios de ambos, em que só os seus suspiros ecoavam na
sala. A velha criada observava esta cena admirável de ternura e de
amor, toda banhada em lágrimas. O ancião foi o primeiro que co­
meçou a falar.
— Como ousaste vir a Lisboa, infeliz? Para que deixaste lugar
seguro e livre para te entregares por esse modo nas mãos dos teus
perseguidores?
— Oh! meu querido pai! O fado, o terrível fado assim o deci­
diu. Eu não podia viver; sentia longe de Portugal definharem-se
minhas forças, morrer meu corpo, embrutecer-se minha inteligên­
cia. Rever a pátria e morrer!... saudar seus muros, respirar sua at­
mosfera, sentir sua brisa, é o que constitui a vida, é o que liga o
homem à terra.
— E teus inimigos? E a sentença que contra ti se lavrou? E a
dor que vais causar a teu velho pai, a teus parentes? E a vergonha
de expiar em um cadafalso, como se foras algum facinoroso?
O jovem deixou então livremente correrem suas lágrimas,
lembrando-se do tempo em que ele de contente não podia conter-se
na esfera de tamanha dita. Sua imaginação lhe trouxe os sonhos
dourados da infância, quando o futuro se perdia no meio de espe­
ranças ilusórias de felicidades, quando o passado lhe marcava uma
estrada de flores, e no presente se cifravam todos os seus desejos.
36 Tania Rebelo Costa Serra

Aproximou-se à janela da casa paterna, e ao ver o povo que se


precipitava nas ruas, a cidade que se preparava para uma festa, a
alegria que ressumbrava em todos os semblantes, mais ainda se lhe
oprimiu de dor o coração.
Apenas soaram ave-marias, o jovem, sem atender aos conse­
lhos paternos, precipitou-se fora de casa, e perdeu-se pelas ruas de
Lisboa.
Seus passos o conduziram para as margens do Tejo, e aí dei­
xou-se cair sobre um assento de pedra e deu novas folgas a seu
sofrimento.
Em todas as praças de Lisboa se haviam elevado arcos de triun­
fo para celebrar o aniversário de D. Miguel I. Girândolas de fogos,
luminárias por toda a parte se preparavam, e o povo se divertia e
dançava; enquanto o duro despotismo lhe sorvia até o último sopro
de vida, enquanto a glória da Lusitânia desaparecia e se sumia,
como se fora um sonho, enquanto o futuro da pátria se envolvia em
negro véu, enquanto enfim os mais ilustres, os honrados descen­
dentes de Albuquerque, mendigavam, em estranhos lares, o pão do
desterro! Ai do povo que assim obra! Ai da nação que assim dorme!
Neste momento uma música suave e branda veio arrancá-lo a
seus pensamentos melancólicos. — Era o hino de D. Miguel, com­
posto por um Português. — Hinos em honra de déspotas, de que
vos admirais? Que Nero não teve lisonjeiros e escravos? Que Cali­
gula não teve a suas ordens uma coorte de homens sem pejo, sem
sentimentos, sem consciência de si próprios, que aplaudiam a to­
dos os seus crimes, que incensavam a todas as suas torpezas, e que,
para mor vergonha do espírito humano, com o rosto alegre, a face
risonha, humildemente beijavam a terra pisada por seus bem-
aventurados pés?
Bandos de gente corriam as ruas de contente, dando vivas re­
petidos a el-rei, e entre esses vivas, de quando em quando se faziam
ouvir alguns gritos de — morte aos malhados. — Eis aqui a ale­
gria infernal e satânica desses escravos! Contraste sublime e digno
da orgia de 26 de outubro de 1828!
O jovem ergueu-se furioso, notando tanta infâmia nos seus
compatriotas. — Ele que, com orgulho, se declarara sempre portu­
guês, pela primeira vez na vida se envergonhou deste nome!
Antologia do romance-folhetim brasileiro 37

— Já que não tenho pátria, disse ele, já que Portugal desceu ao


sepulcro com a liberdade, já que não há honra, não há pundonor,
não há sentimento nobre por quem combater, só para ela viverei,
ela única me resta! Escravos! Escravos!
Sentiu neste momento a mão de um homem que lhe batia so­
bre o ombro; virou-se para ele, e, dando um grito de espanto, reco-
nheceu-o.
— Oh! sempre tu adiante de mim? Que me queres enfim?
— A tua vida.
— Pois bem, combatamos como nossos avoengos; que um de
nós morra às mãos do outro!
— Não, mas que tu morras sobre o cadafalso!
— Infame! — E pronunciando esta palavra, quer o jovem pre­
cipitar-se sobre o desconhecido, mas já ele havia desaparecido.
Então um tremor inesperado se apoderou de seu espírito, e
obrigou-o a recordar-se dos atos sanguinários com que se haviam
manchado os inimigos da sua pátria: a fuga lhe pareceu o único
meio conveniente à sua salvação.
— Mas sem vê-la, disse ele consigo... Vir a Lisboa expressa­
mente por causa dela, trazido por este amor desgraçado que é mi­
nha vida e minha morte, minha salvação e minha perda, e desam­
pará-la sem a ver! Não, nunca o poderei fazer. Já que me não resta
senão ela, sacrifique-lhe eu embora minha vida, embora me espere
a morte!
E foi seguindo pela margem do Tejo até sair de Lisboa.
Marcharia acaso para o cadafalso ou para a ventura?

II

Do teu príncipe ali te respondiam


As lembranças que n’alma lhe moravam.
Camões, Os Lusíadas

Recostada a um canapé que ficava perto da janela de uma


quinta que dava sobre o Tejo, e distando uma milha de Lisboa,
estava uma jovem e bela senhora.
38 Tania Rebelo Costa Serra

A lua, majestosamente colocada no meio do firmamento, dei­


xava cair raios tão claros, tão puros, tão suaves que a terra se rego­
zijava de amor... Era tal a sua claridade que a noite se assemelhava
ao dia mais belo.
Muitas barcas ligeiras, todas iluminadas, brincavam no Tejo,
como para tomar parte no festejo da natureza. Havia em algumas
bandos de música, que repercutindo nos ares sons maviosos e ale­
gres, convidavam ao prazer aqueles mesmos que eram, de há mui­
to, a eles desafetos.
E ao longe se avistava a capital de Lísia, erguendo ao céu seus
zimbórios e suas torres resplandecentes de fogos de mil cores di­
versas...
No meio desta alegria que parecia universal, no meio destas
demonstrações de júbilo que os astros, a terra, o rio e os homens
altamente manifestavam, havia alguém que sofria e que chorava...
Era ela... Erguendo-se apenas do leito, a que uma sesta suave a
havia convidado, acabava de ter um sonho terrível e ameaçador
que a penalizava no mais último dos seus sentimentos.
O cadáver do seu amante apareceu-lhe dependurado em um
cadafalso; seus braços estavam inteiramente mutilados; sua fisio­
nomia pisada, e seu corpo causava horror à primeira vista. Viam-se
nele sinais mais evidentes da horrível tortura que sofrerá...
Seu nome passava de boca em boca no meio de uma multidão
frenética, e vibrava ao longe, recebendo não equívocas provas de
desprezo e de infâmia, como se fora o apelido de um desses mons­
tros que hão poluído a espécie humana...
Um aplauso universal ecoou quando o algoz, cortando-lhe a
cabeça, a ergueu pelos cabelos, e a levantando bem alto para ser de
todos vista e conhecida, exclamou em agudas vozes: — E a cabeça
de um infame malhadol
Trêmula e sobressaltada pulou fora do leito, aproximou-se da
janela, e sem reparar na desordem de seus vestidos, no desgrenha­
do de seus cabelos, sem prestar atenção ao que em tomo dela se
passava, caiu em um acesso de melancolia e deixou perder-se seu
pensamento através de umas fagueiras e doces reminiscências de
outrora, combinadas com os sentimentos dolorosos que n’alma lhe
havia gravado sua imaginação, durante o sonho que tão terrivel­
mente a maltratara.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 39

É o momento da melancolia e da tristeza o mais próprio para


se admirar as perfeições de qualquer senhora. Nesse instante ela se
esquece de si, do mundo que a rodeia e a observa, das etiquetas e
constrangimentos que impõe a sociedade, e toda se abandona à
expressão de dor verdadeira e sincera, que é o estado natural da
criatura. Se é formosa, seus atrativos melhor se patenteiam, suas
graças melhor se desenvolvem, seus encantos mais sobressaem.
Quando porém não fosse ela pela natureza tratada com o desvelo
de uma mãe carinhosa e amante, assim mesmo o estado de dor lhe
é propício, porque lhe realça aquela parte mais favorecida, e oculta
sob o peso do sofrimento, debaixo do véu das lágrimas, suas incoe­
rências e equívocos.
Entretanto a jovem donzela, para ser admirada, não precisava
mais do que se mostrar; seus encantos eram tão salientes, suas
graças tão relevantes, seus atrativos tão sublimes que mais parecia
fada ou anjo do que criatura humana.
Seus olhos castanhos dardejavam raios de amor tão vivos e tão
brilhantes que, dos mais precavidos contra os encantos senhoris,
desses mesmos indiferentes que vegetam mas que não vivem, que
falam mas que não sentem, duvido que um só houvesse que resis­
tisse a seu fogo... Uni à perfeição desses olhos umas lágrimas de
pérola que caem, e uma dor íntima que mais os aformoseia; acres-
centai-lhe uns cabelos louro-castanhos que, como fios de ouro,
deslizam sobre seus ombros alvíssimos e sabiamente arredonda­
dos; um nariz pequeno, delicado, perfeito, uns lábios de rosa, uns
dentes de marfim, um colo de anjo, uma fisionomia espirituosa,
penetrante e denotando mesmo bastante altivez e amor-próprio, um
corpo enfim sublimemente formado; dai-lhe agora o mais belo de
todos os nomes, o de Maria, e tereis um, ainda que fraco, pequeno
esboço dos encantos e perfeições da linda portuguesa.
— Se fosse verdadeiro este sonho, decerto que eu não podería
mais viver! Não basta a ausência cruel para eternamente me fazer
desgraçada? E de mister ainda que a morte o roube à terra? Oh!
minha vida é um sonho sem a dele.
E a cidade se havia toda iluminado; as salvas de artilharia e os
gritos do povo e os repiques do sino formavam um espetáculo
majestoso; e entretanto parece que Maria o não percebia, porque
seus olhos procuravam antes o Tejo, como quem lhe rogava algum
40 Tanta Rebelo Costa Serra

favor, do que se dedicavam ao panorama sublime, que se desenro­


lava ao longe.
Sobre a mesa estava aberto o livro dos Lusíadas na página a
mais tema e melancólica. O autor, distante da pátria, chorava por
D. Catarina de Ataíde, que tanto amara, e por amor de quem sofre­
rá o exílio, e, como que desesperado do seu destino, escrevia os
seguintes versos:

Terra em que pôr os pés me falecia...


Ar para respirar se me negava...
Os trabalhos me vão levando ao rio
Do negro esquecimento eterno sono...

Como se tomavam idênticos os destinos de ambos! O poeta,


pungido no mais íntimo da alma, carpia a sua sorte e apelava para
a posteridade da crueza de seus contemporâneos. Maria, sem poder
vingar-se tão solenemente, compreendia entretanto naquele mo­
mento, mais que ninguém, a força dos sentimentos e da dor que
dominavam Luís de Camões.
E volvendo seus olhos casualmente, descobriu no fundo do
quarto um homem de bela estatura e que parecia admirá-la. Ela
sentiu seu coração bater fortemente e a voz lhe faltar.
Ele, por sua parte, lhe não deu tempo para reconhecê-lo e pro­
nunciar seu nome, porque em um instante lançou-se a seus pés.
Era Frederico!

III

Für mich, für mich er ist gestorben.


Schiller, Dom Carlos

Ninguém poderá descrever o que sentiam os dois amantes, nos


braços um do outro, depois de tão larga ausência, depois de tantas
lágrimas vertidas, de tanto pranto derramado! As palavras morriam-
lhes nos lábios, nos olhos brilhava a alegria a mais pura e angélica,
e o coração batia-lhes com uma força desusada. Eles estavam ali,
Antologia do romance-folhetim brasileiro 41

ao lado um do outro, com os olhos cravados um no outro, com os


braços atravessados, e os lábios unindo-se e envermelhecendo,
como carmim... E não pensavam, sequer, no seu destino, na sua
sorte, no seu futuro! não cuidavam que ferros talvez os esperavam,
que a morte talvez se regozijava de antemão com a sua vista: im­
prudentes, que tudo esquecem nesses momentos! Pai, pátria, famí­
lia que são a seus olhos? Honra, pundonor, vida, como não passam
de sonhadas visões!
Se no mundo certamente existe alguma coisa forte, energética,
e ao mesmo tempo doce, que possa dar uma voz aos objetos ina­
nimados, que empreste uma linguagem aos menores incidentes,
que modere o ímpeto das dores, e nos faça olvidar os pesares que
nos hão atormentado; se há na vida uma força superior a tudo,
única real e verdadeira; se há no coração do homem um sentimento
interno, que o sustenta através dos dias tristes, que o embala nas
noites solitárias; se há na imaginação um sopro imperceptível, uma
idéia suave, uma religião, enfim, donde possa emanar toda a poesia
da vida, todos os nossos êxtases, nossas venturas, nossas glórias,
dai-lhe o nome que quiserdes, mas decerto que tudo isso exprime a
palavra — amor.
— Que fizeste? dizia Maria com um acento tão terno, com
uma voz tão melodiosa. Pensaste acaso em mim, durante esta terrí­
vel ausência? Qual a idéia que te dominava, a de tua amante? Oh!
se soubesses, tenho ciúmes até dos teus próprios pensamentos,
desejaria que todos a mim se dirigissem!
— Oh! Maria, existir longe de ti é ter os olhos rodeados de
trevas, é ter uma dor contínua e eterna no coração! É sentir que
todos os dias se morre sem nunca se acabar de morrer! É estar
encarcerado em uma prisão sem claridade, perdido em um deserto
sem guia, em um mar sem baixei! É enfim não viver, não pensar,
não saber mais coisa alguma! O que eu fiz, ignoro; o que senti, foi
isto.
— E eu também, eu também, eu também! Oh! como nossos
corações se conheciam, como eles se falavam, como eles se com­
preendiam, embora a distância os houvesse separado, embora a
ausência os tivesse atormentado! Oh! meu Deus! Como sofri!
Como chorei! E quando ouvi tua voz, fíquei alucinada, estática,
não sabia dizer-te coisa alguma, não sabia mesmo onde estava.
42 Tania Rebelo Costa Serra

Assenta-te, assenta-te aqui a meu lado, como outrora estavas... mas


não, vamos à janela, vejamos essa festa que se prepara, olhemos,
admiremos esses fogos; parece que eles foram feitos para nós,
parece que esta cidade partilha nossas alegrias, saúda a tua vinda.
Oh! Frederico, Frederico, se me dessem a escolha entre o paraíso e
ti, decerto que eu te preferiría!
E assim eles passavam instantes que melhor seria aplicar à
fuga; assim se entretinham e se enganavam mutuamente.
A vista porém da cidade causou diversa impressão em Frede­
rico. Suas idéias de política se apoderaram do seu espírito; recor-
dou-se da sua pátria escravizada pelo usurpador e seus satélites;
lembrou-se da glória de seus antepassados e da miséria presente.
Só havia no meio do oceano uma pequena ilha que conservava os
vestígios de sua antiga grandeza, ilha de bravos, de heróis — a
Terceira.
O pranto umedeceu imediatamente suas faces, e à alegria, que
até então radiara no seu semblante, veio suceder a melancolia e a
dor que lhe havia causado a reminiscência de passados tempos...
Neste momento, como que se distinguiram algumas vozes que
se aproximavam da quinta. Pouco a pouco elas foram crescendo,
engrossando-se, e chegavam aos ouvidos de Frederico como se
fossem o murmúrio das vagas do mar, quando sacudidas pela força
de uma tempestade. Ele sentiu correr um suor frio pelo seu corpo;
dir-se-ia um triste presságio.
E Maria continuava a falar-lhe, e a sua inquietação lhe não
permitia escutar sua bela amante que, com olhos de tanta ternura,
admirava a elegância de seu rosto. À claridade de muitos archotes
que estavam nas estradas, viu ele um grande número de soldados
armados, que pareciam pesquisar alguma coisa, ou correr após de
alguém...
Qual não foi sua admiração quando à sua frente, como que os
guiando, reconheceu ele um homem embrulhado em um capote.
Era aquele mesmo que já lhe havia falado nessa noite, no terreiro
do Paço!
— Maria, Maria, vês tu aquele homem? disse-lhe ele com a
voz trêmula. Acaso o não conheces? Não te lembras daquele médi­
co que ousou amar-te, e que não podendo ser por ti correspondido,
tem-me por toda parte perseguido, e procura em mim saciar seu
Antologia do romance-folhetim brasileiro 43

furor e sua vingança? Pois olha, ei-lo ali, à frente desses soldados
do tirano. E sabes quem procura? A mim, sim, a mim.
— E corres perigo? E para que mo não disseste há mais tem­
po? Para que me quiseste assim iludir?
— Oh! esse homem é hoje todo-poderoso e influente na corte!
Escravo humilde do tirano, é um daqueles que maiores crimes há
cometido. Português degenerado, ele denuncia seus compatriotas,
serve de testemunha em seus processos, e prepara-lhes o cadafalso,
procurando por esse meio merecer do usurpador o título de Físico-
Mor\ Ei-lo que para aqui se dirige; vai sem dúvida tudo pesquisar,
encontrar-me-á, e morrerei sem ser vingado, morrerei como um vil,
como um celerado!
— Oh! meu Deus! meu Deus! E por mim ele se sacrificou!
— Sim, por ti, por ti somente; eu nada tinha que esperar neste
país senão a morte; preferi morrer, mas vendo-te; a vida distante de
ti tomava-se para mim um peso cruel!
— Salva-o, ó Deus! gritou a donzela, e ajoelhou-se diante de
um crucifixo que estava pendurado na parede. A imagem do Re­
dentor do mundo, pregada em uma cruz, onde tantos martírios
havia Ele sofrido dos homens, e a bem dos homens, pareceu a Ma­
ria a única salvação de seu amante. E parece que o Senhor a ouviu,
porque no mesmo instante gritou-lhe Frederico da janela: Estou
salvo! estou salvo!
E ambos pareciam querer chorar de prazer!
— Maria, não tens por aqui um hábito de frade, ou manto de
qualquer irmandade, com que eu me cubra, e escape de suas gar­
ras?
A donzela gritou pelo criado velho da casa, e este não tardou a
vir.
— Es um homem religioso, disse-lhe Frederico, e pertences
sem dúvida a alguma irmandade?
— Sim, meu amo, sou da irmandade de S. Vicente.
— Eu tenho uma penitência a cumprir, vai buscar o teu hábito,
empresta-mo. Eis aqui para compensar-te o trabalho!
E atirou-lhe com uma bolsa de dinheiro; o velho, cheio de ale­
gria por aquela vista, não se fez rogar a segunda vez, correu a seu
quarto, e trouxe imediatamente o hábito. Frederico em um instante
envolveu-se nele, e cobriu a cabeça com o capuz. Ouviu-se logo
44 Tania Rebelo Costa Serra

um rumor de armas perto da quinta, e muitos soldados estavam já


para assaltá-la.
— Maria, disse-lhe Frederico, talvez bastantes dias se passem
sem que eu te veja, mas nada será capaz de arrancar tua imagem do
meu coração, tua lembrança de minha alma. Eu te amo, e nunca
amarei a mais ninguém. Adeus, e seja qual for o destino que me
espera, nunca esqueças aquele que, por te ver, sacrificou a sua
liberdade e vida.
E dando-lhe um beijo na fronte, com a castidade de um irmão,
rapidamente desapareceu. Ela correu à janela, seguiu-o com os
olhos, e vendo-o entrar no meio de uma procissão de frades e de
irmãos, levantou os olhos aos céus , ajoelhou-se e, com a expres­
são do mais puro reconhecimento e humildade, agradeceu a Deus
tão distinto favor!
Ele havia conseguido salvar-se!

IV

A horse, a horse, my kingdom for a horse!


Shakespeare, Richard the Third

Ainda não havia decorrido um quarto de hora e já a quinta ti­


nha sido toda revistada por aqueles soldados armados. Maria con­
servava-se à mesma janela, sem prestar atenção ao que dentro se
fazia, e só procurando ver o que fora se passava. O velho criado,
meio atônito, com os braços cruzados, como que esperava suas
ordens. Esta parte da casa não foi poupada pelos esbirros: eles
entraram, tendo à frente seu chefe...
— Com que direito, disse-lhes com orgulho Maria, violentais
a propriedade de um indivíduo?
— Por ordem do nosso senhor e rei D. Miguel I, respondeu-
lhe a personagem de que hemos já falado. Aqui refugiou-se um
vassalo rebelde de S. Majestade, um revolucionário condenado à
morte; viemo-lo buscar.
— Procurai-o, replicou ela, lançando-lhe um olhar de desprezo.
— Mulher orgulhosa! disse-lhe ele avançando-se para ela.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 45

— Recuai para longe de mim; certamente el-rei vos não deu o


direito de insultar-me!
Ele estremeceu a estas palavras tão decididas e pronunciadas
com um acento firme e enérgico. Só se lhe ouviu baixa e rouca­
mente dizer entre dentes:
— Eu o apanharei, e ele tudo me pagará; mas acaso serei físi-
co-mor?
Procuraram por toda a parte, revolveram todos os cantos, e
não puderam encontrar aquele por quem tudo dariam.
— Entretanto ele aqui entrou; e para sair seria de mister dis-
farçar-se, disse consigo o chefe.
De repente veio-lhe uma terrível idéia; persuadido de que ne­
nhum esclarecimento poderia obter da donzela, virou-se para o
velho criado, e, com voz de estertor, lhe gritou:
— Onde está aquele homem que aqui entrou? Tu me darás
conta dele, ou senão ficarás preso em seu lugar.
O criado pôs-se a tremer... Já lhe parecia ver a prisão, a goni-
lha e a forca reservadas para ele... mal pôde balbuciar estas frases
que apenas se entenderam:
— Eu juro a V. Exâ, por São Pedro que tem as chaves do céu...
— Nada me jures, que juras falso. Entrou nesta quinta um ho­
mem; é de mister que me dês conta dele, escondesse-se ou fugisse.
— Nada sei, Exm9 senhor...; pergunte à senhora, que melhor
poderá responder!
A infeliz donzela parecia atacada por um raio; seu rosto per­
deu as mimosas cores que o aformoseavam; seu espírito pareceu
envolver-se em uma noite escura: trêmula e convulsa, ela lançou
um olhar de compaixão sobre o infeliz criado e seu interlocutor.
Um riso sardônico correu pelos lábios deste último.
— Ah! já pedes misericórdia, já te curvas! Breve mais ainda te
abaixarás —, disse ele consigo, e continuou a interrogar o criado,
ameaçou-o com a prisão, com castigos os mais atrozes, com tor­
mentos os mais duros... e o miserável atraiçoou a Frederico!
— Oh! agora ei-lo em minhas mãos! Não me escaparás mais!
Segue-me, miserável; tu melhor que ninguém conhecerás teu há­
bito! Meus bravos, el-rei promete cem doblas a quem o prender!
Vinde...
— Piedade, disse-lhe Maria; esperai, que aquele de quem fala
esse desgraçado não é o mesmo que procurais. Quem esteve aqui
foi um pintor, vassalo fiel de S. Majestade! Piedade, senhor!
46 Tania Rebelo Costa Serra

— Ah! já sabeis quem eu procuro, e reconheceis-me agora?


E ainda ousais por ele interceder! Enganai-vos, senhora, se me
julgais dotado de caráter tão baixo... Eu deixá-lo fugir, salvá-lo!
Isto é sonho!
E sem se dignar dizer-lhe mais uma palavra, saiu com os sol­
dados e dirigiu-se para o lado de Lisboa, para onde se havia enca­
minhado a procissão em que fora Frederico...
Em que estado ficaria a infeliz donzela!
Como as pessoas que formavam a procissão marchavam len­
tamente, e de quando em quando paravam para cantar os salmos,
apenas entrava na cidade, quando foi encontrada pelos perseguido­
res de Frederico. À ordem do chefe do bando, fez alto e esperou
suas ordens.
Esta cena apresentava alguma coisa de terrível, misteriosa e
singular. O imenso povo, os sacerdotes, as ordens monásticas, as
irmandades populares, todos sustentando tochas acesas e archotes,
e rodeados de uma multidão de soldados, sobre cuja fisionomia
refletiam todas essas luzes, formavam um espetáculo majestoso e
terrível, um quadro pomposo a que se não estava acostumado em
Lisboa, senão depois da época da usurpação do trono.
— Em nome d’el-rei, nosso senhor, D. Miguel I, fazei alto! e
deixai-me procurar entre vós um criminoso ateu!
Apenas pronunciou o chefe dos soldados estas terríveis pala­
vras, todos bateram nos peitos e benzeram-se. Houve quem se
ajoelhasse!... Ainda tanta era a superstição!
Um suor frio percorreu os membros de Frederico; ele viu-se
perdido de uma vez, e perdido sem esperança... Neste momento o seu
terrível inimigo, acompanhado pelo velho criado, começou a exami­
nar todos os irmãos que se cobriam com o hábito de S. Vicente.
Quando se chegou para ele, Frederico se não pôde conter e
despindo-se em um momento do maldito hábito, lançou-o aos pés
e atirou-se por entre aquela multidão atônita, que estremecia e
rezava!
O Tejo perto estava... Ele seguiu sua direção. Era o único
meio de salvar-se... Com dificuldade inaudita consegue chegar às
suas ribas, e com o pensamento em Deus e em sua amada, ei-lo, de
um salto, que se precipita no rio!...
As ondas o receberam e o cobriram.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 47

— Depressa, depressa barcas! grita o seu inimigo. Não perca­


mos um instante! Cem doblas a quem o apanhar!
E todos se atiraram no Tejo, para ganhar o prêmio da infâmia
e da perfídia. Um sem número de barcas cobriram breve o rio;
todos os olhos estavam fixados sobre a praia; todos os pensamen­
tos se dirigiam para o terrível teatro... Como escapar-lhes?... Fre­
derico foi preso.
Apresentado ao chefe, este com um sorriso satânico lhe per­
guntou se se recordava do que lhe havia ele dito no terreiro do paço.
— Então já sabes como se cumprem promessas? Conheces-me
tu bem? Recordas-te daquela noite, há já dois anos, em que à tua
vista, em tua presença, ela me mandou sair de sua casa, como se
fora um vil criado, um miserável galego? Oh! a vingança veio
tarde, mas realizou-se por fim. E agora o triunfo é meu, a vitória
minha. Conduzido à prisão, só sairás dela para saudares o cadafal­
so, para um por um saboreares todos os martírios de uma morte
lenta e ignominiosa. Não te esqueças de mim, Frederico, não te
esqueças do físico-mor do reino!
— Ainda o não és!
Esta palavra bastou para destruir todas as idéias do chefe. Sua
ambição ao lugar o havia por tal forma alucinado, que a idéia de
ainda não ser o que pretendia era mais do que suficiente para pro­
fundamente magoá-lo. Ele queria desde já ser por tal conhecido.
— Mas breve o serei, e teu cadáver será um dos degraus de
que me servirei para chegar a essa dignidade. Frederico, minha
vingança é digna!
— Sim, digna de um malvado, de um escravo do usurpador,
respondeu-lhe Frederico. A minha, eu a encarrego a Deus, a meus
compatriotas e à posteridade!...

Qui non si trova mai anima buona.


Dante, Inferno

As salas do Palácio das Necessidades brilhavam nessa noite


com um luxo nunca visto de luzes, adornos e magnificência. Toda
48 Tania Rebelo Costa Serra

a corte portuguesa que seguira o partido do usurpador ali se acha­


va, saudando o seu monarca, manifestando o seu júbilo, e insultan­
do os seus inimigos na desgraça. Fatal condição daquele que por
uma vez vende sua liberdade! E forçado a curvar-se aos caprichos
de seu senhor, a calar seus sentimentos de homem, a regozijar-se
com o sangue de seus semelhantes, a perseguir os infelizes, a mal­
dizer os desgraçados! Nunca Breno, quando lançou sua espada na
balança que devia pesar o ouro dado pelos romanos aos vencedo­
res, pensou que em tempos tão remotos conseguiría ter tão grande
número de indivíduos que cumprissem à risca sua terrível máxima
— vae victis — Ai de todos os vencidos!
Entre a multidão de homens que mais se faziam notar, decerto
que muito figuravam o duque de Cadaval, o marquês de Chaves, os
condes de Ega e Póvoa. A usurpação do trono de D. Maria II havia
sido feita para eles principalmente. Nunca tais nulidades subiríam
fora da esfera mesquinha em que se achavam, a não ser pela venda
que fizeram ao tirano de suas almas e de seus corpos. O célebre
Guião e Barbacena, a coquette condessa da Póvoa, também ganha­
ram celebridade em tão distinto lugar...
Como um dos primeiros mestre-salas, como uma personagem
importante, se inculcava naquela orgia, chamada por eles — baile,
o ambicioso médico, adversário tão declarado e tão decidido do
infeliz Frederico.
“Brilhantes cavalheiros e belas damas! disse consigo um po­
bre velho, coberto com as vestes de criado, e que mais digno era
sem dúvida de ser amo do que todos esses indivíduos de quem
falamos. Deve el-rei estar contente... Há bastantes moças para seus
deboches, bastantes homens para suas comissões de sangue! Como
vai Portugal!”
Um velho aproximou-se então dele e chamou-o pelo seu
nome. Francisco reconheceu o seu interlocutor, e admirado pelo
ver ali, naquele lugar, com vestes não próprias para bailes, mas
denotando aflição e dor, perguntou-lhe a sua pretensão.
— Pois ainda ignoras, respondeu-lhe o ancião, que meu filho
Frederico voltou à sua desgraçada pátria, foi nela imediatamente
reconhecido e, há bem poucas horas, que foi preso?... Quero falar a
el-rei, e quero pedir-lhe de joelhos seu perdão, quero comovê-lo
com minha dor, vencê-lo com minhas lágrimas. Francisco, se a
Antologia do romance-folhetim brasileiro 49

amizade ainda dura em teu peito, faze que eu obtenha minha pre­
tensão.
— Farei.
— Obrigado, mil vezes obrigado, meu bom Francisco. Mas vê
que talvez corras risco de perder-te!
— Penso unicamente que mais vale obedecer à voz de minha
consciência, do que às ordens que me deram.
E o bom Francisco escondeu o ancião em um pequeno gabi­
nete, procurando depois ocasião para o servir. Ela não tardou a
apresentar-se, e D. Miguel, passando por aquele aposento, viu a
seus pés curvar-se o velho, e sem mesmo pensar no que dizia, ocu­
pado como estava em coisas fúteis, prometeu-lhe o que ele pedia!
E quando o ia deixando, apareceu-lhe o médico a quem ele,
com ares de soldado, ordenou que fosse falar ao ministro, para
perdoar ao filho do infeliz ancião que ali se achava. O médico,
com toda a hipocrisia necessária, aproximou-se d’el-rei e baixo lhe
disse:
— Senhor, V. M. tudo pode fazer, e tudo quanto faz é bem
feito; mas permita a este seu humilíssimo servo que ouse assegu­
rar-lhe que o homem a quem quer perdoar é um dos mais exaltados
inimigos do seu trono, é um dos que pegaram em annas contra V.
M., deram vivas à filha de seu innão, e morras a V. M. real e legí­
timo herdeiro da coroa portuguesa: e demais, para servir a V. M.,
fui eu próprio que o prendi!... Como quer que agora o solte?... Está
condenado à morte.
— Então, não; cumpra-se a sua sentença. Ele o fez, ele que o
pague. Queria ferir-me com ferro, com ferro seja ferido! Ah! ah!
meu velho, você tem filhos revolucionários!... Queira Deus que eu
não lhe mande fazer o mesmo! Ande lá! Forca com os desordeiros!
O ancião ergueu-se então do chão e, com os olhos cintilando
fogo, com o peito batendo descompassadamente, disse a el-rei:
— V. M., senhor, prometeu-me o perdão de meu filho; a pala­
vra de um monarca deve ser sagrada!
— Ele é dos tais! Tome sentido comigo, que não sou para gra­
ças! replicou-lhe D. Miguel com o seu ar brutal e suas palavras
baixas e incivis, e quis partir; mas o velho colocou-se diante dele,
duro e rijo como se fora um valente guerreiro, com o gesto majes­
toso e o porte altivo. Assemelhava-se nesta posição a uma das
50 Tania Rebelo Costa Serra

belas estátuas antigas, que têm atravessado os séculos, e ensinando


aos modernos a perfeição da escultura.
— V. M. falta à sua palavra... disse-lhe com uma voz forte, e
toda a corte aproximou-se do lugar em que esta cena se passava.
— Arredai este doido daqui, grita D. Miguel.
— Senhor, continuou o ancião, o perjúrio é infame, e basta por
si só para denegrir o reinado do maior dos reis da terra. Quer V. M.
forçar o povo a aborrecer e desprezar seu governo, que já tanta
gente de bem aborrece e despreza!
— Prendei este homem! bramando de fúria, exclamou D. Mi­
guel, e vendo que ninguém ousava cumprir sua ordem, e como era
de natureza timorato e covarde, procurou esconder-se e desapare­
cer entre os que o cercavam.
— Nada tema de mim V. M., sorrindo de piedade disse o ve­
lho. Tema do futuro. Se fosse eu o único que tivesse de queixar-me
de seu governo, decerto que eu me calaria; mas Portugal tem mui­
tas contas a ajustar com ele, porque Portugal é hoje um país de
desolação, onde passeia alegre a morte, assassinando em nome
d’el-rei; onde se olvidou a honra, o pundonor, o brio e todos os
sentimentos nobres; onde se desprezam os homens virtuosos e
bravos, e só se premiam os algozes; onde se despovoam as casas
para se povoar os cemitérios, e tudo por ordem d’el-rei; onde o
monarca, por graça de Deus, e por direito de legitimidade, faz com
tanta perfeição a felicidade do seu país, que todas as vezes que
qualquer vê uma forca levantada e uma cabeça decepada, diz cor­
rido de vergonha: — D. Miguel por ali passou!
— Insolente!... Olá guardas!... E o monarca, que até ali tão
ufano se mostrara, estremecia de medo; e o velho prosseguia:
— Verdade é que tudo isto se compensa. Enquanto geme e
chora o povo, a corte zomba e dança; corre sangue nas ruas, aqui
salta o vinho e os licores. O povo morre de fome; que importa
isso? Os cortesãos tiveram uma ceia esplêndida que S. M. lhes
prepara. Enforcaram ontem duas vítimas do despotismo, hoje el-rei
dançará duas contradanças!... Ah! Eu sei que vou morrer por dizer
isto; mas quero ter o gosto de emitir livremente, perante o infante
D. Miguel, todos os meus sentimentos. Cautela! Lembre-se V. M.
que um dia a Inglaterra e a França acharam os seus reis muito pe­
sados, prepararam-lhes um cadafalso, e ali os mataram... Esses reis
Antologia do romance-folhetim brasileiro 51

chamavam-se Carlos I e Luís XVI... D. Miguel I, oxalá que Portu­


gal um dia não ache V. M. muito pesado!... Porque, nesse dia, ele
ainda encontraria nos seus bosques bastante madeira para levantar
um cadafalso, e, nas suas minas, bastante ferro para um cutelo!... E
agora, mandem-me assassinar, cumpri com o meu dever!
Já os guardas haviam chegado; e imediatamente prenderam o
velho!...
“Agora sim, agora serei físico-mor”, disse consigo o médico
retirando-se.
Opróbio eterno sobre esses monarcas que pensam alcançar um
nome glorioso na história, cercando seu trono de ruínas e destro­
ços, salpicando sua coroa com o sangue de infelizes e inocentes
vítimas de seus caprichos e despotismos!
Portugueses! lembrai-vos do governo de D. Miguel I!

VI

Au banquet de la vie infortune convive,


J’apparus un jours, et je meurs.
Gilbert

No dia seguinte ao da fatal noite de 26 de outubro de 1828,


noite em que tantos diversos acontecimentos tiveram lugar, em que
tão diferentes cenas se sucederam, apenas raiava a madrugada,
estavam o pai e o filho presos na mesma enxovia do Limoeiro,
ambos ligados por uma grossa corrente de ferro que os ligava às
argolas do mesmo metal pregadas à parede. A noite, para ambos,
foi terrível... e mais que muito longa. Eles se preparavam para a
morte, e recolhiam todos os seus pensamentos, todas as suas idéias,
esperando na misericórdia divina o perdão de algumas faltas que
durante sua vida houvessem cometido.
O velho, apenas lhe fulgurou no semblante a luz do dia, er­
gueu-se a custo, e convidou seu filho a fazer o mesmo. Ajoelha-
ram-se, e entoaram um cântico religioso em honra do Eterno Cria­
dor do Mundo, finalizando suas preces com uma última toda patri­
ótica. Rogaram a Deus que olhasse para Portugal, e aplicasse sua
52 Tania Rebelo Costa Serra

misericórdia àquele infeliz povo, tão digno de melhor sorte, tão


merecedor de suas boas graças.
Cumprindo este ato sacrossanto, o velho abençoou seu filho, e
recomendou-lhe que conservasse, até seus últimos momentos, pen­
samentos puros e religiosos, olvidando os sonhos do mundo, as
ilusões da terra e despindo-se dos prejuízos e preconceitos dos
homens.
Então entrou o meirinho, e leu em voz alta as sentenças que
condenavam à morte a Frederico, como conspirador e revolucioná­
rio, e a seu pai, como criminoso de lesa-majestade. Eles assistiram
a esta leitura com resignação e paciência, e entregaram-se depois
nas mãos de Deus.
Entrou o sacerdote, e dirigiu-se primeiramente ao velho; ouviu
a sua confissão, e deu-lhe a bênção do Senhor. Chegou-se depois
para perto de Frederico, e preparou-se para receber a revelação dos
segredos do pecador, com aquele amor, carinho e benevolência
que devem os ministros da religião a todos que necessitam de seus
auxílios espirituais.
— Padre, disse-lhe Frederico, antes de morrer, releva-me
contar-te minha vida; por ela virás ao conhecimento de meus atos,
para poderes perdoá-los em nome de Deus. Presta-me atenção, que
eu serei breve.
Jovem ainda, fui por meus pais mandado para Coimbra; aí de-
diquei-me aos estudos de legislação e de direito, e preparava-me
para ser advogado, ou seguir a carreira da magistratura; pareciam-
me ser as duas mais nobres profissões do homem: — pugnar pelos
direitos de seus semelhantes, e dar a cada um o que é seu. Tinha
um amigo, meu companheiro desde a mais tenra infância, que se
aplicava à medicina. Acabados que foram nossos estudos, volta­
mos para Lisboa, amigos sempre. Eu amei uma donzela... ainda a
amo, e, com a mesma força, ele a amou também... e, infelizmente,
ela deu-me a preferência.
Mais pura que os anjos, mais singela que as rosas, Maria deu-
se toda a mim... Ele o soube... e, desde então, romperam-se todos
os laços de nossa amizade; desde então ele lançou para longe de si
a máscara com que se encobria.
Gomes, assim se chamava ele, procurou todos os meios de
prender-me; aproveitou-se da ocasião em que entrou D. Miguel em
Antologia do romance-folhetim brasileiro 53

Portugal e se aclamou rei, para abraçar seu partido...denunciou-me


como constitucional... fez-me condenar à morte... evadi-me; mas
não pude demorar-me muitos meses longe da pátria: a idéia de
minha amada, que seria sem dúvida por ele também perseguida, de
tal maneira apoderou-se de meu espírito, que preferi a morte na
minha própria pátria à vida em estranhos lares. Regressei a Lisboa,
e a primeira pessoa que vi, foi ele... o meu inimigo... o infame
português, que sacrifica sua honra à ambição que o devora, que
denuncia seus patrícios com a esperança de ser algum dia físico-
mor do reino... conheceu-me e vingou-se...
— Perdoa-lhe, meu filho, que Deus te perdoará, Deus que
breve vai decidir de tua sorte! exclamou o velho.
— Oh! sim, padre, eu lhe perdoo!
— Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, eu vos
absolvo, meus filhos.
Então ajoelharam-se de novo, e puseram-se a render graças ao
Onipotente de sua misericórdia!
E, depois disto, o sacerdote saiu, e entrou o carrasco acompa­
nhado de muitos soldados.
Pela última vez abraçaram-se o pai e o filho; as lágrimas cor­
riam-lhes a jorros dos olhos, e inundavam suas faces. Com dificul­
dade conseguiram os soldados separá-los; pareciam querer morrer
nos braços um do outro. Pôs-se ordem no acompanhamento, e
seguiram todos para o lugar em que se havia preparado o cadafal­
so. Quando Frederico saiu da última porta do Limoeiro, a primeira
pessoa que avistaram seus olhos foi Maria, que ali estava postada à
sua espera!...
Ela não pôde ter-se, e, sem dar atenção às vozes da multidão
que por ali se achava, atravessou as linhas dos soldados, e lançou-
se nos braços do paciente...
Oh! foi um espetáculo terrível para todos os corações sensí­
veis aquele que davam esses dois infelizes, assim, assim abraçados
e chorando!... A última hora da vida de um estava quase a bater, e
o outro, cheio de vida, de força, no vigor da idade, parecia querer
deixar todas essas ditas para acompanhar ao sepulcro o seu com­
panheiro!...
Os soldados haviam parado, como que maquinalmente. Eles
estavam enternecidos com esta cena, e não ousavam limitá-la. Foi
54 Tania Rebelo Costa Serra

de mister que uma voz forte e sonora os chamasse a seus deve­


res!... Era a voz do médico!...
— Oh! gritou-lhe Frederico, não quiseste desamparar-me no
último transe da vida? Eu te agradeço tão assinalado serviço. Com
teus próprios olhos contemplas teu triunfo, observas tua vitória!
— Frederico, respondeu-lhe ele do meio da multidão aonde se
achava, bem vias que eu queria acompanhar-te ao suplício... Estás
contente?
E, virando-se para os soldados, ordenou-lhes que arrancassem
dos braços do paciente a triste donzela, que parecia mais morta do
que viva...
Esses instrumentos mudos de todos os despotismos cumpriram
suas ordens, deixando a infeliz sem sentidos no meio do povo que
se apinhava para ver o espetáculo tão interessante que lhe davam
esses tiranos.
Continuou o acompanhamento até o cadafalso. Aí Frederico
viu seu pai pela última vez, mas sem poder abraçá-lo, despedir-se
dele e do mundo... E o algoz, com um sangue frio estúpido, e um
sorriso de Satanás, atou-lhe o laço e o atirou abaixo...
Um profundo gemido escapou de seu peito... seus sentidos o
desampararam... foi de mister carregá-ló...
E, poucos minutos depois, já Frederico não existia!

Epílogo

A los vivos la liberdad,


A los muertos la gloria.
Calderón, La Devoción

No ano de 1834, quando o exército libertador entrou em Lis­


boa, e o imortal duque de Bragança plantou naquele país o estan­
darte da liberdade, um soldado voluntário dirigiu-se a um dos con­
ventos de freiras, estabelecidos naquela cidade, e, levado pela cu­
riosidade, examinou alguns túmulos de sorores, que existiam na
igreja; entre eles deparou com um, cuja inscrição parecia denunciar
que os restos que nele se haviam sepultado pertenciam a uma soror
Antologia do romance-folhetim brasileiro 55

que entrara para o convento no mês de outubro de 1828, de nome


Maria da Purificação. Sua vida, diziam as outras freiras, tinha sido
muito atormentada pelas paixões do mundo, de maneira que se
recolhera ao convento, onde, entre lágrimas e exercícios religiosos,
acabou seus dias em 1831.
Quanto ao médico, consta que conseguira por fim ser nomea­
do físico-mor, mas não do reino de Portugal, e só sim de D. Mi­
guel, enquanto este infante, abandonado e desprezado por todos,
mendigava esmolas dos pequenos tiranos da Itália.
Justiniano José da Rocha

Justiniano José da Rocha nasceu na cidade do Rio de Janeiro a


8 de novembro de 1812 e ali faleceu em 10 de julho de 1862. Fez
seus estudos no Liceu Henri IV, em Paris, terminando por cursar a
Faculdade de Direito de São Paulo. Foi dos primeiros jornalistas
brasileiros, tendo contribuído para os jornais: O Cronista, O Bra­
sil, O Regenerador, O Atlante e o Jornal do Commercio. Foi con­
siderado pelo Barão do Rio Branco como “o primeiro jornalista
brasileiro de seu tempo”.
Apesar da origem humilde e de ser mestiço, devido à sua
grande inteligência ocupou importantes cargos na corte do II Rei­
nado. Foi deputado por três vezes e também professor do Colégio
Pedro II e da Escola Militar. Contribuiu para a história da literatura
brasileira com diversas traduções, contos, ensaios biográficos,
novelas e compêndios escolares.
Acabou sua carreira pública após pronunciamentos considera­
dos demasiado contundentes, baseados em um temperamento
“sangüíneo”, embora tenha mantido o renome assinando panfletos
políticos, como o “Ação, Reação e Transação”, de 1855.
Os assassinos misteriosos, ou a paixão dos diamantes (1839)
é uma noveleta de 24 páginas, considerada conto por Barbosa
Lima Sobrinho, que o inclui em sua antologia, denominando o
autor precursor do romance-folhetim no Brasil. E o primeiro dos
textos aqui apresentados que tem características específicas do
romance-folhetim, tais como o mistério, as peripécias, a vingança.
O próprio Justiniano diz, no entanto, que é uma tradução livre do
francês: “Será traduzida, será imitada, será original a novela que
ofereço, leitor benévolo? Nem eu mesmo que a fiz vo-lo posso
58 Tania Rebelo Costa Serra

dizer. Uma obra existe em dois volumes, e em francês, que se ocu­


pa com os mesmos fatos; eu a li, segui seus desenvolvimentos,
tendo o cuidado de reduzi-los aos limites de apêndices, cerceando
umas, ampliando outras circunstâncias, traduzindo os lugares em
que me parecia dever traduzir, substituindo com reflexões minhas
o que me parecia dever ser substituído; uma coisa só tive em vista,
agradar-vos.” Devido à importância histórico-literária e ao peque­
no número de páginas, esse texto também será transcrito integral­
mente.

Os assassinos misteriosos ou a paixão dos diamantes


(novela histórica)

Paris era teatro de crimes e suplícios horrorosos; a infame


Brinvilliers, esse monstro, que a vingança e a sede do ouro havia
precipitado da mais alta posição social no abismo da degradação,
acabava de pagar no cadafalso seus adultérios, seus envenena­
mentos, seu parricídio. Herdeira de sua perversidade, havia a Voi­
sin levado consigo ao túmulo o segredo de seus cúmplices; mas,
uma lista de nomes, achada entre seus papéis, indicava às terríveis
pesquisas da câmara ardente mil indivíduos que, sem dúvida, ha­
viam recorrido a seus conselhos, a seus pós de sucessão, para li­
vrarem-se de um tio, de um irmão, de um pai, talvez, que teima­
vam em viver. Muitos inocentes foram então perseguidos; viram-
se muitas personagens de alto cotumo, muitos empavonados corte­
sãos comprometidos e lançados nas masmorras.
Essa sucessão de crimes, de processos, de suplícios, penhora-
va, sem exauri-la, toda a curiosidade do povo parisiense, quando
novos atentados vieram distraí-la, e profundamente alterá-la. Raro
era o dia em que se não achasse na rua um cadáver, rara a ronda
noturna que não descobrisse uma vítima; e todos os corpos acha-
vam-se feridos do mesmo modo: uma só ferida feita com o mesmo
instrumento; uma só, no coração, profunda e triangular. Notava-se
igualmente que sempre os assassinados pertenciam a famílias co­
nhecidas por sua alta hierarquia ou sua opulência.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 59

A polícia havia dobrado sua ativa vigilância; seus mais hábeis


farejadores andavam à cata desses criminosos; nada poupava; tudo
era baldado. Continuavam os cadáveres a aparecer; os invisíveis,
prosseguindo em sua horrível missão, zombavam da polícia, como
zombavam da humanidade.
Veio ainda a superstição dar maior intensidade ao terror po­
pular.
Uma noite é acometido um nobre e opulento marquês, sai a
defendê-lo o mais hábil dos agentes da polícia, o assassino foge
antes de ser conhecido, o alarma espalha-se, reúnem-se, correm,
voam após ele todos quantos para manter o sossego público ron­
dam naquelas imediações. Sem dúvida vão agarrá-lo, a luta des­
perta o zelo, aumenta a atividade; eles o agarram... não: o assassi­
no encosta-se a um muro, entranha-se por ele adentro, e, através
dele, desaparece.
— Há magia, há sortilégio, há pacto com o demônio, clamam
todos; os assassinos deram sua alma a Satanás, e Satanás os protege!
Como não acredite o chefe da diligência que possa o corpo de
um homem atravessar a solidez de um muro; como ainda menos
acredite na onipotente ingerência do diabo nos negócios deste
mundo, persuadido de que por meios humanos deve explicar-se
este mistério, examina atento se alguma porta falsa, algum vão,
alguma abertura existe na parede: é tudo baldado; ergue por toda a
parte o muro sua solidez de pedra, impenetrável ao mesmo ferro!
— Há magia, há sortilégio, clamaram todos, e no dia seguinte
sabia a cidade inteira que, entre raios e coriscos, aparecera Satanás
para ludibriar da polícia e roubar-lhe um assassino; e que ambos,
protetor e protegido, haviam se esvaecido em uma nuvem de fu­
maça.
E no entanto, iam por diante os atentados, sempre os mesmos;
uma ferida, única, triangular, profunda, sobre o coração; e recres-
cia o terror.
Vivia então em Paris essa Mlle de Scudery, tão digna de ter
talento, porque era virtuosa: a braços com a miséria, recorrera ela à
pena, e a pena lhe havia dado prodigiosa reputação: suas obras,
hoje tão rebaixadas, suas novelas de dez volumes, sua carta geo­
gráfica dos estados da ternura, mereciam a admiração dos con­
temporâneos, e nesse tempo florescia Corneille, começavam a
60 Tania Rebelo Costa Serra

surgir Boileau e Racine, esses luzeiros da literatura! que tamanho


intervalo!
Qualquer, porém, que fosse sua capacidade literária, era Mile
de Scudery geralmente amada dos pobres, porque, como eles, era
pobre e vivia de seu trabalho, achando no entanto sempre um bo­
cado de pão para repartir com algum mais do que ela miserável;
dos ricos, porque nunca os importunava com seus sofrimentos; dos
cortesãos, porque, modesta e reservada, não era obstáculo a suas
pretensões, e não lhes disputava os régios favores; do monarca,
porque sabia dar à sua conversação todo o enlevo necessário para
dissipar os amargos pesares da realeza, sem que pusesse preço a
suas joviais palavras; era, enfim, de todos, desde o rei até o mais
corrupto cortesão, estimada e respeitada, porque era virtuosa.
Sem família, sem filhos em que se ocupasse, a sensibilidade
de Mlle de Scudery havia-se toda concentrado no interior do lar
doméstico: em outros tempos, tinha tomado para sua companhia
uma pobre menina, Ana Guiot, casada com um oficial relojoeiro:
doce amizade as prendia, e suavizava a dependência da protegida.
Tinha ela tido um filho; Mlle de Scudery serviu-lhe de madrinha:
tornou-se esse menino o elo que mais fortemente as prendeu, por­
que foram ambas mães de Oliveiro, e no colo de Mlle de Scudery
tantos beijos, tantos afagos recebia como no de Ana Guiot.
Perturbou a miséria essa tranqüila existência: o marido de
Ana, não achando quem em Paris quisesse ocupar sua habilidade,
tratou de retirar-se para Genebra, sua pátria. Bem desejara Mlle de
Scudery sustentar toda a família de seu Oliveiro; não lho consentiu
a pobreza, que são minguados, todos o sabem, os lucros da pena,
mesmo quando o talento a inspira.
Bem doloroso foi para o coração de Mlle de Scudery o dia que
amanheceu, sem que viessem despertá-la os afagos de Oliveiro. No
entanto, o tempo havia corrido, vinte anos eram passados, e, na
nova criada que havia tomado, achara Mlle de Scudery a afeição
de amiga, o desvelo que sua bondade merecia; assim, havia ela
esquecido Ana Guiot e seu filho.
Reinava então, em França, esse rei a quem a posteridade con­
firmou o título de grande, que lhe fora dado pela adulação, porque
foi seu trono rodeado de brilhante auréola de glória, porque prote­
geu letras e annas, indústria e comércio; porque teve por ministros
Antologia do romance-folhetim brasileiro 61

Colbert e Louvois. Era uma corte inexplicável essa de Luís XIV:


apesar da barbaridade das Dragonadas, da revogação do edito de
Nantes; apesar da jesuítica influência do confessor do rei, e da
devoção hipócrita da favorita, versos e amores eram quase virtu­
des, versos e amores quase tudo conseguiram.
Estava um dia Luís XIV entre o padre Lachaise e Mme de
Maintenon, sua amásia e seu confessor; deposta a majestade da
realeza, entretinha-se em doce familiaridade: falava-se da última
comédia de Molière, da última sátira de Boileau: Mlle de Scudery
estava presente. Entregam ao rei um poético requerimento em que
os amantes, que a furto e protegidos pelo véu da noite queriam
levar aos pés de suas amadas os tributos de seu amor, queixavam-
se de não poder, sem risco de vida, atravessar as ruas da cidade, e
imploravam a criação de um tribunal que, severo, mantivesse a
segurança e protegesse os domínios de amor.
Versos e amores... O rei estava decidido, e em breve um tribu­
nal mais arbitrário, mais bárbaro do que a câmara ardente, viria
com o horror dos suplícios dobrar o terror das imaginações, con­
fundir em suas perseguições o crime e a inocência, a justiça e a
atrocidade, se feliz inspiração lhe não viesse ao espírito.
— Que deferimento darieis a essa petição? disse Luís a Mile
de Scudery; de amor e versos sois, por certo, juiz competente.

Supere obstáculos, vença mil perigos


Quem constância reclama da beleza;
Que é indigna de amor a cobardia.

Tal seria meu deferimento, disse a sensível poetisa.


O rei caiu em si: sim, disse, bem bastam as queixas do pobre
povo, pelos rigores da câmara ardente: não o devo eu sacrificar ao
arbitrário, para segurança de meia dúzia de libertinos. Seja vigi­
lante a polícia, vigilante o presidente da câmara ardente, La
Reynie; e, tarde ou cedo, os invisíveis serão descobertos.
Assim foi indeferida a súplica, e os assassínios continuaram, e
ia o terror das famílias de dia em dia aumentando.
Era meia-noite: Mlle de Scudery, sentada à sua banca, emen­
dava e polia sua interminável Clélia; e a criada, espavorida por
ver-se só, e pela recordação dos misteriosos crimes da época, que a
noite despertava, que sua imaginação centuplicava, ia já concilian-
62 Tania Rebelo Costa Serra

do o sono, quando bateram à porta, com rumor insólito àquelas


horas, nessa pacífica morada. O medo a impede de descer para ver
quem seja: ouve, porém, uma voz tão meiga, que a chama por seu
nome, que a suplica que desça e abra; são tão magoadas as expres­
sões do que bate, tamanha dor manifestam, tamanha compaixão
excitam, que não tem a coitada ânimo de resistir, e abre a porta.
— Leva-me à presença de tua ama, diz-lhe com tom imperioso
um indivíduo que entra, trazendo à cintura um punhal.
Então viu a criada que havia sido imprudente sua compaixão.
— Minha ama dorme, disse, e nada nesse mundo obrigar-me-
ia a despertá-la.
— Mentes: Mlle de Scudery nunca se deita antes das duas ho­
ras, está trabalhando: leva-me à sua presença, ou... e um gesto,
indicando o punhal, completou a ameaça.
— Não o conseguireis enquanto tiver eu um fôlego de vida,
tomou a criada, não o conseguireis, e pôs-se diante dele, corajosa,
encarando o punhal que reluzia ao clarão de sua lanterna.
— Deus o não quer, disse o indivíduo com voz dolorosa e bai­
xa, resignemo-nos. Mulher, continuou em tom mais alto, tua obsti­
nação perde talvez uma alma, que tua ama teria salvado; eu to per­
doo. Toma esse estojo, e ache-se ele amanhã nas mãos de Mlle de
Scudery; este punhal pedir-te-á conta da fiel execução dessa minha
ordem.
Larga na mão da criada um estojo, e desaparece com a veloci­
dade do relâmpago.
Muito meditou a criada se entregaria ou não a sua ama o mis­
terioso presente: o meio por que lho haviam entregue, tudo lhe
sugeria ruins suspeitas; talvez fosse algum malefício, talvez conti­
vesse algum desses venenos sutis, inventados pela Voisin ou pela
Brinvilliers, que matavam até pela simples aspiração... Lembran­
do-se, porém, que tinha sua ama mais juízo do que ela, que melhor
sabería o que conviría fazer, assentou em narrar-lhe todo o ocorri­
do, sem omitir circunstância alguma, e entregar-lhe o estojo. Co­
brando assim alguma tranquilidade, deitou-se e passou inquieta
noite, velando mais do que dormindo.
No dia seguinte, logo ao amanhecer, foi ter com sua ama:
qual, porém, não foi o seu espanto ao ver que com o mais inexpli­
cável sangue-frio ouviu Mlle de Scudery toda a sua narração, todas
Antologia do romance-folhetim brasileiro 63

as exagerações do seu terror, tudo quanto disse de ameaças, de


punhais!
— Roubaram-me a mim, que sabem que sou pobre! Mataram-
me a mim, que a ninguém ofendi! não, são quiméricos receios,
disse, e tomando o estojo, calcou na mola que o fechava. O tampo
saltou, e deixou ver riquíssimo adereço de diamantes, colar, brin­
cos, pulseiras, anéis. O sol, que entrava pela janela, dava em cheio
sobre essas preciosíssimas pedras, e elas refletiam por mil admirá­
veis modos seus brilhos e seus fogos.
Embaixo das jóias vinha um bilhete: esperando que desvenda­
ria todo o mistério, Mlle de Scudery lançou mão dele, abriu-o, e o
rubor do pejo assomou-lhe às faces, pálidas, pela vigília e estudo,
pálidas pelos anos:
— Infâmia, disse, e dasatou-se em pranto.
A criada mostrava-se embaraçada; queria consolá-la não sabia
como, porque ignorava a causa de suas lágrimas, e não podia senão
afligir-se por ver aflita sua ama. Enfim, entregou-lhe esta o bilhete
para que o lesse; assim dizia:

Supere obstáculos, vença mil perigos


Quem constância reclama da beleza;
Que é indigna de amor a cobardia.

“Nada se faz, senhora, nada se diz ou se pensa, que o não sai­


bamos logo. Tomaste a defesa de desvalidos que a sociedade re­
pele; para prova de quanto respeitamos vossas virtudes, de quanto
vos ficamos agradecidos, mandamos essas jóias de que só vós sois
digna, porque são, como vós, o que de mais perfeito conhecemos
— Os invisíveis.”
Enxugando enfim as lágrimas, Mlle de Scudery tomou súbita
resolução: jurou nunca servir-se dessas jóias cujos cintilantes fo­
gos indicavam com sua cor de sangue os crimes de que haviam
sido preço; e partiu para Versalhes a consultar sua protetora, Mme
de Maintenon, o que lhe cumpria fazer para restituir os diamantes a
seu legítimo dono.
Ouvida a narração que lhe fez Mlle de Scudery, admirando
atenta a beleza e a perfeição da obra, a delicadeza do lavor:
64 Tania Rebelo Costa Serra

— Só Cardillac, disse enfim Mme de Maintenon, é capaz de


fazer jóias tão primorosas, mandemo-lo chamar, ele nos dirá para
quem as fez, e tudo ficará patente.
Cardillac, o primeiro ourives do mundo, e como tal conhecido
em toda a Europa, era um homem de meã estatura, ombros largos,
musculoso, e fortemente constituído: bem que já não fosse moço,
tudo nele indicava vigor e agilidade. Ao vê-lo, ninguém duvidava
de sua extraordinária força, da irritabilidade de seu gênio, da ener­
gia de seu caráter.
No entanto, sua lealdade, seu desinteresse, sua reconhecida ca­
ridade suavizavam a indisposição que fazia naturalmente nascer a
severidade de seu aspecto.
Como ourives, Cardillac conhecia à primeira vista as qualida­
des, valor e estimação de todas as pedras, sabia poli-las com tal
destreza, cravá-las com tal primor, que a jóia mais insignificante,
ao sair de suas mãos, parecia inestimável preciosidade. Era com
vivas demonstrações de alegria que aceitava qualquer encomenda,
fixava preço muito diminuto, e concluindo o ajuste, fechava-se em
sua oficina, e dela não saía sem que tudo estivesse concluído.
O menor defeito que descobria em seu trabalho levava-o a destruí-
lo, a refazê-lo todo de novo, de modo que nada saía de suas mãos
que não fosse perfeito e inimitável.
Acabada, porém, a obra, recusava Cardillac entregá-la, inven­
tava mil pretextos, recorria a mil estratagemas, dava todos os sinais
da mais violenta comoção: súplicas, lágrimas, nada poupava; logo
depois, enfurecia-se, amaldiçoava quem lha havia encomendado,
amaldiçoava sua habilidade, sua arte, e até a si mesmo. Rara vez
cedia sem ser ameaçado com a intervenção da autoridade.
Mui diverso de seus companheiros de ofício, sempre enjeitava
a freguesia dos que mereciam consideração e respeito; havia-se
uma vez lançado aos pés do rei, suplicando que nunca lhe fizesse
encomenda alguma. Pedira-lhe Mme de Maintenon que fizesse um
anel com os emblemas da tragédia, para dá-lo a Racine. Cardillac
recusou, horrorizado, encarregar-se desse trabalho.
Tal1 era a extraordinária personagem que, por chamado de
Mme de Maintenon, entrou em sua câmara. Ao ver Mlle de Scu-

1 Barbosa L. Sobrinho divide em capítulos o texto, que assim não aparece na


edição de 1839. Como foi todo apresentado em dois dias no Jornal do Commer-
cio — 28 e 29 de março —, optei por não separá-lo em capítulos.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 65

dery, mostrou o ourives indizível perturbação; para ela foi seu


primeiro cortejo, e toda a sua atenção.
— Queremos, Cardillac, que nos digais se é obra vossa este
adereço, disse Mme de Maintenon, apontando para a dádiva dos
invisíveis.
Cardillac lançou um olhar para as jóias, suas feições altera-
ram-se profundamente, seu olhar turvou-se: dirige-se rápido para
elas, recolhe-as ao estojo, fecha-o; um doloroso suspiro acompa­
nha sua precipitação e abaixando os olhos:
— E obra minha, disse.
— E para quem a fizestes? perguntou Mme de Maintenon.
— Para quem? Para mim.
As duas senhoras olharam incrédulas uma para a outra.
— Sim, continuou Cardillac, fiz este adereço para mim, por
amor, por adoração à minha arte; empreguei meus melhores dia­
mantes; nunca trabalhei com tanto esmero... Há dias, desapareceu-
me de casa, não sei como.
— Louvado Deus! disse Mlle de Scudery, aí o tendes, levai-o;
e narrou-lhe como havia vindo a seu poder.
Cardillac não interrompeu seu discurso; quando, porém, aca­
bou de falar, mostrou todas as hesitações de uma luta interna, es­
fregou a testa, suspirou, levou as mãos aos olhos, e por fim:
— Só vós, senhora, sois digna dessas jóias; são vossas, não as
quero: em vós estava fixo meu pensamento quando as fiz; são vos­
sas. Disse e desapareceu precipitado.
Legítima possuidora do rico adereço, achou a modesta Mlle de
Scudery que não devia guardar para si essa dádiva.
Embora Mme de Maintenon lhe quisesse persuadir que a devia
ela ao extravagante amor do ourives, ela não se podia capacitar
senão que Cardillac, por nímia delicadeza, havia consentido em
esbulhar-se, para não privá-la de uma coisa de que estava ela de
posse, e que, sem dúvida, supunha ser-lhe agradável. Resolveu,
pois, buscar oportunidade para restituí-la.
Um mês havia corrido: distraída por suas ocupações, não tinha
ela achado ocasião de falar com Cardillac, tinha-se até esquecido
da opulência que por modo tão extraordinário lhe tinha vindo, e
que atirara ao canto de uma gaveta. Saindo um dia a passeio na
carruagem de uma de suas amigas, um moço de elegante presença,
66 Tania Rebelo Costa Serra

bem que alterado pela ansiedade, chega-se à portinhola, larga den­


tro do coche um bilhete, e some-se. Mlle de Scudery abre-o apres­
sada e lê: “Por tudo o que há de mais sagrado vos suplico, se rece­
ais a morte, se quereis que se não perca neste mundo e no outro um
desgraçado que vos adora como o emblema de todas as virtudes,
entregai quanto antes o adereço a Cardillac”.
Volta a casa Mlle de Scudery, resolvida a levar naquela mes­
ma ocasião o objeto de cuja restituição pende sua vida, e a salva­
ção de um mísero. Importunas visitas a obrigam a guardar para o
dia seguinte a execução do seu projeto.
Tristes pensamentos assaltam-na toda noite, eram pressenti­
mentos de desgraças e crimes: corriam ante seus olhos rios de san­
gue, soavam a seus ouvidos os roucos arrancos do moribundo.
Procurava dormir, redobrava seu horror; as imagens de destruição
reproduziam-se e multiplicavam-se. Ergue-se da cama, e busca
ocupar e divertir seu espírito com a leitura; nos livros não lê o que
está escrito, não vê em suas páginas senão as fatídicas palavras do
bilhete: — Se receais a morte, se quereis que se não perca neste
mundo e no outro...
Enfim, com os primeiros raios do dia desaparecem as tristes
idéias que a atormentavam; ela se dirige para a casa de Cardillac.
Ao chegar às imediações da loja do afamado ourives, nota que o
povo se apinha e aflui para esse ponto, e entre a clamorosa voz da
multidão, distingue essas palavras:
“Prendei, prendei os assassinos”. Mlle de Scudery estremeceu:
era já tarde. Aproximando-se por entre o povo, viu ela fechada e
selada pela justiça a casa de Cardillac; um cadáver em uma padio-
la, coberto com um pano preto; um mancebo, o mesmo que na
véspera lhe entregara o bilhete, preso entre soldados; e nos braços
de um oficial da polícia uma moça desmaiada, a quem, entre voci-
ferações, chamava o povo — parricida.
Era pura e sensível a alma de Mlle de Scudery; não pôde ligar
a idéia de um crime, e de um crime tão atroz, às angélicas feições,
aos verdes anos da desgraçada: comovida por tanto infortúnio,
impetrou e obteve levá-la para sua casa, obrigando-se a dar conta à
justiça toda a vez que fosse preciso.
Tal é a versatilidade do povo, tal o conceito de que gozava
Mlle de Scudery, que, vendo-a interessar-se pela filha de Cardillac,
Antologia do romance-folhetim brasileiro 67

fazer chegar uma carruagem, e honrá-la com sua companhia,


aqueles mesmos que inda há pouco a injuriavam, que a chamavam
— parricida —, sentiam-se comovidos por sua orfandade, pelos
seus sofrimentos; achavam-na inocente, bendiziam sua protetora.
Matilde, assim se chamava a moça, fez à sua benfeitora a nar­
ração da ocorrência, cujo desfecho havia presenciado. Dormia ela
sossegada, quando a despertou, seriam duas horas da manhã, a voz
de Oliveiro, oficial de ourives, que morava em casa de seu pai; ele
a chamava, para que lhe dessem ambos juntos os socorros exigidos
pela posição em que se achava. Quanta não foi a sua dor ao ver no
peito de seu pai uma larga e profunda ferida! Dando-lhe, porém,
força e alento o amor filial, havia-lhe ela prodigalizado os imagi­
náveis desvelos; tudo havia sido inútil; seu pai estava morto.
Disse-lhe então Oliveiro que seu amo havia sido assassinado
na rua em sua presença, sem que lhe pudesse ele valer; que, porém,
supondo-o vivo, desejando dar-lhe os necessários socorros, havia-o
carregado aos ombros, e trazido para casa. Então puseram-se am­
bos a rezar juntos, de joelhos, ao pé do corpo inanimado de Cardi-
llac. Nessa posição surpreendeu-os a polícia, quando, no dia se­
guinte, chamada pelos moradores do andar de baixo, que havia
despertado seu pranto, entrou em sua casa. As aparências os acu­
savam; Oliveiro foi preso.
Tão singela e tão profunda convicção reinava no falar de Ma­
tilde, que Mlle de Scudery, já predisposta em seu favor por sua
beleza e sua mocidade, ficou firmemente capacitada de sua ino­
cência. Seu espírito, porém, não admitia tão facilmente a justifica­
ção de Oliveiro: o bilhete que havia recebido na véspera, algumas
circunstâncias da narração de Matilde, a inquietavam, e ela estava
longe de partilhar a convicção de sua protegida, que afirmava que,
quando mesmo visse um homem, com as feições de Oliveiro, ar­
mar-se com seu punhal, desfechar o golpe sobre o peito de seu pai,
ainda assim acreditaria que era ilusão dos sentidos, juraria que
Oliveiro era inocente.
Não podia, porém, Mlle de Scudery conceber, sendo tão cri­
minoso, havia esse mancebo sido tão imprudente, que se não
acautelasse, que não fugisse, e que, ao pé de sua vítima, esperasse
que a justiça o viesse surpreender. Que motivo o teria feito come­
ter semelhante atentado? Matilde manifestava em seus discursos o
68 Tania Rebelo Costa Serra

mais puro e sublime amor; era ela a única herdeira de seu pai, e
este havia aplaudido a seu amor e aprovado seu casamento.
Nessas circunstâncias, lembrando-se Mlle de Scudery do ter­
rível tribunal que só conhecia um suplício, a fogueira, e o aplicava
debaixo do menor pretexto e com o mais leve indício, solicitou dos
juizes atenção e brandura para com o mísero mancebo. Em res­
posta, obteve uma carta do presidente La-Reynie, que lhe assegu­
rava que Oliveiro não podia deixar de ser criminoso: — com sua
prisão haviam cessado os atentados dos invisíveis: — a ferida de
Cardillac era em tudo igual à que faziam esses facínoras. Oliveiro
mentia, quando afirmava que seu mestre havia sido ferido na rua,
porque juram todos os vizinhos, e os moradores do andar de baixo
da mesma casa, que não haviam ouvido bulha que indicasse que
houvesse saído ou voltado da rua Cardillac, o qual, como de cos­
tume, havia fechado sua porta às 9 horas da noite.
Por tudo isso estava já condenado Oliveiro, e se ainda não ha­
via pago seus crimes, era porque precisava a justiça de suas revela­
ções, para descobrir a quadrilha de que era, sem dúvida, o chefe.
Todavia, o réu pertinaz não queria fazer declaração alguma:
iam-se-lhe aplicar tormentos que lhe extorquissem completa con­
fissão. Como, porém, por ele se interessasse uma senhora de tanta
consideração, como o réu pedia constantemente para ser-lhe apre­
sentado, para dar-lhe a ela sinal de deferência, apresentar-lho-iam
em sua casa, livre de ferros, às 10 horas da noite, se Mlle de Scu­
dery anuísse a seu pedido.
Não podendo por outro modo valer ao pobre moço, anuiu Mile
de Scudery ao desejo que manifestava, esperando obter, em resul­
tado dessa conferência, plena prova de sua inocência.
A hora aprazada, abre-se a porta da sala de Mlle de Scudery, e
Oliveiro precipita-se a seus pés, debulhado em lágrimas.
Mlle de Scudery olhou para o mísero sem proferir uma só pa­
lavra, e quanto mais considerava as feições do mancebo abatidas
pelo desgosto, mais ocupava seu pensamento a lembrança de uma
pessoa a quem outrora amara com ternura. Esqueceu-se de que era
um assassino que estava em sua presença, e disse com benevolência:
— Quisestes ver-me, aqui me tendes, Oliveiro.
Este, sempre a seus pés, dando um profundo suspiro, disse
com voz magoada:
Antologia do romance-folhetim brasileiro 69

— Ó digna e respeitável senhora, já não tendes lembrança ne­


nhuma de mim?
Mlle de Scudery encarou-o com mais atenção.
— Sim, disse, trazeis-me à lembrança uma pessoa que me foi
cara, e a isso deveis estar eu vencendo o horror que me causa vos­
so assassinato.
Oliveiro levantou-se rápido, e, ferido por essa palavra, recuou
um passo.
Com que estais de mim esquecida?... de mim! de Ana Guiot!
de seu filho, de vosso afilhado!
— Meu Deus! exclamou Mlle de Scudery, e cobrindo com as
mãos o rosto, deixou-se cair sobre sua cadeira... Terrível, terrível
acontecimento! continuou ela depois de algum silêncio. Sim, eu
vos reconheço, sois meu afilhado, o filho de Ana Guiot, e em que
ocasião vos torno a ver!... desgraçado!
Desgraçado, sim, interrompeu-a Oliveiro; pode a câmara ar­
dente, pode o mundo todo imputar-me um crime, podem entre
tormentos dar-me a morte, condenar minha memória à execração;
mas, fazer-me criminoso, homicida, isso não.
Tive tempo, senhora, de preparar-me para ver-vos; era o único
favor que podia adquirir a tranquilidade e confiança necessárias, a
fim de narrar meu inaudito infortúnio.
Desde a mais tenra infância, lembra-me que vivi no seio da
miséria. Foram lágrimas de dor o primeiro alimento que me deu
minha mãe, lágrimas os primeiros brincos de minha infância. Su­
cumbiram à miséria meu pai e minha mãe, minha mãe que tantas
vezes me falava de vós, senhora, e que em meu coração fez germi­
nar essa adoração, esse respeito que vos consagro.
Recolheu-me a caridade pública; um ourives tomou-me em
sua loja, fez-me seu aprendiz. Qualquer que fosse, porém, minha
habilidade, por melhor que eu trabalhasse, nunca o satisfazia, era
sempre maltratado; de que se podia queixar um mísero órfão sem
protetor no mundo!
Um dia entrou na loja em que eu trabalhava um estrangeiro, e
vendo uma jóia por mim feita: — Bem, mancebo, disse-me, é pri­
moroso este lavor, melhor do que vós só trabalha Cardillac.
Quanto não daria ele para ter um oficial de vossa habilidade!
70 Tania Rebelo Costa Serra

Estas palavras decidiram de minha existência; não tive mais


descanso enquanto não me vi em Paris.
Cardillac recebeu-me friamente; não desanimei, expus-lhe a
que vinha, narrei-lhe minha história; deu-me um anel para fazer,
um diamante para cravar. Levei-o pronto; o mestre examinou mi­
nha obra, lançou-me um olhar tão profundo como se quisesse ler-
me dentro da alma.
— És um oficial hábil, disse-me por fim, admito-te em minha
oficina, pagar-te-ei bem, ficarás satisfeito.
Havia já algum tempo que eu residia em casa de Cardillac,
quando vi pela primeira vez Matilde... Oh! poder inconcebível do
amor! que sentimentos assaltaram minha alma, como não palpitou
meu coração quando meus olhos encontraram esse anjo!... E ela,
tão formosa, tão rica, amar-me a mim, mísero oficial, sem patri­
mônio! sem família! amar-me a mim! Venha a ignomínia, venham
a fogueira e o algoz; qual o homem mais feliz do que eu!...
No entanto, essa ventura eu a ignorava, Matilde ignorava
igualmente que eu a amava; minha timidez obrigava-me a ser dis­
creto, e ela, seu coração singelo, ignorava ainda que isso que sentia
era amor. Em nossos olhos leu Cardillac nosso segredo, e chegan­
do-se para mim com ar ameaçador, com os olhos inflamados pela
cólera: — Sai da minha casa, disse-me, e nunca tenhas a impru­
dência de aparecer ante meus olhos. O fruto que cobiças, mísero
pobretão, é mui subido, mui precioso para ti.
E sem me dar tempo para responder, agarrou de mim, e vio­
lentamente precipitou-me pela escada abaixo.
Longe de Matilde não achava eu descanso; todas as noites eu
passava defronte de suas janelas, esperando que ouvisse meus sus­
piros, que adivinhasse minhas mágoas.
Soube um dia que Cardillac projetava retirar-se de Paris. Fazei
idéia de minha dor. Minha existência era a de Matilde; resolvi partir
com ela, acompanhar a pé sua carruagem; fui, e voltei com ela.
Junto à casa de Cardillac há um muro alto e largo, em que se
acham uns nichos, onde outrora havia algumas imagens, uma es­
pecialmente de S. Domingos, porque o muro tinha dependido de
um antigo convento deste santo. Encostado nesse lugar estava eu
uma noite, olhos fitos na câmara de Matilde; vejo luz na oficina de
Cardillac; era meia-noite, e o mestre deitava-se infalivelmente às 9
Antologia do romance-folhetim brasileiro 71

horas. O coração palpitava-me; há algum extraordinário aconteci­


mento; talvez que, favorecido por ele, possa eu vê-la, falar-lhe...
A luz desaparece; a fatalidade me impele, me obriga a encostar-me
ao muro: sinto que ele recua, que dá volta, deixa uma aberta, e um
vulto sai e avança-se cauteloso; acompanho-o; passa ele diante de
um nicho em que se acha uma Virgem, e a lâmpada ante ela alumia-
da descobre-me as feições; era Cardillac.
Indefinível ansiedade, terror sinistro apoderara-se de mim.
Ó que me não protegeu o anjo de minha guarda que não desviou
meus passos!
Cardillac esconde-se num corredor, eu paro e encosto-me às
casas, longe de sua vista. Que vai ele fazer? Que mistério encerra
esse passeio noturno?
Daí a pouco, vejo que passa um homem cantando alegres árias;
Cardillac precipita-se sobre ele com o furor do tigre, o homem cai.
Corro horrorizado; Cardillac em cima do corpo inanimado, apalpa-
o com precipitação.
— Que é isso, mestre, clamo em alta voz, que fizestes?
— Maldição! uiva Cardillac, e foge apressado.
Retiro-me igualmente, sem saber para onde me levam meus
passos, amaldiçoando mil vezes minha estúpida curiosidade, que
me havia dado a confidência de tamanho crime, e mil vezes lasti­
mando não haver chegado a tempo para salvar a vítima.
No dia seguinte (depois da mais cruel e pesada vigília, havia
eu pela madrugada conseguido conciliar o sono), logo ao desper­
tar, quando procurava reunir todas as horrorosas recordações da
noite, quando procurava capacitar-me de que tudo havia sido um
sonho, Cardillac entra-me em casa.
— Em nome de Deus, exclamo estremecendo, que viestes fa­
zer aqui?
Cardillac, sem responder-me, toma um banco, senta-se, e com
horrível sangue-frio:
— Então, Oliveiro, disse-me, como vão teus negócios? Fiz
mal em despedir-te; sinto a cada instante que me faltas, venho
buscar-te; queres voltar para minha casa? Não me respondes?
Sinto que te ofendi... Matilde... mas enfim, tenho refletido: tua
habilidade, tua aplicação, tornam-te digno de ser meu genro; volta,
pois, para minha casa, vem merecer a mão de Matilde.
72 Tania Rebelo Costa Serra

As palavras de Cardillac abrasavam-me; tremia, porém, quan­


do me lembrava de sua perversidade; nada podia responder...
— Tu hesitas, continuou ele com tom ameaçador, tens, sem
dúvida, mais que fazer; uma visita à polícia, não é assim? ou talvez
ao presidente da câmara ardente?... Se melhor refletisses, verias
quanto não é melhor para ti ser o primeiro oficial do primeiro
mestre ourives de Paris, tão conhecido por sua probidade, por sua
boa-fé, que é contra ele impotente a calúnia, e por mais bem urdida
que seja, revertería contra seu autor... Falemos de Matilde; a ela
deves a condescendência de que dou prova: desde que saíste de
casa vai definhando sensivelmente, e minha engenhosa amizade
tem-lhe debalde procurado mil distrações. Ontem, arrasada em
pranto, precipitou-se a meus pés, declarou-me que te amava, que
sem ti era-lhe impossível viver; e eu, que não quero ser o algoz de
minha filha, consenti no seu casamento, vim buscar-te, ela te espera.
Ah! Perdoem-me os céus! que súbita mudança produziram em
minha alma essas palavras! Matilde me ama! nada obsta à nossa
união! Perdi a memória, confundiram-se minhas idéias... Quando
dei acordo de mim, estava em casa de Cardillac.
Oh! como pintar-vos nossos recíprocos êxtases ao ver-nos
frente a frente, nossas lágrimas que se confundiam! Cardillac auto­
rizava com sua presença essas doces revelações de amor, consentia
que nos prometéssemos fidelidade eterna. Nesse auge de ventura,
jurei pela Virgem, pelos santos, que nunca a abandonaria.
O mancebo aqui calou-se, agitado por todas as opostas sensa­
ções de glória, de amor, de ventura e de infortúnio.
— Assim vivi algum tempo em casa de meu mestre; horrori­
zava-me quando me achava a sós com ele, não podia falar-lhe, nem
mesmo encará-lo; mas, aos pés de Matilde tudo esquecia, tudo,
menos seu amor e nossa futura união.
Um dia Cardillac, mais carrancudo do que de ordinário:
— Oliveiro, disse-me, isso não pode continuar; o acaso fez-te
descobrir o que escapa à perspicácia da polícia; devo tudo expli­
car-te, para que possas condoer-te de mim.
Foi tua fatal estrela que te levou a acompanhar-me, que te en­
cobriu com véu tão impenetrável, fez-te andar tão leve, que não dei
por ti; eu, que tenho a vista do lince, que penetra as mais densas
trevas; eu, que tenho toda a cautelosa agilidade do tigre, quando
Antologia do romance-folhetim brasileiro 73

inesperado acomete a presa. És meu aprendiz, serás meu genro; o


meu e o teu interesse, o interesse de Matilde, exigem plena confi­
dência.
Hás de, sem dúvida, ter ouvido falar na influência que sobre
nós exercem as circunstâncias, quando extraordinárias, que presi­
dem à nossa concepção. Jacques Stuart não pode ver uma espada
sem que estremeça convulso, porque uma espada havia salpicado
com o sangue de Rizzio o colo de sua mãe. Mais funesta foi a in­
fluência que presidiu a meu nascimento. Estando grávida de mim,
minha mãe assistia a um sarau: na multidão de mancebos que o
abrilhantavam, um havia que trazia ao pescoço rico colar de dia­
mantes: toda a atenção de minha mãe ficou atraída por esse omato,
ardente desejo de possuí-lo assenhoreou-se de suas faculdades.
O cavaleiro que o trazia havia outrora requestado minha mãe, o
desdém lhe havia respondido. Vendo-a tão atenta para ele, imagi­
nou que seria bem aceito; minha mãe mostrou-se-lhe meiga; ambos
saíram a passear no jardim...
Pouco depois ouviram-se gritos: correram todos, acharam o
cavaleiro com o peito atravessado por sua própria espada, buscan­
do, com frenético abraço, unir ao seu o corpo de minha mãe: e a
infeliz, no meio do tenor dessa cena, não tirava os olhos de cima
do colar, que tinha seguro com mão convulsa.
Daí proveio-lhe perigosa enfermidade; no meio dela nasci eu.
Desde minha infância, diamantes, jóias, ouro, tinham sobre
mim poder irresistível; já na idade de dez anos furtava quantas
jóias me caíam nas mãos e meu instinto era tal, que me bastava um
lanço de olhos para conhecer todo o valor, todo o merecimento de
quaisquer pedras, e distinguir as verdadeiras das falsas.
Tomaram essa fatalidade que me perseguia por profícua voca­
ção; aplicaram-me à arte de ourives; em poucos dias fui de todos o
mais hábil; porém, minha louca paixão, tanto comprimida, cresceu,
triunfou, devorou todos os obstáculos.
Toda a vez que, concluída uma encomenda, tinha de entregá-
la a seu dono, triste inquietação me acometia, roubava-me o sono e
a saúde. Dia e noite rodeavam-me, como fantasmas, as imagens
das pessoas para as quais havia-se esmerado meu talento; eu os
via, esses infelizes mortais, ornados com minhas jóias, e uma voz
infernal repetia a meus ouvidos:
74 Tania Rebelo Costa Serra

— São tuas, toma-as, de que servem jóias para os mortos? são


tuas, toma-as, Cardillac!
Comecei então a furtar: tendo entrada nas casas dos grandes e
dos opulentos, soube aproveitar-me das ocasiões que se me ofere­
ciam; as jóias que havia eu feito voltavam em breve para meu poder.
Todavia, ainda assim não cobrei sossego; a voz da tentação,
agora sinistra, agora motejadora, retumbava constante a meus ou­
vidos:
— Vê, olha a morte, como está enfeitada com tuas jóias — di­
zia, e então um hediondo espectro dançava diante de mim, ornado
de colares, de diademas, anéis e braceletes, cujos fogos cintilavam,
cujo brilho me cativava.
Um ódio invencível para com aqueles que me haviam feito
encomendas apoderava-se de mim, tinha sede de seu sangue; hor­
rorizava-me de mim mesmo.
Foi nesse tempo que comprei esta casa: havia pertencido a um
antigo mosteiro. Concluído o ajuste, devo mostrar-vos, disse-me o
vendedor, uma particularidade importantíssima de vossa compra, e
então, abrindo esse armário, empurrou-lhe o fundo, que recuou, e
levantando um alçapão, descemos por uma estreita escada feita
dentro do muro, e achamo-nos diante de uma porta de ferro, que o
vendedor abriu com uma chave; demos mais dois passos, e, cal­
cando numa mola, que ficava à esquerda, vi que se abria o muro, e
dava saída a um homem. Logo mostrar-te-ei esse artifício, Olivei-
ro; é um tapamento de madeira, otimamente coberto com cal, a
modo de parede, oferecendo, a quem de fora o examina, toda a
aparência de um nicho, onde se acha uma imagem que parece de
pedra, mas é também de pau; tudo se move com facilidade por
meio de imperceptíveis dobradiças.
Vi quão bem dispostos para perderem-me haviam sido todos
esses arranjos; mais do que nunca atormentavam-me tentadores
espectros; recorri à religião: horrorizou-se o confessor, a quem me
dirigi, de minha narração; em vez de mostrar-me caridosa afeição,
mostrou-me inesperada severidade, impôs-me rigorosos jejuns,
mortificações de mil qualidades, a tudo anuí: impôs-me a obriga­
ção de fazer uma coroa de ouro e diamantes para a Virgem. Não
pude anuir, embora o quisesse; não mo consentiu minha paixão.
Havia-me um fidalgo encomendado um par de brincos, mimo que
Antologia do romance-folhetim brasileiro 75

se destinava a uma dançarina da ópera; aproximava-se o dia em


que o devia ele levar à sua amada. Eu não tinha descanso, mais
constantes do que nunca perseguiam-me terríveis fantasmas, do­
minavam-me pensamentos de sangue e homicídio.
Para vencer-me, apliquei-me às mais violentas penitências,
vesti cilícios, dormi sobre as cinzas, passei horas inteiras, dias,
noites, de joelhos sobre a laje fria dos templos; invoquei contrito o
anjo de minha guarda, a Virgem, protetora dos aflitos; tudo foi
baldado.
Chegou, enfim, a noite fatal. Indizível furor lança-me fora de
casa, leva-me ao encontro de minha vítima, e os diamantes foram
meus.
Cobrei descanso; o espectro da morte fugiu, a voz da tentação
calou-se; compreendí o que exigia de mim a fatalidade, era-me
preciso ou matar ou morrer; eis o segredo de minhas ações.
Nem me julgues destituído de comiseração; tu sabes quanto
me custa a entregar obras de minha mão, sabes que nunca me en­
carrego de encomenda de pessoas que me inspiram consideração e
respeito; porque, possuir obra de minhas mãos é sentença de morte
inevitável.
Cardillac levou-me a um subterrâneo, onde guardava suas ri­
quezas; o rei não as tem mais belas.
— Jura-me, disse-me ele com voz solene e terrível, que nunca
esses prêmios do crime afetarão minha Matilde, que seu esposo e
meu herdeiro, tu as reduzirás a pó, e as lançarás no abismo traga-
dor das águas. — Jurei.
Ah! senhora, fechado nesse labirinto de crimes, dilacerado
pelo amor de um anjo, pelo horror que me inspirava um demônio,
eu não vivia, não pensava, obedecia ao acaso... Resolvia, às vezes,
fugir desse inferno, ir tudo revelar à justiça, e depois matar-me...
porém Matilde!
Uma tarde Cardillac entrou em casa, cheio de insólita alegria.
Seus afagos para Matilde foram ternos mais do que nunca, maior
do que nunca sua benevolência para comigo. Concluído o jantar,
Matilde retirou-se; quis fazer o mesmo.
— Fica, meu filho, disse-me Cardillac, basta por hoje de tra­
balho; bebamos à saúde da mais respeitável, da melhor senhora de
Paris.
76 Tania Rebelo Costa Serra

E depois contou-me o que se havia passado na presença do rei,


como vossos versos haviam salvado tantos inocentes da barbarida­
de das comissões especiais; ele manifestava a cada instante a maior
veneração para convosco, para com vossas virtudes.
— Ouve, Oliveiro, disse-me enfim, estou resolvido: fiz, há dez
anos, para Henriqueta de Inglaterra, um adereço: foi a mais per­
feita de minhas obras, eu mesmo escolhi os diamantes. Quando me
lembrei que deviam essas jóias sair-me das mãos... enfim, Henri­
queta morreu, dizem que envenenada, e o adereço ficou em meu
poder. Pois bem, esse adereço quero mandá-lo a Mlle de Scudery,
em sinal de gratidão, de respeito, de veneração... Tu levar-lhe-ás
esse presente.
Vosso nome caiu em minha alma como um raio de luz, como
benfazeja consolação; todas as recordações da infância desperta­
ram-se a um tempo, e toda a veneração que minha pobre mãe havia
feito nascer em meu peito, narrando-me vossas virtudes.
— Sim, continuou Cardillac, é um violento impulso, como o
que outrora me levava ao crime, o que me leva agora a fazer essa
oferta a Mlle de Scudery; sinto que é ela o anjo que me reconcilia­
rá com a virtude.
Cardillac conhecia perfeitamente o interior de vossa casa, sa­
bia de vossas menores ações; guiado por ele, consegui chegar qua­
se à vossa presença. Supunha que o céu comovido me mostraria,
pelos conselhos de minha madrinha, o caminho que devia seguir
para salvar-me desse inferno em que vivia, pobre e desamparado,
entregue ao remorso. Vinha revelar-vos tudo, implorar vossa pro­
teção para mim, para Matilde, para Cardillac; e tal era minha ínti­
ma convicção, salvar-nos-íeis a todos.
A fidelidade de vossa criada frustrou minha esperança: o céu
me repelia.
Cardillac perdeu imediatamente sua alegria; olhos fixos no
chão, percorria ele toda a casa, murmurava sons inarticulados,
cruzava os braços, parecia lutar com uma vontade superior à sua, e
por fim:
— Oh! quanto não daria, disse, para que meus diamantes esti­
vessem ainda agora em poder de Henriqueta de Inglaterra.
Horrorizaram-me essas palavras; compreendí que a voz do
tentador retumbava a seus ouvidos, que estavam vossos dias amea­
Antologia do romance-folhetim brasileiro 77

çados, e à custa dos meus resolvi falar-vos. Tudo estaria consegui­


do se fossem as jóias entregues a Cardillac; escrevi aquele bilhete;
oito dias inteiros esperei ocasião de vo-lo entregar!...
O perigo redobrava: Cardillac mostrava-se cada vez mais in­
quieto, e vós não vínheis; não dormi essa noite, vi-o sair, acompa-
nhei-o: ele encaminha-se para vossa residência, estremeço; perco-o
de vista, encosto-me à vossa porta para defender-vos, custasse
embora a morte de Cardillac ou a minha!
Como no primeiro dia de minha desgraça, passa diante de
mim um oficial; como no primeiro dia, um homem o acomete;
como nesse dia, esse homem era Cardillac.
Dou um grito, corro ao socorro da vítima; a vítima dessa vez
era Cardillac. O punhal havia resvalado, e o acometido, arrancando
ao agressor o tredo instrumento da perfídia, cravou-lho no peito.
O resto vos é conhecido.
Convencida por tantas provas da inocência de seu afilhado,
via-se Mlle de Scudery impossibilitada de as desenvolver ante a
justiça, podendo apenas confiá-las à amizade, porque Oliveiro lhe
havia dito:
— Não quero que, em despeito da providência, que ocultou à
filha virtuosa os atentados de seu pai, minha voz invoque contra
ela as desgraças do passado, e enodoe todo o seu porvir. Não quero
que a vindita pública arranque do sepulcro os restos de Cardillac, e
os entregue ao ludibrio do algoz! Não, Matilde chorar-me-á ino­
cência, e o tempo suavizará sua dor; se soubesse dos crimes de seu
pai, nem a eternidade inteira aliviaria sua mágoa.
Comovida por tamanho infortúnio, tanto amor e tanta delica­
deza, resolveu ela tentar todos os possíveis esforços para arrancar a
virtude e a inocência à voracidade de um tribunal de sangue; mas
toda a eloqíiência de sua convicção esmorecia diante da fria incre­
dulidade do magistrado.
Levou suas súplicas ao trono, o trono foi surdo à sua voz.
Enquanto, porém, dava esses passos, não havia ela percebido,
inquieta e aflita como estava, que Matilde, sob pretexto de ir à
igreja, saía quotidianamente de casa, demorava-se muito na rua,
mostrava-se pálida e desfigurada às vezes, às vezes agitada e enru-
bescida pelo carmim do pudor, às vezes arrasada em pranto. Matil­
de buscava também salvar seu amante.
78 Tania Rebelo Costa Serra

Um dia, ao voltar do palácio, onde tinha ido tentar um último


esforço, baldado como os outros, porque sabendo que Matilde era
formosa, Mme de Maintenon a não queria proteger; sabendo que
Oliveiro era protestante, achava-o o rei indigno de perdão, Mlle de
Scudery mais desanimada e aflita do que nunca, viu sua casa cer­
cada de inúmera multidão, ouviu os clamores: — inocente! ino­
cente! absolvido! — e precipita-se, sem dar-se conta de suas sen­
sações, no interior de sua casa. Oliveiro, livre de ferros estava aos
pés de Matilde. Palavras entrecortadas por suspiros, palavras lou­
cas e sem sentido, lhe escapavam. Matilde havia demonstrado aos
magistrados a inocência de seu amante, havia alcançado sua prote­
ção... mas, por que preço?
— Volta à vida, dizia Oliveiro, à vida, minha Matilde!
Ela não ouvia: assaltou-a a terrível convulsão, frenético delí­
rio; ela fala de desonra, de felicidade impossível, e apontava para o
céu; suas palavras só seu amante, só Mlle de Scudery as compreen­
deram.
No dia seguinte, um sacerdote rezava junto de seu corpo, e um
enterro de pouco aparato se preparava.
Dizem que no dia seguinte um louco se apresentara na porta
da casa do presidente da câmara ardente, que o guarda-portão o
repelira; dizem mais, que alguns dias depois, no cemitério de Ge­
nebra, sobre a relva que cobria o túmulo de Ana Guiot, vira-se um
mancebo mal trajado e macilento, de joelhos, abraçado com a cruz
funérea; no dia seguinte, já o mancebo, em vez de abraçar a cruz,
em vez de estar de joelhos, estava deitado sobre a terra fria desse
sepulcro.2

2 No Jornal do Commercio o autor publica a seguinte nota, que não vem registra­
da quando da publicação em volume: “Será traduzida, será imitada, será original
a novela que vos ofereço, leitor benévolo? Nem eu mesmo que a fiz vo-lo posso
dizer. Uma obra existe em dois volumes, e em francês, que se ocupa com os
mesmos fatos; eu a li, segui seus desenvolvimentos, tendo o cuidado de reduzi-
los aos limites de apêndices, cerceando umas, amplificando outras circunstânci­
as, traduzindo os lugares em que me parecia dever traduzir, substituindo com
reflexões minhas o que me parecia dever ser substituído; uma coisa só tive em
vista, agradar-vos; Deus queira que o tenha conseguido”.
Domingos José Gonçalves de
Magalhães

Gonçalves de Magalhães, o futuro Visconde de Araguaia, nas­


ceu no Rio de Janeiro no dia 13 de agosto de 1811 e morreu em
Roma a 10 de junho de 1882. Considerado o iniciador do Roman­
tismo no Brasil, ao publicar, em 1836, Suspiros poéticos e sauda­
des, tem um lugar importante na história da literatura brasileira.
Ainda estudante em Paris, ali publica, com um grupo de ou­
tros jovens brasileiros, a revista Niterói (Nichteroy), na qual lança
nosso primeiro “manifesto” romântico, o “Ensaio sobre a história
da literatura do Brasil”, primeira tentativa de atribuir ao país, re-
cém-independente, uma literatura autônoma. Foi também dele a
primeira peça teatral romântica, Antônio José ou o poeta e a Inqui­
sição, de 1838, que teve João Caetano no papel principal. Essa
questão da primazia na dramaturgia nacional é discutida por Lo­
thar Hessel. Este autor afirma já ter havido encenações de autores
brasileiros, com textos brasileiros, antes do Antônio José. Parece-
lhe que Magalhães, amigo íntimo de Ferdinand Wolf, teria omitido
ao crítico austríaco a existência desses outros textos. Em conse-
qüência disso, aparece como o primeiro dramaturgo brasileiro no
Le Brésil Litéraire, o que, a rigor, correspondia a uma canonização
em vida, dado o valor do olhar crítico estrangeiro sobre o Brasil.
Homem influente na corte de Pedro II, que foi pessoalmente
aos jornais defendê-lo contra os ataques de José de Alencar à
Confederação dos tamoios, foi membro do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e designado para a carreira diplomática.
Amância (1844) foi publicado como romance, mas pode ser
considerado um conto longo, interpretação dada por Edgard Ca-
80 Tania Rebelo Costa Serra

valheiro e Mário da Silva Brito, que o incluíram em O conto ro­


mântico. Esse romancete evidencia bem o gosto romântico pelo
dramático-sentimental. O tom é todo o do exagero, tanto no com­
portamento dos heróis e dos vilões quanto no uso do estilo ornado
que caracterizará a maior parte da nossa ficção romântica. Mais
uma vez, devido ao seu pequeno tamanho, optou-se por transcrevê-
lo na íntegra.

Amância
(romance)

Já ia cortando a baía do Rio de Janeiro para a capital a última


barca de vapor, toda iluminada e apinhoada de famílias, que na
graciosa cidade de Niterói haviam passado a tarde de um domingo.
As estrelas estavam encobertas por uma nuvem escura que anunciava
chuva, e em toda a extensão da praia, tão animada durante o cre­
púsculo, só se ouvia agora o melancólico mugido das vagas. Ao
dia tinha sucedido a noite, e com ela desceu sobre a cidade dos
prazeres campestres o silêncio e a calma exterior, enquanto algu­
mas casas por dentro iluminadas mostravam que ainda não tinham
cessado todos os divertimentos. Em uma dessas casas cantavam e
dançavam, vendo ao través das vidraças a claridade repentina dos
relâmpagos.
No meio de uma bela companhia de moças que fazem esque­
cer as horas, não me importei com a última barca de vapor que
saíra, projetando voltar em uma falua quando cessasse o sarau.
Estávamos tomando chá, repetindo charadas, e contando anedotas,
quando bateram à porta.
— Entre quem é, disse a dona da casa.
Entrou um homem bem parecido, todo vestido de preto; e só
por esse modo de trajar, qualquer que ali o não conhecesse diria
ser pessoa grave, e que não para se divertir tinha ido a Niterói.
— Oh, sr. doutor! V. S5 por aqui a estas horas! Sem dúvida
veio ver algum doente? disse a dona da casa.
— Decerto; e estou desesperado, não pelo doente, mas pela
última barca que lá se foi. A noite está tempestuosa, e não tenho
remédio senão ir para a cidade em uma falua.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 81

— Meu doutor, disse-lhe eu, terá companhia; porque também


estou aqui invemando.
— Quer entretanto tomar uma jaqueta? Francisco, traze de lá
uma jaqueta, disse o dono da casa.
— Ora, doutor, tome uma xícara de chá, disse-lhe uma das
moças, e conte-nos alguma novidade para entreter-nos até passar a
chuva.
— Que lhe hei de contar, minha priminha? Eu não sei senão
casos de doentes.
— Pois não! O senhor que é bem capaz de falar um dia inteiro
sem comer nem beber, só tomando pitadas! Veja agora se quer que
o roguem!
— Sr. doutor, disse outra moça, conte aquele caso da moça
que se atirou no mar, e que dizem que o senhor viu.
Enquanto entre o doutor e as duas moças se passava esta con­
versação, outras pessoas em grupos diversos riam-se e falavam de
outras coisas.
— Pois bem, disse o doutor, vou contar-lhes o caso, minhas
senhoras; mas quando acabar cada uma me há de dar um abraço.
Então por isso?
— Nós lho prometemos. Escutem, meus senhores, minha mãe,
priminha, maninha, venham ouvir uma história muito bonita.
O doutor, tomando uma pitada, assim começou:
— Era uma bela noite de verão, tão pura, tão serena, tão clara,
que se podia dizer, com Chateaubriand: não era noite, era a ausên­
cia do dia. Parecia que o sol, retirando-se, deixara ao firmamento
parte das suas galas. Tão rutilante estava a lua que dirieis ser o
mesmo sol mal envolto em um véu transparente e azulado. A por-
fia brilhavam as estrelas, e pela pureza dos ares maiores pareciam
que de ordinário. Era uma noite própria à observação das maravi­
lhas celestes, e igualmente propícia às folganças campestres; en­
fim, para tudo dizer de uma vez — era uma noite do Rio de Janeiro.
“Já ao longe na Fortaleza de Santa Cruz, que guarda a entrada
da barra, um tiro de artilharia tinha anunciado as nove horas; e as
trombetas e tambores das inúmeras embarcações de todas as partes
do mundo, ancoradas na vastíssima baía, elevando ao céu seus
mastros, como uma floresta seca da Europa, repetiam aquele sinal
de repouso. Uma suave viração refrescava as ruas da capital do
82 Tania Rebelo Costa Serra

Império, e trazia o eco longínquo das músicas que nos vasos de


guerra soavam. Em todos os quartéis tocava-se a recolhida, e no
interior das casas reinava o prazer. Daqui uma flauta chorosa, dali
uma guitarra, acolá uma voz melancólica de moça, acompanhada
pelo piano. Tudo era alegria. Não faltaria também quem chorasse
nesse momento.
“A minha profissão de visitar os que sofrem tinha-me levado
até o caminho do Catete, muito antes de chegar à ponte. Na volta
vinha eu em uma espécie de êxtase, não só pela beleza da noite
como pelo prazer este que é a maior recompensa do médico que
apenas enceta a sua carreira, todo cheio de esperanças de adquirir
reputação e conceito.
“Que venturas não vinha eu sonhando! Às vaidosas criações
da minha mente sucederam mais calmas meditações mal cheguei à
entrada da Glória. A vista do mar tranqüilo como um espelho que
se estendia à minha direita, atravessado por uma faixa abrilhanta­
da, que sobre ele projetava a lua, tendo um ponto fixo na imagem
do astro da noite, e outro móvel que me seguia, produzia sobre
mim uma impressão de melancólico prazer, que o coração sente, e
não sabem os lábios explicar. Não pude resistir; eu andava com os
olhos pregados ora no céu, ora no mar, que outro céu se me anto-
lhava ainda mais iluminado, porque não só refletia todas as estre­
las, como a luz de todas as lanternas dos navios. Na verdade, a baía
do Rio de Janeiro é uma maravilha do mundo!
“Desejei então ter uma fantasia de poeta; e como que minha
alma extática poetizava em silêncio, sem achar palavras que ex­
primissem a infinidade de seus pensamentos, tão vagos como o
espaço, tão serenos como a noite, tão brandos como o murmúrio
das mansas vagas, que preguiçosamente se deslizavam morrendo
sobre a praia da Glória. Oh! os poetas têm momentos deliciosos!
Momentos de embriaguez celeste, a que nada se pode comparar!
Oh! poetas! Ministros da Divindade, que convosco ri-se, e com
vossos cânticos se apraz! Eu daria metade da minha monótona
existência para gozar na outra metade desses vossos delírios de
inefável deleite! O riso mais angélico da inocência, que docemente
salpica os lábios da infância, apenas é para o médico uma contra­
ção; mas a vossos olhos o que não revela esse riso? o que não diz à
vossa imaginação criadora? O amor é um objeto de especulação
Antologia do romance-folhetim brasileiro 83

para o egoísta, um instinto sensual para o comum dos homens; mas


para vós, oh poetas, é uma fonte perene de suaves melodias; é uma
divindade pura, uma fragrância contínua, uma harmonia inesgotá­
vel do coração, um êxtase infinito, uma adoração de todos os sen­
tidos e de todas as faculdades, um sacrifício d’alma, uma elevação
a Deus! Feliz o poeta; porque ele só sabe gozar o amor puro, ver­
dadeiro e endeusado! Feliz a bela que inflama o coração do poeta;
porque só ela, entre todas as belas, recebe o tributo digno da beleza!”
— Está bom, sr. doutor, basta de preâmbulos; conte a história
e deixe-se de poesias, disse uma das moças, que parecia impacien­
tar-se.
O doutor, olhando para ela fixamente, tomando uma pitada,
respondeu-lhe em tom malicioso: — Eis aqui como às vezes des­
cubro sem querer os segredinhos das moças! A prima, ou não ama,
ou se ama, não é certamente a um poeta.
Aplaudiram todas a resposta, e Florinda, corando, tomou um
tom de zombaria para disfarçar o vexame, e assim replicou:
— Deus me livre de poetas! Eu lá quero um doido comigo! Bem
me custa aturar o senhor, quando começa a falar sem nunca acabar,
e que para dizer uma coisa leva um dia; quanto mais a um poeta,
que primeiro que diga o que quer, procura mil rodeios, e afinal é
preciso que o adivinhem.
— Não se enfade; a prima parece tomar o pião à unha.
— Vamos lá; acabe a história.
— Agora apenas a tinha principiado; são os prelúdios para
dispor o auditório. Não falto às regras da retórica.
— Florinda tem razão, disse Margarida: o sr. doutor não se
lembra que as mulheres são curiosas, e desejam saber as coisas
logo.
— Eis aí porque elas sabem pouco. É preciso vagar para tudo;
não se vai a Roma em um dia. Tenham paciência. Como estou com
a imaginação exaltada, e uma língua solta, por ter discorrido toda a
tarde em uma reunião em que estive, quis florear um pouco. De
mais, esses casos contados simplesmente não têm graça. Vamos ao
caso.
“Vinha eu todo engolfado nessas meditações, sem dar atenção
aos mais objetos, e sem saber para onde meus pés caminhavam;
assim atravessei o largo da Lapa, e em vez de tomar pela rua das
84 Tania Rebelo Costa Serra

Mangueiras, que era o meu caminho, quando de mim dei acordo


estava na porta do Passeio Público, respirando um ar embalsamado
pelo aroma de mil flores. Creio que abstrato continuaria a andar, se
insensivelmente não voltasse os olhos para minha direita, e não
visse esse corredor formado por copadas árvores, plantadas ainda
no tempo do vice-rei Vasconcelos, e cujo fim aberto em arco dei­
xava ver a claridade da lua. Notem a minha distração, causada
pelas idéias poéticas expostas no meu preâmbulo, que não é tão
fora de propósito como parece, e vejam as conseqüências salutares.
Quis voltar; mas a força do destino, ou a Providência, que até ali
me levou distraído, obrigou-me a entrar. Antes de chegar no meio
dessa rua de árvores, parei para ver o efeito misterioso que produ­
zia a lua no lugar em que se alargam em círculo as copadas man­
gueiras, a cuja sombra durante o dia repousam os passeantes sobre
os bancos de granito que o circundam. Quando para o chão olhava,
parecia-me um lago tranqüilo aquela claridade refletida; erguendo
porém os olhos dissera ser uma clarabóia no meio de um salão
escuro. Tomei a direita; não sei porque; e fui até o paredão do jar­
dim, e daí caminhando ao terrado que deita para o mar, tencionava
colocar-me em seu centro, para do alto ver o efeito das duas pirâ­
mides saudosas, que se elevam dos dois pequenos lagos rodeados
de salgueiros chorões, e que atestam o amor que ao Rio de Janeiro
consagrara aquele vice-rei, cujo governo foi sempre em benefício
público.
“Coisas há que se não podem explicar. Ou fosse por essa lem­
brança do passado, ou pelo estrépito das vagas, quebrando-se con­
tra o recife que protege o exterior da muralha do terrado, ou pelo
coaxar das rãs nos tanques triangulares, em que estão as pirâmides,
ou porque mesmo o coração previsse alguma coisa, senti uma es­
pécie de arrepiamento, e uma palpitação mais apressada, que me
obrigou a apressar os lentos passos em que eu ia. Não tinha eu
ainda chegado à escada lateral do terrado, quando ouvi uma voz
que arrepiou-me todo.”
— Ingrato! vem mais devagar!
“Tremi e parei, e levantando repentinamente os olhos, que até
ali se apraziam em ver caminhar a minha sombra, dei com um
vulto no alto do terrado, que veio a mim dizendo: — Há que tempo
estou eu à tua espera!
Antologia do romance-folhetim brasileiro 85

“A voz me parecia juvenil, e o vulto condizia com a suavidade


da voz; o que, aqui para nós, tirou-me todo o susto. Subi apressa­
damente a escada, e o incógnito com os braços abertos me veio
esperar. Batia-me o coração fortemente sem saber porque. Mal nos
esbarramos recuou o desconhecido, soltando um ah! de espanto, e
cobrindo o rosto com as mãos, disse com voz trêmula”:
— Enganei-me, queira perdoar.
— Não há de que, meu menino; nem esse engano lhe deve
causar tanto susto. Se espera por alguém da sua família, e teme
estar só, poderei fazer-lhe companhia até que chegue.
— Obrigada, obrigado.
“Devo desde já dizer que o incógnito era de pequena estatura,
estava vestido de homem, e sua voz era suave, e por isso qualquer
o tomaria por um menino: contudo, o título de ingrato que me ha­
via dado, o susto ao reconhecer que eu não era quem esperava, a
elegância do seu corpo, e o obrigada mal corrigido, fizeram-me
logo crer que era alguma infeliz menina, que ali esperava o seu
sedutor. Não querendo porém, para evitar-lhe a vergonha, revelar-
lhe que eu havia adivinhado o seu sexo, continuei a tratá-la como
se fosse um menino.”
— Diga-me, senhor, porque esconde o seu rosto? De mim
nada há que recear.
— Faça-me o favor de me deixar sozinho. Meu pai não tarda
por aí.
— E o que tem o senhor seu pai de escandalizar-se se me en­
contrar a seu lado? Não estamos aqui em um lugar público de pas­
seio? Não está a noite tão clara, convidando a que conversemos
sobres estas maravilhas que nos cercam?
“O desconhecido, parecendo não ouvir-me, e cada vez mais
assustado, procurava escapar-me. Pude, então, apesar do seu lenço
branco aplicado à boca por uma mão de neve bem torneada, e ape­
sar do chapéu de castor que lhe ensombrava a fronte, descobrir
seus olhos belos, vivos e grandes, e o nariz fino, próprio de uma
beleza.”
— Eu sei o motivo, lhe disse, porque procura esconder o seu
lindo rosto! eu a conheço, e ...
— Senhor! exclamou ela. E as lágrimas lhe saltaram dos
olhos, e toda trêmula estava.
86 Tania Rebelo Costa Serra

— Sossegue, senhora, ouça-me. Sente-se primeiro.


— Devo estar só. Por Deus, senhor, por Deus, deixe-me só.
— Eu já a teria deixado, se não visse que com isso faria uma
ação indigna. Não tenho direito de importuná-la, é certo, mas tam­
bém não posso deixá-la aqui sozinha quando talvez a senhora ne­
cessite do meu socorro.
— Eu o agradeço. Preciso estar só.
— Tudo na senhora me anuncia uma moça bem educada e de
boa família; e a sua estada aqui sem companhia só se explica por
uma loucura. Eu sou responsável a Deus, se podendo evitar a sua
desgraça, o não fizer.
— Se tenho de ser desgraçada, desde já o sou, e ninguém ago­
ra pode evitar a minha desonra.
— Eu, senhora, eu posso.
— Como?... É impossível.
— Este lugar é o prazo dado para a espera?
— Sim.
— Pois acompanhe-me; e se quiser voltará a ele quando for
tempo.
— Se entretanto...
— Sei o que quer dizer. Donde estivermos veremos quem vem.
— Pois bem, senhor, vamos.
“Dei-lhe o braço. Parecia que eu tinha alcançado um grande
triunfo, e caminhava tão cheio de mim como se conduzisse uma
conquista minha. Já não sabia o que lhe dissesse; toda a minha
retórica desapareceu naquele instante; o negócio era sério. Andá-
vamos como duas estátuas mudas, e apenas eu sabia que vivia
pelas palpitações de meu coração.”
— Que horas são? perguntou-me ela.
“Receei dizer-lhe a verdade: Hão de ser nove horas.”
— Tão tarde! meu Deus.
— Quer que a conduza até a casa?
— Agora?
— E por que não?... A senhora tem pai?
— Não me pergunte coisa alguma a esse respeito. E com essa
pergunta estremeceu.
— Sentemo-nos aqui; deste lugar podemos ver quem sobe
para o terrado, sem que nos vejam.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 87

— Qual? eu já não espero. Fui enganada... Desgraçada de


mim!
— Sei em que estado deve estar a sua alma; mas confie em
Deus. E para que também possa ter alguma confiança em mim,
saiba que sou médico, estou acostumado a penetrar no seio das
famílias, e a ouvir confidências, e muitas vezes tenho consolado a
outras talvez ainda mais infelizes do que a senhora. Não preciso
que me diga que motivo aqui a conduziu. A paixão que a domina,
nos seus olhos a leio. O amor tem feito muitas vítimas, mas tam­
bém faz a felicidade de muitos entes. Moça, sem experiência do
mundo, talvez enganada, deixou-se a senhora seduzir sem dúvida
por algum desses conquistadores de profissão, que não vacilam
diante de nenhuma dificuldade, e arrastam ao precipício as suas
vítimas. Mas não me quero aventurar em supor o seu amante de
torpe caráter, que ...
— Não, ele não é assim... Se o senhor o conhecesse far-lhe-ia
justiça, e me desculparia.
— Eu desculpo todas as paixões, porque nem sempre elas em
nós se manifestam por nossa vontade; condoo-me de quem as ex­
perimenta, pelo muito que sofre, e pelas desgraças que não lhe é
dado evitar. Nem eu me ofereço para moralizá-la, sim para servi-
la, e se julga que lhe posso ser útil, ordene; serei mais pronto que
um escravo obediente, e mais cuidadoso que o amante fiel.
“A impaciência, a aflição, a desordem estavam pintadas no
seu rosto, que ela já não ocultava. Era um rosto de anjo com tal
expressão de dor tão viva, que cortava-me o coração. Rafael não
duvidaria tomá-la por modelo de uma Mater dolorosa. Ais e suspi­
ros lhe escapavam do peito a cada expiração. Lágrimas em bagas
se deslizavam em suas faces desbotadas pela mágoa, e a furto es­
clarecidas pelos raios da lua que se enfiavam por entre as folhas
das mangueiras. Constantemente enxugava com seu branco lenço o
suor frio da fronte; descerrava os lábios trêmulos para falar, e os
sons lhe expiravam na garganta, antes de articulados. Não menos
triste e complicada que a dela era a minha posição. Tomei-lhe o
pulso; um estado febril se anunciava; entretanto a pele estava fria
como gelo, e orvalhada de suor. Que lhe diria eu? Como tirá-la
dali? Para onde levá-la? Como falar-lhe de sua família, se com
essa lembrança mais a inquietariam os remorsos? Depois de um
88 Tanta Rebelo Costa Serra

momento de silêncio, invoquei toda a minha coragem de médico


em caso desesperado.”
— Senhora, disse-lhe eu em tom decisivo, e que mostrava uma
firme resolução, não podemos escolher, porque não há meios dife­
rentes que possamos abraçar. Aqui não podemos ficar. O seu
amante não vem; cumpre portanto voltar para a casa.
— Que vergonha!
— Para servi-la procurarei iludir a pessoa que a governa; direi
que a poucos passos distantes da sua casa encontrei-a delirante.
Tire essa casaca, não talhada para seu corpo; ponha-a no ombro.
Não precisa recorrer ao fingimento; seu pulso anuncia febre; em
casa a sangrarei, e convencerei a qualquer pessoa que um delírio
repentino, causado por um ataque de nervos, foi causa do seu pro­
cedimento.
— Não acreditarão! Não...
— Deixe isso por minha conta; basta que a senhora não fale, e
não lembre de coisa alguma.
— E o ingrato! e o ingrato que me traiu! Meu Deus! meu
Deus!
— Acompanhe-me, senhora, tenho resolvido. Depois me
agradecerá; vamos.
— Antes morrer; mil vezes morrer.
— Eu a levarei à força, e assim melhor a salvarei.
— Não, por piedade; deixe-me.
“Nesse momento quase que lutávamos. Antes disso havia eu
empregado para convencê-la mil meios de brandura, que deixo de
mencionar. Vendo que tudo era inútil, o que eu devia fazer? Deixá-
la? seria uma crueldade. Decidi-me pois a levá-la por força. Nesse
ponto estávamos, quando a minha desconhecida, parando repenti­
namente, exclamou: — Lá vai ele! Adeus; deixe-me.
“E como dela me descuidasse, para ver se com efeito alguém
tomava a direção do terrado, a moça sem mais esperar escapou-me
numa carreira. Segui-a apressadamente, na dúvida se vinha al­
guém; em tal caso por amor dela não estimaria que me vissem; mas
temendo que fosse uma ilusão da impaciência, não queria perdê-la
de vista. Subiu ela a escada que fica ao lado do tanque no centro
do terrado; e admirava-me de não ver senão ela. O raciocínio em
certas circunstâncias é tão rápido como o instinto: se alguém para
Antologia do romance-folhetim brasileiro 89

ali se tivesse dirigido, não teria tempo de estar em cima; quando


muito teria passado as pirâmides e pela carreira que levava a in­
cógnita, ter-se-iam encontrado perto do tanque. Concluí que fora
uma ilusão, e dei-me maior pressa para alcançar a moça.
“Cheguei a cima do terrado, e achei-me só! Um grito ecoou
em meus ouvidos! A infeliz tinha-se precipitado ao mar... E para
isso me havia enganado!
“Chegar ao parapeito, vê-la estendida sobre o recife que im­
pede as ondas de bater contra a muralha do terrado, amarrar um
lenço de seda na base da grade de bronze que o guarnece, escorre­
gar por ele, cair da altura de uma braça, foi obra tudo de um mo­
mento. Julguei ao princípio que estivesse morta. Mas palpitava-lhe
o coração, e o corpo estava frio como a neve. Felizmente tinha
caído sobre um monte de secas folhas, que os jardineiros deitam do
terrado abaixo quando diariamente limpam e varrem o jardim.
Contudo ela se tinha ferido, e o rosto estava ensangüentado.
A água do mar serviu-me de medicina. Levantei-a, e tomando-a
nos braços, rodeei o exterior dos muros do jardim, com tenção de
levá-la para minha casa.
“Oh! como eu ia agitado, e ao mesmo tempo satisfeito por ter
arrancado à morte uma infeliz menina! Talvez a levasse à sua fa­
mília; mas sabia eu porventura quem fosse? Fiz o que podia fazer.
Cheguei à casa, e depus sobre o meu leito um fardo que tão grato
me fora.
“Tirei-lhe a casaca e o colete, e logo sangrei-a, por já começar
a febre, e eu temer o delírio. O peito estava azulado pelas contu­
sões, e as mãos e uma das faces arranhadas pelos espinhos das
roseiras secas. Fiz tudo o que devia fazer em tais casos.
“Foi larga a sangria; e seguiu-se o sono.
“Assentei-me à sua cabeceira; contemplei a sua rara formosu­
ra, e vi com uma espécie de admiração religiosa a inocência espar­
gida sobre um semblante de dezesseis anos, tão desmaiado que de
mármore parecia. Eu a olhava já com os olhos ávidos de um apai­
xonado; e para dizer a verdade, cheguei a crer que o céu destinava
aquele caro objeto para mim, para meu amor! Que sono tranqüilo
ela dormia! E que sonhos tão meigos eu sonhava acordado! Cheio
de respeito tomei uma das suas mãos geladas e beijei-a. Levantan-
do-me tomei a vela, e a casaca com que ela se disfarçava, saí do
90 Tania Rebelo Costa Serra

quarto, e fui assentar-me na sala ao lado da mesa, pensando na


incógnita: e que outro pensamento podia eu ter?
“Lembrei-me que ela, fugindo de casa, devia trazer consigo
algumas cartas do seu amante, e que por elas podia eu desenredar o
drama apenas começado. Mas receava penetrar um segredo que
voluntariamente se me não confiava. Depois de alguns momentos
de luta, pensei nas conseqüências; e julguei que me era lícito saber
de tudo, para um fim honesto. Achei na algibeira da casaca um
maço de bilhetes, ligados com uma fita, e uma caixinha de marro-
quim.
“As cartas estavam deslacradas; abri-as, e li. Algumas só con­
tinham expressões e protestos de amor, outras acusavam recebi­
mento de flores. Entre elas li a seguinte”:
Primeira carta:
Se creio no que me mandaste dizer, sou o mais feliz de todos
os amantes, porque basta o teu amor para endeusar minha existên­
cia. Mas ao mesmo tempo a pertinácia de teu pai me constitui o
mais desgraçado de todos os mortais. Eu sempre antepus a honra e
a glória ao dinheiro; mas hoje desejaria ter milhões para deslum­
brar os olhos ávidos de um velho, que no esposo de sua filha não
deseja ver outro mérito senão esse. Oh minha Amância! louco de
amor por ti, nem me lembro que te não mereço por essa falta de
tanta importância para o nosso século de egoísmo. Mas tu, oh anjo
com figura humana, tu me desculpas, e me amas! Dize o que devo
fazer para possuir-te legitimamente. Minha impaciência é igual ao
meu amor. Teu fiel, etc.
“Nenhuma das cartas estava datada e assinada; e só depois de
ler todas pude descobrir a ordem em que foram escritas, que era
pouco mais ou menos a mesma em que estavam emaçadas.”
Segunda carta:
O amor que te consagro, e o que me retribuis apenas servem
agora para me fazer mais desgraçado. Ontem tu me devias achar
bem mudado! Andei como um doido; estive quase entrando em tua
casa, lançando-me aos pés de teu pai, dizendo: Ela já é minha, não
a entregueis a outro; seu coração é meu; eis aqui a prova nesta
carta. Mas temi que o respeito da filha apagasse o teu amor por
mim. Não, oh minha Amância, não; eu não viverei se se verificar a
notícia que já corre na cidade, e que a tua carta acaba de confirmar.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 91

Eu não temo um rival, porque tu não o amas; mas temo um com­


petidor poderoso; temo a ambição de teu pai; temo a tua inocência;
temo o teu respeito à autoridade paterna; tudo temo. Mas não, tu
não serás dele. Tu não podes dar uma destra fria a quem teu cora­
ção aborrece. Sua idade é muito superior à tua. Uma menina de
dezesseis anos não pode ser a esposa de um homem de cinqüenta,
de um velho que só tem por si o dinheiro. Tu serás desgraçada,
minha Amância, serás desgraçada, ele, e eu também; seremos to­
dos desgraçados. Mas eu não serei testemunha dos teus desgostos;
porque no dia mesmo desse consórcio cruel, à face dos altares,
quando tua mão estiver sobre a dele... eu morrerei... sim, morre­
rei.... E de que me serve a vida sem ti?... Há um ano que padeço;
há um ano que me não pertenço; há um ano que te consagrei o meu
coração, minha liberdade e minha vida. E tudo isso para ver afi­
nal... nem ouso acabar... Oh minha doce Amância, tem compaixão
de mim.
Terceira carta:
O sono fugiu de meus olhos, e no fim desta vigília, mais cruel
que a tempestade, só vejo a morte. Três dias de esperanças e de
luta só tenho diante de mim; e no fim destes três dias de angústias
tu me dirás um eterno adeus, para entregar-te ao teu odioso espo­
so... e eu estarei na eternidade!... E isto o que queres? Dize, dize,
cruel? O que esperas ainda? Já eu não sou o teu amante? Já te es­
queceste dos teus juramentos? Ah, minha bela, no meio da tem­
pestade, quando as ondas ameaçam tragar o quebrado do navio,
salva-se quem pode na primeira tábua que encontra: a nossa é a
fuga. Salvemo-nos! Aceitas? Hoje mesmo, não há mais que espe­
rar, hoje mesmo. De noite eu estarei no terrado do Passeio Público,
no canto que deita para o lado do Convento do Carmo, por ser o
menos freqüentado. As 7 horas, enquanto toda a tua família estiver
com visitas na sala, na ocasião em que fores preparar o chá, toma
as vestes de teu irmão, e vai encontrar-me. Sim, minha esposa, eu
já como tal te considero, e só esta idéia me anima. Não causes a
minha morte. Salva o teu amante, o teu esposo.
Quarta carta:
Estou desenganado... Conheci-te enfim. Não há amor de mu­
lher que seja real. Seu juramento é uma perfídia; seu riso uma
zombaria; sua palavra uma mentira; tudo nela é uma pura falsida-
92 Tania Rebelo Costa Serra

de, que se desvanece como as ilusões do sonho. Oh! como tu me


enganaste tão cruelmente! Não haverá também compaixão no co­
ração da mulher? Já eu me contentava que por piedade fizesses o
que por amor eras incapaz de fazer... sim por piedade; porque sofro
muito. Minha morte é inevitável. Tu não compareceste no prazo
dado; sinal certo que me não queres acompanhar, que queres en-
tregar-te a esse odioso rival. Pois bem, entrega-te. No momento do
sacrifício, à face de Deus e dos homens, tu me verás surgir como
um espectro do sepulcro, no meio dos assistentes... Ver-me-ás
morrer, e o meu sangue cairá sobre ti. Com a desesperação n’alma,
e o inferno no meu peito, juro que cumprirei o que digo. Adeus, até
o momento da minha morte.
Quinta carta:
Sim, eu devo viver, tu o queres! Tão repentinamente passei da
desesperação à alegria que sinto a cabeça perturbada. Oh! que não
possa eu agora abraçar-te, e devorar-te com meus beijos como faço
à tua carta, que não me sai dos lábios e de meu peito, como uma
preciosa relíquia. Como tu me amas, Amância! Como tu me amas!
Eu também te amo, e te adoro. Perdoa-me, minha querida, a dureza
da carta desta manhã. Eu estava doido, e te julgava ingrata. Sim, tu
me perdoarás pelo muito amor que te consagro. Eu lá vou esperar,
como tu me ordenas. Eu lá estarei de joelhos à tua espera... sim, de
joelhos; e a primeira palavra que quero ouvir de teus lábios é —
Eu te perdoo.
“Ora, eis-nos aqui mais orientados. Amância não faltou na­
quele dia, pois que lá a encontrei; por que pois não compareceu o
seu tão solícito e apaixonado amante? Eis o problema que não
pude resolver.
“Depois de ler estas cartas, abri a caixinha de marroquim, a
que no princípio não dera atenção, cuidando ser alguma jóia; mas
qual não foi o meu pasmo achando um retrato de homem! Devia
ser o do seu amante. Representava ter vinte anos, e estava de uni­
forme militar. Não o conhecia, entretanto parecia-me que já o tinha
visto; a fisionomia não me era inteiramente estranha. Talvez o
tivesse encontrado alguma vez por acaso. À vista do retrato, feito
sem dúvida por um bom artista, desculpei a cega paixão de Amân­
cia. Era um belo moço; seus olhos expressivos, lábios cerrados,
faces coradas, cabelos negros, nariz fino, fronte de regular dimen­
Antologia do romance-folhetim brasileiro 93

são, tudo denotava inteligência, e um caráter veemente, sujeito a


grandes paixões.
“Se eu soubesse seu nome e sua morada, talvez o fosse procu­
rar naquela mesma noite durante o sono de minha enferma, que
devia ser longo. Mas guardei isso para o dia seguinte, tencionando
ir ao quartel do seu batalhão que me indicava o uniforme, e lá in­
formar-me com um oficial meu conhecido, que à vista do retrato
não deixaria de reconhecê-lo.
“O resto da noite foi para mim uma contínua vigília: ora pas­
seando na minha sala a pensar neste estranho caso; ora ao lado da
desconhecida, contando as suas palpitações, e procurando perceber
alguma palavra escapada no sonho. Nada; tranqüila passou a noite.
A larga sangria produziu ótimo efeito. Ela dormia, como se hou­
vesse muitos dias que não gozasse as doçuras do sono.
“Já a luz matinal penetrava os resquícios das janelas, e eu en­
sejava, sem que pudesse ser visto, os primeiros movimentos do
despertar da pobre Amância. Não queria ser visto para evitar-lhe o
susto; porque tudo o que lhe havia sucedido devia estar mal grava­
do na sua memória, como as fugitivas imagens de um sonho. Vi
que ela se revolvia no leito, e repentinamente abrindo os olhos,
assentou-se, procurando reconhecer o lugar em que se achava, e o
primeiro nome que lhe escapou dos lábios foi: Jorge! Jorge!
“Era o nome de seu amante, em cuja casa talvez cuidasse es­
tar. Reparando depois na ligadura do braço, disse: — Quem me
sangrou? Estou ferida! Que foi isto?
“Tal era o seu pasmo que parecia uma alienada, com os olhos
abertos e imóveis, os lábios frouxos, e os braços caídos sobre o
regaço. Depois, como procurando ligar suas idéias fugitivas, fran­
ziu a testa, ergueu os olhos para o céu, e com a mão direita alisava
as rugas da fronte. Eu a vi nesse estado ficar longo tempo sem
proferir palavra; entretanto movia os lábios, como se estivesse
falando consigo mesma. Pouco a pouco as faces se contraíram para
cima, seus lábios começaram a tremer convulsivamente, e uma
lágrima escapou-lhe dos olhos; seu peito foi-se erguendo e dilatan­
do, como quem reprime a respiração, e soltando um ai, caiu de
novo sobre o leito a soluçar. Meu primeiro impulso foi socorrê-la,
e o fizera se não fosse médico.
“Com prudência aguardei outros fenômenos, e não me enganei.”
94 Tania Rebelo Costa Serra

— Quem me socorre! gritou ela. Ai de mim! Ninguém me so­


corre.
“Apresentei-me então.”
— Senhora! não me conhece? Eu sou o seu protetor. Lembre-
se da noite de ontem.
— Como me trouxe para aqui?
— Nos meus braços. A senhora estava desmaiada. Contei-lhe
o passado; silenciosa escutou-me, e no fim exclamou: por que não
morri? Por que não me deixou morrer?
— Porque deve viver para ser feliz.
— Feliz, eu?
— Sim; eu já sei de tudo. Vou procurar o sr. Jorge, que sem
dúvida razão de enfermidade impediu de ir ter ao prazo dado. Eu o
trarei aqui; e se ele é um pérfido, o que não creio, farei pela senho­
ra tudo o que pode fazer um homem para salvar a honra de uma
menina sacrificada. Tudo, senhora, tudo eu farei.
— Obrigada, senhor! obrigada!
“Disse-lhe mil coisas para acalmar a sua agitação, e pedindo-
lhe que me esperasse, prometendo-lhe voltar logo com o seu
amante, nos separamos.
“Fui rapidamente ao quartel para saber onde morava o capitão
Jorge; cheguei à sua casa em frente da praia Formosa; bati à porta,
e ninguém me respondia. A desesperação já se infiltrava em minha
alma. Continuei a bater, até que um soldado me abriu a porta, e
sem me deixar entrar, disse-me de mau humor: — Meu capitão não
pode falar, está incomodado.”
— Diga-lhe que é um amigo, que vem por negócio dele mui
importante.
— Tenho ordem para não deixar entrar pessoa alguma, nem
mesmo o coronel, se viesse procurá-lo.
— Eu sou o médico; sei que ele está doente.
— Eu não fui a médico algum.
— Não importa, sou seu amigo.
“O soldado queria fechar a porta mal aberta, e eu entre a porta
e o portal procurava impedir; nem ela se fecharia sem que me es­
magasse. Tirei então da algibeira a minha carteira, e escrevi este
bilhete de provocação, para obrigar o capitão a receber-me.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 95

“Capitão, ou vós estais enganado, ou sois um pérfido; sedu­


zistes uma inocente, e a deixais na desesperação. Por vossa honra,
se a tendes, deixai-me entrar, e nós conversaremos.
“O soldado levou o bilhete, fechando a porta, e em um minuto
a porta de novo se abriu, e um homem pálido como o mármore do
sepulcro, com a cólera nos olhos, um sorriso sardônico nos lábios,
todo trêmulo, e uma espada na mão, estava diante de mim. Recuei
receoso que me fizesse algum insulto.”
— Vem sem espada! disse-me ele com a voz rouca, que lhe
saía do peito arquejante.
— Sim; minha profissão é conservar a vida, e não dar a morte.
— O que quer de mim? Quem lhe deu o direito de insultar-me?
— O furor vos cega, sr. capitão! Importante negócio aqui me
conduz. O interesse é mais vosso que meu.
— Que se perca! Já não pertenço a este mundo que detesto.
Podeis retirar-vos.
— Não entendestes o meu bilhete? Não vos lembrais que on­
tem devíeis esperar por uma menina?
— E quem vos disse? Como o sabeis?
— Se me quiserdes ouvir, e ser franco, dir-vos-ei tudo.
— Ah! sois o confidente da pérfida! Ela tudo vos contou? e
assim se diverte com o meu amor! Ah! quem se pode fiar em mu­
lheres!
— Fazeis grande injustiça à vossa amante.
— Injustiça! Injustiça! E quem sois vós para tomar a sua defesa?
— Uma testemunha das suas desgraças.
— Desgraças! Ela? como assim?
— Permita que eu suba; e tranqüilos falaremos.
“Subimos ambos: pediu-me que me assentasse, e pondo a es­
pada sobre a mesa, deixou-se cair sobre uma cadeira.”
— Senhor, disse-me ele, desculpe a minha perturbação. Há
três dias que não sei o que é descanso; há duas noites que não sei o
que é sono.
— Tudo creio, sr. capitão; e o estado em que o encontro per­
turba todas as minhas idéias. Falemos do objeto que me obriga a
procurá-lo. Existe uma infeliz neste mundo, que só tem por si os
meus cuidados, e que talvez não existisse hoje se a Providência a
não socorresse com a minha presença.
96 Tania Rebelo Costa Serra

— Amância! Amância está doente? Será essa a causa por que


ela... Ah, senhor, sois médico? Dizei-me, dizei-me.
— Sim, eu a salvei.
“Como um louco precipitou-se sobre mim, beijando-me mil
vezes a mão, e regando-a com suas lágrimas.”
— Quanto, quanto vos sou obrigado, dizia ele. Pobre Amân­
cia! E eu que tão injustamente a acusava. Queriam casá-la à força:
eis por que ela adoeceu, sem dúvida de paixão.
— De paixão, sem dúvida, porém por vossa causa.
— Sim, por minha causa! Como ela me ama! E ria-se e chora­
va a um tempo como uma criança, ou como um delirante.
— Instada por vós, deixou ela a casa paterna...
— Quê! Amância fugiu?
“E ficou pálido, com os olhos tão abertos e fixos sobre mim,
que pareciam devorar-me.”
— Sim, fugiu por vossa causa.
— Fugiu! exclamou ele tão cheio de terror como se visse uma
serpente... Fugiu! E não por mim! e não comigo! E tremendo como
uma frágil vergôntea caiu sobre o chão desmaiado.
“Prestei-lhe todos os socorros da ciência, e esperei que tomas­
se a si. Entretanto eu já acreditava que ele tivesse perdido a razão;
que por isso não tivesse ido ao prazo dado, e que agora me não
compreendesse. Fundada era a minha conjetura: tantas vigílias,
tantos sustos, a passagem rápida da desesperação à alegria, o que
bem se desprendia das suas duas últimas cartas, uma paixão vio­
lenta, tudo podia ter-lhe perturbado o juízo. A maneira por que me
recebeu, e tudo o que entre nós se passava denotava um certo grau
de alienação mental.
“Já ele abria os olhos, sem contudo dar fé de mim, e pronuncia­
va algumas palavras soltas sem sentido, quando na escada senti
passos, de quem desvairadamente subia.”
— Amância! minha filha! Aqui está teu pai!
“Assim bradava, entrando, um homem de cabelos brancos,
com a desesperação e a fadiga impressas no rosto e em todos os
seus movimentos.
“Mal chegou à sala, volvendo os olhos para todos os lados,
perguntou”:
— Onde está ela? onde está minha filha? quero vê-la.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 97

— Senhor, disse-lhe eu, nesta casa não há mulher alguma.


— Ela foi roubada, e há de aqui estar por força. Esta é a casa
do seu sedutor, do infame que ma roubou.
— Nesta casa apenas mora este homem, que se acha grave­
mente enfermo, e não podia de certo ter roubado vossa filha.
O estado em que ele se acha prova assaz o que digo.
— Oh desesperação!... E quem é esse homem?
— Não o conheceis? E o capitão Jorge.
— Jorge? gritou o velho fitando nele os olhos e reconhecendo-o:
— Jorge! Foi ele... És tu, pérfido, que roubaste minha filha... Onde
está ela?
“E dizendo estas palavras o investiu; e foi-me necessário colo­
car-me entre ele e Jorge, que sentado em uma cadeira imóvel, pa­
recia nada ouvir, nada ver.
“O velho banhado em lágrimas, caiu a meus pés dizendo:
— Ah senhor, se sabeis onde ela está, não mo oculteis... Sois
meu amigo, sois um homem de bem; tende compaixão de um ve­
lho, de um pobre pai! Minha Amância!... Minha filha!... Amância!
Amância!
— Amância!... bradou Jorge, erguendo-se da cadeira como um
possesso, e colocando-se no meio da sala com uma atitude tão
trágica, que se me arrepiaram os cabelos.
— É aqui que tu a procuras, bárbaro pai? Velho avarento, que
por ouro venderías a honra, a filha e teu Deus. Não, coração de
cofre, que só para o ouro se abre, não é aqui que tu deves procurar
tua filha; ela aprendeu contigo; e o capitão Jorge não possui rique­
zas para seduzi-la.
“O velho ficou como ferido por um raio; e eu estupefato. Jorge
em três passos ganhou o leito, e mergulhou a cabeça nos travesseiros.
“Um momento de silêncio sucedeu a esta trágica cena. Eu
possuía o segredo, e não ousava revelá-lo antes do tempo. A honra
da infeliz Amância me era tão cara, que eu temia qualquer indis­
crição que a pusesse em dúvida.”
— Senhor, disse eu ao velho, o capitão sofre como vós pela
fuga de vossa filha, e eu temo pela sua vida. Talvez que ela se re­
fugiasse em casa de alguma parenta ou amiga, para não ser cons­
trangida a dar a mão a um homem que lhe não merece o coração.
Acalmai-vos; não desacrediteis a vossa filha, publicando a sua
98 Tania Rebelo Costa Serra

fuga. Ide procurá-la com toda a prudência que requer este aconte­
cimento.
— Eu vos agradeço, senhor, tão salutar conselho. Não me
ocorreu, no meu furor, que pudesse Amância ter ido para a casa de
alguma parenta. Deve ser como dizeis. Eu vou. Obrigado, mil ve­
zes obrigado. Mas antes de deixar-vos... pedi ao vosso amigo que
me desculpe. Ele toma parte na minha desgraça; e contudo não é
inteiramente inocente. Talvez por ele Amância me desobedecesse.
— Se é como dizeis, respondi-lhe já caminhando para a porta,
há de vossa filha participar ao capitão, e nesse caso encarrego-me
de vos informar de tudo, a fim de tranqüilizar o vosso espírito.
“Agradeceu-me muito cordialmente, e retirou-se, deixando-me
entregue a novo combate.
“Em pé, no meio da sala, esperava eu que o capitão, erguendo
a cabeça do leito em que a tinha mergulhada, me dirigisse a pala­
vra com mais algum discernimento, devendo ter ouvido o que eu
acabava de dizer ao velho.
“Depois de um largo espaço de tempo, dirigiu-se com efeito a
mim, a passos lentos. A palidez da morte lhe desfigurava o sem­
blante; com a cabeça baixa, os cabelos em desordem, os braços
cruzados sobre o peito, disse-me com voz abatida”:
— Pode retirar-se; necessito estar só.
“Com todo o vagar tomei o meu chapéu, como quem pouca
vontade tinha de obedecer àquela ordem. Endireitei os lenços nas
algibeiras da minha casaca; tomei uma pitada compus-me todo, e
chegando-me a ele como para despedir-me, lhe disse com muita
gravidade:”
— Sinto ter merecido tão frio acolhimento, quando talvez a
vossa salvação dependesse de uma franca confidência. Eu me reti­
ro, sr. capitão, mas lembrai-vos que sois vós que ordenais, sem
ouvir-me, como pede o vosso interesse.
“Acentuei estas últimas palavras. Disse-lhe adeus, e queria
sair, quando ele rompendo o silêncio me perguntou”:
— Não me disse o senhor que é médico?
— Sim, disse.
— E que tinha tratado de... dela?
— É verdade.
— Que está bastante enferma?
Antologia do romance-folhetim brasileiro 99

— De certo, e bastante.
— Mas se ela não está em casa de seu pai, onde esteve o se­
nhor com ela?
— Eis o que eu desejava dizer-vos, e porque vim procurar-
vos, com perda de meus interesses. Mas eu vos incomodo; convém
retirar-me.
“Um ligeiro sopro de esperança parecia deslizar-se em seus
lábios.
— Senhor, se sois médico, não adivinhais que perdi o juízo?
Desculpai-me.
— Se vos não desculpasse, já aqui não estaria. Porém os meus
doentes me chamam...
— Esperai; eu também estou doente, e necessito do vosso so­
corro.
— Sr. capitão, falemos claro; o acaso me fez sabedor do que
entre vós e d. Amância se há passado. Felizmente pude impedir as
funestas conseqüências da desventurada paixão dessa senhora; e
para servi-la vim procurar-vos, a fim de receber um desengano, e
restituir a seu pai uma menina que por causa vossa, e para escapar
à desonra, procurava a morte.
— A morte? por minha causa?
“Vivos sinais de interesse começaram a animar a sua abatida
fisionomia.
— Sim, a morte, de cujas garras a subtraí ontem à noite.
— Meu Deus! será possível! Explique-me tudo, caro doutor!
— O que vos digo é bastante para que possais compreender
que de tudo estou informado, e que me deveis franca confissão do
que necessito saber, para revelar-vos o resto.
— Prometo dizer tudo.
— Bem; vós destes à vossa amada um prazo no Passeio Públi­
co. Por justa causa faltou ela na primeira vez; mas à vista de uma
carta vossa, bastante desesperada, escreveu-vos, prometendo que
comparecería naquela mesma noite, que foi ontem. Dizei-me ago­
ra, por que tendo vós empregado tanta força para obrigá-la a esse
passo, faltastes ao prazo que destes?
— Faltar?... Pois disso me acusa ela?
— Sim.
100 Tania Rebelo Costa Serra

— Eu não faltei, nem podia faltar... Faltou ela. Desde as seis


horas da tarde até às oito impaciente a esperei. Com os olhos fixos
no meu relógio via fugir a minha esperança a cada minuto que
marcava o ponteiro. Ao mais tardar devia ela lá estar às sete horas
e meia; e não apareceu... Ah, vós não sabeis com que desesperação
se espera por quem mais que a vida se deseja. E quando se espera
por uma amante, se algum dia amastes, sabeis o que isto quer di­
zer; quando se espera por uma amante, que deve fugir da casa pa­
terna, esquecer-se por um momento de todos os preceitos bebidos
desde a mais tenra infância, porque enfim eu conheço que é preci­
so um momento de delírio; quantas, quantas atribulações e dúvidas
não combatem o coração do infeliz que espera! Julguei que era
inútil esperar mais tempo; ou antes sem refletir, arrebatadamente
como as pancadas do meu coração, saí daquele lugar, para me li­
vrar de um pensamento horrível — que ali achassem meu cadáver
no dia seguinte. — Quantas vezes arrepiei meus passos; quantas
vezes saí, até que afinal, levado por um impulso estranho, fui até a
sua porta; investi pela escada: subi; desci; na minha cabeça só
havia projetos de desesperação e de morte. Nada fiz, porque as
forças me faltaram; voltei ao jardim, até que desenganado, quase
morto, depois de andar toda a noite sem tino, pude chegar à casa,
donde sairei pela última vez.
— A impaciência é uma má conselheira. Capitão, vós sereis
meu amigo, como eu já sou vosso. Se tivésseis esperado mais uma
hora, seríeis agora o mais feliz dos homens.
— Que dizeis? que dizeis? Ela foi? Julga-me traidor? E eu que
sofro angústias mais cruéis que as da morte! que fiz eu? Pobre
Amância!
“Narrei-lhe então o ocorrido na passada noite, e Jorge parecia
não contentar-se de ouvir as minhas palavras, ele as bebia, inter­
rompendo-as com expressões da mais veemente dor, arrancando os
cabelos, e derramando lágrimas de arrependimento. Pediu-me que
o levasse à minha casa para lançar-se aos pés de Amância. Acedi
ao seu desejo, com a condição que na escada esperasse, para que
sua presença imprevista não perturbasse o espírito da moça. Assim
como dois íntimos amigos, caminhamos para a cidade.
“Chegamos à casa que encerrava o tesouro do meu novo ami­
go; abri a porta; o capitão ficou na escada esperando o sinal entre
Antologia do romance-folhetim brasileiro 101

nós concertado, e eu mostrando rosto alegre entrei gritando: Para­


béns! parabéns!
“Amância estava assentada, olhando para o retrato do seu
amante, e apenas me ouviu, dando um ah! de espanto, levantou-se
e perguntou-me.”
— Então, achou-o? onde está ele? Não veio? Estará doente?
— As boas novas, disse-lhe eu, não se dão de repente. E preci­
so saboreá-las pouco a pouco, como um delicioso manjar.
— Então... ele não é traidor?... Ainda me ama?
— Cada vez mais... Não sabe em que estado de desesperação
o encontrei. E neste teor lhe fui contando tudo, e o desencontro por
causa das horas dadas para a reunião.
— Ele foi!... Coitado! Como não ficaria julgando-me falsa!
Tomara vê-lo, para lhe dizer a causa que me impediu de ir mais
cedo. Quando virá ele?... Por que não veio com o senhor?...Diga-
me, quando virá?
— Neste momento.
“Bati com o pé, e Jorge apareceu, lançando-se de joelhos aos
pés de Amância. Um grito de prazer e de espanto da parte de uma,
e — Amância! — pronunciado com transporte pelo outro, foram as
únicas palavras que soaram naquele primeiro momento de amor.
“Contar todos os abraços que se deram; todas as palavras mei­
gas que soltaram, todas as desculpas, todos os transportes, todas as
exclamações de que tão pródigos são os amantes, seria um nunca
acabar. Coloque-se cada qual na mesma posição, e imagine se pu­
der o que ali se passou, e do que eu fui muda testemunha, partici­
pando também de alguns abraços, e regozijando-me de ter concor­
rido para a felicidade dessas duas criaturas. Feliz quem ama, e é
amado; sobre a terra não vejo bem maior.

Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,


Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.

“Quem fez estes versos sabia bem o que é amor.


“Para terminar esta cena direi somente que Amância descul-
pou-se por ter ido tão tarde ao lugar aprazado, e consentiu que o
seu amante lhe beijasse mil vezes a destra, em sinal de perdão,
dizia ele, por não ter esperado até de manhã.
102 Tania Rebelo Costa Serra

“Uma boa hora tinha decorrido; e repetiam sempre as mesmas


coisas, parecendo esquecidos do futuro, como se aquele estado
fosse a sua única bem-aventurança, e que de mais nada devessem
cuidar, nem mesmo de comer.
“Em um intervalo de silêncio, em que eles se contemplavam,
disse-lhes eu”:
— Então, que determinação tomam? Ficam assim etemamen-
te? Qual o vosso intento, sr. capitão?
— Fugir! disse ele prontamente: Não é assim, Amância?
— Eu sei?... O que nos aconselha o senhor doutor?
— Já que o destino quer que eu aqui represente o papel de
protetor e conselheiro, dir-lhes-ei que o melhor é ir solicitar o per­
dão do senhor seu pai.
— Meu pai! Oh como não estará ele? Pobre velho! E assim
dizendo as lágrimas lhe saltaram dos olhos.
— Senhor doutor, disse Jorge, ele não consentirá na nossa
união; eu sou pobre.
— O amor de um pai, respondi-lhe, posto que menos furioso,
é mais compassivo, mais duradouro que o de um amante. Se con­
sentem que eu sirva de medianeiro, irei procurá-lo e dispô-lo em
favor de ambos.
— Sim, sim! exclamou Amância.
— Tempo perdido — disse o capitão.
— Sr. Jorge, vós não conheceis o coração de um pai. Tempo
perdido é este que inutilmente gastamos sem nada resolver. Dai-
me a vossa palavra de militar honrado, de respeitar como homem
esta senhora, e fazei-lhe companhia até que eu volte. E vós, senho­
ra, rogai a Deus para que vosso pai me atenda. Abracei-os e saí.
“Um escravo conduziu-me à alcova, onde estava deitado o de­
sesperado velho, que, ao ver-me, levantou a cabeça, e antes que eu
tivesse tempo de o saudar, perguntou-me”:
— Que notícias me dá de minha filha? Ah senhor doutor, eu a
procurei em todas as casas dos parentes; nada, nada.
— Não se aflija; o céu conserva vossa filha sempre pura para
ser a consolação de sua velhice. Ela chora por vós, e se lastima
pela vossa teima em querê-la casar com um homem que não pode
fazer a sua felicidade.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 103

— Então, sabe o doutor onde ela está? onde? onde está? quero
ir vê-la... essa filha ingrata que será a causa de minha morte.
— Vós me pareceis bem agitado; tranqüilizai-vos, e conversa­
remos.
Ah senhor doutor, se os filhos soubessem as aflições que cau­
sam ao pobre homem que tem a desgraça de ser pai!... Parece que o
céu nos pune por havermos dado o ser a outras criaturas, rebelando
contra nós os nossos próprios filhos.
— Que blasfêmia! Foi o senhor por ventura a causa da desgra­
ça de seus pais?
— Sempre os respeitei.
— Se foi respeitoso filho, como declama contra todos os fi­
lhos? A natureza de pai destrói por ventura a de ter sido filho?
— Os filhos de hoje não são como os do outro tempo: havia
então mais respeito, mais amor, mais religião. Hoje está tudo cor­
rompido; nem a Deus se respeita.
— Engano! Acusai antes a vossa... pertinácia em querer forçar
a natureza. Se seu pai o tivesse obrigado algum dia a obrar contra o
seu coração, o senhor o chamaria bárbaro.
— Deixemos essa conversação: falemos antes de minha filha.
Sois moço, defendeis o vosso tempo, que já não é o meu. Onde
está Amância? Posso vê-la?
— Hoje mesmo a verá; mas peço-lhe um favor antes de vê-la.
— Tudo o que quiser; diga.
— Que a deixe escolher um marido a seu gosto. Um marido é
mais que um pai, e a escolha deve pertencer a quem a ele se há de
sujeitar. Sei que o senhor é viúvo, e que ainda hoje lastima a perda
da companheira de seus anos mais felizes. Se a força se tivesse a
ela ligado, nem a sua existência teria sido como foi, nem por ela
chorara.
“O pobre velho exalou um profundo suspiro, e seus olhos se
umedeceram.”
— Senhor, continuei, por amor dela, por amor de vossa faleci­
da esposa, pelo sossego de sua alma, que agora talvez lamente o
vosso procedimento; perdoai a vossa filha.
— Eu lhe perdoo, sim, eu lhe perdoo.
— Deixai-lhe a liberdade de escolher um esposo.
— E minha palavra dada? Todo o mundo sabe que eu a tinha
prometido ao sr. Norberto; nem ele quererá ceder.
104 Tania Rebelo Costa Serra

— Tem porventura algum direito sobre vossa filha? Prometeu-


lhe ela coisa alguma!
— O que hão de dizer?
— Se a constrangerdes, dirão que sois um pai tirano, que fi­
zestes a desgraça de vossa filha por amor do dinheiro. Dirão mais,
que fugiu por vossa causa, e que fez muito bem, porque todo mun­
do tem o direito de defender a sua liberdade. Se consentirdes no
que vos peço, será vossa filha feliz, e todos aplaudirão a vossa
bondade. Sois rico; não precisais que o vosso genro traga mais
dinheiro; basta que ele seja uma pessoa honesta; vossos filhos vos
abençoarão, viverão convosco, e à vista da vossa felicidade nin­
guém vos acusará.
— Se o sr. Norberto cedesse...
— E o que pode ele fazer? Que remédio tem ele senão ceder!
— Senhor doutor, creio que ele aí chega... esses passos são
dele.
— Não falemos mais nisso.
“Entrou um homem de cinqüenta anos pouco mais ou menos,
e sem mais cumprimentos perguntou com maus modos.”
— Então o que é isto, sr. Fábio? Que novidade é esta? Será
certo o que eu ouvi dizer? Então a sra. d. Amância fugiu?... Então,
que diz?... não responde! será verdade?
— Sr. Norberto, disse-lhe Fábio, poupe-me essa lembrança
cruel; recorde-se que sou pai.
— Então pelo que vejo é verdade! Não me enganaram! E esta!
quem tal diria! Com efeito deu o senhor muito boa educação à sua
prezada filha! Olhe que pode limpar as mãos à parede.
“O velho fez um movimento de indignação, e não ousou soltar
uma só palavra.”
— Senhor! disse eu ao importuno, o estado em que se acha o
sr. Fábio não é muito próprio para ouvir tais coisas.
— Sim, certamente, continuou ele, oh lá! A menina fez muito
bem... pois não! Ainda em cima devo ser eu o consolador do sr.
Fábio.
— Ah sr. Norberto, disse o velho, se igual desgraça lhe tivesse
acontecido, outra seria a sua linguagem.
— Que outra linguagem!... Pois isto tem pés nem cabeça? Se
não fossem as suas condescendências, já eu estaria casado. Queria
ver se o passarinho me havia de fugir da gaiola. Pois não!
Antologia do romance-folhetim brasileiro 105

— Se a guarda de um pai não foi bastante, menos seria a de


um marido, disse-lhe eu.
— Então outro galo cantaria, respondeu ele. Mas vamos a sa­
ber quem foi o sedutor? Quem é esse menino bonito? Quero ter o
prazer de ver esta bengala cantar-lhe nas costas.
— Ora, disse-lhe eu, se com efeito a sra. Amância saiu da casa
paterna só para não dar-vos a mão de esposa; se esse a quem cha­
mais seu sedutor, for um militar, moço e bravo, tereis ânimo de
disputar-lhe a sua conquista?
— Tenho muito dinheiro para gastar. Hei de metê-lo na ca­
deia; hei de mandá-lo para a índia; hei de...
— Se fôsseis senhor absoluto, não duvido; mas neste tempo já
não há índias para os amantes.
— Qual tempos nem tempos! Todo o tempo é o mesmo quan­
do há dinheiro.
“E dizendo isto o arrogante media a sala a largos passos,
brandindo o bastão de cana da índia, e bufando como um touro.
Parando depois defronte do velho”:
— Então, sr. Fábio, em que fica isto?
“O pai de Amância, a quem todo este aranzel não menos que a
mim tinha desgostado, respondeu-lhe”:
— Amância ainda é minha filha; e se o sr. Norberto quer re­
nunciar à sua mão, estimarei muito.
— O sr. Fábio diz-me isso?... Ainda esta me falta ver. Será
este senhorzinho o mimoso? E com ar de desprezo mediu-me de
alto a baixo. Não pude deixar de dizer-lhe: — Se o seu dinheiro lhe
não tem servido para adquirir melhor educação, e tratar com mais
reverência os desconhecidos, eu me encarrego de educá-lo de graça.
— Se não estivesse aqui, eu lhe diria, seu...
— Sr. Norberto! exclamou o pai de Amância, respeite a minha
casa.
— Tão bom é você como sua filha, disse o insolente. Eu os
ensinarei... passem muito bem...
“E saiu como um endemoniado, mais furioso talvez pela perda
do dote, que da esposa.
“Depois de algum silêncio em que ficamos, olhando um para o
outro, disse eu ao sr. Fábio”:
— E este o bruto escolhido para esposo de vossa filha, tão
moça, tão terna e tão bem educada?
106 Tania Rebelo Costa Serra

— Ah senhor doutor, respondeu-me ele, estou coberto de ver­


gonha... Minha filha está desculpada. Estou arrependido de não tê-
la dado a esse pobre capitão Jorge, que tanto ma pediu, e que eu
estimo... Como estará ele! Pobre capitão!
“Cheio de prazer lhe disse: — Vinde ver vossa filha, que vos
espera para receber vossa bênção.
“O efeito que não produziu toda a minha eloqüência, produzi­
ram as insolências do sr. Norberto. É assim que o aspecto do vício
nos faz amar a virtude. Que pai podería dar sua filha a um labrego
como este, sem outro mérito mais que possuir alguma riqueza,
talvez bem mal adquirida?
“Fábio amava o dinheiro, e todos o amam, mais ou menos;
porque sem dinheiro não se vive na sociedade civilizada; mas tinha
um coração de pai; desejava ver sua filha feliz, e nesse momento o
céu o esclareceu. Deu-me mil agradecimentos, pela parte que neste
negócio havia eu tomado, metemo-nos em um carro, e partimos.
“Parou o carro à porta de minha casa. Amância e Jorge chega­
ram à janela, e por um instinto de vergonha ambos se ocultaram.”
— Minha filha, vem aos braços de teu pai!
“E Amância caiu de joelhos diante dele, beijando-lhe as mãos,
e o velho desfez-se em lágrimas.”
— Perdão, meu pai, perdão; dizia ela chorando.
— Perdoada estás há muito tempo; o céu te libertou aconse­
lhando-te esta fuga, sem a qual eu não teria ocasião de conhecer a
brutalidade daquele malcriado. Pede-me o que quiseres; em sinal
do meu amor tudo te darei.
— Senhor doutor, peça por mim, disse-me Amância.
— Jorge! chamei eu; e o capitão todo trêmulo apareceu: beijai
a mão de vosso pai.
— Sim, disse o velho, serás meu filho; minha casa será vossa,
e o céu que protegeu vosso constante amor proteja e abençoe a
vossa união, e vos conserve sempre virtuoso.
Assim terminou o doutor a sua história, e uma das moças que
atenta o escutara, lhe perguntou:
— E o tal Norberto, que fim levou?
— Continuou a negociar e a ganhar dinheiro; e no ano passa­
do embarcou para Portugal, a fim de lá gastá-lo.
— E os amantes casaram-se?
Antologia do romance-folhetim brasileiro 107

— Por sinal fui eu um dos padrinhos. Vivem felizes. O capitão


reformou-se, e está hoje rico, com uma fazenda de café. Já têm
dois filhos. E com esta me vou, que a lua já saiu. Adeus, até outro
dia.
Consolidadores
Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa

Teixeira e Sousa nasceu em Cabo Frio (RJ) no dia 28 de mar­


ço de 1812 e morreu no Rio de Janeiro a l9 de dezembro de 1861.
De família humilde e mestiço, o jovem só pôde completar os estu­
dos trabalhando para se sustentar.
Trabalhou na tipografia de Paula Brito, onde ficou conhecen­
do os maiores escritores da época e aí se iniciou nas letras. Foi
também professor e, finalmente, trabalhou como escrivão, o que
lhe permitiu, financeiramente, ter mais tempo para dedicar-se à
literatura.
O verbete referente ao escritor no Ano biográfico brasileiro,
de Joaquim Manuel de Macedo, é extremamente elogioso, embora
o companheiro literato culpe a pobreza por uma produção que
poderia ter sido maior.
Seu O filho do pescador (1843) tem sido considerado por di­
versos críticos como o primeiro romance da literatura brasileira,
por achar-se encenado no Rio de Janeiro, mais precisamente na
praia de Copacabana. Embora prevaleça a versão de que é A more-
ninha (1844) o primeiro romance brasileiro, não há dúvida de que
O filho do pescador é romance, e romance-folhetim, devido ao
número de peripécias, assassinatos misteriosos, filhos que reapare­
cem após anos sem notícias, a volta triunfante de um herói que se
supunha morto e que consegue vingar-se, etc. No entanto, embora
ambientado no Brasil, seu clima algo “gótico” lembra mais a fic­
ção européia do que a brasileira.
Extremamente digressivo, conta a história de um casamento
malogrado, em que a mulher é adúltera e assassina. O capítulo
XVII, que aqui será transcrito, mostra o clímax do romance, quan-
112 Tania Rebelo Costa Serra

do a pérfida é desmascarada. No capítulo seguinte fica-se sabendo


que o jovem caçador é, na verdade, o filho de Maria Laura, que lhe
havia sido arrancado aos dois anos de idade. O filho interfere junto
ao “padrasto” para que não denuncie sua mãe, que acaba indo pas­
sar o resto de sua existência num convento, devidamente arrepen­
dida e perdoada.

O filho do pescador
(romance)

Capítulo XVII — QUE VEJO!

A nossa vida é um composto de desordens seguidas por uma


nova ordem de eventualidades felizes, ou desgraçadas; não há,
porém, uma eventualidade feliz, que possa ser o cúmulo da supre­
ma felicidade, mas pode haver uma eventualidade desgraçada, que
possa ser o derradeiro abismo da extrema desgraça.

Suponde que estamos na sala de Laura; ela graciosamente as­


sentada no seu canapé tem de um lado o dr. Sindoval e d’outro
lado o belo caçador. A porta está apenas encostada. Um homem
envolto em seu capote, coberto com o seu grande chapéu, e muito
enterrado em sua cabeça, com o rosto quase sepultado em compri­
das barbas e longos cabelos, um grande ponche, que lhe encobre
quase toda uma face, demora à porta. Laura pergunta quem ele é.
— É um doente, que me veio consultar; eu o despacharei.
Foi a resposta do doutor.
São quase onze horas da manhã. Os três personagens do ca­
napé conversam com interesse, o homem que está de fora avizinha-
se, e encostado a um portal da porta, nem está bem dentro, nem
bem fora. Ele parece não perder palavra da conversação. Ouve-se a
voz do doutor:
— Enfim, minha senhora, eu me oponho absolutamente a este
casamento.
— E por que, senhor doutor?
Antologia do romance-folhetim brasileiro 113

— Porque não é do meu gosto...


— Esse modo de falar indica ódio...
— Antes compaixão...
— Compaixão! e por quê?
— Perguntai a vós própria, e o sabereis.
— Não vos compreendo; mas seja como for; se vosso afilhado
e eu o quiséssemos?
— Ele não o quererá; mas se o quisesse, não o sabería impe­
dir.
— Confiais muito em vós; mas sabei que se sois rico, também
eu tenho riquezas...
— Vossas riquezas vos não podem servir para este negócio.
— Pois veremos, senhor; eu tenho grandes meios à minha dis­
posição...
— Bem sei. Como tem sempre uma mulher adúltera quando
quer desfazer-se de seu marido, como, por exemplo, um incêndio,
um veneno... ou quer acabar com um amante criminoso, por meio
de um malvado com um tiro, etc.
O tom de convicção, e a frieza horrorosa com que o doutor
pronunciou estas palavras, era para rasgar no coração de Laura a
mais profunda e envenenada chaga; e mormente à vista do amante
caçador, que não bem podendo interpretar, em sua imaginação, as
palavras de seu padrinho, olhava todavia atônito para ele e para
ela, como quem, por sobre seus semblantes, queria penetrar os
arcanos de seus corações! Em verdade, nada de mais designativo
para Laura, do que as palavras do doutor.
Não obstante, a viva Laura, com afetada franqueza, e com a
mais revoltante e incrível frieza, respondeu:
— Não sei de que falais...
— Atendei-me: permiti que vos conte uma história1...
— Agora não é possível.
— Mas há de ser agora mesmo.
— Estou incomodada.
— E pequena.
— Embora. Permiti-me licença...

1 A que vem acontecendo ao longo das duzentas páginas anteriores; no entanto, só


neste capítulo o leitor ficará sabendo que o filho do pescador não morreu.
114 Tania Rebelo Costa Serra

— Não; haveis de ouvir-me. Assentai-vos.


— Senhor...
— Bem sabeis que vos não temo. Quero que me ouçais, e o
quero absolutamente... haveis de ouvir-me... ou... Vós me compreen­
deis.
— E que história é essa?...
— Não vos diz respeito, é verdade; mas bom será que a sai­
bais. Ouvi-me, pois:
Entre as muitas pessoas que eu conheci nesta cidade, havia um
tal moço, recomendável pelos seus maus costumes nos seios das
famílias que freqüentava. Entre as diversas casas que este visitava,
era bem assim a de um honrado moço, há pouco tempo casado com
uma bela moça: eu era amigo dele.
Algumas vezes eu falei-lhe sobre a amizade deste moço, mas
ele era tão demasiadamente bom que jamais desconfiava dos ou­
tros.
Um dia, eram nove horas da manhã, pouco mais ou menos, eu
estava na botica de um meu amigo, isto é, num quarto dela, para a
parte de dentro, de modo que não podia ser visto de fora, quando
entrou ele, pois se dava muito, ou era até amigo do caixeiro, e lhe
pediu um pouco de veneno para extinguir ratos. Ora, isto podia ser
verdade; eu sou de um natural desconfiado, e a minha idade me
tem feito aprender o quanto pode um moço louco, perdido de
amor. O caixeiro hesitou, dizendo que um pouco de veneno de rato
não se dava assim. O moço prometeu então o mais inviolável se­
gredo, e o mesmo exigiu do seu amigo caixeiro. Admirado eu desta
instância, e deste religioso segredo, acompanhado de minha expe­
riência, e natural desconfiança, acenei ao caixeiro para que se ca­
lasse, e viesse ter comigo. Todavia, o caixeiro pretextando certo
serviço ligeiro, pediu licença ao pretendente e veio a mim. Então,
impondo-lhe segredo sobre mim, e sobre o que eu lhe mandava
fazer, disse-lhe que desse a seu amigo um estupefaciente, cujo
nome lhe indiquei, e disse-lhe que desse uma porção que produzi­
ría um torpor de algumas horas. O narcótico que mandei dar é da­
queles que produzem um profundo letargo, que só um facultativo o
pode discriminar da morte. Isto feito, certo que a dose que mandei
dar nenhum mal faria a quem a tomasse, botei-me para a chácara,
nos subúrbios da cidade, de um amigo meu com quem fui jantar.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 115

De volta, soube com espanto que o moço, meu amigo, era morto.
Perguntei a que horas tinha morrido, disseram-me que às onze
horas, pouco mais ou menos. A pessoa que disto me noticiava
acrescentou, dizendo a igreja para onde naquele momento tinha
seguido o acompanhamento fúnebre!
Não foi a morte súbita que eu admirei, mas foi a pressa de se­
pultar-se o corpo do morto. Não pude resistir à minha admiração, e
encaminhei prestes para a dita igreja. Chego, a cerimônia do enter-
ramento está finda, e a igreja já quase solitária. Examino o corpo, e
conheço que o que parecia sono de morte não era mais do que um
profundíssimo letargo, a que seguir-se-ia o da morte, se breve se
não acudisse ao paciente. Cumpre notar que isto era devido ao tal
caixeiro, que deu mais do narcótico do que eu lho determinara,
como depois verifiquei. Conheci que o desgraçado podia ainda
viver se por ventura lhe acudissem.
Por felicidade o sacristão dessa igreja não só era meu conhe­
cido, como até me era assás obrigado. Chamei-o, e exigindo dele
um juramento sagrado, comuniquei-lhe o que havia, invocando o
seu socorro em favor do suposto morto: tiramo-lo da catacumba,
despimo-lo de seus hábitos sepulcrais, e com eles fingimos o de­
funto dentro do caixão da mesma catacumba, que devia fechar-se
na seguinte manhã e alguns pedaços de pano velho, uma pouca de
cal e vinagre acabaram de formar o fingido defunto.
Findo isto, eu e o sacristão tomamos o nosso homem, e o le­
vamos para um lugar mais apropriado, onde prestei-lhe quantos
socorros a arte me aconselhou. Tomou finalmente a si, e um pouco
mais tranqüilo, por minhas diligências, soube por minha boca que
em conseqüência de um letargo fora julgado morto; nada mais lhe
disse, nada mais, pois, convinha. Poucas horas depois o ressuscita­
do estava em minha casa. Quando se achou completamente resta­
belecido, contei-lhe a história e as razões em que me fundava para
crer que fora envenenado por sua mulher, ou quando menos pelo
seu amigo.
O pobre homem tremia ao ouvir-me: queria não dar-me cré­
dito; mas a compra do veneno, o narcótico levado, o seu longo
torpor, a pressa de seu enterramento eram provas quase evidentes.
Como quer que fosse, ele resolveu-se a ficar oculto, e debaixo de
hábitos e formas disfarçadas, espreitar os passos de sua mulher.
116 Tania Rebelo Costa Serra

Era, pois, em minha casa que ele estava oculto; mas passava
quase todas as noites rondando a casa de sua mulher. Além de mim
e o sacristão da igreja, só outra pessoa sabia destas coisas, era um
escravo que o acompanhava todas as noites, e em cujo quarto, pe­
gado à casa de sua suposta viúva, ele passava muitas noites e até
dias.
Bem pouco tempo foi mister para verificar-se o crime. Deveis
saber, senhora, que quando a suposta viúva se julgava a sós, entre
os braços de seu criminoso amante, ela era ouvida pelo seu próprio
marido; mas ainda não era tempo...
(O doutor neste lugar fez uma parada, tirou a boceta, e tomou
uma pitada. Laura fazia-se de mil cores ouvindo a narração tão
análoga à sua história; sua alma experimentava neste momento os
mais terríveis tormentos do inferno! mas a necessidade a obrigava
a escutar. O doutor continuou sua história):
Houve uma noite, em que esta mulher, a pedido do seu aman­
te, teve a bondade de contar-lhe a sua história: já se vê que durante
tal narração, seu marido a ouvia. O amante a ouviu e, ou fosse
horror, ou fingimento, o certo é que ele resolveu-se a deixá-la en­
tregue a si própria, e efetivamente o fez nessa mesma noite, em que
lhe ouvido tinha a sua funesta história.
Esta mulher de sangue determinou logo acabar com este
amante: ela acha um malvado que, pelo prêmio do seu amor, aceita
esta mortal comissão, e poucos momentos depois que seu amante a
abandonara, ferido de um tiro, deixa de viver uma vida de fogo, de
sangue, de veneno, de mortes, de crimes, e de adultério enfim!...
No momento porém em que este malfeitor cai expirante, um des­
conhecido lhe aperta a mão dizendo pouco mais ou menos: —
Deus te perdoe. Já se vê que este desconhecido era o suposto
morto. Poucos minutos depois esta mulher e seu novo amante,
contando ambos mais um crime, ouviram sobre a janela do quarto
em que estavam um como arranhar pelo lado de fora, sinal que
costumava dar o primeiro amante quando ia falar-lhe: ela é aberta,
e com espanto dos dois criminosos, o homem, que há pouco fora
assassinado, vê-se recostado à dita janela! Já se vê que foi o su­
posto marido morto que arranhou sobre ela; e que o mesmo, ajuda­
do de seu fiel escravo, foi quem trouxe o corpo do morto para re-
costá-lo à janela desse quarto de maldições! Sim, que ele estava
Antologia do romance-folhetim brasileiro 117

bem certo que os dois criminosos o sepultariam, e seria sobre a


sepultura desse adúltero execrando onde ele provaria à sua mulher
todos os seus medonhos crimes! Parece que escrito estava que por
causa desta mulher devia ainda correr mais sangue: e todavia, ela
faz nova digressão, e um novo amante espera uma entrevista no
fundo de seu jardim; ela não falta; e quando pensa correr aos bra­
ços do seu amado, acha-se entre as mãos mortíferas do matador do
primeiro amante.
A desgraçada grita, pede socorro, e um desconhecido aparece
em seu favor. Já se vê também que foi o mesmo suposto morto que
aí apareceu em socorro de sua mulher, cuja vida estava a ponto de
perder às mãos de seu ciumento amante. Já se vê enfim que foi o
mesmo que obrigou a esse homem malvado a deixar o Rio de Ja­
neiro, a escrever uma carta à sua mulher noticiando-lhe isto mes­
mo; e que foi ele quem ensaiou o escravo para que dissesse à sua
senhora que a pessoa que a socorrera fora ele, escravo!...
O primeiro amante pois desta mulher carregada de crimes era
Florindo...
— Ah! basta...
— Ainda não. O segundo, Marcos, o escravo, João; e ela, Lau­
ra...
— Ah!... E o marido?... Exclamou o caçador como ferido de
um raio!
O doutor continuou friamente:
— É aquele que ali está...
Ao mesmo tempo o homem que estava à porta, deixando cair
o seu capote e chapéu, arrancando sua cabeleira, grisalhas barbas e
parche da face, mostrou-se como quem era; Laura encara-o, e solta
um grito:
— Que vejo!...
— O homem a quem duas vezes assassinaste; teu marido, o
filho do pescador!...
Joaquim Norberto de Sousa
e Silva

Joaquim Norberto nasceu na cidade do Rio de Janeiro a 6 de


junho de 1820 e morreu em Niterói no dia 14 de maio de 1891. De
pouca instrução, isto não o impediu, como autodidata, de estudar e
de acabar tomando-se um dos principais críticos do começo do
Romantismo.
Trabalhou para vários periódicos, entre eles a Minerva Brasi­
liense e a Revista Popular. Com apenas 21 anos entra para o Ins­
tituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do qual acabará sendo
diretor. Na revista deste órgão constam inúmeros trabalhos de crí­
tica e de história literária, além de biografias de autores contempo­
râneos.
O Romances e novelas, de 1852, é uma “coleção de romances
e novelas, contos e legendas (...) que, escritos de há muito tempo,
se achavam dispersos por vários jornais de efêmera existência e
limitada circulação” (prefácio). Foram escolhidos os dois primei­
ros que aí se encontram, Maria, ou vinte anos depois (1844), que
Antonio Candido chama de “romance-relâmpago ” — devido ao
seu pequeno tamanho será aqui transcrito na íntegra —, e Januário
Barbosa, ou as sete orelhas (1852).
Este último romance, que se podería qualificar de gótico,
conta a história de um pai que, ao saber do assassinato com re­
quintes de crueldade de seu filho por sete homens, abandona lar,
mulher e filha para vingar-se deles. A vingança deveria consistir
em matar um por um e arrancar-lhe uma orelha, até completar o
número de sete. Após dez anos, consegue terminar a vingança e
volta para casa, a fim de mostrar à mulher o colar de sete orelhas.
120 Tania Rebelo Costa Serra

Depois dele a mulher morre (diante do espetáculo das orelhas) e a


filha viúva volta a morar com ele e o filhinho (o sétimo assassino
havia-se casado com ela, a fim de tentar evitar a morte nas mãos de
“O Sete Orelhas”, como Januário Barbosa ficara conhecido).

Maria, ou vinte anos depois


(romance brasiliense)

Hélas! tel fut ton sort, tel est ma destinée!


Lamartine

I — O Rapto

Where art thou, son of my love?


Ossian

Aprazíveis são as montanhas da Gávea. É de sobre suas pedras


elevadas, esses rochedos enormes que sobejam às suas encostas, e
de entorno às suas florestas, que se descobre a imensidade do ocea­
no Atlântico, que perde-se no infinito, lá onde assenta-se a base
azulada da abóbada do céu e rara vela branqueja como o atiati1 que
esvoaça, asas imóveis que nem trepidam, de sobre a superfície das
águas, lá onde se perde o pensamento cansado de divagar...
O sol doura com seus raios animadores o fastígio das monta­
nhas, que fumegam aqui e ali, com as covas dos carvoeiros, coroa­
das de penedos e restos de florestas, de matos e de capoeiras.
A brisa matutina abana levemente a ramagem dos bosques en-
grinaldados, agita os verdejantes leques das palmeiras, desce pelas
encostas das montanhas, sussurra nos vales profundos, e encres-
pando brandamente a lisura das águas marítimas, vai levar ao

1 “A gaivota, assim chamada dos indianos”, J. N. S. e S., p. 3.


Antologia do romance-folhetim brasileiro 121

nauta, cansado de respirar a viração impregnada de sabor marinho,


os perfumes das flores agrestes que convidam à vida.
Os pássaros, com suas plumas variadas em cores, adejam pe­
los ares, como nuvem de flores, que as auras arrancam às grinaldas
das florestas e levam balouçando sobre suas asas.
O sabiá gorjeia placidamente, a paca percorre o abaulado do
monte e o escamoso tatu vaga pela margem desses veios de crista­
linas águas, que tão mesquinhos por ali serpejam em tempos de
verão, enquanto que o carvoeiro entoa suas endeixas de amor e de
esperança.
De em quando a em quando ouve-se o trovão do arcabuz que
os ecos das montanhas repetem de maneira assombrosa, precedi­
dos dos latidos dos cães; as aves espantam-se, há uma pausa como
se parasse a criação; — é o silêncio da natureza!
Pouco depois tudo entrou em sua ordem. O sabiá prossegue
em seus sonoros gorjeios. O carvoeiro entoa seus cantares. Ou­
vem-se de momento em momento sons compassados. São o ruído
dos golpes do machado do lenhador que derriba o tronco das árvo­
res anosas.
Aí no meio das florestas elevava-se, como outras muitas, uma
tosca choupana de varas tecidas e barreadas, e coberta de palhas;
era a choupana de Maria, a filha do carvoeiro, que não tinha mais
que três repartimentos, uma sala acanhada, o aposento onde dor­
mia e a cozinha; algumas gaiolas com pássaros do local, alguns
registros de santos da sua maior devoção, e rosários pendiam das
paredes esboróadas; toscos trastes formavam toda a mobília. No
solar dessa choupana era que ela uma manhã, de olhos fitos na
terra, pranteava, ao lado de uma menina que distraidamente olhava
para as árvores.
Aí, sentada, com os cabelos esparsos pelos ombros, os olhos
em lágrimas que serpejavam-lhe pelas faces amorenadas, mas co­
radas como a tez delicada do jambo, um braço cruzado sobre o
peito e a mão sustentando o outro em que se apoiava a cabeça, ela
sofria, que sua dor era grande, e de entre-vezes um suspiro, que se
desenlaçava do coração, despendia-se-lhe dos lábios envolto em
soluços; era um suspiro de saudade que perdia-se nos ares e que
talvez só fosse respondido pelo vagido débil e fraco de um menino.
122 Tania Rebelo Costa Serra

Um homem, cujo aspecto representava ter mais de sessenta


anos de idade, trazendo uma vara na mão, na qual se apoiava
quando tinha de vingar o escabroso da montanha, aproximou-se.
A menina correu para ele com um sorriso nos lábios, pegou-lhe na
destra, levou a mão à boca e lhe imprimiu um beijo. Maria ergueu-
se, foi ao seu encontro, tomou essa mesma mão, beijou-a, inun-
dando-a de rios de lágrimas que desprenderam-se-lhe dos olhos.
— Minha filha! exclamou ele como que admirado.
— Ah, meu pai, roubaram-mo, roubaram-mo.
— O que, minha filha?
— Ah vós nem vedes que ele aqui não vos espera para beijar a
vossa mão, sorrindo-se pendente de meus braços?
— E possível!
— Roubaram-mo, roubaram-mo.
— Quando?
— Esta noite passada.
— E como?
— Senti um ruído, e eram as portas da choupana que abatiam-
se aos golpes dos machados! Vi vultos que aproximavam-se de
junto de meu leito, e eram os roubadores que mo vinham buscar!
Ouvi vagidos que me cortavam a alma, e era ele que chorava leva­
do por eles! Desatinada, louca, furiosa, ergui-me, saltei, corri a ele.
Eis que lançam-se dois vultos sobre mim e me retêm em seus bra­
ços de ferro, contra os quais lutei embalde.
— E por que não gritaste?
— Suas mãos sufocaram-me as vozes na garganta.
— E depois?
— Fugiram, desapareceram, levando meu filho consigo e dei­
xando-me a sós com Clara, desconsolada, aflita e sem saber de
mim.
O velho entrou para a choupana, sentou-se e conservou-se
pensativo por algum tempo. Depois, sacudindo a cabeça, ergueu os
olhos para Maria, que em pé, imóvel, se conservava a seu lado.
— Não é hoje, perguntou ele, que deve chegar o teu marido?
— Hoje? balbuciou ela, olhando para a parede, onde havia
traçado com carvão um risco horizontalmente, e cortado por outros
perpendiculares e de diferentes tamanhos; ah! ajuntou, eu perdi a
conta!
Antologia do romance-folhetim brasileiro 123

— É hoje; não há dúvida, e aqui não houve senão prevenção;


José Feliciano bem to havia pedido, não lho entregaste, e ele pois
lançou mão da violência para havê-lo; lembrou-se que hoje devia
chegar o teu marido e não quis que ele viesse achar-se com um
menino que, segundo todas as probabilidades, não lhe podias apre­
sentar como seu filho.
Um leve enrubescimento coloriu as faces de Maria, que levou
o lenço aos olhos, mais para ocultar seu rosto que para limpar as
lágrimas, e cujo disfarce todavia procurou; o velho se calara, e por
grande espaço reinou na choupana o silêncio da solidão, onde tudo
se ouve, exceto a voz humana; até que entrou um escravo, esten­
deu sobre a mesa um pano de algodão rusticamente trançado, po­
rém alvo como o dia, e perfumado com o delicioso aroma da erva
de S. João, e sobre ele espalhou alguma louça grosseira:

Pobre mesa,
Onde não tine a rica porcelana,
Nem cansa aos olhos trêmulo reflexo
De brunida colher, de refulgente
Britânico saleiro.2

mas onde fumegava o café, cujo aroma suave se expandia agrada­


velmente, enquanto que alguns beijus branqueavam sobre a toalha.
O velho e a menina assentaram-se em torno, e Maria conservou-se
de pé.
Tocavam o fim do almoço quando sentiram o tropel de um ca­
valo, que mais se aproximava.
— Alguém se avizinha, disse Pedro Rodrigues.
— E um cavaleiro.
— E vem direito a nossa choupana.
— E Gaetano, ajuntou o velho levantando-se e dirigindo-se
para a porta.
— É ele mesmo, murmurou ela.
— Quem, minha mãe?
— Teu pai, minha filha.

‘Garção, epístola”, J. N. S. e S„ p. 7.
124 Tania Rebelo Costa Serra

Gaetano apeou-se, beijou a mão ao velho, beijou sua filhinha,


apertou sua esposa em seus braços e entrou para a choupana.
— Descansemos por um pouco, disse ele se atirando sobre um
tosco assento.
— E enquanto descansas, ajuntou Pedro Rodrigues, eu me vou
por aí a lançar uma vista de olhos às minhas carvoeiras.
— E não voltareis?
— Depois, depois, para conversarmos.
Cobriu-se Pedro Rodrigues com o desabado chapéu e se foi
arrimado ao seu bordão.
— Não vos quereis despir? perguntou Maria a Gaetano.
— Não, repondeu ele, que tenho ainda que ir dar contas a José
Feliciano de seus negócios e para nunca mais meter-me em outros.
— E então pelo quê?
— Por motivos que depois saberás.
— Pois bem, contar-me-eis e eu vos escutarei quando quiser­
des, no entanto podeis almoçar.
— Tomarei café, pouco, e comerei então na volta até mais
fartar; mas tens um não sei que de triste em teu semblante, um não
sei quê de pesado em tuas palavras, que muito estranho.
— E eu sempre não fui assim?
— Não, Maria, não, disse ele se sorrindo, sem dúvidas sauda­
des minhas...
E ela suspirou; serviu-o de café, e um momento depois Gaeta­
no seguia caminho da Tijuca, montado em seu cavalo. Triste, aflita
e silenciosa conservava-se Maria; apenas lá de vez em quando
soltava um gemido, um gemido terrível que se desprendia do peito;
— era a lembrança cruel de seu filho que tanto a atormentava.
À tarde veio o velho jantar com ela; depois caminharam pelo
abaulado do monte e foram sentar-se na relva, sob a copa de uma
laranjeira; o ar estava embalsamado de suas flores. Bela trepadeira
se apoiando sobre seus galhos cingia-a de seus brandos liames,
misturando seus rubros jasmins com as flores simbólicas da vir­
gindade. Aí num raminho, entre o enlace de verduras floridas, ti­
nha o beija-flor fabricado o seu ninho de fofas painas, e guameci-
do-o exteriormente com a casca da árvore, como que para não ser
facilmente conhecido, e aí mesmo, do casulo que tecera a lagarta,
se desprendia a borboleta como envolta em pintadas e longas rou-
Antologia do romance-folhetim brasileiro 125

pas, de que pouco a pouco se foi desembaraçando; depois ergueu-


as, como duas pétalas de flores agrestes, agitou-as, e levada pelo
vento, parecia uma flor aérea. Lá em cima de um galho que se de­
bruçava de sobre a água, se embalançava o guará revestido de ne­
gras penas, contempla sua imagem no cristal da água estanque,
como se recordando das belas cores que já tivera. Outra avezinha
não menos interessante se acolhe à sua pousada de barro, seme­
lhante a esses edifícios árabes de abóbadas, e com formas circula­
res, entra à porta, e vai branda e suavemente pousar no seu colchão
de moles palhinhas, e enquanto preside a incubação da nova prole,
esconde a garganta pela janela de sua pousada para escutar o
amante, que empoleirado no raminho enche os ares de trinados?
E ela contemplava em silêncio, lembrando-se que cedo desumana
mão roubar-lhe-ia essa tão querida prole; lembrava-se e suspirava.
— Ah sempre a suspirar, disse Pedro Rodrigues, desde que o
sol se eleva até que a noite cai, desde que a noite cai até que o sol
se eleva!
— É que meu peito, lhe voltou ela, é como essas carvoeiras,
que aí fumegam dia e noite, que pelo fumo dão a conhecer o fogo
intenso que as devora.
— Sim, mas tu deves procurar a distração.
— A distração? E o pesar, o pesar que como o fel da morte se
me derramou no mais profundo do coração.
— Sim, que teus desgostos passados, e agora o roubo de teu
filho te devem motivar grande pesar, o que aproveita porém chorá-
lo assim tão continuamente? E não tens aí no âmago do coração,
de envolta com esse fel, que te azeda os dias da existência, pres­
sentimento que te diz que ele é feliz? Que alma haverá, por mais
maligna que seja, que ouse de fazer mal a uma criancinha? E quem
rouba uma criancinha aos cuidados matemos senão para entregá-la
a outros cuidados?
— A uma madrasta, não é assim?
— Embora, antes mil vezes uma madrasta, quando a mãe não
pode dizer sinceramente: “Este é meu filho!” Mais alardeada vai a
honra nas aparências, que mesmo na própria honra; é dissimula-

3 “João de barro, — assim chamado dos portugueses”, J. N. S. e S., p. 9.


126 Tania Rebelo Costa Serra

ção, mas de que se compõe a vida? E quantas madrastas não há


que dão boa educação?
— Se ao menos eu tivesse exemplo...
— Tu o tens em ti mesmo; essa que cuidou de tua infância,
essa que mil vezes verteu lágrimas por ti não era tua mãe, mas sim
uma moça desses arrabaldes; era por uma manhã; senti chorar, e
eras tu, minha filha, que jazias à minha porta.
— Coitada! não era minha mãe, e morreu desgraçadamente
por mim!
— O desgosto!
— Sim, o desgosto, ocasionado por mim! E minha mãe?
— Silêncio! Seu nome e sua existência são um segredo.
— E meu pai?
— Tu és minha filha.
— Pobre de mim, que desde o berço que a desgraça me perse­
gue!
— E a mim? Porventura nasci para consumir meus anos nos
rústicos trabalhos e tosco trato de carvoeiro? A demanda!... Mal­
dita hora da vida em que meti-me em tal!
— São pecados próprios ou herdados que nós pagamos com a
existência de miseráveis pobrezas.
— Enfim, minha filha, roguemos a Deus, já que a sua miseri­
córdia é infinita, a sua proteção para Henrique.
Levantaram ambos os olhos para o céu, e pareciam que implo­
ravam a proteção divina; no entanto a noite adiantava-se envolta
em véus de trevas, e o céu se obscurecia com a aglomeração de
negras nuvens; a tempestade bramando, lá se erguia do infinito das
águas, medonha e ameaçadora; apressaram-se pois em deixar esses
lugares, chamaram por Clarita, que andava a formar ramalhetes de
flores agrestes, que soem crescer por essas montanhas, enchendo
os ares de seus perfumes esquisitos, e tomando-a pela mão cami­
nharam; seguiu Pedro Rodrigues via da sua choupana, e sua filha
entrou com a neta na sua pobre e velha choça, silenciosa, ator­
mentada, não já por um pensamento, mas por dois: — seu filho e
sua mãe!
E a tempestade era terrível! Distinguia-se distintamente uma
linha que dividia o oceano; era a chuva que caía em catadupas, que
se despenhava da Ponta-grossa com murmúrio, e através de seus
Antologia do romance-folhetim brasileiro 127

véus de cristais se descortinava a outra parte imensa das águas


marítimas límpidas e refletindo o sereno azul da abóbada celeste, e
uma vela branqueava nesse azul, como o álcion pousado e imóvel
sobre as ondas. De momento em momento um clarão rápido re-
frangia-se nos chuveiros; fitas de fogo avermelhadas, como cor­
dões de sangue, desprendiam-se das nuvens, cruzavam-se nos ares,
emaranhavam-se nos bosques e desapareciam; então troava o tro­
vão, com som de voz horrendo, então rugia o mar funebremente
em seus arquejos; as árvores, trêmulas de horror, com suas frontes
desgrenhadas, pareciam gigantes que dançavam ao som do fura­
cão, que sibilava horrivelmente; os ecos repetiam uns após outros,
em cadência infernal, o cântico da destruição! Só o gigante da
Gávea, imóvel no meio de suas montanhas, com seu dístico miste­
rioso, parecia zombar da tempestade. Estreitada Maria com Clarita,
orava, prostrada ante uma imagem de sua devoção; palavras místi­
cas, cheias de unção, se desprendiam de sua boca, e a filhinha,
abraçada com o ramo de flores, repetia palavra por palavra as suas
orações.
Era noite e a tempestade ainda durava. Cansada de esperar por
seu esposo, recolheu-se ela a seu leito, com sua filha, que já dor­
mia com o ramo de flores apertado ao peito. E aí sobre o leito, em
joelhos, mãos postas e olhos erguidos para o céu, encomendou a
alma ao senhor e pediu a sua proteção para seu filho, o seu inocen-
tinho Henrique, e depois caiu sobre as palhas de seu leito e ador­
meceu.
Dormia pesado sono; pesado como de um pesadelo; pesado,
que mais fadiga é que repousar o dormi-lo, quando a despertaram
repetidas pancadas na porta e latidos de cães, que depois se aquie­
taram; e a chuva caía ainda saltitando sonoramente no sapé da
palhoça.
— Quem bate aí?
E o murmúrio da chuva que se despenhava, e o sibilo do vento
que passava.
— É o vento, disse ela consigo, voltando-se para o outro lado,
como que para dormir de novo, mas as pancadas na porta se reno­
varam.
— Quem bate aí? interrogou ela pela segunda vez.
— Gaetano; abre, Maria.
128 Tania Rebelo Costa Serra

Levantou-se, feriu fogo, acendeu a torcida da candeia, abriu a


porta, e Gaetano entrou se desenvolvendo do ponche umedecido
da chuva, e o arremessou sobre uma tripeça, sacou a faca das botas
e lançou-a sobre a mesa.
— Pensava que não vínheis hoje.
— Entretanto aqui estou.
— Apanhastes muita chuva?
— O ponche está ensopado.
— Recolhestes o cavalo à estrebaria?
— Sim, mas não o desarreei, que talvez ainda saia.
— Hoje?
— E por que não? Por agora estou fatigado, quero descansar
algum tanto; tenho fome, quero comer alguma coisa.
Temos um resto do jantar, disse ela estendendo um pano sobre
a mesa; é um quarto de paca, alguma farinha e um pouco de vinho.
Sentou-se Gaetano à mesa e se pôs a comer como um faminto,
a mais fartar, e a beber como um sequioso, a mais não poder, e sua
consorte a seu lado, pouco distante, olhava para ele tristemente.
— Aproxima-te, disse ele, que tenho que dizer-te.
— Eis-me junta de ti, respondeu ela, arrastando uma banca e
sentando-se.
— É uma história que te quero contar.
— Ouvi-la-ei com prazer.
— Sim, bom é que te distraias da melancolia que te pesa sobre
as faces e do silêncio que te prende os lábios.
— Começai.

II — Um Conto

In vain, alas, in vain!


Campbell

“Havia na Gávea, disse Gaetano, certo homem casado, a quem


a esterilidade de sua mulher assegurava que não teria filho algum,
de sorte que estavam isentos desses incômodos que tanta gente
aprecia; ao menos sendo pobres, de tão ricos que eram, criam-se
Antologia do romance-folhetim brasileiro 129

felizes, se bem que a mulher desejasse, lá um dia por outro, ter um


filhinho com quem prodigalizasse os seus carinhos, como se o
marido não pudesse servir algumas vezes de criança e diverti-la
por alguns momentos; mas enfim, vamos ao que serve. Indo ele à
caça com alguns companheiros, desencaminhou-se e perdeu-se lá
por capoeiras da vizinhança da cascata da Tijuca, e por aí divagou
horas inteiras em procura de uma picada que o conduzisse a des­
campado ou habitação; havia caminho andado dos trilhos embara­
çados, quando descobriu um claro, por onde o sol vinha enfiando
seus dourados raios, e saindo e descobrindo campo, viu ao longe
uma como choupana e mais perto um regato que escoava-se tão
agradavelmente, que em suas águas espelhavam-se as flores, as
árvores e penedos de suas margens, e lá num remanso ensombrado
por mangueiras com suas frondosas copas, como zimbório de ver­
dura, junto de uma pedra que atravessava a torrente, descortinou
que alguém se banhava e aproximou-se; distinguiu os cabelos es­
palhados e longos que debruçavam-se-lhe pelo colo que era d’um
amorenado gracioso; não havia dúvida, era uma moça, uma moça
que ao vê-lo soltou um grito de surpresa, saltou sobre a pedra,
tomou as roupas que ali deixara, envolveu-se rapidamente nelas e
procurou ocultar-se por detrás de um dos troncos das mangueiras,
ao pé do qual se elevavam algumas tiriricas que mais e mais a fa­
voreceram.
“O caçador não hesitou nas tentações que sugeriu-lhe o ines­
perado encontro, e não respeitando tanta timidez nascida do pun-
donor, dirigiu-se direito para ela como a seta disparada do arco;
dir-se-ia que ele corria atrás de uma paca, e quanto mais ele se
aproximava, tanto mais a moça tiritava, como tabocas balançadas
pela viração da tarde. Depois retumbou nas selvas um gemido do­
loroso! Oh a desgraçada estava perdida para todos os dias de sua
vida, para todos!... Passados nove meses, já quando esse homem se
não lembrava dessa moça, que o acaso tomou vítima de um amor
exagerado num momento e noutro momento extinto e talvez para
sempre, e a quem ele havia arremessado e com desdém um simples
anel, como que para lembrança da desgraça que lhe motivara, eis
que ouviu ao abrir certa manhã a sua porta, descompassados vagi­
dos, e descobriu a pouca distância, sob uns cafezeiros, uma crian­
cinha envolvida em baetas.
130 Tania Rebelo Costa Serra

“— É teu filho, bradou a mulher!


“— Não, não, disse ele, querendo afetar tranqüilidade, e eu o
juro por...
“•— Não jures, atalhou ela; desde os pés até a cabeça que é
todo teu retrato!
“— Não jures, que há outras provas que o demonstram.
“— E que provas?
“— Olha, disse ela, o que pende desta fita que ele traz atada
ao pescoço; — o anel, que tu perdeste na caçada!
Maria corou olhando para o anel que ela tinha num dos seus
dedos; não desconheceu Gaetano a perturbação, disfarçou porém, e
lançando vinho ao copo, virou-o de golpe.
— Ou este ou o de Chipre!
— E depois? interrogou Maria.
— Ouve-me e deixa-te de interrupção.
— Continuai, disse ela suspirando.
Gaetano prosseguiu.
“— E esse anel, voltou-lhe o marido, poderia ter sido achado
por alguém.
“— E depositaram-na aqui e com ele! Que de coincidências!...
Pois bem, bradou ela com arrogância, pois bem, uma faca! Tu me
negavas a verdade e tua consciência vai ser em breve dilacerada
pelo remorso do homicídio; mas se mo confessas que é teu filho,
cuidarei eu dele, pois estimava mesmo ter uma criança com que me
entretesse, uma só, sem mais exemplo... porém, se não é teu filho,
já a faca na garganta, que o degolo.
“— Perdão, disse ele, perdão, que te fui infiel uma hora!
Numa hora, em que sacrifiquei uma donzela ao meu desvario; e o
acaso, o encontro, deu-me este filho...
“— Desgraçada! Como chama-se ela?
“— Catarina.
“— A filha de Joaquim Antônio? Desgraçado, desgraçada,
desgraçados vós ambos! Por um momento de loucura, por uma
alienação de amor! E entretanto as suspeitas recaíram na inocência,
em quem a destra do pai presumiu, mas em vão, vingar a honra da
filha! Três dias e três noites, sem comer, velando a sós, à espera de
sua vítima, que não era culpada, e uma noite o raio que parte de
um punhado de árvores, o grito que ressoa nos ares, o vulto que
foge, e lá mais distante, o cadáver que cai...
Antologia do romance-folhetim brasileiro 131

“— Perdão, perdão, clamava ele em joelhos, e silêncio! O mal


não tem remédio, e eu farei penitência, ouvirei três capelas de mis­
sas pela alma do morto, assassinado por minha culpa, e pedirei
remissão a Deus de meus pecados.
“— Pois bem, silêncio!... Vê, porém, e acautela-te, que não
somos só nós que ignoramos essa fatalidade; quem lançou essa
criança à nossa porta, sabe muito bem o que tu és dela.
“— E ao curarem da criança, conheceram que era menina e
batizaram-na com o nome de Maria.
Suspirou Maria e Gaetano prosseguiu.
“— A uma escrava, que criava seu filho, deram-na para ama-
mentá-la, e enquanto ela crescia e desenvolvia-se, o triste do pai
passava os dias em orações, as noites em penitências, e ia à missa
todas as segundas-feiras pela alma do finado.
“Os anos eram idos, que rápido vai o tempo sem o sentirmos,
contados um a um os segundos e marcados pela mão da morte, e
em noite de natal, em que toda a choupana do carvoeiro retinia
com os sacros hinos entoados por diversas pessoas que ali concor­
riam para ver um presépio toscamente levantado no canto da sala,
um malvado procurava todos os meios de sedução para iludir uma
menina morena, tão bela e tão simples, como essas flores sem
nome de sua pátria, que desabrocham rescendentes de perfumes.
Conseguiu atraí-la ao caramanchão, onde pendiam os roxos martí­
rios e os pomos verdes e amarelos, e que ficava a pouca distância,
mas seus esforços foram baldios, que essa menina em cujos olhos
brilhava a vivacidade da mocidade, se bem que inexperiente, era
ainda muito casta e cândida para deixar-se levar de suas promessas
e ver-se depois desamparada e infeliz sobre a terra, sem arrimo, e
selada com o ferrete da desonra, que a envergonhasse aos olhos do
mundo.
“Rico e poderoso, temido entre os pequenos, como todos esses
tiranos e ambiciosos senhores que por aí avultam, era ele muito
altivo e sagaz para recuar ante a impossibilidade de levar com seus
intentos por diante, por mais torpes que fossem, e pois jurou para
logo sobre esse peito que palpitava de inocência e singeleza, que
dia viria em que teria por seu o triunfo.
“Ele o jurou, e assim havia de ser. Tinha ele por administrador
de suas terras a um estrangeiro, natural de Cerenza, na Calábria, a
132 Tania Rebelo Costa Serra

quem prometeu a sua proteção, terras e dinheiro se quisesse fazer a


felicidade de uma menina, que era filha de um carvoeiro, que ele
estimava por sua honradez, pois era homem que já tinha tido muito
de seu, e que depois ficara em miséria, e cuja mulher era muito da
afeição de sua consorte. Nascido em país de indigência, viu o po­
bre calabrês pela primeira vez a felicidade sorrir-lhe benigna na
terra estrangeira, lembrou-se de seu pai, de sua mãe e irmãozinhos
que deixava lá tão longes, remotos, nas maiores pobrezas, e cho­
rou; chorou, porque o calabrês com a sua alma de bronze tem tam­
bém seus sentimentos de homem; aceitou pois a sua proteção, re­
cebeu uma velha choupana para a sua morada, algumas braças de
terra para lavrar e a mão dessa menina que se lhe prometera por
sua companheira.
“Por algum tempo viveu ele feliz, no seio de sua família, ven­
do-se retratado nas feições da filhinha que lhe deu Deus, dez meses
depois do seu consórcio; cultivando suas terras, derrubando ca­
poeiras e formando covas de carvão: vivia assim, quando uma
manhã recebeu um recado daquele de cujas terras fora administra­
dor e a quem era tão obrigado, que o chamava à sua presença para
lhe comunicar notícias do maior interesse.
“Ele o jurou e assim havia de ser, embora tivessem-se passado
tantos meses! Coração danado, dormia e despertava com a idéia de
encher um juramento tão torpe em suas consequências! Na boa-fé
dos homens de bem ei-lo que deixa a choupana, as terras, as car-
voeiras, a esposa e a filhinha, e lá se vai a longes terras a empre-
gar-se no tráfico de africanos boçais.
“E durante a sua ausência, essa depois que era sua companhei­
ra, essa que era mãe de sua filha, que havia resistido aos intentos
do malvado que pretendeu seduzi-la, deixava-se levar de suas per­
suasões, esquecia-se de seu esposo, como se ele já tivesse baixado
à vala dos mortos ou não tivesse de voltar para pedir-lhe conta de
seu procedimento, e tinha um ano depois um filho. Espalhou-se o
boato por toda a parte, como o clarão da tempestade; aquela que a
educara como sua filha, tamanha paixão concebeu que veio a su­
cumbir dentro em três dias a violenta febre; mas não a perseguiu o
remorso do crime, o pai de seu filho continuou a ter entrada em sua
casa, e um dia, ei-lo que cessa de vir, porque os dias estavam con­
tados, e uma manhã eis que essa mulher pérfida acorda despertada
Antologia do romance-folhetim brasileiro 133

pelo ruído de suas portas, que caem aos golpes do machado e pelos
gritos de seu filho que lhe roubam.
“E esse homem que sabia de tudo quanto se passava em sua
choupana durante a demora por longínquas paragens da costa,
pedia nas suas orações a maldição do céu para José Feliciano, e
jurava morte a sua esposa.”
— E esse homem sou eu, Maria! disse ele concluindo sua fatal
história, erguendo-se, precipitando-se sobre sua faca e arrastando
pelo braço a mísera esposa.
— E esse homem sou eu!
— Perdão! exclamou ela.
— E essa mulher és tu!
— Perdão, em nome de Deus, perdão! Em vão, ah, em vão
lutei eu, mas fui vencida; gritei, mas a quem me socorrer? Achei-
me a sós com homem tão terrível!... Tua vingança para ele que não
para mim, Gaetano!
— Para ele a maldição do céu, a minha praga no furor de mi­
nha paixão; Deus vingar-me-á! para ti a minha desafronta! — a
desafronta é — a morte!
— Perdão! perdão! bradou ela levantando os olhos para o céu
e querendo ajoelhar-se, mas de repente, por um movimento rápido
lançou-se, desembaraçando-se de seu assassino, no aposento, sobre
a cama da filhinha. Gaetano tomou a candeia, seguiu-a, ah, ela
abraçava-se com Clarita, banhando-a de suas lágrimas; mas o im­
placável calabrês tinha alcançado o seu punhal e deixado cair so­
bre o colo de sua esposa...
Um grito de horror que foi longe, um ai de morte que faleceu
ao desprender-se dos lábios, retumbaram por toda a choupana.
Gaetano sacava o ferro tinto de sangue ainda fumante, quando a
filha, despertando, abriu os olhinhos, e um sorriso lhe roçou as
faces; e estendeu o braço para ele como lhe ofertando o ramalhete
de flores. Eriçaram-se-lhe os cabelos, gelou-se todo, e a candeia
escapou-se-lhe da mão e apagou-se.
Ouviu-se pouco depois o trotar de um cavalo, o latido de cães
e depois um trovão.
Era ele que se havia perdido entre as trevas da noite, como o
relâmpago; era a tempestade que tinha soltado o último bramido.
134 Tania Rebelo Costa Serra

III — Vinte Anos Depois

E para longe,
E bem longe de Clara, como um sonho,
Sumiu-se...
A Louca.

Vinte anos!...Que longo espaço para rápidas e sucessivas mu­


danças do tempo! Como a esses guerreiros que moços e robustos
partiam para a Palestina e quando voltavam vinham cansados e
cobertos de cãs, que perguntavam: — Onde está meu pai? — E lhe
mostravam um túmulo. Que perguntavam: — Onde está minha
mãe? — E lhes mostravam outro túmulo. Que perguntavam: —
Onde está minha casa? — E lhes mostravam uma árvore. Assim, a
quantos se não podería responder da mesma forma, se iguais inter­
rogações dirigissem aos habitantes da Gávea?
Vinte anos eram idos, vinte anos tinham se sepultado na eter­
nidade do passado, e já nem vestígios existiam da choupana dessa
infeliz Maria, a filha do carvoeiro; se alguém, que tinha ouvido
pronunciar seu nome, narrar suas desgraças e derramado uma lá­
grima por ela, perguntava pela sua choupana, uma mão apontava
para uma capoeira.
Subsistia todavia a choupana do velho Pedro Rodrigues, vinte
vezes deteriorada pela mão do tempo, outras tantas reparada pela
mão do homem, até que se aniquilasse de toda, e, ou outra se ale-
vantasse em seu lugar, ou uma capoeira. Aí, sobre o solar do
albergue, foi que vinte anos depois da catástrofe de Maria, viu
Clarita rebentar sobre a costa o medonho furacão, cujo sopro sub­
mergiu diversas embarcações e desarvorou outras: foi aí que viu
um navio impelido pelo furacão, varar-se pela terra e fazer-se em
pedaços que os vagalhões arremataram como presas que lhes per­
tenciam; caindo em joelhos, seus olhos se ergueram para o céu e
ela subiu sua alma a Deus pedindo pelos náufragos; breve, porém,
a noite inundou os ares de trevas, e nada mais se pôde ver; conso­
lou-se com o orar, ao lado de seu velho avô e Catarina sua esposa.
O dia seguinte ainda não bruxuleava no horizonte e já os habitan­
tes da Gávea corriam à praia, lá onde esse ribeiro que se revolve
Antologia do romance-folhetim brasileiro 135

em seu leito de lodo entra no mar, em que se perde, para ver um


moço que dava sinais de vida e que fora pelas ondas rejeitado;
leme... mastro... cabos... tábuas... juncavam a praia... Dizia-se que
toda a tripulação e passageiros, de que esse moço fazia parte, haviam
perecido.
Três dias, quatro dias, cinco dias se passaram e ainda o nau­
frágio era o assunto das conversações entre todos os habitantes e
em todas as choupanas. Cada qual apressava-se em contar aos hós­
pedes as promiscuidades de tão deplorável acontecimento, e ao
viandante se perguntava:
— Já sabeis do naufrágio?
Era a novidade do tempo que corria de boca em boca adornada
dos atavios das imaginações por que passava.
Havia o moço tomado à vida e se restabelecia, quando uma
tarde, Pedro Rodrigues encostado a seu bastão, conduzido por sua
esposa, e acompanhado por Clarita, que caminhava descalça, e
cuja fisionomia tinha um não sei quê de beleza e de simplicidade
que encantava, desceram os íngremes trilhos da montanha com o
maior cuidado, e foram bater à porta da choupana a visitar o náu­
frago.
Ofereceram-lhe assento e ele assentou-se com a sua esposa e a
sua neta ao lado do moço.
— Vindes visitar-me? perguntou ele.
— E verdade, meu filho, sou humano e compadeço-me dos
náufragos; a todos fecharia a porta de minha palhoça, menos ao
naufragado.
— E já naufragastes?
— Nunca saí do Rio de Janeiro.
— Feliz homem! Nunca entregou-se ao edifício errante, fabri­
cado pelas mãos dos homens e arremessado às ondas, que rege o
aceno de Deus e que em vão o espírito humano intenta encadeá-las
ao jugo de seus domínios, dando leis à terra e pondo freio aos ma­
res. E a tempestade o aceno de Deus, contra ela o que aproveita
opor barreiras?
— E assim, meu filho, disse o velho e calou-se vendo porém
que o moço nada mais dizia, prosseguiu: E donde vindes?
— Da Bahia, donde partimos numa sexta-feira.
— Numa sexta-feira! Dia aziago para os marítimos.
136 Tania Rebelo Costa Serra

— Bem aziago! Ainda não havíamos perdido a terra de vista,


que já o sangue do homicida inundava o convés do bergantim.
— Alguma desordem?
— Dois marinheiros, que insultando-se mutuamente, puxaram
das facas e atiraram-se um contra o outro; foi em vão que buscou-
se apartá-los; luta renhida, não havia aí mais que a destruição de
um para decidir dela; enfim, um deles caiu sem vida, ferido a toda
a faca, perto da clavícula do lado direito, entre a primeira e a se­
gunda costela verdadeira, e o outro precipitou-se às ondas, que o
subverteram. A essa cena de horror, bradou o mestre com som de
voz terrível:
— Agouro! Agouro!
— Perdemos a Bahia de vista, e quando começávamos a en­
xergar o Gigante que dorme, o tufão que rebenta e nos impele so­
bre a costa!
— E sois natural da Bahia?
— Não: que nasci eu nestas montanhas, a cujas faldas me re­
jeitaram as ondas como morto.
— E vosso pai?
— Ah! seu nome é um segredo!
— E vossa mãe?
— Nunca mo souberam dizer quem era ou não quiseram.
— Tanto mistério envolve o vosso nascimento!
— Sei apenas que vi o dia nessas montanhas; ouvi dizer o
nome de meu pai, mas jurei não divulgá-lo, nem mesmo nunca vi-o,
e vê-lo ou não vê-lo é o mesmo, que não o conhecerei; sei que é
rico, pois que dele recebi uma educação que não é lá das piores, e
ainda continuo a perceber-me (me)sadas por sua conta; e quanto a
minha mãe... há um mistério, um mistério profundo que em vão
tenho sondado... Sem dúvida sou filho de alguma personagem
ilustre pelo seu nascimento, mas não sei porque me desdenharam
de maneira que não conheço meus ascendentes, pois que fui rou­
bado em tenra idade à minha mãe.
— E como vos chamais?
— Henrique.
— Henrique? repetiu o velho apoiando-se no bastão e queren­
do erguer-se. Henrique!
— Por ventura me conheceis?
Antologia do romance-folhetim brasileiro 137

— Um momento, meu filho, um momento a sós convosco e


sabereis tudo.
— De vós?
— Sim, de mim, que para estes lugares vim em minha moci­
dade, e há que tempos vai isso! Olhai: oitenta e cinco anos hão
passado sobre a minha cabeça!
— Que longa idade!
— Vós sabeis o nome de vosso pai, pois bem, por ele sabereis
que não vos direi senão verdades; mas antes de começarmos a
nossa prática a sós, convém que me digais se tendes notícia de um
cordãozinho de ouro com um signo de Salomão, com que fostes
roubado.
— Basta! Disse Henrique abrindo a camisa e deixando ver o
cordão com o signo que lhe pendia do pescoço: vós sabeis de tudo!
Abraçou Henrique o velho octogenário e pediu a todos quan­
tos o rodeavam que lhe concedessem vagar para a conferência que
desejava ter com ele; o que anuíram e retiram-se todos para o ter­
reiro, onde conversavam alguns roceiros assentados ou em pé.
— Ora, e esta, dizia um deles, quer este homem, minhas se­
nhoras donas, fazer-nos acreditar coisas impossíveis e até hoje
ainda não vistas.
— Não vistas? Dou-vos minha palavra que vi eu, e vos pro­
meto trazer uma para destruir tanta incredulidade.
— Diz ele que a lagarta fabrica o casulo, que do casulo sai a
borboleta, que é a própria lagarta que aí se desenvolve.
— Até aí não há novidade, acrescentou um dentre eles, cujas
brancas lhe alvejavam a cabeça.
— Não há, exclamaram todos a um tempo.
— Pois sim, continuava o outro, não há, porém o que eu não
creio é que essa borboleta torne-se dias depois em beija-flor!
— Quê! disse o velho, será possível que eu ainda não visse
semelhante fenômeno! pois olhai que não é de ontem que datam as
minhas caminhadas pelos matos; que me digais que vistes galhos
de cafezeiros transformados em bichos, creio, que vi-o eu, mas
borboletas em beija-flor, bofé que não, meu amigo. E pôs-se a rir.
— Aposto que também não negareis que o camboatá anda em
terra tão senhor de si como na água, não é assim?
138 Tania Rebelo Costa Serra

— Acreditamos, voltou-lhe o outro, e por que não? Ora, de­


pois da borboleta beija-flor, que há mais que admirar...
Risadas estrondosas cobriram a voz do último que falava; o
outro desconfiando pegou em seu chapéu e retirou-se.
— Vamos ao café, disse um.
— Ao café! bradaram todos correndo para a menina, que tra­
zia algumas vasilhas com café, que se apressaram em tomar.
Enfim, havia o tempo corrido e já se aproximava a noite,
quando Pedro Rodrigues dando por finda a entrevista pediu às
pessoas que se haviam retirado que entrassem.
Apertou Henrique a ingênua Clarita em seus braços imprimin­
do-lhe temamente um beijo naquelas faces moreninhas.
— Teu irmão, minha filha, disse o velho.
— Ah, é este, meu avô, voltou ela apertando-o mais e mais em
seus braços, aquele de quem tantas vezes me falastes? Oh, meu
irmão! Quantas e quantas vezes não repeti teu nome com as lágri­
mas nos olhos e a dor no coração!
— E talvez esses instantes, ajuntou ele, fossem aqueles em
que meu coração caía de súbito em abatimento de tristeza e soltava
um suspiro involuntário; era um eco que repetia, era uma corda
que ferida após outra dava o mesmo som!
Lançou o velho a sua bênção a Henrique, e retirou-se; um
moleque caminhava ante Pedro Rodrigues, Catarina e Clarita, com
uma vela acesa levando a mão com os dedos cerrados adiante para
que não a apagasse o bafo da noite, e viu-se por algum tempo essa
luz ora desaparecer, ora aparecer por entre a folhagem dos arvore­
dos, como a estrela que some-se, que surge entre o véu das nuvens,
e que depois desaparece de toda. E assim iam todas as tardes a
visitar o jovem Henrique, e assim voltavam todas as noites para a
choupana, até que restabelecendo-se o moço, os veio visitar, pro­
testando que todas as vezes que pudesse viria à Gávea para vê-los.
Abençoou-o o velho e montado ele num luzido cavalo seguiu
caminho da corte; Clarita na janela que descobria longe, com a
cabeça apoiada no braço, alongava os olhos pelos trilhos e via de
quando em quando, lá entre a ramagem das árvores que rumoreja­
va o vento, o vulto que balançando ausentava-se mais e mais, e
depois sumiu-se; seus olhos alçaram-se-lhe para o céu, e ela suspi­
rou.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 139

— Se ele não fosse meu irmão! murmurou ela.


E o cavalo de Henrique caminhava, ora descendo esses trilhos
arrepiados de soltos penedos, ora subindo, e em breve achou-se na
Boa-Vista.
Aí sobre esse alto, donde tudo é belo e grande, rico e majesto­
so, divisou a cidade do Rio de Janeiro, com suas torres, com seus
edifícios de diferentes formas, mas mesquinha e pequena no meio
do grandioso espetáculo da natureza que se desdobra com tanta
pompa; aqui o rochedo enorme, coroado de nuvens coloridas pelos
últimos raios do astro do dia, lá uma cadeia prodigiosa de monta­
nhas de pícaros mais ou menos elevados que a órgãos se asseme­
lham e que se estendem como uma falange de gigantes, sob esse
pavilhão imenso, essa abóbada de safira, cujas nuvens se ensane-
fam e se tingem de rubro com a luz do sol do ocidente, tendo a
seus pés essas ondas azuladas de um mar de ouro, que como uma
campina se dilata, sorrindo-se ao beijar da brisa vespertina; divi­
sou, mas seus olhos se voltaram para

O cimo da Gávea acantilada,


Só de vento, de raios e de chuva
Habitado!...4

que ele ia perder de vista; se voltaram, e duas lágrimas de saudade


e de amor lhe desceram pelas faces.
— Se ela não fosse minha irmã! murmurou ele.
E perdeu a Gávea de vista.
Tinham decorrido alguns meses, havia-se Pedro Rodrigues se­
parado de sua neta, que ele tanto estimava, e que entretanto era
preciso resignar-se a juntar mais este desgosto aos que já sofrerá,
vivia pois na companhia dessa Catarina, cuja afronta reparara, e
que era sua inseparável amiga; no ocaso da vida, a fortuna lhe fez
deparar com essa alma caritativa que o ajudava a suportar o peso
de oitenta e cinco anos de existência tão cheia de desgostos e dis­
sabores; alguns meses se haviam decorrido e ainda Henrique não
havia voltado para vi-lo visitar que desde o dia de sua partida não
houve saber mais dele; apenas Clarita o vinha ver quando lhe era

‘M. de Araújo Porto Alegre”, J. N. S. e S., p. 30.


140 Tania Rebelo Costa Serra

dado, e distraí-lo de suas meditações que já não eram deste mundo,


e interromper o fio de suas orações; e suas palavras eram de con­
solação para o octogenário, que lhe retribuía com conselhos cheios
da experiência de longa vida, e das virtudes praticadas em emenda
de erros que a idade fogosa da mocidade lhe originara.
Uma noite, a sós com sua esposa e um velho negro que ainda
o servia, ou, para melhor dizer, ambos se prestavam mútuos socor­
ros, orava Pedro Rodrigues, todo compenetrado de idéias sublimes,
que ainda rolavam na sua fria imaginação; sua alma divagando
pelo infinito se infundia em místicas e melancólicas meditações,
quando de repente ouviu, fora da choupana e à pouca distância,
vozes confusas que se trocavam, ruído de armas que no embate
retiniam; trêmulo, chegou-se à porta, apoiando-se no bastão, e
distinguiu na diáfana escuridão da noite grupos cujos vultos se
moviam como que se lutassem renhidamente; depois sentiu trotar
de cavalo e daí a pouco viu que um cavaleiro que metia o cavalo
sobre eles entrava na luta. Era em vão que ele os pretendia apazi­
guar apartando-os; um já estava por terra e quatro ainda sobre ele
procuram sufocá-lo.
— Quatro contra um? bradou o cavaleiro sacando uma pistola
dos coldres e engatilhando-a ligeiramente; quatro contra um é a
mais infame de todas as covardias! Ou morrer pela bala ou separar-
vos!
E o raio partiu sobre o grupo; ao estampido do trovão se ergue
o cavalo, joga com o cavaleiro e desaparece; e um gemido se des­
prende do meio dos vultos que se dispersam ficando um prostrado.
Pedro Rodrigues, sua esposa e o velho negro, em pé na porta
da choupana, tiritavam de medo, se persignavam e rezavam.
— Quem és tu? interrogou o cavaleiro se aproximando da­
quele que tinha salvado e que tão denodadamente lutava braço a
braço contra quatro?
— Ah! respondeu ele com voz de quem agonizava, estou todo
coberto de feridas, que me esfaquearam a fartar! Chegastes tarde,
cavaleiro, para salvar-me a vida; chegastes cedo, porém, para sal-
var-me a alma e ouvir minha confissão, e comunicá-la depois a
algum sacerdote que me absolva. Metei a mão na minha algibeira
aqui do lado esquerdo e tirai alguns patacões para mandardes dizer
missas para minha salvação.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 141

Ajoelhou-se o cavaleiro junto do ferido, que começou a sua


confissão:
— Eu sou, disse ele, Gaetano o calabrês...
— Gaetano! Gaetano o calabrês! exclamou o cavaleiro, que eu
salvasse semelhante homem! Tu és Gaetano, ah, e eu sou aquele
menino que fui roubado da tua choupana! Tu és Gaetano, o assas­
sino da filha do carvoeiro, oh! minha pobre mãe!...
— Quê! vós sois deveras Henrique?
— Sim, Henrique, Henrique Feliciano, que jurou vingança
pela morte de sua mãe.
— Desgraçado, assassinastes a vosso próprio pai!
— A meu pai? interrogou ele aterrado.
— Sim, vede aquele cadáver prostrado pelo tiro de pistola que
sobre ele disparastes, é José Feliciano!
— Meu pai! meu pai!
E Gaetano revolvia-se, voltando-se sobre si mesmo, rolando
pela terra, agarrando-se às ervas, debatendo-se com as ânsias da
morte.
— O crime puniu o criminoso! Estou vingado! bradou ele
soltando o último arranco.
— Meu pai! meu pai! Assassinei meu pai! clamava o mísero
filho sobraçando o cadáver de José Feliciano, inundado de sangue,
e com tal acento de dor e desespero que comovia.
— Sim, teu pai, gritou com voz trêmula e rouca um vulto que
trazia uma candeia, cujo pálido clarão bruxuleava aumentando o
horror dessas cenas de sangue; sim, teu pai, que se tinha casado há
dois meses com tua irmã!
— Justiça de Deus grande! exclamou Henrique, caindo des­
maiado a seus pés.

IV — Conclusão

No dia 2 de julho desse ano, certa senhora acompanhando um


velho que arrastava-se a cada passo que movia, e seguida de outra
mais moça e coberta de dó, paravam ante um cubículo da Santa
Casa de Misericórdia e contemplavam tristemente um jovem que aí
estava encarcerado.
142 Tania Rebelo Costa Serra

— Ah! exclamou ele, eu matei meu pai!


E terrível gargalhada desprendia-se-lhe dos lábios.
— Pobre Henrique, disse a moça enxugando os olhos, está
doido!
— Doido! doido sem mais esperança de salvá-lo, ajuntava o
velho com mágoa, e para sempre doido!...

Gávea, 1842

Januário Garcia ou as sete orelhas


(romance)

IV — A Sétima e a Última

Un ange ou un demon?...
A. de Vigny

II tombe...
La vérité se montre! Tout est find...
Madame du Devant

O longo decorrer de tantos dias, qual o que encerra o espaço


de dez anos, não pôde abrandar a cólera do infatigável paulista,
nem fazer-lhe esquecer os votos de vingança pronunciados havia
tanto tempo!...
Dez anos tinham decorrido; e ainda o inflexível Januário Gar­
cia corria planícies, subia montanhas, descia vales, e se entranhava
pelas brenhas, em procura da sua última vítima.
Embuçado no poncho, com o chapéu de largas abas, com a
cinta onde prendia a faca, a terrível faca seis vezes banhada em
sangue, e com sua baluda de coronha de pé de cabra a tiracol,
jazia uma noite recostado a uma sapocaeira, esperando o alvorecer
da madrugada, para conhecer aonde estava. O dia que não tardou
em mostrar-se no horizonte rodeado de toda a pompa e majestade,
Antologia do romance-folhetim brasileiro 143

fez-lhe ver que se achava ante uma povoação. Foi como o grito de
terra soltado a bordo que veio inundar-lhe o peito de júbilo; que
esse corpo fatigado de tantos errores e desvios se enlanguescia, e
necessário lhe era o repouso.
Caminhou Januário vagarosamente para essa nascente Vila
Boa de Goiás, que parecia surgir do meio das flores e folhagem
dos bosques que a contornavam, e sorrir-lhe benigna, como se
fosse ele o seu bem vindo. O painel mais pomposo e mais belo da
natureza, cheio de encanto, de vida, de harmonia e da poesia, des-
dobrava-se-lhe aos olhos, avezados na contemplação dessas cenas,
e sempre nelas embevecidos!
Casa de aspecto menos rústico era essa que aí entre outras se
elevava no princípio da vila; e Januário Garcia parou à porta e
pediu que o deixassem descansar. Abriu-se a porta imediatamente
achou-se ele na sala onde certo homem, cujos cabelos negros ra-
refaziam-se entre as brancas da idade madura apresentou-se-lhe, e
ambos se cumprimentaram.
— Este semblante, murmurou a um tempo cada qual consigo,
no mútuo entreolhar, não me é desconhecido!
— Senhor, disse o hóspede, vou mandar preparar o almoço:
comereis do que há por estas alturas da nossa Vila Boa de Goiás, e
no entanto descansareis; podereis mesmo vos deitar se isso vos
aprouver, pois que aqui não deveis fazer cerimônia de qualidade
alguma.
— Obrigado, respondeu friamente Januário.
— E voltarei para conversarmos; que sem dúvida haveis de
saber muitas cousas antigas que serão novidades para mim, e eu
estarei no mesmo caso para convosco.
— Sim, senhor, voltou-lhe Januário.
— Esquecia-me perguntar se não quereis mudar de trajos.
— Agradecido.
Retirou-se o hóspede; e Januário pôs-se a passear pela sala, na
qual tudo lhe atraía a atenção. A mobília simples e rústica, o sítio,
as árvores apinhadas pelas planícies em graciosos grupos, as pal­
meiras com seus leques abanados pela aragem, os penedos, as
águas que serpejavam sonoramente retratando o azul do céu, tudo
lhe trazia à memória doces e vivas lembranças, que lhe eram tão
caras! Parando ante um espelho, refletiu atentamente na mudança
144 Tania Rebelo Costa Serra

de suas feições; e seus cabelos negros outrora começavam agora de


alvejar; suspirou! Sentou-se e gotas de lágrimas escoaram-lhe pe­
las faces que iam a enrugar! Depois ergueu-se, volveu os olhos em
tomo de si, e como que admirado do que via, fitou com atenção o
olhar num painel que pendia da parede, e cuja cena tocante lhe
oferecia um espetáculo que lhe partia o coração. Era um paulista
que junto da sua consorte gozava da frescura da tarde sob uma
latada de passiflora coberta de rosas da Paixão e frutos: escutava
ele cheio de recolhimento a leitura das Horas, a que procedia uma
linda menina; e voltava da caça um jovem, montado a cavalo, to­
cando a buzina, e precedido de cães veadeiros. — Declinava o sol
entre as nuvens do horizonte e os derradeiros raios douravam os
cumes das montanhas e dilatavam a sombra das árvores nas planí­
cies.
Era ele, sua esposa e seus filhos! Não havia dúvida, esse qua­
dro era seu; conhecia-o por esses rasgos de pintura que pertenciam
ao pincel de uma donzela da sua vila, que qual a célebre pernam­
bucana, D. Rita Joana de Sousa, entregava-se a esse passatempo
para quebrar o tédio do vagar do tempo; e que lho deixara em So­
rocaba, na sala da casa, lá pendente da parede!
De Sorocaba a Goiás! A Goiás!... Tão longe! E porventura não
estava ele aí? Mas que coincidência! que encontro! Como viría
parar ele ali, como?
E mil pensamentos borbulhavam na mente de Januário, que
sentou-se e começou a refletir mais seriamente.
— Talvez, disse ele consigo, conjeturando, talvez que minha
esposa se visse em grande necessidade e que o vendesse!
E pensava que a miséria, a miséria com todo o seu séquito ter­
rível, onde figuram todas as necessidades da vida com seus sem­
blantes mirrados e lívidos, e com os olhos de sangue, já fartos de
chorarem, açoitasse o seio da sua família, e assentava em si que
necessário era volver-se a abraçá-la!
— Há tanto tempo! repetiu ele. Como os não verei eu, esque­
cendo pesares de tantos anos por um momento de satisfação! Doce
momento, que tanto tarda, pois falta-me a sétima e última! E em
vão a busco, em vão: e eu jurei apresentar todas elas! Aonde se
esconderá esse homem que deve à terra um cadáver e a mim uma
orelha? O dono desta casa, continuava ele, explicar-me-á tudo isto!
Antologia do romance-folhetim brasileiro 145

Mas dissimulemos, que não sei aonde, e ele conhece-me, pois mi-
rou-me desde os pés até a cabeça, trajo por trajo, feição por feição!
Quem será ele? Um anjo ou um demônio? Um anjo que salvou por
ventura minha família da miséria, e a quem ela agradecida mimo-
seou com este quadro, ou um demônio que o roubou, e que hoje o
possui?
E a esse tempo, sem ter repousado, a fadiga tinha-lhe desapa­
recido; e só almejava saber como viera ter aquele quadro a Goiás,
como se chamava o hóspede, e depois partir; ou com o seu colar de
orelhas completo, ou em busca de mais uma, uma só!...
Pensando assim, agitava-se todo com tais reflexões, tremia
com tantas incertezas; quando um menino tão galante, quanto pode
ser um menino; tão vivo, tão espertinho quanto se pode ser na ten­
ra idade, a pular, a saltar, a rir-se de inocência e de alegria, ganha­
va a sala.
— Meu Deus! exclamou Januário encarando a criancinha,
como que para reconhecer-lhe um a um os contornos da fisiono­
mia, é o retrato de minha mulher... De minha mulher!... É seu filho,
talvez... Oh!... As coincidências se multiplicam!... A fisionomia
desse homem que não me é inteiramente desconhecida... e a fisio­
nomia deste menino tão semelhante à de Ana... e o meu quadro!...
Oh! que o coração se me despedaça em cem partes!...
E o inferno com todo o seu oceano de chamas se lhe entornava
dentro no peito! E os dentes rangiam, e os músculos contraíam-se,
e os olhos revolviam-se em órbitas de fogo, e as artérias pulsavam
com veemência, e ele todo agitava-se, comovia-se... até que pouco
e pouco, como procurando tranqüilizar-se, aproximou-se do meni­
no, que ria como o anjo da alegria e inocência; buscou afagá-lo, e
o menino sempre a rir pôs-se a brincar-lhe com os cabelos da longa
barba embranquecida. Tomou-o ele afinal nos braços, sentou-o
sobre a perna, e amimando-o, perguntou-lhe como se chamava.
E uma voz tocante, harmoniosa, sensível, respondeu:
— Januário.
— Januário... repetiu Garcia, erguendo-se e largando o meni­
no sobre o pavimento. Que ultraje!... Que escarnecer de mim!...
Não resta mais que duvidar nem conjecturas a tirar; é seu filho!...
O tempo e os trabalhos me aumentaram os anos, branquejaram esta
barba, que me cresceu até o peito; o sol amorenou-me a tez e mu-
146 Tania Rebelo Costa Serra

dou-me as feições; o brilho dos meus olhos extinguiu-se no meio


da aluvião das lágrimas, e a voz enrouqueceu-se... A notícia de
minha morte espalhou-se talvez de boca em boca, e de há muito
que me acreditam de envolta com a poeira dos mortos... Desfigu­
rado, não tido por entre os vivos, quem mais me há de reconhecer?
Ao verem-me os vizinhos, tomar-me-ão por novo hóspede, per­
guntarão por meu nome, e admirar-se-ão quando me ouvirem di­
zer: Eu sou Januário Garcia! Não me reconhecerão, mas eu conhe-
cer-te-ei, mulher!... Observada continuamente por mim, não deixa­
rei escapar uma palavra... não deixarei perder o mínimo gesto, não
deixarei fugir o menor movimento, e depois... Ah e depois que
tremas! Ana, Ana, tu não saberás que os ultrajes de uma mulher a
seu marido custam a vida? Que o sangue, que tão-somente o san­
gue, pode lavar a nódoa da desonra que o difama entre os mais
homens? Tu não o saberás? Eu pois te ensinarei!...
E o menino, sempre a rir-se, o olhava temamente; porém Gar­
cia aproximando-se da janela, conservou-se pensativo sem dar fé
do que se passava em torno de si; porque a inspiração do inferno
borbulhava-lhe na mente e refletia-lhe do coração.
De repente sentiu passos, voltou-se e deu com o dono da casa
que participava-lhe estar pronto o almoço.
— Sinto-me incomodado; e por esse motivo desculpar-me-eis
que não me utilize do vosso obséquio.
— E não quereis alguma coisa?
— Nada absolutamente; desculpai-me, que quando estou in­
comodado não costumo empregar meio algum para aliviar-me.
Fazei o que quiserdes.
— E já que sois tão franco comigo, quisera antes de retirar-
me, saber com quem aqui me acho.
— Era essa, amigo, disse o hóspede, justamente a pergunta
que tinha a fazer-vos, pois que por certo não me sois inteiramente
desconhecido, e já vos vi não sei aonde. Porém, quanto ao que me
diz respeito, dir-vos-ei em poucas palavras, o que basta. Procurei
por algum tempo ocultar o meu nome e a minha pessoa, povoei a
solidão, mas hoje, isento de todo o perigo com a morte do mais
terrível dos homens, o qual por indisposição e antipatias me jurara
ódio implacável, posso sem temor dizer quem fui e quem sou, pois
Antologia do romance-folhetim brasileiro 147

que, assaz conhecido nesta terra, sou estimado de todos, e gozo de


reputação como homem honrado.
— Sois filho do Brasil, não é assim?
— E nasci em Itu...
— E esse homem que já não existe, cuja morte vos fez exultar
por vos ver livre do mais terrível dos homens era de Sorocaba?
— Justamente; e acaso o conhecestes?
— Januário Garcia!
— E ainda hoje me horrorizo ao ouvir-lhe o nome!...
— E pois não vos horrorizais de vê-lo!
— Como?... O que dizeis?...
— Sim, ele chamava-se Januário Garcia, e vós sois Pedro Luís...
— Ah! sabeis meu nome?
— E eu sou de Sorocaba!...
— E aí me vistes talvez, não?
— E eu sou Januário Garcia!...
— Januário Garcia... Vós?... Que perdição para mim!...
— Pedro Luís!... Pedro Luís, não me falta mais nem uma!...
— Januário Garcia, há dez anos que...
— Que assassinastes meu filho...
— Os outros foram...
— Aqui estão suas orelhas!... Seis orelhas!... Mas os assassi­
nos foram sete, falta-me pois uma... e essa, dar-ma-eis vós!... Meu
corpo ao inferno, minha alma ao demônio, se vo-lo perdoar!...
Pedro Luís, resta-vos um instante, e esse instante é para encomen­
dar a Deus a vossa alma... A oração simbólica dos apóstolos!...
Dizei-a de joelhos... E o meu juramento há de cumprir-se em toda
a sua extensão...
— Perdão, Januário, que vos cega a ira!...
— Nem em nome de Deus; pedis em vão!
— A hospitalidade, Januário... E vossa filha... Ah esperai!
— Não me escapareis... Meu filho também implorava em
nome de Deus, e vós, canibais, o ligáveis a um tronco; ele chorava,
e vós, abutres de carne humana, lhe arrancáveis a pele; ele gemia, e
vós, onças esfaimadas e carniceiras, lhe decepáveis membro por
membro; e ele dava o último arranco, e vós, algozes da barbarida­
de, lhe tiráveis as entranhas ainda palpitantes! Ah! vós não sabeis
por certo em que mãos horríveis caistes!...
148 Tania Rebelo Costa Serra

— Perdão por piedade!


— Não!
— Eu sou vosso...
E Januário Garcia sacava a faca, a terrível faca do seio da sua
vítima, que estrebuchava inundada de sangue, quando uma mulher
pálida, vestida de branco, com os cabelos soltos, e arquejando
horrivelmente precipitou-se sobre ele.
— Que fizestes?...
— Paulina, minha filha!...
— Meu pai... Ele era meu marido!...
E caiu desfalecida em seus braços.
Joaquim Manuel de Macedo

O Dr. Macedinho, como ficou conhecido, nasceu na vila de


Itaboraí (RJ) no dia 24 de junho de 1820 e morreu no Rio de Janei­
ro em 11 de junho de 1882. Egresso de uma família de classe mé­
dia — seu pai era farmacêutico —, formou-se em medicina, embo­
ra só vá clinicar por alguns poucos anos, dedicando-se, em segui­
da, à literatura.
Macedo escreverá em todos os gêneros conhecidos, mas lan­
ça-se na literatura com o romance A moreninha, em 1844. Tem
duas fases distintas em sua obra — de 1844 a 1866, dedicada às
mocinhas — e de 1867 até 1882 — dedicada aos adultos.
Voragem (1867), romancete em versos, apareceu como folheto
autônomo — sob o pseudônimo de Mínimo Severo — na Semana
Ilustrada, como brinde para os assinantes. São dois romancetes,
cada qual formando um quadro: o primeiro — que aqui será intei­
ramente transcrito — sobre a história dos amores funestos do jo­
vem Durval com a cortesã Irene, a Voragenv, o segundo sobre a
mesma mulher com o novo amante.
Nina (1870), romance em dois volumes, também foi publicado
em folhetins, mas apenas um capítulo será aqui transcrito. Primeira
tentativa de romance psicológico por parte do autor, trata da histó­
ria de uma moça demasiado mimada pelos pais, que, para vingar-
se do noivo que não a cortejava com a intensidade com a qual ela
julgava necessária, desfaz o noivado e começa a namorar um jo­
vem vindo do interior, o ingênuo Firmiano, a quem ela não ama,
usando-o para fazer ciúmes ao antigo noivo. Dentro da regra ro­
mântica de propor um ensinamento moral, a heroína vai-se dar
conta de que, afinal, ama o primeiro noivo, e, arrependida, acaba
150 Tania Rebelo Costa Serra

voltando para ele. A moral mostra que os pais devem dar uma edu­
cação mais séria para suas filhas, a fim de que as jovens não ajam
levianamente. Também alude, flaubertianamente, às leituras alie-
nantes prejudiciais ao bom desenvolvimento da educação das mu­
lheres.
No capítulo escolhido veremos a descrição física e moral do
provinciano, aliada à nova definição de romance, justamente o que
Macedo está tentando fazer nessa sua segunda fase.

Voragem

Quadro Primeiro — I Mãe viúva, irmãs sem pai;


Pátria que varões reclama,
Herdeiro de um nome honrado, E Deus que o amor só ama
Da mãe amparo sagrado; Que das almas puras se sai.
De irmãs órfãs a esperança;
Guarda de imensa riqueza Longe do mundo educado,
Que do fruto a incerteza As sociedades negado
Quase muda em segurança; Austero pai o criou;
E morrendo ao miserando
Sol no ardor da juventude, Como um cego, tateando
Aura do céu da virtude Em terra ignota deixou.
Do coração mais leal;
Flor na cândida inocência, Cessa o luto, a dor mitiga;
Insensato da opulência Mas Durval da vida antiga
No orgulho Vão: — eis Durval. Zela a paterna lição;
Timidez, pejo e respeito
Quantos deveres tão belos Do pai já morto ao preceito,
Que fonte d’almos desvelos Vive à sombra, em solidão.
De Durval na condição!
Irmãs e mãe, pátria e Deus, Doe-se a mãe desse viver:
Cultos da terra e dos céus, Que fulgor, glória, prazer
Dupla e santa religião!... Para o filho idolatrado;
Ela o quer feliz, jucundo,
Um fraco tronco a amparar Astro esplendendo no mundo,
Três flores a cultivar, Das mães encanto invejado.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 151

Embalde hesita Durval, Dos vícios atiçando a festa e


Teimoso empenho fatal amores,
Da mãe e irmãs o venceu: Uns, parasitas, nos sobejos
Deixa o grato, o santo lar, pastam,
Levanta o pé, vai entrar Outros, das impudicas correto­
Onde... no inferno ou no céu?... res,
Aos prostíbulos as vítimas ar­
Tredos extremos buscaram, rastam.
Pai, e mãe que tanto erraram,
Sonhando o filho feliz: Os primeiros mendigos são da
Um na cegueira o educou, crápula,
Outra assim cego o lançou Restos comem na esquálida
Da sedução nos ardis. desgraça;
Dos segundos mais negra inda
O mundo em que há de viver, é a mácula,
Cumpre ao filho esclarecer Das mundanarias são os cães de
Do pai à sábia experiência; caça.
Mas se não deu-lhe este ensino,
Quem larga o cego ao destino Tema o jovem incauto esse
Dobra inda mais a imprudência. perigo!
Tem véus, tem másc’ra a hedion­
II da corrupção,
E o dissoluto que se finge ami­
Sobram aos jovens ricos os go,
mentores, E demônio fatal de perdição.
Polutos já caídos na pobreza,
Que sem pejo, do alcouce ser­ Que ao soldo das impuras não
vidores se preste,
Armam do alcouce o leito após Nem seja ainda parasita abjeto,
a mesa. Em todo caso o dissoluto é
peste,
Pagaram por demais outrora o Foco de miasmas, como o char­
vício, co infecto.
Pobres, da abjeção descem a
escada, E ai de Durval que um primo
Enlodam-se num duplo e negro tem famoso
ofício, Por mestre e sábio em vida de
ínfimo grão da vida depravada: alegria!
152 Tania Rebelo Costa Serra

Foi seu mentor que pronto quis Qual novo cavalo ardente,
donoso Que o freio toma raivoso,
Das delícias ao céu romper-lhe Em furor impetuoso
o dia. Desencabresta veemente,
Por terra escarpada avança
E por fim cego se lança
Ill Em precipício horroroso;
Foi desastroso, fatal Durval no campo da vida,
O dia que lhe rompeu, Súbito livre, se atira,
Luz que aos vícios brilho deu, Fogo de paixões respira,
Funda cratera infernal, Quebra da virtude a brida,
Que o falso amigo, impudente E arrebatado honra, nome,
Num coração inocente Riqueza arroja e consome
Com malvadeza acendeu. Da imoral Vênus na pira.

Quem da lascívia uma vez No Alcaçar costumes puros


Libou a taça encantada Perde, aplaudindo a nudez',
Arde em sede envenenada Já nem cora à hediondez
Que prepara a embriaguez; Dos Jardins de Flora escuros.
E se não foge, ébrio roja Já das Vênus de aluguel
P’ra sempre e à porta se espoja Não sente os travos de fel
De ascosa tasca infectada. Nos beijos da embriaguez.

Assim Durval; se algum dia Glória ao mentor desvelado


Pelo pudor defendido Que arrastou-o à perdição!
Resistiu; logo vencido Glória à cegueira, à inação
Foi nas salas das harpias, De um governo desastrado,
Onde a corrupção empesta Que atraiçoou a sociedade
Olhos com a ação desonesta, Entregando a mocidade
Com torpes falas o ouvido. Aos focos da corrupção!

Rico, o trabalho despreza, Como outros tantos — Durval,


E na abjeta ociosidade Inda um mancebo perdido!
Desvirtua a mocidade, Ei-lo tabido, poluído
A vis prazeres se aveza: Pelo contágio imoral;
Do jogo, e orgias no abismo Bendiz o próprio suplício
Deus esquece, mãe, civismo, E no frenesi do vício
E é nódoa da sociedade. Tem garbo de corrompido.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 153

Só falta a extrema loucura; Prende-o ao cepo do suplício


E rico, quer ter por dama Das lascívias no torpor.
A cortesã de mais fama,
Tipo da desenvoltura;
Quer a glória dos favores IV
Da escrava de mil senhores,
E que os senhores infama! Das míseras, perdidas
Mulheres decaídas,
Fácil glória ao não-avaro; Que gasta a consciência,
Que essa mulher condenada Ostentam vida infrene,
Vende o corpo depravada; Vendendo corpo e amor,
Mas tem fama, e vende-o caro: Primeira na impudência,
Durval herdara um tesouro, Licenciosa, Irene
Pronto esbanja cofres de ouro; É da virtude horror;
Ela o sabe: ei-la comprada. Que o inferno, se ajuntara
Num reino as dissolutas
Escrava! escrava! — mentia! Rainha das polutas
Escravo é só o infeliz Irene proclamara.
Que em breve a sorte maldiz
Que o pôs nas garras da harpia. Provocadora ousada
Escrava! mas de hora a hora Sábia em requebros vis,
O ouro do senhor devora No cálculo consumada,
Com fome de meretriz. Fértil em mil ardis
Que da volúpia acendem
Escrava! e o senhor governa, A flama envenenada;
A vis orgias o arrasta, Ao luxo e à elegância
Sua riqueza devasta
E a seu capricho o prosterna; Que os inexpertos rendem
Mede-lhe atenta a despesa Juntando a petulância
Para, ao subir-lhe a pobreza, Que os libertinos amam,
Dizer, como aos outros, Muitos em coro ardente,
— basta! Formosa, resplendente,
Loucos Irene aclamam.
Escrava! e o servil senhor
Dos sócios nem sabe a conta Que seja embora a imagem
E ao ridículo da afronta, Do sol em pulcro dia,
Se submete sem pudor: Amantes que à porfia
Já quis fugir, — tarde! o vício Lhe juram vassalagem,
154 Tania Rebelo Costa Serra

Se ausentes dela falam De encantos opulenta,


De Irene o nome calam, Balde beleza e graça,
E a chamam só — Voragem. E, será sempre a taça
Pestífera, nojenta,
A alcunha não é vã, Que cem lábios tocaram,
Tem eloqüência imensa; Com lábios que deixaram
A alcunha é a sentença Nela saliva imunda
Que pune a cortesã. Que a corrompe, a inunda
De vírus e torpeza,
Que seja ou não formosa Que cada qual vomita
Pestífera vida arrasta,
Corrupta, perigosa, Na taça que infinita
A alcunha a condenou: P’ra todos corre à mesa,
Ela é Vorageml basta: E que cada um tocando
E horrível sorvedouro Com traficado beijo,
Que absorve a honra e o ouro Bem sabe que o sobejo
De quem amá-la ousou. De outros vai libando.

É bela; mas qu’importa Se é bela a cortesã,


Do rosto a formosura, Celeste dom profana;
Quando a inocência é morta, Podia ser soberana
E Vênus roja impura?... Pela beleza honesta;
De um sol eclipsado E escrava indigna e vã
A luz semelha à noite: Do vício aviltador,
E n’água cristalina Vendeira do senhor,
Veneno propinado: Maldita o mundo empesta.
Não enobrece o açoite Se é bela — flor mimosa,
De algoz a mão mais fina: Fora do céu turíbulo;
Ostenta lindas cores Mas cortesã — lodosa
Também a vil serpente Retouça no prostíbulo.
E um assassino dente
Traz na peçonha horrores; O anjo condenado
Em fétido lenteiro Fulgiria, anjo do Céu,
Pode uma flor brilhar, E a audácia do pecado
Da flor porém, com o cheiro Nas trevas o abateu:
Vem a infecção matar. O trono sempitemo
Soberbo ambicionou,
A cortesã formosa E Deus que o fulminou,
Esplêndida, faustosa, Por trono deu-lhe o inferno.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 155

De Lúcifer a imagem Que a diligência ergueu;


A cortesã revela, Mar que jamais se encheu,
Pela luxúria a bela, Golfo descomunal
P’ra o ouro se dilata;
Cai, e se faz Voragem. Famílias mil desola,
O alcaçar da riqueza A quem reduz à esmola,
O inferno seu atesta, Medonho horrendo mal!
Onde é em torpe festa A cortesã maldita,
Rainha da torpeza: Nenhum amante evita
O vício mais nefando E a todos rouba e mente:
Dos vícios tem o bando É foco pestilente,
A completar-lhe o horror; É leito de hospital
Tem nas brutais orgias Que enfermos não rejeita,
A infâmia do impudor; Que um após outro aceita
Nas doudas companhias, E a muitos é fatal.
Do vinho a embriaguez,
Em furial demência
V
O opróbrio da nudez,
A hedionda incontinência;
Voragem seja embora, Irene
E em vida repugnante
altiva
Um corpo corrompido,
Empunha o cetro da luxúria e
Vendido e revendido,
brilha:
Que ao comprador nodoa,
Corça, de amor na caça, não se
E que em venda constante,
esquiva,
Após gozado enjoa.
Pra ser caçada até busca a ma­
tilha.
Bela, mas infernal,
De ouro sempre sedenta, De dia exibe o opróbrio da
Ladra de mães e esposas, opulência
Patíbulo da moral, No carro à moda em que se
Treda flama cruenta expõe na rua;
Em que ardem mariposas Arma de noite laços à demência
Cuja cegueira espanta, Após orgias se vendendo nua.
A cortesã se ostenta
E fama audaz levanta, Dobra-lhe o vício concorrente o
preço;
Com escândalo geral! Vende requebros por punhados
Fortunas desbarata de ouro,
156 Tania Rebelo Costa Serra

Dá-lhe promessa torpe um ade­ De um corpo a quantos pagam


reço, revendido,
E o leito dá-lhe o roubo de um E eis fulgindo o incentivo da
tesouro. loucura.

Em suas longas unhas de pantera Espalha a fama de impudica a


Despedaça de jovens o futuro; história,
Honra, nome, fortuna, astuta O escândalo sem freio e deli­
fera rante,
Devora a troco de favor impuro. Tem nessa fama a cortesã mais
glória,
Aos velhos ricos pronta estende Quanto mais ignóbil, mais
os braços ovante.
E finge amor em lúbrico trans­
porte; Entra em moda a heroína da
Comprime o tédio e em frenesis impureza,
devassos Esplende em raios de infernal
A vida cansa a revirar a morte. prestígio,
Varre das casas ricas a riqueza,
Do homem o sentimento se E da depravação sobe ao fastí-
deprava gio.
Em prazeres brutais, a insânia
sua, Os loucos a seus pés ouro der­
Se a luxúria o desvaira, essa ramam,
alma escrava Fazem-lhe a corte e a querem
Da lascívia nos graus paixões por vaidade,
gradua. E escravos da mulher, a quem
Perdido o enlevo da virtude não amam,
santa, Glorificam o horror da socieda­
Perdido o encanto do pudor que de!
cora,
Da mundanaria que a moral Vendida ao moço, ao velho, ao
espanta, crapuloso,
O depravado os ímpetos adora. É gelo e finge a cortesã fervor;
Beleza ou não; mas o luxo E em aluguel mantém leito
desmedido asqueroso,
Ostenta a cortesã — prova se­ Onde é sempre enganado o
gura alugador.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 157

E quanto mais alteia a indigna Debalde! — em Durval se apura


vida Camalidade selvagem;
E atesta a fúria insólita e dani­ Possesso, em desenvoltura,
nha, O seu demônio é Voragem.
Impudência, torpeza, e ínfima De envites fascinadores
lida, Tem nessa mulher — vulcão,
Tanto mais dos corruptos é E ardideza e furores
rainha. De lascívia perversão.

É no charco que o porco tem É a luxúria serpente


seu mundo: Que se enrosca no devasso,
É dura, e ignóbil esta dupla
Que o abraça renitente,
imagem; E afoga-o por fim no abraço.
Mas como o porco é o devasso
imundo, Paralítico lançado
Charcos às cortesãs, charco a No meio do tremedal,
Voragem. Sem poder fugir, tragado
Se afunda o louco Durval.
VI
Da harpia nas garras preso
Pára, insensato Durval! Se aduna à vida impudica.
E tempo ainda, — recua! Do mundo arrosta o desprezo,
Caíste em laço infernal, Honra e nome sacrifica.
Fizeste a ignomínia tua!
Caíste no precipício; No infame altar da poluta
Estás resvalando; — pára! Paterna herança devasta;
No fundo negro há flagício E ousada a paixão arguta
Que extremo labéu prepara. A um crime o insensato arrasta,

Do abismo o alcantil é rude? Das irmãs, órfãs sagradas


Tirou-te o vício o valor? Da mãe nobre — filho vil,
Pede socorro à virtude, As riquezas, profanadas,
Aceita o auxílio do amor.
Leva da fera ao covil.
Aceita! — vê, debruçadas
No abismo, — alentos escassos Eram alheias devícias
Como exaurem consternadas E nelas pôs ímpia mão!
Mãe e irmãs, dando-te os bra­ Comprou perversas delícias,
ços! Mas vendeu-se à danação.
158 Tania Rebelo Costa Serra

Rompe enfim sinistro dia “Deixei-te nome, opulência,


Que assombra a concupiscência; “E irmãs, e mãe a zelar:
Miséria que se anuncia, “Vim, mandou-me a providên­
Solta a voz à consciência. cia
“Contas ao filho tomar.
É noite; Durval medita:
Quanto tivera, perdeu, “Que hás feito do nome honra­
E o que mais o morde e agita, do?...
— Mãe, irmãs empobreceu. “Tomaste-o escárnio do mundo,
“Pelas praças arrastado
Ama Voragem perdido; “Como o trapo mais imundo.
Mas sabe-lhe a sede de ouro:
Onde um tesouro escondido, “Onde a riqueza que ergui
P’ra ela mais um tesouro? “Com o labor e a economia?
“Desmoronada por ti
A consciência o condena, “Foi pasto de seva harpia.
Ferve-lhe n’alma a paixão,
A noite redobra a pena “Dos meus suores o fruto
E atiça a imaginação. “Serviu p’ra o pasto do vício;
“Lançaste-o a um seio poluto
De repente grito horrível “Muladar do desperdício!
Dá, suor frio lhe cai,
Vendo a seus olhos, terrível “Varrendo o chão não varrido,
Surgir a sombra do pai. “A cortesã que lá vai,
“Na cauda do seu vestido
Estende um trêmulo braço...
“Leva o suor de teu pai!...
Cabelos hirtos, e mudo,
A vista fita no espaço,
Está sem luz; mas tudo vê. “Nobre mãe que deu-te a vida,
“Que aos peitos seus te aleitou,
É seu pai: o vulto eleva “Por teu sonho empobrecida
Pela morte agigantado, “Na miséria se abismou.
Brilha ardente olhar na treva,
Devorando o condenado. “Homem não — besta sem
freio,
É do pai a sombra austera “Maldito filho, tu és!
Que tem voz que o filho abala; “Da mãe descobriste o seio,
Voz de finado severa, “P’ra cobrir da infâmia os
Voz de juiz que assim fala: pés!...
Antologia do romance-folhetim brasileiro 159

“Irmãs, por ti na desgraça, E horas longas ficou pensando


“Sacrificaste em aras vis! Na mísera, no horror de seu
“Três virgens a uma devassa, destino,
Três anjos a uma meretriz! E na paixão nefária.
A paixão sobrepuja: o miserando
“Vai, filho desnaturado, Remorsos cala, e corre em de­
“Segue! mas nos crimes teus, satino
“Maldito do pai finado, Aos pés da mundanaria.
“Sofre o castigo de Deus!
Afeta despertar do amante aos
“Mãe, irmãs empobreceste,
passos
“Manchaste o meu nome, — vai!
Voragem que suavíssima lhe
“Mas leva que a mereceste,
diz:
“A maldição do teu pai.
— “Tu sabes? ... eu sonhei!
E logo o enlaça com traidores
braços,
VII
Tomando entre blandícias o
Quando a aurora rompeu, Dur­ infeliz:
val estava, — “Que sonho!... ah! não direi!
Dormindo em desalinho ao pé
do leito, “Ilusão d’alma... vão capricho...
Como no chão caído... — eu digo:
Era agitado o sono, a destra “Meus segredos amor dá sem­
errava pre a ti;
Trêmula às vezes no espaço, o “Porque és o meu senhor!
peito arfando, “Zomba de mim, que eu zom­
O alento era gemido. barei contigo;
“Mas em troco de sonho em
Do sol a um raio despertou, e a que eu te vi,
sala “Quero beijos de amor.
Com inquieto olhar que mil
terrores diz “Acaso guardas a lembrança
Turbo inquirindo vai: ainda
Depois reflete e em solilóquio “Desse diadema esplêndido,
fala: brilhante,
“Quem me assombrou foi o “Em que os olhos deixei?
remorso ultriz; “E alto o preço: porque a jóia é
“Não foi, não foi meu pai. linda;
160 Tania Rebelo Costa Serra

“Há de alcançá-la a mais ditosa Logo Durval provoca com um


amante sorriso
“Não a mereço... eu sei... Que explica gesto audaz: — se
ele a demanda,
“E o meu sonho? — Dos teus Ela responde: — “Oh!... não!”
rivais o bando Desafia e repele de improviso;
“Por mim fulgente jóia disputa­ Flamas acende e não apaga: —
vam infanda
“Que amor mostrando vinha; Explora ébria paixão.
“E tu correste, e os loucos es­
pantando,
Não mais resiste o jovem per­
“Aos olhos seus, que ao longe
vertido;
te invejavam,
Do pai, ou do remorso a maldi­
“C’roaste-me rainha!
ção
Frenético esqueceu:
“Queres o diadema? — brada
erguido,
“Tive-o ao menos em sonho “Mulher, demônio! eu cedo à
uma hora! tentação;
“Foi meu, c’roou-me a fronte “O diadema é teu.
esse diadema
“De esplêndido fulgor!
Em desespero sai... — Fria
“Invejosa roubou-mo cedo a
crueza,
aurora!
A cortesã murmura negligente:
“Vão sonho... vão desejo...
“Sublime inspiração!
inútil pena
“Sinto-lhe, há dias, cheiro de
“Por não mudar de amor!
pobreza;
“Meu sonho o pôs em fúria;
E lançado o veneno atroz no mas urgente
seio “É dar-lhe a demissão.
De Durval que arde em zelos,
já lasciva
Em fogo, fogo ateia; “Não volta mais, ou volta com
Já simula cair em mudo enleio; o diadema,
E suave, triste, imóvel, pensativa “Último dom que em todo caso
No sonho devaneia. aceito,
Antologia do romance-folhetim brasileiro 161

“E um dia inda lhe dou. Leva a esfinge Durval até a


E contente do sórdido dilema, escada,
Cerrando os olhos lânguida no Beija-lhe a fronte; lágrima sen­
leito tida
A fera dormitou. Trai da saudade o medo...
Deixa-o partir a custo, e apai­
Horas não mais do vício, horas xonada,
do crime Inda uma vez exclama em des­
Passaram: volta enfim o des­ pedida:
graçado “Oh! volta! volta cedo!...
Que o diadema oferece:
Seu rosto em contrações tor­ Durval saiu — e logo o manto
mento exprime, arranca
Quer parecer feliz; mas espan­ Da hipocrisia a cortesã e chama
tado Criada vil que a iguala:
Às vezes estremece. De opróbrio sem morrer, de­
forme — franca
Não ver-lhe a confusão Vora- Mudando em gelo atroz recente
gem finge; flama,
E da perfídia e da malvadeza Indica a porta e fala:
emblema,
Vulcões de amor simula; “Murcho favo sem mel — sem
Prodígio de traição, perversa vinho adega;
esfinge, “Esse pobre Durval, bolsa va­
Beija Durval com os olhos no zia,
diadema, “E fonte que secou:
Cujo valor calcula. “O ingresso doravante aqui lhe
veda,
Com a faixa, dom do crime, se “Volte embora mil vezes cada
coroa, dia,
E assim provoca os ímpetos do “Em casa não estou.
vício
Que ela requinta e inflama;
Dada a Durval a extrema noite VIII — Lenda do Diadema
voa;
Passou... e fica ao mísero o As jóias são como as santas,
flagício Porque têm lendas também,
Que no remorso brama. E porque, sendo elas tantas,
162 Tania Rebelo Costa Serra

Devotas mil todas têm: Inda há pouco me compraram,


Suas devotas são damas, Como jóia, escravo estou;
Cujo corpo é seu altar, Nem sequer me perguntaram,
E em suas lendas há tramas Se amo a dama de quem sou,
Das devotas a pecar. Saí ontem do joalheiro,
Tanto a jóia é mais antiga, E já da vida ao entrar
Quanto mais a lenda cresce, Que história posso contar!
Que às vezes nem se conhece.
De brilhantes e ouro feito
E inda a jóia é como a santa Saí, formoso luzeiro,
Pelo encanto da beleza, Do trabalho mais perfeito
Porque o mundo não quebranta P’ra vidraça do joalheiro.
Nunca o seu brilho e pureza. A quanta honesta me olhou,
Luz nos pulsos de obscenas Em viva flama sorri:
Nas frontes de infrenes damas, Torpe olhar me devorou
Assiste a impudicas cenas Com tal sede, que tremi!
E nunca polui as flamas. Desejaram-me as honestas,
E como o raio do sol Nenhuma ao preço chegava
Que ainda no lodaçal Só a cortesã faltava.
Tem esplendor virginal.
Foi ontem, funesto dia!
E as jóias são generosas, Veio um mancebo apressar-me,
Sabem as lendas calar, Que ao apressar-me tremia,
Quando não são viciosas E que jurara comprar-me:
As damas que vão ornar; Comprou-me: — então por que
Mas eu estou condenado geme,
A um mal que não mereci, Quando paga ao joalheiro?...
Reputo-me desgraçado E este mancebo que treme,
Pelas mãos em que caí! Onde achou tanto dinheiro?
Não amo a dama que alindo; Confuso na confusão
Não quero segredos ter; Do meu triste comprador,
Vou minha lenda escrever. Previ da sorte o rigor.

Oculto no seio, a medo,


Eu sou jóia; mas recente, Pôs-me do mancebo a mão;
Minha vida enceto agora; E eu apanhei-lhe o segredo
Diadema aurifulgente Nas ânsias do coração.
Disputo fulgor à aurora: Firmas alheias roubara
Antologia do romance-folhetim brasileiro 163

O louco que me comprou; Para que os nautas atraia


O dinheiro que eu custara, E os roube na perdição.
Crime infando lhe custou. Ai! sou princesa cativa
Primeiro passo na vida, No antro de negra fada
Primeiro passo que eu dava E só p’ra o mal encantada.
E um crime já eu marcava!
As jóias são como santas,
Levou-me ao lar da impureza Martírios têm a sofrer;
Esse em cujas mãos tremi; Mas sofro vergonhas tantas,
Lá achei luxo e riqueza; Que o brilho amara perder.
Mas pudor e honra não vi. Antes uns pés de donzela
Ai! meu ouro e meus brilhantes Me fosse dado alindar,
Em fronte (a desgraçada o quis) Do que a manceba mais bela
Onde mais de cem amantes A fronte impudica ornar.
Tinham dado beijos vis! E melhor ser borzeguim
Ai! mil vezes a vidraça Calçando o pé da inocência,
Do meu avaro joalheiro, Que diadema da indecência.
Do que esta fronte — lenteiro!

E aqui fiquei, vendo honores: IX


C’roa de fronte malvada,
Sou de esquálidos amores Noite — orgia — champagne a
A testemunha obrigada. espumar,
Prendeu-me laço fatal Mesa plena de loucos cercada,
Ao cabeço de um rochedo, Cada qual tendo ao lado abra-
Que mora infecto brejal sada
Do vale puro em degredo. Em lascívia e cognac uma
Ai! meu ouro e meus brilhantes dama,
A gastar tanto esplendor Que sem pejo se deixa beijar
Em proveito do impudor! E que turvos furores inflama
A luxúria já ébria a explorar.
A encantos dúbios dou luz
Com o meu ouro e os meus Brilham chamas do ponche
brilhantes; acendido
Sou o engodo que seduz E do ponche e dos lustres à luz
Novos e ricos amantes. Peito à mostra, alvejando om­
Sou dos cachopos na praia bros nus,
Fogo que acende a traição, Cortesãs de um viver pervertido
164 Tania Rebelo Costa Serra

Paixão fingem que os loucos Descarada sorri breve instante,


seduz, Alça um pé que firmou na ca­
Com requebros e audazes me- deira,
neios Mão esquerda no joelho des­
Dos imbeles vencendo os re­ cansa
ceios. Ergue a destra e na taça banzei-
ra
Recebendo o champagne es­
Ousa livre a palavra obscena pumante
Mil insultos que ali não o são; Clama: — “um brinde ao dia­
E ufanosas da própria abjeção, dema formoso
Mostram garbo as proscritas do Que em seu rosto mais brilho
brio acendeu!...
Das licenças que o brio conde­ E dos sócios o coro ruidoso
na; Brada: “Guerra ao feliz que to
Pouco falta às vilezas da cena, deu!...
E ao que falta há brutal desafio.
— “O feliz?... — gargalhando
Eis Voragem\ — rainha da sem brio
orgia, Ela torna: — “Silêncio geral!
Insolente preside o festim, “Do champagne nos copos um
Infernal ostentando alegria rio
Com remoques que excitam “E ouçam todos o brinde final:
motim; “— À memória do amante pas­
E no copo que sempre esvazia, sado
Ergue o cetro qu’empunha cor­ “— Que deixou-me diadema
rupta tão puro
Digno cetro da mais dissoluta.
“— E ao triunfo do amante
Da impudência em arrojos ex­ futuro
trema “— Que herdará meu amar
Alardeia no topo da mesa; cobiçado!
Traz na fronte fulgente diade­ Não pasmou da ignomínia os­
ma, tentosa
Alto símbolo caído em torpeza. Ébria turba que indômita em
De repente saltou petulante, grito,
Com o assanho da fera que De Voragem aplaude, maldita,
avança, Da sordície a jactância horrorosa.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 165

X E vingativa, enorme
Na consciência brame.
Ante o algoz a vítima sentada! Tem daquele diadema o brilho
Durval, presente à orgia, encanto
Alvo é da zombaria Que é punição de Deus;
Da gente que em dez vinhos Luzentes raios seus
afogada, Os olhos de Durval turbam de
Surge para lançar escárnio in- espanto
sulso, Que resplandecendo em
Violento sobre o amante já trêmulo fulgor
passado No espaço esta sentença escre­
Que foi do antro encharcado vem feia:
Depois de pobre expulso. “Tu és de firma alheia
“Um falsificador!
Viera à orgia a confundir Vora-
gem, E inda a paixão o escravo des-
E por vingar-se ardendo varia!
De fogo olhar tremendo Vê que Voragem fera
Durval, na mesa da libertina­ Malvada o vitupera,
gem, E a um aceno a seus pés se
Fixa embalde no rosto da cor­ prostraria!
rupta, O ódio em sua alma com a pai­
Que em troco vibra olhar mais xão contende;
atrevido, E o bêbado que em sórdido
E é ele o confundido suplício
Na desfaçada luta. Maldiz do próprio vício,
E à taberna se prende.

De escárnio o brinde abjeto o


É ele o confundido; que seus
fulminara;
olhos A tremer o escutou,
O diadema encontram, A afronta devorou,
E fogem, não afrontam Tão vil, inda lhe veio o sangue
Brilhantes que no mar da vida à cara!
escolhos E sapo que a serpente magnetiza,
Foram fatais, onde perdeu-se A despeito do ultraje fica
infame olhando
Num crime, cuja idéia jamais E em fúrias adorando
dorme, A mulher qu’o escraviza!
166 Tania Rebelo Costa Serra

XI E todos disputam! na libertina­


gem
São pobres cadáveres pela cor­
Ninguém de Voragem costumes rupção;
ignora; Devora cadáveres a hiena: Vo­
Lhe fora impossível um dia ragem
sem dono; Devorá-los deve: da hiena é
Da infâmia no trono que em seu missão.
leito arvora,
Rei morto, rei posto, jamais
vaga o trono. Mas entre os comparsas da
orgia sem freio
Mancebos, nos vícios engolfa­
Durval decaído, Voragem quem
dos já,
toma?
É parvo o que cuida mover-lhe Um só se destaca por velho e
por feio;
paixão:
Qual pois dos mancebos Vora­
Quem paga-lhe os gozos por
gem terá?
mais alta soma?
Só falta o anúncio — “mulher
em leilão?'
Dos vinhos, do ponche redobra
o calor,
Mas era elegante, dos anos na
Começam escândalos da em­
flor,
briaguez,
Ardente em carinhos e belo
Dos homens exaltam-se a audá­
Durval:
cia e impudor,
Difícil escolha dará sucessor
E indignas mulheres ‘stão qua­
Que seja ao deposto ao menos
se em nudez.
igual.

E a orgia referve e os sócios da Os pejos fingidos o vinho ba­


orgia niu;
Por entre as risadas e o ébrio São todos devassos, e mostram
gritar que o são;
Qual deles indagam nos olhos Mas súbito a porta da sala se
da harpia abriu,
Vai ser dono e vítima, e ruína E a voz da polícia perturba a
buscar. função.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 167

Da lei se adianta o agente fatal, Responde: — é Voragem, que


O braço estendendo, sinistro aos olhos do preso
falou, Com o velho abraçada treslou-
Por crime infamante prendendo ca na sala!
Durval,
Do crime o diadema brilhante Dois carros à porta: — lanter­
mostrou. nas dão luz:
Num deles arrastam Durval à
Do opróbrio que o esmaga prisão,
Durval geme ao peso; Vai no outro Voragem que o
E aos agros gemidos um beijo velho conduz
que estala, Ao sórdido leito do lar da trai­
ção.

Nina

II

Firmiano trouxera da província uma dúzia de cartas de reco­


mendação, e logo no dia seguinte ao da sua chegada à cidade do
Rio de Janeiro, adiando a entrega de outras cartas, começou por
apresentar-se com aquelas que eram dirigidas a dois comprovin-
cianos seus que o receberam agradavelmente, prometendo auxiliá-
lo com o maior esforço em sua pretensão.
Sinceras e leais ou não as recebidas promessas, o novato jo­
vem teve ao menos a fortuna de encontrar no filho de um dos dois
protetores em expectativa o amigo mais prestimoso, um compa­
nheiro que pela educação zelosa que recebera, e pelos dotes de seu
coração, era incapaz de dirigi-lo estouvada ou nocivamente na
estréia da sua vida na capital, tão cheia de perigos para a mocidade
inexperta.
Félix, apenas um ano mais velho que Firmiano, era duas vezes
mais instruído, e dez vezes mais inteligente que ele; desde o pri­
meiro encontro e a primeira hora de conversação reconheceu que o
jovem provinciano era tão simples como bom, e começou logo a
168 Tania Rebelo Costa Serra

estimá-lo, desejando ser seu amigo, menos por simpatia do que


pelo sentimento de nobre interesse que o fraco inspira ao forte, o
desvalido ao homem generoso.
Com efeito, Firmiano tudo podería pretender e conseguir tudo
quanto sonhava por ele o amor da Escolástica, tudo e mesmo ser
um poeta ou romancista; nunca porém chegaria a passar por sim­
pático, a realizar as conquistas instantâneas que a simpatia impro­
visa.
Tendo bastos cabelos pretos, fronte baixa e estreita, olhos pe­
quenos e sem brilho, nariz grosso, boca demasiado rasgada, embo­
ra mostrando belos dentes, queixo excessivamente triangular, rosto
comprido, de grandeza desproporcional, e de cor branca, mas sem
vida, pescoço curto, largas espáduas, corpo mais extenso que as
pernas, estatura menos que regular, Firmiano, apesar da delicadeza
de suas mãos e de seus pés, não podia agradar pela simples im­
pressão da sua presença; e para mais completa desdita, sua voz
aflautada e a sua palavra difícil, o seu sorrir triste e desengonçado,
o seu andar asselvajado, e na sociedade sempre tíbio e confuso,
requintando o acanhamento na companhia de senhoras.
Mas Félix sentiu quase instintivamente o quanto havia de
simplicidade, de honra, de sentimentos nobres debaixo daquela
crosta áspera e fria; ligou-se pois a Firmiano, tomou-se o seu cice­
rone, acompanhando-o constantemente, e mostrando-lhe as luzes e
as sombras da cidade do Rio de Janeiro.
Os passeios pelas ruas, praças e jardins, as visitas às bibliote­
cas, ao museu, aos arsenais, às academias, aos sítios mais pitores­
cos, e a freqüência dos teatros, o enleio de algumas noites de sa-
raus modestos de famílias estimáveis prolongaram-se por algumas
semanas, e Félix notou enfim que Firmiano, embora cada dia mais
curioso, principiava a mostrar-se contrariado.
Almoçavam os dois amigos em uma bela e agradável manhã
no hotel vizinho do Jardim Botânico, quando Félix, impacientan­
do-se, perguntou a Firmiano o motivo do seu mau humor, que ain­
da ali o perseguia.
O provinciano hesitou; mas acabando por ceder às instâncias
do amigo, e também confiando muito no seu bom conselho, res­
pondeu.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 169

— É que minha santa irmã, que me supõe dotado de raro ta­


lento e rica imaginação, impôs-me a obrigação de compor um livro
de poesias ou um romance...
— Falas sério?
— Do livro de poesias nem de leve me preocupo; porque fazer
versos que sejam versos é para mim impossível; decoro facilmente
os versos que leio; mas compô-los eu?... tempo perdido.
— Muito bem, Firmiano, poeta à força é pintor que borra telas
e cantor que desafina a música.
— Mas o romance? para o romance não há necessidade de
metrificação, nem de consoantes...
'— Enganas-te: é indispensável a metrificação das lições mo­
rais e a consonância dos sentimentos, metrificação e consonância
da imaginação com a realidade, da forma com a matéria, dos qua­
dros que se inventam com as paixões que são neles expostas.
— Segue-se então que nunca poderei escrever um romance?
— Félix dominou-se para não rir.
— Olha, Félix, tornou Firmiano, não tenho presunção, nem
vaidade; daria porém metade da minha vida para compor um ro­
mance.
— Com que fim?
— Para satisfazer o inocente capricho de minha irmã; não a
conheces; foi minha mãe, e é um anjo de amor e de sublime dedi­
cação; a idéia de que possuo luminosa inteligência é o seu encanto,
e desencantá-la fora despedaçar-lhe o coração: se eu escrevesse um
romance, que alegria, que felicidade para aquela santa criatura!
— Em tal caso mãos à obra! disse Félix com os olhos úmidos
de lágrimas.
Firmiano abaixou confuso a cabeça, e prosseguiu dizendo:
— Na província o meu professor de retórica e poética, tratan­
do do romance, disse-nos em uma de suas lições: “Predomina hoje
a escola realista, que matou a romântica, que por seu turno tinha
destruído a clássica: com essa nova escola não há quem não possa
ser fecundo romancista; já não se imagina, copia-se, toma-se o
chapéu e a bengala, passeia-se pelas ruas, visitam-se os amigos,
espreita-se o que se passa na casa alheia, escreve-se o que se ob­
servou, e está feito o romance”.
— Sapientíssima lição!
170 Tania Rebelo Costa Serra

— Acreditei nela, e para aditar minha irmã, jurei-lhe escrever


um romance; tenho porém embalde passeado, observado, estudado
o mais vasto dos nossos teatros, a cidade do Rio de Janeiro, e ainda
não encontrei o romance que tão fácil se afigurava ao ,meu professor.
— É que teu professor não conseguiría jamais ser o inventor
da pólvora.
— Dizes pois...
— Que ele te fez acreditar na extrema facilidade do empenho
mais difícil. Em literatura, Firmiano, a escola realista ensina que o
romancista deve ser o copista fiel da vida da sociedade, dos senti­
mentos, das paixões, dos costumes, por conseqüência o escrupulo­
so e sutil sondador dos corações, o revelador leal das tendências e
do caráter da época, em uma palavra o daguerreótipo moral da
sociedade e da família. Julgas que isto seja muito simples?
— Creio que não.
— Ah! Certamente não: ver é o menos, saber ver é o mais; ob­
servar não é tudo, sentir é que é o essencial; mas sentir não basta;
dizer bem e artisticamente o que se sentiu é indispensável; por­
tanto para se compor um romance é preciso saber ver, saber sentir,
saber dizer.
— Lá se vai pois a minha esperança de escrever um romance
para minha irmã!...
Félix não se animou a desenganar o pobre provinciano seu
amigo; fora mais acertado que o fizesse; mas desejou consolá-lo e
tornou-lhe:
— Não, Firmiano, não; quem sabe se ainda chegarás a ser no­
tável romancista?...
— Quem? eu? ah! bastava-me compor um só, um único ro­
mance!
— Pois então escuta: a instrução não é suficiente, é porém
muito necessária para que se seja romancista: a instrução é luz:
estuda portanto, estuda muito.
— Juro que estudarei.
— Depois do cabedal da instrução, que jamais será demasia­
do, a tua vontade decidida, e a observação constante e aturada do
mundo, poderão acender em teu espírito inspirações de um ou mais
romances, ainda mesmo que não tenhas nascido com vocação para
romancista.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 171

— E se nem assim se acenderem as inspirações de que me fa­


las? perguntou seriamente Firmiano.
Era muito: Félix não pôde conter o riso, e cedendo um pouco à
malícia própria da sua idade, respondeu em tom gracejador:
— Conheço um meio único de provocar e até de forçar a ins­
piração.
— Qual é?
— O mais violento excitante da sensibilidade; mas que às ve­
zes é veneno que transvia e perturba a razão.
— E qual é?
— O amor.
Firmiano corou.
— O amor apaixonado por uma mulher formosa e pura.
A conversação parou aí; mas o provinciano passou o resto do
dia meditando séria e profundamente.
A noite, recolhendo-se a um pequeno sótão que alugara, e es­
tendendo-se em seu modesto leito, Firmiano disse entre si:
— E preciso estudar muito; fá-lo-ei; observar muito; continua­
rei a fazê-lo todos os dias; ter vontade decidida de escrever um
romance, já a tenho; amar apaixonadamente uma mulher formosa e
pura, é só o que me falta.
Apêndice
Lucas José de Alvarenga

Lucas José de Alvarenga nasceu em Sabará, Minas Gerais, em


1768 e morreu no Rio de Janeiro em 7 de junho de 1831. Diplo­
mou-se em Direito em Coimbra (1799).
Statira e Zoroastes (1826), na verdade, não é uma novela,
como o chama seu autor, e sim um conto moral. O motivo pelo
qual se optou por incluí-lo neste apêndice é o de mostrar como a
ficção era freqüentemente misturada com literatura política.
O enredo da novela/conto é o seguinte: num mosteiro na Pér­
sia, o monge principal conta sua história a um casal de visitantes
reais, a saber, a do jovem príncipe Zoroastes que vai em busca de
aventuras e caça e encontra a vestal Statira. Apaixona-se louca­
mente por ela e, a fim de poder ficar a seu lado, veste-se de mulher
e permanece no templo, abandonando pátria e família. Observe-se
a semelhança com o romance pastoral Astrée (1607-1624), de Ho­
noré d’Urfé.
Um dia Statira parte com o “pai”, e o príncipe, inconformado,
vai à sua procura. Encontra-a em um país governado apenas por
mulheres. A mãe de Statira havia sido a última rainha e, após sua
morte, foram buscar a jovem princesa para assumir a coroa. O au­
tor aproveita para mostrar as leis boas e justas que haviam sido
adotadas naquele país, onde todos são felizes.
Zoroastes assume um lugar nos exércitos do reino da amada e
acaba sendo promovido a general. Após o reconhecimento da
“amiga” da época em que era vestal, os dois casam-se e são imen­
samente felizes. Após a morte de Statira, Zoroastes auto-exila-se
na Pérsia, onde manda fazer uma estátua da amada no mosteiro no
qual se dedica à oração e à meditação.
176 Tania Rebelo Costa Serra

O importante neste conto sobre a justiça das leis, considerado,


justamente, à clef, é a dedicatória: “Novela dedicada a S. M. a
Imperatriz do Brasil”, a esposa de Dom Pedro I, e a introdução-
libelo, que vem transcrita agora.

Statira e Zoroastes
(novela)

Não importa quando deva florescer,


ou frutificar a verdade.
O que importa é semear e plantar.
Um dia ou outro alguém aproveitará.

Senhora

O Particular Motivo de imprimir-se esta Novela, o seu con­


texto e objeto, a analogia que tem com as de V. M. as sublimes
(verda)'des da Princesa Heroína, tudo isto inspirou a lembrança de
dedicar a V. M. I.
O Credor da Natureza aceita com prazer o pequeno grão de
incenso que lhe oferece a criatura. Este Divino Exemplo autorizou-
me a crer que a Muito Alta e Generosa Imperatriz do Brasil se
Dignaria a Aceitar, como Aceitou de um súdito Seu.
Tão Alta Proteção Fará florescer e frutificar os meus princípios
e o meu nome debaixo de Tão Alto, Majestoso Tronco ficará abri­
gado à sombra d’Ele.
Tem a honra de beijar a Mão Augusta de V. M. I.

O Seu fiel súdito

Lucas José d’ Alvarenga

Sapientibus et Insipientibus, graecis et barbaris

1 Apagado no texto; apesar de ter sido o português atualizado, não interferi na


utilização das maiusculas.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 177

A política é uma das ciências que todo o mundo tem presun­


ção de saber, mais ou menos.
Em Roma, depois da primeira Guerra Púnica, até as damas se
entretinham e disputavam sobre os negócios do Estado.
Na Revolução da França elas não só falavam e murmuravam,
mas até houveram algumas que escreveram sobre este objeto e se
fizeram admirar tanto pelo seu gênio superior e elevação de senti­
mentos, como pelos encantos do seu estilo e graças da dicção; tal
foi, por exemplo, Madame de Staêl, de tanta celebridade.
Depois da revolução do Brasil, todos neste vasto Império fa­
lam (e às vezes dogmaticamente) em Direitos sociais, Segurança
individual, Liberdade de imprensa, Constituições, Governos repre­
sentativos, etc., etc.
Em tais circunstâncias não é de admirar que em um Império
nascente (onde ainda não há uma Universidade), um filho do Bra­
sil, que lhe deve prestar serviços e que na qualidade de Militar o
que mais que pode fazer hoje é dar a vida pela pátria (serviço que
faz com gosto qualquer soldado de honra), ouse também levantar
um pouco a voz para dizer alguma coisa sobre esta tão importante
e delicada Ciência, pois que sendo ele ao mesmo tempo da Profis­
são das Letras, Formado na Universidade de Coimbra em Direito
Civil, de cuja Faculdade são ramos o direito Natural e das Gentes,
o Direito Público e Público Particular, a História Sagrada, a Ecle­
siástica e Profana, etc., etc., é sem dúvida que tem a seu favor, não
a sua própria presunção, mas aquela presunção de direito que ou­
tros sem estas favoráveis circunstâncias tão liberalmente se arro­
gant; e é também sem dúvida que está autorizado com esta quali­
dade para falar em público em matérias de semelhante natureza.
Muito mais autorizado deve julgar-se quando munido com
estes necessários conhecimentos se propõe modestamente a falar
em tal assunto, depois de vinte e oito anos a trinta de uma cons­
tante meditação e reflexões sobre tais princípios, que se desenvol­
veram quase debaixo dos seus olhos. E foram ora uns, ora outros
empregados efetivamente na maior das Revoluções que tem visto o
mundo civilizado, e nas violentas, rápidas mudanças de Governos,
que em seus dias têm constantemente aparecido em cena em am­
bos os Hemisférios e que, continuando ainda com bem calor no
século presente, vão sem dúvida dentro deste mesmo século mudar
178 Tania Rebelo Costa Serra

a face do globo e alterar consideravelmente a Política de diferentes


Gabinetes.
Acresce ainda a tudo isto que fala nestas matérias tão sublimes
como importantes, depois de ter lido e confrontado os principais
Autores antigos e modernos, que têm largamente escrito sobre este
vastíssimo assunto. E depois de ter estado à testa de um governo, o
mais célebre de todos, que n’outro tempo pertencia a S. M. F., e
em cujo Governo estava em contato e relações imediatas com dife­
rentes Corporações Estrangeiras e pessoas autorizadas pelos seus
respectivos Ministérios, que de certo modo representavam naquele
canto do Mundo as principais Nações da Europa e também dos
Estados Unidos d’América, os quais todos recebiam freqüente-
mente nas suas respectivas Cortes todas as folhas Inglesas, France­
sas, Jornais e mais Periódicos, que continham os grandes aconte­
cimentos de toda a Europa amotinada, as causas de tudo, os novos
sistemas, planos de cada uma das Nações interessadas, e enfim
todos os movimentos e recursos da Política a mais refinada, que
então se desenvolveu, cujos papéis passavam todos pelos seus
olhos com aquela atenção que mereciam, e de cuja importantíssima
lição procurava constantemente aproveitar-se por entender assim
do seu dever e do seu máximo interesse.
E foi neste Governo ultimamente (caso sem exemplo), que em
1808 e 1809, teve a glória de intervir nos importantes Negócios de
duas Grandes Nações, as mais célebres no seu sistema do Governo,
e as mais ricas do mundo, o Império da China e a Grã-Bretanha; do
que tudo não só tem em seu abono e conserva em seu poder as
comunicações Oficiais daqueles respectivos Governos e do Co­
mandante em Chefe da Esquadra Britânica o Almirante Drury,
tudo em seus originais; mas até guarda consigo como raridades
preciosas os mais honrosos diplomas que lhe foram depois dirigi­
dos com as mais decididas marcas de afeição e de estima por
aqueles respectivos Sábios, generosos Ministérios.
Por último na falta das antigas Escolas da Grécia, essa Pátria
das Artes e Ciências, Mãe dos Heróis e Instrutora do Universo,
depois de ter gasto naquele Governo muito do seu, só para susten­
tar ali, como é notório, o respeito do Soberano e a glória da Nação
pela convicção em que sempre esteve e estará de que o respeito do
Soberano depende muito da dignidade e caráter daqueles que o
Antologia do romance-folhetim brasileiro 179

representam, tomou a resolução de despender o resto da sua fortu­


na em passar d’ Asia à Europa e demorar-se algum tempo nas duas
Capitais da França e da Inglaterra (esta rival de Esparta e ambas
rivais de Atenas), sem outro fim mais que limar e polir a sua pró­
pria instrução, para o que estava prevenido desde muitos anos an­
tes com o conhecimento das respectivas línguas, para assim poder
tirar deste tão dispendioso trabalho e das suas penosas fadigas os
melhores frutos, que os seus ardentes desejos pudessem conseguir.
Ora, entre os mais célebres Políticos antigos e modernos que
escreveram com todo o conhecimento da história e com bastante
filosofia sobre as causas das Revoluções, sobre'a elevação e ruína
dos Impérios e o mais deste gênero, a maior, melhor parte deles o
fizeram sistematicamente; porém uns em estilo didático, em má­
ximas, axiomas, outros em romances, alegorias, etc.
Não me convindo o método sentencioso por muitas razões,
sendo uma delas a grande dificuldade da concorrência cumulativa
de sentença aguda, idéia exata e clara, expressão concisa, requisi­
tos que faltam quase sempre ainda aos mesmos grandes homens,
como se observa por exemplo nos Aforismos Políticos de Lord
Harrington e outros; e que apenas se encontram com sucesso em
muitas das Máximas Morais de La Rochefoucauld e nas Máximas
Políticas deduzidas das Memórias do Cardeal de Retz, por Ches­
terfield, eu escolhi o método alegórico, não tanto por obviar as
referidas dificuldades (às quais se vê que me expus nas Máximas
Morais, que se encontram no fim desta Peça, e que era um dos
objetos que eu tinha em vista), mas porque achava-me empenhado
pela minha palavra em fazer uma Novela para certa Senhora, filha
de uma das mais Ilustres Famílias de Portugal, em cuja casa fui
sempre tratado como filho, desde o meu delicioso tempo de Coim­
bra, minha idade d’oiro; e também porque não sendo a Novela
senão um discurso inventado para instrução dos homens debaixo
da alegoria de uma ação, pareceu-me este meio o mais conveniente
de dar algumas idéias de Moral e de Política, misturando agrada­
velmente — o utile dulci —, que recomendava Horácio; e final­
mente por isso mesmo, que a experiência me tem desenganado,
que a vaidade dos homens desde a mais humilde condição até a
maior das dignidades repele com indignação qualquer instrução
180 Tania Rebelo Costa Serra

que se lhe dê diretamente; e que ouvem com gosto e se aproveitam


daquela que aparece como dirigida a outros fins.
As paixões sempre falam alto e sempre são atendidas. São ve­
nenos que nos agradam; são erros que nos acariciam. Enfim, são os
nossos Cortesãos. A razão pelo contrário precisa de muita desteri-
dade para se introduzir e merecer alguma atenção. A verdade, para
parecer bela e fazer-se amável, nunca deve apresentar-se nua; isso
é hoje uma grande indecência, grande impolítica e até mesmo tra­
balho sem fruto. E necessário pois aparecer vestida e até com al­
guns omatos singelos; e por fim ainda coberta com o transparente
véu da Fábula, para atrair a curiosidade.
Na Corte de Creso era Esopo ouvido melhor que Sólon. Na
Praça de Roma um Senador com uma Fábula apaziguou um tu­
multo furioso do Povo Romano, que não tinha cedido à Sabedoria
e à autoridade dos Cônsules. Os Cortesãos de Luís XIV corrigiam-
se melhor pelos apólogos de la Fontaine, pelas ficções de Molière,
do que pelos pensamentos sublimes e profundos de Pascal e ou­
tros. E enfim, o mesmo Luís XIV vendo que um Pregador soltava
da Cadeia da Verdade certas reflexões, que lhe pareceram diretas,
disse-lhe depois: — “Monsieur, je veux bien prendre ma part d’un
sermon, mais je n’aime pas qu’on me la fasse” — o caso todo é —
La sagesse, quifait rougir, éloigne; celle quefait sourire, rapproche.
São precisos anos só para ler os índices das produções do Es­
pírito humano sobre a Moral e Política. Eu, seguindo o exemplo
das abelhas para o seu útil e saboroso mel, procurei os princípios
de uma e outra Ciência, os mais necessários ao sossego e felicida­
de do homem, para com eles arranjar esta Peça dentro em seus
limites e em cuja redução gastei mais tempo do que no arranjo de
toda ela no seu estado primitivo.
Suprimi talvez mais de três partes dela, que continham alguns
debates na Assembléia Geral Constituinte, Legislativa com a dilu-
cidação de princípios e objeções; suprimi as falas de algumas De­
putadas; a Constituição toda inteira; várias Proclamações e De­
cretos; suprimi enfim os Prospectos de dois Códigos Civil e Cri­
minal e o Plano de Legislação, que devia servir-lhes de base; e
entreguei com prazer tudo isto às chamas.
Foi-me preciso depois ligar o resto entre si para a perfeita uni­
dade da Peça com a nova forma que lhe dei, visto que eu já não
Antologia do romance-folhetim brasileiro 181

podia dar-lhe inteiramente o mesmo destino, porque nessa data


haviam concorrido circunstâncias Imperiosas que, não só a salva­
ram do fogo, mas até me obrigaram a dar à luz, coisa que nunca me
passou pela lembrança. Vejam-se as primeiras palavras da Dedi­
catória.
Ainda assim mesmo pequena como ela está (porém contendo
muito mais do que parece), longe de mim a pretensão de que os
meus princípios se tenham como infalíveis. Eu os exponho unica­
mente como resultado das minhas combinações e experiência e
aplicáveis somente em certas circunstâncias. O dom da infalibili­
dade, segundo os princípios da Religião Dominante deste Império,
foi concedido unicamente à Igreja Universal em matérias da sua
competência; fora disto esse dom maravilhoso é, segundo Erasmo,
permitido exclusivamente aos Fanáticos, aos Vaidosos e aos Pe­
dantes.
Eu conheci alguns Sultões em Política (do que há também
muito em todas as outras Ciências); quero dizer homens que queriam
despótica e tiranicamente que as suas opiniões passassem por
dogmas; e que fossem por conseqüência a norma das opiniões dos
outros, aliás tão livres como eles; e pode ser que alguns até de
melhor senso e de mais apurada instrução, e isto então sob pena
atroz e cruel de ser tratados indignamente por ignorantes, destituí­
dos do senso comum, e até faltos de Lógica. Que Vaidade!... Que
loucura! Que pedanteria!!!! Nem sabem ao menos tais homens que
o amor próprio exaltado é o mais tolo dos amores; e que a tirania
dos pensamentos é a mais odiosa das tiranias!
O mais é, que por nossa desgraça (torno a dizer, para ver se
aproveita) há entre nós uma prodigiosa abundância de gente in­
fectada desta epidêmica, ridícula moléstia em todos os gêneros de
Ciência. Dizia o grande Newton: “Pedantry is not profession; but it
is a vice In all Professions”.
Quanto a mim, há muito pouco de infalível em Política. As
circunstâncias são sempre as que governam. São como os lanços
dos dados no jogo; infalivelmente se hão de jogar; o caso todo é
jogá-los de uma maneira própria e melhor disposta, para se aco­
modar depois do modo mais vantajoso segundo os lanços que so­
brevierem, ainda que sejam maus.
182 Tania Rebelo Costa Serra

O prever é a mais sublime parte da Política; mas não basta só


isso; é preciso prevenir. O futuro é o objeto mais interessante desta
Ciência e o mais dificultoso; o presente é o tempo, a ocasião e
meio de preparar esse futuro feliz, como se deseja; e um tempo tão
precioso é preciso não perdê-lo.
Eu estimaria (para aplicá-la ao bem) aquela elocução que vejo
nas Produções Literárias do decantado Nicolau Machiavel. A imor­
talidade nunca se pintou com cores tão belas nem a Política foi
jamais sustentada com razões mais sedutoras.
O Senado de Roma tinha já feito uso de grande parte daquelas
doutrinas. Eram as mesmas máximas; porém ninguém as tinha
deduzido com tanta perspicuidade, nem com tão grande fundo de
reflexão e desteridade como este célebre Autor, péssimo homem.
Creia pois, quem quiser, na sua Bíblia Política, ou (para me­
lhor dizer) no seu Alcorão. Hoje em dia eu ainda não sei se no seu
tratado — II Príncipe — ele se propôs instruir os Reis, ou alucinar
os Povos; e ainda que pareça a muitos, que a balança da Instrução
pende mais para um dos lados, contudo não me parece assim. E eu
vejo que Lord Bacon e outros grandes homens pensaram a este
respeito exatamente como eu também pensava ainda antes de os ter
lido.
Como quer que seja, a minha humilde opinião é, e será sem­
pre, que a boa Política deve ser fundada na boa Moral; não só por­
que o Direito das Gentes não é senão o mesmo Direito Natural
aplicado às Nações e aos Povos, como porque estou intimamente
convencido que sendo como é uma verdade eterna que o vício das
Leis e a injustiça do Governo, derivados ou da ambição, ou da
ignorância, ou de ambos juntamente, são os móveis das desgraças
dos Povos e da subversão dos Estados, fica evidente que o esplen­
dor e a prosperidade dos Impérios, quanto ao interior, tem por cau­
sa eficaz a Eqüidade das Leis e a Justiça dos Governos; e que o seu
poder e força, quanto ao exterior, tem por medida o número, ou a
soma dos interessados e o grau de interesse que eles têm na Causa
Pública.
Quem pensar de outra maneira, parece-me, que está prevenido
de um erro. E se houver alguém que por esta minha opinião me
censure de excessiva bonomia e me julgue muito simples ainda em
matérias tão árduas e tão complicadas, respondo-lhes muito sim-
plemente — Est modus in rebus, sunt certi denique fines.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 183

E como o Público, principalmente desde o século passado


(permita-se-me a expressão), é um Gabinete, a que a Civilização
tem dado muita força e influência; é por isso do dever dos verda­
deiros amigos da sua Pátria dar ao Público as noções mais claras,
as idéias mais luminosas, que se acham espalhadas em uma grande
variedade de Autores, em obras volumosas e em Línguas Estran­
geiras e das quais não se pode (ou será muito difícil) de outra sorte
ter notícia.
E é por isto, e por muitas outras dificuldades, que me apro­
veitei desta ocasião para pagar do modo que hoje me é possível o
devido tributo ao grande interesse, que sendo particularmente ago­
ra da minha Pátria é ao mesmo tempo interesse geral e da Humani­
dade.
Eu quisera inspirar a todo o mundo os sinceros sentimentos de
que estou penetrado, mas faltam-me aqueles pensamentos sólidos,
que agitam o espírito; aqueles traços brilhantes que subjugam a
imaginação; expressões atrevidas, que levam ao fundo do coração
as emoções mais vivas; falta-me aquela energia de estilo, elegância
de expressão, graças de dicção que fazem remoçar as idéias e dão-
lhes aquele colorido encantador, que trai a convicção.
Resta-me, contudo, uma consoladora esperança e é: que minha
falta de perspicuidade (algumas vezes voluntária) será suprimida
pela penetração e sagacidade dos Leitores. Eu me felicitarei infi­
nitamente se eles, cheios daquela bondade que eu lhes não desme­
reço, pensarem generosamente e disserem de mim o mesmo que
pensava Cícero e dizia em análogas circunstâncias: “Satis est elo-
quens, qui narrat fidellissime”.
Ovídio Saraiva de Carvalho
e Silva

O poeta nasceu em Pamaíba, Piauí, no ano de 1787, e morreu


no Rio de Janeiro em 1852. Com ele foi iniciada oficialmente a
literatura piauiense, quando publica o livro Poemas (1808).
Carvalho e Silva está entre os seguidores de Bocage, poeta
que conheceu em Portugal quando lá esteve estudando Direito. Foi
ele também quem escreveu o primeiro Hino Nacional Brasileiro.
Em 1816 vai para Desterro (atual Florianópolis), Santa Catari­
na, exercer a função de Juiz de Fora, e ali organiza o que podería
configurar uma Arcádia brasileira.
Entrado o Romantismo, o escritor não vai perder as caracte­
rísticas neoclássicas, embora já se possa perceber a influência do
novo estilo, como se poderá verificar após a leitura das cartas que
se seguem.
Heróides de Olímpia e Herculano, jovens brasileiros; ou o
triunfo conjugal, de 1840, mostra essa mistura de influências. Ro­
mance epistolar, de nítida mensagem moral e didática, o texto
mostra a troca de cartas entre os dois heróis, ele procurando con-
vencê-la de que o concubinato era a melhor opção para dois apai­
xonados e ela — que explica seu grande conhecimento da história
das leis conjugais, desde a Antigüidade, devido a conversas com o
pai jurista — respondendo à sua argumentação, tentando conven-
cê-lo das excelências do casamento. Ela vence, como se verá na
última carta.
A primeira, a quarta e as duas últimas cartas serão aqui trans­
critas, a fim de exemplificar a argumentação dos amantes. Obser-
ve-se a ênfase dada ao raciocínio lógico, ao uso da razão mesmo
186 Tania Rebelo Costa Serra

em se tratando de assunto amoroso, particularidades da escola


neoclássica, da qual o autor ainda não se desvencilhou inteira­
mente. Este romance não foi publicado em periódicos, embora o
pudesse ter sido, dadas as suas características formais, como a
divisão regular por cartas, o tema do amor à primeira vista, o final
feliz após grande provação moral (por parte da heroína), etc.

Heróides de Olímpia e Herculano, jovens brasileiros; ou o


triunfo conjugal

Heróide — I

Cara Olímpia. Há oito luas que meus olhos te descobriram,


pela primeira vez, no jardim da marquesa de... em uma fresca tarde
do Câncer. Tu, no centro das belas Brasileiras jovens que te acom­
panhavam, me pareceste o íris celeste, ou o grande planeta, no
meio dos infinitos mundos de luz que o circunvalam, fazendo-lhe o
mais majestoso cortejo.
Da extremidade desse venturoso jardim, eu compassei as tuas
modestas maneiras e encantadores ademãs; meditei nas perfeições
que a natureza como que criara para modelar os seres do teu sexo;
calculei as tuas palavras, gestos, voz, risos; enfim, cara Olímpia,
naquele único e bem aventurado momento, eu te compreendí sobe­
ranamente.
Nas trevas silenciosas da noite, tua imagem não me abando­
nou: com mão tão amante como fervorosa, eu te desenhava tal qual
és no original. Tão eloqüente foi a impressão que me causaste!
Após a maravilha de ver-te e admirar-te, sucedeu essa, a mais doce
e tumultuária das paixões da natureza. Amor, como que te havia
criado, e a natureza ornado de graças para mim. Meu coração cor­
reu ao teu; e, como que magnetizados pelo mesmo amor, eles se
viram, eles se saudaram e eles enfim suspiraram.
Motivos fortes, que a natureza desconhece, mas que venera
respeitosa, essa importuna sociedade civil saída das selvas, estor­
Antologia do romance-folhetim brasileiro 187

vava nesse momento a marcha expansiva de meus sentimentos.


A imaginação, essa tema e consoladora amiga da humanidade, às
vezes a imaginação, com o cetro da sua onipotência, era a quem
cabia a glória dos tropeços. Familiarizado com os seus tormentos,
foi mister ceder-lhe tudo quanto restava para o remate de minha
ventura. Desta vez a imaginação, encarando outro horizonte, se
conspirou contra mim, preferindo ao nome de mãe carinhosa o
d’aspera madrasta, aumentando, como por acinte, as minhas afli­
ções com outras aflições de sua própria invenção tenebrosa.
Votado à dor de viver por ti ignorado, cuidei d’esquecer-me
de ti. Oh! Deus! foi então que aventei a magnitude do meu mal!
A lava compressa, quando em ar livre, se transforma em um vul­
cão. Forcejei por ver-te, ainda outra vez. Um momento casual me
depara essa fortuna. Tua carinhosa mãe torna contigo ao jardim da
marquesa. Era impossível não poder aí descobrir-te; eu que bebia a
miúdo daquela mesma linfa que tu então bebeste; eu que procurava
sempre a sombra desses próceres troncos, que em esbeltas alas
bordavam as ruas, e os labirintos desse jardim delicioso; eu, final­
mente, que respirava aquele mesmo ar que respiraste, com que
embalsamaste a atmosfera daqueles contornos.
Vi-te outra vez. Descobri-te novas perfeições: ainda, se é pos­
sível, mais bela e encantadora me pareceste. Não já mulher, um
anjo, sim, apaixonado te supus, desses anjos que adornam e em­
belezam o Éden, derradeira estância do justo. Uma compassada
dimensão entre mim e ti, ao mesmo tempo me animava, me envol­
via em tormentos. A nobreza do teu sangue, a minha mocidade, a
minha educação, a minha fortuna; enfim, tudo me pareceu pouco
para poder atrair os teus suspiros.
Ente da terra, como elevar seus pensamentos a ente d’outra
esfera? Oh! Deus! que horríveis contrastes! que luta! que tormento
não sofri eu, em contradição multiplicada comigo mesmo! Eu me
enganava: eu me desenganava. Já homem, já fantasma, me acredi­
tava, já soberano, já vassalo, já poderoso, já ignóbil... tal o tumulto
de minhas idéias!
O repouso, esse bálsamo da natureza, esse mágico láudano
contra os cuidados, verdugos da sociedade, esse mesmo repouso, ai
de mim! me disse ao longe: Adeus. Quase submerso em tantos
delírios, em tantas oposições, em tantos devaneios, eu me entranho
188 Tania Rebelo Costa Serra

nos bosques de minha fazenda de... Ali, entregue a novas vistas e a


novas ocupações, fui vítima de melancolias e aflições de espécies
novas. Combati-as e triunfei; e com este triunfo, eis-me restituído à
calma das meditações. Declarar-te, ó bela, o meu estado, saber de
ti se me queres amar: tal é o que a razão me ordena que te comuni­
que. Medita, Olímpia, em mim; e no que te proponho medita. Re­
conhece-me, e responde ao

TEU HERCULANO

Heróide — IV

Herculano. Como a exalação que, nascendo brilhante, e bri­


lhante percorrendo os espaços do horizonte, repentinamente se
apaga, assim tem acontecido ao meu amor, assim tem acontecido a
Olímpia! Não pensei jamais que o prêmio que darias à minha sin­
geleza fora esse de que enegreceste a tua carta.
Era e é esse o templo e o altar em que querias depositar essas
perfeições que em mim tanto e tanto endeusaste? Era para esse
túmulo de horrores e de infâmias que me encaminhas, através de
polidas expressões (que chamo também tochas sepulcrais) que
inocente, julguei tão puras como o brilho das estrelas? Ah! pérfi­
do! a quanto te não atreveste? Será este o teu primeiro crime? Ou
tens sido autor de muitos outros semelhantes a este? Convidar-me,
aquele com quem simpatizei, para a infâmia? E pensavas que eu
me traísse? que traísse os meus deveres? Deveres inatos à religião
que adoro, e ordenados pela sociedade civil que respeito? O con­
cubinato!!! Esse ente, o infeliz e malfadado primogênito da depra-
vação dos costumes? Se o teu coração está gangrenado de seu há­
lito, deixa de escrever-me; esquece-me para sempre, e reenvia-me
essa desgraçada carta que te escrevi, e que, sem eu querê-lo, foi a
primeira porta que té abri ao desenfreio imprudente de que indis­
creto lançaste mão. Não faltarão, criminoso pérfido, desgraçadas
do meu sexo, a quem seja doce e nectário esse partido infame, que
loucamente me ofereces. Sim, procura uma dessas que traficam
com o pejo, e com ela tira do universo esse sonhado partido que
tanto agigantas, e excelsas maravilhoso em tua pouco digna carta.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 189

Sim, procura uma dessas desgraçadas, que, tornando-se o horror do


sexo a que pertence, nem por isso ganham mais na opinião daque­
les que as amam, e que, cheios de loucura e prazeres insensatos, as
acompanham no círculo de suas desenvolturas; as quais, podendo
ser agradáveis no único momento em que se desenvolvem e des-
botoam, no momento que se segue se tomam insuportáveis e des­
prezíveis. O mesmo que as saboreou é o mesmo que primeiro as
detesta, arrependido.
Concubinato! Tu, que vais buscar as tuas raízes nas entranhas
da venalidade e da sordidez! Que ignoras o deleite e o preço su­
blime do conjugio-, e a cujos cuidados sacrossantos dás, Herculano,
enfático, o nome de pensões austeras e insuportáveis! Concubina­
to!... Ah! não posso acabar esta carta: continuarei amanhã; se ama­
nhã se houver acalmado o tumulto de minhas idéias e o labirinto de
minha alma, em tormentos.
Com que repugnância ainda pego na pena hoje, a despeito de
se haverem espaçado oito dias de enojo...
Como chamas, Herculano, pensões austeras aqueles doces
cuidados que se tem da prole? A natureza muda, a natureza viva
não te dá exemplos da doce necessidade desses cuidados? Vê
como o tronco bambaleia à feição do vento rijo, para que este não
lhe prostre as flores, ou o fruto ainda verde! Como toma posições
custosas a fim de salvar a prole de sua fecundação.
Vê como a ovelha vigilante amamenta o temo cordeiro; como
o leva cuidadosa a pastos serenos e doces, como o conduz às águas
do arroio, como, sempre a seu lado, o defende de seus perseguido­
res; vê, finalmente, como ela, ao mais fugitivo balido do filho ino­
cente, corre pressurosa e impaciente a socorrê-lo.
Repara e reflete mais. Vê o sutil beija-flor, esta inocente ave-
zinha, vibrando continuamente as auriverdes asinhas, sem demo­
rar-se mais que um segundo sobre a flor que suga; que parece que
o seu elemento é a inconstância, a vivacidade, a sutileza e inocên­
cia; vê, Herculano, como ele na primavera, descansando momentos
da insana lida que o entretém, arranja do musgo das árvores ve­
tustas o bem tecido ninho, depósito de seus ovos. Repara, vê como
lhes dá o calor vivificante, e como cria carinhoso os tenros filhi-
nhos! Ah! e porque os animais não acham essas pensões da criação
austeras? Será porque não conhecem o consórcio? E o consórcio
190 Tania Rebelo Costa Serra

poderá envenenar prazeres que a natureza produziu, e que os mes­


mos animais revezam anualmente; faltando-lhes ainda outros
muitos motivos poderosos e encantadores que os homens têm adu-
nado a esses prazeres naturais?
Queres que eu me desnature? Que eu, sendo mãe, me negue
esse doce nome encantador? Quererás que eu renuncie parte do
meu sangue e das minhas entranhas, ou como infanticida, ou como
inexorável madrasta? Quererás que eu não tenha o gosto celeste de
ver o desbotoamento das graças infantis de meus filhos, o balbucia-
mento das suas primeiras palavras; e que até me prive do título
dado por eles, de sua tema mamãe? Quanto és bárbaro, se tanto
queres! E dize-me; supõe que a nossa desventurosa prole possa ser
criada e educada em uma casa estranha, de envolta no maior se­
gredo, que conseguiremos disto? Que segredo será esse, que se não
corrompa em breve tempo? E então que idéia se fará de mim? Que­
ro mesmo supor que uma só pessoa saiba esse fatal segredo, além
de nós dois; não basta essa pessoa só para me fazer aviltar, logo
que a ela me aproxime, quando ela mesma consigo ruminar a mi­
nha desonra? Estólida filosofia aquela que aprecia a virtude quan­
do apenas resultado de uma bem combinada ilusão popular.
A virtude não carece de semelhantes mantilhas; e aquele que é
mal olhado por uma centena de pessoas que sejam testemunhas de
seus crimes, é tão desgraçado como aquele de cujos defeitos é
apenas sabedor um só indivíduo que o pode desmascarar, tanto
como os outros'em mor número.
Supõe que em meu discurso há um nímio escrúpulo; mas res­
ponde-me: qual será a sorte desses filhos, havidos em tálamo do
segredo, depois da nossa morte? Seriam ou não nossos herdeiros?
Se não o são, aumentaremos com isso horror a horror, o crime a
crime; se o são, é mister que nós mesmos rompamos o segredo, e
quando? Quando estivermos a descer ao sepulcro; quando já não
pudermos dar ao mundo a satisfação do engano em que obtivemos;
quando já não pudermos cobrir de carícias aqueles inocentes, a
quem nunca as fizemos obrigados do segredo, e a quem, pelo con­
trário, sempre tratamos como miseráveis entes que dependiam de
nossa fortuna? Passaremos à imortalidade levando o opróbrio;
assomaremos nesse mundo das realidades com uma indelével
mancha?! Ah! bárbaro! muda de pensar: e quando acintoso nele
Antologia do romance-folhetim brasileiro 191

insistas, crê que perdes de uma vez e para sempre aquela a quem
apelidas de tua
OLÍMPIA

Heróides — XVIII

Meu Herculano. Sem perder o fio do meu discurso, eu devo


continuar na tarefa que me impus de confutar os teus últimos racio­
cínios. Não duvido que os Gregos e Romanos admitiam o concu­
binato; porém é mister que te faça ver que essa permissão e prática
não tiveram, principalmente entre estes últimos povos, esse bri­
lhantismo com que com tanta ênfase o figuraste autorizado. Em
verdade, ainda que o concubinato não fosse degradado em Roma,
todavia, essa mesma Roma, onde o consórcio era também conheci­
do com a denominação de —justas núpcias —, ele não gozava dos
mesmos foros, privilégios e consideração que as leis indulgiam a
estes. A esposa era por isso invocada com o nome de justa e legí­
tima mulher, ou mãe de família. O concubinato inda menos se
reputava que casamento simples, e era aquela aliança que provinha
da coabitação de uma mulher em casa de um homem, pendente o
período de um ano consecutivo. A mulher assim casada, sem outra
alguma formalidade, era chamada simplesmente mulher ou matro­
na, ao mesmo tempo que a concubina tinha apenas o nome único
de concubina ou de — injusta ou ilegítima mulher.
O grande Numa Pompílio, querendo extirpar de Roma os con­
cubinatos, decretou uma espécie de tributo, segundo o qual eram
obrigados os concubinatários que quisessem esposar-se, para pode­
rem aproximar-se às aras de Juno, ao sacrifício de uma ovelha, e
ao corte de cabelos, para assim se aplacarem as iras daquela deusa.
A célebre lei das 12 tábuas, tendo sempre em vistas o fazer primar
os matrimônios, a fim de que os jovens cidadãos chamados —
ingênuos — não pudessem concubinar-se, proibiu que de uma
classe tão nobre pudessem sair as concubinas, que apenas deveríam
tirar-se de classes muito inferiores. Sem que empreenda fazer o
elogio desta lei, enquanto por ela se animavam os jovens ricos a
tirarem partido favorável aos seus desatinos, e daquelas desgraça­
das, nascidas em piores leitos, protegendo assim a mesma nobreza,
que desmoralizava, contra a fraqueza e miséria; todavia, eu unica­
192 Tania Rebelo Costa Serra

mente indico para fazer-te ver que o concubinato fora sempre pelos
Romanos olhado com olhos de desprezo.
Observa mais, Herculano: os filhos nascidos no concubinato,
em diferença dos nascidos das justas núpcias, não só se sujeitavam
ao poder pátrio de seus progenitores, mas também não os herda­
vam. Não podiam usar do nome do pai nem dos seus privilégios,
nobreza, etc.; e o que indica tudo isso senão que os mesmos Ro­
manos não igualavam nunca ao consórcio o concubinato, e muito
menos superiorizavam este sobre aquele. A história nos mostra que
Constantino Magno foi o que indiretamente começou a restringir a
prática dos concubinatos, ordenando que os concubinários se espo­
sassem e que os contraventores não pudessem prodigar liberalida­
de à concubina, e nem tampouco aos seus filhos. Assim marchou,
com mais ou menos alteração em seu uso, o concubinato, até que o
imperador Leão o proibiu definitivamente; e, a despeito de saber
também eu que uma semelhante lei só tivera execução no império
do Oriente e nunca no Ocidente, e que o mesmo concubinato se
fizera freqüentemente entre os Lombardos e Germanos, nem daqui
se segue que o concubinato não fosse por fim proibido como se
acha, por se reputar uma agressão à moral de um povo que cami­
nhava na civilização com passos agigantados. Eu creio que te ilu­
diste no que asseveraste a respeito do concubinato no tempo de
Júlio César. Este tirano tinha projetado uma lei autorizante da po­
ligamia, por persuadir-se (erradamente) que por ela se caminhava
com muita vantagem no progresso da população; entretanto, não
saiu da concepção semelhante projeto, por haver descido apunha­
lado ao sepulcro o seu autor; e tu não ignoras que a simples opinião
de um príncipe legislador, quando não é reduzida a lei, não se re­
veste jamais do caráter que é propriamente privativo da lei obri­
gatória; e por isso, não passando de simples opinião, não pode
vivificar um argumento.
Augusto não marchou como disseste: querendo conseguir o
mesmo fim de seu antecessor, o aumento da população, entendeu
que não era a poligamia o meio mais adequado de consegui-lo,
porque ao Estado convém mais ter uma população legítima, lícita e
homogênea, do que aquela que lhe resulta de gérmens d’outras
naturezas. Da primeira nasce a força, o nervo e a sustentabilidade
dos Estados, a moral pública mais se vulgariza, e a povoação se
Antologia do romance-folhetim brasileiro 193

toma mais compacta e mais idêntica; ao mesmo tempo que da se­


gunda advêm males contrapostos àquelas virtudes e vantagens.
As vistas de Júlio César, ia eu dizendo, eram concernentes e
favoráveis ao crescimento do número de vidas: Augusto entendeu
que este mesmo resultado se podia obter pelos consórcios. Que
eram essas as intenções de Augusto César, bem se depreende do
discurso que ele endereçou aos cidadãos romanos celibatários; e
daqui ressurgiam as leis Pápia e Popéia, de que trataste.
Constantino e Justiniano, correndo a outro rumo, projetaram
em favor do celibato, e abrogaram por .isso as leis que não jogavam
esse mesmo interesse que tinham em suas vistas. A espiritualidade
evangélica, que definia o celibato como o mais perfeito estado
social, foi sem dúvida a causa primordial daquela impolítica e in­
sólita abrogação, a despeito mesmo da dignidade sacramental com
que os consórcios já então se celebravam. Valentiniano I, que tam­
bém citaste, olhou para este negócio com olhos bem diversos dos
dos seus antecessores; porém seus olhos se achavam obumbrados
das paixões, e não abrilhantados da razão. Daqui veio promulgar
ele uma lei que permitia o consórcio com duas mulheres; mas esta
lei não foi jamais observada, o que bem prova a máxima política
de que — o poder absoluto só e desacompanhado da razão e justiça
não basta a fazer com que qualquer lei se observe e cumpra. Os
mesmos bárbaros, que inundavam o império romano (e deste
exemplo não fizeste tu rememoração) sustentavam que o consórcio
com pluralidade de mulheres era contrário à essência do casamen­
to. Atalárcio, rei dos Godos, positivamente o proibiu.
Enfim, esse primeiro concilio de Toledo, no 17 can. de que te
lembraste, celebrado no ano de 400 da era cristã, repeliu, é verda­
de, da comunhão o homem que coabitasse simultaneamente com a
própria mulher e com uma concubina; e permitiu todavia o uso
desta àquele que não fosse casado, isto é, não o repeliu da comu­
nhão; entretanto, o cristianismo, armando a sua cruz no centro de
uma sociedade civil tão respeitável como o império de Rômulo,
destituída das luzes da revelação, e em que os povos os mais civi­
lizados atendiam unicamente ao grito da natureza, de força nos
primeiros tempos deveria conservar ressalbos destes e outros usos,
que não rivalizavam, e antes se compadeciam com a lei natural.
O desejo de aumentar o número de fiéis, propagando a missão dos
194 Tania Rebelo Costa Serra

Apóstolos, talvez que fosse o único motivo daquela temporária e


provisória permissão, não ignorando os políticos e sábios bispos,
que entraram naquele concilio, que qualquer povo está disposto a
abraçar qualquer religião ou seita, uma vez que esta não encadeie
inexoravelmente aquelas paixões que mais o dominam, entrando
nesta classe sem dúvida aquela do amor, que é tanto mais insepa­
rável do homem, quanto o mesmo homem, predisposto por sua
organização, é para tais sensações impelido pela mesma natureza.
A igreja, a primeira mãe tema dos cristãos, deveria naquelas re­
motas épocas atender à fraqueza dos seus filhos, e encaminhá-los à
crença por esta espécie de tolerância lisonjeira.
Repara entretanto, Herculano, que tolerar que o homem que
não é casado possa ter uma concubina, e que, tendo-a, não seja
expulso da comunhão, não quer dizer que a igreja de Jesus Cristo
sancionou o concubinato, e nem que o equiparasse ao casamento;
ela apenas decretou que o concubinato celebrado entre dois indiví­
duos solteiros não motivasse só por si o anátema da descomunhão.
É justamente o mesmo que os legisladores de todas as nações cul­
tas têm praticado. A severidade das leis que fulminam o concubi­
nato perde a sua força persecutiva, por conselho da mesma lei, na
mão do magistrado político; cerra os olhos à sua marcha, contanto
que o concubinato e outras alianças criminosas não levantem a
cabeça escandalosa contra a ordem pública, e nem desfralde suas
bandeiras na perturbação da moral e na afronta da religião.
Tal poderia ser a razão em que o primeiro concilio de Toledo
se baseou, sancionando no can. 17 a tolerância do concubinato, e
não porque de propósito o devesse olhar como uma aliança lícita e
legítima; e tão certa e corrente foi esta opinião doutrinai da igreja,
e não outra, que, apesar de saber o contrário, lhe foi mister ceder à
política o rigor da moral, pregada não só pelo mais veemente e
energético dos apóstolos, mas também por S. Agostinho, que haviam
bradado contra toda e qualquer aliança que não fosse purificada
pelo casamento e seu cerimonial.
Povos a quem o archote da revelação se não tinha bem acen­
dido; povos em que a civilização contava ainda poucos progressos,
não é estranho que idolatrassem o concubinato e poligamia com
extremosos cultos: e debelar de pronto, e com rigor semelhantes
usos, é marchar-se impoliticamente conta o mesmo Evangelho.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 195

Mas esse mesmo exemplo de nada presta para o nosso caso.


Com a marcha dos tempos, a revelação e a civilização ganharam
terreno; e a igreja então, tendo menos lutas a sustentar, devia en­
caminhar como encaminhou os seus fdhos por outra estrada mais
reta e sublime.
Amanhece a brilhante época que viu o natal do concilio tri-
dentino, e eis tempos e costumes mais serenos e brandos. Este
sábio concilio, remotando-se, mais confiado em seus filhos, à aus­
teridade dos apóstolos, fulminou a excomunhão contra todos os
que não abandonassem o concubinato. E porque, Herculano, não
argumentarás tu com este concilio mais moderno e mais vizinho
por isso aos nossos dias, e antes, olvidando-te dele, vais escavar na
noite escura da antigüidade aquele primeiro de Toledo aberto nos
primeiros séculos do cristianismo, quando circunstâncias diversas
poderíam permitir aquilo que, mudadas elas, se tomou defeso?
E isto principalmente em um assunto que tanto entende com o
coração dos homens; e que, entre as paixões, é aquela que empu­
nha a tocha mais ardente! Enfim, meu Herculano, bem poderia eu
estender mais linhas na minha carta sobre este sério objeto, se qui­
sesse fazer uma memória e não escrever simplesmente uma carta;
calo-me porém, e protesto que, sufocando comigo mesma a paixão
que me inflama, nunca mais te escreverei, fazendo todos e todos os
esforços de que meu coração for capaz para não ver-te mais, e de
riscar de minha memória até o teu próprio nome; de minha memó­
ria que teve a desgraça de decorá-lo. Toma o partido que te ditar o
coração, que eu já tomei o que me convinha, se por desgraça con­
tinuares a insistir nos mesmos errados princípios, que tão acinte­
mente tens sustentado. O Céu te ampare com sua graça, e te ilumi­
ne com seu clarão, a fim de acertares com o caminho por onde
marcha o cidadão virtuoso e honrado. Ouso ainda por esta última
vez assinar-me

TUA OLÍMPIA

Heróide — XIX

Minha Olímpia. Venceste! Tua última carta rematou a tua


conquista! Conquista que, por mais de uma vez, estiveste a ponto
196 Tania Rebelo Costa Serra

de obter de meu coração, se um empedernido amor próprio não me


sustivesse na posição hostil em que me pus contra as tuas idéias.
Conquistaste minha razão, tu, que há tanto tempo me havias con­
quistado este coração, que tantas vezes pula quantas confessa a sua
escravidão ao teu.
Beijo hoje grato a mão benigna de minha benfeitora amável,
amanhã beijarei a formosa mão de Olímpia bela, de minha cari­
nhosa esposa. Ah! quanto podes! Desdigo-me de tudo quanto es­
creví: conheço meus erros e os confesso, e minha voluntária con­
fissão, trazendo consigo o pejo de haver errado, forma o degrau
honroso do respeito e amor em que te coloco, para o arrependi­
mento de Herculano, só a divina Olímpia bastara. Fiel ao que pro­
metí, e esperando amplamente de que também cumprirás tua pro­
messa, tenho dadas as ordens necessárias a completar-se o nosso
consórcio na capela do meu palácio. Falta unicamente que dês o
dia. Dado ele, entre a mais brilhante pompa, e entre os mais jucun-
dos e inflamados prazeres, concluiremos o nosso suspirado con­
sórcio, tendo por testemunhas Deus e a sociedade.

TEU, ETERNAMENTE, HERCULANO


José Higino Sodré Pereira
da Nóbrega

Pereira da Nóbrega nasceu no Rio de Janeiro em data desco­


nhecida e ali morreu em 1855. Sua atividade literária principal é o
teatro.
Os assassinos e o adultério (1851) é uma obra curiosa, razão
pela qual foi escolhida para constar deste apêndice. Totalmente
integrado com a tendência didática e moralizante do Romantismo,
o autor constrói sua novela em torno de um crime e seu julgamento
público. Como os outros dois textos do apêndice, não foi publica­
do em periódicos, mas tem a estrutura narrativa necessária para tal.
Estanislau é casado com Rosalina. Os dois amam-se perdida-
mente, mas o marido tem de partir a negócios para o interior. Dei­
xa a mulher e os filhos aos cuidados de seu irmão, Roque. Um
mascate que por ali circulava — e que cobiçava a jovem mulher —
convence a escrava Micaela a introduzi-lo na casa, a fim de seduzir
a dona da casa.
Devido à urgência com a qual Pereira da Nóbrega quer entrar
nos julgamentos, em duas semanas a esposa amante toma-se adúl­
tera. No final de dois meses está grávida de Ambrósio. O marido
escreve que está voltando, o que leva Rosalina ao desespero, pois
não tem como convencê-lo sobre a paternidade do filho que espe­
ra. Assim é que concorda com o mascate em assassinar o cunhado
e o marido, logo após sua chegada.
Ambrósio contrata um negro, Adão, para cortar a garganta de
Roque quando este se encontrasse dormindo (uma dose de arsênico
ministrada antes pela dupla não foi suficientemente forte para ma-
198 Tania Rebelo Costa Serra

tá-lo). Adão consegue executar o assassinato, mas é preso ao fugir.


Interrogado, conta tudo o que sabe e os quatro vão a julgamento.
Todos são condenados: Adão, à forca; Micaela, a seiscentas
chicotadas a intervalos regulares (ela vai morrer após trezentas);
Ambrósio, a vinte anos de cadeia com trabalhos forçados. A única
que acaba inocentada é Rosalina, porque o marido, que já havia
voltado ao Rio de Janeiro, usa de “pistolão” para livrar a ex-
mulher da cadeia, tudo em nome dos filhos do casal. Mas a Provi­
dência divina executa o que os tribunais humanos não conseguem:
Rosalina morre de remorsos e de culpa poucos meses após sair da
prisão.

Os assassinos e o adultério

V — Os três heróis

Deixamos no capítulo antecedente os nossos quatro heróis in­


terrogados, e já são passados oito dias, e a polícia ainda continua
nas suas pesquisas; o desembargador Juliano, homem bastante
jovial, de semblante alegre, sempre com ar prazenteiro e sorriso
nos lábios, depois do assassinato do infeliz Roque tomou-se me­
lancólico e taciturno; seus próprios amigos o desconheciam, e
tantas diligências fez, que descobriu finalmente o amolador da
faca, e colheu ainda mais provas de quem foram os autores desse
horrendo crime.
Durante estes oito dias o desgraçado Estanislau ia à cadeia vi­
sitar a pérfida esposa, para exprobá-la, apresentando-lhe o quadro
dos seus horrendos e nefandos crimes.
No 99 dia de novo se apresenta o juiz criminal, o Dr. Nico­
demo e o escrivão respectivo na cadeia; de novo são interrogados
os réus.
Adão e Micaela confirmam as suas primeiras respostas em
presença de seus curadores, enquanto Ambrósio e Rosalina negam;
são de novo acareados, e continuam a desmentir os seus dois co-
réus, a ponto de que o juiz na ocasião em que acareou Adão e Mi-
Antologia do romance-folhetim brasileiro 199

caela com Ambrósio disse para este, que já de outra vez confessara
o seu crime, (qu)‘e essa sua negativa, longe de o salvar, ia ainda
comprometê-lo ainda mais.
— Sr. Juiz, disse Ambrósio, perdoe-me V. S., eu nunca con­
fessei crime algum, e o que se acha escrito nestes autos foi V. S.
que mandou escrever para me comprometer, não que eu o dissesse;
porque na realidade não disse tal, e sustento que não disse.
— Então que lhe parece, sr. Juiz? disse o Dr. Nicodemo.
Rosalina, que também havia confessado, agora nega: o juiz
igualmente ponderou, que nos autos constava a sua confissão, e
ordenou a sua leitura; e, sendo satisfeito, ela respondeu:
— É verdade que eu declarei o que consta dos autos; porém
foi unicamente por me achar amedrontada.
— Esta agora é que ninguém lembra, disse o Dr. Nicodemo,
estava amedrontada, e em bem pouco tempo a senhora tomou as
lições dos padres mestres da cadeia.
O Dr. Ilias, defensor de Ambrósio, apenas ouviu o Dr. Nico­
demo proferir estas palavras, encarou para ele, e disse-lhe: — Sr.
Dr., apesar de que eu não seja defensor da ré, cumpre-me observar-
lhe que basta a sua condição de ré, e presa para se ter toda comise­
ração com ela.
O Dr. Eliseu, defensor de Rosalina, disse nesta ocasião, diri­
gindo-se ao Dr. Nicodemo.
— Sr. Dr., cumpre-me, na qualidade de advogado da ré, agra­
decer ao sr. Dr. Ilias o interesse que toma pela minha cliente, e
observar mais a V. S., que se lembre que a ré, além de estar presa,
é uma senhora, e isso é bastante para ser respeitada; e se o sr. Dr.
Nicodemo continua a insultá-la, eu tomo o insulto como feito à
minha pessoa, e rompo em algum excesso.
A vista destas palavras proferidas pelo Dr. Eliseu, o juiz im­
pôs silêncio, chamando-os à ordem.
Concluídos os interrogatórios e acareações, foram introduzi­
das as testemunhas, uma de cada vez, as quais juraram sobre a
existência do fato e mais pormenores que houveram, não afirman­
do todavia quem foram os autores de tão horrível atentado, e no
fim de um mês já os nossos quatro heróis estavam pronunciados a

1 Apagado no texto.
200 Tania Rebelo Costa Serra

prisão e livramento; a saber: Ambrósio e Rosalina como incursos


nas penas do artigo 192 do código criminal revestido com as cir­
cunstâncias agravantes do artigo 16, parágrafos 1, 2, 3, 4, 6, 8, 9,
15 e 17 e Adão e Micaela como incursos na lei excepcional, e com
as mesmas circunstâncias agravantes e mais as dos parágrafos 11,
12 e 14 do mencionado artigo 16.
E finalmente o processo remetido ao escrivão do júri, e são
passados três meses que se acham pronunciados, e quatro em que
os nossos heróis estão presos, e têm de ser julgados pelo tribunal
do júri, onde vão comparecer.
O Dr. Jeremias, juiz de direito que tinha de abrir o júri, convo­
ca a sessão: são os quatro heróis intimados; porém Rosalina que se
achava grávida, como dissemos, e em virtude do artigo 43 do có­
digo criminal, não podia ser julgada, requereu adiamento do seu
julgamento para 40 dias depois do parto.
O Dr. Jeremias, homem bastante inteligente na matéria, e de
ilibada probidade, nomeou dois médicos e duas parteiras para
examinarem Rosalina: estes, em presença do magistrado, procede­
ram um minucioso exame, e declararam que Rosalina estava com
efeito grávida, e com 7 ou 8 meses: em conseqüência dessa decla­
ração ficou o seu julgamento esperado na conformidade da lei.
Convocada a sessão do júri, e no dia aprazado, apresentaram-
se os três heróis à barra do tribunal: Adão, acompanhado do seu
curador o Dr. Isaías; Micaela, do seu curador o Dr. Zorobabel, e
Ambrósio, do seu defensor o Dr. Ilias.
Procede-se o sorteio, e depois de algumas recusas da parte da
acusação e da defesa, formou-se finalmente o conselho, que tinha
de julgar os três cúmplices.
Eles são novamente interrogados, Adão repete o que já decla­
rou à Ia e 2a vez, e o mesmo pratica Micaela; entretanto Ambrósio
nega, e sustenta ser uma calúnia, pois ele não concorreu direta e
nem indiretamente para tal assassinato. São novamente acareados
os três. Adão e Micaela sustentam o que já disseram, e Ambrósio
desmente-os.
As galerias, o camarim dos advogados, os corredores e esca­
das do edifício da ilustríssima câmara estavam apinhados de es­
pectadores de todas as classes, além de um número de pessoas que
se achavam reunidas em magotes pelo campo de Santa Anna, as
Antologia do romance-folhetim brasileiro 201

quais não podiam entrar. No semblante de todas se divisava o maior


horror; em suas feições a maior indignação contra os três cúmpli­
ces. Enquanto Ambrósio se conservava impávido e risonho,
ouviam-se no meio de um continuado murmúrio, as palavras:
“Morram todos quatro!”
Estes interrogatórios e acareações concluíram-se às 2 horas da
tarde, e a estas horas o escrivão deu princípio à leitura do processo,
que durou meia hora, e depois obtendo a palavra o Dr. Nicodemo,
este homem que já a princípio descrevemos, tomou tanto interesse
na presente acusação, como se a ofensa fosse sua própria; tomou-
se mais pálido do que era, seus olhos chamejavam, seus cabelos se
eriçavam à semelhança de um hirto, e procurou num longo discur­
so que aturou quatro horas, todos os meios de convencer os jura­
dos da existência do crime, de que os três réus eram acusados:
confrontou os depoimentos dos mesmos com os das testemunhas, e
os vestígios e indícios, analisou os depoimentos dos quatro réus,
pedindo a pena de morte para os três que iam ser julgados, e con­
cluiu o seu discurso dizendo:
— Srs. jurados, para vos convencer da existência dos fatos ar-
güidos aos réus, basta verdes o que disseram eles quando foram
interrogados pela Ia vez, o que disseram à 2a, e o que dizem agora.
À Ia vez os quatro réus confessaram o crime, à 2a Adão e Micaela
confirmaram os seus depoimentos, entretanto que o sr. Ambrósio,
que também à Ia vez havia confessado, não só negou a 2a em que
foi interrogado, como desmentiu os seus dois co-réus, e teve de
mais.a insólita audácia de dizer que não havia feito tais declara­
ções; declarações estas constantes dos autos; e que se existiam
escritas, foi porque o sr. juiz formador da culpa as mandara escre­
ver com o fito de o comprometer!! A Sra. D. Rosalina, que tam­
bém pela Ia vez havia confessado os seus nefandos crimes, tam­
bém negou pela 2a; e estou convencido que também negará quando
houver de comparecer, não só agora como informante, como quan­
do tiver de ser julgada! Srs. jurados, não vos arrasteis pelo espírito
de humanidade; lembrai-vos unicamente que a impunidade dos
crimes acarretarão imensos males à sociedade em geral; em duas
palavras, Srs. jurados, se os réus tivessem trinta mil vidas, e todas
elas sobre o patíbulo pendessem, assim mesmo não pagavam o seu
horrendo crime! Eu concluo aqui, aguardando pela defesa dos
202 Tania Rebelo Costa Serra

meus nobres colegas; e à vista dela direi alguma coisa em defesa


da lei ultrajada.
Concluída a acusação, então as testemunhas, as quais sendo
inquiridas pelo Dr. Nicodemo, e reinquiridas pelo defensor de
Ambrósio e pelos dois curadores, confirmaram os seus julgamen­
tos, e por último se apresenta Rosalina, trajando vestes de pesado
dó e um denso véu caído pelo rosto. Como informante negou tudo,
limitando-se simplesmente a confessar o adultério.
Obtendo a palavra o Dr. Ilias, como defensor do réu Ambró­
sio, procurou, por meio de um longo discurso, convencer aos jura­
dos de que o réu seu cliente era inocente, esforçando-se por acar­
retar toda a odiosidade aos réus Adão e Micaela.
— Srs. jurados, disse finalmente, além das razões, pelas quais
vos ponderei, que o réu meu cliente é inocente, como melhor ve­
reis dos autos, e vos ditará vossa consciência, para o que apelo;
vós de certo absolvereis ao réu meu cliente.
“Srs. jurados, vós ouvistes o sr. Dr. Nicodemo dizer que o
crime estava provado; qual é a prova senhores, que existe contra o
meu cliente? Apenas uma pequena, ou nenhuma prova. Qual é essa
pequena prova, Srs. jurados? A confissão dos réus Adão e Micae­
la? Poderá a confissão de Adão merecer a devida consideração em
juízo? Decerto que não, mormente sendo Adão escravo, como ele
mesmo o declarou, sendo igualmente réu, e réu muito mais crimi­
noso, do que o sr. Ambrósio, meu cliente!
“Srs. jurados, qual é a outra prova que existe neste monstruoso
processo contra o meu cliente? A confissão da ré Micaela: e pode­
rá esta confissão merecer fé em juízo para a condenação do meu
cliente? Decerto que não! porque ela é escrava, e escrava da ré a
Sra. D. Rosalina; é Micaela igualmente muito mais criminosa do
que sua senhora, e do que o meu cliente.
“O réu Adão, Srs. jurados, é muito mais criminoso do que o
meu cliente, e muito mais criminoso do que ninguém, visto ter sido
o próprio assassino.
“Srs. jurados, estabeleçamos a hipótese de que o réu Adão as­
sassinara Roque, o que decerto se nega: se aquele não fosse um
malvado e uma assassina não anuiria tal proposição, e antes trata­
ria de despersuadir meu cliente, e meu cliente então de certo que
não teria ânimo de fazê-lo, e de mais, Srs. jurados, qual é a prova
Antologia do romance-folhetitn brasileiro 203

que Adão apresenta, de que o réu meu cliente o peitara para co­
meter semelhante assassinato! A sua simples confissão, e a da ré
Micaela, que é muito mais criminosa do que o réu meu cliente, e
tão criminosa quanto o réu Adão, se não for mais. Micaela, Srs.,
senão anuísse aos rogos do meu cliente, e aos de sua senhora, se é
que estes dois praticaram o que ela declara, o que igualmente se
nega, e tratasse antes de despersuadir não só o meu cliente, como a
sua senhora, decerto que não se cometería semelhante assassinato.
“Micaela, Srs. jurados, foi e é muito criminosa; foi a motora e
a origem de haver o adultério, foi quem seduziu sua senhora a
adulterar-se com o réu meu cliente, e é por isso digna de um severo
castigo, pois se não houvessem malvados não haveríam nunca
crimes desta natureza.
O Dr. Isaías, curador do réu Adão, passou a desenvolver a
defesa por parte do seu curado, e concluiu dizendo:
— Srs. jurados, não é simplesmente o ouro que move um ad­
vogado a encarregar-se da defesa de um acusado, sobre cujos om­
bros pesa o rigor da lei, e vê por momentos o cutelo do algoz a
descarregar o tremendo golpe, que vai decepar-lhe a cabeça; tam­
bém o dever de humanidade obriga um desgraçado em idênticas
circunstâncias. Sim, Srs. jurados; o dever da humanidade obrigou-
me a encarregar-me dessa árdua tarefa. Ainda mesmo que eu não
fosse nomeado seu curador, eu de bom grado me prestaria a defen-
dê-lo, e havia de procurar todos os meios que estivessem ao meu
alcance para o salvar da pena horrível que o ameaça; e provas dis­
so tenho dado defendendo a réus mais miseráveis, e muitos deles
bem criminosos.
“Para que, srs. jurados, se há de acarretar toda a odiosidade
sobre o meu desgraçado curado, e a desgraçada ré Micaela, como
há pouco acabou de dizer o meu nobre colega o sr. Dr. Ilias, que o
meu curado e a ré Micaela são de todos os mais criminosos?! srs.
jurados, não basta a triste colisão em que se acham estes desgraça­
dos acusados pela lei excepcional, pela qual nenhum recurso lhes
resta, senão o de petição de graça para o poder Moderador? Minha
missão é defender o réu Adão, e não o de acusar pessoa alguma,
mas vejo-me forçado a acusar alguém, visto ser chamado a campo
pelo meu nobre colega.
204 Tania Rebelo Costa Serra

“Por que razão o meu nobre colega não diz antes, que o seu
cliente é de todos o mais criminoso? Porque não diz antes que, o
seu cliente querendo desfazer-se da sua vítima, que era o finado
Roque, não teve a precisa coragem de o fazer, e serviu-se de um
braço emprestado para descarregar o tremendo golpe? Sim, srs.
jurados; o sr. Ambrósio serviu-se de um braço emprestado, e este
braço é o do desgraçado Adão, meu curado, e com promessas de
libertá-lo! Quem é, srs. jurados, que não ambiciona a sua liberda­
de? E quem ainda é mais ambicioso deste dom do Eterno do que
um miserável escravo?! Eu estou convencido, de vós mesmos, se
fôsseis escravos, decerto desejarieis obtê-la a custo mesmo dos
mais altos sacrifícios: e se tivésseis um mal intencionado, como é o
sr. Ambrósio, que igualmente vos seduzisse como ele seduziu o
desgraçado Adão, qualquer de vós farieis o mesmo que este fez.
Portanto, srs. jurados, o sr. Ambrósio é de todos o mais criminoso.
“O sr. Ambrósio, Srs., é criminoso perante Deus, e perante os
homens, por persuadir um miserável escravo com promessas de
libertá-lo, a fim de conseguir dele a perpetração de um assassinato.
O sr. Ambrósio é criminoso perante Deus e perante os homens, por
seduzir uma mísera escrava a tentar contra a vida de seu senhor, e
a guiar o braço do assassino. O sr. Ambrósio é criminoso perante
Deus, e perante os homens, por ser a causa de uma esposa, que até
então vivia com toda a honestidade e candidez, ser arrastada ao
estado degradante não só de adúltera, como de assassina.
“Srs. jurados, à vista destas considerações que vos apresentei,
estou convencido de que em vossas consciências absolvereis o
meu desgraçado curado, e por hora limito-me simplesmente ao que
já acabei de expender-vos, esperando ter o gosto de ouvir a defesa
do meu nobre colega o sr. Dr. Zorobabel, e as réplicas dos Srs.
Drs. Nicodemo e Ilias.
Concluída a defesa do Dr. Isaías, obteve a palavra o Dr. Zoro­
babel, curador da ré Micaela, e passando a desenvolver a defesa de
sua curada, procurou demonstrar que ela estava inocente, e con­
cluiu dizendo:
— Srs. jurados, à vista das razões já por mim ponderadas,
nada mais teria a acrescentar à defesa do meu nobre colega o sr.
Dr. Isaías, mormente na triste colisão em que me acho, quando
vejo alçado o braço tremendo do sedento algoz sobre a cabeça da
Antologia do romance-folhetim brasileiro 205

minha curada, e sem nenhum recurso senão a graça do poder Mo­


derador, contudo seja-me ainda lícito dizer alguma coisa a bem da
minha curada.
“Srs. jurados, ocupando hoje o lugar de defensor, me seria
com efeito bastante desairoso acusar. Contudo vejo-me a isso for­
çado, visto que se pretende lançar o odioso à desgraçada ré Mica-
ela, minha curada.
“Srs. jurados, o sr. Dr. Ilias disse que os réus Adão e Micaela
são de todos os mais criminosos; por que razão não disse ele que o
sr. Ambrósio peitou a estes dois réus com um poder mágico, e um
metal o mais luzente e forte? Perguntar-me-ão os Srs. jurados, qual
é esse metal luzente e forte, com que o sr. Ambrósio comprou os
réus Adão e Micaela? Eu lhes responderei: A promessa de suas
liberdades. Todo vivente ambiciona a sua liberdade: haja exemplo
em um passarinho, que não tem nenhum conhecimento, porém o
instinto o obriga a querer a liberdade. Sim, senhores, temos por
exemplo um passarinho em uma gaiola, onde é bem tratado; porém
logo que pilha uma pequena fresta, e por ela pode sair, prefere
antes ir comer o agreste capim, e as frutas amargas duma floresta;
porque aí se acha em sua liberdade, e na gaiola se considera não só
preso, como em um perpétuo cativeiro. E se isto movido por um
simples instinto pratica uma avezinha, o que não fará a criatura que
raciocina, e pensa?! o que não fariam estes dois desgraçados, es­
cravos ambos?!
“Srs. jurados, se existe crime na ré minha curada, mais crimi­
noso é o sr. Ambrósio; e nele é que deve recair todo o rigor da lei;
porquanto nele existem todas as circunstâncias agravantes; entre­
tanto que a ré minha curada tem a seu favor o artigo 18, parágrafo
89 do código criminal.
“A ré minha curada foi provocada pelo sr. Ambrósio a come­
ter o crime que cometeu, se é que ela efetivamente o cometeu,
visto que nenhuma prova existe contra ela, senão a simples confis­
são sua, e do seu co-réu Adão.
“Srs. jurados, em VV. SS. absolverem a ré Micaela farão um
ato de eqüidade e de justiça.
“Tendo concluído, aguardo a réplica do sr. Dr. Nicodemo e
dos meus dois colegas.
Concluída a defesa do Dr. Zorobabel, obteve a palavra o Dr.
Nicodemo para replicar, e este procurou todos os meios de susten­
tar a sua acusação, e finalizou instando pela pena de morte para os
206 Tania Rebelo Costa Serra

três acusados; depois do que o Dr. Ilias sustentou a sua defesa, e


ainda tratou de acusar a Adão e Micaela, pedindo em conclusão a
absolvição do criminoso Ambrósio; em seguida o Dr. Isaías, e
depois o Dr. Zorobabel, sustentaram as suas defesas instando pela
absolvição de seus curados.
— Vós acabastes de ouvir, disse o Dr. Jeremias, a acusação do
sr. Dr. Nicodemo, e as defesas dos Srs. advogados do réu Ambró­
sio, e curadores dos réus Adão e Micaela. O sr. Dr. Nicodemo acu­
sa os réus como autores do crime de homicídio revestido de todas
as circunstâncias agravantes; o sr. Dr. Ilias trata de defender o seu
cliente, e crimina os dois réus; os curadores destes, defendendo os
seus curados dizem que o réu Ambrósio é o mais criminoso de
todos: à vista das razões apresentadas, por parte da acusação, pro­
ponho ao conselho os quesitos aos quais deverão responder.
Concluídos os esclarecimentos dados pelo Dr. Jeremias, reti­
rou-se o conselho à sala secreta, e depois de uma larga conferência
voltaram à sala pública, e aí, pelo presidente do conselho, foram
lidas as respostas dadas aos quesitos todas pela afirmativa quanto a
Micaela, e quanto aos réus Ambrósio e Adão também foi respon­
dido pela afirmativa, à exceção do último que foi pela negativa,
isto é, que não havia circunstância alguma atenuante em favor dos
dois réus.
A vista das respostas do conselho o Dr. Jeremias lavrou e pu­
blicou a sentença, condenando Ambrósio à morte2 como incurso
nas penas do artigo 492, e em virtude da lei apelou da sua própria
sentença para o tribunal da relação.
Quanto ao réu Adão, o Dr. Jeremias condenou igualmente à
morte, sem nenhum recurso, como compreendido nas penas do
artigo Is da lei excepcional, e Micaela foi condenada a levar seis­
centos açoites.
Publicada a sentença o réu Ambrósio protestou pelo novo jul­
gamento, e levantou-se a sessão às 8 horas da manhã do seguinte
dia.

2 O advogado de Ambrósio entra com um recurso e, no final do julgamento se­


guinte, este tem a pena reduzida para vinte anos de cadeia com trabalhos força­
dos.
Bibliografias
Bibliografia concisa do folhetim francês
no Brasil

Lista, por ano, dos folhetins estrangeiros publicados em perió­


dicos brasileiros. Em: Coelho, José Maria Vaz Pinto. “Da Proprie­
dade Literária no Brasil”. Revista Brasileira. 2- fase. RJ: 1880-
1881. Vols. VI e VIII.1

1830: Ourika, ou história de uma negra. Duquesa de Duras.


1831: Metusko, ou os polacos. Paul Lebrun.
1836: Gustavo, ou o rapaz extravagante. Paul de Kock.
1836: Gabriel Lambert. Alexandre Dumas.
1836: As aventuras do último Abencerrage. Chateaubriand.
1839: O pacto de fome. E. Berthet.
1839: A noiva do defunto. W. Irving.
1839: O quebrador d'imagens. E. Gonzales.
1839: Fabiana. Mme. Reybaud.
1839: O galo e a pérola. B. Tilleul.
1839: Pedro, o cruel. Alexandre Dumas.
1839: A ponte dos noivos. J. Bard.
1839: Mestre Adam, o calabrês. Alexandre Dumas.
1839: A rosa amarela. C. Bernard.
1839: Os dois carrascos. Balzac.
1839: A casa emparedada. E. Berthet.
1839: Pascoal Bruno. Alexandre Dumas.
1839: O pontífice e os carbonários. P. B.

1 Jornal do Commercio, Correio Mercantil, O Despertador, O Diário do Rio de


Janeiro, Correio da Tarde, reproduzidos nas províncias de 1830 a 1854.
210 Tania Rebelo Costa Serra

183z9: O cirurgião d’Armada. E. Souvestre.


1839: Ana d’Arcona. A. de Lavergne.
1839: A espia, ou os segredos dos carbonados. F. Soulié.
1839: Sábado passado. P. Chevalier.
1839: Oto, o arqueiro. Alexandre Dumas.
1839: A filha do negociante. Trad, da Black Woods Magazine.
1839: Um pseudônimo. S. de la Magdallena.
1839: A paixão dos diamantes. Trad, e modificado por J. J. da R.
(Justiniano J. da Rocha).
1840: Mme. Tallon. Jules David.
1840: A expiação. P. Christian.
1840: Estevan Riaz. P. Chevalier.
1840: Três bofetadas. Pelo autor de Margarida Aymond.
1840: Colomba. Prosper Merimée.
1840: Como acaba uma raça de reis. Berthoud.
1840: O véu da viúva. Maurice Saint-Agnet.
1840: A estalagem d’Andernach. Balzac.
1840: Os dois marqueses. Mole Gentil’Home.
1840: Os amores de um ladrão. Mme. Charles Reybaud.
1841: Os últimos bretães. P. Chevalier.
1841: O pirata. George Sand.
1841: Um segredo. Arnould.
1842: Aí amorosas paixões do jovem Werther. Goethe.
1842: O marquês de Pombal. Clemence Robert.
1842: Os cinquenta anos. C. de Bernard.
1842: O artista e o soldado. V. Ducange.
1842. O procurador do rei. Jules David.
1842: Amélia de Seneville. B. Bazancourt.
1843: O casamento secreto. Hyp. Etiennes.
1844: A incógnita. Alexandre Lavergne.
1844: Amaury. Alexandre Dumas.
1844-45: Os mistérios de Paris. Eugène Sue.
1845: Os mistérios de Londres. Sir Francis Strolopp (Paul Féval).
1845: Os mistérios da Inquisição. V. Feréal.
1845: O padrasto. C. de Bernard.
1845: A salamandra. E. Sue.
1845: A alameda das viúvas. Charles Rabou.
1845: O Monte do Diabo. E. Sue.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 211

1846: A leva. F. Soulié.


1846: O Hotel Lambert. E. Sue.
1846: Mathilde, memórias de uma moça de alta classe.
1847: Arthur, diário de um incógnito. E. Sue.
1847: Martim, o menino achado. E. Sue.
1847: Memórias duma rapariga do povo. A. Fremy.
1847: O mendigo negro. Paul Féval.
1847: A mulher mais feliz do mundo. Mme. de Ser.
1847: Piquilo Alliaga, ou os mouros no reinado de Felipe III. E.
Scribe.
1848-50: Dez anos depois, Os três mosqueteiros, O visconde de
Brangelone. Alexandre Dumas.
1849: Stello, ou os diabos azuis. Conde de Vigny.
1849: Magdalena. J. Sandeau.
1850: Os mistérios do povo. E. Sue.
1851: A tulipa preta. Alexandre Dumas.
1851: A paciente. A. Arnould.
1853: A mão do finado. (“Alexandre Dumas em uma carta publi­
cada no Jornal do Commercio de 31 de janeiro de 1854 decla­
rou que não escreveu semelhante obra”.)
1854-56: Os mohicanos de Paris. Alexandre Dumas.
1854: A dama das pérolas. Alexandre Dumas Filho.
1854: Militona. Alexandre Dumas.

Os seguintes romances vêm sem indicação de ano de tradu-


ção/publicação:

Os sete pecados mortais. E. Sue.


Deus dispõe. Alexandre Dumas.
O conde de Monte Cristo. Alexandre Dumas.
O rei dos boêmios. Paul Féval.
Os novos mistérios de Paris. Aureliano Scholl.
Os cárceres do velho Louvre. H. Aigu.
A San-Felice. Alexandre Dumas.
O jornal da sra. Giovani. J. Boys.
A condessa de Monte Cristo. J. Boys.
A mãe dos desamparados. Escrich.
Os anjos terrestres. Escrich.
212 Tania Rebelo Costa Serra

Os que riem e os que choram.


O cavaleiro botafogo. Boisgobey.
As noites de Constantinopla. Boisgobey.
Os lobos dos Pireneus. Camilo Bias.
A pele do defunto. Debans.
O guarani. G. Aymard.
O filho das ervas. Emilio Richebourg.
Trinta anos de aventuras. Boisgobey.
A douda. X. de Montépin.
O ventríloquo. X. de Montépin.
A princesa branca. Claude Rieux.
Afirma social. Fromont & Ristes. A. Daudet.
Os abutres de Paris. Chardall.
As mil e uma mulheres. J. Lermina.
Bibliografia da ficção brasileira1
(1826 a 1870)

Abreu, Casimiro José Marques de. “Camila, memórias duma via­


gem”. In O conto romântico. Orgs. E. Cavalheiro/Mário da S.
Brito.
ABREU, Claudino de. A inocência no crime (conto histórico —
WM, III, 191). 1863. SB,1 2 II, 113.
---------------- . A doida (romance original brasileiro — WM, III,
202). 1864.
---------------- . Irínia. 1865. WM, III, 244.
---------------- . O enjeitado infeliz (novela brasileira — WM, III,
250). RJ: 1866. Brito Broca fala d’O enjeitado feliz.
---------------- . As ruínas do passado (legenda — WM, III, 302).
1869.
ABREU, Francisco Bonifácio de (Barão de Vila da Barra). Palmira,
ou a ceguinha brasileira (romance em verso — WM, II, 401).
Bahia: 1849.
---------------- . Tersina. 1848. SB, II, 413. In,3 IX, 270.

1 Serão feitas referências a: Wilson Martins (WM), José Ramos Tinhorão, José
Galante de Sousa (G. Sousa), Marlyse Meyer, Afrânio Coutinho (AC), Barbosa
Lima Sobrinho (BLS), Edgard Cavalheiro e Mário da Silva Brito, Antonio Cân­
dido (ACa), José Aderaldo Castello (JAC), Raimundo de Menezes (Men). Agra­
decimentos à seção de pesquisa e documentação da Fundação Biblioteca Nacio­
nal do Rio de Janeiro (vide referências no final de alguns livros). Quando hou­
ver referência aos autores, assim deverão ser lidas: nome do autor, número do
volume, número da página.
2 SB por Sacramento Blake.
3 In por Inocêncio.
214 Tania Rebelo Costa Serra

ADET, Carlos Emilio. Amelia. In Minerva Brasiliense. RJ: 1844,


do n9 15, de l9 de junho de 1844, ao n9 20, de 15 de agosto de
1844, tomo 29, pp. 465, 517, 615 e ss.
---------------- . Um ofício de defunto e uma bênção nupcial. In Mi­
nerva Brasiliense. RJ: 1844. In Os precursores do conto bra­
sileiro. Org. Barbosa L. Sobrinho.
ALENCAR, José de. Cinco minutos. In Diário do Rio de Janeiro.
RJ: de 22 de dezembro a 30 de dezembro de 1856. RJ: Tipo­
grafia do Diário, 1857. In Obra completa. RJ: Aguilar, 1959-
60. 4 vols. In O conto romântico. Orgs. E. Cavalheiro/Mário
da S. Brito.
---------------- . O guarani. In Diário do Rio de Janeiro. RJ: de l9 de
janeiro a 20 de abril de 1857. RJ: Empresa Nacional do Diá­
rio, 1857.
---------------- . A viuvinha. In Diário do Rio de Janeiro. RJ: de ja­
neiro a fevereiro de 1857; inacabada. RJ: 1860.
---------------- . As minas de prata. RJ: em colportage, 1862. Incom­
pleto. RJ: Garnier, 1865/66.
---------------- . A pata da gazela. RJ: 1870.
---------------- . O gaúcho. RJ: 1870.
ALENCAR, Leonel Martiniano. A sonâmbula de Ipojuca. 1861. SB,
V, 300. In, XIII, 289.4
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milí­
cias. In Pacotilha/Correio Mercantil. RJ: de 27 de junho de
1852 a 31 de julho de 1853.
ALVARENGA, Lucas José de. Statira e Zoroastes. RJ: Typ. Plan­
cher, 1826. 58 p. OR-85, 1,41.
ÁLVARES, Nuno. Folhas soltas (narrativas líricas — WM, III,
127). RJ: 1860. SB, V, 325.
ÁLVARES DE Azevedo, Manuel Antônio. Noite na taverna. In
Obras completas. Org. Homero Pires. SP: Companhia Editora
Nacional, 1944. 2 vols.
---------------- . Genaro. In O conto romântico. Org. E. Cavalhei­
ro/Mário da S. Brito.

4 As informações bibliográficas sobre os dicionários de Inocêncio e S. Blake são


da Enciclopédia de literatura brasileira, organizada por A. Coutinho, futura­
mente referido como AC.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 215

Amazonas, Lourenço da Silva Araújo e. Simá (romance histórico


do Alto Amazonas). 1857. In, V, 199 e XIII, 319.
Amélia. In O belo sexo. Pernambuco: 1849.
ARARIPE Jr., Tristão de Alencar. Jaguaraçu e Saí. In O conto
romântico. Org. E. Cavalheiro/Mário da S. Brito.
AZEVEDO, Inácio Manuel Álvares de. A morte de Alinda. In En­
saio fdosófico. RJ: 1861.
AZEVEDO, Joaquim Inácio Álvares de. Ensaios literários (contos
— WM, II, 294). 1862. SB, IV, 148.
AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. Madalena. In Marmota
Fluminense. RJ: 1860.
---------------- . Honra e crime. RJ: Tip. Paula Brito, 1860.
---------------- . Romances. RJ: F. A. de Almeida, 1860, 84 p.
---------------- . Lourenço de Mendonça.
AZURARA, José Joaquim Pereira de. Angelina, ou os dois acasos
felizes. 1869. Romance. SB, IV, 491. In, XIII, 36.
BANDEIRA, Antônio Rangel de Torres. O eremita de Jafa (romance
em verso — WM, II, 294). Recife: 1844. SB, I, 295-9. In, I,
243; VIII, 289 e XXII, 348.
BARANDAS, Ana Eurídice Eufrosina de. A filósofa por amor. Rio
Grande do Sul: 1845. SB, 1,93.
BARROS, Cirilo Elói Pessoa de. Rodolfo, ou o louco assassino. In
Marmota Fluminense. RJ: a partir de 30 de agosto de 1853.
Pernambuco: 1858.
---------------- . Adelaide. In Marmota Fluminense. RJ: a partir de 30
de agosto de 1853. Pernambuco: 1858.
---------------- . O anel preto. RJ: 1860. SB, II, 155.
BITTENCOURT, Ana Ribeiro de Góis. O anjo do perdão. WM, III,
191: 1863. AC, I, 329: 1885. SB, I, 94.
BOSCOLI, José Ventura. Dom Nuno Peres de Faria, ou o casa­
mento de dois finados. 1863. WM, III, 294.
Braga, Gentil Homem de Almeida (Flávio Reymar — pseud.).
Entre o céu e a terra. In O Semanário Maranhense. São Luís:
1869. SB, V, 224.
---------------- . A casca da caneleira (com outros). In O Publicador.
Paraíba: de 9 de fevereiro a 7 de abril de 1866. São Luís:
1866. SB, III, 177. In, IX, 422.
---------------- . Cavaquinhos. In O País. SB, V, 224.
216 Tania Rebelo Costa Serra

---------------- . Carlotinha da Mangueira. In O conto romântico.


Org. E. Cavalheiro/Mário da S. Brito.
CALDRE e FlÃO, José Antônio do Vale. O corsário. In O America­
no. RJ: de 24 de janeiro de 1849 a fins de 1851. RJ: Tipografia
Filantrópica do Rio de Janeiro, 1851. In O Pelotense. Pelotas:
a partir de outubro de 1851.
---------------- . Imerisa. As graças da natureza. In A Grinalda. RJ:
de 23 de julho a 20 de agosto de 1848. In Jornal dos Domin­
gos. RJ: 1848. PR-SOR985 (1).
---------------- . A divina pastora. Porto Alegre: Tipografia Brasilien­
se de S. M. Ferreira, 1847. Porto Alegre: RBS, 1992. Org.
Flávio Loureiro Chaves.
---------------- . O jardim da noiva.
CARNEIRO, Baltasar da Silva. Septimio. RJ: 1861. SB, I, 375.
A caridade e a gratidão. In Jornal do Icó. Icó, Ceará: 1862 (s/a).
A casca da caneleira (s/a). São Luís: Tipografia de Belarmino de
Matos, 1866. Autores: Antônio Marques Rodrigues/Rufo Sa-
lero; Antônio Henriques Leal/Judael de Babel-Mandebe; Cae­
tano C. Cantanhede/Iwan Orloff; F. G. Sabas da Costa/Golon-
dron de Bivac; Francisco Dias Cameiro/Stephany von Ritter;
Francisco Sotero dos Reis/Nicodemus; Gentil Homem de
Almeida Braga/Flávio Reimar; Joaquim Serra/Pietro de Cas-
tellamare; Joaquim de Sousa Andrade/Conrado Rotanski;
Raimundo Filgueiras/Pedro Botelho e Trajano Galvão de Car-
valho/James Blumm.
CASTRO, Vicente Félix de. Hortência ou os amores de um pintor.
In Correio da Tarde. RJ: de 22 de novembro 1859 a 3 de ja­
neiro de 1860. PR-SPR2 (5-6).
---------------- . Flor da serra, ou os dois casamentos. In Correio da
Tarde. RJ: de 18 a 29 de janeiro de 1859.
---------------- . Elisa, ou a filha do mistério. In Mosaico. Guaratin-
guetá (SP): de fins de 1859 a início de 1860.
---------------- . Misérias da atualidade. SP: Tipografia de Azevedo
Marques, 1864. 3 vols.
---------------- . Herança usurpada, s/d.
---------------- . Mistérios da roça. Guaratinguetá: 1861.
---------------- . Os dramas de sangue. SB, VII, 358.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 217

CÉSAR, Ildefonsa Laura. Lição a meus filhos (contos em versos —


WM, II, 503). Bahia: 1854.
CORDEIRO, Bráulio Jaime Moniz. O último dia de um carrasco. In
Jornal dos Taquígrafos. RJ: 1858.
---------------- . A biblioteca das mulheres, moral e divertida. RJ:
1859. SB, I, 424.
CORDEIRO, Carlos Augusto. Os amores de Carlos e Clara. RJ:
1849.
CORONADO, Carolina. A Jarilia. In Jornal das Senhoras. RJ: de 14
de janeiro a 27 de setembro de 1855.
COSTA, Francisco Gaudêncio Sabbas da. Jacy (lenda maranhense).
In Semanário Maranhense. São Luís: do ns 1, de Is de setem­
bro, ao n9 14, de l9 de dezembro de 1867.
---------------- . Jovita. In Semanário Maranhense. São Luís: do n9
20, de 12 de janeiro, ao n9 23, de 2 de fevereiro de 1868.
---------------- . Os amigos (romance maranhense). In Semanário
Maranhense. São Luís: do n9 28, de 8 de março, ao n9 54, de 8
de setembro de 1868.
---------------- . Um amor fatal (romance provinciano de capa e espa­
da — WM, III, 287). São Luís: 1868.
COUTINHO, José Lino. Cartas sobre a educação de Cora. Bahia:
Tipografia de Carlos Poggeti, 1849.
Cunha, José Maria Vaz Pinto Coelho da. Lasacassange (contos
americanos -— WM, III, 176). 1862.
DÁMASO, Manuel Pinto. Confidências de Ramiro. In Jornal do
Instituto Pio e Literário de Pernambuco. Recife: janeiro de
1860 em diante.
ESPÍNOLA, Manuel Homem da Silveira. Teresa de Neubourg e
Carlos Servílio e Paulo e Cincinato. Maranhão: 1866. SB, VI,
98.
EYMA, Xavier. Francina. In O Jornal do Recife. Jornal Semanal.
Recife: vol. 108, n9 108, de 19 de janeiro de 1861; n9 112, de
16 de fevereiro; n9 114, de 2 de março; n9 116, de 16 de março
e n9 121, de 20 de abril de 1861.
FAGUNDES Varela, Luís Nicolau. As ruínas da Glória. In O
conto romântico. Org. E. Cavalheiro/Mário da S. Brito.
FERNANDES, Antônio Manuel. Paulo e Flora. RJ: 1861. SB, I,
250.
218 Tania Rebelo Costa Serra

FIGUEIRA, Luís Ramos. Dalmo, ou os mistérios da noite. SP: 1863.


WM, III, 191.
---------------- . Amores de um voluntário. 1868.
FlLGUElRAS Sobrinho, Francisco Antônio. A fênix do amor.
Bahia: 1865. In, IX, 255. SB, II, 394.
FLORESTA, Nísia. Daciz ou a jovem completa. RJ: 1847.
---------------- . Dedicação de uma amiga. 1850. Romance incom­
pleto. SB, VI, 315. In, VI, 295 e XVII, 329.
FRANÇA, Lindorf. A confissão do moribundo. In Jornal Cientifico,
Político e Literário, da Faculdade de Direito de São Paulo.
SP: a partir de 30 de abril de 1856.
GAMA, Miguel do Sacramento Lopes. A nova sociedade das se­
nhoras viúvas. In O carapuceiro. Recife. In Os precursores
do conto brasileiro. Org. Barbosa L. Sobrinho.5
---------------- . As procissões, A gente paroleira, As senhoras per­
dulárias, Os maridos dissipadores, Sonhos a respeito dos ga-
menhos e gamenhas, As mulheres salamandras, O menino
palhaço, A feira das senhoras, Os bazófios. BLS, p. 223. En­
tre o conto e a crônica.
GOMENSORO, Ataliba Lopes de. Os cavaleiros da disgra. In Bazar
Volante. RJ: 1864.
GONÇALVES Dias, Antônio. Memórias de Agapito. Fragmentos de
um romance. In Arquivo. Jornal literário, 1846. In Poesia
completa e prosa escolhida. RJ: Aguilar, 1959. Ed. A. Hou-
aiss.
Gonçalves de Magalhães, Domingos José. Amãncia (romance)
In Minerva Brasiliense. RJ: n— 9 e 10 do l9 volume, de março
de 1844. In Opúsculos históricos e literários. RJ: Gamier,
1865. pp. 347-391. In O conto romântico. Org. E. Cavalhei-
ro/Mário da Silva Brito.
GUIMARÃES, Bernardo. O ermitão de Muquém. In O Constitucio­
nal. Ouro Preto: de setembro de 1866 a junho de 1867. RJ:
Gamier, s/d. (1869).
---------------- . A dança dos ossos. In O conto romântico. Org. E.
Cavalheiro/Mário da S. Brito.

5 Barbosa Lima Sobrinho, futuramente referido como BLS.


Antologia do romance-folhetim brasileiro 219

GUIMARÃES, Francisco Pinheiro. O comendador. In Jornal do


Commercio. RJ: de 24 de abril a 29 de maio de 1856. PR-
SPR1 (49).
GUIMARÃES, Vicente Pereira de Carvalho. A cruz de pedra. In
Ostensor Brasileiro. RJ: 1845, ne 21, p. 163 a 168; n9 22, p.
173 a 176; n9 23, p. 181 a 186; n9 25, p. 196 a 201; n9 26, p.
212 a 216. In Romanceiro brasílico (sai apenas o Tomo I). RJ:
1844. SB, VII, 368. In, VII, 439. Autoria reconhecida por
BLS, In Os precursores do conto brasileiro, p. 285.
---------------- . Dois dias de viagem na província de Minas. In Os
precursores do conto brasileiro. Org. Barbosa L. Sobrinho.
---------------- . A guerra dos emboabas (romance histórico). In Os­
tensor Brasileiro. RJ: 1845, n9 12, p. 93 a 96; n9 13, p. 101 a
105; n9 14, p. 109 a 112; n9 15, p. 117 a 120; n9 16, p. 125 a
128; n9 17, p. 134 a 136; n9 18, p. 141 a 144; n9, 19, p. 151 a
152; n9 20, p. 157 a 160. Autoria reconhecida por BLS.
---------------- . Jerônimo Barbalho Bezerra (romance histórico). In
Ostensor Brasileiro. RJ: 1845, n9 1, p. 5 a 8; n9 2, p. 13 a 16;
n9 3, p. 22 a 24; n9 4, p. 50 a 52; n9 5, p. 36 a 40; n9 6, p. 45 a
48; n9 7, p. 52 a 56; n9 8, p. 60 a 64; n9 9, p. 67 a 72; n9 10, p.
76 a 80; n9 11, p. 84 a 88. Autoria reconhecida por BLS.
GUIMARÃES Jr., Luís. Histórias para gente alegre: a família agu­
lha, seguida por D. Herculana (um perfil político). In Diário
do Rio de Janeiro. RJ: do n9 21, de 21 de janeiro, ao n9 114, de
26 de abril de 1870. RJ: Garnier, 1870. RJ: Presen-
ça/Minc/Pró-Memória-Instituto Nacional do Livro-Coleção
Resgate, n9 9, 1987. Org. Flora Sussekind.
---------------- . O lírio branco (tentativa de romance — WM, III,
176). 1862.
---------------- . A promessa de Marcolina. In O conto romântico.
Org. E. Cavalheiro/Mário da S. Brito.
O homem de recursos ou o noivado na Rocha. In O Cronista. RJ:
1839.
KOSERITZ, Karl von. A véspera da batalha. Rio Grande: 1858.
——---- —. Um drama no mar. Porto Alegre: 1863.
---------------- . A donzela de Veneza. Rio Grande: 1858. SB, II, 79.
LEAL, José da Silva Mendes. Calabar. In Correio Mercantil. RJ:
Tipografia do Correio Mercantil, 1863. 4 vols.
220 Tania Rebelo Costa Serra

Leal, Júlio César. Cenas da escravidão. Maceió: 1869. WM, III,


297.
LEÃO, José da Rocha (pseud. Leo Junius). Tipos e romances. RJ:
1858. WM, III, 90.
---------------- . Os libertinos e os tartufos do Rio de Janeiro. RJ:
1860.
LISBOA, Miguel Maria (Barão de Japurá). Romances históricos.
RJ: 1843. RJ: 1866. 2s ed. SB, VI, 243, VI, 284 e XVII, 59.
LOBATO, João Climaco. As duas amadas. In O belo sexo — Perió­
dico literário e recreativo. Pernambuco: 1850. M. Meyer clas-
sifica-o como novela indianista.
---------------- . A cigana brasileira. Maranhão: 1853.
---------------- . O diabo. 1856.
---------------- . O rancho do pai Tomás. SB, III, 398. In, III, 351 e X,
226.
LUZ, Francisco Antônio da. A cruz preta. In Correio Paulistano.
SP: de 1859 a 1860.
---------------- .Alberto. SP: 1859.
---------------- . Sacrifício. 1861. SB, II, 395.
MACEDO, Joaquim Manuel de. Os dois amores. In Correio Mer­
cantil. RJ: a partir de 4 de março de 1848. RJ: Tipografia F. A.
de Almeida, 1854. G. de Sousa atribui-lhe 14 edições conhe­
cidas entre 1848 e 1974.
---------------- . Rosa. In Guanabara. RJ: l9 de dezembro de 1849 a
1850. Esta foi a primeira edição, impressa pela Tipografia do
Arquivo Médico do Rio de Janeiro. G. de Sousa atribui-lhe
dez edições conhecidas entre 1849 e 1974.
---------------- . Vicentina. In Marmota Fluminense — Jornal de
Modas e Variedades. RJ: do n9 450, de 7 de março, ao n9 532,
de 19 de dezembro de 1854. RJ: Empresa Tipográfica de
Paula Brito, 1854. G. de Sousa atribui-lhe nove edições entre
1854e 1974.
---------------- . A carteira de meu tio. In Marmota Fluminense. RJ:
do n9 541, de 19 de janeiro de 1855, ao n9 644, de 2 de no­
vembro de 1855. RJ: Empresa Tipografia Dous de Dezembro-
Paula Brito, 1855. RJ: José Olympio, 1995. Org. Léo Schla-
fman. 199 p.
Antologia do romance-folhetim brasileiro 221

---------------- . O forasteiro. In Marmota Fluminense. RJ: a partir de


4 de fevereiro de 1855; interrompe-se para recomeçar em
1856 e ficar incompleto. RJ: Paula Brito, 1855.
---------------- . A nebulosa. RJ: Tip. Imperial e Const, de J. Ville­
neuve e Cia., 1857. Romance em verso.
---------------- . Os romances da semana. In Jornal do Commercio.
RJ: Seções “A Semana” e “Crônica”, 1855-56. RJ: D. J. Go­
mes Brandão Ed./Tipografia Imparcial de J. M. N. Garcia,
1861. Contos.
---------------- . A bolsa de seda. In O conto romântico. Org. E. Ca-
valheiro/Mário da Silva Brito.
---------------- . O culto do dever. In Jornal do Commercio. RJ:
1865. RJ: Tipografia C. A. de Melo, 1865.
---------------- . (Mínimo Severo) Mazelas da atualidade. Romance
de improviso. Voragem (romance em verso). In Semana Ilus­
trada. RJ: 26 de maio de 1867. Folheto independente.
---------------- . Memórias do sobrinho do meu tio. RJ: Tip. La-
emmert, 1868/9. RJ: F. Casa de Rui Barbosa, 1995. Introdução
crítica e org. de Flora Sussekind.
---------------- . A luneta mágica. In Semana Ilustrada. RJ: ano VII,
do n9 380, de 22 de março, ao n9 407, de 27 de setembro de
1868 (fim da primeira parte). RJ: Garnier, 1869.
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orelhas (romance) e O testamento falso (novela — José Ade­
raldo Castello por engano refere-se-lhe como: O testemunho
falso)}.

6 JAC: Aspectos do romance brasileiro, p. 22.


Antologia do romance-folhetim brasileiro 223

---------------- . Maria ou vinte anos depois (romance brasiliense). In


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do n9 1, de outubro de 1852, ao n9 3, de 17 de outubro de
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Sobrinho.
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Jerusa Pires Ferreira.
Gráfica e Editora Itamarati Ltda.
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a m ultidão inquieta
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O cânone colonial
Flávio Kothe
O romance em folhetins surgiu na França, em 1836, quando
alguns romancistas começam a publicar suas obras, em capítu­
los, no periódico do jornalista Émile Girardin.
Utilizando técnica muito próxima do melodrama popular,
essas publicações logo se transformam em sucesso, principal­
mente no seio da nova classe operária e da jovem burguesia,
egressas da Revolução Industrial européia.
Esta antologia traz para o grande público do século XX os
principais antepassados da telenovela, tais como: João Manuel
Pereira da Silva, Justiniano José da Rocha, Domingos José
Gonçalves de Magalhães, Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa e
Joaquim Manuel de Macedo.
Além dos textos escolhidos, esta antologia apresenta uma
vasta bibliografia de apoio. É, portanto, obra destinada tanto ao
público de Letras quanto ao público em geral.

ISBN 85-230-0473-4

9 788523 004736

COD. EDU: 046388

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