Gênero Editorial Do El Pais Uma Análise
Gênero Editorial Do El Pais Uma Análise
Gênero Editorial Do El Pais Uma Análise
1590/2176-457352769
ARTIGOS
RESUMO
Neste trabalho, analisamos enunciados pertencentes ao gênero editorial produzidos em
língua espanhola e publicados pelo jornal El País, em sua edição digital, durante o mês
de fevereiro de 2020. Objetivamos descrever esse gênero tal como ele se manifesta no
referido periódico e refletir sobre o diálogo estabelecido entre o jornal e o leitor
presumido. Para a realização da análise, fundamentamo-nos na perspectiva dialógica da
linguagem, sobretudo em escritos de Bakhtin e Volóchinov dos quais destacamos os
conceitos de gêneros do discurso e forma arquitetônica. Além da oscilação no diálogo
estabelecido entre o jornal e um leitor presumido ora habitual, ora ocasional, o resultado
revela uma forma arquitetônica alicerçada na avaliação da presença da leitura entre os
participantes da interação discursiva e da importância do emprego de recursos lexicais
comuns, frequentes, compreensíveis, como forma de garantir a difusão do jornal em
escala mundial.
PALAVRAS-CHAVE: Arquitetônica; Diálogo; Campo jornalístico; Editorial; El País
ABSTRACT
In this work, we analyzed utterances belonging to the editorial genre, produced in
Spanish and published by the newspaper El País in its digital edition, during February
2020. We aim to describe this genre just as it manifests in the aforementioned newspaper
and to reflect upon the dialogue between the newspaper and the assumed reader. To
conduct the analysis, we draw from the dialogical perspective of language, especially
from the works of Bakhtin and Vološinov, from which we highlight the concepts of speech
genres and architectonic form. Besides the oscillation in the dialogue established between
the newspaper and the assumed reader, at times regular, at times occasional, the result
reveals an architectonic form based on the assessment of the presence of reading among
the participants of the discursive interaction and the importance of using common,
frequent and understandable lexical resources to guarantee the dissemination of the
newspaper on a worldwide scale.
KEYWORDS: Architectonics; Dialogue; Journalistic Sphere; Editorial; El País
Universidade Federal de Uberlândia – UFU, Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais, Instituto de
Letras e Linguística, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-4893-7893;
[email protected]
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, Departamento de Linguística,
Literatura e Letras Clássicas, Araraquara, São Paulo, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-5712-2346;
[email protected]
138 Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022.
Todo conteúdo de Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso está sob Licença Creative Commons CC - By 4.0.
Introdução
1
Adotamos o termo campo em consonância com Bakhtin (2016).
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características mais gerais dos enunciados e apontar as particularidades do diálogo
estabelecido entre o jornal e o leitor presumido.
Na perspectiva de Moureau,
Vinte anos após a publicação da primeira edição impressa, chegou à internet sua
primeira edição digital registrada sob o domínio elpais.es. Prontamente, o jornal
2
No original: “Los progresistas llevaban EL PAÍS bajo el brazo. Era un guiño, ideológico, una señal para
reconocer a los tuyos al pie del quiosco, en las cafeterías, en el autobús. (...) los jóvenes rebeldes llevaban
EL PAÍS hasta los lugares de la batalla. El periódico era arrollado junto con sus lectores cuando los caballos
de la policía irrumpían en las cafeterías de Moncloa persiguiendo a los manifestantes”.
3
No original: “Por su vigorosa defensa de las libertades y apoyo al cambio político y social, se granjeó la
fidelidad de lectores cada vez más numerosos. Símbolo y portavoz de la España moderna y pluralista, de
clara vocación europea, se convirtió en cuatro años en el periódico más leído y en el medio de referencia
para los sectores más influyentes de la sociedad”.
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conquistou cerca de 27.000 leitores dos quais 40% eram procedentes de cem diferentes
países (CABRERA, 2004). No início da década de 2000, o primeiro domínio adotado foi
substituído por elpais.com, com o intuito de assinalar a vocação mundial do jornal
reivindicada também em seu slogan: El periódico global (O jornal global)4. A
enumeração apresentada em artigo de opinião comemorativo ao vigésimo aniversário do
El País é reveladora da ampliação e da diversidade de seu público leitor:
4
O primeiro slogan adotado pelo El País foi Diario independiente de la mañana (Diário independente da
manhã). Em 2007, esse slogan foi substituído por El periódico global en español (O jornal global em
espanhol). A versão atual, ao excluir a referência ao idioma, procura abarcar a diversidade de edições e
línguas em que o jornal on-line é publicado.
5
No original: “Lo leían los amantes de los Rolling Stones, los políticos en las sedes de los partidos, los
sindicalistas en las oficinas, los diseñadores, interioristas, los artistas iniciáticos de la movida, los
diplomáticos y los primeros punkis reciclados. Ya hacía tiempo que todos los padres de la patria se miraban
cada mañana en este espejo para saber quién era el más guapo. EL PAÍS no pretendía derribar a ningún
Gobierno. Le bastaba con saber que podía levantar de la cama al presidente y obligarle a leer un editorial
en pijama”.
6
As edições AME, MEX, BRA e CAT apresentam textos publicados na edição ESP (traduzidos para o
português e o catalão, conforme o caso) e textos próprios, ou seja, produzidos por jornalistas que atuam nas
redações locais.
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Entre as causas atribuídas ao sucesso de audiência, o próprio jornal aponta os
artigos de opinião cuja leitura experimentou um crescimento superior ao de outros
gêneros jornalísticos, com um incremento de 200% em um ano. Durante o mês de outubro
de 2017, por exemplo, sete dos dez textos mais lidos pertenciam aos gêneros editorial e
artigo de opinião, o que, em alguma medida, demonstra o vigor do conteúdo opinativo
entre os leitores on-line. No mesmo período, a edição digital atingiu a marca de 100
milhões de visitantes únicos, sendo metade deles proveniente, em especial, da América
Latina (EL PAÍS, 2017)7.
O fortalecimento da relação estabelecida entre o El País e o digital pode ser
atestado pela última edição de seu Libro de estilo publicada em 2014. A capa do manual
(Figura 1) apresenta a imagem do que seria um livro de capa dura cujo dorso contém
conexões típicas de um computador e um cabo USB acoplado. No prólogo, a emergência
da referida edição é justificada pelas modificações substanciais na produção e distribuição
de informação provocadas pela internet mais recentemente. No manual propriamente dito,
são encontradas prescrições gerais e específicas para as publicações on-line,
principalmente, para as notícias. Nessa circunstância, o El País digital é considerado a
partir de sua ambição, autonomia narrativa e velocidade de publicação próprias (EL PAÍS,
2014).
7
Para a análise que desenvolveremos aqui, é importante salientar o fato de que os enunciados pertencentes
ao gênero editorial figuram igualmente nas edições ESP e AME.
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É interessante observar que a vigésima primeira edição do Libro de estilo foi
publicada seis anos antes da edição atual, em 2008. Naquele momento, mesmo tendo
decorrido doze anos desde o lançamento da edição digital do jornal, as mudanças
advindas com a produção e publicação de informações por meio da internet eram
consideradas tão somente marginais (EL PAÍS, 2014). Esse fato parece assinalar certa
moderação do jornal, que não se restringe à relação estabelecida com a internet.
Moureau (2010) destaca que, embora, no início da década de 1990 muitos
periódicos comecem a introduzir fotos coloridas em suas edições impressas, o El País só
o faz a partir do final de setembro de 1998 e tão somente na primeira e na última páginas
da edição de domingo. A explicação apresentada pelo jornal à época permite entrever
certa resistência a algo que, em princípio, poderia ser visto como um indício de
banalização do conteúdo:
8
No original: “El cambio no es consecuencia de una mera adaptación estética, sino que responde al deseo
de EL PAÍS de continuar en su línea de necesaria y permanente adecuación del periódico a las nuevas
tendencias de la sociedad (...) sin perder por ello sus señas de identidad de rigor y periodismo de calidad”.
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3 Sobre os editoriais do El País
9
Durante o período recortado para análise, houve dia em que não foram publicados editoriais, dia em que
foi publicado apenas um editorial e dia em que foram publicados três editoriais.
10
As descrições são referentes ao que foi observado no site do jornal no primeiro semestre de 2020.
11
Essa seção não se confunde com colunismo social, mas está voltada para assuntos relacionados a saúde,
meio ambiente, igualdade, consumo, comunicação, laicismo e educação.
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Vídeo)12. Essa forma de apresentação, com a seção de notícias exteriores à Espanha na
primeira posição, por si só indicia o caráter propositadamente global aspirado pelo jornal
(e explicitado em seu slogan) e o diálogo com um leitor presumido que, por sua vez, se
interessa por assuntos com essa abrangência. A mesma conjectura pode ser verificada na
distribuição do conteúdo temático dos editoriais.
Dos cinquenta e cinco enunciados analisados, mais de 50% se relacionam com
notícias publicadas na seção Internacional, subdivididas da seguinte maneira: Europa, 15;
América Latina, 5; Estados Unidos, 3; África, 2; Ásia, 2; México, 2; e Oriente Médio, 2.
A grande quantidade de editoriais atinentes a notícias sobre a União Europeia e o
continente americano (vinte e cinco editoriais ao todo), a nosso ver, é reveladora do
diálogo entre o El País e um leitor mais imediato, cuja identidade compartilhada com o
jornal parece transcender o traço da hispanidade em proveito do caráter supranacional; e
um leitor que, estando geograficamente um pouco mais distante, nos demais países da
Europa, nos Estados Unidos e/ou na América Latina, pode reconhecer sua realidade
contemplada pelo veículo de comunicação.
Com relação aos temas de abrangência nacional, os vinte e quatro enunciados se
relacionam com notícias publicadas nas seções: Espanha, 12 editoriais de cunho político-
partidário; Sociedade, 6 (sendo dois deles relacionados a meio ambiente, outros dois, a
política migratória, um sobre a regulação da eutanásia e outro a respeito do isolamento
social dos idosos); Economia: 4; Educação, 1; e Tecnologia, 1. Nesses editoriais, por
vezes são encontradas comparações entre a Espanha e outros países europeus e/ou
menção a estes, o que, em alguma medida, reforça a orientação europeia de parte dos
participantes da situação comunicativa.
A disparidade entre os editoriais sobre assuntos de cunho político-partidário e os
demais ligados a temas nacionais, à primeira vista, poderia ser interpretada como
reveladora do diálogo com um auditório, para empregar a mesma expressão usada por
Volóchinov (2019), formado por governantes e representantes de partidos políticos. Essa
leitura, entretanto, não se sustenta em função de como o jornal distribui as notícias
referentes a esses editoriais ao longo de suas seções. Os temas políticos, em sentido
12
Diferentemente da divisão normalmente encontrada em jornais brasileiros, o El País não reserva uma
seção específica para conteúdos relativos ao cenário político e governamental. Os textos a esse respeito
aparecem distribuídos em seções como, Espanha, Economia, Sociedade e Educação.
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estrito, aparecem de forma integrada a outros eventos da vida da sociedade espanhola,
visto que não há, no site do jornal, uma seção específica para eles.
Como nossos dados apontam, a forma arquitetônica determina a própria seleção
dos temas dos editoriais do El País, visto que subjaz à escolha do que merecerá a opinião
do jornal uma avaliação da situação extralinguística, pautada pela localização geográfica
da maioria dos leitores, pela suposição acerca de seus interesses e pela necessidade de
prover as diferentes edições.
Do ponto de vista formal, cada enunciado apresenta o título centralizado em itálico
e negrito antecedido da palavra editorial em caixa alta na cor azul. O subtítulo, que
aparece disposto de forma centralizada logo abaixo do título, é seguido pelo nome do
jornal, no espaço que seria correspondente à assinatura, pela data e horário da publicação
alinhados à margem esquerda da página. Uma grande fotografia colorida ilustra cada
editorial que, geralmente, é composto por quatro parágrafos. No corpus, há, entretanto,
enunciados com três, cinco, seis e sete parágrafos. Não há qualquer link no corpo dos
enunciados. Quando utilizados, os links são dispostos sob a forma de uma espécie de
olho13 e remetem a editoriais anteriores sobre o mesmo assunto ou a informação
relacionada quando se trata da primeira vez que o jornal se posiciona a respeito de um
tema (vide Anexo A)14.
De acordo com o Libro de estilo do El País, a existência de um código tipográfico
que permita ao leitor identificar o grau de subjetividade de cada gênero jornalístico é uma
forma de garantir um direito do leitor (EL PAÍS, 2014). Assim, o fato de que os títulos
dos editoriais sejam grafados em itálico – estilo de fonte prescrito pelo manual – na
perspectiva do jornal, sinaliza, com clareza, para o leitor, que ele se encontra diante de
um enunciado com forte presença da opinião do autor. A opção pelo itálico é um indício
importante da avaliação que o jornal faz da realidade externa ao enunciado, ou melhor,
da permeabilidade constitutiva dos enunciados por elementos extralinguísticos, isto é, de
sua arquitetônica. Além disso, ao lado da palavra editorial, há um botão de informação
que15, se acionado, apresenta a seguinte mensagem sobre o gênero jornalístico: “É de
responsabilidade do diretor e expressa a opinião do jornal sobre assuntos de atualidade
13
Jargão jornalístico empregado para designar o destaque, na diagramação, de parte da matéria considerada
interessante e/ou que possa atrair a atenção do leitor para o texto.
14
No corpus, há apenas dois enunciados com links para informação relacionada.
15
O botão de informação e a mensagem correspondente são encontrados também em outros gêneros
opinativos.
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nacional ou internacional” (EL PAÍS, 1996-, tradução nossa)16. Talvez, resida, nesses dois
recursos, um indício sutil de que o El País dialoga com um leitor presumido que,
navegando, de qualquer lugar do mundo, não teria condições de, sozinho, avaliar o grau
de subjetividade dos enunciados com os quais se depara.
Os editoriais apresentam títulos sucintos formados, com frequência, por
construções nominais: Confianza, Situación insostenible, Violencia en Brasil. Embora
sejam menos recorrentes, há, também, títulos construídos com sintagmas verbais:
Combatir la soledad, Comienza la carrera, El campo negocia17.
Em geral, os títulos oscilam entre aqueles que apresentam informações mais
explícitas, por meio dos quais o leitor poderia antecipar o mote do editorial com certa
facilidade, e outros por meio dos quais seria mais difícil predizer o assunto. Essa
oscilação, em alguma medida, responde à prescrição de que, nos textos de opinião, os
títulos “ficam a critério do autor, mas, como todos os títulos, sua missão é orientar o leitor
sobre o conteúdo” e “não devem antecipar a conclusão do texto” (EL PAÍS, 2014, p.75,
tradução nossa)18. Em ambas as formas de composição, salvo raras exceções (Combatir
la soledad é uma delas), os títulos não permitem entrever a opinião defendida ao longo
do enunciado. Do nosso ponto de vista, por meio dos títulos que, em certa medida,
resumem o assunto, o jornal dialoga com um leitor que seleciona os enunciados
jornalísticos a partir dos temas de seu interesse em detrimento do gênero. Os títulos que
não resumem o assunto de forma clara, diferentemente, parecem colocar em cena o
diálogo com um leitor que, independentemente do tema, seleciona o editorial para leitura
porque valoriza a opinião do veículo.
Os títulos Violencia en Brasil e El campo negocia, por um lado, Confianza e
Situación insostenible, por outro lado, exemplificam, relativamente bem, mesmo para um
leitor estrangeiro, como é nosso caso, o processo de responsividade que descrevemos. A
partir dos dois primeiros títulos, é possível antecipar que os editoriais tratarão, respectiva
e genericamente, da violência no país sul-americano e de uma questão agrária. Os outros
títulos, diferentemente, não sugerem, mesmo que aproximadamente, um assunto.
16
No original: “Es responsabilidad del director, y expresa la opinión del diario sobre asuntos de actualidad
nacional o internacional”.
17
Em português, os títulos dos editoriais seriam, respectivamente: Confiança, Situação insustentável,
Violência no Brasil, Combater a solidão, Começa a corrida, O campo negocia (tradução nossa).
18
No original: “Quedan a criterio del autor, pero, como todos los títulos, su misión es orientar al lector
sobre el contenido. (…) no deben destripar el remate final del texto”.
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É preciso considerar, ainda, que o acesso aos enunciados é sempre antecedido por
uma apresentação formada pela palavra editorial, uma fotografia em miniatura, em
algumas ocasiões, o título e o subtítulo que, por sua vez, antecipa a opinião da empresa
jornalística, como em: La respuesta frente al coronavirus debe estar coordinada por la
OMS19, subtítulo do editorial Confianza, de 1º de fevereiro de 2020. Essa forma parcial
de apresentação dos enunciados, em alguma medida, evidencia o diálogo com um leitor
que, considerado com pouca disponibilidade de tempo para ler, poderia prescindir da
leitura do editorial. Contudo, quando da apresentação integral dos enunciados, outro leitor
parece ser convocado.
Apesar de curtos (os editoriais possuem, aproximadamente, 500 palavras), os
enunciados são constituídos por densos parágrafos que, por sua vez, são formados por
frases que não devem ultrapassar a extensão máxima de vinte palavras prescrita no Libro
de estilo (EL PAÍS, 2014). Esse aspecto da construção composicional é revelador do
diálogo com um leitor presumido capaz de “enfrentar” uma massa textual consistente, um
leitor habitual. Frente à pouca disponibilidade de tempo, esse leitor pode ler o primeiro e
o último parágrafos do texto, uma estratégia de leitura decorrente da construção
composicional dos editoriais do El País que se dá de forma análoga à estratégia
mobilizada na leitura de notícias, visto que a técnica de estruturação desse gênero do
discurso, conhecida como pirâmide invertida, favorece a leitura do lead para apreender
os dados essenciais relacionados ao acontecimento noticiado20. Desse modo, como
mostraremos a seguir, o leitor informa-se sobre a notícia que motivou a produção do
editorial, em uma espécie de “o que é preciso saber hoje”, e conhece a posição da empresa
jornalística. Note-se que a forma composicional dos enunciados decorre do valor
apreciativo atribuído pelo jornal à proficiência em leitura de seu destinatário e não se
confunde com a forma arquitetônica.
A introdução dos enunciados é, predominantemente, de tipo informativo. São
apresentados dados suficientes para que o leitor possa compreender o editorial, sem que,
para isso, tenha que conhecer previamente a notícia que motivou o posicionamento do
jornal. Esse fato, que não apresenta qualquer coerção temática, aparentemente, encena
um diálogo com um leitor habituado à leitura dos gêneros opinativos, visto que, por meio
19
No original: “A resposta em vista do coronavírus deve ser coordenada pela OMS”.
20
Sobre estratégias de leitura, ver Kleiman (2013).
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deles, a exemplo dos editoriais, é possível recuperar o conteúdo noticioso considerado
relevante pela empresa jornalística. O primeiro parágrafo do editorial Violencia en Brasil,
de 16 de fevereiro de 2020, em anexo, é exemplar desse processo21:
Sin embargo, hay otro dato que no se puede obviar. Las muertes en
operaciones policiales —también entre las más altas del mundo— han
aumentado notablemente, sobre todo en el Estado de Río de Janeiro,
donde hubo más de 1.800 víctimas el año pasado, el máximo en dos
décadas. Es un nivel de letalidad policial incompatible con un Estado
de derecho afianzado, en el que las fuerzas de seguridad tienen el deber
de proteger a la ciudadanía en lugar de ser consideradas por amplios
sectores de la sociedad como una amenaza (VIOLENCIA, 2020).
21
Reproduzimos, no Anexo B, a tradução do editorial Violencia en Brasil (2020) exatamente como foi
publicada na edição brasileira do jornal El País, sob o título “A queda da violência num Brasil envolto no
mistério da morte de Adriano da Nóbrega” (2020).
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Nesse fragmento, a expressão de opinião, que no parágrafo introdutório fica
restrita aos adjetivos esperanzadora e gigante atribuídos, respectivamente, à notícia sobre
a redução do índice de criminalidade e ao país em pauta, ganha contornos mais precisos.
O autor tece considerações a respeito da discrepância entre o nível de letalidade policial
e um estado democrático, apoiando-se na suposta perspectiva de amplos setores da
sociedade a respeito das forças de segurança.
A argumentação se sustenta, ainda, na alusão a dados estatísticos sobre o perfil
dos que perdem a vida em ações policiais e na inconclusividade dos inquéritos que
apuram a responsabilidade por essas mortes:
Se, no final do primeiro parágrafo, o jornal admite como legítimo que o governo
de Jair Bolsonaro se congratule pela queda no número de homicídios, os parágrafos
intermediários alicerçam a crítica que toma corpo no parágrafo final:
22
No original: “Desde que se fundó, en EL PAÍS se ha considerado que son los lectores los propietarios
últimos de la información, y los periodistas tan sólo los mediadores entre aquéllos y ésta”.
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fotografia, o jornal procura assegurar uma espécie de pausa para o ciberleitor, um
indivíduo supostamente familiarizado com a linguagem verbo-visual, e marcar a
proximidade entre a opinião da empresa jornalística e a situação extralinguística: a vida
é em cores.
A hipertextualidade (PALACIOS, 2003), outra característica dessa forma de
jornalismo, não se verifica no corpus. Ao longo dos enunciados, não há elementos
destacados que, acionados por meio de um clique, remetem a outro hipertexto. No
entanto, o jornal, como afirmamos anteriormente, não se abstém do emprego de links23.
Em seu manual de estilo, na parte reservada à prescrição de normas para as
notícias veiculadas no site (extensivas aos demais gêneros jornalísticos), os links são
considerados elementos diferenciais da internet destinados a contribuir com mais
informação e referências, ajudar na contextualização e aumentar o tempo de navegação
(EL PAÍS, 2014). Quanto a seu emprego, afirma-se: “É preciso considerar que os links
podem desviar o leitor do relato principal e, portanto, devem ser usados com
comedimento” (EL PAÍS, 2014, p.46, tradução nossa)24.
Se a presença de links ao longo de um enunciado jornalístico, por um lado, pode
conferir certa liberdade ao leitor para construir seu percurso de leitura, não
necessariamente linear, e preencher supostas lacunas de conhecimento, sua ausência, por
outro lado, pode ser vista como um indício de que o leitor presumido está bem informado
e valoriza um modo de leitura mais próximo daquele que se dá na edição impressa.
A apresentação desse recurso sob a forma de olho, ao que parece, reforça o diálogo
com um leitor cativo da seção Opinião, visto que os links remetem, na maioria das vezes,
a editoriais correlacionados. Ela também aponta para uma estratégia do El País de
aproximar o gênero editorial de sua versão impressa, por prescindir do hipertexto, ao
mesmo tempo em que reconhece a importância comercial de divulgar matérias
jornalísticas e manter o leitor por mais tempo no site. Em outras palavras, a exemplo da
23
Os editoriais sobre o Brasil publicados na edição espanhola são traduzidos e postos em circulação também
na edição brasileira do El País. No entanto, nesse contexto, como se pode observar em A queda da violência
num Brasil envolto no mistério da morte de Adriano da Nóbrega (2020), tradução de Violencia en Brasil
(2020) reproduzida, aqui, no Anexo B, o jornal “abusa” do emprego de links e define um título para o
enunciado que em nada se aproxima do verificado no corpus de análise. Grosso modo, esses aspectos do
estilo do enunciado endereçado especificamente ao público brasileiro sugerem uma alteração substancial
na relação dialógica estabelecida entre o El País e o leitor que merece ser examinada.
24
No original: “Ha de tenerse en cuenta que los enlaces pueden desviar al lector del relato principal y, por
tanto, han de usarse con comedimiento”.
156 Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022.
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justificativa dada pelo El País, no final dos anos 1990, para a inclusão de fotografias
coloridas na edição impressa, os links, nos editoriais, também parecem responder ao
desejo do jornal de adequar-se às novas tecnologias sem, no entanto, renunciar ao rigor e
à qualidade que supostamente conformam sua identidade. Essa prática jornalística, em
alguma medida, expõe um olhar sobre o on-line a partir do impresso que pode implicar
preconceitos, tal como ocorre, no campo dos estudos da linguagem, quando a modalidade
oral da linguagem é “lida” a partir da modalidade escrita25.
Por fim, as escolhas lexicais – comuns, frequentes, de fácil compreensão –
reiteram o diálogo com um público leitor heterogêneo:
25
Para uma história do pensamento sobre fala e escrita, suas dicotomias e paradigmas, ver Marcuschi
(2004).
26
No original: “Los periodistas han de escribir con el estilo de los periodistas, no con el de los políticos,
los economistas o los abogados. Los periodistas tienen la obligación de comunicar y hacer accesible al
público en general la información técnica o especializada. La presencia de palabras eruditas no explicadas
refleja la incapacidad del redactor para comprender y transmitir una realidad compleja”.
27
Em português: “Apesar deste revés diplomático, que convém não se repetir – e muito menos em um
assunto tão delicado – essa eventual nova reunião poderá contribuir com alguns serviços complementares,
com a estrita condição de que o papel da Espanha não ocorra ex post (na fase de validação dos acordos),
mas ex ante (com caráter prévio à sua formalização)”.
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No entanto, no enunciado Mal momento, de 11 de fevereiro de 2020, também
relacionado ao bloco econômico, sine die é empregada sem qualquer explicação, o que
pode ser interpretado como um indício do pertencimento dessa locução ao conhecimento
supostamente partilhado entre o redator e o leitor:
28
Em português: “Caso também se prorrogue sine die uma aproximação da política fiscal entre os sócios
europeus e continue sem se concretizar a recuperação das receitas fiscais sonegadas por grupos de
tecnologia, ficará reforçada a percepção pessimista de que a União Europeia não valoriza a coesão social
ou econômica”.
29
Outro indício de que o jornal não desqualifica seu leitor, talvez, resida no fato de que a frase em português
estampada na camiseta da brasileira retratada na fotografia que ilustra o editorial Violencia en Brasil (2020)
tampouco foi traduzida.
158 Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022.
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desempenhasse um papel essencial na formação da opinião pública
(CEBRIÁN apud ARIAS, 2017).
Considerações finais
REFERÊNCIAS
A QUEDA da violência num Brasil envolto no mistério da morte de Adriano da Nóbrega.
El País, Editoriais, São Paulo, 18 fev. 2020. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/editoriais/2020-02-18/a-queda-da-violencia-num-brasil-
envolto-no-misterio-da-morte-de-adriano-da-nobrega.html. Acesso em: 31 ago. 2020.
Recebido em 11/02/2021
Aprovado em 16/09/2021
Pareceres
Parecer I
O artigo tem por objetivo discutir os editoriais do jornal espanhol El País numa
perspectiva discursiva bakhtiniana. O título já sintetiza de modo preciso o que se discute
no artigo, cuja organização textual permite acompanhar o desenvolvimento lógico da
proposta. A parte teórica que fundamenta a pesquisa está adequada à proposta e apresenta
com coerência as categorias que são exploradas nos editoriais selecionados como objetos
de análise. A pesquisa é coerente e representa a etapa de um projeto mais amplo. Numa
linguagem clara e objetiva sem problemas redacionais torna mais explícita sua proposta
investigativa. As obras e os autores mencionados estão adequados à proposta de pesquisa
na perspectiva dialógica da linguagem. Por isso considero o artigo adequado à publicação.
APROVADO
Miriam Bauab Puzzo - https://orcid.org/0000-0002-0046-7159; [email protected];
Universidade de Taubaté: Taubaté, SP, Brazil;
Parecer II
O artigo atende à maioria dos critérios de avaliação estabelecidos pela revista: o título é
adequado, os objetivos são claramente explicitados e o desenvolvimento do texto é
coerente com a proposta. A linguagem é correta, clara e adequada ao trabalho científico.
No entanto, a discussão teórica poderia ser mais ampla e aprofundada. A apresentação da
noção de gênero a partir do ensaio “Os gêneros do discurso” retoma elementos bastante
conhecidos, mas o componente expressivo, inseparável da posição do autor, ou seja, o
posicionamento axiológico, importantíssimo no gênero analisado, não é explorado nem
na parte teórica nem na análise. A noção de arquitetônica também merece um
aprofundamento, tendo em vista que é apontada como uma categoria de análise. Sugiro
um aprofundamento das noções indicadas no parecer. APROVADO COM RESTRIÇÕES
Parecer editorial
Considerando os pareceres acima, solicitamos aos autores que atendam as solicitações do
segundo parecerista, revisem o texto e o reenviem para o email da revista
[email protected] até 05-04-2021 para nova avaliação.
Parecer III
O artigo foi reapresentado com acréscimos na fundamentação teórica em relação à versão
anterior. Conforme avaliação anterior, o texto atende à maioria dos critérios de avaliação
estabelecidos pela revista: o título é adequado, os objetivos são claramente explicitados e
o desenvolvimento do texto é coerente com a proposta. A linguagem é correta, clara e
adequada ao trabalho científico. Os acréscimos feitos referem-se à noção de arquitetônica
e ao posicionamento axiológico. APROVADO
Doris Arruda Cunha - https://orcid.org/0000-0001-5349-2887;
[email protected]; Universidade Católica de Pernambuco: Recife, PE,
Brasil; Universidade Federal de Pernambuco: Recife, PE, Brasil;
Parecer final
Considerando o parecer anexado, o artigo “Editoriais do El País a partir da perspectiva
dialógica” está APROVADO. Solicitamos que realize a atenta leitura das orientações a
seguir, com os próximos passos para edição e publicação em Bakhtiniana. Revista de
Estudos do Discurso e reenvie os textos para o email [email protected] até
30-05-2021.
OPINIÓN
ANEXO
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ANEXO B
EDITORIAL ›
Violencia en Brasil
Los asesinatos han caído un 19% en 2019, per o el año pasado se
r egistr ar on m ás de 41.000 cr ím enes
EL PAÍS
La madre del adolescente Marcus Vinicius da Silva, que perdió la vida en junio de 20 18 a manos de la
policía. FERNANDO SOUZA
Los asesinatos cayeron en Brasil un 19% en 20 19, el mayor descenso desde que
comenzó el recuento que gracias a una iniciativa de la sociedad civil reúne y
homologa los datos estatales desde 20 0 7. Es una noticia esperanzadora, pese a
que con más de 41.0 0 0 muertos el gigante sudamericano se mantiene entre los
países más violentos del mundo. Son casi 10 .0 0 0 asesinados menos que un año
antes y también han disminuido otros delitos, como los robos o las violaciones.
Los datos confirman una tendencia que asomaba hacía meses. Son logros
importantes porque la inseguridad es una de las principales preocupaciones de
los 210 millones de brasileños, sean ricos o pobres. Y es lógico que el Gobierno
del presidente Bolsonaro se felicite por ello.
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