Gênero Editorial Do El Pais Uma Análise

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D.O.I. http://dx.doi.org/10.

1590/2176-457352769

ARTIGOS

Editoriais do El País a partir da perspectiva dialógica / El País


Editorials from a Dialogical Perspective

Heloisa Mara Mendes


Marina Célia Mendonça

RESUMO
Neste trabalho, analisamos enunciados pertencentes ao gênero editorial produzidos em
língua espanhola e publicados pelo jornal El País, em sua edição digital, durante o mês
de fevereiro de 2020. Objetivamos descrever esse gênero tal como ele se manifesta no
referido periódico e refletir sobre o diálogo estabelecido entre o jornal e o leitor
presumido. Para a realização da análise, fundamentamo-nos na perspectiva dialógica da
linguagem, sobretudo em escritos de Bakhtin e Volóchinov dos quais destacamos os
conceitos de gêneros do discurso e forma arquitetônica. Além da oscilação no diálogo
estabelecido entre o jornal e um leitor presumido ora habitual, ora ocasional, o resultado
revela uma forma arquitetônica alicerçada na avaliação da presença da leitura entre os
participantes da interação discursiva e da importância do emprego de recursos lexicais
comuns, frequentes, compreensíveis, como forma de garantir a difusão do jornal em
escala mundial.
PALAVRAS-CHAVE: Arquitetônica; Diálogo; Campo jornalístico; Editorial; El País

ABSTRACT
In this work, we analyzed utterances belonging to the editorial genre, produced in
Spanish and published by the newspaper El País in its digital edition, during February
2020. We aim to describe this genre just as it manifests in the aforementioned newspaper
and to reflect upon the dialogue between the newspaper and the assumed reader. To
conduct the analysis, we draw from the dialogical perspective of language, especially
from the works of Bakhtin and Vološinov, from which we highlight the concepts of speech
genres and architectonic form. Besides the oscillation in the dialogue established between
the newspaper and the assumed reader, at times regular, at times occasional, the result
reveals an architectonic form based on the assessment of the presence of reading among
the participants of the discursive interaction and the importance of using common,
frequent and understandable lexical resources to guarantee the dissemination of the
newspaper on a worldwide scale.
KEYWORDS: Architectonics; Dialogue; Journalistic Sphere; Editorial; El País


Universidade Federal de Uberlândia – UFU, Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais, Instituto de
Letras e Linguística, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-4893-7893;
[email protected]

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, Departamento de Linguística,
Literatura e Letras Clássicas, Araraquara, São Paulo, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-5712-2346;
[email protected]
138 Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022.
Todo conteúdo de Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso está sob Licença Creative Commons CC - By 4.0.
Introdução

Nosso objetivo, neste trabalho, é refletir sobre o editorial a partir de enunciados


produzidos em língua espanhola e postos em circulação por El País, veículo de
comunicação de referência situado na Espanha. Trata-se de um exercício de interpretação
pertencente a um projeto de pesquisa mais amplo, cujo propósito é comparar a produção
do editorial nos sites de um jornal de grande circulação brasileiro e do referido jornal
ibérico, e contribuir com um exame das especificidades desse gênero do discurso em cada
um dos espaços de circulação. Para isso, respaldamo-nos no pressuposto de que as
transformações históricas e culturais de um gênero se dão à luz das transformações
ocorridas no campo da comunicação humana a que pertence1.
Fundamentam nossa análise os escritos de Bakhtin (1993, 2016) e de Volóchinov
(2018, 2019). Assim, além do conceito de gêneros do discurso, assumimos que todo uso
da palavra é permeado pelo outro e, portanto, determinado por valores sociais, históricos
e ideológicos, pensamento partilhado pelos integrantes do Círculo. Mais especificamente,
adotamos o pressuposto de que o gênero (seu conteúdo temático, construção
composicional e estilo) é determinado por uma unidade construtiva, por uma forma
arquitetônica.
Como procedimento metodológico, utilizamos o cotejamento entre textos
pertencentes ao campo jornalístico, procurando retomar contextos do passado e antecipar
contextos futuros. Sendo assim, partimos de editoriais on-line do El País publicados
durante o mês de fevereiro de 2020. Para o movimento retrospectivo, tomamos como
fundamental o Libro de estilo (EL PAÍS, 2014). E, para o movimento prospectivo, a
antecipação da atitude ativa responsiva do interlocutor: a suposição sobre quem é ele e
sobre o que se espera dele são algumas questões que se colocaram nessa etapa da análise.
Este artigo está organizado em três seções: em primeiro lugar, discorremos sobre
o conceito de gêneros do discurso, bem como sobre a noção de forma arquitetônica, dada
sua centralidade para o desenvolvimento da análise. Em segundo lugar, procuramos
contextualizar o surgimento do El País e a relação estabelecida com as inovações
tecnológicas ao longo de sua história. Por último, apresentamos nossa interpretação do
corpus, um movimento, por natureza, também dialógico, procurando descrever as

1
Adotamos o termo campo em consonância com Bakhtin (2016).
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características mais gerais dos enunciados e apontar as particularidades do diálogo
estabelecido entre o jornal e o leitor presumido.

1 Sobre os conceitos de gêneros do discurso e forma arquitetônica

No interior do Círculo, a abordagem da noção de gêneros do discurso não se


restringe a Bakhtin, sobretudo, em Os gêneros do discurso (2016), mas foi feita também
por Volóchinov que, tanto em Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas
fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem (2018) quanto em “A
palavra na vida e a palavra na poesia: para uma poética sociológica” (2019), dedicou-se
a refletir sobre gêneros de tradição oral e escrita e a analisá-los.
Bakhtin e Volóchinov compartilham uma concepção de linguagem como
atividade de natureza sociointeracional. Para o primeiro, o uso da língua se dá por meio
de enunciados orais e escritos, concretos e únicos, produzidos por integrantes dos mais
diversos campos da comunicação humana. Para o segundo, a palavra (e seu sentido) é
indissociável da vida, ou seja, da situação extralinguística, definição que acentua a relação
inextricável entre o caráter social e o caráter singular de cada interação discursiva. Logo,
a construção de todo e qualquer enunciado, unidade real do fluxo discursivo, se dá entre
dois indivíduos socialmente organizados.

Em sua essência, a palavra é um ato bilateral. Ela é determinada tanto


por aquele de quem ela procede quanto por aquele para quem se dirige.
Enquanto palavra, ela é justamente o produto das inter-relações do
falante com o ouvinte. Toda palavra serve de expressão ao “um” em
relação ao “outro”. Na palavra, eu dou forma a mim mesmo do ponto
de vista do outro e, por fim, da perspectiva da minha coletividade. A
palavra é uma ponte que liga o eu ao outro. Ela apoia uma das
extremidades em mim e a outra no interlocutor. A palavra é o território
comum entre o falante e o interlocutor (VOLÓCHINOV, 2018, p.205;
destaque do autor).

É a partir desse quadro epistemológico que os gêneros do discurso são concebidos.


Na perspectiva adotada por Bakhtin (2016), há o pressuposto de que, na comunicação
discursiva, os participantes falam e escrevem através de determinados gêneros do
discurso. Isso equivale a dizer que, até mesmo nas situações comunicativas mais
informais e espontâneas, os falantes (ou os que escrevem) moldam seu discurso por

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determinadas formas que, por vezes, são mais padronizadas e estereotipadas e, por outras,
mais flexíveis, livres e criativas.
Sua teoria evidencia a correlação intrínseca entre os campos da atividade humana
e as formas de dizer. Para Bakhtin (2016), todos os campos da atividade humana estão
ligados ao uso da linguagem, portanto, o caráter e as formas desse uso são tão
diversificados quanto os próprios campos. À vista disso, os enunciados

(...) refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido


campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem,
ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais
da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional.
Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção
composicional – estão indissoluvelmente ligados no conjunto do
enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um
campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é
individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros
do discurso (BAKHTIN, 2016, p.11-12l; destaque do autor).

Na conceituação de gêneros do discurso, a expressão relativamente estáveis


destaca sua historicidade e a compulsória imprecisão de seus traços distintivos, o que
pressupõe admitir que os gêneros não são definidos de uma vez por todas, mas comportam
transformações contínuas, porque as atividades humanas estão em contínua
transformação. Consequentemente, os gêneros de cada campo vão alterando-se à medida
que o próprio campo se desenvolve e/ou se modifica, questão que será especialmente cara
para o desenvolvimento deste trabalho.
Cabe, ainda, discorrer, mesmo que brevemente, sobre os elementos imbricados na
composição de cada gênero do discurso e sobre os quais nossa análise incidirá: o conteúdo
temático, o estilo e a construção composicional.
O conteúdo temático não se confunde com o tema, ou seja, com aquilo de que um
enunciado trata. Ele é resultado da relação sócio-historicamente determinada entre um
gênero e o campo a que pertence à luz da interação estabelecida entre os interlocutores.
No interior do campo jornalístico, a abordagem do conteúdo temático de um gênero como
o editorial pressupõe indagar sobre o que merece a opinião da empresa jornalística. Para
tanto, é necessário considerar que essa seleção se dá apoiada na relação estabelecida entre
as diferentes seções de um jornal e no vínculo existente entre o editorial e a notícia, sob

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o ângulo dialógico, a partir do qual o enunciador aprecia os participantes da situação
comunicativa.
O estilo não se restringe à expressão de uma individualidade, mas é sempre
socialmente orientado. Cada escolha é expressão do eu em relação ao outro e está
impregnada de avaliações. Nesse sentido, o outro, real ou presumido a quem um
enunciado é endereçado, define a seleção dos recursos linguístico-discursivos.
Nas palavras de Volóchinov (2019, p.143), “o estilo é, pelo menos, dois homens,
mais precisamente, o homem e seu grupo social na pessoa do seu representante
autorizado, ou seja, o ouvinte que é um participante constante do discurso interior e
exterior do homem”.
Bakhtin, por sua parte, considera o endereçamento, ou seja, as modalidades e
concepções do destinatário definidas pelo campo da atividade humana em que o
enunciado se insere determinante não apenas do estilo e da composição, mas da produção
de um gênero do discurso: “Cada gênero do discurso em cada campo da comunicação
discursiva tem a sua concepção típica de destinatário que o determina como gênero”
(BAKHTIN, 2016, p.63).
A construção composicional pode ser definida como a forma de expressão típica
(relativamente estável) de produção do conjunto, isto é, aquilo que impede que um
enunciado possa ser considerado uma combinação individual livre e irrestrita de formas.
Essa dimensão insere o enunciado na cadeia da comunicação discursiva, circunscrevendo
o projeto de dizer daquele que produz o enunciado.
Por sua vez, a concepção de arquitetônica, que perpassa a noção de enunciado
partilhada pelos membros do Círculo, embora apareça mais explicitamente relacionada à
estética (BAKHTIN, 1993), pode ser entendida como a unidade construtiva de um objeto.
De acordo com Rojo e Melo (2017, p.1280), “a arquitetônica designa o ponto de
articulação entre a totalidade interna e as avaliações axiológicas (valores éticos, estéticos,
morais) que constroem um objeto situado histórica, social e ideologicamente, atribuindo-
lhe sentido”. Para Campos (2012, p.253), esse conceito “(...) nasce de um pensamento
que tem o ser humano como centro de valor, porque há um homem que fala, que se
interroga e que procura estabelecer relações interativas, formulando perguntas e respostas
diante dos acontecimentos da vida”.

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Toda atividade de linguagem pressupõe, portanto, a organização de uma
arquitetônica, o vínculo indissociável entre a totalidade interna e a realidade externa
axiológica, ou seja, o preceito de que a forma composicional, o tema e o estilo (em nosso
caso, de um gênero do discurso) são orientados por julgamentos de valor (avaliações,
entonações expressivas) sociais, históricos e ideológicos. Na perspectiva de Sobral (2009,
p.88), “tema, estilo e forma de composição só fazem sentido no âmbito de uma
arquitetônica”, em outras palavras, são axiologicamente orientados.
Por seu turno, Volóchinov (2019) considera que as avaliações sociais e a situação
extraverbal integram o enunciado, são uma parte fundamental de sua composição
semântica. Ele argumenta que “as avaliações determinam a escolha da palavra pelo autor
e a percepção dessa escolha (a coescolha) pelo ouvinte” (VOLÓCHINOV, 2019, p.131).
Os escritos do Círculo que fundamentam nosso trabalho são perpassados pela
consideração da interdependência entre o enunciado e a situação concreta de enunciação
e entre o significado do enunciado e uma atitude avaliativa. De acordo com Faraco (2009,
p.24), “a dimensão axiológica é, portanto, parte inalienável da palavra viva”. Essa
afirmação, em alguma medida, recupera a reflexão bakhtiniana sobre a criação estética
como decorrente de uma imbricada rede de posicionamentos axiológicos entre os planos
do conteúdo, do material e da forma (BAKHTIN, 1993). Para o autor, não há enunciado
neutro, visto que todo enunciado surge em um dado contexto cultural repleto de valores
e é sempre uma tomada de posição nesse contexto.
Com base nesse referencial teórico e reconhecendo a influência recíproca entre a
construção composicional e o estilo, bem como o caráter determinante da forma
arquitetônica e da dimensão axiológica, analisamos um gênero do discurso próprio do
campo jornalístico cuja função social reside na expressão da opinião da empresa
jornalística sobre um fato da atualidade. Nossa análise incidirá, sobretudo, na avaliação
que o jornal faz de si e de seus leitores – o eu-para-mim e o outro-para-mim são colocados
em evidência na compreensão da arquitetônica desse gênero.
Antes de procurarmos delimitar o processo dialógico pressuposto na interação
estabelecida, através dos editoriais, entre o El País e o leitor presumido por meio de seu
site, remontamos parte da história desse jornal, principalmente no que se refere à sua
relação com as inovações tecnológicas, visando a apreender alguns traços de sua
identidade.

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2 Sobre o El País

O El País é um jornal espanhol cujo surgimento coincide com o início da transição


da Espanha ao regime democrático após quarenta anos de repressão. Foi idealizado pela
Promotora de Informaciones Sociedad Anónima (PRISA), companhia fundada no início
de 1972, por José Ortega Sppotorno, filho do filósofo José Ortega y Gasset, reconhecido
pela defesa da liberdade e da democracia.
Superadas as dificuldades impostas pela Dirección General de Prensa, órgão
responsável por submeter os meios de comunicação a serviço do governo do general
Francisco Franco (1939-1975), o primeiro número impresso foi publicado em 4 de maio
de 1976 gozando da liberdade de não ter sido obrigado a exaltar o franquismo. Naquele
contexto,

Os progressistas carregavam o EL PAÍS debaixo do braço. Era uma


mensagem implícita, ideológica, um sinal para reconhecer os
companheiros junto à banca de jornais, nas cafeterias, no ônibus (...) os
jovens rebeldes levavam o EL PAÍS até os lugares da batalha. O jornal
era atropelado junto com seus leitores quando os cavalos da polícia
invadiam as cafeterias do Moncloa perseguindo os manifestantes
(VICENT, 1996, tradução nossa)2.

Na perspectiva de Moureau,

Por sua defesa vigorosa das liberdades e apoio à mudança política e


social, conquistou a fidelidade de leitores cada vez mais numerosos.
Símbolo e porta-voz da Espanha moderna e pluralista, de clara vocação
europeia, se transformou em quatro anos no jornal mais lido e no meio
de referência para os setores mais influentes da sociedade
(MOUREAU, 2004, p.288, tradução nossa)3.

Vinte anos após a publicação da primeira edição impressa, chegou à internet sua
primeira edição digital registrada sob o domínio elpais.es. Prontamente, o jornal

2
No original: “Los progresistas llevaban EL PAÍS bajo el brazo. Era un guiño, ideológico, una señal para
reconocer a los tuyos al pie del quiosco, en las cafeterías, en el autobús. (...) los jóvenes rebeldes llevaban
EL PAÍS hasta los lugares de la batalla. El periódico era arrollado junto con sus lectores cuando los caballos
de la policía irrumpían en las cafeterías de Moncloa persiguiendo a los manifestantes”.
3
No original: “Por su vigorosa defensa de las libertades y apoyo al cambio político y social, se granjeó la
fidelidad de lectores cada vez más numerosos. Símbolo y portavoz de la España moderna y pluralista, de
clara vocación europea, se convirtió en cuatro años en el periódico más leído y en el medio de referencia
para los sectores más influyentes de la sociedad”.
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conquistou cerca de 27.000 leitores dos quais 40% eram procedentes de cem diferentes
países (CABRERA, 2004). No início da década de 2000, o primeiro domínio adotado foi
substituído por elpais.com, com o intuito de assinalar a vocação mundial do jornal
reivindicada também em seu slogan: El periódico global (O jornal global)4. A
enumeração apresentada em artigo de opinião comemorativo ao vigésimo aniversário do
El País é reveladora da ampliação e da diversidade de seu público leitor:

Liam-no os amantes dos Rolling Stones, os políticos nas sedes dos


partidos, os sindicalistas nos escritórios, os designers, decoradores, os
artistas precursores do agito, os diplomatas e os primeiros punks
recicladores. Já fazia tempo que todos os pais da pátria se observavam,
a cada manhã, neste espelho, para saber quem era o mais bonito. EL
PAÍS não pretendia derrubar nenhum Governo. Bastava-lhe saber que
podia despertar o presidente e obrigá-lo a ler um editorial de pijama
(VINCENT, 1996, tradução nossa)5.

Atualmente, o site do jornal oferece seis edições em quatro idiomas diferentes:


Espanha, América e México em espanhol; Brasil em português; Catalunha em catalão; e
uma edição com as principais notícias em inglês. Essas edições são identificadas no alto
da página da seguinte maneira: ESP, AME, MEX, BRA, CAT, ENG6. Sua distribuição é
multiplataforma, ou seja, o jornal digital pode ser acessado pela web, por meio de
aplicativos móveis e redes sociais. A edição impressa está restrita ao território espanhol.
Decorridas mais de quatro décadas desde sua fundação, o El País é considerado o
meio de comunicação com o maior número de leitores na Espanha. De acordo com dados
do estudo Mikroscopia 2020, realizado pela 40dB., empresa especializada em pesquisas
de mercado, 26,1% da população espanhola, com idade entre 18 e 65 anos, acessa o site
do jornal habitualmente, isto é, três vezes ou mais por semana (ELDIARIO.ES, 2020).

4
O primeiro slogan adotado pelo El País foi Diario independiente de la mañana (Diário independente da
manhã). Em 2007, esse slogan foi substituído por El periódico global en español (O jornal global em
espanhol). A versão atual, ao excluir a referência ao idioma, procura abarcar a diversidade de edições e
línguas em que o jornal on-line é publicado.
5
No original: “Lo leían los amantes de los Rolling Stones, los políticos en las sedes de los partidos, los
sindicalistas en las oficinas, los diseñadores, interioristas, los artistas iniciáticos de la movida, los
diplomáticos y los primeros punkis reciclados. Ya hacía tiempo que todos los padres de la patria se miraban
cada mañana en este espejo para saber quién era el más guapo. EL PAÍS no pretendía derribar a ningún
Gobierno. Le bastaba con saber que podía levantar de la cama al presidente y obligarle a leer un editorial
en pijama”.
6
As edições AME, MEX, BRA e CAT apresentam textos publicados na edição ESP (traduzidos para o
português e o catalão, conforme o caso) e textos próprios, ou seja, produzidos por jornalistas que atuam nas
redações locais.
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Entre as causas atribuídas ao sucesso de audiência, o próprio jornal aponta os
artigos de opinião cuja leitura experimentou um crescimento superior ao de outros
gêneros jornalísticos, com um incremento de 200% em um ano. Durante o mês de outubro
de 2017, por exemplo, sete dos dez textos mais lidos pertenciam aos gêneros editorial e
artigo de opinião, o que, em alguma medida, demonstra o vigor do conteúdo opinativo
entre os leitores on-line. No mesmo período, a edição digital atingiu a marca de 100
milhões de visitantes únicos, sendo metade deles proveniente, em especial, da América
Latina (EL PAÍS, 2017)7.
O fortalecimento da relação estabelecida entre o El País e o digital pode ser
atestado pela última edição de seu Libro de estilo publicada em 2014. A capa do manual
(Figura 1) apresenta a imagem do que seria um livro de capa dura cujo dorso contém
conexões típicas de um computador e um cabo USB acoplado. No prólogo, a emergência
da referida edição é justificada pelas modificações substanciais na produção e distribuição
de informação provocadas pela internet mais recentemente. No manual propriamente dito,
são encontradas prescrições gerais e específicas para as publicações on-line,
principalmente, para as notícias. Nessa circunstância, o El País digital é considerado a
partir de sua ambição, autonomia narrativa e velocidade de publicação próprias (EL PAÍS,
2014).

Figura 1 – Capa do Libro de estilo do El País. Fonte: El País (2014).

7
Para a análise que desenvolveremos aqui, é importante salientar o fato de que os enunciados pertencentes
ao gênero editorial figuram igualmente nas edições ESP e AME.
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É interessante observar que a vigésima primeira edição do Libro de estilo foi
publicada seis anos antes da edição atual, em 2008. Naquele momento, mesmo tendo
decorrido doze anos desde o lançamento da edição digital do jornal, as mudanças
advindas com a produção e publicação de informações por meio da internet eram
consideradas tão somente marginais (EL PAÍS, 2014). Esse fato parece assinalar certa
moderação do jornal, que não se restringe à relação estabelecida com a internet.
Moureau (2010) destaca que, embora, no início da década de 1990 muitos
periódicos comecem a introduzir fotos coloridas em suas edições impressas, o El País só
o faz a partir do final de setembro de 1998 e tão somente na primeira e na última páginas
da edição de domingo. A explicação apresentada pelo jornal à época permite entrever
certa resistência a algo que, em princípio, poderia ser visto como um indício de
banalização do conteúdo:

A mudança não é consequência de uma simples adaptação estética, mas


responde ao desejo do EL PAÍS de continuar em sua linha necessária e
permanente de adequação do jornal às novas tendências da sociedade
(...) sem perder, com isso, seus signos identitários de rigor e jornalismo
de qualidade (EL PAÍS, 1998, tradução nossa)8.

Em 2001, a inclusão de cores passa a ocorrer diariamente, mas, ainda assim,


restrita à primeira e à última páginas da edição impressa. Somente a partir de outubro de
2007, a impressão colorida se torna massiva, consequência de uma grande reestruturação
que atingiu a tipografia, o desenho e a disposição interna das seções.
Considerando o comedimento do El País ao adotar certas inovações tecnológicas
(o emprego gradual de cores na edição impressa e a prescrição “tardia” de normas
específicas para o conteúdo on-line podem ser considerados indícios dessa característica),
sua índole global, a heterogeneidade e amplitude do público que acessa o jornal por meio
de plataformas digitais, analisamos, a seguir, seus editoriais.

8
No original: “El cambio no es consecuencia de una mera adaptación estética, sino que responde al deseo
de EL PAÍS de continuar en su línea de necesaria y permanente adecuación del periódico a las nuevas
tendencias de la sociedad (...) sin perder por ello sus señas de identidad de rigor y periodismo de calidad”.
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3 Sobre os editoriais do El País

Para a realização deste trabalho, selecionamos os editoriais publicados no site do


jornal El País, edição ESP (https://elpais.com), durante o mês de fevereiro de 2020. A
escolha do editorial, por um lado, deve-se ao fato de que pretendemos descrever esse
gênero tal como ele se manifesta na referida publicação espanhola e analisar o diálogo
estabelecido entre o jornal e o público leitor presumido. A escolha do El País, por outro
lado, deve-se à sua destacada difusão e influência. Deve-se, ainda, à relação,
aparentemente, comedida estabelecida entre o jornal e as inovações tecnológicas ao longo
de sua história, algo que, certamente, imprime sua marca nos tipos de enunciados
relativamente estáveis por meio dos quais a empresa jornalística pressupõe certo
horizonte social (VOLÓCHINOV, 2018).
Como procuraremos mostrar, a avaliação que o jornal faz do destinatário dos
editoriais oscila entre um leitor “típico” de jornal impresso, considerado proficiente e
interessado pelo gênero jornalístico independentemente do assunto abordado, e um leitor
ocasional, tomado como menos preparado e, aparentemente, procedente do processo de
digitalização da prática jornalística.
Todos os dias são publicados, em média, dois editoriais9. O acesso a eles, a partir
de um computador pessoal, pode se dar de três formas distintas no interior do site do
jornal: por meio do menu principal situado na parte superior da página logo abaixo do
nome do jornal; por meio de um menu mais detalhado localizado na lateral esquerda da
página ao qual se tem acesso através de um ícone; ou por meio do destaque – conferido
ao índice, a um dos editoriais e a alguns artigos da seção Opinião – localizado ao longo
da página10.
No menu principal, as seções do El País são apresentadas na seguinte ordem:
Internacional, Opinión, España, Economía, Sociedad11, Educación, Ciencia, Tecnología,
Cultura, Deportes, Televisión, Gente e Vídeo (Internacional, Opinião, Espanha,
Sociedade, Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Esportes, Televisão, Gente e

9
Durante o período recortado para análise, houve dia em que não foram publicados editoriais, dia em que
foi publicado apenas um editorial e dia em que foram publicados três editoriais.
10
As descrições são referentes ao que foi observado no site do jornal no primeiro semestre de 2020.
11
Essa seção não se confunde com colunismo social, mas está voltada para assuntos relacionados a saúde,
meio ambiente, igualdade, consumo, comunicação, laicismo e educação.
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Vídeo)12. Essa forma de apresentação, com a seção de notícias exteriores à Espanha na
primeira posição, por si só indicia o caráter propositadamente global aspirado pelo jornal
(e explicitado em seu slogan) e o diálogo com um leitor presumido que, por sua vez, se
interessa por assuntos com essa abrangência. A mesma conjectura pode ser verificada na
distribuição do conteúdo temático dos editoriais.
Dos cinquenta e cinco enunciados analisados, mais de 50% se relacionam com
notícias publicadas na seção Internacional, subdivididas da seguinte maneira: Europa, 15;
América Latina, 5; Estados Unidos, 3; África, 2; Ásia, 2; México, 2; e Oriente Médio, 2.
A grande quantidade de editoriais atinentes a notícias sobre a União Europeia e o
continente americano (vinte e cinco editoriais ao todo), a nosso ver, é reveladora do
diálogo entre o El País e um leitor mais imediato, cuja identidade compartilhada com o
jornal parece transcender o traço da hispanidade em proveito do caráter supranacional; e
um leitor que, estando geograficamente um pouco mais distante, nos demais países da
Europa, nos Estados Unidos e/ou na América Latina, pode reconhecer sua realidade
contemplada pelo veículo de comunicação.
Com relação aos temas de abrangência nacional, os vinte e quatro enunciados se
relacionam com notícias publicadas nas seções: Espanha, 12 editoriais de cunho político-
partidário; Sociedade, 6 (sendo dois deles relacionados a meio ambiente, outros dois, a
política migratória, um sobre a regulação da eutanásia e outro a respeito do isolamento
social dos idosos); Economia: 4; Educação, 1; e Tecnologia, 1. Nesses editoriais, por
vezes são encontradas comparações entre a Espanha e outros países europeus e/ou
menção a estes, o que, em alguma medida, reforça a orientação europeia de parte dos
participantes da situação comunicativa.
A disparidade entre os editoriais sobre assuntos de cunho político-partidário e os
demais ligados a temas nacionais, à primeira vista, poderia ser interpretada como
reveladora do diálogo com um auditório, para empregar a mesma expressão usada por
Volóchinov (2019), formado por governantes e representantes de partidos políticos. Essa
leitura, entretanto, não se sustenta em função de como o jornal distribui as notícias
referentes a esses editoriais ao longo de suas seções. Os temas políticos, em sentido

12
Diferentemente da divisão normalmente encontrada em jornais brasileiros, o El País não reserva uma
seção específica para conteúdos relativos ao cenário político e governamental. Os textos a esse respeito
aparecem distribuídos em seções como, Espanha, Economia, Sociedade e Educação.
Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022. 149
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estrito, aparecem de forma integrada a outros eventos da vida da sociedade espanhola,
visto que não há, no site do jornal, uma seção específica para eles.
Como nossos dados apontam, a forma arquitetônica determina a própria seleção
dos temas dos editoriais do El País, visto que subjaz à escolha do que merecerá a opinião
do jornal uma avaliação da situação extralinguística, pautada pela localização geográfica
da maioria dos leitores, pela suposição acerca de seus interesses e pela necessidade de
prover as diferentes edições.
Do ponto de vista formal, cada enunciado apresenta o título centralizado em itálico
e negrito antecedido da palavra editorial em caixa alta na cor azul. O subtítulo, que
aparece disposto de forma centralizada logo abaixo do título, é seguido pelo nome do
jornal, no espaço que seria correspondente à assinatura, pela data e horário da publicação
alinhados à margem esquerda da página. Uma grande fotografia colorida ilustra cada
editorial que, geralmente, é composto por quatro parágrafos. No corpus, há, entretanto,
enunciados com três, cinco, seis e sete parágrafos. Não há qualquer link no corpo dos
enunciados. Quando utilizados, os links são dispostos sob a forma de uma espécie de
olho13 e remetem a editoriais anteriores sobre o mesmo assunto ou a informação
relacionada quando se trata da primeira vez que o jornal se posiciona a respeito de um
tema (vide Anexo A)14.
De acordo com o Libro de estilo do El País, a existência de um código tipográfico
que permita ao leitor identificar o grau de subjetividade de cada gênero jornalístico é uma
forma de garantir um direito do leitor (EL PAÍS, 2014). Assim, o fato de que os títulos
dos editoriais sejam grafados em itálico – estilo de fonte prescrito pelo manual – na
perspectiva do jornal, sinaliza, com clareza, para o leitor, que ele se encontra diante de
um enunciado com forte presença da opinião do autor. A opção pelo itálico é um indício
importante da avaliação que o jornal faz da realidade externa ao enunciado, ou melhor,
da permeabilidade constitutiva dos enunciados por elementos extralinguísticos, isto é, de
sua arquitetônica. Além disso, ao lado da palavra editorial, há um botão de informação
que15, se acionado, apresenta a seguinte mensagem sobre o gênero jornalístico: “É de
responsabilidade do diretor e expressa a opinião do jornal sobre assuntos de atualidade

13
Jargão jornalístico empregado para designar o destaque, na diagramação, de parte da matéria considerada
interessante e/ou que possa atrair a atenção do leitor para o texto.
14
No corpus, há apenas dois enunciados com links para informação relacionada.
15
O botão de informação e a mensagem correspondente são encontrados também em outros gêneros
opinativos.
150 Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022.
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nacional ou internacional” (EL PAÍS, 1996-, tradução nossa)16. Talvez, resida, nesses dois
recursos, um indício sutil de que o El País dialoga com um leitor presumido que,
navegando, de qualquer lugar do mundo, não teria condições de, sozinho, avaliar o grau
de subjetividade dos enunciados com os quais se depara.
Os editoriais apresentam títulos sucintos formados, com frequência, por
construções nominais: Confianza, Situación insostenible, Violencia en Brasil. Embora
sejam menos recorrentes, há, também, títulos construídos com sintagmas verbais:
Combatir la soledad, Comienza la carrera, El campo negocia17.
Em geral, os títulos oscilam entre aqueles que apresentam informações mais
explícitas, por meio dos quais o leitor poderia antecipar o mote do editorial com certa
facilidade, e outros por meio dos quais seria mais difícil predizer o assunto. Essa
oscilação, em alguma medida, responde à prescrição de que, nos textos de opinião, os
títulos “ficam a critério do autor, mas, como todos os títulos, sua missão é orientar o leitor
sobre o conteúdo” e “não devem antecipar a conclusão do texto” (EL PAÍS, 2014, p.75,
tradução nossa)18. Em ambas as formas de composição, salvo raras exceções (Combatir
la soledad é uma delas), os títulos não permitem entrever a opinião defendida ao longo
do enunciado. Do nosso ponto de vista, por meio dos títulos que, em certa medida,
resumem o assunto, o jornal dialoga com um leitor que seleciona os enunciados
jornalísticos a partir dos temas de seu interesse em detrimento do gênero. Os títulos que
não resumem o assunto de forma clara, diferentemente, parecem colocar em cena o
diálogo com um leitor que, independentemente do tema, seleciona o editorial para leitura
porque valoriza a opinião do veículo.
Os títulos Violencia en Brasil e El campo negocia, por um lado, Confianza e
Situación insostenible, por outro lado, exemplificam, relativamente bem, mesmo para um
leitor estrangeiro, como é nosso caso, o processo de responsividade que descrevemos. A
partir dos dois primeiros títulos, é possível antecipar que os editoriais tratarão, respectiva
e genericamente, da violência no país sul-americano e de uma questão agrária. Os outros
títulos, diferentemente, não sugerem, mesmo que aproximadamente, um assunto.

16
No original: “Es responsabilidad del director, y expresa la opinión del diario sobre asuntos de actualidad
nacional o internacional”.
17
Em português, os títulos dos editoriais seriam, respectivamente: Confiança, Situação insustentável,
Violência no Brasil, Combater a solidão, Começa a corrida, O campo negocia (tradução nossa).
18
No original: “Quedan a criterio del autor, pero, como todos los títulos, su misión es orientar al lector
sobre el contenido. (…) no deben destripar el remate final del texto”.
Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022. 151
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É preciso considerar, ainda, que o acesso aos enunciados é sempre antecedido por
uma apresentação formada pela palavra editorial, uma fotografia em miniatura, em
algumas ocasiões, o título e o subtítulo que, por sua vez, antecipa a opinião da empresa
jornalística, como em: La respuesta frente al coronavirus debe estar coordinada por la
OMS19, subtítulo do editorial Confianza, de 1º de fevereiro de 2020. Essa forma parcial
de apresentação dos enunciados, em alguma medida, evidencia o diálogo com um leitor
que, considerado com pouca disponibilidade de tempo para ler, poderia prescindir da
leitura do editorial. Contudo, quando da apresentação integral dos enunciados, outro leitor
parece ser convocado.
Apesar de curtos (os editoriais possuem, aproximadamente, 500 palavras), os
enunciados são constituídos por densos parágrafos que, por sua vez, são formados por
frases que não devem ultrapassar a extensão máxima de vinte palavras prescrita no Libro
de estilo (EL PAÍS, 2014). Esse aspecto da construção composicional é revelador do
diálogo com um leitor presumido capaz de “enfrentar” uma massa textual consistente, um
leitor habitual. Frente à pouca disponibilidade de tempo, esse leitor pode ler o primeiro e
o último parágrafos do texto, uma estratégia de leitura decorrente da construção
composicional dos editoriais do El País que se dá de forma análoga à estratégia
mobilizada na leitura de notícias, visto que a técnica de estruturação desse gênero do
discurso, conhecida como pirâmide invertida, favorece a leitura do lead para apreender
os dados essenciais relacionados ao acontecimento noticiado20. Desse modo, como
mostraremos a seguir, o leitor informa-se sobre a notícia que motivou a produção do
editorial, em uma espécie de “o que é preciso saber hoje”, e conhece a posição da empresa
jornalística. Note-se que a forma composicional dos enunciados decorre do valor
apreciativo atribuído pelo jornal à proficiência em leitura de seu destinatário e não se
confunde com a forma arquitetônica.
A introdução dos enunciados é, predominantemente, de tipo informativo. São
apresentados dados suficientes para que o leitor possa compreender o editorial, sem que,
para isso, tenha que conhecer previamente a notícia que motivou o posicionamento do
jornal. Esse fato, que não apresenta qualquer coerção temática, aparentemente, encena
um diálogo com um leitor habituado à leitura dos gêneros opinativos, visto que, por meio

19
No original: “A resposta em vista do coronavírus deve ser coordenada pela OMS”.
20
Sobre estratégias de leitura, ver Kleiman (2013).
152 Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022.
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deles, a exemplo dos editoriais, é possível recuperar o conteúdo noticioso considerado
relevante pela empresa jornalística. O primeiro parágrafo do editorial Violencia en Brasil,
de 16 de fevereiro de 2020, em anexo, é exemplar desse processo21:

Los asesinatos cayeron en Brasil un 19% en 2019, el mayor descenso


desde que comenzó el recuento que gracias a una iniciativa de la
sociedad civil reúne y homologa los datos estatales desde 2007. Es una
noticia esperanzadora, pese a que con más de 41.000 muertos el gigante
sudamericano se mantiene entre los países más violentos del mundo.
Son casi 10.000 asesinados menos que un año antes y también han
disminuido otros delitos, como los robos o las violaciones. Los datos
confirman una tendencia que asomaba hacía meses. Son logros
importantes porque la inseguridad es una de las principales
preocupaciones de los 210 millones de brasileños, sean ricos o pobres.
Y es lógico que el Gobierno del presidente Bolsonaro se felicite por ello
(VIOLENCIA, 2020).

O desenvolvimento da argumentação, ou seja, a análise e interpretação do


acontecimento, de modo geral, é permeado pela recuperação de fatos históricos,
apresentação de dados estatísticos, exposição de argumentos positivos e negativos,
difusão de pesquisas, menção ao posicionamento de especialistas e/ou a padrões
estabelecidos por organismos internacionais.
No editorial que recortamos para fundamentar nossa análise, à informação
referente à redução do número de assassinatos e outros delitos cometidos no Brasil em
2019 é contraposto um dado referente ao aumento do número de mortos em operações
policiais. A contraposição é marcada pelo emprego da locução adversativa sin embargo
que abre o segundo parágrafo:

Sin embargo, hay otro dato que no se puede obviar. Las muertes en
operaciones policiales —también entre las más altas del mundo— han
aumentado notablemente, sobre todo en el Estado de Río de Janeiro,
donde hubo más de 1.800 víctimas el año pasado, el máximo en dos
décadas. Es un nivel de letalidad policial incompatible con un Estado
de derecho afianzado, en el que las fuerzas de seguridad tienen el deber
de proteger a la ciudadanía en lugar de ser consideradas por amplios
sectores de la sociedad como una amenaza (VIOLENCIA, 2020).

21
Reproduzimos, no Anexo B, a tradução do editorial Violencia en Brasil (2020) exatamente como foi
publicada na edição brasileira do jornal El País, sob o título “A queda da violência num Brasil envolto no
mistério da morte de Adriano da Nóbrega” (2020).
Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022. 153
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Nesse fragmento, a expressão de opinião, que no parágrafo introdutório fica
restrita aos adjetivos esperanzadora e gigante atribuídos, respectivamente, à notícia sobre
a redução do índice de criminalidade e ao país em pauta, ganha contornos mais precisos.
O autor tece considerações a respeito da discrepância entre o nível de letalidade policial
e um estado democrático, apoiando-se na suposta perspectiva de amplos setores da
sociedade a respeito das forças de segurança.
A argumentação se sustenta, ainda, na alusão a dados estatísticos sobre o perfil
dos que perdem a vida em ações policiais e na inconclusividade dos inquéritos que
apuram a responsabilidade por essas mortes:

Las estadísticas muestran que la mayoría de las víctimas de acciones


policiales son hombres negros y pobres que mueren alcanzados por
disparos en incursiones contra el tráfico de drogas en favelas. Rara vez
las investigaciones sobre esas muertes determinan que los agentes se
excedieron en el uso de la fuerza, lo que refuerza una sensación de
impunidad (VIOLENCIA, 2020).

Se, no final do primeiro parágrafo, o jornal admite como legítimo que o governo
de Jair Bolsonaro se congratule pela queda no número de homicídios, os parágrafos
intermediários alicerçam a crítica que toma corpo no parágrafo final:

El presidente Bolsonaro atribuye a su Gobierno la histórica caída de los


asesinatos en su primer año de mandato, pero nada dice de las cifras de
fallecidos en operativos policiales que han hecho saltar las alarmas
incluso en Naciones Unidas. Su pretensión de blindar por ley a los
agentes que abaten a sospechosos en intervenciones policiales fue
frenada en el Congreso, pero su intención de flexibilizar la compra y
tenencia de armas es firme. Los especialistas atribuyen el descenso de
las muertes violentas a una conjunción de factores que van más allá́ de
la acción del Gobierno federal, y advierten contra el uso de la caída de
los delitos para legitimar el abuso de la fuerza. La muerte de un antiguo
policía sospechoso del crimen que le costó la vida a la concejal
izquierdista Marielle Franco ha puesto el foco sobre las bandas
criminales de exagentes y sobre sus conexiones con políticos locales,
sospechas que salpican al senador Flávio Bolsonaro. El presidente no
puede obviar esta realidad. Tiene la obligación de despejar cualquier
tipo de relación y tomar medidas para evitar un mayor daño a la
democracia (VIOLENCIA, 2020).

A crítica contundente ao mandatário brasileiro é construída em torno de seu


silêncio frente à quantidade de mortos em operações policiais, vista com assombro

154 Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022.


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também pelas Nações Unidas, um argumento de autoridade. Outro recurso mobilizado
refere-se à voz dos especialistas sobre a redução do número de homicídios (o que retira a
centralidade das supostas ações do governo na redução da criminalidade) e sua
advertência sobre o uso das estatísticas para legitimar a violência policial. Basta ao
discurso jornalístico aludir aos especialistas para construir sua argumentação, sem
precisar quem são eles e/ou em que áreas atuam. O mesmo se dá em relação aos “amplos
setores da sociedade” mencionados no segundo parágrafo. Assim, ao longo do enunciado,
o posicionamento do El País vai sendo construído sobre argumentos, em alguma medida,
irrefutáveis. É como se o jornal afirmasse “é verdade, porque não sou eu que digo”,
forjando, dessa maneira, uma opinião que parece emanar do seio da vida social.
Essa forma de construção da argumentação expõe o diálogo com um veículo de
comunicação supostamente reconhecido pelo destinatário como fiável e detentor de
conhecimento cabal. É para o leitor que hipoteticamente respeita o jornal como “fonte
primária”, haja vista a prática discursiva que o faz parecer próximo e/ou na origem da
informação – tal como assinalamos na análise de Violencia en Brasil (2020) – que os
editoriais são produzidos. Ao que parece, o jornal coloca em circulação uma opinião já
formada entre o público, procurando consolidar o que supostamente seriam as
expectativas dos demais participantes da interação discursiva. Nossa leitura pode ser
reforçada pelo juízo expresso no manual do jornal a respeito de quem detém a posse da
informação: “Desde que foi fundado, no EL PAÍS, considera-se que os leitores são os
proprietários definitivos da informação, e os jornalistas, tão somente os mediadores entre
os dois” (EL PAÍS, 2014, p.8, tradução nossa)22.
A densidade dos parágrafos contrasta com a imagem colorida que ilustra cada
enunciado e produz certa leveza na página (vide Anexo A). Talvez resida, nesse recurso,
o traço mais evidente, no gênero analisado, da integração do El País a um dos preceitos
do jornalismo em meio digital: a multimedialidade (PALACIOS, 2003). Trata-se,
contudo, de uma integração comedida se consideramos que o uso de imagens estáticas
coloridas se tornou bastante comum nas práticas jornalísticas há, pelo menos, três
décadas. A “novidade” reside no emprego dessas imagens em um gênero que,
historicamente e, principalmente, em edições impressas, não é ilustrado. Por meio da

22
No original: “Desde que se fundó, en EL PAÍS se ha considerado que son los lectores los propietarios
últimos de la información, y los periodistas tan sólo los mediadores entre aquéllos y ésta”.
Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022. 155
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fotografia, o jornal procura assegurar uma espécie de pausa para o ciberleitor, um
indivíduo supostamente familiarizado com a linguagem verbo-visual, e marcar a
proximidade entre a opinião da empresa jornalística e a situação extralinguística: a vida
é em cores.
A hipertextualidade (PALACIOS, 2003), outra característica dessa forma de
jornalismo, não se verifica no corpus. Ao longo dos enunciados, não há elementos
destacados que, acionados por meio de um clique, remetem a outro hipertexto. No
entanto, o jornal, como afirmamos anteriormente, não se abstém do emprego de links23.
Em seu manual de estilo, na parte reservada à prescrição de normas para as
notícias veiculadas no site (extensivas aos demais gêneros jornalísticos), os links são
considerados elementos diferenciais da internet destinados a contribuir com mais
informação e referências, ajudar na contextualização e aumentar o tempo de navegação
(EL PAÍS, 2014). Quanto a seu emprego, afirma-se: “É preciso considerar que os links
podem desviar o leitor do relato principal e, portanto, devem ser usados com
comedimento” (EL PAÍS, 2014, p.46, tradução nossa)24.
Se a presença de links ao longo de um enunciado jornalístico, por um lado, pode
conferir certa liberdade ao leitor para construir seu percurso de leitura, não
necessariamente linear, e preencher supostas lacunas de conhecimento, sua ausência, por
outro lado, pode ser vista como um indício de que o leitor presumido está bem informado
e valoriza um modo de leitura mais próximo daquele que se dá na edição impressa.
A apresentação desse recurso sob a forma de olho, ao que parece, reforça o diálogo
com um leitor cativo da seção Opinião, visto que os links remetem, na maioria das vezes,
a editoriais correlacionados. Ela também aponta para uma estratégia do El País de
aproximar o gênero editorial de sua versão impressa, por prescindir do hipertexto, ao
mesmo tempo em que reconhece a importância comercial de divulgar matérias
jornalísticas e manter o leitor por mais tempo no site. Em outras palavras, a exemplo da

23
Os editoriais sobre o Brasil publicados na edição espanhola são traduzidos e postos em circulação também
na edição brasileira do El País. No entanto, nesse contexto, como se pode observar em A queda da violência
num Brasil envolto no mistério da morte de Adriano da Nóbrega (2020), tradução de Violencia en Brasil
(2020) reproduzida, aqui, no Anexo B, o jornal “abusa” do emprego de links e define um título para o
enunciado que em nada se aproxima do verificado no corpus de análise. Grosso modo, esses aspectos do
estilo do enunciado endereçado especificamente ao público brasileiro sugerem uma alteração substancial
na relação dialógica estabelecida entre o El País e o leitor que merece ser examinada.
24
No original: “Ha de tenerse en cuenta que los enlaces pueden desviar al lector del relato principal y, por
tanto, han de usarse con comedimiento”.
156 Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022.
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justificativa dada pelo El País, no final dos anos 1990, para a inclusão de fotografias
coloridas na edição impressa, os links, nos editoriais, também parecem responder ao
desejo do jornal de adequar-se às novas tecnologias sem, no entanto, renunciar ao rigor e
à qualidade que supostamente conformam sua identidade. Essa prática jornalística, em
alguma medida, expõe um olhar sobre o on-line a partir do impresso que pode implicar
preconceitos, tal como ocorre, no campo dos estudos da linguagem, quando a modalidade
oral da linguagem é “lida” a partir da modalidade escrita25.
Por fim, as escolhas lexicais – comuns, frequentes, de fácil compreensão –
reiteram o diálogo com um público leitor heterogêneo:

Os jornalistas hão de escrever com o estilo dos jornalistas, não com o


dos políticos, dos economistas ou dos advogados. Os jornalistas têm a
obrigação de comunicar e tornar acessível ao público em geral a
informação técnica ou especializada. A presença de palavras eruditas
não explicadas reflete a incapacidade do redator para compreender e
transmitir uma realidade complexa (EL PAÍS, 2014, p.31, tradução
nossa)26.

A ocorrência de três latinismos é exemplar do “estilo” dos jornalistas


recomendado no manual de estilo. As locuções ex post e ex ante aparecem no enunciado
El Peñón y el veto, de 5 de fevereiro de 2020, acompanhadas de uma explicação entre
parênteses. Elas remetem a um contexto muito específico dos acordos estabelecidos no
marco da União Europeia:

Pese a ese traspiés diplomático, que conviene no repetir —y menos aún


en un asunto tan sensible—, esta eventual nueva mesa podría prestar
algunos servicios complementarios, a condición estricta de que el papel
en ella de España no se produzca ex post (en la fase de validación de
los acuerdos) sino ex ante (con carácter previo a su fragua) (EL
PEÑÓN, 2020)27.

25
Para uma história do pensamento sobre fala e escrita, suas dicotomias e paradigmas, ver Marcuschi
(2004).
26
No original: “Los periodistas han de escribir con el estilo de los periodistas, no con el de los políticos,
los economistas o los abogados. Los periodistas tienen la obligación de comunicar y hacer accesible al
público en general la información técnica o especializada. La presencia de palabras eruditas no explicadas
refleja la incapacidad del redactor para comprender y transmitir una realidad compleja”.
27
Em português: “Apesar deste revés diplomático, que convém não se repetir – e muito menos em um
assunto tão delicado – essa eventual nova reunião poderá contribuir com alguns serviços complementares,
com a estrita condição de que o papel da Espanha não ocorra ex post (na fase de validação dos acordos),
mas ex ante (com caráter prévio à sua formalização)”.
Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022. 157
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No entanto, no enunciado Mal momento, de 11 de fevereiro de 2020, também
relacionado ao bloco econômico, sine die é empregada sem qualquer explicação, o que
pode ser interpretado como um indício do pertencimento dessa locução ao conhecimento
supostamente partilhado entre o redator e o leitor:

Si también se demora sine die un acercamiento de la política fiscal entre


los socios europeos y sigue sin concretarse la recuperación de los
ingresos fiscales escamoteados por los grupos tecnológicos, queda
reforzada la percepción pesimista de que la UE no valora la cohesión
social o económica (MAL, 2020)28.

A nosso ver, essa ocorrência demonstra que o emprego de um léxico acessível


visa a abarcar um auditório muito diverso sem, no entanto, desprezar seu conhecimento29.
Na relação dialógica estabelecida por meio do estilo dos enunciados, fica
evidenciada a razão pela qual o público leitor presumido é, também, cativo: os editoriais
do El País são produzidos com linguagem acessível, versam, em sua maioria, sobre
assuntos que não se restringem ao contexto mais imediato da interação discursiva, são,
além do mais, informativos.
Com isso, o El País dialoga com um público leitor absolutamente heterogêneo,
formado, principalmente, por espanhóis, outros europeus e latino-americanos, fazendo
valer, por meio das escolhas linguísticas, sua difusão em escala mundial. Para uma
empresa que se autodenomina global, uma linguagem clara, acessível, partilhada por
falantes nativos de diferentes variedades da língua espanhola e estrangeiros é tão
fundamental quanto a defesa de valores democráticos e de pautas relacionadas a direitos
humanos e a mudanças políticas e sociais. Corroboram nossa leitura as palavras do então
presidente do Grupo PRISA, Juan Luis Cebrián, em sua autobiografia:

Queria fazer um jornal de perfil equilibrado e sucinto, um jornal sóbrio,


bem escrito, documentado em suas análises e plural em suas opiniões.
(...) lido e respeitado, tanto pela elite como pelas pessoas comuns, que

28
Em português: “Caso também se prorrogue sine die uma aproximação da política fiscal entre os sócios
europeus e continue sem se concretizar a recuperação das receitas fiscais sonegadas por grupos de
tecnologia, ficará reforçada a percepção pessimista de que a União Europeia não valoriza a coesão social
ou econômica”.
29
Outro indício de que o jornal não desqualifica seu leitor, talvez, resida no fato de que a frase em português
estampada na camiseta da brasileira retratada na fotografia que ilustra o editorial Violencia en Brasil (2020)
tampouco foi traduzida.
158 Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022.
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desempenhasse um papel essencial na formação da opinião pública
(CEBRIÁN apud ARIAS, 2017).

A comunidade de leitores da edição digital, dados seus números expressivos,


parece responder ao diálogo validando o editorial, não como um gênero sério,
excessivamente formal e/ou distante do público em geral, mas como um evento da vida
social.

Considerações finais

A análise que realizamos dos editoriais em língua espanhola veiculados na edição


digital do El País revela um processo axiológico de responsividade, ao que parece,
pautado na consideração da grande diversidade do público leitor e de sua proficiência.
O diálogo com um auditório consideravelmente amplo e heterogêneo se revela na
arquitetônica e nas três dimensões do gênero analisado: em seu conteúdo temático, em
sua construção composicional e em seu estilo.
A seleção do que merece a opinião da empresa jornalística demonstra que o leitor
presumido não se restringe aos residentes no território espanhol, mas avança,
principalmente, as fronteiras dos demais países pertencentes ao continente europeu e se
localiza também no continente americano. A suposição da diversidade etnolinguística
entre os destinatários do jornal (indivíduos falantes de diferentes variedades da língua
espanhola e estrangeiros) evidencia a importância da escolha de recursos lexicais claros,
descomplicados, compreensíveis. Essa estratégia pretende contemplar um público leitor
absolutamente diverso e “democratizar” o acesso à informação e à opinião fundamentada,
um eufemismo para o que, em outro momento histórico, poderia ser considerado
expansionismo.
O leitor presumido pelo El País não apenas lê em língua espanhola, mas lê textos
com uma configuração espessa e de caráter opinativo. Não fosse assim, que razão teria o
jornal para sugerir a leitura de outros editoriais quando poderia reter o tempo de
navegação do leitor com qualquer outro gênero jornalístico?
É evidente que o jornal também pressupõe um leitor ocasional que acessa suas
páginas a partir de redes sociais e sistemas de busca e parece um pouco despreparado. A
presunção desse leitor, seja por meio da ilustração dos enunciados com grandes
Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022. 159
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fotografias coloridas ou da apresentação prévia de seu título, subtítulo e imagem em
miniatura, a nosso ver, é um sinal do funcionamento do campo jornalístico em meio
digital, uma atividade comercial que não pode prescindir dos cliques. Sua presença na
edição digital do El País, entretanto, não se sobrepõe à presença do leitor considerado “de
fato” e “de direito”.
Essa oscilação no diálogo estabelecido entre o jornal e um leitor ora habitual, ora
eventual pode ser vista como um efeito da produção, circulação e recepção dos
enunciados analisados em meio digital. De acordo com Grillo (2005, p.174), “a relação
do enunciado com seus co-enunciadores – a antecipação de sua atitude responsiva, o
conhecimento de sua posição social, seus gostos, suas preferências etc. – também é
condicionada pelas especificidades de um campo”. Nossa análise aponta indícios de que
a digitalização das práticas do campo jornalístico altera o produto da inter-relação
estabelecida entre o El País e seu horizonte social.
Do ponto de vista teórico adotado, pode-se afirmar que estão em curso mudanças
relacionadas ao vínculo indissociável entre a totalidade interna dos editoriais e a realidade
externa axiológica. A partir da internet, a imagem típica do leitor de jornal se altera. Se
comparada ao impresso, uma nova arquitetônica começa a tomar corpo fundamentada na
considerável ampliação do público leitor e dos limites de tempo e espaço impostas ao
campo jornalístico. Sendo assim, esse conceito, ainda pouco explorado nos estudos
bakhtinianos, mostra-se bastante produtivo para a análise dos gêneros de discurso cujo
modo de circulação se dá de forma on-line e para a apreensão de suas idiossincrasias
socioculturais, históricas e discursivas.
Consideramos, por fim, que a forma arquitetônica determinante da forma
composicional dos enunciados analisados está alicerçada na avaliação de que a leitura faz
parte dos hábitos dos participantes da interação discursiva e de que a língua espanhola
apresenta um inestimável valor econômico. É por essa razão que, em seus editoriais, o El
País pode renunciar a um estilo que poderia distanciá-lo do grande público.

REFERÊNCIAS
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El País, Editoriais, São Paulo, 18 fev. 2020. Disponível em:
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problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 2. ed. Tradução,
ensaio introdutório, glossário e notas Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São
Paulo: Editora 34, 2018.
VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia: para
uma poética sociológica. In: VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia.

162 Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022.


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Organização, tradução, ensaio introdutório e notas Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova
Américo. São Paulo: Editora 34, 2019. p.109-146.

Declaração de autoria e responsabilidade pelo conteúdo publicado

Declaramos que ambas as autoras tiveram acesso ao corpus de pesquisa,


participaram ativamente da discussão dos resultados e revisaram e
aprovaram o processo de preparação da versão final do artigo.

Recebido em 11/02/2021
Aprovado em 16/09/2021

Pareceres

Parecer I
O artigo tem por objetivo discutir os editoriais do jornal espanhol El País numa
perspectiva discursiva bakhtiniana. O título já sintetiza de modo preciso o que se discute
no artigo, cuja organização textual permite acompanhar o desenvolvimento lógico da
proposta. A parte teórica que fundamenta a pesquisa está adequada à proposta e apresenta
com coerência as categorias que são exploradas nos editoriais selecionados como objetos
de análise. A pesquisa é coerente e representa a etapa de um projeto mais amplo. Numa
linguagem clara e objetiva sem problemas redacionais torna mais explícita sua proposta
investigativa. As obras e os autores mencionados estão adequados à proposta de pesquisa
na perspectiva dialógica da linguagem. Por isso considero o artigo adequado à publicação.
APROVADO
Miriam Bauab Puzzo - https://orcid.org/0000-0002-0046-7159; [email protected];
Universidade de Taubaté: Taubaté, SP, Brazil;

Parecer II
O artigo atende à maioria dos critérios de avaliação estabelecidos pela revista: o título é
adequado, os objetivos são claramente explicitados e o desenvolvimento do texto é
coerente com a proposta. A linguagem é correta, clara e adequada ao trabalho científico.
No entanto, a discussão teórica poderia ser mais ampla e aprofundada. A apresentação da
noção de gênero a partir do ensaio “Os gêneros do discurso” retoma elementos bastante
conhecidos, mas o componente expressivo, inseparável da posição do autor, ou seja, o
posicionamento axiológico, importantíssimo no gênero analisado, não é explorado nem
na parte teórica nem na análise. A noção de arquitetônica também merece um
aprofundamento, tendo em vista que é apontada como uma categoria de análise. Sugiro
um aprofundamento das noções indicadas no parecer. APROVADO COM RESTRIÇÕES

Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022. 163


Todo conteúdo de Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso está sob Licença Creative Commons CC - By 4.0.
Doris Arruda Cunha - https://orcid.org/0000-0001-5349-2887;
[email protected]; Universidade Católica de Pernambuco: Recife, PE,
Brasil; Universidade Federal de Pernambuco: Recife, PE, Brasil;

Parecer editorial
Considerando os pareceres acima, solicitamos aos autores que atendam as solicitações do
segundo parecerista, revisem o texto e o reenviem para o email da revista
[email protected] até 05-04-2021 para nova avaliação.

Parecer III
O artigo foi reapresentado com acréscimos na fundamentação teórica em relação à versão
anterior. Conforme avaliação anterior, o texto atende à maioria dos critérios de avaliação
estabelecidos pela revista: o título é adequado, os objetivos são claramente explicitados e
o desenvolvimento do texto é coerente com a proposta. A linguagem é correta, clara e
adequada ao trabalho científico. Os acréscimos feitos referem-se à noção de arquitetônica
e ao posicionamento axiológico. APROVADO
Doris Arruda Cunha - https://orcid.org/0000-0001-5349-2887;
[email protected]; Universidade Católica de Pernambuco: Recife, PE,
Brasil; Universidade Federal de Pernambuco: Recife, PE, Brasil;

Parecer final
Considerando o parecer anexado, o artigo “Editoriais do El País a partir da perspectiva
dialógica” está APROVADO. Solicitamos que realize a atenta leitura das orientações a
seguir, com os próximos passos para edição e publicação em Bakhtiniana. Revista de
Estudos do Discurso e reenvie os textos para o email [email protected] até
30-05-2021.

164 Bakhtiniana, São Paulo, 17 (1): 138-165, jan./março 2022.


Todo conteúdo de Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso está sob Licença Creative Commons CC - By 4.0.
Anexos
Criminalid ad : Violencia en Brasil | Op inión | EL PAÍS 3 0 /0 8/20 20 10 (5 6

OPINIÓN
ANEXO
Te quedan 9
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ANEXO B
EDITORIAL ›

Violencia en Brasil
Los asesinatos han caído un 19% en 2019, per o el año pasado se
r egistr ar on m ás de 41.000 cr ím enes
EL PAÍS

16 FEB 20 20 - 20 :24 BRT

La madre del adolescente Marcus Vinicius da Silva, que perdió la vida en junio de 20 18 a manos de la
policía. FERNANDO SOUZA

Los asesinatos cayeron en Brasil un 19% en 20 19, el mayor descenso desde que
comenzó el recuento que gracias a una iniciativa de la sociedad civil reúne y
homologa los datos estatales desde 20 0 7. Es una noticia esperanzadora, pese a

que con más de 41.0 0 0 muertos el gigante sudamericano se mantiene entre los
países más violentos del mundo. Son casi 10 .0 0 0 asesinados menos que un año
antes y también han disminuido otros delitos, como los robos o las violaciones.
Los datos confirman una tendencia que asomaba hacía meses. Son logros
importantes porque la inseguridad es una de las principales preocupaciones de
los 210 millones de brasileños, sean ricos o pobres. Y es lógico que el Gobierno
del presidente Bolsonaro se felicite por ello.

Sin embargo, hay otro dato que no se

EDITORIALES puede obviar. Las muertes en


ANTERIORES operaciones policiales —también entre
las más altas del mundo— han
Bolsonaro vs. Lula
aumentado notablemente, sobre todo
División en Brasil en el Estado de Río de Janeiro, donde

Ante Bolsonaro hubo más de 1.80 0 víctimas el año


pasado, el máximo en dos décadas. Es
un nivel de letalidad policial
incompatible con un Estado de derecho afianzado, en el que las fuerzas de
seguridad tienen el deber de proteger a la ciudadanía en lugar de ser
consideradas por amplios sectores de la sociedad como una amenaza.

Las estadísticas muestran que la mayoría de las víctimas de acciones policiales


son hombres negros y pobres que mueren alcanzados por disparos en
incursiones contra el tráfico de drogas en favelas. Rara vez las investigaciones
sobre esas muertes determinan que los agentes se excedieron en el uso de la
fuerza, lo que refuerza una sensación de impunidad.

El presidente Bolsonaro atribuye a su Gobierno la histórica caída de los


asesinatos en su primer año de mandato, pero nada dice de las cifras de
fallecidos en operativos policiales que han hecho saltar las alarmas incluso en
Naciones Unidas. Su pretensión de blindar por ley a los agentes que abaten a
sospechosos en intervenciones policiales fue frenada en el Congreso, pero su
intención de flexibilizar la compra y tenencia de armas es firme. Los especialistas

atribuyen el descenso de las muertes violentas a una conjunción de factores que


van más allá de la acción del Gobierno federal, y advierten contra el uso de la
caída de los delitos para legitimar el abuso de la fuerza. La muerte de un antiguo
policía sospechoso del crimen que le costó la vida a la concejal izquierdista
Marielle Franco ha puesto el foco sobre las bandas criminales de exagentes y
sobre sus conexiones con políticos locales, sospechas que salpican al senador
Flávio Bolsonaro. El presidente no puede obviar esta realidad. Tiene la obligación
de despejar cualquier tipo de relación y tomar medidas para evitar un mayor
daño a la democracia.

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