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Diss Juliana

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INST

TITUTO
O DE PS
SICOLO
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Proogramaa de Póss-Graduuação em
e Psicoologia - Mestra
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Áreaa de Cooncentração: Psicolog
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BERLÂNDDIA
2010
Julliana de Paula Medeiros

VÍNCULO MÃE-BEBÊ: OS ENCONTROS POSSÍVEIS EM


UMA UTI NEONATAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Psicologia – Mestrado, do
Instituto de Psicologia da Universidade Federal
de Uberlândia, como requisito parcial para a
obtenção do Título de Mestre em Psicologia
Aplicada.

Área de Concentração: Psicologia Aplicada


Eixo Temático: Psicologia da Saúde

Orientadora: Profa. Dra. Rita de Cássia Gandini


Co-orientador: Prof. Dr. João Luiz L. Paravidini

UBERLÂNDIA
2010
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.

M488v Medeiros, Julliana de Paula, 1971-


Vínculo mãe-bebê [manuscrito] : os encontros possíveis em uma
UTI neonatal / Julliana de Paula Medeiros. - 2010.
109 f.

Orientadora: Rita de Cássia Gandini.


Co-orientador: João Luiz L. Paravidini.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Uberlândia,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Inclui bibliografia.
1. Mãe e filhos - Teses. 2. Neonatologia - Teses. I. Gandini, Rita
de Cássia. II. Paravidini, João Luiz Leitão. II. Universidade Federal
de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em Psicologia.III.Título.

CDU: 159.922.74
Julliana de Paula Medeiros

VÍNCULO MÃE-BEBÊ: OS ENCONTROS POSSÍVEIS EM


UMA UTI NEONATAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Psicologia – Mestrado, do
Instituto de Psicologia da Universidade Federal
de Uberlândia, como requisito parcial para a
obtenção do Título de Mestre em Psicologia
Aplicada.

Área de Concentração: Psicologia Aplicada


Eixo Temático: Psicologia da Saúde

Orientadora: Profa. Dra. Rita de Cássia Gandini


Co-orientador: Prof. Dr. João Luiz L. Paravidini

Banca Examinadora

_________________________________________
Profa. Dra. Rita de Cássia Gandini

________________________________________
Prof. Dr. João Luiz Leitão Paravidini

________________________________________
Prof. Dra. Maria José Ribeiro

__________________________________________
Profa Dra. Denise Streit Morsch
Dedico esse trabalho,

Ao Douglas,
Desde que você chegou,
O mundo se tornou um lugar
Melhor pra se viver.

À Daniela Florentino,
Cuja alma se entrelaçou a minha,
Por desígnios do Universo.
Agradecimentos

Aos meus pais, Esmeralda e Luis Carlos, meus primeiros amores, por terem tido a
coragem e o afeto necessário para fazerem do seu desejo de ter um filho, uma realidade. Sou
imensamente grata pela minha vida e pelos cuidados que puderam me ofertar.
À minha madrinha Guaraciaba, por seu amor e compromisso, imprimiu em mim o
significado dessa função. Sempre terá meu carinho pelos cuidados que recebi.
À Profa. Dra. Rita de Cássia Gandini, minha orientadora, pela “maternagem” e pela
disponibilidade para me orientar e supervisionar para muito além dos casos clínicos trazidos
para o estudo. Com seu imenso afeto, nos emocionamos muito, muitas vezes. Obrigada por ter
se encantado junto comigo.
Ao Prof. Dr. João Luiz Leitão Paravidini, pela disponibilidade e generosidade de ter
aceitado ser meu co-orientador, e com o trabalho já andando, ter aberto espaço em sua vida
para contribuir decisivamente com essa pesquisa.
À Marineide D.S.Cabral, secretária do Programa de Pós-Graduação pelo compromisso
com que assume esse lugar, o que é fundamental para que o nosso trabalho aconteça.
Ao meu amigo, Rodrigo, pela amizade, imenso afeto e leitura disponível e atenta a
esse texto. É tão bom saber que é possível construir uma amizade como essa em qualquer
momento de nossas vidas.
À Edma, muito mais que uma amiga, minha irmã, com quem muito aprendo sobre o
sentido da maternagem, na sua prática mais terna.
Aos amigos recentes e antigos, todos eternos, Andresa, Daniel, Walter, Patrícia,
Isabela e Wanderlei, cúmplices carinhosos das minhas conquistas.
Ao serviço de psicologia do HC/UFTM pela viabilização dessa pesquisa e, em
especial, à equipe de profissionais da UTIN dessa instituição, por sua sensibilidade que
possibilitou minha atuação nesse espaço.
Às mães que participaram dessa pesquisa, sou muito grata por terem me permitido
estar junto de vocês, testemunhando suas dores e suas alegrias mais íntimas. Obrigada por
tudo que vivenciei junto a vocês, às vezes entre lágrimas e muitas vezes, entre sorrisos.
Aos bebês da UTIN, por ter podido junto a vocês ser cúmplice do mais radical desejo
de viver e de conquistar o primeiro amor, que afinal, é o primeiro amor de todos nós. Que
saudade!
O encontro entre um adulto e um bebê é
sempre ‘um espaço de narrativa’, no qual cada
um conta ao outro algo do que já viveu.
(Golse, 2004)
Resumo

Esse estudo teve como objetivo compreender como se constitui a função materna em situação
de internação de bebês pré-termo em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). A
pesquisa foi realizada no Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
no período entre março e junho de 2009. Foram entrevistadas cinco mães, casadas, com
idades entre 28 e 34 anos. A abordagem utilizada nesse trabalho foi de orientação
psicanalítica e funda-se no fenômeno transferencial. A pesquisa ocorreu em uma perspectiva
dialógica e a intersubjetividade se constituiu um elemento fundamental dessa investigação
psicanalítica. A UTIN pode ser pensada como um espaço simbólico para a ressignificação da
vivência traumática do nascimento pré-termo na medida em que puder transitar entre as
funções materna e paterna dos bebês que ali estão internados. A construção da função materna
depende da relação dessa mãe com sua própria infância, da forma como o bebê foi antecipado
ao longo da gestação e da capacidade de investir seu desejo em seu filho e para além dele. A
maternagem se dá a partir de uma série de atribuições maternas ao seu bebê, pela imersão do
bebê em um universo de palavras, que o inscrevam em uma linhagem familiar e o reconheçam
como um ser desejante. Isso só pode ocorrer se a mãe conseguir investir narcisicamente em
seu filho real, vivendo a elaboração do luto do filho imaginário, criando um espaço psíquico
entre mãe e bebê, o que só é possível se essa mãe tiver inscrito em si o terceiro. Dentre os
fatores e microfatores que contribuem para uma boa vinculação mãe-bebê podemos destacar o
acolhimento da equipe de saúde neonatal e a participação ativa no cuidado do bebê. Como
obstáculos, a ausência de contato no nascimento, a passividade do bebê frente ao cuidado
materno e a dificuldade em manter o resguardo devido aos deslocamentos hospital-casa-
hospital. Ainda como limitante para a vinculação do ponto de vista intrapsíquico, temos a
necessidade de lidar com a possibilidade de perda do bebê e a dificuldade de investimento
narcísico materno, o que pode se tornar intolerável na situação em que o bebê pré-termo
apresente mal-formação visível.

Palavras-chave: pré-termo, neonatalogia, função materna, vínculo mãe-bebê.


Abstract

This study has as the purpose of understanding the maternal role in the hospitalization of
preterm infants in a Neonatal Intensive Care Unit (NICU). The research was conducted at
Hospital das Clínicas, Universidade Federal do Triângulo Mineiro in the period between
March and June of 2009. Were interviewed five mothers, married, aged between 28 and 34
years. The approach used in this study is the psychoanalysis and is based on the transference
phenomenon. The research took place in a dialogical perspective and the intersubjectivity has
constituted a fundamental element of this psychoanalytic investigation. The NICU can be
thought of as a symbolic space to the reframing of the traumatic experience of premature
birth, the extent to which you can shift between motherly and fatherly functions of babies who
are hospitalized there. The construction of the maternal function depends on the relation
between this mother with her own childhood, how the baby was anticipated throughout
gestation and the ability to invest in her desire for her son and beyond him. The motherly care
is given from a series of assignments mother to her baby, by immersing the baby in a word
universe that fall into one family line and that recognizes him as a desiring being. This con
only occur if the mother is narcissistically able to reinvest in their real child, living the
elaboration of mourning of the imaginary son, creating a psychological space between mother
and baby, which will only happens if the mother has internalized the third. Among the factors
and micro factors that contribute to a good mother-infant attachment we can highlight the
acceptance of the neonatal health care team and the active participation in the care of the
baby. On the other hand, as barriers, we have the lack of contact at birth, the passivity of the
baby receiving the maternal care and the difficulty in maintaining the confinement period due
to shifts hospital-home-hospital. Yet, as a inner psychic point of view a limitation for the
binding, we need to deal with the possibility of losing the baby and the difficulty of
narcissistic maternal investment, which can become unbearable in a situation where the
premature baby presenting a visible bad formation.

Keywords: preterm, neonatal, maternal role, mother-infant bond.


Lista de tabelas

Página

Tabela 1: Número de nascidos pré-termo no Brasil................................................................06

Tabela 2: Microfatores para vinculação mãe-bebê................................................................ 93

Tabela 3: Fatores para vinculação mãe-bebê......................................................................... 93


Lista de Anexos

Página

Anexo I. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido......................................................105

Anexo II. Ficha de Registro.................................................................................................106

Anexo III. Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.........................108

Anexo VI. Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos

(Adendo)............................................................................................................................109
Sumário

1 Introdução .......................................................................................................................... 1
1.1 Dados sobre nascimentos pré-termo ...................................................................... 6
1.2 Tempo de gravidez: a construção da função materna ............................................ 8
1.2.1 A gestação do filho imaginário ................................................................................ 8
1.2.2 O nascimento pré-termo ......................................................................................... 13
1.2.3 O bebê, um ser da linguagem ................................................................................. 20
1.3 As competências de sua majestade, o bebê .......................................................... 25
1.4 Pesquisas sobre a relação mãe-bebê pré-termo: uma revisão bibliográfica ......... 28
1.5 Objetivos .............................................................................................................. 39
2 Método ............................................................................................................................. 40
2.1 A Unidade ............................................................................................................ 40
2.2 As mães e seus bebês ........................................................................................... 43
2.3 Caminhos percorridos .......................................................................................... 45
3 UTIN: espaço de encontros e despedidas......................................................................... 50
3.1 A função simbólica da UTIN ............................................................................... 50
3.2 Os encontros ......................................................................................................... 54
3.2.1 Raquel, a mãe que precisa de mãe ......................................................................... 55
3.2.2 Gabriela, a mãe que não se encontrou ainda .......................................................... 62
3.2.3 Solange, a mãe que tranquilamente embala ........................................................... 70
3.2.4 Marlene, a mãe que autorizada pelo marido, pôde se vincular. ............................. 78
3.2.5 Carla, a mãe que teme o próprio desejo. ................................................................ 82
3.3 Fatores e microfatores .......................................................................................... 88
4 Uma síntese possível ........................................................................................................ 94
5 Considerações finais......................................................................................................... 98
6 Referências ..................................................................................................................... 100
7 Anexos............................................................................................................................ 105
7.1 Anexo I. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................................... 105
7.2 Anexo II. Ficha de Registro ............................................................................... 106
7.3 Anexo III. Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos ........ 108
7.4 Anexo VI. Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos sobre
Alterações no Projeto de Pesquisa (Adendo) ................................................................. 109
1 Introdução

Minha atuação como psicóloga voluntária na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro no período

compreendido entre setembro de 2007 a junho de 2009 visou o cuidado com as mães cujos

bebês nascidos pré-termo1 foram internados nessa Unidade e o cuidado com a relação dessas

mães com seus bebês, no sentido de auxiliá-las na vivência desses novos significados

atribuídos à maternidade com busca do alívio do sofrimento psíquico por elas vivenciados. Na

minha prática como psicóloga, houve uma preocupação em compreender o estado psicológico

da mãe frente ao que está vivenciando, e seus recursos para lidar com essa nova demanda de

cuidados, e a partir daí, procurar auxiliá-la a entrar em contato com o bebê e com a relação

que ambos construirão, e que se efetiva na UTI Neonatal2.

Quando entrei no ambiente de uma UTIN pela primeira vez, o que foi revelado a mim

em um primeiro plano foi a aparelhagem sofisticada e ainda a equipe técnica com suas

funções estritamente específicas, que parecia estar ininterruptamente executando algum

procedimento. Posteriormente, como num jogo figura-fundo, em um segundo momento, os

bebês se destacaram, em suas incubadoras ou berços, aparentemente, frágeis e inertes, sendo

submetidos a aparelhos e procedimentos fundamentais para a manutenção de suas vidas, e que

eram ao mesmo tempo, profundamente invasivos. Ao perceber assim o ambiente da UTIN no

qual as mães de bebês pré-termo, encontravam pela primeira vez seu filho, percebi que os

aspectos facilitadores da construção da relação mãe-bebê, pareciam não caber naquele espaço.

Ali, logo no primeiro momento, o que se revelava era um ambiente de interdição, pois à mãe

1
Definiremos melhor, posteriormente o que significa o nascimento pré-termo, mas para esclarescimento inicial é
terminologia usada para nascimentos que ocorrem antes do bebê completar 36 semanas de idade gestacional. Oss
termos nascimento e bebê prematuros ainda serão usados quando estivermos nos reportando a autores que usem
essa terminologia.
2
Usaremos ao longo do texto as terminologias UTIN e Unidade para me referir à Unidade de Terapia Intensiva
Neonatal e Pediátrica e ainda serviço e equipe quando estiver tratando dos profissionais (de saúde ou administrativos)
que trabalham nesse espaço.
2

era vetado acalentar seu filho no colo, amamentá-lo, e nesse aconchego impossibilitado, não

podia tê-lo face-a-face. Era um ambiente em que, pelo menos num primeiro momento, a festa

do nascimento e a certeza de que tudo correu bem, não estavam presentes (Agman, Druon &

Frichet, 1999; Cunha, 2004).

Compreendendo a dor psíquica e nem sempre silenciosa que se instaurava nesse

ambiente, meu trabalho como psicóloga se ancorou na Resolução Nº. 13/2007 do Conselho

Federal de Psicologia que instituiu as atribuições do especialista em psicologia hospitalar,

dentre as quais:

“Atende a pacientes, familiares e/ou responsáveis pelo paciente; membros da


comunidade dentro de sua área de atuação; (...) visando o bem estar físico e
emocional do paciente; (...). Promove intervenções direcionadas à relação
médico/paciente, paciente/família, e paciente/paciente e do paciente em relação
ao processo do adoecer, hospitalização e repercussões emocionais que
emergem neste processo” (Conselho Regional de Psicologia, 2007).

Nessa Unidade, observei que as mães vivenciavam diversas dificuldades na construção

da função materna na situação de nascimento pré-termo que era, para uma parcela

significativa dos casos, inesperada. Era um desafio para essas mães se constituírem como tais

em um ambiente tecnológico tão distanciador do contato como é o ambiente da UTIN. Percebi

pelo acompanhamento feito a essas mães ao longo do tempo, que algumas conseguiram

encontrar meios de vivenciar a relação com seu bebê desde o primeiro contato na Unidade,

construindo seu lugar de mãe; que outras, com algumas intervenções, fizeram o mesmo

caminho, porém havia algumas mães que apresentavam bastante dificuldade em se constituir

como mães. Essas acabaram também apresentando em suas falas, um sofrimento psíquico

para o qual a intervenção mais apropriada poderia ser psicoterapêutica. Devido à diversidade

dos fatores que influenciava o restabelecimento físico e psicológico da mãe, aspectos

relevantes podiam passar despercebidos pela equipe de saúde. Isso nos fez querer, tanto

compreender o que melhor definiremos ao longo do trabalho como construção da função


3

materna na situação de nascimento pré-termo, mas também encontrar uma forma de avaliação

dos aspectos que contribuíram para a construção do vínculo mãe-bebê em um ambiente de

internação em UTIN.

Ainda nessa Unidade, observei que a relação mãe-bebê estabelecida era mediada pelos

profissionais de saúde que lá estavam garantindo a vida do bebê pré-termo, e realizando desde

procedimentos de cuidado extremamente complexos a cuidados como a troca de fraldas e a

higiene dos bebês. Como a presença dos pais era permitida, com raras exceções, apenas nos

horários de visita, à mãe não era possibilitado o compromisso com os cuidados básicos com

seu próprio filho mesmo desejando fazê-lo, nem ficar com seu bebê tempo suficiente para

conhecer sua rotina, acompanhando-a e respondendo às suas necessidades. Quando o bebê

tinha alta, ele passava da Unidade para a Enfermaria Pediátrica e a partir desse momento, a

mãe se tornava acompanhante obrigatória de seu filho, exigindo-se dela uma constância de

presença, de cuidado e ainda de reconhecimento das necessidades do mesmo. Essas eram

mudanças abruptas na rotina da mãe que por não ter vivido o processo de identificação com o

filho através do reconhecimento e atendimento às suas demandas, sentia-se, nesse novo

espaço, insegura para a realização do cuidado básico e até mesmo, às vezes, desvinculada de

seu filho. Em decorrência desse tipo de rotina de trabalho na UTIN, observava-se uma falta de

preparo da mãe para se relacionar com esse bebê real que apresentava demandas que ela

desconhecia. O que se estabelecia inicialmente como um sentimento de incapacidade de

cuidar, podia se agravar, transformando-se em uma dificuldade de vinculação. Segundo

Thomaz, Lima, Tavares e Oliveira (2005), os pais conhecem seus bebês reais à medida que

cuidam dos mesmos e uma rotina na Unidade que permita e estimule esse cuidado facilita a

construção do vínculo entre os pais e seus bebês recém nascidos.

“Para a realização da predisposição materna à dedicação e seus


comportamentos concomitantes precisam de um contato próximo e contínuo
com o seu bebê. A mãe precisa das alegrias e tristezas, medos e alívios do
4

bebê, que a recompensam quando ela cuida direito e ele responde


positivamente, dos desesperos temporários quando ela falha” (Lyth, 2008, p.
74)

Essa situação poderia ainda se tornar mais delicada quando posteriormente ocorresse a

alta do bebê para sua casa. Enquanto internado no hospital, seja na UTIN ou na Pediatria, uma

equipe de saúde, de forma mais ou menos intensa, estava presente, respondendo ao bebê em

suas necessidades fisiológicas e, dependendo da situação, do nível de vinculação construído

entre equipe e bebê, incluindo, muitas vezes, demandas emocionais do mesmo. A não

construção do vínculo mãe-bebê podia não ser tão alarmante, já que o mesmo continuava

cuidado, limpo, alimentado. Em casa, não havendo nem mais nenhuma intermediação de uma

equipe de saúde, a ambivalência poderia encontrar espaço para se manifestar sem ser

sustentada, reforçando os sentimentos de culpabilidade, insegurança e medo, intensificando o

sofrimento psíquico de todos. Segundo Méio, Lopes e Morsch (2003), o desenvolvimento

cognitivo dos bebês pré-termo, embora seja influenciado tanto por fatores neonatais quanto

por fatores sócio-familiares, recebeu maior influência desses últimos. Desse modo, intervir,

cuidando dos aspectos facilitadores da construção do vínculo precoce na Unidade implica

tanto auxiliar a inserção do bebê em sua família, quando da sua saída do hospital, como a

promoção do seu desenvolvimento.

Os trabalhos científicos sobre aspectos psicológicos dos cuidados neonatais em

unidades de terapia intensiva são recentes e tem sido ainda insuficientes, principalmente em

número e diversidade temática, para embasar a prática dos profissionais que atuam nessas

unidades. Os primeiros estudos foram realizados por Klaus, Barnett, Leiderman e Grobstein

na década de 70 e foram fundamentais para a compreensão de que a entrada das mães nesses

espaços não era fator de aumento de bactérias nas unidades (Klaus & Kennell, 1993). A partir

da década de 80 os estudos sobre as capacidades do bebê pré-termo e sobre a interação mãe-

bebê pré-termo se tornaram mais freqüentes e foram avançando no sentido de ampliar a


5

discussão para a interação entre os pais e o bebê. (Brum & Schermann, 2004; Wendland,

2001). No Brasil, os estudos ainda são muito recentes, produzidos em grande parte a partir do

ano 2000, sendo que a maioria dos trabalhos foca o vínculo da díade mãe-bebê, considerando

a especial importância das primeiras relações entre mãe e bebê como fundamentais no

desenvolvimento do ser humano (Gomes, 2001, 2004; Valansi & Morsch, 2004; Thomaz et

al., 2005; Scortegagna et al., 2005; Wendland, 2001). Trabalhos, ainda pontuais, se ocupam

da estrutura subjetiva dessa mãe analisando seus relatos de suas vivências relativas ao

nascimento pré-termo (Souza et al., 2007; Correia & Linhares, 2007; Correia, Carvalho &

Linhares, 2008). De modo geral, os trabalhos que se referem ao vínculo restringem-no à

situação em que o bebê pré-termo nasce sem síndromes e malformações. Acreditamos que

esse trabalho venha a acrescentar à literatura sobre esse universo e que o mesmo pode auxiliar

tanto no trabalho de outros psicólogos quanto na própria orientação de mães com relação a

seu bebê, pois os diversos estudos apontam para o reconhecimento do potencial diagnóstico

preventivo e mesmo terapêutico de avaliações da qualidade da interação pais-bebê

(Wendland, 2001).

As sessões a seguir ainda nesse capítulo introdutório abordam os dados sobre

nascimentos pré-termo no Brasil, e a condição subjetiva do chamado “tempo de gravidez”,

sendo que esse enfatiza duas temáticas: a gestação do filho imaginário e o nascimento pré-

termo. As sessões posteriores abordam o bebê como um ser de linguagem e como um ser de

competências. E, por fim, na última sessão ainda do capítulo 1 descreve os objetivos que se

pretendeu alcançar com esse trabalho. O capítulo 2 aborda o método utilizado; o capítulo 3

traz a transcrição e a análise dos encontros e ainda a identificação e análise dos fatores e

microfatores que contribuem ou dificultam a vinculação mãe-bebê. No capitulo 4, encontra-se

uma síntese construída a partir do estudo realizado; e finalmente no capítulo 5, as

considerações finais que puderam ser tecidas e sugestões para futuras pesquisas.
6

1.1 Dados sobre nascimentos pré-termo

Segundo a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS, 2005), o recém nascido pré-

termo é definido quando nasce com idade gestacional3 de 24 a 36 semanas. Quanto maior for

sua idade gestacional, isto é, mais próximo de 36 semanas estiver o bebê ao nascer, menos

severa é sua prematuridade e melhor são as possibilidades de sobrevivência sem seqüelas.

No Brasil, o número de nascimentos pré-termo, usando os dados oficiais fornecidos

pelo Sistema de Informações de Nascidos Vivos, o SINASC (Ministério da Saúde, 2008) ou

dados de estudos sobre o tema tais como o desenvolvido por Silveira et al. (2008) apontam

para um aumento nos índices de nascimentos pré-termo ao longo dos anos. A tabela 1 a seguir

ilustra os dados obtidos pelo SINASC para os anos de 1999, 2000 e 2005. O ano de 1999 foi

usado como limite inferior, pois os dados nos anos que antecedem 1999, se restringem

inicialmente ao estado da Paraíba e posteriormente apenas à Região Nordeste. Somente a

partir de 1999, é que aparecem os registros relativos a todos os estados brasileiros.

Tabela 1: Número de nascidos pré-termo no Brasil (Ministério da Saúde, 2008)


Idade gestacional (em semanas) Ano 1999 Ano 2000 Ano 2005
22 a 27 13.076 9.629 9.962
28 a 31 10.808 22.723 21.977
32 a 36 94.369 179.513 166.246

Segundo os dados descritos na tabela, o número de nascimentos com idade gestacional

de 22 a 27 semanas, foi o único a que se atribuiu uma diminuição no número de nascidos

vivos. Mesmo considerando os dados fornecidos pelo Sistema de Informações de Mortalidade

3
Não há consenso com relação ao procedimento para a estimativa da idade gestacional. A Organização Mundial de
Saúde recomenda a data da última menstruação (DUM) como o método de escolha para o cálculo da idade gestacional.
Em várias partes do mundo, incluindo no Brasil, o método recomendado pela da Sociedade Brasileira de Pediatria, a
idade gestacional é determinada pelo New Ballard Score (NBS) através da análise de parâmetros neurológicos e
físicos. A esses parâmetros são atribuídos uma pontuação que na somatória determinará a estimativa da idade
gestacional, para recém-nascidos com idade gestacional a partir de 20 semanas (Moraes & Reichenheim, 2000).
7

– SIM (Ministério da Saúde, 2008) relativo ao aumento no número de óbitos de

aproximadamente 5.000 em 1999 para 7.583 em 2005, proporcionalmente, o que pudemos

observar é relativo, provavelmente, a um melhor cuidado pré-natal, que contribuiu para

prolongar a gestação, aumentando a idade gestacional dos recém-nascidos pré-termo.

Silveira et al. (2008), destacaram em alguns de seus resultados, que em Ribeirão Preto

a prevalência de mortalidade aumentou de 6% para 13,3% entre os anos de 1978-1979 e 1994.

Ainda segundo o autor, em Pelotas, num estudo de três coortes, a prevalência de

prematuridade foi de 6%; 7,5% e 15,5% para os anos de 1982, 1992 e 2004, respectivamente.

Esses dados apontam para a importância do estudo dessa temática, tanto pela

perspectiva de uma melhor formação das equipes multiprofissionais de saúde que tem como

desafio se preparar para atender a essa população quanto pela perspectiva da relevância do

fenômeno do nascimento pré-termo na construção subjetiva de mãe e bebê.


8

1.2 Tempo de gravidez: a construção da função materna

1.2.1 A gestação do filho imaginário

O anúncio da gravidez instala lentamente a construção do lugar do filho. Nesse

momento, ainda não há a pessoa e sim a perspectiva de seu futuro nascimento, introduzindo a

idéia de um novo membro em uma família. O tempo de gravidez compreende um período

fundamental para a elaboração do filho no psiquismo materno, para a construção do bebê e de

sua mãe em que se passa por um processo de transição entre a idéia de filho ao filho real

(Aragão, 2004).

“O tempo da gravidez, com os reajustes e remanejamentos psicossomáticos que


ele comanda e favorece, deve permitir preencher em grande parte - nos casos,
bem-sucedidos – o fosso que existe entre o desejo e o projeto de filho
conscientemente assumido, até mesmo proclamado, e os impulsos
ambivalentes subjacentes que não deixam de existir, tanto para as futuras mães
quanto para os futuros pais” (Debray, 1987, p. 29).

Estar grávida é há um tempo ter em si o estranho, o outro, cujo estranhamento se

manifesta no corpo da gestante nas primeiras semanas de gestação através de uma série de

manifestações físicas (sonolência, cansaço, náuseas) que indicam que o seu corpo começa

funcionar de uma forma diferente da conhecida até então. Por outro lado, na construção

subjetiva da maternidade, a mulher se depara com o ressurgimento do seu desejo de gestar o

filho edipiano, fruto da cena primária em que grávida do pai, teria o filho ideal destinado a

preencher as falhas narcísicas e que poderia trazer-lhe com a completude, consolo na solidão

frente ao casal parental (Soulé, 1987).

O início da gravidez propicia emergir e se concretizar o desejo de ter um filho, que

não é ainda o filho real o qual será investido na criança a nascer e sim, o filho imaginário ou

filho da cabeça. Essas evocações primitivas são permitidas por um rebaixamento do

recalcamento, em que registros profundos se tornam mais acessíveis a acessos mais ou menos
9

conscientes, num processo que Bydlowski (conforme citada por Aragão, 2004, p.93) chama

de transparência psíquica. Através dessa transparência psíquica nosso “saber inconsciente

sobre os primeiros dias de nossas vidas, pode ser expresso quando é evocado por

circunstâncias particulares que entram em ressonância com esse saber” (Szejer & Stewart,

1997, p. 126).

Segundo Soulé (1987), a menina, reconhecendo que lhe falta algo, passa a querer algo

que a complete, o filho do desejo edipiano, fruto do prazer que ela teria tido com o pai. Essa

menina, inicialmente, identifica-se como objeto de desejo da mãe, porém, não satisfaz

completamente a essa mãe, pois essa deseja (função paterna) para além da filha. Essa

incompletude, ao se conceber como um ser da falta, ou seja, castrada, inaugura sua ferida

narcísica e permite à menina a tornar-se sujeito desejante. O investimento no filho imaginário

é oriundo dessas emoções, desse anseio de reencontro com o eu ideal e esse “fantasma está

com efeito destinado a preencher as falhas de seu narcisismo e a trazer consolo na solidão

frente ao casal parental” (Soulé, 1987, p. 134). O objeto investido durante a gravidez não

difere do eu, já que, aparentemente, visa à própria pessoa.

Para Aulagnier (1999) o bebê imaginário, elaboração do objeto de um longo sonho

começado pela mãe em sua própria infância, é a primeira inserção da criança no mundo

imaginário da mãe, e a possibilidade de imaginar esse futuro bebê é o que permite à mãe,

durante a gravidez, organizar-se em torno do filho e preparar-se idealmente.

“Se lhe é proibido sonhar com os olhos abertos que esta criança a vir realizará
a volta do seu pai ou da sua mãe, que ela será homem e mulher, que ela estará
para sempre ao abrigo da morte, a mãe tem o direito (e aí uma necessidade para
a criança) de sonhar com a beleza, com semelhanças futuras, com a força deste
corpo a vir” (Aulagnier, 1999, p.21)

Uma série de atribuições a dados de realidade relativos ao bebê auxiliarão a mãe (e ao

pai) a sonhar seu filho, numa gestação do filho imaginário. Inicialmente, podemos considerar

os desejos como uma primeira atribuição ao bebê, enquanto ser desejante, autônomo. Os
10

primeiros ultra-sons ainda no inicio da gestação, do ponto de vista da subjetividade, dão

notícia da realidade do bebê, já que o corpo da mãe ainda não o faz com tanta concretude e “o

bebê de sonho das primeiras semanas de certo modo, toma corpo, aumentado ao mesmo

tempo todo devaneio de que pode ser objeto” (Debray, 1987, p. 29). À medida que a gestação

prossegue, as alterações corporais se tornam mais evidentes, para todos, e não apenas para a

mãe. Mexe-se de forma, agora, perceptível à mãe, e o seu corpo começa a se transformar para

dar espaço a seu filho que passa, então a ocupar seu lugar.

“Esse primeiro lugar que o filho ocupa, pode em parte, explicar o que a mulher
vive no decurso desse segundo trimestre. (...) agora, o bebê se mexe, marca sua
presença, e essa sensação é, certamente, o que faz da gravidez uma experiência
tão insubstituível quanto imaginável” (Szejer & Stewart, 1997, p.151).

Essa experiência se torna mais intensa quando o bebê começa a se manifestar através

de seus movimentos fetais, mas também, quando graças à tecnologia é possibilitado a escuta

dos batimentos cardíacos e, principalmente, a visão do mesmo através da ultrassonografia.

São percepções táteis, sonoras e visuais. Quando a mãe está em torno do quinto mês conhece

a primeira imagem de seu bebê, e apesar dele estar ali, ele é parte real, parte imaginário. As

imagens, os sons e as sensações táteis entrelaçam-se aos aspectos remotos do filho imaginário

na subjetividade materna, e transformam os investimentos sobre esse bebê. Um pouco “mais

real”, os pais podem se permitir sonhar sobre suas características e suas futuras aspirações. O

anúncio do sexo do bebê aos pais, informação essa que é possível ser obtida a partir do quarto

mês transforma a relação dos pais com o mesmo, afinal a partir dali, se é pai ou mãe de uma

menina/de um menino. Nesse momento, é necessário fazer o luto do outro, daquele que aquele

bebê não é. A partir daí passa a serem suprimidos alguns dos diversos jogos imaginários que

fazem parte da gravidez e que ajudam na construção do projeto de parentalidade. Começa-se a

pensar em um projeto especifico de parentalidade, ser mãe de um menino/uma menina e

concordamos com Szejer e Stewart (1997, p. 165), quando diz que “uma mulher pode querer

saber o sexo de seu filho, nas melhores intenções, mas pode não ser capaz de prever o efeito
11

que terá essa notícia sobre ela”. O bebê real, aquele que a capturará, ainda não está ali. O que

se coloca, quando se concretiza a definição do sexo do filho, é um aspecto do filho real, ainda

no filho que está sendo sonhado, construído.

Nos últimos meses, as imagens produzidas por ultrassonografia são extremamente

importantes do ponto de vista simbólico, pois são informações sobre o corpo do bebê que

efetivamente nascerá, e fatores como peso, tamanho, formato de dedos, cabeça, pés passam a

fazer parte da construção de imagens sobre o filho (Szejer & Stewart, 1997). Essas alterações

invadem o espaço subjetivo da mulher, que ao mesmo tempo, passa por rápida transformação

em sua referência de si mesma. É preciso alterar seus limites corporais, como eram

conhecidos, para que o bebê possa ter espaço (Aragão, 2004). Para que isso seja possível, a

mulher se enluta, se extasia, vivendo a ambivalência entre sentir o êxtase da experiência de

plenitude com o filho imaginário gestado não em seu ventre e sim em sua cabeça, e sentir-se

invadida por outro, o estrangeiro. A alteração na imagem de si mesma é um desafio à

possibilidade de que possa ser construído o espaço subjetivo para que esse bebê, às vezes

parte dela mesma, às vezes estrangeiro, possa existir (Aragão, 2004).

A ambivalência materna é um sentimento presente durante toda a gravidez, mas que

altera seu direcionamento ao longo da mesma. No início da gravidez, a mãe não tem certeza

se a gravidez prosseguirá, ainda não sente o bebê se mexendo em seu ventre e é possível,

momentaneamente, não se sentir grávida e ficar bem com esse sentimento. Porém, após

experimentar a completude vivida com a presença do bebê dentro do seu corpo, a

ambivalência começa a ser experimentada como uma angústia pela separação que ela sabe

que virá em algum momento, ainda distante. A angústia pode ser entendida como a

“expressão desse saber, dessa antecipação, e que entra em conflito com o prazer atual,

intenso, mas efêmero” (Szejer & Stewart, 1997, p.153). É o exercício de aceitar o estrangeiro
12

como familiar em si, para depois realizar o exercício de separar-se dele, a partir do

nascimento, para toda a vida de ambos.

Enfim, a mãe e o pai revivem com o seu bebê, durante a gravidez e após a gestação,

seu próprio narcisismo, elegendo o bebê como objeto libidinal como outrora sua própria mãe

o fez, protegendo-o de todas as barreiras às quais se submeteu para renunciar o prazer e

elaborar, simbolicamente, a inevitável condição faltante. Gerar o filho cuja finitude é a

condição do humano, aciona o cuidado, pois só se cuida do que é vivo e inexoravelmente

finito (Costa, 2009, p. 32).

O cuidado para não morrer o ser que por sua condição humana está condenado à morte

é uma contradição, pois o homem cuida de não morrer, sabendo que morrerá (Costa, 2009).

Para não lidar com esse contraditório, no projeto de parentalidade, cuida-se do filho

empenhando toda a vida nele e se algo que traga a finitude para mais próximo, tal como o

nascimento prematuro, é possível, ativa-se nos pais o luto, uma forma de morte em vida

(Costa, 2009).
13

1.2.2 O nascimento pré-termo

A partir do sexto mês, a mãe começa preparar-se para considerar o nascimento de seu

filho como uma possibilidade viável, ou seja, a partir daí, é permitido fazer planos sobre o

nascimento, o parto e começar se permitir desejar a separação entre ambos. É nesse tempo da

gravidez que a ameaça concreta do nascimento antes do tempo se instala para mãe e bebê4,

através principalmente de disfunções somáticas da mãe e do bebê. Do ponto de vista da mãe,

são disfunções, as ameaças de aborto, a hipertensão arterial crônica ou gestacional e a

descompensação diabética, também crônica ou gestacional. Outras disfunções tais como as

patologias placentárias e as rupturas prematuras da bolsa de águas, embora clinicamente

instaladas na mãe, podem ser entendidas como descompensações do bebê (Szejer & Stewart,

1997).

Enquanto a completude nos remete a dar à luz ao filho edípico, onipotente, ideal,

incestuoso e remete à fantasia idílica do gozo, o nascimento do bebê real reaviva a ferida

narcísica materna. O que está em questão ao longo de uma gestação, é a própria imagem ideal

da mãe no filho imaginário, em quem se espera sua reprodução, simbólica e real e o filho real,

humano, vai sempre remeter a mãe à falta. A ferida narcísica é reavivada na confirmação da

incompletude e a finitude como atributos da condição humana do filho, e a tristeza conhecida

como baby blues diz respeito ao luto pelo filho incompleto e humano que se teve (Szejer &

Stewart, 1997; Szejer, 1999; Soulé, 1987).

Segundo Aulagnier (1999, p.22), esse filho antecipado, sonhado é um risco assumido

pela mãe de pré-investir uma imagem na ausência de seu suporte real e depois o risco de

descobrir o desnivelamento entre imagem e o suporte, embora como dito pela própria autora,

a mãe geralmente se saia bem dessa aposta.

4
Antes de 25 semanas (em torno de seis meses) a interrupção da gravidez por qualquer motivo torna impossível a
sobrevivência do bebê.
14

“Pode acontecer de a imagem não poder compor com um corpo diferente


demais, estranho demais para o olhar maternal. A mãe encontra sempre o corpo
do infans como um risco; ela pode também encontrá-lo como uma resistência
ou como desmentido, fonte de conflito imediato e, às vezes, insuperável”
(Aulagnier, 1999, p.22).

Quando esse filho real vem de uma condição de nascimento pré-termo, pode

apresentar, então, esse não nivelamento entre real e sonhado e o conflito psíquico estabelecido

pode ser responsável por um luto bastante específico por enfatizar, ainda mais a ferida

narcísica materna.

Em um nascimento normal, conforme Debray (1987, p. 37), “a distância entre o bebê

fantasmático sonhado durante toda a gravidez pela mãe – e também, ao seu modo, pelo pai – e

o bebê real tal qual aparece em seu berço ou no colo de sua mãe ou de seu pai não é grande

demais, e o que é da ordem da desilusão, até mesmo da decepção, pode ser negociado sem

muito sofrimento”. Pode-se pensar que nesse caso, os fatores de ilusão produzidos são amplos

o suficiente para imprimir no filho real, sempre decepcionante, marcas5 do filho ideal (Soulé,

1987).

Esse filho imaginário continua sendo gestado pela mãe que vivencia o abrupto de um

nascimento antecipado. O bebê pré-termo ainda não é o filho e será necessário um tempo,

para essa criança ser inscrita como filho daquela mãe, para que seja possível a produção de

ancoragens identificatórias de aspectos do filho imaginário no bebê real, tornando-o filho. Em

algum momento, e não sem tristeza, a mãe “percebe que terá que abandonar por algum tempo

sua relação fantasmática privilegiada com seu filho imaginário e todas as suas virtudes, e

engajar-se numa confrontação com um recém-nascido em particular” (Soulé, 1987, p.143).

A notícia de uma gravidez de risco, da possibilidade do nascimento de um bebê pré-

termo é um acontecimento que irrompe no universo materno quando ainda essa mãe estava

5
As marcas da irrupção do real são sinais, os quais nos remetem a caminhos, pegadas deixadas pelas vivências de
satisfação ou de dor (Garcia-Roza, 1993, conforme citado por Maia, 2004, p.130).
15

sonhando seu filho e esgarça ainda mais a ferida narcísica materna. Com nascimento de um

filho nesse momento, interrompe-se a gravidez e “interrompe-se também o desenvolvimento

maturativo fantasmático do filho imaginário” (Soulé, 1987, p. 164), inaugurando um bebê e

uma mãe pré-termo.

Uma criança prematura se distancia do bebê cuja gestação foi a termo seja em aspectos

físicos e interacionais, sendo essa diferença mais acentuada quanto maior é a prematuridade

do bebê. Há um estranhamento acerca daqueles bebês pequeninos, franzinos, que ainda se

apresentam pouco interativos e que precisam ainda de serviços de neonatalogia para

sobreviver. Esses aspectos podem dificultar o processo identificatório, pois para reorganizar a

maternagem do bebê real é preciso realizar uma ancoragem em fatores de ilusão, de

reconhecimento do bebê imaginário no bebê real e que nessa situação de emergência, esses

fatores podem ser produzidos com certa dificuldade.

É impossível, para Soulé (1987), fazer o luto completo do filho imaginário, pois não se

perde a relação com um objeto fantasmático. O filho imaginário é o filho do desejo e esse

existirá para sempre na sua mãe, independente do investimento que se faça no filho real

(Szejer, 1999). Do que se faz luto é da valorização narcísica, isto é, do investimento narcísico

na própria imagem materna gerando um filho ideal, durante a fabricação do filho imaginário.

Esse luto resulta em uma tristeza específica, o baby blues, que instaura o luto pela

separação, pelo nascimento do filho real. Não necessariamente coincide temporalmente com o

nascimento desse filho e sim, com a confrontação com a necessidade temporária de abandonar

o investimento no filho imaginário para investir na relação com o filho real. São

remanejamentos profundos, intrapsíquicos, que despertados pelo nascimento do filho,

reativam o conflito edípico da infância da menina, em toda a singularidade da história dessa

mãe (Debray, 1987). A intensidade dos sentimentos produzidos em um nascimento é

emocionante para todos que vivenciam a experiência, mãe, pai, equipe, pois, ainda segundo a
16

autora, “não se pode ficar insensível diante do surgimento de uma nova vida, mas podemos

nos sentir sucessivamente – ou até mesmo – ao mesmo tempo – perturbados, cheios de

alegria, tomados de angústia e mesmo mais tarde, deprimidos” (Debray, 1987, p.38).

Em um nascimento de urgência, como se dá nos partos pré-termo, a celebração da vida

fica em suspenso, e os momentos de reconhecimento do filho são substituídos por uma

urgência em interná-lo na UTIN, monitorando seus parâmetros, visando salvar sua vida.

Espontaneamente ou não, todas as mães, relatam esse momento em que vêem seu filho de

longe, senão com muita dor, pelo menos, um sentimento de vazio, de algo faltante.

Essa experiência do nascimento prematuro nos remete ao acontecimento traumático

como aquele que ocorre no limite da possibilidade de ser simbolizado. Por trauma,

compreendemos, conforme Agman et al. (1999, p. 18), um “evento que, em função de sua

intensidade afetiva, ultrapassa a capacidade do sujeito de responder a ele adequadamente e

pode, então, provocar efeitos patológicos duráveis”. De fato, o trauma, enquanto excesso

pulsional não é patológico em si, mas sim pela forma como o psiquismo buscará as soluções

possíveis é que a experiência poderá se constituir como subjetivante ou dessubjetivante (Maia,

2004).

“Quando se toma por referência o eu já estruturado, pode-se afirmar que, em


larga escala, a vivência traumática ocorre por excesso emocional inassimilável
e irredutível ao campo das significações vigentes; o episódio traumático se dá
no limite das possibilidades de narrativa” (Maia, 2004, p. 94).

Em seus aspectos subjetivantes, o que se configura como dor poderá ser significado,

na medida em que tendo sido desmontado temporariamente as construções psíquicas

operantes, provocam novas construções narrativas. Em seu aspecto dessubjetivante, não há

narrativa possível, e o trauma desafia as possibilidades de elaboração psíquica, o traumático

se apresenta como um campo de dor sem possibilidade de simbolização (Maia, 2004).


17

Se, conforme lembrado por Szejer e Stewart (1997), todas as lembranças intensas são

esquecidas quando se toma os bebês nos braços, em um nascimento a termo, nos colocamos a

perguntar sobre quais são os registros que ficam do abrupto do nascimento de urgência, em

que o bebê, na maioria das vezes, sequer é visto pela mãe antes de ser internado na UTIN. O

impacto do nascimento pré-termo impede que naquele momento seja possível qualquer

investimento narcísico. Não raro, quando desacompanhadas dos familiares, as mães chegam à

primeira visita à UTIN, e ao primeiro contato com o filho e perguntando à equipe onde está o

seu bebê. Esse não reconhecimento é da ordem do simbólico e não do biológico. Ou seja,

mesmo que esse bebê tenha todas as características que reportem à sua história familiar, ainda

não é possível considerá-lo assim. É preciso um tempo de elaboração psíquica para que essa

mãe possa olhar para aquele bebê e inscrevê-lo em traços6, simbolizando o traumático e

começando o processo de reconhecimento daquela criança como filho.

Enquanto o nascimento sem intercorrências renarcisa a mãe ao lhe oferecer um belo

bebê saudável que a gratifica, o nascimento de um bebê pré-termo faz ressurgir a

ambivalência e coloca a mãe em confronto com sua imagem de mãe má, incapaz de carregar

seu filho (Mathelin, 1999). Os bebês internados na UTIN podem recapturar sua mãe e,

novamente se sustentar no desejo da mesma ao manifestar seu desejo de viver, através de sua

capacidade de comunicação, abrindo os olhos em busca do nosso olhar ou através da

capacidade de auto-erotização, succionando, os próprios dedinhos, uma luva oferecida, ou

ainda a própria sonda utilizada para sua alimentação.

Um nascimento prematuro pode apagar de uma só vez todos os sentimentos que

levariam ao luto do filho imaginário. A mobilização promovida pelo traumatismo impede a

livre circulação de afetos e de fantasmas, continuando no imaginário materno a gestação do

6
Os acontecimentos são inscritos na memória através de traços mnésicos (Maia, 2004, p.129). O evento traumático
enquanto não subjetivante fica impossibilitado de ser inscrito.
18

filho ideal e não daquela criança real (ainda não seu filho) que parece tão distante de qualquer

possibilidade de investimento (Debray, 1987; Mathelin, 1999). Por isso, na UTIN o luto não é

feito e o baby blues não pode existir. Não havendo espaço para o baby blues no nascimento

prematuro, de uma forma paradoxal, é como se o bebê ainda não tivesse nascido, como se não

houvesse separação. Segundo Mathelin (1999, p. 67), “o nascimento parece então anular-se, a

mãe permanecendo portadora do filho imaginário para tentar lutar contra a decepção e a

inevitável culpa”.

Geralmente um bebê pré-termo fica internado na UTIN por um tempo equivalente ao

tempo residual da gestação. Ele sai nos braços da mãe, mais ou menos quando sairia de um

parto a termo e talvez por isso, nesse momento, quando as condições de sobrevivência dessa

criança são afirmadas é que se torna possível o baby blues, isto é, se torna possível chorar o

filho imaginário e investir narcisicamente no filho incompleto que se teve (Szejer, 1999).

Preocupação médico-primária

As vicissitudes do encontro mãe-bebê, destituídas de sua “preocupação materna

primária”7 pela força da técnica médica, apresentam um estado que foi chamado por Agman

et al. (1999, p. 27) de “preocupação médico-primária”, conceito cunhado pelas autoras em

contraposição ao estado psicológico descrito por Winnicott. A esse estado, as autoras querem

ilustrar a substituição de um estado “natural” da mãe saudavelmente adaptada às necessidades

de seu filho, a um estado de alerta médico, em que sua relação com o filho se dará à luz do

conhecimento médico adquirido ao longo da internação do filho no hospital. Após poucos

dias de internação, uma mãe, ao lhe ser perguntado sobre como está seu filho, acabará por

responder qual o peso dele naquele dia, se está com infecção ou não, e como está sua

7
Estado descrito por Winnicott (1978) que permite à mãe identificar-se plenamente com seu bebê e atender às suas
necessidades de modo adequado.
19

saturação8. Muito dificilmente lhe ocorrerá, olhar para seu filho e falar da tranqüilidade do seu

sono, do quanto ele se parece consigo (ou do pai), de seu desejo (do bebê) de sair do hospital,

o que em condições normais de nascimento teria ocorrido.

“As mães perto de uma incubadora sofrem quase sempre de uma incapacidade
de pensar seu bebê. (...) Nessa impossibilidade de dizer, elas estão como que
parasitadas, presas na armadilha entre o médico que conhece melhor que elas, o
luto do fim da gravidez e os riscos reais de morte da criança” (Mathelin, 1999,
p.70).

A percepção da mãe, em sua sensibilidade aguçada, ferida, não mais consegue

identificar-se com o seu bebê, pois “a separação imposta pela necessidade médica ameaçava

criar um vazio de palavras, um buraco de linguagem em torno da criança” (Szejer, 1999). O

agravante é que, com esse vazio da simbolização desse bebê, corre-se o risco de mesmo após

a alta essa mãe continuar a não conseguir se construir um processo identificatório com seu

bebê, que a adapte às necessidades psicofísicas do mesmo (Zornig et al., 2004a). Quando a

mãe entra no estado de “preocupação médico-primária”, a relação que seria mediada por

outros terceiros, passa a ser mediada exclusivamente pela linguagem médica para definir o

bebê, e conseqüentemente, a própria relação entre mãe e bebê.

8
Taxa de saturação do oxigênio designada Saturação de O2, ou seja, é a medida da oxigenação dos tecidos.
20

1.2.3 O bebê, um ser da linguagem

A linhagem familiar

De acordo com Aulagnier (1999), o ato que inaugura a vida psíquica correlaciona

espaço somático e psíquico, marcando uma passagem de um corpo sensorial a um corpo

psíquico. O filho imaginário se insere como uma primeira versão do filho, construída e

aguardada na psique maternal, enquanto essa acolhe esse corpo. Ela se dirige ao filho

imaginário como a um “eu antecipado”, historicizando-o, ao inseri-lo em uma ordem temporal

e simbólica, num sistema de parentesco (Aulagnier, 1999).

Esse filho, gestado não no corpo, mas na cabeça, é chamado por Aulagnier (1999) de

“eu (Je) antecipado” e pressupõe a antecipação também de uma mãe para esse filho. Durante a

gestação, a construção de um projeto de mãe para esse filho passa pelo endereçamento a esse

bebê de uma série de expectativas, desejos e sonhos. Trata-se da construção de um lugar para

o mesmo. E, segundo Szejer e Stewart, (1997, p.113), “para fazer o lugar de que ele

necessitará ao nascer, tanto o homem como a mulher têm necessidade de antecipá-lo e todos

esses atributos ajudam-nos a defini-lo, permitindo-lhes fazer esse trabalho simbólico”. É

possível ter um desejo de filho, uma projeção desse filho no futuro, que não corresponde a um

desejo de serem pais, ou seja, que não projete ser pai/mãe desse filho em um futuro (Szejer &

Stewart, 1997, p. 63). Ter um projeto de parentalidade e no caso específico, projeto de ser

mãe, implica construir um espaço subjetivo em si para que o filho possa ser construído,

enquanto ela mesma faz o luto da filha em si, passando por sua vez a se construir como mãe.

A forma como cada mulher se projeta para assumir as funções da maternagem está

relacionado ao modo como vivenciou sua relação com sua própria mãe, e como, por sua vez,

sua história singular se inscreve na linhagem familiar.


21

“Para a mulher, a construção de um mundo mental, imaginário e subjetivo que


a transformará em mãe, irá depender em parte da experiência atual de estar
com o filho real, mas também de suas fantasias, esperanças, temores, sonhos,
lembranças da própria infância, modelos de pais e expectativas sobre o futuro
de seu filho” (Cunha, 2004, p. 215).

Por isso, podemos pensar a construção da função materna começando muito antes da

concepção do bebê, iniciando-se naquilo que Szejer e Stewart (1997) chamam da pré-história

do bebê e que compreendem todas as narrativas que tecem a história familiar daquele que será

um bebê gestado a partir do encontro de um casal, em uma específica família. As histórias que

o antecedem, a expectativa de como ele será, estão relacionadas à história dessa mãe (e desse

pai) em suas famílias, da história de constituição do casal e de como os sonhos que estão

sendo sonhados para o bebê, alinham-se às histórias dessas famílias e desse casal.

Essas histórias são narrativas que mergulham o bebê em um banho de linguagem,

entendido como “todas as palavras que preexistem à vida humana e que concernem a ela de

uma maneira ou de outra” (Szejer & Stewart, 1997, p.44). Esse banho de linguagem é

fundante do ser, pois, para o recém-nascido,

“Corpo e linguagem, desejo e necessidade, são uma coisa só. O corpo da


criança nasce para várias articulações da linguagem. Por um lado, ele vem no
banho de linguagem constituído pelas gerações que o procedem: o projeto de
filho de seus ascendentes diretos, os ditos e os não-ditos que presidem à sua
concepção, mas também as eventuais pendências que remontam a gerações
antecedentes” (Szejer, 1999, p. 151).

O nascimento é o momento em que para a criança, sujeito de linguagem9, passa para o

mundo das trocas através das palavras e por isso, é preciso que palavras sejam ditas a ela.

“O período de três ou quatro dias que se segue ao nascimento é um período


incerto, porque nele se deve decidir o nascimento para a vida simbólica. (...)
Ele é (esse período) o momento de escolha para o recém-nascido e para os pais.
Escolha de dar lugar ao seu desejo inconsciente para a criança, escolha de
reconhecer essa criança desejante e singular para os pais” (Szejer, 1999,
p.133).

9
Linguagem é aqui entendido para além das palavras, considerando os sons, os cheiros, tudo o que vindo do
ambiente apresenta o mesmo à criança, inscrevendo-a na ordem do humano (Maia, 2004).
22

O status de pessoa singular é dado a um recém-nascido submetido a condições tão

árduas de nascimento, como o é o nascimento pré-termo, a partir de intervenções carregadas

de respeito a ela como pessoa humana. Nas Unidades, o respeito se inicia pela garantia do

registro geral da criança, que é gerado tão logo o mesmo receba de seus pais, um nome, um

registro de nascimento em cartório10, assim como pela reintrodução em sua nova vida, dos

cheiros, sons familiares, dos sabores, das sensações familiares registrados por ele ainda na

vida intrauterina.

De acordo com Szejer e Stewart (1997, p.270), “nomear, dizer-lhe quem são seus pais,

dirigindo-lhe palavras, que além de entronizá-la na ordem da linguagem, situam-na e definem

seu lugar” e ajudam no processo de introdução ao novo, que é trazido com a experiência do

nascimento.

O manhês

A constituição do sujeito se dá no interior de um campo lingüístico e nesse, um

universo de significações participa dessa construção singular. É geralmente a mãe quem

inicialmente o introduz o filho recém-nascido na ordem da cultura e apresenta-se como

reguladora das relações entre o meio e o bebê, pois,

“A mãe é um eu estruturado que já historiou e antecipou o que se representa


nestes encontros e que decodifica logo os primeiros sinais de vida através do
filtro de sua própria história, escrevendo assim, os primeiros parágrafos do que
será a história que a criança contará sobre o infans que foi” (Aulagnier, 1999,
p.25).

É extremamente significativo ver o impacto da voz de uma mãe sobre seu bebê, que ao

ouvi-la, pela primeira vez, após a internação na Unidade, dirige seu rosto em direção a ela. Se

essa voz passa a produzir um discurso materno específico dirigido ao filho começa-se a

10
a criança passa a ser nomeada e não apenas chamada de “RN de...” (nome da mãe), o que simboliza o registro
daquele bebê como uma pessoa ou outro diferente de sua mãe. Embora aqui, estejamos falando de nomeação, da
enunciação da história da criança, o que a inscreve na linhagem parental (Szejer, 1999).
23

produzir nessa relação um conjunto de “palavras alimentadoras” fundantes do bebê como

objeto de desejo da mãe.

Para que as palavras dirigidas a um bebê sejam alimentadoras da constituição de uma

subjetividade, “é preciso que exista um laço entre lingüístico e não lingüístico, para que os

processos de significação possam advir, na medida em que seria impossível pensarmos em

significação, sem que houvesse uma ligação com o corpo, com a ação, com a vida” (Maia,

2004, p. 121). Os processos de significação são produzidos a partir de uma forma singular de

enunciação do discurso materno que foi denominada manhês ou motherese.

O manhês se caracteriza por apresentar uma série de características específicas de

gramática, pontuação e uma prosódia especial (Laznik, 2004, p.81). Muito diferente da

linguagem infantilizada, tipo “tati-bi-tati” que nada simboliza, nada permite atribuir de

manifestação subjetiva, o manhês apresenta uma modulação em freqüência, ritmicidade,

extremamente específicos e picos prosódicos, frutos de um genuíno prazer e espanto na

eleição do bebê como interlocutor pela voz materna (Laznik, 2004; Cavalcante, 2004).

Quando uma fala desse tipo é produzida, o bebê procura o rosto que corresponde a essa voz

particular e, ele por sua vez, lerá ser ele o objeto do desejo materno, “objeto causa dessa

surpresa e dessa alegria que a prosódia da voz e os traços do rosto materno refletem” (Laznik,

2004, p.82).

Nessa prática discursiva, o som encontra-se associado ao gesto e ao olhar e a mãe faz

uso da “marcação rítmica para correlacionar gesto e voz possibilitando à criança organizar seu

contínuo experiencial nesta fala ritmada” (Cavalcante, 2004, p.78). Através do diálogo

instaurado pelo manhês, a mãe dá voz ao seu comportamento corporal e/ou vocal mantendo

um discurso transitivista11. Nesse discurso, os afetos que são atribuídos às experiências

11
Transitivo é aquilo que é passageiro, efêmero. Aqui, a idéia é daquilo que age sobre outro que não o próprio agente
(Bergés & Balbo, 1998).
24

vividas pelo filho são designados pela mãe e se relacionam às referências da própria mãe. É

pela interpretação dada pela mãe que o filho se integra ao simbólico (Bergés & Balbo, 1998).

“A materialidade sonora das palavras (voz) faz com que o bebê se interesse
pelo Outro. O sentido que elas veiculam, e que o bebê não compreende do
mesmo modo que o adulto constrói para ele, um lugar no mundo” (Catão,
2004, p.135).

Através do manhês, a mãe constrói suposições sobre as demandas que ela criou para

seu filho, verbalizando-as, e ainda constrói a resposta para essa demanda. Como a demanda

foi suposta pela mãe, essa resposta não corresponde jamais àquilo que a criança deseja, e que

a própria criança também desconhece. Esse jogo de posições entre mãe e filho revela sobre o

desejo de conhecer o desejo do outro e isso é fundante do reconhecimento do filho como um

ser subjetivo, desejante. Esse filho é estranho à mãe, mas nem tanto, por isso é possível supor

demandas, mas também não é familiar demais, que nada se suponha e tudo sejam certezas

(Bergés & Balbo, 1998; Catão, 2004).


25

1.3 As competências de sua majestade, o bebê

A construção da maternagem desse bebê será mais bem sucedida, quanto mais estiver

preparada, a mãe, para compreender o que seu bebê pode oferecer em função de sua

singularidade nascente. O estudo dos bebês a partir de suas competências precoces foi

iniciado por autores da teoria do apego que enfatizaram a tendência inata dos bebês para

entrar em comunicação com seus parceiros humanos (Bowlby, 2002; Brazelton, 1981; Golse

& Desjardins, 2005).

A etologia e sua rigorosa busca da observação no ambiente mais próximo do familiar

possível contribuíram para que se construísse a noção de competência do bebê e do papel

ativo desse na interação com o adulto (Wendland, 2001). E é importante considerar aqui que,

embora a teoria do apego não seja a fundamentação teórica adotada em nossa abordagem

teórico-metodológica, vimos em nosso trabalho que o conhecimento das competências do

bebê é um útil complemento da intervenção clínica na relação da díade mãe-bebê.

Mathelin (1999) cita estudos realizados em diversos países que demonstraram o

quanto os bebês reagem aos afetos veiculados pela fala, pela voz e que podem, quando estão

succionando, mudar o ritmo da sucção para solicitar uma específica estimulação. Ainda

segundo Mathelin (1999, p. 36), com algumas horas de vida, o “bebê reconhece e prefere a

voz de sua mãe que já ouviu in utero, àquelas de outras mulheres”. Os bebês reconhecem

odores familiares desde as primeiras horas de vida, assim como apresentam sensibilidade tátil

desde o período fetal. E quais seriam as competências de um bebê pré-termo? Cunha (2004)

ressalta que com 21 semanas de vida intra-uterina, o bebê já tem desenvolvido o sistema

nociceptivo, cujas manifestações podem ser acompanhadas pelas respostas neuroquímicas,

metabólicas, fisiológicas, comportamentais e hormonais. Embora o bebê não possa falar da

sua dor e dela não tenha consciência, registra-a como memórias afetivas representadas em seu
26

corpo, primeiro espaço de psiquismo, e serão incorporadas como elementos de sua história

singular.

Para a teoria do desenvolvimento síncrono-ativo, desenvolvida pela Dra. Heidelise

Als, o funcionamento global de uma pessoa compreende vários níveis, que ela denomina

como subsistemas, sendo eles, autônomo, motor, de estados comportamentais e de atenção e

interação social e regulador (Ministério da Saúde, 2002).

“O subsistema autônomo, responsável pelo controle da respiração, perfusão,


soluços, regurgitação e movimentos peristálticos, encontra-se presente desde a
sexta semana gestacional. Na seqüência emerge o subsistema motor que
controla a postura, o tônus do bebê e seus movimentos; o subsistema de
organização de estados, que abarca a organização dos estados de consciência,
vigília, sono, as transições que ocorrem entre um e outro e o tempo de
permanência do bebê em qualquer um deles. O subsistema de atenção e
interação social é o próximo a desenvolver-se, sendo responsável pela
permanência da criança em estado de alerta, capaz de aprender e solicitar,
receber informações cognitivas, sociais e emocionais e, em contrapartida,
provocar e modificar estes contatos do mundo ao seu redor. Ele emerge por
volta da vigésima-quinta/vigésima-oitava semana, estando plenamente eficaz
após a trigésima-segunda e mesmo após a trigésima-sexta semana”
(Scortegagna et al., 2005, p.140 e Zornig, Morsch & Braga, 2004a, p. 62).

Esses subsistemas interagem entre si e com o meio, e por meio de um subsistema

regulador emergente, os bebês procuram adequar suas respostas aos estímulos a que estão

submetidos. Para um bebê pré-termo, a variedade de estímulos que são lançados nos

subsistemas que ainda não estão prontos para tal estimulação, resulta num gasto energético

adicional. Com relação ao subsistema responsável pela interatividade do bebê, dependendo da

idade gestacional na qual o bebê pré-termo nasce, pode estar ainda em diferentes estágios de

desenvolvimento, sendo que os graus de responsividade e interatividade do bebê são

determinados pelo amadurecimento desse subsistema. O desenvolvimento desse subsistema,

em particular, da mesma forma que é determinante no tipo de interatividade que é propiciada

pelo bebê na relação com seus cuidadores, especialmente sua mãe, e se torna responsável pela

relação que a mãe estabelece com o seu filho.


27

Ao se abordar as competências e capacidades do bebê, considera-se que o início da

constituição subjetiva do bebê antecede seu nascimento. O bebê não é apenas reativo ao meio

ambiente como, também, possui formas precoces de linguagem não-verbal e vida

intrassubjetiva. Um bebê competente é então, um bebê desejante, capaz, de exercer controle

sobre o processo interacional com os adultos que o circundam (Zornig, Morsch & Braga,

2004b).

Debray (1987, p.37) nos fala de bebês que em singularidade “sabem tornar suas mães

competentes, e são, ao mesmo tempo investidos de retorno de uma maneira feliz e completa

para eles”. As Unidades são repletas de relatos sobre os feitos dos bebês, pelo modo como

pedem a presença da equipe ou dos pais, ou por um mal-feito que provoca risos. Conforme

observado por Zornig et al. (2004a, p.139), “as diferenças individuais observadas nos bebês

em sua maneira de interagir com a mãe parecem influenciar o tipo de maternagem que lhes é

oferecida, indicando uma reciprocidade nas trocas estabelecidas e não só a ação do desejo

parental sobre a criança”.

O conhecimento produzido sobre as competências do bebê é fundamental para se

caracterizar a importância da construção de uma ligação entre as sensações familiares ao

bebê, vindo das experiências em vida intrauterina, para o enfrentamento as novas situações,

sob o risco de que sem essa ligação, o bebê não consiga se construir (Szejer, 1999).
28

1.4 Pesquisas sobre a relação mãe-bebê pré-termo: uma revisão bibliográfica

Existem diversos estudos relacionando sobre o vínculo mãe-bebê pré-termo em

ambientes de Unidade de Terapia Intensiva. Os mesmos estão distribuídos entre artigos

científicos, dissertações e livros publicados. Dentre os artigos e dissertações, podemos citar:

O artigo “Os tempos da prematuridade” de autoria das pesquisadoras Zornig et al.

(2004a) discutiu a temática da clínica psicanalítica de bebês pré-termo. Abordou a

constituição subjetiva psíquica desses a partir do conceito de desamparo estrutural e da

constituição do sujeito em uma situação de descontinuidade temporal introduzida pelo próprio

parto antecipado e pela irrupção do bebê real confrontando os pais ainda em processo de

construção do bebê imaginário. Discutiu ainda como o sentimento de fracasso materno

dificultaria a construção de um olhar narcísico que superasse o bebê orgânico diante dos seus

olhos. As autoras propuseram que a intervenção precoce possibilitaria a construção de um

denominado espaço de ilusão para a identificação da mãe com o bebê e as descontinuidades

temporais na constituição subjetiva do bebê poderiam ser superadas. O artigo foi interessante

em sua fundamentação teórica, porém foi insuficiente na discussão de como se dá essa

intervenção precoce. Lendo outros trabalhos das autoras, incluídos nessa revisão da

bibliografia, entendo que essa não era a ênfase desse artigo, pois estes outros artigos trataram

mais especificamente de processos interventivos (Scortegagna et al., 2005; Valansi & Morsch,

2004).

Em “O processo interativo mãe-bebê pré-termo”, as autoras propuseram um estudo da

interação entre mãe e bebê pré-termo e dos indícios de desenvolvimento do vínculo afetivo no

ambiente hospitalar. Utilizando-se de dados colhidos no prontuário médico, no protocolo da

histórica clínica do bebê e a partir da observação da relação mãe-bebê no ambiente do

hospital, as autoras apontaram que as manifestações corporais, visuais, faciais e vocais eram

importantes na interação entre mãe e bebê. Auxiliar a mãe a observar, reconhecer,


29

compreender e responder aos sinais advindos do bebê seriam ações fundamentais para o

desenvolvimento da relação entre ambos e para o desenvolvimento futuro do bebê

(Scortegagna et al., 2005).

Na dissertação “As especificidades do vínculo da mãe com o bebê pré-termo na

situação de internação”, a pesquisadora Gomes (2001) a partir de três casos estudados, teve

como objetivo procurar entender como mães de bebês pré-termo lidavam com a questão da

maternidade ao serem submetidas a um parto pré-termo e tendo que se confrontar com esse

bebê. A abordagem teórica e clínica em relação aos casos e a análise de toda a situação que os

envolve foi de base psicanalítica. Em sua fundamentação teórica, discorreu sobre as

transformações históricas da função materna, sobre a relação entre feminilidade e maternidade

segundo a perspectiva psicanalítica e ainda sobre a inclusão do bebê no mundo segundo essa

mesma perspectiva. As participantes da pesquisa vivenciaram um parto pré-termo no Serviço

de Obstetrícia do Instituto Central Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo e seus

bebês nasceram pré-termo e precisaram de uma internação prolongada no Serviço de Berçário

do mesmo hospital. Cada caso apresentou uma especificidade: o primeiro deles foi escolhido

devido há alguns aspectos relacionados à alimentação do bebê pré-termo e a possibilidade da

mãe se implicar nesse processo. No segundo caso, foi explorada a questão do pouco contato

mãe/bebê e o efeito da intermediação da equipe em relação aos cuidados com o bebê. No

último caso estudado, foi explorado o impacto causado diante da possibilidade de perda,

sendo discutido o quanto isso interferiu na relação que essa mãe estabeleceu com o seu filho

durante a internação. A pesquisadora buscou iniciar o atendimento às mães o mais

precocemente possível, visando oportunizar às mesmas um espaço para expressar em palavras

a experiência do parto e os primeiros contatos com o bebê. Perante as vivências dessas

mulheres diante do nascimento pré-termo, a psicóloga observou que essas mães muitas vezes

não aceitavam a aproximação ao longo das primeiras horas após o parto por confrontarem-se
30

com a possibilidade de perda, por verem-se separadas do bebê e ainda precisarem lidar com

sua própria alta hospitalar sem o bebê. Percebeu que passado esse período, houve espaço nas

mães para iniciarem o processo de elaboração dos sentimentos que estavam sendo

vivenciados. Em sua dissertação conseguiu com esses três casos construir reflexões acerca da

relação pais/bebê/UTI que contribuem para a compreensão da dimensão subjetiva dessa

relação e ainda do papel do psicólogo nesse contexto.

No artigo “A relação mãe-bebê na situação de prematuridade extrema: possibilidades

de intervenção da equipe multiprofissional”, Gomes (2004) relatou a partir da intervenção

feita junto a uma mãe de uma criança pré-termo, como essa mãe, em um acompanhamento

psicológico adequado, permitiu-se à exploração dos sentimentos despertados pelo nascimento

inesperado migrando de um estado de estranhamento e medo, para um estado de curiosidade e

aproximação em relação à filha. Reforçou com seu estudo a importância da intervenção a ser

feita pela equipe no sentido de contribuir para a aproximação e contato da mãe com seu bebê.

O artigo de Brum e Schermann (2004), “Vínculos iniciais e desenvolvimento infantil:

uma abordagem teórica em situação de nascimento de risco” propôs uma abordagem histórica

de autores teóricos que discutiram a importância das primeiras relações na constituição

subjetiva do bebê como sujeito a partir dos autores que abordaram a temática a partir da

importância da mãe nessa relação e outros que a estudaram a partir das condições do bebê

para a interatividade. Foram discutidas as contribuições de Freud, Sptiz, Erikson, Winnicott e

Bowlby. Entre esses dois últimos, elas diferenciaram o apego de Bowlby da dependência

absoluta de Winnicott. Para tratar desse aspecto, as autoras citam Bowlby (2002) que diz que

a dependência absoluta é máxima ao nascer e decresce à medida que o bebê se desenvolve

enquanto que o inverso ocorre com relação ao apego. Ainda segundo Bowlby (2002) citado

pelas autoras, o bebê ao nascer é dependente, mas não é apegado, e à medida que passa para a

dependência relativa e independência se torna mais apegado, sendo que o apego se torna
31

evidente após o bebê completar seis meses. Quero me ater nesse momento, na afirmação de

Bowlby (2002, p. 283) de que “o apego está inicialmente ausente no nascimento e só se

evidencia substancialmente depois que a criança completou seis meses”. Bowlby por seu

trabalho de resgate dos estudos feitos por etologistas como base para o estudo do

comportamento humano tem como método para a demonstração do apego que o mesmo se dá

pela manifestação de um comportamento de busca de proximidade. Usando dessa

metodologia, enquanto primatas não-humanos logo nos primeiros dias já demonstram

distinguir e preferir (ir em direção) a mãe em detrimento de outros indivíduos, no bebê

humano, isso não é possível de ser verificado, devido à sua ausência de força para se agarrar à

mãe ou mesmo para se mover em direção à mesma (Bowlby, 2002, p.301). Ora, não poder se

mover em direção à mesma, não quer dizer não desejar fazê-lo e sim, faltar ainda um estado

fisiológico minimamente organizado o suficiente para fazê-lo. Torna-se novamente,

fundamental, que um ambiente favorável seja estabelecido, para que essa necessidade seja

atendida e a organização psíquica do bebê seja constituída com mais esse elemento

integrativo.

Ainda no estudo teórico sobre as relações iniciais, quanto aos estudos sobre os

recursos do bebê para a interatividade e de seu papel ativo na construção da relação mãe-bebê,

as autoras (Brum & Schermann, 2004), trouxeram as contribuições dos primeiros teóricos a

estudar a interatividade mãe-bebê. Esses estudos apontaram que os recém-nascidos

apresentam uma grande capacidade de responder às interações nos primeiros minutos de vida,

sendo capazes de realizar discriminações importantes pelo olhar, de identificar a voz dos pais,

o cheiro da mãe, uma capacidade de se moldar ao corpo de seus pais (reflexo de aconchego).

Os autores estudados trouxeram que essas capacidades dependem de um ambiente responsivo.

Outro aspecto abordado no artigo referiu-se a um histórico dos cuidados neonatais, desde o

afastamento mãe-bebê na década de 50, ao crescente convite à interação mãe-bebê, nas


32

décadas de 70 e 80. Abordaram que o avanço da tecnologia possibilitou o aumento da

sobrevivência dos bebês pré-termo e isso trouxe novas demandas como o cuidado com o bebê,

e de novo, surgiu uma preocupação com a possibilidade de um comprometimento do vínculo

mãe-bebê. Enfatizaram em seus estudos que a mãe de um bebê de risco necessita de um

ambiente onde possa ser acolhida em seu processo de luto do filho imaginário, mas que

também propicie a ela informações sobre as capacidades interativas do bebê, pois isso é

fundamental para a responsividade materna no processo de formação de vinculo materno.

Penso ser importante relembrar aqui que esse luto do filho imaginário se faz em um processo

contínuo ao longo da vida, pois o filho imaginário continua sendo gestado no desejo dos pais

e pode ser acionado pelos mesmos a qualquer momento. Em qualquer etapa, a frustração de

um pai/mãe com relação a seu filho, que traga uma imensa tristeza, se relaciona ainda a

constatar que o filho real difere do imaginário. Entendo que esse artigo é uma contribuição

importante com vistas ao foco do estudo que proponho sobre a temática, principalmente por

sua abordagem histórica, pois auxilia na sistematização e na contextualização das

contribuições teóricas dos diversos autores dentre dessa recente temática.

Valansi e Morsch (2004) em “O psicólogo como facilitador da interação familiar no

ambiente de cuidados intensivos neonatais” inicialmente descreveram o ambiente específico

de uma UTI Neonatal, para introduzir a discussão da reorganização psíquica da mãe durante a

gestação e as implicações da chegada de um novo bebê para os filhos mais velhos do casal.

Considerando a UTI como “espaço de interdição”, as pesquisadoras apresentaram diretrizes

norteadoras para a atuação do psicólogo nesse espaço. Segundo as mesmas, seu trabalho deve

priorizar a intervenção no processo de interação entre o bebê e sua família a partir de um

trabalho com os pais, irmãos e bebês internados em UTI Neonatal. Na perspectiva de trabalho

com os pais, apresentaram como possibilidades de intervenção: colocar-se como ponto de

referência para a família na UTI, auxiliando na comunicação pais-equipe, oferecer


33

atendimento aos pais dos bebês, ajudando-os a falaram sobre esse nascimento, ser facilitador

da comunicação pais-bebê e do reconhecimento do bebê como um sujeito em constituição e,

além disso, propiciar espaço de acolhimento à família sobre as possíveis perdas reais (mortes,

seqüelas) ou no imaginário familiar ocorridas na UTIN. Quanto à possibilidade de morte do

bebê, ainda segundo as autoras, deve ser prioridade do psicólogo o trabalho de aproximação

de toda a família com o bebê. No trabalho com irmãos de bebês em UTI Neonatal (Morsch &

Delamonica, 2005), o psicólogo deve auxiliar aos pais a se disponibilizarem para os outros

filhos, apesar da situação de crise vivenciada, e deve ainda, promover visitas supervisionadas

dos irmãos dos bebês visando, dentre outros aspectos, facilitar o desenvolvimento do vinculo

irmão/bebê, e sua participação na experiência familiar, reforçando seu lugar no grupo

familiar. Com esse artigo, as autoras propuseram que a oferta de sustentação e que ser

continente às angústias da família permitiria a essa, a atribuição de novos sentidos às suas

vivências com relação à internação.

No artigo “Relações afetivas entre mães e recém nascidos a termo e pré-termo:

variáveis sociais e perinatais”, Thomaz et al. (2005) tiveram como objetivo analisar as

primeiras relações afetivas entre mãe e recém-nascido a termo e pré-termo, verificando as

diferenças nessa relação e a importância do contato físico entre mães e bebês para a formação

dessas relações. Além disso, levantou dados sobre a história da gravidez e a condição sócio-

econômica da gestante. O trabalho foi desenvolvido na UTI Neonatal e na maternidade do

Hospital Universitário da Universidade Federal de Alagoas. Inicialmente as autoras se

referiram a 28 mães participantes, mas em outros momentos, inclusive na análise dos dados,

entende-se que foram de fato 20 participantes, sendo 10, mães de bebês pré-termo, e 10, de

bebês a termo. Foram feitas entrevistas semi-estruturadas, observações não estruturadas e

análise de dados socioeconômicos. Com relação às mães de bebês a termo, as entrevistas e as

observações não puderam ser feitas com as mesmas participantes, pois essas mães ficaram
34

internadas por, no máximo, 48 horas. Isso se apresenta como um limitante do método, porém

a meu ver, para participantes com características similares, justificável para pesquisas

inseridas em serviços que apresentam alta rotatividade de pacientes devido a períodos curtos

de internação. Para a análise das entrevistas foi utilizada a análise de conteúdo e levantaram-

se as seguintes categorias temáticas relacionadas aos sentimentos das mães ao descobrirem

que estavam grávidas; do companheiro, ao ficar ciente da gravidez da mulher; das mães, no

momento em que o feto mexeu pela primeira vez; e ainda, o imaginário das mães sobre como

o bebê iria ser ao nascer; percepção das mães sobre a possibilidade dos bebês nascerem

prematuramente; sentimentos das mães com o nascimento do filho e o seu pensamento sobre

o futuro dos bebês. Dentre os resultados encontrados, perceberam que mães de bebês a termo

e pré-termo não apresentaram muitas diferenças em relação aos sentimentos relativos à

aceitação da gravidez e ainda que a aceitação da gravidez pelo companheiro foi determinante

de uma vivência mais tranqüila desse momento. Além disso, as mães de recém nascidos pré

termo vivenciaram o nascimento de seus filhos de forma diferente das outras, pois a ligação

afetiva dessas mães com seus bebês estava permeada pelo “fantasma” da morte, mesmo que

de forma não explícita nos discursos. O contato físico com os bebês foi percebido como

importante para a ligação afetiva mãe-bebê e todas as mães sentiram a necessidade de estarem

próximas aos filhos, sendo que a relação de segurança no cuidado com o seu bebê foi mais

demorada nas mães cujos bebês eram pré-termo. Esse trabalho evidenciou que as mães de

bebês pré-termo precisam de um apoio diferenciado da equipe hospitalar no sentido da

construção de um espaço para a escuta dessas mães, compreendendo o momento em que estão

vivendo e incentivando a sua participação na rotina da UTI Neonatal.

No artigo “Ansiedade Materna nos períodos pré e pós natal: revisão da literatura”, as

pesquisadoras Correia e Linhares (2007) analisaram a produção cientifica entre 1998 e 2003

de estudos empíricos sobre a ansiedade materna nas fases pré e pós – natal, focalizando
35

nascimentos pré- termo e a termo. Foram discutidos 19 estudos, sendo que seis avaliaram a

ansiedade materna na fase pré–natal, 12 avaliaram ansiedade das mães na fase pós–natal e um

a ansiedade materna em ambos os períodos. A avaliação da ansiedade materna se deu

principalmente por meio de escalas psicométricas. E o instrumento utilizado em mais da

metade dos estudos foi o Inventário de Ansiedade Traço- estado (IDATE). Os resultados

mostraram que altos níveis de ansiedade materna na fase pré- natal foram associados a

complicações obstetrícias, prejuízos ao desenvolvimento fetal, problemas emocionais e de

comportamento na infância e adolescência. Em relação à avaliação de mães e pais, estudos

indicaram maior vulnerabilidade das mães. E redução nos níveis de ansiedade das mães de

bebes pré- termos, após participação em programas de intervenção, demonstrando a

importância da intervenção precoce, pois esta contribui para a promoção do bem estar

psicológico materno. Foi verificado ainda existência de altos níveis de ansiedade materna

correlacionados a altos níveis de depressão. A avaliação da ansiedade materna torna-se

importante para identificação de riscos na saúde mental materna e no desenvolvimento da

criança, permitindo que intervenções precoces sejam adequadamente implementadas.

Alguns livros foram produzidos a partir de pesquisas relativas ao nascimento pré-

termo e são uma importante etapa de sistematização de fundamentos teóricos e técnico-

científicos e por essa razão os mais relevantes livros relativos ao trabalho aqui proposto serão

discutidos dentro deste capítulo.

O livro “Agora eu era o rei – os entraves da prematuridade” foi organizado por

Wanderley (1999) confirmando quão recente é a produção científica brasileira com relação a

esse universo. A autora buscou subsídios para a construção do livro nas experiências

sistematizadas na França, um país que, segundo a autora, pioneiramente percebeu a

importância de cuidar do vínculo família-bebê para a qualidade de vida do mesmo. A primeira

parte do livro tratou da atuação em uma UTI Neonatal, abordando as intervenções


36

psicológicas em neonatalogia e a ajuda ao bebê e pais em terapia intensiva neonatal. Nos dois

primeiros capítulos, as autoras propuseram um lugar para o psicanalista na unidade de terapia

intensiva, auxiliando os pais a expressarem seus sentimentos com relação ao nascimento, e

bem como auxiliando a equipe a compreender alguns aspectos subjetivos que permeiam a

relação entre pais, bebê e equipe. No terceiro capítulo, foi abordada a questão da alimentação

que na UTI Neonatal deixa de ser aconchego, alimento emocional além nutricional, e passa a

ser mais uma prescrição médica. No último capítulo dessa primeira parte, discutiu dois casos

que dão entrada na unidade de terapia intensiva simultaneamente, e que suscitam na equipe

sentimentos bastante diferentes e, de certa forma, enganosos. Uma recém-nascida demandava

atenção e cuidados de forma bastante intensa – de forma similar à sua mãe – e outra, era

tranqüila e segundo a autora, com uma tranqüilidade indiferente, como sua mãe. Diante disso,

discutiu essas situações à luz das questões das pulsões de morte e de vida na unidade de

terapia intensiva. Na segunda parte do livro, foram abordados caminhos para uma atuação

interdisciplinar. No primeiro deles, tratou-se uma pesquisa que solicitava que os pais fizessem

uma avaliação sobre o atendimento em UTI após a alta do seu bebê. Na minha avaliação, as

questões (não foram mostradas no relato feito no livro), apesar de abertas não possibilitaram

ao participante se colocar mais livremente. Dessa forma a pesquisa acabou por não abordar

apropriadamente a complexidade da relação vivida entre equipe e família, sendo que a

ambivalência dos pais em relação à equipe, um dos itens pesquisados em algumas questões, e

que foi um importante aspecto apontado por diversos autores (Thomaz et al. 2005; Agman et

al., 1999; Gomes, 2001, 2004) não foi verificada na mesma. Nos três capítulos que se seguem,

foram apresentadas propostas de follow up, um deles em atendimento multiprofissional

precoce a crianças nascidas prematuramente no sentido de auxiliá-las a desenvolver suas

potencialidades, a conhecer suas capacidades e seus limites e ainda, ajudando os pais a viver

com suas crianças descobrindo suas potencialidades. Os outros dois capítulos trataram de
37

crianças que chegaram às psicanalistas com idades um pouco maiores. Em ambos, foi

analisado como as palavras descritoras dos possíveis limitadores das potencialidades dos

filhos acabaram por definir o olhar dos pais em relação aos mesmos marcando não só o corpo

desses filhos como, também, sua constituição subjetiva. Por tudo que foi tratado, esse é um

livro extremamente importante para a discussão da dimensão subjetiva que atravessa a relação

de bebês pré-termo e pais e a relação tríade equipe/bebê/pais.

“Quando a vida começa diferente – O bebê e sua família na UTI Neonatal”,

organizado por Moreira, Braga e Morsch (2006) contribui com uma importante organização

de informações sobre os aspectos relacionados à internação de um bebê em uma unidade de

terapia intensiva, sendo dirigido para a comunidade em geral. Seus capítulos foram escritos

por diversos profissionais que compõe uma equipe de saúde que atua em uma UTI Neonatal e

abordou diversas questões tais como o que é esse nascimento diferente, qual o ambiente e a

aparelhagem de uma UTI Neonatal, bem como quem são as pessoas que compõem sua equipe

e abordou as intercorrências e exames mais freqüentes pelos quais pode passar o bebê.

Abordou ainda, a depressão materna na gestação, e a importância da maternagem ampliada,

da participação dos irmãos mais velhos e do método canguru. No último capítulo abordou a

importância do acompanhamento da criança nascida precocemente até, pelo menos, a idade

escolar, no sentido de intervir precocemente em possíveis complicações advindas do

nascimento pré-termo.

Em “O sorriso de Gioconda” de autoria de Mathelin (1999), as questões relativas ao

nascimento pré-termo foram abordadas segundo a perspectiva de qual o espaço a seria

construído para a psicanálise em um serviço de neonatalogia. A partir disso, aborda o trabalho

com as crianças internadas na Unidade, o trabalho com os seus pais e o trabalho com a equipe.

Ao abordar o tema do trabalho analítico dentro de um serviço de reanimação neonatal a autora

colocou que, desse ponto de vista psicanalítico, a “reanimação” consistiria em reanimar a


38

criança e o discurso que a anima, restabelecendo nos pais a capacidade de amar seus filhos e,

no bebê, seu desejo de viver. Utilizou a metáfora do sorriso da Gioconda, para falar do desejo

da mãe, ambivalente em si mesmo, se exprimindo enquanto promessa de uma felicidade plena

a dois, mãe e filho, quanto como proibição do acesso à felicidade proporcionada pela relação

com outros objetos de amor. Tratou da necessidade de que essa relação se submeta à entrada

de um terceiro na relação e que no caso dos bebês pré-termo e suas mães, esse terceiro seria

exercido pelo próprio serviço de reanimação. Colocou a importância de se conversar com

estes bebês a respeito de suas histórias, através do que ela chamou de “fala verdadeira”, tudo

que está sendo vivenciado pela criança durante sua internação. Fez uma crítica, importante em

tempos de programas de Humanização de UTIN, que seria fundamental que todas as pessoas

envolvidas neste trabalho pudessem “deixar-se tocar” pela criança, e não falar mecanicamente

com ela só porque se sabe que isso é importante. Com relação ao trabalho com os pais,

caberia ao psicanalista a criação de um espaço para que essas mães pudessem fazer um

trabalho de luto, de perda e de separação, e se sentirem aceitas em suas ambivalências, pois a

partir do momento em que elas pudessem simbolizar esta falta, poderiam voltar a projetar um

futuro sobre o filho. Quanto ao trabalho com a equipe, primeiramente, a autora refletiu de que

naquele espaço, o psicanalista seria tanto parte da equipe quanto, precisaria colocar-se para

além da mesma para uma escuta distanciada, buscando auxiliar a equipe a perceber a história

singular daquela criança bem como os mecanismos transferenciais que essa história mobiliza

na equipe. É um livro de fundamental importância no sentido de refletir sobre a construção de

um trabalho de orientação psicanalítica em um serviço de neonatalogia, bem como de quais

mecanismos psíquicos seriam acionados nesse espaço do ponto de vista da criança, de seus

pais e da própria equipe.


39

1.5 Objetivos

Esse trabalho tem como objetivo geral:

Compreender como se constitui a função materna em condições de nascimento pré-

termo de bebês internados em uma Unidade de Terapia Intensiva.

E como objetivos específicos:

Apreender o modo como se constroem as atribuições maternas a partir dos

comportamentos dos bebês pré-termo.

Apreender as significações construídas pelas mães com relação à experiência da

maternidade de bebês pré-termo.

Identificar e analisar os fatores e microfatores positivos e negativos que interferem na

construção do vínculo entre mãe e bebê pré-termo.


2 Método

2.1 A Unidade

O trabalho foi desenvolvido na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica do

Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro em Uberaba

(HC/UFTM), Minas Gerais. O HC/UFTM é um hospital público que oferece atendimento

terceirizado de alta complexidade para um conjunto de 27 municípios que compõem a macro

região do triângulo sul, podendo abranger também outras macro regiões do estado e ainda

outros estados da federação. A faixa populacional assistida é diversa, geralmente, de baixo

poder aquisitivo, porém em alguns casos, mesmo possuindo planos de saúde suplementar, se

utilizam da internação na UTIN pública, pois alguns desses planos não cobrem a permanência

dos bebês em unidade de terapia intensiva por um tempo que pode se estender por cerca seis

meses.

A UTIN, com 20 leitos, está localizada no primeiro andar do HC/UFTM no espaço

relativo ao Centro de Terapia Intensiva que contém também 10 leitos para UTI Adulto e 10

para UTI Coronariana. Em um longo corredor, à esquerda de quem entra, tem-se a Unidade de

Terapia Intensiva Infantil (que compreende a UTI Neonatal e Pediátrica) e à direita, a

Unidades de Terapia Intensiva Adulta e Coronariana. A Sala de Espera para a entrada na

Unidade é comum às Unidades e nesse ambiente freqüentemente presenciávamos a dor dos

familiares pela perda de pais, mães, irmãos internados na UTI Adulto, pois era em uma sala

contígua a sala de espera que o médico noticiava o óbito do paciente internado à família.

Percebemos que essa riqueza emocional desse contato não pode ser negligenciada, sendo mais

um elemento rico em significados para a simbolização da vivência da maternidade nesse

ambiente. Era o desafio de recomeçar o sonho de filho em um ambiente em que a

possibilidade de morte era constantemente lembrada e mesmo reafirmada.


41

Por ser uma UTI Neonatal e Pediátrica, o setor recebia bebês pré-termo ou nascidos a

termo com problemas que comprometiam sua sobrevivência sem cuidado intensivo, e ainda

crianças até 14 anos de idade (Ministério da Saúde, 1998). Em termos proporcionais, cerca de

2% dos casos que internavam na UTI eram pediátricos, não havendo uma separação do espaço

físico para essas diferentes faixas etárias e demandas, embora houvesse uma separação dentro

do mesmo espaço entre os cuidados neonatais intensivos e intermediários. Os familiares dos

bebês pré-termo internados, incluindo suas mães, só tinham acesso à Unidade em dois

horários de visitas, pela manhã, entre 10 e 11 horas e à tarde, de 16 até 19 horas12.

Durante meu período de atuação na Unidade, a mesma passou por um processo de

expansão passando de 12 leitos para 20 leitos. Mesmo com a expansão, a taxa de ocupação da

Unidade continuou alta tendo em média 98% dos leitos ocupados. Dois leitos estavam

bloqueados devido à falta de profissionais para atender adequadamente aos leitos conforme

prevê a Portaria No 3.432 do Ministério da Saúde que estabelece como equipe básica:

“Um responsável técnico com título de especialista em medicina intensiva ou


com habilitação em medicina intensiva pediátrica; um médico diarista com
título de especialista em medicina intensiva ou com habilitação em medicina
intensiva pediátrica para cada 10 leitos ou fração, nos turnos da manhã e da
tarde; um médico plantonista exclusivo para até 10 pacientes ou fração; um
enfermeiro, exclusivo da unidade, para cada 10 leitos ou fração, por turno de
trabalho; um fisioterapeuta para cada 10 leitos ou fração no turno da manhã e
da tarde; um auxiliar ou técnico de enfermagem para cada 2 leitos ou fração,
por turno de trabalho” (Ministério da Saúde, 1998).

É importante notar que o profissional de psicologia não é considerado parte da equipe

básica, pois a portaria prevê apenas que o hospital deve contar com um Serviço de Psicologia.

Considerei importante ressaltar que da forma como está, essa portaria não garante a

contratação de um psicólogo para atuar exclusivamente na Unidade de Terapia Intensiva e

sim, que em momentos que se considerar importante, um psicólogo de algum setor pode ser

12
Esses horários podiam ser flexibilizados, em função da dificuldade de locomoção das mães, por exemplo, horários
de saída de vans para seus municípios de origem.
42

deslocado para atender à solicitação. Por isso, atendendo à portaria, na UTIN a equipe médica

era dividida entre médicos contratados ou concursados, denominados de staff, e residentes13.

Naquele momento, o staff era compreendido por 20 médicos nos diferentes turnos e plantões.

Eram duas as equipes de enfermagem em cada um dos três turnos. Cada equipe de

enfermagem era composta por uma enfermeira e 18 técnicas de enfermagem. À noite, 14

técnicas se revezavam em dias pares e impares. Muitas das profissionais trabalhavam em

outros hospitais ou estavam em cursos superiores de formação, o que fazia com que tivessem

jornadas duplas e até mesmo triplas de trabalho.

Durante as manhãs e tardes, a Unidade contava com uma fisioterapeuta por turno. A

assistente social e a fonoaudióloga atendiam à UTI e à Enfermaria Pediátrica. Durante as

manhãs, a nutricionista do hospital passava pela Unidade para discutir as prescrições de

dietas. Apesar de considerar a portaria frágil no sentido de garantir a presença de um

psicólogo na Unidade, a importância da atuação desse profissional nas unidades de terapia

intensiva fez com que desde 2007 fosse aberto um espaço para a minha atuação como

psicóloga voluntária exclusiva da Unidade14.

13
A residência médica oferecida pela UFTM era em UTI Pediátrica.
14
Em julho de 2009 foi contratada uma psicóloga exclusiva para o atendimento à UTI Neonatal e Pediátrica.
43

2.2 As mães e seus bebês

Em função do tempo limitado para a realização das entrevistas e pelo número de

recém nascidos pré-termo que deram entrada na UTIN acompanhados por suas mães,

participaram desse estudo, cinco mães, cujos filhos, recém-nascidos, foram internados na

Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica do HC/UFTM durante o período

compreendido entre março e junho de 2009.

Como nosso estudo focou a construção da função materna, na relação que as mesmas

estabelecem com seu filho recém-nascido, não foram analisadas as situações em que outros

familiares assumiriam a maternagem do bebê, mesmo sabendo que, a ausência materna pode

ser fonte de riquíssima investigação e de fundamental importância para saúde psíquica do

bebê. Além disso, mães de recém-nascidos pré-termo que após o parto, se encontrassem

internadas em Unidade de Terapia Intensiva Adulta ou ainda mães que apresentassem algum

problema neurológico o qual pudesse comprometer significativamente o sistema cognitivo ou

que apresentassem distúrbios psiquiátricos, não seriam convidadas a participar da pesquisa.

Isso se justificou naquele momento, por fugir do alcance pretendido por essa pesquisa. É

importante ressaltar que, durante o período da pesquisa, nenhum desses casos previstos

inicialmente como critérios de exclusão de amostra ocorreu e, por isso, não nos deparamos

com uma possibilidade de alteração desse critério de exclusão a partir de questões que fossem

suscitadas nos atendimentos clínicos a essas mães.

As mães que participaram da pesquisa foram Raquel15, 34 anos, casada há 16 anos,

mãe de Lorena; Gabriela, 28, casada há 6 anos, mãe de Viviane; Solange, 33, casada há 10

anos, mãe de Henrique; Marlene, 33, casada há 15 anos, mãe de Oliver; e Carla, 34, casada há

13 anos, mãe de Marcelo. Lorena nasceu com idade gestacional de 30 semanas com peso ao

15
Os nomes das mães e de seus filhos são fictícios.
44

nascer de 1310g e ficou internada na UTIN por de cerca de um mês. Henrique nasceu com

idade gestacional de 30 semanas e seu peso ao nascer era de 1140g. Sua internação foi de

cerca de quatro meses. Oliver nasceu com idade gestacional de 30 semanas, seu peso ao

nascer de 1445 g e sua internação durou cerca de um mês. Marcelo nasceu com idade

gestacional de 28 semanas e peso ao nascer de 935 g. Sua internação durou cerca de quatro

meses. Para todos eles, o motivo da internação era o nascimento pré-termo e complicações

devido a essa condição. Já Viviane, além do nascimento pré-termo, apresentou mal-formação

e o prognóstico era de não sobreviver. Praticamente nenhuma atividade cerebral, poucas

funções fisiológicas e motoras que davam apenas condição para uma vida limitada e

dependente de ventilação mecânica. Tinha hidrocefalia e nasceu com macrocefalia, sem nariz,

com olhos praticamente não formados. Essa descrição é importante para boa parte da

compreensão da relação da mãe com a filha recém-nascida.

Embora não tenha sido um critério inicial de seleção da amostra, todas as mães que
participaram da pesquisa eram casadas há pelo menos, cinco anos. Apenas Gabriela, estava
separada quando soube da gravidez, e, nesse momento, tinha se reaproximado do marido. Já
na alta da filha, estavam novamente se separando.

Às mães participantes foi garantido que a pesquisas se pautaria segundo os aspectos


éticos envolvendo pesquisas com seres humanos conforme previsto pela Resolução No 196/96
do Conselho Nacional de Saúde (CNS) em consonância com a Resolução No 016/2000 do
Conselho Federal de Psicologia. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo I)
procurou garantir às participantes da pesquisa, o consentimento informado, a confiabilidade e
o sigilo (Conselho Nacional de Saúde, 1996; Conselho Federal de Psicologia, 2000). O
contato inicial com as mães participantes foi feito o mais próximo possível do momento em
que seu bebê foi internado na Unidade, e a partir dos esclarecimentos feitos sobre os objetivos
e as garantias de confidencialidade da pesquisa, todas as mães convidadas se mostraram
interessadas em contribuir com a mesma.
45

2.3 Caminhos percorridos

Após parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da

Universidade Federal de Uberlândia a esse projeto e a aprovação do mesmo no Exame de

Qualificação no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da mesma instituição, tanto o

projeto quanto os pareceres foram entregues à direção administrativa do HC/UFTM e à

coordenação da Unidade Intensiva Neonatal para os protolocos institucionais antes do início

de sua execução. Somente mediante esses procedimentos é que foram contatadas as mães no

sentido de iniciar o processo investigativo.

A abordagem utilizada nesse trabalho foi de orientação psicanalítica. A pesquisa em

psicanálise tem o inconsciente como objeto de estudo e funda-se no fenômeno transferencial.

Ambos, pesquisador e pesquisado participam do processo de investigação com suas

subjetividades, e a intersubjetividade se constitui um elemento fundamental da investigação

psicanalítica, na medida em que a pesquisa ocorre em uma perspectiva dialógica. As

significações produzidas pelo pesquisado se dão diante da posição do pesquisador e, por sua

vez, a fala do pesquisador é produzida na relação entre ambos (Violante, 2000).

A proposta de investigação psicanalítica é compreensiva no sentido de que a

compreensão está ligada a como a subjetividade se constitui em sua complexidade. Segundo

Plastino (2009, p. 64), “o objeto do conhecimento na experiência psicanalítica é a vida na

complexidade de sua inserção na natureza, de sua dinâmica emocional, sua potência criadora

e sua necessidade radical de sentido”. Nessa perspectiva, o ser humano é um sujeito aberto,

indefinível e passível de transcender a si mesmo que opera por meio de significados,

ressignificando sua existência e suas experiências.

Para a compreensão da dimensão subjetiva do processo adaptativo das mães frente à

internação de seus filhos recém nascidos e de como as mesmas construíram recursos para
46

lidar com a situação traumática, foram utilizadas de entrevistas e observações visando

possibilitar a expressão das diversas representações das participantes em seus aspectos verbais

e não-verbais.

As entrevistas foram realizadas a partir dos encontros individuais com as mães no

horário de visita, procurando não causar prejuízo nas visitas feitas pela mesma a seus bebês

internados. Esses encontros que estavam vinculados ao atendimento clínico e foram

realizados em diversos espaços nos quais nós (eu e a mãe participante) nos encontrávamos.

Na Sala de Espera, no Banco de Leite16 e, em sua maioria, diante das incubadoras, na própria

Unidade, durante as visitas da mãe ao filho internado. Esse espaço em particular, foi

especialmente importante, por possibilitar a observação da relação mãe-bebê e ainda,

propiciar espaço para a mãe expressar sua vivência.

A duração das entrevistas respeitou a disponibilidade física e emocional da mãe-

participante. O número das entrevistas esteve diretamente relacionado ao tempo de

permanência do bebê internado na Unidade e às possibilidades de encontro entre a mãe e eu.

Na entrevista inicial foi priorizada a escuta das mães, com o objetivo de propiciar o

acolhimento necessário, auxiliando-s a entrar em contato com os diversos sentimentos que

afloraram no momento da internação de seus filhos recém-nascidos pré-termo. Foram

esclarecidas dúvidas com relação à rotina na Unidade e ainda, na ocasião, foi preenchida uma

ficha de identificação da mãe e do bebê. Com relação à ficha do bebê, na mesma foram

registrados alguns aspectos da história clínica retirados do prontuário médico e que foram,

nesse momento, confirmadas com a mãe (Anexo II).

16
O banco de leite do HC/UFTM fica em uma sala do hospital e é um espaço para a coleta do leite materno. Nesse
espaço são oferecidos instruções sobre como coletar e armazenar o leite em casa, em recipientes esterilizados
fornecidos pelo setor. E como as mães vão para essa sala para realizar a coleta do leite, o mesmo se torna um espaço de
acolhimento às mães, uma espécie de sala de espera.
47

A entrevista foi compreendida com um caráter interventivo, pois, a possibilidade de

evocar os elementos traumáticos em sua emergência, possibilitou espaço para a construção de

novas significações, diminuindo o impacto futuro que esses elementos não expressos

poderiam vir a ter (Druon, 1999). A entrevista se propôs a “evocar o traumático” e facilitando

a expressão dos sentimentos, tentando evitar o adoecimento da mãe e ainda contribuir para a

construção da função materna na relação com esse filho “diferente”.

Durante os encontros que ocorreram em momentos em que a mãe estava com seu bebê

na Unidade foram realizadas observações da interação mãe-bebê, do ponto de vista etológico,

no sentido de juntamente com as informações obtidas nas entrevistas, cujo objetivo inicial era

apreender a articulação entre as atribuições maternas e o comportamento de seus bebês,

através de categorias sensoriais. Para Tronick e Cohn (conforme citado por Wendland, 2001),

“a interação é definida como representando as trocas comportamentais visíveis entre o adulto

e a criança”, ou seja, o foco da investigação nesse caso se volta para aquilo que é observável

do comportamento da díade.

Quando da construção do projeto, pensamos a construção de um protocolo para o

registro posterior das observações da relação mãe-bebê segundo as categorias corporal, visual,

vocal e facial. Os itens incluídos na observação seriam desenvolvidos a partir do trabalho

realizado por Scortegagna et al. (2005) e estariam em concordância com a categoria

comportamental desenvolvida por Lamor e Lebovici (conforme citado por Wendland, 2001)

como um dos níveis de estudo da interação da díade. No desenrolar do trabalho, o protocolo

não foi utilizado sistematicamente e realizei as observações de como a mãe se colocava à

disposição de encontrar o seu bebê. Para isso, foram utilizadas algumas categorias desse

antigo protocolo, mais especificamente, as categorias visual e vocal.

Conforme Wendland (2001) podemos perceber que “dada a complexidade dos

comportamentos da criança e do adulto ainda permanece a dificuldade de se conceber uma


48

técnica de análise que capte o fenômeno da interação”. Temos aqui um limite metodológico,

importante. Sempre haverá na singularidade humana e das relações humanas, algo que escapa

o observável, que vai além do que se percebe e que se pode registrar. Apesar desse limite, as

observações tiveram implicações significativas do ponto de vista clínico sobre a relação que

se estabeleceu na díade mãe-bebê.

A aplicação terapêutica da observação da relação mãe-bebê em uma UTIN apresentou

algumas variações em relação ao método clássico construído por Esther Bick e buscou,

conforme descrito por Wirth (2002, p. 207) “melhorar o desenvolvimento do recém-nascido

prematuro através de uma abordagem mais atenta aos aspectos emocionais da interação”. A

principal variação se deu do ponto de vista do método, pois, aqui se tratou de observações e

intervenções dirigidas aos vínculos que se tornaram manifestos através das condutas das

mães. E foi possível, como observadora, oferecer à mãe “a continência que resulta de suas

atitudes de receptividade, reflexão, não atuação, não julgamento” (Mélega, 2008, p.132).

Segundo Palmigiani (1997, p. 189) o observador, com a atitude acima descrita e mínimas

intervenções “tenta alcançar o objetivo de proporcionar o setting à mãe (quando junto com a

criança) facilitador de sua função materna”.

Penso ser importante, refletir aqui que ao observarmos a díade, levamos conosco

nossos afetos e nossos próprios modos de comunicação verbal e não verbal, que influenciam

na forma como os sujeitos observados se comportarão. Estabelece-se uma relação

transferencial entre observador (o pesquisador) e observado, no caso, a mãe e

conseqüentemente, o bebê, devido a modificações interacionais proporcionadas pelas trocas

transferenciais (Wendland, 2001).

Na análise dos encontros, buscou-se ainda, a identificação de fatores e microfatores

externos ou internos relativos à vivência do nascimento pré-termo que pudessem ser

facilitadores ou limitadores do vínculo. Externo ou interno indicam, respectivamente os


49

aspectos ambientais e aspectos intrapsíquicos. Por fatores, entende-se “circunstâncias externas

ou internas ao sujeito que sacodem dramaticamente a estabilidade adaptativa – situação

geradora de crise – levando a mudanças bruscas e permanentes nos padrões de adaptação do

sujeito” (Simon, 1989, p. 69). Esses podem ser negativos ou positivos, sendo importante

ressaltar que a forma como esse fator negativo ou positivo conduz a uma determinada

adaptação depende da constituição psíquica de quem vivencia a experiência. No caso em

estudo, uma gravidez de risco pode se constituir um fator interno negativo, porém pode ser

vivenciado gerando novas significações de maternidade. Já os microfatores são aqueles

fatores externos ou internos que operam cumulativamente, positiva ou negativamente,

provocando, em longo prazo, mudanças no sentido do aumento ou da redução da eficácia

adaptativa (Simon, 1998, p. 69). Estão muito relacionadas àqueles eventos em que,

aparentemente, nada está acontecendo, mas, segundo a narrativa das pessoas ao redor, “de

repente, a mãe não quer ficar com seu bebê”. O “de repente” quando nada parece estar

acontecendo pode estar relacionado a diversos microfatores externos ou internos, que atuando

negativamente, dificultariam a construção da função materna. A identificação dos mesmos foi

feita a partir da análise dos relatos. E, clinicamente, são bons parâmetros indicando a que o

psicólogo deve atentar no sentido de intervir adequadamente para a facilitação do

investimento materno na relação com seu filho.


3 UTIN: espaço de encontros e despedidas

3.1 A função simbólica da UTIN

A UTI Neonatal é um espaço em que o limiar entre vida e morte é tênue, as notícias da

evolução do bebê são dadas dia a dia, um lugar em que se evita fazer prognósticos para além

daquele dia. Deparamo-nos com a iminência da morte, que nos desarma de nossa capacidade

de simbolização, colocando-nos frente a frente com nosso desamparo.

Qual a função da Unidade na vida psíquica do bebê e sua mãe? Hoje se encontra em

muitos textos e no imaginário dos serviços de neonatalogia que, com relação ao vínculo mãe-

bebê, a ação dos profissionais seria orientada para, a todo custo, a manutenção do laço, da

presença materna junto ao seu bebê. Eu mesma, ao começar o trabalho na Unidade, fui

convidada a me ocupar de facilitar a presença da mãe junto à criança internada. Claro que

propiciar condições favoráveis ao encontro é de fundamental importância para a saúde

psíquica de mãe e bebê, entretanto, à medida que o trabalho vai sendo construído, somos

demandados a nos ocupar de outras funções.

Para ocupar essa posição de sustentação à mãe, para que a mesma possa se colocar

como suporte psíquico para o seu bebê, a equipe em um UTIN precisa suportar seus próprios

medos e lutos, pois afinal, vive com o bebê internado uma intensa relação de cuidado.

Conforme já abordado, atualmente, são reconhecidas as capacidades do bebê de apreender o

ambiente que o cerca através dos vários sentidos, olfato, tato, visão, discriminando, logo nos

primeiros dias, os rostos familiares dentre outros e, com isso, se colocando pronto para uma

interação com o outro. Para o bebê internado, os primeiros cheiros, os primeiros ruídos e

vozes familiares advêm da Unidade. Os cheiros de hospital, os ruídos do maquinário, as vozes

das enfermeiras conversando perto ou com o bebê se tornam a ambiência conhecida, materna.

Desse ambiente provêm os cuidados que possibilitam a vida biológica e psíquica do bebê. É o
51

serviço que fornece os cuidados que reconhecem o bebê como um sujeito desejante. É a

enfermeira que dá ao bebê uma fralda para que o mesmo a leve quando da alta da Unidade.

Fralda essa a qual ela aprendeu, no encontro com esse bebê, que o tranqüiliza para lidar com o

desconhecido. Ou a profissional que se vê capturada pelo olhar de um bebê que a torna

desejosa de adoção, como eu mesma já me vi, desejo esse que se instaura em relação àqueles

bebês que foram dados para adoção, ou que foram abandonados por seus pais na Unidade.

Nessa situação em que a mãe de nascimento não se faz presente, nossas fantasias de boa mãe

assumem sua plenitude e permitem um investimento narcísico diferente. Afinal, como dito

por Mathelin (1999, p.97), “quem não tem em um momento ou outro o fantasma de levar para

casa esse bebê abandonado”? É solicitado à equipe, continuamente, a realização do luto pela

separação dos bebês que depois de meses de internação saem no colo de seus pais biológicos

ou adotantes.

É dessa posição maternante que a Unidade pode exercer a função de suporte para a

mãe, ajudando a mãe realizar o luto daquele bebê que, naquele momento, simboliza perda e

fracasso para então se permitir “descolar o filho do horror do real e projetar sobre ele um

futuro possível” (Mathelin, 1999, p.25). O serviço, renunciando continuamente à posição de

boa-mãe-todo-poderosa, permitindo a mãe se tornar mãe de seu filho, autoriza-a a sonhá-lo e

na díade, fabricarem-se um ao outro, mãe e bebê (Mathelin, 1999, p.26).

A função da UTIN é dupla. Por um lado, exerce a função materna, para o bebê e sua

mãe. Mas é o serviço que redefine papéis, nomeando quem é mãe, pai, avó, quando e qual o

tempo de permanência desses personagens da história do bebê. A Unidade com seus ritos de

entrada, autoridade atribuída ao saber médico, normas de funcionamento também se coloca

em uma função de terceiro, simbolizante vindo “proibir à mãe e ao filho que se devorem um

ao outro” (Mathelin, 1999, p.18). Ao mediar o encontro da mãe e seu filho, separa-os,

protegendo a ambos, num momento em que extremamente ferida, a mãe se vê como uma
52

ameaça a seu bebê. A Unidade absorve para si a violência do encontro e permite que o real

encontro se faça (Mathelin, 1999).

O ódio que uma mãe direciona ao serviço, à equipe, e ao aparato tecnológico é ao

mesmo tempo um ódio disparado ao bebê por tê-la frustrado tão profundamente em seu

narcisismo e contra si mesma, por não ter se provado como uma boa-mãe. O hospital, num

primeiro momento, segundo Mathelin (1999, p. 29), “vem garantir à mãe que o filho, num

primeiro tempo, viverá apesar dela, o que atenua sua culpa e, num segundo momento, caso a

mãe seja atendida, que seu filho viverá graças a ela”.

A Unidade poderá exercer a dupla função simbólica se puder renunciar à crença no

amor materno idealizado e se puder suportar o traumatismo dos nascimentos pré-termo. Se

puder, ainda, aceitar que o chamado instinto materno são relações construídas a partir de

pulsões de amor e ódio, de violência e desejo.

Na Unidade, deparei-me com mães que, em seu imenso sofrimento, não dispunham de

recursos para simbolizar a experiência que estavam vivenciando. A impossibilidade de

nomear o filho que estava morrendo devido a sua prematuridade extrema, ou a experiência de

ter um bebê que dentre outras mal-formações, apresentava genitália ambígua, e sem sexo

definido, não tinha nome e depois de morto, não pôde ter seu óbito atestado. A mãe que

vivenciou a primeira experiência me disse “não consigo pensar em um nome”, já a outra mãe

me confidenciou: “gestei um monstro, agora só há dois caminhos aceitáveis, ou a morte ou

um milagre”. Ambas as experiências sinalizaram a impossibilidade de “investir em um filho

que ela sente como monstruoso e perseguidor, um filho que significa sua impotência e seu

fracasso” (Mathelin, 1999, p.25).

A morte é, então, apresentada como um dos recursos da vida, viabilizando a

possibilidade de simbolização quando essas mães não conseguem imprimir seu desejo naquele

que foi gerado, seja pela iminência da morte, seja porque o que foi gerado, não pode ser
53

inscrito na ordem do humano. Segundo Rabello (2004, p. 181), frente às vivências de

desamparo com a qual nos defrontamos na Unidade, “a magia absoluta ou a racionalidade

absoluta poderiam nos servir de amparo frente a esses eventos que nos fragilizam, tornando-

os um pouco mais suportáveis”. São caminhos perigosos, que se excedidos, tornados reais,

produzem sintomas, adoecimentos. No caso, a mãe percebia a si mesma tendo gerado “o

monstro” e não conseguia deixar de sentir dores, enjôos, centrada em si mesma, incapaz de

ver o filho e de se ver no mesmo, impotente para construir novas significações que tornassem

a experiência passível de ser vivida.

A UTIN nos confronta com a finitude, com a mortalidade e com o fato de que nosso

aparente controle de nossas vidas é ilusório. Instaura-se como lugar em que na articulação

entre vida e morte, pode ser construída a simbolização, os registros iniciais na ordem do

humano. Segundo Rabello (2004, p. 181), “o estranhamento nos desaloja do ar onde

estávamos e nos induz, após um encontro com velhos fantasmas, a fazer emergir o novo, a

ascender a uma nova posição na vida”. Concordamos com Mathelin quando diz que

“Nossa convicção hoje é que a hospitalização não é obrigatoriamente fonte de


complicações psicológicas para o bebê, mas pode, ao contrário, permitir –
contanto que estejamos à escuta da família tanto quanto à escuta dele – salvar
não só a pele de uma criança, mas também sua “pele psíquica”; é nisso que o
papel da unidade, para além dos cuidados, é essencial” (Mathelin, 1999, p.66).

A UTIN pode ser pensada como esse portal que conduz a ressignificações em regime

de emergência se adequadamente conseguir transitar entre as funções materna e paterna dos

bebês que ali estão internados. Uma hora é a Unidade que reconhece no bebê um sujeito que

deseja. Outra hora a UTI é o pai, o terceiro, que funciona como mediador entre a mãe e seu

bebê.
54

3.2 Os encontros

Nessa sessão encontram-se as transcrições das anotações tomadas a partir dos

encontros com as mães participantes. Optei por esse formato, por acreditar que essas notas já

constituíam um material de análise, pois nos mesmos encontramos as produções tanto da

participante quanto minhas. Concordo aqui com Hermann (Silva, 1993), quando diz que a

“entrevista psicanalítica, mais precisamente, entrevista numa tese psicanalítica, caracteriza-se

por descobrir na ação a sua própria estratégia”. A partir da construção do espaço dialógico, é

falado aquilo que é urgente para o entrevistado. A transcrição de minhas notas, às vezes é a

transcrição de um encontro, e em outros momentos, notas sobre vários encontros, e tem como

finalidade, colocar o leitor em contato com o processo no qual foram produzidos os relatos

analisados. Logo após as transcrições segue a discussão suscitada tanto pelas entrevistas com

a mãe quanto pelas observações realizadas durante a internação do bebê. À medida do

possível foi conservada a fala das mães em seus relatos.

Foram realizados seis encontros com Raquel e Solange durante o tempo em que seus

filhos, Lorena e Henrique, respectivamente ficaram internados na Unidade. Já com Gabriela

devido ao tempo de internação de Viviane e a demanda de intervenções clínicas, foram

realizados inúmeros encontros, cerca de dois por semana. Para transcrição e posterior análise

nesse estudo, optei por relatar aqui os dois primeiros encontros e posteriormente alguns

registros de nossos encontros ocorridos durante esse tempo. Com Marlene e Carla foram

realizados quatro e cinco encontros, respectivamente, antes da alta de seus filhos, Oliver e

Marcelo.

A seguir, os relatos e as análises, em seqüência, de Raquel, a mãe que precisa de mãe;

Gabriela, a mãe que não se encontrou ainda; Solange, a mãe que tranquilamente embala;

Marlene, a mãe que autorizada pelo marido, pôde se vincular e Carla, a mãe que teme o

próprio desejo.
55

Todas essas mães foram acompanhadas desde a internação de seus bebês até a alta

para a Enfermaria Pediátrica. Duas delas, Gabriela e Carla, ainda foram entrevistadas após a

alta da UTIN, na Enfermaria Pediátrica e devido a isso, acompanhei Carla e seu filho até a

alta do hospital. Esses encontros que se prolongaram após a saída da Unidade se justificaram

por não ter tido um encontro de encerramento do acompanhamento realizado.

3.2.1 Raquel, a mãe que precisa de mãe

1º encontro: Encontrei Raquel ainda na sala de espera. Ela e o marido estavam

esperando pela chamada para entrar na UTI Neonatal pela primeira vez. Como não haviam

tido nenhuma orientação ainda sobre o funcionamento da Unidade, eu realizei algumas delas,

inclusive sobre o Banco de Leite17. Ela disse que estava bem e percebi não haver naquele

momento qualquer disponibilidade para conversar.

2º encontro: Encontrei Raquel na Unidade junto à sua filha e me relatou que já a pegou

no colo. Estava ansiosa para conversar com os médicos sobre alguns exames que disseram a

ela que seriam feitos no dia anterior. Disse-me que foi preparada para a gravidez de risco, pois

desde o sétimo mês sua pressão arterial começou a aumentar e o líquido amniótico o que

trazia muito sofrimento para a filha. Raquel sentiu-se aliviada ao ver que a filha estava viva,

fora de sua barriga. Ficou muito tensa durante a gravidez e “quanto mais tensa, mais a pressão

aumentava”. Teve quatro anos antes, uma gravidez que não foi a termo devido também a

pressão alta gestacional. E por isso seu medo era maior. Tinha dois filhos adolescentes, com

15 e 12 anos que estavam ansiosos por conhecer a irmã. Estava na casa de apoio18 sozinha,

pois o marido voltou para cuidar dos outros filhos. Perguntei se ela esteve no Banco de Leite e

17
Embora algumas pesquisas apontem criticamente para um enfoque da assistência nos serviços materno-infantis
esteja centrada nos aspectos biológicos da amamentação (Vasconcelos, Leite & Scochi, 2006), a intervenção foi feita
por compreender que a contribuição da mãe para o cuidado do seu bebê com seu leite, é uma dos primeiros aspectos de
relação mãe-bebê que se mantém exclusivos e cuidar dessa forma de vinculação é também cuidar dessa maternagem
que está se construindo em um ambiente inesperado.
18
As casas de apoio são casas alugadas em Uberaba pelas prefeituras das cidades compreendidas pela região de
abrangência do HC/UFTM para os familiares dos pacientes internados no hospital.
56

ela diz que não, que tentou ordenhar sozinha e não conseguiu. Levei-a até o mesmo, visando

mostrar o caminho e também por saber que aquele seria um espaço que ofereceria a ela um

acolhimento importante naquele momento.

3º encontro: Encontrei-a na UTIN, saindo de perto da filha e parada com os olhos

cheios de lágrimas. Convidei-a para ir para fora da Unidade, ao que ela atendeu. Perguntei o

que ocorreu, ela disse que a filha estava fazendo exames, e que ela não agüentava ver a filha

sendo picada. Mas repetiu “são apenas exames”, como se dissesse, “sou eu que estou

sofrendo” Falou que está separada dos três filhos e que ao mesmo tempo em que estava com a

filha internada, não estava. Repetiu algumas vezes “é para o bem dela”. Relatou que não

deixava ninguém vir ver a filha, só ela, e não queria que ninguém visse o que ela estava

vendo, “pra sofrer, para quê?”. Estava chorando muito e nervosa. Ela disse querer esquecer

tudo e não queria que ninguém guardasse na lembrança a filha com o tampão nos olhos (para

a fototerapia). As técnicas de enfermagem vieram nos avisar que ela já podia entrar. Deixei-a

com a filha. Quando retorno, ela estava com a filha que dorme em seu colo e me disse “ela

estava chorando, foi só eu chegar, falar com ela e pegar ela no colo que ela parou de chorar na

hora e dormiu”. Começou a falar de seu sentimento anterior dizendo, “a gente tem altos e

baixos, mas sei que minha filha está bem”. Relatou que era super-protetora, que não soltava

nenhum dos filhos e que sentia que os sufocava. Ainda em seu relato, o marido falava para ela

que seus filhos sofreriam quando crescessem por serem muito protegidos. Porém sua

percepção de quem sofreria era outra, pois disse a seguir, “quando eles se forem, quem vai

sofrer sou eu, pois eles irão viver a vida deles e eu vou ficar”. Contou-me que era órfã de mãe

e que parou de estudar nessa época, pois arrumava a casa, ficava cansada, e seu pai não ligava

se ela ia ou não para a aula. A mãe morreu no parto, de eclampsia, dando à luz à irmã mais

nova há 25 anos atrás. Raquel relatou ainda que, durante a gestação, teve muito medo de

morrer, que ao todo, teve cinco gestações. O primeiro filho de Raquel morreu, ainda durante a
57

gravidez, mas ela não ficou sabendo o motivo da morte. Teve os outros dois filhos cujas

gestações ocorreram sem nenhuma intercorrência. Depois teve outra gravidez, quatro anos

atrás, que teve que ser interrompida devida novamente à ameaça de pressão alta gestacional.

Engravidou de Lorena quando estava preparando a papelada para a laqueadura. Ela não foi

esperada, mas ela disse saber que Lorena veio ajudá-la a perceber que ela, Raquel, “dá conta”.

Nos dias que antecederam ao parto, ficou internada no hospital e subia até o berçário para ver

os bebês e pensava que não suportaria vê-los lá, e como dito por ela “foi pior, ela veio pra cá,

pior ainda”.

4º encontro: Raquel quando me viu relatou que “começou a falar”. No dia anterior

mesmo ligou para o marido e contou como estava a filha, sobre os exames de controle que

estavam sendo feitos. Falou também com os filhos, e contou como estava Lorena, “que ela

estava sem roupinha, em uma incubadora, embaixo de uma luz forte, com os olhos

tampados”. Perguntou a eles se gostariam de ver a irmã, ao que ambos responderam que não.

Ela disse que aceitou o desejo deles, até porque era o que ela esperava mesmo. Perguntei a ela

como se sentia, falando, e ela disse que mais forte, que parecia não ter mais medo.

5º Encontro: Sobre seu trabalho em sua cidade natal, disse-me ser empregada

doméstica e estava em uma casa já há quatro anos. Disse-me que olhou o primeiro filho da

patroa, que agora tem seis anos, e olhou também uma menina de 1 ano e 4 meses, que a

chama de mãe. Disse que a patroa quase não parava em casa, e que por isso, a filha quase não

a via. A patroa ficava chateada, mas ela entendia a confusão da menina. Percebi que ela

mesma se identificava muito com essa filha da patroa, pois relatava sentir muita saudade da

menina. E começa a falar com Lorena sobre sua irmãzinha postiça, que logo elas iam se

conhecer e brincar. Falou que o leite parecia estar secando, e que por sentir a pressão para ter

leite, parecia que o mesmo secava mais ainda. Disse ainda que não perguntava muito aos

médicos sobre como estava sua filha, pois sabia que ela está bem e que se algo ocorresse à sua
58

filha, ela saberia. Achava que agora os médicos tinham outros bebês em estado mais grave

com os quais se preocuparem.

6º Encontro: Reafirmou que tudo mudou que estava falando mais, e que agora seus

filhos, principalmente o mais novo, queriam vir ver a irmã. Estava em pré-alta, esperando

apenas vaga na Enfermaria Pediátrica. Percebia-a feliz consigo mesma, por ter encontrado em

si, um jeito de ser que ela não conhecia. Lorena estava dormindo e ela falou do quanto era

bom ver a filha olhando para ela. Com olhos sorridentes ela disse que o olhar da filha parecia

“que ia dentro dela, lá no fundo”, que era inexplicável o que sentia.

Análise

Raquel foi acompanhada desde o dia de sua chegada até a alta do bebê para a

Enfermaria Pediátrica. Sua gravidez foi interrompida devido à pressão alta gestacional que

começou quando estava com cerca de sete meses. Ela tomou corticóides, uma medicação que

propicia o acelerado amadurecimento dos pulmões dos recém nascidos pré-termo, e que

abrevia significativamente o tempo de internação hospitalar, caso não surjam outras

intercorrências características de nascimentos pré-termo19.

A hipertensão gestacional ocorre em mulheres que quando não grávidas tem pressão

arterial normal e que podem, ocorreu com Raquel, desenvolver uma crise de hipertensão em

uma gestação, mas não em outras. Segundo Szejer e Stewart (1997, p.191), “apesar da

hipertensão arterial dita essencial ter suas causas fisiológicas evidentes, também pode ser

entendida como um sintoma mental”. Do ponto de vista fisiológico, se a hipertensão “não for

controlada pode, de fato, ameaçar o funcionamento da placenta20, pela qual passam as trocas

sanguíneas entre a mãe e a criança, e colocar em risco tanto a vida de uma quanto da outra. Os

médicos vigiarão de perto essa gravidez e estarão atentos para que o bebê não sofra intervindo

19
Dentre as intercorrências típicas dos nascidos pré-termo, tem-se: a instabilidade térmica, as crises de apnéia, as
hemorragias intracranianas, as infecções adquiridas e a anemia da prematuridade.
20
A hipertensão arterial provoca alteração na vascularização da placenta (Szejer & Stewart, 1997).
59

com urgência se, pelos exames realizados, for verificado que ela está em sofrimento” (Szejer

e Stewart, 1997, p.192). E concordando com o texto, com essa díade, as evidências de

sofrimento fetal fizeram com que fosse necessário intervir, pois o bebê havia parado de

ganhar peso.

A placenta representa as trocas entre a criança e sua mãe, e seu mau funcionamento

devido à alteração da vascularização da placenta e das trocas sanguíneas entre a mãe e o bebê

dão lugar ao simbolismo de uma dificuldade nas trocas entre a mãe e a criança. No final dessa

gestação, quais foram as pressões que Raquel vivenciou e que fizeram com que sua pressão

arterial aumentasse? Pelo seu relato percebi que ela tem uma grande dificuldade em

simbolizar a separação, em reconhecer-se em separado de seus filhos. Pode-se perguntar o que

essa gravidez trouxe em termos de completude, que, em seus meses finais, tornou a futura

separação impensável, gerando um nível de angústia, que acabou por antecipar a própria

separação.

“Foi um alívio”, diz a mãe, “ela estava sofrendo”. Sua filha ou ela, e ainda ela, filha ou

mãe? Alívio, do sofrimento gerado pela crise de hipertensão ou daquele que gerou a crise? O

relato sobre a morte de sua mãe no parto remete à fantasia de um “filho que mata a mãe”.

Inicialmente essa mãe repete o fenômeno passado, e em correspondência ao registro desse

filho que mata a mãe, essa mãe vive a sua concretude a experiência inversa, a mãe que mata o

filho. Foram duas, as gestações que não vingaram. Logo na sua primeira gravidez, aquele que

seria o primogênito se tornou um natimorto e ela, de tão alienada de si naquele momento, não

soube explicar o que ocorreu naquela gestação. E, após duas gestações bem sucedidas, há

quatro anos, outra gravidez foi interrompida devido à hipertensão arterial, o que quase se

repetiu agora.

“Cada linhagem tem sua história com os ditos e os não ditos que fazem sua
especificidade. (...) É a partir de todas essas palavras mais ou menos
convergentes e de todos esses não ditos, que se criam as bases das formações
60

inconscientes, que se tornam depois conscientes, a partir das quais toda nova
vida pode ser pensada” (Szejer e Stewart, 1997, p.44).

Na história de Raquel, com tantas perdas reais, podemos pensar nos interditos que

foram vividos por essa mãe, e também no que lhe foi permitido, no que tange à sua

maternagem. Raquel me contou que com os papéis preparados para a laqueadura tubariana21,

engravidou, produzindo aí um ato falho. Conforme Szejer (1997, p.56) “os atos falhos podem

ser entendidos como discursos (do inconsciente) bem sucedidos”. Sabemos o quanto o desejo

não é da ordem do consciente, e podemos nos perguntar, quando na história de Raquel se

torna permitido ser mãe novamente? A forma afetiva como fala de sua relação com a filha de

sua patroa, me pareceu ter relação com seu desejo, dentro de sua história singular de casal e

família. Com relação à filha de sua patroa, atualmente com quatro anos (momento em que

quis engravidar novamente?), ela foi responsável por cuidados reais. Sua patroa trabalhava o

dia todo, o que a deixava com a criança durante todo o dia. Segundo ela, a criança às vezes a

chamava de mãe. Penso que esse momento, começando a ver seus filhos pré-adolescentes,

criando vínculos fora de casa, vínculos esses que consolidam a separação que tanto teme, foi

sendo fomentado o seu desejo de ser mãe novamente. Inicialmente, repete a concretude do

“mãe mata filho”. Após essa repetição, frente ao desejo, se lança conscientemente em busca

da não concretização (a cirurgia) e inconscientemente, o realiza, engravidando.

Com esse nascimento bem-sucedido, que culmina em vida após a crise de hipertensão,

essa mãe ressignifica uma repetição familiar, que a remete à sua própria história como filha.

“Repetição significa os dois fenômenos: reprodução de um evento passado


antecipação de um evento que está por vir. (...) Assim, a gravidez seria um
estado transitório, em que a mulher anteciparia o nascimento do seu filho, com
vestígios deixados por sua própria história” (Szejer e Stewart, 1997, p.131).

21
Forma permanente de esterilização feminina na qual os tubos de falópio são cortados e/ou
ligados cirurgicamente de modo a prevenir a fertilização.
61

O nascimento dessa filha, repetição que ressignifica, permite que um novo discurso

possa ser construído. Essa mãe, na escora transferencial oferecida pelos nossos encontros,

elabora sua história ao superar seu impeditivo, reconhece sua orfandade e marca uma nova

inscrição nessa história familiar. Sua separação de sua própria mãe foi, sim, dramática e

acredito que pouco tenha podido elaborar de sua história naquele momento. Ao reconhecer

sua orfandade, a qual se exerce sobre toda e qualquer mulher e, sobre todos nós, no sentido

simbólico, ela pode se reinscrever em sua história, reconhecendo que o nascimento traz em si

o luto da impossível fusão mãe-bebê e traz a separação, condição para que a vida seja

possível, elaborando a “falta que inaugura o nascimento” (Benhaïm, 2007, p.18). A angústia

sentida por Raquel, por não poder ver os olhos da filha, nas observações iniciais em contraste

com seu enamoramento quando relata que o olhar da filha parece que vai lá no fundo, remete

à filha que nela, a mãe, reside. Segundo Benhaïm (2007, p.15), “a criança em nós se inscreve

na nostalgia do olhar materno”.

Ao lidar com seu “ódio simbólico pode elaborar, re-elaborar, sua perda simbólica (a

falta estrutural) e pode fazer com que seu desejo recomeçasse a encontrar meia satisfação

junto a outro além da criança” (Benhaïm, 2007, p.18). Raquel passa a partilhar seu drama com

seu marido e seus outros filhos e segundo seu próprio relato passa a se sentir menos só, mais

forte. Aquilo que antes não podia ser dito, a história dessa própria criança e de ambas na

UTIN que não podia ser conhecida por ninguém mais na família (somente elas mesmas) passa

a ser partilhada, circulando na família e marcando o lugar da Lorena como parte dessa

linhagem.
62

3.2.2 Gabriela, a mãe que não se encontrou ainda

1º Encontro: Ela começou a me contar que nada parecia estar acontecendo de verdade,

que algo mudou, mas não sabia bem o que. Contou-me que durante a gravidez, disseram a ela

que a filha tinha a Síndrome de Alpert22 e que não sobreviveria ao nascimento. Ela e o marido

fizeram, na época, uma pesquisa sobre a síndrome na internet, o que a deixou preparada para

o que viria, mas desde a notícia, sentia uma tristeza23. A mãe me disse que tinha uma filha de

cinco anos, normal. Relatou ser muito difícil sair de perto da filha, e que se sentia muito só,

sem ela. Gostaria que fossem somente as duas no mundo e que ela teria força para enfrentar se

existissem somente as duas. Disse que estava tentando entender tudo o que estava

acontecendo, que “não parava de pensar”.

2º Encontro: Disse que acordava sempre muito pesada, muito triste, sem vontade de

fazer nada e, que, ao longo do dia, começava a fazer as coisas. Estava nervosa com a filha,

bastante nervosa e sentia-se culpada por estar “brigando com a filha à toa”. Disse sentir medo

de como a filha iria tratá-la quando soubesse da filha internada, que achava que ela não iria

aceitar, que iria “perguntar por quê?”. Depois, disse que a filha era tão bondosa e aceitaria e

iria ajudá-la a cuidar da filha internada. Relatou não ter desejo de conversar com ninguém e

que agora, não quer mais saber dos amigos, que ela não queria ter que falar de nada disso.

Como dito no início da sessão, a partir daqui estão transcritas impressões ao longo dos

outros encontros, pois foram cerca de cinco meses de internações. O diagnóstico médico da

síndrome anunciada não se confirmou, pois, como característica dessa síndrome, a filha

deveria apresentar mal-formação nas mãos e também em órgãos internos vitais e por isso um

prognóstico de pequena sobrevida. Viviane tinha os órgãos internos e mãos perfeitos. A

22
A Síndrome de Apert é um defeito genético e caracteriza-se por má formação específica do crânio, terço médio da
face, mãos e pés, além de diversas alterações funcionais (Fonte: www.alpert.org).
23
Achei importante registrar aqui que, em conversa com o marido, ele me relatou que fez uma pesquisa na internet,
colocou fotos de crianças com a síndrome em um envelope, entregou para a esposa e saiu de perto. Voltou correndo
quando ouviu seu grito ao ver as fotos.
63

própria equipe era ambivalente com relação à Viviane. Havia profissionais que achavam que

houve um super-investimento medicamentoso nos primeiros dias. À revelia do que esses

profissionais pensavam, Viviane foi respondendo com sucesso à redução do uso de

medicamentos. A família que a visitou da internação foram: as duas avós, o pai e a mãe. Ela

foi visitada todos os dias de sua internação de quatro meses, e essa visita sempre, por parte de

todos, com uma qualidade de interação muito grande. Conversavam com ela, choravam,

sorriam. A equipe, principalmente de enfermagem, se vinculou profundamente a Viviane

também, reconhecendo seu esforço.

Um dia, Gabriela viu o Programa de Visita de Irmãos24 acontecendo e demonstrou

desejo de que a filha mais velha conhecesse a irmã. Mas, paralelamente ao desejo, disse ter

medo que a filha se impressionasse com a mal-formação dos olhos e nariz. Propôs que se

fosse colocado um protetor de olhos, como o usado na fototerapia. A equipe de enfermagem

concordou em realizar esse procedimento. A partir daí, inúmeras visitas foram marcadas as

quais, por um motivo ou outro (ora por esquecimento, ora confusão de horário, ora outros

compromissos), nunca se cumpriram. Com relação ao casal, havia sempre uma tensão no ar,

percebia uma falta de cumplicidade. Mais tarde isso foi confirmado pela mãe, dizendo que

eles estavam separados e voltaram a morar juntos quando ela ficou grávida. Quando Viviane

teve alta do hospital, eles estavam separados novamente.

Relatava recorrentemente que sua prima estava grávida também, de mesmo tempo e

que o bebê nasceria a termo. Falava das conquistas do desenvolvimento normal que esse bebê

estava fazendo. Por duas vezes, me perguntou sobre a existência de grupos de pais com filhos

“como a dela”, um lugar onde ela pudesse se sentir compreendida. Ela dizia que achava que

se sentiria mais tranqüila se encontrasse pais com a mesma experiência que a dela.

24
O Programa de Visita dos Irmãos foi por mim instituído na UTIN do HC/UFTM em 2008 a partir da experiência
relatada por Morsch, D.S. & Braga, N.A. (2006) e Morsch, D.S. & Delamonica, J. (2005). Propus no mesmo o
acompanhamento da visita dos irmãos ao bebê internado.
64

Depois de cerca de quatro meses, fui convidada a ouvir a família, pai e mãe,

principalmente mãe, sobre suas expectativas com relação à vida de Viviane. Pretendiam

realizar um procedimento de traqueostomia e medicamentoso que possibilitaria a filha ter alta

e ir para a casa. Quando falado com Gabriela, ela disse que era o que mais desejava e que

reconhecia a força da filha e disse que tinha se tornado mais forte. Paralelamente a isso,

pensava em como “proteger a filha”, imaginando colocá-la em um quarto, onde ela não

pudesse ser vista e “ficasse livre do julgamento das pessoas”. Disse ainda que as pessoas não

a entendiam quando ela falava isso, ficavam julgando-a, como se ela não tivesse amor de mãe,

mas ela sabia o que estava vivendo, não era hipócrita, e sabia que uma criança como Viviane

iria chamar a atenção, as pessoas iriam ficar espiando, que nunca poderia passear de carrinho

com a filha. Dizia querer protegê-la desses olhares. Pouco antes de fazer a traqueostomia, com

apenas quatro meses, Viviane aprendeu a respirar pela boca, o que deixou a todos surpresos.

Continuou se alimentando pela sonda gastroenteral, o que não era empecilho à sua alta.

Quando houve a alta para a Enfermaria Pediátrica, Gabriela se mostrou bastante

inconformada. Fui ao seu encontro na Enfermaria Pediátrica, num quarto com isolamento, no

qual ainda a filha foi colocada para a proteção da mãe e a mesma me disse que, mesmo

sabendo que tudo isso iria acontecer, não achava que seria agora, que ainda não estava

preparada. Disse que ninguém a entendeu, que ficaram julgando o seu amor pela filha, e que

ela mais que ninguém lutou por ela. Disse que não conseguia dormir no hospital com a filha e

que queria começar a trabalhar. Quando retornei no outro dia, ela já não estava lá. A

enfermagem falou de uma grande discussão que ela teve com os residentes. Uma tia estava

cuidando de Viviane, que com movimentos de corpo e sons pedia colo. Gabriela começou a

trabalhar e não mais voltou para ficar com a Viviane.

Análise
65

Viviane foi sido marcada por diversos discursos médicos que, ao procurar dar conta de

seu estado físico, construíram falas que foram se modificando ao longo dos meses e cujos

impactos na subjetividade materna não podem ser negligenciados. Em torno do quinto mês de

gestação, Viviane foi diagnosticada com uma possível Síndrome de Alpert com sérias mal-

formações externas e internas e que devido a essas, não sobreviveria ao parto. Logo após

nascimento, foi dito que Viviane não sobreviveria ao primeiro mês devido a seqüelas

decorrentes de hidrocefalia grave, que ela não tinha, praticamente, nenhuma atividade

cerebral, apenas poucas funções fisiológicas e motoras, que davam condição de uma vida com

ventilação mecânica. A despeito dessas falas, sobreviveu e por volta dos quatro meses de

vida, decidiu-se que com uma traqueostomia (por não ter formação completa das vias

respiratórias) poderia ter alta e viver em casa. Apesar dos diversos discursos e de apresentar,

de fato, ao nascer, mal-formação facial (ausência de vias respiratórias e olhos formados) e

ainda macrocefalia e hidrocefalia, essa criança sobreviveu a todos os prognósticos

desfavoráveis e antes mesmo da realização do procedimento de traqueostomia, com quatro

meses, passou a respirar espontaneamente pela boca. Dois meses depois, teve alta.

Quais as significações construídas acerca dessa criança e ainda do impacto desses

discursos sobre o engajamento materno? Concordo com Lacerda (2004, p. 153) quando diz

que a “violência das palavras em determinados comunicados, e no momento em que são

falados aos pais, pode produzir importantes efeitos”. É possível então, para Gabriela e

Viviane, levantar a questão de como repercutiu no psiquismo materno, saber, no quinto mês,

que sua filha apresentava mal-formações. Como se deu para essa mãe, ter um estrangeiro em

si, continuar uma gestação em que se via, gestando um ser deformado, cuja imagem remetia a

distância e temor? Sabemos que para a familiarização, fatores de ilusão são necessários para

fazer a ancoragem do filho imaginário sobre o recém-nascido. Poder projetar no bebê, o bebê

que foi, a maternagem que recebeu, são fatores de ilusão desde que os mesmos não gerem
66

profunda angústia (Soulé, 1987, p.154). Em meus contatos iniciais com Gabriela, percebo sua

angústia pela sua busca pelo que Mathelin (1999) vai denominar de causalidade. Segundo a

autora,

“Essas mulheres, de quem foi retirado o filho ao nascimento, buscam a


qualquer preço uma explicação, uma causalidade, elas querem estabelecer um
vínculo psíquico. (...) É preciso dar ao acontecimento uma significação, um
estatuto. É uma tentativa de reconstrução da verdade histórica. Esse trabalho de
elaboração é indispensável para as mães” (Mathelin, 1999, p.17).

Nesse caso, as explicações foram buscadas pelo próprio serviço, pois a ferida narcísica

provocada pelo nascimento e sobrevivência dessa criança era explicitamente de todos. A

pesquisa pela explicação genética, cuja resposta é demorada, alimentou os familiares

visitantes por algum tempo. Gabriela, na busca de significação, dizia-me que “não conseguia

parar de pensar”. Volto a evocar aqui, o indizível relativo a uma vivência catastrófica, do

ponto de vista da gestação dessa criança, para a mãe, distante do humano, do familiar

(Mathelin, 1999; Maia, 2004). Laznik, (2004) relata o desarvoramento que se produziu na

vida psíquica de uma mãe a notícia de uma suspeita de uma síndrome. No caso descrito pela

autora, como em Gabriela, a mãe tenta racionalizar, “não parar de pensar”, como uma forma

de, com máximo esforço, repelir os próprios pensamentos.

A inscrição do recém-nascido na linhagem familiar passa pela pesquisa dos traços

humanos, daquilo que inscreve o bebê em uma determinada família. Conforme Soulé (1987),

“A alegria de uma mãe que constata que tudo está aí: olhos, nariz, dedos, dedos
dos pés, se acompanham de uma grande perplexidade. (...) A pesquisa dos
traços semelhantes é a maneira de reasseguro dos adultos restabelecendo uma
filiação e ‘inscrevendo’ o recém-nascido numa linhagem” (Soulé, 1987, p.150).

Com Viviane, um bebê com graves más formações, e principalmente facial, essa

conferência ficou comprometida. A fala recorrente das avós era que isso nunca havia

acontecido em nenhuma das famílias (materna e paterna) e dessa forma percebi Viviane como

que inscrita numa atmosfera de estranhamento, numa história que remetia ao absurdo.
67

Como que engolida por um “fluxo de culpa” (Mathelin, 1999), percebo a dificuldade

dessa mãe em se ver narcisicamente nessa criança com mal-formações faciais, sem olhos, sem

nariz, e a qual era investida de profundo desejo de viver. Recorrente, relata as conquistas do

desenvolvimento normal do filho de sua prima (grávida de mesmo tempo que ela e cujo bebê

nasceu a termo e normal). É percebido nessas falas que são pontuais e recorrentes, que esses

relatos se inscrevem num reconhecimento que faria sentido a ela, e do qual ela gostaria de

relatar. Em suas visitas, constantes e freqüentes, Gabriela estava sempre conversando com a

Viviane, tocando-a, envolvendo-a com palavras carregadas de sentido, de vinculação psíquica

e, mesmo de investimento narcísico. A recusa de Gabriela em expor a filha a olhos externos25,

sempre repetindo que era preciso abandonar os amigos, bem como sua recusa mesmo de ouvir

vozes consoladoras (julgadoras?) geravam na família e na equipe, sentimentos incômodos,

que remetiam à própria história de como fomos aceitos e inscritos em nossa humanidade

(Aragão, 2004).

O espaço psíquico para que uma criança possa se constituir como sujeito subjetivo se

faz dentro de um tempo da gravidez, no qual a representação do bebê vai encontrando lugar

no psiquismo materno. Do início da gravidez até o nascimento do filho, o estrangeiro vai se

tornando familiar.

“O tempo cronológico da gravidez seria necessário para a elaboração do bebê


como tal, num deslizamento dessa percepção do reto como parte do corpo até ir
se constituindo como um ‘outro’, bebê-objeto das projeções maternas”
(Aragão, 2004, p.94).

Não foi o que ocorreu com Gabriela, pois ao mesmo tempo em que essa mãe

procurava me relatar uma profunda ligação com essa filha, do sentimento de vazio com o seu

nascimento, não conseguiu expor a filha, ilustrando o comprometimento de investimento

narcísico. Ficou durante toda a internação, por exemplo, alternando o agendamento de uma

25
Para a autorização para a pesquisa, sua única pergunta foi se seria colocado alguma foto da filha.
68

visita de sua filha mais velha para conhecer a irmã internada, com cancelamentos e

adiamentos, que se estenderam até a alta. Sempre que falava de seus impedimentos, relatava o

medo do olhar da filha. Que olhar seria esse? O olhar que revela o esgarçamento de sua ferida

narcísica, sua condição narcísica pouco estável. Afinal, segundo Freud (1914, p.41), “era

necessário, para ter um filho, amar o que somos, o que fomos e o que gostaríamos de ser,

assim como aqueles que cuidaram de nós”. Aceitar sua imperfeição, hipoteticamente

projetada nos olhos de sua filha mais velha, lhe era intolerável.

Viviane ficou internada na Unidade muito além de sua necessidade e num determinado

momento, foi transferida para a Enfermaria Pediátrica. Essa mãe que até ali havia investido

nessa filha, autorizado procedimentos que conduziriam à alta, se tornou enfurecida, disse ter

sido traída. A Unidade funcionou claramente como o espaço seguro para essa mãe ser mãe.

Raramente o exercício da maternagem pode se dar exclusivamente na díade mãe filho. Aqui

vemos que essa mãe precisou estar amparada por uma diversidade de terceiros, entre

familiares e serviço. Diversas pessoas foram convocadas para a maternagem dessa criança, e

percebo que essa mãe pôde, pelo menos durante a internação da filha na Unidade, se permitir

ser mãe. Logo após a alta da Unidade, ela se demitiu desse posto, o qual foi na vida de

Viviane, assumido por outras pessoas.

A explícita ambivalência materna gerou na equipe, por sua vez, sentimentos de

ambivalência de natureza identificatórias introjetiva e projetiva, e fui chamada, algumas

vezes, a mediar a relação entre serviço e mãe, na busca da confirmação pelo primeiro, do

desejo da mãe de que se continuasse a investir em seu bebê (desejo esse considerado, pela

equipe, intrínseco a qualquer outra relação mãe-bebê). Acompanhei uma divisão na equipe

quanto ao esforço de reanimação nos dias iniciais, e posteriormente, as dúvidas sobre se esse

esforço teria valido a pena. A questão com que se depara a equipe neonatal, em seu confronto

com a morte, nos coloca em contato com a finalidade do cuidado oferecido por uma equipe de
69

reanimação. Viver o risco de que a ambivalência da própria equipe faça com que a mesma se

identifique com a inexorabilidade da morte e deixe de cuidar. Ou que por outro lado, decida

pela vida, quando não há mais vida possível. A delicadeza envolvida em intervenções de

reanimação suscita essas questões, pois o custo de que vida será essa, deve sempre ser

avaliado pela equipe médica (Mathelin, 1999).

A ambivalência materna era sempre difícil de ser aceita pelo serviço, pois vinha falar

de um desejo de morte que se dirigia na direção oposta a todos os esforços empreendidos pela

equipe, que esperava ainda, que o mesmo desejo ressoasse uníssono na mãe. É extremamente

doloroso quando, segundo Mathelin (1999, p.18), “a mãe vinha falar, de uma história

impossível de ser ouvida pelos reanimadores, já que se trata de suportar nela ouvir a morte

inscrita como a realização de um desejo”. E nesse contexto, mais importante que manter o

vinculo mãe-bebê a qualquer preço, é preciso permitir que essa relação se construa também na

perda, na falta, no luto do bebê imaginário, e que para que o investimento narcísico possa ser

realizado, terceiros, familiares e equipe, se fizeram presentes, mediando a relação mãe e filha.

Gabriela só conseguiu exercer uma maternagem enquanto teve o aparato da Unidade

que a sustentava. Aqui voltamos a pensar na função simbólica da UTIN como o ambiente

continente que a autorizou a ser mãe. Podemos questionar quais foram seus medos quando se

viu sozinha com sua filha, sem a UTIN para mediar sua relação com a filha.
70

3.2.3 Solange, a mãe que tranquilamente embala

1º Encontro: Logo no primeiro encontro essa mãe estava sorridente, de uma forma

muito tranqüila. Estava me esperando porque havia ficado sabendo que fazíamos o Programa

Visita de Irmãos e ela desejava que seu filho de 7 anos conhecesse Henrique. Perguntei como

ela estava e disse-me que tranqüila, dormindo bem e esperando. Disse que o estado dele

estava melhor segundo os médicos. Disse que era difícil, mas tinha muita fé. Conversava com

seu bebê, e seu olhar, luminoso, era dirigido para ele. Acariciava as mãos do seu filho, e

conversava comigo olhando para ele, e com uma voz muito suave, inserindo-o em sua

conversa comigo.

2º Encontro: Foi realizada a visita do irmão. Compareceram além dela e do filho mais

velho, o marido. Os três ficaram juntos e a mãe procurou ajudar o filho a interagir com o

irmão mais novo. Abriu a incubadora para que ele pudesse tocar no bebê. Ficaram todos

juntos por cerca de uma hora. O irmão fala que seu irmãozinho é muito bonito.

3º Encontro: Henrique estava bastante modificado, maior, ganhou peso e Solange,

feliz, disse ter percebido as mudanças. Falamos sobre a visita, e ela disse que o irmão mais

velho contou para todos os colegas sobre a mesma e que continuava ansioso para que ele vá

embora logo. Conversando sobre sua gravidez já que a diferença de idade entre os irmãos era

relativamente grande, ela disse que eles esperaram, “cada hora por uma coisa”, tal como

arrumar a casa, ter melhor condição e que ela, em janeiro parou de tomar pílula esperando que

nos próximos seis meses engravidasse. Engravidou logo em janeiro, e ele ainda, segundo ela,

não esperou nem o tempo certo e já quis nascer. Segundo ela, sorrindo, “estava com pressa”.

Posteriormente, analisando a ficha clínica foi constatado que pré-eclampsia foi o motivo do

parto pré-termo.
71

4º Encontro: No final de semana que antecedeu a esse encontro foi o dia das mães.

Solange estava bastante sensível e disse que “chorou o dia todo”. Era para ele ainda estar em

sua barriga e não estarem passando por tudo isso. Pela primeira vez vi seus olhos

lacrimejando.

5º Encontro: Henrique estava sem ventilação mecânica e estava perto de ir para a outra

ala da unidade que era destinada aos cuidados intermediários. A mãe estava cuidada, e ao

elogiá-la disse que teve permissão médica para alisar o cabelo desde que não fosse com

formol. Perguntei sobre o leite e ela disse que estava descendo o suficiente para não secar e

que quando ele for pro seu peito que ela tinha certeza que iria descer. Pôde pegar o filho no

colo pela primeira vez naquele dia e disse que chorou muito.

6º Encontro: Mãe e filho estavam na ala intermediária. Henrique em observação pré-

alta para a enfermaria pediátrica. Solange contou-me que seu marido veio visitar o filho

(ultima vinda dele tinha sido no dia que trouxe o irmão para visitar) e pegou-o no colo. Disse

que todos “choraram um bocadinho”, mas que tinha sido um choro bom. Naquele momento

não ia pegá-lo, pois tinha acabado de adormecer. E como à tarde ele ficava “mais

acordadinho”, ela ficava todo o tempo com ele no colo e cuidando dele. Segundo ela, já pôde

fazer algumas trocas de fraldas e estava muito feliz, pois sentia cuidar dele. Relatou que agora

que pode pegá-lo no colo sentia que sua ansiedade passou e que era só esperar um pouco para

ir para casa. Despeço-me dela e quando me viu indo em direção a outra mãe, recém-chegada,

disse que estava bordando toalhas para o bebê dessa mãe. Perguntei se ela bordava e ela disse

que sim, e que no trabalho terminava de cuidar da casa (ela trabalhava como doméstica) e

ficava com o bebê da família bordando o enxoval do filho. Disse que tem coisa que ela não

terminou ainda.
72

Análise

No meu primeiro encontro com essa mãe e seu bebê, a demanda que me foi trazida era

permitir a entrada de seu filho mais velho na Unidade para conhecer o que acaba de nascer.

No ambiente de uma UTIN, para que a família nuclear pudesse se reunir, era preciso a

intervenção de um profissional de saúde, era preciso autorização da equipe de saúde da

Unidade. A UTIN se tornaria, para essa família, nesse momento, espaço de uma interdição,

onde outras regras, não as familiares, valeriam nesse espaço em que se estabelecia a luta pela

vida, o confronto com a morte. Nessa interdição, foi possível ver ilustrado uma das funções

simbólicas da UTIN, pois Solange ao apoiar seu desejo na UTIN, pôde por sua vez, sustentar

seu próprio bebê como um ser desejante (Rabello, 2007). Durante o tempo no qual ocorreram

as observações, conversou o tempo todo com seu filho e ainda, o inseriu em nossas conversas,

quando eu me aproximava de ambos. Essa mãe inscreveu seu bebê no mundo da linguagem e

conferiu a ele demandas, atribuindo sentido a seus gestos e expressões faciais, inscreveu-o no

mundo dos símbolos.

Em nossas conversas, relatou que esse filho só pôde ser concebido “quando tudo

estava no lugar: a casa própria, o trabalho”, mas também quando pôde entender os afetos. E

de “tão no lugar”, de tão permitida, essa gravidez veio no primeiro mês em que parou de usar

contraceptivo. Esse filho inscreveu-se na história familiar como um filho do desejo, sendo que

sua existência o precedeu (como de todos os filhos), começando nesse projeto do casal.

Talvez, por isso, desde o início de sua vida extra-uterina, ele teve lugar. Segundo Szejer e

Stewart (1997, p.55), “do encontro dois desejos, o desejo do homem e o da mulher vai nascer

um projeto”. Projeto esse que marcou essa criança desde sua origem e por toda sua história. É

uma verdade que pertenceu à criança em sua história singular. E para essa criança, desde o

nascimento foi desejado que fosse apresentado à família da qual faz parte, foi desejado a esse

bebê que se inscrevesse na história de sua família.


73

Henrique não recebeu intra-uterinamente os corticóides para o amadurecimento dos

pulmões. No dia da visita familiar apresentava-se como um bebê pequenino, entubado, além

de ter os olhos vendados devido à fototerapia. Nessa visita, o que vimos ao redor da

incubadora foram pais e irmãos que investiram no bebê, dirigiram-lhe palavras que lhe

conferiram o status de pessoa, atribuindo-lhe, citando Szejer e Stewart (1997, p.274) “os

meios para que ele se considere um sujeito por inteiro, autônomo, responsável, livre... para

escolher viver”. E, logo após essa visita, na semana seguinte, pareceu maior, mais forte,

assumindo seu lugar no mundo.

É possível aqui citar Rabello (2004, p.180), quando diz que “todos se lançam na tarefa

de resgate do bebê em risco, inclusive o próprio”. Reafirmo aqui que principalmente o bebê

luta por sua vida física e psíquica. Pois toda sua aparente inércia perante o meio exterior teve

como objetivo primordial uma otimização de seus recursos para a manutenção de seu conforto

físico, conforme Zornig et al. (2004a, p.140), “frente às exigências de processos fisiológicos

como respirar, sugar e manter a temperatura, o bebê necessita privilegiar a manutenção e

bem-estar biológico, em detrimento de respostas a partir das estimulações afetivas e sociais

enviadas por seu ambiente de cuidados”.

As palavras, na linguagem do manhês, que Solange dirigiu a seu filho tiveram uma

vital função simbólica. Ao falar com seu filho, ela o reconheceu como diferente dela, um ser

desejante, de um desejo sobre o qual ela pode estabelecer hipóteses, mas nunca conhecer de

fato, criando assim um espaço entre eles. Segundo Catão (2002, p.133), “o exercício da

função materna está intimamente ligado a uma dupla capacidade da mãe: por um lado

identificar-se com ele; por outro, dirigir-se a ele como a outro”.

“Quando se vem colocar na posição do filho, a mãe exprime que ele deveria
sentir uma dor; caso contrário ele não a sentiria. Ela toma como sua a hipótese
do que ele teria sofrido em um jogo de identificação, pois no momento em que
se põe na posição de seu filho, ela se divide, visto que ela é nessa posição, ela e
ele” (Bergés e Balbo, 1998, p.23).
74

Só foi possível a Solange estabelecer essa relação dialógica da forma conseguiu com

seu bebê, por ter inscrita em si a função paterna, esse terceiro, simbolizante da sua relação

com Henrique.

A internação foi um processo lento, porém estável, um pouco além do tempo médio

necessário para o amadurecimento pulmonar. Foram cerca de dois meses até que essa mãe

pudesse pegá-lo no colo pela primeira vez e um pouco mais que isso para que o pai o fizesse.

Ela me relatou que houve lágrimas de alegria. Eu entendi que também lágrimas de luto, pois

ao longo desses meses iniciais, fez-se o daquilo que se está despedindo, da valorização de um

filho ideal, do nascimento ideal, para permitir a vinda do filho real. Sua tristeza no dia das

mães por não estar mais grávida tratou-se do luto “por aquele que acaba de nascer”, conforme

dito por Benhaïm (2007, p.14). Entendi ainda que Solange, antes de poder embalar seu filho,

na função de sustentação, a exerceu através do toque, de sua voz e de seu olhar26, se

constituindo como eixo psíquico estruturante para seu bebê (Rabello, 2004).

Em seus relatos, apareceu recorrentemente a história do casal como desejante do bebê.

Assim que foi autorizada pela equipe médica, fez alisamento de cabelo, o que atribuí ao seu

cuidado de si como mulher. E citando novamente Benhaïm, (2007, p.18), ao elaborar não

mais a perda simbólica, mas sim a falta estrutural, passa a desejar outros que não seu bebê.

Era saudável que o filho não a preenchesse e que a ele não estivesse direcionado todo o seu

desejo. A esse bebê, confrontando-se com a falta, foi permitido diferenciar-se, tornando-se

sujeito (Benhaïm, 2007).

Outro aspecto a ser abordado sobre os encontros com Solange é que em nenhum

momento ela relatou que teve início uma pré-eclampsia que colocou a vida de ambos em

risco. Isso foi por mim visto quando da leitura do prontuário do bebê. O discurso que preferiu

26
Olhar aqui entendido como diferente de visão, implica presença, pois “traz consigo a possibilidade de
expressão para além de um campo verbal” (Maia, 2004, pp. 133).
75

circular foi da entrada em trabalho de parto prematuro. Além dos aspectos já abordados com

relação à pré-eclampsia no caso de Raquel, podemos pensar que o bebê, se vendo em

sofrimento provocou sua saída.

“É claro que essa ruptura27 terá sentidos diferentes, conforme ocorra próximo
ao termo ou muito antes dele. No primeiro caso, estará muito perto do parto
normal, mas apenas um pouco apressado; no segundo, a criança estará se
colocando em perigo. Será que ela se encontra numa situação de desconforto
muito grande? As trocas com a mãe estão muito difíceis? (...) Podemos supor
que o bebê tem suas razões, há um sentido para que isso ocorra, mesmo que
não seja acessível a nós” (Szejer e Stewart, 1997, p.197).

Quando perguntei a ela sobre essa disfunção que acelerou o nascimento, ela falou

tranquilamente que sim, tinha sido grave, que não havia entrado em trabalho de parto

espontaneamente e que sua pressão arterial se regularizou tão logo o bebê nasceu. O fato de

não ter em momento algum falado do seu estado clínico que deu inicio ao trabalho de parto

poderia estar associado a uma ambivalência com relação à própria UTIN. Essa mãe se

amparou na Unidade para cuidar de seu bebê em situação de risco e, paralelamente, procurou

manter uma parte de sua história inacessível a mim. Agman et al. (1999) apontam para essa

ambivalência ao refletir sobre como as mães com bebês internados em UTI Neonatais nos

percebem.

“Ao mesmo tempo, como mães reparadoras, escutando suas angústias a


propósito desta situação traumática, mas também como juízes impiedosos de
uma situação da qual elas se sentem responsáveis; como juízes de sua
capacidade materna (...) como aquelas que as obrigam a passar para o registro
das fantasias no curso das entrevistas, quando elas se refugiavam naquele
registro dos tratamentos médicos” (Agman et al.,1999, p.28).

O estar disposta a uma escuta de seus sentimentos colocou-me como profissional de

psicologia nesse lugar da que auxilia a re-elaboração dessa vivência traumática, não

necessariamente na ordem do dito (Gomes, 2001; Valansi & Morsch, 2004).

27
Ruptura da bolsa, que provoca o início do trabalho de parto.
76

Ficou ainda uma questão com relação ao período final dessa gestação que não foi

explorada em nossos encontros. Ela estava com seu bebê em pré-alta e preparava o enxoval de

outros bebês internados na Unidade. Podemos pensar nesse fazer como uma reparação, e

segundo Segal (1975, p.83), “a reparação se baseia reconhecimento da realidade psíquica e na

experiência do sofrimento que essa realidade causa e na adoção de medidas apropriadas para

aliviá-lo na fantasia e na realidade”.

A preparação do enxoval durante a gravidez se entrelaça com a própria construção do

bebê e de sua mãe. Esses últimos meses são fundamentais para a futura a ancoragem do bebê

imaginário no bebê real e a produção do enxoval é um das formas de produção do próprio

filho, pois “preparar o enxoval fabrica para além da roupa, os braços, as pernas, a imagem do

corpo do bebê na cabeça da mãe. Instalar a cama, preparar seu espaço lhe permite começar a

conceber uma representação de seu filho” (Mathelin, 1999, p.66).

O sexo do bebê, o formato da barriga, as movimentações intra-uterinas se apresentam

como indicadores para atribuições que a mãe acerca de seu bebê, dando-lhe materialidade

(Almeida, 2004). Com o impacto vivido pelo parto prematuro, o bebê real, seu filho, estava

ali, não cabendo mais a Solange produzi-lo e produzir-se através de outros meios que não sua

própria relação concreta com ele. O mecanismo reparador da produção de enxoval para outros

bebês internados na UTIN foi extremamente importante para sua própria elaboração de si

mesma e para sua adaptação à realidade.

Quero também tratar aqui do incômodo por mim vivido, logo no início, quando soube,

nesse último encontro, desse aspecto até então não tinha sido mencionado, isto é, que ela

estava produzindo enxoval para outros bebês e não para o seu próprio. Num primeiro

momento, não consegui ver nisso um mecanismo reparador. Fiquei incomodada com a

frustração de uma minha suposta onipotência insuflada na relação com ela. Encontrá-la

sorrindo, por um lado, vivenciando sua experiência, por outro se esquivando do meu contato,
77

deixou-me com a sensação de estar deixando escapar algo. Podem-se levantar várias questões.

Tais como sobre o tempo de internação de Henrique, um pouco maior que o esperado para um

bebê em suas condições clínicas e ainda quanto às formas de cuidado de si e do cuidado

dispensado ao filho. Entretanto, para que essas questões pudessem ser compreendidas seria

necessário um acompanhamento mais prolongado.

Havia ali um funcionamento da equipe, incluindo a mim, que via nessa mãe, uma mãe

idealizada, não sendo adequando que aparecem aspectos ambivalentes. É difícil para a equipe

a escuta de aspectos que não se enquadram em uma determinada moldura e o risco que se

corre é de não conseguir acolher a ambivalência quando a mesma surge e/ou de não perceber

outras construções psíquicas da maternagem que não as pré-concebidas idealmente.


78

3.2.4 Marlene, a mãe que autorizada pelo marido, pôde se vincular.

1º Encontro: Encontrei os pais juntos a Oliver no segundo dia de internação. Marlene

estava se afastando da incubadora para dar a vez ao marido. No momento em que cheguei

começou a dizer que, “ele (Oliver) só reage ao pai, só abre os olhos e se mexe para o pai, eu

mesma tava lá falando com ele e ele nada”. O pai estava tocando afetivamente, e falando em

uma espécie de manhês com seu filho. A mãe estava visivelmente incomodada com tudo isso.

Quando voltou a ficar próxima do filho e o mesmo abriu ligeiramente os olhos, ela não

percebeu isso como uma busca de contato com ela. Disse, olhando para o bebê, mas falando

comigo, o quanto ele é pequeno. Perguntei se tinha outros filhos e se queria que os mesmos o

visitassem, ela disse que tinha um filho de 13 anos, mas que não queria que ele visse o irmão

daquele jeito. Como não são de Uberaba, perguntei se ela ficaria, disse-me que não e que eles

viriam sempre que desse.

2º Encontro: Cerca de vinte dias após o primeiro encontro, pude ir ao encontro de

Marlene no horário de visita familiar. Nesse encontro, ela estava com seu filho no colo.

Quando cheguei estava acabando de passar o bebê para o colo do pai e veio conversar

comigo. Disse-me que Oliver tem “a cara feia do pai”. Disse isso pelo menos mais duas vezes

e depois trocou a expressão para “a cara séria do pai”. Enquanto isso o pai estava envolto com

o filho, conversando, olhando. A mãe virou para mim e falou do quanto o “pai era coruja”.

Inquieta, movimentava-se o tempo todo. Relatou-me que está na casa de apoio e que quando

seu marido não estava na cidade ficava o dia todo no hospital. Todos os dias, Marlene

chegava para a visita da manhã e ia para a sala de ordenha e depois voltava para a visita da

tarde. Quando o marido estava na cidade, ele a levava do hospital para a casa de apoio. Disse

que ele estava lá quase todos os dias. Sobre a ordenha disse que não estava saindo muito leite,

mas o suficiente para não secar, cerca de 50ml a 60ml por ordenha. A mãe relatou ainda,

preocupação com os pontos que ainda não cicatrizaram por não ter guardado resguardo e que
79

tinha medo de isso trazer conseqüências no futuro. Lembrou um ditado, mas não completou:

“Resguardo não guardado...”. Perguntei mais claramente, e ela disse que somente alguns

pontos estavam ainda vermelhos, mas que estava com medo por não estar descansando. Disse

ainda que Oliver não foi planejado, mas não vi nessa fala, nenhum sentimento de posterior

recompensa com o nascimento do filho. Ser mãe para ela foi ter um prognóstico muito ruim, o

que pareceu que ela esperava que se confirmasse futuramente em manifestações físicas,

devido ao “não resguardo”.

3º Encontro: Encontrei a mãe no corredor para entrar na UTI Neonatal. Ela passou por

mim e quando estava indo ao seu encontro uma medica da equipe veio me dizer para ampará-

la pois Oliver havia tido uma intercorrência que ninguém esperava. Quando entrei na

Unidade, ela estava perto do filho chorando. Ele estava dormindo, entubado, uma visão muito

diferente do que todos estávamos acostumados. Ela só repetia que “estava esperando a gente

ir embora logo... já estava de pré-alta... ele nunca ficou assim...”. Nesse momento acolhi sua

dor e percebi que ficar do lado dela, era o que podia ser feito naquele momento.

Posteriormente, no mesmo dia, encontrei essa mãe no Banco de Leite. Ela ainda estava

chorosa, tentava sorrir e as lágrimas desciam. Perguntei como ela estava se sentindo agora, ao

que ela falou da tristeza, da vontade de ir embora, e que não esperava que isso fosse ocorrer.

Disse que falou com seu marido e que ele ficou nervoso e deu a entender que ele acha que “ou

ela não está entendendo o que está acontecendo ou a equipe não está falando a verdade”. Que

é o jeito dele e ainda, que ele fica sempre cobrando dela, estar mais por dentro do que estava

acontecendo. Perguntei se ele foi assim também com seu primeiro filho, e ela disse que ele

gosta muito de bebês, que por ter mais jeito que ela, foi sempre ele que pegou o mais velho e,

lá ela ficava mais insegura ainda pra pegar no colo, por que era muito estabanada e o bebê,

muito frágil.
80

Análise

Durante nossas conversas, em que Marlene se queixava, olhando para seu marido, me

ocorriam questionamentos sobre qual o desejo que esse filho veio atender. A seu desejo sim,

mas desejo de que, como esposa, pudesse satisfazer a seu marido, sendo mãe? É o que parece

se confirmar quando devido à sua fragilização (ambivalência) durante a intercorrência do

filho fala de sua própria inadequação como mãe, de não ter embalado nenhum de seus filhos

(muito menos esse, muito frágil) e de uma desconfiança de seu marido quanto à qualidade de

seus cuidados (e que sustenta seu sentimento de inadequação). Essa mãe, talvez se não fosse

por esse homem, não engravidaria novamente, o que é talvez a história de todo nascimento, de

uma forma menos explícita, pois segundo Mathelin (1999, p. 11), “não sabemos que a mãe

não está sozinha com este filho? Ela estava marcada estivesse o pai presente ou não, pelo

desejo que foi seu desejo de mulher por ele, da mesma forma que nela está inscrito o desejo

desse homem?”

Embora o trabalho limite-se ao estudo da díade mãe-filho, o pai não é uma figura

ausente. Esse caso deixa claro que o pai está lá, na relação e embora não seja discutido nesse

trabalho, tem uma função clara de sustentação da mãe, para que a mesma possa exercer a

função maternante para seu filho. Para ela, ser mãe é difícil e remete a sua insegurança, mas

ela assume fazê-lo, e ao longo dos dias, se aloja mais e mais em seu lugar de mãe. A tal ponto

que quando da alta da UTIN, é ela (e não o pai) que estava lá com seu bebê.

Ainda conforme Mathelin (1999),

“Para que a criança “seja”, parece-nos com efeito que ela deva estar presa em
múltiplas “redes de atenção”. Um certo tipo de comunicação, um modo de
tocá-la, de responder a seu olhar, de endereçar-se a ela, enquanto humano
endereçando-se a outro humano, habitado por seus afetos, pensamentos,
desejos” (Mathelin, 1999, p. 44).
81

Aqui o discurso materno aqui produziu um endereçamento, que inscreveu esse filho na

ordem do humano. Dentre outros momentos, quando essa mãe constrói uma intencionalidade

dos gestos do filho, dizendo que o mesmo os faz (seja olhar, mover a mão ou se espreguiçar)

respondendo ao pai; ou ainda quando diz “que ele é como o pai”. Essa foi sua forma de se

relacionar Oliver, foi a forma como se permitiu-se ser tocada por ele, produzindo, pela

linguagem esse endereçamento que possibilitou a ele se construir enquanto sujeito.

Marlene desde o início inscreveu seu filho num universo de símbolos que marcaria sua

origem e sua história futura. Essa mãe parecia ter uma dificuldade em confiar em si mesma

para ser mãe. Ao longo dos encontros, ela foi ocupando seu lugar e exercendo a função

materna, mas precisou para isso da autorização de seu marido. Foram encontros muito difíceis

para mim, pois vi, claramente, o risco desse pai, ocupar a função materna, tal como uma mãe

má, que roubaria o filho de sua própria mãe, não permitindo a ambos a vivência da

maternagem (Mathelin, 1999). Entendo que isso possa ter acontecido por ser extremamente

difícil conviver com relações de maternagem em que a ambivalência fica evidente. Todo

nascimento vivido ou assistido remete à dolorosa relação de nós mesmos com nossas mães.

Esses mecanismos transferenciais precisam ser percebidos na nossa relação (equipe de saúde)

com os pais. Uma boa mãe pode ter comportamentos não desejados pela equipe, e mesmo

assim, ser uma boa mãe. Essa era uma mãe, que precisava do serviço e do marido para

autorizar-se para ser mãe e foi construindo essa autorização durante o processo de internação

de seu filho (Mathelin, 1999).


82

3.2.5 Carla, a mãe que teme o próprio desejo.

1º Encontro: Tive o primeiro contato com Carla cerca de quinze dias após a internação

de seu filho na UTI Neonatal. Ela estava olhando para a incubadora, de braços cruzados, em

uma postura, relativamente comum entre os pais. Aproximei-me dela e começamos a

conversar. Ela me falou da pré-eclampsia e de como foi difícil para ela entrar na UTI

Neonatal e que seu marido esteve com o bebê durante os dez dias em que ela não pode fazê-

lo, por ainda estar com hipertensão arterial. Aquele era seu primeiro dia visitando o bebê. Fiz

algumas orientações sobre como ela poderia se aproximar de Marcelo e dos recursos do

mesmo para interagir com ela. A partir disso, ela saiu para lavar as mãos e volta até ele e

começou a tocá-lo, não dizendo nada. Relatou-me que está em uma Casa de Apoio em

Uberaba, sozinha. Pareceu-me ao primeiro olhar, uma pessoa bastante reservada, que não

falava muito de si, porém bastante receptiva, quando convidada a fazê-lo.

2º Encontro: Estava junto com seu marido, ambos visitando o filho. Ele pareceu

bastante sorridente e os dois não pareceriam formar um casal e sim dois pais visitando seu

bebê. Ele falava que a filha queria conhecer o irmão, que ela não combinava muito com a

mãe, e que ele se dava melhor com a menina. Para ele, a filha estava nervosa porque a mãe já

havia perdido um filho cinco anos antes em um aborto. Quando esse bebê morreu, a menina

passou por acompanhamento psicológico, até que a psicóloga se afastou do trabalho por estar

grávida. A mãe não havia me falado nada sobre isso. Combinamos a vinda da filha para

visitar o irmão no Programa Visita de Irmãos, já mencionado.

3º Encontro: Mãe e filha vieram visitar Marcelo. Embora tivéssemos combinado a

visita para o final da semana, desde segunda-feira a filha havia vindo para a cidade e estava

com a mãe na Casa de Apoio. Em um momento ao final da visita, a filha me falou de algo que

me pareceu ser um sentimento de responsabilidade pela morte do irmão. A mãe me falou que
83

a filha nem se aproximava dela durante a gravidez ao que a filha respondeu que ficou muito

no colo da mãe na primeira gravidez.

4º Encontro: Carla me falou que está dando curso de pintura na Casa de Apoio e que lá

tinha algumas pessoas conhecidas. Relatou que na visita anterior, Marcelo teve apnéia na sua

frente, apnéia essa percebida pela técnica de enfermagem e não por ela. Ela teve que sair

durante mesmo o horário da visita. Perguntei como ela se sentiu e ela disse que, talvez por

estar indo à igreja todo o dia, permaneceu bastante calma e que em outros momentos teria se

desesperado. Disse-me que mudou nesses últimos meses, pois não pensava que conseguiria

viver tudo que está vivendo.

5º Encontro: Cheguei à pediatria para nosso último encontro. Estava cochilando e

relata seu cansaço, pois seu bebê tinha chorado por três dias consecutivos. Relatou que seu

leite que estava jorrando até três dias atrás secou no instante em que seu filho foi para o seu

colo para a primeira mamada (foram dois meses e meio de internação na UTIN). Disse

acreditar que o amamentaria quando estivesse em casa e, naquele momento, o importante era

que o leite se mantivesse mesmo que pouquinho e que ele ganhasse peso tomando o leite no

copinho, tomando NAN, pois com o ganho de peso ele iria para a casa. Achava errado que

Marcelo fosse acordado para tomar a dieta de leite, pois para ela, isso faria com que ele

perdesse energia, pois não repousava, mas ao conversar com a médica, ela disse que “tinha

que acordar sim”. Percebi que havia nessa fala um inconformismo, como se nesse espaço o

saber da mãe sobre o cuidado com o bebê não tivesse valor diante do saber médico. Quanto à

alta da Unidade, disse-me que foi de surpresa. Tinha acabado de chegar a sua cidade para o

fim-de-semana prolongado devido a um feriado e teve que retornar. Disse ao marido e à mãe,

que não os queria lá a visitando.


84

Análise

Um nascimento pré-termo depois de duas gestações interrompidas por abortos

espontâneos inscreve na mãe sentimentos de frustração e de desejo, e uma interdição para

vivenciar a relação com seu filho. Afinal, ele, nascendo antes do tempo esperado, repetia para

ela uma afirmação de ela gerava filhos imperfeitos. Os abortos deixaram marcas na mãe, as

quais apenas foram possíveis ser mencionadas, quando deslocadas para a filha.

“A vivência traumática não comporta sentido em si. Será a partir dos afetos
desencadeados pelo transbordamento de excitações que o psiquismo buscará
soluções possíveis: aquilo que se configura como dor ganhará “significância”
ou não, mediante um desdobramento do psíquico frente ao impacto traumático.
Este terá seu desfecho definido em uma complexa rede intersubjetiva em que
estarão implicados tanto aspectos intra quanto interpsíquicos” (Maia, 2004, p.
94).

Os afetos desencadeados pela repetição da vivencia traumática caracterizada por essas

gestações marcadas pela morte, pareceram imprimir nessa mãe um sentimento de impotência

quanto ao impacto de sua ambivalência sobre seus bebês. Entendo que essas marcas ficaram

evidentes nas duas observações feitas da interação entre mãe-bebê, sempre havendo algo de

contido com poucas palavras dirigidas ao filho. Como se, devido aos dois abortos

consecutivos, Carla estivesse em uma condição narcísica fragilizada, e por isso, ela precisasse

muito mais da restituição narcísica que pudesse vir dele, reconhecendo-a, para ela conseguir

investir afetivamente em seu filho.

No entanto, devido à grande prematuridade desse filho, dificilmente ele poderia vir ao

seu encontro e conforme dito por Mathelin (1999, p.67), esse bebê “havia deixado sua mãe

sozinha diante de sua angústia. Ele faltou ao encontro da reparação”. Ele expunha aos olhos

dessa mãe, sua ferida narcísica, falhando em gerar aquele que apaziguaria sua angústia.

E como “é no corpo que as impressões traumáticas se inscrevem, deixando marcas que

modelam a gestualidade subjetiva” (Maia, 2004, p.132), Carla expressa em seu corpo o
85

desmantelamento sentido. Em nosso primeiro encontro, olhava de longe, sem manifestar

intenção de ir ao encontro de seu filho na incubadora. Estava tão inerte quanto parecia estar

seu bebê, remetida ao traumático desse nascimento.

Quando lhe contei que esse bebê tinha competências, ou seja, que era capaz de

suportar o encontro com ela, vejo-a se disponibilizando para ir ao encontro dele, que era, de

fato, todo o seu desejo (e temor), investi-lo. Pela mediação da linguagem, construímos ali, eu

e ela, num espaço transferencial, um bebê competente capaz de agüentá-la, em substituição ao

que estava posto para ela, até então, o bebê inerte, incapaz, próximo da morte. Ocorreu nessa

mãe, através da linguagem, uma transformação na imagem inconsciente do bebê, que teve

conseqüências sobre a imagem do corpo para ele (Laznik, 2004). E essa competência própria

desse recém-nascido conseguiu restituir, pelo menos um tanto, naquele momento, do

“sentimento de confiança em si ou de competência, que essa mãe deve poder sentir em

relação ao seu bebê” (Debray, 1987, p. 36).

Para uma mãe que tem consciência de sua ferida narcísica reaberta, os sentimentos

despertados em si pelo serviço retratam um tanto de sua ambivalência. Por um lado, a

tranqüilidade vivida por saber que a equipe salvava a vida de seu filho, polariza a relação

entre ela e equipe, a Carla, o lugar de mãe má, e à equipe o da boa-mãe-todo-poderosa.

Afinal, foi essa que devolveu a vida a seu filho, enquanto que ela só pode conceder-lhe uma

vida profundamente frágil, dependente de outros que não ela mesma. Essa ambivalência

apareceu em vários episódios. No momento em que seu bebê teve uma intercorrência

relativamente grave se não percebida como é o caso da apnéia, e essa não foi vista por ela e

sim por um membro da equipe isso pareceu a Carla reforçar seu lugar de incompetência para

reconhecer as necessidades de seu filho. Talvez por isso, ao me relatar o ocorrido, transferiu

para a fé religiosa, a confiança que a sustentou naquele momento e que a fez ir embora da

Unidade, deixando Marcelo aos cuidados da equipe. Esse não reconhecimento da confiança
86

que atribuía à equipe foi uma forma de rivalização com a mesma, porém sem expressá-lo

claramente, pois, não se sentiria má com relação a quem permitia que seu filho sobrevivesse

(Agman et al., 1999). A alta da UTIN pareceu devolver a essa mãe a confiança em sua

produção de vida. E por isso, foi possível a ela deixar transparecer novamente a ambivalência

com relação ao serviço. E para poder se permitir realizar as primeiras trocas verdadeiras com

ele, ainda se ressentia desse espaço, que salvando a vida do filho confirmava, parte de sua

falência, pois segundo Mathelin (1999, p. 18), “ao sair do serviço, essa mãe deverá conviver

com um filho que está vivo graças a outros, que a feriu narcisicamente, um filho que lhe deu o

gosto do fracasso”.

No sentido de poupar mãe e filho, é compreensível que a equipe ocupe o lugar de ser,

para essa mãe, “má”. E pela função simbólica exercida pela equipe, suportando esses

sentimentos ambivalentes, Carla pôde produzir-se como mãe, e quando na Enfermaria

Pediátrica, ficando a sós com seu filho, seria ela a sua cuidadora, ou seja, seria possível voltar

a investir narcisicamente em seu filho, filho gerado por ela e não pela UTIN.

Quando pôde amamentar Marcelo, segundo Carla, seu “o leite secou”. O ato de

amamentar pode ser entendido como o primeiro diálogo entre mãe e bebê, agora lado a lado,

em que a criança desempenha ativamente seu papel, ocupando seu lugar e se fazendo

reconhecer (Szejer & Stewart, 1997). Na UTIN, a alimentação dos bebês pré-termo deixa de

ter esse caráter prazeroso, se caracterizando por uma prescrição. Sendo impossibilitado o ato

da amamentação, fica inviabilizado um importante aspecto de erotização da relação mãe-

bebê28. Através de sonda29, o alimento é então ministrado ao bebê, que deixa de ser parte

implicada nesse ato.

28
Mas mesmo sem poder amamentar, à mãe é prescrito que continue ordenhando. Parte do primeiro conjunto de
informações oferecidas à mãe, logo que a mesma pode adentrar a Unidade são instruções sobre como coletar e
armazenar o leite em casa, em recipientes esterilizados fornecidos por um setor específico do hospital.
87

“Quando a sonda é introduzia no seu aparelho digestivo, até então silencioso,


ele recebe a alimentação passivamente, sem ser parte implicada no fato de ser
alimentado. Recebe o alimento dissociado do erotismo bucal. Privado do seio,
do aleitamento, do leite que escorre na boca e que se engole, ignora a fome”
(Quiniou, 1999, p. 57).

Paradoxalmente, a transição da alimentação gástrica para via oral é diariamente

estimulada nesse bebê, também como uma prescrição, através de uma técnica denominada

sucção não nutritiva”30. É, para mãe e bebê, uma promessa da futura recompensa de

amamentar e ser amamentado, após sua alta da Unidade. Para Carla, ainda era muito difícil no

espaço hospitalar se permitir ter tal vivência com seu filho. Medo renovado de que seu bebê

não suportasse todo seu desejo ou dificuldade para viver a mãe cuidadora no ambiente

hospitalar?

Entendo que apesar da ferida narcísica esgarçada durante todo o tempo em que ficou

na UTIN, ela conseguiu, tanto pelo suporte à sua ambivalência promovido pelo serviço quanto

pela sua capacidade de erotização de sua própria vida, ela conseguiu esperar pelo tempo em

que pudesse se reconstituir como mãe que gera vida. Durante seu tempo de espera, como de

uma continuidade da gestação, “de barriga vazia”, ela foi capaz de certo desinvestimento

materno, ou seja, se permitiu investir para além do filho, ensinando outras mulheres, o que

entendo como fundamental para que o bebê não fosse naquele momento o único objeto de

desejo, o que se faria insustentável para o mesmo e para ela (Benhaïm, 2007). Ao fazer uma

rede de relações com quem contar durante sua permanência em Uberaba, através da

religiosidade e do trabalho, e ela pôde transformar sua relação consigo mesma para viver essa

nova maternagem.

29
Sonda naso ou orogástricas é prescritas pela equipe médica para alimentação enteral, sendo que a sonda, um tubo
finíssimo, trasparente, plástico, deve ser tecnicamente introduzido desde as narinas ou pela boca do recém nascido até
o seu estômago.
30
A estimulação da sucção não-nutritiva utiliza diferentes técnicas: o estímulo pode ser feito através de uma chupeta
(em desuso); pode ser realizada colocando um dedo enluvado para o bebê sugar ou ainda pela estimulação da sucção
não-nutritiva utilizando-se a mama vazia, onde a mãe é orientada a esvaziar completamente a mama e oferecê-la ao
bebê.
88

3.3 Fatores e microfatores

Nessa identificação de fatores microfatores relativos à qualidade da vinculação mãe-

bebê, a ênfase maior foi dada aos aspectos ambientais. O ponto de vista intrapsíquico foi

amplamente abordado durante as análises dos casos. Por isso aqui enfatizei, principalmente, o

que o ambiente, seja ele compreendido como a família e/ou a equipe de saúde da UTIN

podem contribuir enquanto aspectos externos no sentido da constituição da função materna

nessa situação de extremo impacto subjetivo para mãe e bebê.

Microfatores externos

Conforme apontado por diversos autores (Brum & Schermann, 2004; Valansi &

Morsch, 2004) e corroborado por nós, o acolhimento da equipe de saúde neonatal foi de

fundamental importância para que, conforme percebido nos encontros com Raquel, Gabriela e

Carla, as mães pudessem assumir, durante a permanência na Unidade, adequadamente a

função materna. A forma como esse acolhimento se dará dependerá do que demanda a

situação vivida por mãe e filho. Para Raquel, suas necessidades foram expressas

principalmente como um suporte psíquico a ela para que pudesse, por sua vez, proporcionar a

sustentação de Lorena. No caso de Gabriela, a equipe funcionou tanto com sustentação

psíquica para a mãe, quanto como função paterna, a qual criando um espaço entre mãe e filha,

pôde conter a ambivalência da mãe em relação à Viviane. Essa é outra função importante da

UTIN, ser continente aos sentimentos de fracasso da mãe, e conseguir ser o elemento de

separação que cria um espaço psíquico entre mãe e bebê. Já para a Carla, a equipe foi o objeto

para o qual ela pôde transferir seus sentimentos de fracasso. Protegendo a mãe, para que essa

proteja o filho ou protegendo mãe e filho, um do outro, são aspectos extremamente

importantes da função exercida pela UTIN na construção da maternagem.


89

Por outro lado, a Unidade, com seus equipamentos, tecnologias e intervenções da

equipe de saúde neonatal frustram a aproximação mãe-bebê, o que, embora não tenha sido

explicitado, foi percebido, porém na dor sentida por Raquel quando sua filha estava sendo

submetida à fototerapia ou mesmo a uma prescrição medicamentosa via venosa. Esse

ambiente carregado de dor, pode ser um espaço inóspito a um investimento materno.

Confirma-se esse microfator externo negativo à vinculação que já foi apontado por Agman

(1999), Thomaz et al. (2005) e Gomes (2004).

Além disso, conforme relatado por Raquel e por Solange, a participação ativa no

cuidado do bebê, é outro aspecto importante, promotor do reinvestimento narcísico da mãe em

seu bebê. Quando ela se vê cuidando de seu filho, sua condição de boa mãe é reconstruída.

Reiteramos os achados de Thomaz et al. (2005), com relação a esse aspecto que depende

intensamente da reorganização do espaço da Unidade e da disponibilidade interna e externa da

equipe de saúde.

Embora não tenha sido explicitamente reportado pelas mães participantes desse

estudo, a possibilidade da mãe ter seu leite utilizado na dieta do filho é considerada um

microfator positivo (Thomaz et al. 2005; Quiniou, 1999). A diminuição da intensidade do

leite é percebida como um microfator negativo, pelo sentimento de frustração resultante.

Muitas mães sentem-se novamente impotentes por não conseguir continuar alimentando-os,

mesmo que seja da forma prescritiva como o é a alimentação por sonda.

Quanto a aspectos ambientais negativos para a construção da função materna,

podemos pensar que a própria ausência de contato no nascimento, devido à situação de

emergência que se instaura, conforme percebido no relato de Raquel, que não se imaginava

sequer suportando essa separação e ainda o próprio resguardo sendo dificultado pelos

deslocamentos hospital-casa e vice-versa e por permanecer, como no caso de Marlene, por um

tempo acima de seis horas no hospital, muitas vezes, sem que esse tenha um espaço adequado
90

para que essa mãe pudesse descansar. É importante ressaltar que, embora os deslocamentos

sejam complicadores de um adequado restabelecimento das mães, há estudos (Vasconcelos et

al., 2006) apontando que, por outro lado, uma espécie de confinamento da mãe junto do seu

bebê, também podem ser geradores de angústia, pois, impedida de sair do hospital até a alta

do filho, relatam um sentimento de punição. Para a mãe, ser acompanhante ou visitante é

carregado de dor de qualquer forma. O acompanhamento, privado de contato com sua família,

de participar do dia-a-dia de outros filhos, do marido, pode ser visto como uma internação da

mãe e também como uma punição por ter dado à luz a um frágil ser. Mas como as autoras

apontam, vivencia-se a ambigüidade também por outro lado, por não conceberem sua própria

alta sem o bebê.

Outro aspecto importante que pode funcionar como um microfator ambiental negativo

é a passividade do bebê frente ao cuidado materno (Zornig et al., 2004a). Essa passividade

pode tanto ser fruto da extrema prematuridade do bebê, quanto a tratamentos que levam

momentaneamente à sedação ou mesmo a proteção dos olhos para fototerapia. Os relatos e as

observações de Raquel e Carla mostraram quanto essas situações foram geradoras de

sofrimento psíquico, pois essas mães sentiram-se incapazes de recapturar o desejo do filho e,

delas mesmas, para o investimento narcísico, fundante da vinculação mãe-bebê. Aqui está em

jogo uma forma de proto-singularidade do bebê que está diretamente relacionada à capacidade

de sedução desse bebê (Zornig et al., 2004a; Aragão, 2004; Brum & Schermann, 2004),

através do uso de suas competências singulares para interagir e responder ao investimento

materno (Zornig et al., 2004a; Aragão, 2004; Brum & Schermann, 2004).
91

Microfatores internos

A dificuldade de investimento narcísico como apontado por Zornig et al. (2004a,

2004b) são obstáculos a que a mãe possa reconhecer-se como mãe daquele bebê passando a

construir com o mesmo um processo de ancoragem identificatória que nomeia o bebê e o

inscreve na ordem da cultura (Agman et al., 1999). Quando existe uma dificuldade de

identificação, devido a uma condição narcísica fragilizada tal qual a de Marlene, que sentiu

dificuldade de identificar-se com Oliver, o mecanismo de endereçamento por ela utilizado foi

uma forma de inscrição na linhagem familiar, através do pai, com quem seu filho podia

identificar-se.

No relato de Raquel, podemos pensar que a relação da mãe com sua própria infância é

um importante microfator ambivalente interno (Zornig et al., 2004b), pois boa parte da forma

um bebê será investido está relacionado a quanto investimento narcísico essa mãe

experimentou. Uma parte das falas de Gabriela, mãe de Viviane, abordava por uma veemente

necessidade de fazer tudo perfeitamente, de não tolerar em si a falha. Não foi possível a ela

investir em uma filha com mal-formação, pois isso implicaria em aceitar as imperfeições, as

deformidades de si mesma.

Fatores externos

Das mães entrevistadas, Raquel foi a única preparada pela equipe de saúde para a

gravidez de risco. Isso trouxe a ela a possibilidade de iniciar a elaboração do nascimento pré-

termo antes mesmo de sua vivência. Em seus relatos, fala da decisão médica de interrupção da

gravidez, de suas visitas ao berçário, elaborando ainda grávida, a dor da separação que o

nascimento nesse momento traria. Essa antecipação dos sentimentos, bem como a

participação na decisão do parto, se dado o suporte adequado a mãe para sua expressão, pode

ser um importante fator externo positivo. Aqui temos a importância da equipe se preparar no
92

sentido de promover o acolhimento da mãe e sustentação para que a mesma possa subjetivar

essa experiência traumática.

Um fator ambiental negativo vivido por essas mães é a premência de lidar com a

possibilidade de perda do bebê (Thomaz et al. 2005; Gomes, 2004) em um momento em que

para o investimento só é possível com uma crença praticamente oposta. O investimento

narcísico se dá numa condição subjetiva em que o cuidado pelo filho é concebido como um

cuidado para que ele não morra. A concretude da possibilidade de perda pode dificultar a

vivência da experiência do cuidado, já que traz toda a angústia da condição humana finita de

todos nós (Costa, 2009). Nesse contexto, cuidar para que não morra parece inútil e é preciso a

construção de um ambiente de continência para que a mãe possa suportar a angústia suscitada

pelas intervenções, simples ou complexas, mas que remetem à possibilidade de morte.

E por fim, a presença de síndromes ou mal-formações no filho pré-termo, pode ser um

fator que impossibilite a construção da relação entre mãe e filha, como vimos nos encontros

com Gabriela, em que esse aspecto sempre trazido junto a uma possibilidade de morte

acarretou em profunda ambivalência. Uma condição narcísica mais estável seria necessária

para que seja possível, em situação tão não-familiar, se gere sentidos subjetivantes para essa

experiência traumática. No caso de Gabriela, no ambiente da Unidade, ela se sentia segura

para investir em sua filha, porém quando ficou a sós com ela tornou-se insustentável a

vinculação a Viviane.

Entendo que a identificação dos diversos aspectos complexos que a experiência do

nascimento pré-termo faz emergir, do ponto de vista de fatores e microfatores, pode ser um

importante instrumento de auxílio ao diagnóstico e a uma intervenção clínica apropriada.

As considerações acima sobre os fatores e microfatores pode ser vista de forma

sintética nas tabelas 2 e 3, a seguir:


93

Tabela 2: Microfatores para vinculação mãe-bebê.


Microfatores positivos Microfatores negativos Microfatores ambivalentes
Internos Externos Internos Externos Internos Externos
A relação da
Reconhecer-se Dificuldade de
Acolhimento da Ausência de contato no mãe com Responsividade e
como mãe investimento
família à mãe. nascimento. sua própria interatividade do bebê.
daquele bebê. narcísico.
infância.
Resguardo da mãe
dificultado pelos Equipamentos e ações
Acolhimento
deslocamentos hospital- da equipe de saúde
pela equipe de
casa e vice-versa e por neonatal frustrando a
saúde neonatal.
permanecer acima de 5 aproximação mãe-bebê.
horas no hospital
Participação Comunicação equipe-
Passividade do bebê frente
ativa no cuidado pais sobre o quadro do
ao cuidado.
do bebê. bebê.
Troca de
experiências
com outros pais.
Mãe poder
trazer seu leite.

Tabela 3: Fatores para vinculação mãe-bebê.


Fatores positivos Fatores negativos Fatores ambivalentes

Internos Externos Internos Externos Internos Externos


Preparação para Separação que se impõe Preocupação
a gravidez de logo ao nascimento. médico-primária.
risco.
Ficar fora da própria casa
(na casa de apoio, ou de
parentes).
Lidar com a possibilidade
de perda do bebê.

A presença de síndromes ou
mal-formações no filho pré-
termo.
4 Uma síntese possível

Nesse trabalho nos propusemos a pensar nos atributos que fazem parte do que

chamamos de função materna em uma situação em que o nascimento pré-termo faz emergir

afetos suscitados pela vivência da experiência traumática.

A antecipação do filho se faz muito antes de uma mulher engravidar. Em suas

impressões profundas estão guardados os registros da filha que foi, dos cuidados que recebeu

e da frustração que sentiu ao se perceber impotente em satisfazer o desejo de seu primeiro

amor, sua própria mãe. O filho concebido em sua cabeça é o filho que suprirá, idealmente,

essa falta, um filho da imaginação, que trará de volta à mãe sua potência e a cura da sua ferida

narcísica original. Durante a gestação, esses registros primevos e o bebê que está sendo

gestado no ventre se misturam numa antecipação fundamental para a constituição subjetiva da

mãe e do filho.

A linguagem é entendida aqui como muito além das palavras, um conjunto verbal e

não verbal, com função simbolizadora do lugar do bebê no mundo, funda o bebê como

humano. Desde esse bebê antecipado, o mesmo está inserido numa linhagem, numa ordem

temporal, a partir da qual o bebê pode nascer, e onde se fabricam histórias, expectativas e

sonhos para ele. Sem isso, sem essa concepção da cabeça, não há inscrição possível na ordem

do humano, e um vazio de palavras se forma ao redor desse bebê. Um bebê não pensado terá

muita dificuldade de simbolizar sua própria existência humana.

O olhar e a voz maternas fabricam o bebê como um ser que deseja, mesmo que esse

ainda não saiba o que deseja. Através da maternagem, do jogo de atribuir uma demanda ao

filho, de integrar-lhe suas experiências sensoriais em um universo psíquico, a mãe usa de suas

referências pessoais, sobre si mesma e sobre o que antecipou para seu filho e supõe-se ali um

sujeito desejante. Importantíssimo ressaltar que aquilo que o filho deseja e, também,

desconhece, a mãe jamais conhecerá, ela só poderá supor e responder a ele de forma
95

incompleta, sempre faltante. Esse espaço entre ambos é que permite que o encontro mãe-filho,

quando possível o investimento narcísico, seja atravessado por prazer e espanto. Esses afetos

despertados e que uma mãe revela no discurso que dirige ao filho nos possibilitam pensar na

intensidade e importância dessa relação para a construção de ambos, mãe e filho.

O nascimento antes do tempo inaugura um bebê pré-termo do ponto de vista biológico,

e uma mãe prematura, do ponto de vista da subjetividade. É uma violência, que traz as marcas

do traumático, e como toda experiência traumática, não permite a possibilidade de narrativa.

Ao tentar descrever o parto pré-termo, as mães se reportam ao filho que se vai para um lugar

desconhecido, e a quem elas não podem conhecer, ao encontro impedido. Para dar conta do

que ocorre nesse momento, o que se registra e a que se recorre no parto pré-termo são apenas

traços, registros os quais a mãe irá se apegar para reconstituir a história desse nascimento. O

primeiro sentimento que o traumático evoca é de um desmantelamento subjetivo, no qual não

há sentido possível. A significação da experiência se faz depois, em que aspectos verbais e

não verbais que constroem uma narrativa, uma simbolização para o acontecimento.

Dar a luz a um bebê pré-termo pode ter um caráter profundamente impactante do

ponto de vista de um risco de dessubjetivação, pois conduz a um esgarçamento de uma ferida

narcísica, ferida essa que emergiria em qualquer nascimento, mas que, no nascimento fora do

tempo, aumenta sua tangibilidade. O filho pré-termo é uma criança que pouco pode seduzir a

mãe, auxiliando-a a fabricar-se como mãe. A aparência de passividade conduz a mãe a

sentimentos de impotência, de fracasso e de falha, em não conseguir gerar um filho saudável.

Nesse momento a compreensão das competências do bebê é um importante conjunto

de saberes que media a construção de um filho potente, e que consegue receber o

investimento narcísico da mãe. Os bebês apresentam, desde os primeiros minutos de vida

extra-uterina, a capacidade de realizar discriminações pelo olhar, de reconhecer a voz dos

pais, o cheiro da mãe e, ainda, a capacidade de se moldar ao corpo de seus pais. Este último é
96

um tipo de reflexo que não é perdido, mesmo no caso de bebês que ficam semanas e até meses

internados, sem irem uma única vez para o colo dos pais. Mesmo sem intervenção clínica,

algumas mães começam a investir naquele filho na incubadora, sentindo que ele as

responderá. Essas mães conseguem então, olhar para o bebê real, tão distante do filho da

cabeça e pela construção de um processo identificatório, ancoram no bebê real, aspectos do

filho sonhado e se fazem presente através do olhar, da voz e do toque verdadeiros.

O bebê precisa ser o objeto de desejo de alguém para que sua vida seja possível. Não

estamos falando da vida biológica, embora dela também, mas da vida psíquica. O bebê nasce

em um mundo de palavras que vão nomeá-lo, inseri-lo em uma história familiar, ancestral e

próxima. Uma imagem que construí vendo os pais impotentes, parados diante da incubadora,

olhando perplexos para o filho, é como se eles estivessem olhando para um aquário. E se ali

tem um aquário, é necessário então fisgar o bebê. Capturá-lo como o objeto de desejo de

outrem, isso é da função materna. Entretanto, não basta. É ainda necessário que a mãe deseje

para além do filho, e aí vemos a importância de outros investimentos afetivos que venham

despertar o prazer materno. Essa falta fará com que esse bebê não seja engolido pela mãe e

sim, que se abra espaço para que certa não familiaridade surja, para que ele possa então, de

fato, desejar.

Na delicada situação da internação em uma UTIN, o próprio serviço faz o papel do

terceiro, desse que não deixa mãe e filho serem capturados um pelo outro, sem escapatória.

Os sentimentos de ambivalência materna são aguçados pelo nascimento pré-termo. Para a

mãe, tomada de sentimentos que a identificam como a mãe-má, deparar-se com o filho pode

ser assustador. Nesse momento, a UTIN faz o papel do outro que cuida de seu filho,

tranqüilizando ambos que mãe e filho não estão mais apenas um com o outro e a maternagem

pode ocorrer. A mal-formação associada ao nascimento pré-termo pode comprometer ainda

mais essa relação, deixando a ambivalência ainda mais evidente. Nesse caso a Unidade se
97

torna um espaço protetor o suficiente para possibilitar a maternagem. Fora das paredes da

UTIN a maternagem só é possível se outro vier fazer a função de terceiro.

Podemos compreender a existência de uma dupla função para a UTIN. Por um lado,

função terceira, por outro, função de sustentação psíquica para a mãe e para o bebê. A UTIN

nesse papel é a mãe boa, todo poderosa, que vence a morte. Torna-se a referência primeira de

cuidado do bebê e por estarmos nesse lugar é que somos capturados por tantos bebês. É desse

lugar ainda que oferecemos à mãe a acolhida aos seus sentimentos, permitindo a expressão de

toda a sua dor, mesmo que para poder fazê-lo, ela tenha que dirigi-la contra a Unidade, contra

os serviços que são prestados e salvam a vida de seu filho.

Para algumas mães, a UTIN funcionará na função maternante, para outras, como

aquele que nomeia e oscilando entre ambas as funções possibilita que se produzam condições

subjetivas para a constituição da condição maternante na própria mãe. Para o serviço se

permitir ocupar essas duas funções e transitar entre elas, de acordo com a demanda

psicológica que se faça, é preciso, citando Mathelin (1999) que a equipe se permita ser

“tocada pela criança”. É preciso que a equipe reconheça sua própria ambivalência, que se

perceba nessa mãe e nesse filho.

Entendemos que compreendendo essas nuances possíveis dos cuidados relativos ao

encontro mãe-bebê é possível a construção no hospital de um espaço acolhedor e seguro para

que a mãe, sentindo-se amparada, possa reconhecer seu bebê e fabricarem juntos a relação

entre ambos.
5 Considerações finais

Nenhum trabalho em minha vida foi tão prazeroso e tão doloroso de ser feito. Afinal,

estudar a maternagem, buscar as atribuições maternas, me reconstruiu diversas vezes como

pessoa e como profissional.

Refletindo sobre a própria fundamentação teórica, há um importante limite a ser

considerado nos trabalhos acerca da constituição subjetiva de mães e bebês pré-termo, quando

pensamos sobre essa problemática a partir de autores que pensaram a gestação a termo. Em

que difere a estruturação da condição subjetivante tanto da mãe quanto do bebê, diante de um

nascimento pré-termo? Esse é um campo ainda a ser constituído com futuras pesquisas, no

sentido de se apreender, principalmente, o que se passa com o bebê pré-termo. Ao longo desse

trabalho foram surgindo perguntas sobre a capacidade de superação dos bebês a esse

nascimento traumático e de que forma esse nascimento se tornaria construtor de seu processo

de diferenciação. Ao trabalharmos em UTIN aprendemos a falar em uma espécie de

adaptação dos bebês pré-termo, que não só resistem a procedimentos dolorosos, como

constroem uma vida psíquica que nos surpreende a todo instante.

O baby blues suspenso, apontado na fundamentação teórica, merece um

aprofundamento em pesquisas que se proponham a ir ao encontro das mães e seus bebês

nascidos pré-termo, após a alta hospitalar, pois é a partir daí que o baby blues se instala.

Os encontros apontaram para a continuidade da pesquisa, no sentido de compreender

melhor as relações vinculares entre a família nuclear e ampliada e o bebê, tanto do ponto de

vista de sustentação à condição maternante, como no processo de construção subjetiva do

bebê. Entendo ser de fundamental importância, ainda, compreender como as relações

familiares serão ressignificadas pelo nascimento pré-termo.


99

Considerando a importância do acompanhamento clínico de mães e bebês nascidos

pré-termo, o psicólogo na UTIN precisa intervir no sentido de construir junto às mães uma

segurança que seus bebês darão conta do impacto do encontro com elas, pois o serviço pode

garantir um ancoradouro para os intensos sentimentos que a violência desse parto faz emergir.

Atualmente, se tornou generalizado nas equipes, através dos programas de

humanização, tais como exemplificados pelo curso de Atenção humanizada ao Recém

Nascido de Baixo Peso: método mãe-canguru do Ministério da Saúde (2002), que o

conhecimento de que a saúde do bebê, entendida em seu aspecto biológico e psicológico,

passa pela construção do vínculo mãe-bebê. Isso tem feito com que a equipe de saúde

neonatal exija dessa mãe sua presença e maternagem. Embora saibamos que facilitar essa

presença materna é um aspecto importantíssimo, é preciso qualificá-la. Enfim, é preciso que

esse mesmo espaço seja continente à ambivalência que surge devido ao sofrimento da

vivência de sua própria prematuridade como mãe, que passa, pela necessidade de elaboração

de um luto do bebê imaginário e pela necessidade de expressão de suas angústias, incertezas

com relação ao bebê real.

O psicólogo tem muito a contribuir para a construção de relações saudáveis entre os

atores envolvidos em um ambiente de UTIN. Além dos vários aspectos da intervenção

possível para o psicólogo, abordados nesse trabalho, podemos ainda pensar no suporte aos

pais para que continuem a cuidar da família, não deixando de investir em seus outros filhos. O

psicólogo tem um lugar na equipe, tanto no atendimento a família e ao bebê, quanto na escuta

da equipe e ainda fazendo o papel de mediador da relação entre a equipe e a família. Podemos

pensar que se faz urgente asseguração pelas políticas públicas e gestores de hospitais

privados, desse lócus de trabalho, não mais em modelos emergenciais, atendendo à demanda

através de interconsultas, mas permanentemente, como membros da equipe de saúde neonatal.


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165-174). Coleção 1ª infância. São Paulo: Casa do Psicólogo.
7 Anexos

7.1 Anexo I. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA


Campus Umuarama - Fone: 34-3312182701
CEPP.: - Uberlândia – MINAS GERAIS

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

NOME DA PESQUISA: Vínculo mãe-bebê: os encontros possíveis em uma UTI Neonatal.


PESQUISADORA RESPONSÁVEL: Julliana de Paula Medeiros( CRP 04/26005) - telefone para contato:
34 – 33185232.
ORIENTADORA: Profa. Dra. Rita de Cássia Gandini (CRP 04/2820) – telefone para contato: 34-
32182235.
CO-ORIENTADOR: Prof. Dr. João Luiz Leitão Paravidini (CRP 04/10390) - telefone para contato: 34-
32182235.

Você está convidada a participar desta pesquisa que pretende avaliar a adaptação de mulheres cujos filhos
recém-nascidos estão internados em uma UTI Neonatal, no momento da internação desse bebê. E ainda, nesse
trabalho, pretendemos avaliar como os aspectos relacionados à suas relações afetivas, sociais, trabalho e suas
funções físicas contribuem para a formação do vínculo mãe-bebê. Caso você aceite participar, serão realizadas
duas a três entrevistas com cerca de uma hora cada e observação do seu comportamento perante seu bebê
internado. Com relação às entrevistas, a primeira terá o objetivo de compreender o seu estado geral e esclarecer
os aspectos da internação do seu bebê, dando início à coleta de informações acerca da adaptação. Caso seja
necessário, você poderá ser acompanhada pela psicóloga-pesquisadora durante a internação do seu bebê na
unidade e, havendo necessidade, será discutido com você o seu encaminhamento para uma psicoterapia.
Sua participação não é obrigatória, ou seja, você decidirá pela sua participação ou não nesse estudo. Se você
concordar em participar, a você é dado o direito de desistir em qualquer momento da pesquisa, sem precisar
apresentar justificativas para essa desistência, retirando seu consentimento a qualquer momento. Essa desistência
não fará com que você seja prejudicada em nenhum atendimento no Hospital Escola da UFTM, tendo a garantia
da continuidade dos cuidados ao seu bebê durante e após a conclusão dos trabalhos de pesquisa. Você poderá
receber a resposta a qualquer pergunta ou esclarecimento a qualquer dúvida acerca dos procedimentos, riscos,
benefícios e quaisquer outras questões relacionadas à pesquisa a que será submetida, ainda que esta possa afetar
sua vontade de continuar participando deste estudo. Você não será identificada em momento algum e será
mantido o caráter confidencial da informação relacionada com sua privacidade. Se você concordar, as entrevistas
poderão ser registradas em um gravador. Não haverá nenhum gasto e nenhum ganho financeiro decorrente da
pesquisa. As entrevistas ocorrerão em seus dias de visita ao Hospital e de acordo com sua disponibilidade.
Os resultados desta pesquisa poderão fornecer condições de entender melhor o processo da adaptação das mães
de bebês pré-termo internados em UTI Neonatal e serão publicados e divulgados em eventos científicos.

Eu, ___________________________________________________________________,
R.G. ___________________, abaixo assinado, tendo sido convidada para participar desta pesquisa e recebido as
informações acima, ciente dos meus direitos, concordo em participar deste estudo.
Tenho ciência do exposto acima e aceito participar desta pesquisa como forma de contribuir com o responsável
que subscreve este documento.

Uberaba, ____ de ____________ de ________.

____________________________________ ___________________________________
Participante Pesquisadora Responsável
Julliana de Paula Medeiros
Universidade Federal de Uberlândia
e-mail: julliana.pp.m@hotmail.com

CEP/UFU: Av. João Naves de Ávila, nº 2121, bloco J, Campus Santa Mônica – Uberlândia –MG, CEP: 38408-
100; Telefone: 34-32394531.
106

7.2 Anexo II. Ficha de Registro31

Da Participante da Pesquisa

NOME:.....................................................................................................................................................
IDADE:..........................................
DOCUMENTO DE IDENTIDADE Nº:......................................................................
REGISTRO GERAL MÃE:.........................................................................................
REGISTRO GERAL BEBÊ:........................................................................................

ESTADO CIVIL:
SOLTEIRA ( ) CASADA ( ) AMASIADA ( )
DIVORCIADA/SEPARADA ( ) VIÚVA ( )

NIVEL DE INSTRUÇÃO:
( ) FUNDAMENTAL INCOMPLETO ( ) FUNDAMENTAL COMPLETO
( ) MÉDIO INCOMPLETO ( ) MÉDIO COMPLETO
( ) SUPERIOR INCOMPLETO ( ) SUPERIOR COMPLETO
( ) PÓS-GRADUAÇÃO

OBSERVAÇÕES
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________

31
Os dados de identificação tanto da participante quanto do bebê ficarão arquivados com a pesquisadora e serão
protegidos por sigilo e confidencialidade.
107

Do recém-nascido

NOME DO BEBÊ:................................................................................................................
REGISTRO GERAL:............................................................................................................

SEXO: ( ) M ( ) F
DATA NASCIMENTO:......../......../...... PESO AO NASCER:...............

IDADE GESTACIONAL:...................................................

MOTIVO DA INTERNAÇÃO:.......................................................

UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS NECESSÁRIOS À SUA SOBREVIVENCIA NA UTI


( ) INCUBADORA / BERÇO AQUECIDO ( ) CPAP
( ) FOTOTERAPIA ( ) SONDA NASOGÁSTRICA
( ) VENTILAÇÃO MECÂNICA ( ) SONDA GASTROENTÉRICA

OBSERVAÇÕES
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
108

7.3 Anexo III. Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos

Universidade Federal de Uberlândia


Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA - CEP
Avenida João Naves de Ávila, nº. 2160 - Bloco J - Campus Santa Mônica - Uberlândia-MG –
CEP 38400-089 - FONE/FAX (34) 3239-4531/4173; e-mail: cep@propp.ufu.br;
www.comissoes.propp.ufu.br

ANÁLISE FINAL Nº. 001/09 DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA PARA O PROTOCOLO REGISTRO
CEP/UFU 378/08
Projeto Pesquisa: Eficácia adaptativa de mães de bebês pré-termo internados em uma UTI Neonatal e sua
influência na construção do vínculo mãe-bebê.
Pesquisador Responsável: Juliana de Paula Medeiros

De acordo com as atribuições definidas na Resolução CNS 196/96, o CEP manifesta-se pela aprovação do
projeto de pesquisa proposto.
O protocolo não apresenta problemas de ética nas condutas de pesquisa com seres humanos, nos limites da
redação e da metodologia apresentadas.

O CEP/UFU lembra que:


a- segundo a Resolução 196/96, o pesquisador deverá arquivar por 5 anos o relatório da pesquisa e os Termos de
Consentimento Livre e Esclarecido, assinados pelo sujeito de pesquisa.
b- poderá, por escolha aleatória, visitar o pesquisador para conferência do relatório e documentação pertinente ao
projeto.
c- a aprovação do protocolo de pesquisa pelo CEP/UFU dá-se em decorrência do atendimento a Resolução
196/96/CNS, não implicando na qualidade científica do mesmo.

Data para entrega do relatório final: março de 2010.


OBS: NOS PROXIMOS PROTOCOLOS É NECESSÁRIO APRESENTAR O TERMO DE
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO INTEIRAMENTE NA FORMA DE CONVITE, COM A
RETIRADA DO ÚLTIMO PARÁGRAFO QUE PODE CARACTERIZAR UM CONTRATO.

SITUAÇÃO: PROTOCOLO DE PESQUISA APROVADO.


OBS: O CEP/UFU LEMBRA QUE QUALQUER MUDANÇA NO PROTOCOLO DEVE SER INFORMADA
IMEDIATAMENTE AO CEP PARA FINS DE ANÁLISE E APROVAÇÃO DA MESMA.

Uberlândia, 08 de janeiro de 09.

Profa. Dra. Sandra Terezinha de Farias Furtado


Coordenadora do CEP/UFU
Orientações ao pesquisador
• O sujeito da pesquisa tem a liberdade de recusar-se a participar ou de retirar seu consentimento em qualquer fase da
pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado (Res. CNS 196/96 - Item IV.1.f) e deve receber uma cópia
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, na íntegra, por ele assinado (Item IV.2.d).
• O pesquisador deve desenvolver a pesquisa conforme delineada no protocolo aprovado e descontinuar o estudo somente
após análise das razões da descontinuidade pelo CEP que o aprovou (Res. CNS Item III.3.z), aguardando seu parecer, exceto
quando perceber risco ou dano não previsto ao sujeito participante ou quando constatar a superioridade de regime oferecido a
um dos grupos da pesquisa (Item V.3) que requeiram ação imediata.
• O CEP deve ser informado de todos os efeitos adversos ou fatos relevantes que alterem o curso normal do estudo (Res. CNS
Item V.4). É papel de o pesquisador assegurar medidas imediatas adequadas frente a evento adverso grave ocorrido (mesmo
que tenha sido em outro centro) e enviar notificação ao CEP e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA – junto
com seu posicionamento.
• Eventuais modificações ou emendas ao protocolo devem ser apresentadas ao CEP de forma clara e sucinta, identificando a
parte do protocolo a ser modificada e suas justificativas. Em caso de projetos do Grupo I ou II apresentados anteriormente à
ANVISA, o pesquisador ou patrocinador deve enviá-las também à mesma, junto com o parecer aprobatório do CEP, para
serem juntadas ao protocolo inicial (Res.251/97, item III.2.e). O prazo para entrega de relatório é de 120 dias após o término
da execução prevista no cronograma do projeto, conforme norma.
109

7.4 Anexo VI. Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos sobre

Alterações no Projeto de Pesquisa (Adendo)

Universidade Federal de Uberlândia


Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA - CEP
Avenida João Naves de Ávila, nº. 2160 - Bloco J - Campus Santa Mônica - Uberlândia-MG –
CEP 38400-089 - FONE/FAX (34) 3239-4131
e-mail: cep@propp.ufu.br; www.comissoes.propp.ufu.br

ANÁLISE FINAL Nº. 386/09 DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA PARA O PROTOCOLO


REGISTRO CEP/UFU 378/09
Projeto Pesquisa: Eficácia adaptativa de mães de bebês pré-termo internados em uma UTI Neonatal
e sua influência na construção do vínculo mãe-bebê.
Pesquisador Responsável: Juliana de Paula Medeiros

De acordo com as atribuições definidas na Resolução CNS 196/96, o CEP manifesta-se pela
aprovação do adendo proposto.
A co-orientação do Prof. Dr. João Luiz Leitão Paravidini, a mudança do título do projeto e dos
objetivos não apresentam problemas de ética nas condutas de pesquisa com seres humanos, nos
limites da redação e da metodologia apresentadas.

O CEP/UFU lembra que:


a- segundo a Resolução 196/96, o pesquisador deverá arquivar por 5 anos o relatório da pesquisa e
os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, assinados pelo sujeito de pesquisa.
b- poderá, por escolha aleatória, visitar o pesquisador para conferência do relatório e documentação
pertinente ao projeto.
c- a aprovação do protocolo de pesquisa pelo CEP/UFU dá-se em decorrência do atendimento a
Resolução 196/96/CNS, não implicando na qualidade científica do mesmo.

SITUAÇÃO: ADENDO APROVADO

O CEP/UFU LEMBRA QUE QUALQUER MUDANÇA NO PROTOCOLO DEVE SER INFORMADA


IMEDIATAMENTE AO CEP PARA FINS DE ANÁLISE E APROVAÇÃO DA MESMA.

Uberlândia, 21 de agosto de 2009.

Profa. Dra. Sandra Terezinha de Farias Furtado


Coordenadora do CEP/UFU
Orientações ao pesquisador

• O sujeito da pesquisa tem a liberdade de recusar-se a participar ou de retirar seu consentimento em qualquer
fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado (Res. CNS 196/96 - Item IV.1.f) e
deve receber uma cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, na íntegra, por ele assinado (Item
IV.2.d).
• O pesquisador deve desenvolver a pesquisa conforme delineada no protocolo aprovado e descontinuar o
estudo somente após análise das razões da descontinuidade pelo CEP que o aprovou (Res. CNS Item III.3.z),
aguardando seu parecer, exceto quando perceber risco ou dano não previsto ao sujeito participante ou quando
constatar a superioridade de regime oferecido a um dos grupos da pesquisa (Item V.3) que requeiram ação
imediata.
• O CEP deve ser informado de todos os efeitos adversos ou fatos relevantes que alterem o curso normal do
estudo (Res. CNS Item V.4). É papel de o pesquisador assegurar medidas imediatas adequadas frente a evento
adverso grave ocorrido (mesmo que tenha sido em outro centro) e enviar notificação ao CEP e à Agência
Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA – junto com seu posicionamento.
• Eventuais modificações ou emendas ao protocolo devem ser apresentadas ao CEP de forma clara e sucinta,
identificando a parte do protocolo a ser modificada e suas justificativas. Em caso de projetos do Grupo I ou II
apresentados anteriormente à ANVISA, o pesquisador ou patrocinador deve enviá-las também à mesma, junto
com o parecer aprobatório do CEP, para serem juntadas ao protocolo inicial (Res. 251/97, item III.2.e). O prazo
para entrega de relatório é de 120 dias após o término da execução prevista.

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