BNCC Disputa Pela Qualidade Ou Submissão Da Educação ARELARO PERONI CAETANO

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DOI: 10.21573/vol1n12019.

93094

BNCC: disputa pela qualidade ou submissão da educação?

BNCC: dispute for quality or submission of education?


BNCC: ¿disputa por la calidad o submisión de la educación?
VERA MARIA VIDAL PERONI
MARIA RAQUEL CAETANO
LISETE REGINA GOMES ARELARO

Resumo: Este artigo aborda a relação entre público e privado e os sujeitos que
atuaram na elaboração da Base Nacional Comum Curricular-BNCC: neoliberais
e neoconservadores ligados a diferentes instituições. A educação básica passa
a ser alvo dos interesses desses grupos, que visam a influenciar o conteúdo da
educação e direcionar as políticas educacionais. Os dados foram levantados
através de análise documental, pesquisas já realizadas, sites, estabelecendo relações
entre o público e o privado na BNCC. Os resultados apontam para a educação
como espaço de disputa de projetos distintos e antagônicos.
_____________________________________________________________
Palavras-chave: BNCC, público-privado, políticas educacionais.

Abstract: This paper discusses the relationship between public and private and
the subjects that worked in the elaboration of the National Curricular Common
Base - BNCC: neoliberalists and neoconservatives linked to different institutions.
The basic education is the target of the interests of these groups, which aim
to influence the content of education and direct education policies. The data
were collected through documental analysis, surveys previously done, websites,
establishing relationships between the public and the private at the BNCC. The
results suggest an education as a space of dispute about distinct and antagonists
projects.
_____________________________________________________________
Keywords: BNCC, public-private, educational policies.

Resumen: Este artículo aborda la relación entre lo público y lo privado, y los


sujetos que actuaron en la elaboración de la Base Nacional Común Curricular-
BNCC: neoliberales y los neoconservadores de diferentes instituciones. La
educación básica pasa a ser objeto de los intereses de esos grupos que buscan
influir en el contenido de la educación y direccionar las políticas educativas.
Los datos fueron levantados a través de análisis documental, investigaciones
ya realizadas, sitios electrónicos, estableciendo relaciones entre lo público y lo
privado en la BNCC. Los resultados muestran la educación como espacio de
disputa de proyectos distintos y antagónicos.
_____________________________________________________________
Palabras clave: BNCC, público-privado, políticas educativas

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INTRODUÇÃO

Vivemos um processo de intensificação da privatização do público,


que é parte de uma correlação de forças por projetos societários. O texto aqui
apresentado tem como base pesquisas desenvolvidas sobre o tema em um
contexto de crise do capital, e suas estratégias de superação, que redefinem o
papel do Estado para com as políticas sociais, com profundas implicações para
a democracia e, de como se materializam nas etapas e modalidades da educação
básica brasileira. Aqui trataremos de dois grupos de sujeitos vinculados ao
mercado e ao neoconservadorismo, tentando entender com maior profundidade
quem são, suas semelhanças e diferenças, como se relacionam e qual é o conteúdo
de suas propostas
Entendemos que a relação entre público e privado na política educacional
é parte constitutiva das mudanças sociais e econômicas. Assim que, não se
trata de uma contraposição entre Estado e sociedade civil, já que entendemos
que, conforme a concepção de Thompson (1981), ambos são construídos por
sujeitos individuais e coletivos1, em um processo histórico de correlação de
forças perpassados por interesses mercantis. Portanto, em nossas pesquisas, o
privado é vinculado ao mercado e ao neoconservadorismo, com implicações
para a democratização da educação.
Democracia é aqui entendida como materialização de direitos e de
igualdade social2 e coletivização das decisões3 com efetiva participação na
elaboração de políticas com base na prática social crítica e autocrítica no curso
de seu desenvolvimento4.
É importante ressaltar a especificidade brasileira na análise das
redefinições do papel do Estado, pois os avanços das lutas por direitos sociais
ocorreram no momento pós-ditadura, na década de 1980, mesmo período de
crise capital (MÉSZÁROS, 2002; HARVEY, 1989). Período em que o capitalismo
propunha um conjunto de estratégias para retomar o aumento das taxas de lucro,
reduzindo direitos, com graves consequências para a construção da democracia e
da efetivação dos direitos sociais, materializados em políticas públicas.
Vivemos a contradição de que, ao mesmo tempo em que a privatização
do público é cada vez maior, também, em um processo de correlação de forças, no
período pós ditadura, avançamos lentamente em alguns direitos materializados em

1 Sujeitos individuais e coletivos na concepção de Thompson (1981).


2 Sobre a não separação entre o econômico e o político, ver Wood (2003).
3 Coletivização das decisões conforme Vieira (1998).
4 Ideia desenvolvida por Mészáros (2002) em texto que fala sobre o controle social e como este deve
ocorrer enquanto processo e realizado pelos próprios executores da política social.

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políticas educacionais. Trata-se de direitos que foram reivindicados no processo
de democratização, nos anos 1980, e materializados em parte na Constituição
Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de
1996, como a gestão democrática da educação, a educação básica entendida como
educação infantil, fundamental e média, a gratuidade da educação pública nos
estabelecimentos oficiais, entre outros.
Ao mesmo tempo, vivemos o que chamamos em nossas pesquisas,
de um processo de “naturalização do possível”, em que a população, que mal
tinha iniciado a luta por direitos sociais para todos e com qualidade, acaba
aceitando políticas focalizadas “para evitar o caos social”, priorizando
populações em vulnerabilidade social e nem sempre oferecidas pelo poder
público.

SUJEITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS QUE ATUAM NAS


POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Por sujeitos individuais e coletivos, faz-se necessário considerá-los na


perspectiva de Thompson (1987), a partir de relações estruturadas em termos de
classe que ocorrem nas relações humanas e nas formações econômicas, históricas
e culturais, com capacidade de percepção e articulação de interesses de alguns
indivíduos contra outros, cujos interesses diferem dos seus. “A consciência
de classe é a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais:
encarnadas em tradições, sistemas de valores, ideias e formas institucionais.”
(Thompson, 1987, v.1, p. 10). Os sujeitos coletivos tornam-se conscientes dos
seus interesses comuns e desenvolvem formas apropriadas de organização e ação
comuns, são homens e mulheres que pensam e agem a partir de determinada
realidade e, conforme diz Thompson, respondem, individualmente ou em grupo.
Com essa perspectiva metodológica, apresentaremos as relações entre o público e
o privado que se estabelecem na BNCC e as intervenções na direção e conteúdo
da política educacional.
São várias as formas como o privado tem atuado no setor público.
Verificamos em nossas pesquisas o quanto a relação entre o público e o privado é
complexa e multifacetada. Entendemos que a mercadificação da educação pública
não é uma abstração, mas ocorre via sujeitos e processos. Algumas instituições
têm fins lucrativos e outras não, ou não claramente, mas é importante destacar
que entendemos as redes como sujeitos (individuais e coletivos) em relação,
com projeto de classe.

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No Brasil, entre os interlocutores do governo federal, nos anos 1990,
estava o Instituto Herbert Levy, que apresentou sua proposta de educação
para o governo brasileiro em 1992. É interessante destacar que a elaboração
da proposta contou, já na época, com o apoio do MEC, através da organização
do ‘Seminário Ensino Fundamental & Competitividade Empresarial’, em 1992.
Os empresários propunham participar ativamente da elaboração das políticas
educacionais, influenciando mais as políticas do que gerindo diretamente as
escolas: “Complementa[m] a ação do governo, queimando, em defesa de seus
próprios interesses econômicos, etapas do processo de otimização do ensino
brasileiro.” (OLIVEIRA; CASTRO, 1993, p. 6).
Verificamos que a decisão de participar de forma mais contundente da
direção e execução das políticas educacionais já havia se iniciado naquela época,
de forma organizada, pelos empresários, que propunham participar ativamente
da elaboração das políticas educacionais, influenciando mais as políticas do que
gerindo escolas diretamente. Tal processo se intensificou nas décadas seguintes,
conforme trataremos neste artigo.

AS INTERVENÇÕES NO CONTEÚDO DAS POLÍTICAS


EDUCACIONAIS

O processo de mercantilização ocorre também com o privado definindo


o conteúdo da educação. Observamos, em parte, o poder público assumindo a
lógica do privado na administração pública, através da gestão gerencial e, também,
quando abre mão de decidir o conteúdo da educação, repassando a direção
para instituições privadas. Nesse caso, a propriedade permanece pública, mas a
direção do conteúdo das políticas educativas é repassada para o setor privado.
As instituições públicas, se democráticas, são permeáveis à correlação de forças,
com processos decisórios em que não se tem previamente o controle do produto.
São instituições de propriedade pública, mas se o processo decisório está ausente,
já que tudo é previamente definido e monitorado por uma instituição privada
e os professores apenas executam tarefas, entendemos que este também é
um processo de privatização da educação.
Semelhante processo de privatização do público tem consequências
para a democratização da educação, pois concordamos com Vieira (1998, p. 12)
quando diz que “Não há estágio democrático, mas há processo democrático pelo
qual a vontade da maioria ou a vontade geral vai assegurando o controle sobre
os interesses da administração pública.”. Afirma também: “Quanto mais coletiva
a decisão, mais democrática ela é. Qualquer conceito de democracia, e há vários
deles, importa em grau crescente de coletivização de decisões.” (VIEIRA, 1998,

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p. 12). No entanto, a coletivização das decisões como parte da construção do
processo democrático foi cada vez mais subsumida pelo processo de privatização
da educação

NEOLIBERALISMO E NEOCONSERVADORISMO

As mudanças nas fronteiras entre o público e o privado ocorrem como


parte de um contexto, em que as estratégias de superação da crise - globalização,
neoliberalismo e reestruturação produtiva, Terceira Via - redefinem o papel do
Estado.
As teorias que afirmam que a crise está no Estado, como Neoliberalismo
e Terceira Via (atual social democracia), trazem implicações para as políticas
sociais, pois transferem do poder público para o mercado, parte da coordenação
societária, não apenas a execução, mas também a direção das políticas. O que
permanece no âmbito do Estado acaba sofrendo a lógica gerencial, que trazem
princípios do mercado para a gestão pública.
Enfim, o Neoliberalismo provoca o caos social e o neoconservadorismo
responde com maior repressão para “colocar a casa em ordem”.

O aumento do desemprego, dos ajustes estruturais que minimizam as políticas


sociais e a exacerbação da competitividade e individualismo, pode provocar caos
social e civilizatório e a este risco o neoconservadorismo responde com maior
repressão. (...)
E com valores morais centrados no nacionalismo cultural, na retidão moral, no
cristianismo (de uma certa moralidade evangélica) nos valores familiares e em
questões de direito à vida, assim como no antagonismo a novos movimentos sociais
como o feminismo, os direitos homossexuais, a ação afirmativa e o ambientalismo
(Harvey, 2008, p. 94).

Harvey (2008) trabalha, também, com as semelhanças e diferenças entre


neoliberalismo e neoconservadorismo. Quanto às semelhanças, neoconservadores
e neoliberais são favoráveis: ao poder corporativo, à iniciativa privada, à restauração
do poder de classe, à desconfiança da democracia, a governança pela elite. Quanto
às diferenças, o autor destaca a preocupação com a ordem em resposta ao caos e
a defesa de uma moralidade inflexível como cimento social.
No caso brasileiro, o conservadorismo foi uma marca da nossa história
(Fernandes, 1987; Kaysel, 2015). Sobre o período pós ditadura, Fernandes (1985)
adverte que a “Nova República não combateu de frente a ditadura e que um
pacto conservador cortou a trajetória democrática” (p. 21) e que “as elites e o
capital internacional temem mudanças rápidas em que podem perder o controle”.
(Ibidem, p. 23). A estrutura de classes da sociedade civil sob o capitalismo selvagem

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não comporta avanços, pois as classes dominantes precisam de um Estado forte
para preservar a ordem e reproduzir seu poder real, e assim, lutam com afinco por
um capitalismo de tipo ditatorial.
Neste sentido, foi fundamental impedir o deslocamento de poder barrando
as Diretas Já, esvaziando a praça pública para restabelecer o “mandonismo”. A
transferência de poder, se converteu em uma transferência de nomes, ocorrendo
o que o autor chama de mudancismo, que acontece quando “o conservador chega
à mudança social para preservar e fortalecer a ordem” (Idem, p. 71). Ocorreu
assim, o que o autor chama de “conciliação pelo alto” (Idem, p. 72), em que a
oposição consentida se tornou conciliadora, com mudanças pelo alto para sua
continuidade.
Em agosto de 2016, após um processo sumário e bastante discutível, em
termos legais e jurídicos, a presidenta eleita Dilma Roussef sofreu impeachment
pelo Congresso Nacional, que, em menos de 24 horas, considerou legal as
“pedaladas” dadas pelo seu sucessor e vice, Michel Temer, razão apresentada para
sua cassação. Um novo golpe acontecia no Brasil, agora com o aval do Supremo
Tribunal Federal.
Miguel (2016), observa que o golpe de 2016 marca uma fratura
irremediável no experimento democrático iniciado no Brasil em 1985. Para o
autor, a democracia é um conceito em disputa. O impedimento da presidenta foi
uma afronta aberta às regras estabelecidas e marcou a ruptura do entendimento
de que o voto é o único meio legítimo de alcançar o poder.
Para Boito (2016), o golpe foi o resultado de um conflito
redistributivo de classe. Conforme o autor, de 2006 a 2012, o país vivenciou o
neodesenvolvimentismo, e, em 2014, com a crise internacional, ele entrou em
declínio. Quanto à relação neodesenvolvimentismo e neoliberalismo, o autor aponta
que três acontecimentos foram responsáveis para a vitória da direita conservadora:
a classe média como força ativa e militante na rua, a deserção da burguesia interna
da frente neodesenvolvimentista e o recuo do governo Dilma diante da ofensiva
restauradora. O autor conclui que a frente neodesenvolvimentista entrou em crise
e, com ela, o governo que a representava.
Lowy (2016), aponta que a história mundial nos dois últimos séculos
viveu um Estado de exceção; a democracia é que foi excepcional, já que, sempre
foi considerada um peso para o Estado, para as classes dominantes e o capital
financeiro. O autor adverte que, no Brasil, mesmo a democracia de baixa
intensidade foi intensa demais para as classes dominantes e o capital financeiro.

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Em um processo de correlação de forças, a chamada nova direita se
fortaleceu. Conforme o Instituto Liberal, em sua página da internet na matéria
“Quem é a Nova Direita? O que ela pensa? E por que os “intelectuais” a temem
tanto?”, apresenta algumas de suas ideias:

Valorização do indivíduo e da família como unidade básica da sociedade, isto é, a


direita quer menos poder para o Estado e mais poder para o indivíduo. A direita
não gosta de coletivos (tais como sindicatos) tomando decisões que deveriam
ser tomadas pelo indivíduo. [...] Isto ocorre por causa de nossa desconfiança na
capacidade do Estado. Logo, para evitar grandes rupturas da ordem, o melhor é que
a mudança seja sempre gradual. Assim, sempre será possível corrigir eventuais erros
antes que os mesmos se transformem em catástrofes (Disponível em: <https://
www.institutoliberal.org.br/blog/quem-e-nova-direita-o-que-ela-pensa-e-por-que-
os-intelectuais-temem-tanto/>. Acesso em 3 de julho de 2018).

É importante destacar que o próprio Instituto Liberal apresenta o


conteúdo da proposta da nova direita e as vincula ao conservadorismo. O Instituto
Liberal está vinculado em uma grande rede de think tanks que tem influenciado
o cenário político internacional. Para Moraes (2015, p. 236) “eles existem para
modelar as condições de possibilidade e de visibilidade das políticas. Para
construir, nas mentes e nos corações dos indivíduos, aquilo que devem considerar
crível e factível. (...)Tentam modelar o ambiente geral da política, a agenda.”

Nesta nova conjuntura, não apenas os think tanks se tornaram elementos centrais
do “fazer politica”. Já eram assim. Eles se transformaram, radicalizando bastante o
papel que já vinham desenhando nos anos 1970. Mais ainda do que nos anos 1970-
80, os think tanks da “novíssima direita” têm se tornado, cada vez mais, elementos
fundamentais não para fornecer respostas a questões colocadas diante dos
cidadãos. [...]E isso ocorre de modo deliberado, como uma estratégia política clara:
a “novíssima direita” cria e multiplica think tanks e aparatos de mídia (impressa,
eletrônica, virtual etc.) para modelar o ambiente político. De outro lado, operando
também como lobbies (pressionando para aprovação de certas políticas ou para o
direcionamento das já existentes), eles conseguem esse mesmo objetivo: policies
make polity, diz a sentença (MORAES, 2015, p. 240).

Ao longo de muitos anos pesquisamos processos de privatização, via


execução direta ou parcerias, em que o privado assume a direção das políticas no
ambiente escolas e também as executa através do estabelecimento de metas, gestão
gerencial, definição de conteúdos e formação de professores. Nos casos estudados,
eram os sujeitos vinculados a ideias empresariais que estavam mais atuantes; no
entanto, nos últimos anos propostas vinculadas ao neoconservadorismo têm
também disputado a pauta da educação, como o projeto Escola sem Partido e a
Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Neste artigo, trataremos do processo
de elaboração da BNCC.
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A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

A Base Nacional Comum Curricular passou a ser uma demanda da Lei


de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e uma agenda do Plano Nacional de
Educação. O debate sobre a BNCC ganhou força em 2014 quando o Ministério
da Educação (MEC) a retomou para a construção dos direitos de aprendizagem
para a educação básica, embora a base aprovada pelo CNE a partir do documento
do MEC, tenha consolidado a proposta de Base Nacional Comum Curricular, que
tomou o lugar de uma concepção de Base Comum Nacional.
Houve uma inflexão dos conceitos presentes entre a primeira versão e
a que foi aprovada pelo CNE em 2017; exemplo disso, é o conceito de base
nacional comum e base nacional curricular comum, direitos de aprendizagem e
competências e habilidades, ou seja, a própria concepção curricular que norteia a
base.
A tramitação que ocorreu a partir de 2014 com consensos e dissensos a
respeito de uma base nacional comum e suas três versões, contou numa primeira
fase com a participação de professores e especialistas de universidades através de
consulta pública na internet, que resultou na primeira versão. Em 2016, a segunda
versão do documento da BNCC foi disponibilizada e submetida à discussão em
seminários realizados pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(Undime) e pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). Nesse
período, foi constituído um Comitê Gestor do MEC para receber as sugestões
dos seminários.
Cabe observarmos que os interesses privados conduzidos pelo
Movimento pela Base, coordenado pela Fundação Lemann, por meio do Lemann
Center, vinculado à Universidade de Stanfort-USA, buscou especialistas, ligados ao
Comum Core americano, para revisar a primeira e segunda versão da base. Uma das
revisões, assinada por David Planke, afirmava que:

O processo de obtenção de aprovação para a BNC já começou a despertar oposição


política, e isso pode intensificar-se à medida que a adoção e a implementação se
aproximem. Se bem conduzida, a revisão nacional do projeto da BNC, ora em
curso, pode ajudar a minimizar algumas das controvérsias em torno dos novos
padrões (LEMANN CENTER 2016, p.3).

O próprio revisor já alertava para uma possível oposição à base, a partir


da experiência americana. A instituição do Comitê Gestor do MEC (Portaria
790/2016 - BRASIL, 2016), contemplou apenas integrantes das secretarias do
Ministério, que foram os responsáveis pelas definições e diretrizes que deram
origem à terceira versão a partir das revisões de integrantes internacionais, como

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The Curriculum Foundation, instituição inglesa, Accara, instituição australiana e Phill
Daro e Susan Pimentel que atuaram no Comonn Core americano, além de Sheila
Byrd Carmichael, que assinam a avaliação da BNCC (LEMANN CENTER,
2016).
A proposta da terceira versão, diferente das anteriores, já excluía o Ensino
Médio e trazia uma ruptura com a ideia de educação básica. O CNE promoveu
uma audiência em cada uma das cinco regiões do Brasil de junho a setembro de
2017, da qual participaram entidades, professores e interessados. De setembro a
dezembro de 2017, a base nacional comum curricular tramitou no CNE de forma
não transparente e foi aprovada desconsiderando a construção já produzida pelas
instituições educacionais comprometidas com a educação pública de qualidade
social e sob forte resistência de três conselheiras, representantes de entidades
nacionais, que votaram contra a BNCC, assim como diversas instituições e
associações de docentes e pesquisadores manifestaram sua oposição a BNCC. A
aprovação de uma política pública de forma antidemocrática, sem transparência
e sem ampla discussão com a sociedade brasileira revela o modus operandi dos
sujeitos individuais e coletivos que fazem parte, tanto de instituições consideradas
públicas, quanto privadas.
Conservadores e neoliberais atuam em grupos organizados formados
por instituições privadas na forma de institutos, ONGS, fundações ligadas ao
mercado (FIGURA 1), quanto por grupos conservadores, religiosos, liberais,
ligados ao Congresso Nacional e outros constituídos por think thanks nacionais e
internacionais neoconservadores (FIGURA 2).
O ambiente criado nas eleições de 2014 no Brasil, elegendo um congresso
conservador, ocupando posições estratégicas na Câmara dos Deputados, foi
propício para o avanço de tais ofensivas. Representados majoritariamente pelas
bancadas evangélica, ruralista, empresarial e por policiais, influenciam nas pautas
e atuam no que Apple (2002) chama de ‘coalizão conservadora’ nas agendas do
país. Após o impeachment em 2016, protagonizada por essa coalizão, a situação
é agravada, iniciando o processo de desmantelamento das políticas sociais dos
governos anteriores, entre elas, educação, saúde e seguridade social.

OS MOVIMENTOS PELA BASE NACIONAL COMUM


CURRICULAR

O Movimento pela Base Nacional Comum (MBNC) que coordenou esse


processo, num primeiro momento sem a presença do MEC, apresentou-se como
um grupo não governamental de profissionais e pesquisadores da educação que
atuava, desde 2013, para facilitar a construção de uma base de qualidade. Esse

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movimento foi patrocinado pela Fundação Lemann em conjunto com outras
instituições públicas e privadas com o objetivo de direcionar a política educacional
brasileira a partir de um projeto hegemônico para a educação.
Em 2013, uma delegação brasileira participou, em caráter de Missão
Oficial a convite da Fundação Lemann, do Seminário Internacional “Liderando
Reformas Educacionais: Fortalecendo o Brasil para o Século XXI”, realizado
na Universidade de Yale, em abril de 2013, nos Estados Unidos, segundo
Requerimento 227/2013/CE (Câmara de Educação). Nesse seminário o tema
foi o Common Core americano e, segundo o Deputado Alex Canziani, em discurso
na Câmara dos Deputados “esse debate queremos trazer para o Brasil. Trata-
se do currículo único para a educação brasileira. A ideia é que nós possamos,
através dos secretários estaduais de educação, através dos secretários municipais,
do próprio MEC, fazer uma discussão sobre currículo” (BRASIL, 2013).

FIGURA 1 – Sujeitos coletivos do Movimento pela Base

Entre os agentes privados, estão instituições que produzem materiais


didáticos como Fundação Santillana e Abrelivros, Itaú-Unibanco, Instituto Ayrton
Senna, Insper, Fundação Roberto Marinho, Instituto Natura e o Movimento
Todos pela Educação, entre outros. Entre os agentes públicos estão secretarias
ligadas a governos do PSDB como São Paulo, Salvador, Goiás, Paraná, a Undime,
representante dos secretários municipais de educação do país e o Consed,

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que representa os secretários estaduais de educação, além do INEP, do MEC
e Conselho Nacional de Educação. Constitui-se num grupo hegemônico, que
representa uma classe, em relação a um projeto educacional para o país.
Conforme Peroni e Caetano (2015), esse grupo é composto de grandes
instituições privadas que têm-se articulado com instituições educacionais globais,
visando a promover mudanças na educação dos países, especialmente no currículo
e avaliação e, consequentemente, na formação docente, entre outros. Essas
instituições propuseram conteúdos à base, como exemplo, o Instituto Ayrton
Senna, que apresentou recomendações para o desenvolvimento de competências
socioemocionais.
O Instituto Ayrton Senna (IAS) criou em 2015, o laboratório eduLab21.
Esse laboratório estuda as competências socioemocionais e propõe o SENNA,
avaliação dessas competências. Atua como think thank promovendo workshops,
seminários em parceria com instituições do Movimento pela Base, Consed,
Undime, Unesco e OCDE, visando a influenciar a BNCC. O IAS vem atuando
no conteúdo da proposta da base e na direção das políticas públicas conforme
informações do site5.
A Associação Nacional de Pós-graduação em Educação - ANPED
manifesta-se rejeitando a proposta do SENNA:

Trata-se de rejeitar a adoção, como política pública, do programa de medição


de competências socioemocionais, denominado SENNA (Social and Emotional
or Noncognitive Nationwide Assessment), produto de iniciativa do Instituto
Ayrton Senna em parceria com a OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico). Essa perspectiva está colocada na medida em
que se tem a presença do Ministério da Educação (MEC) apoiando a realização
de seminários em que tal proposta foi divulgada, [...] para a criação do Programa
de Formação de Pesquisadores e Professores no Campo das Competências
Socioemocionais (ANPED, 2014, p.1).

A entidade questiona, ainda, o que significa uma instituição privada definir


o “conteúdo da educação” por meio de avaliações socioemocionais. (Ibidem).
Estudo apresentado por Smolka et all (2015), mostra as controvérsias
relacionadas aos fundamentos epistemológicos do construto Big Five
(competências socioemocionais) e se posicionam contra a adoção e a
implementação de tal proposta como política pública.
No documento final da BNCC, intitulado Educação é a base, com o apoio
do MPB (BRASIL, 2017) apresentam-se as competências gerais que se tornaram
obrigatórias para os sistemas e escolas: conhecimento; pensamento cientifico,

5 Ver site.http://www.institutoayrtonsenna.org.br/pt-br/Atuacao/Atuacao2/edulab-21.html.

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crítico e criativo; repertório cultural; comunicação; cultura digital; trabalho
e projeto de vida; argumentação, autoconhecimento e autocuidado; empatia
e cooperação; responsabilidade e cidadania. Percebemos que na descrição das
competências há claramente a orientação para as competências socioemocionais,
além do empreendedorismo, educação financeira e meritocracia.6
Observe-se, também, que essa é a primeira vez que o MEC apresenta
uma proposta oficial, afirmando que ela será obrigatória, contrariando dispositivo
constitucional que garante o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”,
como direito do ensino brasileiro (art. 206, III, Constituição Federal,
BRASIL,1988).
O processo de construção da BNCC foi incorporando bandeiras
do movimento empresarial e por outro, o financiamento do grande capital
alinhados à OCDE. Portanto, temos instituições empresarias que atuam através
de programas na Educação Básica, prestadores de todo tipo de serviço para
a educação e gerentes dispostos a fazer parte desse grupo para gerenciar os
processos e serviços oferecidos, direcionando a educação. Adrião (2017) aborda
como a Educação Básica se tornou um novo negócio na educação.
Em 2016, a Fundação Lemann assumiu a direção das revistas Nova
Escola e Gestão Escolar. A partir de 2017, a Nova Escola e o Google anunciaram
uma parceira de produção de planos de aula estruturados e alinhados à BNCC
disponibilizados a professores. O acordo com a Google envolve, também,
produzir um canal de conteúdo educacional para o ensino médio no YouTube
chamado YouTube Edu. Em 2017, a Fundação Lemann7 e a Omidyar Network
anunciaram uma parceria para desenvolver soluções tecnológicas que facilitassem
a implementação da BNCC por meio da tecnologia8. A Khan Academy, plataforma
de educação digital, ensina matemática, ciências e economia, entre outras áreas,
com aulas gravadas e exercícios na tela do computador para alunos. Segundo
Mizne quem compra o hardware é a escola. “A fundação banca a plataforma, a
formação do professor e o acompanhamento” (MIZNE, 2015).
Para o MEC, a BNCC será a referência para a formação de professores,
adequação de livros e recursos didáticos, alinhamento nas avaliações e será
utilizada para provimento de infraestrutura escolar, ou seja, é a espinha dorsal da
reforma da educação.

6 Ver Adrião, 2017.


7 Segundo o site da fundação, as soluções podem ter impacto direto na sala de aula e servir para
professores ou alunos, mas também podem apoiar a gestão escolar, elaboração de currículos, rotina de secretarias
de educação e envolvimento dos pais e responsáveis, entre outras questões (https://fundacaolemann.org.br/
noticias/parceria-foca-em-tecnologias-para-bncc).
8 (https://fundacaolemann.org.br/noticias/parceria-foca-em-tecnologias-para-bncc).

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A BNCC E OS NEOCONSERVADORES

Na disputa pela BNCC entre os sujeitos que despontam estão os


neoconservadores, que defendem o regresso aos valores tradicionais, à moralidade
e a religião. Esses grupos baseiam suas posições na educação através de visões
fundamentadas na autoridade bíblica, moral cristã, as questões de gênero e o
papel da família.
Grupos conservadores ganharam centralidade na discussão da BNCC,
como mostra a figura 2, incluindo a censura aos livros didáticos. No caso do
Brasil, os neoliberais e conservadores vêm-se articulando a longa data. Embora
com pautas diferentes, quando os interesses são comuns, eles se unem, como foi
o caso da BNCC em temas ligados a gênero, sexualidade, família. Por outro lado,
políticos das bancadas religiosas se aproximam do ideal neoconservador. Todos
eles defendem políticas de austeridade e ajuste fiscal e um discurso moralista
baseado em pressupostos cristãos, como a defesa da família. Nem sempre esses
grupos estão em concordância, ainda que se tenham aproximado nos últimos
tempos a fim de articular pautas comuns como é o caso do Escola sem Partido,
Movimento Brasil Livre, Estudantes pela Liberdade, Vem pra Rua e Revoltados
on line. Muitos deles financiados pela Atlas Network (Amaral, 2015), uma conexão
transnacional dessas entidades que, na prática, conformam uma mesma forma
de organização de ideias e ligações com instituições nacionais que passaram a
atuar de forma mais orgânica a partir de 2014 com o enfraquecimento político do
bloco que ocupava a Presidência da República. Em comum, a defesa de privilégios
das elites neoliberais e neoconservadores, que defendem o fim dos programas
sociais implementados e praticados nos governos Lula e Dilma (2003-2016) e a
redução de direitos dos trabalhadores, seguindo a dinâmica do Estado Mínimo
não interventor. E, para isso, contam com apoio da grande mídia conservadora
brasileira.

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FIGURA 2 – Os sujeitos neoconservadores e a BNCC

A Figura 2 apresenta grupos que vêm influenciando agendas educacionais,


incluindo a construção da BNCC. À esquerda, a classe política representada pelas
frentes parlamentares ligadas a instituições religiosas, o ex-ministro da Educação
Mendonça Filho, representante da ala conservadora e privatista e acima, alguns
dos deputados e um senador apoiadores do Escola sem partido e outras pautas de
gênero. Ao tomar posse, uma das primeiras agendas do então ministro foi receber
integrantes do grupo Revoltados on line, Alexandre Frota, em 25 de maio de 2016,
cuja pauta foi o combate à “doutrinação” política, religiosa e sexual e apoio ao
Escola sem Partido9.
Conforme relatórios da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados
em 2014, 2015, 2016 e 2017, o debate sobre o ESP começou a tramitar na Câmara
dos deputados em 2014, através do requerimento 387/2014, do deputado Izalci
Lucas, que solicitou Audiência Pública visando discutir o tema ‘Doutrinação
Política e Ideológica nas Escolas’. Em março de 2015, Bráulio Porto de Matos,
professor da UNB e atual vice-presidente do Escola sem Partido, foi à Comissão
de Educação da Câmara para falar sobre a doutrinação política e ideológica
nas escolas. Em outubro de 2015, a Comissão de Educação realizou audiência
pública para debater o assédio ideológico nas escolas brasileiras de Educação
Básica, cujo autor foi o deputado Rogério Marinho, que justificou a realização

9 Sobre Escola sem Partido, ver Peroni; Caetano; Lima (2017).

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do debate “afirmando que crianças e adolescentes têm sofrido doutrinação
político-partidária dentro da sala de aula, contrariando a Constituição Federal e
prejudicando o direito de aprender”, conforme o Portal Câmara - notícias, em
6/10/2015. Participaram do encontro uma representante da União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (Undime); o presidente da Assembleia de Deus
Vitória em Cristo, Silas Malafaia; o professor da Universidade de Brasília, Bráulio
Pôrto De Matos; o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação, Roberto Franklin de Leão; o professor, escritor e jornalista, Olavo de
Carvalho; o coordenador do Movimento Escola sem Partido, Miguel Nagib; o
então jornalista e colunista da Revista Veja, Rodrigo Constantino e o professor da
Universidade de Brasília, Erlando da Silva Rêses (BRASIL,2015).
Em 2016, o deputado Rogério Marinho requereu Reunião de Audiência
Pública com especialistas para discussão da Base Nacional Comum Curricular -
BNCC acerca da área de Ciências Humanas, com a presença dos Senhores Marco
Antonio Villa - historiador; Demétrio Magnoli - geógrafo; Ronaldo Vainfas -
historiador; Bráulio Tarcísio Porto de Matos, Professor da UNB; e Miguel Nagib
– Movimento Escola Sem Partido e que se transformou em Seminário realizado
em 31/05/2016. Em conjunto com os requerimentos datados de 2015 e 2016,
destaca-se a presença como debatedores de Orley José da Silva, que coordena um
blog intitulado ‘De olho no livro didático’ cujo objetivo é denunciar questões de
gênero e questões que o autor considera ideológicas nos livros didáticos; Bráulio
Porto de Matos, Professor de Sociologia da UnB e vice-presidente do Escola sem
Partido, além do Pe. José Eduardo Silva, Professor Universitário da Faculdade São
Bento/SP (BRASIL 2015,2016).
Também consta no mesmo relatório que foi solicitado pelo deputado
Bacelar a realização de Audiência Pública na Comissão Permanente de Educação,
para tratar da exclusão das questões de gênero nos Planos Nacional, Estaduais
e Municipais de Educação, aprovado em 08/06/2016. Nesse mesmo ano, foi
apresentada a Indicação 780/16 de autoria dos deputados Valtenir Pereira, ex-
deputado Renato Simões e ex-deputada Jaqueline Roriz, que sugeriam a inclusão
obrigatória, nos currículos do Ensino Fundamental e Ensino Médio, das
disciplinas Organização Social e Política do Brasil e Educação Moral e Cívica,
bem como de conteúdos referentes ao período da ditadura militar no Brasil e à
violação dos Direitos Humanos, que foi arquivado. O senado federal também
apresentou projeto de lei que visava incluir entre as diretrizes e bases da educação
o “Programa Escola sem Partido”, através do PL 193/2016.Foi negado pela
comissão de educação do senado e Magno Maltha retirou o PL em novembro de
2017. Na Câmara, o PL 7180/2014 de autoria do deputado Erivelton Santana foi
retomado e debatido em 4 de abril de 2018 cujo conteúdo visava a incluir entre

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os princípios do ensino o respeito às convicções do aluno e de seus responsáveis,
dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos
aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa (BRASIL, 2016, 2017).
Destacamos que ainda estão em tramitação dezenas de projetos do Escola Sem
Partido nos níveis municipais e estaduais em todo país. São projetos que visam
a impedir o debate de gênero e sexualidade e censuram a liberdade de reflexão
crítica, dos preceitos de um estado laico e democrático, uma verdadeira mordaça e
assédio, imposto aos professores e à juventude. Em oposição aos projetos Escola
sem Partido, professores de vários estados e municípios do Brasil lançaram a
Frente Escola sem Mordaça por uma educação democrática, além de outros
movimentos a favor da educação pública e laica.
Na Figura 2, à direita, está o MBL que surgiu em 2013, e as instituições
nacionais e internacionais nas quais estão ligados de forma individual ou coletiva.
E entre os dois, está o Projeto Escola sem Partido, contando com o apoio
do MBL, que prega liberdades individuais, mas inclui em suas agendas pautas
conservadoras.
Destacamos que “muitos membros do Movimento Brasil Livre passaram
pelo programa de treinamento do Atlas Network, a Atlas Leadership Academy, e
estão agora aplicando o que aprenderam no solo em que eles vivem e trabalham”,
dizia artigo publicado no site da entidade ( HOEVELER,2016, p.34). Os gaúchos
Ostermann e Anthony Ling, além do mineiro Juliano Torres são fundadores do
EPL, a versão local do Students for Liberty, organização-chave na articulação entre
os think tanks conservadores americanos – especialmente os que se definem como
libertários – e a juventude “antipopulista” da América Latina. Alejandro Chafuen,
presidente da Atlas Network desde 1991, é o seu mentor (AMARAL, 2015).
A Atlas Network (nome fantasia da Atlas Economic Research Foundation desde
2013) é, conforme Amaral (2015), uma espécie de metathink tank, especializada em
fomentar a criação de outras organizações libertaristas no mundo, com recursos
obtidos com fundações parceiras nos Estados Unidos e/ou canalizados dos think
tanks empresariais locais para a formação de jovens líderes, principalmente na
América Latina e Europa oriental. Os recursos destinados para atividades fora
dos Estados Unidos foram de US$ 6,1 milhões, dos quais US$ 2,8 milhões para
a América Central e US$ 595 mil para a América do Sul. Os Estudantes pela
Liberdade, é uma organização que nasceu dentro da Atlas em 2012. Já a Rede
Students for Liberty em franca expansão, conta com recursos da John Templeton,
com orçamento de mais de US$ 1 milhão (AMARAL, 2015).

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A missão dessas instituições além de influenciar e desestabilizar sistemas
democráticos, especialmente na América Latina, é a formação de lideranças jovens
que possam expandir sua ação nos diferentes países. Eles atuam em redes dentro
de redes, possuem altos investimentos, patrocínios e utilizam as redes sociais para
impor seus pensamentos conservadores e liberais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil não tem um histórico democrático e a privatização do público


é uma realidade “naturalizada” em nossa cultura. No entanto, no período pós-
ditadura, em um processo de correlação de forças com essa lógica historicamente
instaurada, no período de democratização, iniciou-se um movimento de repensar
o público, o Estado, com a participação efetiva da sociedade. Assim, por um lado,
avançamos no acesso à educação, mas, por outro, há um avanço da privatização
do público e de naturalização das perdas da democratização da educação.
Quando avançamos alguns passos no processo democrático, em um
processo de correlação de forças, o setor empresarial e neoconservador se
reorganiza, em uma grande ofensiva, para retomar a direção política da educação.
Como apresentamos, o interesse pela BNCC brasileira envolve tanto
neoliberais quanto conservadores. O centro dessa disputa é um projeto de nação
e de formação do trabalhador, em que a educação passa a ser o alvo dos interesses
do grande capital.
Nesse processo, a disputa pelos fundos públicos é a prioridade desses
grupos, que vêm desqualificando, sistematicamente, as escolas e as redes
públicas de ensino para que eles se apresentem como “salvadores” preferenciais
da qualidade da educação brasileira, seja vendendo materiais, assessorias
especializadas, assumindo a gestão de escolas ou, até os programas das secretarias
de educação.
O importante é que os direitos sociais – como o direito à educação de
qualidade – comecem a ser considerados como “privilégios”, que, para serem
obtidos precisam de “serviços” e atendimentos especiais e estes, no mercado, têm
um custo. E quanto melhor qualidade se desejar, mais alto é seu preço.
Para que esse modelo se consolide há um pressuposto: a adesão ou o
silêncio – espontâneos ou forçados – de professores, pais e alunos, sindicatos
e associações científicas. Como isso não é tão fácil, são necessárias iniciativas
nacionais como os projetos de Escola sem Partido, ou a adoção de currículos
únicos, no caso, a BNCC, nos quais sejam eles os proponentes dos conteúdos. No
primeiro momento para convencer e no segundo, para calar.

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Não nos iludamos: a luta é longa e só há um jeito de contê-los: envolver
alunos e professores nessa discussão, chamar os pais e responsáveis para analisar
e problematizar os conteúdos curriculares que vêm sendo propostos, politizar
a discussão sobre formação de professores e sobre a escola que queremos para
nossos filhos e para o Brasil.
A função das escolas está em jogo e a soberania nacional, sem ciência,
tecnologia, e autonomia de pesquisa corre sérios riscos. A ação unitária nossa é
necessária agora! Vamos juntos!

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VERA MARIA VIDAL PERONI é doutora em Educação e professora da


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) nos cursos de graduação e
pós-graduação em educação. Coordena grupo de pesquisa sobre a relação entre
o público e o privado na educação (GPRPPE). Sua pesquisa mais recente trata
das “Implicações da relação público-privada para a democratização da educação
na América Latina: Uruguai, Argentina, Venezuela, Chile, Bolívia e Brasil
Implicações da relação público-privada para a democratização da educação”.
E-mail: [email protected]

MARIA RAQUEL CAETANO Possui graduação e licenciatura em Pedagogia


com habilitação em Supervisão Escolar pelo Centro Universitário FEEVALE
(1988) e Mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (2002). .Doutora em Educação pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul(2013)na linha de Gestão e Politicas Educacionais.Pesquisa
as relações entre o público e o privado na educação e também a formação de
professores na educação básica e profissional. Professora do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia, atua no Campus Sapucaia do Sul. E-mail:
[email protected]

LISETE REGINA GOMES ARELARO é Pedagoga e Doutora em Educação e


professora Titular Sênior da Faculdade de Educação da USP. Foi professora e
diretora de escola nos ensinos fundamental e médio. Fez parte da equipe do
Prof. Paulo Freire na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
(1989/92) e foi Secretária de Educação, Cultura, Esporte e Lazer em
Diadema/SP 1993/96 e 2001/02), Diretora da Faculdade de Educação da
USP (2010/2014), Presidente do Fórum Nacional de Faculdades e Centros
de Educação Públicos (FORUMDIR - 2012/2014) e presidente da
Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação
(FINEDUCA - 2015/2017)., e pesquisadora na área de Política Educacional,
Planejamento e Avaliação Educacional, Financiamento da Educação
Básica e Educação Popular. E-mail: [email protected]
Recebido em setembro de 2018
Aprovado em fevereiro de 2019

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