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O Habeas Data Brasileiro e Sua Lei Regulamentadora: J C B M

Habeas data
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O habeas data brasileiro e sua lei

regulamentadora

JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA

SUMÁRIO

1. Os direitos humanos na Constituição de 1988.


2. Restrições de direito e de fato à proteção dos
direitos humanos. 3. O direito ao conhecimento e à
retificação de dados pessoais. 4. A garantia proces-
sual. 5. Sujeitos passivos. 6. O pré-requisito da
tentativa extrajudicial. 7. Procedimento da tentativa
extrajudicial. 8. A ação de habeas data. 9. Legitimação
ativa para a causa. 10. As espécies de pedido e a
estrutura do processo. 11. Procedimento. 12. Sentença.
13. Suspensão provisória do cumprimento da ordem.
14. Coisa julgada. 15. Competência: A) originária.
16. Competência: B) recursal.

1. Os direitos humanos
na Constituição de 1988
A Constituição brasileira de 5.10.1988 reser-
vou o Título II para o tratamento dos “direitos e
garantias fundamentais”. No respectivo Capítulo
I, cuida-se dos “direitos e deveres individuais e
coletivos”. Acusa a rubrica duas diferenças
interessantes em confronto com as partes
correspondentes das anteriores Cartas Políticas:
de um lado, junto da alusão a “direitos”, aparece
a menção a “deveres”; de outro, não se emprega
unicamente, como era da nossa tradição, o adje-
tivo “individuais”, acrescentando-se-lhe o “co-
letivos”. Ambas as diferenças revelam certa
evolução ideológica (talvez fosse melhor dizer
cultural), sobre cujo significado, em nossa
opinião profundo, não é este o momento pró-
prio para debruçar-nos.
Importa assinalar por ora que, no Capítulo I,
o dispositivo inicial (art. 5º) – após declarar, no
caput, que “todos são iguais perante a lei, sem
José Carlos Barbosa Moreira é Professor da distinção de qualquer natureza, garantindo-se
Faculdade de Direito da Universidade do Estado do aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
Rio de Janeiro e Presidente do Instituto Ibero- País a inviolabilidade do direito à vida, à liber-
Americano de Direito Processual. dade, à igualdade, à segurança e à propriedade” –
Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 89
se desdobra em numerosos incisos, dedicados Outra observação, não menos óbvia, diz
na maioria à especificação dos direitos assegu- respeito à distância que lamentavelmente se
rados e à indicação dos remédios utilizáveis interpõe entre o conjunto normativo e o quoti-
contra a respectiva violação. Aí se compre- diano concreto. Seria ocioso demorar-nos em
endem praticamente todas aquelas prerrogativas ilustrar com exemplos o reparo, cujo alcance, de
a que uma terminologia discutível do ponto de resto, provavelmente transcende quaisquer
vista doutrinário, mas já agora (e em definitivo) fronteiras nacionais. É pelo menos extremamente
internacionalmente consagrada, aplica a denomi- duvidoso que em algum Estado, de ontem ou de
nação de “direitos humanos”. Assim é que a hoje, o dia-a-dia da vida social haja refletido ou
Constituição alude, por exemplo, à liberdade de reflita com inteira fidelidade a imagem desenhada
manifestação do pensamento (inciso IV), à de nos textos de Cartas Políticas, no que tange – e
consciência e de crença, com o livre exercício não só nisso – à reverência para com os direitos
dos cultos religiosos (inciso VI), à expressão da humanos. Haverá, é claro, diferenças de grau
atividade intelectual, artística, científica e de no descompasso; todavia, será difícil, quiçá
comunicação (inciso IX), à inviolabilidade da impossível, apontar país qualificado, sem
intimidade, da vida privada, da honra e da ima- nenhuma hipocrisia, para atirar a primeira pedra.
gem das pessoas (inciso X), ao sigilo da corres- A perfeição, bem se sabe, decididamente não é
pondência e das comunicações telegráficas, de do mundo terreno.
dados e telefônicas (inciso XII), à liberdade de Esta segunda observação comporta um
locomoção (inciso XV), de associação para fins adendo, concernente à origem das violações dos
lícitos (inciso XVII), ao respeito da integridade chamados direitos humanos. Ao tratarem do
física e moral dos presos (inciso XLIX), à assunto, os meios de comunicação social, e por
necessária observância do devido processo
influência deles muitíssimas pessoas, têm em
legal (inciso LIV) e assim por diante.
vista exclusivamente, por assim dizer, os abu-
sos e violências perpetrados pelas polícias e
2. Restrições de direito e de fato à por outras entidades ligadas, direta ou indireta-
proteção dos direitos humanos mente, às estruturas oficiais. É uma tendência
que predomina até nas manifestações de quase
Duas observações cabem aqui. A primeira, todas as organizações internacionais que se
trivialíssima, é a de que nenhum dos direitos ocupam da matéria. Ela denota uma visão inde-
contemplados goza (nem pode gozar) de tutela vidamente restritiva e unilateral do fenômeno.
irrestrita e absoluta. Não se concebe, na vida da Sem minimizar a importância do aspecto comu-
sociedade, que direito algum seja compreendido mente posto em relevo, tudo aconselha a que
e exercitado como se não existissem outros que, não se despreze outro: em certas áreas e em
sob tais ou quais circunstâncias, sem determi- certos momentos, a atuação de grupos privados
nadas limitações e compressões, inevitavel-
mente com ele entrariam em choque. A interpre- pode assumir gravidade tão grande ou maior do
tação da Constituição rejeita contradições que que a de aparelhos estatais, como razão de
nulifiquem qualquer de seus preceitos. Mas, ameaça para a integridade dos mencionados
para preservar a todos o espaço devido, é direitos – a começar pelo mais elementar de
imprescindível levar em conta as interferências todos, o direito à vida. Basta pensar na expan-
que decorrem, para o exercício de cada qual, da são e no fortalecimento da criminalidade orga-
necessidade de preservar o dos restantes. O nizada, a multiplicar e a alargar, em regiões urba-
verdadeiro sistema constitucional de proteção nas e rurais, mormente no terceiro mundo, as
de direitos não é aquele que resulta, pura e sim- “zonas cinzentas”1, onde impera sem peias o
plesmente, da leitura isolada de um ou de outro arbítrio do chefe de quadrilha ou do mais bem
texto: reclama a ponderação atenta dos interes- armado traficante de drogas, autoinvestido de
ses em jogo e a prudente flexibilização de linhas 1
divisórias, para permitir o convívio tão harmo- A expressão zones grises (ou zones de non-
droit) vê-se empregada por autores franceses para
nioso quanto possível de valores igualmente designar as áreas em que o ordenamento oficial, sem
relevantes e ocasionalmente contrastantes. força para impor-se, é substituído, de facto, pela “lei
Basta atentar, v.g., nos conflitos que podem da selva”: vide, por exemplo, MINC. Le nouveau
surgir, e com freqüência surgem, entre a liber- moyen âge. Paris, 1993, que alude, v.g., à América do
dade de manifestação do pensamento e a Sul, “dont des régions entières sont sous la domination
obrigatória preservação da intimidade e da honra des rois du pavot, des empereurs de la cocaïne et
alheias. autres trafiquants” (p. 70).
90 Revista de Informação Legislativa
poderes para determinar o que se pode e o que avulta aqui é uma idéia mais particularizada,
se não pode fazer no território controlado, suscetível de expressão sintética nos seguintes
ordenar o fechamento de vias públicas e escolas, termos: a ninguém se deve negar o conheci-
ocupar a seu talante espaços “estratégicos”, mento do que outros sabem ou supõem saber a
reduzir ao silêncio, pela intimidação, os mora- seu respeito, nem a possibilidade de contestar a
dores vizinhos e justiçar sumariamente quaisquer exatidão de tais noções e, sendo o caso, retificar
suspeitos de desobediência. o respectivo teor, principalmente quando a uti-
lização dos elementos coligidos seja capaz de
causar dano material ou moral3. É a essa especí-
3. O direito ao conhecimento e à fica preocupação que corresponde, na Consti-
retificação de dados pessoais tuição de 1988, o instituto de que nos vamos
Sob regimes políticos de exceção, e muito ocupar4.
especialmente a partir do instante em que se
desencadeia o processo de retorno ao Estado
de direito, costuma aguçar-se a sensibilidade 4. A garantia processual
para este ou aquele problema relacionado com a O Capítulo “dos direitos e deveres indivi-
preservação de direitos. Episódios em curso ou duais e coletivos” não se limita, em nossa Carta
já encerrados, mas vivos na memória popular, Política, a definir posições jurídicas situadas no
põem em evidência dificuldades e carências que plano material: contempla igualmente uma série
até ali talvez não houvessem despertado maior de remédios processuais cujo emprego se des-
atenção. A humanidade aprende com a história: tina a assegurar praticamente, a um tempo, a
menos, com certeza, do que seria de desejar – integridade ou a reintegração dos direitos e o
mas aprende... cumprimento dos deveres ou a imposição de
No Brasil, durante os governos discricio- sanções a quem os descumpra. Algumas dessas
nários que se sucederam ao longo de duas déca- figuras já estavam incorporadas, desde época
das, razões bem fundadas fizeram surgir, ou mais ou menos recente, ao repertório tradicio-
aumentar, uma inquietação relativamente nova, nal do ordenamento pátrio. Assim, por exemplo,
ou quando menos revestida de nova forma. o habeas corpus – instrumento de proteção
Informações aleatoriamente colhidas, em fontes contra “violência ou coação”, atual ou iminente,
de discutível idoneidade e por meios escusos, à liberdade de locomoção, isto é, ao direito de ir
não raro manipuladas sem escrúpulos, ou e vir (art. 5º, LXVIII) – e o mandado de segu-
mesmo fabricadas pela paranóia de órgãos rança – cabível para proteger “direito líquido e
repressivos, viram-se incorporadas a registros certo” lesado ou ameaçado de lesão por ato
oficiais ou paraoficiais e passaram a fornecer ilegal ou abusivo de “autoridade pública ou
critérios de avaliação para a imposição de medi-
das punitivas ou discriminatórias. Tais critérios 3
Expressivamente fala FERREIRA FILHO, op.
eram insuscetíveis de objeção e discussão, até cit., p. 81, de “um direito à verdade a respeito de si
pelo simples e óbvio motivo de que os interes- próprio”.
sados não tinham acesso aos dados constantes 4
Nada do que ficou dito é incompatível com o
dos registros. Ninguém pode sequer tentar fato de que também em Estados de instituições
demonstrar a falsidade ou incorreção de algo democráticas mais longamente consolidadas haja o
que ignora em que consiste... Situação desse legislador sentido a conveniência ou a necessidade de
gênero foi literariamente imortalizada pela pena regular a matéria. Vide, por exemplo, na Alemanha, a
de Kafka. Bundesdatenschutzgesetz (Lei federal sobre proteção
de dados), de 27.1.1977; na França, a Lei nº 78-17, de
O problema tem ligação manifesta com o da 6.1.1978, “relative à l’informatique, aux fichiers et
preservação do direito à intimidade2: na coleta e aux libertés”; na Itália, a recente Lei nº 675, de
armazenamento indiscriminado de dados ati- 31.12.1996, sobre a “tutela delle persone e di altri
nentes a uma pessoa, à revelia dela e sem controle soggetti rispetto al trattamento dei dati personali”.
de sua parte, não há como deixar de ver uma Cf., em nível constitucional, as disposições do texto
invasão da privacidade. A rigor, porém, o que espanhol (arts. 18, nº 4, e 105, letra b) e do português
(arts. 26, nº 2, e 35). Outros dados comparatísticos
2
BASTOS, Celso Ribeiro. MARTINS, Ives em TUCCI, Rogério Lauria. TUCCI, José Rogério
Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. S. Cruz e. Constituição de 1988 e processo. S. Paulo,
Paulo, 1989. v. 2, p. 361; FERREIRA FILHO, 1989. p. 175 e segs.; e em GOZAÍNI, Osvaldo
Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Alfredo. Habeas data. Revista Peruana de Derecho
brasileira de 1988. S. Paulo, 1990. p. 82. Procesal, v. 1, p. 239 e segs.
Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 91
agente de pessoa jurídica no exercício de atri- regulamentação por lei ordinária, o inciso LXXII
buições do Poder Público” (art. 5º, LXIX) – são do art. 5º8; e, na falta de disciplina legal especí-
institutos consagrados de longa data em fica, utilizaram-se9 as normas referentes ao man-
sucessivos textos constitucionais brasileiros. dado de segurança no processamento e julga-
A esse rol vê-se agora acrescentado o mento dos habeas data (por sinal, escassos)
habeas data, por sugestão, ao que consta5, de impetrados. Seja como for, o fato é que, já com-
José Afonso da Silva. Parece dever-se ao ilustre pletado o nono aniversário da Carta de 1988,
professor da Universidade de São Paulo não só produziu o Congresso Nacional a Lei nº 9.507,
o acolhimento da matéria no bojo da Consti- de 12.11.1997, que, nos termos da ementa, “re-
tuição, senão também o nomen iuris dado ao gula o direito de acesso a informações e disci-
remédio processual, com inspiração em termi-
nologia usada na doutrina espanhola, em plina o rito processual do habeas data” – e na
sentido diverso mas correlato6. Eis o teor do qual, diga-se logo, vieram-se a chancelar, con-
dispositivo pertinente (art. 5º, LXXII): soante se frisará nos momentos oportunos,
“Conceder-se-á habeas data: a) para soluções anteriormente propostas em sede
assegurar o conhecimento de infor- doutrinária e, ao menos em parte, acolhidas pela
mações relativas à pessoa do impetrante, jurisprudência.
constantes de registros ou bancos de
dados de entidades governamentais ou
de caráter público; b) para a retificação 5. Sujeitos passivos
de dados, quando não se prefira fazê-lo
por processo sigiloso, judicial ou adminis- Uma das questões básicas que o legislador
trativo”. teve de enfrentar foi a de saber em face de quem
se asseguram o acesso aos dados armazenados
Antes de passarmos adiante, cabe assinalar e o direito à eventual retificação. Prende-se o
que, ao ver de alguns, não teria sido preciso problema à expressão “caráter público”, empre-
criar remédio processual novo para tutelar o gada na parte final do art. 5º, LXXII, alínea a, da
direito em foco. Consagrado que fosse este em Constituição, onde se fala em “registros ou
termos substanciais, a respectiva proteção em bancos de dados de entidades governamentais
juízo poderia utilizar, pura e simplesmente, a via ou de caráter público”. É fora de dúvida que a
já conhecida do mandado de segurança7. A
cláusula derradeira, sob pena de tornar-se supér-
experiência, de certo modo, abona esse pensa-
mento: com efeito, desde a entrada em vigor da flua e redundante, só pode aludir a entidades
Constituição, entendeu-se que era imediata- não-governamentais10.
mente aplicável, sem necessidade de aguardar-se Nessa linha, vários autores propuseram para
o texto entendimento amplo, que o fizesse
5
Há quem aponte antecedentes mais distantes: abranger, ao lado dos órgãos integrantes das
SIDOU, Othon. Habeas data, mandado de injunção, estruturas estatais, essas outras entidades sus-
habeas corpus, mandado de segurança, ação cetíveis de enquadrarem-se na locução final. As
popular : as garantias ativas dos direitos coletivos.
4. ed. Rio de Janeiro, 1992, refere-se à “Proposta de 8
V.g.: BASTOS, op. cit., p. 365-6, com apoio em
Constituição Democrática para o Brasil”, resultante parecer normativo do então Consultor-Geral da
do Congresso Pontes de Miranda, Porto Alegre, 1981, República Saulo Ramos, Diário Oficial, p. 19.804 e
e à Lei estadual nº 842, de 28.12.1984, do Rio de segs., especialmente 19.810-12, 11 out.1988. Seção
Janeiro. 1; CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 770; PACHECO,
6
Veja-se o que informa o jurista mesmo, no artigo José da Silva. O mandado de segurança e outras
Habeas data, em O São Paulo de 26.9/2.10.1986, e ações constitucionais típicas. 2. ed. S. Paulo, 1991. p.
no Curso de Direito Constitucional positivo, 14. ed. 279-80.
S. Paulo, 1997. p. 431. 9
Conforme sugerira, de resto, o próprio José
7
Assim, v.g. TUCCI, CRUZ E TUCCI, op. cit., Afonso da Silva, H. d., nota 6.
p. 171-2; FERREIRA FILHO, op. cit., p. 81; 10
Com razão Calmon de Passos, Mandado de
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Consti- segurança coletivo – Mandado de injunção – Habeas
tuição brasileira de 1988. 2. ed. Rio de Janeiro, 1991. data, Rio de Janeiro, 1989. p. 140-1; SIDOU, op.
v. 2, p. 773-4; SIDOU, op. cit., p. 431. No dizer de cit., p. 437; SILVA, C. D. C. p. 453. Inaceitável a
Luís Roberto Barroso, O Direito Constitucional e a opinião que pretendeu excluir da área de proteção do
efetividade de suas normas. 2. ed. Rio de Janeiro, habeas data, pura e simplesmente, as entidades
1993. p. 217, a valia do remédio “é, no fundo, essen- privadas: assim Vicente Greco Filho, Tutela constitu-
cialmente simbólica”. cional das liberdades. S. Paulo, 1989. p. 177.
92 Revista de Informação Legislativa
fórmulas, compreensivelmente, variaram. Houve 6. O pré-requisito da
quem conceituasse “entidade de caráter públi- tentativa extrajudicial
co” como “aquela que possui registros de
assentamentos pessoais e os fornece a terceiros, Outra questão relevante consiste em saber
isto é, não os detém para seu uso exclusivo, se deve ou não exigir-se, como pressuposto de
com vistas a definir suas opções e tomar admissibilidade da ação de habeas data, que
decisões”11; quem se referisse às “pessoas pri- aquele que pretende inteirar-se do conteúdo do
vadas que prestem serviços públicos ou de uti- registro ou banco de dados se dirija, antes de
lidade pública, ou prestem serviços ao público”12; mais nada, à própria entidade que o mantém.
quem, de maneira mais sintética, fizesse residir a Afirmativa que seja a resposta, parece lógico
marca do “caráter público” na mera circunstân- que unicamente se abra a via judicial na hipótese
cia de poder a entidade, “através de registros de recusa ao acesso ou à retificação cabível.
públicos ou banco de dados, fornecer infor- O ponto foi objeto de controvérsia no
mações sobre a pessoa”13. período anterior à Lei nº 9.507. Parte da doutrina
O legislador, com acerto, deixou-se guiar por considerou dispensável a provocação prévia da
semelhante orientação. Nos termos do parágrafo entidade supostamente depositária da infor-
único do art. 1º, mação15. A jurisprudência, entretanto, inclinou-
se para a tese contrária16. Não configurada a
“considera-se de caráter público todo resistência da entidade, faltaria ao impetrante
registro ou banco de dados contendo interesse processual.
informações que sejam ou possam ser Optou o legislador pela solução restritiva.
transmitidas a terceiros ou que não sejam Com efeito: antes de disciplinar o processo do
de uso privativo do órgão ou entidade habeas data, cuida a Lei nº 9.507, nos arts. 2º a
produtora ou depositária das infor- 4º, do requerimento a ser feito pelo interessado
mações”. “ao órgão ou entidade depositária do registro
A idéia essencial, como se vê, é a da comu- ou banco de dados”; e, ao tratar da petição ini-
nicabilidade a terceiros: se a entidade se cinge a cial da ação, no art. 8º, preceitua que ela seja
coligir e armazenar os dados para seu próprio e instruída com prova da recusa em atender a tal
exclusivo uso, não infringirá a Constituição caso 15
negue à pessoa de quem se trata o acesso ao Nesse sentido, BASTOS, op. cit., p. 365;
enfaticamente, SIDOU, op. cit., p. 440-2 (admitindo
conteúdo dos registros ou bancos. Note-se, embora que a lei regulamentadora viesse a formular a
porém, que a lei não reclama a transmissão atual: exigência – o que em todo caso, ao ver do autor, desvir-
contenta-se com a possibilidade dela. Isso reduz tuaria o instituto “enquanto garantia constitucional
consideravelmente a área excluída da proteção, célere”). Aliter Célio Borja, O mandado de injunção e
na qual só acharão espaço as situações em que o habeas data. Revista Forense, v. 306, p. 47, o qual,
fique clara a impossibilidade da comunicação a todavia, se contentava com a “negativa (...) tácita do
terceiros pela entidade depositária das infor- fornecimento da informação” – e, ajunte-se, levava
mações. em conta exclusivamente o caso de registros ou bancos
de dados mantidos pela Administração Pública. Igual
Exemplos típicos de entidades “de caráter limitação compreende-se (vide, supra, a nota 9) em
público” são os serviços de proteção ao crédito, GRECO FILHO, op. cit., p. 177, que porém chegava
cujos registros naturalmente se destinam à à conclusão oposta: “A impetração não depende de
orientação dos respectivos usuários. Já assim prévio pedido administrativo”.
16
se ensinava antes mesmo do advento da Lei nº Assim, v.g., o extinto Tribunal Federal de
Recursos. H.D. nº 7. 16 de março de 1989. Diário da
9.50714. Justiça, 15 de maio de 1989; Tribunal Regional
11
PASSOS, op. cit., p. 141. Federal. 5ª Região. A.C. nº 94.05.57164. 6 de outubro
12 de 1994. A Constituição na visão dos tribunais. S.
BARROSO, op. cit., p. 218. Paulo, 1997. v. 1, p. 168; Superior Tribunal de
13
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Justiça. Súmula da Jurisprudência Predominante, nº
Direito Processual Civil. 4. ed. S. Paulo, 1996. v. 3, 2. Em igual sentido já decidiu o Supremo Tribunal
p. 208. Federal. Rec. de H.D. nº 22. 19 de setembro de 1991.
14
V.g.: CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 774; Diário da Justiça, p. 27.378, 1º set. 1995. Preconiza-
PASSOS, op. cit., p. 141; BARROSO, op. cit., p. va essa orientação, em sede doutrinária, CRETELLA
218; SILVA, C. D. C. p. 433; ACKEL FILHO, JÚNIOR, op. cit., p. 772-3, o qual formulava o voto
Diomar. Writs constitucionais. S. Paulo, 1988. p. (atendido) de que viesse a esposá-la a “futura norma
124. regulamentadora”.
Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 93
requerimento, sob pena de – com a ressalva que Deferido o requerimento de acesso ao regis-
adiante se fará (infra, nº 10) – indeferi-la o juiz tro ou banco de dados, o depositário “marcará
in limine (art. 10, caput). É certo que não se dia e hora para que o requerente tome conheci-
exige manifestação expressa do órgão ou mento das informações” (art. 3º, caput). Então,
entidade: basta ao impetrante provar que se uma de duas: ou estas se afiguram exatas, ou
escoou o prazo legal sem decisão sobre o não. No primeiro caso, tollitur quaestio; no
requerimento, o que caracterizará recusa tácita. segundo, “o interessado, em petição acompa-
nhada de documentos comprobatórios, poderá
requerer sua retificação” (art. 4º, caput). Fazen-
7. Procedimento do-a, no decêndio seguinte à entrega do reque-
da tentativa extrajudicial rimento, a entidade ou órgão disso dará ciência
Convém descrever sumariamente o procedi- ao interessado (art. 4º, § 1º). Concebe-se que
mento dessa medida extrajudicial arvorada pelo este, embora não descubra propriamente inexa-
tidão, queira fazer constar do registro ou do
legislador em pré-requisito da admissibilidade
banco de dados “explicação ou contestação” a
da ação de habeas data. De acordo com o art. 2º respeito, “justificando possível pendência
e seu parágrafo único da Lei nº 9.507, uma vez sobre o fato objeto do dado”. Em tal hipótese, a
apresentado o requerimento, deve o órgão ou explicação “será anotada no cadastro do interes-
entidade destinatária deferi-lo ou indeferi-lo no sado” (art. 4º, § 2º).
prazo de 48 horas e comunicar a decisão ao
requerente em 24 horas (nas 24 horas subse- A recusa da entidade ou órgão depositário,
qüentes, entende-se). O contexto mostra que, em qualquer caso – indeferindo o requerimento
em princípio, o escopo desse requerimento é o de acesso ao registro ou banco de dados, ou
acesso do interessado ao conteúdo do registro rejeitando o pedido de retificação, ou ainda
ou banco de dados. Bem se compreende, aliás, negando-se a inserir a “explicação ou con-
que normalmente não possa ele, até então, testação” –, justifica o exercício, pelo interes-
requerer outra coisa, por ignorar o que consta sado, da ação de habeas data.
ali. Se, contudo, em hipótese especial, o interes-
sado já tiver ciência daquele conteúdo (por 8. A ação de habeas data
exemplo, mediante certidão que lhe haja sido
expedida pela repartição administrativa), afigu- De tal remédio judicial tratam os arts. 7º e
ra-se evidente a possibilidade, que desde logo segs. da Lei nº 9.507. O primeiro dispositivo
se lhe abre, de requerer diretamente a retificação enumera, em três incisos, os casos de cabimento,
a seu ver cabível. correspondentes às três hipóteses de recusa,
acima discriminadas, da entidade ou órgão
No comum dos casos, repita-se, pedirá o depositário. Pode exercitar-se a ação de habeas
requerente que se lhe exibam os elementos cons- data com o fito de compelir o impetrado a dar
tantes do registro ou do banco de dados. É para conhecimento ao impetrante de informações a
a decisão sobre esse pedido que o art. 2º, fine, este relativas (inciso I), a retificar os dados inexa-
marca o prazo de 48 horas. Não diz a lei, porém, tos (inciso II) ou a fazer a anotação pleiteada
que conseqüência acarreta a inobservância de nos respectivos assentamentos (inciso III).
tal prazo, nem a do prazo de 24 horas fixado para
a comunicação da decisão ao requerente. Note- Esse texto conjuga-se com o do art. 8º,
se que, para caracterizar a recusa tácita, e por parágrafo único, também desdobrado em três
conseguinte abrir a via judicial ao interessado, incisos, que impõem ao impetrante instruir a
é mister que decorram “mais de dez dias sem petição inicial com a prova da recusa expressa
decisão” (art. 8º, parágrafo único, I). O art. 6º do ou tácita da entidade ou órgão a atender ao
texto aprovado pelo Congresso Nacional comi- requerimento de acesso (inciso I), ou de retifi-
nava multa para “o descumprimento do disposto cação (inciso II), ou de anotação (inciso III).
nos artigos anteriores”, entre os quais certa- Caracteriza recusa tácita o decurso, sem decisão,
mente se incluía o art. 2º; mas semelhante de “mais de dez dias” no primeiro caso, e de
dispositivo veio a ser vetado pelo Presidente “mais de quinze dias”, nos outros dois.
da República17. Observe-se que a Lei nº 9.507 ampliou em
certa medida o âmbito do remédio previsto no
17
Vide o Diário Oficial, p. 26.158, 13 nov. 1997. art. 5º, LXXII, da Constituição da República. Só
Seção 1. se refere esse dispositivo ao “conhecimento de
94 Revista de Informação Legislativa
informações” (alínea a) e à “retificação de a palavra “pessoa” como adstrita a indicar
dados” (alínea b). O legislador ordinário aditou características somáticas ou psíquicas, físicas
uma terceira possibilidade: a da anotação, nos ou espirituais do interessado: pode tratar-se
assentamentos da entidade ou órgão, da “con- igualmente de sua situação patrimonial, de sua
testação ou explicação” do interessado. Por via condição jurídica, de sua participação em
indireta, alargou a franquia constitucionalmente sociedades ou associações, de sua filiação (atual
deferida: não se reconhece apenas um direito ou pretérita) a entidades políticas, a clubes, a
ao conhecimento de dados ou à retificação dos agremiações de qualquer natureza, e assim por
inexatos, mas também à anotação de contes- diante20. Em suma: não se compreende apenas
tações ou explicações. Sublinhe-se que anotar aquilo que distingue o impetrante, em sua singu-
contestação ou explicação não é o mesmo que laridade ontológica, de todos os outros indi-
retificar dado constante do banco ou registro: víduos da espécie, mas também os mais variados
na retificação, modifica-se (ou, eventualmente, aspectos de sua vida de relação na sociedade.
cancela-se)18 algo; na anotação, acrescenta-se
algo ao que consta do banco ou registro. Nada importa que se cogite de pessoa física
A ampliação não merece censura do ponto ou jurídica21: o texto constitucional não dis-
de vista constitucional: o que a lei ordinária não tingue, e com referência ao mandado de
poderia fazer é estreitar, diminuir, restringir o segurança foi sempre esse o entendimento domi-
campo de atuação do habeas data, delimitado nante. Ademais, não obstante a letra à primeira
na Carta Política. De resto, apesar da diferença
ontológica, se o remédio se presta à consecução 180; PASSOS, op. cit., p. 144-5 (onde se repele até,
expressamente, a possibilidade da substituição pro-
de providência mais intensa (retificação de cessual do interessado por sindicato ou entidade de
dados), é razoável admitir, a fortiori, que se classe, bem como a sucessão na pendência do feito);
preste à de providência menos intensa (simples SANTOS, op. cit., p. 208; GRECO FILHO, op. cit.,
anotação de explicações fornecidas pelo reque- p. 176; ACKEL FILHO, op. cit., p. 121 (o qual,
rente, sem alteração dos assentamentos exis- todavia, abre exceção para o herdeiro legítimo e o
tentes). cônjuge supérstite no que tange a dados concernentes
à pessoa falecida); menos categórico, BARROSO,
op. cit., p. 218. Mais flexível que a predominante é a
9. Legitimação ativa para a causa posição de SIDOU, op. cit., p. 436, para quem as
informações pretendidas não se restringem neces-
Importa precisar quem se habilita a pleitear sariamente “ao indivíduo uti singuli”, senão que podem
o conhecimento e, eventualmente, a retificação abranger “as demais pessoas sob sua dependência
(ou complementação) dos dados constantes de familiar”; registre-se, aliás, que também SILVA, op.
registros ou bancos. É o problema que, na lin- cit., p. 282, inclui entre as informações pessoais “as
guagem científica do processo, designa-se pela dos familiares”. Vide, na jurisprudência: recusando
legitimidade a sindicatos, TRF. 1ª Região. RHD nº
expressão “legitimação ativa para a causa”. 0117170. 3 de setembro de 1990. DJ, p. 22.052, 24
O art. 5º do texto constitucional ministra um set. 1990, e TRF. 4ª Região. 28 de junho de 1991,
primeiro dado relevante, quando, na alínea a do AHD nº 0409595. DJ, p. 19.494, 21 ago. 1991; afir-
inciso LXXII, alude a “informações relativas à mando o caráter personalíssimo da garantia e exclu-
pessoa do impetrante”. Daí se tira imediatamente indo a possibilidade de seu exercício por substituto
que não é lícito a quem quer que seja utilizar o processual ou por ação coletiva, TRF. 4ª Região. HD
habeas data para obter informações (menos nº 0409112. 15 de agosto de 1991. DJ, p. 21.820, 11
set. 1991; negando a legitimação de parente de pessoa
ainda para tentar retificá-las) que digam respeito desaparecida, TRF. 1ª Região. Apel. em MS nº
a outrem19. Entretanto, não se há de interpretar 0102148. 25 de outubro de 1994. DJ, p. 67.984, 24
18 nov. 1994.
BASTOS, op. cit., p. 364, já sustentava, à 20
vista do texto constitucional, que a locução “retifi- Mais restritiva a opinião de PACHECO, op.
cação de dados” devia “ser entendida amplamente cit., p. 278.
para incluir a própria supressão quando se tratar de 21
Contra a segunda possibilidade, sem funda-
informações pertinentes à vida íntima da pessoa”. mentação convincente: BASTOS, op. cit., p. 363.
19
Afirma SILVA, C. D. C. p. 432, que “o direito Corretamente, MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado
de conhecer e retificar os dados, assim como o de de segurança : ação popular, ação civil pública, man-
interpor o habeas data para fazer valer esse direito dado de injunção, habeas data. 17. ed. atual. por
quando não espontaneamente prestado, é persona- Arnoldo Wald. S. Paulo, 1996. p. 186; na jurispru-
líssimo do titular dos dados” (grifos do autor). Em dência, TRF. 2ª Região. Apel. Cív. nº 0218225. 8 de
igual sentido: TUCCI, CRUZ E TUCCI, op. cit., p. novembro de 1995. DJ, p. 3.224, 30 jan. 1996.
Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 95
vista limitativa do art. 5º, caput (verbis “aos tomar ciência deles e mais, sendo o caso, pro-
brasileiros e aos estrangeiros residentes no mover-lhes a retificação (ou, ajunte-se, fazer
País”), a melhor interpretação, ao nosso ver, é a inserir sua “explicação ou contestação”)? Antes
que estende a franquia inclusive aos estran- da Lei nº 9.507, sustentava doutrina autoriza-
geiros não residentes. Já sob regimes constitu- da24 que um único e mesmo processo bastaria
cionais anteriores, negava a doutrina mais para perseguir ambas as finalidades. Do ponto
autorizada que ficassem tais estrangeiros total- de vista procedimental, dois caminhos seriam
mente a descoberto da proteção assegurada por viáveis: ou (a) impor-se ao impetrante pleitear,
esse tipo de garantias22; e não é outro, hoje, o ab initio e desde logo, o acesso aos dados e, se
ensinamento mais prestigioso23. inexatos ou incompletos, a retificação ou ano-
tação cabível; ou então (b) abrir-se-lhe, após a
10. As espécies de pedido exibição dos assentamentos, nova oportunidade
e a estrutura do processo para, querendo, pedir a retificação ou anotação.
A preferência pelo segundo caminho implicaria
Consoante se explicou (supra, nº 7), ao desdobramento do processo judicial em duas
dispor sobre o procedimento prévio perante a fases, à semelhança do previsto nos arts. 3º e 4º
entidade ou órgão depositário das informações, do diploma regulamentador, quanto ao proce-
contemplou a Lei nº 9.507, em termos expres- dimento da tentativa prévia de solução extraju-
sos, a possibilidade do respectivo desdobra- dicial.
mento em duas fases: uma destinada a dar a
conhecer ao requerente o teor dos dados cons- O assunto não recebeu do legislador ordi-
tantes do registro ou banco (art. 3º); outra, even- nário a devida atenção. Suponhamos que o juiz,
tual, em que se tratará da retificação dos dados dando pela procedência do pedido de acesso
porventura inexatos, ou da anotação de “expli- aos dados, marque dia e hora para a respectiva
cação ou contestação” fornecida pelo interes- apresentação e, cumprida a ordem, venha o impe-
sado (art. 4º, caput, e § 2º). Ressalvou-se, então, trante a verificar a existência de inexatidões até
a hipótese de já ter o requerente ciência do teor ali ignoradas. Não esclarece a lei como se há de
dos assentamentos, e por isso interessar-lhe acudir a tal emergência. Seria manifesto des-
exclusivamente a retificação e/ou a anotação – propósito atribuir ao interessado o ônus de
caso em que, como é intuitivo, nada mais impetrar novo habeas data, para pedir, dessa
precisará requerer que uma dessas últimas vez, a retificação e/ou a anotação. Por outro lado,
providências, ou ambas. nem sempre lhe será fácil, ou sequer possível,
Na disciplina do processo judicial, não se demandar desde o começo a exibição e a retifi-
enxerga a previsão de desdobramento análogo. cação ou anotação: o conhecimento do teor dos
O art. 13, atinente à sentença que julga proce- dados, em regra, constituirá pressuposto
dente o pedido, cuida em separado de duas hipó- necessário do interesse na alteração ou no adita-
teses, ordenando ao juiz marcar dia e hora para mento (supra, nº 7). Nada no texto legal autoriza
que o impetrado “apresente ao impetrante as a ilação de que o impetrante precise, na inicial,
informações a seu respeito” (inciso I) ou (atente- cumular os pedidos: ele fica livre, sem dúvida,
se na conjunção alternativa) “apresente em juízo de cumulá-los, se quiser e puder; é o máximo
a prova da retificação ou da anotação feita nos que cabe dizer.
assentamentos do impetrante” (inciso II; melhor Subsiste, pois, o problema: como proceder,
seria dizer: “nos assentamentos relativos ao na hipótese de, julgado procedente o pedido de
impetrante”). O legislador, tem-se a impressão, acesso aos dados, e exibidos estes, parecer ao
pressupôs que a este por força interessará,
alternativamente, uma de duas providências: o impetrante necessário que se retifiquem, ou que
acesso aos dados ou então a retificação ou se insira nos assentamentos “explicação ou
anotação. contestação”? Não vemos outra saída senão o
prosseguimento do processo, para esse outro
Quid iuris, no entanto, se o interessado, fim, com repetição das providências destinadas
ignorante do teor dos assentamentos, quiser a assegurar o contraditório sobre o novo thema
22
decidendum (art. 9º; vide, infra, o nº 11). Há
V.g., MIRANDA, Pontes de. Comentários à desvantagens óbvias, entre elas a de gerar a
Constituição de 1967. São Paulo, 1967. v. 4, p. 700. possibilidade de duas sentenças, à feição do
23
Assim: FERREIRA, Pinto. Comentários à que ocorre no processo da ação de prestação
Constituição brasileira. S. Paulo, 1989.v. 1, p. 59;
24
BASTOS, op. cit., p. 4. Vide, por todos, SILVA, C. D. C. p. 432-3.
96 Revista de Informação Legislativa
de contas (ex. art. 915 do Código de Processo Sujeita-se a petição inicial, como a de
Civil); mas não nos ocorre alternativa melhor25. qualquer ação, ao controle liminar do juiz, que a
indeferirá “quando não for o caso de habeas
11. Procedimento data, ou se lhe faltar algum dos requisitos pre-
vistos” (art. 10, caput). Não deve o órgão judi-
O procedimento estabelecido pelos arts. 8º cial, entretanto, indeferir a inicial sem antes
e segs. da Lei nº 9.507 segue, em linhas gerais, o conceder ao impetrante o prazo de dez dias, para
padrão do mandado de segurança, tal como suprir deficiências ou corrigir outros defeitos
configurado na Lei nº 1.533, de 31.12.1951. sanáveis (Código de Processo Civil, art. 284).
Somando-se à patente afinidade entre os dois Nos termos do art. 10, caput, “do despacho de
institutos, isso autoriza a fácil inferência de que, indeferimento caberá recurso previsto no art.
em princípio, as lacunas do novo diploma legal 15” (a publicação oficial omitiu, à evidência, o
devem ser complanadas mediante aplicação artigo “o” antes de “recurso”). Infeliz a redação:
analógica das disposições do anterior. Natural- chama “despacho” a ato que, pondo fim ao
mente, não se exclui – do mesmo modo que no processo no nascedouro, a observar-se a termi-
mandado de segurança – a aplicabilidade subsi- nologia do Código (art. 162, § 1º), sem dúvida
diária das regras comuns, contidas no Código constitui “sentença”, tanto quanto a decisão
de Processo Civil, em tudo que não tiver disci- concessiva ou denegatória do habeas data, de
plina específica na Lei nº 9.507 e for compatível que fala o art. 15.
com sua sistemática.
Deferida que seja a petição, ab initio ou após
Da escolha do modelo decorre a simplicidade a emenda ou complementação tempestiva, “o
e (espera-se) a celeridade do rito. A petição ini- juiz ordenará que se notifique o coator do con-
cial, que preencherá os requisitos habituais (arts. teúdo da petição, entregando-lhe a segunda via
282 e 283 do Código de Processo Civil), será apresentada pelo impetrante, com as cópias dos
apresentada em duas vias, e os documentos que documentos, a fim de que, no prazo de dez dias,
instruírem a primeira serão reproduzidos por preste as informações que julgar necessárias”
cópia junta à segunda (art. 8º, caput). Entre os (art. 9º). “Feita a notificação, o serventuário em
documentos indispensáveis, como já se disse cujo cartório corra o feito juntará aos autos cópia
(supra, nº 6), figura – conforme a hipótese – a autêntica do ofício endereçado ao coator, bem
prova da recusa expressa do impetrado ao acesso como a prova da sua entrega a este ou da recusa,
às informações, à retificação, à anotação, ou a seja de recebê-lo, seja de dar recibo” (art. 11).
prova do decurso in albis do prazo legalmente
marcado (recusa tácita) (art. 8º, incisos I a III). dido favoravelmente ao impetrante o pedido de infor-
mações (o único até então formulado, ao que tudo faz
25
Em trabalho anterior à Lei nº 9.507, escrevia crer) e até já “prestadas” aquelas, conforme assinala
PASSOS, op. cit., p. 153: “(...) no particular do habeas o próprio autor. Tampouco soa compreensível a
data para retificação, a única peculiaridade que alusão ao “reflexo do habeas data retificador sobre o
vislumbramos é a da possibilidade de seu ajuizamento conteúdo da decisão no habeas data ajuizado para
conexo ao habeas data impetrado para obter as infor- obter as informações”. O contrário é que se nos afi-
mações. Segundo já esclarecido, prestadas as infor- gura verdadeiro: cabe à decisão sobre o pedido de
mações pelo impetrado, pode o impetrante discordar informações a prioridade lógica sobre a outra; antes
delas, pedindo sua retificação (aditamento, eliminação, de mais nada se decide se o impetrante tem o direito
correção do que nelas consta etc.), e isso em verdade de acesso aos dados, depois se examinam as possíveis
não é mais do que o habeas data da alínea b, embutido objeções à respectiva exatidão. Acrescente-se que a
no processo relativo à hipótese da alínea a, possível segunda decisão não fica condicionada à primeira em
pela conexão, que reclama simultâneo processamento seu conteúdo, senão em sua existência mesma:
e julgamento, dado o reflexo do habeas data retificador rejeitado o pedido de informações, nem sequer se vai
sobre o conteúdo da decisão no habeas data ajuizado adiante; acolhido, passa-se ao resto, sem que fique
para obter as informações”. O primeiro período trans- em absoluto predeterminado o sentido em que se
crito sugere a idéia de cumulação originária dos pedi- julgará a pretensão à retificação (o impetrante pode
dos – em nossa opinião, como ficou dito no texto, ter razão em querer conhecer os dados e não a ter em
viável, mas pouco provável. Quanto à eventualidade querer retificá-los). A questão primeiramente deci-
da discordância do impetrante com o teor dos assen- dida caracteriza-se como preliminar, não como preju-
tamentos exibidos, parece difícil, para dizer o menos, dicial, da outra (sobre a distinção entre os conceitos,
o cogitado “simultâneo processamento e julgamento”. vide MOREIRA, Barbosa. Comentários ao Código
Com efeito: a discussão acerca da retificação – e, a de Processo Civil. 6. ed. Rio de Janeiro, 1993. v. 1, p.
fortiori, a respectiva decisão – pressupõem já deci- 599-600).
Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 97
Ao cabo do decêndio fixado no art. 9º, haja sido A omissão voluntária e injustificada em cumprir
apresentada ou não a resposta (que a lei a ordem pode configurar crime de desobediência
denomina “informações”), encaminham-se os por parte do agente responsável (Código Penal,
autos ao Ministério Público, para que emita pare- art. 330). Não fica afastada a imposição de multa
cer em 5 dias, e em seguida ao juiz, para que diária ao impetrado, com base no art. 461, § 4º,
decida, também num qüinqüídio (art. 12). do Código de Processo Civil: induvidosa, ao
nosso ver, a analogia, pois aqui também se cogita
de ação cujo objeto é o cumprimento de
12. Sentença obrigação (lato sensu) de fazer.
A sentença, concessiva ou denegatória do
habeas data em primeiro grau de jurisdição, é
impugnável por apelação (art. 15, caput, aliás 13. Suspensão provisória
supérfluo: no silêncio da lei, incidiria de qualquer do cumprimento da ordem
jeito o art. 513 do Código de Processo Civil). Há
uma peculiaridade: no caso de acolhimento do No tocante ao mandado de segurança,
pedido, o recurso é desprovido de efeito sus- inovação introduzida pela Lei nº 4.348, de
pensivo – ou, consoante preferiu dizer o legis- 26.6.1964, abriu à pessoa jurídica de direito públi-
lador, “terá efeito meramente devolutivo” (art. co interessada a faculdade de requerer ao presi-
15, parágrafo único). Significa isso que o impe- dente do tribunal competente para julgar o
trado deve cumprir a sentença incontinenti, tão recurso a suspensão provisória da “execução”
logo lhe seja comunicado o respectivo teor, “por da ordem favorável ao impetrante, por hipótese
correio [passe o cacófato!], com aviso de rece- concedida quer in limine litis, quer na sentença.
bimento, ou por telegrama, radiograma ou tele- Talvez haja, com efeito, ponderáveis razões de
fonema, conforme o impetrante o requerer” (art. interesse público a desaconselhar o cumpri-
14, caput), exigido o reconhecimento da firma mento imediato, visto como causador de dano
do juiz nos originais apresentados à agência irreparável ou de difícil reparação, a mostrar-se
expedidora, no caso de transmissão telegráfica, afinal injusto se porventura provido o recurso e
radiofônica ou telefônica (art. 14, parágrafo denegada a segurança na instância superior.
único). Tomou-se a louvável cautela de restringir
Diversamente do que se dá com o mandado expressamente a possibilidade da suspensão
de segurança, ex vi do art. 12, parágrafo único, aos casos em que necessária para “evitar grave
da Lei nº 1.533, não existe, para o habeas data, lesão à ordem, à saúde, à segurança e à econo-
determinação legal de que a sentença conces- mia públicas”. Tal disposição seria reproduzida,
siva da medida fique obrigatoriamente sujeita à no que tange à concessão in limine litis, na
revisão em segundo grau de jurisdição; mas, se disciplina da chamada ação civil pública, exer-
o impetrado vencido for órgão da União, do citável para promover a responsabilidade por
Estado ou do Município, será de rigor o reexa- danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens
me, por aplicação subsidiária da regra do art. e direitos de valor artístico, estético, histórico,
475, II, do Código de Processo Civil. turístico e paisagístico, a qualquer outro interes-
Isso não obsta, convém ressaltar, a que o se difuso ou coletivo, e ainda por infração da
órgão tenha de cumprir desde logo a sentença. ordem econômica (Lei nº 7.347, de 24.7.1985, art.
Parece impróprio falar em “execução”, no senti- 1º). O requisito da “grave lesão à ordem, à saúde,
do técnico: não há, a rigor, condenação cujo
descumprimento dê ensejo à instauração de procedência – seria mandamental na hipótese da letra
processo executivo. Julgado procedente o pe- a do dispositivo constitucional (direito ao conheci-
dido, o órgão judicial emite uma ordem dirigida mento dos dados), mas constitutiva na da letra b
(direito à retificação), porque neste segundo caso se
ao coator, para que, no dia e hora fixados, apre- pleiteia “a modificação do mundo jurídico”. O argu-
sente as informações requeridas ou a prova da mento seria convincente se a sentença concessiva,
retificação ou anotação (art. 13; cf., supra, o nº por virtude própria, lograsse concretizar a modifi-
9). À luz da classificação adotada por parte cação, pô-la em ato, como fazem as verdadeiras sen-
expressiva da doutrina brasileira, estamos aqui tenças constitutivas (de anulação de casamento ou
diante de sentença tipicamente mandamental26. testamento, de divórcio etc.). Aqui, é outra coisa que
sucede: tal qual na hipótese da letra a, o juiz (rectius:
26
Cf. PACHECO, op. cit., p. 273. GRECO a sentença) não modifica por si assentamento algum:
FILHO, op. cit., p. 175, distingue: a ação de habeas ordena, isso sim, que o impetrado proceda à modifi-
data – e, por conseguinte, entende-se, a sentença de cação.
98 Revista de Informação Legislativa
à segurança e à economia públicas” aparece Impende ajuntar que a decisão do presidente
igualmente no art. 4º, caput, da Lei nº 8.437, de do tribunal comporta impugnação por meio de
30.6.1992, o qual dispõe sobre a suspensão de agravo para o próprio tribunal (art. 16, fine).
liminares concedidas contra atos do Poder
Público ou seus agentes; aí se acrescenta a
exigência de ser o caso “de manifesto interesse 14. Coisa julgada
público ou de flagrante ilegitimidade”. De acordo com o art. 18 da Lei nº 9.507, “o
Afigurou-se ao legislador que emergências pedido de habeas data poderá ser renovado se
do mesmo tipo seriam concebíveis no habeas a decisão denegatória não lhe houver aprecia-
data. E realmente se imagina com facilidade que do o mérito”. Aqui se depara, igualmente,
a infundada concessão da medida por erro do disposição mutuada da Lei nº 1.533 (art. 16), rela-
juiz venha a ser cassada em grau de recurso, sem tiva ao mandado de segurança. A esse respeito,
que se torne possível, a essa altura, restaurar o superadas incertezas iniciais, a jurisprudência
primitivo estado de coisas. Uma retificação de do Supremo Tribunal Federal veio a firmar-se
assentamentos é, em princípio, suscetível de ser no sentido de que, se denegada a segurança
desfeita, mas não haverá como desfazer a reve- por entender-se inexistente o direito alegado
lação ao impetrante de dado constante de registro pelo impetrante, a decisão é suscetível de
ou banco: aí, quod factum est infieri nequit. Com- produzir coisa julgada material, a impedir
qualquer nova apreciação judicial da lide28.
preende-se, por conseguinte, que também a Lei
nº 9.507 haja tratado de consagrar, no art. 16, É o entendimento que sem dúvida preva-
mecanismo semelhante ao descrito acima. lecerá quanto ao habeas data. Suponhamos, por
Ao fazê-lo, porém, desprezou o cuidado de exemplo, que alguém pleiteie, por essa via, a
indicar as hipóteses que legitimam a suspen- retificação de dado constante de registro ou
são, afastando-se do modelo inspirador. Lido à banco, mas o juiz, examinando a matéria, não
pressa, o art. 16 da Lei nº 9.507 sugere que se descubra a suposta inexatidão. A sentença dene-
pode requerer a providência em qualquer caso, gará a ordem, declarando que o assentamento é
exato e, portanto, o impetrante não tem o direito
exista ou não exista relevante interesse público de vê-lo modificado. Inexiste motivo para
em jogo. E, ao contrário dos outros diplomas recusar a tal sentença a aptidão para revestir-se
mencionados, nem sequer se impõe ao presi- da auctoritas rei iudicatae no sentido mate-
dente do tribunal que fundamente a decisão rial29. É essa autoridade, e não qualquer aliud,
suspensiva. É verdade que, a partir da entrada que impedirá o órgão judicial, noutro eventual
em vigor da Carta de 1988, preceitos desse processo, de rejulgar a lide.
gênero se tornaram supérfluos: a exigência da Diferentemente se passam as coisas quando
fundamentação está hoje posta em nível cons- a sentença puser termo ao feito sem apreciação
titucional (art. 93, IX) e prevalece mesmo no do mérito. Por exemplo: o habeas data foi impe-
silêncio da lei ordinária. Contudo, a presença da trado por pessoa diversa daquela a quem dizem
cláusula nos textos mencionados acima tem a
utilidade prática de pôr em relevo que o requeri- 28
Vide referências em NEGRÃO, Theotonio.
mento de suspensão só pode ser deferido com Código de Processo Civil e legislação processual em
base na efetiva ocorrência, inequivocamente vigor. 28. ed. São Paulo, 1997. p. 1.139, nota 1 ao art.
comprovada e demonstrada na motivação da 16 da Lei nº 1.533.
sentença, de uma ou mais de uma daquelas situa- 29
Pouco persuasiva a argumentação (antes da Lei
ções previstas (perigo de grave lesão à ordem nº 9.507) de PASSOS, op. cit., p. 154, o qual parece
pública, ou à saúde pública etc.). levar em conta apenas a hipótese de concessão da
Não soa razoável que se tenha querido ordem. Escreve esse autor: “Renovado um pedido de
deixar a suspensão da ordem à inteira discrição habeas data a respeito da mesma pessoa e em relação
do presidente do tribunal. Pensamos que ao mesmo sujeito passivo, o que há e opera com força
obstativa do bis in idem não é a coisa julgada, sim o
também no particular há lacuna da Lei nº 9.507, adimplemento, como a prova do pagamento extingue
a ser complanada mediante a aplicação das a execução que se renove com base no mesmo título
disposições análogas correspondentes 27 . executivo”. Deixando de lado outros aspectos da
questão, objetaríamos que, no exemplo figurado em
27
Há precedente judicial: o TRF. 4ª Região. Agr. nosso texto, não há cogitar de adimplemento. Tanto
Reg. na Susp. de Seg. nº 0430502. 22 de setembro de basta para infirmar o asserto, feito sic et simpliciter,
1993. DJ, p. 49.087, 17 nov. 1993, entendeu aplicável de que é “inadequado falar-se em coisa julgada mate-
ao habeas data a norma do art. 4º da Lei nº 8.437. rial no habeas data”.
Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 99
respeito as informações a que se pretende ter para julgar a apelação será o Tribunal Regional
acesso. Falece ao impetrante legitimação ativa Federal (art. 108, II, onde a palavra “causas”
para a causa (cf., supra, nº 9). O caso é de abrange, à evidência, a de que estamos cuidan-
extinção do processo sem julgamento de meritis, do, objeto de menção específica, quanto ao
e não haverá coisa julgada material. A disciplina primeiro grau, no art. 109, VIII); a Lei nº 9.507
da matéria não discrepa, em suma, da consagrada repete a disposição no art. 20, II, alínea c. Sendo
no Código de Processo Civil. a decisão proferida em única instância por
qualquer dos tribunais superiores, e dene-
15. Competência: A) originária gatória30, o recurso cabível é o ordinário, e a
competência recursal é do Supremo Tribunal
Está regulada, em grande parte, na própria Federal (art. 102, II, a, reproduzido no art. 20, II,
Constituição a competência para conhecer de alínea a, da Lei nº 9.507). Pode ainda caber a
habeas data e julgá-lo. No grau inferior de juris- competência recursal aos tribunais estaduais e
dição, ela se reparte entre a Justiça federal e a ao do Distrito Federal e Territórios, “conforme
Justiça dos Estados. São competentes os juízes dispuserem a respectiva Constituição e a lei que
federais para os habeas data impetrados contra organizar a Justiça do Distrito Federal” (Lei nº
autoridade federal, excetuados os casos de com- 9.507, art. 20, II, alínea d).
petência originária de tribunais federais (art. 109, Falta aludir a um caso peculiar. Na enume-
VIII). Os juízes estaduais têm competência ração das hipóteses de competência recursal do
residual: exercem-na quando não haja dispo- Superior Tribunal de Justiça (art. 105, II e III), a
sição que a atribua ou aos juízes federais ou, Constituição da República nada contém de
originariamente, a algum tribunal. específico acerca do habeas data. No que toca
A competência originária pertence: a cada a recursos contra decisões proferidas pelos Tri-
um dos Tribunais Regionais Federais, para os bunais Regionais Federais, há apenas duas
habeas data contra o próprio tribunal ou órgão referências: a do inciso II, alínea b, atinente ao
inferior da Justiça federal (art. 108, I, alínea c); recurso ordinário em “mandados de segurança
ao Superior Tribunal de Justiça, para os habeas decididos em única instância” por esses tribu-
data contra Ministro de Estado ou o próprio nais, “quando denegatória a decisão”; e a do
tribunal (art. 105, I, alínea b); ao Supremo inciso III, concernente ao recurso especial
Tribunal Federal, para os habeas data contra o cabível, em determinadas hipóteses, nas “cau-
Presidente da República, a Mesa da Câmara dos sas decididas, em única ou última instância”,
Deputados ou do Senado Federal, o Tribunal pelos mesmos Tribunais Regionais Federais (em
de Contas da União, o Procurador-Geral da Repú- ambos os textos se faz menção a outros tribu-
blica ou o próprio tribunal (art. 102, I, alínea d). nais, que aqui não interessam). No entanto, lê-se
Todas essas regras foram reproduzidas no no art. 20, II, alínea b, da Lei nº 9.507, que o
art. 20, I, alíneas a, b, c, d, f, da Lei nº 9.507. A julgamento do habeas data compete, em grau
alínea e trata de hipótese não contemplada de recurso, ao Superior Tribunal de Justiça,
expressis verbis na Carta Política da União: a da “quando a decisão for proferida em única
competência originária de tribunal estadual. Na instância pelos Tribunais Regionais Federais”.
conformidade da cláusula final, a matéria ficará O dispositivo gera problema hermenêutico
sujeita ao “disposto na Constituição do Esta- de difícil solução. Não se sabe se pretendeu
do” – o que se harmoniza com a norma do art. somente – à semelhança de vários outros do
125, § 1º, da Constituição federal: art. 20 – reiterar previsão constitucional, ou se
“A competência dos tribunais [esta- 30
duais] será definida na Constituição do Na interpretação do art. 102, II, alínea a, e 105,
Estado, sendo a lei de organização ju- II, alínea b, da Carta da República, que usam o adjetivo
com relação a decisões em mandado de segurança, os
diciária da iniciativa do Tribunal de tribunais têm atribuído à expressão sentido largo, a
Justiça”. compreender não só as decisões desfavoráveis de
meritis ao impetrante, mas também as que extinguem
o processo do mandado de segurança sem apreciação
16. Competência: B) recursal do mérito: vide as referências jurisprudenciais em
NEGRÃO, op. cit., p. 436, nota 8 ao art. 539 do
Também se encontram na Carta da União Código de Processo Civil, e p. 1.229, nota 3 ao art.
regras sobre a competência para conhecer de 247 do Regimento Interno do Superior Tribunal de
recurso interposto contra decisão em habeas Justiça. Tudo faz crer que igual entendimento preva-
data. Se ela emanar de juiz federal, competente lecerá em matéria de habeas data.
100 Revista de Informação Legislativa
visou a abrir via recursal não contemplada na hipóteses catalogadas nas alíneas a, b e c, a
Lei Maior. Neste último caso, expõe-se à saber: que a decisão impugnada contrarie tratado
argüição de inconstitucionalidade, desde que ou lei federal; julgue válida lei ou ato de governo
se adote a premissa de que a competência do local contestado em face de lei federal; ou dê a
Superior Tribunal de Justiça se acha exaustiva- lei federal interpretação divergente da que lhe
mente definida na Constituição e não pode ser haja atribuído outro tribunal. Ora, ao propósito
ampliada por lei ordinária31. No primeiro, a única é de todo em todo silente o art. 20, II, alínea b, da
possibilidade consiste em entendê-lo como refe- Lei nº 9.507. Resta verificar como desatará a
rente ao recurso especial; mas os pressupostos jurisprudência o nó dado pelo legislador.
de cabimento, tais como enunciados na Lei nº Para terminar, anote-se que o inciso III do
9.507, não coincidem com os constitucional- mesmo art. 20 faz alusão ao “recurso extraor-
mente estabelecidos. dinário ao Supremo Tribunal Federal”, cabível
Com efeito. De um lado, o recurso especial, em matéria de habeas data (como em qualquer
segundo a Constituição (art. 105, III), não cabe outra!) “nos casos previstos na Constituição”,
apenas contra decisões proferidas em “única isto é: nas causas decididas em única ou última
instância” por Tribunal Regional Federal, senão instância, quando a decisão recorrida contrariar
também contra decisões por qualquer deles pro- dispositivo da própria Constituição, declarar a
feridas “em última instância”; de outro lado, inconstitucionalidade de tratado ou lei federal
para que caiba o recurso especial, sempre de ou julgar válida lei ou ato de governo local con-
acordo com o art. 105, III, da Constituição, é testado em face da Constituição (art. 103, III,
imprescindível que se configure alguma das alíneas a, b e c, respectivamente).

31
Nesse sentido, por exemplo, CRETELLA
JÚNIOR, op. cit., v. 6, p. 3.119: “A Constituição
vigente explicita de modo exaustivo a competência
do Superior Tribunal de Justiça, no que diz respeito
ao processamento e julgamento de causas, quer em
caráter originário, quer em via recursal” (sem grifo no
original).
Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 101

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