Geometria Sagrada

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GEOMETRIA SAGRADA

SIMBOLISMO E INTENÇÃO NAS


ESTRUTURAS RELIGIOSAS

Índice
Introdução
1. Os Princípios da Geometria Sagrada
2. As Formas
3. A Geometria Britânica Antiga
4. A Geometria Sagrada Egípcia Antiga
5. A Geometria Sagrada Mesopotâmica e Hebraica
6. Grécia Antiga
7. Vitrúvio.
8. Os Comacinos e a Geometria Sagrada Medieval
9. Simbolismo Maçônico e Prova Documental
10. Problemas, Conflitos e Divulgação dos Mistérios
11. A Geometria Sagrada da Renascença
12. A Geometria do Barroco
13. A Geometria Sagrada no Exílio
14. Ciência: O Verificador da Geometria Sagrada
A Albertus Argentinus, inventor do ad quadratum.

"Cada molécula de todo o universo traz gravada sobre ela a impressão de um


sistema métrico, como o fazem nitidamente o metrodos Arquivos de Paris ou
o côvado real duplo do Templo de Kamak.” Sir William Herschel.

Gostaria de agradecer às seguintes pessoas por sua variada colaboração:


Major Bernard HaswelI, de Westward Hol; Prudence Jones, de Cambridge;
Martyn Everett, de Saffron Walden, e Michael Behrend, de Epsom.

Introdução
"O homem é a medida de todas as coisas, dos seres vivos queexistem e das
não-entidades que não existem.“
Protágoras (c. 481.411 a.C.)

A geometria existe por toda parte na natureza: a sua ordem subjaz à estrutura
de todas as coisas, das moléculas às galáxias, do menor vírus à maior baleia.
Apesar do nosso distanciamento do mundo natural, nós, os seres humanos,
ainda estamos amarrados às leis. naturais do universo. Os artefatos singulares
planejados conscientemente pela humanidade também têm sido baseados,
desde os tempos mais antigos, em sistema de geometria. Esses sistemas,
embora derivem inicialmente de formas naturais, freqüentemente as
ultrapassaram em complexidade e engenhosidade e foram dotados de poderes
mágicos e de profundo significado psicológico.
A geometria - termo que significa "a medição da terra" talvez tenha
sido uma das primeiras manifestações da civilização em seu nasce douro.
Instrumento fundamental que subjaz a tudo o que é feito pelas mãos
humanas, a geometria desenvolveu-se de uma habilidade primitiva - a
manipulação da medida, que nos tempos antigos era considerada um ramo da
magia. Naquele período antigo, a magia, a ciência e a religião eram de fato
inseparáveis, faziam parte do conjunto de habilidades possuídas pelo
sacerdócio. As religiões mais remotas da humanidade estavam concentradas
naqueles lugares naturais em que a qualidade numinosa da terra podia ser
plais prontamente sentida: entre árvores, rochas, fontes, em cavernas e
lugares elevados. A função do sacerdócio que se desenvolveu ao redor desses
sítios de santidade natural foi a princípio interpretativa. Os sacerdotes e as
sacerdotisas eram os especialistas que podiam ler o significado em augúrios
e oráculos, tempestades, ventos, terremotos e outras manifestações das
energias do universo. As artes do xamanismo que os sacerdotes mais antigos
praticavam permitiram, com uma sofisticação cada vez maior, um sacerdócio
ritual estabelecido que exigiu símbolos externos de fé. Os penedos não
desbastados e as árvores isoladas não mais se constituíam nos únicos
requisitos para um local de adoração. Construíram-se compartimentos, que
foram demarcados como lugares santos especiais separados do mundo
profano. No ritual exigido pelo novo plano, a geometria tornou-se
inseparavelmente ligada à atividadereligiosa.
A harmonia inerente à geometria foi logo reconhecida como a expressão
mais convincente de um plano divino que subjaz ao mundo, um padrão
metafísico que determina o padrão físico. Esta realidade interior, que
transcende a forma exterior, continuou a ser ao longo de toda a história a base
das estruturas sagradas. Por essa razão é tão válido construir hoje um edifício
moderno de acordo com os princípios da geometria sagrada quanto o era
no passado em
estilos tais como o egípcio, o clássico, o românico, o islâmico, o gótico, o
renascentista ou o Art Nouveau. A proporção e a harmonia seguem
naturalmente o exercício da geometria sagrada, que parece correta porque
ela é correta, ligada como está metafisicamente à estrutura esotérica da
matéria.
A geometria sagrada está inextricavelmente ligada a vários princípios
místicos. Talvez o mais importante deles seja aquele que se atribui ao
fundador da alquimia, Hermes Trismegisto, o Três Vezes Grande Heimes.
Esta máxima é o fundamental. "Acima, como abaixo" ou "O que está no
mundo menor (microcosmo) reflete o que está no mundo maior ou universo
(macrocosmo)". Essa teoria da correspondência subjaz a toda a astrologia e
também a grande parte da alquimia, da geomancia e da magia, no sentido de
que a forma da criação universal está refletida no corpo e na constituição do
homem. O homem, por sua vez, na concepção hebraica, foi criado à imagem
de Deus - o templo que o Criador estabeleceu para hospedar o espírito que
eleva o homem para cima do reino animal.
Assim, a geometria sagrada diz respeito não só às. proporções das figuras
geométricas obtidas segundo a maneira clássica com o uso da régua e
compassos, mas também às relações harmônicas das partes de um ser
humano com um outro; à estrutura das plantas e dos animais; às formas
dos cristais e dos objetos naturais - a tudo aquilo que for manifestações
do continuum universal.

1. Os Princípios da Geometria Sagrada


Os princípios que norteiam disciplinas tais como a geomancia, a geometria
sagrada, a magia ou a eletrônica estão fundamentalmente ligados à natureza
do universo. Dogmas variáveis de diferentes religiões ou mesmo de grupos
políticos podem ditar variações de forma externa, mas os fundamentos
operatórios permanecem
constantes. Pode-se fazer uma analogia com a eletricidade. Para que uma
lâmpada elétrica se ilumine é preciso que várias condições sejam
preenchidas. Uma determinada corrente deve alimentar a lâmpada por meio
de condutores isolados com um circuito completo, etc. Essas condições não
são negociáveis. Se algo não estiver correto, a lâmpada não se acenderá. Os
técnicos de todo o mundo devem conhecer os princípios fundamentais, caso
contrário falharão. Esses princípios transcendem as considerações políticas
ou sectárias. Executado acertadamente, o circuito funcionará igualmente bem
num estado comunista, sob uma ditadura militar ou num país democrático -
até mesmo em outro planeta.
Da mesma maneira, os princípios norteadores da geometria sagrada
transcendem as considerações religiosas sectárias. Como uma tecnologia que
tem o objetivo de reintegrar a humanidade no todo cósmico, ela
funcionará, como a eletricidade, para todas as pessoas que observarem os
critérios, não importa quais sejam os seus princípios ou propósitos. A
aplicação universal dos princípios idênticos da geometria sagrada em lugares
separados no tempo, no espaço e por crençàs diferentes atesta a sua natureza
transcendental. Assim, a geometria sagrada foi aplicada nos templos pagãos
do Sol, nos relicários de Ísis, nos tabernáculos de Jeová, nos santuários de
Marduk, nos santuários erigidos em honra dos santos cristãos, nas mesquitas
islâmicas e nos mausoléus reais e sagrados. Em todos os casos, uma cadeia
de princípios imutáveis conecta essas estruturas sagradas.
A geometria é geralmente incluída na disciplina da matemática; todavia, a
matemática numérica, na verdade, derivou da geometria, que possui uma
ordem muito mais fundamental do que a mera manipulação de números, que
é criação do homem.
Nos nossos dias, as razões geométricas são invariavelmente expressas em
termos matemáticos e parece impensável que a geometria pudesse ser
separada da matemática. Todavia, a expressão matemática de razões tais
como o pi e a seção dourada é apenas uma convenção engendrada para uma
civilização letrada adestrada em figuras e em cálculo. Dizendo respeito em
primeiro lugar às razões e às relações, a expressão da geometria em termos
de números pertence a um período posterior do seu desenvolvimento. A
complexa geometria do Egito antigo, que habilitou arquitetos e geômetras a
medir o tamanho exato do país, estabelecer
indicadores geodésicos e erigir vastas estruturas como as pirâmides, era uma
arte prática que implicava no seu relacionamento com o número. Os
geômetras gregos, cujo conhecimento eles próprios admitiam provir dos
egípcios, continuaram no nível prático e não se aventuraram nos reinos da
matemática complexa que só existe para provar aquilo que já se conhece. De
fato, foi só no século XVII, com a ascensão do culto particularmente europeu
protestante à ciência, que o cálculo preciso dos números irracionais tornou-se
uma preocupação urgente.
A interpretação da geometria em termos de relações numéricas é uma
racionalização intelectual posterior de um sistema natural para a divisão do
espaço. Tal interpretação surgiu com o divórcio entre a geometria e o corpus
de ciência, magia e metafísica que agora se conhece peto nome de religião
antiga. Muitas razões de comprimento, como por exemplo as raízes
quadradas da maioria dos números inteiros, não podem ser expressas em
termos de números inteiros e; assim, só podem ser apropriadamente descritas
em termos geométricos. Da mesma maneira, a divisão do círculo em 360
unidades conhecidas como graus no sistema babilônico convencional não é
absoluta. Embora seja geometricamente derivada, é apenas uma questão de
conveniência.
O número, todavia, tal como expresso nas dimensões sagradas dos edifícios
santificados, tem sido freqüentemente usado para camuflar a sua geometria
sagrada subjacente. O Tabernáculo Hebraico e o Templo âescrito na Bíblia, e
também as dimensões da Capela do King's College, em Cambridge, são tidos
como medições que podem ser interpretadas pelos cognoscenti em termos de
geometria mística. O rei Henrique VI só poderia conceber a forma da sua
Capela em Cambridge em termos de medidas que não divulgassem os
mistérios maçônicos aos não-iniciados. Reginald Ely, seu mestre maçom,
teve de desenhar as dimensões como um plano que determinasse a
geometria ad triangulum inerente àquelas dimensões. Por ser a geometria
uma imagem da estrutura do cosmos, ela pode ser facilmente utilizada como
um sistema simbólico para a compreensão de várias estruturas do universo.
Essa função simbólica é exemplificada por um instrumento científico pouco
conhecido que foi usado nos tempos pré-coloniais para ensinar aos meninos
polinésios os fundamentos da navegação. Embora os polinésios não tenham
possuído nenhum dos instrumentos agora tidos como necessários à
navegação - o sextante, o compasso e o cronômetro -, eles eram capazes de
viajar regularmente através de grandes extensões do oceano e chegar aos seus
objetivos. Valendo-se das estrelas e de outras características físicas - como a
presença de bancos de nuvem sobre a terra -, os navegadores polinésios
podiam detectar a presença de ilhas, mas o método mais útil era a leitura das
ondas. Assim como qualquer outro objeto marítimo, uma rocha por exemplo,
exercerá um efeito sobre o padrão das ondulações, também a presença de
uma ilha, em escala muito maior, causará padrões de difração nas ondas a
muitas milhas de distância.
A ciência do reconhecimento das ondas era ensinada aos meninos por meio
de um sistema mnemônico, o mattang. Em sua forma característica, esse
instrumento, composto de varetas dispostas num padrão geométrico preciso,
apresentava estranham ente algumas das idéias da geometria sagrada
européia. Esse dispositivo geométrico mostrava aos discípulos todos os
padrões básicos que as ondas formam quando são dobradas pela terra. Da
mesma maneira, todos os padrões geométricos refletem, além disso, verdades
que estão muito além das suas simples derivações, mesmo os complexos
relacionamentos com outras geometrias. A estrutura deles está em harmonia
com o universo e com todas as formas físicas, estruturais e psicológicas que
constituem a sua unicidade.
Desde os tempos mais antigos, a geometria foi inseparável da magia. Mesmo
os riscadores-de pedra mais arcaicos têm forma geométrica. Eles apontam
para um sistema notacional e invocacional praticado por algum antigo
sacerdócio. Pelo fato de as complexidades e as verdades abstratas expressas
pela forma geométrica só poderem ser explicadas como reflexos das
verdades mais íntimas da substância do mundo, elas eram consideradas
como mistérios sagrados da ordem mais elevada e eram ocultadas dos olhos
profanos. Um conhecimento especial era exigido para se desenhar tais figuras
e a sua importância mística era ignorada pelas massas sem instrução. Os
conceitos complexos eram transmitidos de um iniciado a outro por meio de
símbolos geométricos individuais, ou combinações deles, sem que o
ignorante nem ao menos suspeitasse de que estava ocorrendo uma
comunicação. Como o sistema moderno de símbolos secretos empregado
pelos ciganos, eles deveriam constituir-se em enigmas embaraçosos para
o curioso.
Toda forma geométrica está investida de significado psicológico e simbólico.
Assim, tudo aquilo que é feito pelas mãos do homem e que incorpora esses
símbolos de uma maneira ou de outra torna-se um veículo para as idéias e
as concepções corporificadas em sua geometria. Através dos tempos, as
geometrias simbólicas complexas agiram como a base para a arquitetura
sagrada e profana, variando a geometria de acordo com a função. Algumas
geometrias continuam sendo ainda hoje poderosas imagens arquetípicas da
fé: logo acorre à nossa mente, com símbolo do judaísmo, o hexagrama.
Outras geometrias foram menos conhecidas pelo público, sendo usadas para
indicar àqueles que "estavam a par" alguma verdade esotérica, como o vesica
piscis do tampo da Fonte Chalice em Glastonbury. Outras, todavia, estão
ocultas nas profundezas dos artefatos místicos - ou até mesmo nas
brincadeiras das crianças.
Uma brincadeira bastante comum entre escolares é uma reminiscência de um
antigo sistema de geometria sagrada. Conhecido como "ler a sorte", o jogo
envolve a dobradura de um quadrado de papel de uma determinada maneira.
De qualquer jeito que o abrirmos, sempre se nos revelará uma de quatro
opções. A dobradura do papel e a forma que ele toma quando desdobrado são
um dispositivo mnemônico para a criação da geometria ad quadratum usada
pelos antigos maçons.
Toma-se um quadrado de papel e dobram-se os quatro cantos de maneira que
eles se encontrem. Este procedimento produz um novo quadrado, cuja área
corresponde à metade do quadrado original. Estes cantos - são novamente
dobrados de dentro para fora, o que cria um outro quadrado correspondente à
metade do anterior e produz uma divisão óctupla. Pode-se fazer, a partir daí,
uma figura tridimensional, com dois grupos de "vértices" que podem ser
abertos e fechados à vontade. A associação dessa geometria muito bem
definida com a leitura da sorte pode ser perfeitamente o resíduo
deteriorado de um antigo sistema de adivinhação, pois o padrão assim
formado não só reproduz a configuração básica do ad quadratum, mas
também o esboço tradicional do desenho do horóscopo. Este último padrão
combina de maneira engenhosa a divisão óctupla pagã do quadrado com a
divisão duodécupla oriental do zodíaco.

O uso de formas geométricas é bastante conhecido na magia ritual, tanto para


a evocação de espíritos e poderes quanto para a proteção do mágico contra
suas cortesias malévolas. Cada espírito tem tradicionalmente um sigilo ou
padrão geométrico associado ao seu nome, por meio do qual, com conjuras e
rituais apropriados, ele pode ser contactado. Muitos desses sigilos são
expressões geométricas dos nomes e são produzidos pelo traçado de
números equivalentes
às letras sobre. quadrados mágicos. A determinação dos números
equivalentes aos nomes é conhecida como gematria. Nos alfabetos grego e
hebraico, cada um dos caracteres representa não só umsom, mas também
um equivalente numérico. Assim, o nome Israel poderia ser escrito em
hebraico da seguinte maneira: Yod Shin Resh Aleph Lamed. Esses caracteres
têm o equivalente numérico 10, 300, 200, 1, 30 = 541. Uma convenção da
gematria permite, assim, que outras palavras de valor numérico equivalente
possam ser usadas como seus substitutos. Os cabalistas, durante muitos
séculos, estudaram o significado oculto do livro de Isaías segundo esses
critérios. A substituição de uma palavra por outra pode ser usada como um
método oculto de comunicação que elimina a necessidade de se usar um
nome que tenha poderes especiais próprios. Também é possível traçar
esquemas a partir das posições ocupadas pelos números nos quadrados
mágicos. Assim, o nosso exemplo, Israel, esquematizado sobre o Quadrado
Mágico do Sol, cria um sigilo específico que pode ser depois transferido para
os utensílios mágicos, etc. (ver Figura 4).
Onde quer que a geometria tenha sido usada, consciente ou
inconscientemente, o seu simbolismo ainda se faz presente. Através de todo o
universo conhecido, a função da sua geometria é um valor imutável da
existência transitória. Os artistas e os mágicos reconheceram essa qualidade
transcendental e, em conseqüência, constituíram a base imutável sobre a qual
está apoiado o tecido da cultura. Através de toda a história registrada, o
geômetra trabalhou silenciosamente em sua arte, fornecendo a matriz interna
sobre a qual se baseiam as formas externas.

2. As Formas
São muito poucas as formas geométricas básicas das quais se compõe toda a
diversidade da estrutura do universo. Cada uma delas é dotada de
propriedades únicas e detém um simbolismo esotérico que permaneceu
imutável ao longo da história humana. Todas essas formas geométricas
básicas podem ser facilmente produzidas por meio dos dois instrumentos que
os geõmetras têm usado desde a aurora da história - a régua e o compasso.
Figuras universais, sua construção não exige a utilização de nenhuma
medição; ocorrem em todas as formações naturais, nos reinos orgânico e
inorgânico.

O círculo
Talvez o círculo tenha sido o símbolo mais antigo desenhado pela raça
humana. Simples de ser executado, é uma forma cotidiana encontradiça na
natureza, vista nos céus como os discos do sol e da lua, e ocorre nas formas
das plantas e dos animais e nas estruturas geológicas naturais. Nos tempos
antigos, as construções, fossem elas temporárias ou permanentes, eram
circulares em sua grande maioria. Os nativos americanos tipi e os yurt
mongólicos atuais são sobreviventes de uma antiga forma universal. Dos
círculos de cabanas da Grã-Bretanha neolítica, desde, os círculos de pedra
megalíticos até as igrejas e os templos redondos, a forma circular imitou a
redondeza do horizonte visível, fazendo de cada construção, na verdade, um
pequeno mundo em si mesmo.
O círculo representa o completamento e a totalidade, e as estruturas redondas
ecoam peculiarmente esse princípio. No Rosarium Philosophorum, um antigo
tratado aIquímico, lemos a seguinte afirmação:

"Faze um círculo ao redor do homem e da mulher e desenha fora


dele um quadrado e fora do quadrado um triângulo. Faze um círculoao redor
dele e terás a pedra dos filósofos.”

O círculo contém aí a imagem do homem, como no famoso desenho virtuoso


de Leonardo da Vinci. Com base nesta figura fundamental, pode-se produzir
o quadrado e, depois, as outras figuras geométricas. A pedra dos filósofos, a
súmula de todas as coisas e a chave para o conhecimento, é produzida dessa
maneira e representada pelo círculo, a figura matriz de que podem ser
geradas todas as outras figuras geométricas. Com régua e compasso, todas
as figuras importantes eram produzidas simples e elegantemente. Essas
figuras - o vesica piscis, o triângulo eqüilátero, o quadrado, o hexágono e o
pentágono -, todas elas mantêm relações diretas umas com as outras.

O quadrado
Os templos antigos eram freqüentemente construídos em forma quadrilátera.
Representando o microcosmo e, em conseqüência, considerada como um
emblema da estabilidade do mundo, essa característica era especialmente
verdadeira para as representações artificiais de montanhas que reproduziam o
mundo, para os zigurates, as pirâmides e as estupas. Essas estruturas
simbolizavam o ponto de transição entre o céu e a terra e centralizavam
idealmente o omphalos, o ponto axial do centro do mundo.
Geometricamente, o quadrado é uma figura única. Pode ser dividido com
precisão por dois e por múltiplos de dois apenas com um esboço. Também
pode ser dividido em quatro quadrados quando se faz uma cruz que define
automaticamente o centro exato do quadrado. O quadrado, orientado para os
quatro pontos cardeais (no caso das pirâmides egípcias, com um exatidão
fenomenal), pode ser
novamente bisseccionado por diagonais, que o dividem em oito triângulos.
Essas oito linhas, partindo do centro, formam os eixos que indicam as quatro
direções cardeais e os "quatro cantos" do mundo - a divisão óctupla do
espaço.
Essa divisão óctupla do espaço é venerada no "caminho óctupIo" da religião
budista e nas "Quatro Estradas Reais da Grã-Bretanha" relatadas
minuciosamente na History of the Kings of Britain, de Geoffrey of
Monmouth. Cada uma das direções, no Tibete, estava sob a guarda
simbólica hereditária de uma família, tradição que encontrou paralelo na Grã-
Bretanha nas oito Famílias Nobres que sobreviveram à Cristianização e
produziram os reis e os santos da Igreja Celta.
A divisão óctupla do quadrado era; na tradição européia, um emblema da
divisão do dia e do ano, bem como da divisão do país e da sociedade.
Embora a divisão óctupla do tempo fosse gradualmente eliminada com o
advento do sistema duodécuplo dos cristãos, ela sobreviveu nos antigos
quarterdays [primeiro dia de um trimestre] do calendário, nas tradicionais
festas do fogo nos países pagãos e na geometria maçônica da arquitetura
sagrada do sistema acht uhr ou ad quadratum. Voltarei a esse assunto
importante num capítulo posterior.
O hexágono
O hexágono é uma figura geométrica natural produzida pela divisão da
circunferência de um círculo por meio dos seus raios. Os pontos da
circunferência são conectados por linhas retas e produzem uma figura com
seis lados iguais.
Sendo uma função da relação entre o raio e a circunferência do círculo, o
hexágono é uma figura natural que ocorre em toda a natureza. É produzido
naturalmente na fervura e na mistura de líquidos. O físico francês Bénard
observou, durante as suas
experiências de difusão em líquidos, que os padrões hexagonais se formavam
freqüentemente em toda a superfície. Tais tourbillons cellulaires, ou "células
de Bénard", foram objeto de muitos experimentos. Verificou-se que, em
condições de perfeito equilíbrio, os padrões formavam hexágonos perfeitos.
Esses padrões eram semelhantes aos das células que constituem a vida
orgânica ou as formas prismáticas das rochas basálticas. Sujeitos às mesmas
forças universais de viscosidade e de difusão, padrões similares são criados
naturalmente num líquido fervente.
O hexágono natural mais bem conhecido é aquele que se vê nos favos das
abelhas. Esses favos são formados de uma reunião de prismas hexagonais
cuja precisão é tão espantosa, que atraiu a atenção de muitos filósofos, que
viam neles uma manifestação da harmonia divina na natureza. Na
Antigüidade, Pappus, o Alexandrino, dedicou a sua atenção a esse esquema
hexagonal e chegou àconclusão de que as abelhas eram dotadas de uma
"certa intuição geométrica", com a economia como princípio orientador, pois,
"existindo três figuras que podem ocupar o espaço que circunda um ponto - a
saber, o triângulo, o quadrado e o hexágono -, as abelhas escolheram
sabiamente como sua estrutura aquela que possui mais ângulos, suspeitando
com certeza que ela poderia conter mais mel do que qualquer uma das outras
duas".
Em minhas próprias pesquisas sobre a estrutura dos microrganismos
marinhos, encontrei o hexágono na forma externa da Pyramimonas virginica,
uma alga marinha norte-americana. Nela, as bases das estruturas que cobrem
o corpo do organismo formam hexágonos perfeitos, embora elas sejam
menores que o comprimento da onda da luz visível. Essa geometria natural
sobre a qual o autor romano Plínio nos conta que os homens fizeram do seu
estudo o trabalho de toda uma vida em sua época, é de interesse especial para
o geômetra místico.
A relação direta do hexágono com o círculo está ligada a uma outra
propriedade interessante segundo a qual os vértices alternados dessa figura
podem ser conectados por linhas retas para a produção do hexagrama. Essa
figura, composta de triângulos eqüiláteros quese interpenetram, simboliza a
fusão dos princípios opostos masculino e feminino, quente e frio, água e
fogo, terra e ar, etc. e é, por conseguinte, símbolo da inteireza arquetípica, o
poder divino da criação. Assim, foi usada na alquimia e continua sendo o
símbolo sagrado dos judeus ainda em nossos dias. As dimensões dos
triângulos que formam o hexagrama estão diretamente relacionadas ao
círculo que as produz e podem ser o ponto de partida para desenvolvimentos
geométricos.

O vesica piscis, o triângulo e os sólidos platônicos


O vesica piscis é aquela figura que se produz quando dois círculos de igual
tamanho são desenhados, um a partir do centro do outro. Em termos
geométricos sagrados, trata-se do ponto de derivação dotriângulo eqüilátero e
da linha reta que parte do círculo. Representou os órgãos genitais da Deusa
Mãe, o ponto físico de origem da vida simbolizada por sua posição
fundamental na geometria. Por essa razão, ocupou uma posição privilegiada
na construção de edifícios sagrados. Dos círculos de pedra e dos templos
mais antigos até as catedrais do período medieval, o ato inicial da construção
foi relacionado ao nascer-do-sol de um dia predeterminado. Esse nascimento
simbólico do templo com o novo sol é um tema universale sua conexão com
o vesica de forma genital não é mero acidente. A geometria do templo hindu,
como as das suas contrapartidas espirituais da Ásia Menor, da África
Setentrional ou da Europa, está registrada como sendo diretamente derivada
da sombra de um poste ou gnomon. O Manasara Shilpa Shastra, um antigo
texto sânscrito
sobre construção de templos, detalha a derivação do plano a partir da
orientação.
Escolhido o sítio por um praticante de geomancia, um poste era cravado no
chão naquele local. Um círculo era desenhado ao seu redor. Esse
procedimento produz um eixo leste-oeste verdadeiro. De cada ponta desse
eixo, desenhavam-se arcos, produzindo-se então um vesica piscis que, por
sua vez, fornecia um eixo norte-sul. Assim, o vesica universal era
fundamental para a construção do templo. Com base nesse vesica inicial,
desenhava-se um outro a partir do ângulo reto e, com base nele, um círculo
central e depois um quadrado dirigido para os quatro quartos da terra.
O sistema hindu de construção pode ser considerado fundamentalmente
idêntico ao utilizado no método romano de construção de cidades e descrito
nas obras de Vitrúvio. É produzido por observação direta e, assim, reproduz
as condições predominantes no momento exato da fundação. Essa fixação no
tempo, como o momento do nascimento na astrologia, é fundamental em
todas as práticas de orientação, exatamente como um alinhamento
incorporaria automaticamente os atributos astronômicos e astrológicos do
tempo. Além disso, as características geomânticas do local, que lhe conferem
uma feição única, são incorporadas ao templo.
O vesica não está envolvido na construção por princípios arbitrários. Ele é o
ponto prático de partida do qual derivam todas as outras figuras geométricas.
Dividindo-se o vesica com uma linha que passa pelos centros dos dois
círculos, unindo-se os seus vértices comuns e, para um lado e para o outro,
ligando-se esses vértices aos pontos em que a linha vertical cruza os círculos,
obtêm-se dois triângulos eqüiláteros. Os lados desses triângulos são de
comprimento igual ao raio do círculo gerador. Com base no triângulo
eqüilátero, pode-se produzir facilmente o hexágono e o icosaedro. Em termos
esotéricos,
toda a série de sólidos geométricos regulares conhecida universalmente como
Sólidos Platônicos pode ser produzida a partir de figuras planas.
No Timeu, Platão escreveu: "Ora, a figura [triângulo] que tenho dito ser a
mais bela de todos os muitos triângulos (não é ne o cessário falar dos outros)
é aquela cujo duplo forma um terceiro triângulo que é eqüilátero (...)
escolhamos então dois triângulos, com que foram construídos o fogo e outros
elementos, um isósceles, tendo o outro o quadrado do lado maior igual a três
vezes o quadrado do ladomenor".
No sistema de Pia tão, o simbolismo geométrico encarrega-se de registrar
todos os estados conhecidos da matéria. Especialmente importante era a série
de figuras sólidas que era a essência da sua filosofia. Por meios ocultos, toda
a série era simbolizada numa figura agora ostentada pelos franco-maçons do
grau do Santo Arco Real. Esse símbolo é o triângulo eqüilátero circunscrito
num hexagrama. "Analisa"-se seu simbolismo somando-se os valores dos
ângulos produzidos pelas várias partes e dividindo-se por tantos ângulos retos
que tiverem igual valor. Esse método arcano possibilita que qualquer figura
geométrica seja "analisada" e, assim, impregna a sua simplicidade com um
rico simbolismo que foi explorado a fundo pelos arquitetos de construções
sagradas.
O triângulo eqüilátero determinado dentro do tetraedro é igual em valor
geométrico aos oito ângulos retos - o número de graus em quatro triângulos
eqüiláteros. Em virtude de ser o menor sólido geométrico regular e
por causa da sua forma piramidal, foi utilizado pelos platônicos para
representar o elemento fogo.
Os triângulos "determinados" no hexagrama ou Sigilo de Salomão, sem levar
em consideração as intersecções (que convencionalmente são mais
entrelaçamentos do que junções), são equivalentes a dezesseis ângulos retos.
Este é o número contido no octaedro, o sólido platônico composto de oito
triângulos eqüiláteros de lados iguais. Ele foi atribuído pelos platônicos ao
elemento ar, o mais próximo do tetraedro em leveza.
Ignorando-se as intersecções, à Sigilo de Salomão, com seu triângulo menor
superposto, se igualará ao número de graus dos 24 ângulos. Este é o número
que está no cubo, um sólido composto de seis quadrados iguais. Essa figura
sólida e fixa simbolizava para os platônicos o elemento terra. Ele representou
universalmente esse elemento onde quer que ele ocorresse na geometria
sagrada - a base quadrangular do templo e da Cidade Sagrada, plantada
fixamente sobre o omphalos.
O triângulo invertido do sigilo, com o triângulo menor circunscrito, somado
ao triângulo maior do hexagrama voltado para cima, perfaz quarenta ângulos
retos, iguais em graus àqueles que estão no icosaedro, um regular formado
por vinte triângulos eqüiláteros de lados iguais. Este é o sólido regular mais
pesado formado por triângulos. Próximo ao cubo em peso, o icosaedro
representou o elemento água. Assim, considera-se que toda forma que
derivou do hexagrama, com seu triângulo interno, incorpora todos os sólidos
platônicos e, por associação, os quatro elementos - um atributo da
universalidade e um símbolo da lei da unidade dos opostos.
A Seção Dourada
A Seção Dourada é uma razão que foi usada na artesania sofisticada e na
arquitetura sagrada do Egito antigo. No antigo Egito e na Grécia, ocorreu um
uso extensivo daquilo que Jay Hambidge, geômetra do início do século XX,
chamou de "simetria dinâmica". Os objetos e os edifícios sagrados egípcios e
gregos possuem geometrias baseadas na divisão do espaço conseguida pelos
retângulos de raiz e seus derivados. Os retângulos de raiz são produzidos
diretamente do quadrado por simples desenho com um compasso e, assim,
fazem parte da geometria clássica, produzida sem medição.
Existe toda uma série de retângulos de raiz. O primeiro dos retângulos de
raiz é o quadrado, que é um retângulo "de raiz 1". O seguinte, o retângulo
V2, é produzido a partir do quadrado por meio do simples expediente de se
colocar o compasso no comprimento da diagonal e fazer a linha de base
encontrar a linha traçada a partir daquele vértice. Esse procedimento torna o
comprimento do lado longo igual à raiz quadrada de 2, tomando-se o lado
curto como unidade. O retângulo V3 é produzido a partir da diagonal desse
retângulo, e assim por diante.
Embora os lados desses retângulos não sejam medidos em termos de
número, os gregos diziam que essas linhas não eram irracionais porque eram
mensuráveis em termos dos quadrados produzidos por elas. A
mensurabilidade em termos da área do quadrado, em vez do comprimento,
era o grande segredo da antiga geometria sagrada grega. O famoso
teorema de Pitágoras, conhecido de todo escolar, só é compreensível em
termos da medida do quadrado. Por exemplo, a relação entre o final e o lado
de um retângulo V5 é uma relação de área porque o quadrado construído ao
final de um retângulo V5 é exatamente um quinto da área de um quadrado
construído sobre seu
lado. Tais retângulos possuem a propriedade de serem divididos em formas
muito menores que também são partes mensuráveis do todo.

Isto nos leva a um outro fator fundamental no desenho da arquitetura


sagrada: a proporção e a sua irmã siamesa, a comensurabilidade. A música o
demonstra admiravelmente em suas harmonias e, comefeito, já se disse que a
música é na realidade a geometria traduzida em som, pois na música pode-se
ouvir as mesmas harmonias que sustentam a proporção arquitetônica. A
comensurabilidade, que garante harmonia completa em toda a construção ou
obra de arte, é uma integração racional de todas as proporções de todas as
partes
de uma construção de maneira que toda parte tenha forma e tamanho
absolutamente fixos. Nada pode ser acrescentado ou removido desse
conjunto harmonioso sem romper a harmonia do todo. Certos retângulos,
que são o ponto de partida para figuras geométricas relacionadas, geralmente
constituem as bases de tais padrões harmonizadores.
Retângulos que possuem as razões lado: lado iguais a 3:2, 5:4, 13:6, etc., em
que as proporções são expressas em números inteiros, têm recebido o nome
de retângulos estáticos. Retângulos do tipo dos retângulos de raiz têm sido
chamados de retângulos dinâmicos. Esses últimos são mais encontradiços na
composição geométrica. Eles permitem uma flexibilidade muito maior de uso
do que os retângulos estáticos, especialmente quando são usados para se
estabelecer a harmonia dos elementos pela proporção.
Há alguns retângulos que combinam as características dos retângulos
estáticos e dinâmicos. São o quadrado e o quadrado duplo (1 = 1:1 = V1:1 e 2
= 2:1 = V4:1). A diagonal do quadrado duplo, que talvez seja a forma mais
favorecida pelos edifícios sagrados, é V5. Esse número irracional relaciona
diretamente o retângulo de raiz 2 ou de raiz 4 ao retângulo de raiz 5, que está
diretamente relacionado a proporção V5 + 1 da seção dourada.
2

Essa importante razão, chamada de Seção pelos gregos antigos, de Proporção


Divina por Luca Pacioli (1509) e de Seção Dourada por Leonardo e seus
seguidores, tem propriedades únicas que a recomendaram aos geômetras
desde os tempos egípcios.
A Seção Dourada existe entre duas quantidades mensuráveis de qualquer
espécie quando a razão entre a maior e a menor é igual à razão entre a soma
das duas e a maior delas. Em termos geométricos, ela pode ser facilmente
produzida a partir do quadrado
duplo. Se um dos dois quadrados for cortado ao meio e a diagonal dessa
metade for levada para baixo em direção à base, o lugar em que ela corta a
base representará 1,618 unidades em relação ao lado do quadrado que tem
unidade 1 de comprimento. A razão também pode ser produzida a partir do
pentagrama e está associada ao pentágono, quando então a razão entre o lado
do pentágono e a sua extensão para o pentagrama obedece à equação V5 + 1
= 1,618...
2

Na convenção geométrica grega, isto está simbolizado pela letra grega (I).
Numericamente, possui propriedades algébricas, matemáticas e geométricas
excepcionais. (I) = 1,618; (I) = 0,618 e (I) 2 = 2,618.
Em toda progressão ou série crescente de termos que tem como a razão entre
os termos que se sucedem, cada termo é igual à soma dos dois
precedentes. Esta propriedade singular permite amanipu lação de toda a série.
Todos os outros termos sucessivos podem ser construídos, a partir de dois
deles, por movimentos simples do compasso.
Em termos numéricos, essa série aditiva foi popularizada peja primeira vez
na Europa por Leonardo Bigollo Fibonacci, conhecido como Leonardo da
Pisa. Nascido em 1179, Leonardo viajou com seu pai para Algiers, onde
aprendeu, com os geômetras árabes, o segredo da série e por essa razão pôde
introduzir os números arábicos na Europa. Ambos os conceitos
revolucionaram a matemática européia.
Esta série numérica, conhecida agora pelo nome de Série Fibonacci, foi há
muito tempo reconhecida como um princípio que ocorre na estrutura dos
organismos vivos e, por conseguinte, um princípio inerente à estrutura
do mundo. Sua construção é enganosamente fácil: o termo seguinte é a
soma dos dois termos
anteriores, isto é, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, e assim por diante. O
arranjo das folhas de um vegetal, os hipotênares da pata do gato e as espirais
das conchas formainíferas microscópicas são governados peja Série
Fibonacci.
A Seção Dourada tem sido reverenciada através de toda a história. Platão, em
seu Timeu, discutiu-a como a chave da física do Cosmos. Luca Pacioli,
geômetra renascentista, publicou sua influente obra De Divina Proportione
em Veneza em 1509 e até mesmo o arquiteto moderno Le Corbusier, pai dos
grupos de prédios, planejou um sistema modular de proporção baseado nessa
antiga mas poderosa razão.

3. A Geometria Britânica Antiga


"As estruturas sagradas e culturais pró-cristãs só podem ser compreendidas
se se adotar o ponto de vista dos antigos. Para eles,todas as coisas
mundanas estavam vinculadas às coisas divinas.
Todos os pensamentos e todas as ações humanas estavam subordinados às
influências energizantes das forças divinas onipotentes. Sua filosofia e sua
sabedoria culminaram no conhecimento de que como o acima, assim
também o abaixo e na tentativa de harmonizar todas as suas atividades e
ambições com anatureza superior, a Vontade Divina.”
Josef Heinsch.

Espalhados por todas as Ilhas Britânicas e por toda a Europa Setentrional


estão os últimos remanescentes de uma cultura perdida há muito tempo: as
pedras eretas. Lembranças grosseiras de uma era quase inimaginavelmente
distante, os megalitos da Europa ainda sobrevivem em número considerável.
Apesar de talvez a maior parte deles ter desaparecido nos 3.000-5.000 anos
que se passaram desde
que foram erigidos, muitos sítios ainda sobrevivem virtualmente intactos..
Alguns desses megalitos enigmáticos são solitários e desbastados; outros
estão arranjados em formações complexas. Mas há outros que foram
enfeitados e apresentam entalhes tanto figurativos quanto abstratos.
Alguns dos entalhes mais arcaicos e enigmáticos que foram executados sobre
rochas e que sobrevivem até hoje são os sinais. de cálices e de anéis que
podem ser encontrados nas pedras eretas e, menos comumente, nos
afloramentos naturais de rochas. Durante muitas centenas de anos, esses
entalhes foram fontes de lenda, objeto de veneração para os supersticiosos e
motivo de comentário e de especulação para os antiquários locais. Muitos
comentadores eruditos aventuraram-se em discutir sobre sua função e seu
significado, que ainda continuam a ser um quebra-cabeças a ser resolvido no
campo da pesquisa pré-histórica.
Seus desenhos são variados, repetindo-se raramente, espalhados sobre a
pedra sem qualquer ordem óbvia. Os sinais de cálices e de anéis consistem de
pequenas depressões semelhantes a cálices, geralmente circulares, mas
assumem ocasionalmente uma forma oval. Freqüentemente esses "cálices"
estão cercados por anéis concêntricos. Às vezes são excêntricos ou
aneliformes. Variam em número e podem ser associados a linhas radicais que
atravessam completamente os anéis e às vezes ligam o sistema cálice-anel a
um outro sistema, situado numa parte diferente da superfície da rocha. As
espirais são raras, como também os entalhes que lembram escadas. Na
Irlanda, são comuns os desenhos que semelham estrelas ou sóis redondos
com linhas que delas saem imitando raios. Estes últimos correspondem a
alguns dos hieroglifos dos antigos traços escandinavos executados sobre
rochas conhecidos como hällristningar, que foram os precursores dos
caracteres rúnicos. Embora esses petroglifos se estendam desde a Europa
até a Ásia,
variações locais são amiúde suficientes para distinguir as marcas de uma
localidade das de outra.
Inúmeras conjecturas foram feitas no sentido de se compreender o
significado dos sinais de cálices e de anéis. Os autores os classificaram como
marcadores territoriais tribais, mapas de aldeias préhistóricas com suas
estradas, "árvores" genealógicas, uma espécie de escrita indecifrada, canais
para o sangue sacrificial, mapas das posições das pedras eretas ou casas
figurativas dosmortos.

Um dos poucos estudos sistemáticos do significado desses sinais


inescrutáveis foi executado pelo antiquário escocês Ludovic MacLeIlan
Mann, um pesquisador independente cuja obra hoje pouco
se conhece. Em 1915, publicou Archaic Sculpturings, em que confrontou os
resultados de um grande número de anos de pesquisa dos entalhes em rocha.
Após a análise, MacLellan Mann chegou à conclusão de que os sinais de
cálices e de anéis faziam parte de um sistema coerente. Ein Archaic
Sculpturings, MacLellan Mann escreveu:

"Alguns anos atrás (...) comecei a fazer um exame dos muitos grupos desses
sinais e, para meu espanto, descobri que, em vez de os sinaisterem sido feitos
a esmo, eles estavam arranjados da maneira mais precisa, matemática e
geométrica. (...) Embora essas esculturas ofereçam tipos marcadamente di.
ferentes. elas foram executadas em obediência às mesmas idéias e segundo o
mesmo sistema. Observei que as linhas retas podem ser desenhadas em
determinadas partes, tais como ao longo dos conjuntos de canaletas
freqüentemente metódicas ou através dos centros de três ou mais cálices ou
conjuntos aneliformes. Quando executadas, estas linhas tinham de convergir
precisamente para os pontos focais comuns situados além do campo das
esculturas. (...) Ao redor de cada um desses focos deveria estar um conjunto
de zonas concêntricas, muitas das quais conformam as partes principais ou
essenciais da obra esculpida tão exata e tão freqüentemente, a ponto de
apontarem para algum fator que não é o acaso, o acidente ou a coincidência.”

A análise de Mann da geometria subjacente que ele descobriu nas marcas de


cálices e de anéis foi interpretada em termos astronômicos. Há dois centros
principais que determinavam os sinais pelas zonas radiais e concêntncas
geradas a partir deles. Um centro, Mac Lellan Mann acreditava, era
freqfientemente cortado por uma linha que representava uma linha norte-sul
exata, e pelo outro centro passava uma segunda linha norte-sul a quatro
graus numa direção
divergente. Assim, dois sistemas complementares de linhas encaixa- vam-se
nas partes salientes dos talhes. Um relacionava-se ao norte terrestre - o pólo
atual do planeta terra -, ao passo que o outro era determinado pela posição da
estrela polar ou norte magnético. MacLellan Mann acreditava que sua grande
radial, dentro da qual eram feitos os entalhes, era um sistema de referência
que mostrava as posições dos corpos celestes em determinados momentos do
ano. Esses entalhes astronômicos foram encontrados em todo o continente.
Datando de mais de 30.000 anos, foram elaborados por sociedades iletradas,
mas não pré-astronômicas.
Os fatos de astronomia foram lentamente acumulados durante séculos de
observação direta e registro, uma técnica que não envolveu a utilização da
escrita, tal como a conhecemos hoje. Os segredos da astronomia eram
desvendados por ensaio e erro e pelo expediente da observação das estrelas.
Tendo desenvolvido a função de elaboração de calendários, e daí a de
registrar a atividade celestial, os sacerdócios antigos que organizaram tais
assuntos precisavam de algum método para determinar o tempo preciso Ido
ano para a realização de cada uma das suas observâncias práticas e rituais.
A necessidade fundamental de determinar os tempos precisos em que os
ritos mágicos ou religiosos deveriam ser cumpridos é demonstrada nos dias
atuais pelos rituais da tribo norte-americana dos hopi. Em determinadas
épocas do ano, os sacerdotes e os membros das sociedades religiosas descem
para os seus kivas (santuários subterrâneos) e observam as estrelas pela
entrada vertical. Várias canções apropriadas e alguns gestos são executados
durante o tempo em que as constelações importantes passam por sobre a
entrada. A duração de toda a cerimônia é, assim, determinada pela passagem
das estrelas. Dessa maneira, os ritos são harmonizados por observação direta
com as condições-
astronômicas e astrológicas predominantes.
Algo similar deve ter sido a motivação daqueles que construíram os
observatórios megalíticos da Europa. A única maneira de fazê-Io era
construir pontos de observação que medissem e definissem precisamente a
passagem do tempo. Essa necessidade levou à descoberta de que os cicIos de
ascensão e de decIínio do sol, da lua e das estrelas não estão sujeitos a leis
simples.
Esse despertar gradual na compreensão reflete-se nos restos da cultura
megalítica da Grã-Bretanha, onde a arqueologia mostrou que os
observatórios de pedra e de madeira foram reconstruídos a intervalos. Cada
reconstrução incorporava incrementos progressivos em complexidade e
sofisticação. A construção de observatórios cada vez mais complexos andava
de mãos dadas com a invenção e o emprego de geometrias também cada vez
mais complexas. Conhecimento considerável e destreza eram exigidos para
o desenhó, o planejamento e a construção de um empreendimento tal como o
de Stonehenge. Encontrar o sítio correto para a observação dos fenômenos
celestes e a colocação ali de enormes pedras eretas que marcavam
exatamente a passagem dos corpos celestiais exigia uma ciência exata da
geometria aplicada.
MacLellan Mann descobriu que ela existiu realmente A geometria subjacente
que ele detectou nos sinais de cálices e de anéis também poderia ser
descoberta numa escala muito maior. "O arquiteto neolítico tardio", escreveu
MacLellan Mann em Archaic Sculpturings, "quando projetava, por exemplo,
a planta baixa dos montes de pedra de Caithness, possuía essas mesmas
noções curiosas.
Estudei cuidadosamente as suas plantas baixas e elas mostram, exatamente
como os cortes das rochas, o arco do círculo representado pelas estruturas
laterais e a curva de uma elipse em cada final do monumento (...) os grupos
aparentemente isolados, os grupos de pedras eretas muito distantes umas das
outras e os conjuntos de en talhes de rochas destacados uns dos outros podem
fazer parte de um desenho mais amplo".
Em 1937, durante escavações para obtenção de areia perto de Knappers, a
sete milhas da cidade de Glasgow, foram descobertos osremanescentes de um
antigo templo de madeira. Esses restos chamaram a atenção de MacLellan
Mann. Ele os analisou, e também a paliçada serpentina a ele associada, e
descobriu que seu desenho era comparável em escala maciça aos sinais de
cálices e de anéis que havia estudado.
Em The Druid’s Temple near Glasgow, publicado em 1937, MacLellan Mann
escreveu: "O esboço da área é sistemático e exato. Interpretando-se as
dimensões lineares e angulares em períodos astronômicos recorrentes, cada
figura de serpente pode ser identificada, a partir do comprimento de sua linha
medial, com um ou outro dos corpos celestes - o Sol, a Lua e os cinco
planetas -, ou com o espírito do mal do Ano do Eclipse. As várias paliçadas
circulares parecem representar os períodos astronômicos principais, tais
comoo ciclo luni-solar de 19 anos ou o Ciclo Saras de 18 anos de 10 1/2 dias,
ao final dos quais podem ocorrer os eclipses".
O "Templo dos Druidas" foi objeto de um grande interesse, mas o advento da
Segunda Guerra Mundial impediu qualquer preservação. Na época de
MacLellan Mann, todavia, por causa da falta de recursos, pesquisas acuradas
e análises de estruturas antigas não foram efetivadas em número muito
grande. Até os estudos do Professor Thom, que o envolveram pessoalmente
na pesquisa de centenas de sítios megalíticos nas llhas Britânicas e na
Bretanha, sentimentos como aqueles expressos por MacLellan Mann podiam
ser rejeitados pelas mentes conservadoras como fantasistas. As formas
excêntricas, visíveis na maioria dos "círculos" de pedras, eram geralmente
atribuídas à incompetência dos seus construtores, que
eram vistos, pelos cientistas da escola vitoriana, como selvagens de parco
intelecto, muito pouco superiores aos macacos. O bom senso nos diz,
entretanto, que técnicos que podiam transportar enormes pedras por
distâncias consideráv'eis (por exemplo, o arenito cinzento de Mynydd
Preseli, em Gales, levado para Stonehenge) achariam fácil demais traçar um
círculo verdadeiro.
Todavia, as geometrias exigidas para a construção de observatórios para o
estudo e a documentação dos fenômenos variáveis dos céus são muito mais
complexas do que o traçar um simples círculo. Assim, formas mais complexas
foram utilizadas.
Os grandes conjuntos megalíticos da Grã-Bretanha antiga, e certamente os
círculos menores de pedras que pontilham as charnecas e as regiões
inabitadas do país, foram conclusivamente demonstrados pelo Professor
Thom terem sido planejados com precisão espantosa. Essa geometria exata
envolveu o uso de triângulos retos integrais (triângulos "pitagóricos")
executados com uma medida constante notável - 82,90 cm -, que Thom
denominou dejarda megalítica (JM).
Os círculos de pedra excêntricos, longe de serem sintomáticos dafalha
técnica dos seus construtores, foram construídos de acordocom regras
básicas específicas, baseadas em triângulos integrais. Os"círculos" Tipo 1 de
Thom são de fato anéis em forma de óvo, baseados em dois triângulos retos
3:4:5 colocados um contra o outro.Outro "círculo" comum, o Tipo 2,
também é baseado em dois triângulos 3:4:5, mas desta vez com uma
hipotenusa comum. Outro,de organização mais complexa, segundo Thom,
era produzido a partirde outros triângulos retos integrais tais como 5:12:
13 ou 8:15:17.Stonehenge é um amálgama complexo de círculos e elipses
perfeitase também pode ser analisado em termos de geometria convencional.
As pesquisas de MacLelÍan Mann e as descobertas complemen tares
posteriores de Thom de linhas de visão do horizonte a partir de
círculos de pedras ou de outras marcas com a intenção de obser- vação
celestial e registro mostram o estágio seguinte do desenvolvimento do
microcósmico para o macrocósmico, No começo deste século, Boyle
Somerville e Sir Norman Lockyer haviam notado esses alinhamentos, mas,
até os estudos exaustivos de Thom, eles não haviam passado de boas
hipóteses.

Lockyer é mais bem conhecido por seu trabalho em Stonehenge e seus


arredores, o distrito posteriormente estudado pela escola alemã de pesquisa
geomântica. Durante as suas investigações, descobriu que a tão conhecida
linha do nascer-do-sol do alto verão, que é marcada em Stonehenge pela
famosa Pedra do Calcanhar, era apenas parte de um alinhamento maior de
sítios antigos. Pesquisando a avenida que marca a posição do nascer-da-sol
no dia mais longo do ano, quando contemplada do centro do círculo,
Lockyer notou que ela se alinhava com a terraplenagem antiga de Sidbury
HilI. Quando prolongada na direção oposta, essa linha se alinhava com
Grbvely CastIe e com Castle Ditches, também terraplenagens antigas. Esse
alinhamento fora notado anteriormente pelo Coronel Johnstone, então Diretor
Geral de Reconhecimento da Artilharia. A linha fora utilizada num
reconhecimento aperfeiçoado do distrito, que levou a um aumento da
exatidão dos mapas de Reconhecimento da Artilharia.
A seção entre Grovely Castle e Stonehenge, que tem aproximadamente seis
milhas de extensão, pareceu a Lockyer formar um dos lados de um triângulo
eqüilátero cujo ápice está no sítio da antiga cidade de Old Sarum, também
uma terraplenagem antiga. Old Sarum está no alinhamento Stonehenge-Old
Sarum-Salisbury CatedralClearbury Ring-Frankenbury. Assim, o esboço de
Stonehenge, cuja geometria foi desenhada segundo fatores celestiais, está
integrado com a geometria da paisagem artificial do país, de acordo com as
posições de outras terraplenagens antigas, e é definido por suas localizações e
as define.
Stonehenge combina muitas geometrias num esquema magistral. Relacionada
a fenômenos celestes e ao território vizinho, está situada num ponto
geomântico chave em relação à geometria de toda a paisagem da
Inglaterra meridional. O henge está situado sobre muitas linhas ley
importantes, incluindo uma que parte da torre da igreja de St. Michael, que
está no alto de Glastonbury Tor. Este ley, que vai de Glastonbury Tor até um
túmulo situado em Deerleap Wood, perto de Dorking, no Surrey, passando
por St Michael, Gare Hill, Maiden Bradley Priory, Stonehenge e Shere
Church, é, como a linha do pôr-do-sol em Stonehenge, uma extensão do lado
de uma figura geométrica de vastas dimensões. Nesse caso, é a extensão do
lado de um decágono que liga pontos geomânticos vitais aos de um outro.
A geometria do henge, em si mesma, baseada no eixo solsticial, apresenta
uma tendência à divisão sêxtupla. Este fato foi percebido desde a época
de Inigo Jones (1652) e evocou comentários de místicos do porte de John
Wood, Hermon Gaylard Wood e John Michell. A descoberta de Lockyer de
um triângulo eqüilátero com lados que medem seis milhas liga a geometria
sagrada sêxtupla microcósmica à geometria da paisagem macrocósmica.
Lockyer, todavia, foi apenas um numa longa linha de pesquisadores que
estudaram o alinhamento de sítios antigos. Entre 1870 e 1872, um perito em
estradas romanas chamado William Henry Black tornou pública uma teoria
surpreendente. Ele persistiu em seus estudos por cinqüenta anos antes de
liberar os seus resultados a um público insensível e incrédulo. Black
pretendia ter descoberto nada menos do que todo um sistema de "grandes
linhas geométricas", radiais e poligonais, que cruzavam toda a Grã-Bretanha
e avançavam para além dela. Elas ligavam de maneira precisa os maiores
marcos de fronteiras, chegando a definir inclusive os marcos limítrofes dos
municípios.
Anteriormente, esse conceito nunca fora corrente. Além de uma referência
que se encontra num obscuro livro ocultista publicado em 1846 - feita em
relação a uma linha de terraplenagens antigas em Wiltshire -, até mesmo
os alinhamentos não haviam recebido apoio algum.
Blafk morreu em 1872, mas nenhum sucessor chegou a elabora! ou mesmo
corroborar suas descobertas. Todavia, ele não deixou deexercer influências.
Seu maior comentário sobre as "grandes linhas geométricas" foi feito em
Hereford em 1870 durante uma viagem de campo da Associação
Arqueológica Britânica. O encontro em que Black fez sua exposição foi
presidido por uma personalidade local, o Dr. BulI, do Clube dos
Naturalistas de Woollhope. Nos anos que se seguiram à morte de Black, Bull
mencionou a sua obra em muitas ocasiões. A um desses encontros estava
presente um moleiro e pioneiro fotográfico interessado em antigüidades -
Alfred Watkins.
Cinqüenta anos após Black ter falado em Hereford, Watkins anunciou que
fizera uma descoberta momentosa - alinhamentos de sítios antigos, aos quais
deu o nome de "leys". Watkins, como Black e outros antes dele, descobriram
que as terraplenagens antigas, os marcos fronteiriços, as igrejas e outras
espécies de monumentos antigos estavam arranjados em linhas retas. Com
seus livros Early British Trackways, The Old Straight Track e Archaic
Tracks Around Cambridge, Watkins tornou-se o expoente mais conhecido
dos sítios alinhados, o pai dos "caçadores de ley", como são conhecidos
os seus seguidores. Diferentemente de Black, que ensinava que as suas
"grandes linhas geométricas" eram os remanescentes de uma inspeção antiga,
Watkins considerava que os seus alinhamentos eram os resíduos de uma
antiga rede de veredas.
Watkins apenas arranhou a superfície dos alinhamentos orientados e nem
chegou a tocar o relacionamento dos centros radiais com a geometria. Isto
parece estranho, pois Watkins certamente ouvira falar de Black e deve ter
conhecido a obra de MacLellan Mann, que mencionara "pedras (...) num
relacionamento geométrico exato". De qualquer forma, Watkins dedicou o
resto de sua vida a disseminar as suas idéias sobre os alinhamentos. Embora
tenha morrido em 1935, foi só nos últimos quinze anos que sua obra tornou-
se conhecida e estudos baseados nela, especialmente os de Paul Devereux e
Ian Thomson, verificaràm muitas das suas descobertas.
Watkins e a sua escola ignoravam em grande medida a obra de Lockyer, que
exercera mais impacto na Alemanha do que em sua nativa Grã-Bretanha.
Pouco tempo após a publicação de seu livro Stonehenge and Other British
Stone Monuments Astronomically
Considered (1909), um pesquisador alemão chamado Albrecht publicou uma
discussão sobre o significado astronômico de Stonehenge no periódico Das
Weltall (O Universo). A sua fonte inicial foi Lockyer. Pouco tempo depois,
Albrecht foi morto na Primeira Guerra Mundial, mas, em 1920, o Padre
Leugering leu seu livro e começou a procurar sistemas similares na Vestfália,
onde nascera.
A derrotada Alemanha dos anos 1920 era um terreno fértil para os
sentimentos revolucionários e chovinistas e os estudiosos da "geografia
sagrada", como se dizia então, encontraram seu refúgio. O colaborador de
Leugering, Josef Heinsch, advogado e projetista regional, descobriu
alinhamentos do tipo dos de Stonehenge por toda a Alemanha. Em suas
pesquisas, estudou a geografia sagrada e seu aspecto microcósmico, a
geometria sagrada, que demonstrou serem dois aspectos da mesma disciplina
geomântica.
O paladino principal da cultura germânica antiga foi Wilhelm Teudt, que,
mais que todos os outros, devia tornar-se a figura de proa da ciência da
geometria da paisagem. Em seu grande livro Germanische Heiligtümer
(Santuários alemães antigos), publicado em 1929, anunciou a sua descoberta
de alinhamentos aos quais denominou heilige linien (linhas sagradas). Estas,
segundo ele, baseavam-se em fenômenos astronômicos. Na Teutoburger
Wald, floresta que é o coração místico da Alemanha, sítio de muitas façanhas
legendárias e heróicas, Teudt estudou as orientações das terraplenagens
hexagonais irregulares de Haus Gierke, em Oesterholz. Essas terraplenagens
estavam situadas ao redor de uma cabana de caça do século XVII, mas Teudt
pretendja que as terraplenagens fossem os resíduos de um antigo observatório
astronômico. As orientações das terraplenagens foram testadas por
astrônomos profissionais, que descobriram que elas' foram alinhadas em suas
posições, segundo muitas características astronômicas, em 1800 a.C. Heinsch
tomou a liberdade de discordar, afirmando que as formas das terraplenagens,
embora antigas, estavam determinadas pela geometria sagrada.
As heilige linien de Teudt, que ligavam sítios significativos, embora fossem
primordialmente astronômicas, eram similares em conceito às linhas
geométricas de Black e às leys de Watkins. A partir de uma terraplenagem
qualquer mais antiga, Teudt descobriu que deveria existir pelo menos uma
marca de orientação na forma de uma "torre de relógio" situada ao longo do
eixo norte-sul ou leste-oeste. As linhas ligavam sítios sagrados em relações
geométricas significativas, estando elas próprias ligadas a fenômenos
astronômicos.
No final dos anos 1930, a obra de Teudt e de seus colegas foi
retomada por alguns nazistas e a ela foi propiciado um apoio oficial que
possibilitou que os pesquisadores produzissem um amplo conjunto de
material sobre a geometria da paisagem. Josef Heinsch descobriu um vasto
sistema interligado de alinhamentos e de figuras geométricas com distâncias
e ângulos significativos que cobriam seções amplas do vale do Reno. Como
os pesquisadores geomânticos anteriores, descobriu que a geometria da
paisagem era freqüentemente uma versão ampliada da geometria de sítios
individuais, estabelecendo um vínculo físico entre o microcosmo e o
macrocosmo. Heinsch viu a sua descoberta como "um templo sagrado
indestrutível da natureza", que era o continuum da geometria sagrada em
círculos e templos de pedras sem o esboço da paisagem.
Com a destruição da Alemanha nazista, todas as pesquisas geomânticas
alemãs cessaram. A obra de Teudt e dos seus seguidores foi esquecida, até
que os pesquisadores geomânticos ingleses a redescobriram nos anos 1970.
Muito da obra de Heinsch e de seus colegas tem saído agora em tradução
inglesa e se transformou nos dados mais detalhados e mais convincentes
coletados até agora.
Uma nova geração de pesquisadores está agora estudando a geometria da
paisagem. Em seu livro City of Revelation, John MichelI revelou a existência
de uma grande figura geométrica na Grã- Bretanha meridional. Os três
antigos "coros perpétuos" celtas de Llantwit Major, Glastonbury Abbey e
Stonehenge, segundo esse pesquisador, formam três vértices de um
decágono regular de
proporções majestosas. Existe um quarto vértice em Goring-on- Thames,
onde havia antes um grande templo pagão na junção de muitas veredas
importantes. O centro desse vasto decágono está na aldeia de Whiteleaved
Oak, na qual se reuniam os antigos municípios de Hereford, Gloucester e
Worcester. Esse decágono relaciona-se em ângulos e em distância a outros
centros geomânticos da Grã- Breta- nha, sobre os quais muito se tem escrito
ultimamente.
Os pesquisadores, de Black a Michell, encontraram os padrões antigos
fixados ,indelevelmente na paisagem. As linhas que zigue- zagueiam pelo
país têm obviamente a mesma antigüidade dos círculos de pedra, mas as
igrejas cristãs mais modernas e as granjas podem ser invariavelmente
enquadradas no mesmo modelo. Todas essas descobertas - tanto na escala das
gravações em pedra e nos círculos feitos com esse material quanto através de
toda a extensão da paisagem - apontam para a existência de uma civilização
mais antiga, agora completamente desaparecida, cuja tecnologia espiritual da
geometria não foi superada. Sua importância pode ser avaliada pela
sobrevivência de seu conhecimento nas escolas de mistério da Idade Média.
Podemos, assim, traçar uma linha progressiva em que as primitivas gravações
em rocha de antigüidade inimaginável levam, com a astronomia, à construção
de observatórios de pedra complexos e sofisticados que também estavam
ligados a uma matriz geométrica mais ampla. Por imposição da religião
cristã, esses sítios foram freqüentemente apropriados pelas igrejas. Todavia,
as orientações e as posições foram preservadas e a geometria estava
diretamente relacionada à estrutura antiga. O Professor Lyle Borst
demonstrou em seu livro Megalithic Software que os padrões geométricos
que subjazem às capelas orientais das catedrais de Wells, Lincoln,
Canterbury, Gloucester, Winchester e de muitos outros lugares derivaram da
geometria megalítica exposta por Thom e,
portanto, indicam a presença naqueles locais de círculos de pedras. Nos casos
das catedrais góticas e românicas, os geômetras fizeram uma síntese da
geometria megalítica antiga com o ad triangulum e o ad quadratum
maçônicos. A geometria dos céus, traduzida na pedra, foi novamente
transmutada para o serviço de outros deuses, mas permanece até hoje
reconhecível para aqueles que sabem o que devem buscar.

4. A Geometria Sagrada Egípcia Antiga


Geometria significa literalmente "medição da terra" e seudesenvolvimento no
Egito antigo deveu-se precisamente a esse objetivo. Numa data muito
recuada no tempo, possivelmente há cinco ou seis mil anos, os egípcios
desenvolveram um esquema empírico de agrimensura do solo. O esquema
básico nasceu da necessidade de se evitar que o transbordamento anual do rio
Nilo destruísse todasas fronteiras. Com a criação do governo centralizado, e a
fim de assegurar uma taxação eqüitativa e evitar disputas, as fronteirastinham
de ser restabelecidas depois de cada inundação. Necessariamente, o método
de agrimensura tinha de ser praticável e simples. Não exigia mais que dois
homens e uma corda cheia de nós, além do conhecimento do chamado
triângulo "pitagórico", séculos antes que Pitágoras caminhasse por este
mundo.
O traçado das áreas requeria um método seguro para a produção do ângulo
reto. . Este era conseguido por intermédio da divisão de uma corda em treze
divisões iguais. Quatro unidades formavam um lado de um triângulo, três o
outro e mais cinco constituíam a hipotenusa oposta ao ângulo reto. Esse
método simples persistiu até os nossos dias e foi utilizado quando se deu
início à construção de túmulos e templos. Foi a origem da histórica
"cordagem do templo" e, a partir dessa técnica, era relativamente simples
a tarefa de esboçar
retângulos e outras figuras geométricas mais complexas.
Enquanto se desenvolvia, toda a antiga cultura egípcia mesclou-se tão
completamente à religião canônica, que quase todos os atos eram
formalizados num ato de adoração. Os templos e a arte dos túmulos são os
melhores exemplos dessa vida sagrada rigidamente organizada. Cerimônias
mágicas complexas resultaram de importantes eventos de estado em que o
monarca dirigente representava o papel de personificar uma divindade. No
planejamento dos templos, a formação básica da geometria subjacente era
executada numa complexa cerimônia simbólica.
Em The Dawn of Astronomy, Sir Norman Lockyer observou que a
"cordagem do templo", que o esboçava por meio de uma corda, era
acompanhada de um cerimonial comparável ao da moderna deposição da
pedra fundamental. Ele cita descrições do processo tomadas das inscrições
murais de Edfu, Denderah e Karnak. "Ascendeu o rei", diz uma dessas
inscrições, "vestido com seu colar e sua coroa emplumada; e o mundo todo o
seguiu, e a majestade de Amenemhat. O ker-heb (Sumo Sacerdote) leu o
texto sagrado durante o estiramento da corda de medição e da deposição da
pedra fundamental no pedaço de chão escolhido para esse templo. Retirou-se
então sua majestade Amenemhat e o rei Usertesen a inscreveu no solo diante
do povo".
A corda tinha uma função dupla: fixar a orientação do templo por observação
direta de um objeto celestial e também, a partir daí, esboçar por meio da
geometria o padrão sagrado do próprio templo. Outra inscrição diz: "O Deus
vivo, o filho magnífico de Asti, alimentado peja sublime deusa no templo, o
soberano do país, estira a corda com alegria, com seu olhar voltado para o ak
da constelação da Mão do Touro, estabelece a morada-templo da senhora em
Denderah, como já ocorreu antes". Esta é uma referência aos dois templos da
Deusa em Denderah, um consagrado a Ísis e o outro a
Hathor.
Após fixarem a orientação segundo a constelação da Mão do Touro (agora
conhecida como do Arado ou Ursa Maior), os cordoadores estabeleciam uma
linha em ângulo reto em relação a ela por meio da criação de um triângulo
3:4:5 e, a partir dele, esboçavam todo o templo.
Ao longo de toda a história registrada, a forma retangular representou o corpo
do homem e, por correspondência microcósmica/ macrocósmica, os céus.
Sua forma complementar, o padrão geométrico central ou radjal, igual em
todas as direções e emblema do mundo material, foi admiravelmente
representado no Egito pelas pirâmides.
A construção das pirâmides foi levada a efeito num período relativamente
curto. Embora sejam conhecidas cerca de sessentapirâmides, as maiores e
mais famosas do grupo de três situadas em Giza, perto do Cairo, têm sido,
mais do que quaisquer outras, objeto de escrutínio e de especulação.
Testemunhos de autores antigos, tais como o do grego Heródoto, que viveu
no século V a.C., confirmam que a função primária das pirâmides era servir
de sepulcro.
Os reis egípcios, que reuniam em suas pessoas as funções de sacerdote, rei e
deus, esforçaram-se durante todas as suas vidas terrenas para se munirem de
túmulos custosos que assegurassem a sua sobrevivência no pós-vida.
Heródoto menciona brevemente o extenso período de construção da Grande
Pirâmide e afirma que ela era a tumba do rei Quéops. De acordo com O
historiador, foi erigida sob as ordens do rei durante a sua vida de vaidade
despótica e com o intuito de perpetuar a sua memória para sempre.
Quatro séculos após Heródoto, o grande historiador e geógrafo Diodoro
Sículo visitou as pirâmides e nos deixou o seguinte relato: "A maior delas",
escreve Diodoro. "é quadrangular, cada lado mede setecentos pés de
extensão em sua base e mais de seiscentos de
altura; contrai-se gradualmente no topo, onde cada lado tem seis côvados;
está construída inteiramente em pedra sólida, de difícil artesania, mas
duração externa; pois nos mil anos que se diz terem transcorrido desde a sua
construção, as pedras, que alguns dizemser mais de três mil e quatrocentas,
nunca foram movidas de suas posições originais e o todo permanece indene".
O vasto volume e a impressionante geometria das pirâmides fizeram que
muitos cronistas e comentadores antigos a elas se referissem em suas obras. O
geógrafo grego Estrabão (c. 63-25 a.C.) visitou-as e o soldado-cientista
romano Plínio, além de escrever sobre as pirâmides, mencionou outros
autores que haviam escrito sobre elas; Euheferus, Aristágoras, Duris de
Sarnos, Antístenes (o filósofo negativista), Demétrio, Demóteles e Apião.
Todas as suas obras sobre as pirâmides estão perdidas, o que nos faz lembrar
quão fragmentárias são as fontes escritas da história de que dispomos no
presente.
Nosso interesse, contudo, está nos princípios da geometria sagrada
subjacente à estrutura desta e de outras pirâmides. A Grande Pirâmide pode
ser vista como o ápice de uma tradição que começou com a Pirâmide Escada
do rei Zoser em Saqqara (c. 2.750 a.C.). Muitas outras pirâmides são
anteriores à Grande Pirâmide e seus desenhos apresentam um padrão
evolutivo que culminou na própria Grande Pirâmide. Depois, a tradição
declinou e uma série de pirâmides abastardadas foi construída, muitas das
quais se de- sintegraram devido a um acabamento inferior.
A primeira pirâmide verdadeira, o túmulo do rei Zoser em Saqqara, foi
desenhada por Imhotep, um homem de gênio tão excepcional, que, após a sua
morte, foi elevado à condição do deus que fundamentou a medicina e a
arquitetura. A Pirâmide Escada tinha uma planta baixa quadrada e, como os
zigurates babilônicos, era mais uma "montanha sagrada" em forma de
escada do que uma pirâmide de lados
nivelados. Estava contida num vasto santuário que tinha a forma de um
quadrado duplo cercado por uma parede de 30 pés. O santuário, um
empreendimento grandioso em si mesmo, tinha 1.788 pés de comprimento -
um terço de milha - e estava orientado no eixo norte- sul. A forma desse
cercado forneceu o padrão dos lugares sagrados posteriores. Foi usada, inter
alia, séculos depois, no Tabernáculo e no Templo dos Judeus, e também
como o padrão subjacente da Capela Real de Whitehall, em Londres.
A Pirâmide Escada representa uma aplicação repentina de mé todos que
parecem ter sido desconhecidos anteriormente. A tecnologia do corte da
pedra e do transporte era conhecida, mas nunca fora tentado um
empreendimento dessa grandeza. No pátio da Pirâmide Escada havia uma
estátua em cujo plinto estava o nome de Imhotep com a citação "Chanceler
do Rei do Baixo Egito, Primeiro após o Rei do Alto Egito, Administrador do
Grande Palácio, fidalgo hereditário, Sumo Sacerdote de Heliópolis,
Construtor, Escultor e Fabricante-em-chefe de Vasos". Lista tão
impressionante de posições oficais realça o excepcional talento desse homem
que, acima de todos os outros, encabeça a Tradição Ocidental da geometria
sagrada.
Imhotep era filho de Ka-nefer, Diretor de Obras do Alto e do Baixo Egito,
não um homem de sangue real. Todavia, a lista de títulos de sua efígiee os
atributos que lhe foram concedidos após sua elevação ao panteão
demonstram a unidade essencial de magia, religião e tecnologia egípcias
antigas. A descoberta da tumba dessa figura seminal foi durante muito
tempo um sonho acalentado pelos egiptólogos. Acredita-se que esteja
em algum lugar nos arredores de Saqqara, mas até hoje permanece inviolado
o local de repouso do originador da arquitetura no Ocidente.
Após a pirâmide de Zoser, uma outra foi iniciada em Saqqara pelo rei
Sekhemket. Por alguma razão desconhecida, foi abandonada a uma altura de
apenas vinte pés; uma terceira pirâmide de degraus, em
Zawiyet el Aryan, que se acredita ter sido ordenada pelo rei Khaba, também
foi abandonada durante a construção. Depois dessas pirâmides de degraus,
foram erigidas pirâmides verdadeiras revestidas de lajotas polidas feitas de
calcário de Tura.
A primeira das pirâmides verdadeiras, a do rei Sneferu, em Meidum, foi um
desastre. No seu livro The Riddle of the pyramids, Kurt Mendelssohn
mostrou, a partir da configuração do cascalho que circunda o centro dessa
pirâmide em ruínas, que ela desmoronou durante a construção. O
acabamento imperfeito e a natureza' inovadora do projeto causaram um
colapso repentino. Esse desastre, num período em que raramente se viam no
mundo edifícios dessas dimensões, deve ter produzido um efeito profundo
sobre o povo da época e pode ser cultuado em forma deturpada no mito da
Torre de BabeI. Como a pirâmide de Zoser, o modelo de Meidum foi
desenhado como uma pirâmide de degraus, mas foi preenchido com blocos
de vedação e de revestimento. Os poucos blocos de revestimento
remanescentes, retirados de uma caótica pilha de cascalho que cerca essa
pirâmide, mostram que o ângulo de elevação era 52°, Um ângulo de grande
importância na geometria sagrada.
Quando a pirâmide de Meidum foi surpreendida pelo desastre, uma outra
pirâmide, em Dahshur, ainda estava em construção. Esta é única dentre todas
as pirâmides que sobreviveram. A parte inferior dorevestimento eleva-se num
ângulo de 54º; depois, num ponto situado a meio caminho do topo, muda
abruptamente para 43°30'. É provável que o arquiteto dessa pirâmide tivesse
alterado o ângulo a fim de que o desastre de Meidum não se repetisse nessa
construção.
Todavia, é óbvio, em comparação com todas as outras pirâmides, que a
"Pirâmide Encurvada", como ela é conhecida, representa uma aberração em
relação a uma norma ideal. As pirâmides revestidas representam o
espetáculo celestial dos raios do sol rompendo por
entre as nuvens após uma tempestade - uma manifestação do poder divino de
Ra. A mudança total das pirâmides de degraus inspiradas em Imhotep para a
forma pura parece ter ocorrido na mesma época em que os sacerdotes de
Heliópolis passaram a ocupar uma posição de poder no Egito. Curiosamente,
a sua ascendência introduziu uma nova interpretação da geometria sagrada: a
pirâmide verdadeira, o obelisco e o ben-ben, o pilar cônico sagrado do
Templo de Ra, em Heliópolis.
Após o fiasco da Pirâmide Encurvada, a próxima pirâmide, situada a uma
milha ao norte, foi construída com o ângulo inferior de 43°30', o ângulo da
metade superior da sua antecessora. Todavia, nem tudo estava perdido. As
lições dessas três falhas foram analisadas e a construção da maior estrutura
jamais erigida pelo homem foi iniciada: a incomparável Grande Pirâmide.
A Grande Pirâmide, construí da aparentemente para alojar os restos mortais
do rei Khufu (mais conhecido por Quéops, seu nome grego), foi edificada
com uma planta baixa quase perfeita de 775 pés e um ângulo de ascensão de
51°52'. Seu volume é um estonteante acúmulo de 6 1/2 milhões de toneladas
de calcário. O ângulo de ascensão dá à pirâmide uma propriedade geométrica
única, que re- presenta a quadratura mística do círculo: sua altura está para a
mesma razão da sua circunferência, assim como o raio para a circunferência
de um círculo. Essa razão é 1/2 pi . pi = 3,1416... e, nessa pirâmide, esse
número transcendental está representado com uma margem de erro de apenas
0,1%.
O ângulo de 51°52' tem a propriedade de ser o ângulo produzido por um
gradiente de 4:1. O ângulo utilizado em Dahshur, 43°30', é preduzido por um
gradiente de 3:1. Assim, a simples utilização de números inteiros, que é a
chave da geometria sagrada, ao longo de toda a história, existe também no
contexto egípcio. "A existência das pirâmides", escreveu James Stirling em
The Canon, "(...) parece ser
uma confirmação notável das afirmações dos escritores primitivos -de que
a arquitetura dependeu originalmente da geometria - e vemosno Egito a
primeira aplicação dessa ciência do construir. (...) Nasmãos dos
arquitetos geométricos, a pirâmide - por seu volume, superfície, linhas e
ângulos - poderia fornecer os meios de se registrar medidas e números. Por
objetivos práticos, também, a pirâmide é a forma mais adequada para uma
estrutura permanente"'. Outra característica geométrica das pirâmides que
tem sido muitocomentada diz respeito às suas faces. Tem sido muito
discutida ateoria de que as pirâmides foram concebidas como
representaçõesdo hemisfério setentrional em projeção quadrada. Cada face
plana dapirâmide deve representar um quadrante curvo desse hemisfério,
segundo essa teoria. A pirâmide cumpre essa consideração
geométrica como nenhumaoutra figura: para se projetar um
quadrante esférico num triângulo plano, a base do quadrantedeve
ser igual à base do triângulo e deve ter a mesma altura. AGrande
Pirâmide cumpre essas determinações, pois que o ângulo deincli nação dá a
relação pi entre a altura e a base.
As complexidades da geometria inerente à Grande Pirâmide têm sido
amplamente desemaranhadas numa pletora de cálculos e de teorias desde o
último século. Heródoto soube pelos sacerdotes do Templo que a Grande
Pirâmide foi construída de maneira que a área de cada face fosse igual ao
quadrado da sua altura. Essa relação parece incorporar a Seção Dourada, que,
de acordo com o geômetra moderno Schwaller de Lubicz, não foi vista em
termos numéricos mas como emblema da função criativa ou geradora,
fundamento de uma série infinita.
No interior da Grande Pirâmide há uma enigmática série de passagens cuja
intenção ainda não pôde ser determinada. Ela compreende três câmaras: a
Câmara do Rei, que contém apenas um sarcófago vazio; a Câmara da
Rainha, que é menor e também
está vazia; e uma câmara inacabada escavada na rocha viva ao nível do solo.
Além dessas três câmaras, há uma passagem impressionante conhecida como
Grande Galeria, alinhada com um revestimento de granito cuidadosamente
executado e dotada de um teto finamente mi sulado. Todavia, nunca se
descobriu na Grande Pirâmide nada que fosse digno de menção -
característica que forneceu aos piramidólogos farta munição para as suas
teorias sobre armazéns e observatórios.
Hubert Paulsen, arquiteto dinamarquês, desorientado pela faIta de conteúdo,
pretendeu que exista uma outra câmara na Grande Pirâmide que ainda não foi
descoberta. Recorrendo à geometria, ele calculou que a verdadeira
câmara sepulcral, tão abarrotada de riquezas que poderia ofuscar os
tesouros de Tutankhamun - um monarca pobre em comparação a Khufu -,
deveria estar próxima do centro da pirâmide e abaixo do nível do solo. A
Câmara do Rei - que se poderia imaginar destinada a conter os requisitos
necessários à vida pós-morte do Faraó, além do fato de estar a 130 pés acima
do nível do solo - não está exatamente na direção do ápice da pirâmide. A
câmara de Paulsen, infelizmente, não foi localizada, e experiências levadas a
efeito na Pirâmide de Khafre (Quefrem) também resultaramem fracasso.
Comparada à Grande Pirâmide, cujas câmaras e passagens foram reveladas
pela queda acidental de um bloco do teto na passagem da entrada, a Pirâmide
de Khafre aparentemente não possui passagens. Há uma câmara pequena, na
rocha situada abaixo do vasto volume da estrutura. Ela sempre pareceu
anômala aos olhos dos egiptólogos, e uma tentativa de obter um "raio-X" da
pirâmide foi feita em 1970 pelo Professor Luis Alvarez, da Universidade da
Califórnia. Alvarez tentou registrar a passagem pela pirâmide de raios
cósmicos, que chegam à Terra vindos do espaço. Usando um equipamento de
detecção extremamente sofisticado, fez observações que
abrangeram um período de muitos dias. Na análise dos resultados, os raios
apresentaram variações inexplicáveis que tornaram inconclusivo o
experimento. A variabilidade dos resultados talvez fosse causada pela
geometria da pirâmide, seu posicionamento, sua relação com o campo
magnético da Terra ou alguma combinação desses e de outros fatores. Seja
qual for a causa, o experimento de Alvarez não conseguiu detectar quaisquer
câmaras internas ou passagens.
Muitas asseverações extravagantes foram emitidas no sentido de se
interpretar a complexa disposição das passagens e de outras características
internas da pirâmide de Khufu, mas na verdade nenhuma delas merece mais
atenção do que as outras. Dignas de nota são aquelas teorias de que o
Segundo Advento de Cristo, o fim do mundo ou outro acontecimento
momentoso estão pressagiados por vários degraus, várias junções de pedras,
vergas de passagens e fissuras. Os livros sobre profecias da pirâmide
apresentam a infeliz tendência de exigirem uma revisão drástica quando o
apocalipse profetizado não ocorrer no tempo previsto. Que o leitor julgue a
validade da obra de Piazzi Smith, John Taylor, John Davidson, Edgar
Stewart, Basil Steward e seus imitadores.
Embora as pirâmides sejam a manifestação mais augusta da geometria
sagrada no Egito, suas artes canônicas geometricamente inspiradas
impregnaram todos os artefatos sagrados. O título de "Fabricante-em-chefe
de Vasos" dado a Imhotep demonstra que se exigia um grande geômetra
para o desenho correto e a manufatura de utensílios sagrados. Produtos da
arte egípcia de qualquer período são, com poucas exceções, reconhecidos
instantaneamente como tal. O estilo foi praticado por mais de 3.000 anos, até
mesmo durante o período helênico posterior à conquista do país por
Alexandre o Grande. As medidas canônicas e o sistema proporcional,
considerados como expressões de um ponto de vista
mágico do mundo, inibiram qualquer inovação. O papel do artista era, então,
bastante diferente do de sua contrapartida moderna. O conceito do artista
como uma personalidade criadora individual éabsolutamente moderno. Como
outros artesãos, a maioria dos escultores e pintores fazia parte de um grupo
que aderia rigidamente aos cânones artísticos ordenados previamente. Sua
posição pode ser comparada à dos desenhistas modernos de circuitos
impressos ou microprocessadores, que estão aprisionados a uma estrutura
tecnológica de função que depende apenas das leis da eletrônica.
A exemplo das suas contrapartidas tecnológicas modernas, os artesãos do
Egito antigo eram trabalhadores de precisão, os praticantes primitivos da
crença universal de que os atos de magia devem ser realizados segundo um
ritual preciso e imutável. A geometria subjazia a essas formas rituais.
A base técnica da geometria egípcia era impecável. Na verdade, o sucesso
posterior dos gregos antigos, com os quais hoje se associa prontamente a
geometria, estava solidamente baseado no conhecimento e na técnica dos
egípcios antigos. As práticas da geometria egípcia não estão perdidas,
todavia, pois o grande despertar do interesse pelas antigüidades do Egito
durante oúltimo século levou à redescoberta dos seus fundamentos. Durante
as escavações destruidoras da estrutura da Grande Pirâmide, o Coronel
Howard Vyse descobriu em uma das câmaras "muitas marcas similares às
que foram encontradas em outras câmaras e também muitas linhas vermelhas
que se cruzavam em ângulos retos, com triângulos eqüiláteros em preto,
traçados ao lado da 'intersecção'. talvez com o objetjvo de se obter um
ângulo reto". Essas linhas e essas construções eram necessárias às artes
maçônicas do corte da pedra, sua preparação e seu acabamento. Para
qualquer método técnico de esboço, é necessário possuir uma base
geométrica. O uso de linhas de intersecção para marcar o plano
de fundo de um entalhe foi sistematizado numa grade quadrada. Essa
grade era um auxílio não só para a composição geral e para o desenho da
obra, mas também servia para assegurar que as figuras humanas fossem
executadas segundo as proporções corretasprescritas pelo cânone.

As linhas mestras eram pintadas com um pincel ou feitas com um cordão


molhado em tinta vermelha e os traços eram esboçados com
um pincel feito de fibras vegetais ou um pincel de junco semelhante aos
usados pelos escribas. O escultor cinzelava ao redor dos esboços e a
escultura era então concluída com uma cobertura de gesso. Finalmente, era
pintada com cores canônicas. Retângulos de raiz eram utilizados para
determinar as dimensões principais das figuras numa estrutura originalmente
quadrada. Assim, a simetria dinâmica impregnou-se canonicamente na
escultura que reproduzia em suas dimensões todos os atributos sagrados da
geometria. Isto se acrescentava ao seu conteúdo figurativo e simbólico. Esses
retângulqs eram facilmente construídos por geometria simples a partir de uma
grade quadrada que também possuía o significado simbólico do mundo, de
que o homem era o Templo. A geometria fundamental da fundação do
Templo era reproduzida microscopicamente em cada entalhe canônico,
segundo as fórmulas antigas do corpo do Templo. característica que podemos
encontrar ao longo de toda a história registrada da arquitetura.
Essa combinação de grade subjacente, de geometria sobrejacente e de forma
externa é um conceito trifacetado da arte sagrada sem o qual as formas
múltiplas mal podem ser compreendidas. Esse conceito três-em-um,
encapsulado na Trindade-de Ísis, Horus e Osíris, ocorre ao longo de toda a
arte canônica do Egito para a frente. Numa arte sagrada pode predominar a
forma geométrica. tal tomo nas obras célticas ou nos padrões de azulejos
islâmicos. Trata-se de manifestação do segundo nível. Em geral, a
manifestação visível da forma é suprimida. Essa geometria tem a
característica de incorporar em si mesma a metrologia sagrada do sistema
qualquer que elarepresenta.
Uma característica da geometria sagrada que torna a ocorrer ao longo do
tempo é a escolha de geometrias que são tão inclusivas quanto possível. Uma
geometria que inclui o quadrado, o círculo. o vesica e o triângulo equilátero,
bem como vários retângulos de raiz e
a Seção Dourada, tem sido considerada como o microcosmo ideal. A tumba
do rei Ramsés IV do Egito é um exemplo típico. Ramsés foi enterrado numa
tumba cavada na rocha. não numa pirâmide, pois a construção da pirâmide
foi abandonada. A tumba cavada na rocha continha um sarcófago triplo. O
sarcófago interior tinha a forma de um quadrado duplo, o mais santo dos
recipientes sagrados. Ao redor dele, o sarcófago intermediário tinha as
dimensões de um retângulo da Seção Dourada, ao passo que o sarcófago
externo possuía dois retângulos da Seção Dourada iguais ao do sarcófago
intermediário. A tumba foi dimensionada numa projeção da geometria desse
sarcófago triplo. Essa geometria harmônica, levada a um grau de perfeição
altíssimo pelos gregos antigos, foi aplicada em toda a arte sagrada egípcia.
Os peitorais e outros amuletos mágicos encontrados em egípcios
mumificados foram analisados geometricamente. Eles exibem essa geometria
que congrega o quadrado duplo e a Seção Dourada, fato que demonstra a
unidade da geometria sagrada egípcia desde o maior até o menor objeto
sagrado.

5. A Geometria Sagrada Mesopotâmica e Hebraica


Embora o relato bíblico da destruição da Torre de Babei talvez seja uma
lembrança popular deturpada do colapso que ocorreu durante a construção da
Pirâmide de Meidum, a tradição da edificação de montanhas sagradas
artificiais encimadas por templos tem raízes sem dúvida na Babilônia. Seja
qual tenha sido a origem desse colapso lendário, havia com certeza na
Babilônia um zigurate cujas dimensões e cuja geometria têm sido
reconstruídas com o auxílio de evidências documentais e arqueológicas.
Desenhadas como reproduções miniaturizadas do arranjo do universo, essas
montanhas sagradas estavam orientadas para as quatro direções cardeais. O
nome dado a elas, ziggurat, significava "pico dos deuses". Estima-se que os
zigurates escavados nas cidades mesopotâmicas de Ur, Uruk e Babilônia
mediam trezentos pés da base até o ápice. O zigurate de Khorsabad media
150 pés quadrados na hase e 135 pés de altura, desde o pavimento até a
plataforma que o encimava.
A estrutura compreendia sete estágios, representando cada um deles os
atributos de um dos planetas e pintado com uma das cores planetárias. O
zigurate de Nabu, em Borsippa (Barsipki), era conhecido como a "Casa dos
Sete Limites do Céu e da Terra" e representava a ligação cósmica que existe
entre os planos terrestre e celestiaI. James Fergusson, em A History of
Architecture in All Countries (1893), escreveu:
"Esse templo, segundo a decifração dos cilindros que foram encontrados em
seus ângulos, era dedicado aos sete planetas ou esferas celestes e seus
estágios foram adornados, em conseqüência, com as cores de cada um deles.
O mais baixo de todos, além de tudo ricamente apainelado, era preto, a cor de
Satumo; o seguinte, laranja, a cor de Júpiter; o terceiro era vermelho, cor
emblemática de Marte; o quarto, amarelo, pertencente ao Sol; o quinto e o
sexto eram verde e azul, respectivamente, dedicados a Vênus e a Mercúrio; e
o último talvez fosse branco, a cor pertencente à Lua, cujo lugar no sistema
caldaico era o mais elevado.”

A ligação cosmológica foi pesquisada pelo Professor Stecchini, que acredita


que o zigurate de sete estágios era uma representação do hemisfério
setentrional da Terra, representando o nível do solo o equador e o ápice, o
pólo. Na geografia grega, a área situada entre o equador e o pólo era dividida
em sete zonas, cada uma menor do que a anterior para compensar o grau de
longitude cada vez menor à medida quc se aproxima do pólo. A alegação de
Stecchini de que o zigurate representava o hemisfério é apoiada pelos
tabletes cuneiformes que afirmam que cada nível do zigurate tinha uma área
específica determinada por unidades padronizadas de medida deterra.
O tablete cuneiforme conhecido como Tablete Smith afirma especificamente
que cada terraço do zigurate da Babilônia possuía sua própria medida
simbólica. Essa diferenciação possibilitou que vários esquemas geométricos
fossem incorporados ao edifício. O terceiro estágio era particularmente
importante, porque foi construído na forma de um quadrado com lados de
seis côvados - uma unidade fundamental da medida babilônica de terra. O
ângulo de elevação emvários pontos produz razões geométricas importantes,
tais como V5
-1, ângulos fundamentais na agrimensura da terra, também
encontrados na Grande Pirâmide.
Hermon Gaylord Wood, um metrólogo bostoniano, analisou a escrita
cuneiforme como parte de sua grande pesquisa sobre a metrologia e o
simbolismo antigos. Demonstrou que os caracteres dessa escrita derivaram da
divisão duodecimal do círculo e que, de fato, essa divisão ainda é usada hoje
no relógio e na bússola.
A influência da geometria egípcia e da magia caldaica foi grandemente
sentida pelos israelitas. Ao longo de toda a Bíblia, descrevem-se em detalhe
objetos e edifícios sagrados com medições precisas que ali se diz terem sido
dadas por Deus. A mais antiga dessas construções dimensionadas
canonicamente é a mitológicaArca de Noé, descrita da seguinte maneira:

"Faze para ti uma arca de madeira alisada; farás nela uns pequenos
repartimentos, e betumá-Ia-ás por dentro e por fora. E eis aqui como a hás de
fazer; ela terá trezentos côvados de comprimento, cinquentade largura e
trinta de altura. Farás na arca uma janela, e o teto que a há de cobrir será de
um côvado; porás também nela uma porta a um lado; e disporás um andar
em baixo, um no meio e outro terceiro andar.”
Gênese 6: 14-16.

Na tradição cabalística, a Arca de Noé é dividida em três andares, com 11


seções cada um, o que perfaz o número sagrado 33. A Arca possui duas
aberturas: a porta principal no andar mais baixo, por onde as vidas animais
passam para o plano da existência física, e uma janela pequena de um côvado
no alto da cabeça, por onde é solto o espírito, simbolizado pela pomba.
Muitos praticantes do conhecimento oculto comentaram esse vaso sagrado.
Filo, o Judeu, afirma que a Arca de Noé foi construída segundo o
padrão do corpo humano. Heinrich Cornelius Agrippa
concorda. E escreve:

"Dado que o homem é a mais bela e a mais perfeita obra de Deus, e a Sua
imagem, e também o menor dos mundos, ele, portanto, por uma composição
mais perfeita, e uma harmonia doce, e uma dignidade mais sublime contém e
conserva em si todos os números, todas as medidas, todos os pesos, todos os
movimentos, todos os elementos, e todas as outras coisas que o constituem; e
nele, de fato, está a habilidade suprema (...) além disso, o próprio Deus
ensinou Noé a construir a Arca segundo a medida do corpo do homem e Ele
fez toda a estrutura do Mundo ser proporcional ao corpo do homem.
Portanto, alguns que escreveram sobre o microcosmo, ou sobre o homem,
afirmam que o corpo mede 6 pés, um pé 10 graus, cada grau 5 minutos; têm-
se 60 graus, que fazem 300 minutos, aos quais são comparados muitos
côvados geométricos com que Moisés descreve a Arca; pois, como o corpo
de um homem tem 300 minutos decomprimento, 50 de largura e 30 de altura,
assim também a Arca era longa de 300 côvados, larga de 50 e alta de 30.”

Em The Canon, William Stirling relaciona as medidas da Arca com o


tamanho do planeta Terra e com os cânones da cronologia segundo a
história sagrada hebraica: "Se essa explicação for correta", escreve Stirling,
"devemos imaginar, pelas proporções da arca, a vasta figura de um homem, à
imagem e à semelhança de Deus, cujo corpo contém a medida do caminho do
sol na eclíptica, o circuito da Terra eas órbitas dos sete planetas".
Esses esquemas cosmológicos podem ser encontrados ao longo de toda a
arquitetura antiga, especialmente no Egito e na Babilônia. A Arca, embora
seja principalmente um barco em que um homem justo,sua família e seu gado
escaparam a um dilúvio que desabou sobre toda a terra, é na verdade uma
imagem cósmica do homem, o
microcosmo que mais uma vez foi conformado ao padrão dado por Deus.
Aqueles que se ajustam ao esquema cósmico sobrevivem, os que não se
ajustam perecem.

Uma outra estrutura sagrada hebraica cujas dimensões, e por conseguinte a


geometria, foram precisamente delineadas foi o Tabernáculo. O Tabernáculo
era um santuário portátil utilizado pelo povo judeu durante as suas
peregrinações pelo Sinai. Sendo
basicamente um templo móvel modelado segundo protótipos egípcios, o
Tabernáculo era colocado num pátio cuja geometria era a do quadrado duplo,
com 100 côvados de comprimento por 50 de largura. Esse pálio era
demarcado por uma cerca composta de estacas de 5 côvados de altura
plantadas no chão a intervalos de 5 côvados. As estacas eram ligadas por
cordões de linho duplo. Construía-se então toda a planta baixa do
Tabernáculo de acordo com uma grade quadrada modular de 5 côvados -
método de esboço usado no Egito, de onde os israelitas fugiram.
Dentro desse quaprado duplo, o Tabernáculo propriamente dito era um
quadrado triplo de 30 côvados de comprimento e 10 de largura. Suzs paredes
eram construídas de pranchas de madeira de 1 1/2 côvado de largura e de 10
côvados de altura, agrupadas por fortes barras horizontais de madeira. Toda a
estrutura era coberta de peles costuradas em faixas de 30 côvados de
comprimento e 4 de largura. O Tabernáculo era colocado no pátio, orientado
para o oeste, mas sua entrada era orientada para o leste, de maneira que,
segundo Josefo, "quando o sol se erguesse, poderia pousar os seus primeiros
raios sobre ele".
Essa orientação, comum na arquitetura sagrada de todo o mundo, assegura
que a estrutura do santuário esteja integrada diretamente com os fenômenos
cósmicos. Isto é de importância fundamental para as épocas
astronomicameme definidas para a realização de rituais vitais. Como um
microcosmo, era necessário que o templo ou Tabernáculo refletisse
diretamente em suas dimensões, sua geometria e sua orientação as condições
e a estrutura do macrocosmo de que ele era a imagem e um meio de dirigir
o acesso a ela. De fato, Josefo afirma que “essa proporção das medidas do
Tabernáculo era uma imitação do sistema do mundo".
O interior do Tabernáculo estava dividido em dois compartimentos, um
esquema que foi copiado mais tarde no Templo construído em Jerusalém sob
as ordens do rei Salomão. O compartimento externo, chamado de Lugar
Santo, era um quadrado duplo de 20 côvados por 10, ao passo que o
compartimento interno, o Santo dos Santos, compreendia um quadrado
simples. Como a altura do teto do Tabernáculo também fosse de 10 côvados,
o Santo dos Santos era assim um cubo perfeito.
No interior do Santo dos Santos estava o objeto mais sagrado dos judeus, a
Arca da Aliança. Como outros objetos judaicos sagrados, suas medidas
exatas foram registradas. A Arca media 2 1/2 côvados de comprimento,
metade do módulo usado no esboço do Tabernáculo, e 1 1/2 côvado de
largura e de altura. Stirling acreditava que essas medidas tivessem
significação cosmológica:
"Ela media 2 1/2 côvados de comprimento, ou 3 3/4 pés, ou 45 polegadas;
sua largura e sua altura mediam 1 1/2 côvado, ou 2 1/4 pés, ou 27
polegadas. Seu perímetro, era, então, o número místico de 144 polegadas.
Se a Arca fosse uma polegada mais grossa, o que seria perfeitamente possível
para uma caixa desse tamanho, seu conteúdo subiria para 24.860 polegadas
cúbicas, ou o número de milhas da circunferência da Terra.”
Essa interpretação fascinante, naturalmente, depende da antigüidade da
polegada e da milha, um problema espinhoso tornado de difícil solução pelas
reivindicações extravagantes que têm sido feitas na tentativa de uma
interpretação dos mistérios da Grande Pirâmide.
Outro objeto geometricamente determinado que era guardado no
Tabernáculo era a Mesa do Pão da Proposição, modelada segundo um
protótipo egípcio. Essa mesa sagrada ficava do lado de fora do véu que
dividia o Tabernáculo, e, por conseguinte, não se situava no Santo dos
Santos. Suas dimensões eram 2 1/2 côvados por 1 1/2 côvado e 1 côvado,
uma razão de 5:3:2.
O Altar dos Sacrifícios era o equivalente externo da Arca da Aliança. Ficava
no centro do mais externo dos dois quadrados que formavam o Tabernáculo.
A base desse altar era um quadrado de 5x5 côvados,
o módulo modelo. Esse altar representava um dos dois pólos do centro dos
dois quadrados - cada um no seu próprio centro de polaridade -, sendo que a
combinação dos dois no pátio do Tabernáculo era a unidade de opostos
inerente ao Deus supremo. Esse dimensionamento e esse esboço exatos de
uma área sagrada propiciam-nos um raro lampejo do que existe de mais
canônico na geometria sagrada. Todo e qualquer objeto é definido precisa e
exatamente em termos de tamanho e situação, pois alterar qualquer coisa
redundaria num desastre.
A vida nacional dos judeus alcançou seu ponto culminante durante o reinado
de Salomão. Em 1004 a.C., o ato de coroação desse rei foi a ereção de um
templo de adoração de Jeová. Como outros artefatos hebraicos sagrados, o
desenho do Templo foi revelado divinamente ao pai de Salomão, o rei Davi:

"E Davi deu a Salomão seu filho o desenho do pórtico, e o do Templo, e


das suas oficinas, e das suas salas, e dos seus aposentos interiores, e da casa
da propiciação. E o desenho de tudoque ele imaginara e das repartições da
casa do Senhor.”
1 Crônicas 28.

As dimensões do Templo, bem como do Tabernáculo, antes dele,


foram detalhadas exatamente:

"E este foi o plano que lançou Salomão para construir a casa de Deus,
sessenta côvados de comprido pela primeira medida e delargura vinte
côvados.”
2 Crônicas 3.

O Templo homologava com um quadrado triplo o tamanho do


Tabernáculo e suas paredes eram revestidas de madeira recoberta de ouro. O
interior compreendia um lugar sagrado retangular, na forma de um quadrado
duplo, e um Santo dos Santos conformado em um quadrado simples. O
interior possuía 20 côvados de altura, e o Santo dos Santos formava
novamente um cubo.
No centro mesmo do Santo dos Santos ficava a Arca da Aliança, queocupara
anteriormente o ponto central do Santo dos Santos do Tabernáculo.
Em cada extremidade da Arca havia um
querubim dourado de asas abertas, de dez côvados de altura. Esses dez
côvados parecem ter sido o módulo de que derivaram as dimensões do Tem
plo e eram o dobro do tamanho do Tabernáculo portátil.
A entrada do Santo dos Santos era fechada por uma porta de duas folhas,
medindo cada uma delas dois côvados de largura. A entrada para o Templo
possuía 5 côvados de largura e se abria de um pórtico que compreendia dois
quadrados de 10x10 côvados. Era esse pórtico que suportava os dois pilares
que posteriormente assu miram grande significação no saber maçônico:
Jachin e Boaz.
Cada pilar possuía 12 côvados de circunferência e era coroado por um
capitel em forma de lírio com 5 côvados de altura. Esse capitel repousava
sobre um castão de 3 côvados de altura que atra vessava 7 cadeias de romãs,
14 ao todo. O número místico 14 corresponde aos 14 quadrados de 10
côvados que constituem a planta baixa do Templo; as 14 gerações
tradicionais de São Mateus, de Abraão a Davi; e os 14 Passos Cristãos da
Cruz. Novamente, o Templo incorporava vários esquemas cosmológicos,
condizendo com uma imagem do macrocosmo.
Esse primeiro Templo de Jerusalém, o Templo de Salomão, foi destruído em
585 a.C., quando os babilônios tomaram a cidade e expatriaram a maior parte
da população como escravos. Quando o longo cativeiro dos judeus na
Babilônia chegou ao fim, os cativos que retomavam encontraram o Templo
demolido sobre o chão. O Livro deEsdras dá-nos o seguinte relato:

"No primeiro ano em que o rei Ciro reinou sobre o país da Babilônia, Ciro, o
Rei, ordenou reerguer esta casa. E os vasos sagrados de ouro e prata, que
Nabucodonosor tinha levado da casa de Jerusalém(...) Ciro, o Rei, os trouxe
do templo da Babilônia e eles foram
entregues a Zorobabel e a Sanabassarus, o governador (...) então o mesmo
Sanabassarus deitou as fundações da Casa do Senhor em Jerusalém (...) no
primeiro ano de Ciro, o rei Ciro ordenou que a casado Senhor em Jerusalém
fosse reconstruída, onde eles deviam sacrificar em fogo contínuo. Cuja altura
deveria ter sessenta côvados,e a largura sessenta côvados, com três fileiras de
pedras esculpidas, e uma fileira de madeira nova daquele país (... ).”

Assim, o segundo templo, construído sob ordens expressas do conquistador


persa, era uma estrutura quadrada com lados de 60 côvados. Altura é um
termo antigo às vezes usado para significar comprimento, mas é possível que
o templo tivesse a forma de um zigurate. Fosse assim, ele devia apresentar
quatro estágios ("fileiras" de pedra e madeira talhada). Seja qual for a forma
assumida pelo templo, suas dimensões estavam baseadas no velho
templo, pois seu comprimento era de 60 côvados, excluindo-se o pórtico de
Boaze Jachin.
Pouca coisa mais foi registrada a respeito desse templo, exceto que todos os
objetos sagrados que foram levados à Babilônia e instalados no templo
principal retomaram e foram novamente utilizados nos serviços judaicos. A
forma do segundo templo, um quadrado, não era característica dos judeus e
deve ter origem persa. De acordo com o Talmude, o primeiro templo foi
construído por meios sobrenaturais e, segundo a Bíblia, por trabalhadores
fenícios, sob a direção de Hiram Abiff. Se o segundo templo foi de execução
persa, sua variação em desenho pode ser responsável pela rapidez de sua
ereção - durante o primeiro ano da libertação. Todavia, como o primeiro
templo, estava fadado a ser demolido por invasores.
No Primeiro Livro dos Macabeus está escrito. que "quando eles viram o
santuário deserto e o altar profanado e as portas queimadas e os
arbustos crescidos nos átrios como numa floresta (...) rasgaram suas vestes e
fizeram grande pranto e puseram cinzas sobre suas cabeças". Todavia, as
técnicas e o conhecimento envolvidos na reconstrução do Templo haviam
sido perdidos e, em vez de o reedificarem, Judas Macabeu e seus homens
demoliram as ruínas. "Eles acharam melhor demoli-Io, temendo não viesse
ele ser-Ihes um motivo de opróbrio, por causa de o terem contaminado os
gentios, assim eles o demoliram. E puseram as suas pedras no monte do
Templo num lugar propício, esperando. que surgisse um profeta que lhes
mostrasse o que fazer com elas.”
Isto mostra que a canhecimento da geometria sagrada exigida para erigir um
novo edifício sagrado faltava ao piedoso mas profano bando militar de Judas.
Era necessário um profeta que fosse dotado do conhecimento esotérico
apropriado, mas ele não existia. Um templo substitutivo não foi construído
até a época de Herodes, que fez erigir uma réplica exata do santuário de
Salomão. Apenas uma parede do Templo de Herodes está de pé, até hoje, na
forma do famoso "Muro das Lamentações"'. O templo em si mesmo foi
demolido novamente, desta vez pelos romanos na sua guerra colonial contra
os judeus no ano 70 d.C.

6. Grécia Antiga

"Com a harmonia, com a celestial harmoniaTeve


início essa estrutura universal;
E, de harmonia em harmonia,
Percorreu todas as notas da
pauta,
Culminando o diapasão no homem ao fina!.”
Dryden, A Song for Sr. Cecilia's Day.
Os gregos antigos foram notáveis por sua abordagem pioneira e experimental
do mundo. Numerosos filósofos elabararam teorias que outros discutiram
com argumentas ponderados e experimentos práticos. Nesse ambiente
estonteante, uma descoberta importante que exerceu grande influência sabre
a geometria sagrada foi feita por Pitágoras no século VI a.C. Ele descabriu
que as cordas percutidas em um instrumento soavam em harmonia quando as
suas extensões estavam relacionadas a uma outra por determinados números
inteiros.
Pitágoras fizera a descoberta radicalmente importante de que os tons podem
ser medidos em termos de espaço. Ele descobriu que as consonâncias
musicais podem ser expressas em razões de números inteiros. Por exemplo,
se duas cordas vibram sob as mesmas condições, tendo uma a metade da
extensão da outra, a afinação da corda menor será um diapasan (uma oitava)
acima da maior. Se as cordas possuírem uma razão de extensão 2:3, a
diferença de afinação. será um diapente (uma quinta) e, se a razão de
extensão for 3:4, a diferença será um diatessaron (uma quarta). Essas
consonâncias pitagóricas são, assim, expressas em termos da progressão
simples 1:2:3:4, que contém, além do diapasan, da diatessaron e de diapente,
a oitava-e-quinta, 1:2:3:, e duas oitavas, 1:2:4.
Quando este esquema foi redivulgado no século XVI da era cristã, ele
constituiu a base dos sistemas harmônicos da arquitetura sagrada da
Renascença. A descoberta de Pitágoras foi considerada em termos de uma
revelação divina da harmonia universal. Todo o universo podia então ser
explicado em termos matemáticos. A fim de conseguir mestria sobre esse
universo, afirmavam os pitagóricos, o homem devia descobrir os números
que estão ocultos em todas as
coisas. A revitalização dessa doutrina vinte e dois séculos depois foi
responsável pelo desenvolvimento explosivo da ciência que reformulou o
mundo em sua imagem moderna.
Os pitagóricos afirmaram que os números eram unidades independentes que
possuíam determinadas dimensões espaciais indivisíveis e eternas. Todavia,
a despeito dessa teoria, eles foram capazes de, na prática, perceber que as
diagonais dos quadrados, por exemplo, não são mensuráveis em unidades
inteiras. Pitágoras chamava esses números de "incomensuráveis". Mais tarde,
números como V3 foram chamados de "irracionais", isto é, que não podem
ser expressos em medida. De qualquer maneira, a idéia pitagórica das
unidades finitas foi rapidamente criticada por Zenão, que, por meio do seu
famoso paradoxo, desacreditou a teoria.
Pitágoras afirmava que esses números e suas proporções eram fundamentais
para a estrutura de todo o mundo. O cubo era a perfeição culminante, pois é
impossível, em termos de geometria clássica, ir além da terceira dimensão de
comprimento, de largura e de altura.
Levando adiante o saber pitagórico sobre o número, Platão (428-347 a.C.),
em seu Timeu, declarou que a harmonia cósmica está contida em
determinados números formados nos cubos e nos quadrados de proporção
dupla e tripla que começam na unidade. Eles são criados por duas
progressões geométricas - 1, 2, 4, 8 e 1, 3, 9, 27. Tradicionalmente
representados com a letra grega lambda, eles impregnam a tradição
geométrica européia desde a Grécia até a era moderna. Para Platão, a
harmonia do universo estava expressa em sete números (o próprio 7 é um
número místico): 1, 2, 3, 4, 8, 9, 27 - figuras que abarcam os mistérios do
macrocosmo e do microcosmo,
números adequados mais que todos os outros para incorporação à arquitetura
sagrada.

Na sua prescrição para a fundação de uma nova cidade, Platão afirmou


que todos os detalhes exigiam a atenção mais dedicada. Declarou que os
templos deviam ser erigidos ao redor de um mercado e por toda a cidade em
pontos elevados. A natureza geométrica do plano da cidade era dada por
reconhecida. Seu desenho geomântico devia ser regulamentado por uma
Comissão Urbana dotada de poderes para proibir quaisquer alterações não
autorizadas. Acreditava-se que esse desenho geomântico que governava a
cidade devia ser essencial à felicidade dos habitantes. Platão acreditava que o
povo jamais conheceria a felicidade se os desenhistas de suas cidades fossem
artistas que não tomassem o divino como seu padrão.
Esse padrão divino, tal como apresentado na República de Platão,
era um esquema cosmológico que representa o microcosmo. Até mesmo o
número de habitantes da cidade era ideal -
5.040 moradores, que ocupavam o mesmo número de iates. Esse número é
quase universalmente divisível, sendo derivado da multiplicação sucessiva
dos números de 1 a 7, donde ser divisível por todos os números de 1 a 10,
bem como por 12. Todo o território que rodeasse a acrópole devia ser
dividido em 12 partes, mas a igualdade deveria ser assegurada pela condição
engenhosa de que os alotamentos de terra ruim deviam ser maiores do que os
alotamentos de terra boa - uma tarefa difícil, se não impossível. A República
era um microcosmo alegórico em todo sentido. Todos os seus atributos
geométricos e numerológicos refletem o ideal divino, cuja consumação, se
conseguida, uniria o homem ao universo - o que sempre foi o objetivo final
dos mágicos e dos alquimistas.
O geômetra mais famoso de todos os tempos, Euclides, era, naturalmente,
grego. Sua obra, conhecida como Elementos, tornou- se o manual da
geometria até este século. Nela; por meio de teoremas e provas, as relações
básicas da geometria foram definidas de maneira racional. Sua geometria era
puramente teórica e pode representar a primeira vez na história que a teoria
foi estudada em si mesma e não como parte integrante de uma praxis. Em
Euclides, a geometria prática está diretamente relacionada às razões do
número inteiro que eliminam qualquer necessidade de medir ângulos. Assim,
até a Renascença, quando número e medição angular se tornaram
importantes para a artilharia, as razões do número inteiro eram
invariavelmente empregadas na arquitetura sagrada.
No seu livro A History of Architecture in All Countries, James Fergusson
escreve:

"O sistema da proporção definida que os gregos empregavam no


desenho dos seus templos foi outra causa do efeito que eles produzem sobre
as mentes incultas. Para eles não só a altura deveria' ser igual à largura, ou
comprimento duas vezes a largura - mas toda e qualquer parte devia ser
proporcional a todas as partes com que ela se relacionava, em alguma razão
tal como 1 para 6, 2 para 7, 3 para 8, 4 para 9, ou 5 para 10, etc. A medida
que o esquema avança, esses números tornam-se consideravelmente altos.
Nesse caso, eles revertem para alguma razão simples, tal como 4 para 5, 5
para 6, 6 para 7, e assim por diante.”

Essa proporção não está tão evidente, em nenhum outro lugar, como no
Partenon, em Atenas. Esse magnificente templo pagão, agora em ruínas, foi
construído como substituto de um templo menor de Atenas que fora destruído
pelos persas em 480 a.C. Por ter sido construído sobre as fundações de. um
templo mais antigo, que por sua vez também substituíra uma Sala do Trono
micênica, o Partenon foiprojetado mais como medidas micênicas do que com
o usual pé grego. As dimensões principais foram tão bem escolhidas que
correspondiam a números redondos em pés tanto gregos quanto micênicos,
uma tarefa não de todo difícil, já que as medidas estão relacionadas na razão
10:9. Essa relação simples é freqüentemente encontradiça em medidas
relacionadas, tais como os pés galeses, ingleses e saxões.
A geometria do Partenon foi tão bem planejada, que incorporava todas as
medidas significativas. Suas dimensões foram meticulosamente registradas
por Francis Cranmer Penrose, um arquiteto inglês que mediu o templo com
uma precisão que considera até mesmo um milésimo do pé inglês. Penrose
determinou que o Partenon não foi construído com linhas retas, mas utilizou
curvas matemáticas sutis na sua estrutura. Assim, o Partenon representa
outra ordem de geometria, algo quase fora do comum. Penrose determinou
que existem similaridades essenciais entre as estruturas geométricas do
Partenon e da Grande Pirâmide. As elevações das fachadas do Partenon
foram determinadas pela Seção Dourada e os lados foram baseados no fator
phi. O Professor Stecchini calculou que os desvios mínimos encontrados nas
bases tanto do Partenon quanto da Grande Pirâmide foram cometidos
deliberadamente e não eram resultado de pequenos erros de cálculo. Na sua
opinião, a relação entre (I) e phi na extremidade e no lado do Partenon é um
paralelo daquela que existe entre a face norte da Pirâmide (I) e o lado
oeste phi.
A largura das fachadas do Partenon era tal, que indicava um segundo de um
grau no equador. Assim, as partes individuais da estrutura, todas
comensuravelmente proporcionais em relação à geometria subjacente a todo
o edifício, eram proporcionais às dimensões da própria Terra. A harmonia
divina, assim engendrada, integra o edifício com o cosmos. Ele se torna parte
integrante da harmonia global do mundo e é, dessa maneira, um receptáculo
perfeito para adoração. A necessidade tríplice de um templo funcional -
orientação, geometria e medida - estão presentes no Partenon e em qualquer
outro edifício verdadeiramente sagrado plantado em qualquer canto da Terra.
Esse grau de integração não é conseguido por meio de nenhum outro
método.
A geometria impregnou toda a esfera da vida grega. A conexão íntima entre
a forma geométrica e a história sagrada pode ser vista no problema
supostamente insolúvel da duplicação do cubo. Os délios, que, na época de
Platão, estavam sendo vitimados por uma peste, consultaram o oráculo para
cons,eguirem um meio de dela se libertarem. O oráculo ordenou-Ihes
duplicar um dos seus altares cúbicos. Dirigiram-se então aos geômetras da
Academia e lhes pediram resolvessem o problema como um assunto de
urgência
nacional. Na verdade, trata-se de um problema insolúvel pelos métodos
clássicos da geometria e, por conseguinte, está excluído da categoria da
geometria sagrada. É um equivalente em termos geométricos do extrair a raiz
cúbica de dois, que não pode ser expressa em termos de números inteiros
nem em termos de raízes quadradas de números inteiros. O fato de esse
problema ter sido proposto pelo oráculo indica a seriedade com que a
geometria estava investida na Grécia. A observância correta da forma
geométrica na arquitetura sagrada era um ato mágico que. poderia livrar um
país deuma dificuldade.
A duplicação do cubo foi mencionada num drama teatral grego, agora
perdido. O geógrafo Eratóstenes, que utilizou esse conhecimento geométrico
para medir o tamanho da Terra, relata numa carta escrita ao rei Ptolomeu IIl
do Egito que um dos poetas trágicos antigos se refere ao problema. Na peça,
ele apresenta o rei Minos sobre o palco erigindo uma tumba para seu filho
Glauco, e então, percebendo quea estrutura era muito insignificante para um
mausoléu real, ordenou "duplicá-Ia mas preservar-lhe a forma cúbica".
Esses dois exemplos enfatizam a importância do volume na arquitetura
sagrada egipto-grega. Como as dimensões internas do cofre colocado dentro
da Grande Pirâmide, a capacidade das estruturas sagradas merecia
consideração primária. Exemplos posteriores da Europa medieval e
renascentista também mostram que a capacidade era o fator mais
determinante. As dimensões internas eram sempre estipuladas no desenho
das igrejas e das capelas, ao passo que geometria sagrada elevacional era
aplicada às elevações exteriores. O "problema délio", como ficou conhecido,
da duplicação do cubo foi reduzido por Hipócrates de Chios a umaquestão de
geometria plana, isto é, à descoberta de duas proporcionais entre duas linhas
retas, a maior das quais deve ser o dobro da menor. Esse foi mais um dos
problemas teóricos pelos
quais Euclides e seus seguidores se tomaram conhecidos. Ele levou à
descoberta das seções cônicas.
Já neste período tão primitivo, esse interesse literalmente acadêmico pela
geometria dividia o assunto em duas disciplinas distintas, a prática e a
matemática. Ao passo que havia (e ainda há) uma grande coincidência entre
as geometrias sagrada e matemática, as raízes do cisma podem ser
encontradas nos esforços feitos pelos filósofosgregos na tentativa de resolver
os problemas geométricos do oráculo.
A beleza da arte grega foi o resultado prático das meditações dos filósofos.
Naqueles tempos, quando a reverência pagã antiga para com o mundo ainda
não havia sido superada pela espoliação a todo custo que caracteriza a
civilização industrial, todo objeto que passasse pelas mãos dos artesãos
continha propriedades sagradas. O artesão, diferentemente da sua
contrapartida moderna da linha de produção, estava consciente da natureza
sagrada dos materiais com que trabalhava e da sua responsabilidade como
fiduciário do material que manipulava.
Porque toda a Terra era sagrada, os materiais também eram sagrados e,
assim, a modelagem era um ato de adoração. Era imperativo que o artesão
trabalhasse com o melhor da sua habilidade e em concordância com os
materiais de que dispunha; assim, a aplicação da geometria sagrada era
absolutamente natural. Os vasos gregos requintadamente belos foram
analisados por geômetras modernos tais como Caskey e Hambidge, que
descobriram que eles foram desenhados de acordo com construções
complexas mas harmoniosas de geometria de Seção Dourada. Fazer vasos e
utensílios sagrados de acordo com a geometria sagrada asseguraria a sua
função correta não só nos arredores do templo, cuja geometria eles ecoavam,
mas também no contexto secular. É só nos tempos modernos que a
geometria sagrada foi relegada, primeiramente à
esfera estreita do desenho de edifícios sagrados, e depois completamente
abolida em função de objetivos prático.

7. Vitrúvio

"A necessidade do arquiteto é criar aquele uníssono de partes e detalhes que


nas melhores edificações de todos os tempos remontoumiraculosamente os
processos imaginativos a quantidades matemáticas e a contextos
geométricos.”
Erich Mendelsohn (1887-1953)

Marcus Vitruvius Pollo, comumente conhecido como Vitruvius [Vitrúvio],


foi um arquiteto e engenheiro romano que trabalhou no primeiro século antes
da nossa era. Foi autor de um tratado teórico e técnico detalhado que
sobrevive como a mais antiga e a mais influente de todas as obras sobre a
arquitetura.
A posição de Vitrúvio como o arquiteto mais influente de todos os tempos é
atestada pelo seguinte fato. Durante séculos, as instruções detalhadas forneci
das nos Dez Livros de Arquitetura foram seguidas mais ou menos fielmente
em toda a extensão de tempo coberta pelo Império Romano. Após a queda
desse Império, as formas bárbaras de arquitetura foram introduzidas e as
instruções canônicas de Vitrúvio foram largamente ignoradas ou deturpadas.
Após quase um milênio de obscuridade, a redescoberta de suas obras
anunciou a renascença na arquitetura, quando seu livro tornou- se
repentinamente a autoridade principal consultada pelos arquitetos. Seus
preceitos foram a partir de então aceitos como sacrossantos. Na verdade, os
maiores arquitetos da Renascença na Itália - Miguel Ângelo, Bramante,
Vignola e Palladio - foram todos eles estudiosos
ardorosos da obra de Vitrúvio e cada uma de todas as suas obras- primas
deriva diretamente dos sistemas proporcionais enumerados por Vitrúvio.
Os Dez Livros escritos por Vitrúvio são um cômputo completo da
arquitetura, desde a educação inicial do arquiteto, passando pelos princípios
fundamentais da arte, da localização geomânticados templos e das cidades,
das casas para moradia, dos materiais e das formas de arquitetura, até a
pintura, a maquinaria e as artes militares. Segundo Vitrúvio, a arquitetura
depende da ordem, do arranjo, dll curritmia, da simetria, da propriedade e da
economia. A ordem proporciona a medida exata das partes de uma obra
consideradas Isoladamente e da concordância simétrica das proporções de
todo o edifício. O arranjo envolve a colocação das coisas em sua ordem
própria, sendo as suas formas de expressão a planta baixa, a elevação e a
perspectiva. Inclui a utilização sucessiva apropriada dos compassos e da
régua, o artifício fundamental do geômetra.
A eurritmia consiste na beleza e na conveniência no ajustamento das partes.
Vitrúvio afirma que quando se consegue a comodulação perfeita (a ligação
de todos os elementos arquitetônicos com o todo por meio de um sistema de
proporção), consegue-se também a eurritmia. Isso nem sempre era possível
por razões técnicas, mas a simetria dinâmica, um conceito encontrado nos
escritos de Platão, provou ser freqüentemente um substituto aceitável. Na
simetria dinâmica, embora os elementos lineares não sejam comensuráveis,
as superfícies construídas sobre eles podem ser comensuráveis, encadeadas
por meio de uma proporção racional.
A simetria é a concordância justa entre as partes da própria obra e a relação
entre os diferentes elementos e todo o esquema geral de acordo com uma
determinada parte escolhida como padrão. Assim, no corpo humano,
Vitrúvio demonstra a harmonia simétrica que
existe entre o antebraço, o pé, a palma, o dedo e outras partes menores.
Compara essas partes às partes de um edifício, continuando a antiga tradição
do edifício sagrado visto em termos do corpo de um homem e, assim, em
termos do microcosmo.
Vitrúvio define a propriedade como aquela perfeição de estilo que surge
quando uma obra é construída peremptoriamente segundo princípios
canônicos. A propriedade emana da prescrição, dos métodos aceitos para a
construção dos templos dos deuses. Vitrúvio deve ser agradecido pela
preservação dessas formas prescritas: pelos edifícios em campo raso, abertos
para o céu, em honra de Júpiter, do Raio, dos Céus, do Sol ou da Lua; para
Minerva, Marte e Hércules, a Ordem Dórica; para Vênus, Prosérpina, Flora,
para a Água da Fonte e para as Ninfas, a Ordem Coríntia; e para Juno, Diana,
Baco e outros deuses, a Ordem Jônica. A propriedade, todavia, também
podia ser conseguida pela ereção de templos em terrenos saudáveis onde
existissem fontes convenientes. Os santuários deviam ser construídos nessas
fontes e este era um dos princípios fundamentais para templo que
sublinhavam o que agora é conhecido como geomancia. A propriedade
também era conseguida nos edifícios pela orientação apropriada, de maneira
que a luz pudesse ser utilizada para o benefício supremo de todos.
A economia, O último princípio de Vitrúvio, é auto-explicativa. Todas as
suas máximas ecoam o funcionalismo realístico do mundo antigo,
concedendo todas as condições antes de se decidir sobre a forma de um
edifício enquanto sob o controle global da geometria sagrada. Assim.
conseguia-se uma síntese de natural e artificial, terreno e celeste, um
equilíbrio a que o movimento ecológico moderno está tentando chegar com
muito esforço. Vitrúvio, embebido na harmonia geomântica antiga entre o
homem e o mundo, viu o desenho do edifício em termos do corpo de um
homem. Os desenhos bastante conhecidos que mostram o corpo de um
homem superposto a uma geometria são conhecidos até hoje como o Homem
Vitruviano. Todavia, nem todo arquiteto vitruviano trabalha com as
proporções do corpo de um homem. Elas estão reservadas aos templos. A
estrutura do teatro e da cidade, construções com funções materialmente
diferentes, está relacionada à forma conceptual do mundo e é mais radial do
que linear.
A construção do teatro - pela primeira vez dada por escrito porVitrúvio, mas
certamente de uma antigüidade maior - demonstra asua natureza como um
microcosmo do mundo. Essa idéia foi retomada na Renascença e cultuada no
"Todo o mundo é um palco (...)" de Shakespeare, e, na verdade, fisicamente,
nesse teatro tão adequadamente chamado Globo. A estrutura do teatro
prescrita por Vitrúvio era a seguinte: "Tendo fixado o centro principal,
desenhar uma linha de circunferência equivalente ao perímetro da base e nela
inscrever quatro triângulos eqüiláteros, a distâncias iguais e tocando a
fronteira do círculo, como fazem os astrólogos na figura dos doze signos do
zodíaco, quando eles estão procedendo aos cálculos da harmonia musical das
estrelas". A partir desse esboço de ad triangulum, as várias partes essenciais
do teatro eram proporcionais. Mesmo o cenário era baseado no triângulo, em
"peças triangulares de maquinaria que giram, cada uma delas com três faces
decoradas (...) Há três espécies de cenas, uma chamada trágica, a segunda
cômica e a terceira satírica (...)". Até mesmo os eventos representados nesse
teatro estavam divididos em três.
Todavia, este não foi o único tipo de teatro descrito por Vitrúvio. O teatro
grego baseava-se mais em três quadrados do que em quatro triângulos, uma
geometria duodécupla alterada que propiciava uma distribuição alternativa
dos elementos que guardava a natureza diferente dos dramas ali
representados.
O pronunciamento de Vitrúvio sobre a geometria grega talvez seja a mais
expressiva das suas exposições sobre a função da geometria sagrada e sobre
sua posição na corrente principal do pensamento hermético:
"As diversas partes que constituem um templo devem estar sujeitas às leis da
simetria; os princípios dessa simetria devem ser familiares a todos os que
professam a ciência da arquitetura. (...) A proporção é a comensuração das
várias partes constituintes com o todo e o fundamento da existência da
simetria. Pois nenhum edifício pode possuir os atributos da composição em
que a simetria e a proporção não sejam observadas; e aí nem existe a
conformação perfeita das partes que se pode observar num ser humano bem
formado (...) portanto, a estrutura humana parece ter sido formada com tal
propriedade, que os muitos membros são proporcionais ao todo.”

A obra de Vitrúvio sobre a arquitetura foi uma tentativa de compilar um


compêndio completo do conhecimento aplicado. Com esse objetivo, ele
expôs não só a geometria sagrada das partes dos edifícios e a sua relação
com edifícios inteiros, mas também o planejamento de cidades. Após
descrever os atributos para o sítio de uma cidade, enumera os pontos que a
cidade ideal deve conter. Naturalmente, sua cidade baseava-se numa
geometria rigorosa, mas, sendo um esquema ideal, nunca foi construída
durante a duração do Impé rio Romano. Mil e quinhentos anos deveriam
passar antes que essa cidade planejada fosse iniciada.
A Cidade Vitruviana, como é conhecida, foi planejada sobre uma forma
octogonal. Esse desenho opõe-se ao modelo das colônias romanas então
predominante, que era um retângulo quartado. A cidade octogonal dividia-se
de acordo com os "ventos". Vitrúvio leva muito a sério o conceito dos oito
ventos, embora possa tê-Io feito para ocultar uma doutrina mais esotérica da
geometria. Tradicionalmente, as oito direções do compasso eram
denominadas segundo um "vento". Esse sistema ainda estava em uso na
Itália no século XVII da nossa era em instrumentos de agrimensura. Um
circunferentor feito em Modena em 1686, que está agora no Museu da
Ciência, em Londres, exibe um mostrador de bronze sobre o qual foram
gravados os nomes de 32 ventos, um desenvolvimento daqueles usados na
época de Vitrúvio.
A fim de dividir o círculo para determinar as direções dos oito ventos,
Vitrúvio utiliza um método clássico da geometria. Como o Manasara Shilpa
Shastra hindu, o omphalos original de que derivou a geometriaé marcado por
um gnômon. Esse ponto central era marcado em Atenas pela Torre dos
Ventos octogonal. Vitrúvio fornece instruções precisas:

"Por volta da quinta hora da manhã, tomar a extremidade da sombra


projetada por esse gnômon e marcá-Ia com um ponto. Depois, abrindo-se o
compasso para o ponto que marca a extensão da sombra do gnômon,
descrever um círculo a partir do centro. À tarde, olhar a sombra do gnômon à
medida que ela aumenta e, quando ela tocar a circunferência do círculo e a
sombra for igual em extensão àquela da manhã, marcá-Ia com um ponto. A
partir desses dois pontos descrever com seus compassos arcos
interseccionantes e, através de sna intersecção e o centro, traçar uma linha
em direção à circunferência do círculo; eis o diâmetro que deve separar os
quartos do norte e do sul. Depois, utilizando-se a décima-sexta parte da
circunferência do círculo como diâmetro, descrever um círculo (...) a partir
dos quatro pontos assim descritos, traçar linhas que interseccionam a
circunferência de um lado a outro. Assim, teremos uma oitava parte da
circunferência para Auster e outra para Septentrio. O resto da circunferência
é então dividido em três partes iguais em cada lado e temos então desenhada
uma figura igualmentepartilhada entre os oito ventos.”

A geometria aqui estava diretamente relacionada às condições astronômicas


do dia escolhido para a fundação da cidade. Como o dia fora escolhido de
acordo com aspectos astrológicos auspiciosos, o esboço estava por
conseguinte diretamente relacionado àqueles
aspectos, reproduzindo a velha máxima do "acima, como abaixo". Como a
República de Platão, a Cidade Vitruviana era mais um ideal cósmico do que
uma realidade concreta sobre a terra. Como em toda arquitetura mística
anterior ao nosso século, o aspecto numinoso simbólico era considerado a
forma verdadeira, ao passo que a manifestação material era vista como uma
simples sombra da sua contrapartida espiritual. A geometria sagrada
possibilitava ao arquiteto a criação de um instrumento funcional em que
poderiam ser utilizados ao máximo muitos atributos da forma esotérica aos
níveis psicológico e espiritual. Freqüentemente, as exigências da construção
obrigavam o resultado final a sair fora desse ideal, mas ocasionalmente todos
os fatores estavam presentes e surgia então uma obra-prima. Tais obras-
primas seriam os modelos da mística da Renascença mil e quinhentos anos
depois.

8. Os Comacinos e a Geometria Sagrada Medieval

Through good gemetry,


Thys onest craft of good
masonry
Was ordeynt and made in thys manère, Y-
cownterfetyd of thys clerkysy-fere;
At these lordys prayers they cownterfetyd
gemetry, And gaf hyt the name of masonryFar
the most oneste craft of alIe.
Ars Gemetrie (século XIV).

Quando o Império Romano Ocidental sucumbiu aos ataques


violentos de ondas sucessivas de bárbaros migrantes, a ereção de
obras arquitetônicas em larga escala foi interrompida. Não havia mais
nenhuma estrutura político-econômica para planejar ou pagar grandes obras
cívicas ou eclesiásticas e, por conseguinte; as habilidades bastante
desenvolvidas que existiam antes foram-se reduzindo gradualmente. Embora
o conhecimento vitruvianosobrevivesse intacto nos reinos de Constantinopla,
ele foi totalmente extirpado do Ocidente, que tomou uma direção diferente.
Com a influência bárbara, as formas clássicas puras de Roma
transformaram-se gradualmente numa arquitetura radicalmente diferente - a
medieval. O Colégio de Arquitetos de Roma, cuidadosamente controlado,
fora dispersado e idéias e influências individuais foram assimiladas. Com a
perda de uma autoridade central, grupos autônomos de homens com
conhecimento arquitetônico reuniram-se numa espécie de federação de
pedreiros artesãos - os antecessores dos franco-maçons medievais que
tiveram controle exclusivo sobre a construção das catedrais posteriores. De
acordo com a antiga tradição maçônica, membros refugiados do dispersado
Colégio Romano de Arquitetos fugiram para Comacina, uma ilha fortificada
do lago de Como, na Itália, onde resistiram durante vinte anos às incursões
dos lombardos que então estavam invadindo o país. Quando finalmente
foram subjugados, os reis lombardos tomaram os ar quitetos a seu serviço
para assessorarem a reconstrução. A partir desse centro, afirma a lenda, os
maçons, chamados de comacinos por causa do seu refúgio fortificado,
espalharam-se por toda a Europa ocidental e setentrional, construindo
igrejas, castelos e obras cívicas para os governantes dos estados nacionais
nascentes que se seguiram ao Império Romano.
Os comacinos estavam certamente a serviço de Rotharis, um rei lombardo,
que a 22 de novembro de 643 fez publicar um edito relativo, entre outras
coisas, aos comacinos. O título do Artigo 143 desse edito era Dos Mestres
Comacinos e seus Colégios. O Artigo
144 dispõe: "Se uma pessoa qualquer empregar ou contratar um ou mais
mestres comacinos para desenharem uma obra (...) e acontecer de um
comacino ser morto, o proprietário da casa não será considerado culpado".
Pode-se inferir daí que os comacinos constituíam um poderoso corpo contra
o qual o rei achava que seus súditos deveriam ser protegidos. Joseph Fort
Newton, em seu livro maçônico The Master Builders, fala de uma pedra
gravada no ano 712 que, mostrava que a guilda dos comacinos estava
organizada em três classes: discipuli e magistri sob as ordens de um gastaldo,
um Grão-mestre.
Como qualquer outro grupo de técnicos dotados de habilidades apreendidas,
os comacinos ocupavam uma posição de poder e de influência. Na Europa
Setentrional, onde estavam estampados todos os sinais da prática
arquitetônica romana, era solicitada a prática comacina. Como os magos, os
adivinhos, os astrólogos e os geomantes que cercavam a corte, nenhum rei
respeitado da Idade das Trevas podia ficar sem seu séquito de comacinos.
Durante seu reinado, eles construíam seus palácios, suas capelas e suas
igrejas; por ocasião de sua morte, impressionantes mausoléus como os de
Teodorico em Ravena, na Itália, ou o de Etevaldo em Repton, na Inglaterra.
Essas igrejas e esses mausoléus eram o repositório do conhecimento dos
comacinos sobre a geometria sagrada.
O venerável Bede, em suas Lives ot the Abbots, conta-nos que, no ano 674,
o rei Ecgfrith da Nortúmbria decidiu construir um mosteiro para Benedito, o
homem santo local. Para tanto, doou 8.400 acres do seu próprio estado em
Wearmouth. "Após não mais de um ano da fundação do mosteiro, Benedito
cruzou o mar e veio a Gaul e procurou, encontrou e levou de volta com ele
os maçons que deveriam erigir para ele uma igreja no estilo romano, de que
ele sempre gostara".
As igrejas de pedra da Nortúmbria e as obras-primas erigidas após a
renascença instigadas pelo imperador Carlos Magno apresentam um
desenvolvimento gradual em complexidade e sofisticação. Um ponto de
referência capital neste processo é a Capela Palatina de Aachen (Aix-Ia-
Chapelle). Uma igreja redonda, baseada no octograma, a capela apresenta
um retorno das influências do Império Oriental, que naquela época ainda
florescia ao redor de ConstantinopIa. Todavia, igrejas contemporâneas na
Inglaterra apresentam uma base geométrica mais simples. A análise de
muitas igrejas saxônicas de Essex demonstrou que retângulos de raiz 3, 4, 5,
6 e mesmo 7 eram gerados para as plantas baixas por meio de um método
simples de construção. As igrejas de Inworth, Strethall, Chickney,
Hadstock, Little Bardfield, Fobbing, Corringham e White Roding possuem
razões comprimento: largura que se aproximam da raiz 3. A proporção
geométrica, incomum em tempos posteriores, era o resultado do esboço dos
fossos da fundação por meio de uma corda, justamente como a prática
egípcia antiga.
A orientação da linha do centro era determinada pela observação direta do
nascer-do-sol no dia do padroeiro. O maçom mestre demarcava a largura
pré-estabelecida da igreja ao sul da linha do centro. Um assistente caminhava
então para a extremidade norte da mesma linha, arreando a corda. Depois,
traçava-se um quadrado e, do quadrado, uma diagonal. A diagonal era
esboçada como o comprimento, fazendo-se um retângulo de raiz 2. A
diagonal desse retângulo era então tomada com a corda e dessa maneira se
obtinha um retângulo de raiz 3. O retângulo da planta baixa da nave podia
então ser completado, usando-se a corda para medir a igualdade das
diagonais.
Esse método parece-nos ser peculiarmente saxão, pois as igrejas normandas
posteriores da área foram construídas geralmente com base no quadrado
duplo ad quadratum. Os maçons de Carlos Magno
utilizaram os métodos adotados posteriormente pelos normandos e esses
métodos "bárbaros" de geometria sagrada foram relegados à arena da
arquitetura secular vernacular. A arquitetura de CarIos Magno e as suas
imitações foram uma revitalização consciente da corrente principal dos
métodos romanos, utilizados na famosa igreja redonda de San Vitale em
Ravena, na Itália. Essa estrutura microcósmica, cujo objetivo foi
demonstrado aos cognoscenti por um ladrilho feito na forma de um labirinto,
foi construída no século VI por maçons de Constantinopla que haviam
absorvido a geometria asiática e alguns dos seus métodos de construção.
Todavia, foi só muitos séculos depois que um influxo de idéias árabes foi
combinado com uma consciência romana desenvolvida para criar as grandes
catedrais do período gótico.
A infusão de idéias emprestadas do mundo islâmico marcou um
desenvolvimento importante na história da arquitetura sagrada ocidental. As
idéias e a práticas geométricas do mundo clássico tardio foram aprendidas
pelos árabes quando eles conquistaram cidades universitárias de importância
vital como Alexandria muitos séculos antes. Textos como os Elementos de
Geometria de Euclides foram traduzidos para o árabe e aplicados à nova
arquitetura sagrada
exigida pela nascente fé do Islã. Grandes progressbs em astronomia,
arquitetura e alquimia foram conseguidos pelos árabes, que antes estavam
muitos séculos atrás de suas contrapartes européias.
Por volta do século XI, todavia, com a emergência de estados nacionais
relativamente estáveis, as técnicas de construção na Europa chegaram a um
alto ponto de perfeição no estilo românico. sobrepujando até mesmo as
melhores obras apresentadas pelo velho Império Romano. A construção com
largos arcos fora dominada e os construtores haviam aperfeiçoado tanto as
junções de argamassa, que um cronista do século XII comentou que as
pedras da catedral de Old Sarum. iniciada em 1.102, estavam tão bem
colocadas, que se poderia pensar que toda a obra fora feita com uma única
rocha.
A esse elevado nível de perfeição somou-se um novo elemento - o arco
pontiagudo, uma revolução geométrica originária da arquitetura sagrada
islâmica. Afirma-se que o arco pontiagudo teve origem, na Europa, no
mosteiro beneditino italiano de Monte Cassino, construídoentre 1066 e 1071.
Alguns, se não todos eles, dentre os maçons que trabalharam nesse projeto
eram cidadãos de Amalfi, uma república comercial italiana que possuía
postos comerciais em lugares tão distantes quanto Bagdá. Com esse
intercâmbio, foi só uma questão de tempo até que os segredos da geometria
dos maçons árabes fossem incorporados à arquite'ura sagrada ocidental para
formarem um novo estilo transcendente - agora conhecido universalmente
por gótico, nome pejorativo que lhe foi dado no século XVIII.
O arco pontiagudo que introduziu essa revolução é produzido pela
intersecção de dois arcos. Em sua forma perfeita, esse arco é a metade
posterior do vesica piscis. É estranha a coincidência de que o patrono de
Amalfi seja Santo André. Aquilo que é tido como suas relíquias ainda
repousa lá e sua efígie dourada segura um peixe - o emblema do vesica.
Embora os pacíficos comerciantes de Amalfi importassem o arco
pontiagudo, os ou'ros segredos maçônicos do Islã não foram conseguidos sob
a égide do comércio. A 27 de novembro de 1095, o Papa Urbano II
conclamou a cristandade a liberar os lugares santos e devolvê-Ios ao
cristianismo. Milhares de homens piedosos, sacerdotes, monges,
mercenários, soldados regulares e oportunistas atenderam ao chamado do
Pontífice. A Primeira Cruzada foi surpreendentemente bem sucedida. Nicéia
foi capturada em 1097; no ano seguinte caiu Antióquia e a 15 de julho de
1099 a cidade santa de Jerusalém rendeu-se aos exércitos do Cristianismo
após um cercode apenas seis semanas.
Com esse sucesso sem precedentes, os "francos", como eram conhecidos os
cristãos ocidentais, prosseguiram na obra de consolidação de suas
conquistas. Como na Inglaterra, trinta anos antes, o país conquistado foi
tornado seguro para os novos senhores por meio do reforço de velhos
castelos e com a construção de novos em pontos estratégicos por todo o
país. Os maçons empregados para a construção desses castelos utilizaram o
trabalho escravo, que sem dúvida incluiu uma proporção de maçons árabes,
pois seus desenhos incorporam muitas características desconhecidas dos
artífices europeus.
A elasticidade e o entusiasmo dos maçons daquele período são mostrados
pela rapidez espantosa com que as novas idéias conquistaram a Europa.
A estrutura complexa da abóbada de pedra reforçada com traves, conhecida
apenas na Pérsia e na Armênia antes do ano 1100, foi utilizada na distante
Catedral de Durham já em 1104. Fm Gales, a Abadia de Neath foi
construída por um dos maçons do rei Henrique I, Lalys, um prisioneiro de
guerra sarraceno. Suas téc nicas, aprendidas no Oriente Médio' de uma
tradição isolada, foram sem dúvida transmitidas aos maçons ingleses e
galeses que trabalharam com ele nesse projeto.
Outro elemento importante na nova síntese foi a redescoberta das obras de
Euclides, o geômetra grego antigo. Sua obra fora considerada perdida para a
Europa com a queda do Império Romano e sobrevivera apenas nas traduções
árabes. Por volta de 1120, o eru- dito inglês Adelard of Bath fez uma
tradução dos Elementos do árabe para o latim, que os tornou acessíveis pela
primeira vez aos geômetras e maçons europeus. O modo de transmissão
dessa obra seminal para a Inglaterra não é conhecido, mas os Cavalheiros
Templários, que eram o repositório de muito do saber arcano tradicional,
podem tê-Ia obtido de uma fonte conquistada. Edward W. Cox, um geômetra
de Liverpool, escreveu em 1890:

"Durante o período das Cruzadas, muitas das regras e muitos dos mistérios
conhecidos nos tempos clássicos parecem ter sido reorganizados. A
influência da ocupação da Síria sobre a arquitetura européia é muito marcada
e maravilhosa. Não só incontáveis igrejas, castelos e outros edifícios foram
erigidos na Palestina pelos invasores com a ajuda dos habilidosos operários
sírios, mas também os Templários e outras ordens militares e religiosas, que
constituíram estabelecimentos na Europa. trouxeram esse conhecimento
oriental.”

Ao longo dos séculos XII e XIII, foram desenvolvidas e refinadas as


primeiras formas góticas. Os métodos islâmicos foram estudados e
incorporados numa nova linguagem formal que passou de mão em mão com
uma explosão de simbolismo místico. As grandes catedrais dessa época,
como as de Chartres e de Paris, apareceram numa forma completamente
nova num tempo consideravelmente curto. Sua construção, executada com
um fervor literalmente religioso, continua sendo uma proeza espantosa de
organização.
Uma tradição isolada, mas paralela, da arquitetura de igrejas estava
seguindo seu curso. Conquanto as igrejas redondas configurem um tema
contínuo, embora fragmentado, ao longo de toda a arquitetura sagrada do
mundo cristão, elas ocupam um lugar especial e um pouco herético no
esquema da geometria sagrada. O edifício redondo ocupou um lugar
especial na iconografia cristã pois fora a forma escolhida para o Santo
Sepulcro que uma vez marcara o sítio do túmulo de Cristo e o centro do
mundo. Com a forma circular desses edifícios representasse a reprodução
microcósmica do mundo, as igrejas redondas representavam em toda parte os
microcosmos locais que ocupavam o omphalos geomântico local.
As igrejas redondas derivaram originalmente dos templos pagãos primitivos
da mesma forma. Os templos romanos redondos de Tivoli e Spalato, que
sobreviveram até os tempos modernos, são típicos dos santuários que
inspiraram os geômetras sagrados cristãos. O templo de Tivoli foi baseado
no modelo grego, com colunação externa, mas o de Spalato, que fazia parte
do complexo do palácio do poderoso imperador pagão Diocleciano, possuía
colunas internas. Esse templo, planejado segundo o octógono, como muitas
igrejas templárias posteriores, formou o protótipo desses santuários cristãos
primitivos tais como o de San Vitale em Ravena, que por sua vez jnfluiu
sobre o Santo Sepulcro em Jerusalém e a capela de Carlos Magno.
Como os templos pagãos, as igrejas redondas eram microcosmos do mundo.
Na Idade Média tardia, elas tornaram-se a prerrogativa de uma seita
enigmática e herética, os Cavalheiros Templários. Esse corpo foi constituído
em 1118 em Jerusalém com a função aparente de prover proteção aos
peregrinos que visitavam os santuários da Cristandade na Terra Santa recém-
conquistada. Seu poder cresceu rapidamente e logo a ordem tornou-se
fabulosamente rica e capaz de erigir capelas e igrejas por toda a Cristandade.
A forma redonda da igreja tornou-se especialmente relacionada à ordem e
no centro das
rotundas de suas igrejas não havia um altar sequer, mas um cubo perfeito de
pedra talhada que era um dos mistérios do Templarismo.
A ordem foi extinta em 1314 e muitos dos seus oficiais mais graduados
foram sentenciados à pena de morte pelas autoridades da igreja. Sua vasta
riqueza foi remetida aos cofres dos monarcas do país em que a ordem
funcionava. Mas, antes da extinção, a fortuna dos Templários possibilitara a
ereção de inúmeras igrejas redondas. John Stow, em The Survey of London,
1598, escreveu: "Muitos homens nobres em todas as partes do mundo
tornaram-se irmãos dessa ordem e construíram templos em toda cidade ou
município da Inglaterra, mas o de Londres era sua casa principal e fora
construído segundo a forma do templo que está próxima do sepulcro de
Nosso Senhor em Jerusalém; eles possuíam outros templos em Cambridge,
Bristow, Canterbury, Dover, Warwick".
Apenas seis igrejas redondas sobrevivem nas Ilhas Britânicas, duas das quais
em ruínas. As outras quatro foram reconstruídas em grande medida no
último século. As igrejas de Londres, Northampton e Cambridge foram
construídas segundo o princípio octogonal. A de Little Maplestead, em Essex
(que pertenceu aos Cavalheiros Hospitaleiros, organização-irmã dos
Templários), foi construída segundo o princípio hexagonal. No continente, a
famosa capela de Drüggelte, na Vestfália, foi feita de acordo com um plano
de doze lados, e a igreja redonda de Nijmegen, nos Países Baixos,
incorporouuma estrutura de 8 e de 16 lados. Essa igreja possuía um octógono
central a partir do qual se construiu uma nave lateral em dezesseis lados por
meio de uma geometria simples.
Em Altenfurt, perto de Nuremberg, na Alemanha, havia uma igreja que
representava a forma mais simples da arquitetura eclesiástica redonda.
Consistia de uma nave redonda com uma abside simpIes oposta à entrada.
Nas Ilhas Órcades, também, em Orphir, existia uma igreja redonda quase
idêntica conhecida como Casa Girth. Foi quase totalmente demolida no
século XVII para fornecer material para uma nova capela presbiteriana a ser
construída perto dali. Ela existe apenas como um fragmento, apresentando
intacta apenas a abside. Todavia, seu nome dá-nos uma chave para a sua
função microcósmica. No antigo escocês, a palavra Girth ou Gyrth tinha o
significado de "santuário" ou "asilo". Girth também era usada para
designar um círculo de pedras que cercava um antigo local de julgamento.
Isso indicava que a igreja redonda de Orphir pode ter substituído um círculo
de pedras que ocupava anteriormente o seu sítio. A palavra Girth também é
cognato de garth e yarth, que significam terra, uma designação pública do
microcosmo.
As igrejas redondas pertencem a uma tradição separada da corrente principal
da geometria sagrada eclesiástica, tendo precedentes mais
-nos esquemas romanos do que nos românticos. Elas eram de alguma
maneira especiais, reservadas para sítios-omphalos importantes e não eram
localizadas a esmo por todo o território. Com a extinção dos Templários, a
forma redonda da igreja foi efetivamente eliminada até que a Renascença a
redescobrisse diretamente nas fontes pagãs antigas. Mas foi novamente
suprimida quando as autoridades da Igreja reconheceram suas origens pagãs.
Em 1861, a forma redonda ainda era considerada pagã. O Re- verendo J. L.
Petit escreveu nesse ano:

"Quase todos os espécimes continentais [de igreja redonda] são considerados


pelos habitantes do lugar como um templo gentio; e, embora em cada caso
particular não seja necessário refutar a suposição, a universalidade da
tradição pode torná-Ia digna de nota do antiquário. E, se for necessário
procurar a derivação de uma forma tão simples, não há dúvida de que, como
a forma retangular, ela pode ser remontada à época do paganismo.”

Mas por que a forma redonda da igreja foi considerada não-cristã pela
hierarquia da Igreja? A forma redonda, ao contrário de outros padrões tais
como a Cruz Latina, não representava o corpo de um homem ou o corpo de
Deus. Ao contrário, representava o mundo, o domínio do terreno, e, em
termos cristãos, as forças satânicas, pois
que o Diabo na época medieval era personificado como Rex Mundi, rei do
mundo. No costume Templário, essa terrenidade era enfatizada pelo cubo
que se situava no centro mesmo da rotunda. O cubo no interior do círculo
representava a terra nos céus, a fusão dos poderes considerados heréticos
pelos cristãos medievais, donde a perseguição aos alquimistas, magos e
heréticos que se empenhavam nessa fusão. Com esse simbolismo exposto,
não foi difícil provar a acusação de heresia com que os infelizes Templários
foram incriminados. Princípios jslâmicos públicos, derivados da ala mística
do maometanismo, os Sufis, só serviram para amaldiçoar ainda mais a seita.
Todavia, o conhecimento técnico islâmico era de outra natureza. Sobreveio,
por meio de um estranho conjunto de circunstâncias, um segundo período de
influência islâmica que deveria varrer o gótico "puro" de Chartres. Durante o
século XIII, as hordas mongóis saíram de sua base na Ásia Central e se
converteram numa séria ameaça ao Oriente Médio e à Europa. Após a
primeira fase da expansão, o Império Mongol estava consoljdado com seu
posto avançado naPérsia sob o governo de um vice-rei que atendia pelo título
de IIkhan. Tendo deixado de representar uma ameaça à Cristandade, os
mongóis logo foram vistos como aliados contra os turcos. Vários reis
cristãos enviaram emissários a sucessivos IIkhans a fim de cultivar essa
aliança. Digno de nota foi o Olkhan Arghun (1284-1291), que manteve
relações com muitos estados cristãos. Ele chegou até mesmo a enviar uma
embaixada a Londres em 1289. Em troca, o rei Eduardo I da Inglaterra
enviou uma missão comandada por Sir Geoffrey Langley à Pérsia. Langley
participara de uma cruzada com o rei no começo dos anos 70 e viajara à
Pérsia via Constantinopla e Trebizonda em 1292. Tajs embaixadas eram um
canal para a transmissão do novo conhecimento. Os arquitetos asiáticos
misturaram as suas técnicas com a tradição islâmica persa e aos
poucos seu estilo foi transformado pelos maçons geômetras europeus.
Um edifício do período IIkhan que exerceu um efeito notável sobre a Europa
foj o famoso mausoléu do IIkhan Uljaitu, em Sultaneih. No início deste
século, o erudito alemão Ernst Diez fez um estudo exaustivo desse
memorial. Toda a sua estrutura é determinada por dois quadrados
interpenetrados que formam um octógono. A partir dessa base octogonal,
derivou-se a elevação, que contém triângulos e quadrados. A altura do
edifício, medida por M. Dieulafoy rios anos
80 do século passado, é de 51 metros e o diâmetro interno tem exatamente a
metade. Um sistema de razões, derivadas geometricamente, foi a origem
básica dessas harmonias. Ao passo que o diâmetro principal dos pilares
servira aos gregos antigos como módulos, os arquitetos persas levaram as
dimensões dos arcos ou domos a relações determinadas com as outras partes
do edifício. No mausoléu de Uljaitu, o ponto básico de partida foi a
dimensão do diâmetro interno da câmara mortuária.
A partir dessa dimensão, o arquiteto construiu um octógono para a planta
baixa. Para a elevação, um quadrado duplo foi erguido. No quadrado
superior, um triângulo eqüilátero definiu. o domo e o tímpano sobre o qual
ele foi erguido acima da porção basal cúbica. As câmaras laterais e as
galerias foram determinadas geometricamente por triângulos eqüiláteros
cujas posições foram fixadas por quadrados oblíquos e diagonais. A
arquitetura do mausoléu representava um ponto de partida construçional que
influenciou o octógono da Catedral de Ely nas terras pantanosas longínquas
do East Anglia. Mausoléus com o teto como espigões do domo não haviam
aparecido antes na Pérsia, embora tivessem sido construídos na velha Delhi.
Os mesmos sistemas de geometria que os maçons europeus utilizaram em
seus grandes edifícios foram utilizados para glorificar um sistema religioso
bastante diferente.
A origem oriental dessa geometria, todavia, não deteve os arquitetos cristãos
em sua tarefa. Como tecnólogos progressistas, eles acolheram com prazer as
novas idéias dos infiéis e as incorporaram às últimas obras. Os princípios
transcendentes foram adotados com alacridade pelos homens pragmáticos,
cuja compreensão do simbolismo os capacitara a trabalhar com o
inexperimentado e o insuspeitado.
O conhecimento acumulado da Pérsia e de outros países do Oriente Médio
foi logo aumentado com informações provenientes de outros lugares. Em
1293, missionários cristãos foram da Itália à China e em 1295 Marco Polo
retomou a Veneza, vindo de Pequim. Com esse intercâmbio sem
precedentes, eram inevitáveis novas geometrias sagradas. Um exemplo
bastante bem documentado da influência oriental está no Grande Salão da
Piazza della Ragione, em Pádua. Foi desenhado por um frade agostiniano
chamado Frate Giovanni por volta de 1306. Giovanni trabalhara em muitos
lugares da Europa e da Ásia e trouxera planos e desenhos dos edifícios que
vira. Em Pádua, reproduziu um vasto teto de vigas que vira na Índia e que
media 240 pés por 84.
Outras influências orientais podem ser demonstradas pelo aparecimento
simultâneo de temas exóticos em lugares bastantedistantes entre si. O arco de
gola, em que os arcos que formam o arco são voltados para fora e continuam
como uma característica arquitetônica sobre a porta ou janela, apareceu
simultaneamente sem antecedentes tanto em Veneza quanto na Inglaterra.
Detalhes da porta de St. Mary Redcliffe, em Bristol, e também na catedral
dessa cidade e no castelo de Berkeley, também apresentam uma influência
oriental inconfundível que pode ser comparada com a obra de Lalys em
Neath.
As visitas de registradores desses detalhes arquitetônicos locais, tais
como as de Simon Simeon e Hugh, o Iluminador, na Terra Santa em 1323,
serviram para reforçar o interesse nos círculos monásticos pelo desenho
oriental. O estilo "perpendicular" na Inglaterra, que surgiu por volta do
final do século XIV, foi prenunciado pelos hexágonos alongados nos
edifícios muçulmanos egípcios do século XIII. Os elementos verticais que
cruzam a curva de um arco, uma característica importante do desenho da
Capela do King's College em Cambridge (iniciada em 1446), já existiam no
Mausoléu de Mustapha Pasha no Cairo, construído entre 1269 e 1273. Os
maçons da Europa, embebidos em conhecimentos geométricos, assimilaram
prontamente as técnicas da arquitetura simbólica do Islã, realçando-a e
trazendo-a a uma nova era.

9. Simbolismo Maçônico e Prova Documental

"As linhas geométricas falam a linguagem da crença - da crença forte,


apaixonada, duradoura. Nelas as leis eternas da proporção eda simetria
reinam supremas. O ciclo daquilo que é gerado divinamente está
reproduzido na linguagem numérica do coro, do transepto, da nave, do
corredor, do portal, da janela, da coluna, daarcada, do frontão e da torre.
Toda característica tem sua unidadede medida, seu simbolismo místico.”
Hermon Gaylord Wood - Ideal Metrology.

As catedrais medievais são a mais fina flor da arte da geometria sagrada que
se desenvolveu na Europa. As manifestações físicas da summa theologiae, a
incorporação microcósmica do universo criado, as catedrais em sua forma
completa perfeita, unidas em suas posições, orientações, geometria,
proporção e simbolismo, tentam
criar a Grande Obra - a unificação do homem com Deus. Tem-se observado
que muitas catedrais, como as de Canterbury, Gloucester e Chartres, foram
construídas no sítio de antigos círculos megalíticos, incorporando em seus
desenhos o posicionamento e a geometria dos círculos. Geomanticamente
situados de maneira a poderem empregar ao máximo as energias telúricas da
terra e as influências astrofísicas dos céus, os círculos de pedra derrubados
pelos zelosos santos cristãos foram amalgamados na estrutura mesma das
igrejas que os sucederam.
Louis Charpentier sugeriu que as pedras antigas de estruturas megalíticas,
além de absorverem influências cósmicas e telúricas, também agiam como
instrumentos de vibração. Esses instrumentos de pedra, afirmou ele, podiam
acumular e ampliar as vibrações das ondas telúricas, agindo antes como uma
caixa de ressonâncja. Essas energias, assumidas pelos cristãos, ainda exigiam
um ressonador, que foi providenciado com a construção das paredes de pedra
e da abóbada da catedral.
Se a geometria dos círculos e dolmens de pedra dependia do
comprimento da onda das energias telúricas, então a geometria, reproduzida
num vasto edifício de pedra, agiria como um canal para as energias
ressoantes ali capturadas. As lendas que cercam a fixação das energias da
terra no omphalos e que estão incorporadas aos contos universais de
matadores de dragão reforçam este ponto de vista. Nos mitos de morte do
dragão, o herói solar transpassa o dragão com sua espada ou lança. Fazendo-
o, ancora as energias telúricas vagueantes da Terra em um sítio, de maneira
que elas pos- sam ser contidas e canalizadas para uso do sacerdócio. Nos
últimos tempos, o herói solar identificou-se com os santos cristãos Jorge e
Miguel.
Outra indicação desse fenômeno é a aceitação universal da medida
canônica. Em muitas culturas, não se acreditava que as unidades
fundamentais de medida possuíssem origens divinas, mas tinham sido
transmitidas pelos Deuses. O receptáculo dessas medidas sagradas era um
homem ou um semideus, freqüentemente o fundador legendário da nação.
Essas medidas eram então cuidadosamente guardadas contra a profanação e
a alteração e largamente empregadas na construção da arquitetura sagrada.
Assim, vemos as proporções serem engendradas naturalmente pela geometria
a partir da medida inicial. Se a catedral era destinada a agir como um canal e
um ressoador, não se poder,ia escolher nenhuma dimensão melhor do que
aquelas baseadas num sistema harmônico natural elaborado com medidas
diretamente relacionadas ao comprimento telúrico das ondas. O
comprimento da onda das energias telúricas locais, uma vez determinado por
métodos ocultos, podia ser venerado em medidas sagradas imutáveis e
formar uma base natural para a construção dos instrumentos que deveriam
manipular essas energias.
Charpentier acreditava que os beneditinos intensificavam as forças terrestres
por meio do som físico - o canto gregoriano -, cuja ação aumentava a
harmonia geométrica do edifício para a produção de estados mais elevados
de consciência. Os beneditinos eram, na verdade, uma ordem que utilizava o
conhecimento antigo. O pesquisador alemão Kurt Gerlach descobriu que os
mosteiros beneditinos da Boêmia (Tchecoslováquia) foram arranjados uns
com os outros segundo relações geométricas precisas. Esses mosteiros
estavam localizados em linhas segundo múltiplos e submúltiplos específicos
da medida antiga conhecida como Raste, correspondentea 44 quilômetros.
Assim, as várias características da catedral gótica eram harmonizadas para
criarem um todo que ligava completamente o homem, o microcosmo, com o
universo. As funções múltiplas que se
esperavam as catedrais góticas cumprissem significavam que elas não seriam
apenas expressões de harmonia geométrica simples como a Saint Chapelle
em Paris ou a Capela do King's College em Cambridge. Elas necessitavam
várias divisões e subdivisões que cumprissem as funções de local de
encontro, igreja da paróquia, capela para ofícios menores, confessionário e
sede do Bispado local. Além desses usos exotéricos, a catedral tinha de
incorporar as doutrinas da fé e expressar as energias e geometrias inerentes
ao sítio. Assim, as geometrias das catedrais góticas incorporam muitas
estruturas complexas que podem ser interpretadas em vários níveis. A
geometria fundamental da planta baixa é sempre gerada diretamente da linha
axial orientada. A data da fundação e a sua orientação são "trancadas" na
geometria à aparente posição solar no dia do padroeiro. Assim, em cada dia
patronal sucessivo, o sol brilharia diretamente ao longo do eixo da catedral.
O Professor Lyle Borst descobriu que muitas catedrais possuem uma
geometria do lado leste derivada dos círculos de pedra. As orientações desses
sítios megalíticos segundo vários fenômenos solares e lunares são bastante
conhecidas, pesquisadas que foram por estudiosos como Sir Norman
Lockyer e o Professor Alex Thom. A geometria das catedrais, que recobre a
das orientações múltiplas dos círculos de pedras, também devia preservar
orientações outras que não a simples orientação axial do dia do p'adroeiro.
Isto também quer dizer que o padroeiro pode ter sido determinado a partir da
orientação principal do círculo de pedra preexistente.
Descobriu-se recentemente que o esboço do vasto complexo de
templos de Angkor Wat, no Camboja, foi desenhado de tal maneira que
fossem incorporados 22 alinhamentos separados de posições solares e
lunares. Observando os fenômenos de alguns pontos bem determinados, o
astrônomo-sacerdote era capaz de checar o calendário por meio da
observação direta. A construção das
catedrais britânicas no topo de observatórios megalíticos pode ter
reproduzido de maneira similar a informação astronômica em sua geometria.
Rose Heaword demonstrou que a Capela de St. Cross em Winchester possuía
um alinhamento nascer-do-sol que era visível emdeterminado ponto por uma
janela. Esse nascer-do-sol ocorre no dia da Santa Cruz, a 14 de setembro, e
não corresponde à orientação axial da capela. Estudos que estão sendo
efetuados podem demonstrar muito mais a respeito desses alinhamentos
múltiplos e desua relação com a geometria sagrada.
No período em que as catedrais góticas foram erigidas, havia dois sistemas
maçônicos de geometria que eram comumente usados. O mais antigo era
conhecido como ad quadratum e baseava-se no quadrado e nos seus
derivados geométricos. O mais novo, e em alguns aspectos o sistema mais
dinâmico, baseava-se no triângulo eqüilátero e era conhecido como ad
triangulum.
O ad quadratum era formado diretamente do quadrado e da sua figura
derivada, o octograma. Colocava-se por cima do quadrado inicial - que era
orientado segundo a maneira aprovada pelos geomantes e maçons
encarregados da orientação - um segundoquadrado do mesmo tamanho. Este,
a um ângulo de 450 do primeiro quadrado, formava o octograma, um
poligrama de oito pontas. Na tradição maçônica, essa figura foi inventada
por um mestre de Estrasburgo, Albertus Argentinus. Nos escritos maçônicos
alemães posteriores, essa figura é chamada acht-uhr ou acht-ort, oito horas
ou oito lugares. Esses nomes aludem a uma divisão óctupla pagã antiga do
compasso, o dia e o ano que eram imitados no edifício como um microcosmo
do mundo. A partir desse octograma inicial, toda a geometria da igreja podia
ser desenvolvida de duas maneiras.
A primeira maneira, o acht-ort verdadeiro, desenvolvia uma série de
octogramas internos e externos, traçados diretamente a partir da
primeira figura. Esse sistema. pode ser visto nas catedrais de Ely (ver Figura
26), Verdun, Bamberg e em outras catedrais basicamente românicas.
Todavia, à época das últimas igrejas góticas, o sistema ad quadratum
refinou-se para uma forma mais complexa baseada mais no quadrado duplo
do que no simples. Essa forma, deve-se lembrar, era favorecida desde a
antigüidade egípcia como uma formaadequada a um lugar santo.
A segunda e última derivação do ad quadratum produziu o complexo
geométrico elegantemente proporcionado conhecido como "dodecaid", um
poligrama irregular de doze pontas que se prestou admiravelmente ao
planejamento de igrejas. Como o acht-ort simplesdo ad quadratum primitivo,
a figura básica era um octograma. Todavia, o primeiro quadrado, do qual se
derivava o octograma, era ampliado até formar um quadrado duplo e, desse
segundo quadrado, construía-se outro octograma. Isto fazia uma
figura de dois quadrados contíguos com quadrados coincidentes a 450 do
quadrado duplo. Sobre esse octograma interlaçado sobrepunha-se um
quadrado maior que cortava as intersecções internas dos dois octogramas.
Isso produzia uma figura que possuía razões geométricas que se
interseccionavam na construção.
O dodecaid é rico em simbolismo cristão. Os três quadrados coincidentes
possuem em seu centro um pequeno quadrado comum a todos eles. O
quadrado central é maior do que os outros, simbolizando o Pai da Trindade
Cristã, com o quadrado pequeno no meio simbolizando a unidade essencial
da divindade trina. A estrutura do quadrado duplo que penetra a trindade
incorpora os quatro elementos e as quatro direções. simbolizando o mundo
material interpenetrado e sustentado pela divindade. O todo é uma sinopse
dos números três e quatro, o sete místico.
Na construção atual da igreja, os quatro cantos do quadrado duplo marcam
as quatro fundações da igreja, as pedras angulares sobre as quais se funda a
construção material. O mais oriental dos três 45° representa Cristo. Seu
centro é o foco onde o altar é fundado e onde, a cada dia, por meio da
celebração da Missa, acreditam os cristãos,
Cristo está presente na forma de hóstia e de vinho. O quadrado maior e
central, no oeste, representa o pai. Baseia-se no omphalos central, o ponto do
cruzamento sobre o qual a torre principal e a agulha deverão ser erguidas.
Esse centro, o ponto coincidente dos três quadrados que representam a fusão
da trindade, indicava freqüentem ente um poderoso centro geomântico. Esse
centro pode ser percebido pelos hidróscopos sob a forma de uma poderosa
fonte cega com suas espirais associadas. Esse omphalos geomântico existe
na Catedral de Salisbury, que possui a agulha mais alta da Inglaterra e marca
um lugar situado numa linha ley que vai de Stonehenge a Frankenbury. Mais
a oeste da cruz da catedral está o quadrado que representa o Espírito Santo.
Aqui, - tradicionalmente, ficava a pia batismal, o lugar em que o Espírito
Santo penetrava no neófito por ocasião do seu batismo.
A essência da geometria sagrada é simples. Todas as partes 90 conjunto
sagrado, desde o aparato e as vestimentas do clero até a forma de todo o
edifício sagrado, são determinadas diretamente por uma figura geométrica
fundamental. Todas as dimensões e todas as posições estão idealmente
relacionadas diretamente a esse sistema e, assim sendo, estão integradas com
o todo da criação. As elevações das igrejas medievais eram determinadas
diretamentepela geometria das plantas baixas. A Saint Chapelle, a capela dos
reis franceses, demonstra admiravelmente essa necessidade geométrica. Sua
planta baixa é produzida pelo dodecaid, com uma pequena capela lateral
feita a partir de uma versão menor do ad quadratum e a sua geometria
elevacional interna feita diretamente a partir deste último. Edifícios
posteriores, como a capela do King's College, foram planejados pelos
mesmos métodos, mas as dimensões, em vez da geometria direta, foram
dadas pelas autorizações dos seus planos. Assim, a altura da abóbada de
King's College foi mantida na capela terminada, embora tivesse sido
seguido um método de construção da abóbada diferente do que fora pensado
anteriormente.
As igrejas medievais não foram desenhadas apenas como galpões que
acomodassem um determinado número de fiéis; nem, como se deduz
freqüentemente, foram construídas "à medida que eram erigidas".
Exatamente como na prática arquitetônica moderna, tudo era calculado para
fazer avançar cada detalhe, toda e qualquer característica do edifício era
determinada exatamente de acordo com a geometria sagrada. As peças
sobreviventes apresentam uma preocupação, por parte dos desenhistas, com
dimensões e proporções precisas.
A planta baixa da Catedral de Ely, em Cambridgeshire, servirá para ilustrar
os trabalhos práticos da geometria sagrada medieval. Como muitos outros
edifícios, a catedral atual é o resultado de muitos séculos de acréscimos. A
catedral normanda original foi esboçada em 1082 e completada cerca de
um século mais tarde. No século XIII, foi acrescentado um pórtico na
extremidade oeste, na mesma posição do das catedrais de Glastonbury e
Durham. Na mesma época, foi feita uma extensão para o leste do coro com
dimensões definidas de acordo com os princípios do ad quadratum. A
extensão foi definida por um quadrado oblíquo da largura da nave mais um
triângulo de 45° da largura da abóbada. Esse quadrado oblíquo foi utilizado
mais tarde para determinar a largura da nova Lady Chapel, que foi iniciada
em 1321.
As dimensões da Lady Chapel não foram definidas pelo ad quadratum, mas
pelo mais recente ad triangulum maçônico. Suas dimensões foram
produzidas pela geometria de um círculo cujo raio é um pouco menor de 105
pés ingleses (96 pés saxônicos). Este é o raio que def.iniu o octograma
básico com que se esboçou a planta baixa da catedral. O canto interno do
nordeste de Lady Chapel foi
produzido por raios interseccionantes da mesma extensão, como também o
canto noroeste, que também foi marcado pelo quadrado oblíquo. A linha
diagonal que define o espaço oriental da catedral chega ao canto noroeste de
Lady Chapel depois de passar pela porta da capela. Um raio do centro do
cruzamento que toca os arcobotantes da extremidade leste do coro também
toca os arco- botantes de Lady Chapel. Seu raio tem 192 pés saxônicos - o
dobro do raio da base do octograma, gerado pela geometria ad quadratum.
No ano seguinte ao início de Lady Chapel ocorreu um desastre. A torre
central, situada sobre o cruzamento, ruiu para o leste, talvez enfraquecida
pelas operações da construção. A reconstrução foi iniciada e seguiu-se a
geometria sagrada original do ad quadratum. A velha - torre não foi copiada,
mas um novo domo gótico octogonal, sem precedentes na arquitetura
ocidental, foi erigido em seu lugar. O método técnico de construção foi uma
cópia quase exata daquele que fora utilizado no mausoléu persa de Uljaitu
Chodabendeh em Sultaneih. Sobre esse octógono de pedra sem precedentes
foi construído um incomparável "farol" de madeira, desenhado e
executado pelo Carpinteiro Real, William Hurley. No seu centro está uma
magnífica obra de talha, representando Cristo em Majestade, executada por
John Burwell. Exatamente acima do cruzamento, ela representa a contraparte
celestial do omphalos terreno.
Embora tenha sobrevivido muito pouca documentação sobre as construções
românicas tardias ou góticas primitivas, os detalhes documentais de duas
tardias e notáveis igrejas colegiadas medievais ainda podem ser examinados.
A ,igreja de Fotheringhay, em Northamptonshire, e a Capela do King's
College, em Cambridge, foram construídas segundo instruções precisas que
ainda sobrevivem.
Ambos os edifícios foram desenhados no século XV. Fotheringhay é
o mais antigo dos dois. A aldeia de Fotheringhay é hoje notável apenas por
seu cenário pitoresco entre as campinas banhadas pelo rio Nene e pela
espantosa torre octogonal de uma igreja cujo desenho memorável mostra
sua eminência anterior. A forma isolada da igreja lembra-nos tristemente que
ela é agora apenas um fragmemo de um colégio reai, reduzido hoje à
condição de paróquia. O colégio foi fundado por Edward Plantagenet,
apelidado Langley, o quinto filho do rei Eduardo III. Edmundo, Duque de
York, seria o fundador da Casa de York. Ele iniciou a construção do colégio
e reconstruiu a igreja paroquial, que estava ligada a ele por um claustro de 88
janelas de vidro colorido. O filho de Edmundo, Eduardo, Duque de York,
pretendia levar à frente o projeto após a morte do seu pai com a reconstrução
da nave da velha igreja no mesmo estilo do novo coro, mas foi morto na
batalha de Agincourt antes que a construção fosse iniciada. Todavia, o
projeto não foi abandonado e é o exame de um acordo assinado a 24 de
setembro de 1434 que nos informa sobre as práticas maçônicas de desenho
dos franco-maçons inglesesdaquela época.
O contrato foi feito entre William Wolston, Squire, e Thomas Pecham,
amanuense, comissários do "Supremo e poderoso príncipe, meu Senhor
respeitável, o Duque de York", e WiIliam Horwood, franco- maçom de
Fotheringhay. O contrato detalhava com medidas precisas a especificação de
uma igreja cujas proporções requintadas ainda hoje deliciam os olhos. O
contrato estipulava a construção de "uma nova nave de uma igreja, que
chegue até o coro, no Colégio de Fotheringhay, da mesma altura e da mesma
largura do dito coro; e que tenha um comprimento de oitenta pés a partir do
dito coro, com paredes de um metro-jarda (de espessura), um metrojarda da
Inglaterra, contado sempre como três pés. (...) E no lado norte da igreja o
dito William Horwood fará um pórtico; o lado externo de pedra de cantaria
lisa, o lado interno de pedra áspera, contendo em comprimento doze pés e
em largural o que o arcobotante da nave permitir (...) e na extremidade
oeste da dita nave haverá um
campanário construído sobre a igreja sobre os três arcos fortes e poderosos
abobadados em pedra. Dito campanário terá de comprimento oitenta pés
segundo o metro-jarda de três pés para uma jarda, sobre o chão a partir
das pedras da cornija e vinte pés quadrados entre as paredes (...)".

Cada detalhe do edifício proposto foi especificado no contrato, e também as


dimensões quando elas foram julgadas relevantes. Não se- sabe se o próprio
Horwood projetou as dimensões e esboçou um diagrama que serviu de
base para as dimensões contratuais. Só
doze anos depois é que uma outra fundação colegiada real apontaria para a
possibilidade de o fundador ou seus auxiliares diretos no campo geomântico
terem executado o desenho. Seja qual for a verdade, o tom de todo o contrato
está vazado como instruções a Horwood, o franco-maçom funcionário que
está apenas recebendo ordens de uma autoridade superior, e não detalhes
elaborados arbitrariamente por ele.

Embora a igreja de Fotheringhay tivesse sido completada por volta de 1460,


data da morte de Ricardo, o Duque de York, a construção da abóbada
abaixo da torre traz a marca do grande mestre lohn WastelI, de quem uma
obra idêntica sobrevive hoje na Catedral de Peterborough, na porta de
entrada de St. John's ColIege em Cambridge e, sobretudo, no teto magistral
da Capela do King's College, na mesma cidade.
Essa capela foi desenhada pelo rei Henrique VI, o fundador. Na sua
declaração de intenções, datada de 1498, ele forneceu todas as
dimensões necessárias a que seu mestre maçom, Reginald Ely, preparasse os
planos completos para a capela e, por conseguinte, todo o colégio. Uma
análise dos seus planos mostra que eles foram baseados no ad triangulum.
Todas as partes da capela estão relacionadas com a geometria global, até
mesmo as pequenas capelas anexas laterais. Embora 69 anos se tenham
passado antes que a capela fosse completada, o mestre maçom John Wastell,
que não havia nascido quando a capela foi iniciada, aderiu à letra da
declaração de Henrique terminando-a exatamente nas dimensões estipuladas.
O sistema geométrico, a despeito das alterações decaracterísticas dinásticas e
estilísticas, foi mantido como dever sagrado.

10. Problemas, Conflitos e Divulgação dos Mistérios

"A história antiga é como uma paisagem noturna, na qual andamos às


apalpadelas, discernindo vagamente alguns contornos na escuridão geral, e
ficamos felizes se aqui ou ali a obra de um autor em particular ou uma ruína
ou uma obra de arte ilumina momentaneamente, como um raio nas trevas, o
campo particular queestamos explorando.”
Filo, Sobre a vida contemplativa.

O caso da construção da Catedral de Milão é de extrema importância no


estudo da geometria sagrada. Ele interessa em dois sentidos, o documental e
o simbólico. A Catedral de Milão foi fundada em 1386 e, por essa razão,
estava no centro de uma encarniçada controvérsia relativa a que forma de
geometria sagrada deveria ser utilizada: ad quadratum ou ad triangulum. Um
grande número de peritos reuniu-se
a fim de determinar o que seria feito na construção dessa obra-prima
potencial. Talvez por causa dessa pletora de peritos, desenvolveu-se entre os
adeptos de um e de outro sistema uma encarniçada discussão.
Sabe-se que já em 1321, durante a ereção do domo da catedral de Siena, os
cinco inspetores escolhidos para examinar a construção objetaram contra a
continuação da obra "porque, se terminada como foi iniciada, ela não terá as
medidas de comprimento, largura e altura que as regras prevêem para uma
igreja". Uma disputa similar verificou-se a respeito da construção da
Catedral de Milão.
Hoje, a Catedral de Milão é considerada uma obra-prima da arquitetura
gótica tardia. Recentemente, sua estrutura foi algo sacudida pelas
vibrações dos carros, dos ônibus e do metrô que trafegam ao seu redor, mas a
sua gestação foi tão cheia de recriminações que parecia que ela nunca seria
terminada. A catedral foi fundada em 1386 por ordem de Gian Galeazzo
Visconti, que conquistara influência sobre a cidade de Milão graças ao
expediente da morte do seu tio. Todavia, nenhum outro edifício tão
portentoso foi construído na Lombardia durante séculos e logo os maçons
inexperientes encarregados do projeto defrontaram se com sérios problemas.
O lado teórico da geometria sagrada segun do a qual o edifício deveria ser
construído atolou-se numa discussão aparentemente insolúvel.
Inicialmente, a planta baixa da catedral fora desenhada de acordo com o ad
quadratum, baseado no quadrado e no quadrado duplo, com uma nave
central pronunciada e naves laterais de igual altura. Essa planta, todavia, foi
logo abandonada e substituída pelo ad triangulum para a elevação - e foi aí
que os problemas começaram. A altura de um triângulo eqüilátero, a base do
ad triangulum, é incomensurável com seu lado. Colocá-Io sobre uma
planta baixa báseada no ad quadratum seria transformar numa tolice a
comensurabilidade da geometria sagrada e todas as proporções da elevação
estariam completamente erradas.
A fim de trazer novamente um ar de lógica à geometria, foi chamado um
matemático de Piacenza, Gabriele Stornaloco. Ele recomendou um
arredondamento da altura incomensurável de 83,138 para 84 braccia, que
poderia ser comodamente dividida em seis unidades de
14 braccia. Embora fosse aceitável em princípio, o esquema de Stornaloco
foi posteriormente modificado, produzindo-se uma redução posterior na
altura e trazendo-se a catedral para mais perto dos princípios clássicos. O
mestre maçom alemão Heinrich Parler enfureceu-se com esse compromisso
de medida verdadeira. Seus protestos levaram-no a se demitir do posto de
consultor em 1392. Em 1394, Ulrich von Ensingen veio de UIm como
consultor, mas ficou emMilão apenas seis meses antes de fazer novamente as
malas. Os maçons lombardos lutaram desesperadamente até 1399, quando
Jean Mignot foi chamado da França para supervisionar as obras.
Mignot, todavia, não ficaria aí por muito tempo. Suas críticas aos princípios
maçônicos locais foram tão causticantes, que um comitê foi chamado a
discutir os pontos que ele levantara. Uma tal ignorância dos princípios
geométricos e mecânicos góticos foi demonstrada pelos maçons lombardos,
que eles tentaram argumentar que os arcos pontiagudos não poderiam de
maneira alguma justificar a geometria aberrante pretendida para o edifício.
Exasperado, Mignot bufou: "Ars sine scientia nihil est" (A Arte não é nada
sem a Ciência). Recebeu a seguinte réplica lombarda: "Scientia sine arte
nihil est" (A Ciência não é nada sem a Arte).
Mignot voltou para Paris em 1401, sem ter feito progresso algum com os
intransigentes lombardos. Por métodos pragmáticos, os italianos
improvisaram e terminaram o coro e os transeptos por volta de 1450.
Nem toda a catedral foi terminada, todavia, até que a fachada oeste foi
finalmente completada sob as ordens do Imperador Napoleão I em1809.
A geometria de Milão foi preservada numa edição de Vitrúvio publicada em
1521. Ela mostra o plano e a elevação da catedral como uma ilustração dos
princípios vitruvianos. Só esta ilustração é uma prova da unidade essencial
dos sistemas clássicos e maçônicos da geometria sagrada. O esquema
apresentado na gravura baseia-se no rhombus ou vesica. A elevação
triangular do corte transversal da catedral é mostrada em superposição a
círculos concêntricos em que o quadrado e o hexágono são desenhados,
demonstrando a relação da elevação com o ad quadratum do plano básico.
Essa exposição da geometria sagrada maçônica de uma catedral é indicativa
da atitude modificada diante dos mistérios antigos exibidos pelos escritores
da Renascença. Ela se encaixa perfeitamente na tradição de Matthäus
Röriczer, um maçom que revelou sua artequebrando seu juramento de sigilo.
Röriczer, que morreu em 1492, pertencia à terceira geração de uma família
que servia de mestres maçons na Catedral de Regensburg. Matthäus era o
chefe de uma loja onde fora desenhada e executada toda a obra de construção
e, como tal, era o responsável por todas as molduras e todos os entalhes, por
seu esboço e seu desenho. Embora, sendo um franco- maçom, estivesse
preso ao juramento horrendo de não divulgar os mistérios maçônicos aos
não-iniciados, ele deu um passo sem precedentes com a publicação de
detalhes que anteriormente haviamsido ocultados nos livros de anotações das
lojas maçônicasoperativas.
Embora a única obra publicada de Röriczer fosse um pequeno panfleto que
deu solução a um problema geométrico, ela tem uma importância
fundamental porque é a única chave sobrevivente da
geometria sagrada maçônica. A obra, intitulada On the Ordination of
Pinnacles, forneceu a solução do problema de como erigir um pináculo de
proporções corretas a partir de uma planta baixa dada. Por volta do final do
período medieval, os maçons estavam produzindo as obras-primas do gótico
flamboyant e perpendicular pelos meios mais simples. As plantas de
execução (conhecidas na Inglaterra como "plats") eram preparadas pelos
maçons até os últimos detalhes. Ainda existem alguns desses "plats", como
os que foram desenhados para a fachada oeste da Catedral de Estrasburgo,
por Michael Parler em 1385, e o da agulha da Catedral de Ulm, por
Matthias Böblinger. Cada uma das partes do intrincado desenho é relatada
aos seus camaradas por meio da geometria. O maçom operativo, equipado
com esse diagrama, podia tomar uma dimensão como ponto de partida e com
ela, utilizando-se régua e compasso, a geometria chega ao plano do tamanho
natural das partes que ele deve executar. Com esse plano rdo tamanho
natural, desenhado sobre um "piso de decalque" de gesso, faziam-se
gabaritos de madeira segundo os quais as pedras finais eram cortadas e
talhadas.
A exposição de Röriczer do sistema demonstra admiravelmente a
simplicidade elegante desse método canônico. Em vez de uma referência
constante a medidas num plano, como na moderna prática da engenharia, o
pináculo (ou o pinásio, a ombreira da porta, o componente da abóbada, etc.)
era "desenvolvido" organicamente, por assim dizer, a partir de um quadrado.
A geometria, diferentemente da medida, é auto-reguladora e quaisquer erros
podem ser vistos imediatamente. Seja qual for o tamanho do quadrado
inicial, todas as partes do pináculo estão relacionadas a ele em proporção
natural. Como as dimensões do quadrado originalpoderiam ter sido derivadas
como uma função da geometria global da igreja, o tamanho do pináculo
estava relacionadoharmoniosamente ao todo.
O livreto de Röriczer foi dedicado ao Príncipe Wilhelm, Bispo de Eichstadt
(1464-1496), descrito na dedicatória como "(...) um cultor e um patrono da
arte livre da geometria". Wilhelm era membro ativo do conselho de
construções das igrejas de Regensburg, UIm e Ingolstadt. Depois de termos
lido a instrução de Röriczer, não achamos que Wilhelm fosse apenas um
administrador, mas uma pessoa bastante interessada em conhecer a
metodologia exata que estápor trás da geometria sagrada. Esses homens
foram os primeiros "maçons especulativos", patronos ricos que desejavam
sinceramente conhecer os segredos dos maçons operativos. A fim de obter
esses segredos, os patronos eram geralmente admitidos à irmandade dos
franco-maçons por meio dos ritos iniciatórios típicos. Como as atividades
dos maçons diminuísse com o surgimento de arquitetos treinados em
academias, o número de "maçons especulativos" aumentou.
Entrementes, as lojas operativas de franco-maçons fecharam-se umaa uma. A
última delas foi a primeira loja da Europa - a de Estrasburgo, que fechou em
1777. A partir de então, as artes e os mistérios da franco-maçonaria foram
mantjdos apenas pelos "maçons especulativos".
Os pináculos descritos por Röriczer são construídos de acordo com o ad
quadratum. Embora o ad triangulum fosse o último método alemão
medieval da geometria sagrada, ele não era facilmente aplicável aos remates
e aos arcobotantes que são parte integrante da construção gótica. Então o ad
quadratum foi usado nessas partes essenciais da estrutura.
A produção do plano do pináculo era levada a efeito da seguinte maneira:

Röriczer: "Quereis desenhar um plano para o pináculo segundo a


arte dos maçons, por meio da geometria regular? Deveis então fazer um
quadrado, como está aqui designado pelas letras A:B:C:D; ligar A a B e B a
D e D a C e C a A, de modo a obter uma figura semelhante à do esquema
anexo.
Fazer depois um outro quadrado. Dividir AB em duas partes iguais e chamar
E; da mesma maneira, dividir BD e chamar H; do mesmo modo, dividir DC
e chamar F; igualmente, dividir CA e chamar G. Depois, traçar uma linha de
E a H e de H a F, de F a G e de G a E.
Depois de terdes assim procedido, fazei outro quadrado sobre este segundo.
Quando terminardes os três quadrados de tamanho igual a ABCD, IKLM e
EHFG, tereis uma figura semelhante à do esquema anexo.”
Esses três quadrados exercem uma relação geométrica específica COm um
outro: a diagonal do segundo quadrado é igual ao lado do primeiro quadrado
e a diagonal do terceiro é igual ao lado do segundo. A ação seguinte na
geometria de Röriczer envolve o traçado de quatro cantos; depois, toma-se o
raio IN e com um compasso são traçados quadrantes que produzem as
dimensões da moldura côncava do painel e do plano completo da agulha. A
partir desse plano, constrói-se, com a utilização de uma régua e de um
compasso, a planta baixa final de um pináculo.
Com base nessa complexa planta baixa, a elevação era feita com
movimentos igualmente simples de régua e compasso. Cada um dos maçons
que executavam essas obras possuía uma marca individual que podia ser
usada para identificar não só a obra do próprio maçom, mas também as lojas
de que ele provinha. As marcas dos maçons existiram em todos os países na
tradição arquitetural ocidental do Egito antigo em diante e são sigilos
característicos que em geral são derivados geometricamente.
Embora tenha sido um "segredo maçônico", afirmou-se durante muito tempo
que cada loja central de maçons operativos possuía seu "diagrama matriz"
próprio a partir do qual derivavam todas as marcas utilizadas pelos seus
membros. O Professor Homeyer, em Hof und Hausmarken, publicado em
1870, mencionou que, por volta do ano de 1820, um certo Dr. Parthey lhe
dera um "diagrama matriz" no qual estavam baseadas todas as marcas dos
maçons da Catedral de Estrasburgo. Diz-se que esse diagrama fora
descoberto por um certo Arnold de Estrasburgo, um arquiteto.
Costuma-se dizer que em 1828 o maçom Kirchner de Nuremberg estava de
posse de um livro que fazia todas as marcas individuais dos maçons
derivarem de uma fonte comum. O Professor Franz Rziha, em sua obra
Studien über Steinmetz-zeichen, publicado em 1883 em Viena, demonstrou
que, a partir de determinados diagramas geométricos fundamentais, poderia
ser derivada uma série de "diagramas matrizes" ou chaves na qual se poderia
incluir todas as marcas de maçons conhecidos. Nas 68 lâminas que ilustram
essa obra, Rziha enquadrou 1145 marcas em seus próprios diagramas,
demonstrando a universalidade do sistema.
O conhecimento de todos os níveis da geometria era, assim, uma
prerrogativa do franco-maçom. Com esse conhecimento da geometria das
marcas, um maçom podia "provar" sua marca quando isso fosse exigido dele
e também podia julgar a origem de qualquer
outra marca que ele visse. O Professor Rziha descobriu quatro diagramas
geométricos básicos nos quais se baseavam as marcas de todos os maçons.
Os dois primeiros diagramas eram os modelos ad quadratum e ad triangulum
regulares. Os outros dois eram mais complexos, chamados por Rziha de
vierpasse e dreipasse. O vierpasse corresponde à geometria do quadrado que
incorpora vesicas relacionados, ao passo que o dreipasse utilizava uma
combinação diferente de triângulos eqüiláteros e círculos. Cada um desses
diagramas pode ser ampliado à vontade e, então, uma série muito elaborada
de figuras geométricas forma a base das marcas dos maçons.
Rziha descobriu os "diagramas matrizes" de um grande número dos maiores
centros europeus de conhecimento maçônico, inter alia Nuremberg, Praga,
Estrasburgo, Viena, Colônia e Dresden. A geometria do macrocosmo estava
reproduzida até mesmo no nível mais baixo da tradição maçônica européia e,
assim, até mesmo as marcas mal perceptíveis feitas em pedras isoladas eram,
sem dúvida,emblemas das estruturas transcendentes do universo.

11. A Geometria Sagrada da Renascença

"Deus também criou o homem à sua própria imagem: pois, como o mundo é a
imagem de Deus, também o homem é a imagem do mundo.”
H. Cornelius Agrippa, Filosofia oculta.

Com a redescoberta dos velhos modos romanos clássicos de arquitetura, a


geometria linear superposicional do período medieval foi rapidamente
suplantada por uma geometria poligonal centralizada.
No século XV, na Itália, pode-se ver uma transição gradual nos pIa- nos das
igrejas da Cruz Latina tradicional para a centralizada. Essa tendência
centralizadora, derivada da prática pagã antiga, tem sido vista por muitos
historiadores como emblema de um movimento de fuga das crenças cristãs
transcendentes da Idade Média para um ethos mais humanista,
antropocêntrico. Essa noção reducionista de que a crença, cristã medieval
mergulhara num ataque furioso de hu- manismo ateísta exaltado ignora as
correntes subterrâneas do pensamento geométrico do período.
As igrejas centralizadas colocaram o problema da separação hierárquica da
congregação e do clero e, mais fundamentalmente, a questão do sítio do
altar. Os requintes da geometria centralizada, todavia, estavam crescendo.
Uma obra-chave para a compreensão dessa nova geometria é o primeiro
tratado arquitetônico da Renascença, De re aedificatoria, escrito entre 1443 e
1452 pelo arquiteto Alberti. As origens pagãs de suas idéias estão mais
claramente apresentadas nos seus desenhos para templos, como ele denomina
as igrejas. O círculo, afirma ele, é a forma primária que, acima de todas as
outras, é favorecida pela natureza, começando-se pela própria forma do
mundo. Para os templos, Alberti demonstra o uso de nove figuras
geométricas. Utiliza o círculo, cinco polígonos regulares (o quadrado, o
hexágono, o octógono, o decágono e o dodecágono) e três retângulos (o
quadrado e meio, o quadrado e um terço e o quadrado duplo).
A partir dessas plantas baixas, Alberti desenvolve anexos geométricos que
servem como capelas laterais. Estas são retangulares ou semicirculares na
forma e estão relacionadas radialmente ao ponto central. Com a adição de
figuras geométricas simples ao poIígono básico ou círculo, pode-se produzir
uma classe quase infinita de configurações.
Alberti inspirou-se nos edifícios vitruvianos da era clássica, mas,
estranhamente, a forma central que ele mais privilegiou não era co mum nos
templos daquele período. Apenas três templos redondos restaram dos
tempos clássicos - o famoso Panteão e dois pequenos templos peripteriais em
Tivoli e em Roma. A grande maioria dos templos clássicos seguia,
naturalmente, um plano retangular. Toda via, durante a Renascença, outros
edifícios poligonais da antigüidade - como o "templo de Minerva
Médica", dodecagonal, em Roma, na verdade o nymphaeum dos Orti
Licianini, e as primeiras estruturas cristãs, tais como o Santo Stefano
Rotondo e Santa Constanza - eram considerados como templos antigos.
Vitruvio nem mesmo chegou a incluir edifícios redondos entre as sete classes
de templos enumeradas no seu Terceiro Livro, mas, ao invés, mencionou-os
em forma de apêndice no Livro Quarto ao lado da aberrante forma toscana.
Todavia, a predileção de Alberti pela forma poligonal, influenciada pelos
Sólidos Platônicos, justificava-se com o pretexto de que representava uma
volta à simplicidade litúrgica da Roma de Constantino. Naquele período, o
Colégio Romano de Arquitetos foi compelido a transferir sua perícia do
desenho dos templos para os pagãos à criação de igrejas para a nova fé
oficial. O período constantiniano foi especialmente poderoso para a
mentalidade da Renascença, pois que ele representava o único ponto de
fusão da arquitetura clássica totalmente desenvolvida com a fé pura do
Cristianismo Imperial.
Todavia, na Roma de Constantino, a forma normal das jgrejas era a basílica,
um padrão derivado dos Tribunais de Lei. Alberti não aprova esse tipo de
edifício, mas menciona de passagem que os cristãos primitivos utilizaram
basíIicas romanas particulares para a celebração dos seus ritos. A basílica,
assento da justiça humana, relacionava-se à religião de maneira simbólica:
como se afirmava que a justiça era um dom de Deus; a presença de Deus
está para todo o sempre na
esfera das decisões jurídicas e, por conseguinte, a basílica foi levada para o
reino da adoração.
O plano fundamentalmente humano e funcional da basílica foi considerado
muito prosaico por Alberti. Ela não desperta no observador um
sentimento de reverência e de piedade, Ela não possui o efeito de purificação
que induz um estado de inocência primal que agrada a Deus porque não foi
construída de acordo com a geometria sagrada. Nas igrejas centralizadas da
Renascença, a forma geométrica é explícita, diferentemente da geometria
arcana que subjaz àbasílica ou à igreja gótica, uma geometria só apreciável
pelo iniciado. Num plano da Renascença, a geometria pura domina
esmagadoramente. Cada uma das suas partes está harmonicamente
relacionada, como os membros de um corpo, tornando manifesta a natureza
da divindade.
Como muitos dos seus contemporâneos, Alberti escreveu extensamente
sobre os atributos da igreja ideal. Como seu tema correlato, a cittá ideale, ou
cidade ideal, essa igreja é uma expressão idealizada do absoluto cósmico,
desenhado como uma manifestação visível da harmonia divina, um conceito
essencialmente neoplatônico. Alberti pretendia que sua igreja fosse
construída num terreno elevado, livre em todos os lados, no centro de uma
praça vistosa. Devia ser baseada num plinto elevado que servia para protegê-
Ia contra a profanidade da vida cotidiana e ser cercada por uma colunada, à
maneira dos antigos templos dedicados a Vesta.
Sua geometria explícita devia ser coberta por um domo vistoso, que devia ser
adornado internamente com caixotões segundo o estilo do Panteão. A
abóbada do domo também devia aparentar semelhança com o céu, na
tradição da interpretação cósmica universal do templo. Assim, como na
arquitetura ortodoxa oriental e gótica ocidental, toda a igreja redonda era um
emblema do mundo - a manifestação criada
da Palavra de Deus: um receptáculo perfeito da humanidade.
Como as igrejas redondas do período dos Templários, essas igrejas centrais
não eram vistas apenas como microcosmos do mundo, mas também como
símbolos da universalidade de Deus. Muitas igrejas centralizadas reviveram
inconscientemente o cubo cósmico na forma de um altar central. O centro,
o "uno e absoluto", na iconografia cristã, é um reflexo d’Aquele que só
existe em verdade. Porque sua onipresença era representada pela realização
dos sacramentos, o altar era o centro, o omphalos para o qual todos os raios
do edifício convergiam.
Muitas dessas igrejas centralizadas foram dedicadas à Virgem Maria. Essa
tendência possuía uma razão simbólica. Desde o período mais antigo da
religião cristã, o culto da mãe de Cristo considerava-a a rainha do céu e a
protetora de todo o universo. Essas idéias surgiram da associação da
mitologia com seu sepultamento, sua assunção e sua coroação, ecoando a
coroa circular da rainha celeste a antiquíssima tradição dos céus circulares.
As igrejas circulares, todavia, conseguiram um sucesso de curta
duração. O maior número delas foi construído no período de 1490 a 1560. A
Cristandade não desistiria tão facilmente das suas tradições. Em 1483, um
artista italiano, Domenico Neroni, seu patrono Ascanio de VuIterra e um
sacerdote anônimo foram executados por sacrilégio. Inspirados pelo desejo
avassalador de conhecer o Número Perfeito e as proporções que guiavam os
escultores antigos na feitura das efígies dos deuses, eles conceberam um
esquema de evocação desses deuses. Foram sentenciados à morte por
realjzarem atos de magia ritual. As proporções antigas foram tão
estreitamente ligadas à religião pagã, que foi só uma questão de tempo a
Igreja rejeitar os "templos" de Alberti baseados em sua origem pagã.
Eventos como este devem ter
espalhado as sementes da dúvida na mente dos ortodoxos.
Em 1554, Pietro Cataneo, em seu livro I quattro libri di architettura, reiterou
o conceito de que o templo era um símbolo do corpo de Deus. Afirmou que,
por essa razão, as catedrais deviam ser dedicadas a Cristo crucificado e,
como tal, deviam seguir a forma da Cruz Latina. Em 1572, Cado
Borromeo, em Instructionum Fabricae ecclesiasticae et Superlectilis
ecclesiasticae, investiu contra a forma redonda das igrejas afirmando que ela
era pagã. Segundo o Concílio de Trento, ele também recomendou o uso da
Cruz Latina.
Embora houvesse controvérsia e sugestões de heresia em relação ao uso de
igrejas redondas, os sistemas proporcionais antigos eram tidos como
admiráveis pelos ortodoxos. Um documento relativo a S. Francisco della
Vigna, em Veneza, fornece-nos um esclarecimento sobre o sistema
proporcional utilizado nas igrejas da Renascença construídas com formas
ortodoxas. O Doge de Veneza, Andrea Gritti, assentara a pedra fundamental
da nova igreja no dia 15 de agosto de 1534 e a construção foi iniciada sob as
ordens de Jacopo Sansovino. Mas, como nas primeiras dificuldades da
Catedral de Milão, surgiram discussões a respeito do sistema proporcional a
ser utilizado. Um entendido em proporção, Francesco Giorgi, um monge
franciscano que publicara em 1525 um tratado sobre a Harmonia Universal
(De Harmonia Mundi Totius), foi encarregado de escrever um comentário
sobre o plano de Sansovino. O tratado de Giorgi fundira teoria neoplatônica
e cristã, o que produziu o efeito de reforçar a crença já existente na eficácia
da razão numérica.
Para essa igreja, Giorgi sugeriu que a largura da nave tivesse nove passos, já
que essa medida é o quadrado de três. Três é o primeiro número real nos
termos pitagóricos porque tem um começo, um meio e um fim. O
comprimento da nave deveria ser três vezes a largura, o cubo simbólico,
3x3x3, que, como a Cidade da Revelação ou o Santo
dos Santos judaico, contém as consonâncias do Unjverso. A razão entre a
largura e o comprimento, 9:27, também é analisável em termos musicais,
formando um diapason e um diapente (uma oitava e uma quinta). Giorgi,
assim, sugeriu a progressão do lado masculino do triângulo platônico para a
nave da igreja.
No lado oriental da igreja, a capela deveria ter nove passos de largura e seis
de comprimento, representando a cabeça do Homem Vitruviano. No
comprimento, essa capela repetia a largura da nave e, na largura, possuía a
razão 2:3, um diapente. O coro, também, tepetia as dimensões da capela
oriental, resultando toda a igreja em 5x9 = 45 passos de comprimento, um
disdiapason e um diapente em termos musicais. As capelas laterais da nave
eram largas de três passos, e o transepto, de se.is passos. A razão da largura
dascapelas do transepto para aquela da nave era 4:3, um diatessaron. A altura
do teto também mantinha uma relação de 4: 3 com a largura da nave.
Esse sistema global, relacionado às proporções ideais do Homem Vitruviano
e às harmonias cósmicas de Platão e Pitágoras, foi recebido com prazer, e
até implementado, depois de ter passadopelo pintor Ticiano, pelo arquiteto
Serbio e pelo filósofo humanista For- túnio Spira. A fachada da igreja foi
completada por Palladio trinta anos depois, de acordo com o mesmo sistema
de proporções e de razões harmônicas.
Palladio foi um dos maiores expoentes da geometria sagrada da Renascença.
Em seus influentes Quattro libri dell'architettura, Andrea Palladio tentou
elaborar um exame geral de toda a arquitetura. Ele, naturalmente, acentuou
seu débito para com Vitrúvio, e também Alberti. Todavia, foi a Vitrúvio que
Palladio deveu sua maior inspiração. Para ele, Vitrúvio era a chave dos
mistérios da arquitetura antiga, seus sistemas de proporção e seu
simbolismo oculto. Mas
Palladio não possuía apenas um conhecimento acadêmico da arquitetura
clássica. Ele viajara por toda a Itália visitando os restos desses edifícios
e produzindo esboços detalhados das medidas a fim de verificar as
afirmações vitruvianas.

Palladio escreveu: "Embora a variedade e as coisas novas agradem a todos,


elas não devem ser executadas ao contrário dos preceitos da arte e ao
contrário daquilo que a razão dita; donde se depreende, que embora os
antigos variassem, eles nunca se afastaram das regras de arte universais e
necessárias". Com esse exioma em
mente, Palladio pôs-se a reinterpretar a geometria sagrada clássica antiga no
desenho de seus memoráveis edifícios. As villas de Palladio foram
desenhadas com uma simetria rígida derivada de uma única fórmula
geométrica. Os compartimentos e seus pórticos foram baseados num
retângulo dividido por duas linhas longitudinais e quatro linhas transversais.
A sua obra mais famosa, merecidamente, é a Villa Rotondo, um desenho
magistral que gerou muitas imitações inferiores. Aparentemente, o desenho é
mais adequado para um edifício religioso, já que é óbvia nele uma origem
cósmica. Em essência, é composto do quadrado quartado da terra que
suporta o domo circular do céu. Em todos os edifícios de Palladio, as razões
harmônicas são utilizadas no interior de cada compartimento e na relação de
cada compartimento com um outro. A velha geometria sagrada dos templos
pagãos foi refinada num sistema que serviu às residências palacianas dos
ricos.
Palladio exerceu uma influência profunda sobre a arquitetura da Renascença
e mais tarde, na Inglaterra, Inigo Jones popularizou seu estilo. Em seus
Qllattro libri, Palladio alude a um sistema geral de proporção que utilizou em
todas as suas incumbências. Ele detalha o que considera ser as proporções
mais harmoniosas para as razões largura: comprimento dos compartimentos.
Como as igrejas de AIberti, a obra de PalIadio recomenda as sete formas
místicas dos compartimentos: circular, quadrada, a diagonal do quadrado
para o comprimento do compartimento V2, um quadrado e um terço, um
quadrado e meio, um quadrado e dois terços e o quadrado duplo. As razões
recomendadas são as seguintes: 1; 1:1; V2:1; 3:4; 2:3; 3:5 e 1:2. A terceira é
a única que é incomensurável nessa progressão e é o único número irracional
geralmente encontrado na geometria sagrada da Renascença. Ela aparece em
Vitrúvio num sistema comensurável e, como tal, talvez represente o
último vestígio da geometria sagrada grega antiga, sobrevivente como um
fragmento no
período romano.
Palladio afirma que há três grupos diferentes de razões que fornecem boas
proporções par.a compartimentos e dá para cada um deles um modo de
cálculo das alturas baseado num método geométrico earitmético. Supondo-se
que um compartimento meça 6x 12 pés (o quadrado duplo), a sua altura
deverá ser de 9 pés. Se ele medir 4x9 pés, sua altura deverá ser de 6 pés. No
método aritmético, o segundo termo excede o primeiro na mesma medida em
que o terceiro excedeo segundo. No método geométrico, o primeiro está para
o segundo termo assim como o segundo está para o terceiro. Um outro
exemplo, mais complexo, é fornecido: o método harmônico.
Para um compartimento de 6x12, a altura, pelo método harmônico, será de
8 pés. Esse método geométrico estava de acordo com a idéia dos
harmônicos exposta no Timeu de Platão como "a média excedendo um
extremo e sendo excedida pelo outro pela mesma fração dos extremos". Na
progressão 6:8:12, a média 8 excede 6 em 1/3 de 6 e é excedida por 12 em
1/3 de 12.
Talvez Palladio tivesse extraído essa idéia diretamente das obras de Alberti,
mas ela também fora tratada por Giorgi em seu Harmonia Mundi e por
Ficino em seu comentário sobre o Timeu. Ela está baseada, naturalmente, na
teoria musical clássica e, como tal, provém diretamente da Harmonia das
Esferas, a pulsação mística do Universo reconhecida igualmente por pagãos
e por mágicos. Essa idéia é comum à Renascença e ao período medieval, mas
foi durante esse último período que ela foi formalizada no comentário de
Ficino eem obras como De Musica, de Boécio.
Considerava-se que o uso, na arquitetura, de harmonias derivadas
musicalmente era uma expressão da Harmonia Divina engendrada no ato
de criação por Deus; em termos modernos, o "eco" da Grande Explosão que
deu início ao Universo. Por meio dessa expressividade
da Harmonia Divina, estavam integrados os símbolos duais do templo como
o corpo do Homem, o microcosmo, e o templo como incorporação da
totalidade da criação. Em De Sculptura, publicado em 1503, o autor
Pomponius Gauricus formula a seguinte questão: "Que geômetra, que
músico foi esse que formou o homem dessa maneira?" Gauricus, novamente,
baseou amplamente as suas teoriasno Timeu de Platão.
A conexão explícita entre as proporções visuais e audíveis na Renascença
traz novamente à baila a possibilidade de que ela possa ter sido derivada
inicialmente da necessidade de se construir os templos como instrumentos
que pudessem canalizar as energias telúricas. No pensamento pitagórico-
platônico, a própria música era vista como uma expressão da Harmonia
Universal e era parte essencial da formação de um arquiteto. Os grandes
arquitetos da Renascença de Brunelleschi em diante estudaram avidamente a
música dos antigos. As aberrações arquitetônicas eram vistas em termos de
discordância musical e essas alterações do sistema de proporção
significariam que o templo não podia mais agir como um instrumento para a
produção da Harmonia Divina. Por exemplo, durante a construção da igreja
de S. Francisco, em Rimini, Alberti preveniu Matteo de Pasti de que a
alteração das proporções das pilastras "destruiria todas as relações musicais".
Escritores como Lomazzo referem-se constantemente ao corpo humano em
termos de harmonia musical. Por exemplo, a distância entre o nariz e o
queixo e entre o queixo e o encontro das clavículas é um diapason,
Lomazzo, em seu Idea del Tempio della Pittura, publicado em 1590, afirma
que mestres como Leonardo, Miguel Ângelo e Ferrari chegaram ao uso da
proporção harmônica por meio do estudo da música. Lomazzo menciona
como o arquiteto Giacomo Soldati acrescentou às três ordens gregas e às
duas romanas uma sexta, que chamou de Ordem Harmônica. Soldati era um
engenheiro
que estava envolvido principalmente com a construção de máquinas
hidráulicas e, assim, era adepto da utilização do conhecimento geométrico
necessário à criação de uma sexta ordem de arquitetura. Infelizmente, não
sobreviveu nenhum desenho dessa sexta ordem, nem existe edifício algum
construído nesse estilo. Todavia, pretendia- se que a sexta ordem deveria
conter todas as qualidades inerentes às cinco ordens originais e expressar
mais vigorosamente a unidade básica e os padrões harmônicos do Universo.
Acreditava-se que a sexta ordem fosse a recriação da ordem perdida do
Templo de Jerusalém, que foi inspirada diretamente por Jeová quando
ordenou a Salomão que o construísse segundo medidas preordenadas. As
alegações pagãs dos ortodoxos foram silenciadas. A ortodoxia total do
Templo de Salomão, ordenada diretamente por Deus, foi o precedente para a
aplicação das razões harmônicas da geometria sagrada nos edifícios cristãos.
A reconstrução do Templo tantas vezes destruído também se tornou o
objetivo de muitos arquitetos desse período. Como Soldati, o jesuíta
espanhol Villalpanda estava interessado na recuperação da sexta ordem. Suas
pesquisas levaram a uma nova geração do desenho.
Talvez a mais impressionante e complexa obra dentre aquelas que foram
ocasionadas pelas teorias a respeito do Templo de Jerusalém tenha sido El
Escorial, o estupendo palácio-mosteiro erigido sob as ordens de Felipe II de
Espanha. A fundação do Mosteiro de San Lorenzo de El Escorial, para dar
seu nome completo, foi concebida como um ato de ação de graças pela
vitória espanhola na batalha de San Quentin.
EI Escorial foi construído como um resultado direto de um voto sagrado que
Felipe II fez na véspera da batalha. Travada no dia de São Lourenço, a 10 de
agosto de 1557, a batalha resultou na derrota dos franceses pelas forças de
Felipe. Em reconhecimento desse dia
momentoso, o eixo da igreja, e por conseguinte todo o padrão geométrico do
mosteiro, foi orientado para o ponto do pôr-do-sol a 10 de agosto. Esse
procedimento era extremamente incomum, pois o nascer-do-sol era e é
universalmente reconhecido como o horário correto para a determinação de
tais alinhamentos.
Diz-se que o plano geral do edifício, na forma de uma grelha, lembra o
martírio apavorante do santo padroeiro, de quem o rei era um devoto. Felipe
decidiu construir esse grande estabelecimento monástico para a Ordem
Hieronimita e o planejou de acordo com revelações bíblicas. A obra de
construção foi iniciada a 23 de abril de 1563 e completada 21 anos depois. O
arquiteto Juan Bautista de Toledo foi encarregado de dirigir a obra, mas, com
sua morte prematura, seu assistente Juan de Herrera levou-a adiante e
completou com êxito um magnífico edifício sagrado num estilo muito
pessoal. Não obstante, a despeito da sua marca pessoal, os princípios
seguiam estritamente os preceitos canônicos. Felipe II e Juan Herrera eram
seguidores ardorosos do místico espanhol Ramón Lull, cujas exposições
matemáticas da Harmonia Universal lhe haviam conseguido a pena de morte
por heresia anti-islâmica durantea ocupação moura.
Herrera aplicara anteriormente as harmonias derivadas musicalmente em sua
construção da catedral de Valladolid e pretendeu fazer o mesmo com o
Escorial. Basicamente vitruviana em desenho, a geometria é a do ad
triangulum. Toda a planta baixa abrange o Homem Vitruviano. No
planejamento global, o Escorial ecoa o Campo dos Israelitas, um tema
abordado por Villalpanda em seu tratado erudito sobre Ezequiel. Como a
imagem do microcosmo, o mosteiro foi fundado num dia astrológica e
historicamente favorável e desde o princípio pretendeu-se que ele seria o
epítome de todas as artes e letras da época.
O ambiente dos círculos místicos espanhóis da época da fundação do
Escorial produziram uma obra monumental, In Ezechielem Explanationes.
Embora fosse publicada após o completamento do mosteiro, ela fornece a
chave das idéias inextricavelmente envolvidas na obra. Dois jesuítas, Juan
Bautista Villalpanda e Jeronimo Prado, puseram em prática durante longo
tempo uma série de pesquisas complexas e esmeradas sobre a estrutura e o
simbolismo do Templo de Salomão e a sua interpretação na visão de
Ezequiel. A reconstrução, e o raciocínio que está por trás dela, ocupa a maior
parte do segundo dos três tomos que comentam o Livro de Ezequiel. Estes
livros foram financiados por Felipe lI, a quem foi dedicado o primeiro
volume. A dedicatória diz que ele "parecia (...) Salomão na grandeza de alma
e de sabedoria enquanto construía a mais magnífica e verdadeira das obras
reais, San Lorenzo de el Escorial". Esta similaridade imaginosa com
Salomão ecoa as mesmíssimas alusões aplicadas ao Imperador Romano
Oriental Justiniano e ao Santo Imperador Romano Carlos Magno. Codimus
relata que Justiniano, ao ver a grande igreja de Santa Sofia em
Constantinopla, exclamou "Salomão, eu o excedi!" e Carlos Magno, segundo
seu biógrafo Notker, o Gago, construiu as suas igrejas e seus palácios
"seguindo o exemplo de Salomão". Além disso, um dos títulos ganhos por
Felipe II era Rei de Jerusalém e o Escorial foi modelado segundo o templo
dessa cidade.
De acordo com VilIalpanda, a harmonia platônica utilizada por AIberti,
PalIadio e Soldati fora revelada a Salomão por Deus. O sistema emprega as
harmonias musicais do diatessaron, do diapason, do diapente, do diapason
com diapente e do disdiapason; mas rejeita a sexta consonância vitruviana do
diapason com diatessaron. Por estes meios era a relacão complexa dos
elementos da arquitetura clássica relacionada à Vontade de Deus.
Esta vasta obra mística foi lida por um amplíssimo número de
pessoas e exerceu uma influência muito grande, pois que sintetizava os
mistérios escatológicos do Velho Testamento com as teorias grecoromanas
platônicas de Vitrúvio. Herrera, o arquiteto tão intimamente ligado à
execução dos desejos de Felipe II, é apontado por VilIalpanda como seu
mestre. Como um discípulo de Herrera, Villalpanda estava na posição
perfeita para expor os princípios ocultos do Escorial e seu predecessor, o
Templo salomônico. Sua reconstituição pode ser situada em 1580, dezesseis
anos antes da publicação, e Herrera, ao ver os desenhos, teria comentado que
um edifício de tal beleza só poderia provir de Deus.
Villalpanda e Prado não foram os primeiros comentadores a tentar uma
reconstrução perfeita do Templo salomônico. Na verdade, o primeiro e
talvez mais famoso bibliotecário do Escorial, Benito Arias Montano,
publicara em 1572 a sua própria interpretação do Templo. O seu plano era
todo em estilo clássico com uma torre de quatro estágios à maneira da
Renascença. Villalpanda desprezou esse plano como uma fantasia porque
"não seguia a especificação da santa profecia, nem mesmo em parte".
VilIalpanda, um grande acadêmico versado na Bíblia e um hebraísta,
acreditava que ele, através dos exercícios espirituais de sua ordem, chegara
à verdadeira manifestação do Templo. Suas raízes místicas, na verdade
ocultas, estavam na Cabala hebraica, o cânone pagão de Vitrúvio, e no
misticismo matemático do herético Ramón Lull.
Os recintos do templo, freqüentemente ignorados pelos reconstrutores
posteriores, especialmente aqueles de credo protestante, foram sumamente
importantes para Villalpanda. Executadas com a forma geral de um
quadrado, as sete cortes representavam astrologicamente os sete planetas e
outros pontos significativos, as casas astrológicas e as tribos de Israel.
Nem todos os edifícios místicos do período voltavam às fontes
bíblicas para dali retirarem sua inspiração. Um edifício único na Inglaterra,
que exibe publicamente a geometria sagrada e a matemática oculta, é a
famosa Loja Triangular, em Rushton, no Northamptonshire. Esse edifício
devocional foi erigido sob as ordem de Sir Tomas Tresham, um devoto do
catolicismo romano que desejou continuar sua adoração particular num clima
político hostil àquela religião. A Loja Triangular era a sua expressão de sua
devoção à Santíssima Trindade, e, sendo um emblema da Trindade, foi
construída na forma de um triângulo eqüilátero.
Cada um dos lados da loja tem um comprimento de 33 pés e 4 polegadas. Há
três pavimentos; três janelas em cada andar em cada um dos três lados e cada
janela divide-se em três. Há três inscrições latinas, cada uma das quais tem
33 letras. Uma delas, todavia, é o símbolo &, o que perfaz a centena redonda
notável no comprimento total dos lados. O teto foi terminado com três
frontões de cada lado, e um remate de três lados foi executado acima do teto.
Abaixo das janelas do segundo andar, no lado da entrada. há a data 1593 e as
iniciais do construtor, T. T. Mesmo a letra "T” é símbolo do três.
O ornameqto, se assim se pode chamar, está profundamente ocultado no
volume. Num frontão há as figuras 3898 e abaixo delas
a Menorah, o candelabro de sete ramos dos judeus. No frontão seguinte, há a
inscrição Respicite e um relógio solar. No tercejro frontão está o número
3509 e a pedra de sete olhos. Cada um dos três lados representa, assim, um
aspecto da Trindade.
A loja continua sendo uma singularidade, embora uma igreja triangular
emblemática da Santíssima Trindade tenha sido erigida em Bermondsey,
em Londres, em 1962. Os edifícios triangulares são notoriamente desprovidos
de praticidade na acomodação de fiéis e poucos foram construídos dessa
maneira. A geometria sagrada faz concessões a esse respeito e capacita o
arquiteto a incorporar o simbolismo numa maneira arcana. Tresham
ultrapassou o método tradicional e cometeu uma "loucura" memorável - que
continua sendoum testemunho de um extraordinário fervor religioso.
Mais ou menos no mesmo período, a magia, despojada de seu rótulo herético
e praticada sob a nova ordem do Rosacrucianismo, começou a florescer
abertamente na Inglaterra protestante e polímatos como John Dee e Robert
Fludd, cujas pesquisas iam da
matemátjca à alquimia, via astrologia e ocultismo, criaram váriossistemas de
geometria sagrada que codificavam suas descobertas mágicas.

12. A Geometria do Barroco

Aplica-se o termo barroco hoje em dia à arquitetura dos séculos XVII e


XVIII, tendo sido originalmente um pejorativo derivado da palavra italiana
baroco. Essa palavra foi usada pelos filósofos da Idade Média para descrever
qualquer idéia por demais complexa ou qualquer conceito intrincado.
Também se aplicava a algo bizarro ou disforme, por exemplo uma pérola, e
pressupunha a quebra das regras canônicas da proporção ao capricho do
artista ou arquiteto. Assim, o Barroco, como o movimento Art Nouveau
posterior, era visto pelos puristas como degenerado por causa do seu ponto
de partida mais ou menos distanciado do cânone rígido da arquitetura
clássica.
A arquitetura barroca pode ser vista como uma continuação da revitalização
clássica da Renascença. Na verdade, os primeiros edifícios em estilo barroco
enquadram-se perfeitamente na tradição e podem ser distinguidos apenas por
diferenças de detalhe na manipulação do ornamento. Todavia, o Barroco
propriamente dito rompe com o estilo recomendado da arquitetura romana e
este fato está refletido em sua geometria subjacente.
Afirma-se amiúde erroneamente que na geometria sagrada clássica as formas
dos edifícios devem ser relacionadas simplesmente às figuras geométricas
principais. No Barroco vemos a primeira evasão deste conceito, pois, embora
as formas se relacionem às figuras geométricas familiares, elas devem estar
relacionadas a um ou dois intervalos. Assim, uma forma comum nos
interiores da igreja barroca
é o oval. Essa forma, como seus precursores espirituais na era megalítica,
pode ser baseada em figuras significativas como o triângulo 3:4:5
pitagórico. Ao passo que as fachadas das igrejas e das catedrais barrocas
ainda utilizavam combinações de retângulos de raiz, as plantas baixas
aumentavam o número de liberdades.
Os edifícios de Gianlorenzo Bernini demonstram admiravelmente as
complexidades da geometria sagrada barroca. Seu S. Andrea al Quirinale,
em Roma, construído como uma igreja para noviços jesuítas, entre
1658 e 1670, era um oval transverso de setenta pés por quarenta, em desafio
deliberado à orientação tradicional do altar ao longo do eixo. Desse oval
emergem oito capelas laterais que, com o nicho ocupado pelo altar elevado e
pela entrada no lado oposto, fornecem uma geometria décupla. Nunca antes
fora tentado um plano como este, que não tem paralelo em termos
geométricos. Muitos anos antes, o excêntrico arquiteto sagrado Francesco
Borromini construíra igrejas segundo um sistema ad triangulum modificado.
Embora tenha sido feita uma breve tentativa, durante a construção da
Catedral de Milão, de se usar o ad triangulum, o sistema era extremamente
incomum na Itália antes do século XVII. Talvez a SS Trinita, de Vitozzi, em
Turim, seja o único exemplo mais antigo, e só foi iniciada em 1598.
O desenho sem dúvida alguma barroco de Borromini para o Archiginnasio,
depois sede da Universidade de Roma e mais tarde ainda dos Arquivos
Estatais Italianos, incorporou a pequena igreja de Santo Ivo. Ela fora
desenhada segundo o plano do Selo de Salomão, dois triângulos
interpenetrantes. A planta baixa está embelezada pelo desenvolvimento de
vértices alternados do selo em recôncavos semicirculares simples e pelo
fechamento dos outros a meio caminho por traços convexos. Paredes
convexas e côncavas inte ragem, assim, com pequenas paredes intersticiais
retas para produzirem um interior ondulante que, não obstante, limita-se
rigidamente à
geometria sagrada.
Externamente, Santo Ivo ecoa o hexágono do interior. Uma cúpula encimada
por seis arcobotantes eleva-se para um remate central que é uma espiral
antidextrorsa de três voltas e meia, um eco dos zigurates antigos da
Babilônia. Na verdade, muitas ilustrações contemporâneas da Torre de
BabeI apresentam essaforma espiral.
As três voltas e meia do remate espiral têm paralelo no número de voltas da
serpente interna Kundalini do Budismo Tântrico indiano. Borromini aqui
passa um recibo do conhecimento arcano manipulado de maneira
verdadeiramente moderna.
Na atmosfera conservadora de Roma, a visão genuinamente barroca de
Borromini recebeu poucos aplausos. Diferentemente da arquitetura em
voga, suas obras baseavam-se mais na pura forma geométrica do que no
Homem Vitruviano. Bernini criticou-o, chamando sua arquitetura de
extravagante, pois, ao passo que outros arquitetos usavam a estrutura
humana como ponto de partida, Borromini baseou seus edifícios na
fantasia. Utilizar uma geometria in comum era considerado heresia, pois ela
envolvia princípios e conceitos externos à fé cristã. Afinal, não fazia muito
tempo que Giordano Bruno fora queimado na fogueira por heresia (1600).
Sua idéia neoplatônica do universo como um todo harmonioso era mais ou
menos aceitável na Renascença católica, mas as idéias neopagãs expressas
em sua geometria não o eram. Ele utilizara explicitamente diagramas
geométricos para expressar os atributos de Deus, figuras microscópicas para
uma compreensão do macrocosmo.
A influência de Borromini, todavia, não foi abafada. Seu sucessor natural foi
Guarino Guarini, que desenhou a singular S. Lorenzo e a Cappella della S.
Sindone em Turim. Esses edifícios seguem Borromini na sua utilização
usual do ornamento e do esboço. San
Lorenzo foi desenhada como um octograma com uma série de suportes de
domo que são uma reminiscência de uma prática antiga, como a Grande
Mesquita de C6rdova, na Espanha (875). Este padrão octogrâmico, inscrito
num quadrado, serviu para a "nave" da igreja, ao passo que um oval formou
o santuário. Todavia, como a obra de Borromini, esse oval mascarou um
Selo de Salomão, em cujo centro ficava o altar principal.
Outra obra-prima de Guarini foi a capela que ele desenhou para a guarda
daquela que talvez seja a mais santa e certamente a mais contenciosa relíquia
da Cristandade - o sudário de Turim. Colocada entre o coro da velha catedral
e o palácio real, essa capela foi concebida como uma estrutura cilíndrica
encimada por um domo ad triangulum modificado. Esse ad triangulum não
era verdadeiramente reto, pois continha outra singularidade barroca, uma
simetria nônupla. Construído, o corpo da capela tem uma simetria nônupla
que se reduz a uma simetria tripla no nível do arco. Este, por sua vez,
compõe a abóbada. No centro dela há uma estrela de doze pontas. No todo, a
abóbada consiste de 36 arcos e 72 janelas, fato que enfatiza o simbolismo
duodécuplo.
A palavra barroco tende a evocar na mente de muitas pessoas uma
disposição desenfreada de ornamento aparentemente casual que se mantém
suspensa, como que por mágica, de uma tela de fundo de motivos clássicos
desconectados arranjados de maneira teatralmente espetacular. As igrejas da
Europa central, reconstruídas à maneira barroca após a Guerra dos Trinta
Anos, favorecem a formação dessaimagem. Igrejas como a de Sváty Mikulas
em Praga ou a igreja de peregrinação de Vierzehnheiligen na Alemanha
talvez sejam exemplos típicos das melhores dessas igrejas. Ambas possuem
exteriores retilíneos que ocultam interiores extremamente curvos. Uma série
de vesicas, círculos e ovais está perfeitamente articulada a uma estrutura de
retângulos.
Em Vierzehnheiligen, o arquiteto Balthasar Neumann executou uma planta
baixa totalmente independente do plano da abóbada, combinando, assim,
duas geometrias diferentes mas superpostas. Os princípios da geometria
sagrada que guiavam os arquitetos da Renascença foram modificados e
remodificados até que a geometria do edifício fosse modificada por uma
pletora de geometrias terciárias e quaternárias. Na Inglaterra, todavia, as
velhas tradições foram mantidas até uma data bastante posterior.
Sir Christopher Wren talvez seja o arquiteto inglês mais famoso de todos os
tempos. Só ele, entre os arquitetos, é mencionado nas histórias correntes e
suas obras-primas, em Oxford, Cambridge e Londres, são admiradas
anualmente por milhares de turistas que, de outra maneira, não costumam se
interessar por arquitetos. Wren foi um cientista que chegou à arquitetura por
um ponto de vista racionalista. Seu mentor espiritual foi naturalmente o
ubíquo Vitrúvio,
mas Wren utilizou seus princípios apenas como pontos de partidaque ele
simplificou. Quando lecionava em Oxford, em 1657, pronunciou uma
conferência em que expôs seu ethos:

"As Demonstrações Mntemáticas, constituindo-se sobre as inexpugnáveis


Fundações da Geometria e da Aritmética, são as únicas Verdades que podem
mergulhar na Mente do Homem. vazia de toda Incerteza; e todos os outros
Discursos participam mais ou menos da Verdade, segundo seus Assuntos
sejam mais ou menos capazes de Demonstração Matemática.”

Assim, para Wren, a geometria era a pedra de toque, a base infalível e


imutável contra a qual todo conhecimento deve ser julgado. Seus escritos
teóricos são poucos, pois os arquitetos ingleses não tendiam a um
autojulgamento nessas práticas, diferentemente de suas contrapartidas
italianas. Todavia, em Parentalia, escrito pelo filho de Wren, há um apêndice
composto de quatro Tracts, "(...) Bosquejos grosseiros, imperfeitos (...)" que,
embora sejam notas fragmentárias, esclarecem a prática da geometria
sagrada na Inglaterra do século XVII.
O Tract I discute as intenções da arquitetura, que "visa a Eternidade". A
disciplina da arquitetura é idealmente eterna e, portanto, baseia-se nas
Ordens Clássicas que são "a única Coisa incapaz de Modos e de Modas", e,
como tal, representam a verdadeira beleza canônica, com uma base estética
fundada na geometria.
De acordo com Wren, há duas causas de beleza, a natural e a convencional.
A beleza natural deriva diretamente da geometria e as figuras geométricas
concordam com a "Lei da Natureza" para formarem o mais belo. A beleza
convencional baseia-se na associação e, conseqüentemente, é inferior
àquela que deriva
geometricamente.
Nas suas igrejas da Cidade de Londres, e na obra-prima da Catedral de São
Paulo, a geometria pode ser vista como o princípio condutor. Este fato se
evidencia ainda mais no caso de muitos campanários de igrejas da City, que
são pouco mais do que uma pilha de elementos geométricos. Isso não lhes
tira o mérito de maneira alguma, pois cada elemento foi magistralmente
combinado com o que está abaixo dele, criando estruturas barrocas ao
mesmo tempo elegantes e exóticas. Mesmo o domo de São Paulo pode ser
reduzido geometricamente a Mma "pilha de elementos" comparável a um
Chorten tibetano e pode merecer uma interpretação simbólica similar.
Embora o nome da Catedral de São Paulo evoque agora visões de uma obra-
prima barroca, antes do Grande Incêndio de Londres em 1666 ela era uma
das maiores igrejas medievais da Europa. Erguida sobre as fundações de uma
igreja mais antiga, essa obra-prima gótica possuía a torre mais alta da
Inglaterra. Com 555 pés, a torre era a estrutura mais alta jamais construída
em Londres até a construção da Torre dos Correios em 1965. A torre
desapareceu num incêndio no século XVI e a catedral gótica foi
irremediavelmente prejudicada num desastre que incinerou grande parte da
cidade.
A reconstrução da catedral foi discutida pelo "Vitruvius Brittanicus", Inigo
Jones, Arquiteto da Corte, nos anos 1530. Seus planos nunca foram
executados. Mesmo depois do Grande Incêndio, os restosforam arranjados às
pressas para utilização posterior, mas por volta de 1672, quando as
paredes inclinadas e a pedra de cantaria desintegrada ameaçavam
transformar a congregação numa avalanche de pedregulhos, a catedral foi
fechada. 'Wren, que fora indicado anteriormente como o arquiteto
encarregado da construção, aceitou a oportunidade de edificar uma nova
catedral.
Após muitos planos e modelos, a catedral final emergiu. Baseada no
ad quadratum gótico, o desenho desenvolveu-se de uma estrutura
centralizada albertiana. para um plano tradicional, com nave, naves laterais,
transeptos e grande coro. Todavia, foi mantida a característica principal, um
espaço central no cruzamento. Geometricamente, as partes da catedral foram
desenhadas predominantemente de acordo com a razão 3:2:1, embora a razão
2: 1 também seja comum. Assim, a nave tem 41 pés de largura e 82 pés de
altura; as naves laterais possuem 19x38 pés; o espaço abaixo do domo possui
108 pés de largura e 216 de altura; e as janelas medem 12x24 pés. A
geometria básica da planta baixa de todo o edifício foi desenhada no interior
de um quadrado duplo de 250x500 pés. Essa construção nacional tem as
mesmas proporções dos templos da Pirâmide de Escada, do Tabernáculo
Hebraico e do Templo de Salomão, pontos que não foram perdidos pelos
franco- maçons operativos liderados por Thomas Strong, a quem Wren
empregou para construir seu magnum opus.
A altura global da catedral também aderiu a dimensões místicas, possuindo
365 pés desde o nível do chão até o topo da cruz dourada que encima o vasto
domo. Esse número, o número dos dias do ano solar, representa a
consumação do ano de Deus, o Tempo Cósmico em que o Reino do Céu se
cumpre na Terra. Essa altura de 365 pés foi utilizada nos anos 1930 na
catedral anglicana de Guildford, onde Sir Edward Maufe incorporou essa
medida ao esquema ad
triangulum. Além das suas conotações anuais, o número 365 equivale em
gematria ao nome Abraxas, que, além de ser a origem da palavra mágica
Abracadabra, simboliza a consumação de todo conhecimento. Mais
importante que isso, a figura 365 pés é uma medida geodésica, ligada
diretamente às dimensões do planeta. É a milésima parte da extensão ao
nível do chão de um grau da latitude em Londres, que é de 365.000 pés.
'Wren, que certa vez medira o globo da Lua para seu patrono o rei Carlos II,
não usaria casualmente essa medida.

13. A Geometria Sagrada no Exílio

Embora após a época de Wren e Newton houvesse um novo mundo secular


em construção, durante o século XVlII havia ainda um interesse pelas
máximas da harmonia musical de Palladio na construção. Em 1736 surgiu o
livro de Robert Morris, intitulado Lectures on Architecture, consisting of
rules founded upon Harmonick and Arithmetical Proportions in Building. As
idéias expostas nesta obra seguiam a teoria de que, exatamente como existem
apenas sete graus na música que podem ser discernidos pelo ouvido humano,
assim também existem apenas sete formas compostas de cubos apropriadas à
elegância e à beleza.
De acordo com Morris, 1:1:1 era o cubo perfeito; 1 1/2:1:1 o cubo e meio;
2:1:1 dois cubos colocados lado a lado; 3:2:1 seis cubos perfeitos; 5:4:3
sessenta cubos e 6:4:3 setenta e dois cubos. As proporções harmônicas
consistentes que são visíveis hoje em muitas casas georgianas atestam seu
poder sobre as mentes de muitos arquitetos seculares especulativos do século
XVIII. Todavia, por mais imperfeita que sua interpretação da geometria
sagrada possa ter parecido ser, esses arquitetos ainda reconheciam que, para
se criar
harmonia, deve-se começar com uma estrutura geométrica sobre a qual se
deve preparar um desenho.
No século XIX, muitas das idéias dos séculos anteriores ha viam sido
rebaixadas a uma mera cópia. Os únicos arquitetos que trabalharam com
forças reais foram os engenheiros civis, tais como Thomas Telford e
Isambard Brunel, e mais tarde Gustave Eiffel e Louis Sullivan, que
produziram edifícios e estruturas cujas proporções foram exigidas pelas
restrições da engenharia. Seus contemporâneos, nesse ínterim, contentaram-
se em geral em desenvolver cópias servis de estilo mourisco, gótico,
romântico, bizantino, palladiano, paladano, neo-renascentista, ou, pior,
misturas e sínteses bizarras desses estilos. As melhores dessas misturas
figuram hoje como maravilhosos monumentos idiossincráticos, os
predecessores espirituais da Disneylândia. As piores sucumbiram há muito
tempo ao martelo do demolidor.
A arquitetura sagrada do século passado foi principalmente imitativa. Pilhas
enormes, como o Sacré Coeur de Paris, erigido para comemorar o
esmagamento da Comuna anarquista de 1875, incorporaram a geometria,
mas, como as igrejas "decoradas" em todos os detalhes, como as de Pugin,
pouco tiveram de místico em seu planejamento. A pesquisa sobre esses
assuntos é insuficiente. Todavia, pode-se dizer com alguma certeza que um
grande número de igrejas que brotaram entre o proletariado urbano foi
desenhado simplesmente como exercícios. Cidades como Swindon e Crewe,
dormitórios para funcionários explorados de rodovias, foram erigidas com o
mínimo de custo e de planejamento, e assim também o foram seus templos
espirituais.
No outro lado da moeda, no reino do verdadeiramente oculto, o século XIX
foi algo como uma renascença. Livre do temor da inquisição, tendo o poder
da igreja sido quebrado pela revolução
política e por brechas científicas, os praticantes das velhas ciências ocultas
puderam sair à luz e expôr suas teorias e suas descobertas. Surgiu um grande
interesse pela astrologia, pelo espiritualismo e por todas as espécies de
magia. Necromantes como o mago francês Éliphas Levi puseram em prática
evocações dos espíritos dos mortos
- e publicaram livros com os seus resultados. Na sua magnífica obra
Transcendental Magic, It’s Doctrine and Ritual, ele descreve em
detalhe a evocação do espírito de Apolônio de Tyana, o grande milagreiro
pagão da antigüidade. Neste ato, o sinal do pentagrama foi escavado sobre o
mármore branco de um altar trazido especialmentecom esse objetivo. Depois
de vários ritos, um ser foi conjurado, mas a magia de Lévi não pôde
controlar esse espírito e ele se perdeu.
Uma tal descrição de uma operação mágica não poderia ter sido publicada
antes do século XIX. Era tal a falta de fé no poder da Cristandade, que
muitas idéias "frescas" foram postas em circulação. Muitos desses conceitos
provieram do conhecimento antigo. Na arquitetura, muitos segredos
maçônicos e geomânticos antigos foram dívulgados em 1892 com a
publicação de Architecture, Mysticism and Myth, de W. R. Lethaby. Cinco
anos depois, William Stirling publicou anonimamente sua obra-prima
incomparável, The Canon, que expôs as conexões entre a arquitetura dos
antigos e a revelação mágica e escritural. Pela primeira vez na história
muitos mistérios ocultos foram publicados de maneira facilmente
compreensível. Os segredos maçônicos, que durante muitos anos haviam
vazado aos poucos em vários livros, foram pela primeira vez amalgamados
com o conhecimento diversificado que então era colhido dos quatro cantos
do mundo por antropólogos e folcloristas.
The Secret Doctrine e Isis Unveiled, livros de Madame Blavatsky, trouxeram
muito conhecimento esotérico oriental e egípcio para uma forma facilmente
consumível pela mente ocidental. Na verdade, a influência do seu
pensamento "teosófico" exerceu uma profunda
influência sobre o século XIX, desde os escritos e arquitetura de Rudolf
Steiner até os edifícios modernos do grupo De Stijl e até mesmo, por meio
da doutrina das raças originais, às teorias racistas dos nazistas alemães. A
Ordem ocultista da Aurora Dourada e os seus muitos grupos paralelos
também tomaram disponível muito do conhecimento metafísico arcano dos
mágicos antigos e medievais. Combinados com essa grande revitalização do
conhecimento oculto, os grandes progressos em ciência e tecnologia
apresentados nos séculos XIX e XX tornaram possível investigar a estrutura
física subjacente da matéria e da geometria orgânica dos reinos vegetal e
mineral.
Todavia, o leitor verá que estamos numa época materialista, de maneira que,
embora esses princípios arcanos tenham sido publicados, sua aplicação à
vida cotidiana foi e é feita de maneira velada. Os princípios da geometria
sagrada, não obstante sejam muito bem conhecidos a essa altura, carregam
consigo o poder antigo e sua aplicação ainda produz o efeito desejado.
Todavia, essa crença infelizmente tem hoje o interesse de apenas uma
minoria. A maioria das pessoas a ignora; na verdade, sua recíproca também é
verdadeira.
No começo do século XX, o culto da iluminação tornara impossível a um
arquiteto admitir que ele estava trabalhando segundo princípios esotéricos.
Assim como a geomancia fora em grande medida extirpada, e por toda a
parte da superfície da Terra fosse considerada igualmente profana, assim
também a geometria sagrada foi vista apenas como uma aderência
supersticiosa a um sistema sem valor algum para a tradição. De fato, as
coisas foram ainda mais longe. A maioria dos arquitetos não estava
consciente de que havia uma tradição.
Um livro típico do período, Hints on Building a Church, de Henry Parr
Maskell (1905), apresenta um guia muito insuficiente das medidas
canônicas. Seu conhecimento da geometria sagrada era mínimo, mas
conseguiu escrever uma obra influente sobre construção de igrejas. Por volta
de 1905, só os arquitetos versados no saber maçônico antigo, ou, de fato, os
franco-maçons praticantes, estavam interessados nas sutilezas da geometria
canônica. Muito do interesse passou para teóricos arquiteturais acadêmicos,
como Lethaby.

Maskell escreveu: "Nossos predecessores acreditavam muito naquilo que a


psicologia moderna chama de mente subconsciente. (...) O 'sentido interno'
fazia todas as avaliações inconscientemente. Devemos reconhecer que essa
crença era justificada, via de regra, em suas obras, mesmo nos assuntos
mais abstrusos da acústica e da ventilação". Esta afirmação, naturalmente,
não faz sentido. Não se
erige por meios "inconscientes" uma catedral como a de Salisbury. com uma
torre de quatrocentos pés que resistiu por setecentos anos. Edifícios como
esse são o resultado de uma avançada tecnologia de arquitetura, planejados
de acordo com os princípios seguros da geometria. Por volta do começo
deste século, a idéia de progresso. demonstrada tão convincentemente por
avanços tecnológicos como as telecomunicações, a luz elétrica e os veículos
a motor, tornou impossível o fato de que os construtores da Idade Média
tivessem possuído planejamentos inteligentes. As plantas de execução dos
arquitetos medievais repousam esquecIdas nas bibliotecas das catedrais. de
maneira que a teoria "do inconsciente" era uma desculpa conveniente.
As idéias psicológicas de escritores como Maskell devem ter sido
condicionadas pela obra recente de psicólogos como C. G. Jung. Em sua
obra mais antiga, Jung discute as fantasias experimentadas por um médium
histérico que ele estudara. Em On the Psychology and Pathology of So-
called Occult Phenomena, expôs pela primeira vez os conceitos de
"arquétipos" e "inconsciente coletivo". Jung descobriu que determinados
padrões geométricos e simbólicos tendiam a recorrer espontaneamente nos
desenhos, nas pinturas e nos sonhos dos seus pacientes. Os conceitos antigos
dos filósofos gnósticos e dos cabalistas cristãos, especialmente o seu
simbolismo, ocorrem espontaneamente ao longo de todas as suas obras. Ele
acreditava que esses padrões ocultos fossem, por conseguinte, imagens
espontâneas nas mentes das pessoas. Escritores como o místico Jakob
Boehme, que viveu no século XVII, expressaram-se longamente sobre
símbolos geométricos e alquímicos que, para Jung, eram tão importantes
para a idade moderna quanto os postes com letreiros para a geografia da
mente, exatamente como o eram no século de Boebme os símbolos do
Princípio Divino.
Essas idéias foram retomadas por escritores como Maskell, que via
no simbolismo das catedrais a atuação insensata de autômatos ignorantes,
levando à frente a sua tarefa de uma maneira inconsciente. Jung mostrara
que os padrões arquetípicos gerados espontaneamente correspondiam com
perfeição ao simbolismo tradicional da geometria sagrada, de maneira que
aquela interpretação era inevitável. O núcleo da corrente ortodoxa da
geometria sagrada fora relegado aos livros e às revistas de corpos ocultistas e
às teorias de indivíduos excêntricos como Claude Bragdon e Antoni Gaudí.
Antoni Gaudí é uma figura importante, se não enigmática, na arquitetura
moderna. Católico romano devoto, Gaudí considerava toda ação um ato de
piedade, e não menos a sua arquitetura. Mais por conveniência do que por
fundamentação lógica, os historiadores da arte categorizam suas obras
únicas de fantasia canônica no saco de gatos do Art Nouveau. Os escritores
tenderam a enfatizar o bizarro ou o aspecto inovador da sua obra em
detrimento da tradição canônica dentro da qual ele operava conscientemente.
Embora sublinhem as inscrustações orgânicas - os azulejos policromados, os
bonecos de cacos de cerâmica, os ferros retorcidos e as paisagens de pesadelo
são um sistema de geometria sagrada cujas origens podem ser remontadas ao
ad triangulum medieval da Catedral de Milão e aos esquemas proporcionais
de Vitrúvio.
Diferentemente de muitos outros expoentes da geometria sagrada moderna;
Gaudí era totalmente ortodoxo em suas crenças religiosas. Era católico
romano, com uma devoção especial ao culto da Virgem. Em cada um dos
dias da sua longa vida, ele assistiu aos serviços religiosos apropriados, nos
últimos anos chegava a caminhar muitas milhas para fazê-Io. Naturalmente,
seu ponto forte era o desenho de igrejas, embora também tivesse desenhado
muitos blocos de apartamentos. Acreditou-se que um deles, a Casa Mila,
seria a base para uma vasta efígie da Virgem. Essa singularidade, todavia,
nunca
foi completada, pois a construção coincidiu com a sublevação anarquista de
1909, quando muitas fundações religiosas foram alvo de ataques impiedosos
dos insurrecionistas anticlericais. Após a repressão sangrenta da sublevação,
o patrono de Gaudí temeu uma outra revolução, talvez mais bem sucedida, e
resolveu não mais marcar sua propriedade com esse estilo. A com una
anarquista que se bateu contra a cidade durante o ano de 1936 realmente
atacou igrejas, mas poupou a Casa Mila, de maneira que sua recusa se
mostrou realista.
A obra-prima de Gaudí, cuja construção ainda está em andamento, foi o
Templo Expiatório da Sagrada Família (a Sagrada Família), Esse edifício
enorme, que levará um outro século para sercompletado, foi concebido como
um símbolo do renascimento cristão da cidade de Barcelona. Gaudí
trabalhou muitos anos no projeto, que ainda era fragmentário por ocasião da
sua morte em 1926. Seus planos e modelos foram grandemente destruídos
durante a Revolução Espanhola dos anos 1930, mas seus seguidores
reconstruíram-nos posteriormente a partir de material já publicado.
Pretendia-se que a Sagrada Família fosse a progressão lógica da arquitetura
gótica "libertada do flamboyant", com a utilização de técnicas modernas para
evitar a necessidade de expedientes estruturais tais como os arcobotantes. De
fato, o interesse de Gaudí pela geometria esotérica fez dele um dos primeiros
arquitetos dos tempos modernos a empregar o arco parabólico e, por essa
razão, seus edifícios contêm aquilo que à primeira vista parece ser um
conceito ridículo - pilares inclinados. Estes pilares, todavia, são o resultado
de se considerar a construção de um edifício como um todo que integra
mecânica e organ:camente todas as partes de maneira que ela ecoe
espiritualmente, se não funcionalmente, a natureza "abrangente" da
arquitetura gótica.
Diferentemente dos edifícios "copiados", a Sagrada Familia
enquadra-se verdadeiramente na tradição da geometria sagrada porque
utilizou esse sistema para determinar as suas formas. Essas formas,
verdadeiramente modernas para a época, devem pouco ou nada aos estilos
passados e, por causa da sua geometria subjacente, são adequadas ao
propósito para o qual foram planejadas. Este fato, e não a forma externa,
separa a arquitetura realmente sagrada da arquitetura meramente inventada
ou derivada.
Na mesma época em que surgiram as maiores obras de Gaudí, as idéias do
revivescimento dos rosacruzes e as descobertas teosóficas de Madame
Blavatsky estavam sendo sintetizadas pelo gênio oculto de Rudolf Steiner
num sistema novo, a Antroposofia. Nem magia nem religião, a Antroposofia
pretendia ocupar um novo nicho entre o artístico e o místico. Steiner,
fundador e mentor do credo, construiu uma sede que era uma reprodução do
espírito dos templos antigos em tudo menos no nome. Incorporando uma
geometria sagrada verdadeira, esse templo, conhecido como Goetheanum,
era a culminação de muitos anos de pesquisa. Em 1911, Steiner pronunciou
uma conferência intitulada The Temple is Man, em que discutiu os
princípios que subjazem aos templos da antigüidade. Todavia, diferiu do
historicismo usual dos seus contemporâneos, pois não falava só dos templos
antigos, mas também dos do futuro. Estes, entre os quais se incluía o seu
Goetheanum (embora na época fosse conhecido como Johannesbau),
deveriam diferir dos templos antigos no fato de serem emblemas do homem
que recebera o espírito em sua alma.
Em 1914, em Dornach, na Suíça, Steiner iniciou a construção do seu
magnum opus, o projetado Johannesbau. Na época, passara da Teosofia à
nova Antroposofia e, por conseguinte, os símbolos que pretendia utilizar
eram considerados obsoletos. Tendo extraído da teoria do mundo de Goethe
a direção de sua nova arte antroposófica, modificou o nome do templo para
Goetheanum.
Steiner acreditava que o Goetheanum era um desenvolvimento do desenho
do templo que provinha da antigüidade até sua época por linha direta. Suas
idéias enquadravam-se perfeitamente na tradição que esbocei nos primeiros
capítulos - o templo como um símbolo do corpo do homem. Para o
Goetheanum, erigiu-se toda uma teoria corrente da evolução espiritual
simbólica da arquitetura. Desde os tempos antigos, afirmou Steiner, até a
época do Templo de Salomão, reinou o princípio humano. Várias
características de sua maneira de ser foram expressas no templo. À época de
Cristo, o arco e o domo simbolizavam a encarnação do vivo e a excarnação
do morto, e as catedrais góticas, baseadas no padrão da cruz, simbolizavam o
sepulcro de Cristo.
Steiner acreditava que, no período medieval tardio, brotara um novo estilo de
arquitetura que pretendia abranger toda a humanidade e levá-la a um Cristo
subido aos céus. Todavia, esse edifício sobreviveu apenas na poesia, o
perfeito Castelo do Graal. Foi na direção desse símbolo ideal que Steiner
trabalhou.
O Goetheanum, construído, era uma estrutura de dois domos que os
incorporava de uma maneira sem precedentes. Como os templos pagãos
antigos, estava orientado na direção leste-oeste, com entrada pelo lado
oriental. Um desenho engenhoso, baseado no triângulo 3:4:5 pitagórico,
serviu como base para esses dois domos que simbolizavam não só a fusão
dos princípios masculino e feminino, mas também a estrutura do cérebro
humano. É nessa analogia que a geometria é especialmente engenhosa. No
cérebro, a intersecção focal dos dois círculos que compõem a geometria
básica do templo, está o corpo pineal. Em termos ocultistas, esse órgão é a
sede da alma, o antigo terceiro olho de nossos antepassados arcaicos.
Steiner via a pineal em termos do Graal.
Steiner disse várias vezes que as formas arredondadas, art nouveau, do
Goetheanum foram exigidas por uma modificação na função de um templo.
Na antigüidade, o homem tinha de encarnar e vir das Esferas Cósmicas à
Terra, de maneira que o templo devia ser construído de forma retangular
para que o ego divino aí pudesse residir. Na época moderna, todavia, o
homem elevava-se do túmulo e se manifestava em sua forma etérea. Por essa
razão, a forma arredondada era a mais apropriada. E, também porque
simbolizava
antes o mundo orgânico do que o terreno, o templo foi feito de madeira, um
material que se conforma à teoria goethiana da metamorfose. Infelizmente, a
insistência de Steiner na madeira tornou-o um alvo ideal dos incendiadores
que o queimaram no final de 1922.
Como uma catedral antiga, o Goetheanum foi aborrotado de simbolismo
esotérico. Janelas de vidro colorido com motivos adequados expunham a
função simbólica do templo. Na entrada, a janela simbólica Ich shaue den
Bau (Eu contemplo o edifício) demonstrava que a elevação pretendia
representar um homem em pé, apesar de o templo pretender ser um homem.
Este planejamento esotérico como parte de um ethos consistente é típico de
Steiner, o gênio místico. Quão atípico ele é em relação ao espírito moderno!
Durante a carnificina da Grande Guerra, os artistas dos países neutros, como
a Suíça e os Países Baixos, foram levados por aquele espetáculo atroz a
rejeitar a arte de uma era que gerara a lesão corporal dolosa da Frente
Ocidental. Artistas desiludidos de Zurique organizaram o movimento
anárquico chamado Dada, que rejeitou todo o conceito de arte e procurou
deliberadamente infringir o convencional. Nos Países Baixos, que possuíam
uma longa tradição de arte "puritana", desenvolveu-se o novo movimento em
arte e arquitetura, conhecido como De Stijl. Baseado em linhas retas
desprovidas de adorno, o De Stijl foi visto como uma rejeição dos anéis
floreados do Art Nouveau, que os artistas acreditavam ser decadente, e das
fantasias multifacetadas do Wendingen, eu a Escola de Arquitetura de
Amsterdã, cujas estruturas espantosas ainda dominam partes de Amsterdã
sessenta anos depois.
O De Stijl foi conscientemente baseado em princípios metafísicos e em
proporções geométricas. Alguns dos seus conceitos derivaram dos escritos
de Spinoza (1632-1677), filósofo místico judeu holandês.
Spinoza acreditava que os objetos separados e as almas individuais não estão
totalmente separadas, mas são aspectos integrais do Ser Divino. Ele escreveu
que "toda determinação é uma negação": que a definição das coisas só é
possível se se disser o que elas não são. Isto envolve definir as coisas por
seus limites, os pontos em que elas debçam de ser elas próprias e se tornam
algo que não são. Da mesma maneira, nos muitos escritos teóricos do De
Stijl, a ênfase constante recai sobre as relações entre as coisas: a geometria
subjacente é mais importante do que o ser físico.
O arquiteto Theo van Doesburg e o pintor Piet Mondriaan, as luzes
condutoras do De Stijl, acentuaram constantemente que seu objetivo era a
recriação da harmonia universal. Como Spinoza, eles acreditavam qU6 todas
as emoções rompiam esse equilíbrio. Daí se terem esforçado, através da
aplicação da geometria sem adornos, por transcender as exigências
temporárias do mundo. Spinoza afirmara que a saúde espiritual repousa no
amor de uma coisa imutável e eterna. Mondriaan escreveu: "O que é
imutável está acimade toda miséria e de toda felicidade: equilíbrio. Por meio
do imutável que existe em nós somos identificados a toda a existência; o
mutável destrói nosso equilíbrio, limita-nos e nos separa de tudo o que não é
nós".
Este não é um sentimento comum entre os artistas modernos, pois tendemos
a ver o pintor moderno como um indivíduo centrado em si mesmo. Todavia,
Piet Mondriaan estava envolvido com o místico; membro da Sociedade
Teosófica Holandesa, tirou uma fotografia de Madame Blavatsky em seu
estúdio. Artistas teosóficos estavam tentando criar uma nova ordem baseada
na sabedoria antiga, mas num estilo totalmente moderno. Artistas como o
pintor moderno Wassily Kandinsky e os compositores Scriabin e Stravinsky,
todos eles inovadores extraordinários, também eram adeptos da crença
teosófica.
Além dessas influências místicas de Spinoza e Blavatsky, havia também o
efeito do místico alemão contemporâneo Dr. Schoenmaekers. Em 1916,
quando a idéia do De Stijl esfava sendo discutida, Schoenmaekers vivia em
Laren, a mesma cidade em que moravam Mondriaan e Bart van der Leck.
Em 1915, foi publicado o influente livro The New Image of the World, de
Schoenmaekers, seguido de The PrincipIes of Plastic Mathematics no ano
seguinte. Sua abordagem mística da geometria influenciou enormemente as
idéias do novo movimento. Schoenmaekers escreveu: "Queremos penetrar a
natureza de maneira que a construção interior da realidade nos seja
revelada". Baseado nesses conceitos místicos, um estilo aparentemente
materialista e totalmente moderno é na verdade sublinhado por um ethos
antigo, emergindo com a corrente do pensamento ocultista que subjaz à
forma arquitetônica.
A sensação geral nos anos 1920 era a de que uma nova era que estava
começando manifestava-se de diversas maneiras. Na Alemanha, levou à
ascensão de HitIer e à nova ordem do Nacional- socialismo. Na Rússia, os
bolchevistas tentaram reestruturar a vida à imagem da filosofia marxista.
Artistas rejeitaram o velho academicismo e voltaram, como a escola De Stijl,
àquilo que consideravam formas geométricas puras, essenciais, desprovidas
de ornamentos. Entre a proliferação de novos credos, a geometria sagrada
platônica antiga ganhou novamente a superfície. Um dos maiores ourives do
século XX, Jean Puiforcat, criou obras verdadeiramente clássicas cujas
formas se baseavam nos sistemas canônicos antigos de geometria e de
proporção. Numa carta enviada ao Comte Fleury, escrita em 1933, Puiforcat
explicou como descobrira o sistema que utilizava em suas xícaras e em seus
vasos art deco:
"Mergulhei na matemática e bebi em Platão. O caminho estava aberto. Dele,
aprendi os meios aritméticos, harmônicos e geométricos, os cinco famosos
corpos platônicos ilustrados por Leonardo: o dodecaedro, o tetraedro (fogo),
o octaedro (ar), o icosaedro (água) e o cubo (terra).”

Os desenhos de Puiforcat, muitos dos quais ainda sobrevivem,trazem como


legenda a expressão "Tracé harmonique, figure de
départ R V2" e demonstram o mesmo esforço pela harmonia universal
eterna que encontramos em todos os períodos de empenhoartístico.
No mesmo veio de universalidade, o sistema proporcional elaborado pelo
arquiteto moderno Le Corbusier surgiu muitos anos depois. Por volta de
1950, num período de relativo otimismo e na crença de que o governo do
inundo já passara o seu momento crítico, Le Corbusier considerou ser
terrível o fato de que a metrologia do mundo estivesse dividida em dois
campos opostos. As nações anglo-falantes ainda aderiam ao sistema imperial
inglês de medição, ao passo que o resto do mundo desenvolvido adotara,
oficialmente pelo menos, o sistema métrico. Le Corbusier entendia que a
proporção era a consideração fundamental dos arquitetos e dos construtores e
que a medida era um instrumento para facilitar a construção. Diante de uma
prática de edificação que operava ambos os sistemas na França e na América
do Norte, voltou-se contra os problemas quase insuperáveis de trabalhar com
dois sistemas incomensuráveis de medição.
Para ultrapassar esta dificuldade, e para estabelecer um meio de criar
proporções harmônicas, Le Corbusier voltou ao cânone grego antigo da
Seção Dourada. A partir dele, por muitos experimentos geométricos
complexos, chegou a um sistema modular proporcional coerente a que
chamou Modulor - o módulo da Seção Dourada. Como a geometria de
Puiforcat, a de Le Corbusier derivou de Platão e dos geômetras gregos, uma
geometria que poderia ter sido atribuída a Alberti ou a Wren. O Modular foi
concebido como um instrumento de mediçãG. Como a geometria sagrada
antiga, ele se baseava con juntamente na matemática abstrata e nas
proporções inerentes à estrutura humana.
Um homem com o braço levantado fornece os pontos determinantes da sua
ocupação do espaço: o pé, o plexo solar, a cabeça e as
pontas dos dedos do braço levantado produzem três intervalos. Esses pontos
estão numa Série Fibonacci, uma série de razões da Seção Dourada. Dessa
"medida natural" deriva um complexo de subdivisões que constituem a
essência do Modular. Mas, mesmo com um sistema baseado unicamente
em razões, é preciso alguma medida inicial.
Originalmente, Le Corbusier fez de seu ponto de partida um homem
hipotético de 1,75 metro de altura - a "altura francesa", como afirmou depois.
Os módulos desenvolvidos a partir dessa unidade provaram, infelizmente, ser
de difícil manuseio e incomensuráveis com a vida cotidiana. Então Le
Corbusier decidiu procurar um ponto de partida melhor. Seu colaborador Py
observou que, nos romances policiais ingleses, os hérois, como os policiais,
possuem invariavelmente seis pés de altura. Partindo dessa "altura inglesa"
de seis pés, transferiu-a para o sistema métrico: 182,88 centímetros e um
novo Modulor foi desenhado. Para sua satisfação e surpresa, as divisões
desse novo Modulor baseado na medida inglesa transferiram-se para figutas
redondas de pés e polegadas - algo não surpreendente para um sistema
natural de medida.
Le Corbusier afirmou repetidas vezes que seu Modulor derivado da medida
de seis pés fora baseado na escala humana, da mesma maneira como os
geômetras provaram, especialmente na Renascença, que o corpo humano
está proporcionalizado de acordo com a regra dourada. Essa abordagem
quase-mística surge em toda a obra de Le Corbusier. Embora ele tenha sido
educado e criado nos termos do materialismo do começo do século XX, ecos
do primitivo ethos do homem como o microcosmo podem ser percebidos
aqui e ali. A sua afirmação de que a arquitetura deve ser um algo do corpo,
um algo da substância bem como do espírito e do cérebro, incorpora
perfeitamente a fusão do físico, do espiritual e do intelectual que tem sido
característica da melhor arquitetura fundada na geometria sagrada.
Le Corbusier falou repetidas vezes sobre "flanar diante da Porta dos
Milagres" e, para abrir caminho através dessa porta, voltou à Seção Dourada.
Todo e qualquer objeto de seu escritório estava eventualmente posicionado
segundo o Modulor, um sistema rígido e inflexível, ligado a uma forma
inconsciente de geomancia. Mas, embora fosse baseado em sólidos
princípios antigos, a utilização rígida do Modulor para seja o que for é
apenas parte integrante dos métodos disponíveis. Com a tecnologia do
mundo moderno, usa-se apenas o hemisfério intelectual do cérebro,
rejeitando-se o hemisfério intuitivo. Os geomantes e os geômetras de outrora
sempre temperaram seus modelos geométricos com a intuição pragmática,
mas a tendência moderna em todas as coisas consiste no extremismo,
forçando um sistema à exclusão de todos os outros.

14. Ciência: O Verificador da Geometria Sagrada

A descoberta e a aplicação da eletricidade por Faraday, Edison, Siemens e


Tesla durante o século XIX estabeleceram os fundamentos da era moderna.
As cidades puderam crescer com o transporte público barato oferecido pelo
ônibus elétrico e a eletricidade forneceu energia para tudo, desde os trens
subterrâneos até a iluminação e as telecomunicações. Os pioneiros dessa
nova energia consideravam-na sujeita a várias leis imprevistas. Os ocuItjstas,
fascinados pela nova energia, começaram a ver no seu circuito e nas suas
expressões físicas um paralelo dos seus poderes.
O "poder", na forma de uma energia canalizável análoga à eletricidade, tem
sido estudado tanto por mágicos como por romancistas. Exemplificada como
o fictício vril do romance The Coming Race de Bulwer Lytton, a existência
de um poder similar tem sido encontrada por antropólogos em várias
partes do mundo. O
misterioso mana dos Mares do Sul, que se diz ter erguido as várias estátuas
de pedra da Ilha de Páscoa, foi comparado às energias ióguicas dos homens
santos asiáticos. Entre os escritores influentes, Madame BIavatsky e James
Churchward discutiram as possibilidadesdessas energias.
Os experimentos científicos do físico Chladni e de outros apontaram o
caminho para a relação entre a energia e os padrões geométricos. Chladni
descobriu que uma película delgada de areia espalhadasobre uma lâmina que
vibra mecanicamente formaria determinados padrões geométricos fixos que
estariam relacionados ao comprimento de onda da vibração. Pesquisas
recentes sobre mistérios antigos sugeriram que os possíveis comprimentos de
onda de forças telúricas podem determinar as geometrias de edifícios.
sagrados. Considerando-se as noções antigas sobre a harmonia, das esferas,
talvez isto seja a fundamental geometria do comprimento de onda do
universo criado. Padrões de poder que agora estão sendo examinados por
detectores em várias partes do mundo e por Paul Devereux e sua equipe do
Projeto Dragão em Rollright Stones podem enquadrar-se nessa categoria.
Aqueles que detectam energia nas linhas ley acreditam que essa energia pode
ser parte de uma grade global que tem uma forma geométrica precisa.
Algumas pessoas Ijgam esses padrões até mesmo ao aparecimento de
OVNI’s, dos fantasmas, à perturbação psíquica e à ocorrência de combustão
espontânea em seres humanos.
A invenção do microscópio no século XVII e seu aperfeiçoamento no século
XIX levaram à criação de todo um tema científico, o estudodas estruturas
microscópicas. Com a descoberta de que os animais, e as plantas em
particular, são compostos de células regularmente estruturadas, surgiu um
interesse renovado pela geometria. Cientistas tentaram criar uma base
teórica para as estruturas geométricas que estavam observando. Grandes
cientistas como Lord
Kelvin dedicaram-se a estudar o acondicionamento geométrico das células e
chegaram às velhas formas de Arquimedes e de Platão. A obra de F. T.
Lewis mostrou que a estrutura celular de vários vegetais tende para o corpo
de 14-hedron (tetrakaidekahedron) de Arquimedes.
D'Arcy Thompson, que combinou um conhecimento enciclopédico de
escritos clássimos com uma abordagem extremamente perceptiva dabiologia,
talvez tenha feito a maior contribuição à nossa compreensão da harmonia
divina. Na sua obra seminal On Growth and Form, publicada no crucial ano
de 1917 (o ano da Revolução Russa, da Teoria da Relatividade de Einstein e
do surgimento do De Stijl) Thómpson delineou as relações íntimas entre a
morfologia das estruturas orgânicas e as forças físicas que moldam o cosmos.
Thompson afirmou que a estrutura básica é em última instância a mesma
tanto no ser vivo quanto no não-vivo e que, assim, pode ser determinada por
uma análise física do sistema material das forças mecânicas. Ela representa
uma harmonia e uma perfeição intrínsecas, algo exibido por um instrumento
musical afinado, obra de verdadeiro artista e de tudo que está "junto" na
natureza. A ciência ortodoxa, no presente, afirma que as formas estruturais
dos organismos vivos são totalmente controlados por um padrão genético
inato impresso no núcleo de cada célula. Thompson acreditava que as formas
de vários órgãos e organismos foram moldadas pelas forças físicas que agem
sobre elas. Descobriu que a forma dessas estruturas ecoa exatamente a forma
da força física. As formas em miríade da estrutura orgânica existem em
conformidade com as leis que governam todas as coisas. Sua beleza incrível
origina-se no equilíbrio que é intrínseco à sua forma "natural", sua
conformidade com as leis geométricas inatas do universo, A concha do
Nautilus PeroIado é formada de acordo com a espiral equiangular, como o
são os chifres de determinados carneiros. Outras formasgeométricas
clássicas ocorrem em toda a natureza.
A metafísica orgânica de Thompson nunca foi muito bem vista pelos
cientistas ortodoxos. Suas idéias evolutivas estavam e estão fora de moda e
sua abordagem holística opõe-se às tendências reducionistas da ciência
moderna. Por outro lado, sua abordagem científica tornou suas idéias
aparentemente inacessíveis àqueles que se interessam pelo lado esotérico da
vida. Assim, sua obra continua sendo pouco lida naquelas áreas onde ela
poderia despertar esclarecimentos adicionais. As idéias de Thompson,
enquanto desprezadas pela ciência estabeleci da, não podem ser refutadas.
Talvez sejam afirmações como a seguinte que o coloquem para fora do
âmbito da ciência materialista e para dentro da corrente do pensamento
ocultista ocidental:

"Eu sei que, no estudo das coisas materiais, o número, a ordem e a posição
são o indício triplo do conhecimento exato; que esses três; nas mãos dos
matemáticos, forneceram o 'primeiro esboço para um croqui do universo' (...)
Pois a harmonia do mundo é manifestada em forma e em número e o coração
e a alma e toda a poesia da Filosofia Natural estão embebidos do conceito da
beleza matemática.”

Vinte anos após o aparecimento do livro de Thompson, os técnicos em


eletrônica da Alemanha nazista aperfeiçoaram um instrumento que deveria
revolucionar nosso conhecimento sobre o mundo microscópico interior da
natureza - o microscópio eletrônico. Esse novo instrumento, que utiliza antes
os elétrons do que a luz visível, capacitou os cientistas a ver estruturas
milhares de vezes menores do que aquelas que eram visíveis com
microscópios de luz. Não foi antes dos anos 50 que as técnicas de preparação
de espécimens tornaram possível aos biólogos estudar a estrutura dos
organismos
vivos com qualquer medida de êxito. Todavia, quando muitos vegetais e
animais unicelulares foram examinados, verificou-se que eles formavam
estruturas inesperadas (conhecidas como "escalas") cujo arranjo e forma
aderiam estreitamente aos esquemas antjgos da geo metria sagrada. Sendo
estruturas orgânicas produzidas de acordo com as leis enumeradas por
Thompson em On Growth and Form, elas demonstram novamente, de
maneira convincente, a harmonia divina. Os organismos marinhos que o
autor estudou pessoalmente com o microscópio eletrônico demonstram os
princípios do ad trian gulum e do ad quadratum desenvolvidos pelos mestres
maçônicos da época gótica. Eles são, de fato, reflexos da ordem natural do
universo.
As idéias dos antigos sobre a ordem universal como um aspecto do criador
estão sendo verificadas pela ciência. Elas não podem mais ser descartadas
como fantasias de néscios. No respeitado jornal científico Nature de 12 de
abril de 1979 apareceu um artigo de B. J. Carr e M. J. Rees. Intitulado The
Anthropic Principie and the Structure of the Physical World, abrangeu de
maneira altamente técnica e
matemática as "constantes" microfísicas que governam as características
básicas das galáxias, das estrelas, dos planetas e do mundo cotidiano. Os
autores apontaram "muitas relações divertidas entre as diferentes escalas" do
universo. Por exemplo, o tamanho de um planeta é a média geométrica dos
tamanhos do universo e do átomo e a massa de um homem é a média
geométrica entre a massa de um planeta e a massa de um próton. Outras
variáveis bastante criticáveis estão delicadamente equilibradas na estrutura
universal para possibilitarem a existência da vida. Nos termos da ciência
materialista, essas recorrências notáveis são "coincidências" justas, mas em
termos metafísicos elas são exigência fundamental do criador. As médias
geométricas representadas pelo planeta e pelo homem ecoam a antiga visão
de mundo do microcosmo e do macrocosmo. A única diferença é a
terminologia moderna, não- metafísica. Não é de todo surpreendente para
aqueles que estão conscientes dos ensinamentos antigos o fato de que a
pesquisa cosmológica moderna poderia verificar o conhecimento hermético
dos antigos.
As descobertas modernas da ciência repousam naturalmente em termos
materialistas. Todavia, toda ciência é teoria e, como tal, está aberta a
alterações radicais de interpretação à medida que uma nova prova surja da
observação e do experimento. A interpretação que Everett fez dos muitos
mundos a respeito da mecânica quântica postulada em 1957 afirma que em
cada observação o universo ramifica-se num grande número de universos
paralelos, correspondendo cada um deles a um possível resultado de uma
observação. Nessa estrutura - que fof descrita pelo dramaturgo anárquico e
escritor Alfred Jarry, em seu romance neocientífico Exploits and Opinions of
Doctor Faustroll, Pataphysician e em Caesar Antichrist -, em que o
observador torna-se a personagem mais importante do jogo do universo,
encaixa-se a figura antropocêntrica
que compreende todo o mecanismo universal - a figura do homem
microcósmico. Em Caesar Antichrist, Jarry resumiu a questão: "Posso ver
todos os mundos possíveis quando olho para apenas um deles. Deus - ou eu
mesmo - criou todos os mundos possíveis, eles coexistem, mas os homens
dificilmente podem vislumbrar um deles". Isto foi escrito meio século antes
da idéia de muitos mundos de Everett.
J. A. Wheeler, no livro Gravitation, publicado em 1971, afirmou esse
conceito poético-filosófico numa forma matemática científica. Ele
considerou um conjunto infinito de universos, cada um com leis físicas
constantes e variáveis. A maioria desses universos poderia ser natimorta,
incapaz de, por força de sua física e de sua geometria peculiares, permitir
que qualquer ação interessante ocorra em seu interior. Apenas aqueles que se
iniciam com as leis devidas e as constantes físicas podem desenvolver-se
para um estágio em que possam tomar consciência de si mesmos. Assim,
nosso universo existente, capaz de sustentar o nível material de existência, é
por sua própria natureza um caso especial, com uma física apropriada e, por
conseguinte, uma geometria para a existência. Essa geometria subjacente,
reconhecida desde a aurora da humanidade como álgo especial, é de fato um
arquétipo da natureza única dessa fase da criação que possibilita a existência
do mundo material. Cada vez que se produz uma forma geométrica, faz-se
uma expressão da unicidade universal; ela é ao mesmo tempo única em
tempo e em espaço e também eterna e transcendente, representando o
particulare o universal.
Tanto quanto existem o mundo e a humanidade, o simbolismo . da geométria
será usado em edifícios sagrados e seculares. Alguns períodos verão seu uso
sem o compreender, enquanto outros desenvolverão novas teorias e novos
conceitos. Mas quando e onde for utilizado, ele incorporará a natureza da
criação e os padrões metafísicos subjacentes.

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