Como Criar Filhos para o Mundo - Esther Wojcicki

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Sumário

Capa

Folha de rosto

Sumário

Dedicatória

Prefácio

Introdução

1. A infância que você gostaria de ter tido

CONFIANÇA

2. Confie em si mesmo, confie em seu filho

RESPEITO

3. Seu filho não é seu clone

INDEPENDÊNCIA

4. Não faça pelos seus filhos o que eles podem fazer por

conta própria

5. Dê garra ao seu filho


AMPARO

6. Não imponha, colabore

7. As crianças escutam o que você faz, não o que você

fala

RECIPROCIDADE

8. Dê o exemplo. É contagioso

9. Ensine seu filho a se importar

Conclusão

Agradecimentos

Notas

Sobre a autora

Créditos
Ao meu marido, Stan, minhas três filhas,

Susan, Janet e Anne, meus nove netos e

todos os outros membros da minha família, meu

desejo de CRIAR em suas vidas e no mundo.


Prefácio

Susan, Janet e Anne Wojcicki

Como três cobaias de “Woj”, pensamos que seria

apropriado que as filhas dela fizessem o prefácio sobre

como foi realmente serem criadas do jeito Woj. “Woj”,

claro, é o apelido carinhoso dado pelos alunos da nossa mãe

décadas atrás — pegou —, e os métodos dela se focam em

confiança, respeito, independência, amparo e reciprocidade

(criar), os valores universais que ela explora nas páginas a

seguir.

A vida trouxe todo tipo de surpresas, desde nossas

carreiras no Google, YouTube, 23andMe e Centro Médico da

UCSF até os desafios de criar nossos próprios filhos, um total

de nove dividido entre as três. Seguimos os altos e baixos

que surgem em qualquer vida, e boa parte da nossa

capacidade de progredir se deve à maneira como nossos pais

nos criaram.

Quando nossa mãe nos contou que estava escrevendo este

livro, desenterramos nossas pilhas de diários do ensino

primário até a faculdade. Nossa mãe, sempre a jornalista,

achava que era uma excelente ideia fazermos diários de cada


viagem, especialmente quando nos mudamos para a França

em 1980. Embora haja muitas histórias divertidas de brigas

e má-criação, há também alguns dos temas principais:

independência, responsabilidade financeira, viabilidade,

mente aberta, coragem e valorização da vida.

Uma de nossas maiores alegrias hoje é a sensação de

independência. Nossos pais nos ensinaram a acreditar em

nós mesmas e na nossa capacidade de tomar decisões. Eles

confiaram em nós e nos deram responsabilidades desde

muito cedo. Tínhamos liberdade para ir a pé sozinhas até a

escola, andar de bicicleta pelo bairro e sair com os amigos.

Desenvolvemos uma confiança que nossos pais reforçavam

respeitando nossas opiniões e ideias. Não lembramos de

nenhum momento em que nossas ideias ou pontos de vista

tenham sido descartados só porque éramos crianças. Desde

muito cedo, nossos pais ouviam e agiam em uma via de

mão dupla de aprendizado. Aprendemos a nos defender, a

escutar e a admitir quando podíamos estar erradas.

No ensino médio, Anne teve uma conversa esclarecedora

na nossa sinagoga sobre relações entre pais e filhos. O pai

que fez dupla com ela falou que era obrigação do filho

escutar. Ela explicou que, na nossa família, nós debatíamos,

mas que nossos pais sempre nos escutavam; eles nunca

diziam: “Não, porque o pai aqui sou eu”. Depois, ela

escreveu no diário que era muito grata por ter pais que não

educavam com autoridade. Quase nunca brigávamos.

Discutir sim, mas brigar não. Por isso, somos extremamente

gratas a eles pela independência que nos deram desde cedo.


Ao lado da independência está a liberdade financeira.

Liberdade financeira não significa ser rico; significa ter

cuidado com o dinheiro e se planejar para os itens ou

aspectos da vida considerados essenciais. Nossos pais são

extremamente disciplinados em relação a gastos e

economias. Os dois cresceram como filhos de imigrantes e

sempre nos lembravam de como as pessoas gastam com

produtos desnecessários e depois sofrem por não conseguir

pagar aquilo de que precisam. A importância disso vinha

em lições diárias. Saíamos para jantar, mas nunca pedíamos

bebidas ou aperitivos. Antes de irmos ao mercado, sempre

recortávamos nossos cupons e líamos as propagandas nos

jornais. Uma vez, minha mãe trouxe para casa a comida

extra que tinha recebido no avião e serviu para Anne como

jantar — os amigos de infância dela nunca se esqueceram

disso!

Quando estávamos no ensino fundamental, nossa mãe nos

mostrou um gráfico de juros compostos, e ficamos

decididas a economizar pelo menos alguns milhares de

dólares por ano. Tivemos cartões de crédito e talões de

cheques antes mesmo de poder dirigir porque nossa mãe

queria nos ensinar a disciplina de pagar nosso cartão todo

mês e equilibrar nossos cheques. Também fomos

incentivadas a abrir nosso próprio negócio desde pequenas.

Vendemos tantos limões do limoeiro da vizinha que o

bairro nos chamava de “meninas do limão”. Susan tinha um

negócio chamado “cordas de especiarias” (temperos

amarrados em um barbante para pendurar na cozinha) e


ganhava centenas de dólares já no sexto ano. A ideia foi

dela, mas nossa mãe comprou os materiais e a apoiou

saindo com ela para vendê-los. Vendemos centenas de

biscoitos das escoteiras de porta em porta. E, quando

ficávamos muito entediadas, embalávamos nossos

brinquedos antigos e tentávamos vendê-los para os vizinhos,

e olha que eles até compravam — às vezes.

Em família, viagem e educação eram nossas prioridades, e

tudo o mais tinha recursos mínimos. (Observação: nosso pai

usa o mesmo par de sandálias há sessenta anos.) Quando

viajávamos, ficávamos no hotel mais barato, e sempre com

um cupom de desconto. Gastar dinheiro era uma questão de

fazer escolhas conscientes. Nunca fomos ricos, mas nossas

decisões em relação a despesas nos davam a liberdade

financeira para ter as experiências que queríamos na vida.

Nossa mãe é mestre em nunca procrastinar nem

reclamar. Se algo precisa ser feito hoje, ela faz! Ela nos

ensinou tudo sobre lavar roupas, limpar a casa, passar

aspirador, dar telefonemas e praticar exercícios — tudo ao

mesmo tempo em menos de uma hora. Nunca conhecemos

ninguém tão eficiente quanto nossa mãe. Ela nos ensinou

que cumprir as obrigações é menos indolor do que

procrastinar, que o fim de semana pode ser muito mais

divertido quando a lição de casa já foi feita na sexta-feira

em vez de passar o fim de semana inteiro com aquilo na

cabeça e só deixar para terminar no domingo.

Embora a filosofia da nossa mãe se concentrasse no

desenvolvimento de habilidades, ela às vezes recorria a


subornos. Um exemplo de que Susan se lembra anos atrás é

o mau hábito dela de roer as unhas. Nossa mãe prometeu

lhe dar um coelho se ela parasse. Depois de seis semanas

em que Susan não roía mais as unhas (nossa mãe disse que

era o período necessário para largar um mau hábito), ela

trouxe um ratinho de estimação porque o dono da loja a

convenceu de que os ratinhos eram animais de estimação

melhores do que os coelhos. Na verdade, ela trouxe três

ratinhos: Snowball, Midnight e Twinkle.

Nossa mãe é uma pessoa muito sociável: ela realmente

gosta de estar cercada por todo tipo de gente e emana uma

energia calorosa e acessível porque sempre tem a mente

aberta para aprender coisas novas. É uma empreendedora

natural, sempre aberta à mudança e à inovação. Não foi

coincidência ou sorte que ela tenha conseguido incorporar

a tecnologia em seus cursos e nas salas de aula enquanto o

Vale do Silício ainda estava nascendo; ela ama inovar. Ela

vive aprendendo com os alunos e, em parte, é por isso que

eles confiam nela e a respeitam — porque ela acredita na

visão de mundo deles (e cresce com ela). Muitos adultos são

relutantes em mudar rotinas, o que torna difícil para eles

interagir com adolescentes. Mas nossa mãe — agora na

“terceira idade”! — é o completo oposto, e é por isso que os

estudantes vêm atrás dela. Eles sabem que ela vai respeitá-

los e vai estimular suas ideias, por mais malucas que sejam.

Às vezes, parece até que ela prefere as ideias mais malucas!

Sempre ficamos surpresas que nossa mãe, que já está na

casa dos setenta, fique energizada (e nem um pouco


cansada) depois de trabalhar até tarde (quase meia-noite)

com adolescentes no jornal da escola.

Uma das melhores qualidades dela como professora e

como mãe é de fato tentar entender o aluno como uma

pessoa e trabalhar dentro dos interesses do aluno para que

ele se sinta motivado em vez de obrigado a fazer algo. Se

uma de nós chegasse em casa e dissesse que não gostava de

uma matéria, ela perguntava o motivo. Ela tentava entender

o que estava acontecendo: precisávamos da ajuda de um

professor particular? Ou tivemos algum problema com um

professor ou um colega de classe? Então tentava encontrar

uma solução que se adequasse às nossas necessidades e

ajudasse a resolver o problema. Da mesma forma, ela se

esforçou para entender nossas paixões ao longo dos anos.

Apoiou o interesse de Anne por patinação no gelo, o foco de

Janet em estudos africanos e o empenho de Susan em seus

projetos de arte. Ela nos inspirou com livros, artigos

interessantes, palestras e cursos. Sempre deixou que os

alunos escolhessem os temas do jornal da escola e defendeu

a opinião deles. Quando conversamos sobre criação dos

filhos, ela nos lembra que não se pode obrigar uma criança

a fazer o que quer que seja: precisamos motivá-la a querer

fazer aquilo por conta própria.

Também queremos enfatizar a bravura da nossa mãe, em

particular na luta por justiça. Ela é sempre a primeira a

apontar quando algo está errado. Não tem medo de falar o

que pensa, de defender os oprimidos nem de desafiar o

status quo. É uma característica essencial no contexto do


jornalismo e da liberdade de imprensa. Janet lembra de

estar na fila de uma loja em que estavam tentando nos

vender algo de má qualidade e, claro, tivemos de pedir para

chamar o gerente ou recorrer à ameaça de “fazer uma

denúncia à defesa do consumidor”. O mantra da nossa mãe

sempre foi: “Se você não falar nada, não denunciar nem

reclamar, a mesma coisa vai acontecer com outra pessoa”.

Outra memória de Janet: nossa mãe questionando o pediatra

que queria prescrever antibióticos. “Ela precisa mesmo

disso?”, ela perguntava. “Posso olhar o ouvido dela

também?” Convenções, autoridade e poder não eram para

ser temidos. Por outro lado, nem sempre era divertido ter

uma mãe que falava tudo o que vinha à cabeça para

professores, pais de amigos, namorados etc. Depois de todos

esses anos sendo criada por ela, é impossível pensar numa

situação em que nossa mãe ficou sem graça ou relutou em

expor sua franca opinião. Ela também não hesita em

expressar ao secretário de Educação sua visão sincera sobre

o sistema educacional. Esse tipo de postura diante do

mundo promove um ambiente em que os jovens ganham

força e resistência para seguir seus sonhos e interesses, sem

desistir ou se deixar intimidar. Acreditamos que grande

parte do nosso ímpeto e da nossa determinação vem desses

primeiros exemplos da nossa mãe de se recusar a desistir ou

ceder.

Por fim, e mais memorável do que tudo, ela nos ensinou a

amar a vida. Ela é uma boba alegre. Faz piadas. Tem poucas

formalidades e quebra estereótipos. Ama se divertir.


Conheceu nosso pai (literalmente) enquanto descia a

escadaria de seu dormitório em Berkeley dentro de uma

caixa de papelão. Ela nos fez ser expulsos de restaurantes

por causa do seu mau comportamento (e não das filhas)!

Aos setenta e cinco anos, descobriu a Forever 21 e decidiu

que era a melhor loja de roupas para ela. Dez anos atrás,

ligou para Anne quando estava em Nova York com uma

dezena de estudantes adolescentes de jornalismo atrás dela e

disse: “Anne! Achamos uma promoção no aluguel de

limusines e estamos andando por Nova York botando a

cabeça para fora do teto solar! Que balada você sugere?

Queremos dançar!”. Nossa mãe celebra a aventura e a

exploração. Seus alunos a amam porque ela equilibra sua

capacidade de execução e seriedade com abertura e

criatividade. Ela leva o ensino de jornalismo a sério, mas

não vê problema se os alunos estiverem numa bicicleta

ergométrica durante a aula. Enquanto escrevíamos isto,

acabamos de ver nossa mãe postar fotos dela fantasiada de

cachorro-quente numa loja. Podemos não usar roupas da

Forever 21, mas sem dúvida aprendemos a ter uma atitude

positiva e a encontrar a felicidade todos os dias graças a ela.

Nós três somos o produto original da filosofia da nossa

mãe, mas, depois de nós, vieram muitos milhares de

estudantes do seu curso de jornalismo. Em todo o mundo,

encontramos pessoas que nos param para dizer: “Sabe, sua

mãe mudou a minha vida. Ela acreditou em mim”. Ela não

apenas influencia as pessoas enquanto estão na aula dela.

Ela as influencia pelo resto da vida.


Como filhas orgulhosas, queremos dizer apenas: obrigada,

mãe, por nos criar do jeito Woj!


Introdução

Não existem prêmios Nobel para educação ou para a

criação dos filhos, mas deveria haver. São as coisas mais

importantes na nossa sociedade. A maneira como criamos e

educamos nossos filhos determina não apenas as pessoas

que eles vão se tornar, mas também a sociedade que

estamos criando.

Todos os pais têm esperanças e sonhos para seus filhos.

Querem que eles sejam saudáveis, felizes, bem-sucedidos.

Também há medos universais: será que estarão seguros, vão

encontrar seu propósito e sua realização, vão encontrar seu

caminho em um mundo que parece cada vez mais

dinâmico, competitivo e muitas vezes hostil? Lembro de

como todas essas preocupações tácitas e em grande parte

inconscientes encheram a sala de parto quando peguei

minha primeira filha no colo.

Eu estava deitada na cama do hospital segurando Susan

junto ao peito. A enfermeira a havia enrolado numa coberta

cor-de-rosa e colocado uma touquinha amarela de crochê

em sua cabeça. Meu marido, Stan, estava sentado ao meu


lado. Nós dois estávamos exaustos e em êxtase e, nesse

momento, tudo estava claro: amei minha filha desde o

segundo em que a vi, e senti um desejo primitivo de

protegê-la, de lhe dar a melhor vida possível, de fazer todo

o necessário para ajudá-la a ter sucesso.

Mas logo começaram a surgir questionamentos e dúvidas.

Eu não tinha ideia de como segurar Susan no colo e não

sabia trocar fraldas. Fazia só três semanas que havia parado

de lecionar, o que não me deu muito tempo para me

preparar. E nunca entendi exatamente como deveria me

preparar. O obstetra falou para pegar leve nas seis primeiras

semanas do pós-parto. Meus amigos e colegas me

ofereceram todo tipo de conselhos conflitantes. Falaram que

o parto seria longo e doloroso, que amamentar seria difícil e

limitante, que mamadeiras e fórmulas seriam melhores. Li

alguns livros sobre nutrição para adultos (não havia

nenhum título específico para crianças na época) e comprei

um berço, algumas roupas e uma banheirinha de plástico.

Então, de repente, lá estava Susan no meu colo, com seus

olhinhos azuis arregalados e seu cabelo ralo e arrepiado, me

olhando como se eu soubesse exatamente o que fazer.

Eu estava prestes a receber alta quando comecei a ficar

preocupada de verdade. Isso foi em 1968. Na época, era

possível ficar três dias nos hospitais norte-americanos

depois que seu filho nascia. Agora, a maioria dos hospitais

dá alta depois de apenas dois dias. Não sei como as mães de

hoje conseguem.
“Posso ficar mais um dia?”, supliquei à enfermeira, meio

envergonhada, meio desesperada. “Não faço ideia de como

cuidar da minha filha.”

Na manhã seguinte, a enfermeira me deu um intensivo

sobre cuidados com o recém-nascido, incluindo, felizmente,

como trocar fraldas. Eram os tempos das fraldas de pano e

dos alfinetes. A enfermeira me avisou para verificar se os

alfinetes estavam fechados corretamente, senão espetariam a

bebê. Sempre que Susan gritava, a primeira coisa que eu

fazia era conferir os alfinetes.

Mesmo não sendo comum na época, eu estava decidida a

amamentar, então a enfermeira me mostrou como

posicionar a cabeça da bebê e usar o antebraço como apoio.

A bebê precisava “pegar”, e só então eu teria certeza de que

ela estava sugando o leite. Não era tão simples quanto eu

esperava e, às vezes, a pobre Susan levava uma esguichada

no rosto. O plano era que seguisse um cronograma de

quatro em quatro horas e concordei em obedecer da melhor

maneira possível.

“Lembre-se de abraçar sua bebê” foi o último conselho

que a enfermeira me deu. Depois disso, eu e Stan tivemos

de nos virar sozinhos.

Assim como todos os pais, eu enxergava minha filha

como uma esperança — esperança de uma vida melhor, de

um futuro melhor, de que ela pudesse mudar o mundo para

melhor. Todos queremos filhos felizes, independentes e

dedicados. Todos queremos criar filhos que levem vidas de

sucesso e realização. Foi o que senti no momento em que


Susan nasceu, e é o mesmo desejo que une as pessoas de

todos os países e de diferentes culturas. Graças à minha

carreira longa e um tanto incomum como professora,

participo agora de conferências em todo o mundo. Seja

encontrando o ministro da Educação da Argentina,

pensadores da China, seja pais preocupados da Índia, o que

todos querem saber é como ajudar os filhos a levarem uma

vida boa — a serem felizes e bem-sucedidos, a usarem seus

talentos para tornar o mundo um lugar melhor.

Ninguém parece ter uma resposta definitiva. Os

especialistas no assunto se concentram em aspectos

importantes do cuidado com os filhos como sono, criação

de vínculo ou disciplina, mas o conselho que eles oferecem

é muitas vezes restrito e prescritivo. O que de fato

precisamos não são apenas informações limitadas sobre o

cuidado e a alimentação das crianças, por mais importantes

que esses fatores sejam. Precisamos saber como passar para

os nossos filhos os valores e as habilidades para terem

sucesso quando adultos. Também temos de enfrentar as

enormes mudanças culturais dos últimos anos — sobretudo

as tecnológicas e como elas repercutem na criação dos

nossos filhos. Como eles vão ter sucesso na era de robôs e

inteligência artificial? Como vão prosperar na revolução

tecnológica? Essas preocupações são velhas conhecidas dos

pais de todo o mundo. Todos estamos sobrecarregados pelo

ritmo da mudança e pelo desejo de que nossos filhos

acompanhem esse ritmo. Sabemos que nossas famílias e

escolas precisam se adaptar a essas mudanças, mas não


sabemos como, e não sabemos como ser fiéis aos valores

que mais importam para nós e como criar filhos que

tenham sucesso.

Como jovem mãe, eu me sentia da mesma forma —

alguns dos desafios podem ter sido diferentes, mas eram

igualmente intimidantes. Peguei os poucos conselhos e

orientações que consegui encontrar, mas, na maioria das

vezes, decidi confiar em mim mesma. Talvez tenha sido

minha formação como jornalista investigativa ou minha

desconfiança da autoridade que surgia desde a infância, mas

eu estava decidida a descobrir a verdade por conta própria.

Eu tinha minhas próprias ideias sobre o que as crianças

precisavam, e fui fiel a elas, independentemente do que os

outros pensassem. O resultado foi — aos olhos de muitos —

idiossincrático na melhor das hipóteses, ou apenas

estranho. Eu conversava com as minhas filhas como se

fossem adultas desde o primeiro dia. A maioria das mães

busca naturalmente um linguajar infantil — a voz aguda,

palavras mais simples. Eu não. Eu confiava nelas e elas

confiavam em mim. Nunca as coloquei em perigo, mas

também nunca impedi que vivenciassem a vida ou

assumissem riscos calculados. Quando morei em Genebra,

mandei Susan e Janet comprarem pão na padaria ao lado,

sozinhas, quando tinham cinco e quatro anos. Respeitei a

individualidade delas desde o começo. Minha teoria era que

os anos mais importantes eram do zero aos cinco e que eu

as ensinaria o máximo possível desde o início. O que eu

queria mais do que tudo era primeiro torná-las crianças


independentes e, depois, adultas capazes e independentes.

Imaginei que, se conseguissem pensar por conta própria e

tomar decisões sensatas, enfrentariam quaisquer desafios

que surgissem pelo caminho. Eu não fazia ideia na época de

que as pesquisas validariam as escolhas que eu havia feito.

Seguia meus instintos e valores e o que via que dava certo

na sala de aula como professora.

É bem estranho ser uma mãe “famosa” e ter sua família

retratada nas capas de revistas. E definitivamente não

reivindico todo o crédito pelo sucesso delas como adultas,

mas as três se tornaram pessoas talentosas, atenciosas e

capazes. Susan é CEO do YouTube, Janet é professora de

pediatria na Universidade da Califórnia em San Francisco e

Anne é cofundadora e CEO da 23andMe. Elas chegaram ao

topo de profissões ultracompetitivas dominadas por

homens e fizeram isso seguindo suas paixões e pensando

com a própria cabeça. Ver minhas filhas encontrando seu

caminho no mundo com garra e integridade é uma das

maiores recompensas da minha vida. Fico sobretudo

impressionada pela forma como elas competem e

cooperam, concentrando-se não em serem a única mulher

na sala, mas em encontrar soluções para os problemas que

enfrentamos.

Paralelamente, como professora de jornalismo por mais

de 36 anos, fiz algo parecido. Todo semestre, tenho cerca de

65 alunos, do primeiro ao último ano, e, desde o primeiro

dia, trato-os como jornalistas profissionais. Eles trabalham

em grupos e escrevem com prazos. Ofereço apoio e


orientação quando precisam, mas descobri que a

aprendizagem colaborativa baseada em projetos é a melhor

maneira de prepará-los para os desafios que eles vão

enfrentar no jornalismo e na vida adulta. Tive o privilégio

de ver milhares de alunos se sobressaírem graças aos meus

métodos de ensino, e o Facebook me ajuda a manter contato

com eles — até com alunos da década de 1980. Eles

alcançaram conquistas impressionantes e se tornaram

pessoas incríveis. Tive o privilégio de ensinar literalmente

milhares de jovens, incluindo meu primeiro editor-chefe do

jornal estudantil, Craig Vaughan, agora psicólogo infantil do

Stanford Children’s Hospital; Gady Epstein, editor de mídia

da Economist; Jeremy Lin, formado em Harvard e armador

do time de basquete Atlanta Hawks; Jennifer Linden,

professora de neurociência na University College London;

Marc Berman, deputado estadual da Califórnia do distrito

que inclui Palo Alto; e James Franco, ator, escritor e diretor

premiado. Ouvi centenas de alunos me falarem que minha

confiança neles e os valores que ensino na sala de aula

fizeram uma diferença profunda em como se veem e em

quem viriam a se tornar.

À medida que minhas filhas foram se destacando nos

setores de tecnologia e saúde e que meu programa de

jornalismo ganhou reconhecimento nacional e

internacional, as pessoas começaram a notar que eu estava

fazendo algo de diferente. Viram como minha forma de

criar os filhos e meu método educacional poderiam

oferecer soluções para os problemas que enfrentamos no


século XXI e quiseram saber mais. Pais vivem me pedindo —

às vezes implorando — conselhos sobre as estratégias que

usei com as minhas filhas para que eles possam aplicar na

criação dos seus. Professores fazem a mesma coisa,

querendo saber como escapei de ser uma disciplinadora e,

em vez disso, encontrei um jeito de guiar alunos

genuinamente apaixonados pelo trabalho que estão fazendo.

Percebi que, de maneira involuntária, dera início a um

debate sobre como deveríamos criar os nossos filhos e como

tornar a educação relevante e útil. O que ofereço, e o que

tocou tantas pessoas em todo o mundo, é um antídoto para

os nossos problemas educacionais, um jeito de combater a

ansiedade, os problemas disciplinares, as lutas pelo poder, a

pressão dos colegas e o medo de que a tecnologia possa

afetar nosso bom senso e prejudicar os nossos filhos.

Um dos maiores erros que cometemos como pais é

assumir responsabilidade pessoal pelas emoções deles.

Como a dra. Janesta Noland, respeitada pediatra do Vale do

Silício, argumenta: “Os pais são tão pressionados a manter a

felicidade da criança […] que se sentem responsáveis por ela

e querem controlá-la”. Fazemos de tudo para impedir que

nossos filhos sofram ou enfrentem dificuldades, o que

significa que eles nunca precisam lidar com as durezas ou

adversidades da vida. Como resultado, não desenvolvem

confiança ou independência e têm medo do mundo em

volta deles em vez de se empoderarem para inovar e criar.

Outro grande erro: nós os ensinamos a se concentrar quase

exclusivamente em si mesmos e no próprio desempenho —


porque eles devem ter notas perfeitas, entrar em uma

grande universidade, encontrar um ótimo emprego. Eles

ficam tão focados em si mesmos que raramente têm tempo

para pensar em como podem ajudar e servir a outras

pessoas. Generosidade e gratidão são muitas vezes

negligenciadas, embora sejam as qualidades que, segundo

pesquisas, os tornarão mais felizes na vida.

Existe também uma disfunção na sala de aula. Escolas e

universidades ensinam no estilo do século XX basicamente

preparando os alunos a seguir instruções para um mundo

que não existe mais. O modelo expositivo, baseado na ideia

de que o professor sabe tudo e que o papel do aluno é

escutar em silêncio, anotar e fazer uma prova, ainda é

predominante em todo o mundo, embora a tecnologia nos

permita encontrar informações por conta própria — em um

instante, com a biblioteca que temos no bolso: o celular. Os

alunos aprendem sobre assuntos exigidos em vez de através

do aprendizado baseado no interesse ou na experiência. Os

currículos são voltados para exames e avaliações nacionais

em vez de se basearem em projetos que ensinem

habilidades do mundo real e que permitam que os alunos

encontrem sua paixão. E as provas e os exames são as

últimas coisas que promovem paixão ou envolvimento, que

as pesquisas indicam serem a base da educação efetiva e da

felicidade na vida. Acima de tudo, esse modelo antiquado

nos ensina a obedecer — não a inovar ou a pensar de

maneira independente. Quando chega a formatura,

celebramos o fim do aprendizado! Deveríamos estar


celebrando o domínio de habilidades que permitirão a todos

continuar se educando ao longo da vida.

Não é nenhuma surpresa, considerando a forma como

estamos ensinando e educando as crianças, que elas acabem

deprimidas e ansiosas, completamente despreparadas para

enfrentar os desafios normais da vida. De acordo com o

Instituto Nacional de Saúde Mental, 31,9% dos adolescentes

de treze a dezoito anos nos Estados Unidos sofrem de

transtornos de ansiedade, e, quando os pesquisadores

investigaram os problemas de saúde mental que ocorreram

durante 2016, descobriram que 2 milhões de adolescentes

vivenciaram um episódio depressivo. Um estudo brasileiro

de 2016 relatou que quase 40% das meninas adolescentes e

mais de 20% dos meninos adolescentes sofriam de

transtornos mentais comuns como ansiedade e depressão.

Na Índia, um estudo mostrou que um terço dos estudantes

de ensino médio exibiam sintomas clínicos de ansiedade.

Um estudo conduzido pelo Instituto Norueguês de Saúde

Pública descobriu que, entre os participantes de catorze e

quinze anos, mais de 50% relatavam se sentir regularmente

“triste ou infeliz”, e quase metade afirmou se sentir

“inquieto”. Essa epidemia é universal e deve ser um apelo


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para todos agirmos.

Existe uma maneira melhor. Transformamos a educação

dos filhos num esforço incrivelmente complicado e ilógico,

cheio de medos e inseguranças. Ficamos estressados porque

nos tornamos escravos da felicidade deles. Ficamos

preocupados que não tenham sucesso neste mundo


altamente competitivo em que vivemos. Ficamos chateados

quando eles não entram em uma pré-escola prestigiosa ou

ainda não sabem o alfabeto quando todas as outras crianças

parecem saber. Somos nós que estamos criando esse mundo

frenético e demasiado competitivo para nossos filhos. Na

verdade, a educação é bastante simples — a partir do

momento em que redescobrimos os princípios básicos que

permitem que as crianças prosperem em casa, nas escolas e

na vida. Durante as minhas décadas de experiência como

mãe, avó e educadora, identifiquei cinco valores

fundamentais que nos ajudam a nos tornar pessoas capazes

e bem-sucedidas. Para facilitar, me refiro a eles como CRIAR:

Confiança, Respeito, Independência, Amparo e

Reciprocidade

Confiança: Estamos numa crise de confiança universal. Os

pais estão com medo, e isso deixa nossos filhos com medo

— de ser quem eles são, de assumir riscos, de lutar contra

as injustiças. A confiança precisa começar conosco. Quando

somos confiantes nas escolhas que fazemos como pais,

podemos confiar que nossos filhos darão os passos

importantes e necessários rumo à autonomia e à

independência.

Respeito: O respeito mais fundamental que devemos aos

nossos filhos é em relação à sua autonomia e

individualidade. Toda criança tem um dom, e é um dom

para o mundo, e, como pais, é nossa responsabilidade

cultivar esse dom, qualquer que seja. É o exato oposto de

dizer aos filhos o que ser, que profissão seguir, como deve
ser a vida deles: é apoiá-los à medida que identificam e

seguem seus objetivos.

Independência: A independência tem por base um

alicerce forte de confiança e respeito. As crianças que

aprendem autocontrole e responsabilidade logo no início da

vida são muito mais bem preparadas para enfrentar os

desafios da vida adulta, além de ter as habilidades para

inovar e pensar de maneira criativa. Crianças

verdadeiramente independentes são capazes de enfrentar

adversidades, contratempos e tédio, todos aspectos

inevitáveis da vida. Elas se sentem no controle mesmo

quando as coisas em volta delas estão um caos.

Amparo: Amparo e colaboração significam trabalhar

juntos em família, em uma sala de aula ou em um ambiente

profissional. Para os pais, significa ajudar os filhos a

contribuir em discussões, decisões e até mesmo na

disciplina. No século XX, quando a capacidade de seguir

regras era uma das habilidades mais importantes, os pais

estavam no controle absoluto. No século XXI, a imposição

não funciona mais. Não deveríamos dizer a nossas crianças

o que fazer, mas pedir ideias a elas e trabalhar juntos para

encontrar soluções.

Reciprocidade: Estranhamente, temos a tendência de

tratar aqueles mais próximos a nós sem a reciprocidade, a

generosidade e a consideração que oferecemos a

desconhecidos. Os pais amam seus filhos, mas estão tão

acostumados a eles que muitas vezes subestimam o básico

da reciprocidade. E nem sempre somos o modelo da


generosidade como comportamento para o mundo, que

envolve gratidão e perdão, ajuda aos outros e uma

consciência do mundo externo. É importante demonstrar

aos filhos que o mais estimulante e gratificante que se pode

fazer é tornar a vida do outro melhor.

CRIAR são valores essenciais para famílias funcionais e são

também a melhor solução para os desafios que enfrentamos

no meio educacional. As salas de aula mais efetivas são

baseadas em confiança e respeito, incentivam o pensamento

independente e incluem a aprendizagem colaborativa

baseada em projetos que simulam o trabalho no mundo

real. Líderes educacionais estão finalmente começando a

entender que a memorização mecânica e o método

expositivo são de todo inadequados para o ensino de

habilidades no século XXI. Passei mais de três décadas

aperfeiçoando meu modelo de “aprendizado misto”, um

estilo de ensino que dá às crianças algum controle sobre sua

educação e enfatiza o uso responsável da tecnologia.

Professores em todo o país estão copiando meus métodos

agora, e viajo com frequência pela Europa, Ásia e América

Latina, conversando com líderes educacionais e ajudando a

colocar em prática novas políticas governamentais baseadas

nos valores centrais de confiança, respeito, independência,

amparo e reciprocidade.

As empresas também estão reconhecendo o poder dos

valores CRIAR e começando a adotá-los em sua cultura

corporativa. Esses valores não servem apenas para criarmos

filhos felizes e bem-sucedidos, mas com eles também


tiramos o melhor de pessoas de todas as idades. As

empresas buscam funcionários com garra, criatividade,

habilidades de pensamento independente e capacidade de

colaborar e se adaptar a um mundo em constante mudança.

Quando a organização Educational Testing Service conduziu

uma análise da Occupational Information Network, uma

grande base de dados de emprego mantida pelo

Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, descobriu-se

que as profissões atuais exigem cinco habilidades básicas

que se originam dos valores de confiança, respeito,

independência, amparo e reciprocidade: resolução de

problemas, inteligência fluida, trabalho em equipe,

realização/ inovação e comunicação. Pensamento flexível,

resolução de problemas e inovação derivam de uma forte

sensação de independência, a qual, por sua vez, se baseia em

confiança e respeito. O trabalho em equipe e a comunicação

não são possíveis sem a reciprocidade e generosidade e o

espírito de amparo e colaboração necessários para levar em

consideração as opiniões e ideias dos outros. É por isso que

uma rede hoteleira global está usando esse método agora

para treinar e capacitar seus funcionários. É por isso que os

fundadores da Gap, a varejista de roupas mundial,

marcaram recentemente uma reunião comigo e com a

minha filha, na esperança de aprender a criar líderes

empresariais mais bem-sucedidos como ela. E é por isso que

tantas grandes corporações — como a grande empresa de

consultoria internacional Deloitte; o Mercado Livre, a mais

popular plataforma de comércio eletrônico da América


Latina; a Panera Bread, famosa rede de padarias e cafés; e até

o Walmart e o McDonald’s — estão adotando filosofias

como essa e estimulando a independência, a colaboração e a

inovação entre seus funcionários.

Quando discursei na conferência Conscious Capitalism

em 2017 para um salão repleto de líderes empresariais, o

público ficou tão animado com a CRIAR que ninguém queria

ir embora. Conversei com CEOs como John Mackey, da

Whole Foods, e Daniel Bane, da Trader Joe’s, ambas líderes

de cadeias de supermercados conhecidas pela capacitação de

seus funcionários. Amit Hooda, CEO da Heavenly Organics,

uma fabricante de alimentos ecológicos, Jeffrey Westphal,

da Vertex, fabricante de softwares fiscais, e muitos outros

me falaram que queriam ajudar a difundir minha filosofia

pelo mundo. Os valores da CRIAR permearam todas as

discussões nessa conferência, porque precisamos dar voz às

pessoas com quem trabalhamos e colaborar para fazer uma

diferença real. Os líderes com quem me reuni falaram sobre

treinar seus empregados para o século XXI por meio da

aprendizagem prática baseada em projetos, exatamente

como faço em sala de aula na Palo Alto High School.

O grande objetivo da CRIAR é formar pessoas responsáveis

em um mundo responsável. É isso que estamos fazendo

como pais, professores e empregadores — não apenas

criando filhos ou gerenciando salas de aula e reuniões de

conselho, mas construindo os alicerces do futuro da

humanidade. Estamos evoluindo a consciência humana e

fazendo isso de maneira mais rápida do que nunca.


Este livro é sobre como criar pessoas para viverem no

mundo. Ele não apresenta mais uma modinha sobre

educação nem uma receita precisa sobre como colocar o seu

filho na cama — ele mostra aos pais como utilizar uma

filosofia universal de comportamento humano para

confrontar os problemas que enfrentamos hoje e para

preparar nossos filhos para os muitos desafios

desconhecidos que temos pela frente. Ele não oferece um

novo currículo para a sala de aula, mas sim uma nova

maneira de ensinar o currículo, uma nova filosofia de

ensino (na escola e em casa) que leva à emancipação e à

independência e sempre parte de uma base de confiança e

respeito. Nos capítulos a seguir, apresento os princípios

centrais que ajudarão você a criar um lar (ou uma sala de

aula) que possibilite sucesso a você e aos seus filhos.

O que fiz como mãe não é diferente do que outros pais e

mães fizeram no decorrer da história humana quando

foram obrigados a confiar em si mesmos, valorizar a

independência de seus filhos e enxergar a educação como

uma ação comunitária. A melhor prova disso é que a

ciência, assim como a formidável experiência coletiva dos

pais, comprovou a eficácia dos meus métodos em todo o

mundo. Eles foram usados nas minhas turmas nos últimos

35 anos e com as minhas filhas há cinquenta anos. A CRIAR

de fato funciona para todos, qualquer que seja a idade, a

cultura ou as circunstâncias. E nunca é tarde para começar.

Você pode corrigir os erros e deslizes iniciais da educação,

melhorando a sua vida e a do seu filho. O melhor de tudo:


adotar a CRIAR tornará você o tipo de pai que quer ser e o

ajudará a criar o tipo de filho que você quer ter por perto

— um filho que também queira estar perto de você. O tipo

de filho que os outros querem, precisam e valorizam, e o

tipo de filho de que nosso mundo necessita para confrontar

os desafios que enfrentamos como comunidades, como

países e como mundo.

É um prazer e um privilégio compartilhar com você nas

páginas a seguir as histórias e os princípios que derivam da

CRIAR. Espero que eles o guiem de volta a uma confiança

profunda em si mesmo e no seu filho, e sejam memoráveis

para que você possa usá-los para se orientar. Você é o pai de

que seu filho precisa e, com a sua confiança e o seu

respeito, seu filho se tornará exatamente a pessoa que

nasceu para ser.


1. A infância que você
gostaria de ter tido

Todos temos a tendência de criar nossos filhos da maneira

como fomos criados, mas, quando virei mãe, a única coisa

de que eu tinha certeza era que não queria repetir os erros

dos meus pais. Cada um de nós tem traumas e problemas da

infância que influenciam a maneira como nos relacionamos

com nossos filhos e, se não entendermos esses traumas, se

não avaliarmos atentamente o que houve de errado, estamos

destinados a repetir os mesmos erros. Não examinar nossos

padrões e nossa programação inconsciente prejudica nossos

melhores esforços de formar uma família com base na

CRIAR. Como você verá pela minha história, não fui criada

com esses valores fundamentais. Tive de aprendê-los da

maneira mais difícil. Espero que, ao compartilhar minha

experiência de infância e minha visão como mãe, você se

inspire a explorar sua própria história, de maneira a

entender o modelo que viveu e como foi ou não baseado na

CRIAR.
A história da mãe que me tornei começa em um edifício

residencial no Lower East Side, em Nova York. Eu morava

em um apartamento minúsculo de um quarto com os meus

pais, imigrantes judeus russos que migraram para os

Estados Unidos sem nada. Minha mãe, Rebecca, era de

Krasnoyarsk, na Sibéria, um lugar que me parecia

insuportavelmente frio e distante quando eu era pequena.

Ela me contava que lá nevava tanto que toda a casa ficava

coberta. Eles precisavam escavar túneis para sair. Ela era

incrivelmente linda — todos comentam quando veem as

fotos — e tinha um sotaque que ninguém conseguia

identificar, uma mistura de iídiche e russo que puxei, mas

que acabei perdendo quando entrei para a escola. Meu pai,

Philip, era um artista especializado em aquarela e desenhos

em carvão e chegou a ganhar uma bolsa no Instituto

Politécnico Rensselaer. Infelizmente, não pôde aceitar

porque precisava sustentar a mim e a minha mãe. Ele e sua

família tinham fugido das perseguições na região de

Chernivtsi, na Ucrânia, fazendo todo o trajeto a pé até

Viena, onde conseguiram pedir documentos para os Estados

Unidos. Por muitos anos eu duvidei da história de que

tinham caminhado uma distância tão grande. Ele me

contava que puseram todas as suas posses em uma carroça e

a puxaram até as mãos sangrarem. Parecia um exagero

impossível — até eu ler sobre a crise de refugiados sírios e

como eles caminham centenas de quilômetros para fugir da

guerra. Ainda me arrependo de nunca ter agradecido ao

meu pai pelo que fez.


Estávamos sempre à beira da falência. Tirando a arte, meu

pai tinha poucas habilidades — não estávamos exatamente

vivendo o Sonho Americano. Então, quando acabaram os

bicos que ele fazia para nos manter, ele foi seduzido pela

onda de migração para o Oeste e decidiu tentar a sorte na

Califórnia. Parecia a terra do sol, do lazer e da oportunidade.

Parecia possível criarmos uma vida inteira lá. Infelizmente,

nem tudo ocorreu como o planejado.

Ainda não sei por que meus pais escolheram Sunland-

Tujunga, uma comunidade agrícola no nordeste do vale de

São Fernando. A serra de São Gabriel se elevava ao longe, e

as ruas eram largas e de terra. Alguns anos depois, eu e o

meu irmão abrimos um negócio resgatando carros que

atolavam na areia. Acontecia com frequência, e eu ficava

felicíssima em ganhar um dólar toda vez. Havia videiras por

toda parte, assim como pedras cinzentas que desciam

rolando das colinas. Morávamos em uma casinha construída

com essas mesmas pedras e, logo atrás de nós, ficava o

córrego Tujunga, um afluente do rio Los Angeles onde

cascavéis se escondiam entre os pedregulhos gigantes ao

longo da margem.

Meu pai tentou todo tipo de trabalho de arte comercial na

Califórnia, e até procurou emprego na indústria de

entretenimento, sem sucesso. Por fim, foi obrigado a aceitar

um emprego como entalhador de lápides, o qual manteve

pelo resto da vida. Ainda é possível ver as centenas de

lápides que ele entalhou nos cemitérios de toda Los Angeles

— o único legado artístico que deixou. O trabalho era


exaustivo e pagava mal e, à noite, ele chegava em casa, batia

a porta e ficava andando em círculos pela pequena casa, sem

dizer nada. Isso sempre me dava medo. Aprendi a ficar

longe dele. Se não ficasse, me tornaria vítima da sua fúria.

“Quem não bate estraga o filho” era algo que ele me dizia

bastante, e ele falava sério. Minha mãe fazia de tudo para

me proteger dos acessos de fúria dele e até comprava às

vezes algumas das minhas comidas favoritas — gelatina

verde e damascos enlatados —, guloseimas raras que se

tornaram nosso segredo. À noite, eu me sentava no quarto e

fica ouvindo os dois brigarem. Sempre, sempre era sobre

dinheiro.

A parte mais difícil da minha vida era lidar com a

tradição ortodoxa que considerava os homens como os

membros mais importantes da família. E não só da família:

os homens eram os membros mais importantes da

sociedade. Toda a comunidade era centrada nos homens. O

kadish, a oração para os mortos, só pode ser lida por

homens; a Torá, nossos livros sagrados da Bíblia, só pode ser

segurada e lida por homens. Essencialmente, se você quer

falar com Deus, você deve ser um homem. Acho que é por

isso que os homens ortodoxos acordam todas as manhãs e

agradecem a Deus por não terem nascido mulheres.

Eu passava os sábados em uma pequena sinagoga onde

ficava no andar de cima junto com as mulheres e as

crianças. Era sempre quente, mas as mulheres usavam

mangas compridas e cobriam o cabelo como a religião exige

— como mandava a tradição, mas não era nada confortável.


Eu gostava de lá porque podia ficar cochichando com as

outras crianças enquanto os homens rezavam no andar de

baixo. Eles pareciam existir em outro mundo, um lugar em

que eu sabia que nunca poderia entrar.

As mulheres na tradição judaica ortodoxa têm um papel

claramente definido: mães de família. Isso significa que as

mulheres não precisam de educação formal. Precisam

apenas saber cuidar dos filhos e do marido e manter a casa.

Enquanto crescia, me dei conta de que todas as mulheres ao

meu redor ficavam em posições subservientes. Minha mãe

sempre tinha de baixar a cabeça para o meu pai. As

mulheres na sinagoga obedeciam a seus maridos. Meu avô

paterno, Benjamin, que tinha sido rabino, controlava toda a

família. O plano era eu me casar com um judeu rico

quando fizesse dezoito anos e ter muitos filhos. O fato de

que eu tinha outras metas na vida causou uma ruptura na

minha relação com o meu avô, uma ruptura que durou até

sua morte.

A importância dos homens me foi explicada de maneira

marcante quando meu irmão Lee nasceu em 23 de maio de

1945, três dias antes do meu aniversário de cinco anos.

Meus pais o trouxeram para casa no meu aniversário, e mal

pude conter a euforia quando meu pai abriu a porta e guiou

minha mãe para dentro. Ele estava segurando um cesto e,

dentro do cesto, estava meu irmãozinho caçula. Eu o via

como um presente especial para mim. Corri para a frente,

querendo vê-lo de perto, mas meu pai me pegou pelo

ombro e me empurrou para trás. “Não chegue muito perto


do bebê”, ele repreendeu. “Você pode deixá-lo doente.” Parei

no meio do caminho, mais confusa do que magoada. Minha

mãe permaneceu lá, em silêncio. Em seguida, meu pai disse

algo que me espanta até hoje. “Seu irmão Lee é um

menino”, ele disse categórico, “e, em nossa família, os

meninos são mais importantes.” Ele deu essa notícia sem

ter ideia de como isso poderia me afetar. Até hoje, é difícil

para mim imaginar alguém dizer isso a uma menina

pequena. No começo, não entendi direito o que ele quis

dizer — que agora eu estava em segundo plano —, mas

sabia que não era algo bom. Antes do nascimento de Lee, eu

era a queridinha da família, a filha única e o centro das

atenções, mesmo que essa atenção às vezes fosse negativa.

Mas logo descobri como seria. As necessidades de Lee eram

mais importantes do que as minhas. Ele ganhava dezenas de

brinquedos enquanto eu não ganhava nenhum. Ele ganhava

roupas novas em vez das que vinham de segunda mão dos

nossos primos de Nova York. Ele podia comer o quanto

quisesse no jantar, enquanto eu era repreendida por comer

demais.

Lembrando agora, percebo que não fiquei tão chateada

quanto se pode imaginar. Parte do que me ajudou a lidar

com isso foi o amor constante da minha mãe; ela era

paciente, nunca me criticava e fazia eu me sentir

importante apesar do que o meu pai tinha dito. Além disso,

eu gostava muito de Lee. Era um bebê muito fofo e eu

achava divertido brincar com ele. Ele era como um boneco

em tamanho real para mim, e eu adorava ajudar minha mãe


e me sentir como um membro útil da família. Conforme fui

crescendo, passaram a esperar que eu fizesse quase tudo

sozinha porque os recursos eram escassos e toda a atenção

se concentrava em Lee. Mas até isso foi uma bênção

disfarçada porque, mesmo que não fosse a intenção,

desenvolvi minha autonomia a partir de tanta

independência. Aprendi a lavar roupa, louça, limpar a casa,

cozinhar para Lee, cumprir tarefas na rua, fazer a cama e

varrer os pisos e carpetes (não tínhamos um aspirador de

pó). Cresci com a ideia de que era capaz de fazer tudo.

Enquanto isso, Lee cresceu achando que sempre precisaria

de ajuda e apoio. Ele foi mimado a ponto de paralisar, uma

consequência involuntária de toda aquela devoção.

Minha independência, porém, não era aprovada na escola.

Lá, o aprendizado acontecia através da força e da obediência

rigorosa. Eu sempre tinha sido uma estudante contestadora

e cheguei a sofrer com a palmatória do diretor algumas

vezes. A punição física ainda é permitida pela lei em

dezenove estados dos Estados Unidos — fui apenas uma das

muitas crianças que foram submetidas a essa tática

desumana. Muitas vezes, os professores pareciam não ter

ideia do que fazer comigo. Quando eu estava no segundo

ano, minha professora me jogou para debaixo da mesa dela

quando descobriu que eu estava ajudando outros alunos em

vez de ficar olhando para o nada depois de ter completado a

tarefa. Ela ficou ainda mais brava quando acenei para os

meus colegas de lá debaixo. Recebi um “Insatisfatório” em

“Comportamento”, a única nota com que meu pai se


importava. Como você deve imaginar, ele não ficou nada

contente comigo.

A biblioteca pública era meu santuário. Eu adorava calçar

os patins, ir até a pequena biblioteca de Sunland-Tujunga e

ficar sentada com uma grande pilha de livros. Ler me

ajudava a pensar com a minha própria cabeça e me permitia

ver outros mundos, mundos muito diferentes dos meus. Em

um verão, cheguei a ganhar um prêmio por ler mais livros

do que qualquer outro aluno da cidade. Também vendi mais

biscoitos das escoteiras do que qualquer outra menina em

Sunland-Tujunga. Eu não tinha aulas, nem atividades depois

da escola, nem nenhum evento especial, mas a escola

pública me emprestou um violino e pratiquei

obedientemente todas as noites no meu quarto. A música

era e ainda é uma grande paixão para mim. No quinto ano,

eu estava boa o bastante para participar da orquestra da

escola, e tive o prazer de tocar durante todo o ensino

médio. Mesmo na época, eu parecia entender que a música

tornava a vida de uma pessoa pobre mais fácil.

Em 1948, meus pais tiveram outro filho, David, o que

aumentou ainda mais as dificuldades financeiras da família.

Ele era um bebê lindo de cabelos loiros e olhos azuis

translúcidos. Lembro que ele era muito curioso e chorava

bastante. Minha mãe ficou sobrecarregada por cuidar de três

filhos pequenos e não conseguia atender as necessidades de

David. Fiz o possível para ajudá-la. Eu brincava com ele, o

pegava no colo e o carregava pela casa e pelo quintal.


Mostrava minha aroeira favorita perto do córrego e dizia

que, dali a alguns anos, o ensinaria a escalar a árvore.

Um dia, quando David tinha dezesseis meses, estava

brincando no chão da cozinha e encontrou um frasco de

aspirinas. Pensou que fosse um brinquedo e começou a

chacoalhar. Dezenas de comprimidos saíram voando (na

época, não havia tampas de segurança), e ele engoliu todos

antes que a minha mãe visse o que tinha acontecido. Ela

ligou para o consultório médico e a enfermeira a

aconselhou a colocar David na cama e ver como ele estaria

dali a algumas horas (tínhamos apenas um carro, que estava

com meu pai no trabalho). Desconfio que a enfermeira não

deu uma resposta melhor porque não tínhamos como pagar

o valor total na clínica. Minha mãe seguiu o conselho à

risca. Algumas horas depois, David acordou vomitando.

Nós o levamos para o hospital municipal, onde fizeram

uma lavagem gástrica e deram alta para ele. O estado dele se

agravou. Nós o levamos de volta. Disseram que “não havia

leitos disponíveis” (código para “sem comprovação de

pagamento”). Em seguida, o levamos para o Huntington

Memorial, onde também alegaram não haver leitos, e depois

para outro hospital, o St. Luke’s; a essa altura, ele estava tão

mal que os médicos aceitaram tratá-lo. Mas já era tarde

demais: David morreu naquela noite. Quando penso na

minha infância, a emoção mais forte que tenho é a dor

dessa perda, como cobriu nossa casa feito uma nuvem

negra, como meus pais nunca se recuperaram de verdade,

sobretudo minha mãe. A morte de David me impactou


como nenhum outro acontecimento na minha infância.

Exceto um.

Alguns meses depois da morte de David, meu irmão Lee,

que tinha cinco anos na época, desmaiou e caiu no chão da

sala. Minha mãe o pegou e o sacudiu, mas ele não acordava.

Em poucos minutos, comecei a me sentir fraca também. A

essa altura, minha mãe foi inteligente o bastante para sair

correndo da casa, mas me disse para não me mexer. “Deita

na cama e já venho te buscar”, ela disse, levando Lee para

fora às pressas. Eu estava zonza e desorientada, mas me

recusei a obedecer. Meu ceticismo já falava mais alto. Eu me

apoiei nas paredes e, assim que saí de casa, deitei-me no

cascalho do quintal da frente e comecei a recuperar os

sentidos. Vi minha mãe sentada com Lee na trilha de

concreto da garagem. Ele também tinha acordado. Mas

ainda não fazíamos ideia do que estava acontecendo. Minha

mãe ligou para um vizinho e, depois de mais algumas

horas, descobriram que nosso aquecedor defeituoso havia

enchido a casa de monóxido de carbono. Lee era o menor e

o mais vulnerável, por isso foi o primeiro a desmaiar. Eu

teria sido a próxima e, se tivesse ficado na cama como me

mandaram, não teria sobrevivido.

Esse incidente, somado à tragédia da morte de David, me

colocou em um caminho que influenciou muitíssimo o

resto da minha vida. Solidificou minha decisão de pensar

por conta própria independentemente das circunstâncias.

Eu sempre me perguntava o que era lógico, mesmo que

parecesse bobagem, mesmo que tivesse de confrontar meus


pais ou professores. Sentia que precisava disso. Caso

contrário, poderia me machucar ou até morrer — era muito

sério isso para mim. Eu não culpava minha mãe por ela ser

submissa. Não era culpa dela que David tinha morrido, ou

que ela não tenha pensado em tirar todos da casa no

momento óbvio do perigo. No entanto, em certo sentido,

era culpa dela sim, ao menos era o que eu pensava na

infância. Ela era uma vítima da pobreza e uma imigrante de

pouca instrução. Nunca tinha sido ensinada a pensar em

todos os aspectos e confiava cegamente na autoridade por

causa da tradição em que havia sido criada, assim como

muitos na época. Mas ouvir, obedecer e não pensar de

maneira crítica causou a maior perda que uma mãe pode

sofrer. Decidi que queria levar uma vida em que pudesse

tomar decisões inteligentes e não precisasse me preocupar

com dinheiro. Queria sair do mundo em que havia nascido

e decidi fazer isso pensando por mim mesma.

E de fato saí, oito anos depois. Ganhei uma bolsa de

estudos integral na Universidade da Califórnia em Berkeley

— eu não teria como bancar a faculdade de outra forma, já

que meu pai havia me deserdado financeiramente. Segundo

ele, eu deveria me casar com um judeu rico, não ir à

faculdade. Em agosto de 1959, entrei em um ônibus da

Greyhound para Berkeley com minhas duas maletas de mão

e nunca mais olhei para trás. Durante meu segundo ano,

conheci meu futuro marido, Stan, um físico experimental.

Eu estava escorregando por um lance de escadas numa caixa

gigante de papelão — uma noite de segunda-feira normal


no alojamento cooperativo Sherman Hall — e fui parar bem

na frente dele. Nós nos apaixonamos. Percebi que ele

também tinha certo ceticismo em relação ao mundo. Ele

cresceu em Cracóvia durante a Segunda Guerra Mundial,

bem ao lado dos trilhos de trem que levavam judeus para

Auschwitz. Os nazistas ocuparam parte do apartamento da

família dele, obrigando-os a se recolher em dois cômodos

pequenos. Ele, o irmão e a mãe sobreviveram apenas porque

eram católicos. Seu pai trabalhava eLivros no governo

polonês em Londres. Depois da guerra, Stan fugiu para a

Suécia, com a mãe e o irmão, escondendo-se debaixo de

compartimentos de carvão em um navio cargueiro. Em uma

reviravolta trágica, disseram para seu pai que não havia

espaço suficiente no navio e para ele ir no próximo. Não

houve próximo. Ele foi preso no convés pelas novas

autoridades comunistas. Foi mantido como prisioneiro

político até 1955, ano da morte de Stálin. Por motivos

óbvios, Stan tinha uma forte desconfiança das autoridades e

do governo, e também era profundamente cético em relação

a documentos históricos, algo em que eu nunca havia

pensado. Ele sabia por experiência própria que os governos

mudam a história para refletir as visões do vencedor. Faz

sentido ele ter dedicado a vida a estudar neutrinos, as

menores partículas elementares, e a contestar as teorias de

Einstein. Ele buscava as origens do universo, tentando, de

alguma forma, encontrar sentido no mundo.

Depois que nos casamos, Stan recebeu uma bolsa da

Fundação Nacional da Ciência e passamos alguns anos


morando em Genebra e Paris. Primeiro, me matriculei na

Universidade de Genebra na Faculdade de Relações

Internacionais e, depois, na Sorbonne, em Paris. Adorei

morar em Genebra e em Paris e adorei aprender a falar

francês. Depois disso, nos mudamos de volta para Berkeley

e, um ano depois, para Palo Alto, quando ofereceram a Stan

uma vaga de professor assistente de física em Stanford. Não

pretendíamos passar muito tempo porque não seria um

cargo titular, mas, em 1967, ofereceram um cargo de titular

para ele. Ficamos supercontentes. Em 1968, viramos pais.

Nenhum de nós sabia realmente no que estávamos nos

metendo. Foi incrível me tornar mãe, claro, mas era muito

mais difícil do que eu imaginava. Stan se concentrou em ser

o provedor e garantir estabilidade e estrutura para a família.

Seu trabalho como professor em Stanford era extremamente

exigente. Ele vivia sob a pressão de “publicar ou perecer” e

trabalhava o tempo todo. Ele também viajava pelo mundo

para conferências e apresentações acadêmicas. Sua paixão

era a física de partículas, o que implicava visitas a

laboratórios de pesquisa de Brookhaven, em Nova York, o

Fermi Lab, em Chicago, e a Organização Europeia para a

Pesquisa Nuclear, em Genebra. Ainda temos um mapa-

múndi na parede da sala com um alfinete para cada lugar

que Stan visitou. São centenas de alfinetes. Quando estava

em casa, ele era um bom pai — mas quase nunca estava em

casa. Embora eu me sentisse frustrada, e às vezes desejasse

ter mais apoio, aprendi a aceitar.


Coube a mim criar nossas três filhas sozinha. Tive muita

ajuda profissional dos médicos do hospital Kaiser em

Redwood City, na Califórnia, mas eles não davam conselhos

sobre como educar as crianças. Os conselhos das minhas

amigas não atendiam muito às minhas necessidades.

Nenhum dos livros que li fez sentido até eu encontrar o dr.

Spock, o guru dos pais da década de 1960, e seu livro

icônico, Meu filho, meu tesouro: Como criar e educar os filhos. Sua

mensagem me tocou desde o começo. Ele falou comigo e

com milhares de outras mães de primeira viagem:

Você sabe mais do que pensa […]. Você quer ser a melhor mãe possível, mas

nem sempre está claro o que é melhor. Para todo lado que você olhe, há

especialistas dizendo o que fazer. O problema é que eles nem sempre

concordam entre si. O mundo é diferente do que era vinte anos atrás, e as

respostas antigas podem não funcionar mais.

Li essa passagem e senti que ele falava diretamente

comigo. As respostas antigas não funcionavam para mim. A

religião e a cultura com as quais cresci não me valorizavam

como ser humano. Os especialistas e as figuras de

autoridade não tinham os meus interesses em vista. Eu era

a única que sabia o que era melhor para minhas filhas, o

que era certo para mim.

Muitas mães leram o dr. Spock, mas poucas criaram seus

filhos como criei as minhas. Encontrei meu próprio

caminho, acima de tudo me rebelando contra minha

própria infância. Eu tinha medo de cair nos padrões do

passado. Sabia que, se não tomasse cuidado, poderia expor

minhas filhas aos comportamentos e valores que me


causaram tanto sofrimento quando criança. Eu queria

recriar com as minhas filhas o forte laço físico e emocional

que tive com a minha mãe, mas as semelhanças acabaram

aí. De alguma forma, percebi que, se queria fazer as coisas

de outra forma, precisaria tratar minha infância de maneira

consciente. Não li sobre isso. Não foi o dr. Spock quem me

ensinou nem nenhuma outra pessoa. Apenas parecia fazer

sentido. Para mudar, eu não poderia estar no piloto

automático, criando minhas filhas como tinha sido criada.

Precisaria ser reflexiva em vez de reativa. Precisaria de

muita paciência e de força de vontade.

Descobri que minha visão intuitiva é explicada pelo

campo de pesquisa do apego. O apego foi descrito pela

primeira vez por John Bowlby, um cientista britânico cuja

pesquisa dos anos 1950 gerou uma nova visão sobre as

relações humanas. A teoria do apego de Bowlby sugere que

a maneira como interagimos com nossos pais quando

crianças ajuda a determinar nossas relações interpessoais

como adultos, influenciando fortemente o modo como nos

relacionamos com as outras pessoas e, mais importante,

com o nosso cônjuge e com os nossos filhos.

Nos anos 1970, L. Alan Sroufe, psicólogo e pesquisador da

Universidade de Minnesota, começou a coletar dados para o

Minnesota Longitudinal Study of Parents and Children.

Sroufe se inspirou na obra de Bowlby e queria saber se os

padrões de apego da infância poderiam prever o

comportamento na vida adulta. Os resultados desse estudo

contínuo sugerem que o apego da infância influencia, sim,


o nosso comportamento como adultos, em particular nas

categorias de autoconfiança, regulação emocional e

competência social. Sroufe e seus colegas descobriram que

“as experiências de apego proporcionam certos

componentes atitudinais, motivacionais e emocionais

básicos que são uma plataforma para entrar no mundo dos


1
pares e lidar com os desafios que surgirão”. Em outras

palavras, suas experiências de apego na infância serão uma

espécie de bússola para orientar sua vida. Pegue a

autoconfiança como exemplo. O estudo de Sroufe mostrou

que crianças de até cinco anos com padrões de apego

ansiosos e esquivos eram mais dependentes de seus

professores. Outra análise do mesmo estudo mostrou que

crianças vinculadas de maneira segura eram consideradas

mais sociáveis por seus professores do ensino fundamental,

tinham mais amigos aos dezesseis anos e eram mais capazes

de resolver conflitos em seus relacionamentos românticos


2
na fase adulta.

Esses achados confirmam o que todos sabemos ser

verdade: as experiências da infância nos afetam

profundamente na vida adulta. Mas é aqui que as coisas de

fato ficam interessantes. Outra psicóloga pesquisadora, Mary

Main, questionou se esses padrões poderiam mudar no

decorrer da vida e, se sim, de que forma. Para descobrir

isso, ela desenvolveu um questionário chamado “Entrevista

de apego adulto”. Durante essa entrevista, um adulto falaria

sobre suas experiências na infância com um pesquisador,

respondendo a perguntas como: “Você se sentia mais


próximo do seu pai ou da sua mãe e por quê?”, “Quando

ficava triste na infância, o que fazia e o que acontecia?” e

“Como você acha que essas experiências gerais da infância

afetaram sua personalidade adulta?”. Os resultados foram

revolucionários. Main descobriu que os adultos são sim

capazes de mudar e de rever seus padrões de apego no

decorrer da vida. Podemos passar do apego inseguro para o

seguro. Mas como? Descobriu-se que as relações positivas

com pessoas além dos nossos pais (que nos introduzem a

outras formas de apego) ajudam, mas de igual importância

foi a reflexão consciente sobre a própria infância. A análise

de Main mostrou que os participantes que tinham

narrativas coerentes sobre o que havia acontecido com eles

na infância, que falavam de maneira refletida sobre seus

pais e sobre suas dificuldades, foram associados ao apego

seguro — independentemente de terem sofrido

dificuldades, traumas ou perdas na infância. As pessoas com

narrativas menos coerentes, desdenhosas ou contraditórias

foram associadas ao apego ansioso ou inseguro que havia

persistido na vida adulta.

Acho que todos sabemos disso instintivamente. Tendemos

a criar os filhos da mesma maneira como fomos criados,

sobretudo porque esse é o único modelo que temos. Os

valores familiares que aprendemos na infância podem nos

influenciar tão profundamente que talvez nem sempre

consigamos sentir ou entender o grau dessa influência.

Muitas vezes nos pegamos dizendo ou fazendo coisas que

nossos pais faziam e nos perguntando como nossos pais


entraram tanto na nossa cabeça e na nossa pele. Em

algumas famílias, existem ciclos de violência e de abuso

intergeracional, com pessoas que parecem presas dentro dos

mesmos padrões disfuncionais por gerações. Um estudo

mostrou que um terço das crianças abusadas acaba por se

tornar pais negligentes e abusivos.

A primeira coisa que todo pai e mãe deve fazer, portanto,

é refletir sobre suas experiências. Parece simples, mas não

costumamos fazer isso. O psiquiatra e pesquisador da UCLA

Daniel J. Siegel escreve, em O poder da visão mental: “O

melhor previsor da segurança de apego de um filho não é o

que aconteceu com seus pais na infância, mas sim como

seus pais refletiram sobre essas experiências da infância”.

Siegel, Main e outros pesquisadores discutem como essa

experiência de refletir sobre a própria vida resulta em

“apego conquistado”. Todos temos a capacidade de

“conquistar” a segurança através da autorreflexão

consciente, a qual podemos então passar para os nossos

filhos.

Gostaria de saber tudo isso antes. Queria que alguém

tivesse me dito como refletir, que perguntas fazer, que

respostas buscar. De alguma forma, acabei descobrindo por

conta própria. Para começar, eu tinha o meu próprio

laboratório. O que quer que eu estivesse fazendo estava

dando certo: minhas filhas eram felizes, prósperas, capazes.

Mas foram muitos os desafios que não tive como prever.

O que descobri, através de muito esforço consciente, é

que sermos pais nos dá talvez a oportunidade mais


profunda de crescer como seres humanos. Como o dr. Siegel

alerta em Parenting from the Inside Out [Criando filhos de

dentro para fora]: “Quando os pais não assumem

responsabilidade por seus próprios problemas mal

resolvidos, eles perdem uma oportunidade não apenas de se

tornar pais melhores, mas também de dar continuidade a

seu próprio desenvolvimento”. Em outras palavras, se você

não agir como seu próprio terapeuta e questionar a sua

infância, você não será o melhor pai que pode ser. Como

pais, conseguimos entender as dificuldades que nossos pais

enfrentaram que podemos não ter reconhecido quando

crianças. A perspectiva infantil é míope, e era impossível

para nós na infância entender todos os fatores que

influenciaram o comportamento dos nossos pais.

Nossas memórias também podem ser distorcidas. Quando

adulta, voltei para aquela casa de pedras em Sunland. Na

minha lembrança, era uma casa grande com um quintal nos

fundos que se estendia até os sopés das montanhas. Mas,

quando voltei a vê-la, fiquei chocada com como era

pequena. Eu não conseguia acreditar que nós cinco

tenhamos morado ali. O quintal dos fundos era um lote

estreito que se estendia só até a próxima fileira de casas

pequeninas de um único andar. Os eventos trágicos que

aconteceram ali tiveram uma importância tão profunda em

minha vida e minha visão de mim mesma que eu havia

criado uma casa gigante na minha cabeça, e, na realidade,

havia apenas essa casinha humilde de pedras para uma

família de poucos recursos. Ver a casa me ajudou a


reconhecer as dificuldades que meus pais deviam ter

sofrido. Vi meu pai em parte como vítima de suas

circunstâncias, como tantos outros pais imperfeitos. Ele

tinha uma vida de trabalho árduo combinado com raiva

contra um mundo que nunca o apoiou. Por nós, ele desistiu

do seu sonho de ser artista. Veio de uma cultura que

moldou seu comportamento autoritário. Entender isso me

permitiu perdoá-lo. Eu havia sido bem-sucedida apesar das

ideias que ele tinha para a minha vida e, no fundo, sabia

que perdoá-lo me daria a chance de seguir em frente.

É através da criação dos filhos que a cultura é transmitida

para a próxima geração. Essa é a sua chance de passar

adiante seus princípios e valores básicos e de usar toda a sua

sabedoria e discernimento a fim de melhorar a vida de

outra pessoa. É também sua chance de causar um impacto

na eternidade. Lembro de uma das minhas frases favoritas

sobre a arte do ensino: “Os professores afetam a eternidade;

eles nunca saberão onde acaba a sua influência”. O mesmo

vale para a educação dos filhos. Você nunca sabe como a sua

paternidade vai influenciar as gerações futuras.

Acho que a questão mais importante que precisamos nos

perguntar é se os princípios e valores que estamos passando

para os nossos filhos são éticos e se são visões que

queremos perpetuar na sociedade. Somos todos parte de

uma comunidade, parte de um país, parte de um planeta.

Você está ensinando aos seus filhos as coisas que quer vê-

los ensinar aos filhos deles? Isso vai melhorar a vida deles, a

cultura, o mundo?
Mesmo depois de abandonar a tradição ortodoxa,

continuei sofrendo discriminação de gênero — como

repórter, não fui aceita no Clube de Imprensa de San

Francisco porque eles só aceitavam homens. Não podia ter

um cartão de crédito em meu nome nos anos 1970. Era fácil

para mim querer um caminho diferente para minhas filhas,

um caminho em que elas pudessem ser quem gostariam,

um caminho em que não fossem subservientes a seus

maridos, em que tivessem voz ativa e uma paixão na vida.

Eu queria que minhas filhas tivessem algum controle desde

cedo e estava determinada a desenvolver suas habilidades de

tomada de decisões. Sempre perguntava: “Quer uva ou

maçã?”, “Quer fazer artesanato ou brincar lá fora?”. Eu as

ajudei a serem boas em tomadas de decisões desde pequenas

e, agora, cerca de quarenta anos depois, fico maravilhada ao

vê-las tomarem algumas das decisões mais complicadas e

impactantes nos ramos da saúde e da mídia. O que isso tem

a ver com você, caro leitor? O principal objetivo deste livro

é ajudar você a entender, refletir e colocar em prática

estratégias efetivas de educação que vão afetar

positivamente você, seus filhos, sua família, a sociedade e as

gerações futuras.

Eu sabia que não seria fácil chegar lá, mas queria tentar

mesmo assim. Contudo, sabia que a cultura familiar pode

ser algo difícil de mudar ou de rever. Os valores familiares

que aprendemos na infância podem nos afetar tão

profundamente que nem sempre conseguimos notar ou

entender o grau dessa influência. Uma criança autônoma e


com propósito tem uma influência positiva sobre você, sua

família, sua comunidade e o mundo todo. É um forte efeito

cascata, que começa dentro de casa.

QUESTIONÁRIO CRIAR

Posso ter aprendido tudo por conta própria, mas sou a

primeira a admitir que a educação das minhas filhas teria

sido muito mais fácil com um pouco de orientação.

Portanto, é isto que gostaria de oferecer a você —

orientação. A seguir, você vai encontrar uma série de

perguntas para ajudar a pensar sobre suas experiências e de

que forma elas se alinham aos valores que levam ao sucesso

ao longo da vida. Também vai olhar para os valores do seu

parceiro e os da sua comunidade, ambos capazes de

influenciar profundamente a maneira como você cria seus

filhos. Esse tipo de reflexão pode ajudar em todos os

estágios da criação dos filhos, quer você esteja esperando

seu primeiro bebê, confrontando problemas com um

adolescente rebelde ou tentando recuperar uma relação com

um filho adulto. Também pode ser útil se você for

educador, avô ou avó, ou outro responsável pelo bem-estar

de crianças. Todos precisamos de confiança, respeito,

independência, amparo e reciprocidade, e todos precisamos

nos conscientizar desses valores importantes a fim de

colocá-los em prática.

Use as questões a seguir conforme avança pelos próximos

capítulos. Minha esperança é que, ao respondê-las, você


descubra quais aspectos da sua infância deseja manter e

quais pretende abandonar. Você pode querer refletir sobre

eles, anotar em um diário ou discuti-los com seu parceiro

ou com um amigo de confiança.

1. SUA FAMÍLIA

Os valores de CRIAR eram estimulados ou desestimulados

em sua família? O que poderia ser melhorado ou revisado?

Confiança: Sua casa era um ambiente de confiança? Você

confiava nos seus pais quando era criança? Eles confiavam

em você? Como a confiança era demonstrada em sua

família? Houve alguma quebra de confiança? Se sim, como

foi resolvida? Como você pode melhorar o que aprendeu

sobre confiança quando era pequeno? Que tipo de ambiente

de confiança quer criar para os seus filhos? Quais são as

pequenas coisas que você pode fazer para ajudar a

desenvolver confiança em seus filhos? Faça uma lista.

Respeito: Você se sentia respeitado quando era pequeno?

As suas ideias e opiniões eram levadas em consideração?

Você se sentia um membro importante da família? Sentiu-

se desrespeitado em algum momento? Se sim, conseguiu

recuperar o respeito? De que maneira? Como você pode

aprimorar o que aprendeu sobre respeito quando era

criança? Quais são as pequenas coisas que pode fazer para

ajudar a mostrar aos seus filhos que os respeita? Pode ser

tão simples quanto deixar que vistam o que quiserem em

uma ocasião especial ou deixar que ajudem a criar o

cardápio para o jantar. Faça uma lista.


Independência: Você tinha uma forte sensação de

independência quando era criança ou dependia dos seus

pais para atividades diárias como refeições, limpeza e lição

de casa? Que atitudes seus pais tomavam para estimular sua

independência? Como você pode melhorar o que aprendeu

sobre independência na infância? O que pode fazer para

ajudar a promover a independência de seu filho?

Amparo: Havia um ambiente colaborativo em sua casa?

Como seus pais estimulavam você a ajudar? Você se sentia

como se sua família funcionasse como uma equipe, ou

normalmente havia uma única pessoa no comando? Como

você pode melhorar o que aprendeu sobre amparar os

outros quando era criança? Que pequenas coisas você pode

fazer para estimular a colaboração? Que tal fazer seus filhos

trabalharem em um projeto comunitário da escolha deles?

Reciprocidade: Como a reciprocidade era demonstrada em

sua casa? Você foi ensinado a valorizar e ser grato pelo que

tinha? Foi criado com uma noção de servir aos outros em

sua comunidade? Como pode melhorar o que aprendeu

sobre generosidade e reciprocidade na infância?

2. SUA CULTURA

A sua comunidade, sua cultura e sua religião também

influenciam profundamente a maneira como você cria seus

filhos.

Quais são os pressupostos sobre criação de filhos em sua

comunidade e sua religião (se você tiver uma)?

Com o que você concorda? Com o que você não

concorda?
Quais práticas estão evoluindo e quais precisam ser

contestadas? Por exemplo, os pais superprotetores, que

eliminam todos os obstáculos para seus filhos, nunca os

expondo a nenhum tipo de risco. Como você pode

introduzir experiências que ensinem às crianças garra e

independência? O que em sua cultura os detém?

Quais práticas e crenças se alinham aos valores de CRIAR?

Quais não?

3. A FAMÍLIA E A CULTURA DO SEU PARCEIRO

Se estiver criando seus filhos com um parceiro, vocês

devem responder a essas perguntas juntos para determinar

como vão agir em equipe. Sugiro que tenham uma conversa

(e não uma briga) sobre os prós e contras de diferentes

formas de educar os filhos — e é melhor que façam isso o

quanto antes. Quais são os melhores aspectos da forma

como vocês foram criados? Que ideias e práticas do seu

parceiro podem ajudar seu filho a ter sucesso? Vocês

conseguem encontrar uma filosofia que combine os pontos

fortes de cada estratégia? Eu e Stan não fazíamos ideia de

que tipo de pais seríamos. Descobrimos que tínhamos

estilos muito diferentes de educação, o que não surpreende,

considerando que ele cresceu em uma cultura muito

diferente da minha, com o pai eLivros em Londres. Ele, a

mãe e o irmão ficaram no interior da Polônia, rezando para

evitar bombardeios. Então, quando começamos a criar

nossos filhos, Stan tinha algumas ideias polonesas um tanto

rígidas sobre como fazer nossas filhas se comportarem.

Palmadas eram consideradas normais na cultura polonesa.


Mas, tendo apanhado na infância, eu não achava isso

aceitável nem benéfico. Sei que é difícil resistir às palmadas

porque, mesmo com minha atitude positiva, eu às vezes

lutava para resistir ao impulso. Mas queria ter uma relação

emocional com as minhas filhas. Queria tratá-las com

carinho. (Ganhei a discussão em parte porque Stan vivia

longe: vitória por W.O.) As diferenças na criação dos filhos

são um dos principais fatores da tensão nos

relacionamentos e podem até resultar em divórcio.

Procurem entender os valores e as bases da infância e da

cultura um do outro. A CRIAR não é uma abordagem

específica de alguma cultura. São valores universais que

existem em todas as culturas do mundo e são cada vez mais

considerados como a base da saúde, da felicidade e do

sucesso no mundo de hoje — e de amanhã.

OBSERVAÇÃO FINAL: ACEITE-SE — NINGUÉM É

PERFEITO

Os pais são humanos: apesar de toda reflexão e

planejamento, você vai cometer erros. Eu cometi vários.

Castiguei a filha errada por algo que outra havia feito, ou

fiquei brava sem motivo, ou usei o xampu errado que

acabou entrando no olho delas. Em uma viagem de trailer

pelo interior de Palo Alto até Chicago, Anne parecia que

tinha picadas nas pernas e no corpo todo, então fiquei

borrifando repelente nela, achando que ela havia sido


picada por pernilongos. Passei dias fazendo isso até

descobrir que ela estava com catapora!

Nós nos mudamos para Genebra, na Suíça, quando minha

filha Anne era bebê e Janet estava com apenas três anos.

Janet teve muita dificuldade para se acostumar com a

irmãzinha nova — ela ficava me perguntando se levaríamos

Anne de volta para o hospital! “Cansei de brincar com ela,

mamãe”, ela dizia. Ela também foi confrontada por uma

nova cultura (a suíça) e uma nova língua (o francês). O que

ela mais precisava naquele período era segurança e, no

entanto, seu mundo havia mudado num piscar de olhos.

Subestimei o quanto isso seria difícil para ela e para todos

nós. Entretanto, como em todas as famílias, fizemos a

melhor escolha que podíamos na época, e quem vai dizer

que essas experiências não a ajudaram a desenvolver garra e

independência?

Minhas filhas adultas ainda fazem piadas sobre o que eu e

Stan fizemos de errado como pais. Anne deveria ter feito

mais aulas de tênis, Susan deveria ter feito mais aulas de

arte, e Janet deveria ter feito mais aulas de piano. Elas

sempre falam que deveríamos ter adotado outro cachorro.

(Tudo bem, essas são piadas de adultas felizes e bem-

sucedidas. Cometi erros sérios também, acredite em mim.)

Nossa intenção não é criar um ambiente sem estresse ou

dificuldades para os nossos filhos. É através das experiências

dolorosas e difíceis que crescemos. Nossa intenção não é

remover essas dificuldades e, junto com elas, o crescimento

dos nossos filhos — o erro fatal dos pais-helicópteros —,


mas ajudá-los a enfrentar as dificuldades e aprender a partir

delas. Não precisamos ser perfeitos, mas devemos garantir

que nossos filhos possam usar os valores da CRIAR para

perseverarem mesmo diante da adversidade.

Não existe pai, esposo ou filho perfeito. Cada um dá o

melhor de si. O que você deve fazer é usar os valores da

CRIAR de forma coerente e não desistir. Não se recrimine

quando cometer erros. A primeira pessoa que você precisa

perdoar é você mesmo. A vida pode ser complicada e difícil.

Se fizer algo contraproducente como pai, reconheça o erro e

tente evitá-lo no futuro. É possível que o cometa de novo. E

de novo. Leva tempo para aprender quando somos pais,

assim como leva tempo para os nossos filhos aprenderem.

Concentre-se em desenvolver relações íntimas com os seus

filhos e educá-los com os valores da CRIAR para que tenha

orgulho das pessoas que eles venham a se tornar. Todos

queremos educar bons seres humanos.

Cada um de nós tem uma história. Todos sofremos

traumas e, em muitos casos, tragédias. Decidi fazer o

melhor possível para não recriar minha infância, mas

também entendi que as minhas filhas enfrentariam

dificuldades por mais que eu tentasse evitá-las. Não era

minha função ser perfeita ou tornar a vida delas perfeita,

mas sim fazer minha própria reflexão e poupá-las de

qualquer sofrimento desnecessário. Aconselho que, à

medida que formos explorando os valores neste livro, você

continue questionando e examinando suas próprias

experiências. Pense no que poderia ser melhorado e de que


maneira. E esteja disposto a mudar: por você, por seus

filhos e pelo mundo.


CONFIANÇA
2. Confie em si mesmo,
confie em seu filho

Ser pai ou mãe é difícil. Ser avó também não é

brincadeira.

Era de manhãzinha em San Francisco, e o trânsito estava

intenso. Eu cuidava dos meus netos durante a semana

enquanto minha filha Janet trabalhava com nutrição infantil

em Ruanda e no Quênia. Minha primeira tarefa era levar as

crianças para a escola, o que parecia bastante simples, se

não fosse pelo trânsito na área da baía de San Francisco. E

pelo fato de que eles frequentavam escolas em lados opostos

da cidade. E pelo fato de que eu tinha acabado de deixar um

deles na escola quando descobri que tinha de voltar para a

escola do outro para levar a lição de casa que ele havia

esquecido no quarto.

Às dez horas eu não precisava mais dirigir, mas era hora

de levar o cachorro para passear, dar os antibióticos para os

dois gatos da família, que haviam contraído uma infecção

assim que Janet saiu de viagem, e lavar a louça do café da

manhã. Eu me perguntei mais uma vez como ela conseguia


dar conta de tudo isso diariamente. Por si só, o trânsito já

era o bastante para acabar comigo. É por isso que a maioria

dos pais por ali medita — ou todos estaríamos enfrentando

processos de violência no trânsito.

Minhas filhas iam a pé para a escola sozinhas, mas os

tempos mudaram.

No dia seguinte, sábado, o caos foi ainda maior, mas era

de outro tipo. Eu estava ajudando minha filha Susan, além

de cuidar dos filhos de Janet. Susan me pediu para levar

suas filhas para a Target para comprar material escolar. O

filho de Janet precisava cortar o cabelo.

Já tinha passado da hora: ele estava parecendo um

cachorro desgrenhado.

O trânsito estava um pouco melhor no bairro residencial

de Los Altos, mas, com tantas tarefas diante de nós, decidi

que esse sábado em particular seria uma excelente

oportunidade para transformar um dia de motorista em um

dia de aprendizado.

Por que não mostrar às crianças que eu confiava nelas?

Menos trânsito. Mais confiança. Mais diversão para elas.

Todo mundo sairia ganhando.

Levei meu neto (de doze anos) ao salão de cabeleireiro e

deixei que cuidasse do corte sozinho. Ele sabia exatamente o

estilo que queria e fazia um ano que frequentava o mesmo

salão de tempos em tempos. Em seguida, levei minhas duas

outras netas (as duas de oito anos) à Target. No caminho,

repassamos a lista dos materiais de que precisavam, a qual

elas salvaram no celular. O plano era que me encontrassem


no caixa dali a uma hora e me mandassem mensagem. Eu

entraria e pagaria com o meu cartão de crédito, mas era

responsabilidade delas não deixar faltar nada da lista. Se

precisassem de mim, me ligariam. Mas eu tinha certeza de

que elas ficariam bem. Eu já tinha feito compras com as

duas dezenas de vezes. Tinha lhes ensinado como se

comportar em lojas, usar um carrinho de compras,

permanecer juntas e encontrar o que precisavam. Tinha

ensinado as mesmas habilidades para as minhas filhas. Elas

haviam aprendido a fazer compras desde cedo no bazar

Patterson na California Avenue, a cerca de um quilômetro e

meio da nossa casa em Palo Alto. Elas iam sozinhas de

bicicleta e agonizavam — por horas — sobre qual

brinquedinho ou doce comprar com sua mesada. Elas

tinham de garantir que suas compras custassem menos de

um dólar, o que envolvia contas minuciosas e decisões

difíceis. Voltavam para casa muito orgulhosas de si mesmas,

radiantes e carregando seus saquinhos de papel cheios de

mercadorias. Talvez eu sempre tenha sido uma professora

no fundo, e sempre vi as compras como uma oportunidade

de capacitar as crianças, além de elas se divertirem um

pouco. Por que não ajudá-las a aprender as habilidades para

a vida desde pequenas? E por que se estressar sobre as

tarefas que você tem de fazer quando pode transformar cada

trajeto em uma pequena aventura?

Fiquei olhando minhas netas atravessarem as portas de

vidro da Target, sentindo o mesmo orgulho que sentia com

as minhas filhas anos antes. Voltei de carro até o salão de


cabeleireiro. Meu neto estava me esperando, como

planejado, com o cabelo comprido e desgrenhado

transformado em um corte curto que o fazia parecer um

homenzinho elegante. De volta à rua, ouvimos Beyoncé no

rádio e, no fundo da minha mente, fiquei pensando no que

comeríamos no jantar. Tínhamos acabado de chegar à Target

quando meu celular tocou.

Era Susan. Contei sobre o lindo corte novo do meu neto,

e ela perguntou onde as meninas estavam.

“Estão fazendo compras na Target”, respondi.

“Você deixou as duas sozinhas? Como pôde fazer isso?”

Fiquei surpresa com o espanto dela. Ela estava falando da

Target como se fosse um lugar perigoso, onde as crianças

nunca deveriam ser deixadas sem supervisão.

“É a Target”, eu disse. “É uma loja bem administrada.”

“Mas mãe…”

“E as meninas sabem fazer compras sozinhas. Vão me

mandar mensagem quando acabarem.”

Susan foi educada — controlada pode ser uma palavra

melhor — mas ficou brava. Entrei no estacionamento e vi

as meninas esperando lá dentro. Desligando o motor, disse a

Susan que elas estavam bem.

“Você não deveria tê-las deixado lá”, ela disse. “Não é

seguro.”

“Bom”, eu disse, caminhando em direção à entrada com

meu neto, “para mim elas parecem bem seguras.”

No fim, deu tudo certo. Susan ficou estressada por alguns

minutos — muito estressada —, mas liguei para ela


enquanto estávamos no caixa para confirmar que as crianças

estavam bem e tinham feito um ótimo trabalho na escolha

do material escolar. Minhas netas adoraram, aliás. Elas

tinham se divertido muito fazendo compras sozinhas e se

sentiram independentes. Susan teve uma espécie de

revelação também: as crianças eram mais capazes do que ela

imaginava.

Não estou sugerindo que todos larguem seus filhos

imediatamente sem supervisão em qualquer loja do mundo

— mas a questão de onde nossos filhos estão seguros, e

onde não estão, é importante. Assim como o grau em que

podemos confiar que se resolvam sozinhos. Essas listas de

compras de volta às aulas (motivo de estresse para pais de

todo o mundo) são um ótimo ponto de partida.

A CRISE DE CONFIANÇA

Todos os pais e mães precisam entender o seguinte: a era

digital e a facilidade de transmissão de informações

resultaram em uma crise de confiança que está afetando a

forma como vivemos e como criamos nossos filhos. Não

confiamos em nós mesmos nem em nossos instintos, temos

dificuldade para confiar em nossos parceiros e filhos, e

muitos vivem com medo de seus vizinhos e concidadãos.

Mas viver sem confiança é terrível. Nos torna desajustados.

Ficamos tão apavorados e nervosos — e o que fazemos?

Passamos esse medo e essa ansiedade para os nossos filhos.

Eles crescem nervosos e com medo, assim como nós, e nos


perguntamos por que cada vez mais as crianças são

incapazes de fazer a transição para a vida adulta. Se você

acha que essa é uma questão que afeta apenas as famílias,

está enganado. A erosão global de confiança é ruim para a

saúde mental, para os relacionamentos, para as empresas e

para as relações internacionais, e é sobretudo ruim para a

democracia.

A desconfiança entrou em todas as esferas da nossa vida.

O Edelman Trust Barometer, um índice da confiança média

do público em geral nas instituições, verificou que os

Estados Unidos caíram nove pontos na Escala de Confiança

Global, a maior queda em confiança já medida no país. A

Itália caiu cinco pontos, e a Irlanda, a África do Sul, a

Polônia e a Rússia ficaram em último lugar em termos de

confiança pública. O mesmo acontece com as nossas

vizinhanças. Um relatório recente da Pew Research

verificou que apenas 52% dos norte-americanos confiam em

todos ou na maioria de seus vizinhos. Ainda mais

perturbador, apenas 19% dos millennials acreditam que é

possível confiar na maioria das pessoas — uma

porcentagem mais baixa do que em todos os outros

segmentos da população.

Aqui em Palo Alto — talvez um dos lugares mais seguros

dos Estados Unidos —, quase nunca vejo crianças brincando

na rua ou indo a pé para a escola. Na época em que as

minhas filhas eram pequenas, havia crianças por toda parte.

Tínhamos uma placa na rua que dizia “Devagar, crianças

brincando” para alertar os motoristas. Essas placas não


existem mais. As crianças brincam nos quintais ou, com

mais frequência, dentro de casa em frente ao celular.

Quando se trata dos filhos, não confiamos nos nossos

vizinhos e definitivamente não confiamos nas creches. É

por isso que os blogs sobre criação de filhos estão cheios de

posts como “Você pode confiar na sua babá?” e “Dez coisas

que sua creche não quer que você saiba”. Devemos instalar

câmeras para monitorar a situação. Fazemos isso até com

creches para cães!

Os efeitos nas escolas são igualmente perturbadores. Os

professores não têm permissão de ficar numa sala a sós com

um aluno. Recebemos ordens de nunca abraçar os alunos.

Quase tive problemas na Palo Alto High School por dar uma

carona — até se provar que o aluno em questão era meu

neto que tinha ido assistir a minha aula naquele dia. Não

confiamos que os professores cumpram seu trabalho. É por

isso que os enchemos de exames estaduais. Ninguém parece

ter confiança que os professores estão ensinando o que

devem ensinar, de modo que, quando um aluno vai mal na

prova, acredita-se que a culpa seja do professor, e não do

currículo ultrapassado ou da falta de recursos. Os pais não

confiam em ninguém na escola — administradores,

professores, nem mesmo em outros alunos e seus pais.

Quase 50% dos professores abandonam a profissão depois

de cinco anos. Eles citam a falta de confiança e de respeito

como um dos principais motivos para abandonar a

profissão. Em muitos estados, temos uma grande escassez

de professores, o que parece estar se agravando.


Ora, também estou exposta ao ciclo de notícias 24 horas

por dia, como todo mundo. O tempo todo ouço histórias

que me assustam e entendo que os pais tenham medo. Ter

medo é normal, ainda mais em um mundo com tanta

desconfiança, tanta incerteza. Dia desses, inclusive,

encontrei uma ex-aluna com seu bebê de dois meses e,

enquanto conversávamos, ela comentou do seu receio de ter

um filho neste mundo sem segurança. Isso foi em Palo Alto,

por favor. Estamos exagerando a partir do que lemos na

internet. Estamos lendo muitas coisas assustadoras,

assistindo a muitos noticiários assustadores. Como já morei

na França e na Suíça, e por ter viajado por todo o mundo

para dar palestras, tenho a impressão de que os norte-

americanos são mais medrosos do que a maioria das

pessoas. Por isso, é importante que olhemos de verdade para

as estatísticas e questionemos nossas ideias de quão perigosa

de fato é a nossa vida. No livro surpreendente de Steven

Pinker, O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do

humanismo, ele aborda diretamente essas suposições. Sobre

nossos medos de que o mundo esteja ficando menos seguro,

menos previsível, menos acolhedor, ele afirma:

Ao contrário da impressão que os jornais podem dar — de que estamos

vivendo em um tempo de epidemia e guerra e crime —, as estatísticas

mostram que a humanidade está ficando melhor, que estamos vivendo mais,

que estamos combatendo menos guerras, e que menos pessoas estão sendo

mortas nessas guerras. Nossa taxa de homicídio é baixa. A violência contra

mulheres é baixa. Mais crianças estão frequentando a escola, incluindo

meninas. A maior parte do mundo é alfabetizada. Temos mais tempo de lazer

do que nossos ancestrais. As doenças estão sendo dizimadas. As fomes estão

ficando mais raras, então quase tudo que poderia medir o que se poderia
chamar de bem-estar humano melhorou não apenas ao longo dos últimos

dois séculos, mas também ao longo das últimas décadas.1

Nossas instituições também refletem isso. Dados do FBI e

do Bureau of Justice Statistics mostram que os crimes

violentos e contra propriedades caíram desde 1990, embora

a maioria dos norte-americanos — seis em cada dez —

acreditem que a taxa de criminalidade esteja crescendo a

cada ano. O Office of Juvenile Justice and Delinquency

Prevention declara que, entre 1999 e 2013, tanto a taxa de

crianças desaparecidas como o número de denúncias de

desaparecimentos de crianças para a polícia diminuíram. Os

relatórios de pessoas desaparecidas e não identificadas do

National Crime Information Center mostram que o número

de crianças desaparecidas com menos de dezoito anos caiu

de 33 706 em 2016 para 32 121 em 2017. Além disso, o

National Center for Missing and Exploited Children

confirma que os casos de rapto parental e fugitivos são

muito mais comuns do que os de sequestros por estranhos,

o tipo mais temido.

O que Steven Pinker argumenta ao longo de centenas de

páginas, e o que todos os dados mostram, é que existe uma

tendência clara de redução da violência ao longo do tempo.

Sim, sei que estamos saturados por tiroteios em escolas e

julgamentos de pedófilos e uma miríade de outras notícias

que podem aterrorizar você como pai ou mãe. Na imprensa,

as más notícias vendem melhor do que as boas, e cada

tiroteio pode se tornar uma matéria enorme na câmara de

eco das redes sociais. Pode ser muito difícil aceitar que o
mundo está mais seguro do que nunca quando ouvimos

uma história assustadora após a outra. Mas é verdade. Todos

precisamos respirar fundo. Aqui vão algumas frases simples

que você deve ler e repetir consigo mesmo:

A maioria das pessoas é confiável.

A última coisa que você quer ensinar para o seu filho é

que não se pode confiar nas pessoas em geral ou

superprotegê-lo a ponto de que ele não tenha a

independência necessária para sobreviver por conta própria.

E o que queremos não é que os nossos filhos tenham uma

mente aberta para o mundo em vez de se fecharem para as

possibilidades da vida?

Precisamos começar em algum lugar. Temos de combater

todos esses medos e restabelecer a confiança em nós

mesmos e no mundo ao nosso redor. A solução começa em

casa, o que significa que começa com você.

CONFIE EM SI MESMO

Uma cultura de confiança em sua família pavimenta o

caminho para todos os valores subsequentes que vamos

explorar. Como já afirmei, talvez nem todos consigamos

confiar no condicionamento dos nossos pais — ou seja,

podemos não querer repetir tudo da forma como fomos

criados. Mas, se você e seu parceiro fizerem o trabalho de

examinar seu passado e honrarem os valores humanos

fundamentais representados pela CRIAR, pode confiar em

seus instintos sobre a criação dos filhos.


Não só pode como deve. Por quê? Porque você é a única

pessoa que realmente sabe o que funciona melhor para a

sua família. Você pode descobrir, como eu, que a filosofia de

criação dos filhos em sua cultura não é uma boa opção.

Tampouco é o que o seu pediatra lhe fala para fazer, ou o

que todos em sua vizinhança estão fazendo. Você é o

principal especialista em sua família, o que significa que

sabe melhor do que todos os outros especialistas em

educação, incluindo eu. Estou escrevendo um livro sobre

educação, mas não conheço você nem seus filhos. Apenas

você pode determinar a melhor maneira de aplicar os

princípios que descobri. Minha intenção aqui é oferecer as

diretrizes — não recomendações prescritivas — e permitir

que você confie no seu próprio conhecimento, porque, se

não confiar em si mesmo, não vai conseguir inspirar

confiança em seus filhos.

Contudo, sei como isso é difícil. Do ponto de vista social,

pode ser desafiador não seguir as regras e fazer o que todos

ao seu redor estão fazendo, ainda mais quando seus filhos

não se enquadram nessas regras. Ainda mais quando

surgem problemas. Temos medo de que nossos filhos

fracassem, e os fracassos deles serão culpa nossa. Somos

dominados pelo receio de não saber o que estamos fazendo,

mas temos certeza de que, o que quer que escolhamos,

vamos estragar tudo.

A cultura nos treinou a pensar que precisamos consultar

um especialista para cada problema ou dificuldade. Quando

o assunto são crianças, há especialistas em transtorno do


déficit de atenção com hiperatividade, em autismo,

psicólogos, psiquiatras e diversos tipos de médicos. Algumas

famílias têm tutores para cada criança, cada série, cada

assunto em particular. Todos esses conhecimentos

específicos e especializados comprometem nossa capacidade

de pensar por conta própria como pais e tomar as melhores

decisões para os nossos filhos. De alguma forma somos

convencidos de que todas essas outras pessoas sabem mais

do que nós.

Mas não é verdade.

Você precisa confiar que sabe o que é melhor para o seu

filho e para a sua família.

COLOQUE EM PRÁTICA

Meu neto Ethan ainda não falava aos dois anos e meio.

Ele andava e dormia a noite toda e sabia suas comidas

prediletas, mas não queria falar. Pode ser estressante para os

pais quando um filho fica para trás na curva de

desenvolvimento natural, e é importante investigar e

questionar. No entanto, é normal que algumas crianças

desenvolvam habilidades mais tarde do que outras. Alguns

de nós adultos também. Na maioria dos casos, isso não diz

nada sobre a nossa inteligência ou sobre as nossas

capacidades — apenas acontece dessa forma. Foi o que

minha filha Janet pensou — pelo menos no começo. Mas,

com o passar do tempo, nos questionamos quando Ethan

começaria a falar e ficamos um pouco preocupadas. Por


isso, Janet o levou ao pediatra, que recomendou um

especialista, dizendo que não era nada com que se

preocupar, muitas crianças precisavam de terapia

fonoaudiológica. E foi o que fizemos. Ethan cooperou, de

certa forma, mas ainda não falava mesmo depois de várias

sessões.

Seus pais decidiram cuidar da questão por conta própria.

Liam livros para ele toda noite, todo fim de semana, depois

de toda soneca. Compraram um gravador, fones de ouvido e

alguns audiolivros infantis (e até gravaram algumas

histórias com a própria voz). Ethan simplesmente adorou

essas histórias. Ele se sentava na sala de estar com os fones,

só escutando no começo. Adorava andar de carro e fazer

caminhadas — sempre usando os fones de ouvido. Nós nos

tranquilizamos com a certeza de que não existe cronograma

para o desenvolvimento exceto em livros sobre educação —

e esses livros as crianças não leem.

Descobri que Albert Einstein só começou a falar aos três

anos de idade.

Ethan estava em boa companhia.

Levou mais três meses até Ethan finalmente começar a

falar e, quando começou, em vez de falar palavras únicas,

falava frases inteiras. Ele sempre foi obcecado por

elevadores, e uma das primeiras coisas que disse foi: “Quero

andar de elevador”. Ele continuou ouvindo suas histórias

gravadas por anos depois disso, e ainda hoje adora

audiolivros. Agora, é um leitor voraz, representante de

turma e participa da equipe de debate.


Às vezes, você questiona suas capacidades porque seu

filho não está se desenvolvendo como você gostaria. Uma

coisa que não fiz foi ensinar boas maneiras à mesa quando

minhas filhas eram pequenas. Eu ficava adiando. Quando

era hora de ensinar boas maneiras? Não fazia ideia. Bom,

acabei descobrindo que elas aprendem boas (ou más)

maneiras desde o começo. Não existe comportamento

“infantil”, e se você permite que elas se comportem mal no

começo, vão pensar que é assim que se comporta à mesa.

Mudar um mau hábito é mais difícil do que criar bons

hábitos logo de cara. Queria ter descoberto a importância de

ensinar boas maneiras desde o começo — levei um bom

tempo para corrigir esse erro.

Nossos jantares nos anos 1970 eram um verdadeiro caos

cheio de choradeiras — o bastante para me deixar maluca!

Restaurantes eram o pior, ainda mais quando morávamos na

Suíça e na França. Eu olhava para as outras mesas com

crianças perfeitamente comportadas e pensava: “O que foi

que eu fiz?”. Os suíços e franceses não aceitam desaforo dos

filhos. Aquelas crianças ficavam sentadas pacientemente

entre um e outro prato. Seus pais definitivamente não

pareciam sofrer como eu. Alguns anos depois, em um

restaurante italiano em Mountain View, minhas filhas

começaram a atirar ervilhas uma na outra. Uma ervilha

acertou a testa de Stan e cometi o erro de dar risada —

porque foi muito engraçado —, e fomos logo expulsos de lá.

Evitamos esse restaurante por anos. Minhas filhas acabaram

aprendendo boas maneiras com o passar do tempo, e passei


a entender que o comportamento delas não era motivo para

não confiar em mim mesma como mãe. Era um sinal de

que ainda havia lições a serem aprendidas.

Aqui vai outro desafio: quantos de nós cresceram em um

ambiente cheio de confiança? Não muitos. Eu com certeza

não. Como disse, meu pai estava no controle absoluto da

família, e eu e a minha mãe vivíamos com medo de irritá-

lo. Muitos de nós têm dificuldade de desenvolver confiança,

e podem ser mais suscetíveis à raiva, à frustração e à

depressão. Às vezes parece impossível confiar em nós

mesmos, que dirá em nossos filhos.

Se isso lhe soa familiar, sugiro que anote todas as coisas

negativas que seus pais diziam, todas as coisas ruins que

aconteceram com você, todas as quebras de confiança que

sofreu. Em seguida, analise cada uma delas. Não vai ser

fácil, mas vai ajudar. Pergunte a si mesmo: o que seus pais

diziam era de fato verdade ou era um comentário provocado

por uma raiva que não tinha nada a ver com você? Você era

culpado pelos erros da sua infância ou apenas fazia parte de

um sistema familiar disfuncional, sem ter culpa nenhuma?

Por que essas quebras de confiança aconteceram? Foi

porque seus pais foram criados em um ambiente sem

confiança? Como adultos, temos a capacidade de olhar para

trás e ver como as falas dos nossos pais eram falhas e

entender que sofremos pelas deficiências emocionais dos

outros. O simples ato de fazer esse trabalho de desenterrar

memórias dolorosas nos ajuda a enxergar o passado com


mais clareza e a ter mais confiança em nós mesmos como

pais.

Escrever uma lista de coisas que você faz bem ajuda.

Parece simples, mas anotar pode aumentar sua confiança

depressa. Todos fazem algo muito bem — todos, sem

exceção. Uso esse exercício com os meus alunos no começo

do semestre. Eles se entrevistam entre si e são incumbidos

de descobrir algo especial sobre o outro, algo em que ele se

destaca. Pode parecer simples, mas é muito difícil na

realidade. No começo, ficam tímidos — tanto os

entrevistados como os entrevistadores. Alguns estão

convencidos de que não fazem nada bem, o que é um

reflexo bastante trágico das experiências que tiveram na

escola e em casa. Mas, se os entrevistadores persistirem e

forem criativos em suas perguntas, podem descobrir todo

tipo de talento especial: malabarismo, levar o cachorro para

passear, ser uma boa irmã, saber ouvir.

Essas conversas desenvolvem a confiança na sala de aula e

ajudam os alunos a se sentirem bem em relação a si

próprios e à sua capacidade de sucesso. Pode ser muito útil

para pais e mães encontrarem pessoas que confiem em suas

capacidades, assim como meus alunos confiam uns nos

outros. Quem apoia você e entende que está fazendo o

melhor para sua família? Cerque-se de pessoas que vão

aumentar sua confiança, mesmo quando as coisas derem

errado, o que inevitavelmente vai acontecer.

Não importa quais desafios vamos enfrentar como pais,

podemos enxergar as evidências diante dos nossos olhos.


Olhe para os seus filhos. Observe-os. Converse com eles.

Eles estão felizes? Estão progredindo? Somos sujeitos a

tantas influências — sobretudo às opiniões dos outros —

que esquecemos de apenas olhar para a nossa família e ver o

que está ou não dando certo. Se algo não estiver

funcionando, você pode mudar. Avalie a situação

honestamente, sem se culpar ou ficar inseguro. Todos os

pais e mães passam por dificuldades. Mas as dificuldades

não significam que devemos perder a confiança, e sim que

precisamos acreditar ainda mais em nós mesmos.

DESENVOLVA CONFIANÇA NO SEU FILHO

Você precisa só de uma pessoa, apenas uma pessoa que

confie e acredite em você, e assim vai sentir que é capaz de

tudo. Infelizmente, muitas crianças não têm sequer uma

pessoa. Michael Wang, meu ex-aluno, era uma dessas

crianças. Ele foi editor-chefe do Campanile, jornal da Palo

Alto High School, em 2013, e suas dificuldades representam

as de tantos dos meus alunos lá na escola, e alunos de todo

o país e do mundo. Para Michael, as pressões e expectativas

começaram cedo.

“Tive pais muito rígidos”, Michael diz. “Eles me diziam

que, se eu não fosse bem na escola, viraria um sem-teto.”

Seus professores do ensino fundamental também não o

estimulavam muito. Michael agora sabe que passava a

impressão de estar sempre triste e cansado, mas era

extremamente difícil para ele acordar às sete horas, e ele


vivia achando que seu cérebro não funcionava. Ficava

olhando para o papel, sabendo que não conseguiria ler, não

conseguiria discernir o significado, e se resignava ao

fracasso. O fato de as pessoas interpretarem mal seu

comportamento e suas motivações era algo comum em sua

vida.

“Eu era repreendido”, ele diz, “pelos colegas e professores

me falando que, se seguisse as regras e prestasse atenção,

era óbvio que me sairia melhor. Era quase parte de mim ser

essa pessoa que era pisoteada, tudo que eu fazia se

transformava numa espécie de deficiência moral.”

Quando entrou na minha turma, Michael se descreveu

como “totalmente incendiado como um monte de cinzas”.

O jornal da escola era a única coisa em que ele encontrava

algum sentido, e ainda assim mal conseguia ter força de

vontade para ir. Mas ele ia. Era um menino muito

inteligente, mas desconectado: chegava à aula e não fazia

ideia do que queria fazer, do que queria escrever. Tinha mais

de um metro e oitenta, era alto, e você se destaca quando é

tão alto e completamente inseguro.

Já vi muitos alunos assim. Eles são receosos, mas também

rebeldes. Não cooperam. São difíceis, até agressivos, e isso

porque se sentem mal em relação a si mesmos. Eles têm

uma autoestima tão baixa que reagem com agressividade,

mas isso é para tentar provar a si mesmos que são melhores

do que os outros pensam.

Durante uma das nossas noites de produção do jornal da

escola, Michael estava com dificuldade em sua tarefa de


teoria musical. “Eu estava exausto, tentando entender o

dever”, ele diz, “e estava fazendo de qualquer jeito. Alguns

colegas metidos à besta se acharam no direito de dar

conselhos que eu obviamente nunca tinha escutado antes:

segura a onda, estuda mais.”

Outros alunos zombaram dele por suas dificuldades, e ele

pensou consigo mesmo, como pensava com frequência: “É

isso mesmo, não dou conta”.

Vi o que estava acontecendo, fui até aqueles alunos e

disse: “Ele está demorando mais porque é inteligente”.

Michael era um escritor talentoso — só precisava de mais

tempo para se concentrar em seu trabalho. E eu sabia que

no fundo ele queria fazer do jeito certo, sem pressa.

Essa foi a primeira vez que um adulto dizia que suas

capacidades e sua inteligência estavam sendo vistas e

respeitadas. “Ouvir uma confirmação externa de que

alguém confiava em mim”, Michael diz, “mesmo na

presença de outros alunos que não confiavam, foi incrível.

Aquilo me ajudou a não desmoronar.”

Esse dia foi um ponto de virada para Michael. Na verdade,

ele era inteligente, só tinha um problema de

comportamento. Pela primeira vez, começou a confiar em si

mesmo e recorreu a essa confiança recém-encontrada em

todos os seus anos de graduação sempre que encontrava

obstáculos ou que alguém dizia a ele que nunca teria

sucesso. Por acaso, ele havia encontrado uma pessoa que

acreditava nele, e isso fez toda a diferença.


Os pais e professores precisam saber que uma palavra,

sentença ou frase é capaz de dar força a uma criança, salvar

a sua vida — ou destruir a sua confiança. Esquecemos como

somos importantes na vida dos nossos filhos, do controle

que temos na formação da sua confiança e sua autoimagem.

E tudo começa com a confiança, acreditar que seu filho é

capaz, apesar dos percalços e das surpresas e de todas as

complicações que podem surgir durante o seu crescimento.

Confiar é dar forças na sala de aula e no mundo como um

todo — e esse é um processo que começa antes do que você

imagina. A teoria do apego, já mencionada, estuda se os pais

são cuidadores confiáveis. Bebês com apego seguro — isto é,

bebês que sentem que podem confiar e depender dos pais

— evitam muitos dos problemas comportamentais, sociais e

psicológicos que podem surgir mais adiante na vida. A

sensação fundamental de segurança do seu filho no mundo

tem por base que você seja um cuidador confiável.

É por isso que as crianças são tão sintonizadas com os

seus ambientes. Elas são programadas para entender em

quem podem confiar, identificar a pessoa que vai responder

a elas e atender às suas necessidades. Estudos mostram que

crianças de quatro anos conseguem identificar corretamente

adultos confiáveis e buscar sua ajuda mais à frente. Vejo isso

com a minha neta de três anos, Ava, o tempo todo. Quando

entro pela porta, ela sorri, mas às vezes foge e se esconde.

Ela me conhece, mas está sempre me avaliando para ver se

pode ou não confiar em mim.


Lembre-se, a confiança é mútua. O grau em que seus

filhos podem confiar em você será refletido na sua própria

capacidade de confiança. Quando as crianças não sentem

confiança e segurança, elas enfrentam todo tipo de

dificuldades. Estudos mostram que as crianças consideradas

menos confiáveis por seus professores exibem níveis mais

altos de agressão e mais baixos de “comportamento pró-

social” como colaboração e compartilhamento. A

desconfiança em crianças também foi associada à retração

social e à solidão.

Se não nos sentirmos dignos de confiança na infância,

isso não é superado. Crescemos achando que não somos

confiáveis, e aceitamos isso como um traço da nossa

personalidade. Nossas relações ficam de pernas para o ar.

Nós nos tornamos o que pensamos ser e sofremos por conta

disso.

Então, como vamos desenvolver confiança nos nossos

filhos? Achamos que confiar é dar as chaves do carro para o

adolescente ou deixar o filho de doze anos sozinho em casa

pela primeira vez. Mas subestimamos o poder das crianças

— sobretudo dos bebês. A confiança precisa começar

quando elas nascem. Normalmente nem pensamos em

confiar em bebês, mas deveríamos. Eles são mais

inteligentes e muito mais perceptivos do que imaginamos.

Seu filho observa você desde o primeiro dia.

Confie em mim. Seu bebê está atento a todos os seus

movimentos. Está aprendendo a conseguir o que precisa de

você. Ele sabe exatamente o que faz. Toda vez que você se
atrapalha com a fralda, ele vê. Ele sabe como fazer você

sorrir. Sabe como fazer você chorar. Pode ser dependente de

você para tudo, mas é muito mais inteligente do que você

imagina. Você precisa responder às suas necessidades,

especialmente no começo, mas essa também é uma época

fantástica para ensinar ao seu filho algumas das lições mais

importantes da vida.

Vamos, então, falar sobre sono.

E confiança.

E de que maneira, como pais, podemos usar a confiança

para resolver aqueles problemas de sono constantes.

Dormir era muito importante para as minhas filhas

quando elas eram bebês, e era importante para mim e para

o meu marido — sabíamos que não sobreviveríamos a anos

sem dormir. Não somos vampiros! É algo importante para

todos os pais e se tornou um problema internacional.

Existem livros inteiros dedicados a pôr o filho para dormir.

Eu via o sono como uma questão essencialmente de

confiança, e como uma habilidade possível de ser ensinada.

Desde o primeiro dia, crianças aprendem sobre o mundo,

seus ritmos circadianos estão se adaptando e, embora

minhas filhas parecessem ter relógios biológicos ajustados

para outro continente, elas precisavam aprender sua

habilidade mais importante como bebês: dormir. Nunca

passou pela minha cabeça que elas teriam dificuldades para

dormir depois das primeiras seis semanas. Por que não

conseguiriam? É uma das três coisas que elas conseguiam

fazer desde que nasceram: comer, fazer cocô e dormir. Elas


crescem enquanto dormem; seus cérebros se desenvolvem

enquanto dormem. O sono é um estado natural para os

bebês e para as crianças pequenas. Eu imaginava que elas

tinham esse conhecimento inato e, se precisassem de algum

conforto, eu estaria lá para ajudar.

Não tínhamos muito dinheiro quando as meninas eram

pequenas. Susan tinha um berço e uma caminha que criei a

partir de um cesto de roupas de vime com um

colchãozinho bonito (Susan usa o mesmo cesto até hoje,

ainda que não para dormir). A intenção era mantê-las

seguras e próximas. Elas dormiam em seus próprios berços

e seus próprios quartos desde o começo (exceto quando

estávamos em nosso apartamento em Genebra, onde não

havia quartos suficientes — depois Anne dormia perto de

nós, numa caixinha com cobertores). Tivemos a sorte de não

precisar lidar com cólicas ou doenças, o que obriga os pais a

ficarem mais alertas para manter a segurança do filho.

Ainda assim, acho que o que fiz vai funcionar na maioria

dos casos. Eu apenas as colocava de barriga para baixo,

acariciava suas costas, sentava com elas por alguns minutos

e deixava que dormissem por conta própria. Se ficassem

agitadas e começassem a resmungar ou a chorar, confirmava

que não estavam com fome nem precisavam ser trocadas, e

então as tranquilizava com um tapinha ou massagem nas

costas e elas voltavam a dormir. Claro, agora sabemos que a

posição mais segura para os bebês dormirem é de costas;

nesse caso, os pais podem acariciar a barriguinha do bebê.

Os bebês têm ciclos de sono curtos e tendem a acordar e a


chorar ou a choramingar, mas em geral conseguem voltar a

dormir sozinhos. Eu sempre estava lá para tranquilizá-las,

mas nem sempre era necessário pegá-las no colo. Eu

confiava que elas pegariam no sono por conta própria, e era

o que acontecia. Quando tinham três meses de idade, elas já

dormiam durante a maior parte da noite. A partir de um

ano, dormiam doze horas, das sete da noite às sete da

manhã. Seus hábitos de sono eram um presente enorme

para mim e para Stan. Todos os pais precisam de um tempo

para ficar juntos.

Por instinto, eu sabia confiar nas minhas filhas, mas

percebo que é difícil para os pais projetar uma sensação

forte de confiança que dê independência para os seus filhos.

O que eles costumam projetar é medo. Eles pensam que o

filho vai ter medo de dormir sozinho, que ele precisa dos

pais, que não consegue fazer isso sozinho. Por que você acha

que as crianças passam a ter medo de dormir? Exatamente

por causa desse tipo de raciocínio dos pais.

Não estou aqui para culpar ninguém. Só quero explicar

como as nossas ideias afetam os nossos filhos. Muitos pais

agem a partir das próprias dúvidas e inseguranças: será que

o filho não precisa deles? E, se não precisar, que tipo de pais

eles seriam? Você vai ouvir esta mensagem em alto e bom

som ao longo deste livro: você quer que seu filho queira

estar com você, não que precise estar com você. O primeiro

lugar em que surge essa tensão é o sono. Seus filhos podem

e vão dormir por conta própria se você acreditar que eles

podem, e se lhes ensinar como. As camas deles podem ser


um santuário em vez de um lugar assustador. As crianças

aprendem a se tranquilizar — quando têm a chance —

chupando o dedo ou usando uma chupeta ou brincando

com brinquedinhos. Minhas filhas sempre tiveram

bichinhos de pelúcia na cama. Às vezes eu acordava e

encontrava Susan conversando com o seu ursinho. Janet

costumava cantar na cama. Todas se sentiam à vontade lá.

Tínhamos criado uma relação de confiança, e elas

aprenderam que conseguiam se entreter e atender às

próprias necessidades — o que significava que eu e Stan

podíamos dormir! Todos saíam ganhando.

Conforme as crianças crescem, elas podem ter mais e

mais oportunidades de desenvolver sua autoconfiança.

Lembre-se: as escolhas que você faz com o seu filho vão

ditar a cultura da família. Você sempre deve se perguntar se

está desenvolvendo confiança ativamente ou se está

ignorando seu filho. No caso de crianças pequenas, toda

conquista mínima desenvolve a confiança delas. Elas

amarram o próprio sapato e dá certo! Vestem-se por conta

própria e dá certo! Vão a pé à escola e também dá certo! Elas

conseguem enxergar os resultados tangíveis dos seus

esforços. Você não pode confiar que uma criança pequena

faça escolhas inteligentes, mas pode ajudá-la a considerar as

opções e a escolher a melhor. Se eu der um pirulito ao meu

neto de nove anos e falar para ele não chupar, sei que ele vai

chupar mesmo assim. Mas, se explicar por que ele não

deveria chupar, que o açúcar não é saudável — que pode dar

cáries — e que comer antes do jantar vai estragar seu


apetite, ele pode aprender a fazer escolhas melhores. Certo,

é possível que ainda assim ele acabe chupando o pirulito,

mas, se trabalharmos nesse tipo de decisão ao longo do

tempo, ele passará a desenvolver as habilidades para levar

uma vida saudável. E então eu poderia confiar que ele se

cuidaria.

Cada idade traz seus próprios exemplos de confiança. A

alimentação é outra oportunidade. Sempre que possível, eu

dava às minhas filhas comidas que elas pudessem comer

com as mãos, assim que estavam prontas para a comida

sólida. Isso lhes permitia se alimentarem sozinhas. Ainda

me lembro de como elas faziam a “limpeza” quando tinham

acabado de comer, o que significava jogar a comida que não

queriam no chão. Certo, o chão ficava imundo, mas elas

eram capazes de se alimentar sozinhas e saber quando

estavam satisfeitas. Um pouco mais adiante, quando tinham

por volta de cinco anos, eu podia perguntar se estavam com

fome e acreditava no que respondiam. Mesmo assim, levava

todo tipo de lanchinho para caso julgassem mal sua fome.

Eu era conhecida por carregar potinhos de iogurte sempre

que saíamos de casa. Quando elas tinham fome, até

potinhos de iogurte morno eram bem-vindos. E, se

estivéssemos em uma viagem longa de carro e elas não

quisessem comer, eu explicava que demoraria algumas

horas para pararmos em outro restaurante e, então, deixava

que decidissem o que fazer. Eu confiava a elas as próprias

decisões alimentares.
No caso dos adolescentes, os pais podem desenvolver a

confiança em uma série de passos. Por exemplo, aqui vai

como desenvolver a confiança com compras, uma das

minhas atividades educacionais preferidas: 1) os pais fazem

tudo (escolhem e compram os itens necessários); 2) confie

no seu filho para ir com você à loja e tomar a maior parte

das decisões de compra (dar aos filhos um orçamento

específico é uma forma maravilhosa de ensinar a

responsabilidade financeira); 3) agora o seu filho é capaz de

escolher os produtos sozinho, e você pode encontrá-lo

depois no caixa — a tempo — e fazer as compras finais em

conjunto; 4) depois de ter desenvolvido uma base de

confiança e ensinado o seu filho a ser responsável com

dinheiro, dê seu cartão de crédito e deixe que ele faça a

compra por conta própria. Claro, lembre-se de verificar as

cobranças e ensinar seus filhos a verificar a fatura do cartão

de crédito no fim do mês também.

Você também pode avaliar a confiabilidade do seu filho

adolescente testando se ele é fiel à sua palavra. Ele disse que

estaria em casa às oito horas da noite. Ele obedeceu? Se

demorou, telefonou para avisar? Se ele se mostrar confiável,

continue aumentando as liberdades e responsabilidades

dele. Se, no entanto, ele precisar aprender a chegar em casa

na hora, tenha uma conversa sobre o que houve de errado e

busquem encontrar uma solução juntos para a próxima vez.

Alguns adolescentes apenas têm dificuldade de ser pontuais.

Não desista. Dê mais oportunidades para eles aprenderem.

O controle do tempo é uma habilidade que muitos adultos


não têm. É por isso que existem tantos livros de autoajuda

sobre gestão do tempo. É uma das habilidades mais

importantes para vencer na vida.

Se as crianças não ganharem o poder da confiança, se não

se sentirem confiáveis, vão ter muita dificuldade para se

tornar independentes. O maior problema é que elas não

aprendem a confiar em si mesmas e a se respeitar. Quando

somos medrosos e ficamos rondando nossos filhos, eles

também ficam com medo. No entanto, os filhos precisam

assumir riscos. As crianças copiam de fato o modelo que

damos a elas. Tenho medo de altura, mas quis garantir que

as minhas filhas não tivessem, portanto tomei cuidado para

não demonstrar meu medo perto delas. Deixava que

subissem em todos os brinquedos do parquinho — mas

ficava longe. Minhas filhas, porém, eram completamente

destemidas.

Aqui vai outro mantra simples para você: as crianças

precisam correr riscos. Talvez você precise repetir isso para

si mesmo em várias ocasiões. Muitos pais têm o instinto de

resistir a essa ideia.

CONFIANÇA EM AÇÃO

Você vai se surpreender com as possibilidades. Durante

dezesseis anos, levei grupos de 52 alunos em excursões para

Nova York. A intenção era visitar editores das principais

publicações nacionais e aprender sobre jornalismo no

mundo real. Encontramos funcionários do New York Times,


do Wall Street Journal, da Vanity Fair e da Sports Illustrated,

além de David Remnick, editor da New Yorker, e outros

jornalistas importantes como Anderson Cooper. Cada ano

era diferente, e todo ano era incrível. As crianças adoravam,

eu adorava, e isso se tornou lendário em Palo Alto. Todos

queriam participar da excursão para Nova York. Uma das

minhas motivações era oferecer um pouco de liberdade

para os alunos, deixar que descobrissem a cidade, uma das

mais incríveis dos Estados Unidos, e convencê-los de que

eles eram capazes de muito mais do que pensavam. Essa era

a lição mais valiosa que poderia ensinar a eles antes de

terminarem o ensino médio e irem para a faculdade —

acreditar que eram capazes de se orientar em uma cidade

grande. Também queria que se divertissem, e acho que

ninguém nessas viagens nunca reclamou de não se divertir

o bastante.

De manhã, visitávamos as redações e conversávamos com

os editores, e os alunos se orientavam comigo no metrô —

isso quando eu mesma não me perdia. Metade do tempo, eu

não sabia aonde estava indo, e os alunos se sentiam mais

capazes ao me guiarem. Eles eram muito melhores em ler

os mapas (nos anos 1990) e usando seus celulares (a partir

de 2000) do que eu. Também me viam me perder e me

localizar. Perder-se não é um problema, desde que você não

se estresse. Eu nunca me estressava, nem no dia em que

peguei o trem com metade dos meus alunos e vi a outra

metade do grupo passar voando na direção oposta. Houve

alguns minutos de frustração, mas eles usaram seus


celulares e chegaram ao destino, apesar do desvio

inesperado. Em todos esses anos, nunca perdi um aluno.

Cheguei a perder, porém, uma supervisora, que quase

perdeu o voo de volta para San Francisco, mas nenhum

aluno.

À tarde, eles ficavam livres para explorar a cidade em

grupos de quatro alunos. Achava que tinha lhes ensinado

como se orientar e que se virariam bem sozinhos. Eu estava

certa. Também dei aos meus alunos um certo controle no

planejamento das excursões. Eles podiam decidir o que

faríamos à noite. Infelizmente, a maioria das escolas hoje

não permite nenhuma excursão que inclua nem sequer um

passeio sem supervisão — os adolescentes podem precisar

aprender a se orientar em uma cidade grande, mas não vão

aprender isso pela escola.

QUEBRA DE CONFIANÇA

Não importa o que você faça, seu filho vai acabar

quebrando sua confiança em algum momento. Faz parte da

vida e do processo de aprendizagem. Um aluno me falou

que iria ajudar um amigo que “teve um dia ruim”. No

começo, pensei: “Que gentil da parte dele”. Depois descobri

que ele estava no Town & Country Village, o shopping do

outro lado da cidade, e tinha passado a tarde não ajudando

um amigo, nem participando da minha aula, mas comendo

cookies!
Bom, precisei confrontá-lo. Quando ele voltou no dia

seguinte, falei que sabia que ele tinha ido ao Town &

Country. Também falei que a primeira coisa que ele

precisava fazer era me comprar um cookie! Uso o bom

humor para muitas situações como essa, sempre que a

infração não é terrivelmente grave. Era importante chamar

a atenção dele, e era importante lhe dar uma tarefa ainda

que leve. As crianças devem dar um passo ativo para reparar

a confiança quebrada. Ajuda que elas entendam o impacto

do que fizeram. Mas não sou maldosa em relação a isso. Ter

senso de humor me impede de romper a relação. Sim, fico

chateada e, sim, há uma punição — confiar não significa

deixar de responsabilizar a criança —, mas a punição não é

revogar a confiança. É impor a confiança ainda mais.

Sempre digo que a falta de confiança e respeito é a causa

do problema, e esses valores também são a solução. Use a

confiança para ganhar confiança. Em vez de ficar com raiva

e romper uma relação quando a confiança é violada,

conserte o erro. Veja todos os casamentos que poderiam ser

salvos se os casais dialogassem. Os alunos querem minha

confiança — mesmo quando fazem besteira. Minhas ações

mostraram a esse aluno em particular que ele era

importante para mim, embora eu estivesse desapontada

com seu comportamento. Dei a ele a chance de corrigir as

coisas para que eu pudesse continuar acreditando nele. E

algo incrível aconteceu: ele nunca mais fez besteira.

Isso vale também para infrações mais graves. Certa vez,

descobri que alguns dos meus alunos armazenavam cervejas


na sala escura de fotografia e bebiam dentro da área da

escola. Eles passavam horas lá — pensei que estavam

revelando fotos. Mas, um dia, ouvi uma conversa sem

querer e descobri o que de fato estava acontecendo. Depois

de observar a situação por alguns dias, eu os chamei até a

minha sala. Foi uma conversa bastante tensa. Percebi que

eles estavam assustados.

Não gritei com eles, mas deixei bem claro que estava

decepcionada, que eles haviam violado minha confiança e

colocado todo o jornal em risco. Infelizmente, se há uma

violação grave, como consumo de álcool ou drogas na

escola, bullying ou qualquer tipo de assédio sexual, a

questão escapa do meu controle. Sou obrigada a relatar à

administração. Isso vale para a maioria das escolas dos

Estados Unidos. Por isso, denunciei os alunos, e eles foram

suspensos por uma semana (a suspensão também foi

anotada em suas fichas). Não publiquei nenhuma matéria

deles na edição daquela semana do jornal.

Felizmente, nenhum deles voltou a fazer isso. Eles

estavam tristes e arrependidos pelo que tinham feito. E

entenderam por que precisei denunciá-los, afinal, havíamos

conversado sobre isso e eu tinha explicado o meu lado da

situação. Como em muitas coisas quando o assunto são

adolescentes, tudo não passou de falta de discernimento da

parte deles. Eu os perdoei, eles aprenderam a lição e todos

conseguimos restaurar a confiança que é tão importante na

sala de aula.
Outra verdade inevitável da criação dos filhos é que, em

algum momento, por mais que você se esforce, eles podem

perder a confiança em você. Isso aconteceu — rapidamente

— comigo e se tornou uma das nossas histórias familiares

mais famosas. O problema era que tínhamos três filhas

adolescentes que queriam dirigir na mesma época. Nada

fácil para uma família com poucos recursos. Susan herdou

nosso Volvo de 1963 — com câmbio manual! — que

havíamos comprado quando morávamos na Europa e

enviado para a Califórnia. Eu pensava que os Volvos eram os

carros mais seguros na estrada e perfeitos para as motoristas

iniciantes da família: qualquer pessoa em um acidente com

um Volvo perderia. Eles têm a constituição de um tanque

— puro aço, nada de plástico. Quando demos o carro para

Susan, ele estava com uns 500 mil quilômetros rodados,

mas ainda firme e forte. Quando ela fez o teste de direção

nele, o avaliador pareceu apavorado! Ela passou com notas

altíssimas, talvez porque ele estivesse louco para sair

daquele Volvo antiquíssimo.

O caso de Susan estava resolvido, mas eu ainda precisava

descobrir o que fazer com Janet e Anne. Não podíamos

bancar mais dois carros, e então me deparei com uma

oferta: outro Volvo confiável, um sedã de quatro portas

naquele tom suave de marrom que é a cara dos anos 1970.

Adoro ofertas e adoro Volvos. Então comprei e cheguei a

uma solução criativa da qual dou risada até hoje. Primeiro,

dei o carro para Janet, que estava no primeiro ano de

Stanford. Ela queria deixar o carro na universidade, mas eu


disse com sabedoria que havia problemas de estacionamento

no campus e que era caro, e que ela deveria deixar o carro

em casa. Ela concordou. Mas, como o carro vivia parado lá,

decidi “dá-lo” também para Anne, que ainda estava no

ensino médio. As duas meninas pensavam nele como “seu

carro”. Uma mentirinha inocente.

Sei que parece maluquice, mas funcionou por mais de um

ano. Até que, um dia, elas descobriram que ambas tinham

“ganhado” o mesmo carro. Como é de imaginar, elas não

ficaram nada contentes com isso. Melhor dizendo, ficaram

furiosas. Pedi mil desculpas e tentei me explicar. Depois de

um tempo, elas escutaram. Falei que entendia que elas se

sentissem traídas, e expliquei que minha motivação tinha

sido dar às duas o presente que elas queriam. No fim, elas

me perdoaram, em parte porque concordei em comprar

outro carro usado, mas também porque escutei as duas.

Ouvir faz uma diferença enorme. Além disso, pudemos rir

da situação. Depois de um tempo. Ainda hoje, elas

comentam sobre essa história. Pelo menos, agora

reconhecem minha criatividade: nunca deixo de ser

criativa. Sempre que dou um presente para Anne, ela me

pergunta se é mesmo para ela ou se é o mesmo presente

que dei para Janet!

Quando seus filhos forem para o mercado de trabalho, a

capacidade deles de confiar em si mesmos, em suas próprias

ideias e em seus colegas vai ser uma vantagem enorme.

Jovens destemidos têm a melhor chance de ter sucesso —

sobretudo se forem inovadores. Lembro dos primeiros dias


do Google quando Larry Page e Sergey Brin passavam dia e

noite na garagem de Susan, debruçados diante de dezenas

de computadores. Ela havia alugado a garagem e os três

quartos e dois banheiros do térreo para ajudar a pagar a

hipoteca. Parecia uma ótima ideia, e Larry e Sergey estavam

obviamente criando algo interessantíssimo, mas ela não

imaginava que eles ficariam lá o tempo todo. Cabos subiam e

desciam pelos corredores, o que me fazia tropeçar toda vez

que eu a visitava. Havia um computador até na pia do

banheiro.

Tê-los na casa era empolgante, mas também havia

algumas desvantagens. Uma era que eles ficavam com fome

à noite (o que não era nenhuma surpresa porque eles nunca

paravam de trabalhar), e a comida mais próxima ficava na

geladeira de Susan — a qual não fazia parte do aluguel.

Quando você está morrendo de fome às duas da madrugada,

você pega a comida “emprestada” e depois planeja substituir

no dia seguinte. Mas, quando Susan descia de manhã para

tomar café, sua comida tinha desaparecido. Depois de um

tempo, ela comprou uma geladeira para eles. Isso resolveria

o problema — desde que eles se lembrassem de mantê-la

cheia. Agora, há comida disponível 24 horas por dia para os

mais de 60 mil funcionários do Google, e isso pode ter sido

inspirado por todas aquelas noites em claro na casa de

Susan.

Larry e Sergey eram inteligentes o bastante para entender

que deviam se concentrar em seu produto — o Google — e

que isso era mais do que um simples trabalho em período


integral. Quando começaram a contratar pessoas, eles foram

incrivelmente seletivos, e depois se dispuseram a delegar e

a passar enormes responsabilidades aos seus funcionários. É

assim que as start-ups funcionam: os funcionários têm

diversas funções porque não existem pessoas suficientes

para preencher cada cargo. É estimulante, mas também

exaustivo. O modelo de negócios deles girava em torno de

contratar os melhores e mais inteligentes profissionais que

encontravam e confiar que essas pessoas dariam conta do

recado. Por sorte, contrataram excelentes pessoas, e sua

confiança e fé nessas pessoas as capacitaram para criar

soluções ótimas para os problemas enfrentados. Claro, esse

processo era muitas vezes caótico, cheio de erros e deslizes,

e exigia que eles confiassem na equipe. Estavam criando

algo novo — aquele era um território inexplorado. Eles

rejeitavam completamente a ideia de que o sucesso tinha a

ver com perfeição e ordem e certeza, e essa visão fez toda a

diferença.

Quando Larry e Sergey se mudaram para lá, Susan estava

trabalhando na Intel, com relógio de ponto e um supervisor

olhando por cima do seu ombro. Não exatamente um local

de trabalho com confiança. Na verdade, eles não confiavam

nada em seus funcionários. Tudo era monitorado. Mas,

quando ela aproveitou a chance e entrou para o Google

como a 16a funcionária, recebeu depressa responsabilidades

colossais, incluindo o marketing do Google e a criação de

vários produtos de consumo importantes, como o Google

Imagens e o Google Livros. Larry e Sergey estavam focados


na ferramenta de busca e em tornar as informações do

mundo pesquisáveis e úteis para todos. O objetivo deles não

era ganhar dinheiro; era criar a melhor ferramenta de

busca, o que não era uma tarefa simples. Susan estava

acostumada a confiar em si mesma e a assumir grandes

desafios, e adorava a atmosfera de liberdade e confiança,

apesar de todo o caos. Essa cultura empresarial gerou

algumas das políticas mais famosas do Google, incluindo a

política de 20% do tempo, que se baseava na confiança e no

respeito pelos interesses do funcionário. Os funcionários

tinham 20% do seu tempo para trabalhar em projetos

individuais que se relacionassem de alguma forma com os

objetivos do Google. Eles podiam escolher qualquer coisa

que os interessasse. O Gmail, por exemplo, surgiu de um

projeto de 20%, assim como muitos outros programas e

conceitos inovadores. Era um exemplo perfeito do papel da

confiança na inovação e continua existindo até hoje. O

Google é sempre votado como o lugar número um para se

trabalhar. E a empresa continua a nos mostrar que o

trabalho pode ser um lugar para confiar e respeitar um ao

outro no processo.

Não seria bom oferecer esse mesmo tipo de confiança

para os nossos filhos? É claro que queremos preparar os

nossos filhos para trabalhar em um ambiente onde eles

sintam confiança e sejam respeitados, e não onde sejam

monitorados o tempo todo. Se fizermos isso, se os nossos

filhos tiverem a confiança para prosperar na linha de frente,


eles serão as pessoas que empresas como o Google vão

buscar. E serão eles que realizarão o próximo grande avanço.

Em 1998, viajei meio mundo para Joanesburgo, na África

do Sul, a fim de visitar minha filha Janet. Na época, a cidade

era considerada uma das mais perigosas do mundo fora de

zonas de guerra ativas graças ao alto índice de

criminalidade. Janet havia chegado lá um ano antes e

ministrava antropologia social na Universidade de

Witwatersrand. Ela não parecia se incomodar com essa

estatística, mas eu sim. Coisa de mãe. Que tipo de mãe

gostaria que a filha morasse sozinha em um ambiente

perigoso? Eu não. Para ser sincera, eu estava apavorada.

Antes de Janet sair da Califórnia, tentei ser lógica. “Por que

Joanesburgo? Por que agora? Não existe outro lugar aonde

você possa ir, algum lugar um pouco mais seguro?” Mas eu

sabia que não tinha como impedi-la. E, mesmo se tentasse

lutar contra a decisão dela, sairia perdendo.

No meu segundo dia lá, ela perguntou se eu queria ficar

em casa ou ir ao trabalho com ela. Sem nunca querer

recusar uma aventura, concordei em acompanhá-la até a

clínica em Soweto — do inglês South Western Township,

bairros do sudoeste —, parte de Joanesburgo (1,8 milhão de

habitantes) que foi criada durante os anos do apartheid para

separar e abrigar a população africana. Janet não havia me

contado muito sobre seu trabalho lá ou sobre Soweto, uma

região em que tanto Nelson Mandela quanto Desmond Tutu

viveram.
Atravessamos as ruas de Joanesburgo no Volkswagen

vermelho de Janet, subimos a rodovia e entramos em

Soweto. É uma região heterogênea, composta de bairros de

classe média com casas maiores e assentamentos informais

com casas feitas de placas de ferro sem água corrente ou

eletricidade. Janet me explicou que a população que ela

atendia eram profissionais do sexo e mulheres

soropositivas. A pobreza assolava partes de Soweto, e

algumas mulheres foram obrigadas, pela falta de

oportunidades de emprego, a vender o corpo por dinheiro,

o que havia contribuído para a epidemia de HIV. Janet tinha

sido levada para estudar a epidemia e para fazer algo a

respeito. Parecia um trabalho nobre, mas perigoso também.

Eu não parava de pensar: “Onde Janet foi se meter?”.

Janet sempre tinha sido apaixonada pela cultura africana.

Em Stanford, participou de um programa de estudos no

exterior no Quênia por um semestre, e depois fez mestrado

em estudos africanos pela UCLA. Em seguida foi para

Joanesburgo para lecionar na Universidade de

Witwatersrand. Ela havia encontrado sua vocação, uma

maneira de usar seus talentos e paixões específicas, e, por

mais que eu temesse pela segurança dela, não queria

impedi-la.

Estacionamos na frente da clínica. Hesitei por um

segundo, mas Janet fez sinal para eu sair e foi direto para a

porta. Ela parecia tão confiante, tão competente naquele

lugar tão diferente de onde havia crescido. Ela estava em


seu ambiente. Eu ainda não conseguia entender, mas queria

apoiá-la, e queria saber mais.

Dentro da clínica, tinha uma grande sala de espera cheia

de mulheres, algumas com roupas africanas tradicionais —

saias e xales de estampas coloridas —, sentadas em cadeiras

e no chão. Havia dezenas de crianças também. No centro,

uma mesa grande improvisada, feita com uma porta em

cima de blocos de cimento. Janet cumprimentou as

mulheres em inglês e em zulu e me apresentou, a nova

convidada, como sua mãe. As mulheres se levantaram de

repente, começaram a falar animadas, e muitas me

abraçaram. Elas foram tão gentis, tão entusiasmadas. Depois,

viemos a descobrir que levar a mãe para conhecer seus

amigos é a mais alta honra naquela cultura. E algo digno de

celebração. Muitas das mulheres voltaram correndo para

suas casas e prepararam pratos com a pouca comida que

tinham. Em pouco tempo, a mesa improvisada na clínica

estava cheia de alimentos sul-africanos tradicionais —

ensopados de legumes, abóbora assada, feijão e arroz

amarelo. A comida era uma delícia, e fiquei impressionada

com o que essas mulheres tinham feito para celebrar a mim

e a minha filha. A experiência foi mais intensa do que

qualquer Dia das Mães que eu já havia passado. E, enquanto

nos deliciávamos com aquele banquete dentro da clínica, os

homens estavam lá fora, lavando o carro de Janet. De novo,

para homenagear a mim, a mãe dela!

Saí de lá com um grande apreço pelo povo de Soweto e

também respeito e orgulho por minha filha. Eu tinha


ensinado a ela a ser destemida e a viver com um propósito,

e lá estava ela, contribuindo para o mundo, transformando-

o em um lugar melhor dia após dia.

Agora, não estou dizendo que o trabalho de Janet não me

deixava nervosa. Deixava, e ainda deixa, mas quem sou eu

para dizer a ela o que fazer? Meu nervosismo tem a ver com

meu medo, não com o dela. E aprendi ao longo dos anos

que não posso e não devo projetar meu medo nas minhas

filhas, apesar de elas parecerem estar o tempo todo testando

esse meu sentimento. Quando Susan morou na Índia depois

da faculdade, ficou extremamente doente e foi obrigada a

tomar Cotrimoxazol, um antibiótico fortíssimo. Ela só me

contou quando voltou para casa, mas bastou ouvir isso para

me dar pesadelos. As pessoas podem morrer pelo tipo de

infecção gastrintestinal que ela teve. Mais tarde, Janet levou

uma mordida na bunda de um cão raivoso no Quênia (em

sua primeira viagem para a África)! Ela também não me

contou. Nem tinha como. Estava em uma região afastada e

não havia celulares na época. Só descobri depois que ela

havia passado por todo o protocolo antirrábico sozinha, e

fiquei impressionada com como ela sabia se virar sozinha.

Do mesmo modo, minha filha Anne uma vez me falou que

estava fazendo “um tour” partindo de Istambul pela Rússia

no Expresso Transiberiano. Mais tarde, descobri que ela

estava fazendo um tour de uma pessoa só — ou seja, fez

toda a viagem sozinha. Depois de meses sem notícias,

comecei a entrar em desespero. Sabia que ela estava

visitando Krasnoyarsk, a cidade natal da minha mãe na


Sibéria, então decidi descobrir a localização dela. Fazia anos

que eu não falava russo, mas você ficaria surpreso com as

coisas de que é capaz quando acha que seu filho pode estar

em perigo. Liguei para todos os hotéis de Krasnoyarsk —

até que a encontrei.

Quando ela atendeu, ficou em choque e disse: “Mãe!

Como você me encontrou?”. Respondi: “Não foi fácil, mas

persisti”. Ela não ficou muito contente ao ouvir minha voz,

e é óbvio que estava bem. As viagens das minhas filhas

foram na verdade um teste do meu treinamento para que

elas fossem independentes e seguissem seus sonhos, e

funcionou — por mais difícil que fosse para mim. Quando a

vida delas se mostrou diferente da que eu havia imaginado,

não pude impedi-las. Desisti de tentar controlá-las: não

estávamos ligadas por uma linha mágica. Só me restava

apoiá-las no que elas queriam fazer. Claro, eu passava boa

parte do tempo nervosa. Mas acreditava nelas e todas

passamos por isso.

Como pais, devemos nos controlar e confiar que

ensinamos nossos filhos a tomar boas decisões. Precisamos

confiar na bondade básica das pessoas e na bondade básica

do mundo. E, às vezes, nossos filhos podem ser nossos

maiores professores.
RESPEITO
3. Seu filho não é seu clone

DEIXE QUE ELES GUIEM

Meu primeiro neto, Jacob, não queria andar. Quando

tinha dezoito meses, toda a família ficava observando com

ansiedade enquanto ele escorregava de bunda pela sala,

esperando ansiosa que se levantasse e desse seu primeiro

passo. Era fofo, mas nos deixava preocupados. Susan, sua

mãe, estava muito aflita. Eu também. Mas o médico nos

garantiu que não havia nada de errado com as pernas de

Jacob. Ele era um bebê saudável e normal — exceto pela

parte dos primeiros passos. Ele parecia satisfeito,

engatinhando pelo carpete para pegar seu caminhãozinho

ou uma peça de Lego. Era como se simplesmente tivesse

decidido não andar. Não conseguia entender o motivo de

toda aquela confusão.

Na época, a maior paixão de Jacob era o basquete. Eu o

visitava várias vezes por semana, e o que ele mais queria era

que eu o erguesse para jogar a bola no cesto do parquinho

ou qualquer cesto na garagem de um vizinho que ele visse

do carrinho. Eu passava horas ajudando Jacob a fazer cestas.


Seus pais também. Ele dava gritinhos de alegria quando a

bola rodeava o aro e caía através do cesto. Para ele, era a

coisa mais legal do mundo. Então, um dia, eu o levei ao

Gymboree, um ginásio para crianças, onde ele podia

engatinhar e brincar — e ficar rodeado por bolas de

basquete.

Assim que atravessamos a porta, Jacob viu um grupo de

crianças jogando basquete. Ele ficou radiante observando

cada movimento enquanto elas quicavam a bola e corriam

de um lado para o outro. Um garoto fez uma cesta de três

pontos. Depois de uma comemoração rápida, o jogo acabou.

A bola de basquete ficou caída na quadra central. Juro que

Jacob se levantou e foi correndo até a bola. Ele não andou: ele

correu! Eu o vi se agachar e segurar a bola junto ao peito,

triunfante. Aquele tempo todo ele sabia andar e ficar em pé.

Só não tinha encontrado um bom motivo para isso.

Quando voltamos para a casa de Susan, eu disse:

“Adivinha só? Jacob sabe andar”.

“Quê?”, ela disse, fechando a torneira e olhando para mim

como se eu estivesse maluca.

“Ele sabe andar e correr”, eu disse a ela.

Bom, não foi bem uma transformação mágica. No minuto

em que chegamos em casa, ele voltou a se arrastar de

bunda. Levou mais alguns dias para ele perceber que andar

era um jeito mais rápido de chegar à cesta de basquete. Isso

também lhe permitia segurar a bola ao mesmo tempo —

uma habilidade importantíssima. Mas, uma vez que


entendeu a vantagem óbvia de andar, ficou completamente

encantado. E o resto de nós pôde relaxar.

Vou dizer isto mais do que uma vez: os pais precisam

relaxar. Seus filhos vão andar. Eles vão falar. Vão aprender a

usar o banheiro. Vão fazer isso no tempo deles. Ninguém

pergunta quantos anos você tinha quando começou a usar o

vaso. Ou quando deixou de usar chupeta. É um assunto que

nunca vem à tona. Meu neto seguia o ritmo dele, e se

revelou incrivelmente inteligente.

Respeito é um assunto complicado. Primeiro, existe o

respeito ao seu filho como uma pessoa autônoma. Respeitar

o tempo de desenvolvimento de uma criança não tem a ver

apenas com andar e falar. É preciso um pouco de paciência

nesse aspecto — às vezes muita. O desenvolvimento

também tem a ver com nos tornarmos as pessoas que

nascemos para ser. E esse processo exige uma camada mais

profunda de respeito: aceitar um filho pelo que ele é e

deixar que a vida dele se desenvolva de acordo com isso. As

crianças precisam ter a chance de assumir a liderança. Isso

significa que elas guiam você. As crianças sabem quem elas

são. A função dos pais é honrar e respeitar isso.

Vale a pena começar desde cedo. Deixar que as crianças

assumam a liderança quando são pequenas é um

treinamento importante para os pais. Isso nos dá as

habilidades de que vamos precisar para enfrentar outras

tarefas mais, digamos, avançadas quando elas crescerem.

Descobrir quem você é pode ser um processo confuso e

ineficiente. Quando as crianças estão na liderança, elas


fazem todo tipo de desvios. Poucos encontram logo seus

interesses. Para falar a verdade, a maioria passa por um

período em que não faz ideia do que está fazendo — mas

juro que uma hora ou outra eles vão descobrir.

Anne foi a filha que mais me mostrou o valor da

paciência na educação dos filhos. Ela se graduou em

biologia em Yale, voltou para casa em Palo Alto e decidiu se

tornar uma babá profissional. Sim, isso mesmo: babá.

“Sério?”, questionei. “Depois de ter se esforçado tanto na

faculdade? Mas e a biologia?” Não demorou muito para ela

divulgar um anúncio escrito à mão no clube de natação e

tênis da cidade e, pouco depois, estava trabalhando para

duas famílias que ela adorava. Um mês se passou, depois

dois. Eu estava tentando lhe dar tempo para ela encontrar o

que de fato queria. Recém-graduados precisam de um

momento para aliviar a tensão e se orientar. Não fui uma

daquelas mães que obrigam a filha a fazer entrevistas de

emprego durante todo o último ano da faculdade. O ensino

superior era uma experiência dela. No entanto, percebi que

essa poderia ser uma hora em que ela precisava de um

empurrãozinho.

Certa manhã, eu disse: “Anne, está tendo uma feira de

empregos em Santa Clara. Não acha que deveria ir?”. Pensei

que isso mostraria a ela outras possibilidades. Bom, ela foi,

mas apenas como um favor para mim. Voltou e disse que o

evento tinha sido uma chatice.

“Não conheceu ninguém interessante?”, perguntei. Na

verdade, ela tinha sim conhecido alguém interessante, um


investidor que quis levá-la a uma entrevista em Nova York.

O que interessou Anne, porém, não foi tanto a perspectiva

do seu primeiro grande emprego depois da faculdade, mas a

viagem de graça para Nova York. É claro que eu queria que

ela fosse. A empresa a hospedou no Helmsley Hotel na rua

42 e, na primeira noite, ela me ligou no meio do que

parecia uma tempestade terrível. “Tem um telefone no

chuveiro!”, ela disse, e passou a descrever todas as

amenidades do hotel.

A entrevista correu bem e, depois de uma semana, a

empresa lhe ofereceu um cargo no fundo de investimento

em biotecnologia. Eu e Stan ficamos animadíssimos. Era

uma excelente oportunidade para Anne. Parecia o começo

perfeito para uma carreira fascinante. Por um momento,

pensei que meu trabalho tinha terminado.

“Não sei”, Anne disse. “Eu gosto dessas famílias para

quem estou trabalhando de babá.” A essa altura, eu estava

prestes a ter um ataque cardíaco. Pensei comigo mesma:

essa menina brilhante não pode ser babá pelos próximos

trinta anos. Mas me obriguei a não falar nada. Sabia que

devia ser paciente e respeitar as escolhas dela, por mais que

discordasse.

Anne pensou por alguns dias, e então recusou a oferta.

O.k., a essa altura eu queria uma explicação. Ela disse que

adorava as crianças de quem estava cuidando, mas repeti

que tinham lhe oferecido um emprego dos sonhos. Eu

queria que eu pudesse ter aceitado aquele emprego. Mas não

era o que ela queria. Então precisei me acalmar. E me


acalmei. Comprei uma camiseta para ela que dizia MELHOR

BABÁ, o que ela era. Pelo menos, ela estava fazendo algo

produtivo.

Passadas algumas semanas e, talvez, depois de ouvir

algumas opiniões de amigos e de Stan e de mim, Anne

começou a se questionar se tinha tomado a decisão errada.

“Pode ser divertido morar em Nova York”, eu disse. “Parece

um bom emprego.”

Duas semanas depois, ela voltou a telefonar para eles.

“Estávamos esperando a sua ligação”, disseram para ela —

mas precisavam que ela fizesse uma última entrevista, dessa

vez em Palo Alto mesmo. Sempre a menina californiana,

Anne foi de shorts e chinelo. Imagine ir a uma entrevista de

shorts e chinelo sem nem saber quem vai entrevistar você!

Isso foi nos tempos antes do Google, e ela não fez nenhuma

pesquisa. Mas devíamos deixar que ela tomasse suas

próprias decisões (e cometesse seus próprios erros). De que

outro jeito ela iria aprender?

A pessoa que foi se encontrar com ela era ninguém

menos do que Marcus Wallenberg, o importante investidor

sueco. No fim, foi uma entrevista excelente, apesar da

escolha dos trajes de Anne, e foi assim que ela começou a

trabalhar no fundo de biotecnologia Investor AB para a

família Wallenberg, uma experiência que ela adorou e que a

direcionou para uma carreira em Wall Street.

Tudo deu certo para Anne, mas alguns jovens precisam de

um pouco mais de orientação. Atualmente, muitos recém-

formados não fazem ideia do que querem fazer, então


voltam para casa e ficam sem fazer nada. Esse está longe de

ser um bom plano. Como saber quando devemos deixar que

eles encontrem seu caminho e quando intervir? A minha

teoria é a seguinte: eles precisam fazer alguma coisa. O

problema é não fazer nada. E “alguma coisa” não significa

jogar video game, a menos que seu filho leve a programação

de jogos a sério. Queremos que nossos filhos contribuam

para a sociedade de alguma forma. Eles devem ganhar um

salário ou fazer um estágio. E deve haver um limite no

aluguel gratuito. É bom lhes dar um tempo para resolverem

sua vida, mas, depois de uns seis meses, eles devem pagar

para morar na sua casa, mesmo que seja um valor

simbólico. Isso também faz parte do respeito: esperar mais

do seu filho. A educação respeitosa é acolhedora e exigente.

Como estudante em Berkeley, tive o trabalho nada

glamoroso de faxineira. Pagava bem, e eu oferecia um bom

serviço para os meus clientes. Também tive o trabalho mais

glamoroso de modelo de passarela para a Roos Atkins, uma

loja de departamentos chique em San Francisco, e modelo

de catálogo. Também pagava bem. Além disso, trabalhei

como supervisora de playground nas escolas públicas da

região de Berkeley. Em certos aspectos, cada um desses

empregos contribuiu para o mundo em que eu vivia. Eu

não ficava esperando as coisas de mão beijada. Era uma

membra responsável da sociedade e estava aprendendo a ser

adulta.

Susan teve um emprego temporário gerenciando todos os

caminhões de lixo de Palo Alto. Era sua responsabilidade


garantir que seguissem a rota e fossem lavados toda manhã

depois de terminarem. Não era um trabalho muito

prestigioso, mas era muito útil e importante. E tinha lá suas

vantagens. Lembro um dia em que ela me ligou animada

para dizer que os funcionários haviam encontrado um sofá

vermelho lindo, e perguntou se eu o queria para a escola. É

claro que queria. Ele foi entregue imediatamente e se

tornou o lugar mais disputado para relaxar no centro de

mídia. Aquele sofá vermelho ajudou muitos alunos a

escreverem diversos artigos.

Além de empregos temporários, ver o mundo é a melhor

educação que os jovens podem ter. Isso lhes dá ideias novas.

Eles podem viajar com um amigo, ser voluntários em um

país estrangeiro, passar alguns meses aprendendo outra

língua ou trabalhar para uma fundação em que acreditam.

Trabalho como conselheira na Roadtrip Nation, com a qual

os jovens podem viajar pelos Estados Unidos e conhecer

pessoas de todos os estilos de vida. Também participo do

conselho consultor do Global Citizen Year, um programa

anual que ajuda a unir os jovens a suas paixões. Sempre

digo aos meus alunos: “Faça sua escolha, mas faça algo!”. E

dou o mesmo conselho para os pais: tenha a mente aberta e

deixe seu filho liderar o caminho.

VER NOSSOS REFLEXOS NOS FILHOS

Aos dezesseis anos, Greg era um gênio do design gráfico.

Vi seus desenhos pela primeira vez na década de 1990,


quando ele estudava em meu programa de jornalismo, e

soube que ele era especial. Ele desenhava paisagens

lindíssimas e projetos arquitetônicos complexos, e adorava

fazer layouts de página para o jornal da escola. Na época, o

design gráfico ainda era no papel, mas minha intuição dizia

que o design computadorizado seria importante no futuro,

então sugeri que Greg usasse um computador para

desenhar. Por que não acrescentar a tecnologia à sua arte?

Ele adorou a ideia e a colocou em prática.

O problema era que o pai de Greg era médico e sua mãe,

pesquisadora de medicina. A última coisa que eles queriam

era que o filho se tornasse um profissional criativo, muito

menos um designer. Ele deveria ser médico, advogado ou —

melhor ainda — cientista. Seus pais exigiam que ele fizesse

uma carga avassaladora de matérias de ciências avançadas,

então ele passava a maior parte do tempo estudando e

tentando encontrar uma brecha para se dedicar à arte que

amava. Greg ia muito bem nos estudos porque era bastante

inteligente — mas estava infeliz. Todo mundo percebia isso.

Quando chegou ao último ano, ele estava bem deprimido.

Um dia, no meio do semestre, a mãe de Greg me ligou

para falar sobre as notas dele. Convidei seus pais para

conversar depois da aula. Estava preocupada com Greg e

queria ajudar. Os pais me disseram que a ciência era muito

importante para eles, e eu respeitava as conquistas deles.

Dava para ver que queriam que seu filho seguisse seus

passos. A questão é a seguinte: a visão que os pais têm para

a vida de seus filhos é importante. Eles sacrificam muito


pelos filhos. Eu abandonei minha carreira durante uma

década para criar minhas filhas, e Stan trabalhava dia e

noite para nos sustentar (e porque era muito apaixonado

por física). Nossas opiniões e ideias importam. Mas às vezes

o filho tem um sonho diferente, um caminho distinto a

seguir.

Eu e os pais de Greg discutimos algumas estratégias sobre

como usar o jornalismo para inspirá-lo em relação à

ciência. “Que tal pedir para ele escrever artigos sobre a

pesquisa em Stanford?”, a mãe sugeriu. Eles estavam

focadíssimos em deixá-lo “interessado” em ciências. “Vou

ver o que posso fazer”, eu disse; no entanto, sabia que Greg

já tinha outros interesses. Interesses que seus pais se

recusavam a enxergar.

Sugeri que Greg escrevesse alguns artigos sobre tópicos

científicos, o que ele fez sem muito entusiasmo, mas

continuava desenhando… o tempo todo. Ele tinha cadernos

e cadernos preenchidos. O desenho era inato, parte do seu

DNA. Ele me lembrava meu pai e de como ele era um grande

artista, mas também de como éramos pobres. Os pais de

Greg estavam certos em se preocupar com a vida do filho

caso ele escolhesse um caminho criativo. Mas o menino

simplesmente não queria ser cientista.

Vi essa situação diversas vezes em meus 36 anos como

professora. Os pais tendem a definir suas metas para os

filhos apenas em termos dos próprios interesses e

experiências — e fazem isso porque querem

desesperadamente que seus filhos sejam bem-sucedidos. Dá


para entender. A intenção é boa. Os pais também têm a

tendência de projetar seus medos e preocupações nos filhos,

sobretudo quando o assunto são opções de vida e carreira

que eles não conhecem muito bem. É melhor fazer algo

seguro, eles pensam, do que trilhar um caminho novo. Vejo

pais de alunos do ensino fundamental que matriculam seus

filhos em atividades depois da escola que os pais desejam,

mas não os filhos. O que a criança quer é voltar para casa,

ficar com os amigos e brincar na rua. Em outras palavras,

ser criança. Mais adiante, os pais de adolescentes ficam

tristes porque os filhos estão “distantes”. Bom, estão

distantes porque não querem receber ordens o tempo todo.

Querem seguir seus interesses e viver a própria vida. Em

vez disso, se sentem desrespeitados e incompreendidos.

Nada disso me fez avançar com os pais de Greg. A mãe

dele passou a me ligar toda semana para ver como ele

estava. Ela vivia dizendo: “Veja o que você pode fazer para

mudar a cabeça dele”. Depois, seus pais decidiram que ele

precisava de terapia. Greg foi às sessões, mas nada mudou.

Ele continuou se rebelando à sua maneira comportada. Fazia

a lição de casa das aulas de ciência, mas, ao mesmo tempo,

se dedicava ao design gráfico. Ele não brigava com os pais,

mas também se recusava a fazer o que eles mandavam. Toda

a existência dele se focava em não se tornar um físico.

Minha filosofia é sempre apoiar os alunos enquanto

atendo às necessidades dos pais. É difícil. Falei para Greg:

“Sei que precisamos lidar com os seus pais. Não se

preocupe, vou te ajudar”. E foi o que fiz. Falei que a única


preocupação dele na minha aula era se tornar quem ele

quisesse. Em todos os meus anos como professora, aprendi

que em geral são os pais que fazem birra quando não

conseguem o que querem — e não os filhos.

Minha aula se tornou a paixão dele, o antídoto para o

trabalho exaustivo das aulas de ciências avançadas. Ele

passava horas criando para o jornal; fez um desenho

excepcional para a parte de trás das nossas camisetas;

ajudou a reformular as páginas para ficarem com um ar

mais profissional. Ele vivia olhando revistas em busca de

ideias novas. Assino umas vinte revistas e, quando termino

de ler, elas sempre vão parar na minha sala de aula — até

hoje.

Agora, cerca de vinte anos depois, Greg é um artista

gráfico e web designer famoso que dirige uma empresa de

sucesso em Los Angeles. Ele fez algumas matérias de física

na faculdade para agradar os pais, mas no fim decidiu

seguir seus sonhos.

Outra aluna, Lisa, não teve tanta sorte. Ela era uma

menina linda, extrovertida e sociável, presidente do grêmio

estudantil e líder nata no meu curso de jornalismo. Seu

sonho era se tornar professora, mas seus pais queriam algo

mais prestigioso para ela: medicina. E, como era uma boa

filha que queria agradar os pais, ela fez o que eles pediram.

Completou os estudos de preparação para medicina em uma

universidade de excelência e entrou para uma faculdade de

prestígio. Ela se saiu bem, se formou e se casou, nessa

ordem. Todos acharam que ela entraria para a pediatria


porque adorava crianças, mas ela decidiu “adiar” a prática.

Esse adiamento dura vinte anos. Ela nunca voltou para a

medicina. Decidiu que não queria ser médica, de jeito

nenhum — e largou a carreira.

Lisa está na casa dos cinquenta agora. Ocupou um espaço

valioso na faculdade de medicina, passou anos estudando

algo que não queria, e fez tudo isso para agradar os pais. O

que ela quis no final foi virar dona de casa, e é o que é hoje.

Ela está feliz. Finalmente.

A lição de tudo isso: os filhos vão escutar você — eles

querem seu amor e sua aprovação —, mas, para ser felizes,

terão de escutar a si mesmos.

Outra aluna minha vivia em pé de guerra com o pai sobre

ser obrigada a usar um lenço cobrindo a cabeça na escola. A

família tinha se mudado do Cairo para Palo Alto e, embora

estivessem buscando uma vida nova, o pai estava

convencido de que a filha deveria se conformar às normas

de sua religião. A maioria dos pais imigrantes quer que seus

filhos mantenham a cultura do país de origem, por motivos

compreensíveis. A tradição é importante. É o que nos

sustenta e nos define. Mas, ao mesmo tempo, esses pais

querem que seus filhos “se tornem americanos”. Para os

jovens, isso é muito confuso.

Os pais também ficam confusos. Eles fazem sacrifícios

enormes para dar uma vida melhor aos seus filhos, mas

também podem ter dificuldades para respeitar a cultura do

novo mundo. Lembro que meus avós sofriam ao me ver

crescendo como americana. Eles eram nossos vizinhos em


Sunland-Tujunga e esperavam que eu fosse como uma judia

religiosa de Chernivtsi, na Ucrânia. Havia uma tensão

constante sobre o que eu fazia e dizia na adolescência. Eu

definitivamente não agia como se tivesse sido criada na

Ucrânia. Havia duas coisas que os chocavam: uma era

minha altura. Tenho 1,78 metro e venho de uma família em

que as mulheres tinham em média 1,57 e os homens, 1,70.

As conversas de domingo da família sempre incluíam

alguém perguntando: “Esther cresceu de novo esta

semana?”, para meu pavor de adolescente insegura. Sempre

temia que tivessem pegado o bebê errado na maternidade

até meu irmão, Lee, chegar a 1,88 metro. O fato de eu

querer ser jornalista era igualmente espantoso. Mulheres

nunca eram jornalistas. “É uma carreira para homens

inteligentes”, me diziam e, na época, o mundo jornalístico

concordava com eles. Em muitas culturas, espera-se que as

crianças sejam um reflexo dos pais ou avós, espelhando

todos os mesmos valores e escolhas — até as características

físicas — e, quando isso não acontece, as relações se

rompem.

Minha aluna do Cairo não veio falar comigo

imediatamente, mas, quando a encontrei chorando no

laboratório de informática, sugeri que tivesse uma conversa

franca com o pai sobre suas dificuldades. Ela tentou. Deu

certo por algumas semanas, mas depois seu pai disse que ela

devia usar o véu. Eles continuaram brigando. O pai disse

que, se ela não obedecesse, expulsaria a filha de casa.


Ela ficou tão desesperada que começou a pesquisar

abrigos para sem-teto e perguntar às amigas se poderia

morar com elas. Dá para imaginar uma menina de dezesseis

anos vivendo em um abrigo para sem-teto —

completamente sozinha? Ela acabou indo morar com uma

amiga. E, enquanto estava fora de casa, as coisas

melhoraram um pouco. Bendita seja a amiga que a acolheu.

Mas o problema era que ela sentia falta de sua família e eles

dela. Ela era uma adolescente. Precisava dos pais. Depois de

alguns meses, o pai disse que ela poderia voltar para casa,

mas só se usasse o véu, então ela concordou. Que tormento

para todos eles! Essa aluna foi colocada em uma posição de

ter de escolher entre seguir o que considerava certo e fazer

parte de sua família. E seu pai, que queria o melhor para

ela, não se deu conta de que, às vezes, se mudar para um

país diferente significa se adaptar a uma cultura diferente.

Esta é a lição mais difícil para os pais: não se pode vencer

uma batalha como essa. Você pode dizer: “Até os dezoito

anos, vai ter de fazer as coisas do meu jeito!”. Mas seu filho

sabe que vai fazer dezoito, e tem todo o direito de ter as

próprias opiniões. Não ganhe uma batalha para perder a

guerra.

Tendemos a enxergar nossos filhos como uma extensão

de nós mesmos. Esse é um dos principais motivos por que

temos filhos — estender nossos objetivos e sonhos para

sempre, criar réplicas de nós mesmos para que toda a

sabedoria que adquirimos não se perca. Não é este um dos

principais comentários que ouvimos sobre um bebê, que o


pequeno João é igualzinho ao pai? Os pais e as mães estão

sempre buscando sinais de como seu filho é igual a eles na

aparência física e na personalidade, ou a outra pessoa na

família. Definitivamente não ajuda quando o filho é

idêntico ao pai ou se comporta da mesma forma. Pode ser

muito confuso. Algumas pessoas até pensam que um

parente falecido reencarnou no corpo da criança nova. Às

vezes, parece que nossos destinos foram traçados na

maternidade. Há pouco tempo, conheci um homem que me

disse que havia dez gerações de médicos na sua família,

datando de vários séculos. Ele tinha orgulho dessa

linhagem, claro, mas fiquei pensando nos filhos que não

queriam seguir esse mesmo rumo.

Os psicólogos chamam isso de “ego” na criação dos filhos.

“Eu sou a mãe. Essa é minha filha.” Dar os nomes dos filhos

em homenagem aos pais ou avós é um sistema comum de

ego parental: pensamos nessa criança como um substituto.

Às vezes, tentamos medir nosso valor de acordo com o que

nossos filhos alcançaram, o modelo de carro que dirigem ou

o quanto ganham. É como uma exposição de animais —

desfilar um filho para inflar o próprio ego. “Olhe o que

meu filho consegue fazer, e ele só tem dois anos!” Já vi

vídeos de crianças que conseguem traduzir até cinco línguas

aos cinco anos, ou crianças que decoraram tabuadas aos

seis. Quem fica feliz com isso? Claramente, são os pais

cheios de orgulho. A criança, eu não sei. E você já se

questionou por que os pais não são responsáveis pela

educação formal dos filhos? É porque se veem — incluindo


todas as suas inseguranças e imperfeições — em seus filhos.

Quando o filho não entende algo de imediato, ou, deus o

livre, é reprovado, o pai fica logo bravo e frustrado, o exato

oposto de um bom professor.

Se pararmos para pensar, essa suposição de que nossos

filhos seguirão nossos passos é bastante problemática no

século XXI. É muito mais difícil se preparar para uma

carreira — porque não sabemos como serão os empregos.

Dez anos atrás, quem teria pensado que teríamos biologia

sintética ou impressão 3-D? Até profissões aparentemente

estáveis como a medicina estão mudando. Os médicos agora

usam fichas eletrônicas, ou contam com a robótica para

cirurgias, e tomam notas com o Google Glass durante as

consultas. No futuro próximo, seus raios X poderão ser

lidos com mais precisão por robôs. Então talvez não seja

aconselhável incentivar seu filho a se tornar um contador,

mesmo que essa tenha sido uma ótima profissão para você.

A contabilidade pode se tornar um campo em extinção.

Como Thomas Friedman afirma, este é o século do

autodidatismo e da paixão. Acho que é hora de definirmos

“sucesso” como “paixão”. E todos sabemos que as crianças

não desenvolvem paixão à força.

Tentar clonar seus filhos à própria imagem, não ver e

respeitá-los pelo que eles são, pode ser um problema grave.

Como professora, vejo que as crianças estão ficando mais

deprimidas e desesperadas a cada ano. De acordo com o

Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados

Unidos, cerca de 3 milhões de adolescentes entre doze e


dezessete anos tiveram pelo menos um episódio depressivo

grave no último ano. São muitos os motivos para isso, desde

a insegurança causada pelas redes sociais passando por uma

sobrecarga insuportável de matérias no ensino médio até a

pressão de entrar na universidade dos seus sonhos — ou

será a universidade dos sonhos dos seus pais?

Quando o estresse é demais, os jovens podem ser levados

ao suicídio. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças

dos Estados Unidos descobriram que o suicídio é a segunda

maior causa de morte tanto entre jovens de quinze a 24

anos quanto entre crianças de dez a catorze. A tendência

geral é perturbadora: entre 1999 e 2016, o número de

suicídios aumentou 28%. Aqui em Palo Alto, tivemos uma

série de suicídios de adolescentes que chocou

profundamente a comunidade. Os dois colégios locais,

Gunn e Palo Alto, tomaram medidas sérias para reduzir a

pressão sobre os estudantes. Kim Dorio, ex-diretor da Palo

Alto High School, começou um programa bem-sucedido

com a ajuda de Denise Pope, professora de pedagogia de

Stanford. O objetivo é tirar a pressão parental e social dos

jovens para que eles possam ser eles mesmos, se concentrar

no que é importante para eles e entender que tirar um oito

não é o fim do mundo. Mas quantas outras escolas no país e

no mundo ainda não adotaram medidas semelhantes?

Quantos jovens estão estressados e deprimidos? Quantos se

sentem sobrecarregados e incompreendidos? A resposta é:

muitos.
A depressão e o suicídio são temas complexos, eu sei. São

muitos os fatores de risco. Mas, no fundo, todos giram em

torno da sensação de aprisionamento, quando os jovens se

sentem forçados a levar vidas que não são as deles. E, em

alguns casos, parece não haver saída. Quando uma

pesquisadora de Yale entrevistou adolescentes em

comunidades de classe alta como Palo Alto, tentando

discernir os tipos de pressões sob as quais eles estavam que

poderiam levar ao suicídio em casos extremos, ela

encontrou duas causas de angústia principais. A primeira

era a “pressão para ter êxito em múltiplas atividades

acadêmicas e extracurriculares”. Essa nós conhecemos bem.

Mas a segunda era o isolamento em relação aos pais. É o

que acontece quando os filhos não são respeitados por suas

próprias ideias, paixões ou preferências. Eles começam a ter

medo ou raiva dos pais, o que impossibilita qualquer

comunicação. São afastados quando mais precisam de apoio.

Sermos respeitados por ser quem somos é tão

fundamental que, se uma pessoa — qualquer uma — puder

demonstrar aos jovens um pouco de respeito, eles podem

ser salvos, mesmo quando tudo parecer perdido. Quando

penso na importância de encontrar e estimular a paixão de

um jovem, realmente entendê-lo, penso em Caleb, um

aluno afro-americano alto e bonito da minha turma de

inglês do primeiro ano. Ele estava sempre sorrindo, mas

havia uma tristeza em seus olhos. Essa turma em particular

tinha quinze meninos e três meninas, os alunos de inglês

com as notas mais baixas da escola (dois ou mais níveis


abaixo do seu ano em leitura). Eu me voluntariei para dar

aulas para essa turma. Não havia muitos outros professores

ansiosos para assumir esse desafio. Mas eu queria ajudar.

Também queria saber se meus métodos funcionariam com

jovens de baixo desempenho. Esses estudantes sofriam todo

tipo de problema pessoal, e o sistema educacional

tradicional não tinha feito muito para capacitá-los ou

incentivá-los.

Como professora, sei que todo semestre vou encontrar

alunos difíceis, e Caleb foi um deles. Ele não queria estudar.

Dava para ver que estava deprimido, por mais que não

exibisse os sinais típicos de depressão. Ele havia passado os

primeiros oito anos de ensino formal em meio a encrencas

e sabia que aquele ano não seria diferente. Ele não tinha

objetivos. Quer dizer, um objetivo ele tinha: atrapalhar a

aula. Era assim que conseguia chamar atenção. Algumas

semanas depois do início das aulas, ficou claro que Caleb

estava perdido e desmotivado.

Um dia o chamei depois da aula. “Caleb, parece que você

preferia estar em outro lugar que não na escola”, eu disse.

“É verdade?”

“Sim”, ele respondeu. “Odeio a escola.”

“Sério? Odeia mesmo?”

“Sim. Odeio mesmo.”

Continuamos conversando, e descobri que ele morava

num apartamento pequeno de dois cômodos em East Palo

Alto. Sua mãe e sua irmã dormiam na sala, e ele, no quarto.

Era difícil frequentar uma escola com colegas cujos pais


tinham tanto dinheiro. Sua mãe trabalhava como doméstica,

e a família sofria para pagar as contas. “Não é legal ouvir o

que todos fazem nos fins de semana, o dinheiro que têm”,

ele disse, parecendo bastante incomodado. Dá para ver

quando um jovem está deprimido. É só olhar nos seus

olhos. Há uma apatia ali, uma falta de brilho. Caleb

imaginava que suas chances de viver depois dos 25 eram

nulas. Ele me disse: “Meninos negros morrem cedo”.

“Nem todos os meninos negros morrem cedo”, eu disse,

“e você vai ser um dos que sobrevivem.”

Decidi descobrir os interesses dele — todos se interessam

por alguma coisa. Descobri que ele gostava de tênis, de

todos os tipos. Por quê? Tênis demonstravam status em sua

comunidade, e eram algo que ele conseguia comprar.

Pessoas com certas marcas de tênis eram consideradas

“descoladas”.

Meu próximo passo foi incentivá-lo a se tornar um

especialista em tênis e como comprá-los. Pedi para ele

procurar os tênis que queria e comparar os preços. Que

tênis eram melhores e por quê? Que sites ofereciam os

melhores preços? Falei para ele compartilhar essa

informação com seus amigos. Ele gostou disso também.

Sempre que os jovens podem se tornar especialistas em

algo, eles se sentem bem consigo mesmos. Podem ser

especialistas em Minecraft ou em insetos ou no que for. Não

importa. Só precisam ser especialistas.

Parece muito simples, e não muito transformador. Mas

duas coisas aconteceram: ele agora tinha um assunto sobre


o qual “manjava”, e uma professora que acreditava nele.

Caleb começou a chegar na hora, por vontade própria. Seu

rosto mudou. Ele sorria e queria conversar comigo o tempo

todo. E fazia os trabalhos.

Eu e Caleb ainda mantemos contato. Às vezes o levo para

almoçar. Agora ele está no segundo ano de uma faculdade

comunitária da região com planos para se tornar um

eletricista com uma empresa própria. O que aconteceu com

Caleb pode acontecer com todos: podemos resgatar os

jovens, com carinho e cuidado, descobrindo seus interesses

e demonstrando confiança e respeito. Todo estudante tem

potencial, todo estudante merece ser salvo.

QUANDO O RESPEITO É UM DESAFIO

São muitos os desafios ao simples conselho de respeitar os

filhos. Pegue a ordem de nascimento, por exemplo. Criar

um filho já é difícil, mas dois é ainda mais. A partir de três

é como administrar um circo todos os dias. Você só tem

duas mãos e, se tem três filhos, onde a terceira criança vai

se segurar? Toda criança é especial e quer algo diferente.

Toda criança precisa se diferenciar dos seus irmãos, e toda

criança precisa desafiar os pais, ainda mais quando cresce.

A ordem do nascimento representa um grande papel no

desenvolvimento das crianças e em como elas escolhem

desafiar os pais. No caso das minhas filhas, lidei com três

indivíduos em três estágios de desenvolvimento que

queriam coisas diferentes. O primogênito é especial por ser


o primeiro, enquanto o mais novo tem o privilégio de ser o

caçulinha. Mas e o do meio? Se for de um sexo diferente

dos irmãos, ele ou ela terá essa diferença, mas, se não, não é

fácil, mas é possível para os pais entenderem sua

individualidade.

Todas as minhas filhas queriam ser abraçadas, ter a minha

atenção e, mais importante, ser minha “favorita”. Lembro de

uma das perguntas prediletas delas, sempre em horários

inoportunos, como às 6h30 da manhã: “Mamãe, eu sou sua

filha favorita?”. Ninguém quer uma pergunta dessas às

6h30. Minha resposta era sempre a mesma — meio

dormindo, erguia a mão e perguntava: “Certo, qual dedo é o

meu favorito? Se eu tivesse de cortar um, qual eu deveria

cortar hoje?”. Isso bastava. Elas paravam de perguntar. Por

uma semana mais ou menos.

Essa explicação não impedia Janet, a filha do meio, de

querer ser a número um em tudo. Os irmãos mais novos

têm duas opções para chamar a atenção: competir com os

mais velhos ou se rebelar e ser o mais diferente possível.

Janet escolheu a primeira. Ela sempre quis vencer Susan, a

mais velha, e quase sempre conseguia. Queria nadar mais

rápido, correr mais rápido, ler mais rápido, falar mais

rápido, ganhar mais abraços e receber mais carinho.

Começou a fazer contas desde cedo e entrou para o jardim

de infância aos quatro anos. Era incrível de ver. Ela sempre

tentava ser mais alta do que Susan, embora, para sua

tristeza, não conseguisse. Quando Anne nasceu, Janet não só

queria ser tão boa ou melhor que Susan, mas também mais
fofinha do que Anne. Ela fazia um ótimo trabalho, mas era

difícil competir com Anne, que se distinguiu como a mais

encantadora. Dava para ver isso mesmo quando ela tinha

apenas um ano. Menina esperta. Ser fofinha era seu jeito de

conseguir o que queria.

As festas de aniversário eram complicadas. Eu resolvia o

problema dando presentes de aniversário para Janet no

aniversário de Susan e fazendo o mesmo para Susan no

aniversário de Janet. Elas concordavam que era uma ótima

ideia. Todas ganharam presentes quando Anne entrou para a

família. Uma vantagem enorme para as três.

Milhares de estudos investigaram os efeitos da ordem de

nascimento, e a maioria confirma o que sabemos

instintivamente. Dizem que os primogênitos são os mais

propensos a obedecer. Em parte, porque estão em menor

número do que os pais. Mas também porque têm vantagens

em relação aos irmãos mais novos, então podem ganhar a

atenção dos pais do jeito fácil: é só fazer a vontade deles. De

acordo com o dr. Kevin Leman, psicólogo e autor de Mais

velho, do meio ou caçula: A ordem do nascimento revela quem você é

e The First-Born Advantage [A vantagem do primogênito], os

primogênitos também são mais cobrados. Bom, não era

assim na minha família. Janet se cobrava mais, e conseguia

o que queria. Leman diz que o filho do meio tende a ser o

“pacificador da família” e normalmente é o mais simpático

e leal. Talvez em algumas famílias. Mas eu nunca chamaria

Janet de pacificadora. Ela vivia atrás de algo empolgante e

divertido. Na verdade, era a desafiadora, a inspiradora e a


faísca criativa. E, em geral, os caçulas costumam ser

“nascidos para se rebelar”, como afirma o título do livro de

Frank Sulloway sobre o tema.

O que está incluído nas pesquisas, mas raramente é

afirmado de forma explícita, são as expectativas que temos

em relação aos filhos. Se os primogênitos são os primeiros

em tudo, é provável que seja porque os pais esperam que o

primeiro filho seja o primeiro em tudo. Em nossa família,

eu esperava que tanto Susan como Janet fossem boas no que

faziam e, se não fossem, que tentassem outra vez. Não havia

mal em cometer erros e começar de novo. Pelo contrário,

isso era incentivado. Afinal, é assim que se aprende. E as

crianças atendem às nossas expectativas. Eu tinha altas

expectativas para Susan, mas não excluía Janet dessas

expectativas. Eu esperava que as duas as atendessem e,

quando Anne nasceu, tive as mesmas expectativas em

relação a ela.

Vale repetir: respeitar inclui definir padrões altos. Você

não está respeitando as capacidades dos seus filhos se

mimá-los. Mas também não está respeitando seus filhos se

os forçar a se sobressair em atividades que não significam

nada para eles. Definir altos padrões só funciona quando as

crianças se interessam pelo que fazem. Elas devem ser bem-

sucedidas no que elas escolherem, não no que você escolher.

Este é um dos principais problemas: os pais estão

escolhendo. Claro, você pode orientar seus filhos, mas

nunca forçá-los a nada. Caso contrário, há uma boa chance

de que eles acabem deprimidos e rancorosos. Vejo Susan


orientar seus cinco filhos; não é fácil, porque eles têm

interesses muito diferentes, mas ela respeita isso e incentiva

a excelência em tudo que eles escolhem. Jacob adora

música, então Susan apoiou sua paixão pelo piano; Amelia é

uma atleta talentosa, então Susan a apoiou para entrar no

time de futebol. Cada filho tem a capacidade de escolher,

mas a expectativa é que todos tenham o melhor

desempenho possível.

Às vezes, seu filho pode perder o respeito por você —

mas isso pode ser corrigido. É mais difícil quando eles são

mais velhos, mas ainda assim é possível. Uma das coisas

mais difíceis de ser pai e mãe é respeitar a privacidade dos

filhos. E todas as crianças precisam de privacidade — até os

bebês. Pedi para minha filha Janet inúmeras vezes para

arrumar o quarto quando ela tinha treze anos. Ela não

obedeceu, então um dia perdi a paciência e decidi arrumar

eu mesma. Adivinha o que encontrei embaixo da cama? O

diário. Lamento confessar que cedi à tentação e li. Foi

fascinante descobrir o que ela estava fazendo e pensando,

mas soube imediatamente que havia violado a privacidade

dela. Me senti péssima.

Alguns pais teriam colocado o diário exatamente onde o

encontraram e guardado segredo sobre o incidente. Mas não

me parecia certo. A única coisa que eu podia fazer era me

entregar. Quando Janet voltou da escola, confessei.

Envergonhada, devolvi o diário para ela. Ela bateu a porta

na minha cara e não me deixou chegar nem perto do seu

quarto, mas continuei pedindo desculpas. Expliquei que


tinha perdido a paciência e feito algo que sabia ser errado.

Disse que estava arrependida. Às vezes, você precisa ajudar

seus filhos a entenderem os dois lados da história e as

emoções que você está sentindo. Prometi a Janet que nunca

desrespeitaria sua privacidade de novo. E ela foi bondosa o

bastante para me perdoar. Seus filhos perceberão que você

comete erros. Eles vão aprender mais com a maneira como

você reage a seus próprios erros do que com o erro em si.

Lembro de outra vez em que as minhas filhas não

queriam que eu fosse a uma festa onde havia outros pais.

“Você vai falar demais, mãe, e vai dominar a conversa”, elas

disseram. Fiquei magoada, claro. Mas pensei comigo

mesma: não quero invadir o espaço delas se elas não me

querem lá. E é provável que elas tivessem razão: eu

dominaria a conversa. Então não fui e não guardei mágoa.

Tudo bem. Eu as respeitei, e pareceu que tínhamos virado

uma página. Na vez seguinte em que houve uma festa, fui

convidada. Dei meu máximo para não falar demais (algo um

tanto difícil para mim). O que penso que aconteceu é que

elas queriam se sentir no controle e, quando concordei em

não ir, mesmo que apenas uma vez, eu as tranquilizei com a

certeza de que elas estavam no controle da vida social delas.

Não basta falar. As ações falam mais do que as palavras. Essa

única festa abriu as portas para minha inclusão na próxima,

e gosto de pensar que aprendi algo que elas estavam

tentando me ensinar.

Confesso que precisei aprender um bocado quando o

assunto passou a ser meus netos. Eu imaginava que ser avó


era como ser mãe — um erro que muitas pessoas

cometem —, e que eu poderia ter tanto controle quanto tive

com as minhas filhas. Errado. Eu era uma das piores para

comprar brinquedos, roupas, doces. Um fluxo incessante de

presentes para meus netos, porque eu os amava. Descobri

que esses presentes nem sempre eram bem-vindos. Susan

me olha com desconfiança quando entro com uma caixa ou

sacola cheia de brinquedos para as crianças. “Eles não

precisam de mais coisas, mãe”, ela me fala. “Está bem”,

digo, “que tal deixar que brinquem com os brinquedos por

uma hora?” E tento me conter, tento mesmo. Mas é difícil.

Criei o hábito de comprar para minha neta Sophie

biscoitinhos de açúcar especiais que não vinham em uma

caixa comum, mas dentro de um ursinho de plástico.

Quando se apertava uma alavanca, saía um biscoito. Eram

biscoitos simples, mas a embalagem os tornava irresistíveis.

O que eu poderia fazer? Não conseguia parar de comprá-los.

Mas, certa manhã, Anne reclamou que Sophie tinha

chorado a noite toda: “Ela queria você”, ela me contou.

Estava chorando por minha causa, mas não porque me

queria. Queria os biscoitos. Lição aprendida. Eu era uma avó

excessivamente empolgada que precisava se conter um

pouco. Minhas filhas se encarregaram disso! Elas são as

mães. Tenho de respeitar as ideias e os desejos delas. Elas

têm suas próprias famílias agora.

ENSINAR RESPEITO SIGNIFICA VIVER COM RESPEITO


Claro, você deve respeitar seu filho, e seria ótimo se ele

respeitasse você em troca. Mas já parou para pensar na

forma como você vive no mundo, como demonstra respeito

às pessoas ao seu redor e que exemplo está dando para seus

filhos? Tudo — tudo mesmo — é uma oportunidade de

aprendizado. As crianças não deixam passar nada. Elas veem

(e sentem) o respeito que você demonstra ao seu

companheiro, aos outros membros da família, aos vizinhos

e amigos. Ouvem como você fala do seu chefe e dos seus

colegas de trabalho. Veem como respeita a si mesmo. E

moldam o comportamento e os valores delas a partir de

cada um desses exemplos.

Ensinar respeito significa viver com respeito. Todos os

dias. Significa respeitar todas as pessoas da sua vida. Se você

der o exemplo, seus filhos vão seguir. Na maioria das vezes.

Eles podem precisar de um pouco de orientação. Sempre

que minhas filhas precisavam de um puxão de orelha, eu

pedia que escrevessem um pedido de desculpas e que

refletissem sobre como poderiam melhorar. Eu as fazia

pedir desculpas por tudo que achava problemático. Poderia

ser uma briga com a irmã, se atrasar para alguma coisa,

deixar de cumprir uma tarefa da casa. Escrever é pensar, e o

pensamento estimula a mudança.

Passei os últimos 36 anos administrando minha sala de

aula como se fosse a equipe de um jornal profissional. É

assim que meu curso funciona. Não dou aos meus alunos

exercícios que simulam um jornal — eles recebem tarefas

com todas as responsabilidades do mundo real e sofrem as


consequências do mundo real. Nossas publicações

estudantis são autossustentadas. Isso significa que os alunos

saem e vendem publicidade para bancar os custos da

publicação. No começo do semestre, toda a turma vai até o

centro de Palo Alto com contratos e uma cópia do jornal em

mãos para conseguir publicidade para o ano. São os alunos

que têm as ideias das matérias — não eu. Algumas dessas

ideias são questionáveis, para dizer o mínimo. Mas, durante

nossa reunião de pauta, liderada pelos alunos, as ideias

ruins desaparecem por conta própria. Os estudantes sempre

encontram a resposta sozinhos. É uma consequência natural

do processo de pensar direito e ouvir o feedback dos outros.

Na sequência, os editores tomam decisões cruciais sobre

quais alunos escrevem quais matérias, e algumas são muito

delicadas. No passado, já escrevemos sobre mau

desempenho de professores, depressão em adolescentes,

atitudes de alunos em relação ao sexo e irregularidades da

diretoria da escola, só para citar algumas. Os tópicos mais

recentes foram sobre o controle de armas e o massacre em

Parkland, na Flórida, bem como a demissão do diretor da

nossa escola.

O que descobri ao longo dos anos é que, para cumprir

prazos e trabalhar sob pressão, precisamos ter um ambiente

de respeito. O jornalismo exige muitas críticas e muita

revisão. Estimulo os alunos a irem longe. Não apenas isso,

eles estimulam a si próprios e estimulam uns aos outros.

Eles sabem que estou do lado deles, então não meço minhas

palavras. Quando o assunto é um editorial ou uma matéria


de destaque, digo sem papas na língua: “Precisa melhorar

um pouco o final. Quer que eu te ajude ou você quer

pensar sozinho?” e discutimos como aprimorar o texto. É

preciso ser sensível com as pessoas que se esforçaram

bastante. Devemos ter respeito por elas e por seus esforços.

Mas não acho que todos devam se dar bem, e meus alunos

sabem disso. Opino sobre quais matérias acho que são

melhores para cada edição e explico o motivo. Eles fazem o

mesmo, e suas opiniões importam mais do que as minhas,

na verdade. O jornal ou a revista é deles, não meu. Sou

apenas a conselheira. Todos os meus alunos entendem que

estou tentando torná-los mais eficientes. Estou preparando-

os para o mercado de trabalho, onde eles vão receber

críticas quer eles queiram ou não. Quando tiverem um

emprego e alguém criticar seu trabalho, eles poderão

pensar: “Sim, já passei por isso antes. Sei que preciso

melhorar e sei que posso melhorar”.

Ou são os próprios estudantes que fazem as críticas. Meus

alunos editores são responsáveis por guiarem as conversas

sobre o trabalho dos colegas. Eles devem gerenciar uma

turma de sessenta alunos, todos os quais leem e criticam os

artigos uns dos outros. Imagine as lições incríveis que

aprendem, sendo a mais importante delas tratar os outros

com respeito. Meu conselho no começo do ano letivo é:

“Respeitem caso queiram que a turma respeite vocês. Nunca

digam coisas maldosas a ninguém e não envergonhem

ninguém na frente da turma”. Eu os lembro de que, se eles

perderem o respeito da classe, recuperá-lo é quase


impossível. Não deixo os editores gritarem ou dizerem

coisas como “cala a boca”. É prejudicial. Demonstra falta de

respeito e cria um ambiente de trabalho negativo. Os alunos

entendem na hora. Não preciso repetir. Todos estão

trabalhando com um objetivo em comum: um jornal de

qualidade. Já viu grupos de adolescentes implorando para

ficarem na escola até tarde da noite? É o que acontece

quando eles são donos do produto e ficam obcecados pela

perfeição. Eles entendem a força da paixão no trabalho da

vida.

Em 2016, tivemos uma eleição importante para os novos

membros da diretoria da escola. Campanile, o jornal da Palo

Alto High School, sempre se posiciona sobre os candidatos

em quem votar, e esses posicionamentos são levados muito

a sério pela comunidade local. Ao conversar com os meus

alunos, percebi que discordávamos completamente sobre

quais candidatos apoiar. Todos demos nossos argumentos,

discutindo sobre a experiência e o conhecimento que essas

pessoas trariam para o conselho escolar. Respeitei a opinião

deles, e eles respeitaram a minha — mas o jornal é deles.

No fim, eles venceram. O jornal saiu com as recomendações

dos alunos, e esse artigo influenciou os resultados da

eleição.

Alunos professores me ensinaram outra lição sobre

respeito. Durante décadas, fui mentora de professores que

se graduavam em Stanford e no College of Notre Dame. Em

geral, eu conseguia avaliar nas primeiras semanas se eles

teriam dificuldade para aprender a ser bons professores. A


primeira coisa que eu percebia era sua capacidade de

interagir e de respeitar os alunos, gostar deles e rir de si

próprios. Se buscassem a perfeição através de notas e

medidas punitivas, eles teriam dificuldades. Professores

rígidos gastavam muita energia ficando bravos com os

alunos por não seguirem as instruções, enquanto seguiam à

risca seu manual sobre como manter o controle na sala de

aula. Um ex-sargento da Marinha que não conseguia se

comunicar muito bem teve bastante dificuldade. Embora

tivesse muito a oferecer e fosse um professor inteligente, os

alunos odiavam sua matéria e sempre queriam pedir

transferência. Por outro lado, os professores que tinham

padrões elevados que eram acessíveis quanto a revisões e ao

domínio da matéria se saíam muito bem.

O que tento fazer com todos — alunos, professores

alunos, minhas filhas e meus netos — é respeitá-los para

que eles se respeitem. Coisas incríveis acontecem quando se

tem respeito próprio. O respeito próprio lhe dá a confiança

para assumir riscos e ser independente. Sem respeito

próprio, você fica com medo. Fica obcecado pelo que os

outros vão pensar em vez de seguir sua própria bússola

moral e seus próprios interesses. O maior arrependimento

que as pessoas têm em seus leitos de morte é não seguir

seus sonhos e, em vez disso, levar uma vida que outra

pessoa esperava que elas levassem. Ninguém quer isso para

o seu filho.

Lembro de ver Anne patinando no gelo quando ela tinha

apenas três anos. Eu e Stan nunca soubemos patinar: Stan


não conseguia sequer andar no gelo sem cair. Mas lá estava

Anne, girando e rodopiando pelo rinque, aquela garotinha

minúscula que, quando cresceu, entrou para uma equipe de

patinação no gelo sincronizada e jogou hóquei no gelo na

faculdade e enfrentou desafios com a coragem que

demonstrava sobre o gelo, fazendo algo que amava —

tornando-se quem nasceu para ser. O mesmo acontece com

os alunos. Sammy, filho de imigrantes mexicanos e aluno

querido por todo o programa de jornalismo graças a suas

ilustrações excepcionais, se transformou diante dos meus

olhos. Ele usou o respeito próprio e a confiança que

adquiriu em meu curso e no programa de pesquisa

acadêmica avançada (uma matéria eletiva em que os alunos

escolhem um tópico para estudar durante um ano com o

apoio de um mentor da comunidade) para se tornar um

especialista em design gráfico e entrar na Universidade

Estadual de San Francisco. Ele é a primeira pessoa da

família a entrar para a faculdade.

Como o poeta Khalil Gibran escreveu: “Seus filhos não

são seus filhos./ São os filhos e filhas do desejo da Vida por

si própria./ Eles vêm através de você, mas não de você./ E,

embora vivam com você, não pertencem a você”. Respeito é

o que queremos dar aos nossos filhos, mas às vezes somos

refreados por nossas próprias inseguranças. Como pais, esse

é um dos obstáculos mais difíceis de superar, mas somos

todos capazes de tratar nossos filhos com respeito se

mantivermos em mente o básico. Honre os desejos e

interesses deles, que podem ser diferentes dos seus. Desafie-


os a serem o melhor que puderem nas atividades que

escolherem. E, acima de tudo, dê a eles o amor e o apoio

para que ganhem a confiança de que precisam para seguir o

próprio caminho.
INDEPENDÊNCIA
4. Não faça pelos seus filhos
o que eles podem fazer por
conta própria

No outono de 2014, eu estava em um palco iluminado em

Puebla, no México. Perto de mim estava Amy Chua, autora

de Grito de guerra da mãe-tigre e forte defensora do método da

mãe-tigre, um estilo de educação rigoroso comum na China

e em outros países asiáticos. Fomos convidadas para debater

no festival Ciudad de las Ideas, uma conferência anual das

mentes mais brilhantes do mundo nos campos de educação,

políticas públicas e tecnologia. O auditório estava lotado

com mais de 7 mil pessoas ansiosas para saber como

havíamos criado nossas filhas.

Era um pouco estranho estar no palco de um evento tão

grande, mas minha filosofia de ensino inovadora e o

sucesso das minhas filhas no Vale do Silício haviam

ganhado certo reconhecimento. Fui votada como Professora

do Ano da Califórnia em 2002 e ajudei a formar o

GoogleEDU, uma plataforma de desenvolvimento de


aprendizado e liderança. Por anos, fui consultora do

Departamento de Educação dos Estados Unidos, da Hewlett

Foundation e da Time Magazine Education. Além disso, me

preocupava profundamente com a capacitação dos jovens e

estava falando cada vez mais sobre as mudanças que

precisavam ser feitas na sala de aula e em casa.

Fiquei preocupada depois de ler o best-seller de Amy

Chua. As histórias que ela contou sobre suas filhas me

incomodaram. Ela representava uma tendência crescente na

educação que eu considerava muito problemática. Tenho

certeza de que alguns pais estavam lendo o livro dela e

discordando, mas desconfio que muitos acharam que

também deveriam ser tigres. Chua é famosa por seu estilo

controlador, hierárquico e exigente. Basicamente, sua

filosofia é de que os pais sabem mais e que é

responsabilidade deles não apenas guiar os filhos, mas impor

o tipo de comportamento que os levaria ao sucesso. Alguns

exemplos: ela proibiu tardes de brincadeira com amigos

porque distraíam e eram inúteis. Decidia quais atividades as

filhas praticariam, independentemente das preferências ou

dos interesses delas. Não era suficiente que suas filhas

tirassem nove ou fossem a segunda da turma. Elas deveriam

tirar dez e serem as primeiras da turma (“em todas as

matérias menos educação física e teatro”). Não parece muito

divertido, certo?

Certa vez, quando Chua tentava ensinar Lulu, a filha de

três anos, a tocar piano, Lulu só queria bater os punhos nas

teclas. É óbvio, ela só tinha três anos! Chua ficou frustrada e


abriu a porta dos fundos. Era um dia frio de inverno. Ela

deu à filha a opção de obedecer ou sair. A menina de três

anos considerou suas opções e concluiu que estar lá fora era

menos desagradável.

Devo dizer que admiro a coragem dessa garotinha. E

admiro a forte devoção de Chua às suas filhas. É claro que

ela não teria feito tudo aquilo se não as amasse

profundamente, assim como amo as minhas. A questão,

porém, era quanto poder de decisão suas filhas tinham em

relação às próprias vidas — isto é, quanta independência? É

verdade que elas fizeram um enorme sucesso desde muito

pequenas. Uma delas até se apresentou como solista no

Carnegie Hall, o que é uma grande honra, mas essa criança

ficou feliz com isso? Ou o que importava era a felicidade de

Chua? O fato de que Lulu se rebelou, chegando ao ponto de

ficar tão furiosa em um jantar na Rússia que disse odiar sua

vida e atirar um copo no chão, estilhaçando-o, mostra que

ela se sentia aprisionada em uma vida que não era a dela.

As opiniões de Chua não são isoladas. Muitos pais pensam

o mesmo. Todo ano em dezembro, recebo vales-presentes,

presentes caros da Bloomingdale’s e da Neiman Marcus e

comidas deliciosas feitas pelos pais dos meus alunos. Fico

grata por essas coisas, e grata pelo que elas representam:

uma forte valorização do professor. A questão, porém, é que

temos opiniões muito diferentes sobre a função dos

professores. Esses pais estão acostumados a um ambiente

educacional controlador, enquanto eu priorizo a

independência.
Na cobertura da mídia do debate, fui chamada de “mãe-

panda”. Claro, a imprensa precisava de um paralelo à “mãe-

tigre”, mas, a meu ver, a metáfora é incorreta. Os pandas são

famosos por dormir e comer, e fazer pouco mais do que

isso. Eles são chamados de “preguiçosos”, o que, claro, é

uma bobagem, mas essa é a imagem comum. Meu estilo de

educação não é preguiçoso, não é despreocupado. Mas

acredito fortemente na independência. Os pais devem

incentivar seus filhos a serem independentes e

autossuficientes. Outras variações do estilo de Chua

incluem os pais superprotetores, que eliminam todos os

obstáculos, todas as dificuldades que a criança pode vir a

encontrar. A maioria de nós já ouviu a essa altura dos pais-

helicópteros, também chamados de superprotetores, que a

autora Julie Lythcott-Haims explora a fundo em seu best-

seller Como criar um adulto: Liberte-se da armadilha da

superproteção e prepare seu filho para o sucesso. Ela cita seus anos

de experiência como diretora de admissões de Stanford,

deparando-se cada vez mais com estudantes universitários

que “de alguma forma não eram completamente formados

como humanos. Eles pareciam procurar o pai e a mãe o

tempo todo. Inacabados. Existencialmente impotentes”.

O diagnóstico dela? Esses pais se envolveram tanto na

vida dos filhos que os jovens não conseguiam funcionar

sozinhos. Isso se devia a uma grande variedade de motivos,

incluindo uma cultura crescente de medo, informações

erradas da mídia sobre ameaças às crianças, o tamanho cada

vez menor das famílias e o chamado “movimento da


autoestima”. Isso pode ir muito longe. Há pais que vão

morar nas cidades onde seus filhos foram estudar na

faculdade ou até os que os acompanham em entrevistas de

emprego. Não estou brincando.

Quando conversei com Lythcott-Haims sobre essa

tendência lamentável na educação, ela destacou, e eu

concordo, que o envolvimento excessivo na vida do filho

costuma ser bem-intencionado. Os pais querem que seus

filhos tenham sucesso, por isso é tão doloroso para eles

verem os filhos fracassar. Qual é o mal de intervir, eles

pensam, cuidando para que meu filho não sofra? Bom, o

mal é grande. Como Lythcott-Haims me falou: “Isso torna

os filhos inúteis. São bezerros humanos. Excelentes, lindos

de se ver, mas não sabem pensar direito como adultos”. Ela

dá um forte argumento em seu livro sobre como a educação

superprotetora levou à ansiedade, à depressão e a uma

incapacidade espantosa de lidar com a vida adulta.

Como professora, vi os adolescentes se tornarem menos

autônomos, menos independentes e mais receosos a cada

ano. Eles têm medo de assumir uma postura, medo de estar

errados, medo de pesquisar assuntos polêmicos e,

sobretudo, medo de fracassar. Sua principal fonte de

motivação parece ser o medo: o medo de desapontar os pais

(em geral superprotetores). Eles foram ensinados que notas

perfeitas e a universidade perfeita são tudo o que importa.

Alguns jovens de fundamentos do jornalismo ficam

horrorizados de terem seu nome associado a seus artigos.

Por quê? Eles ficam com medo do que os outros vão pensar.
Não têm independência. E não possuem as habilidades para

o sucesso no século XXI. Confrontar essa crise educacional

foi uma das minhas principais motivações para escrever

este livro.

Mas voltando ao “debate”. Não dá para dizer exatamente

que foi o que aconteceu. Chua falou durante os primeiros

quinze de nossos trinta minutos previstos. Ela refletiu sobre

sua infância, lembrando de como apanhava de hashi se

pronunciasse uma única palavra em inglês dentro de casa e

como, se tirasse 99 de cem pontos, sua mãe se focaria no

único ponto perdido para garantir que a nota seguinte fosse

impecável. Aqui vai um pequeno retrato do pai de Chua

tirado de seu livro: “No oitavo ano, tirei segundo lugar num

concurso de história e levei minha família para a cerimônia

de premiação. Outra pessoa recebera o prêmio Kiwanis de

melhor aluno em tudo. Depois, meu pai me disse: ‘Nunca

mais me faça passar por um vexame desses’”. Chua afirmou

no livro e no palco que os métodos dos seus pais deram

resultado, e que ela tinha uma relação maravilhosa com

eles. Não tenho dúvidas de que aprendeu muito ao crescer

nesse ambiente rigoroso. Minha dúvida é se era algo que

valia a pena repetir.

Ela também passou boa parte do tempo defendendo como

havia aplicado as mesmas técnicas com as filhas. Em certo

ponto, Chua admitiu: “Ser mãe é a coisa mais difícil que já

fiz na vida”. Para ela, a experiência era uma luta

extraordinária. Ela se sentia dividida entre duas culturas e

parecia convencida de que devia controlar as filhas ou


correr o risco de perdê-las para a mediocridade que vinha

com o privilégio norte-americano. “Se você não fosse uma

policial em sua própria casa”, eu disse a Chua, “não sofreria

tanto para ser mãe.” Veja só, minha experiência foi o

oposto. Eu disse à plateia que ser mãe para mim era uma

alegria, que não precisava ser uma batalha exaustiva. Claro,

não estou dizendo que não havia dificuldades, mas era algo

de fato prazeroso.

Minha principal questão com o método de Chua: ele não

inspirava uma sensação de independência ou paixão nas

filhas. As meninas dela não sabiam quais eram seus

verdadeiros interesses; estavam ocupadas demais seguindo

ordens. Todas as instruções vinham de Chua, o que

significava que suas filhas não precisavam pensar por conta

própria. Mas, em minha casa, valorizávamos o pensamento

independente acima de tudo. A última coisa que eu queria

eram crianças que não conseguissem agir sem que eu

tomasse todas as decisões. Nossos objetivos não tinham a

ver com as meninas serem a primeira da turma, o que

significaria que elas deveriam se adaptar e seguir todas as

regras. Eu queria que elas sentissem prazer em fazer o que

elas quisessem. Queria que confrontassem problemas da

sociedade e encontrassem soluções inovadoras. Queria que

elas tivessem relações de carinho e afeto com as pessoas na

vida delas, incluindo os pais.

Ninguém é feliz levando uma vida ditada por outra

pessoa. Se existe algo que aprendi como mãe e professora, é

que os filhos de todas as idades precisam de independência.


Então a questão passa a ser: como?

PRINCÍPIOS BÁSICOS PARA DESENVOLVER

INDEPENDÊNCIA

“Minha mãe estava determinada a nos tornar

independentes”, Richard Branson escreveu em Perdendo

minha virgindade. “Quando eu tinha quatro anos, ela parou o

carro a alguns quilômetros de casa e me fez encontrar o

caminho sozinho através dos campos.” Quatro anos? Certo,

talvez não seja o melhor jeito de ensinar, mas a mãe de

Branson estava certa sobre a importância de ser

independente.

Eu pensava o mesmo quando fui mãe de primeira viagem.

Talvez fosse o resultado de ter nascido nos anos 1950,

quando as mulheres não tinham direitos… literalmente

nenhum. Minha mãe não tinha dinheiro nem poder.

Sempre fazia a vontade do meu pai. É um dos motivos por

que não questionou o médico que se recusou a tratar meu

irmão David. Ela nunca se atrevia a desafiar ninguém que

detivesse o poder. O pressuposto era de que eu devesse viver

da mesma forma.

Mas me rebelei — aprendi a costurar as minhas próprias

roupas em vez de esperar as de segunda mão; escrevia

artigos por três centavos quando era adolescente, sonhando

em virar jornalista no futuro, o que me diziam ser uma

profissão masculina; me tornei modelo para me sustentar

durante a faculdade (essas pernas finas e compridas foram


úteis no final). Mas em um sentido me conformei à visão

que meus pais tinham para mim: me casei cedo.

Na véspera do meu casamento, minha sogra me mostrou

como cuidar das necessidades do meu futuro marido. “É

assim que se faz a cama”, ela me disse, dobrando o lençol de

cima com uma precisão que eu nunca tinha visto e estava

certa de que não era capaz de replicar. Em seguida,

passamos para a cômoda, onde ela me mostrou como

organizar as roupas dele. E a ordem do café da manhã? Ela

me explicou também: ovos mexidos e pão doce de sementes

de papoula com café forte. Não estou inventando nada

disso. Lá estava eu, prestes a me tornar uma esposa e

herdando o papel de cuidadora de uma mulher altamente

instruída com um ph.D., uma pioneira em seu campo.

Eu queria uma vida diferente para as minhas filhas. Isso

não significava que elas não seriam esposas e mães também;

significava apenas que não queria que se sentissem

reprimidas por terem sido ensinadas a ser subservientes. As

opções delas não seriam limitadas porque dependiam de

alguém, em especial dos pais. A independência, pensei,

começaria desde o primeiro dia. E estou falando sério

quando digo primeiro dia — desde o comecinho, quando

são bebês e você acha que eles precisam de você pairando

mais sobre eles. É aí que a independência começa.

Vamos voltar ao sono: a maior fonte de confusão para os

pais de crianças pequenas. Lá no capítulo 2, contei que o

sono é a primeira lição de confiança. Pois é também a

primeira lição de independência. O sono é a primeira


chance do seu filho de tranquilizar a si mesmo, de cuidar

das próprias necessidades sozinho. Essa última parte é

fundamental.

No best-seller internacional Crianças francesas não fazem

manha, de Pamela Druckerman, ela fala sobre a “pausa”

francesa, a tradição na cultura dos franceses em que os pais

esperam apenas um segundo antes de ninar um bebê que

acorda no meio da noite. Em vez de ir correndo,

recomenda-se aos pais franceses que façam uma pausa,

dando à criança a chance de aprender a voltar a dormir

sozinha. Até os recém-nascidos têm responsabilidades na

família. Eles têm de aprender a dormir para que os pais

também possam dormir.

Eu não sabia nada sobre a “pausa”, mas descobri que é

incrivelmente parecido com o que eu fazia com minhas

filhas. Elas passaram alguns de seus primeiros anos na

França e na Suíça, então talvez eu tenha sido influenciada

inconscientemente por essas culturas.

Novas pesquisas apoiam o que os franceses entendem

intuitivamente: um estudo de 2017 publicado na Pediatrics

descobriu que, aos quatro e aos nove meses de idade, os

bebês que dormiam de maneira independente (no próprio

quarto) dormiam mais e tinham mais “consolidação de


1
sono” (períodos de sono mais longos). Infelizmente, muitos

de nós nunca souberam dessa notícia.

A dra. Janesta Noland, uma famosa pediatra de Menlo

Park, na Califórnia, diz que sempre encontra bebês de oito,

nove e dez meses que acordam no meio da noite. Há até


crianças de um, dois e três anos que não dormem a noite

toda. Por quê? Porque não foram ensinadas. “Às vezes os

pais têm medo de dar aos filhos a chance de aprender”, ela

diz. “Achamos que estamos fazendo mal a eles, e que não os

estamos apoiando como eles precisariam.” A dra. Noland

me disse que, por volta dos três a quatro meses de idade, o

bebê desenvolve um tipo de cognição que lhe diz que ele é

um indivíduo. “De repente, eles entendem que são seres à

parte”, ela afirma, “e o ideal é que o bebê esteja fora da

cama dos pais e, de preferência, do quarto dos pais, antes de

aprenderem isso.” Segundo Druckerman, os franceses têm

uma teoria semelhante sobre bebês de quatro meses de

idade: se eles não aprenderam a dormir sozinhos a essa

altura, vai ser muito difícil ensinar depois. Eles aprenderam

que, se fizerem barulho, você vai correndo. Alguns bebês

(sobretudo os que sofrem com cólica) podem ser mais

difíceis. Mas a maioria das crianças tem muito a ganhar

aprendendo desde cedo a dormir a noite toda. E, mais

importante, isso as colocará no caminho para a

independência.

Se você tiver um filho mais velho que não esteja

dormindo a noite toda, a primeira coisa que recomendo é

conversar com ele. Explique que é dormindo que as

crianças crescem. Ele pode não entender completamente,

mas a comunicação é um primeiro passo importante.

Também ajuda definir uma rotina adequada à idade e segui-

la. Ler livros (especialmente sobre o sono) e cantar canções

são ótimos rituais antes da cama — são divertidos e relaxam


as crianças. Por fim, e esta é a parte mais importante, não vá

correndo se eles acordarem no meio da noite. Pratique a

“pausa”.

Se para dormir é preciso fazer uma pausa, para controlar

as birras é preciso ser duro. Sabe qual é a o ponto central

das birras? Controle. Isso mesmo, uma criança querendo

controle sobre si mesma e sobre o ambiente, o que é um

passo necessário para a independência. O que a criança não

consegue controlar quando é pequena são suas emoções. É

aí que vem o chororô e as birras. Mas, com o tempo e um

pouco de paciência, ela pode aprender a pedir algo sem

fazer escândalo.

Certo, existem ocasiões em que talvez você deva dar aos

filhos aquilo que eles querem sem muita discussão, desde

que o que eles queiram tenha algum valor. Se uma criança

gritar porque quer ir à biblioteca, eu toleraria porque quero

estimular o amor pela leitura (embora tenhamos de

conversar sobre a questão do grito). Certa vez, estávamos na

Disneylândia quando minhas filhas decidiram que queriam

ir ao brinquedo aquático It’s a Small World [É um mundo

pequeno]. A tarde toda. Sabia que a volta desse brinquedo

dura uns quinze minutos? Devemos ter passado uma dezena

de vezes por ele. Levei dias para tirar aquela música da

cabeça, mas minhas filhas adoraram e pensei que a canção

tinha uma boa mensagem: o mundo é pequeno e somos

todos iguais. Para mim, elas estavam aprendendo uma lição

importante. Mas eu tinha uma regra que não era negociável,

apesar da raiva que pudesse causar: nenhum chilique em


público era permitido, especialmente se elas quisessem algo

que eu não considerava importante. Uma vez, estávamos em

uma loja de departamentos quando Janet viu um brinquedo

que queria, e ela queria aquele brinquedo de qualquer jeito.

Era eu contra ela. Ela fez a birra mais descontrolada que já

vi. Gritou como se eu tivesse enfiado um alfinete nela, e

precisei tirá-la da loja e levá-la o mais longe possível até ela

desistir. Não estou sugerindo que os pais tenham como

evitar esse tipo de coisa! Mas, se seguir uma regra firme em

relação a isso, mais cedo ou mais tarde até a criança mais

teimosa vai acabar aprendendo.

As birras em geral começam por volta dos dois anos de

idade, quando as crianças estão começando a fazer as coisas

sozinhas. Pode ser calçar os sapatos, pentear o cabelo ou se

vestir. Se você se atrever a ajudar, cuidado! Elas podem dar

um chilique e insistir em começar tudo de novo e fazer

aquilo sozinhas. O meu conselho? Dê uma chance a elas.

Demora mais, pode ser muito, mas muito frustrante, e elas

podem acabar com a camisa do avesso ou os sapatos

trocados. Não sei dizer quantas vezes deixei minhas filhas

saírem de casa com roupas completamente malucas, mas

queria que elas sentissem que haviam completado uma

tarefa sozinhas. Isso é muito importante para desenvolver

independência. Você pode não ter tempo para isso todos os

dias, mas planeje lhes dar o tempo de que elas precisam de

vez em quando. Sugiro deixar seu filho se vestir sozinho e

cumprir outras tarefas simples 20% das vezes. Lembre-se, é

um bom sinal ele querer ser independente.


No caso das birras realmente descontroladas, do tipo em

que é necessário arrastar uma criança se debatendo por uma

loja de brinquedos, você precisa argumentar com elas. As

crianças podem ser irracionais. Muito irracionais. Às vezes a

lógica não funciona com elas, sobretudo com crianças

muito pequenas. Mas elas precisam aprender a se controlar

para aprender a ser independentes. Incentivei minhas filhas

a “usarem as palavras”. Eu dizia: “Sei que você está triste e

quer alguma coisa, mas, se estiver fazendo birra, não tenho

como ajudar”. Crianças pequenas também são seres

humanos (com cérebros em desenvolvimento). “Fala para a

mamãe o que você quer”, eu dizia, mais de uma vez. Com o

tempo, as crianças aprendem a falar sobre suas emoções. A

única coisa de que eu tinha certeza era que não podia ceder.

Senão, elas aprenderiam que é fazendo birra que

conseguiriam o que queriam, e é aí que eu teria problemas

de verdade. Pais e mães: cuidado com isso. Defina limites

claros. Aquela criancinha fofa no andador sabe exatamente

o que está fazendo! É assim que as crianças passam a nos

controlar — mas só se nós deixarmos.

Em um aspecto mais positivo, considere que seu filho se

sente seguro o bastante com você para fazer uma birra.

Pense a respeito. Ele não faria birra com alguém que não

conhece ou com quem não se sinta à vontade. Ele espera até

você chegar em casa para fazer birra porque confia em você.

Esse é o caminho da independência, ainda que seja

barulhento e desagradável. Não leve para o lado pessoal.


E às vezes há certa sabedoria na resistência da criança.

Moramos na Suíça de 1973 a 1974, e Janet e Susan

frequentaram a United Nations School de Genebra. (Susan

tinha cinco anos na época, e Janet, três.) As duas eram

muito espertas e independentes, mas Janet também era

determinada a fazer tudo que Susan fazia. Ela até começou a

falar na mesma época que Susan, de tão obstinada que era!

Na hora de entrar na escola, ela não gostou de ser

colocada em um grupo mais novo. A escola discordou. Se

você tinha três anos, ficava na turma de três anos. Mas isso

não deteve Janet.

Sem permissão, Janet foi para a turma de cinco anos.

Ainda não faço ideia de como ela conseguiu isso. Janet ficou

seis semanas nessa turma até os professores perceberem

que ela não estava na classe certa, e foi só porque ouviram

alguém dizer que ela tinha três anos.

Eles a puseram de volta com os alunos de três anos. Janet

não ficou nada contente. Nunca disposta a levar um insulto

sem resistir, ela preferiu largar a escola a ser humilhada

com aqueles alunos mais novos. E foi o que ela fez. Não

importava o que dizíamos ou fazíamos, ela se recusava a

voltar. Depois de um tempo, a matriculamos em uma escola

em que só se falava francês. Ela foi colocada no grupo da

sua idade e não ficou feliz com isso, mas ao menos era em

francês, o que já era um desafio.

Quando voltamos para a Califórnia no ano seguinte, ela

decidiu que tinha idade suficiente para ir à escola. Mas a

escola pública não aceitava crianças de quatro anos, então a


matriculamos na Ford Country Day School (uma escola

particular). Ela estava certa e se saiu muito bem. Ela adorava

ler e adorava tudo que tinha relação com leitura. Ao fim do

primeiro ano, já tinha quase terminado o currículo de

matemática até as crianças de cinco anos.

Janet me mostrou que muitas vezes as crianças sabem o

que é melhor para elas. Cabe a nós, pais, escutar — dentro

do limite do razoável. Sim, é preciso intervir quando elas

quiserem fazer algo perigoso ou irracional: quando uma

criança quer pular na piscina, mas não sabe nadar, ou se sua

filha tem um ataque de choro porque o sorvete está gelado

demais. Mas, se o que elas querem é racional, mas

inconveniente, considere fazer um acordo: “Adoraria deixar

você brincar no escorregador de novo, mas prometemos

encontrar a vovó para almoçar e não queremos chegar

atrasados. Vamos voltar ao parque amanhã”. E, se elas

quiserem muito assumir um desafio ou seguir alguma

paixão que as interesse, dê uma chance.

Quando as crianças passam dos três anos, os pais devem

negociar como lhes dar controle e como impor as regras

enquanto elas seguem novos interesses. Para mim, dar

controle dependia de uma base de segurança. Esse era meu

maior foco como mãe. Temos uma piscina no quintal — a

sorte de morarmos na Califórnia — e sempre fiquei

preocupada quando as meninas eram pequenas, por mais

que a piscina fosse cercada. Então decidi que elas deveriam

aprender a nadar o mais cedo possível, e digo nadar de

verdade, não só brincar na água. Queria que elas pudessem


pular numa ponta da piscina, nadar até o outro lado e sair

sem a minha ajuda. Não achei que precisasse contratar um

professor ou levá-las para uma academia de natação.

Comprei um livro sobre como ensinar os bebês a nadar. As

fotos em preto e branco faziam parecer bem fácil. Descobri

que as crianças seguram a respiração naturalmente, e que

sua ideia do nado, como muitas outras coisas, é dada pelo

exemplo dos pais. Começamos colocando a cabeça delas

embaixo d’água, depois veio o nado cachorrinho e depois o

crawl. Elas não eram perfeitas, claro, mas se viravam bem

na água. Todas as minhas filhas já sabiam nadar aos dois

anos. Janet já sabia nadar aos treze meses. (As crianças

aprendem em idades e ritmos diferentes, e os pais sempre

devem levar isso em conta e fazer da segurança sua

prioridade.)

Às vezes eu as levava à Stanford Campus Recreation

Association, um clube universitário de natação e tênis, para

encontrar os amigos. Numa tarde de abril, quando Janet

tinha cerca de quinze meses, estávamos aproveitando um

dos primeiros dias quentes da primavera e ela corria em

volta da piscina com Susan, que tinha três anos na época.

Quando me dei conta, Janet pulou na piscina. Não fiquei

preocupada porque ela sabia nadar — eu mesma havia

ensinado —, mas um homem mais velho sentado perto de

nós se levantou de um pulo e mergulhou na piscina para

“salvar” minha filha. Você tinha que ver a cara de Janet. Ela

ficou em choque. Foi ótimo ele ter sido tão proativo, mas

Janet queria nadar sozinha. O homem pediu desculpas para


ela — uma menina de um ano e três meses! — e saiu

nadando. Depois disso, fiz questão de avisar a todos que

Janet sabia nadar.

A segurança na água era imprescindível, mas, em relação

a outras atividades, eu quase sempre deixava minhas filhas

no comando. Nesse ponto, sou muito diferente dos pais e

mães tigres e helicópteros. A última coisa que quero é

obrigar uma criança a fazer algo que ela odeia durante

horas. Por mais que seja bom estimular as crianças a

experimentar coisas novas e não desistir quando elas

encontram uma atividade difícil, devemos respeitar os

sentimentos delas. Devemos lembrar por que nossos filhos

praticam essas atividades: promover seus interesses e seu

envolvimento no mundo, e desenvolver seu caráter. Para

minhas filhas, qualquer atividade era válida — desde que

fizessem algo.

Embora a música fosse importante para mim e para o

meu marido (e algo que queríamos ter vivenciado na

infância), nunca funcionou com as nossas filhas. Elas

fizeram aulas de piano e violino por um tempo, mas não

curtiram. Argumentei que os violinos eram portáteis, mas

não surtiu efeito, tampouco diminuir a frequência de duas

aulas por semana para uma. Anne queria patinar no gelo.

Janet gostava de nadar, e Susan gostava de tênis. Então

deixei que escolhessem suas atividades. O importante era

que precisavam fazer algo de que gostassem.

Entender as diferenças é essencial. Meu neto Jacob é um

músico e compositor talentoso. Durante o último ano do


ensino médio, ele encenou um musical incrível na Menlo

School chamado Ones and zeros. Ele mesmo escreveu as

músicas e o roteiro e trabalhou como ator e diretor. Mas

isso não quer dizer que seus irmãos sejam iguais. A irmã de

Jacob, Amelia, não toca nenhum instrumento, mas fez

dança durante anos. O irmão deles, Leo, é ótimo no xadrez,

além de jogar golfe e de ser um mestre do Lego. As caçulas,

Emma e Ava, adoram balé. São muitas as possibilidades

neste mundo.

Outro ponto: é importante levar as atividades adiante,

mas os pais precisam dar espaço para os interesses que

mudam. Se a atividade começar a parecer uma tarefa chata,

faça uma pausa e reavalie. Se eles ainda assim quiserem

largar, eu deixaria que procurassem outra coisa. Amelia é

uma bailarina incrível que ganhou concursos nacionais

durante anos. Ela treinava por horas à noite e viajava o país

inteiro com o seu grupo. Mas no ano passado decidiu se

concentrar no futebol em vez da dança. Seus pais insistiram

para ela completar o ano — era importante ensinar a não

desistir no meio da temporada. (Esse é um dos muitos

aspectos em que as atividades desenvolvem o caráter.) Mas

também perguntaram o que ela preferia de verdade. Depois

de completar a temporada de dança, ela saiu do grupo. Pais

mais controladores poderiam tê-la obrigado a continuar,

argumentando que ela havia investido tanto tempo e

energia (e tanto dinheiro dos pais). Talvez ela até viesse a se

tornar uma bailarina profissional. Mas, se isso acontecesse,


de quem seria a vida que ela estaria levando? Ela seria

independente? Seria feliz?

NÃO INTERVENHA (SE POSSÍVEL)

Há décadas, os alunos do quarto ano do estado da

Califórnia participam do California Mission Project. É parte

de um programa de estudos sociais que ensina sobre a

história do estado. A tarefa é simples: construir uma

maquete com cubos de açúcar. Parece um projeto divertido

que pode ajudar a dar vida à história, certo?

Errado.

Você precisa ver algumas dessas maquetes. São obras de

arte projetadas detalhadamente. Corredores arqueados,

campanários, telhados inclinados. Mas adivinha quem as

está construindo. Não são os alunos. Normalmente são os

pais. Os pais de hoje são tão competitivos e controladores

que é difícil acreditar até que ponto precisam interferir.

Alguns professores interromperam o projeto porque sabiam

que as crianças não estavam construindo as maquetes, e por

que eles fariam um projeto para os pais? Outros professores

alertam os pais com antecedência de que são os alunos que

devem fazer o trabalho. Parece um bom caminho a seguir

— até certo ponto. Muitos pais e mães cooperam, mas ainda

há uma ou outra maquete que deveria estar num museu.

Todos sabemos quem fez aquela. Quando minhas filhas

estavam no quarto ano, elas fizeram suas próprias maquetes.

Em momento nenhum me passou pela cabeça ajudar até


que levei seus projetos para a sala e vi a concorrência. A

maquete de Anne parecia ter sofrido um terremoto. Para

mim, ela ganhou pontos por realismo histórico.

Sempre pensei que a lição de casa delas era exatamente

isto: a lição delas. Cada uma tinha uma grande escrivaninha

no quarto e, à tarde, eu sabia que elas estavam fazendo lição

de casa. Elas faziam sem que eu mandasse. Era parte da

rotina. Claro, não havia distrações como celulares ou tablets

na época. Mas elas gostavam de fazer a lição e de

acompanhar a turma. Se não fizessem, o problema era delas.

No entanto, eu ajudava quando elas pediam, e costumava

ser divertido para todas. Quando se tratava de projetos, eu

não me preocupava com os outros pais que estavam

intervindo mais do que eu. Falava para as minhas filhas:

“Acredito em você, você consegue fazer esse projeto muito

bem, e vou gostar dele seja como for”. Se pedissem minha

ajuda, eu aceitava ajudar, mas apenas se elas dessem as

instruções. Eu me recusava a fazer o trabalho por elas.

Conversando com minha amiga Maye Musk, nutricionista,

modelo de sucesso e mãe de Elon Musk, descobri que

estávamos na mesma página. Ela nunca olhou a lição dos

filhos. Não tinha como. Ela trabalhava em cinco empregos

para pagar as contas. Quando as tarefas das crianças pediam

a aprovação dos pais, ela fez com que eles praticassem a

assinatura para que pudessem assinar por ela. “Eu não tinha

tempo”, ela me contou, “e o trabalho era deles.”

É disso que os filhos precisam: não serem controlados ou

superprotegidos constantemente, mas terem a chance de


assumir a responsabilidade por sua conta e risco.

Para os pais, isso significa dar responsabilidade às crianças

— desde cedo e com frequência. Em outras palavras,

significa não intervir. Você precisa dar orientações e

instruções, mas eles podem fazer muito mais do que você

pensa — desde muito cedo. Quando Susan tinha um ano e

meio, ela era minha ajudante oficial. Não havia babás

eletrônicas na época, e morávamos em uma casa grande. A

responsabilidade dela era ser a babá eletrônica. Quando

Janet chorava, Susan gritava: “Mamãe, Janet está chorando!”.

Susan não sabia falar claramente, mas tudo bem. Ela estava

encarregada e ficava muito orgulhosa de si mesma. E se

sentia uma parte importante da família. Ela também ajudava

a dobrar as fraldas. Via isso como uma brincadeira. Bom, eu

transformei isso numa brincadeira. Embora ela não fosse

ótima em dobrar fraldas, já me ajudava muito. Só queria

que ela sentisse orgulho de um trabalho bem-feito. Afinal,

eram apenas fraldas. Sugiro que toda criança tenha uma

função que seja só dela. Assim elas vão desenvolver

habilidades para a independência e aprender a ajudar na

casa — uma lição fundamental tanto para meninas como

para meninos.

Mais tarde, Susan assumiu o papel de “professora de

Janet”. Ela dava brinquedos para Janet, mostrava como

funcionavam os chocalhos e fazia questão de que a irmã

sempre tivesse o que fazer. Alguns anos depois, em Genebra,

era muito divertido ver Susan tentar dar banana amassada

para Anne. A maior parte da comida ia parar na cara de


Anne, mas Susan ficava feliz em contribuir e se sentia

orgulhosa em ser útil para a família, mesmo que em um

grau pequeno.

Lavar pratos era outra tarefa importante na casa. Todas as

minhas filhas subiam em um banquinho na frente da pia e

lavavam os pratos depois do jantar. Elas não lavavam tudo

perfeitamente — mas isso ensinava responsabilidade para a

família. Meus netos levam essa tradição adiante hoje. Ava,

com apenas três anos, sobe num banquinho e ajuda o irmão

Leon com os pratos. Minhas filhas também deviam arrumar

a cama toda manhã. Rá! Uma cama feita por uma criança

não é muito diferente da cama em que ela dormiu. Mas eu

não brigava com elas. Desde que fizessem a cama, eu não

botava defeito.

Quando fazíamos compras, eu pedia para as meninas

pegarem um quilo de maçãs e colocarem no carrinho. Hoje,

existem aqueles carrinhos de compras para crianças. Mas na

época não; minhas filhas tinham de usar os carrinhos

grandes! Elas tinham de pesar um quilo e saber escolher as

maçãs boas, o que ensinei para elas. Elas também sabiam

quanto dinheiro podíamos gastar. E, quando repassávamos o

orçamento, elas me ajudavam a pensar quais itens devolver.

Eu fazia questão de lhes dar certas liberdades, mesmo

quando elas eram pequenas. Uma coisa que eu deixava que

controlassem era a decoração do próprio quarto (até certo

grau). Elas podiam decidir como queriam que fossem seus

quartos, e depois deviam lidar com isso. Naqueles tempos, a

moda era o carpete. Fomos à loja de carpetes, e elas


puderam escolher. Aos seis anos, Susan escolheu decorar o

quarto com um carpete felpudo rosa-choque. E precisou

conviver com sua decisão. (Susan sempre adorou o carpete;

eu é que não conseguia apreciar sua beleza.) Anos depois,

quando comprou a própria casa, ela já tinha certa

experiência com design de interiores (e fico grata por ter

optado por tons neutros mais versáteis). Para não ficar de

fora da oportunidade de decoração, Janet escolheu azul-

royal para o seu carpete. Desse eu gostei mais, mas o quarto

era dela, era isso que importava. Quando Anne tinha seis

anos, também pôde escolher seu carpete. Sem querer ficar

para trás de Susan ou de Janet, escolheu verde-limão.

Para deixar claro: não estou falando de dar às crianças

responsabilidades que elas não entendam ou de que não

sejam capazes, tampouco estou falando para deixar que

brinquem na rua se não for seguro, ou irem a pé a uma loja

se morarem em um local perigoso. Eu também não deixaria

uma criança pequena sozinha com um filho mais velho a

menos que ele já seja adolescente. Esse tipo de

independência prematura pode ser prejudicial, se não

traumatizante. Mas às vezes as pessoas exageram. Em

Maryland, um casal de irmãos de dez e seis anos foi

apreendido porque estava brincando sem supervisão em um

parque a poucos quarteirões de casa. Uma mãe em Chicago

foi constrangida depois que um vizinho chamou a polícia

porque a filha dela de oito anos foi passear sozinha com o

cachorro. Um artigo recente do The New York Times conta a

história de uma mãe que foi presa por deixar o filho de


quatro anos sozinho no carro por cinco minutos (era um

dia fresco, a janela estava entreaberta, as travas de segurança

da porta estavam trancadas e o alarme ligado). Ela foi a uma

loja rapidamente para comprar alguma coisa, e um

transeunte chamou a polícia. Felizmente, tem havido um

movimento contrário. Em maio de 2018, o estado de Utah

aprovou uma lei de “crianças em liberdade” que permite

que as crianças pratiquem atividades antes ilegais — como

ir a pé para a escola ou brincar sozinhas na rua. O estado

decidiu redefinir “negligência” para não incluir o que

muitas pessoas consideram ser apenas liberdades básicas

para crianças.

Para mim, independência exige estrutura e suporte. É

preciso ensinar as tarefas e responsabilidades e aceitar

resultados imperfeitos. A liberdade de andar sozinho pela

vizinhança (se realmente for seguro) vem com a obrigação

de ligar e avisar. Minhas filhas me ligavam do orelhão da

piscina do bairro. Elas ficavam na ponta dos pés para

alcançar. Hoje é muito mais fácil com os celulares. As

crianças sempre devem ter acesso a números de emergência

— eles podem ser colados na parede, mas é melhor se a

criança decorar os números importantes bem como o

endereço de casa. Elas devem conhecer os procedimentos

gerais de emergência, não apenas para quando estiverem

sozinhas, mas quando estiverem com os pais (e se algo

acontecer com você?). Não esqueça dos vizinhos; eles

podem ser uma fonte maravilhosa de apoio extra enquanto

seu filho desenvolve a independência. Se for deixar seu


filho sozinho pela primeira vez, assegure-se de que ele

tenha o número do seu celular. Dê sugestões sobre o que

fazer e diga quando vai voltar. Estruture isso para ele. Com

o tempo, ele vai aprender a se virar sozinho, mas, no

começo, precisa de certa orientação. Lembre-se: crianças são

adultos em treinamento.

Outra coisa que é preciso entender: quando os jovens

começam a assumir o controle, o caos vem à tona. Lembro

disso toda vez que entro no Media Arts Center durante a

semana de produção do jornal da nossa escola. O prédio em

si parece vir de um campus universitário, mas está aqui, em

uma escola pública de Palo Alto. Foi inaugurado em 2015.

Todos os professores de jornalismo do programa são

eternamente gratos à diretoria e aos cidadãos de Palo Alto

por apoiarem a construção. Antes de o Media Arts Center

ser construído, passei trinta anos em uma sala de aula

móvel com um ar-condicionado que vivia quebrando e um

piso de linóleo arranhado. Para quem não sabe, uma sala

móvel é como um trailer. Quer dizer, não como um trailer.

É um trailer. A escola a traz para o campus, aciona à rede

elétrica e chama de sala de aula.

Em um dia de produção normal, a loucura começa por

volta das 15h30. É quando os alunos começam a chegar, isso

se já não tiverem passado o dia todo lá ou metade da última

noite. Eles ficam sentados em pufes com seus laptops ou

reunidos em torno de um computador no laboratório,

descobrindo erros que deveriam ter sido corrigidos,

reclamando de como está a cor na página de destaque ou se


preocupando com o anúncio que não chegou a tempo.

Muitos tipos diferentes de música alta estão tocando ao

mesmo tempo, mas esses adolescentes têm uma capacidade

de concentração que pode ser impossível para os adultos

entenderem. Também tem comida: muita comida. Faço

questão de que eles tenham lanchinhos para a tarde toda, e

nossos jantares são fornecidos por uma equipe de pais. Às

vezes compramos hambúrgueres. Outras, pode ser qualquer

coisa, desde comida indiana, passando por comida egípcia a

espaguete e lasanha feitos em casa. Tivemos refeições

lendárias ao longo dos anos, incluindo jantares

completamente orgânicos trazidos e servidos por Steve Jobs

e Laurene Powell Jobs, cuja filha, Lisa, participou do

programa em meados dos anos 1990.

Parece (e é) caótico, mas é produtivo também. Tenho

orgulho em dizer que, em 36 anos, nunca houve uma

edição que não tenha sido publicada — nenhuma vez.

Certo, houve algumas ocasiões em que o jornal saiu com

um dia de atraso porque os alunos perderam o prazo, ou

receberam uma multa de quinhentos dólares da gráfica pelo

atraso (quando precisaram levantar mais fundos para bancar

a multa), mas ele sempre é publicado e sempre sai bonito.

Quase sempre. Numa noite, 25 anos atrás, um aluno achou

que seria engraçado desenhar chifrinhos e um bigode em

um membro da diretoria da escola retratado na edição da

semana. Era uma piada, e ele pretendia tirar antes que o

jornal fosse publicado. Bom, ele esqueceu. Lembro de olhar

as cópias e pensar: “Ai, meu Deus! O que vamos fazer?”. Fui


até uma loja de departamentos e comprei cem canetas

marca-textos. Os alunos ficaram lá a tarde e a noite toda,

riscando todos os chifrinhos e bigodes nas 2500 cópias. Não

foi nada engraçado na época, mas agora consigo dar risada.

Esse incidente dos chifres me leva a um dos aspectos

mais importantes da minha filosofia tanto para os pais

como para os professores: o sistema de domínio. O sistema de

domínio é baseado em como o aprendizado de fato

funciona, algo que um número surpreendente de pais e

professores não entende. É o seguinte: errar faz parte do

aprendizado. Se você executa algo perfeitamente na

primeira vez, não existe aprendizado. Os erros devem ser

incentivados. Lembra do lema do Vale do Silício? Falhe

rápido, falhe com frequência, falhe para a frente. Os jovens

têm de errar quando são jovens para que errem menos

quando forem adultos. A casa e a escola são ambientes que

devem apoiar o aprendizado, o que significa abrir espaço

para o erro. Mas muitos jovens têm medo de que, se forem

mal em uma prova de matemática, nunca vão conseguir

entrar na faculdade. Se não forem eleitos representantes da

turma, seus pais vão ficar desapontados. Muitos jovens

sofrem pelo conflito de querer fazer as coisas sozinhos e

querer fazer as coisas com perfeição. Quando isso vai ter

fim? De quanta perfeição precisamos? Por quanto tempo

podemos adiar o processo real de aprendizado? Como

nossos filhos podem viver, que dirá se tornar

independentes, se tiverem tanto medo do fracasso?


Dominar um assunto implica fazer algo quantas vezes

forem necessárias para acertar. Não acontece de forma

automática. É um processo. Ser professora de escrita me

ensinou isso. Nos anos 1980 e 1990, quando eu estava

desenvolvendo meus métodos, uma das características que

um bom professor deveria ter — além do controle absoluto

da turma — era que sua matéria fosse tão difícil que muitos

alunos reprovassem. Seu desempenho era baseado no

número de alunos que você reprovava por semestre. Isso

parece inacreditável hoje em dia, mas é verdade.

Eu não conseguia seguir essa ideia. Ia contra meus

princípios e meu senso de decência. Os alunos que levavam

zero na primeira redação achavam impossível se recuperar.

E ficavam desmotivados para melhorar por estarem

começando com uma desvantagem tão grande. Era injusto e

contraproducente, porque muitos melhoravam no decorrer

do semestre. Eu dava aos meus alunos a oportunidade de

revisar seus trabalhos quantas vezes fossem necessárias —

imagine só! A nota final era baseada no produto final. Era o

aprendizado e o trabalho duro que eu queria recompensar,

não acertar na primeira vez. O “bloqueio criativo”

desapareceu por completo. Os alunos não tinham medo de

cometer erros, então podiam escrever sem tanto sofrimento.

O Departamento de Inglês me acusou de pegar leve demais,

dizendo que meus alunos não estavam aprendendo o

suficiente. Mas, quando chegou a hora da prova, eles

ficaram entre os 10% melhores nos exames estaduais.


Ao longo do caminho, percebi que era importante para os

alunos saberem que eu também errava. Afinal, nunca

paramos de aprender. Se me confundo quando estou dando

aula, peço desculpas, digo que me enganei e volto ao início.

Às vezes, eles contestam minhas correções ou minhas

opiniões sobre quais artigos incluir no jornal, e admito que

me enganei. Ao longo dos anos, fiz meus alunos tentarem

todo tipo de software novo que não deu certo. Ops. E daí?

Nem sei dizer o quanto ajuda demonstrar que você não tem

todas as respostas. Os alunos tendem a colocar os pais e os

professores em um pedestal, achando que somos perfeitos,

que nunca erramos. É muito melhor se descobrirem a

verdade: ninguém é perfeito, e todos podem aprender.

Sim, todos cometemos erros, sobretudo as crianças, mas

quer saber? Muitas vezes são elas que encontram as

melhores soluções — melhores até que as suas. Alguns anos

atrás, viajamos com toda a família — incluindo meus nove

netos — para um resort lindíssimo no condado de Napa

chamado Carneros. Havia todo tipo de atividades para as

crianças. O único problema era que elas viviam no celular.

Todos os pais sabem como é mostrar algo especial para seus

filhos e vê-los grudados em um aparelho. Deixa a gente

maluco.

Alguns dos membros da família acharam que a melhor

opção seria confiscar os celulares. É o que o Rio de Janeiro e

toda a França decidiram fazer em suas escolas. Em 2017, o

governo francês anunciou que os celulares seriam banidos

de todas as salas de aula. Embora eu concorde com os


estudos que mostram que os celulares devam ser proibidos

nas escolas fundamentais, não apoio a medida para

adolescentes porque a tecnologia oferece uma forma

perfeita de ensinar o autocontrole. Se tentarmos proibir

algo, isso só faz as pessoas quererem mais. Lembra da Lei

Seca?

Decidi conversar com os meus netos. “Por que não

pensam em um plano para regular esses celulares?”,

perguntei. Você precisava ver a cara deles quando sugeri

que eles tomassem a decisão. Eles se agruparam,

conversaram a respeito, brigaram e finalmente chegaram a

um consenso. Quer saber o que eles decidiram? Proibir os

celulares o dia todo, das 9h às 21h! Dá para acreditar? É

muito mais restritivo do que eu teria proposto, e todos

seguimos a decisão que eles tomaram para si mesmos.

A tecnologia é uma das coisas sobre as quais os pais mais

me perguntam. Eles estão certos em se preocupar. Um

estudo de 2017 descobriu que os sintomas de depressão e a

taxa de suicídio aumentavam proporcionalmente ao tempo


2
de tela dos adolescentes. É uma crise, e é algo que todos

temos de aprender a controlar. Para tanto, espero que seja

útil compartilhar meus Dez Mandamentos da Tecnologia:

1. Defina um plano com seus filhos, não para seus filhos.

2. Nada de celulares durante as refeições, seja na sua casa

ou na de outra pessoa. Um estudo de 2018 descobriu

que pessoas que usavam o celular durante o jantar


ficavam mais distraídas e sentiam menos prazer na
3
comida.

3. Nada de celulares na hora de dormir. As crianças

precisam dormir, e os celulares são uma distração.

Explique a importância fundamental do sono para o

desenvolvimento do cérebro delas e lembre-as de que é

dormindo que elas crescem.

4. Use o bom senso com crianças menores. Crianças

pequenas, a partir dos quatro anos, devem ser ensinadas

a usar os celulares em caso de emergência. Mostre

como ligar para pedir ajuda — elas são inteligentes e

capazes de aprender. A partir do terceiro ano do ensino

fundamental, as crianças podem ser ensinadas a usar o

celular adequadamente para tarefas da escola e em casa.

5. As crianças devem criar suas próprias regras de celular

durante as viagens de família, eventos nos fins de

semana ou qualquer tipo de atividade social em que

precisem estar presentes. Lembre-se de que elas

também devem escolher uma penalidade por

desobedecerem à própria regra (perder determinado

tempo no aparelho é um bom jeito de ensinar a seguir

o combinado).

6. Os controles parentais são importantes para crianças

pequenas. Mas, depois dos oito anos, elas podem

aprender a se autocontrolar. Se quebrarem sua


confiança ou seu acordo, o controle parental volta a ser

ativado.

7. Os pais e as mães devem dar o exemplo de como

esperam que seus filhos se comportem com a

tecnologia. Vejo adultos nos celulares o tempo todo, e

eles chamam isso de “tempo em família”. Isso não é

tempo em família.

8. Converse com seus filhos sobre as fotos que podem

tirar e os áudios que podem gravar. Algumas crianças

não desenvolveram o bom senso ainda. Explique que

tudo que se faz on-line (por escrito ou em qualquer

tipo de mídia) deixa uma pegada digital que você deve

ter orgulho de compartilhar com o mundo.

9. Explique o cyberbullying e os ajude a entender seu

impacto negativo não apenas nos outros, mas neles

próprios. Nunca se sabe o que as crianças pensam ou

acham engraçado. É difícil ensinar aos filhos o que

define o humor, mas é importante. Minha regra: ria

com seus filhos, não deles.

10. Ensine as crianças a não compartilharem informações

de identificação pessoal.

OS FRUTOS DA INDEPENDÊNCIA

Nos anos 1980, minhas filhas eram conhecidas na nossa

rua como as “meninas do limão”. Um dia, viram o limoeiro


da vizinha, que fez a gentileza de deixar que elas o usassem

para abrir um negócio. Elas pensaram em um preço

(cinquenta centavos por limão) e os vendiam de porta em

porta. Venderam limões até para a dona do limoeiro. Depois

de encherem seus porquinhos, elas gastavam os lucros em

sua loja favorita de 1,99, a Patterson’s, na California Avenue.

Acho que empreender está no sangue, porque minha neta

Mia tem um negócio de sucesso produzindo e vendendo

slime. Isso mesmo, slime. É exatamente o que você está

pensando. Um brinquedo gosmento e gelatinoso. Mas as

crianças adoram, especialmente quando brilha e tem as

cores do arco-íris. Mia tinha talento para criar diferentes

tipos de slime e teve a brilhante ideia de vendê-los aos nove

anos. Meu neto Leon começou a trabalhar em um fliperama

em Los Altos chamado Area 151 quando tinha treze anos.

Foi ideia dele arranjar o emprego lá, não de seus pais. Leon

vende fichas para os clientes, os ensina a jogar os jogos e até

reinicia e conserta algumas das máquinas. Sua obsessão

atual são bitcoins. Pode acreditar, ele é um especialista

autodidata em criptomoedas.

Todos esses projetos partiram de uma faísca de

curiosidade, que tem origem no pensamento independente.

Quer saber a tarefa mais difícil para os meus alunos? Pensar

em seus próprios temas. Escrita livre básica é quase

impossível. Eles reclamam que não sabem o que é

interessante. O que mais querem saber é se sua “ideia

interessante” vai merecer um dez. Digo que qualquer ideia é

digna de um dez se eles estiverem interessados, afinal, se


eles mesmos não se interessam, por que alguém gostaria de

ler?

A falta de curiosidade e a incapacidade de escrita livre

eram problemas tão comuns nos anos 1990 que, quando fui

supervisora pedagógica de inglês, instituí uma regra em

todo o departamento de escrita livre diária para os alunos

da Palo Alto High School. Esperei a liquidação de volta às

aulas da Target e comprei 2 mil cadernos. Acho que eles

não esperavam uma cliente como eu. Não havia um limite

na época (agora tem!), mas eles ficaram surpresos por eu

querer comprar uma quantidade tão grande e perguntaram

se eu era revendedora. “Não”, respondi. “Sou professora e

estou comprando esses cadernos para todos os alunos do

ensino médio.” Depois de ouvirem isso, não podiam ser

mais prestativos.

Nas primeiras semanas, parecia que eu estava pedindo

para meus alunos resolverem um problema difícil de

matemática. Tudo que eu queria era que escrevessem

livremente sobre qualquer tema nos primeiros dez minutos

da aula. Não parece muito difícil, certo? Errado. Às vezes eu

trazia ideias do jornal. “Olhem só o que aconteceu ontem”,

eu dizia. “O que acham dessa matéria?” Eles nem sabiam

sobre o que eram as matérias. Mas começaram a prestar

atenção de repente, se interessando pelo mundo ao seu

redor e formando opiniões. Eles aprenderam a adorar esses

cadernos, e escrever todos os dias se tornou um ritual

agradável que aumentou a confiança e a fluência deles. Esse

exercício foi o começo do pensamento independente deles.


Os alunos muitas vezes não sabem por que estão

aprendendo algo. Perguntar o porquê é muito importante

para os jovens e eles merecem uma resposta melhor do que

“porque vai cair na prova”. Quando chegam à segunda

metade do ensino fundamental, os alunos desistem de

perguntar e se concentram em tirar uma boa nota. Para

estimular a curiosidade, é importante responder aos

porquês. Por que estamos lendo Hamlet? Por que estamos

resolvendo equações de segundo grau? Quando os

professores respondem essas perguntas, isso estimula os

alunos a pensarem mais profundamente nas implicações

daquilo que eles estão aprendendo.

Os pais podem estimular a curiosidade em seus filhos por

métodos semelhantes. Não precisamos ter as respostas

certas o tempo todo, mas precisamos estimular as crianças a

fazer as perguntas certas. Se não soubermos a resposta,

podemos dizer: “Vamos descobrir. Dá um Google e podemos

partir daí”. Meu neto Noah vive fazendo perguntas sobre as

estrelas, os planetas e o mundo ao seu redor, perguntas

difíceis como: “O que são buracos negros?” e “O que

significa quebrar a barreira do som?”. Essas ficam para meu

marido, que é físico. Noah também faz perguntas de

matemática — perguntas complexas e filosóficas. Essas

perguntas também ficam para meu marido ou, melhor

ainda, para o pai de Noah, Sergey.

Quando estimulamos a curiosidade, o que de fato estamos

desenvolvendo é a imaginação da criança. O que me traz de

volta à criatividade, um subproduto maravilhoso da


independência e da curiosidade. Infelizmente, quando o

assunto é criatividade e inovação, nossos jovens estão para

trás. Em um estudo, utilizou-se um teste baseado no

processo de recrutamento da Nasa para engenheiros e

cientistas aeroespaciais a fim de medir a criatividade e o

pensamento inovador em crianças pequenas. Aos cinco

anos, 98% das crianças tinham capacidades imaginativas em

nível genial. Mas, aos dez, apenas 30% se enquadravam

nessa categoria. Quer saber quantos adultos mantêm suas

habilidades de pensamento criativo depois de passar pelo

nosso sistema educacional? Apenas 2%. Não é de

surpreender que Elon Musk afirme: “Eu odiava a escola

quando era criança. Era uma tortura”. Ele detestou tanto

que, quando chegou o momento de educar seus filhos,

decidiu abrir sua própria escola. Chama-se Ad Astra School,

e — adivinhe só — o foco é no aprendizado automotivado,

na resolução de problemas e na mentalidade

empreendedora. Existe até uma aula sobre ética da

inteligência artificial. A solução de Musk é específica à

família dele; outras famílias estão buscando suas próprias

soluções, incluindo o ensino doméstico, cuja popularidade

cresceu nas últimas décadas. Por quê? Porque os pais

tiveram experiências negativas na escola e estão buscando

uma alternativa melhor para seus filhos.

Eddy Zhong, CEO da Leangap, uma incubadora

extraordinária de start-ups de adolescentes, vendeu sua

primeira empresa de tecnologia por 1,2 milhão de dólares

aos dezesseis anos e teve uma experiência semelhante


quando era estudante. Ele afirma que as escolas tornam as

crianças menos inteligentes e menos criativas. Como afirma

em seu TED Talk, “O fato é que existe um número grande

demais de pessoas obcecadas em dizer aos filhos para

entrarem na faculdade, arranjarem um bom emprego,

serem bem-sucedidos. Não existem pessoas suficientes

falando para os jovens explorarem as possibilidades, se

tornarem empreendedores […]. Ninguém nunca mudou o

mundo fazendo o que falavam para eles fazerem”.

Eis o que você pode fazer como pai e mãe, mesmo que a

criatividade de seu filho não seja estimulada na escola: eu

deixava todo tipo de materiais de arte para minhas filhas na

mesa da cozinha. Havia canetinhas, papéis coloridos, livros,

massinha, linhas e outros materiais de artesanato. Quando

elas chegavam da escola, podiam fazer o que quisessem. Eu

vivia à procura de brinquedos que elas pudessem montar e

projetar sozinhas. O YouTube Kids agora tem tutoriais para

todo tipo de projeto criativo que se pode imaginar. Minha

neta Emma fazia desenhos incríveis de animais — ela

provavelmente poderia tê-los vendido aos sete anos. Como

ela aprendeu isso? Seguindo um vídeo do YouTube.

Também não faltam vídeos de experimentos científicos para

crianças, como as ilusões de ótica que meu neto Leon adora.

Dan Russell, cientista da computação encarregado de

qualidade de pesquisa e felicidade do usuário no Google,

estava chateado porque a filha passava muito tempo on-line

— até descobrir que ela havia aprendido cinco línguas

sozinha!
Projetos como esses permitem que as crianças imaginem

e experimentem e, mais importante, brinquem. A

criatividade flui a partir de uma sensação de brincadeira, e

essa é uma das coisas mais fáceis de ensinar para as

crianças. Aqui vai uma dica: deixe seus filhos na deles. Eles vão

criar seus próprios mundos imaginários sem nenhuma

ajuda sua. Pense em uma criança na praia e em todas as

brincadeiras e aventuras maravilhosas que ela vai criar

sozinha — juntando conchas e pedrinhas, construindo

castelos de areia, pulando em pedras, se jogando nas ondas.

É isso que deixa as crianças mais felizes (e desenvolve as

habilidades certas). Seguir as regras nunca é brincar, a

menos que se esteja brincando de polícia. E não se esqueça

de brincar com elas. Um dos meus netos me classificou

recentemente como a “mais louca” da família porque vou

até o nível deles. Sou conhecida por entrar embaixo da

cama com as crianças e latir com os cachorros e ter uma

conversa sincera com os gatos. Sergey tem o mesmo espírito

brincalhão e, por esse motivo, foi votado como o segundo

mais louco da família. Steve Jobs tinha uma atitude

semelhante com a vida. Lembro dele em nossa salinha de

aula móvel, sentado no pufe de veludo bege. Ele conversava

com os alunos, brincava nos computadores e, bom, se

divertia. Ele nunca parou de brincar e explorar, e todos

sabemos o que brotou de sua imaginação incrível.

TORNE-SE OBSOLETO
Agora, sei que isso vai parecer maluco para algumas

pessoas, mas esse é meu maior objetivo como mãe e

professora: me tornar obsoleta. Isso mesmo. Quero que os

jovens sejam tão independentes que não precisem mais de

mim. A educação tradicional transformava o professor em

um “sábio no palco”. O professor sabe tudo; a função do

aluno é escutar. Esse não é meu objetivo nem meu estilo.

Bom, talvez eu fosse mais professoral quando minhas filhas

eram pequenas, mas, mesmo na época, minha intenção era

guiá-las na direção de suas próprias ideias. Receber

instruções passivamente ou ver outra pessoa trabalhando

são os piores jeitos de se aprender. Como John Dewey, o

famoso psicólogo educacional, afirmou no começo do

século XX, “Aprender é fazer”. As ideias de Dewey fazem

muito sentido. Se você não puder vivenciar algo, não tem

como entender aquilo completamente. E não consegue fazer

independentemente. Por isso, eu me esforçava para ser uma

“guia lateral”. Minha filosofia não é fazer com que os jovens

me ignorem ou não me valorizem; é fazer com que sintam

que têm autonomia para realizar tudo por conta própria.

Isso não significa que eu não queira fazer parte da vida

deles ou que não me amem ou me respeitem. Significa que

quero que tenham tanta autonomia que se sintam à vontade

para agir com independência. Eu ajudo, facilito. Mas não

estou no controle e não assumo o comando.

Então como isso funciona? Meus editores-chefes guiam

minhas aulas. Eles fazem a chamada, abrem a aula, definem

o tom e determinam a estrutura do dia. Por que não? São


tarefas que eles podem fazer sem mim, e isso os torna

ativos. Eles se sentam em cinco cadeiras na frente da sala e

comandam as discussões. Decidem quais matérias incluir,

quais tirar, que revisões de última hora precisam ser feitas.

Os alunos sempre ficam em choque quando descobrem que

é assim que conduzo minhas aulas.

Lembro dos meus primeiros editores-chefes. Todo o

conceito era novo, para meus alunos, mas para mim

também. Uma das primeiras matérias que os alunos

escreveram em 1991 foi sobre o aumento alarmante de

gestações na adolescência, uma questão que era importante

para eles. Um dos artigos falava ainda de como os alunos

precisavam aprender a usar preservativos. Parecia um pouco

ousado para todos nós, mas também sabíamos que era

importante.

Isso foi pouco depois das decisões de 1988 do Supremo

Tribunal no caso Hazelwood × Kuhlmeier, que limitou os

direitos da primeira emenda para jornalistas estudantes.

Basicamente, tudo o que quisessem publicar no jornal da

escola poderia ser censurado legalmente pelo diretor ou

pelo orientador do jornal. Eu considerava esse tipo de

censura algo absurdo e antiamericano. Portanto,

desconsiderei o veredito, e o estado da Califórnia também.

Fiquei feliz quando o Senado estadual votou uma lei

educacional anti-Hazelwood que invalidou a decisão

(embora Hazelwood ainda seja a lei em 36 estados). Por que

os alunos não deveriam ter os mesmos direitos que todos os


cidadãos? De que outra forma desenvolveriam uma voz para

contribuir para a sociedade?

Aqueles artigos sobre atividade sexual tiveram um forte

impacto nas políticas da escola. Como resultado dessa série,

o distrito escolar de Palo Alto decidiu criar uma matéria

para todos os alunos do distrito chamada “Habilidades para

a vida”. A matéria é obrigatória ainda hoje, cerca de trinta

anos depois. O foco é como se proteger de doenças

sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada, embora

também ensine outras habilidades importantes para a vida,

como cozinhar e cuidar das finanças.

Tudo porque aqueles alunos foram livres para escrever

sobre o que importava.

Quando os alunos têm engajamento e voz ativa, não há

limite para o que possam fazer. Uma das coisas mais

incríveis de ver minhas filhas crescerem é como se

transformaram em revolucionárias apaixonadas e criativas.

Seus objetivos são tornar o mundo um lugar melhor para

todas as pessoas, nações e grupos econômicos. Susan

enxergava o YouTube como uma plataforma

transformadora, que é o motivo pelo qual convenceu o

Google a comprá-lo e fazer dela sua CEO. A visão dela é

democratizar o vídeo, dar às pessoas de todo o mundo a

chance de compartilhar suas vidas, seu trabalho, suas

opiniões, ideias, produtos e serviços. A intenção é dar voz a

todos. O YouTube acredita que o mundo é um lugar melhor

quando ouvimos, compartilhamos e construímos uma

comunidade através das histórias. Essa mensagem é


igualmente importante na educação, e tive a honra de

colaborar com Susan levando o Google e o YouTube para a

sala de aula.

Enquanto isso, Janet está numa missão radical de eliminar

a obesidade, em crianças e adultos, e seu alvo número um é

a indústria de refrigerantes. Ela viaja por todo o mundo, até

algumas das comunidades mais marginalizadas e carentes,

difundindo a mensagem sobre os perigos do açúcar. Ela se

foca na saúde de mulheres grávidas, bebês e crianças, bem

como no impacto negativo do açúcar na população do

futuro. Até o momento, já publicou mais de cem artigos de

pesquisa sobre diversos temas de saúde, desde os efeitos da

obesidade na amamentação a doenças crônicas em aldeias

de nativos do Alasca.

E temos também Anne, que deixou o mundo masculino

de Wall Street para trilhar seu próprio caminho no mundo

da medicina com a 23andMe. O foco dela é capacitar os

pacientes para receber as informações de que precisam

sobre sua saúde a fim de que tomem decisões inteligentes.

Um de seus lemas é: “Ninguém se importa mais com seu

corpo do que você”. Foi um enorme esforço convencer a

American Association of Physicians e a Food and Drug

Administration de sua missão, mas ela trabalhou com eles e

lhes mostrou o poder de dar a todos os pacientes

informações sobre seus riscos de doenças crônicas como

Parkinson, Alzheimer e câncer de mama. A ideia é que, a

partir do momento em que estamos armados dessas

informações, podemos fazer mudanças de estilo de vida


para reduzir esses riscos de forma drástica. A 23andMe está

mudando completamente o panorama do conhecimento e

da autonomia do paciente. É um conceito revolucionário, e

ela está apenas começando.

A questão é que, agora mais do que nunca, precisamos de

pensadores e revolucionários criativos e independentes. Eles

precisam experimentar, assumir riscos e pensar por conta

própria para sobreviver. Mas não vão conseguir nada disso

se os controlarmos e superprotegermos. Ensinei

independência às minhas filhas desde o primeiro dia, e isso

é mais importante agora do que nunca. Devemos dar

liberdade aos nossos filhos para que eles possam prosperar

no século mais imprevisível que já enfrentamos.


5. Dê garra ao seu filho

Gady Epstein não aceitava não como resposta. Seu irmão

mais velho, Amir, estava na minha turma, e Gady também

queria estar. O problema era que ele não conseguia encaixar

fundamentos do jornalismo em seu horário, mas isso não o

impediu de querer fazer a matéria já. Ele tinha apenas

catorze anos, mas era muito questionador e enérgico. E

persistente. Gostei dele logo de cara.

Concordamos em fazer um estudo independente, apenas

nós dois, durante seu horário livre. Foi ótimo para ele e

divertido para mim. Eu adorava trabalhar com alunos

independentes porque poderia conhecer os estudantes e

seus interesses a fundo. Gady me encontrava no horário do

almoço e pedia feedback sobre um novo parágrafo que havia

escrito. Ele corria rápido e conseguia me ver do outro lado

da escola. Sua dedicação era impressionante.

Desde o primeiro dia, ele adorou escrever e noticiar.

Também adorava ler jornal — eu sempre trazia jornais para

a aula, especialmente os locais, mas às vezes o New York

Times. Gady sempre vinha a nossos encontros com ideias de


artigos — muitas ideias. E se dispunha a revisar quantas

vezes fosse necessário até chegar a um bom resultado.

No segundo ano do ensino médio, Gady entrou para a

turma de jornalismo avançado. Ele fez um ótimo trabalho

em equipe e, na primavera daquele ano, decidiu concorrer

para uma das vagas de editor-chefe. Parecia lógico, por

causa de sua paixão e de seu trabalho duro. Ele era muito

talentoso. Pensei que seria eleito. Gady também. O processo

de eleição, completamente controlado pelos alunos, incluía

um voto dos editores atuais e, embora Gady tenha sido

muito elogiado por seus colegas em habilidades de escrita e

liderança, ele acabou perdendo.

Acontece, por mais talentoso que o aluno seja. Gady ficou

claramente chateado, e eu também, mas preciso respeitar as

opiniões dos alunos.

Por algumas semanas, fiquei um pouco preocupada com

Gady. Ele ficou bem desapontado. Afinal, queria muito ser

jornalista. Mas um dia ele disse: “Ainda vou trabalhar para

tornar o Campanile o melhor possível”. “Está bem”, falei,

impressionada, mas com um pé atrás. Os adolescentes

vivem mudando de ideia. Mas Gady fez exatamente o que

disse que faria. Ele mergulhou no trabalho com tanta

determinação que se tornou a pessoa central da equipe.

Todos o consultavam. Ele escrevia os melhores artigos e

auxiliava todos que pediam ajuda. Ele e seu colega Oliver

Weisberg chegaram a montar uma operação secreta em uma

locadora da região que estava vendendo pornografia para


menores. Como resultado do artigo que eles escreveram, a

polícia realizou uma batida na loja e fechou-a para sempre.

No outono de seu último ano, Gady decidiu se candidatar

para Harvard. Ele não tinha uma média impecável e não

havia sido eleito editor-chefe, mas decidiu arriscar. Foi uma

honra para mim escrever sua carta de recomendação, na

qual falei da história de sua candidatura a editor, seu

comportamento depois disso e sua paixão pelo trabalho em

equipe. Descrevi como Gady se destacou apesar desse

contratempo, e que ele era um excelente escritor. Acho que

meu entusiasmo transpareceu, porque Harvard me chamou

para conversar sobre Gady. Fiquei surpresa. Nunca tinha

sido convidada pelo departamento de admissões antes.

Expliquei que Gady se saía muito bem independentemente

dos obstáculos.

Harvard gostou — e muito — de ouvir isso. Gady entrou

mesmo sem o título chique, mesmo sem a média impecável.

Foi aceito porque ficaram impressionados com sua

personalidade e sua determinação.

Tenho muitas histórias sobre as eleições de editores-

chefes, que se tornaram um teste decisivo sobre como os

alunos lidavam com a derrota e com a adversidade. Todo

ano, conto a meus alunos sobre Gady Epstein. A história

dele é sobre como lidar com a derrota, como não se sentir

derrotado, mesmo que não vençamos, e, mais importante,

como não perder seus objetivos de vista aconteça o que

acontecer. É uma lição para todos, porque enfrentamos

decepções o tempo todo. O que importa é como reagimos a


essas decepções, e sua reação é algo que você pode

controlar. Na verdade, é a única coisa que você pode

controlar.

Gady foi para Harvard, onde se graduou em relações

internacionais e seguiu seu sonho de se tornar jornalista.

Depois de passar por vários empregos no ramo, incluindo

no Baltimore Sun e na Forbes, onde trabalhou como diretor do

escritório de Beijing, ele é agora editor de mídia da The

Economist.

Gady Epstein não é um caso isolado. Sempre há alunos

como ele nas minhas turmas, e é isso o que me mantém

empolgada com o ensino depois de todos esses anos.

Movido por um objetivo importante, Gady seguiu sua

dedicação ao jornalismo. O que ele tinha era visão e garra.

“Garra” é um termo comum na educação. Implica seguir

seus sonhos, por mais difícil que seja ou por mais

adversidades que possamos encontrar no caminho. Essa é a

minha definição. Em seu best-seller de 2014 Garra: O poder

da paixão e da perseverança, a psicóloga e pesquisadora Angela

Duckworth estudou os cadetes de West Point, uma escola de

ensino médio no centro de Chicago, vendedores e

concorrentes do campeonato nacional de soletração Scripps.

Em sua pesquisa sobre o que tornava as pessoas de todos os

estilos de vida bem-sucedidas ao longo do tempo,

Duckworth constatou que:

qualquer que seja o domínio, os mais bem-sucedidos tinham uma

determinação feroz que se manifestava de duas formas. Primeiro, essas

pessoas eram extraordinariamente resistentes e dedicadas. Segundo, sabiam

de maneira muito, mas muito, profunda o que queriam. Eles não tinham
apenas determinação, tinham direção. Era essa combinação de paixão e

perseverança que tornava especiais as pessoas de grande desempenho. Em

uma palavra, elas tinham garra.

Mais recentemente, outros pesquisadores afirmaram que

garra é uma combinação de consciência e perseverança,

duas características muito estudadas no campo de psicologia

da personalidade. Concordo que a consciência e a

perseverança sejam parte integral da garra, mas, quando

penso em garra, também penso em autocontrole,

recompensa tardia, paciência e coragem, todos aspectos da

garra que vamos explorar nas páginas a seguir. A teoria de

Duckworth reflete a minha: o tipo mais potente de garra

está ligado à paixão.

Às vezes, essa paixão ou motivação é automática. Pense

nos imigrantes, como meus pais e tantos outros, que são

conhecidos por terem uma motivação enorme. A ideia por

trás da “garra do imigrante” é que aqueles que lutaram para

deixar seu país e refazer a vida longe são determinados e

focados por definição. Amy Chua tinha medo de que suas

filhas perdessem o diferencial que ajudou a moldar o

sucesso dela. Em Grito de guerra da mãe-tigre, ela escreve

sobre a terceira geração de imigrantes:

essa geração vai nascer nos grandes confortos da classe média-alta […]. Terão

amigos ricos pagos por tirarem notas oito. Podem ou não frequentar escolas

particulares, mas, qualquer que seja o caso, vão querer roupas de marca caras.

Finalmente, e mais problemático, vão pensar que têm seus direitos

individuais garantidos pela Constituição dos Estados Unidos e, portanto,

serão mais propensos a desobedecer aos pais e a ignorar orientações

profissionais. Em suma, todos os fatores apontam para uma geração a

caminho do declínio.
Certo, talvez esses jovens não estejam “a caminho do

declínio”, mas suas vidas não são preenchidas

automaticamente por experiências que desenvolvem garra.

É uma variação do velho ditado “avô rico, filho nobre e neto

pobre”, referindo-se aos filhos do fazendeiro que entraram

para a faculdade e depois em trabalhos engravatados, e cujos

filhos seguiram o exemplo com obediência, até que os

netos, criados com muito conforto, sem motivação

nenhuma, regrediram ao trabalho manual. E existem

evidências que mostram que os imigrantes da terceira

geração podem ficar para trás de gerações anteriores e

imigrantes recentes. Um estudo com 10 795 adolescentes

descobriu que crianças nascidas fora dos Estados Unidos

tinham maior desempenho acadêmico e envolvimento

escolar do que crianças nascidas no país tanto de pais


1
estrangeiros como nativos. Não é de admirar. Existe certa

paixão em chegar aos Estados Unidos que vai se dissipando

com o passar do tempo. As mudanças no setor empresarial

mostram tendências semelhantes. Ao olhar para a indústria

de tecnologia, sabemos que, em 2016, os imigrantes no país

fundaram e cofundaram metade das start-ups bilionárias.

Um estudo de 2017 do Center for American

Entrepreneurship descobriu que, das 35 empresas no topo

da lista Fortune 500, 57% foram fundadas ou cofundadas

por imigrantes ou filhos de imigrantes. Sergey Brin é

imigrante. Elon Musk também. E não vamos esquecer de

Albert Einstein. Claro, existem muitas variáveis a


considerar, mas não se pode ignorar a garra inata dos

imigrantes e o sucesso que ela gera.

A adversidade em si pode desenvolver uma garra

automática. Ou você sucumbe às circunstâncias ou luta com

unhas e dentes para superá-las. Nesse caso, a garra é

essencialmente o desejo pela sobrevivência. Estudos sobre

“crescimento pós-traumático” mostram que crianças que

sofreram doenças graves nos primeiros anos de vida se

tornam adultos mais positivos e resistentes. Não faltam

exemplos para provar esse ponto. Veja Oprah Winfrey. Ela

sobreviveu ao abuso sexual e à pobreza na infância,

tornando-se uma magnata multibilionária da mídia e

considerada uma das mulheres mais poderosas do mundo.

Ou Sonia Sotomayor. Ela desenvolveu diabetes tipo 1 aos

sete anos e precisava aplicar injeções de insulina em si

mesma. Seu pai, um alcoólatra que só havia estudado até o

terceiro ano do fundamental, morreu quando ela tinha

apenas nove anos. A saída dela foi a educação formal, assim

como tinha sido para mim, e, em 2009, ela se tornou a

primeira juíza latina da Suprema Corte dos Estados Unidos.

No verão de 2018, o mundo todo entrou em choque

quando saiu a notícia de que uma equipe de futebol

tailandesa ficou aprisionada na caverna Tham Luang em

virtude das enchentes relâmpago. Um dos jogadores do

time, Adul Sam-on, de catorze anos, um aluno bolsista

apátrida cujos pais o mandaram de Myanmar para a

Tailândia na esperança de que encontrasse uma vida

melhor, representou um papel fundamental no resgate


porque conseguia falar inglês com os socorristas. Toda a

vida dele até então tinha sido um exercício de garra: ele

veio de uma família pobre e analfabeta, imigrou para a

Tailândia, deixou os pais para morar com um pastor e sua

esposa para frequentar a escola e, apesar de todas as

adversidades, prosperou nesse país, tornando-se o melhor

aluno e ganhando diversos prêmios esportivos. Há dúvidas

de que todas as adversidades que ele enfrentou o tornaram

forte, resistente e incrivelmente corajoso?

Sou inspirada por todas essas pessoas, talvez porque veja

um quê da minha própria jornada na deles. Como minha

filha Anne diz, eu tenho fé. Tinha uma verdadeira

mentalidade de guerreira enquanto crescia. Muitas coisas

ruins aconteceram na minha vida, mas ensinei minhas

filhas que você pode ou deixar que essas coisas controlem

você ou tornar o resto da sua vida melhor.

Não estou defendendo impor traumas ou sofrimento aos

filhos. É claro que a adversidade pode ter efeitos negativos

terríveis — físicos e psicológicos — que vão durar até a vida

adulta. Mas quero destacar que a superação das dificuldades

pode nos fortalecer, que às vezes isso acontece de maneira

automática, e que muitos jovens em situações difíceis

acabam desenvolvendo garra, resistência, paciência e outras

habilidades fundamentais.

Mas e o resto das pessoas? Como filhos criados em casas

confortáveis desenvolvem garra? Você está elogiando mais o

esforço do seu filho do que o talento dele? Está ensinando

que os obstáculos são parte necessária do aprendizado?


A resposta é: provavelmente não. A educação-helicóptero

superprotetora resultou em crianças que não sabem fazer

nada sozinhas, que dirá superar medos, dificuldades e

fracassos. Elas choram quando não ganham o doce ou o

brinquedo que querem. Não é uma tragédia, mas podem

fazer você pensar que é. Estão acostumadas com pais que

cedem sempre e, em alguns casos, suprem todos os seus

caprichos. Ninguém pede que elas façam nada de

desagradável, então, na adolescência, tornam-se mais

contidas e muito mais medrosas. Morrem de medo de

assumir riscos.

As escolas não estão ajudando porque o sistema premia

apenas o resultado. A maior parte dos professores está

completamente focada nos exames e nas estatísticas porque

a própria avaliação deles depende da pontuação dos alunos.

Eles são treinados para seguir instruções, para obedecer.

Todo o modelo educacional se baseia em não ser reprovado,

não correr riscos. Se os alunos vêm à escola com alguma

garra, é a garra para aturar o sistema, não a da paixão por

algo que amam. Não estou dizendo que não existem

estudantes com determinação e persistência, porque está

claro para mim e para todos os professores que muitos

jovens têm espíritos batalhadores admiráveis que fazem

bem para eles, mas encontro cada vez menos jovens que

enfrentam as dificuldades como Gady enfrentou. Se não

conseguem o que querem, eles buscam alguém para culpar.

Juro, todo semestre meus alunos entram na aula

introdutória parecendo cordeirinhos. Estão apavorados. E


precisam de ajuda para se encontrar e ganhar autonomia. O

aprendizado acontece quando os alunos estão dispostos a

correr riscos. Senão, o nome disso é memorização.

Não sou a única que notou essa mudança no

comportamento dos alunos. Recentemente, visitei Carol

Dweck em seu escritório na Universidade Stanford. Dweck

é uma das maiores especialistas sobre a forma como

enfrentamos a adversidade. Seu livro Mindset: A nova

psicologia do sucesso, publicado pela primeira vez em 2006,

apresentou visões revolucionárias sobre a psicologia do

sucesso humano. Dweck descreve dois sistemas diferentes

de convicção, ou mindsets: fixo e de crescimento. As pessoas

com mindsets fixos acreditam que nossas capacidades inatas

são estacionárias. Existem gênios e não gênios, e não há

nada que se possa fazer para mudar isso. Por que eles

pensam dessa forma? Porque foi o que seus pais e

professores ensinaram. Como a pesquisa de Dweck revelou,

essas pessoas pensavam que “Ou você era inteligente ou não

era, e o fracasso significava que não era. Simples assim”.

Por outro lado, pessoas com mindsets de crescimento

acreditam que o sucesso é alcançado através do trabalho

duro e do foco, e que o fracasso não é motivo para desistir.

Pessoas com essa mentalidade são elogiadas por seu esforço

e por sua dedicação, e não por sua “genialidade”. Indivíduos

com mindsets de crescimento, Dweck explica, “sabiam que as

qualidades humanas, tais como as habilidades intelectuais,

podem ser cultivadas por meio do esforço […]. Não apenas o

fracasso não as desestimulava, como nem sequer


imaginavam que estivessem fracassando. Achavam que

estavam aprendendo”. Parece muito o sistema de domínio: o

erro faz parte do aprendizado, e devemos continuar

trabalhando até acertar. A pesquisa de Dweck mostra que

ensinar pessoas a ter um mindset de crescimento muda

completamente a visão delas sobre o sentido das

dificuldades e do fracasso. O mindset de crescimento nos

proporciona garra — a qual pode ser aprendida.

Dweck conversou comigo sobre uma tendência que

observou em seus alunos. “Não acho que os pais-

helicópteros estejam deixando os filhos burros”, ela me

disse. “Estão deixando os filhos ineficientes. Eles são

levados de carro para tudo quanto é canto, têm pouquíssima

liberdade. Então como vão conseguir fazer algo no mundo

mais adiante? Muitos não vão seguir carreiras. Vão fazer uns

bicos aqui e ali. E eu entendo. Porque durante toda a vida

você teve que corresponder a determinadas expectativas, se

preocupou, tudo que você quer é não se preocupar mais.”

Evitar a preocupação parece uma boa fonte de motivação ou

a mentalidade certa para correr atrás de objetivos

importantes? Isso é dar coragem às crianças?

Em seguida, Dweck me falou de um seminário de escrita

do primeiro ano que ela começou a lecionar em 2005. Ela

pede uma redação particular por semana aos alunos — que

é lida apenas por ela —, e, quando começou, sempre havia

um ou outro aluno que escrevia sobre estar nervoso e

amedrontado. “Mas há uns cinco anos”, Dweck me disse,

“todos, garotos e garotas, diziam ter pavor de cometer erros,


pavor de expor imperfeições, pavor de serem descobertos.”

O mesmo acontece nas minhas turmas. O conselho de

Dweck a esses calouros amedrontados: “Você está apavorado

porque acha que Stanford o aceitou porque acharam que

você era um gênio. Errado. Você não é um gênio. Stanford

pensa que você pode contribuir para a universidade e depois

para o mundo”. Quando fala isso para suas turmas, conta

ela, há um suspiro de alívio coletivo.

Líderes de empresas me contam histórias semelhantes.

Stacey Bendet Eisner, estilista talentosa e dona da Alice +

Olivia, uma loja de roupas femininas de luxo, acredita que

está mais difícil do que nunca contratar as pessoas certas.

“Sempre falo que quero trazer uma geração abaixo de mim

que seja melhor, que saiba mais do que eu”, ela disse.

“Quero contratar funcionários melhores. Mas tem essa

geração de pais que fazem tudo pelos filhos com ou sem os

recursos financeiros para isso. E depois esses filhos vão para

o mundo e não aceitam críticas, não fazem nada sozinhos,

esperam que tudo seja entregue de mão beijada para eles, o

que é um desastre no ambiente de trabalho.”

Jamie Simon é diretora executiva do Camp Tawonga, um

acampamento incrível de vida selvagem perto do Parque

Nacional de Yosemite. Todo o acampamento é construído

em torno da garra: as crianças são responsáveis por seus

grupos e recebem tarefas desde garantir que todos passem

filtro solar e tomem seus medicamentos a programar as

atividades do grupo e a pensar em atividades que

incentivem a diversão e a bondade. Eles têm até crianças de


sete anos em acampamentos noturnos que guardam e

carregam seus próprios equipamentos (incluindo latas de

spray contra ursos) e preparam e cozinham a própria

comida. Queria que todas as crianças pudessem ter uma

experiência como essa. Ironicamente, para um

acampamento tão focado em garra, Simon notou mudanças

em seus orientadores de idade universitária. No passado, a

psicóloga residente trabalhava exclusivamente com os

jovens campistas, mas agora precisa acompanhar os

orientadores também. Por quê? Porque eles se sentem

incapacitados e deprimidos e, enfim, sem garra. A culpa não

é deles, mas da forma como foram criados.

Há outro problema igualmente perturbador, que é o

extremo oposto da falta de garra. Imagine os típicos pais e

mães-tigres ou helicópteros que definem diversas metas

altíssimas para seus filhos. Às vezes dá certo. Eles instigam

um tipo de garra na criança de que ela deve ser a número

um em todas as atividades. Vai ser a aluna perfeita e entrar

para a faculdade perfeita. Vai ser o próximo Mozart. Existem

muitas crianças que vencem o desafio apesar de toda a

pressão. Elas atingem metas insanas e até as superam. São

incrivelmente fortes e resistentes e ambiciosas. Mas, para a

maioria dos jovens nessa situação, a fonte de sua garra é o

medo. Medo de errar. Medo de não ser amado pelos pais

caso tirem oito. Medo de não serem o próximo Mozart (o

que é praticamente certo). Garra e determinação agem

contra uma existência com propósito e felicidade. Eles são

superprogramados e supercontrolados, obrigados a levar


uma vida em que os objetivos são entregues a eles, em que

desviar dos trilhos da conquista predefinida significa a

ruína completa.

Compare isso com a garra que surge da paixão da própria

criança. Essas crianças têm pais que veem o filho como um

ser humano com suas próprias opiniões, interesses e

objetivos. Esses objetivos podem divergir dos objetivos dos

pais, mas a escolha é dele. Ele é incentivado a se dedicar a

seus fascínios e a definir seus próprios objetivos. Quando

inevitavelmente falhar, é ensinado que os erros são parte

natural do processo de aprendizado e que ele deve se

manter focado. Os obstáculos não o impedem. Ele se torna

forte o bastante para aguentar tudo em seu caminho —

fracasso, tédio, distração, intimidação. Apenas segue em

frente, aconteça o que acontecer, porque é movido pela

paixão em vez do medo. Sua motivação vem de objetivos

internos, não de forças externas. O tipo de garra que resulta

disso é o que move os jovens mais extraordinários que

conheço hoje, como o desenvolvedor de softwares de

dezessete anos do Cairo que está fazendo um aplicativo para

ajudar pessoas surdas. Não é um processo fácil, e tenho

certeza de que ele foi desencorajado mais de uma vez, mas

está decidido a ajudar os deficientes auditivos. Basicamente,

ele é incansável.

É isso que queremos despertar nos nossos filhos: uma

garra que venha de uma motivação entusiasmada e

indestrutível e os ajude a passar por todos os obstáculos.

Com resiliência. Força. Sem nunca desistir.


Para mim, esse é o tipo de garra de que os jovens

precisam.

CORAGEM É UMA HABILIDADE EDUCÁVEL

No lado leste do campus de Stanford fica a Bing Nursery

School, uma escola infantil adorada por suas salas repletas

de jogos e brinquedos e uma enorme área de brincadeiras

ao ar livre. Na primavera de 1972, Susan estudava fazia

quase dois anos na Bing quando foi convidada a participar

de um experimento educacional que parecia divertido.

Susan tinha quatro anos na época.

“Ganhamos marshmallow hoje”, Susan anunciou

enquanto andávamos pelo estacionamento, “e eu ganhei

dois.” Ela me contou que havia entrado em uma sala especial

e ganhado um marshmallow. “Se eu conseguisse esperar e

não comesse na hora, ganharia mais um”, ela disse. Ela

estava superorgulhosa de si mesma porque seu autocontrole

foi premiado. Ela não conseguia parar de falar daqueles

marshmallows.

Mais tarde descobri que Susan havia participado do

famoso experimento do marshmallow. Se você jogar no

Google, vai descobrir mais de 2 milhões de resultados

descrevendo a pesquisa inovadora de Walter Mischel.

Mischel queria testar a capacidade das crianças de adiar a

gratificação e demonstrar autocontrole, e se perguntou

como essas qualidades os afetariam na vida adulta. Em certo

sentido, ele decidiu torturar os alunos de jardins de infância


— mas de um jeito legal. Sua equipe de pesquisadores

levava crianças de quatro a cinco anos para uma sala vazia

da escola. Um doce — normalmente um marshmallow, mas

também foram usados M&Ms, Oreos e outras guloseimas —

era colocado na mesa. Eles falavam para a criança que ela

poderia comer o marshmallow na hora ou esperar sozinha

até o pesquisador voltar (depois de quinze minutos, quase

uma eternidade para uma criança pequena) e ganhar dois

marshmallows em vez de apenas um. Algumas crianças

sucumbiam na hora. O marshmallow era tentador demais.

As crianças que esperaram mais tempo encontravam

maneiras criativas de se distrair — cantando músicas,

dançando, ficando quietinhas, olhando para qualquer lado

menos para o doce. Mas o mais impressionante foram os

estudos subsequentes. Mischel e sua equipe de pesquisa

descobriram ao longo de quarenta anos que as crianças que

conseguiam adiar a gratificação desde pequenas eram

“adolescentes mais competentes cognitiva e socialmente”,

tinham IMCs (índices de massa corporal) mais baixos e


2
menos problemas interpessoais quando adultos.

Quando eu estava prestes a sair da escola, um dos

pesquisadores veio correndo até meu carro e me contou

que, de todos os alunos da Bing, Susan havia esperado mais

tempo por seu marshmallow. Ele parecia muito orgulhoso.

Embora eu não entendesse o experimento na época, agora

faz sentido. Susan é uma das pessoas mais pacientes e

lógicas que conheço. Também se mantém extremamente

calma sob pressão. Nada a tira do sério. Ela tem um


autocontrole impressionante. Ela se cerca de funcionários

que confiam nela e a respeitam. Tinha todas essas

características desde pequena, e não porque nasceu assim,

mas porque vinha praticando havia anos.

A garra é composta por muitas habilidades diferentes.

Penso nelas como peças de um quebra-cabeça: todas são

importantes. Um dos maiores segredos é se conhecer bem o

bastante para controlar suas emoções e seu comportamento

de maneira que você possa se manter no rumo sem se

deixar vacilar. Inadvertidamente, eu vinha ensinando a

gratificação tardia em casa muito antes de Susan ser testada

com um marshmallow. Por exemplo, quando o assunto era

comida, minhas filhas sabiam que existia uma ordem

específica a seguir. Eu lhes dava um pedacinho de doce

junto com o prato principal, mas elas só poderiam comer a

sobremesa depois que terminassem o jantar. Sem exceções.

Outra tática: sempre que queriam algo, eu sugeria um jeito

de conseguir — mas em geral levava tempo. Se elas

quisessem nadar, por exemplo, eu dizia: “Não é melhor

esperar até esquentar um pouco antes de irmos para a

piscina?”. Outro pedido comum era: “Podemos sair para

brincar agora?”. Minha resposta: “Você deu comida pro

Truflle (o cachorro)?” ou “Terminou o desenho que

começou ontem à noite?”. Não sei direito por que eu fazia

isso, mas tinha o pressentimento de que elas deveriam

aprender a se controlar desde pequenas, mesmo quando

tentadas com doces ou outros agrados.


A paciência é outra peça do quebra-cabeça. Isso eu

também ensinei: esperar e economizar faziam parte de

nossas vidas. Não tínhamos muito dinheiro quando elas

eram novas, então economizávamos para ter o que

queríamos. Cada uma tinha seu cofrinho, e elas os enchiam

centavo por centavo. Todo domingo, recortávamos cupons

do jornal. Anne até desenvolveu um sistema especial de

organização de cupons para que ficassem fáceis de achar

durante as compras.

Aqui vai o oposto de ensinar paciência: deixar uma

criança na internet 24 horas por dia, com o aparelho dela,

no carro, em restaurantes, na mesa do jantar. Se eu

recomendasse que você tirasse o aparelho dos seus filhos no

carro e lhes ensinasse paciência, estaria indo contra o que

90% dos pais fazem todos os dias. Eu entendo. No mundo

de hoje, simplesmente não é prático nem realista. Mas vale

a pena tentar de vez em quando. Pergunte ao seu filho o

que ele está fazendo no celular ou transforme o trajeto em

um filme. Experimente fazer um dia de “volta no tempo”

em que vocês fingem que não existem celulares ou iPads e

veja o que as crianças inventam. Você pode anunciar:

“Vamos fingir que somos a vovó ou o vovô quando eles

eram pequenos. O que você acha que eles faziam no carro?”.

Esteja preparado para cantar.

Mesmo quando corremos atrás de objetivos que nos

estimulam, com certeza vamos nos deparar com o tédio.

Aprender a lidar com isso é outro passo importante para

criar garra. Em sala, em especial durante as aulas


expositivas (sim, dou aulas expositivas na minha turma de

fundamentos de jornalismo, para ensinar habilidades

básicas), os estudantes às vezes se queixam de que não

conseguem manter a atenção. Tenho uma relação franca o

suficiente com meus alunos, em que eles se sentem à

vontade de vir até mim e dizer: “Você está falando há tanto

tempo. Fiquei entediado. Podemos fazer outra coisa?”.

Certo, isso não é lá muito estimulante quando estou na

frente da turma, mas nunca fico brava com eles. Aproveito

isso como uma oportunidade de aprendizado. Respondo o

seguinte: “Quero que voltem para casa e perguntem uma

coisa importante para seus pais… perguntem se eles ficam

entediados em seus trabalhos. Se amanhã vocês voltarem

com a resposta de que eles nunca ficam entediados,

podemos pular a aula expositiva”. Isso em geral segura a

atenção deles. “Entediar-se é se preparar para a vida”, digo.

“Vocês estão praticando agora.” Eles dão risada, mas todos

entendem. Às vezes, ou com muita frequência, a vida é

entediante.

Mas também ensino que dá para aproveitar ao máximo

esses momentos. Você pode contar os pontinhos no teto ou

fantasiar. Pode pensar nos seus objetivos. Quais são os seus

próximos passos? Que obstáculos podem surgir em seu

caminho? Quais são as coisas novas para buscar? Onde você

sente mais animação, mais esperança? Todo esse raciocínio

pode acontecer durante os tais momentos de tédio. O tédio

pode levar você a lugares inesperados e à sua próxima

grande paixão.
APRENDER A LUTAR

A coragem é uma das expressões mais intensas de garra. É

um tipo de determinação altruísta. Pode envolver

autocontrole e paciência, e sempre exige um forte senso de

identidade e uma disposição para defender o que é certo.

Depois do terrível massacre em Parkland, na Flórida,

muitos alunos de lá e de outras escolas começaram a lutar

pela causa da segurança. É preciso coragem para protestar,

coragem para se tornar figuras públicas e coragem para

entrar em debates políticos com adultos. Adolescentes de

todos os lugares estão vendo as possibilidades agora; eles

também podem defender aquilo no que acreditam. Não

precisam simplesmente aceitar o que os adultos dizem.

Outra lição importante para todas as escolas é a importância

das aulas de debate, jornalismo e teatro no currículo. Essas

matérias ensinaram aos alunos de Parkland habilidades

importantes que os capacitaram a falar e a exercer certo

controle. Eles escreveram em blogs e na internet.

Discursaram em vigílias. Foram às ruas para se manifestar.

Um grupo de alunos de Parkland está em uma missão

chamada March for Our Lives, viajando pelos Estados

Unidos pedindo a reforma da lei de armas, tentando unir a

nação. Agora, eles são fortes participantes do processo

democrático e exemplos formidáveis para outros estudantes.

Sete dias depois do massacre de Parkland, em 29 de

março de 2018, a secretaria da Palo Alto High School

recebeu uma ligação alarmante. Jenny, da secretaria,

atendeu o telefone. Do outro lado da linha, uma voz


masculina avisou: “Alguém na escola está com uma arma e

vai atirar hoje à tarde”.

A escola entrou em confinamento. Foram noventa

minutos infernais para os alunos, esperando para ver se sua

sala, sua escola, seria a próxima em uma série de massacres.

A ligação se revelou um trote, mas os alunos sofreram

durante esse período de noventa minutos. A revista Verde,

uma das dez publicações do Media Arts Center da Palo Alto

High School, publicou sua edição seguinte com o que

parecia um buraco de bala atravessando todas as oitenta

páginas da revista. Não importava em que página você

virasse, encontrava aquele buraco de bala. É assim que todos

nos sentimos — tragicamente impactados. A revista, editada

por Julie Cornfield, Emma Cockerell, Saurin Holdheim

(todas com dezessete anos) e pelo orientador Paul Kandell,

virou notícia nacional. Apareceu na CNN, na CNBC e na ABC.

Representava o estresse e o medo que os alunos de toda a

nação sentiam todos os dias. E mostrava a coragem deles em

pensar de maneira crítica, assumir o controle e encontrar

uma resposta inesperada e criativa à violência gratuita.

Queremos educar nossos filhos para serem corajosos, para

serem aqueles que têm o necessário para levantar a voz, se

manifestar, serem ouvidos. Podemos começar falando sobre

pessoas valentes e fazendo com que eles compartilhem suas

histórias de coragem. Basta assistir à TV em qualquer noite

para encontrar exemplos de pessoas defendendo aquilo em

que acreditam. Como pai e mãe, você pode demonstrar sua

coragem se manifestando para defender os valores em que


acredita, mesmo que eles não agradem muito. Não há por

que ser maldoso em relação a isso; na verdade, o impacto é

muito maior se você for educado, mas persistente. Assim,

seus filhos poderão ver a coragem em ação.

Estimule seus filhos a defender o que é certo — desde

pequenos. Não há problema em crianças que respondam,

desde que elas demonstrem respeito. Pais que silenciam os

filhos estão ensinando as habilidades erradas. Estão

ensinando a não se manifestar sobre coisas que importam

para eles. Respeito é importante, mas ter voz ativa também.

Ensine seu filho a ser amigo da criança de quem ninguém

quer ser amigo; ser amigo da colega que pode ter ideias

muito diferentes das dele, conversar com ela. Ensine-o a

ajudar o professor mesmo se isso não for bem visto e a

compartilhar seus materiais com os colegas. Quando seu

filho demonstrar coragem, faça questão de reconhecer. Se

ele defender a criança que todos estão ridicularizando, isso

demonstra coragem e empatia.

Às vezes, porém, apesar de toda a nossa tenacidade e

coragem, garra significa saber o momento de desistir. A

garra é necessária mesmo quando está na hora de recuar de

maneira elegante. É a habilidade que nos dá forças para

mudar. Susan aprendeu isso quando estava trabalhando no

Google Video, um serviço de hospedagem de vídeo gratuito

do Google lançado em 25 de janeiro de 2005. Em 2006, ela

descobriu que havia um produto chamado YouTube — que

era melhor do que o Google Video. Era também um serviço

gratuito de hospedagem de vídeo, mas com alguns recursos


que o Google Video não tinha. Susan teve que tomar uma

decisão muito difícil: continuar trabalhando no Google

Video, no qual o Google já havia perdido muito tempo e

milhões de dólares ou adquirir o YouTube, o produto de

crescimento mais rápido. Olhando para os fatos, ela admitiu

que tinha que mudar seus planos. Coube então a ela

convencer a gerência do Google de que deveriam comprar o

YouTube. Não foi fácil, pois o valor estava em 1,65 bilhão de

dólares. Foi a decisão certa, como todos sabemos hoje, mas

na época foi preciso muita coragem para Susan abandonar

seu projeto e correr o risco de comprar a concorrência.

Precisamos falar para os nossos filhos que não há

problemas em desistir e se frustrar se algo não estiver

dando certo. Há sabedoria em aprender a falhar rápido,

perceber e admitir logo se um projeto fracassar. Lembra do

meu sistema de domínio no ensino da escrita? Eu parto do

princípio de que uma redação não vai ser perfeita na

primeira nem na segunda vez. O mesmo vale para a

programação: na maioria das vezes, há bugs no começo.

Alguns pais ouviram sobre a importância do fracasso e

chegaram a me perguntar: “Como posso ajudar a preparar

um fracasso para meu filho?”. Não estou brincando. A

intenção é boa, mas não é assim que o aprendizado

funciona. Não cabe a nós orquestrar o fracasso. O que temos

de fazer é deixar que as crianças trabalhem em seus

próprios projetos e tomem suas próprias decisões sobre

quando tentar outra coisa.


O fracasso é parte necessária do aprendizado, e aprender

envolve fazer algo por conta própria. Se você fracassa, não

está sozinho. A maioria das pessoas vai fracassar em algum

momento. São aqueles que se levantam e seguem em frente

que alcançam o sucesso no final.

GARRA E FARTURA

De acordo com o National Center for Children in Poverty,

21% das crianças norte-americanas vivem em casas com

rendas abaixo do limite da pobreza, e 43% vêm de famílias

de renda baixa que passam por dificuldades para cobrir as

despesas diárias. A pobreza é algo devastador; sei por

experiência própria. Mas há um lado bom em tudo, e o lado

bom da pobreza é a garra. Quando temos recursos

limitados, ou absolutamente nenhum, é preciso muita

imaginação para ter aquilo que queremos, e você não tem

escolha a não ser usar a criatividade. Quando eu era

adolescente, queria uma mesa de cabeceira, e não tínhamos

dinheiro para comprar uma. Então, peguei engradados de

laranja de graça no mercado, pintei com cores vivas e os

transformei em mesas de cabeceira. Ficaram muito bonitas.

Eu só tinha um par de sapatos quando era criança porque

sapatos eram caros. Meu pai dizia: “Por que você precisa de

dois pares? Você só tem um par de pés”. Eu engraxava meu

único par de sapatos toda noite. Continuava pobre, mas

meus sapatos sempre pareciam novos. Tenho certeza de que


as crianças pobres de hoje podem lhe contar histórias

melhores do que as minhas sobre como inovar.

A garra que desenvolvi na infância permaneceu comigo

durante toda a vida. É uma forma de pensar no mundo e

em como torná-lo melhor. Se sua família está nessa

situação, é uma luta constante e um problema que todos

devemos trabalhar para resolver, mas saiba que seus filhos

estão desenvolvendo habilidades de enfrentamento e de

garra importantes se seguirem em frente. Essas habilidades

vão ser úteis para eles durante toda a vida.

É no outro extremo do espectro da riqueza que temos um

déficit de garra. Muitas crianças têm brinquedos demais.

Jogos eletrônicos, conjuntos de Lego, bicicletas de alta

tecnologia, quartos tão cheios de tralhas que elas nem

conseguem usar. Mesmo algumas crianças de baixa renda

têm uma superabundância de brinquedos. Todos queremos

dar aos nossos filhos uma vida melhor ou mais abundante,

mas o excesso pode privá-los do desejo de trabalhar duro

para conseguir algo. Se as crianças têm tudo que querem,

elas nunca passam por dificuldades, nunca entendem o

verdadeiro valor de correr atrás de algo e não desenvolvem

criatividade nem garra.

Mas não precisa ser assim. Para começar, pare de comprar

tantos brinquedos! (Uma lição que precisei reaprender

como avó.) Primeiro, faça questão de que eles aproveitem os

que já têm. Desde quando fazer compras se tornou um

programa com as crianças? Só levá-las à loja as tenta a

querer mais do que já têm. Que tal ir ao parque ou fazer


uma trilha? Que tal deixar que elas criem projetos pela casa

ou saiam com os amigos? Que tal simplesmente passar o

tempo com elas jogando jogos de tabuleiro ou cozinhando?

E, se elas gostarem de cozinhar, deixe que façam seus

próprios bolos de aniversário. É tentador planejar uma festa

extravagante, mas algumas festas atuais beiram cerimônias

de casamento. Já vi festas de princesa da Frozen completas

que incluíam uma atriz representando a Elsa, e uma festa de

circo elaborada, com direito a pôneis. Certo, as crianças

adoram essas festas, mas sabe o que elas adoram também?

Planejar seu próprio dia, pensar no conceito, ajudar a

decorar, estar no controle. Dê um orçamento a elas e deixe

que decidam como organizar o dia. Deixe que entrem na

internet e pesquisem o que querem. Faça seus filhos

compararem preços e serem consumidores inteligentes. Se

eles querem um show de mágica, veja se conseguem

contratar alguém da vizinhança.

Os filhos também devem estar no controle da própria

educação — não importa quem esteja pagando. Quando as

crianças estão no controle, elas se importam mais. Como

você cuida de um apartamento alugado? Como o seu

comportamento muda se você for dono do próprio

apartamento? Não estou dizendo que você não deva pagar a

mensalidade da faculdade do seu filho. Tivemos o privilégio

de conseguir sustentar nossas filhas na faculdade e

acreditamos no valor da educação. Mas as fizemos pagar

pela pós. Lembro que Susan ficou chateada quando falamos

que não financiaríamos a pós-graduação dela. Sabíamos que


ela poderia conseguir uma bolsa ou trabalhar como

assistente de professor. E, se não tivesse sido possível para

ela encontrar financiamento, eu teria emprestado o dinheiro

para ela. Não dado. É uma diferença importante. Ela era a

mais velha, por isso o que fizemos com ela é o que faríamos

com todas. Imaginamos que elas já tinham idade suficiente

para dar conta, e elas deram. Tanto Susan como Janet

pagaram pela pós-graduação delas ou conseguiram bolsas.

Mesmo tendo sido difícil para Susan, ela aprendeu muito

mais equilibrando os estudos da pós e seu trabalho do que

teria se tivéssemos pagado. Sem mencionar que também

tem agora uma sensação incrível de conquista, orgulhosa de

si mesma, e com razão. Ela conseguiu.

Se você passou décadas economizando para pagar a

faculdade do seu filho, pague. Mas aqui vai uma dica: faça

com que ele pague a fatura, mesmo que seja com o seu

dinheiro. Eles podem escrever o cheque, e você assina. O

simples ato de escrever a quantia os faz ter noção do seu

sacrifício. Eles verão os custos reais. Isso causa um impacto

psicológico. Eles nunca vão esquecer. Queria ter pensado

nisso na época em que minhas filhas estavam na faculdade

(embora elas não precisassem — levavam sua educação

muito a sério).

Seja qual for a renda da família, sugiro fortemente que

todos os adolescentes arranjem empregos. Não há jeito

melhor de aprender sobre como o mundo real funciona.

Todas as minhas filhas trabalharam durante o ensino médio.

Susan coordenava caminhões de lixo (como mencionei) e


trabalhou como recepcionista no Fish Market de Palo Alto,

um emprego divertido porque todos os amigos dela iam

comer lá. Janet e Anne trabalharam de babá. Heidi Roizen,

capitalista de risco e empreendedora, fazia shows de

marionetes em festas de aniversário quando estava no

ensino médio. Ela ganhava oitocentos dólares por mês com

esses shows e só foi ganhar um pouco mais — mil dólares

por mês — em seu primeiro trabalho fora de Stanford.

Adoro contratar adolescentes — são alguns dos

funcionários mais entusiasmados, criativos e diretos que

existem. Falam o que pensam. Meus alunos projetaram meu

site, e acabei de contratar um adolescente do bairro para

regar o jardim. Adoro ser um trampolim. Eles conseguem

seu primeiro emprego comigo e depois disparam na

carreira. No começo, a 23andMe, a empresa de testes

genéticos de Anne, contratou equipes de alunos meus para

cuidar das conferências. Eles organizaram até uma

competição de natação para pessoas acima de cinquenta

anos. Tenho orgulho do meu neto Jacob por ter conseguido

seu primeiro emprego como cozinheiro de acampamento

por dez semanas antes de partir para a universidade. Ele fica

em pé durante oito horas por dia, servindo trezentos alunos

por vez. Eu o vi em ação — é um trabalho duro. Mas ele

tem uma atitude fantástica, e está aprendendo muito sobre

garra.

Lembre-se também de que é você quem decide o exemplo

que dá ao seu filho. O dinheiro era curto quando minhas

filhas estavam crescendo, e boa parte do que eu fazia era


por necessidade. Mas essas ideias funcionam com qualquer

criança, de qualquer classe social.

Garra era simplesmente parte da minha personalidade.

Morar em Los Angeles no final dos anos 1950 significava

que você tinha de ter um carro. No meu aniversário de

dezesseis anos, tirei minha carteira de motorista e

comemorei como todos os adolescentes de dezesseis anos da

região: meus pais me compraram um Studebaker —

bastante rodado — verde-oliva de 1948 por trezentos

dólares, e meu pai, um mecânico amador, me ensinou a

cuidar dele. Sua filosofia era que eu devia fazer tudo

sozinha, já que não podíamos bancar a manutenção do

carro. Aprendi a trocar o óleo, os pneus e as velas de ignição

e faço uma revisão bastante digna. Anos depois, quando

morávamos no campus de Stanford, os vizinhos ficaram

chocados ao me ver na rua embaixo do carro, trocando o

óleo. Eu era conhecida por subir no telhado e limpar as

calhas. Foi assim que fui criada. Minhas filhas viram tudo

isso. Viram a mãe como alguém capaz de fazer (quase) tudo.

Elas também me viram como alguém com muita

persistência e autocontrole. Tenho um autocontrole enorme

quando se trata de comida. Acho que aprendi a valorizar a

comida durante a infância, quando não havia o suficiente

para toda a família. Também sei que essa é uma das formas

de conseguir controlar minha saúde: o que coloco na boca.

Ninguém mais tem controle sobre isso além de mim. Posso

me sentar diante de um banquete luxuoso com comidas

incríveis e não comer. Minha lógica é que, se eu não estiver


com fome, não vou comer. Ponto. Ensinei o mesmo para as

minhas filhas. Não queria que elas usassem o alimento

como forma de escape emocional. A comida era nutrição e

subsistência em nossa casa.

Outra lição de garra para as minhas filhas: quando eu

enfiava uma ideia na cabeça, seguia aquilo à risca. Minha

determinação era imbatível. A cozinha e a sala de estar da

nossa casa tinham pisos de linóleo quando nos mudamos.

Era culpa minha: eu escolhi aquele linóleo, mas não sabia

como eram pisos de alta qualidade. Depois de alguns anos,

comecei a me irritar com aquele chão. Eu o odiava muito,

mas muito mesmo. Queria aquilo fora da minha casa — e

queria pisos de madeira. Mas não tínhamos como bancar

um piso caro. Quase não tínhamos móveis: nosso

orçamento vivia no limite. Stan não via nada de errado com

o linóleo, então era difícil fazer com que apoiasse minha

ideia. Por isso, resolvi a questão sozinha. Devagar, ao longo

de um ano, economizei um dinheirinho toda semana do

nosso orçamento para comida. Minhas filhas observaram

todo o processo, toda a minha persistência e determinação

(em segredo, claro). No verão daquele ano, Stan foi para a

Europa por duas semanas, e era hora de colocar meu plano

em prática. Não queria dar a Stan a chance de argumentar,

por isso fiz tudo sozinha. Eu havia pesquisado o melhor

preço de antemão. Achei uma ótima empresa para fazer o

serviço e agendei para começarem no dia em que ele saiu

de viagem. Quando voltou, entrou na área da cozinha e da

sala de estar e ficou em choque com a beleza do piso de


madeira. “É lindo, não é?”, eu disse. Stan ficou sem palavras.

No começo, teve medo de admitir que havia gostado, talvez

porque não soubesse de onde eu tinha arranjado o dinheiro

para fazer aquilo, mas admitiu que eu havia feito um bom

trabalho e ficou contente ao descobrir que havia pagado por

tudo. Temos o mesmo piso quarenta anos depois, e continua

lindo.

Também tentei mostrar às minhas filhas a importância de

ser uma consumidora inteligente e como reclamar quando

viam um problema na loja. Sempre tive essa atitude de

querer melhorar a experiência para mim e para os outros.

Às vezes a loja anunciava um produto com desconto, mas,

quando chegávamos ao caixa, tentavam me cobrar mais.

“Desculpe”, diziam. “O preço foi atualizado” ou “Deve ter

sido etiquetado errado.” Isso nunca funcionou comigo. Eu

brigava, chamava o gerente e insistia no preço anunciado.

Sempre levava o anúncio comigo. Imaginei que, se ninguém

reclamasse, continuariam fazendo aquilo com todos os

consumidores, não apenas comigo. Pensava: por que é

aceitável fazer propaganda falsa para atrair consumidores

com base em mentiras? Minhas filhas se escondiam,

morrendo de vergonha. Agora as lojas são bastante atentas

aos preços listados e, muitas vezes, se você avisa sobre o

preço errado, ganha um desconto. Creio que essa mudança

de conduta começou graças a pessoas como eu! E gosto de

pensar que as minhas filhas aprenderam a não ser

enganadas e a se defender e a defender os mais fracos, e que


as empresas têm a obrigação de anunciar com integridade e

tratar os clientes de maneira justa.

Talvez o aspecto mais forte da garra seja que ela se torna

quem você é. No entanto, por mais tentador que seja ver a

garra como uma qualidade individual, é muito mais

inspirador quando reconhecemos que ela pode mudar não

apenas nós mesmos mas o mundo — de pequenas e grandes

maneiras. Gady fez isso dando tudo de si a todos que

trabalhavam no jornal, e os alunos de Parkland fizeram isso

usando a enorme plataforma que tinham na tentativa de

finalmente mudar as leis que afetam todos os cidadãos. Não

existe sucesso de maneira isolada. A garra, portanto, implica

fluidez e ir além do interesse próprio para podermos juntar

forças no mundo como um todo. Quando temos a

flexibilidade para nos fortalecer como grupo, todos saem

ganhando.
AMPARO
6. Não imponha, colabore

Era meu primeiro ano como professora, e eu estava no

meu limite. Todos os dias, dava aula para 125 alunos em

cinco turmas de inglês e jornalismo, e precisava ficar de

olho em todos. Eles deviam me ouvir falar — sobre todos os

assuntos desde redação, passando por gramática a ética do

jornalismo — e eu tinha que fingir interesse no que estava

falando. Adoro gramática como qualquer professor de

línguas, mas era obrigada a dar a mesma aula cinco vezes ao

dia. É o que os professores de ensino médio fazem: você se

repete a cada período (se estiver ensinando a mesma

matéria). Algumas pessoas são excelentes nisso. Eu não. Fico

entediada. Nunca me dei bem com um roteiro que me diga

exatamente o que fazer todo santo dia. Não tinha

importância se determinada aula exigisse um desafio maior

ou mais tempo para entender um conceito novo. Mas ainda

pior era precisar me portar como a “autoridade” dia após

dia. Eu queria trabalhar com os meus alunos, não contra

eles.
Quando eu não estava dando aula, eles deviam fazer seus

trabalhos de maneira independente. Todos tinham seus

livros, a maioria fazia anotações, e eles precisavam fazer os

exercícios ao fim de cada capítulo. Minhas mãos viviam

com manchas roxas de criar exercícios extras, usando uma

máquina de escrever e fazendo cópias em um mimeógrafo

pela manhã. Por que todo esse trabalho? Porque, se os

alunos terminassem as atividades do livro, eu precisava de

algo para mantê-los ocupados. Você precisava ver a cara

deles quando finalmente terminavam os exercícios mais

chatos já criados na história (as pessoas que escrevem livros

de gramática deveriam ser obrigadas a fazer um curso de

criatividade) e me viam chegando em suas mesas com mais

atividades sobre o mesmo tema. “Aprender” era decorar, e

todos estávamos sofrendo juntos por causa disso.

Em novembro, eu estava tão estressada que tive

problemas de estômago e uma série de resfriados. Um dos

professores mais velhos me disse: “Você precisa tirar férias.

Parece bem doente”. Bom, eu estava bem doente e parecia

tão mal quanto me sentia. Mas, acima de tudo, estava

confusa. Vinha seguindo fielmente as instruções da

secretaria e o que havia aprendido na pós-graduação. Tinha

a mesma formação que todos os professores da UC Berkeley

School of Education tiveram nos anos 1960. A lição

principal: o professor é quem manda. Assisti a diversas

aulas sobre como controlar a sala. Tínhamos até um livro

sobre o assunto. Éramos avaliados pelo controle de sala —

se os alunos eram bem-comportados, se ficavam


concentrados na tarefa, com que frequência levantavam a

mão antes de falar. A ideia era que os alunos não tivessem

dúvidas de que os professores estavam no comando. Nunca

questionar. Uma das dicas mais memoráveis da

administração era: “Não sorria antes do Natal”. Não estou

inventando nada disso. É só perguntar para os professores

formados antes de 2000, na UC Berkeley ou em qualquer

outra faculdade.

Meus alunos não estavam apenas desinteressados, estavam

com medo. Medo de que eu os punisse e talvez até os

reprovasse. Eu também deveria sentir medo — de ser

desmascarada, de expor o fato de que sou uma verdadeira

palhaça que estava louca para contar uma piada, mas achava

que seria demitida se fizesse isso. Quando um aluno me viu

chegando e pegou um lápis para fingir estar animado com

mais um exercício de gramática, voltei à minha mesa e

respirei fundo. Naquele momento, decidi que devia mudar.

Eu não podia continuar no controle de tudo e de todos e

manter minha sanidade. Considerei minhas opções: pedir

demissão para salvar minha saúde, começar uma terapia e

salvar minha cabeça ou fazer o que queria e esperar ser

demitida.

Por incrível que pareça, foi uma decisão fácil. Meu

primeiro passo: parar de dar aulas expositivas durante o

período inteiro e deixar que os alunos trabalhassem em

grupos durante parte da aula. Se precisavam aprender

gramática com o livro de Warriner, que não era nem um

pouco entusiasmante, pelo menos que pudessem fazer isso


juntos. Vou logo avisando que isso não era nada tradicional

nem aceitável. Era um sacrilégio. Lá estava eu, a professora

nova, já tentando quebrar algumas regras. Não era uma

ideia muito inteligente. Mas eu não podia ensinar nada

àqueles jovens se não tornasse o aprendizado mais

interessante. Então eles escolheram seus parceiros e

estudaram gramática e ortografia em grupos.

Eu me senti um pouco mais livre. Meu senso de humor

peculiar começou a transparecer. Eu inventava histórias

malucas que pareciam vir de alguma série de comédia e

pedia que pontuassem. Também falei para os alunos criarem

seus próprios materiais. Eles entravam na sala na segunda-

feira, e eu dizia: “Contem para mim o que fizeram no fim

de semana. Escrevam e pontuem com sua dupla”. Os alunos

tinham a opção de contar a verdade ou exagerar o quanto

quisessem. Para mim, não fazia diferença. Recebi muitas

histórias sobre Beer Pong (me considero uma especialista

agora, embora nunca tenha jogado uma partida), relatos de

façanhas estranhas (como o menino que comeu 25 barras

de chocolate de uma vez) e — isso mesmo — histórias de

sexo. Esse foi o meu limite, apesar das reclamações deles.

“Seus pais acham que vocês nem sabem o que é sexo”, eu

disse, “então não me metam em encrenca!” Houve muitas

risadas na sala, mas não tive medo de discipliná-los. Eu

tinha a atenção deles — porque vivia fazendo essas

maluquices — e tinha sua confiança.

Até que um dia o diretor entrou na sala sem avisar, foi até

a última fileira e se sentou. Ao observar a sala, notou que os


alunos estavam trabalhando em duplas ou trios. Entrei em

pânico. A única coisa em que consegui pensar foi: aula

expositiva! Então corri até a frente da sala e comecei a

discursar sobre a beleza dos ponto e vírgulas. Os alunos me

olharam como se eu estivesse doida. Quer dizer, eles sempre

me olhavam como se eu fosse doida, mas, dessa vez, era

diferente. Eles não faziam ideia do que estava acontecendo.

Eu sabia que controle teoricamente era o mais importante,

então disse: “Coloquem os lápis na mesa e me escutem”, no

melhor estilo de faculdade de licenciatura. Alguns alunos

ouviram, mas dois não. O diretor anotou isso nas

“observações”. “Classe descontrolada e muitos estudantes

conversando sem fazer a tarefa”, ele escreveu. Isso era

considerado um problema grave.

O diretor me deu três semanas para “controlar minhas

turmas”. Isso significava alunos silenciosos sentados em

fileiras. Ninguém falando enquanto eu estivesse falando.

Todos tomando notas. O período inteiro. Fiquei triste e

voltei a considerar pedir demissão. Talvez apenas não tivesse

nascido para ser professora. Muitos professores de hoje

pensam o mesmo. Sofrem tanta pressão do sistema para

melhorar as notas de exames que tudo o que podem fazer é

ensinar o mesmo material de novo e de novo. Hoje, eles

usam computadores para ajudar a repetir o material, mas o

método continua o mesmo. Nenhuma flexibilidade, pouca

criatividade e pouquíssimas oportunidades para o professor

colaborar com os alunos.


A rebelde dentro de mim teve uma ideia inusitada. Decidi

contar aos meus alunos o que estava acontecendo. Na

próxima vez em que o diretor viesse me avaliar, eles

precisavam ser completamente silenciosos ou eu seria

demitida. Falei isso com essas palavras. Eu confiava neles e

não tinha nada a perder. “Se não querem que a aula mude,

se ainda me quiserem como professora de vocês, então

precisam me ajudar”, eu disse. Foi uma decisão ousada

torná-los parte do meu plano. Mas pensei que, se

pudéssemos trabalhar juntos, poderíamos conseguir.

O plano era continuar ensinando do meu jeito — de

maneira colaborativa — até o primeiro sinal do diretor.

Nesse momento, todos os alunos parariam de falar e

olhariam para a frente e então eu começaria uma aula

expositiva. Fizemos um treino alguns dias depois, quando vi

o diretor passando no corredor. Corri até a frente da sala, e

os alunos pararam de falar no mesmo instante. Sucesso!

Eles adoraram a ideia de participar do plano. Como minha

ex-aluna, agora professora-assistente de escultura na

Universidade Estadual da Califórnia em Chico, Lauren

Ruth, disse: “Uma das principais coisas que Woj fez foi

desconstruir a hierarquia na sala de aula. Ela vivia

derrubando o sistema. Havia um lugar especial que Woj

podia ocupar que era diferente dos pais. Ela era uma

parceira no crime. Confiou em nós a ponto de ser essa

parceira no crime. E havia algo encantador nessa

experiência”.
Três semanas depois, o diretor voltou para me observar de

novo, e a sala estava em silêncio. Silêncio mesmo. Parecia um

necrotério. E passei com mérito. “Feliz em ver você no

controle”, ele disse. Ele quis saber como eu havia

transformado meus alunos em tão poucas semanas. Contei

que foi fácil: “Fiz questão que soubessem que eu estava no

comando e parei de sorrir, como me ensinaram na

faculdade”.

Depois disso, criei coragem.

Em 1986, passei por uma loja no shopping center Los

Altos que tinha um computador Macintosh na vitrine. O

Mac dizia “Olá” na tela, como se estivesse falando comigo.

Eu nunca tinha visto nada assim antes, mas tinha certeza de

que era melhor do que as máquinas de escrever Just-O-

Writer que meus alunos usavam. Demorava horas para

datilografar as matérias que eles produziam para o jornal da

escola. Precisei contratar um aluno por um dólar a hora

para datilografar as matérias para os alunos que não sabiam

datilografar. Quando havia erros, as matérias deviam ser

datilografadas do começo de novo. Aquele Macintosh

parecia um presente caído do céu.

Mas eu não tinha verba. Até que por acaso encontrei um

pedido de subsídio do estado da Califórnia para verbas

especiais. Preenchi a solicitação de sete computadores

Macintosh. A administração me avisou que a concorrência

era grande. Não muito encorajador, mas adivinha quem teve

o pedido concedido no outono de 1987? Sete lindos

computadores chegaram à minha sala de aula móvel. Fiquei


felicíssima, embora não fizesse ideia de como ligá-los.

Durante algumas semanas, eles ficaram no fundo da sala,

até eu anunciar aos alunos: “Estou muito feliz em contar

que consegui um subsídio do estado, e agora temos sete

computadores novos!”. Eles sabiam o que eram

computadores, mas nunca tinham visto um Macintosh de

perto. Ninguém na escola sabia usar um. A secretaria me

disse que os aparelhos não passavam de uma “modinha” e

que não conseguiam ninguém para me ajudar. Talvez eu

devesse ter me desmotivado ou até ter ficado com medo —

tinha estudado ciências políticas e inglês, não tecnologia. Eu

era tão ignorante que, na primeira vez que tentei usar um

Mac, não sabia em que lugar as palavras na tela tinham ido

parar. Acabei descobrindo que eu rolava a tela demais. Eu

não sabia nem o que era rolar a tela! Mas meus alunos eram

muito mais habilidosos do que eu e ficaram felizes em

ajudar.

“Sem problemas”, eu disse à administração. “Eu e meus

alunos damos um jeito.”

Todos passamos horas extras depois da aula e aos fins de

semana trabalhando para instalar os computadores e para

aprender a usá-los. Lembro dos irmãos Gill — gêmeos — e

de como trabalharam com os outros alunos para entender a

ciência misteriosa dos Macs. O pai deles trabalhava na Aldus

Corporation e veio em um sábado para ensinar a usar um

programa chamado PageMaker. Era perfeito para a

diagramação do jornal. Pegamos aqueles disquetes da Aldus

— lembra dos disquetes? — e começamos a usar essa que se


tornaria uma plataforma digital formidável para diagramar

nosso jornal, o Campanile. Depois, tivemos de pensar em

como armazenar nossos dados. Os alunos fizeram isso

também.

Levamos seis semanas para instalar os sete computadores,

arranjar uma impressora, conectar as máquinas e organizar

nossos arquivos. Éramos verdadeiros pioneiros da

computação. Sempre que alguma coisa quebrava ou que

precisávamos de ajuda (o que era comum), eu levava alguns

alunos até a Fry’s, a loja de eletrônicos da cidade. Passamos

a conhecer a loja muito bem, e os alunos desenvolveram

habilidades incríveis em TI muito antes de o termo se tornar

conhecido. Se você nunca foi à Fry’s em Palo Alto, é uma

experiência e tanto. Na entrada, há uma estátua gigante de

um cavalo apoiado nas patas traseiras. Para mim,

representava o entusiasmo diante da revolução tecnológica a

caminho. Algo grande estava acontecendo, e fazíamos parte

daquilo.

Naquele ano, tive a ideia de fazer as camisetas do

programa de jornalismo pela primeira vez. As equipes

esportivas tinham camisetas, e éramos uma equipe também.

Fico orgulhosa em dizer que houve estampas incríveis ao

longo dos últimos trinta anos, sempre feitas pelos alunos:

um desenho meu pisando no prédio administrativo da

escola, uma camiseta com uma moeda grande na frente e

“Confie em Woj” na parte de trás e, recentemente, “Woj-se”.

Os alunos usam suas camisetas em toda a escola e por toda

a cidade de Palo Alto.


O que aconteceu na minha sala, desde meus primeiros

dias ensinando gramática até o jornalismo altamente

tecnológico de hoje, gira em torno de colaboração. A

colaboração só é possível com uma forte base de confiança,

respeito e independência. As crianças também precisam de

uma meta bem definida, pela qual sejam apaixonadas. Esses

elementos têm de existir para que os estudantes trabalhem

juntos e orientem uns aos outros. Meus alunos treinam

essas habilidades todos os dias e já me espantaram com sua

capacidade de apoiar, de educar e de inspirar uns aos outros.

Para criar uma publicação de alta qualidade, meus alunos

precisam conhecer o jornalismo como a palma de sua mão.

Não é algo teórico. Eles não estão decorando o material que

vai cair na prova e o esquecendo alguns dias depois. Estão

escrevendo e projetando um jornal completo e precisam

dominar as habilidades envolvidas. Antigamente, eu dava

aulas sobre Adobe PageMaker e Photoshop, mas os alunos

escutavam, faziam anotações, depois entravam no

laboratório de informática e não faziam ideia de como usar

os programas. Nunca dava certo. Simplesmente não é

possível aprender a usar um programa ouvindo alguém

falar como se faz. Então passei para uma aula mais

interativa em que eu explicava um aspecto do programa e

os fazia treinar aquela função, e depois passávamos para o

passo seguinte, alternando entre aula expositiva e prática.

Isso funcionou melhor — mas o que mais funcionou foi

fazer os alunos ensinarem uns aos outros.


Minha ideia era unir cada aluno iniciante com um aluno

avançado. Nós chamávamos os iniciantes de “filhotinhos”.

Era um termo carinhoso. Cada um tinha seu filhotinho. Os

alunos avançados podiam escolher com quem trabalhar e

eram responsáveis por garantir que o iniciante soubesse

fazer tudo. Eu oferecia a estrutura, anunciando: “Hoje

vamos treinar como melhorar nossas matérias” ou “Hoje

vamos melhorar nossos artigos de opinião”. Depois líamos

exemplos juntos, e os filhotinhos faziam um rascunho com

a ajuda de um aluno mais velho. Na maioria das vezes

funcionava perfeitamente, mas nem sempre. Se um

filhotinho entregasse um trabalho que precisasse de mais

revisão, eu falava para o aluno mais velho: “Ei, seu

filhotinho não escreveu uma manchete muito boa. Volte lá

para ajudá-lo, por favor”. Muitos iam, mas se dissessem

“Não consigo” ou “Não entendi”, conversávamos mais sobre

o problema — até entenderem tudo. Basicamente, eu

repassava o máximo de responsabilidade possível para os

estudantes, o que se revelou um enorme sucesso. Byron

Zhang, um dos meus alunos atuais que imigrou da China

quando estava no sétimo ano, me falou que essa orientação

foi importantíssima para sua educação geral. Ele sempre foi

um pouco inseguro em relação a suas habilidades de fala e

escrita em inglês, mas seu mentor o ajudou a desenvolver

autoconfiança. Ele também gostava da chance de fazer

amizade com os alunos mais velhos, o que era raro fora da

minha matéria.
Em todos os anos fazendo isso, nunca tive um aluno que

não atingisse as expectativas. Quando confiamos em nossos

alunos e os ajudamos a estruturar seu tempo e suas tarefas,

eles conseguem. Mas, se tivermos medo e não acreditarmos

nas capacidades deles, isso normalmente não acontece.

Mais adiante, expandi esse sistema de orientação para a

escrita propriamente. Era impossível para mim fazer críticas

pessoais a 150 alunos por dia, mas eles podiam criticar uns

aos outros. E, ao longo de um ano, os alunos tiveram

melhoras significativas que tanto eles como seus parceiros

podiam comemorar. Tive a sorte de oferecer feedback ao

Google sobre o que na época se chamava Writely, um

programa novo que possibilitava aos estudantes colaborarem

durante a escrita e editarem o trabalho uns dos outros.

Meus alunos foram alguns dos primeiros usuários do que

viria a se tornar o GoogleDocs, um aplicativo que eles e

milhões de outros estudantes usam até hoje.

Não estou dizendo que é sempre fácil. Existe um fator de

incerteza sempre que se trabalha com adolescentes.

Trabalhar com turmas grandes e colaborativas é sinônimo

de caos. Mas passei a gostar do caos. Acho que desenvolvi

uma tolerância a ele com o tempo. Há momentos durante a

semana de produção em que os alunos botam música alta e

gritam do outro lado da sala e prestam atenção em três

aparelhos ao mesmo tempo. Fico sentada no meio disso

tudo e faço meu trabalho.

É difícil descrever o impacto que esse método de ensino

tem nos adolescentes. Quando os alunos sentem que podem


colaborar com seus professores, sua autoimagem vai às

alturas e eles se sentem absolutamente capacitados. Eles são

capazes de tudo, porque alguém os apoia. Eles também

podem aguentar decepções, porque sabem que são membros

valiosos da equipe aconteça o que acontecer. Este ano tenho

uma aluna muito talentosa que concorreu para editora-

chefe, mas perdeu. É claro que ela ficou decepcionada, mas

não por muito tempo. Ela assumiu um papel importante

como representante da diretoria, o que significa que

participa de todas as reuniões da diretoria e informa sobre

as decisões que afetam os alunos diretamente. Também

trabalha como orientadora em nosso acampamento de verão

de jornalismo. Ela sabe que é valiosa para mim e para todos

os outros no jornal, e essa é toda a motivação de que

precisa.

TRABALHE COM SEUS FILHOS, NÃO CONTRA ELES

É triste, mas é verdade. Muitas pessoas pensam que o

melhor jeito de educar as crianças em casa e na escola é

estando no controle absoluto. Elas pensam: “As crianças são

jovens e não sabem de nada. Os pais que devem mostrar o

caminho”. Embora as crianças gostem de estrutura, o

excesso de estrutura não faz bem para a saúde psicológica

delas, segundo algumas das pesquisas mais importantes

realizadas sobre os estilos de educação e seus efeitos no

comportamento. Em 1971, a pesquisadora de psicologia do

desenvolvimento Diana Baumrind analisou um grupo de


146 crianças em idade pré-escolar e seus pais. Ela observou

quatro estilos distintos de educação: autoritário, impositivo,

permissivo e negligente. Vamos esmiuçar as duas primeiras

categorias.

Os pais autoritários agem como ditadores. Concentram-se

acima de tudo na obediência e no cumprimento de regras.

São os pais que dizem existir “meu jeito ou rua”, que são

totalmente inflexíveis. Em contrapartida, os pais impositivos

criam uma relação positiva, calorosa, mas firme com seus

filhos. Acima de tudo, esses pais estão dispostos a

considerar as opiniões dos filhos e a participar de conversas

e discussões, o que tende a contribuir para o

desenvolvimento de habilidades sociais. Como a pediatra do

Vale do Silício Janesta Noland afirma: “Um pai impositivo é

aquele que define certos limites mas faz isso através da

participação — não é seu melhor amigo, não é uma pessoa

que não se importe com você, não é alguém que só quer

controlar você, mas alguém que oferece um suporte de

expectativas”. O estudo original de Baumrind descobriu que

a educação com autoridade está associada a

comportamentos independentes e construtivos e à


1
responsabilidade social em meninos e meninas. Do mesmo

modo, seu estudo de acompanhamento de 1991 descobriu

que a educação impositiva protegia os adolescentes do uso

de drogas, provando que os estilos educacionais exercem


2
influências duradouras nos filhos.

As duas últimas categorias são mais autoexplicativas: os

pais permissivos tendem à indulgência excessiva e não


impõem regras nem expectativas, sentando-se no banco

traseiro da vida do filho. Algumas pessoas interpretam

minha filosofia erroneamente como permissiva ou de

criação livre, mas estão deixando de ver um ponto

importante: nunca ofereço liberdade sem estrutura. Não

quero que meus alunos corram soltos pelo centro de mídia;

quero que suas ideias e seus artigos corram à solta, mas

com uma base firme de jornalismo e um prazo definido.

Grande diferença. Estabeleço expectativas altas. Quero

apenas que os alunos encontrem um jeito de atingi-las. Os

pais negligentes fogem de suas responsabilidades,

negligenciando o filho em termos de atenção, amor e

orientação. Obviamente um mau colaborador e um

cuidador problemático.

Existe um momento para cada tipo de educação, embora

os extremos costumem ser excessivos no dia a dia. Se você

estiver em uma situação de perigo, pode ter que agir como

um ditador para demandar a atenção e a obediência de que

seu filho precisa naquele momento. Não é nada bom ser

negligente o tempo todo, deixando seu filho fora de casa

sem saber aonde vai ou quando vai voltar, mas existem

momentos em que é preciso recuar um pouco e ficar em

silêncio. Quanto à educação impositiva, concordo que

devemos ser firmes com as crianças quando elas são

pequenas e ainda estão aprendendo os elementos da CRIAR.

Isso acalma as crianças pequenas, sabendo que existe

alguém no comando. Proporciona estrutura e

direcionamento a elas.
Mas creio que exista ainda outra categoria. Gostaria de

chamá-la de educação colaborativa, na qual se constrói uma

relação de respeito mútuo com o filho a partir do momento

em que ele tem idade suficiente para entender o básico. Por

exemplo, se eu estiver pintando o quarto de uma criança, o

estilo com autoridade poderia dizer: “Aqui está a tinta. Olhe

enquanto pinto primeiro, depois você pode fazer igual”,

enquanto o estilo colaborativo daria mais poder à criança:

“Vamos à loja de tintas escolher uma cor. De que cor você

gosta? Agora vamos escolher os pincéis”. Essa tática exige

mais tempo, mas a criança se sente mais como uma

colaboradora do que uma operária. Oferecer uma escolha

ainda que pequena para ela causa um impacto profundo.

As crianças entendem isso naturalmente. Costumamos

pensar que as crianças de um a três anos são determinadas a

impor sua independência, mas um estudo de 2017 revelou

que crianças de dois anos sentiam tanto prazer ao atingir

seus objetivos como quando ajudavam outra criança a


3
atingir os dela. Outra pesquisa revelou que, quando chegam

aos três anos, as crianças entendem o sentido de ter

obrigações para com um parceiro, e podem ver suas


4
próprias perspectivas em conjunto com as dos outros. Faz

sentido que a colaboração seja um impulso natural. Os

humanos sobreviveram apenas porque encontraram um

jeito de trabalhar juntos: a união faz a força. Colaboração é

algo poderosíssimo.

Então por que insistimos em impor? Por que somos tão

controladores? Não estamos tentando ensinar os nossos


filhos a viver em uma sociedade democrática, a serem

capazes de viver e de trabalhar junto com os outros? A

resposta é que esquecemos a importância de deixar que eles

pratiquem ter o controle, mas é isso que precisamos fazer

como pais, pela saúde dos nossos filhos e de toda a família.

O CAMINHO PARA A COLABORAÇÃO

Como todos os princípios da CRIAR, a colaboração começa

com você, pai e mãe. É muito difícil dar o exemplo de

colaboração se você não souber ouvir as opiniões dos outros

ou se estiver o tempo todo atacando o seu parceiro porque

pensa que sabe mais. Lembre-se: conceber e criar um filho

é um trabalho em equipe. Seu parceiro é seu parceiro, não

seu adversário. E o exemplo que você dá é o resultado que

você obtém. As crianças estão sempre de olho.

Mas haverá discórdias. As crianças se comportam mal e

agem de maneira completamente maluca. Elas não nascem

com boas maneiras e são muito autocentradas. Mas, à

medida que crescem, aprendem a pensar nos outros se é

isso que observam. Cabe a você reagir no momento, o que

pode ser um grande desafio quando seu filho estiver

jogando comida no chão ou fazendo birra na loja de

brinquedos. Aqui vai minha sugestão: tente evitar brigas

pesadas com seu parceiro (conte até dez) e definitivamente

não as tenha na frente do seu filho. Mas e as irritações e

discordâncias do dia a dia? Não as esconda. Ver como lidar

com elas é exatamente do que seu filho precisa. As crianças


aprendem observando as pessoas expressando queixas e

chegando a uma solução. Não esconda o fato de que está

irritado, mas dê o exemplo de como discordar de um jeito

que ajude a resolver o problema.

Digamos que seu marido chega em casa e quer jantar fora,

mas você passou o dia inteiro cozinhando. Ele insiste:

“Estou cansado de comer a mesma comida de sempre.

Quero sair”. Uma discordância comum entre casais. Está

tarde, vocês dois estão mal-humorados. Seus filhos estão

olhando! Seu principal objetivo? Encontre um meio-termo.

É esse o princípio básico dos relacionamentos. Vocês podem

sair amanhã à noite ou guardar as sobras para amanhã e sair

hoje. Não façam tempestade em copo d’água. Mantenham a

cabeça fria e encontrem uma solução. Afinal, não é nenhum

desentendimento terrível. Lembrem-se, as crianças estão

sempre nos observando. Que lições vocês estão ensinando

com seus atos?

Colaboração em casa também depende de criar a estrutura

certa de comunicação. Conversar com seu filho como um

colaborador faz com que ele se sinta parte da equipe, e é

isso que as famílias devem ser. Pode parecer sutil, sobretudo

quando se está conversando com crianças pequenas, mas faz

uma diferença enorme. Em vez de mandar: “Coloque o

maiô. Você vai nadar agora”, tente sugerir: “Está quente lá

fora. Quer vir nadar com a gente?”. Claro, às vezes é preciso

impor. Algumas crianças de dois ou três anos tomariam

conta da casa se pudessem. Mas, em vez de impor as

atividades do seu filho, dê a ele a chance de opinar. Você


está ensinando que ele é ouvido e valorizado, mesmo que

seja pequeno. “Quer ir ao parque ou ao zoológico? Gostaria

de brincar com seus Legos ou ajudar a mamãe a preparar

seu lanchinho?” Já consigo ouvir a resposta provável:

“Quero sair para tomar sorvete”. E esse tipo de resposta

deve ser rejeitada. Mas as respostas das crianças podem ser

muito úteis. Precisamos evitar falar com elas de maneiras

como nunca falaríamos com nossos amigos, especialmente

quando estamos dando ordens. Vejo isso o tempo todo em

público. Sei como os pais podem ficar frustrados, mas

existem maneiras mais colaborativas de dizer “Entre no

carro”, “Saia do celular”, “Venha aqui agora”. Evite também

dizer coisas que possam magoar a longo prazo, como “Que

burrice você foi fazer”. Todos tomamos decisões idiotas, mas

dizer isso só piora as coisas. Tenha uma regra de ouro em

mente: você gostaria que falassem com você como fala com

seu filho?

A colaboração não precisa ser avassaladora ou gigantesca.

Faça dela parte do seu dia a dia. Por exemplo, Susan e a

família se reúnem para jantar toda noite. Eles se sentam à

mesa e compartilham algo que aconteceu no seu dia. Até

Ava, de três anos, comenta sobre o dia dela. É um ritual que

une a família e celebra a importância de cada filho.

Quando se trata de tarefas e responsabilidades, quase toda

tarefa pode ser dividida em partes colaborativas. Em casa, as

crianças podem representar um papel importante no

planejamento dos jantares. Elas podem servir a mesa,

escolher as receitas e ajudar a cozinhar e também a arrumar


depois. Manter a casa limpa é um projeto colaborativo, e a

criança deve ter um papel claro nisso. Quem passa o

aspirador? Quem lava a roupa? Quem põe o lixo para fora?

Quem vai lavar o carro? Quem é responsável por cuidar do

jardim? A ideia geral deve ser de que a casa pertence a

todos, e todos precisam trabalhar juntos para deixá-la

bonita. Não sou uma empregada, e você também não. Cada

um de nós tem uma responsabilidade para cumprir sua

parte do acordo.

O mesmo vale para a escola. Fico muito impressionada

com os alunos do Japão que colaboram entre si para limpar

as salas de aula, varrer o chão e tirar o lixo. Não existem

zeladores. Eles trabalham juntos para manter a escola limpa.

Estamos muito longe do trabalho incrível que as crianças

japonesas fazem, mas na maioria das escolas americanas

tentamos ao menos fazer com que as crianças limpem a

mesa depois do almoço. Nas escolas de Palo Alto, os alunos

são responsáveis por separar o lixo na lata certa (reciclagem

ou orgânico) e ajudar os zeladores a garantir que a escola

esteja em ordem. Os alunos do curso de jornalismo

assumem total responsabilidade pela preparação da comida

para as noites de produção quando ficam até tarde e por

limpar depois. Na maioria das vezes, eles fazem um ótimo

trabalho. E faço questão de que conheçam e valorizem

nossos zeladores — todos compartilhamos as

responsabilidades e todos nos importamos.

Minha atividade favorita para ensinar colaboração à

família é o planejamento das férias — as crianças adoram.


Você pode oferecer algumas opções, e então as crianças

podem pesquisar, escolher um local e selecionar as

atividades. Aqui vai a melhor parte: você não vai precisar

obrigá-las a fazer as coisas. Elas terão planejado. Na nossa

família, Stan assumia a liderança no planejamento das

férias. Ele tinha ótimas ideias, e confiávamos que planejaria

passeios excepcionais. Nunca participávamos de tours. Stan

era o diretor dos nossos tours, mas sempre com a

contribuição das meninas. Nossas filhas faziam sugestões

em cada passo do caminho. Viajamos para a Espanha

quando Susan tinha cinco anos, e lembro que ela escolheu

os restaurantes. Isso a mantinha interessada e animada. Não

sei direito como ela decidia, mas fizemos ótimas refeições.

Quando fizemos trilha nos Alpes Suíços, sempre havia

escolhas e deixávamos para as meninas decidirem. “Vamos

pegar o caminho mais longo ou mais curto? Lembrem-se

que o mais curto é mais íngreme. O que vai ser, meninas?”

Elas também escolhiam que museus visitar com base nos

folhetos. Quando participavam da tomada de decisões, elas

adoravam os museus. Mas lembro de vezes em que não

perguntamos a elas. Foi um erro. Levá-las ao museu era

como levá-las ao dentista! Havia coisas que eu e Stan

queríamos fazer também, então deixávamos as meninas

escolherem seu horário e sua atividade. Eu dizia: “Temos

um dia inteiro para planejar, manhã, tarde e noite. Vocês

podem opinar em uma parte — qual vocês escolhem?”. Elas

tinham uma discussão acalorada e chegavam a um

consenso. Sempre honramos a decisão delas, embora às


vezes houvesse uma exceção quando Stan argumentava: “Eu

sou o mais velho e talvez nunca mais volte aqui”. As

meninas normalmente deixavam que ele ganhasse essa.

Não tenho como não destacar o suficiente a importância

das amizades para as crianças. A vida é uma série de

relações colaborativas: primeiro com os pais, depois com a

família e com os amigos, depois com os professores e mais

adiante com orientadores, colegas e a comunidade em geral.

Todo dia, minhas filhas se encontravam com os filhos dos

vizinhos para brincar ou trabalhar em um projeto de artes

ou ciências. Elas aprendiam a ser amigas, a compartilhar, a

se darem bem. Em geral, os vizinhos são um excelente

recurso muitas vezes ignorado, fácil de deixar escapar no

mundo ocupado e sobrecarregado de hoje em dia.

E não precisam ser outras crianças. As crianças podem

fazer amizade com pessoas de todas as idades. Éramos

ótimos amigos de um casal mais velho da casa ao lado que

adorava as meninas, então eles vinham nos visitar sempre

que podiam. Descobrimos que nosso vizinho, George

Dantzig, era um líder inovador no mundo da tecnologia,

embora tivéssemos passado anos sem saber isso, e ele nunca

nos contou. Ele e a esposa, Anne, eram pessoas muito

simples e simpáticas. Ninguém teria como imaginar. Mas

um dia notei que George tinha um escritório cheio de

premiações e doutorados honorários de países de todo o

mundo. Hum, pensei, o que será que ele fez? Descobri que

ele havia desenvolvido o algoritmo simplex, que solucionou

os problemas de programas lineares da internet, tornando


possível o desenvolvimento da web. Ele era um homem

humilde.

Certa noite de verão, quando Anne tinha por volta de dois

anos, ela decidiu levar a boneca para passear e visitar os

Dantzig. Nossa porta da frente estava destrancada, então ela

só saiu. O único problema era que ela estava completamente

pelada, em uma idade em que se recusava a colocar roupas.

Recusava-se categoricamente. Era verão e estava calor.

Depois de ouvir a porta do andar de cima, olhei pela janela

e a vi empurrando o carrinho de boneca pela entrada.

Naquele momento, eu não tinha mais energia para explicar

a importância das roupas, então apenas deixei que ela fosse.

Pensei que eles não se importariam. Mas depois descobri

que estavam com convidados para o jantar, pessoas muito

renomadas da França. Mas Anne tocou a campainha,

anunciou “Vim aqui brincar” e simplesmente entrou, nua

em pelo, e se sentou à mesa. Ela causou uma sensação e

tanto, e a história virou um clássico da vizinhança.

Quando as crianças ficam mais velhas, os esportes se

tornam uma maneira perfeita de ensinar a trabalhar em

equipe e a ter responsabilidade com os outros. Todas as

crianças devem se envolver em esportes em algum

momento. Esportes individuais ensinam garra, perseverança

e habilidades técnicas, mas esportes coletivos são ainda

melhores porque as crianças aprendem que fazem parte do

time e aprendem que seu desempenho importa para o

grupo. Minhas filhas entraram para a equipe de natação da

Stanford Campus Recreation Association a partir dos cinco


anos. Elas davam voltas na piscina por uma hora toda tarde.

Isso melhorou bastante o sono delas. Aos finais de semana,

elas nadavam em competições de revezamento como parte

da equipe oficial. Imagine uma equipe de revezamento

composta por crianças de cinco anos dando o melhor de si

para nadar nos estilos peito, borboleta, costas ou crawl. Era

engraçadíssimo, mas também era um excelente treinamento

para o mundo real.

Ao longo dos anos, vi como as atitudes que elas

aprenderam na natação, no tênis e no futebol passaram para

outras partes da vida delas. Elas se tornaram mais

conscientes umas das outras, mais compreensivas no meio

de discordâncias e mais aptas a ajudar. Embora às vezes

outros pais tenham agido contra essas lições. Os esportes

podem se tornar o jeito de os pais competirem — se

deixarmos nossos egos se envolverem, insultando os outros

times, provocando os outros pais ou gritando com o nosso

filho por ter perdido um gol. Não faltam vídeos no YouTube

de pais saindo no braço por causa do jogo do filho. Não

devemos esquecer de ensinar o espírito esportivo, sempre

parabenizar o outro time por um bom jogo, qualquer que

seja o resultado. É mais fácil falar do que fazer, mas, na

dúvida, lembre-se: não se trata de você.

Por fim, dar conselhos deve ser visto como uma chance

de colaborar (não impor). Durante o ensino médio, minhas

filhas não estavam se saindo bem em física. Você pode

imaginar que, tendo um professor de física como pai, isso


não pegava nada bem. Elas achavam que não estavam

aprendendo nada.

Então sugeri três opções e falei para elas escolherem a

melhor: 1) ficar até mais tarde na escola e pedir ajuda para o

professor de física; 2) pedir ajuda para o pai delas, que vivia

ocupado e não tinha muito tempo; ou 3) contratar um

professor particular. Elas escolheram o professor particular,

então pusemos um anúncio no departamento de física e,

pouco depois, tínhamos um estudante de pós-graduação

que vinha à nossa casa três tardes por semana. Problema

resolvido, juntas.

A mesma resolução de problemas aconteceu quando Janet

decidiu tentar ser líder de torcida. Ela entrou para a equipe,

e fiquei muito orgulhosa dela. Mas havia um pequeno

problema: ela não gostou. De novo, atuei como ouvinte.

“Bom, o que você quer fazer?”, perguntei. “Quero largar”,

ela respondeu. Conversamos. “Como a equipe vai ser

impactada se você sair agora?”, perguntei. “E como isso vai

fazer você se sentir? Elas escolheram você para esse ano,

então talvez seja bom cumprir sua parte do acordo.” Ela

entendeu meu argumento e, no fim, completou a

temporada.

Não faltam desafios que os filhos enfrentam diariamente.

Todos os pais sabem disto: sempre há algum problema para

resolver. O melhor que podemos fazer para os nossos filhos

é guiá-los e apoiá-los em sua tomada de decisões em vez de

falar o que eles devem fazer. Precisamos ser pacientes e

parar de julgar tanto.


DISCIPLINA COLABORATIVA

Todo esse trabalho em equipe parece bonito no papel, mas

ainda assim as crianças vão cometer erros, porque estão

aprendendo. É o que elas fazem. Aprendem mais quando

cometem erros. Quando surgem problemas, como

inevitavelmente vão surgir, vale a pena ter uma mentalidade

educativa. Todo problema, todo passo em falso representa

uma lição a ser aprendida. E você adivinhou: o professor é

você.

Um dos meus netos tinha mania de morder. Ele chegou a

morder um dos seus amiguinhos na escola. Isso é mais

comum do que se pensa. Mordidas, puxões de cabelo, socos

— as crianças fazem isso o tempo todo porque não sabem se

controlar e ainda estão aprendendo a interagir. É tentador

ficar nervoso. Tentador de verdade. Mas é preciso manter a

calma e argumentar com a criança. E é preciso estar

disposto a conversar com ela.

Foi o que minha filha fez com meu neto. Ela o levou para

outra sala, se sentou com ele e perguntou por que ele estava

fazendo aquilo. Ela queria saber o que o estava deixando tão

frustrado. A frustração está por trás de muitos

comportamentos indesejados em crianças pequenas. Eles

simplesmente não sabem como lidar com suas emoções.

Nesse caso, ele estava chateado porque o outro menino

estava brincando com os seus brinquedos. Para uma criança

de menos de três anos, isso é muito difícil. Então ela falou

sobre a importância de compartilhar com os outros para

que eles compartilhem com você. Essa é uma habilidade


crucial para se dar bem no mundo, e morder não é um jeito

aceitável de expressar uma opinião. Embora nada funcione

da noite para o dia, com o tempo isso resolveu o problema.

Quando as crianças são um pouco mais velhas,

recomendo que tirem um tempo em silêncio para escrever

sobre o que estão sentindo e como estão se comportando,

além de ter uma conversa com os pais. A escrita reflexiva é

uma ferramenta de ensino maravilhosa; sempre usei isso

com as minhas filhas. E, se seu filho ainda não sabe

escrever, fale para ele fazer um desenho sobre o que está

sentindo. A intenção é fazer com que ele reflita e se

expresse. Peça para escrever uma história a partir da

perspectiva do menino mordido. Isso o ajuda a ter empatia

e a parar com o comportamento indesejado.

Depois disso, sigam em frente juntos. Não guarde rancor,

muito menos contra crianças pequenas. Elas estão

aprendendo. Em vez disso, seja parceiro do seu filho no

aprendizado dele. E, se voltar a acontecer, repita o processo

(sem ficar bravo). Identifique o erro, faça o possível para

entender o motivo do comportamento e fale para ele

escrever mais sobre a razão de agir dessa forma. Ele vai

aprender, mas pode levar um tempo.

Esse é o meu jeito de resolver muitos problemas,

sobretudo para lidar com plágio, o que atormenta

professores de toda parte. Quando eu dava aulas de inglês,

passava temas muito diferentes que tornavam difícil plagiar.

Mas alguns alunos conseguiam ainda assim. Fico grata por

não ter muitos problemas com isso nos meus cursos de


jornalismo. Lembro meus alunos de pensarem em todos

que estarão de olho em suas matérias — e isso basta. Essa é

a beleza de um curso de jornalismo com consequências no

mundo real. Mas, quando eu precisava lidar com estudantes

que plagiavam, o que eu mais fazia era conversar com eles.

Eu dava um zero e os chamava depois da aula, mas não os

mandava para o vice-diretor, senão eles seriam tirados do

curso ou reprovados. A escola leva o problema bem a sério.

Eu pensava que era uma questão entre mim e o aluno, não

entre a administração e o aluno. O que aprendi: os alunos

que plagiam, assim como os alunos que colam, estão sob

muita pressão. Sempre tratei isso como um sintoma de

estresse. De onde vem esse estresse? Normalmente, é o

estresse dos pais de que o filho precisa tirar dez ou vai

sofrer um castigo. Eles vivem com medo do castigo e de

não saberem como melhorar seu trabalho.

Eu via todo tipo de plágio como uma oportunidade de

ensinar. Primeiro, pensava por que eles tinham feito aquilo,

por que achavam que não conseguiriam completar a

redação sozinhos. Depois, ensinava sobre o que precisavam

para redigir o trabalho por conta própria. Explicava por que

o plágio era tão ruim, por que é antiético pegar as palavras e

os pensamentos de outra pessoa e fingir que eram deles.

“Quero saber o que você tem a dizer”, eu falava para eles.

“Não o que a Wikipédia diz.” Também tentava ajudá-los a

ver o quadro geral, o fato de que a cidade estava me

pagando para ensinar a eles. “Pense em todo o dinheiro,

tempo e esforço que você está desperdiçando por não


aproveitar essa oportunidade para aprender”, eu dizia. Esse

método era surpreendentemente eficaz.

A questão é que eles estavam apavorados. Apavorados é

um eufemismo. O castigo para o plágio na Palo Alto High

School era rígido. Mas nunca quis que aprendessem que um

erro era capaz de destruir suas carreiras acadêmicas. Eu

queria mostrar que eles eram inteligentes e não tinham

necessidade de copiar. É por isso que só dou notas depois de

eles terem revisado o texto o suficiente para tirar dez.

Alguns alunos revisam duas, três vezes, outros dez, mas não

tem importância. Toda vez que eles revisam, estão

aprendendo. Quando comecei esse sistema, cerca de 25 anos

atrás, o plágio desapareceu das minhas turmas, e a

motivação — assim como a autoconfiança — disparou.

Mas às vezes, mesmo se você confia em seus filhos, eles

fazem coisas malucas que prejudicam a relação entre vocês,

pelo menos por um tempo. Uma situação como essa

aconteceu na primavera do segundo ano do ensino médio

de Susan. Acho que era 1994. Eu e meu marido viajamos

durante o fim de semana e deixamos nossas filhas sozinhas

para cuidar da casa. Elas prometeram que seguiriam as

rotinas, dariam comida para a cadela, Truffle, e cuidariam

umas das outras. Susan tinha dezesseis, Janet quinze e Anne

treze. Eu e Stan nos divertimos muito em nossa viagem

durante o fim de semana e ficamos muito felizes por

finalmente poder deixar as meninas sozinhas em casa.

Ficamos surpresos ao ver como a casa estava limpa

quando voltamos no domingo à noite. Impecável. Alguém


tinha passado o aspirador em todos os cômodos da casa.

Maravilha, pensei. Que filhas incríveis. Eu estava certa em

confiar nelas. Até fizeram faxina! O dia seguinte era

segunda-feira, e fui para a escola como de costume. Na

minha primeira aula, houve muitas risadinhas. Notei uma

aluna usando uma roupa igual a uma que eu tinha — uma

saia e uma blusa azuis da Macy’s, um dos meus

conjuntinhos favoritos. Ficava ótimo nela. Perguntei onde

ela tinha comprado. Houve ainda mais risos.

“Janet me deu”, ela disse.

“Sério?”, perguntei. “Onde Janet arranjou?”

“No seu guarda-roupa. Não ficou sabendo da festa?”

“Que festa?”

“A que teve na sua casa no fim de semana. Derramei

bebida na minha camisa, então Janet me deixou usar uma

roupa sua.”

Quase desmaiei na hora. Eu tinha fama de ser uma

professora legal, então acho que essa aluna se sentiu à

vontade para me falar a verdade. Imagino que ela achasse

divertido contar para todo mundo que tinha sido convidada

para a festa e agora estava usando minhas roupas. Que legal,

não?

Bom, a noite foi bastante tensa em casa. Algumas das

roupas de Stan também haviam sumido. Eu não sabia

direito como contar para as minhas filhas que sabia o que

havia acontecido. Estava furiosa, mas tentando manter a

calma sem conseguir.


Elas chegaram à cozinha para jantar, e eu disse: “Tem

alguma coisa que queiram me contar sobre o fim de

semana?”.

Elas se entreolharam por um momento e fizeram que não

com a cabeça.

“Sério mesmo? Bom, na minha aula hoje, fiquei sabendo

que teve uma festa.”

“Não demos nenhuma festa”, Susan disse.

“Pois é”, Janet interveio. “A gente só quis limpar a casa.”

“Vocês deram uma festa enquanto estávamos fora”, eu

disse. “E tenho provas.”

Contei sobre a menina usando meu conjuntinho. Depois

disso, bom, fiquei brava. Por fim, elas admitiram que mais

de cem adolescentes foram a uma festa na nossa casa sem a

supervisão de nenhum adulto.

“Não vamos mais deixar vocês sozinhas”, eu disse a elas.

“Vocês vão ficar com uma babá.” Elas não discutiram. Como

sabiam que tinham quebrado nossa confiança, ficaram de

castigo por um mês. Achamos que precisávamos deixar isso

claro. Mas o mais importante era ter uma conversa séria.

Castigo não era o fim do processo. “Vou dizer por que é

perigoso dar uma festa grande”, eu disse. “Vocês não têm

controle sobre essas pessoas e têm muita sorte de não ter

acontecido nada, porque, se alguém se machucar na sua

casa, vocês são as responsáveis.” Elas não tinham pensado

nisso. Claro que não. Adolescentes não pensam como

advogados.
Com o tempo, vi como elas tinham sido inteligentes, e

não tive como não rir da forma como vim a descobrir. Pelo

menos não houve nenhum dano à casa, além das roupas

perdidas. E eu não fazia ideia de que elas eram tão boas na

faxina. Também percebi que deixá-las sozinhas durante o

fim de semana foi uma má ideia. Os amigos delas sabiam

que estávamos fora da cidade, então havia essa pressão.

Aliás, não fomos os únicos pais que tiveram essa

experiência. Se você tem filhos adolescentes, pode ter

certeza de que eles vão dar uma festa quando você estiver

fora. Procure garantir que tenham uma babá. E faça questão

de esconder suas roupas favoritas! (Aliás, acabei pegando

meu conjunto de volta, mas as roupas de Stan nunca foram

devolvidas.)

Mas digamos que seu filho fez algo pior do que dar uma

festa, como furtar uma loja, um delito comum entre

adolescentes. Nesses casos, a disciplina está nas mãos da

polícia. Tudo que você pode fazer é cooperar com as

autoridades e deixar que seu filho enfrente as

consequências. Mas, depois, é mais uma ocasião para

conversar e descobrir o motivo do que aconteceu. Seu filho

estava agindo por raiva, estresse ou falta de controle? Ou

talvez tenha furtado porque queria algo e não tinha

dinheiro. São problemas que devem ser tratados de maneira

colaborativa, em família. Às vezes, os adolescentes estão

apenas atrás da adrenalina, especialmente os meninos, e

acabam assumindo riscos bobos. Já trabalhei com dezenas

de pais e mães nessa situação ao longo dos anos. Também


nesse caso cabe a você descobrir a lição que precisa ensinar

e trabalhar com o seu filho para garantir que ele aprenda.

Em 2005, na semana antes do início das aulas, um

professor de educação física muito querido da escola de

ensino fundamental da cidade foi preso por atividade sexual

inapropriada com uma estudante. Todos na comunidade

ficaram tristes e chocados, principalmente seus ex-alunos,

muitos dos quais estavam na Palo Alto High School na

época. Era o tipo de história que definitivamente devíamos

abordar no jornal. Mas o filho do professor de educação

física tinha acabado de entrar para a equipe do Campanile.

Ele era um ótimo aluno e um menino muito simpático, e a

situação foi uma saia justa para os alunos e para ele. Como

meu ex-aluno Chris Lewis, na época editor-chefe, diz:

“Tensão nem chega perto de descrever”. Nenhum de nós

queria causar um mal-estar para o colega. Ele já estava

devastado. O que faríamos? Meus alunos não sabiam. Eu

também não, mas falei que eles tinham um jornal para

publicar e que precisavam dar um jeito.

Isso gerou muitas conversas depois da aula. Lewis

recorda: “Fiquei surpreso quando Woj falou: ‘Vocês são os

editores, o jornal é de vocês. A escolha é de vocês’. Eu

nunca tinha recebido tanto poder ou voz ativa — levávamos

o jornal muito a sério, mas essa era uma situação real, com

relacionamentos da vida real e pessoas da vida real e

consequências enormes. Foi difícil tomar uma decisão,

conversamos e procuramos nos aconselhar. Mas, no fim, a

decisão era nossa”. Os editores conversaram com o filho do


professor de educação física e perguntaram como ele se

sentia. Deixariam que ele se envolvesse ou não como

quisesse. No fim, publicaram a matéria de capa sobre o

caso, mas o filho também escreveu um editorial sobre a

importância da presunção de inocência. Era uma solução

perfeita para um problema quase impossível, mas eles

chegaram sozinhos a ela e fizeram isso em grupo. Se

dermos aos jovens a oportunidade de encontrar soluções

durante o ensino médio, eles vão estar preparados para o

mundo adulto.

COLABORAÇÃO NO MUNDO REAL

Existe uma ideia falsa de que a vida começa aos dezoito

anos, quando você tem o direito de votar, e que tudo antes

disso é apenas prática. É engraçado como nos Estados

Unidos se pode votar aos dezoito, mas beber apenas depois

dos 21. Alguém realmente acredita que os adolescentes não

bebem antes dos 21? As crianças fazem parte do mundo real

desde o dia em que nascem. Não costumamos pensar nelas

dessa forma. A vida do seu filho já está em andamento, ele

já está correndo em uma pista paralela à sua, apenas em um

nível diferente, então por que não fazer com que participe

de atividades que reforcem essa ideia de paralelos, que o

ajudem a pensar em termos do mundo profissional como

um todo, que mostrem que ele já é um participante valioso?

No verão de 2015, recebi um e-mail de um ex-aluno meu,

James Franco. Ele disse que estava interessado em fazer um


filme comigo e um grupo de adolescentes da comunidade.

Adorei a ideia… fazer os alunos participarem de um longa-

metragem tendo a mim e James como professores e

instrutores. Não demorou para estar no centro de mídia

acompanhada de James, sua mãe, Betsy, autora de livros

juvenis, seu irmão, Tom, ator e artista, e a namorada de

Tom, Iris Torres, produtora de cinema premiada. O filme

era baseado no romance adolescente de Betsy Metamorphosis:

Junior Year [Metamorfose: O primeiro ano]. É um relato de

amadurecimento sobre as dificuldades de um menino de

dezesseis anos, através da arte e dos mitos de Ovídio, o

famoso poeta romano. O projeto perfeito para alunos do

ensino médio.

No primeiro dia, eu e James começamos a oficina

distribuindo um roteiro que Betsy havia escrito com base

no livro. Os alunos não tiveram medo de expressar suas

opiniões: “Não parece realista”, “Nenhum adolescente fala

desse jeito”, “Precisa mudar o enredo”.

“Certo, pessoal, reescrevam o roteiro”, Betsy disse. Ela dá

aulas no Children’s Theatre de Palo Alto há anos, então sabe

bem trabalhar com adolescentes.

No encontro seguinte, os alunos haviam revisado o

roteiro. Analisamos tudo, cena por cena, com James e Betsy

guiando o caminho. Depois lemos em voz alta e

continuamos a fazer alterações, mas apenas se fossem

aprovadas por todo o grupo. Levou bastante tempo, mas

ficou incrível. Todos ficaram animados, e Betsy concordou

que a revisão melhorou muito o original.


Então tínhamos um filme a fazer. James, Tom, Iris e eu

criamos quarenta papéis — um para cada aluno. Todos

tinham algum cargo, assim como aconteceria num filme

profissional. Queríamos que eles tivessem suas próprias

responsabilidades e contribuíssem com algo importante

para a equipe. Vou dizer agora que esse filme deve ter sido o

projeto mais complexo que já empreendi, e durou um ano.

Tínhamos cinco diretores, diversos atores e roteiristas, e

alunos cuidando de todo tipo de departamento, incluindo

elenco, música, cinematografia, edição, figurino, câmeras,

animação, sonoplastia e efeitos especiais. Todos estavam

trabalhando três dias por semana depois da escola e nos fins

de semana durante a filmagem. Logo aprendi que não

apenas precisávamos trabalhar juntos, mas também que o

equipamento e o clima cooperassem. Todo dia dava alguma

coisa errado: alguém ia ao lugar errado, trazia a câmera

errada, não conseguia ligar o equipamento de iluminação.

Mas todos estavam aprendendo algumas das lições mais

difíceis da vida: como fazer algo funcionar mesmo quando

não funciona, como trabalhar em equipe com tantas peças

em movimento, tantas opiniões conflitantes. Era um filme

de verdade, não uma tentativa de filme, e o resultado foi

incrível. Chegou até a entrar em vários festivais de cinema,

incluindo o Mill Valley Film Festival na área da baía de San

Francisco.

Esse tipo de experiência é o campo de treinamento no

mundo real de que precisamos para o mercado de trabalho,

onde a colaboração funciona de formas inesperadas (e


complexas). Como CEO da 23andMe, Anne fez um trabalho

incrível para contratar os profissionais mais talentosos, mas

nunca pensou que colaboraria com o adversário. No

entanto, em novembro de 2013, Anne descobriu que a Food

and Drug Administration havia considerado o kit de teste

de saliva da 23andMe como um “equipamento médico” que

precisava passar por um processo gigantesco de aprovação

para comercialização. Da noite para o dia, depois de seis

anos de trabalho, ela foi proibida de vender seu produto.

Se Anne não tivesse mais garra do que qualquer pessoa

que conheço, nunca teria sobrevivido. Mas ela se recusou a

se deixar derrotar. Foi extremamente estratégica. E mais do

que sua tenacidade, foi sua capacidade de colaborar que

acabou salvando a empresa. Basicamente, ela teve de

convencer a Food and Drug Administration da importância

e da eficácia da ideia por trás do produto, o fato de que os

consumidores podiam e deveriam ter suas próprias

informações genéticas e ser capazes de tomar decisões sobre

sua saúde. Não havia precedentes para esse tipo de produto,

então coube a ela colaborar com a Food and Drug

Administration sobre o que estava fazendo e por quê.

Tracy Kein, vice-presidente de comunicação da 23andMe,

recorda que Anne tinha “uma determinação constante de

buscar as opiniões de pessoas dentro do sistema da Food

and Drug Administration e entender essas pessoas, respeitá-

las. A descoberta de que ela nunca as tinha conhecido em

um nível humano a fez querer conhecer, entender e

respeitar esses indivíduos”. Ela se dedicou a mostrar à Food


and Drug Administration que era possível instruir os

consumidores sobre a probabilidade envolvida no cálculo do

risco genético. Foi uma grande campanha que envolveu

toda a empresa. “O nível de colaboração e carinho que

surgiu naquele momento da história da empresa foi

inacreditável”, Keim afirma. “Enquanto Anne equilibrava

liderança e escuta, essa sensação reforçada de colaboração

entre os funcionários gerou resultados. Todos queriam

vencer. Todos queriam vencer juntos.”

A 23andMe apresentou seu argumento, e na primavera de

2017 recebeu a aprovação da Food and Drug Administration

para vender os testes que avaliam o risco genético para

diversas doenças. Desde então, acrescentou outros

marcadores genéticos, incluindo os genes BRCA 1 e 2,

associados ao câncer de mama, ovário e próstata. Essa é uma

vitória não apenas para a 23andMe, mas para todos os

consumidores que agora têm acesso direto a suas

informações genéticas.

Durante todo esse processo, Anne se deu conta de que a

Food and Drug Administration não era sua adversária afinal.

Era um grupo de pessoas com uma opinião diferente da sua

sobre assistência médica, mas, assim como ela, tinha a

intenção de proteger o consumidor. Ela não agiu como um

trator, não foi uma ditadora. Foi uma verdadeira

colaboradora.

No clima político atual, não seria nada mau aprender esta

lição: respeitar seus adversários, entender suas motivações,

encontrar um ponto em comum e buscar soluções


colaborativas. Todos queremos um país melhor, não importa

se moramos nos Estados Unidos, no México ou na China, e

trabalhar de maneira colaborativa é o único caminho real

para atingirmos esse objetivo.

Encontrar um ponto em comum é mais fundamental do

que a maioria das pessoas entende. Talvez hoje mais do que

nunca. Envolve paciência, flexibilidade, doação e escuta.

Significa prestar atenção no outro e levá-lo em

consideração. Também implica tolerar o caos e a incerteza,

sobretudo quando se trata de jovens. Se pudermos fazer

isso, se pudermos aprender a trabalhar juntos,

conseguiremos resolver problemas complexos, passar por

questões moralmente difíceis e tirar proveito máximo de

muitas opiniões e ideias (tantas vezes conflitantes). Também

teremos mais consciência de como tratamos nossos filhos.

Eles são nossos colaboradores de verdade? Valorizamos suas

ideias e interesses? E o que estamos ensinando a eles,

através de nossos atos, sobre como viver no mundo adulto?

Essa é uma das colaborações mais importantes de todas,

porque quem somos como pais determina as pessoas que

nossos filhos vão se tornar.

E, claro, as pessoas que nossos filhos vão se tornar

determinam o futuro de tudo.


7. As crianças escutam o que
você faz, não o que você fala

Claudia estava na porta da minha sala, à beira das

lágrimas. No fim de semana anterior, eu tinha dado a

notícia de que ela não havia ganhado a eleição para editora-

chefe. Detesto dar esse telefonema ou pedir para meus

editores o darem. Durante meus primeiros anos como

professora, era fácil escolher os editores porque a turma era

muito pequena, e normalmente surgia um candidato óbvio.

Hoje é diferente. Na última eleição, foram 28 alunos

competindo para apenas cinco vagas de editor-chefe. A

campanha é acirrada. E consolar os perdedores? Fica mais

difícil a cada ano.

“Não acredito que não ganhei”, Claudia disse entre

lágrimas. Ela era uma aluna inteligente e talentosa que

havia escrito muitos artigos importantes para o jornal. Era

terrível vê-la tão triste.

Eu a deixei chorar e tentei tranquilizá-la com a certeza de

que, a longo prazo, isso não faria diferença. “Você vai entrar
para a faculdade e se sair bem mesmo sem ser editora”, eu

disse. Deu para ver que ela não estava convencida.

No dia seguinte, ficou óbvio que ela estava com inveja dos

alunos que venceram. Isso era ruim para o clima da turma,

e para ela também, então decidi telefonar para os seus pais.

Quando sua mãe atendeu, fiquei chocada ao notar que ela

também estava chorando. “O que fiz de errado?”, ela

perguntou. Ela tinha interpretado essa única eleição como

um referendo de como criou a filha e um reflexo do valor

da menina. Já vi isso inúmeras vezes, mas é sempre

preocupante. Ela estava obcecada em evitar que esse tipo de

fracasso voltasse a acontecer. “Como posso garantir que

meus outros filhos vençam na vida?”, ela perguntou. Decidi

sacar minha arma secreta: o discurso sobre Gady Epstein.

Contei a ela que Gady perdeu a eleição, se dedicou a fazer

um excelente jornal qualquer que fosse seu cargo e acabou

entrando em Harvard. “O importante é falhar com

elegância”, eu disse. “Isso vale muito mais do que ser

editora.”

Mas não tive certeza de que isso havia entrado na cabeça

dela, e fiquei com medo de que Claudia não se

comprometesse com o curso pelo restante do ano. Tive

alunos que não conseguiram se recuperar e acabaram

desistindo. Não queria que isso acontecesse de novo.

Claudia finalmente superou. Chegou sorridente e disposta

para trabalhar e, como previsto, entrou em uma boa

faculdade. Esse foi um dos muitos exemplos em que


precisei resolver “o problema materno”. Então, como em

um passe de mágica, o filho ficou bem.

Alguns anos depois, tive uma aluna muito esforçada que

vomitava toda vez que precisava fazer um exame

padronizado. Ela tinha um horário muito complexo com

quatro matérias avançadas e professores particulares depois

da aula. Seus pais eram imigrantes da China, e ela falava

muito bem deles, mas ouvi conversas entre os dois sobre o

desempenho acadêmico da menina. Ela estava sob muita

pressão. Não parecia uma situação muito agradável.

Os pais estavam tão preocupados que foram atrás do

chamado Plano 504 para a filha, o qual oferece adaptações

em provas para alunos com deficiências. Eles queriam que


a
ela conseguisse fazer o SAT sem o limite de tempo habitual.

São necessários ajustes alternativos na prova para alunos

com transtornos de aprendizagem — isso eu não questiono.

Mas existe uma epidemia de pais apreensivos que fazem de

tudo para garantir que seus filhos tenham bons resultados.

Essa aluna não tinha um transtorno de aprendizagem; tinha

um transtorno emocional.

Encontrei os pais e perguntei se eles não estariam

projetando o nervosismo deles na filha. Eles entraram na

defensiva de imediato. “Não somos nós”, eles me falaram.

“É o ambiente escolar.” Essa é uma defesa comum —

sempre escuto isso. Os pais não querem acreditar que

estejam causando algum mal aos filhos. Eu entendo. Mas a

verdade é: eles estão.


Esses pais acabaram conseguindo a condição de 504 para

a filha. O interessante é que, assim que ela descobriu que

poderia fazer os testes sem limite de tempo, seu vômito e

sua ansiedade passaram. Não acho que a questão fosse o

tempo. Vi que seus pais relaxaram e, em resposta, a filha

também relaxou.

Os pais dessas duas histórias cometeram um erro comum:

esqueceram que os filhos repetem o que os pais sentem e o

exemplo que eles dão. Isso é tão óbvio, tão automático, que

simplesmente esquecemos. Tanto pais como professores

caem nessa armadilha, apesar de décadas de pesquisa — e

senso comum — que provam esse ponto. As crianças notam

indícios subconscientes tão bem quanto comportamentos

manifestos. Nos anos 1960, o famoso experimento do João

Bobo em Stanford provou que crianças que observavam

comportamentos agressivos de exemplos adultos, como

bater em um boneco com um martelo, eram mais

propensas a repetir a agressão. Um estudo de 2010

publicado em Behavior Research and Therapy descobriu que

crianças cujos pais exibiam atitudes e pensamentos ansiosos

demonstravam maiores comportamentos de ansiedade e


1
fuga em provas acadêmicas — o que observo há anos.

Outros estudos mostram que as crianças aprendem a

regular suas emoções observando os pais e que, se os pais

conseguem expressar uma grande variedade de emoções, os

filhos são mais bem preparados para controlar os próprios

sentimentos. Seu filho é seu reflexo de verdade, para o bem

ou para o mal.
O exemplo se dá muitas vezes de forma subconsciente.

Podemos perceber isso a partir dos nossos comportamentos

como pais. Por exemplo, meu pai tinha uma regra: Nunca

tome banho quando estiver doente. Mais tarde, essa se tornou

uma regra absoluta na minha casa, porque eu havia crescido

com ela. Nunca tinha pensado direito nisso até minhas

filhas dizerem: “Que regra boba, mamãe”. Então parei e

pensei no que estava fazendo, e de onde meu pai poderia ter

tirado essa ideia. Talvez fosse da sabedoria popular da

Ucrânia, onde meu pai viveu mais de um século atrás.

Talvez fosse mesmo uma má ideia tomar um banho no

inverno gelado quando se está doente. Mas vivíamos na

Califórnia. Havia calor e água quente de sobra. Então a regra

ficou para trás, mas apenas porque minhas filhas me

fizeram olhar para ela.

Mesmo se estivermos conscientes do que estamos

fazendo, somos bastante incoerentes. Alguns de nós são

simplesmente hipócritas (eu mesma às vezes). Pisamos no

acelerador, mas esperamos que nossos filhos não andem um

quilômetro acima do limite de velocidade. Olhamos o

celular durante o jantar, mas gritamos com os filhos quando

eles fazem o mesmo. Perdemos a paciência com eles, e

depois não sabemos por que eles respondem. Alguma parte

disso lhe soa familiar?

E há também a ansiedade e a insegurança, alguns dos

comportamentos mais debilitantes que podemos passar para

os nossos filhos e, infelizmente, alguns dos mais comuns.

Tudo começa quando você se torna pai ou mãe pela


primeira vez. Nem sei quantas vezes mães ou pais de

primeira viagem vieram falar comigo em uma conferência

dizendo: “Preciso conversar com você. Não sei como criar

um filho. Preciso de orientação”. E dispararam uma

pergunta após a outra sobre sono, alimentação, disciplina —

tudo quanto é coisa. Dá para entender. Ninguém sabe

direito como é criar um filho. É por isso que quis escrever

este livro. Porque, sem o apoio e as informações certas,

ficamos inseguros. Nos preocupamos que nossos filhos não

tenham sucesso por causa de nossas dificuldades; pairamos

ao redor deles porque temos medo de cometer erros. A

ansiedade antes das provas entre os filhos de pais obcecados

pelo sucesso acadêmico é um exemplo perfeito disso —

quando os pais projetam seus medos em uma criança, ela

pode ficar tão paralisada por esses medos que não consegue

fazer a prova. O mesmo acontece quando crianças pequenas

estão aprendendo a dormir sozinhas. Elas absorvem tantas

inseguranças dos pais que não conseguem efetuar uma

simples atividade natural por conta própria. Passa a ser uma

espécie de codependência, uma relação disfuncional em que

os limites entre os dois parceiros são turvos e cada parte

desencadeia o comportamento doentio do outro.

Normalmente se pensa em codependência no contexto de

relações românticas, mas ela também pode acontecer entre

pais e filhos. Podemos prejudicar nossos filhos com a nossa

ansiedade. Podemos desencorajá-los e tirar sua força.

No fundo de toda essa ansiedade e insegurança, toda essa

incoerência e confusão, há um desejo simples: que nossos


filhos prosperem. É isso. Queremos que eles sejam

melhores do que nós, que não tenham os mesmos

problemas e hábitos, não fracassem por algo que

poderíamos evitar. É um objetivo nobre, claro. Mas pais e

mães são humanos. Cometemos erros. Todos sentimos

ansiedades que nossos filhos absorvem. Todos dizemos ou

fazemos coisas na frente das crianças das quais nos

arrependemos depois. Não tem problema. Vai acontecer, e

seus filhos vão crescer perfeitamente. A última coisa que

quero é deixar você mais ansioso. O que quero é conversar

sobre como podemos dar exemplos melhores e como

podemos tornar a educação um pouco mais fácil para

crianças e adultos. Porque é possível, desde que estejamos

dispostos a examinar nosso próprio comportamento.

UM OLHAR MAIS ATENTO

Uma das maiores dádivas de sermos pais e mães é que

isso nos torna pessoas melhores. É difícil e frustrante às

vezes, claro. Você precisa enfrentar hábitos e convicções

antigas. Precisa confrontar coisas sobre si mesmo de que

talvez não goste. Mas, no fim, a experiência é

transformadora. É a maior oportunidade que temos de nos

transformar para melhor. Com isso em mente, gostaria que

você considerasse os comportamentos a seguir. Em relação a

esta lista, muitos estão dando o exemplo contrário do que

gostariam de ver em seus filhos. (Eu mesma já cometi

vários destes erros.) O importante é começar reconhecendo


o que estamos demonstrando aos nossos filhos e o que você

quer mudar:

1. Você costuma ser pontual ou vive se atrasando para

eventos e compromissos? A pontualidade mostra

respeito ao tempo do outro. O hábito de se atrasar

demonstra o contrário. Morando no Vale do Silício, sei

muito bem como é. A riqueza torna isso pior. Algumas

pessoas ricas pensam que só por terem fama ou

dinheiro podem ditar a hora em que chegam aos

compromissos. É como se dissessem: “Sou tão ocupado

e importante que posso definir meu próprio horário, e

o mundo vai girar em torno de mim”. Já vi gente

aparecer com duas horas ou mais de atraso e achar que

tudo vai correr como o planejado. Infelizmente, elas

não sofrem consequências. E muitas pessoas não

famosas têm o hábito de se atrasar e serem

desorganizadas. Tento ensinar aos meus alunos (e filhas

e netos) que algo tão simples como chegar na hora é

importante. Se você não puder comparecer ao

compromisso, pelo menos ligue ou mande uma

mensagem para avisar a outra pessoa. É uma questão de

cortesia, de estar disposto a ver a situação pela

perspectiva do outro.

2. Outra questão simples: como você se apresenta em

termos de roupas e cuidados pessoais? A maneira como

se apresenta para o mundo diz muito sobre sua

confiança, capacidade e respeito pelos outros. Se você


usar um short de basquete em uma festa chique, é uma

falta de respeito aos anfitriões. Não é uma questão de

renda ou de classe socioeconômica — mas sim de

autoestima e de respeito pelas outras pessoas e de

entender o que convém a cada ocasião.

A melhor maneira como as crianças aprendem isso é

observando você. Não estou dizendo que você precisa

ensiná-las que aparência é tudo. Estou dizendo que é

preciso ensinar a ter uma aparência respeitável e

profissional. Sempre me questionei por que minhas

filhas não usam muita maquiagem, até que me dei

conta de que eu também quase não uso. Nunca foi uma

coisa que ensinei para elas ou em que me concentrei

enquanto elas cresciam. Elas não precisavam se encher

de maquiagem antes de sair de casa, mas precisavam

tomar banho, se arrumar e se vestir bem. Sempre tive

uma aparência digna e profissional, mas nunca me senti

pressionada a usar a roupa da moda. Isso também

influenciou minhas filhas — exceto pela vez em que

Anne foi de chinelo para a entrevista. Acho que ela

ainda está aprendendo. Felizmente, consideraram as

realizações dela, não suas roupas.

3. Como você interage com as pessoas? Costuma ser

simpático? Convida para a sua casa? Como trata os

amigos e professores dos seus filhos? E os garçons e

caixas? Como fala ao telefone? Você é profissional e

gentil quando alguém telefona?


A etiqueta ao telefone é uma medida bastante

confiável do que as crianças estão aprendendo. Eu me

esforcei ao máximo para dar o exemplo e pedia para as

meninas treinarem para saber exatamente o que dizer.

Talvez seja por causa da minha origem humilde, mas

sempre fiz questão de reconhecer e agradecer a todos

que prestavam serviços ao meu redor. Tenho certeza de

que nem sempre fui perfeita. Às vezes eu perdia a

paciência ou ignorava alguém na correria de um dia

agitado. Mas sempre me esforcei.

4. Você limpa sua sujeira ou deixa bagunça por todo lugar

que passa? Sei que existem muitas famílias em que o

casal trabalha e precisa contratar ajuda de fora. Não há

mal nenhum nisso, mas ainda assim você pode limpar

parte da casa e mantê-la arrumada por conta própria.

Também sugiro que faça um projeto mensal de limpeza

ou organização com os seus filhos. Isso vai ajudar a dar

o exemplo dessas habilidades importantes e a reforçar o

respeito das crianças pela casa em que elas moram.

Chegará o dia em que você vai deixar os adolescentes

sozinhos, responsáveis por cuidar da casa e dos animais

de estimação. E se eles não souberem fazer isso? Um

adolescente que conheço foi deixado para tomar conta

da casa sozinho e não sabia a diferença entre o

detergente para máquina de lavar louça e o detergente

normal, e colocou o detergente normal na lava-louças.

Se você nunca fez isso, não faça. Foi uma sujeirada de

espuma tão grande que precisaram refazer o piso.


Quando você trata os filhos como membros da realeza,

quando não lhes dá responsabilidades sérias, acaba com

um jovem adulto sem experiência nenhuma em ser

responsável ou manter a casa limpa, e é você quem vai

ter o prazer de visitá-lo no primeiro apartamento dele.

5. Você tem uma relação saudável com a tecnologia? Essa

é importante. Pesquisas mostram que o norte-

americano olha o celular em média oitenta vezes ao dia.

Dá para acreditar? Na verdade, como professora do

ensino médio, eu acredito. Esse uso compulsivo do

celular provoca o que a especialista em tecnologia Linda

Stone chama de “atenção parcial contínua”. Ficamos em

um estado constante de fazer várias coisas ao mesmo

tempo, mas estamos completamente desfocados em

todas elas. Sabemos exatamente como é a sensação:

almoçar digitando um e-mail enquanto ouvimos um

podcast. Esse comportamento é ruim para as crianças

que precisam se concentrar em sua lição de casa, mas

pior ainda para os pais. Um estudo publicado na

Developmental Science descobriu que crianças pequenas

cujas mães relatavam maior uso do celular tinham


2
dificuldades para se recuperar do estresse emocional.

Existe uma relação clara entre o nível de atenção e

cuidado que recebemos e a nossa capacidade de

processar as emoções. Além disso, uma pesquisa com

mais de 6 mil participantes descobriu que 54% dos filhos

achavam que seus pais usavam os aparelhos com


3
frequência excessiva. Trinta e dois por cento dos filhos
se sentiam “insignificantes” quando seus pais estavam

no celular. Insignificantes. Isso me deixa muito triste. E

preocupada — e não apenas com as crianças. Quantos

adultos não se sentem insignificantes quando alguém

olha o celular no meio da conversa? Sei que os celulares

são viciantes, mas pelo bem dos nossos filhos e pelo

nosso próprio bem, devemos impor alguns limites.

6. Você tem uma relação saudável com a comida? E com a

prática de exercícios e o tempo ao ar livre? Fica

acordado até tarde assistindo à televisão e depois não

sabe por que seu filho criou o mesmo hábito? Sofre

muito estresse? Se sim, consegue lidar com isso? É

gentil consigo mesmo? Cuidar da nossa saúde é a

melhor maneira de ensinar os filhos a fazer o mesmo.

O exercício, o sono adequado e o relaxamento são

muito importantes. Para mim, o bom humor ajuda

muito em tempos de estresse. E, ao contrário do que

muitos pensam, podemos dizer não quando estamos

sobrecarregados demais para encaixar mais uma

atividade em nossas agendas. Também precisamos

passar mais tempo com os amigos, fazer coisas

divertidas de vez em quando e ter perspectiva quando a

vida fica muito difícil.

Em relação à comida, muitos dos pais poderiam

tomar decisões melhores. Na minha família, ensino

meus netos que nem toda comida faz bem. Eles

aprendem a ler rótulos desde cedo e sabem evitar junk

food processada. Nas minhas aulas, os alunos sabem


que confisco refrigerantes. Sem exceções! Toda a turma

leva o “sermão antirrefrigerante” no começo do ano e

depois em intervalos ao longo do ano quando acho

necessário. A saúde deles é importante para mim

porque me preocupo com eles como seres humanos.

7. Como você trata seus parentes? Até que ponto prioriza

a família? Como trata seu ex-marido ou sua ex-mulher?

O que seu filho está aprendendo sobre a importância

das relações familiares? Mesmo em famílias divorciadas,

os pais devem dar o exemplo de colaboração e

cooperação pelo bem dos filhos.

Temos sorte porque todos os nove netos moram perto

e são amigos. Comemos juntos, brincamos juntos,

viajamos juntos e dormimos nas casas uns dos outros.

Mas minhas filhas não nasceram com a família perto.

Elas tinham primos em Ohio, mas os viram poucas

vezes durante a infância. Por isso, nossa família

consistia nos amigos e vizinhos que adotamos.

Passávamos as festas com eles, acampávamos e

comíamos juntos toda semana. Muitos também não

tinham a família por perto. Hoje, eles ainda são uma

família para mim, e fico grata por conseguir mostrar às

minhas filhas a importância de criar e manter uma

comunidade.

Priorizar a família também significa compartilhar

experiências, boas e ruins. Os membros da família são

exemplos primordiais de como enfrentar os problemas

de maneira inteligente e formam um sistema forte de


apoio para a criança. Significa ter alguém com quem

conversar, alguém que possa ajudar a resolver algum

problema, alguém que estará lá por você.

Sempre pensei que as interações familiares positivas

são fundamentais para a felicidade de uma criança. A

melhor maneira de ensinar a importância da família é

se divertir juntos. Quanto mais experiências positivas,

mais apoio a criança sente. Pode ser um simples jogo de

tabuleiro ou um passeio no parque ou pular numa

cama elástica. Temos sorte de ter minha neta, Amelia

(hoje com dezessete anos), que é muito sociável e uma

das melhores organizadoras de atividades infantis. Ela

fez com que as crianças imaginassem que estavam em

Marte e vestiu todas com fantasias engraçadas que

encontrou no guarda-roupa de algum adulto. Sentamos

na sala de estar e os vimos brincar, o que é sempre

hilário. Às vezes, vemos Amelia no quintal com as

crianças atrás dela como se fosse o Flautista de

Hamelin.

8. Você é disposto a discutir assuntos polêmicos? Dá o

exemplo para seu filho de como conversar sobre

questões importantes, de como discordar de alguém de

maneira respeitosa? Demonstra capacidade de ouvir e

de negociar?

Sempre conversamos sobre o que está acontecendo no

mundo com os nossos netos. Ouvimos e respeitamos as

opiniões deles. As conversas à mesa são animadas. O

clima político atual significa que nunca há um dia


monótono — ninguém fica sentado passivamente. Boa

parte do tempo estamos debatendo com Ethan e Leon,

ambos de treze anos, que leem a The Economist toda

semana. Não é algo que os mandamos fazer. Eles

querem saber o que está acontecendo no mundo e

acham que a The Economist é a melhor fonte.

Inevitavelmente, alguém perde a discussão ou se prova

que alguém está enganado. Emma e Mia sempre entram

na conversa fazendo o papel de advogadas do diabo.

Esses são os momentos mais instrutivos. Como adultos,

nos esforçamos para demonstrar nossa capacidade de

mudar de opinião e considerar novas informações.

Nunca fugimos de uma discussão acalorada, mas

queremos mostrar que as opiniões e as ideias evoluem,

assim como as pessoas.

9. Você mente para seus filhos? Acho que todos os pais

mentem para os filhos em algum momento. Falamos

coisas como: “Acho que a sorveteria está fechada agora”

ou “O papai está muito cansado e quer voltar para casa”

quando na verdade ele só quer fazer outra coisa. Depois

de um tempo, as crianças sacam — elas não são

bobas —, mas esse tipo de mentira não é tão

prejudicial. São as mentiras sobre questões importantes

que criam brechas de confiança. Dizer ao filho que

“ninguém mais vai ao show” é um grande problema

quando ele descobrir que todos os outros foram. Eles

vão criar o hábito de não confiar em você, e sabemos

que confiança é a base de todas as relações.


10. Você grita? Certo, todos gritamos em algum momento,

mas será que sem querer você está ensinando a seu

filho que gritar é uma forma aceitável de comunicação?

Você fala palavrões, mas briga com seus filhos quando

eles falam?

Ninguém é perfeito, ninguém tem controle absoluto

de si mesmo, mas algumas pessoas gritam mais do que

as outras só porque estão irritadas. Gritar significa

levantar a voz. Falar de maneira negativa e agitada pode

não ser gritar, mas ainda assim cria uma situação

desagradável para os pequenos. Todos precisamos ser

verdadeiros com os nossos filhos — não adianta fingir

ou segurar as emoções —, mas ajuda a entender que a

raiva não melhora as coisas. É uma escolha e um estilo

de vida que gostaríamos que nossos filhos evitassem.

11. Como você reage à adversidade? Se você encontra um

obstáculo, se compromete com seu objetivo e encontra

outro jeito de atingi-lo? Ou se deixa derrotar

facilmente?

Existem momentos na vida em que as coisas dão

errado. Você vira à direita em vez de virar para a

esquerda e acaba em um acidente. Termina um

relacionamento quando deveria se esforçar para que ele

desse certo. Todos cometemos esses tipos de “erros”.

Mas não são erros de verdade; são coisas do destino. A

sorte representa um papel importante na nossa vida. É

ela que nos coloca no lugar certo na hora certa.

Definitivamente posso dizer isso em relação a Susan,


que comprou uma casa em Menlo Park e depois acabou

tendo de alugar parte dela para conseguir pagar a

hipoteca. Se não tivesse precisado alugar a garagem, ela

nunca teria conhecido Larry e Sergey, os cofundadores

do Google. Quase tudo tem um lado positivo na vida,

uma lição a ser aprendida, mesmo quando ela é difícil

de encontrar.

12. Você está disposto a aprender e a admitir que está

errado? Está disposto a perdoar? Muitas pessoas não.

Mas o orgulho atrapalha a reconciliação. Todos falamos

sobre generosidade e perdão, mas isso não quer dizer

que sabemos colocar essas coisas em prática. Em todas

as minhas décadas de ensino, aprendi a perdoar os

meus alunos por tudo. Isso não quer dizer que não haja

punições, mas sim que sempre dou a chance de

consertarem o erro. Embora seja doloroso admitir que

estou errada, acho menos doloroso do que tentar

acobertar algum engano que cometi. Ninguém pode

estar certo o tempo todo, nem na maioria das vezes. É

aí que entram a humildade e a tolerância. Não podemos

ser exemplos perfeitos, mas podemos estar conscientes

dessas qualidades e de como damos o exemplo para os

nossos filhos.

O QUE FAZER SE VOCÊ NÃO FOR O EXEMPLO IDEAL

(DICA: NINGUÉM É)
Você tem algumas falhas. Identificou alguns

comportamentos que quer mudar. Talvez se irrite

facilmente com frequência. Em vez de se sentir culpado ou

derrotado, pense o seguinte: você é o melhor exemplo

possível para o seu filho. Por quê? Porque o processo de

mudança é uma lição formidável. As crianças não podem

aprender isso com pais perfeitos o tempo todo (o que

obviamente ninguém é), e elas não vão aprender isso com

pais que repetem o mesmo comportamento negativo várias

e várias vezes. Considere-se uma pessoa de sorte: você tem

uma oportunidade única. Pode ensinar ao seu filho como se

tornar uma pessoa melhor sendo um exemplo vivo da

mudança. Não estou dizendo que é fácil. Desculpe por falar

a verdade. Pode não acontecer da noite para o dia. Pode

levar alguns meses. Mas, com tempo e paciência, creio que

tudo é possível. Se seu filho vir você trabalhando em sua

raiva, ele vai aprender a trabalhar com os próprios

problemas dele. Ter a mentalidade de que o comportamento

pode ser mudado e mostrar aos seus filhos que você está

trabalhando nisso com a ajuda deles mostra que é possível.

Existem diversos métodos e teorias por aí, mas a mudança

para os pais se resume a estes três princípios:

ESTEJA CONSCIENTE E DISPOSTO. O primeiro passo para realizar

qualquer tipo de mudança é a consciência. Você precisa

reconhecer o problema antes de decidir resolvê-lo. Pare um

momento e estude o comportamento problemático. Por que

você age dessa forma? É em grande parte inconsciente?

Herdou isso dos seus pais? Tem origem em alguma


ansiedade ou insegurança que sente em relação a si mesmo

sobre ser pai ou mãe? Não importa o motivo, tente

aprender sobre isso. Identifique um padrão em que talvez

esteja preso. Mas deixe de lado depois. Perdoe-se. Você vai

poupar muito tempo e dor. Lembro de como foi difícil

admitir para mim mesma que havia cometido erros com as

minhas filhas (e cometi vários). Nem sempre fui a mãe que

queria ser. Houve momentos em que ficava brava, ou

castigava as meninas da forma errada. Perdia a paciência

completamente. Mas isso acontece com todos. E, no meu

caso, percebi que havia herdado esse comportamento por

gerações. No entanto, a partir do momento em que tive

consciência do que queria mudar, me comprometi.

Acreditei em mim mesma. Comecei pedindo perdão a elas e

admitindo que estava errada (como na vez em que li o

diário de Janet). Como pais, não paramos de aprender — na

verdade, só paramos de aprender quando morremos.

Podemos mudar se estivermos decididos. Sempre podemos

ser melhores. Pense em seus filhos e em como eles são

importantes para você. Eles valem esse esforço.

IDENTIFIQUE E COMUNIQUE SEU OBJETIVO. Escolha apenas uma

coisa que queira mudar de cada vez, não tudo. Sugiro que

comece pelo comportamento que mais afeta seu filho.

Talvez você precise ser mais paciente quando ele estiver se

aprontando para a escola. Talvez precise começar a se

exercitar e mostrar à sua filha a importância de ter hábitos

saudáveis. Ou queira melhorar sua relação com a sua mãe e,

ao fazer isso, ensinar aos seus filhos uma lição profunda


sobre perdão. O que quer que seja, comunique o objetivo ao

seu filho. Você pode falar algo como: “Meu objetivo é ser

mais paciente com você de manhã. Pode me ajudar a pensar

no que devo me concentrar primeiro? O que te incomoda

mais? Quais manhãs são mais difíceis para nós?”. Isso

certamente torna você vulnerável e atencioso, e vai chamar

a atenção do seu filho. Essa é uma oportunidade para ele

ver que mãe e pai são pessoas de verdade com esperanças,

sonhos, falhas e imperfeições. E a maioria dos filhos quer

ajudar os pais. Sophie, filha de Anne, sempre tem ótimas

sugestões mesmo com apenas sete anos. Ela diz: “Mamãe,

pode me deixar fazer mais coisas sozinha com meus

amigos” ou “As crianças sabem o que querem. Você só

precisa deixar a gente fazer”. Explique que todos estão

tentando melhorar, e você também como pai. Também diga

por que quer mudar. O que quer mostrar ao seu filho, que

lições quer passar? E por que isso é tão importante para

você? Por que começar por esse objetivo? Por que começar

agora?

SEJA FLEXÍVEL ENQUANTO BUSCA UMA SOLUÇÃO. Você tinha a

melhor das intenções, mas perdeu a calma com o seu filho

de novo. Fez horas extras e não correu com a sua filha

como havia prometido. A situação com a sua mãe está ainda

mais difícil do que você imaginava. Tudo bem. Assim como

tantas outras coisas, a mudança de comportamento não

funciona na primeira tentativa. Mas isso não é motivo para

perder o objetivo de vista. Mudar nosso comportamento

depois de adultos é como escrever. É necessário fazer um


primeiro rascunho para ter uma noção do que você quer

dizer. Depois, você precisa revisá-lo de novo e de novo,

encontrando as frases feitas e os erros de lógica. Você vai se

sentir muito mais saudável se não esperar a perfeição de

cara. Seja fiel ao seu objetivo, mas seja flexível. Talvez a

estratégia que planejou não esteja funcionando. Por que

não? O que está atrapalhando? Como você pode resolver o

problema e seguir em frente? Existe uma solução criativa

em que você não pensou? Seus filhos podem ajudar você a

resolver esse problema? Podem representar um papel

importante no processo? Talvez, na noite antes da aula, seu

filho possa separar as roupas que quer usar ou você pode

pedir para ele lembrá-lo de respirar fundo quando ele se

atrasar alguns minutos. Não se acanhe em pedir a ajuda e o

apoio dos seus filhos. Ao fazer isso, você vai mostrar como é

preciso determinação para mudar. E não se esqueça de

manter um diário do seu progresso para poder olhar para

trás e ver quantas mudanças conseguiu implementar. Um

registro por escrito vai deixar você motivado e

comprometido, e escrever pode despertar ainda mais ideias

sobre revisões inteligentes em seu plano.

O COMPORTAMENTO MAIS IMPORTANTE QUE VOCÊ

PODE DEMONSTRAR PARA SEUS FILHOS

Na minha opinião, a habilidade mais importante que

podemos dar de exemplo para os nossos filhos é a

capacidade de ter relacionamentos funcionais com as


pessoas. A felicidade que sentimos na vida é proporcional à

qualidade dos nossos relacionamentos. Talvez mais do que

qualquer outra coisa, isso prepara nossos filhos para o

sucesso ou o fracasso na vida adulta. Para muitos, a relação

mais significativa é com um cônjuge ou companheiro. Mas

nem todos hoje têm um companheiro de longa data ou se

encaixam nas definições tradicionais de família. Se você é

viúvo ou viúva, pai solteiro ou mãe solo por escolha ou

pelas circunstâncias, a mesma ideia se aplica a você. A

qualidade das suas relações interpessoais — com amigos,

membros da família, colegas e outras pessoas — vai

influenciar profundamente as relações que seu filho vai

criar na vida dele. Ao observá-lo, seu filho aprende como o

mundo funciona, como as pessoas se relacionam e como os

conflitos se resolvem. Se você tiver relações hostis na sua

vida, seus filhos sofrerão as consequências. Mas, se tiver

uma relação positiva com seu marido, companheiro, colegas

e amigos, vai dar aos seus filhos a melhor chance de ter

uma vida feliz e plena.

Sou a primeira a admitir que relacionamentos duradouros

não são nada fáceis. Não há ninguém casado há 55 anos que

não tenha enfrentado dificuldades. Meu casamento com

Stan ainda é um projeto em construção, o que significa que

trabalhamos na relação todo dia. Durante a criação das

nossas filhas, nós brigávamos — por religião (Stan é

católico; eu, judia), estilos de educação (Stan é naturalmente

mais rígido; eu, mais colaborativa), e sempre tínhamos de

ficar separados por causa do trabalho de Stan. Mas éramos


comprometidos um com o outro, e nosso objetivo era

sempre o mesmo: proporcionar um lar amoroso para as

nossas filhas. Não tivemos um lar perfeito, mas era um bom

lar, e criamos uma vida boa para as meninas. Nosso

casamento também não é perfeito. Mas nos amamos e nos

empenhamos. Não existe casamento perfeito. Histórias de

amor de Hollywood só existem no cinema. Isso é uma coisa

que os jovens precisam entender. Estamos nos enganando

ao pensar que existe “apenas uma pessoa para cada um de

nós” ou que “o amor resolve tudo”. A vida real não funciona

desse jeito.

O casamento é um compromisso. Pode parecer simples,

mas vale a pena repetir. Em um casamento, os dois

precisam fazer sacrifícios. É uma parceria, não uma

competição. Vocês não devem disputar: ganhei a discussão

sobre a louça, mas ele gastou mais dinheiro no mês passado. Às

vezes, um vai ganhar mais do que o outro, mas talvez no

ano que vem a situação se inverta. Se estiverem sempre

disputando, vocês vão perder de vista o objetivo em

comum, que é ter uma boa relação e criar os filhos em um

ambiente amoroso.

Mas o casamento também é um jeito incrível de levar

uma vida gratificante. Eu e Stan temos mais de cinquenta

anos de memórias, pessoas que conhecemos, viagens que

fizemos, erros que cometemos, ideias ridículas que tivemos.

Podemos nos sentar e folhear cem álbuns de fotos

documentando nossas vidas. Não seria o mesmo com um

parceiro de cinco ou de dez anos — acumulamos tantas


experiências de vida e fizemos isso juntos. Temos

lembranças dos primeiros dias, passeando por Berkeley na

scooter Vespa de Stan; o primeiro carro que compramos

(um Fusquinha tão pequeno que, quando machuquei o

joelho esquiando, minha perna mal cabia no carro).

Viajamos pela Europa, tendo Stan como motorista e eu

como copilota, embora eu nunca conseguisse saber onde

estávamos (às vezes era culpa de Stan, porque ele não seguia

os mapas!). E tem a família que criamos com as nossas

filhas, vendo-as crescer, nossa família se expandindo depois

com nove netos lindos. Com quem mais posso conversar

sobre essas coisas? Quem mais poderia preencher as lacunas

na minha memória? Ninguém. Detesto pensar em como

seria minha vida sem Stan. Nós dois teríamos muito a

perder. Todo o arco da nossa vida juntos se dissolveria.

Mas muitos relacionamentos acabam. Vi isso com amigos

e parentes, e tenho certeza que você também. Com base em

todos os meus anos e todos os relacionamentos que já

observei — casamentos, amizades, relações entre pais e

filhos —, posso dizer que nenhum deles dá certo sem os

princípios da CRIAR. Podemos ver a deterioração desses

valores fundamentais em todos os tipos de relações,

sobretudo nas relações conjugais. Quando os casais se

separam, nem sempre é a grande bomba em que as pessoas

pensam: infidelidade. Às vezes é, mas a infidelidade

costuma acontecer por falta da CRIAR. Existem muitos outros

motivos pelos quais os relacionamentos fracassam —

divergências sobre objetivos em comum, necessidades


sexuais diferentes, afastamento —, mas todos resultam de

uma falta desses valores humanos básicos.

FALTA DE CONFIANÇA. O minuto em que você para de confiar

em seu parceiro é o minuto em que o relacionamento

começa a se deteriorar. Mas ele deu motivo para você ter

ciúmes ou desconfiança? Se não, confie que vocês querem o

melhor um para o outro. Confie no compromisso que

assumiram. Se existe um problema, resolva. Lembre-se, é

possível recuperar a confiança quebrada.

FALTA DE RESPEITO E AMOR. A causa número um de divórcio é

a falta de respeito e, depois que se perde o respeito, é difícil

recuperar. Respeito significa valorizar e admirar uma

pessoa. Você é o apoiador número um dela. Não vai dar as

costas de repente porque ela cometeu um erro. Quando

ocorrer um problema, tente primeiro entender a questão e

sempre dê o benefício da dúvida antes de acusar. Não tire

conclusões precipitadas; dê a oportunidade para a pessoa se

explicar.

FALTA DE INDEPENDÊNCIA E PRIVACIDADE. Os adultos precisam

de certo grau de privacidade, mesmo se forem casados. Uma

das noções erradas sobre o casamento é que tudo precisa ser

feito em conjunto o tempo todo. Na verdade, as pessoas

precisam de um pouco de espaço e independência. O

excesso de intimidade é restritivo. Sou casada há mais de

meio século, e há muito percebi que eu e meu marido não

temos de fazer tudo juntos. Podemos jantar com amigos


sem o marido, e até viajar com amigos sem o marido.

Muitas pessoas duvidam que seja uma boa ideia. Para mim,

é. Claro, eu e meu marido passamos muito tempo juntos,

mas temos a liberdade de agir de maneira independente se

quisermos. Também damos privacidade um ao outro, mas

isso não significa que guardemos segredos importantes.

Significa que valorizamos a ideia de autonomia e liberdade.

FALTA DE COLABORAÇÃO E COMUNICAÇÃO. Relacionamentos

com filhos envolvem muita colaboração, especialmente em

relação à criação deles. Não existe viver juntos sem

colaboração, mas às vezes as pessoas ficam tão bravas que

param de colaborar. Viram a cara para o parceiro, o que

impede a conversa, a resolução e a continuidade da

comunicação. Uma das piores coisas que um casal pode

fazer é ir para a cama com raiva. Assim, além de não

resolverem as diferenças, eles não conseguem dormir bem.

Muitas pessoas conhecem essa regra e ainda assim a violam.

Muitas dessas memórias negativas, sem perdão,

representam o começo do fim. As linhas de comunicação

foram rompidas, e ninguém quer pedir ou aceitar

desculpas. Esses também são os motivos por que amizades e

relações entre pais e filhos se rompem. Não importa a

idade, as causas são as mesmas.

FALTA DE GENEROSIDADE. INCAPACIDADE DE PERDOAR. A

generosidade deve ser um hábito diário nas relações. Sorrir,

ajudar a carregar sacolas pesadas, segurar a porta, cozinhar

o prato preferido do namorado — questões de gentileza.


Isso é muito importante, então por que tendemos a

negligenciar as pessoas mais importantes em relação ao

básico? Acho que por causa da correria do dia a dia, mas,

sério, quanto tempo leva para ser gentil? E o perdão? Se

você não consegue perdoar, pode esquecer estar em

qualquer tipo de relação. Perdoar significa ser humilde. Não

guardar rancor. Significa colocar o relacionamento e a

família acima de qualquer discordância boba, ou mesmo de

uma grande briga. No fim das contas, o que é mais

importante?

Mesmo se você e seu companheiro estiverem se

esforçando para manter os elementos da CRIAR vivos na

relação, os filhos vão gerar tensões. Um estudo longitudinal

de oito anos descobriu que os pais demonstravam uma

“deterioração súbita” no casamento que era mais drástica do

que em casais sem filhos, e que essa tensão persistia ao


4
longo de toda a duração do estudo. Até os melhores

relacionamentos são postos à prova. Outras pesquisas,

contudo, mostraram que programas de intervenção e

oficinas para casais podem ajudar os pais a lidar com as

pressões de criar uma família. Em outras palavras, vocês

podem dar um jeito, desde que estejam dispostos.

Mas não parece que muitos estejam: tantas crianças têm

pais divorciados atualmente. É uma epidemia. Quando eu

era pequena, o divórcio era raríssimo. Hoje, porém, a média

nacional dos Estados Unidos é de cerca de um em cada dois

casais. Isso me faz pensar: valorizamos de verdade os nossos

votos de matrimônio? As pessoas fazem um juramento, mas


não se preparam para a confusão que é ter filhos. Então elas

são pegas de surpresa e chegam à triste conclusão de que se

separar é a única solução. Mas é isso que é o melhor para o

relacionamento? E, mais importante, é isso que é o melhor

para as crianças?

Vi com meus próprios olhos como o divórcio pode ser

continuamente doloroso. Parece uma epidemia no Vale do

Silício, onde o enriquecimento súbito contribui para o

problema. É por isso que muitos filhos de famílias

divorciadas sofrem problemas psicológicos. Especialistas

dizem que crianças pequenas são afetadas negativamente

porque ainda são muito apegadas aos pais, e que os

adolescentes, que já estão em um estágio de rebeldia,

tendem a se sentir traídos, o que só faz com que se afastem

mais. Em uma análise de 2014 de três décadas de pesquisa

sobre estrutura familiar e bem-estar infantil, a dra. Jane

Anderson conclui que, com a exceção de relacionamentos

abusivos, “as crianças ficam melhores quando os pais se


5
esforçam para manter o casamento”. Dezenas de estudos

mostram os efeitos adversos do divórcio, incluindo tempo

reduzido com cada pai, perda de segurança econômica e

emocional, redução de desenvolvimento social e

psicológico, deficiência de desenvolvimento cognitivo e

acadêmico e diminuição da saúde física. Isso

definitivamente deve ser um motivo de preocupação,

embora haja outros pesquisadores que defendam que os

efeitos negativos a curto prazo sofridos pelas crianças em

divórcios não costumam durar. Eles argumentam que a


separação em si não é tão prejudicial às crianças, mas sim a

exposição a altos níveis de conflitos entre os pais durante e

após o divórcio. Não sou uma cientista social, mas não sei

se concordo com esses pesquisadores.

Poucas vezes vi uma separação que deixasse os filhos

felizes; na verdade, vi divórcios destruírem a motivação da

criança pela vida. Vi divórcios causarem depressão a longo

prazo. Estudantes de ensino médio chorando quando

souberam que seus pais se separariam. Eles são lançados

subitamente em uma situação em que sentem a falta do pai

ou da mãe. Muitos casais de hoje têm guarda compartilhada,

o que significa que os filhos transitam entre as casas e

sofrem o fardo de se deslocar de tantos em tantos dias ou

semanas. Algumas crianças param de se importar com a

escola e começam a ter relações disfuncionais. Estão à

procura de apoio e um grupo que se importe com elas.

Estão à procura de estabilidade. Também vi raiva e conflitos

inacreditáveis entre casais se divorciando. Parece que o

divórcio desperta o pior das pessoas, sua natureza mais

vingativa. É como se tentássemos ser tão maldosos que a

outra pessoa — que antes amávamos — é completamente

arruinada.

Este é o exemplo que estamos dando para nossos filhos:

como viver com raiva. Há muitas coisas na vida que nos

deixam nervosos. Acontece o tempo todo. O segredo é como

você se recupera dessas desavenças e se guarda rancor. Às

vezes as desavenças são pequenas, mas outras são grandes.

Seja como for, que lição você quer passar para o seu filho?
O divórcio mostra às crianças que nenhuma relação é para

sempre, que não se pode confiar em nenhum

relacionamento. É uma mensagem triste e assustadora para

diversas crianças, sobretudo para as menores. A separação

também ensina às crianças que, se você não gosta de alguma

coisa, pode fugir correndo em vez de ficar e resolver o

problema. Vivemos em uma sociedade em que tudo

acontece muito depressa, em que as informações viajam na

velocidade da luz, em que a principal fonte de notícias é

dividida em mensagens de até 140 caracteres, e isso tudo

afeta nossa disposição para enfrentar as dificuldades.

Estamos perdendo a garra, o que diminui nossa capacidade

de lidar com os desafios de relacionamentos duradouros.

O que eu recomendo? Evite o divórcio se possível (exceto

no caso de abuso, vício intratável ou violência). Sei que isso

pode ser controverso para algumas pessoas, mas falo sério.

Em algum momento, você amou seu parceiro o suficiente

para se casar com ele. Talvez ainda consigam agir de

maneira civilizada e resolver os problemas. Agir de maneira

civilizada não significa concordar com tudo o que seu

parceiro diz ou faz, mas é importante mostrar aos filhos que

vocês conseguem se dar bem apesar das diferenças, que,

quando um relacionamento se deteriora, ele pode ser

reparado. Tudo, tudo mesmo, pode ser perdoado — até a

infidelidade. Como diz a psicóloga e autora de best-sellers

Esther Perel, o divórcio não é o momento para se ter pressa:

“O ímpeto de se divorciar não abre espaço para o erro, para

a fragilidade humana. Também não abre espaço para a


reparação, a resiliência e a recuperação”. Há tanta

infidelidade nos dias de hoje e tanto estigma. A mulher é

uma cretina por se afastar do marido. O homem é fraco por

ficar. No fim, a decisão cabe apenas ao casal. Eles devem

ouvir o que pensam, escutar a voz do coração e não se

deixar influenciar pelos amigos.

E considere as consequências. Se há crianças envolvidas,

pense duas vezes. Não apenas as crianças serão abaladas.

Toda a família, a rede social, os netos. Um divórcio dura por

gerações. Afeta anos e anos da sua vida. Reavalie e questione

se vale a pena trocar essa quebra de confiança, esse

rompimento da comunicação, por uma vida de

distanciamento e discórdia, uma vida que afeta a sua

felicidade e a dos seus filhos. A dor não passa depois do

divórcio. Em muitos casos, ela se intensifica. É melhor

corrigir e perdoar. Tanta infelicidade pode ser evitada para

tantas pessoas. Claro, sei que nem sempre é possível

resolver os problemas. Minha filha Anne passou por um

divórcio bastante público. Quando me contou sobre os

problemas em seu casamento, eu a aconselhei a tentar

resolver. Ela e o marido tentaram, mas não havia como

salvar a relação deles. Era hora de seguir em frente e cuidar

para que os filhos fossem os menos afetados possível.

Se você já se divorciou, ou se tem uma relação difícil com

seu ex ou sua ex, nunca é tarde para começar a colaborar,

começar a cooperar. Deixe claro que você quer melhorar a

vida das crianças e, consequentemente, a de vocês. É muito

mais fácil deixar a raiva de lado e voltar os olhos para um


futuro positivo. Isso não significa reatar o relacionamento,

mas sim trabalhar juntos. Seu ex-companheiro quer o

mesmo que você — filhos felizes, saudáveis, produtivos.

Isso é algo em que vocês podem concordar sem medo de

conflitos. Em geral surgem os conflitos em relação a como

atingir esse objetivo. Dê o exemplo das habilidades de

colaboração e negociação que você quer que seus filhos

tenham. Todos serão mais felizes e você estará ensinando

habilidades para a vida adulta. E, se já tiver chegado a um

ponto em que colaborar não é mais possível, seja gentil

consigo mesmo, perdoe-se e siga em frente. Esse também é

um exemplo importante para dar aos seus filhos: seguir

com a vida e ser otimista diante de tempos difíceis.

É importante que as crianças saibam que as pessoas

mudam e que a mudança faz parte da vida, ainda que às

vezes aconteça de formas inesperadas. Algumas pessoas

mudam tanto que se tornam irreconhecíveis. Querem outra

vida. Sofrem doenças, acidentes, problemas financeiros —

tantas mudanças podem acontecer. Na maior parte do

tempo, essas mudanças podem ser resolvidas com seu

parceiro, senão, sempre há formas racionais de enfrentar os

problemas. Este é o principal exemplo que você precisa dar

e ensinar ao seu filho: não importa o que aconteça, você vai

encontrar um bom jeito de resolver o problema. Todos temos uma

escolha: se deprimir ou ser otimista — e escolho ser

otimista e ativista. Tome as medidas necessárias para se

sentir melhor e se planejar para o futuro. A alternativa não

leva a lugar nenhum. Acredito que as coisas vão melhorar,


as pessoas serão melhores e que, em geral, os seres

humanos são fundamentalmente bons — parece que basta

acreditar para isso se tornar realidade.

O lado bom é que os índices de divórcio nos Estados

Unidos caíram entre 2008 e 2015 e recentemente atingiram

o ponto mais baixo dos últimos quarenta anos, segundo o

National Center for Family and Marriage Research. A

maioria das pessoas está ciente da importância de resolver

os problemas pelo bem dos filhos e pela própria felicidade.

O declínio nas taxas de divórcio pode ser atribuído a

diversos fatores, incluindo a tendência de as pessoas se

casarem mais velhas, os casais que moram juntos antes de

se casar e — graças ao feminismo — o poder de se casar por

amor em vez de por suporte financeiro. As pessoas que

encontram seus parceiros em sites de relacionamento

também tendem a ter índices mais baixos de divórcio.

Talvez porque procurem por parceiros com origens e

interesses semelhantes.

São muitas as lições na educação dos filhos e em

relacionamentos. Algumas são difíceis, claro, mas todas são

uma oportunidade. Uma oportunidade de tornar nossa vida

melhor e de sermos exemplos adequados aos nossos filhos.

Todos somos capazes de mudar para melhor. Só precisamos

estar dispostos.

a Exame educacional padronizado dos Estados Unidos semelhante ao Enem. (N.

T.)
RECIPROCIDADE
8. Dê o exemplo. É
contagioso

Generosidade é cuidado; esse é meu mantra. No outono

de 2002, recebi uma ligação do médico da minha mãe

dizendo que ela tinha dado entrada no hospital. Ela tinha 91

anos e fazia anos que estava doente e sem conseguir andar.

Recentemente, vinha sofrendo de infecções do trato

urinário e precisava de antibióticos quase o tempo todo.

Fiquei muito preocupada, então peguei um avião para

visitá-la no Eisenhower Hospital, em Palm Desert. Lembro

de como ela parecia pequenina naquele grande leito de

hospital, mas ela ficou muito feliz ao me ver. Minha mãe

sempre teve um sorriso maravilhoso.

Pelo jeito, não havia muito que se pudesse fazer por ela. O

médico sugeriu que ela fosse transferida para uma casa de

repouso com uma unidade de cuidados paliativos. Eu não

sabia na época que essas unidades eram voltadas para

doentes em estado terminal. Deveria ter feito mais

perguntas. “Eles cuidam do paciente”, ele explicou, “mas

não fazem intervenções médicas agressivas.” Essa me


pareceu a decisão certa para alguém na casa dos noventa.

Ele prometeu que cuidariam bem dela.

Depois que ela se instalou lá, peguei o avião de volta.

Algumas semanas depois, minha filha Anne decidiu visitá-

la. Anne sempre teve uma relação especial com a minha

mãe. Depois da faculdade, ela foi a Krasnoyarsk, na Sibéria,

e visitou a cidade natal da minha mãe para vê-la com seus

próprios olhos. Minhas outras filhas também eram

próximas da avó. Como não seriam? Ela era a pessoa mais

doce, mais atenciosa que já conheci.

Sempre incluí minha mãe o máximo possível, mas não

era fácil. Ela não podia viajar por causa da esclerose

múltipla, que afetou sobretudo as pernas. Primeiro, usava

uma bengala, depois um andador, até não conseguir mais

andar. Anne, Susan e Janet visitavam minha mãe em Palm

Desert pelo menos uma vez por ano, onde ela morava com

meu irmão, Lee. Andavam juntas pela cidade em um

carrinho de golfe. Elas sabiam que a avó não estava bem.

Passavam todo tempo que podiam com ela; escreviam cartas

e ligavam quando não estavam perto. Tentei ensinar às

minhas filhas a serem amorosas e gentis com todas as

pessoas, especialmente com os idosos. Deixei claro que

todos são importantes, independentemente das

circunstâncias, e dei o exemplo desse comportamento. Eu

não falava apenas da boca para fora.

Quando Anne entrou na unidade de cuidados paliativos,

viu o oposto de generosidade. Ouviu diversos pacientes

gritando e gemendo. As pessoas nesse tipo de lugar não


costumam gritar. Havia algo de errado. Ela não conseguia

encontrar a avó. Depois se deu conta de que sua avó era

uma das pacientes angustiadas. Anne não conseguia

encontrar nenhum enfermeiro. Mas, quando encontrou,

eles viraram as costas. Parecia ser assim que a unidade

funcionava. Nenhum dos funcionários parecia preocupado.

(A maioria dos cuidados hospitalares não é assim,

felizmente — acontece que tivemos uma experiência muito

ruim.)

Anne não achou aquilo aceitável: sua avó não seria tratada

daquela forma. Ela se mobilizou. Ligou para uma

ambulância, que chegou em seis minutos. Falou que sua avó

estava à beira da morte e precisava ser transferida de volta

para o Eisenhower Hospital, que estava completamente

desidratada e precisava de cuidados de emergência. Em

choque, a equipe de enfermagem assistiu a todo o processo,

boquiaberta. Eles não falaram nada enquanto minha mãe

era levada de cadeira de rodas. “Difícil acreditar que vocês

chamam isso de cuidado”, Anne disse. “Vocês não estão

cuidando dos seus pacientes.” E partiu com a ambulância.

No hospital, minha mãe recebeu soro intravenoso e um

pouco de comida. Aparentemente, fazia horas que ela não

comia nem bebia água. Era por isso que estava tão

incoerente. Ela começou a recuperar um pouco da força, o

que foi animador, mas Anne sabia pelo seu trabalho no

pronto-socorro do San Francisco General Hospital que

ainda havia mais a ser feito. Decidiu que precisava de novos

médicos no caso, então encontrou dois e substituiu o


anterior que a havia mandado para a unidade de cuidados

paliativos. Os médicos novos mudaram a medicação e, em

dois dias, houve uma melhora acentuada. Minha mãe estava

alerta e falante.

Agora a grande dúvida era como cuidar dela depois que

recebesse alta. Como poderíamos garantir que aquilo não

iria se repetir? Morávamos na área da baía de San Francisco,

e era difícil monitorar a situação a centenas de quilômetros

de distância. Minha mãe precisava de um membro da

família que pudesse supervisionar seu tratamento. Não

tinha como se defender sozinha.

Sempre criativa, Anne traçou um plano. Tínhamos de

transferir minha mãe, mas o custo de uma ambulância era

impossível. Então ela decidiu que nós mesmas a traríamos,

com o suporte intravenoso e as demais medicações. O

hospital ficou estarrecido. “Vocês vão transferir uma

paciente por oitocentos quilômetros sem uma

ambulância?”, eles disseram. “Isso é perigoso.”

“Menos perigoso do que deixá-la com pessoas que não se

importam com ela”, Anne respondeu. Ela pensou em um

jeito de fazer a transferência, assumiu a responsabilidade

pelas medicações e alugou uma van e uma maca. Alguns

dias depois, às cinco da madrugada, entramos na

Interestadual 5 e levamos minha mãe de Palm Desert até a

área da baía de San Francisco, para uma casa de repouso em

Los Altos. Demorou oito horas, mas ela passou o trajeto

todo bem. Eu havia ligado com antecedência para saber se a


aceitariam, e eles disseram que sim, embora tivessem uma

lista de espera. Ficaram comovidos com o drama da história.

A nova casa de repouso em Los Altos se revelou ótima,

talvez porque estivéssemos sempre lá visitando. Eles tinham

atividades diárias, fisioterapia e um horário de socialização,

além de cuidar bem dos pacientes. Toda a família celebrou o

Dia de Ação de Graças com ela na casa de repouso, uma

lembrança maravilhosa que nunca teríamos se Anne não

tivesse intervindo. Minha mãe viveu mais dois anos antes

de falecer aos 93 anos de idade.

A generosidade, a compaixão e a persistência de Anne

salvaram a vida da minha mãe. Ela criou um jeito inovador

de salvar a avó e tirou duas semanas de folga para isso.

Generosidade faz parte da personalidade de Anne. Ela não é

só de falar ou de pensar sobre isso; ela põe em prática. Foi

uma criança muito amorosa, sempre com uma consciência

social, sempre preocupada com o gatinho menor na caixa

de areia ou com o cachorro que quebrou a perna ou com as

crianças sem amigos. No jardim de infância, quando

perguntaram pelo que ela era grata, escreveu: “Sou grata

pelo Kenji”, um amigo dela. Ela também é uma mãe muito

carinhosa.

Empatia e generosidade sempre fizeram parte do meu

jeito de olhar o mundo. Notei muitos anos depois que, sem

perceber, estava ensinando às minhas filhas empatia,

gratidão e perdão através da forma como eu agia e olhava

para o mundo, dos livros que escolhia ler para elas, dos

programas que sugeria que elas vissem. Talvez isso também


estivesse relacionado à minha infância e a todas aquelas

histórias dos meus pais sobre suas vidas difíceis

sobrevivendo aos pogroms na Rússia, ou à perda do meu

irmão David. Qualquer que fosse o motivo, fazia parte da

minha vida: afeto, preocupação e empatia eram o meu jeito

de ser.

Anne levou essas lições a sério, mas não foi a única. Susan

e Janet também. Todas trabalharam em algum momento

depois da faculdade para tentar fazer do mundo um lugar

melhor. Susan foi à Índia; Janet à África do Sul. Elas fizeram

isso sozinhas — sem sugestões minhas. Durante a

faculdade, Anne foi voluntária no pronto-socorro de um

hospital da cidade e ficou chocada com os problemas que os

pacientes enfrentavam. Isso a levou a fazer ainda mais

trabalhos voluntários. Os pacientes não conseguiam se

defender porque estavam doentes demais, e isso muitas

vezes significava que não recebiam o tratamento adequado.

Mais tarde, ela trabalhou no San Francisco General Hospital

e no Stanford Hospital, pensando em se tornar médica. No

fim, decidiu que teria mais impacto se fizesse algo além de

ser uma médica confinada em um consultório. Primeiro

quis criar um serviço de defesa dos pacientes, visto que em

geral eles estavam doentes demais para se defender

sozinhos. Ela viu uma verdadeira falta de cuidado e carinho.

O problema não era que os médicos e enfermeiros não se

importassem. Era que viviam sobrecarregados e

simplesmente não tinham tempo. Eles estavam na medicina


para ser gentis, mas suas escalas exaustivas não tornavam

isso possível. É um grande problema ainda hoje.

Em vez de criar um serviço de defesa dos pacientes, ela

foi muito além. Fez algo de maior impacto para todos os

pacientes do mundo ao abrir uma empresa que coloca as

pessoas no comando do seu DNA, os elementos estruturais

do seu corpo. Entender seu DNA é a chave para entender sua

saúde e para prevenir doenças. Como cofundadora e CEO da

23andMe, ela dá a milhões de pessoas acesso às informações

de saúde com base na ideia de que ninguém se importa

mais com você do que você mesmo. E ela continua a lutar

por um tratamento melhor para todos. Alguém com quem

ela se preocupa em particular é sua ex-sogra, Genia Brin,

que sofre de mal de Parkinson. Uma das primeiras ações de

Anne foi juntar forças com a Michael J. Fox Foundation

para estudar o Parkinson e encontrar tratamentos. A

empresa publicou recentemente a maior metanálise sobre a

doença de Parkinson até o momento.

Uma questão que tenho é: as crianças de hoje estão

aprendendo a ser generosas? Qual é o exemplo norte-

americano quando elas leem matérias sobre operações anti-

imigração, bebês e crianças sendo separados dos pais,

imigrantes retidos por dias na fronteira? Quero acreditar

que todos os pais, independentemente de afiliação política,

tenham empatia pelos imigrantes e conversem sobre o tema

com os seus filhos. Mas diversos estudos sugerem que não.

Quando pesquisadores da Harvard Graduate School of

Education questionaram 10 mil crianças para o Making


Caring Common Project, uma iniciativa para ajudar a tornar

as crianças mais solidárias e dedicadas à comunidade,

descobriu-se que 80% das crianças identificavam o sucesso

ou a felicidade pessoal como sua maior prioridade. Apenas

20% diziam que “cuidar dos outros” era sua prioridade. Essa

pesquisa também revelou que “Os jovens são três vezes mais

propensos a concordar do que a discordar da seguinte frase:

‘Meus pais sentem mais orgulho de mim se eu tirar boas

notas do que se for um membro preocupado com a

comunidade’”. Nada estimulante. Outro estudo da

Universidade de Michigan encontrou uma queda acentuada

de empatia em estudantes universitários norte-americanos


1
desde 2000. Um dos meus colegas professores fez uma

descoberta semelhante quando criou uma pesquisa informal

com seus alunos em uma escola pública nos Estados

Unidos. Ele pediu para que as crianças levantassem a mão

se vivenciavam a CRIAR na escola. Começando por confiança,

a maioria levantou — um ótimo sinal. Respeito e

independência: cerca de metade. Dois terços dos alunos

disseram que eram amparadores. Mas ninguém levantou a

mão quando a pergunta foi sobre reciprocidade e

generosidade.

Viramos vítimas do estilo dominante de educação — os

pais-helicópteros —, que não valoriza a generosidade.

Muitos pais e mães estão focados em vencer. Nosso

principal objetivo é criar filhos de sucesso, e nosso maior

medo é que não consigam sem a nossa ajuda. Ficamos

convencidos de que, se eles não forem perfeitos, vão


fracassar na vida, o que é ruim para eles, mas ainda pior

para nossas ansiedades e inseguranças. Quando eles

fracassam, nós fracassamos — e não podemos deixar isso

acontecer. A generosidade desapareceu dos nossos objetivos

educacionais. A mãe-tigre Amy Chua chegou a dizer em sua

fala comigo em Puebla, no México, que nunca se

preocupava com generosidade ou felicidade. Queria apenas

que suas filhas fossem a número um.

Mas estamos pagando um preço alto ao nos concentrar no

sucesso individual e na perfeição. Sem perceber, estamos

criando filhos narcisistas sem generosidade ou empatia. Não

é a intenção, mas é o que está acontecendo. Eles não têm

tempo para pensar nos outros: estão focados demais em

fazer um bom trabalho. Se não se destacarem, podem não

receber o amor e a aceitação de que precisam dos pais. Isso

lá é generosidade? Eles então canalizam a energia deles para

ter sucesso, o que pode gerar notas perfeitas, mas não faz

nada por sua independência ou autonomia, que dirá pela

generosidade para com os outros. E, quando isso tudo acaba,

nossos filhos se tornam arrogantes e egocêntricos em uma

sociedade que valoriza o sucesso individual acima de quase

tudo.

A generosidade não entra em parte alguma desse estilo de

educação ou desse tipo de sociedade. Acredito que é porque

a generosidade é mal falada. Costuma ser vista como uma

fraqueza. As pessoas pensam que, quando você é bonzinho,

os outros passam por cima de você. Ouvi isso durante

minhas décadas como professora tentando trabalhar junto


com os alunos em vez de patrulhá-los. Quando era diretora

do departamento de inglês da Palo Alto High School, pelo

menos metade do corpo docente questionava a maneira

como eu tratava os alunos. Eles não gostavam das minhas

“punições”, nas quais eu tentava entender as motivações dos

estudantes e dar uma segunda chance. Meus colegas sempre

falavam: “Eles vão passar por cima de você. Vão quebrar as

regras de novo. Sabe o que você é? Uma trouxa”. Eles não

entendiam que a generosidade gera resultados. Torna sua

vida melhor ao melhorar a vida das pessoas ao seu redor.

Não estou dizendo que você não deva ser criterioso quando

pedem sua ajuda. Claro, algumas pessoas querem manipular

você, mas normalmente dá para ver quando elas têm

segundas intenções (são excessivamente solícitas, pedem

grandes quantias de dinheiro, o que prometem em troca

parece ser bom demais para ser verdade). Existe mal no

mundo, mas ele não deve nos impedir de tentar fazer do

mundo um lugar melhor. Temos apenas que tomar cuidado.

Os pais de alguns dos meus alunos têm a mesma atitude

que os professores. Como a generosidade ajudaria meu filho

a entrar na universidade? Há pouco tempo, encontrei Marc

Tessier-Lavigne, presidente da Universidade Stanford, e ele

me falou que a qualidade mais procurada nos candidatos é a

generosidade e o cuidado com os outros. São essas as

habilidades que determinam o sucesso de um estudante

tanto em Stanford quanto como um cidadão do mundo. As

universidades falam que não querem alunos competitivos e

maldosos. Podemos ter entrado em um sistema cruel e


excessivamente competitivo que premia estudantes ricos

que têm notas e pontuações altas, mas a maré está virando.

Muitas universidades estão deixando de lado os exames

padronizados e olhando para o aluno como um todo,

considerando como seus talentos específicos podem

beneficiar a comunidade.

A generosidade também é fundamental no mundo dos

negócios atual. Quando o Google fez uma pesquisa interna

(chamada Project Oxygen), descobriu que eram as chamadas

“soft skills” — e não as habilidades em ciência, tecnologia,

engenharia ou matemática — que diferenciavam seus

gerentes de alto escalão dos outros funcionários da empresa.

Na realidade, quatro das sete principais habilidades de

gestão eram diretamente relacionadas à generosidade:

empatia, consideração pelos funcionários como indivíduos

com valores e pontos de vista diferentes, treinamento e

avaliação com feedback construtivo e discussões relevantes

sobre evolução de carreira. A generosidade é essencial para

o mercado de trabalho. Muitas empresas se concentram

hoje em generosidade em relação aos funcionários e

consumidores. A Zappos é uma, e outra é a Whole Foods.

Jeff Bezos, CEO da Amazon, quer que os consumidores sejam

felizes (embora admita abertamente que seus funcionários

enfrentam um ambiente de trabalho hostil — não se ouve

muito sobre generosidade com os funcionários da Amazon).

Estão fazendo de tudo para ser generosos com os

consumidores. Minhas filhas me ensinaram em primeira

mão a importância da generosidade no trabalho. Janet tem


uma história semelhante à de Anne em termos de luta pela

saúde e pelo bem-estar da população. Ela viu comunidades

desfavorecidas dizimadas por doenças crônicas e quis fazer

algo a respeito. Seu cuidado a aproximou de pessoas reais

dessas comunidades, a quem ela ajudou com orientações

sobre amamentação, tratamento de HIV e aids, combate à

obesidade infantil e outros problemas de saúde complexos.

Na vida profissional de Susan, generosidade significa

cuidar melhor dos seus funcionários. Uma coisa importante

que ela fez no Google foi ajudar a criar um programa de

creches. Ela queria um programa de primeira linha não

apenas para seus filhos, mas para o maior número possível

de funcionários. Ela sabia que os pais seriam mais felizes e

trabalhariam melhor se as crianças estivessem em boas

mãos. Também lutou por licenças-maternidade maiores

para as funcionárias. Foi uma grande notícia quando ela

conseguiu oferecer uma licença de oito semanas com

remuneração integral para as mães do Google. Ela

continuou reforçando o programa ao longo dos anos, e o

Google agora concede dezoito semanas de licença

remunerada para as mães e doze para os pais.

O Google é um grande exemplo de como as melhores

empresas estão se concentrando na generosidade com seus

funcionários. Todas as pessoas querem trabalhar em lugares

onde sintam que a administração se preocupa de verdade

com a sua saúde e a sua felicidade, e onde tenham um

projeto apaixonante. O Google leva essa ideia a sério e

oferece comida de graça, médicos no local, lugares para


cochilar e um ambiente de trabalho colaborativo, por isso é

sempre classificado como uma das melhores empresas para

se trabalhar nos Estados Unidos. Suas políticas generosas

motivaram outras empresas a mudar e inauguraram uma

nova visão sobre o que significa ser um funcionário.

A generosidade traz muito mais do que uma admissão na

universidade e um bom emprego. Ser generoso torna as

pessoas ao nosso redor mais felizes e faz o mesmo conosco.

Todas as boas ações possuem um quê de interesse pessoal:

nos dão uma sensação de paz e propósito que não tem

preço. Todos precisamos passar pela vida — por que não

tornar a jornada mais agradável, especialmente em uma

época em que estamos tão conectados?

A epidemia de abuso de drogas atual oferece muitas

oportunidades para a generosidade. Diversas pessoas estão

se viciando em opioides vendidos sob prescrição, e mais

gente está morrendo por overdose do que morria de aids no

auge da epidemia. Mas o que isso tem a ver com

generosidade? As pesquisas mostram que o que os adictos

mais precisam é de bondade e amor para ajudá-los a lidar e

a superar sua dependência. Eles precisam do apoio de

pessoas de quem gostam, e não apenas do apoio de

terapeutas. O best-seller de Johann Hari Lost Connections

[Conexões perdidas] discute as verdadeiras causas da

depressão e da ansiedade, que podem levar ao vício. Alguns

dos fatores de risco que ele cita incluem a desconexão de

outras pessoas, de trabalho e valores significativos, de status

e respeito, e de esperança.
Enquanto todos apreciam os terapeutas e os cuidados

prestados pelos programas de tratamento, outra solução que

funciona é uma rede de suporte de amigos e familiares.

Infelizmente, muitas pessoas lutam para encontrá-la,

porque todos nós assumimos que o programa de tratamento

irá cuidar do problema. Mas não é assim, como podemos

ver pelas estatísticas: alguns estudos descobriram que mais

de 85% das pessoas que recebem o tratamento de

toxicodependência têm uma recaída no primeiro ano.

Programas de doze passos têm ajudado muitos — e

continuam ajudando — porque eles te ensinam a acreditar

em você mesmo, mas esses programas precisam de muito

mais apoio do mundo exterior. Uma das razões pelas quais

as pessoas usam drogas, mesmo sabendo que é terrível, é

para aliviar dores emocionais ou físicas; se a família e os

amigos puderem ajudar a mitigar a dor emocional, junto

com o tratamento profissional, pode fazer diferença. A

verdadeira cura milagrosa para o vício é a bondade.

Vi situações trágicas com adolescentes viciados em

drogas, por isso sempre faço meu discurso antidrogas em

sala. Não o chamo assim. É um discurso sobre como o

órgão mais importante do corpo não é o coração, mas o

cérebro. É por isso que usamos um capacete ao andar de

bicicleta. Por isso nunca queremos nada que afete nosso

cérebro, como drogas. Existem muitas outras formas de

sentir emoções que não nos prejudicam para sempre.

Também faço questão de que saibam que, embora se sintam

independentes (o que é ótimo), precisam lembrar que o


desenvolvimento do cérebro continua depois dos vinte anos.

Você pode pular de bungee jump, de paraquedas ou

participar de uma corrida de carros (em uma pista), mas

esqueça a ideia de usar drogas pela adrenalina.

Como pais, não podemos pensar na generosidade como

uma competência bonita porém desnecessária. Ela está no

cerne do verdadeiro sentido da educação: trazer os filhos ao

mundo e torcer para que façam dele um lugar melhor.

INSPIRANDO GENEROSIDADE

Generosidade é um estilo de vida. Não é algo que se faz

apenas algumas vezes por ano, no Natal, no Dia de Ação de

Graças ou no Dia dos Namorados. É uma atitude que

começa pelo respeito. Respeito é reconhecer a presença do

outro. É o antídoto perfeito para a nossa atual cultura

egocêntrica.

“Bom dia. Como vai?” Algo tão simples, mas tão eficaz.

Esse deveria ser um cumprimento comum quando

entramos na escola, no escritório ou na casa de alguém.

Cumprimente sua esposa, seus pais, parentes ou amigos

quando eles chegam. Certifique-se de que seus filhos façam

o mesmo. Parece tão fácil, mas isso está faltando em muitas

famílias. Pergunte: “Como você está?”. Tantas pessoas

deixam de fazer isso. Faça com que olhem em seus olhos.

Contato visual é importante. E não se esqueça de sorrir.

Aqui vai um fato estranho sobre as famílias: muitas pessoas

que praticam essas gentilezas simples fora de casa não as


incluem em suas próprias famílias. Entram em casa sem

dizer “oi”. Veem um membro da família carregando

compras e não oferecem ajuda.

Outros atos diários simples incluem ajudar alguém a tirar

as compras do carro, segurar a porta para uma mãe com um

bebê, ajudar um idoso a descer do ônibus em segurança,

deixar alguém passar na sua frente no trânsito, ser um bom

ouvinte. Até mandar um e-mail agradecendo é um ato

importante de gentileza. Parece tão pequeno — e é, mas faz

diferença.

Como pais, podemos ensinar nossos filhos dando o

exemplo de boa educação e orientando para que isso faça

parte do cotidiano deles. “Obrigado” deveria ser uma

palavra comum em casa. Ensinei minhas filhas a me

agradecerem, a agradecerem umas às outras, e a

agradecerem todos que faziam algo por elas, quer fosse

pessoalmente, ao telefone ou em uma carta. Todas as

crianças devem entender que, mesmo pequenas, elas podem

dizer coisas gentis — aos amigos, aos pais, aos adultos em

suas vidas. Isso começa por dizer “Oi”, seguido de “Tudo

bem?” e então ouvindo ativamente.

A gratidão faz parte da generosidade. Pressupõe que você

preste atenção aos outros, considere as formas como eles

tornam sua vida melhor e faça algo para demonstrar sua

gratidão. Pelo que vejo, muitas crianças de hoje não sabem o

que é gratidão. Talvez seja porque estamos focados demais

em cuidar para que nossos filhos sejam felizes. Fazemos de

tudo por eles, e eles ficam mal-acostumados. Uma das


principais questões de pais de adolescentes é eles se

arrependerem de terem mimado os filhos dando demais

para eles. É um problema comum. Os filhos não são gratos

por nada porque pensam que vão ter tudo. Só querem mais.

Acontece até em famílias de renda baixa.

A gratidão deixa todos felizes: aquele que dá e aquele que

recebe. Muitos estudos encontraram uma relação entre

expressar gratidão e uma sensação geral de bem-estar. Um

novo estudo de 2018 descobriu que estar em um estado

mental de gratidão aumenta os níveis de esperança e


2
felicidade. Outro estudo publicado no Journal of School

Psychology descobriu que adolescentes que relatavam

maiores níveis de gratidão eram mais otimistas, sentiam

mais satisfação na vida e tinham um risco menor de


3
desenvolver depressão. A gratidão também melhora nossos

relacionamentos com amigos, pais, colegas e sócios. Quando

você é grato pelas pessoas na sua vida, elas querem estar

com você. É uma ferramenta poderosíssima para criar não

apenas generosidade no mundo, mas para se tornar uma

pessoa melhor.

Para ensinar gratidão, dê o exemplo, assim como faz com

gentileza e generosidade. As crianças estão observando você.

Você é o professor mais influente. Se for grato pelo que

tem, seus filhos também vão ser. Se viver reclamando, pode

ter certeza de que eles farão o mesmo. Aqui vai uma lição

que muitos pais precisam aprender: se certifique de que

seus filhos apreciem os presentes que recebem por

aniversários ou feriados. Não estou dizendo que presentear


é ruim. Para algumas famílias, toneladas de presentes

debaixo da árvore de Natal podem ser um golpe de sorte

porque não havia dinheiro suficiente para isso no ano

anterior. Em outras famílias, as crianças abrem presente

após presente sem nunca agradecer uma só vez ou sem

entender o tempo e o esforço que foi para comprar os

presentes. Precisamos ensinar aos nossos filhos que, quando

alguém lhe dá um presente, você deve estar sempre grato

(mesmo que você não goste ou mesmo que já tenha algo

semelhante).

Converse com eles sobre gratidão. Pelo que eles são

gratos? A maioria dos filhos sente gratidão pelos pais.

Minhas filhas eram gratas pelos avós e escreviam cartas para

o avô na Polônia regularmente. Algumas das cartas eram

bem triviais, mas elas compartilhavam a vida com ele. “Fui

ao parque hoje e brinquei com a minha amiga Jessica. Estou

com saudades.” Elas também escreviam para os meus pais e

para a mãe de Stan. Escreviam regularmente, com ou sem

presentes. Era uma forma de reconhecer o esforço de

alguém e de valorizar todas as pessoas que as amavam. A

arte de escrever bilhetes de agradecimento precisa ser

ressuscitada.

O ato de escrever ajuda todos a refletir sobre a vida e as

suas ações. Minhas filhas faziam diários, especialmente

quando viajávamos, e aprenderam a refletir e a ser gratas

por suas experiências. Recomendo que as crianças escrevam

sobre seu dia e pelo que são gratas toda noite antes de

dormir. É uma boa maneira de praticar a escrita, uma boa


maneira de pensar pelo que são gratas e uma boa maneira

de manter um diário. Será divertido ler alguns anos depois.

Algumas das anotações podem ser engraçadíssimas.

“Sou grata por ter encontrado uma joaninha hoje.”

“Estou feliz porque meu irmão dividiu o sorvete dele

comigo.”

“Estou muito contente porque fui a uma festa de

aniversário que tinha um pula-pula.”

É um ritual formidável e foi comprovado que aumenta a

atividade cerebral relativa à gratidão. Eu também fazia

questão de agradecer e reconhecer as ações das minhas

filhas quando elas faziam alguma coisa em casa. “Você fez

um ótimo trabalho fazendo limpeza com a mamãe” era algo

que eu sempre dizia. “Seu quarto está muito arrumado hoje.

Parabéns.” Mesmo longe de estar perfeito. Seria maravilhoso

se pudéssemos ser gratos pelo que temos na vida todos os

dias. Sou como todo mundo — nem sempre tenho tempo. A

vida é muito agitada. Mas minha família celebra o shabat

toda sexta-feira à noite, e é então que pensamos em nossa

gratidão por toda a semana.

Na escola, falo para os alunos que, ao entrevistarem as

pessoas para o jornal, eles devem confirmar a veracidade

das citações e agradecer a todos que separaram um tempo

para falar com eles. Fazemos questão de agradecer a nossos

anunciantes. Muitas empresas maravilhosas, incluindo

diversas pequenas, apoiam o programa de jornalismo há

anos com publicidade e doações de alimentos ou serviços.

Também lembro os alunos de agradecerem aos pais por


ajudarem nos jantares em grupo. A cada três semanas, eles

jantam juntos por três noites seguidas durante a produção

— sessenta estudantes superfamintos. Os pais são gentis o

bastante para oferecer essas refeições. Imagine a bagunça.

Mesmo depois de limpar, ainda sobra muito lixo, então

lembramos de agradecer aos zeladores, que são uma parte

importante do nosso programa.

A FORMA MAIS PROFUNDA DE GENEROSIDADE

Quando minhas filhas eram pequenas, tínhamos uma

tradição natalina de comprar a árvore mais deplorável que

conseguíamos encontrar na “Lucky National Forest”, o

terreno do nosso mercado Lucky. Comprávamos a árvore

que ninguém queria, a que tinha sido abandonada, e

levávamos essa árvore para casa e fazíamos nosso melhor

para deixá-la bonita. Minhas filhas adoravam decorar a

árvore. Originalmente, os ornamentos não passavam de

caixas de ovo recortadas que elas pintavam e enchiam de

purpurina, mas, com o passar dos anos, os enfeites foram

ficando mais sofisticados. O que estávamos criando, sem

notar, era uma sensação de empatia. Eu e Stan estávamos

ensinando-as a olhar além de si mesmas e a tentar entender

o que a outra pessoa (ou, nesse caso, a árvore) estava

sentindo. Elas consolavam e cuidavam dos animais assim

como faziam com as árvores de Natal. E esses

comportamentos se estenderam naturalmente a todas as

pessoas, fossem parentes, amigos, um paciente aleatório no


pronto-socorro que precisasse de ajuda ou uma jovem mãe

em uma região pobre passando por dificuldades para criar o

filho.

Existem muitas atividades simples e divertidas que

ensinam empatia às crianças. Em casa, os pais podem

incentivar o faz de conta. Basta dar à criança o começo de

uma história, uma roupa ou um brinquedo, e ela vai

inventar seus próprios personagens, mundos e universos. É

de graça e as crianças adoram. Quando fingem ser outra

pessoa, elas aprendem como é estar no lugar do outro. Isso

as faz parar de pensar em si mesmas, algo necessário para se

ter empatia. Como os pesquisadores de desenvolvimento

infantil Dorothy Singer e Jerome Singer apontam: “Assumir

um papel diferente oferece às crianças a oportunidade única

de aprender habilidades sociais como comunicação,

resolução de problemas e empatia”. Portanto, todas aquelas

fantasias e a correria pela casa fazendo o que parecem

“maluquices” na verdade estão ajudando as crianças a

aprender uma habilidade importantíssima.

Ler para os filhos com regularidade, em particular livros

sobre generosidade e empatia, também é outra atividade

útil. Todos precisamos nos lembrar da força das histórias.

Pesquisas mostram que ler ficção e considerar os

sentimentos de outros personagens ajuda as crianças a

desenvolver empatia. Alguns dos meus livros favoritos para

crianças são O peixinho do arco-íris, sobre um lindo peixe que

encontra a felicidade quando aprende a compartilhar, Tikki

Tikki Tembo, no qual um jovem menino resgata o irmão, e A


árvore generosa, de Shel Silverstein, uma história clássica de

amor e altruísmo. As crianças adoram esses livros porque

reconhecem aquelas emoções, e é fácil se identificar com os

personagens. Assim como no faz de conta, eles conseguem

se imaginar na pele de outra pessoa. Não deixe de conversar

sobre os personagens e suas decisões e seus sentimentos. Eu

e Stan fazíamos isso toda noite (quase toda noite, na

verdade). Líamos para as crianças e refletíamos sobre a

história. Conversar sobre o que líamos era o que fazíamos

antes da internet. Eu não fazia isso especificamente para

desenvolver empatia. Fazia porque queria ensinar as minhas

filhas sobre o mundo, outras culturas, viagens, história. Mas

havia essa vantagem extra.

Outra dica para as famílias: tenham um animal de

estimação. Animais de estimação são um jeito maravilhoso

de ensinar compaixão (e responsabilidade). Tivemos diversos

animais: uma golden retriever chamada Truffle, dois gatos e

três ratos. As meninas tinham que colocar Truffle para fora

todos os dias. Levavam-na para passear e davam comida.

Brincavam com ela, a escovavam e abraçavam. Cuidavam

também dos gatos e ratos. Nossos animais eram parte da

família, incluídos em tudo. Eles até ganhavam presentes de

Natal e de aniversário. Por isso, minhas filhas estavam

sempre pensando nos outros e tomando conta para que

todos fossem bem cuidados.

Em um verão, decidimos deixar Truffle virar mãe.

Cruzamos nossa cachorra com um lindo golden em

Oakland, e ela deu à luz oito filhotinhos adoráveis. Foi


muito emocionante. As meninas não conseguiram acreditar

na própria sorte e levaram essa nova responsabilidade

muito a sério. Todos os dias cuidavam dos filhotinhos e os

viam crescer, e mudamos os carros de lugar para deixar que

ocupassem toda a garagem. Elas cuidaram para que Truffle

tivesse comida e água de sobra, que os filhotes fossem bem

cuidados e que todos tivessem brinquedos. Nossa casa se

tornou a mais visitada do quarteirão. Dois meses depois,

minhas filhas ajudaram a encontrar um novo lar para cada

filhote e arranjaram um jeito de manter contato com os

novos donos. Elas queriam garantir que todos os

cachorrinhos levassem boas vidas.

A empatia nas crianças é natural. Se dermos o exemplo,

nossos filhos vão seguir.

COMO SER GENEROSO QUANDO É DIFÍCIL

Anos atrás, tive um aluno, Dominic, que vinha de uma

família humilde de East Palo Alto e, involuntariamente,

entrou para minha turma de inglês avançado no primeiro

ano. O lugar dele não era naquela classe, e não foi ele quem

se inscreveu. O sistema de informática havia cometido um

erro. O desempenho dele era baixo, então ele deveria estar

em uma turma de reforço.

Dominic era um menino nervoso, do tipo que a escola

considera um caso perdido. Era agressivo e grosseiro,

aparentemente sem motivo. Dava para ver que estava apenas


refletindo a forma como foi tratado durante toda a vida.

Fiquei preocupada com ele desde o início.

Quando percebi o erro duas semanas depois do começo

do semestre, ele e eu já havíamos criado um laço. Perguntei

se ele queria se transferir para a turma mais básica. “De

jeito nenhum”, ele disse.

“Então você precisa de trabalho extra”, eu disse. Dominic

aceitou o desafio. Ele já estava começando a se ver como

outro tipo de aluno, talvez um que pudesse ter sucesso no

mundo, apenas por sentir confiança e respeito na minha

turma. Eu o tratava como se fosse igual a todos, porque ele

era. Apenas nunca tinha sido visto dessa forma. A energia

que ele vinha dedicando ao mau comportamento foi

canalizada para se recuperar academicamente. É incrível o

que um pouco de generosidade pode fazer.

Não era pouco o trabalho de recuperação que Dominic

tinha pela frente. Ele precisava ficar depois da aula comigo

todos os dias para treinar as habilidades de leitura e escrita

durante o ano inteiro. Depois, quis participar do meu curso

de jornalismo. Ali estava um menino considerado abaixo da

média pelo distrito escolar focado não apenas em chegar à

pontuação necessária, mas em ultrapassá-la. Foi uma

transformação incrível.

Dominic entrou no programa. Dei a ele um computador

velho da minha casa para que ele pudesse dar conta da

carga de trabalho, e ele fez muitos amigos novos. O

programa de jornalismo é uma comunidade de alunos que

se conhecem e cuidam uns dos outros. Ele parecia bem


feliz, mas nem tudo eram flores para ele. Chegar ao nível de

escrita necessário para o jornal era difícil, e ser avaliado

pelos colegas ainda mais. No entanto, como todos estavam

no mesmo barco, Dominic não levava isso para o lado

pessoal e continuou trabalhando duro em seus artigos.

Em determinado momento, porém, a pressão falou mais

alto. Ele queria apresentar um bom trabalho, mas não se

considerava capaz. Certo dia, outro aluno da turma

denunciou que havia um artigo plagiado. Como ele sabia?

Havia lido na internet… exatamente o mesmo artigo.

Descobri que tinha sido “escrito” por Dominic.

Dominic ficou envergonhado e pediu mil desculpas.

“Estava sem tempo e não consegui escrever”, ele me disse.

“Pensei que ninguém descobriria.”

Conversamos sobre a importância de fazer o próprio

trabalho, e decidi suspendê-lo do jornal por um ciclo. Eu

tinha de deixar clara a gravidade do plágio, mas não queria

envergonhá-lo ou reacender a raiva que ele sentia quando

chegou na minha sala de aula pela primeira vez. Eu sabia

por que ele havia feito aquilo. Conseguia ver a situação do

seu ponto de vista. E o que ele mais precisava era de um

pouco de generosidade e compreensão para seguir nesse

novo caminho. Ele não precisava levar bronca. Estava claro

que já havia sofrido demais com isso na vida. Esses são os

momentos mais importantes na educação dos filhos e dos

alunos: em vez de sentir raiva, você pode ter uma conversa

e entender o ponto de vista deles? Pode ter compaixão?

Pode mostrar generosidade mesmo nas circunstâncias mais


extremas? Fico feliz em dizer que meu método surtiu efeito:

Dominic nunca plagiou de novo.

No último ano, Dominic decidiu tentar entrar para a

universidade. Ele foi a primeira pessoa da família a fazer

isso. Eu o ajudei a conseguir uma bolsa na Costa Leste, e

para lá ele foi. Hoje trabalha com comércio em Nova York.

Mudou não apenas sua vida, mas a vida e a autoimagem de

sua família.

Alguns anos depois de Dominic, tive outro aluno prestes

a ser expulso por beber na escola. Ele e a namorada haviam

sido pegos com bebida na sala escura. Eram bons alunos e

ficaram envergonhados com a situação. O supervisor da

escola estava se preparando para levá-los à diretoria quando

intervim e disse: “Deixe que eu cuido disso”. Se fossem

mandados para a diretoria, seriam suspensos por mais de

uma semana. Suspensões não permitem que você compense

o trabalho; fazem com que fique permanentemente atrasado

nas aulas, e todas as suas notas são afetadas. Imagine como

isso é devastador para os alunos.

A punição deles foi meu protocolo habitual: uma

conversa, uma redação e ficar na escola depois da aula para

me ajudar. Eles também ajudaram outros alunos que

precisavam de apoio em seus artigos. Nunca levei o

comportamento deles para o lado pessoal. Obviamente, eu

não era mole; tinha minhas regras. Mas minhas

consequências eram diferentes de suspensão. Perdoei a

pequena aventura deles na sala escura e dei a chance para

que reparassem o erro.


Grande parte de praticar a generosidade é lembrar que os

filhos são adultos em treinamento. Eles estão aprendendo

— vão cometer erros. É aí que entra o perdão. Os

professores e pais precisam saber que violações e erros não

são necessariamente ataques contra nós. Às vezes é um caso

típico de falta de discernimento do adolescente. Sim, esses

erros podem nos magoar e frustrar, mas guardar rancor,

reagir mal e impor um castigo severo apenas perpetua a dor

e a raiva. Em vez disso, tente demonstrar generosidade e

perdão. Lembre-se do que você fez na idade deles. Isso não

faz de você uma pessoa mole; não significa que não tenha

regras. Significa que se mantém firme, mas é grande o

bastante para perdoar.

Mas e se um adolescente atacar o outro? Isso pode

acontecer de inúmeras maneiras. Recentemente, tive uma

aluna que sofria bullying por estar acima do peso. Ela usava

em geral roupas sem graça na escola — camiseta e jeans

rasgado. Os adolescentes podem ser cruéis em relação à

aparência. Eles a ridicularizaram no Facebook. A aluna

chorava, muito triste. Tentei fazer a postagem ser removida,

mas isso era bem difícil na época. (Foi há seis anos.) Enviei

um pedido ao Facebook para retirar os comentários, mas

eles não responderam. Então liguei para pessoas que

conhecia no Facebook, ex-alunos, e contei o problema a

eles. O conteúdo foi removido finalmente — e depois

lidamos com o praticante do bullying. Nem todo mundo

tem contatos no Facebook. Eu tive essa sorte. Hoje, o

Facebook e outras redes sociais estão se esforçando para


reduzir o bullying na internet. A saúde mental dos nossos

filhos agradece.

Ninguém quer que seu filho seja um praticante de

bullying. A maioria dos pais fica horrorizada quando seu

filho é o agressor. Mas acontece o tempo todo. De acordo

com o National Center for Education Statistics e com o

Bureau of Justice Statistics, 28% dos alunos do sexto ano do

fundamental ao último ano do ensino médio nos Estados

Unidos sofreram bullying. É provável que seja muito mais

comum, visto que boa parte dos casos não é denunciada. E,

claro, o bullying agora também se estende à esfera digital.

Um estudo de 2016 do Cyberbullying Research Center

descobriu que 34% dos adolescentes entre doze e dezessete

anos sofreram bullying virtual em algum momento da vida.

Os médicos acreditam que isso tenha origem em diversos

fatores: relações tensas com os pais, baixa autoestima,

disciplina contraditória e colegas pouco solidários. Alguns

dos praticantes também são vítimas. Às vezes, as crianças

estão repetindo o comportamento que veem nos pais. E o

bullying virtual está piorando. É porque nossos comentários

são muitas vezes anônimos. Podemos ser cruéis sem

nenhuma consequência. Perdemos o respeito porque é

muito fácil menosprezar os outros. Em muitos casos, a

compaixão e a empatia desaparecem por completo. E

também há os video games violentos. Que tipo de

influência isso tem? Nossos filhos precisam mesmo contar

o número de pessoas que mataram? Existem estudos que

afirmam que os video games não causam impacto negativo


nos jovens, mas duvido deles. Toda forma de violência

insensibiliza as crianças. Ensina o exato oposto de

generosidade, o que certamente pode promover o bullying.

Outra coisa que aprendi em décadas de ensino: senso de

humor é algo que se desenvolve com a idade. Muitos

adolescentes não entendem a diferença entre o que é

engraçado e o que é perverso. Costumávamos fazer uma

edição de 1o de abril do jornal da escola, mas percebi ao

longo dos anos que não dava para confiar que meus alunos

do ensino médio acertassem o tom. Eles achavam aceitável

tirar sarro de alguém com distúrbio de fala. Ensinei que

não. Era difícil monitorar, por isso acabamos com essa

tradição. Eles aprendem com o tempo, mas problemas com

o humor podem levar à crueldade na adolescência.

No fundo, o bullying é uma crise de gentileza que expõe

verdades desagradáveis sobre a natureza humana. Parece que

atacamos os que se destacam. Alguns dos alunos que sofrem

bullying têm dificuldades acadêmicas ou sociais.

Adolescentes desajeitados em qualquer aspecto são

especialmente vulneráveis. Eles têm a aparência estranha,

falam a coisa errada e têm dificuldades para interagir com

os colegas, e os outros adolescentes implicam com isso. O

termo schadenfreude me vem à mente, o ato de sentir prazer

na infelicidade ou no sofrimento alheio. É triste, mas faz

parte do comportamento humano.

Destacar-se no bom sentido também pode ser um

problema. Tive uma aluna que ganhou um prêmio estadual

de física e se recusou a contar aos outros porque tinha


medo de que tirassem sarro ou que ficassem com inveja

dela. Como comprovado por pesquisas, a inveja é muitas

vezes o ponto de partida da schadenfreude. Você sente inveja

do sucesso do outro, e espera para atacar quando o outro

fracassa. Pais e escolas deveriam ensinar os adolescentes

sobre essas tendências humanas inatas. Podemos não ser

capazes de mudar nossa natureza fundamental, mas a

consciência pode revolucionar a maneira como tratamos

uns os outros.

Claro, mesmo se todos os adolescentes fossem conscientes

o bullying ainda existiria. Quando acontece, faço o possível

para pôr um fim nele. Se vejo algum comportamento

negativo em sala, começo fazendo um discurso — sempre a

professora de inglês contando uma história. Basicamente,

falo sobre uma criança que sofreu bullying e como isso a

afetou pelo resto da vida. Inovo toda vez, adaptando esses

discursos ao que a turma em particular precisa ouvir. Os

adolescentes não pensam nas implicações a longo prazo de

seu comportamento com os outros no ensino médio, mas,

quando começo a falar, eles param e escutam. Mais

importante, as crianças me veem dando o exemplo de

aceitação dia após dia. Não importa de onde você é: da

China, da África ou de East Palo Alto. Você faz parte da

minha turma e sua opinião importa. A única vez em que os

alunos veem um comportamento incisivo da minha parte é

quando estou defendendo o direito de todos de estarem lá e

de serem incluídos.
Tomo muito cuidado para não expor a vítima durante

esses discursos. Esse aluno não precisa de mais estresse.

Normalmente, falo com ele depois da aula e pergunto em

que posso ajudar. Digo: “Vamos conversar sobre o que

aconteceu hoje na aula. Tem alguma coisa que eu possa

fazer para ajudar?”. Em geral ele responde: “Acho que não”.

E então digo: “Vamos conversar. Já vi isso antes e posso

ajudar”. Costuma dar certo.

Também converso com o praticante do bullying depois da

aula. Os agressores também precisam de generosidade. Seu

comportamento costuma ser assim porque eles sofreram o

mesmo ou porque gostam de ver alguém sofrer. Eles

aprenderam esse comportamento com alguém. O que esses

jovens precisam é de uma pessoa que possa entender suas

motivações, a razão de agirem dessa forma. Também

precisam saber como o bullying pode ser doloroso, como

pode causar sofrimento psicológico a longo prazo. Eles

querem mesmo ser responsáveis por destruir a vida do

colega?

Se seu filho estiver sofrendo bullying, essa é a hora de

intervir. Os adolescentes são jovens e vulneráveis demais

para enfrentar o bullying agressivo por conta própria. Use

todas as vias possíveis. É muito difícil, e não existe solução

simples, mas aqui vão algumas ideias. Converse com a

direção da escola e com o professor. Todas as escolas

trabalham ativamente contra o bullying, mas, apesar desses

programas, ele ainda ocorre. Às vezes você não vai receber

uma resposta positiva da escola, então deve tentar de novo.


Essa é a sua chance de aprender a importunar, de fazer

barulho suficiente para que a situação seja resolvida. Não

deixe de conversar com seu filho sobre por que o bullying

acontece, como pode afetar as pessoas, e que às vezes os

adolescentes não são maldosos e não entendem o que estão

fazendo. Ele precisa saber que não está sozinho, que muitas

pessoas sofrem o mesmo, e que ele é forte o bastante para

se defender. Às vezes ajuda comunicar os pais do agressor,

se eles estiverem dispostos a intervir. Você também pode

conversar com os amigos e com os pais dos amigos do seu

filho para reforçar o círculo de apoio. Acima de tudo, deixe

claro ao seu filho que ele pode procurar sua orientação.

O que é ainda pior do que sofrer bullying? Ser excluído.

Uma pesquisa com mais de 10 mil estudantes australianos

descobriu que a “exclusão social era fortemente associada ao

sofrimento psicológico e ao baixo bem-estar emocional dos


4
adolescentes”. Meus alunos sofrem isso o tempo todo.

Oliver Weisberg, um dos meus alunos da década de 1990,

era um menino ótimo, mas tinha dificuldade para ser aceito

como novato. Ele havia sido transferido de outro colégio e,

durante seu primeiro ano, escreveu uma reflexão sobre ser

um aluno novo e como se sentia excluído. O título era: “A

dor de não ser ninguém”. Ele escreveu sobre como era

difícil ser o menino novo na turma, como os outros faziam

questão de convidar alguém para a sua casa enquanto Oliver

ouvia tudo e não recebia o convite também. Ou como

descreviam seu fim de semana divertido com os amigos na

frente dele. Lembro disso muitos anos depois porque sua


redação foi escrita do fundo do coração, e não era

verdadeira apenas para Oliver, mas para todos os

adolescentes. Ser excluído é um dos piores sentimentos que

existem. É por isso que a excomunhão é o pior castigo na

maioria das religiões e o isolamento é a pior forma de

punição nas prisões. O abandono é um dos maiores medos

que as crianças enfrentam. A exclusão desencadeia isso.

Ver adolescentes isolados me faz pensar em como

precisamos profundamente de generosidade e comunidade.

Uma das minhas principais defesas contra a exclusão é fazer

exercícios que desenvolvam o senso de comunidade no

início do ano letivo. Quero que todos os alunos sejam

incluídos; é uma grande família. Outro exercício que

comecei a fazer anos atrás nas turmas de primeiro ano era

pedir que escrevessem em cartõezinhos os nomes de três

outros alunos que quisessem em seu grupo. Eu lia todos os

cartões e procurava os alunos cujos nomes não apareciam

em nenhum, e cuidava para que esses alunos fossem

colocados em um grupo e que todos se dessem bem.

Também vivia falando em aula sobre inclusão

independentemente de origem étnica, capacidade

intelectual ou aparência. Falava sobre como amizades

diversas são o que torna a vida interessante, fazia questão de

que soubessem que eles não queriam ser responsáveis por

tornar a vida de alguém infeliz ou, ainda pior, por alguém

tirar a própria vida. Na última primavera, recebi uma carta

de agradecimento de um aluno que dizia: “Você não é

apenas uma professora, se importa com os alunos como


pessoas”. É verdade. Eu me importo muito. Me importo

com o que comem, com sua saúde emocional, seus planos

para o futuro. Sou vista como uma amiga pelos meus

alunos. Sei que muitos professores não acham apropriado

serem vistos como amigos. As faculdades de educação ainda

recomendam que os professores mantenham distância,

ainda mais no mundo de hoje, em que os professores têm

medo de ser amigáveis demais.

Fico feliz que algumas escolas estejam repensando essa

filosofia. A generosidade é importante para o mundo, não

apenas para a nossa felicidade pessoal. É para a felicidade de

todos. É difícil ser feliz quando os outros estão sofrendo. O

que faço é simples: demonstro o máximo possível de

generosidade para os alunos e torço para que eles reflitam

isso para o mundo. Uma boa vantagem é que ela sempre

volta para mim. Dominic, o aluno que foi posto na minha

turma sem querer, mas fez mais do que merecer sua vaga, é

um grande lembrete disso. Sua mãe me manda flores todo

ano desde que ele se formou. Ela nunca se esqueceu de

como minha aula mudou seu filho. Muitos professores têm

histórias como essa. São essas as lembranças que nos fazem

continuar ensinando. Não há nada mais gratificante do que

ajudar um aluno a ter sucesso por meio da generosidade.

Você pode mudar uma vida para sempre.


9. Ensine seu filho a se
importar

Logo depois que Janet nasceu em 1970 e de nos

mudarmos para nossa casa nova no campus de Stanford, fui

à biblioteca de Palo Alto para pegar um livro. Me falaram

que as bibliotecas eram apenas para moradores de Palo Alto.

Stanford não faz parte de Palo Alto; é uma área não

incorporada do condado de Santa Clara. Me aconselharam a

usar a biblioteca do condado de Santa Clara, que ficava a

alguns quilômetros de distância. Fiquei em choque, porque

os alunos da região universitária de Stanford frequentavam

as escolas públicas de Palo Alto. Pensei: “Isso é muito

injusto com as crianças de Stanford. Elas têm acesso

desigual a serviços importantes”. Fiquei brava e minha

mente entrou em ação. O que eu poderia fazer para mudar

essa regra? Com duas crianças a tiracolo, fui a reuniões na

câmara municipal de Palo Alto e a reuniões no campus de

Stanford e defendi meu argumento. Acho que estar com as

meninas ajudou. Foi uma batalha fácil de vencer, porque

felizmente todos concordaram. Tive a impressão de que


estavam preocupados com o assunto mesmo antes de eu

aparecer, e percebi que algumas mudanças são mais fáceis

de fazer do que pensamos. Nesse caso, bastou que eu

notasse o problema e comunicasse os responsáveis. Hoje,

todos os alunos das escolas de Palo Alto,

independentemente de onde moram, têm acesso às

bibliotecas de Palo Alto, uma excelente fonte de

informações.

Quando as meninas eram um pouco mais velhas, me

propus a convencer Stanford a construir um parque na

região. Havia 160 famílias em nossa comunidade, chamada

Frenchman’s Hill. Precisávamos de um lugar para as

crianças se encontrarem e para as famílias se conhecerem. É

para isso que servem os parques, então por que não

tínhamos um? Acho que simplesmente esqueceram.

Comecei a agitar, escrevi cartas, marquei reuniões,

encontrei pessoas e fiz uma petição assinada por diversos

pais. O comitê habitacional de funcionários da universidade

e o comitê de desenvolvimento de terras e construções

finalmente concordaram com o parque — se eu o

projetasse. Como fiquei animada! Essa foi a parte divertida.

Lembro de folhear catálogos de equipamentos de

playground e projetar o melhor parque possível. O Esther

Wojcicki Playground foi um enorme sucesso. O brinquedo

de escalar era um lindo castelinho: as crianças entravam

engatinhando por um buraco embaixo e subiam dentro

dele, olhando para fora de janelinhas ao longo do caminho.

Instalamos balanços e cavalinhos de alta qualidade, e um


escorregador foi construído na encosta da montanha, uma

grande atração.

Em 1975, por causa de uma escassez de babás na nova

região universitária do campus de Stanford, abri uma

cooperativa de babás para resolver a falta de profissionais.

Tínhamos um secretário rotativo por mês, e bastava ligar,

agendar outro pai para cuidar de seus filhos e depois

retribuir o favor quando estivesse livre. A cooperativa de

babás criou uma sensação maravilhosa de comunidade, e

também tornou possível que muitos pais tivessem um

tempo para si. Tenho orgulho em dizer que durou mais de

uma década. Alguns anos depois, em 1980, supervisionei

uma enorme reforma da piscina de natação da Stanford

Campus Recreation Association. Organizei a troca de

encanamento e reboco da piscina, o remanejamento de

alguns brinquedos e a reforma do clube.

Eu vivia em busca do que poderia ser melhorado, à

procura de onde precisavam de uma mãozinha. Achava que

era meu dever contribuir e melhorar nossa comunidade.

Ainda penso dessa forma. Se todos ficarmos apenas falando,

ninguém faz nada. Sempre fui de colocar a mão na massa.

Tudo isso influenciou minhas filhas, não porque eu ficava

discursando sobre a importância de servir à comunidade ou

porque quisesse ser um modelo — mas apenas porque me

importava. Eu tentava mostrar a elas o que podia ser feito

através das minhas ações. Essa atitude é importante para se

levar uma vida boa, mas não imaginei na época o impacto

profundo que tinha no bem-estar das crianças, o que foi


confirmado por vários estudos interessantes. Adolescentes

que fazem trabalho voluntário com crianças sofrem menos

humores negativos e têm o risco cardiovascular reduzido,

segundo um estudo publicado no Journal of the American


1
Medical Association. Um estudo indiano de 2006 descobriu

que adolescentes que faziam trabalho voluntário tinham

uma probabilidade significativamente menor de praticar

atos ilegais e também menos condenações e prisões entre os


2
24 e 34 anos. As salas de aula que dão ênfase a habilidades

sociais e emocionais e ajudam as crianças a trabalhar na

comunidade fazem com que os alunos menos favorecidos


3
ultrapassem as médias estaduais em exames padronizados.

Sabemos que o oposto também acontece. A ausência de

relações e serviços à comunidade em geral pode afetar a

saúde física e mental. Pesquisadores argumentam que a

solidão é um risco à saúde pública maior do que a

obesidade. Um estudo descobriu que participantes com

relações mais fortes com outras pessoas tinham uma chance


4
50% maior de viver por mais tempo. Sentir que fazemos

parte de um grupo pode ser uma questão de vida ou de

morte.

Mas como os pais pensam isso em relação aos filhos?

Quantos de nós abraçam causas e mostram aos filhos, por

meio do próprio comportamento, como lutar por nossas

comunidades? Quantas crianças sentem que têm voz ativa

para enfrentar os grandes desafios da nossa era e encontrar

uma forma de contribuir? Estamos mesmo mostrando aos


nossos filhos como servir aos outros ou os estamos

ensinando a fugir para dentro de suas próprias vidas?

É triste dizer isto, mas noto cada vez mais jovens

completamente egocêntricos. Que universidade eles vão

frequentar, que viagem eles querem fazer, coisas que eles

querem comprar. Às vezes parece que estamos treinando

uma nação e um mundo de narcisistas, e não acho que seja

um exagero dizer que os pais-helicópteros sejam os grandes

responsáveis por isso. As crianças estão crescendo com a

ideia de que são o centro do universo. Ganham carona dos

pais, são postas em atividades competitivas que as ensinam

que o mais importante é ser o número um e são levadas a

crer que, se não forem perfeitas, se não tiverem sucesso o

tempo todo, são fracassos na vida. Não é de admirar que as

crianças estejam mais autocentradas (e ansiosas) do que

nunca.

Os jovens adultos estão não apenas sem garra e

independência, mas também completamente despreparados

para assumir causas que possam melhorar o mundo. Em vez

disso, se concentram no dinheiro, porque, na cabeça deles,

isso os tornará felizes e plenos. É a ideia americana: fique

rico, depois fique sem fazer nada. Relaxe na praia. Saia para

um jantar caro. Vá a Las Vegas. Mas esse tipo de atividade

transforma as pessoas em narcisistas viciados em

adrenalina. Parece haver bastante gente assim no Vale do

Silício, pessoas que se preocupam consigo mesmas antes de

qualquer outra pessoa. Não priorizam o bem da

comunidade, não lutam por causas sociais e não estão


buscando uma vida com sentido e propósito. Como

resultado, costumam acabar isoladas e deprimidas. Conheci

muitos milionários infelizes e até alguns bilionários

infelizes.

Muitos deles provavelmente começaram como jovens

desorientados. Conversando com meu amigo Ken Taylor, ex-

diretor de filosofia em Stanford, ele refletiu sobre como os

estudantes parecem confusos quando se trata de levar uma

vida boa. Taylor me disse que percebe as prioridades dos

jovens em suas escolhas de graduação. De acordo com ele,

37% de todos os formandos em Stanford, cerca de mil

estudantes, são bacharéis em ciência da computação. Por

quê? “Porque se você tiver um diploma de Stanford em

ciência da computação”, ele diz, “pode entrar para o Vale

aos 22 anos começando com 100 mil por ano, pensando que

esse salário é apenas o início, não é nada.” Para alguns

estudantes, essa é a escolha certa porque ciência da

computação é sua paixão verdadeira, mas Taylor me contou

que alguns alunos no curso precisam fazer a matéria

introdutória CS 107 três vezes para passar. Porque ciência da

computação não é sua paixão ou porque seus talentos e

habilidades combinam melhor com outra área. Taylor diz

que uma de suas principais funções como professor,

sobretudo quando dá aulas para calouros, é ser subversivo,

libertar os estudantes da influência dos pais, que muitas

vezes transmitiram a ideia de que uma vida bem vivida tem

a ver com “compras e status”.


Não é de admirar que os jovens estejam confusos. É

porque seus pais e professores também estão confusos. Todo

o mundo adulto precisa estar ciente disso. Por que você

acha que aqui nos Estados Unidos temos uma epidemia de

vício em opioides, depressão e suicídio? Parece que não

temos as informações certas sobre como viver bem, como

cuidar de nós mesmos e do outro. Parece que não

entendemos o porquê. Estamos atrás de dinheiro e posses.

Nenhum serviço, nenhum propósito. Se temos algum

propósito, é nos fazer felizes. Mas, se existe uma coisa que

sei, é o seguinte: você é mais feliz — e mais benéfico à

sociedade — quando está fazendo coisas para ajudar os

outros.

Bill Damon, diretor do Stanford Center on Adolescence e

autor de The Path to Purpose [O caminho para o propósito],

reflete muito sobre esse problema. Damon é especialista no

ensino das habilidades de vida mais importantes para os

jovens. Ele diz o seguinte sobre egocentrismo e propósito:

Especialmente nesses tempos de foco intenso em desempenho individual e

status, um risco real no desenvolvimento da juventude de hoje é o

egocentrismo. Tanto por sua saúde mental como pelo desenvolvimento de

seu caráter, todos os jovens precisam ouvir a mensagem “você não é o centro

do universo” de tempos em tempos. Encontrar um propósito que contribua

para o mundo além de si próprio é a melhor forma de escutar essa

mensagem.

Pensar além de si — esse é o segredo. Quantos dos nossos

filhos estão fazendo isso?

Quando visitei Damon em Stanford, ele me falou sobre

uma conversa formal que havia tido com o Dalai Lama em


Vancouver, na qual perguntara o que os pais podem fazer

para ajudar os filhos a encontrarem sentido na vida. O Dalai

Lama deu duas recomendações: 1) ensine ao seu filho a ideia

vívida de como uma vida sem propósito é vazia e pouco

gratificante. Se você não acredita em nada, não se apega a

nada, não desenvolve um propósito e não o segue. Não está

servindo aos outros. Embora o hedonismo seja prazeroso

por um tempo, ele enjoa rápido, e você fica amargurado; 2)

você também deve retratar vividamente a alegria de levar

uma vida com sentido. Seja através de histórias, teatro,

religião ou dando seu exemplo pessoal de comportamento,

devemos ensinar aos nossos filhos o que é ter um propósito.

E não é uma Mercedes e uma casa na praia. Propósito é

união, relações, contribuição e serviço. É isso que os nossos

filhos devem entender como uma vida bem vivida.

Mas a questão é o seguinte: isso vai além de suas

realizações pessoais. É muito mais profundo do que o

sentido que você encontra em ajudar e servir aos outros, e

de como você fica feliz. Quando falamos sobre servir à

comunidade, criar ativismo social e lutar por mudanças, o

que estamos falando na verdade é sobre melhorar nossa

cultura e sociedade em geral. Afinal, não é para isso que

temos filhos? Levar a cultura adiante? Tornar todas as

pessoas mais humanas, compassivas e unidas? E nos unir

para lidar com os problemas colossais que enfrentamos

enquanto espécie, assim como combater o aquecimento

global, difundir o acesso à água potável, ajudar refugiados e

confrontar doenças e guerras nucleares? Se não


trabalharmos juntos, vamos fraquejar. Podemos não

sobreviver. Isso é importantíssimo. São lições vitais para as

crianças. Você pode estar se perguntando se tudo isso é

responsabilidade dos pais. É claro que é. Tudo começa na

família. Depois, sua família se une a outra, à comunidade em

geral e, no fim, ao mundo todo. As crianças são

fundamentais para resolver os problemas que nos

aguardam, muitos dos quais nem podemos prever. Por isso

digo, pelo bem de todos, vamos preparar nossos filhos da

melhor maneira possível.

CRIAR UM SENSO DE ASSISTÊNCIA

Para mim, o comprometimento com o ativismo social foi

inevitável considerando o que vivi na infância. Depois da

morte do meu irmão, e depois de ver meu outro irmão, Lee,

sofrer de dislexia em uma época em que crianças disléxicas

eram classificadas como deficientes mentais, eu me sentia

na obrigação de proteger os mais fracos. Toda a minha

família era oprimida, sem informação e sem voz ativa. Não

sabíamos como nos defender, e queria que isso nunca

acontecesse com outras famílias. Também cresci à sombra

da longa história de perseguição da minha família. Meus

pais fugiram da Rússia e da Ucrânia, escapando por pouco

dos pogroms. Perdemos muitos parentes tanto do lado da

minha mãe como do lado do meu pai. Quando visitei

Auschwitz, descobri que dezenas de mulheres chamadas

Esther Hochman (meu nome de solteira) haviam morrido


no Holocausto. Por algum motivo, eu tinha sido poupada.

Mas sempre soube que podia ter sido uma daquelas

meninas que não saíram vivas.

E havia o ativismo da minha própria família. Meu pai foi

um dos primeiros membros do Sierra Club. Meu tio era

diretor da United Jewish Appeal no leste dos Estados

Unidos, e meus dois avôs eram rabinos e líderes de

comunidade. Meu primo, o rabino Benzion Laskin, foi o

primeiro rabino do movimento Lubavitch homenageado

recentemente por seu trabalho em Nova York com a

Chamah, uma organização judaica internacional sem fins

lucrativos que oferece programas educacionais e ajuda

humanitária. Um primo por parte de mãe possui um grupo

de clínicas populares em Portland, no Oregon; outro primo

por parte de mãe, Tad Taube, é um filantropo que doou

milhões de dólares a Stanford e à UC Berkeley, bem como ao

museu Polin em Varsóvia. Também tenho um parente que

foi embaixador da ONU da Argentina. Todos seguimos o

conceito judaico de tikkun olam, que significa “reparação do

mundo”. Estamos aqui para melhorar as coisas, de todas as

maneiras que pudermos. Para mim, isso significou estudar

jornalismo e ciências políticas durante o auge do

movimento pela liberdade de expressão de Berkeley.

Estudar estruturas políticas e escrever sobre a injustiça se

tornou minha maneira de fazer a diferença. Do lado de

Stan, seu pai, Franciszek Wojcicki, foi um dos fundadores

do Estado da Polônia moderno depois da guerra; sua mãe,

Janina, foi diretora da divisão eslava da Biblioteca do


Congresso, e o próprio Stan passou a vida tentando

entender como o universo foi criado e tentando encontrar

maneiras de explicar isso para todos nós.

A sua família deve ter histórias parecidas e um impulso

natural para ajudar. Você deve saber exatamente como eu

me sentia como uma estudante universitária convencida de

que podia mudar o mundo. Mas e se não souber? E se foi

ensinado a se concentrar no sucesso pessoal e não sabe ao

certo por onde começar? Bom, tenho uma boa notícia: não

é tão difícil. O que você mais precisa é a atitude certa — em

relação a você mesmo e aos seus filhos. Você pode começar

aos poucos. Seja voluntário por uma hora em sua

comunidade. Vá a uma reunião da câmara municipal.

Pesquise sobre um problema que afeta seu bairro. No

mínimo, você pode votar. Aproveite para ensinar ao seu

filho a importância de participar de uma democracia.

Quando estiver com a mentalidade de servir, verá

oportunidades por toda parte. Em cada lugar há algum

problema a ser resolvido, alguma pessoa ou grupo para

apoiar e defender. É realmente uma forma de estar no

mundo e, quando se trata dos nossos filhos, vale a pena

moldar essa perspectiva o quanto antes.

O quanto antes mesmo. Recentemente, assisti à

“formatura” da pré-escola da minha neta Ava. Em sua pré-

escola, cada ano recebe nomes de aves. Ava estava saindo

dos “pardais” para entrar nos “sabiás”. A cerimônia

começava com os pardais se parabenizando por um ano

fantástico juntos. Eram 25 crianças se revezando para falar


umas das outras, sem nenhuma interrupção dos

professores. Uma garotinha se aproximou da minha neta e

disse: “Te amo, Ava, e estou muito orgulhosa de você”. Mal

consegui acreditar! Depois, os sabiás deram as boas-vindas

oficiais a cada aluno novo. Era tudo muito positivo e

encorajador. No fim, Ava passou por um túnel simbólico de

sabiás, que a cumprimentavam e a aplaudiam. Os

professores atenciosos e dedicados, dois homens e duas

mulheres, tinham claramente uma ótima relação com as

crianças. E haviam criado uma forte sensação de

comunidade da qual cada criança sentia que fazia parte.

Imagine o alicerce que isso estava desenvolvendo, mesmo

nas mais novas. Todas as crianças em idade pré-escolar

devem ter uma experiência positiva como essa em que

possam entender que fazem parte de um grupo. Elas serão

apoiadas por seus colegas e, juntos, farão parte de um

objetivo maior: aprender e crescer. Você não adoraria ser

um pardal ou um sabiá? Eu sim. Talvez seu filho possa ser.

Estou trabalhando com um grupo incrível de

empreendedores solidários que estão abrindo pré-escolas

chamadas WeCare. O objetivo é ajudar os pais a encontrar

assistência pré-escolar, criando centros de cuidados

domiciliares licenciados. Isso fará com que se abram mais

pré-escolas de qualidade, tornando mais fácil para os pais

procurarem ajuda, proporcionando empregos àqueles que

precisam.

À medida que os filhos crescem, os pais devem incentivá-

los a ajudar suas comunidades. Basta olhar ao redor. Que


problemas precisam de solução? Como seus filhos podem

participar? Eles podem cuidar de idosos, colaborar em

mutirões de limpeza ambientais ou ajudar em um sopão,

como alguns dos meus netos fazem. Aqui vai uma grande

ideia: incentive seu filho a orientar um colega. A maioria

dos alunos se forma no ensino médio sem ninguém que os

apoie. As pessoas podem pensar que isso não é verdade, mas

pergunte a um grupo de adolescentes do seu bairro se eles

sentem que têm um mentor na escola, alguém que acredita

neles e está cuidando deles. Se sim, então são sortudos,

porque a maioria das crianças não tem. Todos — incluindo

as crianças — têm algo importante para oferecer a alguém.

Por si só, isso já pode mudar o mundo.

Para deixar claro, não estou falando em “serviço

comunitário” como uma forma de punição. Não gosto desse

termo e não gosto que seja visto como uma punição, porque

isso tem uma conotação muito negativa. A imposição do

serviço comunitário tem benefícios pequenos. Pode abrir os

olhos dos adolescentes para como as outras pessoas vivem,

mas eles também podem resistir porque sabem que estão

sendo punidos. Eles devem sentir prazer em ajudar os

outros e fazer disso uma atividade gratificante de praticar

com os amigos. Recomendo programar uma atividade por

semana para as crianças ajudarem os outros. Deixe que elas

escolham a causa e juntem forças com amigos e colegas da

escola. Queremos que elas entendam que contribuir é

divertido e importante.
Outra ressalva: não use o trabalho comunitário para

encher o currículo acadêmico de seu filho. Claro, pega bem,

mas os recrutadores sabem muito bem quando os

adolescentes fazem trabalho voluntário apenas pelo crédito.

Esse é um dos motivos pelos quais as universidades

americanas começaram a fazer entrevistas: é fácil sentir se

os jovens têm ou não paixão. Dá para ver se eles se

importam de verdade ou se só querem ser admitidos.

Quando propomos o trabalho voluntário como um

elemento para o currículo, isso passa a mensagem errada

para eles. Mostra que tudo é para o ganho pessoal, o que é

exatamente a ideia que devemos combater.

Se você olhar ao redor, poderá encontrar um espírito de

ativismo social em lugares inesperados. Veja o

acampamento de verão. Claro, seus filhos podem ir a um

acampamento de tênis para aperfeiçoar a técnica deles, mas

e se os acampamentos puderem inspirar valores

importantes de assistência e serviço? Um dos grupos mais

efetivos para ensinar ativismo social que vi nos últimos

anos é o Camp Tawonga, um acampamento localizado perto

do Yosemite National Park na Califórnia. Ele existe desde

1923… muito tempo, e por um bom motivo. Esse

acampamento é incrivelmente bem-sucedido porque sua

intenção é instigar nos jovens, primeiro, uma autoimagem

positiva. O Tawonga cria isso por meio de atividades como

artesanato, natação, trilha e futebol, além de

responsabilidades para com o grupo, como servir o jantar e

limpar depois. Na sequência, passam para lições mais


aprofundadas. Ensinam também as crianças a desenvolver

uma “parceria com a natureza”. Os campistas exploram a

linda região em passeios noturnos que ensinam a

importância de proteger o meio ambiente. Eles são

ensinados a se tornarem defensores da natureza e voltam às

suas comunidades com uma motivação e um respeito

renovados para cuidar de seus ambientes. Essa é a intenção

do acampamento. Não aperfeiçoar alguma habilidade para

benefício próprio, mas ampliar os horizontes e aprender o

significado de ser um cidadão engajado no mundo.

Aqui vai outra ideia para as famílias: planeje rituais de

festas de fim de ano para ajudar os outros. Tudo que sirva

para vocês não pensarem apenas em si mesmos. Convide

vizinhos para o jantar, dê presentes para crianças que não

tenham nada, doe tempo ou dinheiro a abrigos para sem-

teto ou apoie uma fundação que trabalhe com os mais

pobres. Se for acampar, convide as pessoas da barraca

vizinha para uma bebida ou divida seu churrasco. Meu

objetivo pessoal é fazer mais isso com a minha família nos

próximos anos. Todos contribuímos para organizações por

meio de nossas fundações e doamos regularmente roupas,

móveis e brinquedos para institutos de caridade da região,

mas há muito mais que podemos fazer. Ainda temos posses

demais, e há pessoas que precisam delas mais do que nós.

Nem todas as famílias estão nessa situação de ter demais,

mas, se a sua estiver, por que não tornar a doação parte

importante de suas festas de fim de ano? Cuidar do bem-

estar dos outros, em vez de ficar pensando no número de


presentes que você dá ou recebe, pode ser uma lição

formidável.

Todos os professores querem apoiar e fortalecer os outros

para tornar o mundo melhor, mas a maioria dos educadores

é forçada a seguir um currículo ultrapassado. Em vez de

fazer os alunos decorarem fatos, devemos, como uma

comunidade, defender um currículo que os ajude a

entender o “porquê” do que eles estão aprendendo e como

podem aplicar isso para fazer do mundo um lugar melhor.

Percebi desde cedo que era importante conversar com os

alunos diretamente sobre isso, contextualizar todas as suas

matérias do ensino médio. A Palo Alto High School faz isso,

e tenho muito orgulho em participar dessa escola; também

sei que centenas de outras escolas estão fazendo o mesmo.

Precisamos apoiar todas as escolas, todos os professores em

suas tentativas de oferecer um currículo que explique o

“porquê” e dê aos alunos uma oportunidade de criar um

projeto para o mundo real. O objetivo é servir os outros.

Sempre que posso falo sobre isso. E sou um exemplo vivo.

Tenho dinheiro suficiente para me aposentar, mas ainda

estou ensinando e dando aulas. Por quê? Porque as relações

e ajudar o próximo são o que importa para mim, e o que

deveria importar para todos nós. Não ser o número um, não

enriquecer, mas fazer a diferença. Não estou dizendo que os

alunos não devam ter o objetivo de levar uma vida

confortável. É claro que isso importa, mas, além de um

certo nível, as verdadeiras recompensas vêm do serviço, das


relações, de saber que você fez algo para melhorar a vida de

outra pessoa.

Anos atrás, comecei a fazer um discurso chamado “O

poder de um”, porque muitos dos meus alunos pareciam

derrotados antes mesmo de começarem. Eles achavam que

uma única pessoa não teria como fazer a diferença, então

por que tentar? Eu falava o exato oposto, que todos podem

fazer a diferença. Um dos exemplos mais fortes que eu

poderia oferecer era a história de Varian Fry.

Nos anos 1990, o sobrevivente do Holocausto Walter

Meyerhof, um professor de física em Stanford, me pediu

para ajudá-lo a promover um livro e a criar um filme a fim

de divulgar a incrível história de Fry. Quando a Segunda

Guerra Mundial começou, Fry, recém-formado em filosofia

por Harvard, soube que centenas de judeus estavam

escondidos no sul da França, e que o governo francês se

recusava a emitir vistos de saída para eles. Parecia uma

batalha impossível, mas Fry viajou para Marselha em 1940

com o plano de driblar o governo de Vichy e falsificar vistos

para cem judeus. Quando o plano deu certo, ele continuou

fazendo isso. Acabou permanecendo por dois anos e

resgatou entre 2 mil e 4 mil pessoas, entre as quais Walter

Meyerhof e seu pai famoso, Otto Meyerhof, que tinha

ganhado o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1922.

Outros resgatados por Fry incluem Hannah Arendt, Marc

Chagall, André Breton e Marcel Duchamp. Ele era um

homem completamente dedicado à sua causa. Em um dia

era um estudante de pós-graduação, no outro um salvador


solitário. O que ele conquistou foi simplesmente milagroso,

e mais estudantes precisavam conhecer a história dele.

Ajudei a criar um guia de estudo e viajei com Walter

pelos Estados Unidos, discursando em conferências sobre

Fry e Assignment: Rescue [Missão: Resgate], o livro que ele

publicou em 1968. Ajudamos a produzir um filme com o

mesmo título, narrado por Meryl Streep. Fui diretora de

educação da Varian Fry Foundation durante dez anos e

supervisionei a distribuição do filme para mais de 50 mil

alunos. Nem sei dizer o quanto essa história incrível

influenciou os alunos da Palo Alto High School e todo o

país. A cada ano, meus alunos levavam essa mensagem

muito a sério. Saíam com a convicção de que não

precisavam esperar por alguém que lhes desse permissão.

Eles podiam agir agora.

Todo jovem precisa ter paixão, assim como Varian Fry

tinha. Famílias e escolas podem fazer um trabalho muito

melhor ajudando os jovens a encontrar algo em que

acreditar, alguma coisa pela qual lutar. Meu colega Marc

Prensky escreveu o livro Education to Better Their World

[Educação para melhorar o mundo deles], no qual defende

permitir que os estudantes identifiquem “problemas que os

próprios jovens vejam em seu mundo, tanto local como

globalmente. A escola passa a ser assim o lugar de encontrar

e botar em prática soluções para esses problemas do mundo

real em sentidos que apliquem integralmente os pontos

fortes e as paixões de cada jovem”. É muito importante

trazer os problemas do mundo para a sala de aula e para


dentro de casa. Como Prensky defende, “O resultado

positivo a curto prazo é um mundo imediatamente melhor.

Mas a longo prazo o resultado é muito mais forte: criamos

uma população de cidadãos adultos que foram capacitados,

por sua formação, a criar soluções de verdade para os

problemas do mundo real”. É esse caminho que o ensino

deve seguir. Os jovens são muito capazes. Por que não

deixar que enfrentem os problemas maiores e mais

complexos?

Kiran Sethi, fundadora e diretora da Riverside School em

Ahmedabad, na Índia, promoveu a maior reunião de jovens

do mundo no Vaticano em novembro de 2019. Centenas de

alunos do segundo ciclo do ensino fundamental de mais de

cem países foram hospedados pelo papa para buscar

soluções para os Dezessete Objetivos de Desenvolvimento

Sustentável da ONU:

Erradicação da pobreza

Fome zero

Saúde e bem-estar

Educação de qualidade

Igualdade de gênero

Água limpa e saneamento

Energia limpa e acessível

Trabalho decente e crescimento econômico

Indústria, inovação e infraestrutura


Redução da desigualdade

Cidades e comunidades sustentáveis

Consumo e produção responsáveis

Ação contra a mudança climática

Vida na água

Vida terrestre

Paz, justiça e instituições eficazes

Parcerias para atingir as metas

O objetivo é atingir esses objetivos até 2030, e Sethi

acredita que os jovens são uma parte importante da solução.

Eu concordo. Esses problemas deveriam fazer parte de todos

os currículos, de todas as conversas à mesa de jantar. Como

os pré-adolescentes vão resolver a pobreza e a fome

mundial? Não faço ideia, mas mal posso esperar para

descobrir.

Quando seus filhos entrarem no mercado de trabalho,

ajude-os a ver o trabalho como algo interligado ao bem

maior em algum aspecto, não apenas a margens de lucro,

não apenas aos seus próprios bolsos. Lembre-os de que

algumas das melhores ideias de negócios vêm do desejo de

resolver os problemas do mundo. Como Peter Diamandis,

da X Prize e da Singularity University, afirma, “Os maiores

problemas do mundo são as maiores oportunidades de

negócios do mundo […]. Quer ser um bilionário? Encontre


um problema para 1 bilhão de pessoas que você possa

resolver”. Fantástico esse conselho.

Ter os exemplos profissionais certos faz uma diferença

enorme. Marc Benioff, fundador, presidente e CEO da

Salesforce, é outro líder progressista de como as empresas

podem ser uma força para o bem maior. Ele é famoso por

seu modelo “1-1-1” de filantropia, que requer que as

empresas doem 1% do lucro, 1% do produto e 1% das horas

dos funcionários para a comunidade ao redor. Benioff falou

sobre uma mudança geral nas empresas em relação à ideia

de serviço:

Quando estudei na USC, tudo girava em torno de maximizar o valor para os

acionistas. Mas estamos entrando em um mundo onde todos são acionistas.

Não são apenas os acionistas em si. Seus funcionários são acionistas, assim

como seus clientes, seus parceiros, as comunidades em que você habita, os

sem-teto da região, as escolas públicas. Uma empresa como a nossa não pode

ser bem-sucedida em uma economia malsucedida ou em um meio ambiente

devastado ou onde o sistema escolar não funcione. Devemos ser responsáveis

por todas essas coisas.

Ele acredita firmemente que sua empresa tem uma

responsabilidade para com a comunidade e é capaz de

contribuir de maneiras significativas. “A Salesforce é a

maior empresa de tecnologia em San Francisco”, ele afirma.

“Podemos desencadear uma potência nesta cidade. Todas

essas pessoas podem ir às escolas públicas e ser voluntárias,

e podem trabalhar para tornar a cidade melhor. Elas podem

melhorar a condição da cidade, melhorar a condição do

mundo. Tudo que preciso fazer é permitir que façam isso.”

Queremos que nossos filhos sejam líderes como Benioff,


líderes que tenham uma visão sobre como suas empresas

levam a cultura adiante e tornam a vida de todos melhor.

Você pode achar que essa ideia vai contra a mentalidade

corporativa, mas vejo cada vez mais CEOs avançando nesse

sentido, e espero que um dia todos os jovens façam parte

desse esforço.

SERVIÇO EM AÇÃO

Quando os jovens têm uma consciência do mundo ao seu

redor e um interesse em servir, tudo é possível. Eles

encontram e defendem suas próprias causas. Já vi isso

milhares de vezes, e é sempre incrível. A grande vantagem

de ensinar jornalismo para adolescentes é que isso lhes dá

uma voz e um público, e eles se sentem capacitados para

participar de uma democracia e do mundo. Digo a eles que

as notícias são um alerta sofisticado, uma maneira de

informar as pessoas para que elas possam ter vidas

melhores. Meus alunos não são apenas consumidores: em

minha sala de aula eles se tornam participantes com o dever

de servir. Carregam o fardo de descobrir a verdade e de

proteger os mais fracos e, como aprendi ao longo de

décadas, levam essa responsabilidade muito a sério.

Veja o exemplo de Claire Liu, uma aluna recente minha

que diz ter recebido

o espaço e a capacidade para questionar as estruturas e normas tão

profundamente arraigadas no ambiente à minha volta, de olhar com mais

atenção para coisas como as divisões de classe e as tensões raciais em minha

escola, de contestar ideias como o código de vestuário, de explorar a


desigualdade econômica e a crise habitacional da área da baía de San

Francisco.

Depois de trabalhar como voluntária em um centro para

sem-teto perto da Palo Alto High School, Liu passou a se

interessar por comunidades desfavorecidas. Ela havia

descoberto um “paradoxo interessante entre a comunidade

local e o Vale do Silício. Foi um grito de alerta sobre os

problemas que existiam em uma comunidade que sempre

pareceu confortável e perfeita”.

Em um artigo de destaque para nosso jornal, Liu escreveu

sobre o Buena Vista Mobile Home Park e como residentes

antigos, muitos dos quais eram membros de minorias e da

classe trabalhadora, estavam sendo realocados para que o

terreno fosse usado na construção de condomínios de luxo

para jovens funcionários de tecnologia. Ela entrevistou

muitos moradores do Buena Vista para colher a história

deles, levando um amigo que falava espanhol como seu

intérprete. Essas pessoas contaram que tiveram de se mudar

para longe de seus trabalhos atuais porque não tinham

dinheiro para morar em nenhum lugar da região. Crianças

precisaram trocar de escola e se afastar dos amigos. Um

morador considerava voltar a morar em sua caminhonete.

Liu também entrevistou um ativista local que falou de

muitos problemas de habitação acessível no Vale do Silício.

Liu se preocupou fortemente com essa causa e continuou

em busca de respostas, tudo que pudesse ajudar. Seu artigo

termina com uma questão sobre o paradoxo do Vale do

Silício. Há tanta inovação e tolerância em nossa


comunidade, mas nada disso está sendo usado para

encontrar soluções para as pessoas que mais sofrem. Liu

está se formando agora em tecnologia persuasiva e

influência política na Universidade Cornell, onde continua

a investigar, questionar e procurar justiça. Mal posso esperar

para ver como ela vai contribuir para o mundo.

Ben Hewlett, outro ex-aluno meu, fez manchetes em 1996

sobre uma descoberta sem precedentes em relação à

diretoria. Tudo começou quando Ben precisava de ideia para

uma matéria. Eu tinha pegado minha correspondência na

secretaria e estava descendo o corredor quando Ben

perguntou: “Woj, o que eu escrevo para esta edição?”.

Entreguei as atas de uma reunião recente da diretoria e

sugeri que poderia conter alguma coisa.

No dia seguinte, Ben contou que a diretoria havia feito

uma reunião a portas fechadas durante algumas horas antes

de abri-las às 22h30 e ter levado apenas três minutos para

aprovar várias resoluções dando aumentos para o setor

administrativo. “Não é estranho?”, ele questionou. “Como

eles poderiam aprovar três resoluções importantes em

poucos minutos se não as tivessem discutido antes em

segredo?”

Concordei que sim. O superintendente associado tinha

sido promovido a vice-superintendente e recebido um

aumento de 9 mil dólares ao ano quando o orçamento

estava tão apertado que até os diretores estavam dando

aulas. “Vice-superintendente” era um cargo novo sobre o


qual ninguém nunca tinha ouvido falar. Tudo muito

suspeito.

Ben era tímido e não sabia se deveria “investigar os

hábitos financeiros dos adultos mais poderosos do distrito”.

Mas achei que sim, que ele deveria contar essa história.

Como Ben recorda: “Sem hesitar, Woj disse que sim, que era

uma boa ideia — eles eram servidores públicos e, se tinham

feito algo errado, precisavam prestar contas”.

Esse é exatamente o tipo de injustiça que dediquei minha

vida a expor, e eu sabia que seria uma experiência

transformadora para todos no jornal. Fiquei bem

empolgada. James Franco era meu aluno no mesmo ano, e

ele se lembra vividamente da minha empolgação: “Você

tinha que ver o brilho alegre e travesso nos olhos de Woj

quando ela insistiu que Ben e a equipe estudantil fizessem a

matéria […]. A matéria de Ben Hewlett não seria lida por um

professor e depois jogada em uma gaveta, era uma história

que envolvia o mundo de fora”.

Foi maravilhoso ver Ben deixar a timidez de lado. “Tive o

luxo de absorver até a última gota da euforia, apreensão e

indignação que vinham de expor o que descobri como

violações da confiança pública”, ele diz. “Conduzi

entrevistas, analisei fotocópias de documentos e trabalhei

noites em claro em sessões de edição com os outros alunos.

E, em todo esse processo, Woj estava lá, nunca longe demais

para eu não ter como pedir sua ajuda, mas nunca perto

demais para que eu me sentisse obrigado a isso.” Nem tudo

foi fácil. Ben e seus colegas participavam de reuniões da


diretoria e, em algum momento, um membro da diretoria

disse: “Por que estão vindo a essas reuniões chatas? Não

deveriam estar fazendo lição de casa ou saindo com seus

amigos?”. A bronca apenas encorajou Ben.

Junto com seus colegas, Ben descobriu que todos os

administradores tinham cartões de crédito mal gerenciados.

Inclusive, alguns administradores tinham cobranças em

lojas de departamento — para fins educacionais?

Improvável. Os alunos investigaram mais e redigiram um

artigo explosivo sobre o excesso de gastos e a incompetência

administrativa no nível distrital. O artigo foi publicado no

fim de maio de 1996 e causou um alvoroço. Todos —

alunos, pais, professores — voltaram um olhar atento para o

conselho escolar. Em junho, o superintendente pediu

demissão. Em agosto, o gerente administrativo pediu

demissão. O aumento de 9 mil dólares foi revertido e os

cartões de crédito administrativos foram cancelados e

nunca refeitos.

“É uma boa sensação ter um impacto na comunidade em

que estamos”, diz Hewlett. “Sou bastante reservado, por isso

não gostei muito da atenção pessoal, mas foi bom ter meu

trabalho reconhecido e ter [o Campanile] reconhecido

também.” Como professora, fiquei muito orgulhosa de Ben

Hewlett e de todos os alunos que trabalharam com ele e

realizaram a pesquisa. Eles fizeram uma contribuição

importante e mostraram a todos nós que os adolescentes

são muito mais capazes do que imaginamos, que podem

expor injustiças e lutar por causas que afetam a todos. A


partir de então, a comunidade leu o Campanile com um

respeito renovado.

Estudantes como Claire e Ben vão ao mundo e deixam sua

marca. Mas sempre serão filhos de alguém. Não se esqueça

de que você é um exemplo até o fim da vida. Como você

vive e o que faz importa, mesmo depois de se aposentar.

Este é meu problema com a aposentadoria: a maioria de nós

está se aposentando de uma vida com significado, se

afastando de um propósito e das comunidades. Para os

norte-americanos, a aposentadoria em geral é o momento

de fazer o que você tiver vontade. Pode acordar tarde, comer

o que quiser (e mais do que deveria) e ficar sentado na

varanda durante horas. Muitas pessoas fazem exatamente

isso. Viajam um pouco, assistem muita televisão. Com o

tempo, isso se torna entediante e frustrante, e os

aposentados ficam isolados e deprimidos. Nada

surpreendente.

Minha sugestão é não se aposentar nunca. Em vez disso,

que tal uma miniaposentadoria para se reprogramar como

voluntário ou mentor? Concentre-se em retribuir e se

envolver. Você sempre precisa de algum propósito e alguma

forma de contribuir, e essa é uma lição importante para os

seus filhos adultos. Para os idosos do Reino Unido, um

desses propósitos veio na forma de galinhas. Isso mesmo,

galinhas. Um projeto chamado HenPower descobriu que

cuidar de galinhas — um ato simples — resultava em

menos depressão e solidão e maior bem-estar geral entre os

idosos. Faz sentido para mim, porque é disso que todos


precisamos: controle pessoal, uma sensação de propósito,

algo com que se importar. Não é isso que queremos ensinar

aos nossos filhos adultos, que em muitos casos têm seus

próprios filhos?

Educação não é apenas sobre as crianças, mas sim sobre

os adultos que elas se tornam. Os cidadãos que elas se

tornam. As mudanças pelas quais elas lutam e as ideias com

que contribuem. É por isso que devemos começar a inspirar

os valores da CRIAR desde cedo e reaprendê-los ao longo da

vida, sempre que necessário. Esses valores simples vão

pavimentar o caminho para o sucesso, criando resultados

profundos. As crianças pequenas precisam de alguém que

acredite nelas e de respeito por quem elas são. Sem isso,

não têm como desenvolver a independência que será vital

para o seu sucesso como adultos em um mundo

imprevisível, em constante transformação. Ao longo do

ensino formal, todos os alunos precisam desses mesmos

valores. Atualmente, a maioria das escolas que tratam as

crianças com respeito é particular. Essas crianças não estão

mais em uma prisão — e sim em um ambiente de ensino.

Mas e as outras crianças? Elas não têm essa sorte. Não

deveríamos precisar pagar pelo respeito. Podemos fazer

melhor que isso. Os alunos precisam dominar a CRIAR em

casa, e seu professores precisam empregá-la na escola. Todos

precisamos empregá-la no ambiente de trabalho. Não estou

dizendo que todas as escolas devem adotar a CRIAR — o que

estou dizendo é que todas as escolas deveriam ter princípios

como os da CRIAR. Ainda é necessário um currículo típico


para ensinar o básico, mas, dentro dele, os alunos precisam

de uma oportunidade para se sentirem respeitados e

capacitados, para trabalharem em projetos que importem

para eles, para aprenderem sobre os problemas em suas

comunidades e no mundo. Quando tiverem um gostinho

disso, não vão parar de lutar e de batalhar. Vão ganhar

confiança e se comprometer com projetos importantes.

Consigo ver algumas empresas mudando e adotando esses

valores, e sei que outras vão seguir o exemplo. O Google foi

uma das primeiras corporações a tratar os funcionários

como pessoas de verdade que precisavam ser cuidadas. Os

consumidores esperam ser mais bem tratados pelas

empresas agora. Veja a política de devolução da Amazon,

por exemplo — tão fácil, um grande respeito pelo

consumidor. A Zappos ganhou uma fatia do mercado da

mesma forma: criando confiança entre seus consumidores e

cumprindo suas promessas. Espero que todas as empresas

prestem atenção nisso. Esse é o futuro.

Enfrentamos muitos problemas hoje — problemas que

exigem soluções radicais —, e outros mais nos aguardam.

Devemos parar de pensar que aquilo que afeta outro país

não vai nos afetar. Esse é um grande erro. Não podemos

ignorar uma política desumana ou uma guerra distante

como se fosse um evento meteorológico que não vai nos

atingir. Estamos todos interligados, e os maiores desafios

que enfrentamos vai afetar todo o mundo. A mudança

climática é a mais urgente. Veja todas as secas e todos os

incêndios. Aumentam a cada ano. Uma das muitas pressões


sobre a Síria há mais de uma década foi uma grande seca

que obrigou milhões de pessoas a fugir de suas casas em

busca de comida e água. E, embora a Síria possa parecer

distante, o que aconteceu lá também acontece aqui. E os

refugiados, as doenças e a poluição da água e do ar? Não

podemos deixar que milhões de pessoas apátridas vaguem

pelo mundo; isso torna a vida de todos miserável.

Não podemos escapar desses problemas e não podemos

resolvê-los sozinhos. Precisamos planejar juntos e com

inteligência, pensar em formas de trabalhar com o planeta

em busca de soluções colaborativas. Devemos nos unir. Esse

é um apelo para todos usarmos a CRIAR em todas as nossas

interações — todas as nossas interações. Se nossos políticos

não adotarem esses valores, nossas comunidades precisarão

se organizar e se fazer ouvir; devemos dar o exemplo de

como usar esses valores. Queremos avançar, não regredir.

Precisamos resistir e lutar pelo que é certo, não recorrer à

violência.

Porque, no fim, esse é o sentido de uma vida plena: se

aprimorar, aprimorar os outros, melhorar nossas

comunidades e o planeta. A educação pode começar

pequena, mas apresenta implicações profundas. Todos

temos o mesmo futuro, e a forma como tratamos nossos

filhos é a forma como eles vão tratar o mundo.


Conclusão

Era uma noite de inverno em Nova York quando

encontrei Stacey Bendet Eisner, estilista famosa e fundadora

da linha de roupas Alice + Olivia. Planejávamos falar sobre

sua vida e seu trabalho e como era treinar funcionários da

geração millennial. Estou sempre curiosa sobre como os

jovens trabalhadores estão se saindo, como sua educação em

casa e na escola os está preparando — ou não — para

enfrentar a vida adulta.

Stacey entrou no restaurante toda glamorosa com seu

sobretudo verde-azulado. Junto dela estava sua filha de sete

anos, Scarlet, que usava roupas infantis muito elegantes.

“Bom”, pensei comigo mesma, “vai ser um tipo bem

diferente de reunião.” Imaginei que teríamos de dar muita

atenção a Scarlet.

Nós nos sentamos, e Scarlet pegou seu caderno e sua

caneta e começou a desenhar com um sorriso no rosto.

Fiquei imediatamente impressionada. Stacey falou então

sobre a nova geração de funcionários, e como a maioria não

tinha garra e independência. “É difícil encontrar gente com


ideias criativas”, ela disse. “O maior medo deles é cometer

um erro. E é difícil ser criativo quando se tem medo.” Nós

duas concordamos que quase sempre o problema é a

educação — meu assunto favorito. Conversamos sobre

confiar nas crianças e lhes dar mais independência e

responsabilidade, e ao menos certo grau de controle sobre

suas vidas — como essas habilidades são importantes para

que tenham sucesso na escola e na vida. Contei da vez em

que deixei minhas netas fazerem compras sozinhas na

Target e como minha filha tinha ficado brava. Stacey adorou

a ideia, mas admitiu que parecia cada vez mais difícil dar

liberdades ainda que pequenas às crianças. Nosso encontro

naquela tarde durou cerca de uma hora e meia e, durante

todo esse período, a pequena Scarlet não disse uma palavra.

No fim, ela tinha um portfólio de lindos desenhos. Eram

ilustrações coloridas de labirintos e imagens do que

pareciam sorvetes. Fiquei impressionada com sua

capacidade de concentração e disse isso a ela.

Recentemente, falei com Stacey mais uma vez. Ela me

contou como havia gostado dos meus conselhos, porém,

mais importante, como Scarlet havia adorado meus

conselhos. Pensei que Scarlet não estava prestando atenção,

mas pelo jeito estava sim. Descobri que tinha ouvido todas

as palavras que eu disse. Todinhas. Agora, sempre que ela e

as duas irmãs querem fazer alguma coisa sozinhas, elas

falam: “Esther diria que não tem problema”. Mesmo em

plena cidade de Nova York, elas atravessam a rua sozinhas

para comprar sorvete em um restaurante perto da casa


delas. Elas ganharam muita independência em poucos

meses, e Stacey as viu se tornarem mais autônomas, mais

confiantes, mais capazes.

Essa família é um ótimo exemplo de como pequenas

mudanças podem gerar grandes resultados. Fico feliz que

nossa conversa tenha causado tanto impacto e, para ser

sincera, não me surpreendo. Nunca conheci uma criança

que não gostasse do que digo, que não quisesse mais

respeito e liberdade, que não seguisse meu método

imediatamente. É natural: funciona com as crianças, não

contra elas. Toda criança quer ser reconhecida e respeitada.

Quer ajudar os outros e causar um impacto. Elas são

naturalmente otimistas e idealistas — as qualidades mais

maravilhosas nas crianças. Então por que não encorajar o

melhor delas? Por que não incentivar que se tornem

independentes e solidárias? Isso vai melhorar a vida delas

na infância e na fase adulta, bem como as vidas de todos ao

redor delas. Qualquer passo rumo aos valores da CRIAR é um

passo na direção certa. E você pode começar a qualquer

momento. Nunca é tarde para dizer ao seu filho: “Eu

acredito em você”. Nunca é tarde para dar um passo para

trás e deixar que o mundo ensine suas próprias lições.

Sei disso porque vivi isso e vi funcionar toda vez.

Enquanto escrevo esta conclusão, outro ano letivo está

começando. Este é o 36o ano em que vejo um novo grupo

de alunos entrar nas minhas aulas de jornalismo. Como

muitos outros estudantes do ensino médio, eles se

preocupam se vão conseguir dar conta da matéria, que


notas vão tirar e se vão fazer amigos. Ouviram falar do

programa de artes e mídia e todas as suas propostas, e que

os professores do curso são diferentes — somos em seis

agora —, mas ainda não sabem o que esperar. Até o

primeiro dia, quando virem que o curso de jornalismo

avançado é dado pelos seus colegas. Isso os pega de

surpresa.

Eu e os outros professores fazemos muitos discursos ao

longo do ano, mas, na primeira vez em que falamos com os

alunos, dizemos que esse curso é diferente, que o objetivo

do nosso tempo juntos é lhes dar voz ativa e a oportunidade

de aprender as habilidades mais importantes para a vida:

CRIAR. São apenas palavras no começo, e os alunos já

ouviram palavras demais quando chegam ao ensino médio.

A diferença é que eles de fato percebem isso acontecendo e

percebem que estão no comando. Assim como a pequena

Scarlet de sete anos, ficam entusiasmados com a autonomia,

entusiasmados por terem o controle e a capacidade de

escolher seus próprios projetos.

Ao longo dos dois anos seguintes, eu e meus colegas

observamos sua transformação de alunos tímidos do

segundo ano em jovens adultos com voz ativa e poder de

decisão. Depois de aprovados em fundamentos do

jornalismo, eles podem escolher para qual publicação

querem escrever. Atualmente são mais de dez publicações, e

outras ainda estão por vir. Meu colega Paul Kandell

começou uma matéria nova de empreendedorismo

jornalístico no outono de 2018, na qual os estudantes


podiam pensar em suas próprias ideias de publicações e,

assim como numa incubadora de start-ups, apresentar um

pedido de financiamento. Qualquer que seja a publicação

que escolherem, eles vão escrever artigos que influenciam a

comunidade. O jornal Campanile tem a tradição de ser uma

voz importante em Palo Alto, e uma das maiores lições para

os alunos é como fazer suas vozes serem ouvidas. O mesmo

se aplica às outras publicações estudantis de Palo Alto: Verde,

C Magazine, Voice, InFocus, Agora e Proof. Eles vão se tornar

escritores e pensadores que influenciam seu mundo.

Ao longo de todo esse processo, os estudantes formam

uma comunidade que se mantém depois que eles se

formam no ensino médio, uma comunidade em que podem

se apoiar. Como um dos meus ex-editores afirmou, “É uma

grande família”. Sempre damos uma festa na última semana

de produção do ano. É uma despedida dos alunos do último

ano e uma celebração do excelente trabalho que todos

realizaram juntos. Desejamos o melhor para eles e pedimos

que mantenham contato. A maioria mantém.

Meu programa funciona na Palo Alto High School e pode

funcionar em todas as escolas e casas do mundo. Veja o

Centro de Capacitación Integral (CCAI) em Monterrey, no

México, financiado pela Vicente Ferrara Foundation e

dirigida por Marco Ferrara (bisneto de Vicente). Conheci

Marco cinco anos atrás quando dei uma palestra em Puebla,

no México, na conferência Ciudad de las Ideas. Ele adorou o

que falei sobre capacitar os estudantes e me pediu para ser

mentora e conselheira da sua escola. Aceitei com o maior


prazer. A escola foi construída no lugar de um antigo aterro

chamado San Bernabe, e os alunos são adultos que, por

algum motivo, não tiveram educação formal e carecem de

habilidades profissionais. O foco é o aprendizado no mundo

real com base na CRIAR e na filosofia Moonshot descrita em

meu primeiro livro. Mais de meio milhão de pessoas estão

vivendo em extrema pobreza perto da área de Monterrey, e

o objetivo é ajudar essas pessoas a sair da pobreza e, mais

adiante, melhorar o país. Nos onze anos desde o início do

programa, eles formaram 14 mil pessoas e vão formar mais

de 10 mil em 2019. Ao fim do programa, todos os alunos

recebem uma oferta de emprego, que pode durar de seis

meses a três anos. Mas não é apenas um emprego; é um

estilo de vida. Eles se focam na pessoa como um todo:

autoestima, nutrição, ética, finanças, esportes e outros.

Entendem que respeito próprio, autoconfiança e

generosidade são as habilidades mais importantes da vida.

Seu lema é “Dê um peixe a um homem e o alimente por

um dia. Ensine-o a pescar e o alimente por toda a vida”. O

CCAI está educando pessoas de sucesso de todas as idades e

lutando para fazer a diferença apesar das dificuldades. O

mundo precisa de mais objetivos como esse.

Temos também minha ex-aluna Kristin Ostby de Barillas,

presidente e CEO da Boys Hope Girls Hope na Guatemala.

Kristin trabalha com crianças que sofreram algumas das

piores experiências imagináveis. Mas elas também podem

prosperar se tiverem um ambiente estimulante que enfatize

a CRIAR. Como Kristin afirma:


Os jovens que crescem na pobreza adquirem garra e resiliência à força. Se

conseguirem encontrar uma comunidade de pessoas que se importe com

eles, que os ajude a aprender ao longo da vida e a desenvolver habilidades

fundamentais para a vida, eles se tornam os líderes motivados, persistentes,

criativos e capazes de trabalhar em equipe de que a nossa sociedade precisa

hoje. Eles têm a personalidade que os jovens crescendo com privilégio

precisam desenvolver.

A organização tem programas educacionais e residenciais

na Cidade da Guatemala, e está fazendo a diferença, uma

criança por vez.

Nos Estados Unidos agora temos mais de 4300 Boys &

Girls Clubs ajudando crianças e adolescentes na pobreza.

Mesmo aqui em Palo Alto temos famílias morando em

trailers em El Camino, sem conseguir pagar por habitação

em nenhum lugar da cidade. Em todas as cidades dos

Estados Unidos, ricas ou pobres, há oportunidades para

ajudar os outros. Alex Rodriguez foi ajudado pelos Boys &

Girls Clubs e agora contribui ao Boys & Girls Club de

Miami. Todos podemos encontrar uma maneira de ajudar.

Todos precisamos apoiar as crianças nas nossas

comunidades, escolas, organizações como os Boys & Girls

Clubs, programas como CCAI no México e na nossa vida. A

CRIAR funciona para todas as idades, todos os estágios da

vida. Todos precisam ser dignos de confiança e respeitados

por quem são. Todos precisam ter liberdade e ser ensinados

a trabalhar com os outros. Todos precisam receber

generosidade para que possam espelhar isso para o mundo.

Afinal, esse é o verdadeiro sentido de educar pessoas de

sucesso: criar a próxima geração, ensinando as habilidades


necessárias para tornar a vida de todos melhor. E é isso que

Steve Jobs queria para sua filha Lisa quando a tirou da

escola particular e a colocou no meu programa no início

dos anos 1990. Como ele ficou famoso por dizer: “As pessoas

que são loucas o bastante para achar que podem mudar o

mundo são as que de fato o mudam”. Talvez ele me visse

como “louca o bastante” e, nesse sentido, minhas filhas

também. Bom, eu me sinto “louca o bastante”, mas preciso

de muitos outros loucos para se juntarem a mim e usarem a

CRIAR para dar às nossas crianças o poder de mudar o

mundo. A CRIAR só parece maluca em um sistema falho que

destrói a criatividade, a ambição e os sonhos dos estudantes.

Os pais sempre querem o melhor para os seus filhos, mas

muitas vezes o que é visto como uma educação “amorosa”

ou “acolhedora” na verdade sufoca a capacidade inata das

crianças de crescer e aprender. Nós somos os loucos que

vão mudar o mundo por confiar e respeitar nossos filhos de

verdade para que desenvolvam independência, colaboração

e generosidade. É disso que o futuro precisa deles. É disso

que o futuro precisa de todos nós.

Este livro é parte de um movimento amplo para mudar a

cultura educacional e ajudar a apoiar os primeiros

educadores: os pais. Os pais e professores vivem me

perguntando como podem ajudar os filhos a terem sucesso.

Bom, a resposta é: redescobrindo e ensinando os valores

fundamentais em todos nós e, diga-se de passagem, em

todas as religiões — CRIAR com amor. Essa é a essência de

cada religião — incluindo judaísmo, cristianismo e


islamismo — ao longo de toda a história. Lembremos disso.

Espero que você compartilhe este livro com outros pais,

educadores, avós, terapeutas, treinadores, cuidadores —

todos os responsáveis pelas mentes e pelos corações dos

jovens.

O sucesso começa com os nossos filhos e conosco. Se

todos acreditarmos que somos “loucos o bastante” para

mudar o mundo juntos, nós vamos conseguir.


Agradecimentos

Este livro surgiu por acidente. Eu não planejava escrever

um livro até ter tantas pessoas me perguntando como criei

minhas filhas. Queriam saber que técnicas e truques usei.

Eu até considerava a possibilidade, mas nada além disso —

até que um dia conheci meu incrível agente literário Doug

Abrams, fundador do Idea Architects, em um evento de

leitura. Foi graças à sua visão e aos seus conselhos que este

livro se tornou realidade. Tenho diversas pessoas a

agradecer, pessoas que me ajudaram de muitas formas ao

longo do caminho. A primeira é Doug Abrams por me

ajudar a trazer este livro até vocês hoje. Eu não poderia ter

feito isso sem seu conhecimento e sua orientação. Ao lado

de Doug está minha assistente editorial Amy Schleunes, que

me apoiou dia e noite questionando minhas ideias,

ajudando a deixar meus pensamentos mais claros e

garantindo que minha escrita fosse de fato compreensível!

Além disso, gostaria de agradecer à escritora Katherine Vaz,

que foi um terceiro par de olhos treinados, me dando

sugestões e conselhos inestimáveis que fizeram uma


diferença enorme. Bruce Nichols, meu editor, entendeu a

visão do livro desde o primeiro dia e foi um excelente

colaborador ao longo de todo o processo.

Em um nível mais pessoal, gostaria de agradecer ao meu

marido, Stan, que me tolerou e suportou enquanto eu

passava dias, até semanas e meses, enfiada numa poltrona

vermelho-viva com o computador no colo, escrevendo este

livro. Embora ficasse perguntando em voz alta: “Onde

minha esposa foi parar?”, ele fazia as compras, cozinhava e

aceitava meu novo estilo de vida recluso com tranquilidade.

O mesmo agradecimento e apreço vai para minhas três

filhas, Susan, Janet e Anne, meu genro, Dennis, e meus

nove netos, que reclamavam da minha ausência nos eventos

familiares (“Cadê a vovó?”), mas me apoiaram quando

expliquei o que estava fazendo. “Está demorando tanto,

vovó”, eles lamentavam. O tempo passa mais devagar

quando se é criança. Minhas filhas, que eram um pouco

menos tolerantes, viviam me lembrando de quantas

atividades familiares eu estava perdendo, mas, mesmo

assim, me incentivaram e apoiaram quando perceberam que

isso iria se concretizar de verdade.

Este livro não teria sido possível sem o apoio de centenas

de ex-alunos do Campanile, que enviaram histórias e

lembranças do meu curso desde 1984, quando o iniciei. Não

pude incluir a maioria por causa de restrições de palavras

do meu editor, mas agradeço muito por ter recebido todas

aquelas histórias. Gostaria de agradecer sobretudo aos

editores-chefes do Campanile, que, ao longo dos anos, me


ajudaram a dar forma ao curso e me deram muitas ideias

sobre o que poderia ser melhor. Foram as ideias deles que

me ajudaram a transformar o programa no que ele é hoje.

Alguns dos alunos estão incluídos aqui em ordem alfabética

de sobrenome, e me perdoem se deixei seu nome de fora.

Todos os alunos são importantes para mim e vocês sabem

disso: Karina Alexanyan, Lisa Brennan-Jobs, Aaron Cohen,

Ben Crosson, Gady Epstein, James Franco, Ben Hewlett,

Maya Kandell, Forest Key, Chris Lewis, Jennifer Linden,

Claire Liu, Aidan Maese-Czeropski, Bilal Mahmood, Andrew

Miller, Kristin Ostby, Lauren Ruth, Tomer Schwartz, Jonah

Steinhart, Sammy Vasquez, Michael Wang, Oliver Weisberg,

Andrew Wong, Brian Wong e Kaija Xiao.

Grande parte deste livro é dedicada ao curso de

jornalismo que fundei e à pedagogia que desenvolvi na Palo

Alto High School e ampliei ao longo dos anos a partir de

1998. Muito do meu sucesso na difusão do curso de

jornalismo resulta da dedicação coordenada do meu colega

Paul Kandell, sem o qual eu nunca teria criado o programa

que temos hoje. Ele assumiu o comando da Verde, uma

revista de notícias, em 2000, e da Voice, uma publicação on-

line, em 2002, e apoiou meus esforços enquanto eu

continuava a acrescentar publicações ao curso para abranger

os interesses de centenas de estudantes. Ele me deu ideias

interessantes e me proporcionou conversas excelentes sobre

como usar o jornalismo como uma maneira de capacitar os

estudantes no século XXI. O curso agora conta com oito

revistas, bem como televisão, rádio e produção de vídeo, e


devo muito a todos que contribuíram para o Campanile

(www.thecampanile.org), Verde (https://verdemagazine.com),

C Magazine (https://issuu.com/c_magazine), Viking

(https://vikingsportsmag.com), InFocus

(https://www.infocusnews.tv), Voice (https:// palyvoice.com),

Proof (https://issuu.com/proofpaly), Madrono

(https://palymadrono.com), KPLY Radio

(https://www.palyradio.com), Agora

(https://issuu.com/palyagora), Veritas Science e Veritas Travel

(estas duas não têm site — ainda!). Temos mais outros cinco

professores de mídia, todos os quais sempre me apoiaram

muito: Rod Satterthwaite, Brian Wilson, Paul Hoeprich,

Brett Griffith e Margo Wixsom. É um privilégio ter um

grupo de colegas tão excepcional.

Também gostaria de agradecer a todos que me cederam

tempo para entrevistas, alguns dos quais conversaram

informalmente comigo diversas vezes. São tantas as pessoas

que me ajudaram a dar forma às ideias neste livro. Tentei

incluir todos, mas posso ter me esquecido de alguns.

Perdoe-me se deixei você de fora sem querer:

Karina Alexanyan, MediaX Stanford

Stacey Bendet Eisner, CEO da Alice + Olivia

Marc Benioff, CEO da Salesforce

Gary Bolles, eParachute.com

Danah Boyd, presidente da Data & Society

Andrea Ceccherini, presidente do L’Osservatorio

Permanente Giovani

Freedom Cheteni, presidente da InventXR


Ulrik Christensen, CEO da Area9

Shelby Coffey, vice-presidente do Newseum

Jessica Colvin, diretora da TUHSD Wellness

Bill Damon, professor de educação, Universidade Stanford

Linda Darling-Hammond, professora emérita de

educação, Universidade Stanford

Carol Dweck, professora de psicologia, Universidade

Stanford

Charles Fadel, professor de educação, Universidade

Harvard

Marco Ferrara, presidente da Vicente Ferrara Foundation

Cristin Frodella, chefe de marketing, Google Education

Ellen Galinsky, Bezos Family Foundation

Khurram Jamil, presidente de iniciativas estratégicas,

Area9

Heidi Kleinmaus, sócia da Charrette

Julie Lythcott-Haims, escritora, reitora de admissão,

Universidade Stanford

Ed Madison, professor de comunicação, Universidade de

Oregon

Barbara McCormack, vice-presidente de educação do

Newseum

Dr. Max McGee, ex-superintendente das Palo Alto Unified

Schools

Milbrey McLaughlin, professora emérita de educação,

Universidade Stanford

Maye Musk, mãe de Elon Musk, supermodelo,

nutricionista
Dra. Janesta Noland, pediatra

David Nordfors, cofundador da i4j Summit

Esther Perel, escritora, psicoterapeuta

Marc Prensky, presidente da Global Future Education

Foundation

Todd Rose, professor de educação, Universidade Harvard

Dan Russell, Google Search Quality & User Happiness

Sheryl Sandberg, COO do Facebook

Bror Saxberg, vice-presidente da Learning Science, Chan

Zuckerberg Initiative

Michael Shearn, Compound Money

Jamie Simon, diretora executiva do Camp Tawonga

Peter Stein, CEO da Reunion

Jim Stigler, professor de psicologia, UCLA

Linda Stone, escritora, palestrante, consultora

Ken Taylor, professor de filosofia, Universidade Stanford

Jay Thorwaldson, ex-editor do Palo Alto Weekly

Tony Wagner, professor de educação, Universidade

Harvard

Ann Webb, Compound Money

Veronica Webb, supermodelo, palestrante, atriz

Lina Williamson, diretora de empreendimento e

inovação, Brigham and Women’s Hospital

Eddy Zhong, cofundador e CEO da Leangap

Gostaria de fazer um agradecimento especial ao ex-diretor

da Palo Alto High School Kim Diorio e à minha ex-aluna

dra. Karina Alexanyan, com quem tive longas conversas

sobre minhas ideias para inovação educacional e


envolvimento e sucesso estudantil. Eles estão envolvidos na

minha nova ONG GlobalMoonshots.org, a fundação que criei

para promover a CRIAR em todo o mundo.

Foi uma experiência intensa escrever este livro durante o

último ano e meio. Sou grata a todos que me apoiaram na

minha paixão de espalhar a CRIAR pelo mundo, sobretudo

para pais e mães, famílias e professores.


Notas

INTRODUÇÃO

1. “Mental Health Information: Statistics: Any Anxiety Disorder”, site do

Instituto Nacional de Saúde Mental, atualizado pela última vez em 2017.

Disponível em: <www.nimh.nih.gov/health/statistics/prevalence/any-anxiety-

disorder-among-children.shtml>. Acesso em: 22 out. 2018; “Major Depression”,

site do Instituto Nacional de Saúde Mental, atualizado pela última vez em

novembro de 2017. Disponível em: <www.nimh.nih.gov/health/statistics/major-

depression.shtml>. Acesso em: 22 out. 2018; Claudia S. Lopes et al., “ERICA:

Prevalence of Common Mental Disorders in Brazilian Adolescents”, Revista de

Saúde Pública, v. 50, n. 1, pp. 14ss., 2016. Disponível em:

<www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4767030>. Acesso em: 22 out. 2018;

Sibnath Deb et al., “Academic Stress, Parental Pressure, Anxiety and Mental

Health Among Indian High School Students”, International Journal of Psychology

and Behavioral Science, v. 5, n. 1, pp. 26-34, 2015. Disponível em:

<http://article.sapub.org/10.5923.j.ijpbs.20150501.04.html>. Acesso em: 22 out.

2018; “Mental Disorders Among Children and Adolescents in Norway”, site do

Instituto Norueguês de Saúde Pública, atualizado pela última vez em 14 de

outubro de 2016. Disponível em: <www.fhi.no/en/op/hin/groups/mental-health-

children-adolescents>. Acesso em: 22 out. 2018.

1. A INFÂNCIA QUE VOCÊ GOSTARIA DE TER TIDO

1. L. Alan Sroufe et al., “Conceptualizing the Role of Early Experience:

Lessons from the Minnesota Longitudinal Study”, Developmental Review, v. 30, n.


1, pp. 36-51, 2010. Disponível em:

<www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2857405>. Acesso em: 22 out. 2018.

2. J. A. Simpson et al., “Attachment and the Experience and Expression of

Emotions in Romantic Relationships: A Developmental Perspective”, Journal of

Personality and Social Psychology, v. 92, n. 2, pp. 355-67, 2007. Disponível em:

<www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17279854>. Acesso em: 22 out. 2018.

2. CONFIE EM SI MESMO, CONFIE EM SEU FILHO

1. Isaac Chotiner, “Is the World Actually Getting… Better?”, Slate, 20 fev. 2018.

Disponível em: <https://slate.com/news-and-politics/2018/02/steven-

pinkerargues-the-world-is-a-safer-healthier-place-in-his-new-book-

enlightenment-now.html>. Acesso em: 22 out. 2018.

4. NÃO FAÇA PELOS SEUS FILHOS O QUE ELES PODEM FAZER POR CONTA PRÓPRIA

1. Ian M. Paul et al., “Mother-Infant Room-Sharing and Sleep Outcomes in the

INSIGHT Study”, Pediatrics, v. 140, n. 1, pp. e20170122, 2017. Disponível em:

<http://pediatrics.aappublications.org/content/early/2017/06/01/peds.2017-0122>.

Acesso em: 22 out. 2018.

2. Jean M. Twenge et al., “Increases in Depressive Symptoms, Suicide-Related

Outcomes, and Suicide Rates Among U. S. Adolescents After 2010 and Links to

Increased New Media Screen Time”, Clinical Psychological Science, v. 6, n. 1, pp. 3-

17, 2017. Disponível em:

<http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/2167702617723376?

journalCode=cpxa>. Acesso em: 22 out. 2018.

3. Ryan J. Dwyer et al., “Smartphone Use Undermines Enjoyment of Face-to-

Face Social Interactions”, Journal of Experimental Social Psychology, v. 78, pp. 233-9,

2018. Disponível em:

<www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0022103117301737#!>. Acesso em:

22 out. 2018.

5. DÊ GARRA AO SEU FILHO

1. Lingxin Hao e Han Soo Woo, “Distinct Trajectories in the Transition to

Adulthood: Are Children of Immigrants Advantaged?”, Child Development, v. 83,

n. 5, pp. 1623-39, 2012. Disponível em:

<www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4479264>. Acesso em: 22 out. 2018.


2. Walter Mischel et al., “Delay of Gratification in Children”, Science, v. 244, n.

4907, pp. 933-8, 1989. Disponível em:

<www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2658056>. Acesso em: 22 out. 2018; dra. Tanya

R. Schlam et al., “Preschoolers’ Delay of Gratification Predicts Their Body Mass

30 Years Later”, Journal of Pediatrics, v. 162, n. 1, pp. 90-3, 2013. Disponível em:

<www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3504645>. Acesso em: 22 out. 2018;

Ozlem Ayduk et al., “Regulating the Interpersonal Self: Strategic Self-Regulation

for Coping with Rejection Sensitivity”, Journal of Personality and Social Psychology,

v. 79, n. 5, pp. 776-92, 2000. Disponível em: <http://psycnet.apa.org/doiLanding?

doi=10.1037%2F0022-3514.79.5.776>. Acesso em: 22 out. 2018.

6. NÃO IMPONHA, COLABORE]

1. Diana Baumrind, “Current Patterns of Parental Authority”, Developmental

Psychology, v. 4, n. 1, pp. 1-103, 1971. Disponível em:

<http://psycnet.apa.org/doiLanding?-doi=10.1037%2Fh0030372>. Acesso em: 22

out. 2018.

2. Diana Baumrind, “The Influence of Parenting Style on Adolescent

Competence and Substance Use”, Journal of Early Adolescence, v. 11, n. 1, pp. 56-95,

1991. Disponível em:

<http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0272431691111004>. Acesso em: 22

out. 2018.

3. Robert Hepach et al., “The Fulfillment of Others’ Needs Elevates Children’s

Body Posture”, Developmental Psychology, v. 53, n. 1, pp. 100-13, 2017. Disponível

em: <http://psycnet.apa.org/record/2016-61509-005>. Acesso em: 22 out. 2018.

4. Michael Tomasello e Katharina Hamann, “Collaboration in Young

Children”, Quarterly Journal of Experimental Psychology, v. 65, n. 1, pp. 1-12, 2011.

Disponível em: <www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22171893>. Acesso em: 22 out.

2018.

7. AS CRIANÇAS ESCUTAM O QUE VOCÊ FAZ, NÃO O QUE VOCÊ FALA

1. Marcy Burstein e Golda S. Ginsburg, “The Effect of Parental Modeling of

Anxious Behaviors and Cognitions in School-Aged Children: An Experimental

Pilot Study”, Behavior Research and Therapy, v. 48, n. 6, pp. 506-15, 2010.

Disponível em: <www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2871979>. Acesso em:

22 out. 2018.
2. Sarah Myruski et al., “Digital Disruption? Maternal Mobile Device Use Is

Related to Infant Social-Emotional Functioning”, Developmental Science, v. 21, n.

4, p. e12610, 2018. Disponível em: <www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28944600>.

Acesso em: 22 out. 2018.

3. “Kids Competing with Mobile Phones for Parents’ Attention”, site da AVG

Technologies, atualizado pela última vez em 24 de junho de 2015. Disponível

em: <https://now.avg.com/digital-diaries-kids-competing-with-mobile-phones-

for-parents-attention>. Acesso em: 22 out. 2018.

4. Brian D. Doss, “The Effect of the Transition to Parenthood on Relationship

Quality: An Eight-Year Prospective Study”, Journal of Personality and Social

Psychology, v. 96, n. 3, pp. 601-19, 2009. Disponível em:

<www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2702669>. Acesso em: 22 out. 2018.

5. Jane Anderson, “The Impact of Family Structure on the Health of Children:

Effects of Divorce”, Linacre Quarterly, v. 81, n. 4, pp. 378-87, 2014. Disponível em:

<www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4240051>. Acesso em: 22 out. 2018.

8. DÊ O EXEMPLO. É CONTAGIOSO

1. Sara H. Konrath et al., “Changes in Dispositional Empathy in American

College Students Over Time: A Meta-Analysis”, Personality and Social Psychology

Review, v. 15, n. 2, pp. 180-98, 2010. Disponível em:

<http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/1088868310377395>. Acesso em: 22

out. 2018.

2. Charlotte van Oyen Witvliet et al., “Gratitude Predicts Hope and Happiness:

A Two-Study Assessment of Traits and States”, Journal of Positive Psychology, 15 jan.

2018. Disponível em:

<www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17439760.2018.1424924?

journalCode=rpos20>. Acesso em: 22 out. 2018.

3. Jeffrey J. Froh et al., “Counting Blessings in Early Adolescents: An

Experimental Study of Gratitude and Subjective Well-Being”, Journal of School

Psychology, v. 46, n. 2, pp. 213-33, 2008. Disponível em:

<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19083358>. Acesso em: 22 out. 2018.

4. Hannah J. Thomas et al., “Association of Different Forms of Bullying

Victimisation with Adolescents’ Psychological Distress and Reduced Emotional

Wellbeing”, Australian & New Zealand Journal of Psychiatry, v. 50, n. 4, pp. 371-9,

2015. Disponível em:

<http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0004867415600076>. Acesso em: 22

out. 2018.
9. ENSINE SEU FILHO A SE IMPORTAR

1. Hannah M. C. Schreier et al., “Effect of Volunteering on Risk Factors for

Cardiovascular Disease in Adolescents”, JAMA Pediatrics, v. 167, n. 4, pp. 327-32,

2013. Disponível em:

<https://jamanetwork.com/journals/jamapediatrics/fullarticle/1655500>. Acesso

em: 22 out. 2018.

2. Shabbar I. Ranapurwala et al., “Volunteering in Adolescence and Youth

Adulthood Crime Involvement: A Longitudinal Analysis From the Add Health

Study”, Injury Epidemiology, v. 3, n. 26, 2016. Disponível em:

<www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5116440>. Acesso em: 22 out. 2018.

3. “Setting School Culture with Social and Emotional Learning Routines”, site

da KQED News, atualizado pela última vez em 16 de janeiro de 2018. Disponível

em: <http://ww2.kqed.org/mindshift/2018/01/16/setting-school-culture-with-

social-and-emotional-learning-routines>. Acesso em: 22 out. 2018.

4. Julianne Holt-Lunstad et al., “Social Relationships and Mortality Risk: A

Meta-Analytic Review”, PLoS Medicine, v. 7, n. 7, p. e1000316, 2010. Disponível

em: <http://journals.plos.org/plosmedicine/article?

id=10.1371/journal.pmed.1000316>. Acesso em: 22 out. 2018.


ESTHER WOJCICKI fundou os programas de artes

midiáticas da Palo Alto High School e é uma das

idealizadoras da Google Teacher Academy. Além disso,

criou três filhas muito bem-sucedidas: Susan, CEO do

YouTube; Anne, cofundadora e CEO da 23andMe; e

Janet, pesquisadora e professora da Universidade da

Califórnia, em San Francisco.


Copyright © 2019 by Esther Wojcicki

O selo Fontanar foi licenciado para a Editora Schwarcz S.A.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou

em vigor no Brasil em 2009.

TÍTULO ORIGINAL How to Raise Successful People: Simple Lessons for Radical

Results

CAPA Diana Cordeiro

IMAGENS DE CAPA Coração © Marina Zezelina/ Shutterstock;

Nuvens © examphotos/ Shutterstock

PREPARAÇÃO Carolina Falcão

REVISÃO Carmen T. S. Costa e Renata Lopes Del Nero

ISBN 978-85-5451-697-0

Todos os direitos desta edição reservados à

EDITORA SCHWARCZ S.A.

Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32

04532-002 — São Paulo — SP

Telefone: (11) 3707-3500

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