Formação Docente para A Inserção Da História e Filosofia Da Ciência No Ensino. Textos Histórico-Pedagógicos em Discussão

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA

JOSÉ DIOGO DOS SANTOS NICÁCIO

FORMAÇÃO DOCENTE PARA A INSERÇÃO DA


HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NO ENSINO:
TEXTOS HISTÓRICO-PEDAGÓGICOS EM DISCUSSÃO

Natal-RN

2015
JOSÉ DIOGO DOS SANTOS NICÁCIO

FORMAÇÃO DOCENTE PARA A INSERÇÃO DA


HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NO ENSINO:
TEXTOS HISTÓRICO-PEDAGÓGICOS EM DISCUSSÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ensino de Ciências Naturais e
Matemática do Centro de Ciências Exatas e da
Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Ensino de Ciências Naturais e
Matemática.

Orientadora:
Profa. Dra. Juliana M. Hidalgo F. Drummond

Natal-RN

2015
Aprovado em: ___/___/_____

__________________________________________________________
Profa. Dra. Juliana M. Hidalgo F. Drummond – Orientadora
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

__________________________________________________________
Profa. Dra. Auta Stella de Medeiros Germano – Examinadora Interna
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

__________________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Augusto Passos Videira – Examinador Externo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
DEDICATÓRIAS

Aos meus familiares e amigos, que nos momentos


difíceis me deram total apoio para continuar
lutando pelo meu ideal, pelas palavras de conforto
e pelo incentivo de que tanto precisei nas situações
de dificuldades.

Em especial a meu pai, José Pequeno Nicácio, que


tanto contribuiu com discussões e compartilhou
minhas dúvidas, sempre ajudando nas principais
dificuldades e na construção dos meus
conhecimentos.

A minha mãe, Dona Angela, que sempre me apoiou


nas dificuldades, entendendo os momentos de
angústia, sempre compreensível e paciente em toda
jornada de minha vida estudantil. Obrigado por
tudo!
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus pela força que tem me concedido, para continuar
minhas caminhadas em busca dos conhecimentos.

Agradeço à minha família, minha fonte de inspiração, de onde recebi apoio


incondicional para a conclusão dessa jornada. Obrigado por nunca duvidarem do meu
potencial.

Agradeço aos meus amigos, que sempre compartilharam comigo das minhas
felicidades, angústias, derrotas e vitórias. Obrigado pela força, por fazerem parte da
minha vida e pelos momentos em que precisei desabafar, chorar, sorrir e extravasar ao
lado de vocês.

Agradeço a Jaciara Maria pelos conselhos, carinhos, afetos e amores dedicados a mim.
Obrigado por entender a ausencia em determinados momentos e por estar presente nessa
etapa importantíssima da minha vida. Você também faz parte dessa conquista.

Um agradecimento especial a minha orientadora, Profa. Dra. Juliana, que muito tem
contribuído para o desenvolvimento desse trabalho, proporcionando excelente
aprendizagem. Obrigado pela paciência, dedicação, “puxões de orelhas” e orientações
que tanto me ajudaram. Você, Juliana, é tão protagonista quanto eu desse trabalho!

A todos os professores vinculados ao PPGECNM, que sempre procuraram dar o melhor


em suas disciplinas, contribuindo para ampliar nosso conhecimento. Obrigado por
fazerem parte da minha vida acadêmica.

Agradeço aos colegas do grupo que estuda sobre a história do vácuo – Wesley,
Giovanninni, Arthur, Mykaell e Deyzianne - que nos momentos de discussões
contribuíram de modo significativo para o crescimento qualificado desse trabalho.
Obrigado Colegas!
RESUMO
A presente dissertação tem como foco problemas específicos no contexto educacional:
os desafios na construção de narrativas histórico-pedagógicas, bem como a difícil tarefa
de utilizá-las em sala de aula. Nesse contexto, busca-se atuar na formação docente para
a inserção didática da História e Filosofia da Ciência (HFC), sendo as narrativas
histórico-pedagógicas elementos para mediação do diálogo com esse público específico.
Essa iniciativa vem ao encontro de uma preocupação recorrente na literatura da área:
um dos principais desafios relacionados à transposição didática da HFC seria a falta de
preparação do professor. Conteúdos históricos, filosóficos e sobre a Natureza da Ciência
ainda são pouco presentes em salas de aula. A insegurança e o desconhecimento do
assunto pelos professores costumam ser apontados como fatores que contribuem para
essa situação. Torna-se importante, portanto, que docentes (atuantes e em formação)
participem de reflexões sobre a inserção da HFC em sala de aula, conheçam exemplos
de propostas de cunho histórico-filosóficas para a abordagem de conteúdos de
ciência e sobre a ciência, desenvolvam competências que lhes permitam adaptá-las aos
seus contextos específicos, bem como elaborar suas próprias propostas. Acredita-se que
essas questões sejam significativas para que realizem iniciativas conscientes de inserção
da HFC em suas salas de aula. Considera-se que adaptar propostas didáticas a contextos
educacionais particulares depende de se compreender de fato o que representam essas
propostas e quão flexíveis elas podem ser. A fim de contemplar esses objetivos,
elaborou-se produto educacional que se configura como um material didático voltado
para a formação docente, o qual foi aplicado em minicurso de extensão na UFRN. O
material discute sobre o papel da HFC no Ensino, a Natureza da Ciência e questões
historiográficas. Traz uma sequência de atividades dialógicas sobre aspectos da
transposição didática da HFC, especialmente significativos no que diz respeito às
narrativas históricas. Utiliza-se como elemento de mediação nas discussões um conjunto
de textos histórico-pedagógicos sobre a História do Vácuo e da Pressão Atmosférica.
Abordam-se potencialidades, possibilidades e limitações desse tipo de material. Para a
realização do curso tomou-se como referência considerações metodológicas da chamada
pesquisa-ação. Almejaram-se transformações, modificações e ações efetivas no próprio
material didático de formação a partir da vivência do pesquisador-ministrante em
interações com os participantes do curso de extensão e das impressões relatadas pelos
participantes. Os desdobramentos nesse sentido foram incorporados ao material
didático.

Palavras-chave: História e Filosofia da Ciência no Ensino; Natureza da Ciência;


Transposição Didática; Narrativas histórico-pedagógicas; Formação de professores.
ABSTRACT
The present dissertation focuses on specific problems in the educational context:
challenges in the construction of historical narratives for pedagogical use as well as the
difficult task of using them in the classroom. In this context, we seek to work in teacher
training for insertion of History and Philosophy of Science (HPS) in classroom, and
historical narratives become mediation elements to advance the dialogue with this
specific audience. This initiative is in line with a recurring concern: one of the main
challenges related to the didactic transposition of HFC would be the lack of teacher
preparation. Historical contents and Nature of Science are still absent in classrooms.
Insecurity and lack of knowledge by teachers are often mentioned as factors that
contribute to this situation. It is important, therefore, that teachers (active and in
training) take part in discussions concerning the inclusion of HPS in classroom. It is
relevant that they know examples of historic-philosophical didactic proposals to address
science and contents on science, develop skills to adapt them to their specific contexts
and to develop their own proposals. It is believed that these issues are significant to
undertake conscious initiatives to insert HPS in classrooms. It is considered that
adapting educational proposals to particular educational contexts depends on
understanding what these proposals indeed mean and how flexible they can be. In order
to address these objectives, we elaborated an educational product, a didactic material
focused on teacher training, which was used in an extension course at UFRN. The
didactic material discusses the role of HPS in Education, Nature of Science and
historiographical issues. It presents a series of dialogical activities on aspects of didactic
transposition of HPS, especially those regarding historical narratives. A set of historic-
pedagogical texts on the History of Vacuum and Atmospheric Pressure is used as a
mediation element in discussions. We address potential, possibilities and limitations
historical narratives. To carry out the course, it was taken into account methodological
concerns of so-called action research. There have been expected changes, modifications
and effective actions in the own teacher training material in face of the experience of the
researcher-lecturer in interactions with the participants of the course as well as in face of
impressions reported by the participants. Developments in this direction have been
incorporated into the teacher training material.

Keywords: History and Philosophy of Science in Teaching; Nature of Science; didactic


transposition; historical narratives; Teacher Training.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Aspecto geral de recorte de um dos textos elaborados...................................15


Figura 2 - Aspecto do texto “Ideias sobre o vácuo na Idade Média” – Parte 1..............48
Figura 3 - Aspecto do texto “O vácuo na Revolução Científica” – Parte 1....................49
Figura 4 - Aspecto do texto “As concepções sobre o vácuo na Antiguidade”................51
Figura 5 – Aspecto do texto “E a História da Ciência segue, com rupturas e também
continuidades”................................................................................................................52
Figura 6 - Sumário do material didático de formação docente......................................60
Figura 7- Atividades 1 e 2...............................................................................................61
Figura 8 – Atividade 3....................................................................................................62
Figura 9 – Atividade 4....................................................................................................65
Figura 10 – Atividade 5..................................................................................................66
Figura 11 – Atividade 6..................................................................................................68
Figura 12 - Cartaz utilizado na divulgação....................................................................................71
SUMÁRIO

1. CAPÍTULO 1: CONSIDERAÇÕES INICIAIS......................................................11


1.1. MOTIVAÇÕES, QUESTÃO-FOCO E PRODUTOS EDUCACIONAIS...............11
1.2. PERCURSO METODOLÓGICO E ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO.............20
2. CAPÍTULO 2: HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA, NATUREZA DA
CIÊNCIA, TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA................................................................25
2.1. HISTÓRIA DA CIÊNCIA ... E ENSINO................................................................25
2.2. HFC NO ENSINO: EXAMINANDO O PESO ATUAL DE ALGUNS
ARGUMENTOS.............................................................................................................27
2.3. HFC NO ENSINO: LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL, LIVROS DIDÁTICOS E
FORMAÇÃO DOCENTE...............................................................................................31
2.4. HFC NO ENSINO E HISTORIOGRAFIA.............................................................36
3. CAPÍTULO 3: SOBRE OS PRODUTOS EDUCACIONAIS ELABORADOS..40
3.1. SOBRE O PRIMEIRO PRODUTO: OS TEXTOS HISTÓRICO-
PEDAGÓGICOS.............................................................................................................40
3.1.1. RECORTES HISTÓRICOS..................................................................................40
3.1.2. NATUREZA DA CIÊNCIA POR MEIO DOS EPISÓDIOS HISTÓRICOS......43
3.1.3. ASPECTOS CENTRAIS DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DA HFC............48
3.1.4. HISTORIOGRAFIA E AS NARRATIVAS HISTÓRICAS................................53
3.1.5. SIMPLIFICAÇÕES E OMISSÕES......................................................................55
3.2. SOBRE O SEGUNDO PRODUTO: “ELEMENTOS PARA A FORMAÇÃO
DOCENTE TENDO EM VISTA A INSERÇÃO DA HISTÓRIA E FILOSOFIA DA
CIÊNCIA NO ENSINO MÉDIO: TEXTOS HISTÓRICO-PEDAGÓGICOS COMO
EXEMPLARES”.............................................................................................................58
3.2.1. UMA BREVE DESCRIÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO..............................59
3.3. DISCUTINDO AS ATIVIDADES..........................................................................60
3.3.1. ATIVIDADES 1 E 2..............................................................................................61
3.3.2. ATIVIDADE 3......................................................................................................62
3.3.3. APROFUNDAMENTO DA ATIVIDADE 3.......................................................64
3.3.4. ATIVIDADE 4......................................................................................................65
3.3.5. ATIVIDADE 5......................................................................................................65
3.3.6. ATIVIDADE 6......................................................................................................67
4. CAPÍTULO 4: RELATO FUNDAMENTADO DO CURSO DE EXTENSÃO..70
4.1. O CURSO DE EXTENSÃO E A PESQUISA-AÇÃO............................................70
4.2. PRIMEIRA PARTE DO CURSO............................................................................73
4.2.1. A ETAPA “INTRODUÇÃO SOBRE HFC NO ENSINO”..................................74
4.2.2 REALIZAÇÃO DA ATIVIDADE 1......................................................................75
4.2.3. REALIZAÇÃO DA ATIVIDADE 2.....................................................................77
4.2.4. REALIZAÇÃO DA ATIVIDADE 3.....................................................................81
4.2.5. COMENTÁRIOS FINAIS SOBRE A PRIMEIRA FASE DO CURSO..............83
4.3. SEGUNDA PARTE DO CURSO............................................................................84
4.3.1. A ETAPA “APROFUNDAMENTO SOBRE NATUREZA DA CIÊNCIA”......85
4.3.2. REALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES 4 E 5..........................................................86
4.3.3. REALIZAÇÃO DA ATIVIDADE 6.....................................................................88
4.4. DESDOBRAMENTOS PARA O MATERIAL DIDÁTICO DE FORMAÇÃO E
SUA UTILIZAÇÃO NA FORMAÇÃO DOCENTE......................................................91
5. CAPÍTULO 5: CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................94
REFERÊNCIAS............................................................................................................98
APÊNDICE I: TEXTOS HISTÓRICO-PEDAGÓGICOS SOBRE A HISTÓRIA
DO VÁCUO E PRESSÃO ATMOSFÉRICA...........................................................104
APÊNDICE II: MATERIAL DIDÁTICO - ELEMENTOS PARA A FORMAÇÃO
DOCENTE TENDO EM VISTA A INSERÇÃO DA HISTÓRIA E FILOSOFIA
DA CIÊNCIA NO ENSINO MÉDIO: TEXTOS HISTÓRICO-PEDAGÓGICOS
COMO EXEMPLARES..............................................................................................123
APÊNDICE III: SLIDES UTILIZADOS NA PRIMEIRA PARTE DO CURSO DE
EXTENSÃO.................................................................................................................191
APÊNDICE IV: SLIDES UTILIZADOS NA SEGUNDA PARTE DO CURSO DE
EXTENSÃO.................................................................................................................215
11

CAPÍTULO 1

Considerações iniciais

O capítulo introdutório da presente dissertação de Mestrado Profissional em


Ensino de Ciências Naturais e Matemática se inicia por um registro da minha trajetória
no Programa de Pós-Graduação, bem como pela retomada de aspectos significativos de
breve período que o antecedeu.

O referido relato compreende contribuições decorrentes da minha participação


no Curso de Iniciação a Docência (CID), ocorrido na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, no primeiro semestre de 2013. Engloba também a igualmente
significativa docência assistida em disciplina de História e Filosofia da Ciência na
UFRN. A docência ocorreu de forma obrigatória, no semestre inicial de 2013, e de
forma voluntária, no segundo semestre do mesmo ano. Retrocedo, ainda, aos semestres
que precederam o ingresso na pós-graduação, a fim de tecer comentários importantes
que permitem compreender o meu interesse pelas narrativas históricas e sua inserção no
contexto educacional.

O registro que compõe a primeira seção do presente capítulo introdutório tem


como finalidade explicitar as motivações para a escolha da linha de pesquisa e
questão-foco específica abordada no Mestrado. Esse registro permite também que se
compreenda a trajetória que culminou com a proposta dos dois produtos educacionais
elaborados. Na seção subsequente, encontra-se o percurso metodológico, o qual cita de
forma breve os referenciais teóricos que serão aprofundados no Capítulo 2. Delineia-se
na mesma seção a estrutura em forma de capítulos que compõem a presente dissertação.

1.1 Motivações, Questão-Foco e Produtos Educacionais

De junho de 2011 a meados de fevereiro de 2012, ainda enquanto aluno da


licenciatura em Física fui bolsista do subprojeto Física do Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência na UFRN, o qual é apoiado pela CAPES (Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). O PIBID tem como objetivo maior
o incentivo à formação de professores para a Educação Básica e a elevação da qualidade
da escola pública. Os bolsistas participantes, alunos dos cursos de Licenciatura, são
12

inseridos no cotidiano de escolas da rede pública. Planejam e participam de experiências


metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar,
buscando a superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem.

O subprojeto de Física do PIBID, então em vigor na época em que fui bolsista,


era coordenado pela Professora Dra. Juliana M. Hidalgo F. Drummond, tendo o
Professor Dr. Ciclamio Leite Barreto como colaborador. Eram quinze bolsistas do curso
de licenciatura em Física da UFRN atuando em duas escolas públicas de Natal, sob a
supervisão de dois professores dessas escolas.

O subprojeto de Física procurava ressaltar as seguintes contribuições quanto à


formação docente: valorização do curso de licenciatura e estímulo ao ser professor;
integração entre a formação inicial do docente e o seu campo de atuação profissional;
estudo de tendências e inovações indicadas para o ensino de física, a partir do estudo
aprofundado dessas estratégias de ensino.

Por meio da leitura, apresentação e discussão de artigos, dissertações, teses e


capítulos de livros, os licenciandos bolsistas se aproximavam das discussões
promovidas por pesquisadores em ensino de física, oportunidade que dificilmente
teriam durante a sua formação inicial. Os bolsistas, voluntariamente, eram organizados
em grupos (denominados “comissões”) de acordo com uma linha de trabalho específica.
Periodicamente, havia um rodízio de bolsistas entre as comissões de forma que todos
pudessem vivenciar as diferentes possibilidades de inovação.

A identificação pessoal com a temática levou-me à Comissão de História e


Filosofia da Ciência no Ensino. Tínhamos acesso a materiais específicos, resultantes de
pesquisa relacionadas a essa área, mas muitas leituras ficavam sem o entendimento
adequado, haja vista a nossa pouca maturidade e aproximação ainda recente em relação
à temática. As dúvidas eram solucionadas com intervenção da então coordenadora do
PIBID-Física, especialista na área.

Particularmente, um trabalho realizado na época teria impacto importante na


minha trajetória subsequente no Mestrado. A coordenadora do subprojeto solicitou que
a Comissão da qual eu fazia parte elaborasse algum material específico sobre História
da Astronomia para intervenção no primeiro ano do Ensino Médio da Escola Estadual
Professor Ulisses de Góis (PUG) da cidade de Natal/RN.
13

O grupo abandonou uma ideia inicial de exclusivamente produzir maquetes para


exposição dos sistemas de mundo geocêntrico e heliocêntrico. Em conjunto com a
coordenadora, decidiu-se realizar uma intervenção que utilizasse textos elaborados
sobre os conteúdos históricos relacionados ao conceito de gravidade. Visando à
elaboração do material didático, os bolsistas realizaram leituras de trabalhos de enfoque
histórico sobre essa temática, ampliada também para tópicos relacionados, como
sistemas de mundo e gravitação. Foram orientados quanto à necessidade de refletir
sobre os objetivos didáticos, e, de acordo com esses objetivos, realizar recortes dos
conteúdos históricos e selecionar discussões sobre a Natureza da Ciência (NdC).

Apesar de todas as orientações, o grupo não tinha muita clareza quanto à


necessidade de refletir sobre os objetivos didáticos e não sabia como proceder na
produção do material. Na elaboração dos textos usamos o seguinte critério: “o que for
interessante colocamos nos textos”. Então, tudo que achávamos interessante
transcrevíamos para o material. Era um processo quase às cegas, ou seja, não tínhamos
muita noção do que estávamos fazendo, ou melhor, produzindo. Integrantes do grupo
ainda se perguntavam: O que é mesmo Natureza da Ciência? Seu entendimento e
inserção nos textos pareciam longínquos.

Dúvidas surgiam na elaboração do material, gerando discussões rudimentares


sobre o formato e a extensão dos textos. Pareciam longos, mas os conteúdos históricos
eram interessantes. Então, talvez fosse melhor aumentá-los. Será? Mas quantas aulas
seriam suficientes para aplicarmos esse material? Três aulas? Quatro aulas? Cinco
aulas?

O resultado não nos agradava, os textos não pareciam atrativos, mas não
sabíamos muito bem por quê. Algo estava errado... Mas o que seria?

Enfim, era hora de apresentar o material produzido à coordenadora e discutir


sobre o que havia ocorrido, lembrando que a proposta no PIBID era de aprendizado para
os próprios bolsistas em seu trabalho nas comissões.

Discutimos a respeito das dúvidas que ocorreram durante o processo de


elaboração dos textos e avaliamos o resultado final. Foi possível perceber que, sem
definirmos com clareza onde pretendíamos chegar, começamos a “encher” os textos de
informações históricas que não formavam um todo coerente. Os conteúdos pouco se
14

relacionavam uns com os outros. As conexões faltavam. Eram informações dispersas


sobre História da Ciência. Os textos ficaram extensos e complexos. Trechos quase que
literais de trabalhos acadêmicos haviam sido transferidos para os textos. A leitura era
difícil. A linguagem não era adequada para o Ensino Médio. Visões distorcidas sobre a
Natureza da Ciência estavam lá, incluindo o tradicional relato indutivista sobre Galileu
e a Torre de Pisa (SILVEIRA, PEDUZZI, 2006).

O fato é que a tarefa a que nos propusemos não era nada trivial, como pude
compreender desde o seu início. Posteriormente, entendi isso de modo mais
aprofundado, com as leituras no mestrado. Vários trabalhos têm sinalizado que a
inserção da história da ciência em sala de aula não é algo simples (PAGLIARINI;
SILVA, 2006; QUINTAL; GUERRA, 2009; PENA; TEIXEIRA, 2013; SASSERON;
BRICCIA; CARVALHO, 2013). Entre os principais desafios relacionados à inserção
didática da HFC estariam a dificuldade de elaboração de materiais e a falta de
preparação do professor (FORATO, 2009; HOTTECKE; SILVA, 2010; FORATO;
PIETROCOLA; MARTINS, 2011).

Esses fatores se relacionam às duvidas e aos anseios que surgiram ao longo do


trabalho com narrativas históricas no PIBID. Naquela ocasião, dada à necessidade de
reelaboração urgente do material, a coordenadora precisou atuar lado a lado com a
Comissão. O resultado do material refeito me causou espanto porque era possível
compreender como de fato se materializava aquilo que nos foi solicitado e como era
difícil o processo de elaboração desse tipo de material. Muito pouco do que havia sido
produzido pela Comissão pôde ser aproveitado.

Ainda assim, mesmo com textos adequados em relação aos objetivos pretendidos
e contexto educacional (curtos, com linguagem apropriada para o Ensino Médio) 1, a
utilização do material na escola conveniada ao PIBID não nos deixou satisfeitos. Não
estávamos preparados para explorar a potencialidade dos textos. Lemos parágrafo por
parágrafo dos textos e, em seguida, abrimos o diálogo em classe chamando a atenção

1
Os textos elaborados naquela ocasião sofreram diversas modificações posteriores. Em janeiro de 2013, o
trabalho “Uma proposta do PIBID-FÍSICA da UFRN: abordagem histórico-filosófica para a temática
gravidade”, que traz os textos já com algumas modificações, foi apresentado no XX Simpósio Nacional
de Ensino de Física (FERREIRA et al, 2013). Recentemente, uma versão aprofundada desse trabalho, que
engloba novas modificações nos textos e reflexões a respeito da elaboração e utilização de narrativas
históricas em sala de aula, foi publicada no Caderno Brasileiro de Ensino de Física sob o título
“Narrativas históricas: gravidade, sistemas de mundo e Natureza da Ciência” (DRUMMOND et al.,
2015).
15

para algumas curiosidades. Não exploramos de forma adequada as questões sobre a


Natureza da Ciência porque ainda não nos sentíamos preparados para abordar aquela
temática. Faltava-nos o reconhecimento das potencialidades das narrativas históricas.
Faltava-nos saber como utilizar os textos de forma consciente e flexível.

Figura 01 – Aspecto geral de recorte de um dos textos elaborados

Como sintetiza a literatura com a qual posteriormente tive contato, o material


didático só pode ser apropriado de forma consciente e flexibilizado pelo professor que
conhecer o seu significado (HOTTECKE; SILVA, 2010). De certa forma, como percebi
depois, ainda não entendíamos o que os textos de fato significavam e, portanto, não
podíamos explorar esse aspecto importante da transposição didática: a flexibilização.

Apesar de naquele momento não compreender de modo aprofundado o processo


de elaboração e utilização dos textos com conteúdos históricos, ainda assim, a vivência
de todo aquele processo no PIBID-Física teve impacto positivo em minha formação e
16

despertou ainda mais o meu interesse pela História e Filosofia da Ciência no Ensino. O
engajamento nessa atividade me estimulou a querer aprender mais sobre o assunto.

Conclui a graduação e decidi participar do processo seletivo do Programa de


Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática (PPGECNM). O projeto
que submeti em cumprimento a um dos requisitos para a seleção tinha como título “A
utilização de textos via História e Filosofia da Ciência nas aulas de Física do ensino
básico: fundamental e médio”. Na verdade tratava-se de um pré-projeto. Os objetivos
eram ainda difusos, mal redigidos e refletiam minha aproximação rudimentar em
relação à temática: “usar a HFC como agente motivador nas aulas de física abordando
os contextos históricos, sociais e culturais dos conteúdos; abordagem dos pensamentos
dos filósofos da ciência como auxilio para o ensino-aprendizado; abordar tópicos de
natureza da ciência através da construção a partir de alguns episódios históricos”.

A redação frágil e a consciência rudimentar do processo de inserção didática da


HFC não escondiam a sinalização de que minhas intenções tinham estreita relação com
o trabalho desenvolvido no PIBID-FÍSICA.

Fui aprovado no processo seletivo e passei a ser orientado pela Profa. Juliana,
que havia coordenado minha atuação como bolsista do PIBID. Ingressei no grupo de
discussão sobre História do Vácuo, Pressão Atmosférica e Natureza da Ciência, do qual
participam voluntários e discentes do PPGECNM sob a orientação da professora2. A
temática histórica específica foi escolhida devido ao seu relevante potencial didático
ainda pouco explorado3. O grupo se dedica a estudar episódios históricos tendo em vista
elaborar materiais instrucionais para a abordagem de conteúdos científicos e sobre a
natureza do conhecimento científico. Propicia cursos de extensão, voltados à formação
docente, sobre a temática HFC no Ensino4.

2
Esse grupo tem como objetivo estudar episódios da História do Vácuo tendo em vista elaborar materiais
instrucionais para a abordagem de conteúdos de ciência e sobre a ciência, bem como propor espaços de
formação docente na forma de cursos de extensão. Dissertações de mestrado e diversos trabalhos
decorrentes das atividades do grupo de estudo têm sido apresentados em congressos da área (por
exemplo, OLIVEIRA, 2013; BATISTA, 2014; NICÁCIO et al., 2015).
3
Os trabalhos produzidos pelo grupo no qual a presente dissertação se insere, na UFRN, somam-se aos
poucos trabalhos brasileiros que utilizam essa temática histórica para fins didáticos estão: COELHO;
NUNES, 1992; PORTELA, 2006; LONGHINI; NARDI, 2009.
4
Dentre os cursos ministrados pelos componentes do grupo entre 2012 e 2015 estão: “Ensinando sobre a
Natureza da Ciência: uma abordagem explícita e contextualizada a partir da História do Vácuo”; “Fontes
Primárias da História do Vácuo e da Pressão Atmosférica na sala de aula: cartas e jornais históricos em
articulação com livros didáticos do Ensino Médio” e “Atuando na formação docente: narrativas históricas
17

Foi nas discussões do grupo, e já como aluno do mestrado, que efetivamente


tomei contato de forma consciente com os referenciais relacionados à transposição
didática da História da Ciência. Os estudos específicos a respeito são relativamente
recentes (FORATO, 20095; HÖTTECKE; SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA;
MARTINS, 2012a e b). Compreendem investigações teóricas e empíricas sobre as
transformações sofridas pelos saberes acadêmicos em História da Ciência até que esses
cheguem ao ambiente escolar. Desafios e obstáculos costumam ser citados por essa
literatura. Selecionar e omitir conteúdos, pensar em como inseri-los depende de
particularidades da temática histórica em si, do contexto educacional para o qual se
dirige a proposta didática e dos seus objetivos específicos. Indica-se, por exemplo, que
“elaborar textos didáticos de cunho histórico-filosófico para o Ensino Médio é um
desafio qualquer que seja a temática escolhida” (ver FORATO, 2009).

Os referenciais estudados lançaram luz quanto ao sentido das dificuldades


enfrentadas na época do trabalho do PIBID. Essas dificuldades vinham sendo relatadas
no âmbito de pesquisas sobre a inserção da HFC no Ensino. Dessa forma, o contato com
as discussões sobre a inserção didática da História da Ciência revelou não ser só minha
a percepção de que produzir textos histórico-pedagógicos era uma tarefa difícil,
complexa. Autores vêm se preocupando com o assunto e, a partir de reflexões
aprofundadas, se empenham em considerações sobre como superar obstáculos e
desafios naturais desse processo.

Meu olhar consciente a respeito do assunto foi sendo construído aos poucos. Os
desafios e obstáculos na construção de narrativas histórico-pedagógicas, bem como a
difícil tarefa de utilizá-las em sala de aula, foram se identificando como problemas no
contexto educacional já desde o minha inserção no PIBID-Física e, de forma mais
consistente, desde as leituras e discussões nos primeiros meses no mestrado. Decidir a
respeito dessa questão-foco como temática para o meu mestrado foi como perceber-se
em um caminho natural construído em conjunto com a orientadora.

A fim de vivenciar no mestrado, de forma reflexiva, o processo de construção de


narrativas históricas para utilização no Ensino Médio, decidimos que um dos produtos

em perspectiva reflexiva”. Esses cursos vêm sendo ministrados na UFRN, bem como nas duas edições
mais recentes do Simpósio Nacional de Ensino de Física (SNEF).
5
Trata-se de uma contribuição relativamente recente e significativa sobre a inserção didática da História
da Ciência com base nos referenciais propostos por Yves Chevallard.
18

desenvolvidos seria um conjunto de textos histórico-pedagógicos relacionados à


História do Vácuo e da Pressão Atmosférica, que abordassem de forma explícita e
contextualizada considerações sobre a Natureza da Ciência. Justificamos a escolha do
gênero narrativo em função das potencialidades desse tipo de suporte para a promoção
de discussões sobre NdC. Esse aspecto vem sendo sugerido por trabalhos que analisam
o potencial das narrativas como recurso para o ensino de ciências (RIBEIRO;
MARTINS, 2007) 6.

As reflexões quanto à inserção didática da HFC norteariam a elaboração dos


textos: seleção dos episódios históricos específicos e de mensagens sobre a Natureza da
Ciência, considerações sobre a extensão, linguagem utilizada, etc. Para que os textos
chegassem a uma condição satisfatória diversos aspectos deveriam ser observados, os
questionamentos compartilhados e refletidos com o grupo de estudo.

Ainda no contexto do mestrado, decidiu-se desenvolver um segundo produto, um


material didático de formação docente, visando contribuir para a inserção da HFC no
contexto educacional. A intenção era socializar com professores atuantes e em formação
as discussões sobre a transposição didática da HFC por meio das narrativas históricas,
trazendo à tona suas potencialidades, limitações e possibilidades de utilização.

Como aspectos motivacionais para a realização desse produto, destaco a


docência assistida nas turmas da disciplina de História e Filosofia da Ciência (HFC),
acompanhada pelo Curso de Iniciação à Docência (CID) na UFRN. O CID tem como
objetivo nortear uma atuação ética e consciente do estudante da pós-graduação na
prática docente, desencadeando uma reflexão crítica acerca da docência, considerando o
trinômio ensino, pesquisa e extensão.

Essa reflexão permitiu a realização cuidadosa e consciente do estágio de


docência assistida na disciplina de HFC. Acompanhei a disciplina em dois semestres,
sendo um estágio obrigatório e outro voluntário, a fim de vivenciar discussões de
extrema importância para o desenvolvimento dos produtos do meu mestrado e observar
um possível ambiente natural de aplicação dos mesmos na formação de professores.

6
“A literatura mais recente sobre currículos vem apontando uma tendência de se incluir e valorizar o uso
de narrativas como recurso didático em sala de aula, não apenas nas aulas de línguas. Essa tendência é
particularmente significativa para as disciplinas científicas.” (RIBEIRO; MARTINS, 2007, p. 294).
19

Adicionalmente aos conteúdos de Filosofia da Ciência7, a disciplina trata da inserção


didática da HFC, discutindo aspectos teóricos e possibilidades para a educação básica.
A utilização de narrativas histórico-pedagógicas em sala de aula é abordada a partir do
exemplo dos textos sobre sistema de mundo, de cuja elaboração participei no PIBID-
FÍSICA.

Nesse contexto, pude observar ao longo dos semestres em que acompanhei a


disciplina as dificuldades dos licenciandos, por exemplo, quanto a identificar por si
mesmos e de forma clara os objetivos específicos pretendidos pelos textos, os recortes
históricos realizados e suas relações com esses objetivos. Notei que somente
conseguiam localizar trechos que traziam discussões sobre a natureza do conhecimento
científico com a ajuda do professor da disciplina. Questões relacionadas à forma e
estruturação do material passavam despercebidas. Muito embora a disciplina abordasse
previamente obstáculos e desafios inerentes à transposição didática da HFC, os
licenciandos tinham dificuldade em compreender aspectos importantes, sem os quais a
utilização em sala de aula daquele material ficava comprometida. Colocados diante do
desafio de produzir intervenções didáticas para o Ensino Médio que envolvessem a
utilização dos textos, costumavam encaminhar propostas que descaracterizavam
rupturas na construção do conhecimento e reforçavam exclusivamente continuidades.

A vivência desse cotidiano no ensino superior motivou reflexões em conjunto


com a orientadora acerca da complexidade da temática da disciplina de HFC, à qual se
somavam de modo significativo questões sobre as quais nossa ação era limitada8.

Os referenciais teóricos estudados, bem como minha vivência pessoal na


Iniciação à Docência, sinalizavam lacunas na formação docente para a inserção didática
da HFC e a importância de lidar com esse obstáculo (DUARTE, 2004; GATTI;
NARDI; SILVA, 2004; GOULART, 2005; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009;
FERREIRA; FERREIRA, 2010; HÖTTECKE; SILVA, 2010; FORATO;

7
Esse componente curricular específico procura examinar de forma crítica algumas imagens distorcidas
sobre a Natureza da Ciência, e, em particular, desconstruir visões relacionadas ao empirismo-indutivismo.
Discutem-se, em contraposição, concepções atualmente consideradas mais “adequadas” sobre a ciência, e
contribuições de filósofos como Karl Popper, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend e Imre Lakatos. Para a
licenciatura em Física, a disciplina é obrigatória.
8
A relevância da presença constante às discussões contrasta com a realidade de uma disciplina oferecida
nos dois últimos horários noturnos, onde cansaço e ausência dos estudantes costumam ser recorrentes,
especialmente às sextas-feiras. Soma-se a esses fatores a dificuldade de acesso ao transporte público
quando a aula se estende até o horário regular.
20

PIETROCOLA; MARTINS, 2012a e b). A necessidade de trabalhar com os futuros


docentes da educação básica, utilizando material e abordagem adequados visando à
formação desses indivíduos, foi, portanto, um aspecto motivacional para a decisão de
me enveredar pelo caminho escolhido para o presente mestrado.

Assim, vislumbrou-se de forma coerente a possibilidade de realizar dois


produtos, os quais são apresentados no Capítulo 3 da presente dissertação: um conjunto
de textos histórico-pedagógicos voltados para o Ensino Médio e um material didático
direcionado a cursos de formação de professores visando tratar da inserção didática da
HFC, tendo como exemplo para discussão os referidos textos histórico-pedagógicos
(Apêndices I e II). O material de formação docente foi utilizado em curso de extensão
oferecido na UFRN, sendo esta utilização discutida no Capítulo 4.

1.2 Percurso Metodológico e Estrutura da Dissertação

A presente trajetória no Mestrado Profissional teve início com a discussão de


trabalhos acadêmicos que possibilitaram certo “amadurecimento” e clareza quanto à
questão-foco, bem como solidificou a intenção quanto aos produtos e seu processo de
elaboração. Destacaremos essas leituras a fim de justificarmos a questão-foco e
explicitarmos sua abordagem, a qual teve como resultado os dois produtos supracitados.

Os referenciais estudados dizem respeito, principalmente, às discussões sobre a


temática Natureza da Ciência, a inserção da História e a Filosofia da Ciência no Ensino
e o enfrentamento de obstáculos e desafios no contexto da transposição didática da
HFC. Nesse processo de aprofundamento teórico, travou-se contato com argumentos
que justificam as propostas de inclusão da HFC no contexto educacional
(ROBILOTTA, 1988; BIZZO, 1992; MATTHEWS, 1995; MCCOMAS; ALMAZROA;
CLOUGH, 1998; GIL-PÉREZ et al., 2001; PEDUZZI, 2001; DUARTE, 2004; GATTI;
NARDI; SILVA, 2004; GOULART, 2005; MARTINS, 2005; MARTINS, 2006;
LEDERMAN, 2007; MARTINS, 2007; PAGLIARINI, 2007; CLOUGH; OLSON,
2008; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FORATO, 2009; QUINTAL; GUERRA,
2009; FERREIRA; FERREIRA, 2010; FERREIRA; MARTINS, 2010; HOTTECKE;
SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2012b; LEDERMAN, 2012;
PENA; TEIXEIRA, 2013; SASSERON; BRICCIA; CARVALHO, 2013).
21

Foram observadas, nessa etapa, as repercussões desses argumentos nas


recomendações expressas em documentos oficiais (Lei de Diretrizes e Bases – LDB,
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN e Programa Nacional do Livro Didático -
PNLD) que regem a educação brasileira. As leituras realizadas sinalizam a
contemplação desse tipo de perspectiva na legislação educacional brasileira, em
expressões tais como a “compreensão do significado da ciência pelo educando”
(BRASIL, 1999, p. 46) 9.

Procurou-se observar, nessa etapa de fundamentação teórica, trabalhos que


preveem a contextualização de conteúdos referentes à natureza do trabalho científico
por meio de episódios históricos. Essas iniciativas nos remeteram à linha de pesquisa
Natureza da Ciência, cujo desenvolvimento já vem de longa data, bem como a
discussões aprofundadas sobre a inserção dessa temática no contexto educacional, sendo
apresentado relativo consenso para a promoção de discussões sobre Natureza da Ciência
em sala de aula (MCCOMAS; ALMAZROA; CLOUGH, 1998; HARRES, 1999; GIL
PÉREZ et al., 2001; LEDERMAN, 2006; CLOUGH; OLSON, 2008; QUINTAL;
GUERRA, 2009; LEDERMAN, 2012; BAGDONAS; SILVA, 2013; SASSERON;
BRICCIA; CARVALHO, 2013; VILAS BOAS et al., 2013).

A convergência entre os argumentos acadêmicos e as recomendações expressas


na legislação nos levou a imediato questionamento acerca da presença tímida da HFC
no contexto educacional. Nesse sentido, foram observadas produções escritas que tratam
das dificuldades quanto à inserção da HFC no Ensino.

Um aspecto importante vem sendo a presença rudimentar ou distorcida da HFC


em materiais didáticos (PAGLIARINI; SILVA, 2006; BATISTA; MOHR; FERRARI,
2007; HOTTECKE; SILVA, 2010).

[...] uma HC cronológica apenas de vencedores, e algumas vezes, para que a


sequencia permaneça ideal, ocorre a premiação indevida de uma descoberta,
ou seja, o relato histórico é tão superficial que se acaba citando apenas nomes
de cientistas conhecidos, não nos garantindo a real situação da pesquisa
(BATISTA; MOHR; FERRARI, 2007, p. 3).

9
Faz-se necessária a ressalva de que a temática NdC é dinâmica e complexa, não havendo uma visão
universal, única sobre a NdC. Não se recomenda que o ensino inclua de forma fechada e engessada uma
listagem que registre o que ensinar sobre NdC. Isso seria contraditório à postura de criticar uma visão
rígida e dogmática da ciência (BAGDONAS; SILVA, 2013, p. 216).
22

Outro aspecto de destaque é a deficiência na formação dos professores, como a


ausência de percepção da HFC como estratégia didática (MARTINS, 2007; OLIVEIRA,
2013). Resultados de pesquisas têm apontado lacunas como a tímida presença da
História e Filosofia da Ciência na formação docente e a insegurança por parte dos
professores no que diz respeito a intervenções que envolvam a HFC (DUARTE, 2004;
BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FERREIRA; FERREIRA, 2010). Indica-se o
alcance dramático da lacuna de discussões a respeito da temática NdC na formação de
professores de Física, Química e Biologia (MCCOMAS et al., 1998; HARRES, 1999;
LEDERMAN, 2007).

Essas dificuldades parecem estar relacionadas à presença restrita da temática


NdC em sala de aula (MATTHEWS, 1995), bem como à extensa lista de visões
“deformadas” sobre a ciência sustentadas por professores, as quais expressam:

[...] uma imagem ingênua, profundamente afastada do que é a construção do


conhecimento científico, mas que se foi consolidando até tornar-se um
estereótipo socialmente aceite que, insistimos, a própria educação científica
reforça ativa ou passivamente (GIL PÉREZ et al , 2001, p. 128-129).

A literatura estudada nessa etapa de fundamentação do presente Mestrado


Profissional aponta a necessidade de proporcionar discussões sobre a Natureza da
Ciência na formação dos professores, objetivando a sensibilização dos mesmos para
essa temática e sua inserção em sala de aula. Aponta, ainda, a insuficiência de que os
professores conheçam listagem de aspectos consensuais da NdC (FERREIRA;
MARTINS, 2010). Observam-se recomendações de que os professores sejam
preparados para abordar esses conteúdos de forma explicita, contextualizada e reflexiva
por intermédio da História da Ciência (LEDERMAN, 1992; MCCOMAS, 2008;
FORATO, 2009). Existe uma defesa massiva no que tange à incorporação da HFC na
formação de professores seja ela inicial ou continuada (DUARTE, 2004; GATTI;
NARDI; SILVA, 2004; GOULART, 2005; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009;
FERREIRA; FERREIRA, 2010).

Notadamente, os referenciais relacionados à transposição didática da História da


Ciência foram elementos norteadores para a proposta dos produtos da presente
dissertação (FORATO, 2009; HÖTTECKE; SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA;
MARTINS, 2012 a e b). Considerações sobre a importância das reflexões acerca dos
23

pressupostos básicos atuais da historiografia da História da Ciência (considerações


sobre pseudo-história, história do tipo whig, quasi-history e anacronismo) foram
significativas tanto para a elaboração dos textos didáticos direcionados para o Ensino
Médio, como também para a elaboração do material voltado para formação docente
(VIDEIRA, 2007; FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011). Esses referenciais
reconhecem, por exemplo, a relevância de que o professor da educação básica esteja
preparado para uma “leitura mais crítica das versões históricas presentes no ensino de
ciências” (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011, p. 36).

Decorrida certa estruturação teórica básica, a continuidade das leituras que


alicerçam o desenvolvimento da presente dissertação de mestrado profissional se
prolongou durante o próprio processo de elaboração dos produtos educacionais. Com
base nas reflexões a respeito dessa bibliografia, produziu-se o Capítulo 2, o qual se
intitula “A HFC no Ensino e a Natureza da Ciência”.

Ao longo do processo de elaboração dos produtos, foram aprofundadas as


reflexões acerca da inserção didática da História da Ciência, sobretudo no que diz
respeito aos obstáculos e desafios apontados pelos trabalhos acadêmicos. Na elaboração
dos textos histórico-pedagógicos, por exemplo, foram vivenciados de maneira crítica
alguns desses desafios: escolha das mensagens de Natureza da Ciência; seleção dos
aspectos históricos a enfatizar em cada episódio; o nível de aprofundamento dos
aspectos históricos, linguagem apropriada ao contexto educacional visado, etc. Já na
fase de elaboração do material de formação docente foram aprofundadas, à luz dos
referenciais teóricos, as reflexões despertadas durante o processo de Iniciação à
Docência, o qual havia contemplado o acompanhamento de duas turmas de licenciandos
em Física na disciplina de HFC em semestres consecutivos.

O Capítulo 3, intitulado “Produtos Educacionais”, tem como objetivo apresentar


o conjunto de textos histórico-pedagógicos sobre a História do Vácuo e o material
didático “Elementos para a formação docente tendo em vista a inserção da História e
Filosofia da Ciência no Ensino Médio: textos histórico-pedagógicos como
exemplares”. O Capítulo destaca o processo de elaboração desses produtos, bem como
explicita a possibilidade de utilização do material de instrumentalização (concebido
segundo uma perspectiva não “tecnicista”, e sim, reflexivo-dialógica) em curso de
formação de professores. Os referidos produtos estão contidos nos Apêndices I e II.
24

A finalização da presente proposta no Mestrado Profissional deu-se com a


realização de curso para professores em formação, como base no material elaborado. A
aplicação desse produto é relatada de forma fundamentada no Capítulo 4 da
dissertação, levando em conta considerações metodológicas dos referenciais da
chamada pesquisa-ação (THIOLLENT, 2011), como pesquisa social na qual
pesquisador e participantes, de forma coletiva, estão englobados e refletem sobre um
problema de modo cooperativo ou participativo, almejando transformações,
modificações, realizações e ações efetivas. Nesse sentido, a partir da vivência do
pesquisador-ministrante em interações com os participantes do curso de extensão na
UFRN e das impressões relatadas pelos próprios participantes, são sugeridas
possibilidades de complementação e mudanças no material didático de formação, as
quais estão sinalizadas no próprio Apêndice II, após a apresentação do referido material
em sua forma original de aplicação10. Sugere-se, por exemplo, a possibilidade de
mudança na ordem de realização das atividades propostas, bem como a disponibilização
de referências adicionais para consulta dos professores, os quais eventualmente sentirão
necessidade de encaminhá-las aos seus próprios alunos.

O Capítulo 5 encerra a presente dissertação ao estabelecer considerações finais


sobre a questão-foco tratada, os produtos elaborados e a intervenção realizada.

10
Elementos oriundos da experiência de aplicação do material de formação no SNEF reforçam as
modificações sugeridas para o próprio material.
25

CAPÍTULO 2

História e Filosofia da Ciência, Natureza da Ciência, Transposição


Didática

Nesse capítulo refletiremos sobre os fundamentos teóricos que norteiam a


presente dissertação de mestrado: as discussões sobre a inserção da História e da
Filosofia da Ciência no Ensino, a temática Natureza da Ciência, obstáculos relacionados
à transposição didática da HFC, incluindo aspectos relacionados à formação docente.

2.1 História da Ciência ... e Ensino

A História da Ciência é uma área de pesquisa consolidada no Brasil e


internacionalmente. Diversas associações realizam congressos periódicos nos quais os
pesquisadores discutem trabalhos relacionados a essa área. No exterior, destacamos a
History of Science Society (fundada em 1924, com sede nos Estados Unidos) e a British
Society for the History of Science (fundada em 1947e sediada no Reino Unido). Já no
Brasil, podem ser citadas como exemplos a Sociedade Brasileira de História da Ciência
(SBHC) e as associações específicas por área, como a Sociedade Brasileira de História
da Matemática (SBHMat) e a Associação Brasileira de Filosofia e História da Biologia
(ABFHiB). Os trabalhos produzidos por profissionais da área são publicados em
revistas acadêmicas nacionais e internacionais, como a Revista Brasileira de História da
Ciência, os Cadernos de História e Filosofia da Ciência da UNICAMP e o periódico
ISIS, mantido pela History of Science Society.

Desde o seu surgimento, entre os séculos XVI e XVII, como uma tentativa de
descrever o desenvolvimento da ciência e justificar a chamada Ciência Moderna, a
própria definição do que seria a História da Ciência (HC) sofreu severas transformações
(ALFONSO-GOLDFARB, 1994). A consolidação como área de pesquisa ocorreu por
volta da década de 1920, quando surgiram seus primeiros profissionais. Escrevia-se a
HC como uma coletânea de feitos de grandes personagens, isto é, um conjunto de
biografias de grandes pesquisadores (seres perfeitos e intocáveis). Eram relatos
cronologicamente organizados sobre estudos e descobertas marcantes para a
humanidade. Os historiadores procuravam no passado as origens do que então era aceito
26

como ciência. Buscavam os “acertos” e desprezavam os “erros” no processo de


construção científica.

Essas concepções historiográficas foram revistas ao longo de décadas de


transformações. Rejeitou-se o anacronismo, isto é, o olhar para o passado tendo como
padrão o que se aceita como ciência no presente. A HC passou a ter como objeto de
estudo não apenas o que atualmente é aceito como ciência, mas sim o que em alguma
época e de algum modo foi proposto ou aceito como conhecimento (ALFONSO-
GOLDFARB, 1994).

A diferença de natureza entre os saberes dessa História da Ciência acadêmica e


da História da Ciência no Ensino é manifesta. Um historiador da ciência produz
trabalhos específicos, aprofundados, detalhados e não necessariamente busca a
aplicabilidade dos mesmos no contexto educacional. O trabalho historiográfico
produzido por um historiador da ciência é diferente de uma narrativa histórica elaborada
para fins educacionais. Porém, isso não implica dizer que a História da Ciência não
possa contribuir para o Ensino.

A História da Ciência acadêmica necessita de uma transposição didática11 para


que chegue ao contexto educacional, cumprindo as funções que dela se espera. Esse
processo demanda conhecimento aprofundado da própria História da Ciência, bem
como da Didática da Ciência. É pautado, dentre outros fatores, pelo resguardo a uma
interpretação diacrônica da ciência (FORATO, 2009; FORATO; PIETROCOLA;
MARTINS, 2012b).

As seções seguintes do presente capítulo tratam dessa possibilidade. Importante


destacar que ao nos referirmos à História da Ciência, nos remetemos também à Filosofia
da Ciência, reconhecendo a relação de interdependência: “A Filosofia da Ciência sem
História da Ciência é vazia; a História da Ciência sem Filosofia da Ciência é cega”
(LAKATOS, 1978, p.21).

11
A transposição didática trata das transformações sofridas pelos saberes acadêmicos até chegarem aos
contextos educacionais. Para o caso da História da Ciência, uma contribuição recente e significativa foi
realizada por Forato (2009), com base nos referenciais propostos por Yves Chevallard (ver
CHEVALLARD, Y. Sobre a teoria da transposição didática: algumas considerações introdutórias.
Revista de Educação, Ciências e Matemática v.3 n.2 mai/ago 2013, p. 1-14. Disponível em
http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/recm/article/viewFile/2338/1111 ).
27

2.2 HFC no Ensino: examinando o peso atual de alguns argumentos

Não é de hoje que a inserção da História e da Filosofia da Ciência no Ensino


vem sendo defendida por diversos pesquisadores. Varias razões têm sido apresentadas
para a inclusão de conteúdos históricos e filosóficos no contexto educacional: a História
e a Filosofia da Ciência podem “humanizar” a Ciência; a História e a Filosofia da
Ciência contribuem para o tratamento interdisciplinar dos conteúdos; a História e a
Filosofia da Ciência têm importância intrínseca como “herança cultural da
humanidade”; a História e a Filosofia da Ciência auxiliam na compreensão dos
conteúdos específicos; a História e a Filosofia da Ciência auxiliam os professores a
compreenderem as dificuldades de aprendizagem dos estudantes; a História e a Filosofia
da Ciência contribuem para a compreensão da natureza do conhecimento científico
(ROBILOTTA, 1988; BIZZO, 1992; MATTHEWS, 1995; MCCOMAS; ALMAZROA;
CLOUGH, 1998; GIL-PÉREZ et al, 2001; PEDUZZI, 2001; DUARTE, 2004; GATTI;
NARDI; SILVA, 2004; GOULART, 2005; MARTINS, 2005; MARTINS, 2006;
LEDERMAN, 2007; MARTINS, 2007; CLOUGH; OLSON, 2008; BRINCKMANN;
DELIZOICOV, 2009; FORATO, 2009; FERREIRA; FERREIRA, 2010; FERREIRA;
MARTINS, 2010; HOTTECKE; SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA; MARTINS,
2012b; LEDERMAN, 2012).

A presente dissertação de mestrado toma como ponto de partida os argumentos


supracitados, e, em especial o último deles, que diz que respeito à chamada Natureza da
Ciência, o qual será focalizado com mais atenção nas demais seções que compõem o
presente capítulo. Antes disso, no entanto, julgamos importante citar e comentar
argumentos contrários à utilização da HFC no Ensino.

Entre os principais argumentos contrários à introdução da HFC no contexto


educacional estão: a História possível em cursos de Ciência é a “pseudo-história”; a
História da Ciência costuma ser “fabricada” para servir a ideologias científicas (“quasi-
history”); a HFC podem desestimular os jovens a seguirem carreiras científicas; não há
espaço nos currículos para a inserção da HFC (MATTHEWS, 1995; VANNUCCHI,
1996; MARTINS, 2006; FERREIRA; MARTINS, 2010).

No tocante à “pseudo-história”, argumenta-se que a HC para o ensino é


incompleta, desfigurada, cheia de omissões, tornando-se assim inevitavelmente uma
28

História da Ciência de má qualidade no ensino. Se a simplificação é inevitável, melhor


seria não usá-la (PEDUZZI, 2001, p. 154). Quanto à “quasi-history”, esse tipo de
contraexemplo da HC é comum em cursos e manuais didáticos de ciência, os quais
transmitem um encadeamento lógico de como teriam sido “descobertos” conceitos
científicos, fornecendo assim uma simples moldura histórica dos acontecimentos.
Apresentam breves notas históricas sobre acontecimentos pontuais e ilustrações de
cientistas acompanhadas de tímidas legendas, grandes invenções e sequencias
cronológicas de teorias (PEDUZZI, 2001, p. 159; PAGLIARINI; SILVA, 2006;
BATISTA; MOHR; FERRARI, 2007). Essas descrições históricas realçam o papel de
um único personagem, o “vitorioso”, e deixam de lado as ideias que foram abandonadas
por terem sido consideradas “erradas” (MARTINS, 2005, p. 314). Ou, ainda, reforçam
uma visão linear e lógica da ciência apresentando cada descoberta encadeada em outra.

Quanto a esses argumentos é importante considerar que, de fato, a história


levada para o contexto educacional demanda recortes e simplificações, dentre outras
particularidades (FORATO, 2009). Constitui-se a partir de transformações na História
da Ciência acadêmica, que passa pelo processo de transposição didática. No entanto,
esse processo não pode ser realizado às cegas. Demanda embasamento teórico e
metodológico aprofundado dos campos de estudos da História da Ciência e da Didática
da Ciência. Caso contrário, corre-se o risco de produzir para fins pedagógicos uma
abordagem seletiva e parcial, resumida a biografias de cientistas (grandes criadores,
descobertas geniais) e histórias engraçadas (“eureka de Arquimedes” e a “maçã de
Newton”), que incorrem em visões deformadas sobre a natureza do conhecimento
científico (MARTINS, 1990; GIL PÉREZ et al, 2001; MARTINS, 2006; PAGLIARINI;
SILVA, 2006; BATISTA; MOHR; FERRARI, 2007). No processo de transposição
didática da HC a seleção é inevitável, mas pode ser razoável:

[...] uma história simplificada [faixa etária, situação educacional] que lance uma luz
sobre os conteúdos discutidos, que não seja uma mera caricatura do processo histórico
(MATTHEWS, 1995, p. 177).

No que tange à desmotivação dos jovens para seguirem carreira científica ao


entrarem em contato com HFC, pode-se advogar justamente o contrario: uma ciência
29

humanizada, que contempla a desmistificação da ideia de ciência produzida por mentes


geniais, motivaria o jovem a se interessar pela ciência (PEDUZZI, 2001).

Quanto à falta de espaço nos currículos para a inserção da HFC no Ensino, as


considerações sobre esse argumento para a Educação Básica e para a Educação
Superior12 diferem entre si (MARTINS, 1990). Em pesquisa empírica realizada com
professores da educação básica da rede pública e licenciandos em Física, o pouco tempo
disponível nas aulas para a inserção da HFC foi uma dificuldade apontada. Essa
dificuldade, no entanto, pode representar um falso dilema, tendo em vista que os
participantes da pesquisa demonstraram conceber a HC como um conteúdo adicional a
ser ensinado e não como uma possível estratégia didática (MARTINS, 2007).

Em geral, pode-se dizer que os argumentos contrários à inclusão da HFC no


Ensino perderam força nas últimas décadas. A polarização a favor e contra a HFC no
Ensino foi se esvaziando.

Pesquisa realizada por Vilas Boas e outros (2013) aponta ausência de atenção
recente a argumentos contrários à inserção didática da HFC, o que teria ocorrido à
medida que se estabeleceu certo fortalecimento da defesa da temática Natureza da
Ciência para o contexto educacional. Segundo a referida pesquisa, esse processo teria
ocorrido, sobretudo, após considerações influentes do pesquisador Michael Matthews
no início da década de 1990 (MATTHEWS, 1995). Passados quase 20 anos dessa
significativa argumentação, o repertório formado por diversos autores se consolidou
como uma base sólida para quem deseja pesquisar sobre essa temática, permanecendo
Matthews como um dos autores mais citados (VITAL; GUERRA, 2014).

O termo Natureza da Ciência (NdC) refere-se a o que é ciência, como a ciência


funciona, como os cientistas atuam como grupo social, como a sociedade influencia e
reage aos empreendimentos científicos. A NdC atualmente é uma linha de pesquisa
consolidada (MCCOMAS; ALMAZROA; CLOUGH, 1998; HARRES, 1999; GIL
PÉREZ et al, 2001; LEDERMAN, 2006; PAGLIARINI; SILVA, 2006; CLOUGH;
OLSON, 2008; QUINTAL; GUERRA, 2009; LEDERMAN, 2012; PENA; TEIXEIRA,
2013; SASSERON; BRICCIA; CARVALHO, 2013).

12
No Ensino Superior, alguns cursos, como Física, Química e Biologia apresentam em sua grade
curricular uma disciplina específica para a HFC, na maioria das vezes desvinculada das demais
disciplinas do currículo.
30

Existe certo consenso no que diz respeito à importância da temática Natureza da


Ciência para a alfabetização científica, sendo a discussão de episódios históricos em
sala de aula, em diferentes contextos educacionais, intrinsecamente atrelada a iniciativas
nesse sentido. Em relação à formação de pesquisadores de áreas científicas, por
exemplo, afirma-se: “[...] não é mais o caso de saber se deve ou não haver inserção de
história da ciência, mas é imperativo que cientistas tenham clareza do significado de sua
atividade” (VILAS BOAS et al., 2013, p. 294). No tocante à formação de professores de
Física, por sua vez, a importância da temática vem sendo amplamente citada, o que será
objeto de reflexão ainda no presente capítulo. Em termos gerais, a abordagem desses
elementos permitiria a problematização de visões “ingênuas” da ciência e comporia um
dos eixos primordiais para a alfabetização científica: “Compreensão da natureza das
ciências e dos fatores éticos e políticos que circundam sua prática” (SASSERON;
BRICCIA; CARVALHO, 2013, p. 268).

Como desdobramentos recentes, vem sendo ressaltado que a temática Natureza


da Ciência é dinâmica e complexa, não havendo uma visão única adequada sobre a
NdC. Adverte-se que seria inadmissível sustentar que o Ensino inclua de forma
dogmática uma listagem de aspectos fechados (BAGDONAS; SILVA, 2013, p. 216).
Desse modo, não como “receita de bolo” ou como protocolo do que ensinar, podem ser
úteis para pesquisadores e professores listagens de elementos da NdC cuja importância
para o contexto educacional desperta relativo consenso. Uma listagem nesse sentido foi
elaborada por McComas (2008, p. 251), em levantamento a partir da literatura da área:

 Observações são dependentes de pressupostos teóricos;


 A ciência é criativa na elaboração dos seus conceitos;
 O conhecimento científico tem caráter provisório, isto é, o
conhecimento científico é mutável;
 A ciência é uma produção humana, passível de erros e obstáculos, que
são transpostos, como parte do processo;
 Não há um método científico único pelo qual a ciência é produzida;
 Leis e teorias se relacionam, impactando uma sobre a outra, mas não
têm o mesmo significado;
31

 O conhecimento científico se apoia fortemente, mas não inteiramente,


em observações, evidências experimentais, argumentos racionais e no
ceticismo;
 Há influências históricas, sociais e culturais na prática científica.

Em sala de aula, é recomendável que enunciados sobre a Natureza da Ciência


não sejam simplesmente listados (FERREIRA; MARTINS, 2010). Estudos na área vêm
reiterando a utilização da HC como uma estratégia efetiva para contextualização dessas
questões: “No Ensino de NdC em qualquer nível, exemplos da história da ciência são
úteis para gerar discussões sobre NdC e compreender sua natureza contextual”
(CLOUGH; OLSON, 2008, p. 144).

Recomenda-se a utilização de episódios históricos na discussão sobre o


funcionamento da ciência (MCCOMAS, 2008, p. 251), como importante recurso, por
exemplo, para o ensino de aspectos relacionados à metodologia científica:

[...] O estudo histórico de como um cientista realmente desenvolveu sua


pesquisa ensina mais sobre o real processo científico do que qualquer manual
de metodologia científica. (MARTINS, 2006, p. XXIII).

Nesse sentido, a História da Ciência tem sido apontada como um dos caminhos
possíveis para essa contextualização, consoante o fato de que episódios históricos
subsidiam exemplos de discussões inerentes à natureza do trabalho científico.
Recomenda-se que esses conteúdos sejam abordados de forma explicita,
contextualizada e reflexiva por intermédio da História da Ciência (LEDERMAN, 1992;
MCCOMAS, 2008; FORATO, 2009).

Como mostra a seção seguinte do presente capítulo, essa recomendação


ultrapassou os limites acadêmicos e, de fato, ganhou ressonância na legislação
educacional brasileira. Por isso, vem se ressaltando, dentre outros aspectos, a
necessidade de atuar na sensibilização e formação docente tendo em vista o contato com
propostas didáticas de cunho histórico-filosófico para a abordagem da temática NdC.

2.3 HFC no Ensino: legislação educacional, livros didáticos e formação


docente
32

Ao longo das últimas décadas, diversos países reformularam e incorporaram em


seus currículos de ciências a integração de conteúdos relacionados a uma perspectiva
histórico-filosófica. Esse foi o caso do Canadá, Estados Unidos, Reino Unido,
Dinamarca, Holanda entre outros (MATTHEWS, 1994; VANNUCCHI, 1996).

No Brasil, essa incorporação transparece em documentos oficiais que regem a


educação (Lei de Diretrizes e Bases – LDB (BRASIL, 1999), Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCN (BRASIL, 2002a) e Programa Nacional do Livro Didático – PNLD
(BRASIL, 2015). Esses documentos sinalizam a importância de ensinar a ciência como
construção humana, fruto de determinada época e cultura. Reforça-se o entendimento de
que o Ensino deve contemplar o equilíbrio entre processo e produto, de forma que o
ensinar ciência e o ensinar sobre a ciência não estão dissociados. O artigo 36 da lei
9.394 da LDB ressalta a importância da “compreensão do significado da ciência” pelo
educando (BRASIL, 1999, p. 46). Essa recomendação é recorrente na legislação
educacional brasileira, a qual enfatiza:

[...] é essencial que o conhecimento físico seja explicitado como um processo


histórico, objeto de contínua transformação e associado às outras formas de
expressão e produção humanas (PCNEM – Brasil, 1999, p. 22).

A Física percebida enquanto construção histórica, como atividade social


humana, emerge da cultura e leva à compreensão de que modelos
explicativos não são únicos nem finais, tendo se sucedido ao longo dos
tempos, [...]. O surgimento de teorias físicas mantém uma relação complexa
com o contexto social em que ocorreram (PCNEM – Brasil, 1999, p. 27).

Compreender as ciências como construções humanas, entendendo como elas


se desenvolvem por acumulação, continuidade ou ruptura de paradigmas,
relacionando o desenvolvimento científico com a transformação da sociedade
(DCNEM, 1998, Art. 10/1).

Essa compreensão é contemplada em critério avaliativo dos livros didáticos do


Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Questiona-se se o material didático:

Contempla a história da ciência articulada aos assuntos desenvolvidos,


evitando reduzi-la a cronologias, biografias de cientistas ou a descobertas
isoladas (PNLD, 2015, Guia de livros didáticos).
33

No entanto, apesar das recomendações explícitas no PNLD, a inserção da HFC


nos livros didáticos para a Educação Básica costuma ser problemática e não garante a
sua presença adequada em sala de aula (BATISTA; MOHR; FERRARI, 2007; PENA;
TEIXEIRA, 2013). Os livros raramente abordam de forma significativa o
desenvolvimento histórico da ciência e a Natureza da Ciência, apresentando-as de forma
distorcida (HOTTECKE; SILVA, 2010). Na maioria das vezes são apresentados mitos
científicos (PAGLIARINI; SILVA, 2006). Conforme Martins (2006) sintetiza:

Os livros científicos didáticos enfatizam os resultados aos quais a ciência


chegou – as teorias e conceitos que aceitamos, as técnicas de análise que
utilizamos – mas não costumam apresentar alguns outros aspectos da ciência.
De que modo as teorias e os conceitos se desenvolveram? Como os cientistas
trabalham? Quais as ideias que não aceitamos hoje em dia e que eram aceitas
no passado? Quais as relações entre ciência, filosofia e religião? Qual a
relação entre o desenvolvimento do pensamento científico e outros
desenvolvimentos históricos que ocorreram na mesma época? ( p. XXII).

O guia do livro didático do PNLD/2015 Física destaca a evolução na quantidade


de obras que vem sendo aprovadas ao longo dos anos. Aponta um aumento significativo
na aprovação das obras inscritas no PNLEM. Em 2009, o percentual de aprovação era
de apenas 27%, enquanto que atualmente o índice de aprovação subiu pra 70% das
obras avaliadas. No tocante à nossa linha de pesquisa – História e Filosofia da Ciência –
o guia do livro didático mostra que das 14 obras aprovadas no PNLD/2015, apenas 6
utilizam a História da Ciência em suas obras (PNLD, 2015, Guia de livros didáticos).

Dificuldades relacionadas aos materiais didáticos, com frequência, são citadas


pela literatura de forma a acompanharem outras barreiras à inserção da HFC no Ensino:

(1) carência de um número suficiente de professores com a formação


adequada para pesquisar e ensinar deforma correta a história da ciência; (2) a
falta de material didático adequado (textos sobre história da ciência) que
possa ser utilizado no Ensino; e (3) equívocos a respeito da própria natureza
da história da ciência e seu uso na educação (MARTINS, 2006, p. XXVII).

Apesar das recomendações dos pesquisadores e da própria legislação, em geral,


a presença de conteúdos relacionados à HFC é muito fraca se levarmos em conta a
prática educacional (ZANETIC, 1989; PAGLIARINI, 2007). Boa parte desse contexto
explica-se por lacunas que dificultam a concretização de iniciativas para a inserção da
34

HFC no Ensino. Essas lacunas (como mencionamos no Capítulo 1) são caracterizadas


pela a tímida presença da HFC na formação dos professores, a falta de material
adequado, a insegurança por parte dos professores no que diz respeito a intervenções
que envolvam a HFC (DUARTE, 2004; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009;
FERREIRA; FERREIRA, 2010).

Na Educação Básica, nos níveis fundamental e médio, não existe uma disciplina
específica para a História e Filosofia da Ciência. A utilização da perspectiva histórica e
filosófica ocorre com pouca frequência, em algumas aulas ou projetos isolados (ver
BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009), quase sempre a cargo de um professor que se
interessa pela abordagem em questão.

Em pesquisas empíricas, licenciandos e professores de Física de escolas públicas


relatam que cursos de formação inicial não oferecem subsídios para que se sintam
capazes de planejar e executar aulas incorporando uma perspectiva histórico-filosófica
(DUARTE, 2004; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FERREIRA; FERREIRA,
2010). De certa forma, os participantes dessas pesquisas reconhecem a sua falta de
preparo. Adicionalmente, essas pesquisas identificam aspectos ainda mais dramáticos.
Seriam “equívocos a respeito da própria natureza da história da ciência e seu uso na
educação” (MARTINS, 2006, p. xxvii; grifo nosso). Por um lado, pouco compreendem
o que seria História da Ciência (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2012b). Por
outro, entendem a HFC somente como introdução ilustrativa acessória, não essencial
(MARTINS, 2007), por mais que a legislação educacional frise o oposto.

Contrariamente ao panorama atual, a devida preparação de professores para a


inserção de conteúdos históricos e filosóficos nas aulas de ciências colaboraria para que
esses profissionais reconhecessem e avaliassem criticamente a História da Ciência
presente nos livros didáticos (DUARTE, 2004; GATTI; NARDI; SILVA, 2004;
GOULART, 2005; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FERREIRA; FERREIRA,
2010). Aponta-se que

[...] compensar a falta de preparo do professor para lidar com saberes da HFC
na sala de aula inclui prepará-lo para identificar e problematizar
manifestações anacrônicas. Materiais didáticos poderiam incluir orientações e
advertências sobre ideias inesperadas e possíveis modos para se lidar com
elas (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2012b, p. 148).
35

A qualificação dos profissionais da educação para uso da HFC no Ensino teria


grande valia para que os mesmos pudessem identificar visões inadequadas da ciência
transmitidas por descrições do tipo "quase-history” e “pseudo-história” (GIL PÉREZ et
al, 2001). Nesse sentido, um sério entrave a essa perspectiva é que parcela significativa
dos professores compartilha justamente de concepções ingênuas de ciência e, por isso,
recebe de forma aquiescente os modelos de "quase-history” e “pseudo-história”
recorrentes em materiais didáticos (PAGLIARINI; SILVA, 2006; BATISTA; MOHR;
FERRARI, 2007; HOTTECKE; SILVA, 2010).

Gil Pérez e colaboradores (2001) diagnosticaram sete visões “deformadas”


sustentadas por professores:
 concepções empírico-indutivista e ateóricas - destacam o papel “neutro” da
observação e da experimentação, excluindo os pressupostos teóricos inerentes ao
processo de construção do conhecimento científico;
 visão rígida – o “método científico” é o caminho único para construção do
conhecimento científico;
 visão aproblemática e ahistórica – os conhecimentos são dissociados de
problemas, não são respostas historicamente construídas por seres humanos a
partir de perguntas;
 visão exclusivamente analítica – destaca a necessária divisão dos conteúdos,
intencionalmente para simplificar esses conteúdos;
 visão acumulativa de crescimento linear – o desenvolvimento científico
aparece como consequência de um crescimento linear, sendo uma visão
simplista de como o conhecimento científico foi construído;
 visão individualista e elitista – o conhecimento científico aparece como obra de
gênios isolados, ignorando-se o caráter cooperativista da produção do
conhecimento científico
 visão socialmente neutra – não leva em consideração a complexa relação entre
a ciência e a sociedade tornando os cientistas acima “do bem e do mal”.

Em conjunto, essas visões formam um esquema conceitual relativamente


integrado: o conhecimento científico acumular-se-ia por meio de descobertas
individuais, realizadas sem dificuldade por cientistas geniais, agindo de modo neutro e
imparcial. Esse tipo de concepção exerce impacto no contexto educacional, podendo
36

influenciar a visão dos alunos, ainda que o professor não tenha a intenção de tratar sobre
NdC em suas aulas: a “postura teórica do professor sobre a natureza da ciência (sua
própria epistemologia) pode ser transmitida de forma explícita ou implícita”
(MATTHEWS, 1995, p. 187).

No caso de discussões deliberadas e efetivas sobre a temática NdC, por mais


significativa que seja a argumentação acadêmica e ainda que tal perspectiva seja
abraçada pela legislação, sua presença ainda é tímida em salas de aula. Acredita-se que
a ausência desses conteúdos remeta ao desconhecimento da temática pelos professores
ou, ainda, à falta de preparo dos mesmos, que se sentem inseguros para abordá-la em
suas aulas (MATTHEWS, 1995; MCCOMAS et al., 1998; HARRES, 1999;
LEDERMAN, 2007). Portanto, é necessário proporcionar, na formação dos professores,
espaços de discussão sobre a NdC e suas possibilidades de inclusão no contexto
educacional por meio da HFC.

A seção seguinte do presente capítulo discorre sobre pressupostos básicos da


historiografia da ciência, os quais se relacionam a barreiras à HFC no Ensino que
tangenciam lacunas na formação docente, especialmente no que diz respeito a
“equívocos a respeito da própria natureza da História da Ciência (MARTINS, 2006, p.
xxvii)”. Esses pressupostos foram levados em conta na elaboração das narrativas
históricas sobre o vácuo e pressão atmosférica, um dos produtos educacionais do
presente mestrado. Tais aspectos foram enfatizados também no material didático
direcionado para professores do Ensino Médio, visando colaborar para a formação dos
mesmos, portanto, na perspectiva de atuar em lacunas identificadas pela literatura.

2.4 HFC no Ensino e Historiografia

Segundo estudo recente, do tipo estado da arte, as narrativas históricas têm sido
um dos suportes mais recorrentes nas propostas de inserção da HFC no contexto
educacional (TEIXEIRA; GRECA; FREIRE JR, 2012). As potencialidades das
narrativas para o Ensino de Ciências e, em particular, no que tange à promoção de
discussões sobre Natureza da Ciência vêm sendo destacadas pela literatura (RIBEIRO;
MARTINS, 2007). Pode-se aproximar o aluno da cultura científica, descrevendo e
situando social, política e historicamente, os processos de produção do conhecimento
científico.
37

Justifica-se, portanto, a iniciativa, levada a cabo no presente mestrado, de


elaborar narrativas históricas, isto é, textos histórico-pedagógicos, potencialmente
destinados à inserção da temática NdC no Ensino Médio. Particularmente, buscou-se
retomar episódios relacionados à História do Vácuo e da Pressão Atmosférica tendo em
vista o seu rico potencial histórico, ainda pouco explorado no contexto educacional.

Por outro lado, na presente proposta, tais narrativas não são efetivamente
aplicadas na Educação Básica, mas sim são tomadas para discussão específica em
formação docente. Configuram-se, fundamentalmente, como elementos para mediação
das discussões. Propôs-se material didático voltado para a formação de professores a
respeito da transposição didática envolvida na elaboração das narrativas, o qual
remete a questões relacionadas ao uso das mesmas em salas de aula.

Para a fundamentação teórica foram primordiais considerações acerca da


importância de reflexões sobre a historiografia da História da Ciência para a inserção da
HFC no Ensino. Aponta-se que o processo de elaboração de materiais e propostas
didáticas deve envolver uma profunda reflexão tendo em vista a construção de uma
HFC que não seja do tipo pseudo-história, Whig ou anacrônica e que, ao mesmo tempo,
seja apropriada ao contexto educacional (VIDEIRA, 2007; FORATO, 2009; FORATO;
PIETROCOLA; MARTINS, 2012b).

Particularmente, norteou o processo de elaboração das narrativas certas


concepções expressas na literatura:

A elaboração de narrativas históricas e os aspectos epistemológicos que elas


transmitem podem ser avaliados e orientados pela historiografia atual da
História da Ciência (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2012b, p. 126).

Uma narrativa histórica será melhor, quanto mais consciente for o seu autor
dos pressupostos historiográficos empregados para elaborá-la (VIDEIRA,
2007, p. 123).

Igualmente, a escolha dos elementos destacados na proposta voltada para a


formação docente levou em conta indicações de que as normativas atuais da
historiografia seriam ponto crucial para a HFC no Ensino e, portanto, para a própria
preparação dos professores. Parte-se do princípio de que professores cientes dessas
normativas observariam de forma mais consciente, por exemplo, a HFC presente em
38

materiais didáticos e poderiam perceber a intercorrência de eventuais elementos do tipo


pseudo-história, história Whig13, quasi-history e anacronismos:

[...] defende-se que conhecer alguns pressupostos básicos da historiografia


pode auxiliar nos usos da HFC no Ensino de ciência, contribuindo para uma
leitura mais crítica das versões históricas presentes no Ensino de ciências.
(FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011, p. 36).

A perspectiva que aponta os pressupostos básicos da historiografia da ciência


como saber importante para a formação docente justifica-se pela necessidade de evitar a
propagação no contexto educacional das visões ingênuas de ciência às quais as
distorções históricas se articulam:

Essas críticas às distorções da história presentes na educação científica devem-


se menos a um preciosismo histórico em si, e voltam-se muito mais à
preocupação sobre a visão de ciência que tais versões fomentam em
professores e estudantes (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011, p. 36).

Nesse sentido, as narrativas foram elaboradas tendo em vista pressupostos


historiográficos atuais e o material de formação docente busca primordialmente lançar
luz sobre o referido processo de elaboração, ressaltando a importância desses elementos
para uma contextualização não distorcida da natureza do trabalho científico.

A transposição para o contexto educacional da História da Ciência acadêmica,


especializada, implica lidar com aspectos importantes. Certas questões são significativas
no processo de elaboração de propostas didáticas que objetivam tratar sobre a Natureza
da Ciência de modo contextualizado, por meio de episódios da História da Ciência.
Refletir sobre como inserir determinados conteúdos históricos no contexto educacional
dependeria inclusive de particularidades inerentes à própria temática histórica
focalizada (FORATO, 2009; HÖTTECKE; SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA;
MARTINS, 2012b).

Nessas circunstâncias, as escolhas das mensagens sobre a Natureza da Ciência,


da temática histórica e dos aspectos históricos a enfatizar em cada episódio se
entrelaçam. Deve ser levado em conta o nível de aprofundamento dos aspectos
13
O termo Whig foi inspirado na pratica de um partido político na Grã-Bretanha, “que moldava a história
com a finalidade de substanciar o próprio poder. Esse termo na história da Ciência designa um tipo de
anacronismo que glorifica a genialidade de alguns personagens, batizando-os de pais de inventos e
campos de estudos” (FORATO, 2009, p. 20).
39

históricos. Acrescenta-se, ainda, a atenção quanto à existência de conteúdos históricos


que não são de fácil compreensão. Esses aspectos dependem dos contextos particulares
para os quais se dirigem as propostas didáticas e dos seus objetivos. É fundamental
formular atividades adequadas sob o ponto de vista pedagógico e epistemológico.

No contexto da presente dissertação, as reflexões recentes da literatura


relacionada à transposição dos conteúdos históricos para o contexto educacional foram
observadas na elaboração de textos histórico-pedagógicos, isto é, narrativas sobre a
temática vácuo e pressão atmosférica, as quais são apresentadas no Capítulo 3. No
referido capítulo, discutem-se aspectos dessa transposição tendo em vista os objetivos
dessa proposta específica. Apresentam-se considerações sobre obstáculos e desafios
particularmente enfrentados na elaboração desse material didático, como a extensão e
profundidade dos textos, a quantidade de informações contempladas e a formulação
discursiva. Procura-se chamar a atenção para as potencialidades, bem como para as
limitações do material elaborado, pontos que remetem explicitamente a reflexões
relacionadas à utilização em sala de aula.

O mesmo Capítulo apresenta material educacional voltado para a


instrumentação dos professores. Este material, concebido segundo uma perspectiva não
“tecnicista”, e sim, reflexivo-dialógica, visa à discussão de aspectos relacionados a esse
tipo de suporte, isto é, narrativas para a inserção da HFC na Educação Básica.
Considera-se que a viabilidade da inserção das narrativas em sala de aula se relaciona à
sua flexibilidade (HÖTTECKE; SILVA, 2010), sendo essa uma característica que
precisa ser bem como compreendida e explorada pelo professor a fim de adaptar
propostas ao seu próprio contexto.

Os professores precisam se sentir beneficiados com os novos materiais, [...],


os materiais devem ser elaborados de modo flexível de forma a permitir que
os professores os adaptem às suas condições atuais e locais (HÖTTECKE;
SILVA, 2010, p. 17).

A elaboração do segundo produto educacional apresentado no Capítulo 3 leva


em conta, portanto, a necessidade de atentar para a falta de pré-requisitos e preparação
do professor para a utilização desse tipo de material (FORATO; PIETROCOLA;
MARTINS, 2012b, p. 131).
40

CAPÍTULO 3

Sobre os Produtos Educacionais elaborados

No âmbito do processo desenvolvido na presente dissertação, buscou-se


explorar o rico potencial didático ainda significativamente incólume da temática
História do Vácuo e da Pressão Atmosférica. Foram desenvolvidas narrativas históricas
(APÊNDICE I) que podem ser utilizadas por professores do Ensino Básico para a
inserção da História e Filosofia da Ciência em salas de aula de Física. Esse primeiro
produto não foi efetivamente aplicado no contexto da Educação Básica. A intenção ao
elaborá-los foi que constituíssem peça importante como elemento de mediação em
discussões direcionadas à formação docente. Assim, motivou a elaboração desse
primeiro produto educacional, a necessidade de constituir um elemento específico que
servisse a tal função.

Desenvolveu-se, ainda, como segundo produto educacional (APÊNDICE II)


um material voltado para a instrumentação de professores (em perspectiva não
tecnicista, e sim dialógica), o qual visa à compreensão das potencialidades dessas
narrativas e do seu processo de elaboração, tangenciando questões relacionadas à
implementação de propostas envolvendo esse tipo de suporte na Educação Básica.
Lacunas na formação docente acerca das discussões sobre NdC, a inserção da HFC em
sala de aula e a transposição didática da História da Ciência serviram de inspiração para
o desenvolvimento desse segundo produto (GOULART, 2005; MARTINS, 2007;
BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; HÖTTECKE; SILVA, 2010).

À luz dos referenciais teóricos registrados no Capítulo 2, comentaremos sobre


os referidos produtos e faremos um “passeio” pelo processo de construção de cada um
deles.

3.1 Sobre o primeiro produto: os textos histórico-pedagógicos

3.1.1 Recortes históricos


41

Como possibilidade de transposição didática da HFC, optamos pela elaboração


de textos histórico-pedagógicos, isto é, textos do tipo narrativas históricas14.

Ribeiro e Martins (2007) tecem argumentos favoráveis à utilização de narrativas,


em especial, no ensino de disciplinas científicas, justificando que as mesmas apresentam
potencial significativo para promover discussões sobre Natureza da Ciência (NdC).
Segundo estudo recente do tipo “estado da arte”, desenvolvido por Teixeira, Greca e
Freire Junior (2012, p. 27) boa parte das propostas didáticas para a inserção da HFC no
Ensino tem envolvido a elaboração e utilização desse tipo de suporte. De fato, o
potencial desse tipo de material vem sendo explorado, e, com base nas iniciativas já
realizadas, especialistas apontam a necessidade de levar em conta vários aspectos em
sua elaboração e utilização (FORATO, 2009; HÖTTECKE; SILVA, 2010; FORATO;
MARTINS; PIETROCOLA, 2012a e b).

Ribeiro e Martins (2007) identificaram formas nas quais as narrativas


relacionadas à História da Ciência estão inseridas em textos didáticos. Duas categorias
foram catalogadas: narrativas em forma de introdução e narrativas ao final dos textos.
De forma divergente desse tipo de proposta, ressaltamos que as narrativas elaboradas
sobre a História do Vácuo e da Pressão Atmosférica, como primeiro produto
educacional, pela sua própria natureza, potencialmente não foram pensadas com a
intenção de servir como introdução de caráter motivador, nem tão pouco, como
ilustração de conteúdos abordados. Considerou-se em sua elaboração que as discussões
sobre Natureza da Ciência, devem exercer um papel central na formação do estudante.
A NdC compõe um dos eixos primordiais para a alfabetização científica: “Compreensão
da natureza das ciências e dos fatores éticos e políticos que circundam sua prática”
(SASSERON; BRICCIA; CARVALHO, 2013, p. 268).

Optou-se pela temática vácuo e pressão atmosférica, devido à sua potencialidade


para a elaboração de sete textos histórico-pedagógicos curtos, direcionados para o
Ensino Médio, que, fundamentalmente, objetivassem discutir sobre o processo de
contribuições, desacordos e rupturas, como aspectos importantes relacionados à
natureza do empreendimento científico.

14
Uma discussão específica sobre o processo de elaboração dos textos histórico-pedagógicos e de suas
potencialidades no que tangem às discussões sobre a Natureza da Ciência foi apresentado no EPEF 2014
(NICÁCIO et al., 2014).
42

Em dissertação anterior, defendida em 2012 por orientando no nosso mesmo


grupo de estudos, foi elaborado como subsídio para professores do Ensino Básico o
15
texto “Uma breve história do vácuo” (ver OLIVEIRA, 2013). Em conjunto com
trabalhos acadêmicos relacionados à História do Vácuo e Pressão Atmosférica, esse
texto serviu de subsidio para a elaboração das narrativas (MARTINS, 1989; PORTELA,
2006; LONGUINI; NARDI, 2009) 16.

Como vimos no Capítulo 2, elaborar textos didáticos de cunho histórico-


filosófico para o Ensino Médio é um desafio qualquer que seja a temática escolhida
(FORATO, 2009). Selecionar e omitir conteúdos, pensar em como inseri-los depende de
particularidades da temática histórica em si, do contexto educacional para o qual se
dirige a proposta didática e dos seus objetivos específicos. Realizou-se um recorte
histórico, isto é, a seleção de determinados conteúdos históricos. Foram produzidos
textos curtos (2 a 3 páginas no máximo), divididos por períodos e centrados em alguns
episódios históricos específicos: Texto 1: “As concepções sobre o vácuo na
Antiguidade”, Texto 2: “E as ideias continuavam surgindo....”, Texto 3: “E a História da
Ciência segue, com rupturas e também continuidades...”, Texto 4: “Ideias sobre o vácuo
na Idade Média – Parte 1”, Texto 5: “Ideias sobre o vácuo na Idade Média – Parte 2”,
Texto 6: “O vazio na Revolução Científica – Parte 1”, Texto 7: “O vazio na Revolução
Científica – Parte 2”. Os textos, que constituem o primeiro produto educacional da
presente dissertação de mestrado, encontram-se no Apêndice I.

Nos textos relativos à Antiguidade foram apresentadas as controvérsias


envolvendo Aristóteles, eleatas e atomistas quanto à existência do vazio. Nos textos
sobre a Idade Média foram expostas evidências da época a favor da negação do vazio.
Notadamente, foram lembradas discussões dos pensadores sobre elementos do
cotidiano, como o sifão e o canudo, bem como experimentos imaginários sugeridos por
esses pensadores. A negação do vazio mostrava a força da argumentação aristotélica no
período em meio a algumas vozes dissonantes. Os dois últimos textos sobre a

15
Esse texto foi elaborado para a consulta por parte de professores interessados nessa temática histórica.
Devido a características como extensão, aprofundamento e linguagem, o texto não pode ser inserido
diretamente na educação básica. Várias considerações referentes à transposição didática precisam ser
levadas em conta para a elaboração das narrativas históricas a partir do texto concebido para consulta dos
professores (FORATO, 2009; FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2012a e b).
16
Esses referenciais podem ser muito úteis aos professores como fonte de consulta e aprofundamento
acerca da referida temática histórica. Existem outros materiais de apoio produzidos no grupo de estudo
dos quais os professores podem se beneficiar, como BATISTA, 2014.
43

Revolução Científica registram o abalo à tradição do horror ao vácuo em decorrência da


retomada de argumentos atomistas e da aceitação da concepção de que o ar tem peso e
exerce pressão, o que sugeria novas interpretações para certos fenômenos.

3.1.2 Natureza da Ciência por meio dos episódios históricos

Por meio da articulação dos conteúdos históricos selecionados, tencionou-se ao


longo dos textos, enfatizar de modo explícito e contextualizado, como vêm sendo
recomendado pela literatura, aspectos relacionados à natureza do conhecimento
científico: a cooperação na ciência, a dependência das observações em relação a
pressupostos teóricos, a possibilidade de desacordo entre os pesquisadores e a
provisoriedade do conhecimento (MCCOMAS et al., 1998). Os textos procuram
contrariar determinadas visões deformadas de ciência: visão a-problemática e a-
histórica, visão individualista e elitista, visão acumulativa de crescimento linear e visão
indutivista e a-teórica da ciência (GIL PÉREZ et al., 2001). Como destacam Boas e
outros, um levantamento bibliográfico recente em periódicos nacionais, permite
concluir acerca da inexistência de argumentação contrária à importância da discussão
sobre a Natureza da Ciência:

[...] a argumentação a favor da inserção de história da ciência no ensino de


disciplinas científicas tem sido conduzida a partir da importância conferida ao
esclarecimento da natureza da ciência (2013, p. 287)

Citamos a seguir exemplos que ilustram a iniciativa de estabelecer a NdC como


temática central dos textos elaborados.

Em contraposição a uma visão de ciência a-problemática e a-histórica,


enfatizou-se a busca laboriosa de soluções para problemas pelos pesquisadores:

Mais ou menos na mesma época do Beeckman, Giovanni Baliani escreveu


uma carta para Galileu Galilei (você já deve ter ouvido falar sobre ele!)
pedindo ajuda para solucionar o problema de um sifão que deveria elevar
água até uma colina de 21 m de altura, mas não funcionava (por isso o nome
“inoperante”). [Texto “O vazio na Revolução Científica” – Parte 1].

[...] Como vimos, desde a Antiguidade as pessoas pensavam na relação entre


vazio e movimento. Nicholas de Autrecourt seguiu o mesmo rumo.
Argumentou que quando um corpo se movia o ar a sua frente se condensava
44

nos espaços vazios internos da matéria “ar”. Para ele, o fenômeno do


movimento sugeria que o vazio existia na natureza. Como se diz na ciência...
O movimento seria para ele uma evidência empírica (relacionada ao
experimento) a favor da existência do vazio. [Texto “Ideias sobre o vácuo na
Idade Média” – Parte 2]

Os trechos destacados anteriormente evidenciam também outra característica


importante da ciência: a cooperação. Essas e outras diversas passagens dos textos
contrapõem-se a uma visão individualista e elitista da ciência.

Teve gente que gostou da explicação. Como ciência é uma atividade de


cooperação, isto é, o que um propôs pode ser ponto de partida para outro
concordar (ou mesmo discordar!!!)... O argumento de Buridan foi levado
adiante por alguns pesquisadores. [Texto “Ideias sobre o vácuo na Idade
Média” – Parte 1].

Naquela época, Isaac Beeckman, um aluno de Stevin (olha aí a cooperação na


ciência), realizou um importante raciocínio. [Texto “O vazio na Revolução
Científica” – Parte 1].

Francisco de Toledo, também participante da turma dos que negavam o


vazio, concordou que seria impossível abrir o fole tampado e acrescentou que
se uma força muito grande fosse aplicada, o fole se quebraria antes de haver a
separação de seus lados. [Texto “Ideias sobre o vácuo na Idade Média” –
Parte 2].

Pois bem, como na História da Ciência, as pessoas não partem do nada, no


século IX, o pensador árabe Avicena seguiu a antiga concepção de que o
vazio não poderia existir. Usando argumentos conhecidos, ele discutiu
fenômenos do dia a dia, como o funcionamento do sifão. [Texto “Ideias sobre
o vácuo na Idade Média” – Parte 1]

Pouco depois da chegada dos portugueses ao Brasil, vários pesquisadores na


Europa estavam dizendo que o ar tinha peso e pressionava as coisas. É claro
que essa ideia não surgiu de uma hora para outra. Você já deve ter notado
pelos outros textos que as ideias na ciência não brotam de repente. Tudo
depende de esforço, trabalho e discussões que envolvem muitos
pesquisadores. Nesse caso não foi diferente. [Texto “O vazio na Revolução
Científica” – Parte 1].

Os pensadores medievais intensificaram as discussões sobre o vácuo.


Resgataram elementos importantes da Antiguidade, como as obras de
45

Aristóteles, que traziam as concepções do filósofo sobre matéria, vazio e


movimento. [Texto “Ideias sobre o vácuo na Idade Média” – Parte 1].

O filósofo grego Aristóteles estudou muito as ideias desses pensadores,


estudou mais, mais ainda e propôs o seguinte: o movimento podia ser visto,
de fato existia, mas nem por isso o vazio precisava existir. [Aristóteles] Era
“do contra” mesmo: discordou dos atomistas e dos eleatas ao mesmo tempo!
[Texto “Concepções sobre o vácuo na Antiguidade”].

Veja, então, que ciência é uma atividade de cooperação e não individual.


Torricelli não fez tudo sozinho, do nada. Bem, e quais, então, foram as
impressões dele? [Texto “O vazio na Revolução Científica” – Parte 2]

Ao longo dos textos procurou-se, assim, transmitir uma imagem de ciência viva
e dinâmica. Foram elaboradas, ainda, passagens que sinalizam as rupturas na ciência,
opondo-se, assim a uma visão acumulativa e linear do desenvolvimento científico.

Ao longo do século XVII, na chamada Revolução Científica, as discussões


sobre o vazio continuaram e tomaram novos rumos... Rumos inesperados que
acabariam provocando uma ruptura com a visão de que a natureza tinha
horror ao vácuo. [Texto “O vazio na Revolução Científica” – Parte 1].

É inerente a esse tipo de construção deixar transparecer o caráter provisório,


mutável do conhecimento científico. A importância desse aspecto da NdC motiva a sua
alusão explícita em alguns trechos dos textos elaborados.

[...] Afinal, quem disse que estamos certos, isto é, que nossas interpretações
são definitivas? A beleza da ciência é justamente não haver essa certeza. O
conhecimento científico é provisório. [Texto “O vazio na Revolução
Científica” – Parte 1].

Os desacordos, característica marcante da ciência, podem ser inferidos a partir


dessas passagens e são explicitados em diversas outras.

Discordando de Buridan e de Francisco, Bernardino Telesio, mais um dos


poucos que defendiam a existência do vazio, considerou: o fole não se
quebraria se fosse “grosso e pesado”, podendo ser sim aberto por uma grande
força, o que significaria a formação de um espaço vazio entre as paredes
separadas. [Texto “Ideias sobre o vácuo na Idade Média” – Parte 2].

Lembra que falamos que a ciência não é uma atividade isolada, mas sim de
cooperação? Pois bem, discordar também faz parte dessa cooperação, já que a
46

construção do conhecimento também se dá quando um pesquisador pensa de


forma diferente e parte da ideia do outro para rejeitá-la. [Texto “Ideias sobre
o vácuo na Idade Média” – Parte 2].

O pior... Não, o melhor, é que isso não é coisa só do passado. A existência de


visões diferentes sobre um mesmo assunto foi e continua sendo uma
característica importante da ciência: pesquisadores sempre podem discordar
uns dos outros... [Texto “Ideias sobre o vácuo na Idade Média” – Parte 2].

Baliani recebeu a resposta e não concordou com a explicação do colega,


embora também achasse que deveria desistir do sifão. [Texto “O vazio na
Revolução Científica” – Parte 1].

No entanto, a discordância prosseguiu. Houve quem afirmasse que o tubo


teria poros por onde entraria e sairia um fluido sutil. Nesse caso, ao abrir a
torneira, o fluido sairia pelos poros do tubo e a água tomaria o seu lugar.
[Texto “O vazio na Revolução Científica” – Parte 2].

Ainda no que concerne à possibilidade de desacordos, destacou-se nos textos o


uso da palavra interpretação, a fim de mostrar a ciência como tentativa humana de
descrever fenômenos naturais, criativa na invenção de conceitos e explicações.
Ressaltou-se, por exemplo, que ao longo da História da Ciência, existiram várias
interpretações quanto à existência ou não do vazio.

Você já notou que as pessoas costumam mesmo pensar de maneiras


diferentes, observam coisas a partir de diferentes pontos de vista? Pois é, a
natureza não dá respostas prontas aos pesquisadores. Eles interpretam,
concordam e discordam entre si muitas vezes. Basta examinar as notícias
sobre a ciência que você notará isso até hoje. [Texto “Ideias sobre o vácuo na
Idade Média” – Parte 2].

Reparou em como isso é profundo mesmo? Os fenômenos podem ser


interpretados de diferentes maneiras. É isso o que fazem os pesquisadores. E
nesse processo de interpretação, as opiniões podem ser diferentes. [Texto “O
vazio na Revolução Científica” – Parte 1].

Na Ciência, seja na medieval ou na atual, muita criatividade existe na


invenção de conceitos e explicações. A criatividade é uma ferramenta
importantíssima para a elaboração de ideias pelos pesquisadores. A natureza
não dá respostas! [Texto “Ideias sobre o vácuo na Idade Média” – Parte 1].
47

Bem, experimentos não falam e as divergências continuaram porque havia a


possibilidade de outra interpretação: o puxão do vazio na parte superior do
tubo talvez variasse com a altitude. [Texto “O vazio na Revolução Científica”
– Parte 2].

A contraposição a uma visão indutivista e a-teórica da ciência foi enfatizada


em diversas passagens que destacaram a concepção de que hipóteses orientam a
investigação, de modo que as observações são dependentes de pressupostos teóricos.
Observação e experimentação não são neutras, portanto17.

Para Beeckman, sua conclusão tinha muito a ver com o horror ao vácuo.
Adotar a ideia de que o ar tinha peso e exercia pressão (isto é, o novo
fundamento teórico) poderia causar uma revolução no modo como certos
fenômenos eram interpretados. [Texto “O vazio na Revolução Científica” –
Parte 1].

Era possível e continua sendo até hoje na ciência: os pesquisadores


costumam discordar entre si, pois interpretam fenômenos complicados,
partindo de diferentes pontos de vista. [Texto “Concepções sobre o vácuo
na Antiguidade”]

Reparou em como isso é profundo mesmo? Os fenômenos podem ser


interpretados de diferentes maneiras. É isso o que fazem os pesquisadores. E
nesse processo de interpretação, as opiniões podem ser diferentes. [Texto “O
vazio na Revolução Científica” – Parte 1].

[...] Para ele (Avicena), a explicação para o funcionamento do sifão se


baseava em um princípio, um pressuposto teórico bastante aceito naquela
época: a natureza evitaria a produção do vácuo. [Texto “Ideias sobre o vácuo
na Idade Média” – Parte 1].

Avicena e outros muitos pensadores da Idade Média se basearam nesse


fundamento que vinha da Antiguidade e o reforçaram com exemplos: “a
natureza tem horror ao vazio”, diziam eles. [Texto “Ideias sobre o vácuo na
Idade Média” – Parte 1].

Buridan explicou a subida do vinho no canudinho de forma semelhante ao


que Avicena havia comentado sobre o sifão, usando o mesmo pressuposto

17
Como bem pontuam Bagdonas e Silva (2013, p. 216), ao ensinar sobre a Natureza da Ciência não se
cumprir um protocolo rígido de tópicos a ensinar, mas posturas extremas como o empirismo-indutivismo
precisariam ser problematizadas.
48

teórico: o “horror ao vácuo”. [Texto “Ideias sobre o vácuo na Idade Média” –


Parte 1].

Por exemplo, explicava-se a subida de um líquido por um canudo a partir do


pressuposto de que a natureza fazia de tudo para evitar a formação do vazio.
Nesse caso, o líquido subia pelo canudo para ocupar o espaço vazio deixado
pelo ar sugado pela pessoa que tentava bebê-lo. [Texto “O vazio na
Revolução Científica” – Parte 2].

3.1.3 Aspectos centrais da transposição didática da HFC

Como mencionamos no Capítulo 2, a literatura da área vem chamando a atenção


para a necessidade de elaborar propostas didáticas com formulações discursivas
adequadas aos níveis de escolaridade aos quais as mesmas se destinam:

[...] construir um texto interessante e adequado ao estudante da escola básica, e,


ao mesmo tempo, que contemple minimamente a epistemologia pretendida, é
um obstáculo desafiador, mas superável (FORATO; MARTINS;
PIETROCOLA, 2012b, p. 135).

Os textos elaborados como produto educacional mostram pesquisadores em


situações caracterizadas por elementos do cotidiano vivenciado pelos próprios
alunos. O primeiro texto sobre a Idade Média, por exemplo, traz o comentário de Jean
Buridan sobre o uso de canudos para sorver bebidas e a discussão de Avicena sobre o
funcionamento de um sifão. Esse dispositivo retorna no primeiro texto sobre a
Revolução Científica, na discussão entre Baliani e Galileu sobre o sifão inoperante.

Esse último episódio é também utilizado no texto de forma a humanizar o


pesquisador mostrando que o mesmo faz perguntas, hesita, muda de ideia, tem
dúvidas, recorre a colegas (seu comportamento não é tão distante dos próprios alunos):

Figura 02 – Aspecto do texto “Ideias sobre o vácuo na Idade Média” – Parte 1 (ver APÊNDICE I)
49

Mais ou menos na mesma época do Beeckman, Giovanni Baliani escreveu


uma carta para Galileu Galilei (você já deve ter ouvido falar sobre ele!)
pedindo ajuda para solucionar o problema de um sifão que deveria elevar
água até uma colina de 21 m de altura, mas não funcionava (por isso o nome
“inoperante”). [Texto “O vazio na Revolução Científica” – Parte 1].

Buscando a aproximação por meio do diálogo, os textos apresentam


problemas e questões importantes, sobre as quais os leitores-alunos são convidados a
refletir, opinando sobre o desenvolvimento de uma ciência, cujo dinamismo é
ressaltado: “Afinal, quem disse que estamos certos, isto é, que nossas interpretações
são definitivas?”.

Em outros momentos, os alunos-leitores se veem diante de perguntas


importantes para determinadas épocas, e, inclusive, são assinaladas dúvidas
possivelmente compartilhadas pelos próprios alunos:

Os corpos devem ser pressionados de acordo com a coluna de ar acima deles:


“Estamos imersos em um oceano de ar!!!!” (Uma pausa: Se há tanto ar em
cima da gente nos pressionando, por que não somos esmagados contra a terra,
então? Pergunte ao seu professor!) [Texto “O vazio na Revolução Científica”
– Parte 1].

Figura 03 – Aspecto do texto “O vazio na Revolução Científica” – Parte 1 (ver APÊNDICE I)


50

Os textos elaborados podem ser utilizados em sala de aula de forma a se


contraporem a uma perspectiva que vem sendo criticada no ensino científico: “a
apresentação de conhecimentos previamente elaborados, sem dar oportunidade aos
estudantes de contactarem e explorarem atividades na perspectiva de um ensino do tipo
investigativo” (GIL PÉREZ et al., 2001, p. 126). Nesse sentido, seria recomendável
uma problematização inicial que buscasse levantar questões e hipóteses acerca da
temática em foco, seguida de leitura conjunta dos textos, na qual o professor atuasse
como mediador na investigação das questões previamente levantadas, registrando as
manifestações dos alunos, conduzindo de forma aberta e dialogada à compreensão do
processo histórico e do conhecimento científico em foco.

Para que ocorra um “diálogo-investigação”, justifica-se o cuidado quanto ao


nível de aprofundamento dos episódios históricos, bem como a atenção quanto à
existência de conteúdos históricos que não são de fácil compreensão (FORATO;
MARTINS; PIETROCOLA, 2012b).

Vários aspectos precisam ser avaliados na elaboração desses materiais: extensão


e profundidade dos textos, quantidade de informações contempladas, formulação
discursiva dos mesmos, falta de pré-requisitos dos alunos em relação ao conhecimento
físico, histórico, epistemológico e filosófico, bem como, fundamentalmente, falta de
preparação do professor para a utilização desse tipo de material (FORATO; MARTINS;
PIETROCOLA, 2012b, p. 131).

Certas informações históricas foram deixadas de lado, ou não foram


apresentadas com a mesma profundidade que apareceriam no texto de um historiador da
ciência. Na redação dos textos potencialmente sugeridos para o Ensino Médio foram
observadas questões como a quantidade de informações contempladas, a extensão e
a profundidade dos textos. Foram necessárias omissões e simplificações. Omitiram-se
detalhes sobre a teoria aristotélica do movimento, como os movimentos naturais,
violentos e a “leveza absoluta”. Deixaram-se de lado aspectos das contribuições
medievais de Philoponos e Avempace sobre o movimento que indiretamente estariam
relacionadas ao vazio. Foi preciso também omitir a tentativa de Gerolamo Cardano de
medir a densidade do ar.

A simplificação deve levar em consideração a faixa etária dos alunos e todo o


currículo a ser desenvolvido. História e ciência podem tomar-se mais e mais
51

complexas à medida que assim o exija a situação educacional (MATTHEWS,


1995, p. 177).

A complexidade da temática histórica abordada foi contrabalançada pelos


cuidados com a formulação discursiva e com o nível de aprofundamento dos
episódios históricos, tendo em vista a inteligibilidade dos textos.

No primeiro texto histórico-pedagógico, enfrentou-se o desafio de trazer para o


ambiente escolar de forma adequada, tanto em termos da linguagem quanto do nível de
aprofundamento dos conteúdos, aspectos que deixassem transparecer a complexidade
das ideias sobre o vácuo na antiguidade, mas que, ao mesmo tempo, pudessem ser
compreendidos pelos alunos. Como recurso didático, foram utilizadas analogias18.

Figura 04 – Aspecto do Texto “As concepções sobre o vácuo na Antiguidade” (ver APÊNDICE I)

Para facilitar a compreensão do intricado argumento eleata em defesa da inexistência do


vazio (“aquilo que não é não pode ser pensado nem existir”), recorreu-se
estrategicamente a uma analogia com um ditado popular: o “ver para crer” dá lugar a
um “pensar para crer”.

18
Segundo Ribeiro e Martins (2007): “A analogia é um recurso muito utilizado, inclusive, no ensino de
Ciências. Ele é útil, pois nos permite tentar entender novas situações, por comparação a situações já bem
compreendidas. É claro que é um recurso inicial, pois, em princípio, comparam-se situações diferentes,
que têm algo em comum, mas que, na maioria dos casos, possuem diferenças. Entender a nova situação
inclui perceber em que e por que a nova situação se diferencia da anterior, utilizada para comparação” (p.
307). Frisamos que a mediação do professor é um aspecto importante sinalizado por trabalhos que
refletem sobre o potencial didático das narrativas.
52

Adicionalmente, procurou-se enfrentar possíveis dificuldades quanto à temática


e aos conteúdos históricos por meio da interligação dos textos, com a introdução
cautelosa e progressiva de questões e argumentos, os quais foram retomados de um
texto para o outro. No terceiro texto, por exemplo, considerou-se importante trazer
para o estudante-leitor elementos do pensamento aristotélico, como a negação do vazio
por meio do argumento da troca mútua e da concepção de que a luz não era matéria,
mas sim uma modificação no meio. De acordo com a intenção de produzir textos
interligados, o propósito dessa alusão inicial não foi discutir a validade desses
argumentos, mas sim apenas torná-los familiares. Considerando a pouca familiaridade
dos estudantes com os conteúdos abordados, a opção pela retomada de questões e
argumentos ao longo de textos, tenciona estabelecer oportunidades para que os leitores
os compreendam.

Figura 05 - Aspecto do Texto “E a História da Ciência segue, com rupturas e também


continuidades...”

Importante destacar que definições formais de expressões possivelmente


desconhecidas pelos estudantes, como “pressupostos teóricos”, não foram oferecidas no
material elaborado. Pretendeu-se que os contextos de utilização dessas expressões nos
textos, bem como a recorrência das mesmas em diversas passagens, pudessem
53

esclarecê-las. Explicou-se, por exemplo, e mais de uma vez, que na Revolução


Científica entrou em cena a pressão atmosférica como um novo “pressuposto teórico”
que levou a reinterpretações de fenômenos anteriormente atribuídos ao horror ao vácuo.
Privilegiou-se, assim, certa autonomia do estudante-leitor, embora se considere que a
leitura compartilhada do texto, guiada pelo professor, seja recomendável dada à
complexidade das discussões sobre a natureza do conhecimento científico.

3.1.4 Historiografia e as narrativas históricas

Os textos histórico-pedagógicos foram elaborados tendo em vista critérios que se


relacionam ao que é a História da Ciência atualmente (recusa ao anacronismo, à
hagiografia, a comparações que implicariam juízos de valor, etc.), bem como
contemplam a preocupação de transpor para o contexto educacional interpretações que
vêm sendo propostas nessa área de pesquisa. Como mencionamos no Capítulo 2: “A
elaboração de narrativas históricas e os aspectos epistemológicos que elas transmitem
podem ser avaliados e orientados pela historiografia atual da História da Ciência”
(FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2012b, p. 126).

Visões sustentadas pela historiografia da ciência das últimas décadas, como a


oposição a uma História da Ciência do tipo Whig, por exemplo, têm sido ressaltadas em
textos de natureza teórica sobre a inserção da HFC no ensino (FORATO; MARTINS;
PIETROCOLA, 2011). No entanto, apesar de reconhecida relevância para o contexto
educacional, essas considerações pouco têm se materializado em materiais didáticos.

Para Vilas Boas e outros: “Uma das formas de se entender a Natureza da Ciência
é pelo estudo de como a ciência se desenvolveu ao longo da história” (2013, p. 303). No
entanto, o uso distorcido da história da ciência pode ser pior do que a sua ausência, em
função de visões deformadas de ciência potencialmente transmitidas pelas distorções
(PEDUZZI, 2001; BATISTA; MOHR; FERRARI, 2007). A atenção aos pressupostos
básicos da historiografia deveria ser uma preocupação essencial para os professores em
contato com narrativas históricas sugeridas em materiais didáticos.

Videira (2007) define a história anacrônica como sendo aquela “que não
compreende o passado” (p. 141). Apresenta as principais características da
historiografia whig, reiterando que esse tipo de história analisa o passado à luz do
presente:
54

Crença generalizada na eficácia cognitiva de agentes individuais;


Existência de um momento eureca na descoberta científica
(importante porque desconsidera a influência do meio sobre aquele que tem a
ideia genial súbita);
Crença na capacidade de solucionar as polêmicas científicas de
modo direto, impessoal e objetivo (VIDEIRA, 2007, p. 142).

Os textos elaborados como produto educacional na presente dissertação frisam a


visão da ciência como atividade de cooperação, mostrando que essa cooperação se dá
mesmo pelas discordâncias e rupturas. Afastam-se da visão de ciência constituída por
descobertas em datas pontuais, realizadas por gênios isolados. Por isso, não há nos
textos referência a um possível pai do Vácuo e da Pressão Atmosférica.

Os textos rejeitam a ideia de vilões que cometem erros e heróis que sempre
acertam. Valorizam os conhecimentos do passado, ainda que esses tenham sido
rejeitados posteriormente. Afastam-se, portanto, de uma História Whig, que, em
contraposição, procura mostrar os “erros” que atrasaram a evolução da ciência.

Evita-se o anacronismo quando se desmitifica a ideia de que o Período


Medieval foi uma “Idade de Trevas”, mostrando contribuições de pensadores
importantes dessa época, normalmente personagens religiosos. A fim de evitar a
impressão de que experimentos imaginários eram coisas do passado (restritos a autores
medievais como Jean Buridan), os textos ressaltam a importância dos experimentos
imaginários para a Ciência mais recente, incluindo a Física Quântica, por exemplo.
Rejeita-se a visão de que no passado faziam experimentos imaginários porque ainda não
sabiam fazer experimentos “de verdade”. Foge-se, assim, da concepção anacrônica de
que no passado não se sabia fazer ciência.

Em alguns trechos, os textos chamam a atenção explicitamente para o


anacronismo, problematizando essa postura senso comum, a qual é considerada
inadequada segundo a historiografia da ciência atual:

Não dá para a gente olhar para o passado com os nossos olhos de hoje,
considerando que bom é quem se aproximou do que aceitamos... [Texto “O
vazio na Revolução Científica” – Parte 1]

Como se pode notar, portanto, o processo de elaboração dos textos foi complexo
e envolveu a consideração de uma série de fatores. As potencialidades dos textos
55

elaborados são várias. Estabelecer propostas de utilização desses textos em sala de aula
depende das potencialidades que o professor deseja e pode explorar em suas
intervenções didáticas, de acordo com o seu contexto educacional específico. Os textos
foram elaborados de forma a priorizar certa autonomia do estudante-leitor, mas isso de
forma alguma implica descartar o importante papel do professor.

3.1.5 Simplificações e omissões

A presente seção tem como objetivo comentar a respeito de simplificações e


omissões realizadas na elaboração das narrativas. Tais procedimentos em relação aos
episódios históricos fazem parte de recortes identificados como adequados ou
necessários. Esse é um processo característico da transposição didática da História da
Ciência, realizado a partir das pesquisas especializadas de historiadores da ciência, as
quais costumam ser detalhadas, riquíssimas em informações, aprofundadas e geralmente
sem fins pedagógicos.

Em conformidade com Forato (2009, p. 30) acreditamos que: “a seleção e


adequação dos conteúdos oriundos da história da ciência, [...] requer critérios
específicos na seleção tendo em vista os propósitos pretendidos com o seu uso em
ambiente escolar”.

Para a elaboração das narrativas históricas foram realizadas escolhas difíceis


diante da riqueza do material historiográfico disponível. Os episódios históricos foram
selecionados de acordo com o potencial didático para abordar determinadas discussões
sobre a NdC, compreendidas como objetivos didáticos.

Certas informações históricas foram deixadas de lado ou não foram apresentadas


com a mesma profundidade que aparecem em textos historiográficos. Foram omitidos
detalhes sobre a teoria aristotélica do movimento, como os movimentos naturais,
violentos e a “leveza absoluta”. Deixou-se de lado grande parte da sofisticação da física
aristotélica, de forma a não extrapolar os objetivos centrais da proposta. Aspectos das
contribuições medievais de Philoponos e Avempace relacionadas ao movimento no
vazio, mas não imediatamente à existência do vazio foram omitidas 19.

19
Philoponos pressupôs que para um corpo estar em movimento não era necessário seu contato constante
com uma causa externa. Para ele, uma força motriz podia ser transmitida ao corpo em questão, e essa por
si própria se extinguia aos poucos mesmo no vácuo. Avempace acrescentou que a velocidade de um corpo
56

Procurou-se, assim, evitar a sobrecarga de informações, extensão e


complexidade excessivas que tornariam o material inadequado para o contexto e
propósitos educacionais almejados. Por outro lado, é importante considerar que
omissões e simplificações podem representar determinados riscos.

As discussões sobre o peso do ar foram citadas apenas nas narrativas elaboradas


em referência ao período da Revolução Científica. Corre-se o risco de transmitir a
impressão equivocada de que Isaac Beeckman foi o primeiro a pensar na ideia de peso
do ar. No entanto, discussões sobre o peso do ar, não contempladas nas narrativas por
motivo de simplificação, já ocorriam em períodos anteriores: “Essa questão foi muito
discutida na Idade Média, mas, aparentemente, nenhum autor procurou repetir a
experiência [de Aristóteles] ou utilizar sua ideia para determinar o peso (ou densidade)
do ar” (MARTINS, 1989, p. 24).

Também em relação à temática Natureza da Ciência, é importante destacar que a


necessidade de recortes pode, de forma análoga, implicar impressões equivocadas. Por
exemplo, ao estimular a percepção de que o conhecimento é provisório, é possível que
os alunos erroneamente o compreendam como instável.

Ainda em relação aos recortes realizados, é importante frisar que, nas narrativas,
o contexto científico no tocante às discussões sobre o vazio são destacados, ao passo
que aspectos econômicos, sociais e políticos dos períodos citados não. As narrativas não
apoiam a visão de pesquisador neutro, alheio a esses aspectos. Por outro lado,
contemplá-los não foi prioridade na elaboração das mesmas. Essa fragilidade, oriunda
de recorte deliberado, abre caminho para eventuais intervenções interdisciplinares que
possam fazer uso das narrativas em conjunto com professores da disciplina de História,
em atividades investigativas nas quais os estudantes sejam estimulados a pesquisar
sobre tais aspectos. Incompletude e mistério são características do gênero narrativo que
podem inclusive estimular a imaginação dos alunos, se bem exploradas.

A utilização das narrativas em sala de aula implica a necessidade de consciência


quanto a omissões e simplificações realizadas. Para contornar possíveis dificuldades,
não basta reconhecer as potencialidades das narrativas. Faz-se necessário o
reconhecimento de limitações e fragilidades das mesmas. Reflexão sobre o processo de

no vazio seria finita, visto que esse corpo precisaria de um tempo finito para atravessar certo espaço finito
correspondente (OLIVEIRA, 2013).
57

transposição didática e aprofundamento sobre a temática histórica são requisitos


importantes para profissionais que se proponham a utilizar as narrativas em sala de aula.

O segundo produto educacional da presente dissertação justamente tenciona


que o professor se aproxime do processo de transposição didática realizado, reconheça
as potencialidades dos textos e, assim, entre em contato com questões importantes que
se relacionam à própria inserção dos textos em sala de aula.

Acredita-se, aqui, que a lacuna na formação dos professores para a inserção da


HFC na Educação Básica seja um problema bastante relevante. Dessa forma, o produto
apresentado na próxima seção insere-se e justifica-se no âmbito de um Mestrado
Profissional em Ensino de Ciências:

[...] sempre voltado explicitamente para a evolução do sistema de ensino, seja


pela ação direta em sala de aula, seja pela contribuição na solução de
problemas dos sistemas educativos, nos níveis fundamental e médio, e no nível
superior na formação de professores das licenciaturas e de disciplinas
básicas (MOREIRA, 2004, p. 133-134; grifo nosso).
58

3.2 Sobre o segundo produto: “Elementos para a formação docente tendo


em vista a inserção da História e Filosofia da Ciência no Ensino Médio: textos
histórico-pedagógicos como exemplares”.

No contexto da presente dissertação de mestrado profissional, elaborou-se


material didático de apoio tendo em vista colaborar para a instrumentalização de
professores para a inserção da HFC em salas de aula do Ensino Médio (ver
APÊNDICE II). O referido produto foi aplicado em curso de formação docente.

Essa iniciativa, em perspectiva não tecnicista, e sim dialógica, vem ao encontro


de uma preocupação recorrente na literatura da área: um dos principais desafios
relacionados à transposição didática da HFC seria a falta de preparação do professor
(FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2012b, p. 131). Conteúdos históricos,
filosóficos e de NdC ainda são pouco presentes em salas de aula (BRINCKMANN;
DELIZOICOV, 2009). A insegurança e o desconhecimento do assunto pelos
professores costumam ser apontados como fatores que contribuem para essa situação
(MATTHEWS, 1995; HARRES, 1999; DUARTE, 2004; LEDERMAN, 2007;
FERREIRA; FERREIRA, 2010).

Torna-se importante, portanto, que professores (atuantes e em formação)


participem de reflexões sobre a inserção da HFC em sala de aula, conheçam exemplos
de propostas didáticas de cunho histórico-filosóficas para a abordagem de conteúdos de
ciência e sobre a ciência, desenvolvam competências que lhes permitam compreendê-
las de modo aprofundado e adaptá-las aos seus contextos específicos, bem como
elaborar suas próprias intervenções didáticas. Acredita-se que essas questões sejam
significativas para que possam participar de iniciativas conscientes de inserção da HFC
em suas salas de aula (DUARTE, 2004; GATTI; NARDI; SILVA, 2004; GOULART,
2005; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FERREIRA; FERREIRA, 2010).

Dessa forma, no presente caso, tomou-se como ponto de partida a


conscientização sobre o papel fundamental dos professores e a decorrente necessidade
de prepará-los para a difícil tarefa de atuar em importante etapa da transposição didática
da HFC. Considera-se que adaptar propostas didáticas a contextos educacionais
particulares depende de se compreender de fato o que representam essas propostas e
59

quão flexíveis elas podem ser, o que se procura discutir junto aos professores em
formação.

3.2.1 Uma breve descrição do material didático

O material didático elaborado para o contexto de formação de professores de


Física é introduzido por uma breve seção de comentários acerca da temática História e
Filosofia da Ciência no Ensino. São destacadas justificativas apresentadas pela literatura
da área e recomendações da legislação educacional brasileira, a qual aponta a relevância
da HFC para uma formação cidadã. Na mesma seção é introduzido de forma breve o
tema transposição didática da HFC, indicando desafios e obstáculos, destacando,
sobretudo, a importância do papel do professor nesse processo e a necessidade de que
ele esteja preparado de forma consciente para atuar nessa tarefa não trivial.

Com base nesses aspectos introdutórios, são propostas atividades específicas


para o contexto de formação de professores que buscam trazer à tona, de forma
reflexiva, questões relativas à transposição didática da HFC. Os aspectos abordados são
importantes para que os professores em formação reflitam sobre potencialidades,
limitações e possibilidades de utilização de textos histórico-pedagógicos em salas de
aula. Nesse caso, em particular, o material de formação docente utiliza como ferramenta
para mediação das discussões os textos históricos-pedagógicos sobre a História do
Vácuo e da Pressão Atmosférica.

O material de formação pode ser utilizado pelo próprio professor em questão, de


forma autodidata, com a realização das atividades propostas e leitura dos comentários e
discussões sobre essas atividades. Tanto a própria dinâmica do contato do professor
com as narrativas históricas, quanto as atividades sugeridas são convenientes a esse
público em particular e aos objetivos específicos pretendidos em termos de formação
docente. O material foi elaborado de forma a dialogar diretamente com o professor em
formação e conserva essa característica ao longo do seu percurso escrito no qual se
comenta sobre as atividades realizadas (ver APÊNDICE II).

Esse segundo produto pode também ser utilizado como subsídio para a
realização de cursos de formação de professores que objetivem prepará-los de forma
crítica para a inserção da HFC em salas de aula do Ensino Médio. Nesse caso, as
atividades propostas podem ser realizadas no curso, de forma individual ou coletiva, e
60

os comentários sobre as atividades apresentados ao longo do material podem servir


como base para o encaminhamento de discussões pelo ministrante do curso de
formação.

Figura 06: Sumário do material didático de formação docente (ver APÊNDICE II)

3.3 Discutindo as atividades

As atividades sugeridas (APÊNDICE II) são direcionadas a professores


atuantes ou em formação. Essas atividades procuram trazer à tona questões relativas à
61

transposição didática da HFC, as quais são importantes para que o professor


compreenda aspectos relacionados às potencialidades, limitações e possibilidades de
utilização de textos histórico-pedagógicos em salas de aula.

3.3.1 Atividades 1 e 2

Figura 07 – Atividades 1e 2 (APÊNDICE II)

As Atividades 1 e 2 e têm como objetivo a percepção de que o volume de


informações e o nível de aprofundamento do discurso acerca dos episódios históricos no
texto acadêmico em História da Ciência é bem distinto do observado nas narrativas
histórico-pedagógicas. A intenção é que os professores comecem a se dar conta do
processo de transposição didática da História da Ciência.
62

Segundo Forato (2009, p. 26): “o produto dos historiadores da ciência não é


adequado para o ensino de ciência, requerendo adaptações”. A diferença é notória entre
a História da Ciência acadêmica, especializada, produzida pelos historiadores da ciência
e a História da Ciência transposta para o contexto educacional. O texto produzido pelo
historiador da ciência atende a determinados objetivos. É detalhado, riquíssimo em
informações, aprofundado. Não costuma ser produzido com intenções pedagógicas.
Suas características peculiares fazem com que o mesmo não seja recomendável para
utilização direta em sala de aula da educação básica. É essencialmente distinto do
texto histórico-pedagógico, produzido deliberadamente com essa intenção.

Por outro lado, o professor que deseja utilizar as narrativas histórico-


pedagógicas propostas precisa saber além do que é apresentado nas próprias narrativas,
ou seja, as mesmas não são suficientes para o professor. Ele precisa se aproximar de
alguma forma da riqueza e aprofundamento da História da Ciência, recorrendo à leitura
de bons trabalhos. Nesse processo, ele pode se dar conta de que para a elaboração das
narrativas realiza-se um recorte histórico, isto é, determinados conteúdos históricos
são selecionados. Diversos conteúdos são omitidos. A omissão é necessária, mas ao
mesmo tempo pode representar riscos na inserção da HFC em sala de aula.
Compreensões distorcidas por parte dos estudantes são possíveis. Nesse sentido, as
próprias omissões precisam ser minimamente compreendidas pelo professor para que
ele possa atuar de forma consciente também numa etapa importante da transposição
didática da HFC: na adequação e inserção de propostas dessa natureza em sala de aula.

3.3.2 Atividade 3

Figura 08 – Atividade 3 (APÊNDICE II)


63

As narrativas histórico-pedagógicas elaboradas enfatizam de modo explícito e


contextualizado aspectos relacionados à natureza do conhecimento científico: a
cooperação na ciência, a dependência das observações em relação a pressupostos
teóricos, a possibilidade de desacordo entre os pesquisadores e a provisoriedade do
conhecimento (MCCOMAS et al., 1998). Procuram contrariar determinadas visões
deformadas de ciência: a visão a-problemática e a-histórica, a visão individualista e
elitista, a visão acumulativa de crescimento linear e a visão indutivista e a-teórica da
ciência (GIL PÉREZ et al., 2001).

O objetivo da Atividade 3 é que os professores ensaiem uma tentativa de


identificar a temática Natureza da Ciência nos textos. Apesar da abordagem explícita e
contextualizada, supõe-se que haverá alguma dificuldade para a realização dessa
atividade, uma vez que os professores não costumam estar familiarizados com essa
temática (MATTHEWS, 1995; MCCOMAS et al., 1998; HARRES, 1999;
LEDERMAN, 2007) 20.

Não se espera, portanto, que, ao realizar a Atividade 3, o professor perceba


todas as potencialidades dos textos em termos da NdC. Por outro lado, é importante que
a temática seja reconhecida, de forma a haver certa sensibilização inicial quanto à sua
abordagem no material proposto. Os textos podem ser rejeitados pelo professor que se
sente “incomodado” diante de uma temática não usual em sua formação. Com base em
pesquisas empíricas realizadas com professores, é importante considerar, ainda, que
suas próprias visões sobre a natureza do conhecimento podem ser ingênuas (GIL-
PÉREZ et al, 2001; FORATO, 2009) entrando em choque com as visões
problematizadas pelos textos.

Dessa forma, as atividades previstas no material de formação docente buscam


em certo sentido contribuir em relação a aspectos destacados pela literatura:

[...] é necessário lidar com obstáculos para a inserção efetiva da HFC no


ensino, incluindo os voltados para a preparação do professor. [...] Admite-se

20
Em experiência vivenciada (estágio docente no ensino superior) em uma turma de História e Filosofia
da Ciência, pude perceber as dificuldades dos licenciandos quanto à localização de trechos que traziam
discussões sobre a natureza do conhecimento científico de uma proposta similar a nossa que utilizava a
HFC por meio de narrativas históricas sobre a gravidade e sistemas de mundo (DRUMMOND et al.,
2015). O que chamava a atenção é que os futuros professores tinham toda uma preparação, ou seja,
discutiam previamente sobre a temática Natureza da Ciência (NdC) e mesmo assim a localização desses
trechos só ocorria com a ajuda do professor da disciplina.
64

que a simples inclusão de conteúdos de HFC na sua formação não é


suficiente para a autonomia na seleção de conteúdos, na identificação de
visões deformadas sobre a NDC e na proposição de ações na sala de aula. O
que ainda significa lidar com situações de inovação conceitual e
metodológica. Deste modo, torna-se fundamental permitir a vivência de
dificuldades, análises práticas e metodologias em sua formação inicial
(FORATO, 2013, p. 1316 – 1317).

Finalizando a Atividade 3 é apresentada de forma reflexiva um importante


aspecto da transposição didática para a elaboração das narrativas históricas: a relação
entre os critérios para os recortes históricos e a seleção de mensagens de Natureza da
Ciência. Caracteriza-se assim, a construção dos objetivos didáticos.

3.3.3 Aprofundamento da Atividade 3

Antecedendo a realização da Atividade 4, o material didático propõe certo


aprofundamento em breve discussão sobre Natureza da Ciência. Apresentam-se
argumentos oriundos da literatura acadêmica, bem como, recomendações da legislação
brasileira para a incorporação de discussões sobre essa temática (ver Capítulo 2).
Ademais, nessa etapa de aprofundamento, busca-se reconhecer as seguintes visões
deformadas sobre a ciência (GIL PÉREZ et al, 2001): visão individualista e elitista –
conhecimento científico como obra de gênios isolados, ignora-se o caráter
cooperativista da produção do conhecimento; visão acumulativa de crescimento linear –
desenvolvimento científico como consequência de um crescimento linear; visão
socialmente neutra – não leva em consideração a complexa relação entre a ciência e a
sociedade tornando os cientistas acima “do bem e do mal”; visão aproblemática e
ahistórica – conhecimento transmitido de forma já elaborada, sem contextualizar os
problemas que os mesmos tentaram resolver; visão rígida – o “método científico” é o
caminho único para construção do conhecimento científico; concepções empírico-
indutivista e ateóricas – destacam o papel “neutro” da observação e da experimentação,
excluindo os pressupostos teóricos inerentes ao processo de construção do
conhecimento científico; visão exclusivamente analítica – destaca a necessária divisão
dos conteúdos para simplificar esses conteúdos.
65

3.3.4 Atividade 4

Figura 09 – Atividade 4 (APÊNDICE II)

A Atividade 4 tem como objetivo avançar na tentativa de sensibilização em


relação à temática NdC. Busca-se que o docente identifique passagens específicas das
narrativas que contemplem informações sobre a natureza do conhecimento científico,
bem como identifique trechos que se contrapõem explicitamente a visões distorcidas da
ciência.Ressaltamos que um dos objetivos principais dos textos histórico-pedagógicos é
oferecer recurso potencialmente adequado para abordar determinadas mensagens sobre
a Natureza da Ciência. Sendo assim, é importante que o professor consiga reconhecer os
objetivos centrais contemplados pelos textos, compreendendo como o ensino dessa
temática pode se dar de forma explícita e contextualizada por meio dos episódios
históricos.

3.3.5 Atividade 5

A Atividade 5 diz respeito a obstáculos e desafios inerentes à produção dos


textos. Essa atividade possibilita ao professor a percepção de aspectos que facilitam a
entrada do material na sala de aula: formulação discursiva adequada ao nível de
escolaridade, volume de informações contempladas, extensão e profundidade dos
textos.
66

Figura 10 – Atividade 5 (APÊNDICE II)

Como frisamos anteriormente, no Capítulo 2, o professor exerce um papel


importantíssimo na aplicação desse tipo de proposta, sendo importante a
conscientização sobre potencialidades, limitações, flexibilidade e possibilidades de uso
das narrativas. A partir da reflexão sobre o material didático, da compreensão efetiva de
seu significado, o educador pode tomar decisões importantes quanto à definição dos
objetivos para possíveis intervenções didáticas. Pode-se não enfatizar a discussão de
determinadas questões sobre a Natureza da Ciência, priorizando outras, ou seja, pode-se
focalizar apenas algumas mensagens. A definição da forma de leitura (em grupo,
individualmente, em aula, previamente) dependerá de elementos relacionados ao
contexto educacional. Outra questão a ser enfatizada diz respeito ao tempo didático. O
professor ciente da flexibilidade do material pode adaptá-lo ao seu contexto.

A linguagem coloquial e acessível dos textos possibilita a interlocução com os


estudantes-leitores facilitando certa autonomia na compreensão. A atuação dialógica do
professor é fundamental, passando pelo reconhecimento das potencialidades do discurso
empregado nos textos, bem como de eventuais limitações. Em sala de aula, a condução
de problematização anterior ao contato dos estudantes com os textos pode ser
importante para a sensibilização no que diz respeito às questões abordadas, servindo de
estímulo a uma participação reflexiva:

 Os pesquisadores trabalham de modo isolado, realizando descobertas?


Dependem do que outros pesquisadores fizeram/ fazem?
 Os pesquisadores discordam entre si? Os fenômenos falam por si mesmo
ou são interpretados?
 O que os pesquisadores pensam quando estão investigando os assuntos?
Será que enfrentam dificuldades?
67

 No caso da queda dos corpos, será que as pessoas começaram a


investigar esse assunto há muito tempo?

A condução de atividade com os textos na forma de diálogo aberto pode ser


interessante. O professor, atuando como mediador, tem autonomia para chamar a
atenção para aspectos (que considerar) importantes, promover a reflexão e estimular que
os próprios alunos formulem questionamentos. Pode incentivar a participação,
solicitando que comentem sobre o que pensam ao longo da leitura21:
 O que chama a sua atenção? Identifique detalhes que ache importantes.
 O que você nota que não esperava? O que você nota que não sabe
explicar?
 Por que os pesquisadores se interessavam por aqueles assuntos?
Pareciam considerar importante o que estavam fazendo? Por quê?
 O que estavam fazendo/discutindo? Como agiam os pesquisadores
citados nesse texto?
 Onde estavam? Em que época? Será que o comportamento dos
pesquisadores hoje é diferente?

Por fim, reiteramos mais uma vez que o papel do professor é fundamental no
sentido de conduzir as discussões também a fim de esclarecer questões e enfrentar
possíveis efeitos das “simplificações” realizadas na transposição didática da HC
(RIBEIRO; MARTINS, 2007). No entanto, isso só poderá se concretizar para o
professor que realmente reconhece tal processo.

3.3.6 Atividade 6

O objetivo dessa atividade é discutir e explorar os aspectos da historiografia da


ciência levados em conta na elaboração dos textos, fazendo com que o professor seja
capaz de reconhecer pelo menos alguns princípios básicos.

Como abordamos no capítulo anterior, o conhecimento de alguns pressupostos


básicos da historiografia auxilia o professor no uso da HFC no ensino, como também

21
Os questionamentos listados foram inspirados pelo projeto norte-americano “Teaching with primary
sources quarterly”, desenvolvido pela Library of Congress, nos Estados Unidos (pode ser consultado em
http://www.loc.gov/teachers/tps/; acesso em 28 out. 2014).
68

proporciona uma leitura mais crítica de versões históricas presentes no ambiente


escolar, facilitando o reconhecimento de vícios historiográficos. Segundo Forato (2009)
“pesquisas em educação científica indicam que a ampla maioria dos professores não
está apta a lidar com os diversos tipos de distorções históricas” (p. 27).

Figura 11 – Atividade 6 (ver APÊNDICE II)

Os vícios historiográficos costumam se materializar em materiais didáticos e na


prática educacional (PAGLIARINI; SILVA, 2006; BATISTA; MOHR; FERRARI,
2007; PENA; TEIXEIRA, 2013). Tem se notado o uso equivocado da História da
Ciência, sua redução a nomes, datas e anedotas. Essas distorções históricas separam
heróis de vilões, os quais cometem erros que atrasam a evolução da ciência. O cientista
é um ser neutro, imparcial, alheio à sociedade.

O professor precisaria reconhecer criticamente uma História da Ciência linear,


progressiva, caracterizada por um grande número de nomes e datas que apresentam as
grandes descobertas realizadas pelos grandes gênios. Precisaria estar preparado para
identificar e recusar o tipo de história que descreve virtudes heroicas e grandes
realizações das personagens da História da Ciência (hagiografia) ou ainda a história
anacrônica que descreve os fatos do passado com base no que atualmente é aceito.
Precisaria rechaçar a história que busca pais e precursores da ciência (História Whig,
Pedigree).

Essas distorções históricas vêm problematizadas pela literatura que trata da HFC
no Ensino. Tem se notado o esforço de pesquisadores que buscam estabelecer de forma
69

compreensiva relações entre historiografia e sala de aula (FORATO; MARTINS;


PIETROCOLA, 2011). Define-se como História da Ciência o estudo das expressões de
conhecimento sobre a natureza de modo contextualizado. Têm-se como objeto de
estudo tudo aquilo que em alguma época foi proposto ou aceito como conhecimento
sobre a natureza. Considera-se que cada cultura, comunidade científica e época têm seus
objetivos, formas de ver o mundo, critérios de verdade que regem sua ciência
(ALFONSO-GOLDFARB, 1994; MARTINS, 2005).

A incompreensão desses aspectos pode levar a propostas inadequadas de uso das


narrativas históricas, como, por exemplo, atividades que visem a comparações de cunho
anacrônico. Da mesma forma, podem ocorrer tentativas inadequadas de “modificar” os
textos a fim de inserir elementos “supostamente esquecidos” que remontem a crônicas
da ciência e aspectos hagiográficos.

A Atividade 6 procura trazer à tona pressupostos historiográficos atuais,


encerrando a sequência de atividades propostas no material didático de formação
docente. Aplicou-se esse produto educacional em curso de extensão voltado para a
instrumentalização de professores na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em
maio de 201422. Levando em conta referenciais metodológicos da pesquisa-ação
(THIOLLENT, 2011), o Capítulo 4 destaca a utilização desse produto e
desdobramentos para o próprio material didático.

22
O curso foi também foi ministrado no XXI Simpósio Nacional de Ensino de Física (SNEF), em janeiro
de 2015, na Universidade Federal de Uberlândia (NICÁCIO et al., 2015).
70

CAPÍTULO 4

Relato fundamentado do Curso de Extensão

O produto educacional “Elementos para a formação docente tendo em vista a


inserção da História e Filosofia da Ciência no Ensino Médio: textos histórico-
pedagógicos como exemplares” foi caracterizado no Capítulo 3. O material didático
voltado para a formação docente foi utilizado em Curso de Extensão na UFRN,
ministrado em maio de 2014 pelo mestrando autor da presente dissertação.

4.1 O curso de extensão e a pesquisa-ação

A literatura da área vem recomendando a criação de espaços para discussões


envolvendo a História e Filosofia da Ciência (HFC), Natureza da Ciência (NdC) e
aspectos referentes a obstáculos e desafios na transposição didática da HFC. Incentiva-
se a produção e a aplicação de materiais didáticos voltados para a formação de
professores. No entanto, a existência desses materiais não garante a utilização adequada
desse tipo de proposta. Faz-se necessária a participação do professor em ambiente de
formação continuada (BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; HÖTTECKE; SILVA,
2010; FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2012b).

Planejou-se curso de extensão pautado nas seguintes lacunas: a tímida presença


da HFC na formação desses profissionais, a escassez de materiais didáticos adequados
para a educação básica, a insegurança dos professores no que diz respeito a intervenções
que envolvam a HFC e o compartilhamento de concepções ingênuas sobre a ciência.
Participaram do curso trinta e seis indivíduos, dentre os quais figuravam professores
atuantes e licenciandos em Física, bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência (PIBID).

A divulgação do curso ocorreu por meio de cartazes impressos (Figura 12)


afixados em quadros de aviso de unidades de comum acesso de possíveis interessados
na UFRN: Departamento de Física Teórica e Experimental e Programa de Pós-
Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática. O curso foi cadastrado como
71

atividade de extensão junto à Pró-Reitoria de Extensão da UFRN Registro (CR075-


2014) e sua divulgação ocorreu também por meio do portal da universidade23.

Figura 12 – Cartaz utilizado na divulgação

Como aspecto metodológico para a acompanhamento do curso utilizou-se a


Pesquisa-Ação. Esse método tem suas raízes provenientes nas ciências sociais, sendo
aplicado em diversos campos como educação (nosso caso), comunicação, serviço
social, militância política, militância sindical entre outro (THIOLLENT, 2011). A
pesquisa-ação se baseia na participação coletiva (pesquisadores, membros de uma
situação-problema, interessados, etc.) a fim de promover transformações, modificações,
realizações e ações efetivas de uma determinada situação-problema:

23
As inscrições ocorreram entre 1o e 13 de maio de 2014.
72

O método de pesquisa-ação consiste essencialmente em elucidar problemas


sociais e técnicos, cientificamente relevantes, por intermédio de grupos em
que encontram-se reunidos pesquisadores, membros da situação-problema e
outros atores e parceiros interessados na resolução dos problemas levantados
ou, pelo menos, no avanço a ser dado para que sejam formuladas adequadas
respostas sociais, educacionais, técnicas e/ou políticas (THIOLLENT, 2011,
p. 7).

Nessa perspectiva, a partir da experiência vivenciada pelo pesquisador-


ministrante em interações dos participantes do curso de extensão na UFRN e das
próprias sugestões relatadas pelos próprios participantes, são apresentadas
possibilidades de complementação e mudanças no material didático de formação
docente. Esses desdobramentos estão sinalizados no próprio Apêndice II, seguindo à
apresentação do referido material em sua forma original de aplicação. Cabe ressaltar
que elementos provenientes da vivência de aplicação desse material em curso oferecido
na edição mais recente do Simpósio Nacional de Ensino de Física, reforçam as
modificações sugeridas24.

Designaremos a sigla PP para referimos aos participantes da pesquisa a fim de


facilitar a identificação de suas falas (contribuições) na pesquisa. PP1 será o primeiro
participante de toda a pesquisa, sendo os outros indivíduos nessa condição identificados
pelos números subsequentes.

Inicialmente, o curso foi previsto para transcorrer em nove horas presenciais, em


duas etapas matinais, em sábados consecutivos, começando cada etapa às oito horas e
terminando às doze horas e trinta minutos, com intervalo de trinta minutos para a
realização de lanche oferecido pelos organizadores do curso. Porém, o transporte
circular gratuito da UFRN só estaria ativo até o meio dia, segundo informações do setor
de infraestrutura da universidade. Com isso, resolvemos por bem suspender o intervalo
programado inicialmente, deixando o lanche à disposição dos participantes ao longo das
atividades. Assim, o curso pôde ser encerrado mais cedo, sem prejuízo para a realização
das atividades. E, por outro lado, a medida tomada frente à adversidade acabou
agregando certa informalidade e dinamismo ao ambiente, o que colaborou para que os
participantes se sentissem mais à vontade.

24
O curso foi oferecido no XXI Simpósio Nacional de Ensino de Física (SNEF), em janeiro de 2015, na
Universidade Federal de Uberlândia, com algumas adaptações e sob o título de “Formação docente para a
inserção da História e Filosofia da Ciência no Ensino: narrativas históricas em perspectiva reflexiva”.
73

4.2 Primeira Parte do Curso

Para a primeira etapa do curso, estavam previstos quatro momentos: exposição


dialogada e introdutória sobre a temática História e Filosofia da Ciência no Ensino
(denominada “Introdução sobre HFC no Ensino”), seguida da realização e discussão das
Atividades 1, 2 e 3 que compõem material didático proposto para o curso (ver
APÊNDICE II).

Como afirmamos no Capítulo 2, vem se apontando que a transposição para o


contexto educacional do conhecimento aprofundado e especializado em História da
Ciência implica enfrentar desafios e obstáculos (FORATO, 2009; HÖTTECKE;
SILVA, 2010; FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2012b). À luz dessas
considerações, os momentos do curso de extensão seguiram conforme planejados no
sentido de buscarem a construção paulatina de visões sobre HFC no Ensino e a
compreensão de obstáculos e desafios inerentes à transposição didática da HFC.
Consideramos que esses aspectos sejam importantes para que o professor compreenda
questões relacionadas às potencialidades, limitações e possibilidades de utilização de
textos histórico-pedagógicos em salas de aula, justificando o objetivo do curso de
extensão ministrado.

Observou-se inicialmente que alguns participantes ficaram impacientes com a


ideia de construir aos poucos suas visões sobre o processo de transposição didática da
HFC. No entanto, tão logo as discussões tomaram forma, todos se mostraram receptivos
à proposta. O diálogo entre ministrante, participantes e coordenação foi bastante
profícuo ao longo das etapas previstas. Na construção desse diálogo, buscamos certo
acordo25 entre o grupo (THIOLLENT, 2011).

Houve certa dificuldade de direcionamento por parte do ministrante na atividade


inicial, sobretudo no que diz respeito a conciliar entrega dos textos e explicação sobre a
dinâmica da atividade. Felizmente, esse fato não comprometeu os objetivos propostos.
Ao longo do curso, algumas atividades precisaram ser alteradas tendo em vista que as
discussões se prolongaram e foram mais aprofundadas do que o esperado. Resultados
previstos para algumas atividades foram antecipados.

25
Esse “acordo” corresponde à construção de ideias por meio de discussões, interações e opiniões
divergentes entre o pesquisador-ministrante do curso, a coordenação e os participantes.
74

Os objetivos pretendidos foram contemplados. Adicionalmente, considera-se que


certas demandas provenientes do próprio grupo foram satisfatoriamente observadas.

As ideias foram construídas pelos participantes por meio de etapas de


problematização para conjunto de atividades dialógicas que visavam discutir aspectos
relevantes sobre a transposição didática da HFC. Nessa situação, o pesquisador,
ministrante do curso, desempenhou função de assessoria aos participantes. Em alguns
momentos, precisou assumir uma maior responsabilidade26 no auge de discussões que
poderiam tornar-se obstáculos para a pesquisa em si (THIOLLENT, 2011, p. 80).

4.2.1 A etapa “Introdução sobre HFC no Ensino”

Robilotta (1988) e Ferreira e Ferreira (2010) defendem que a inserção da


História da Ciência no Ensino de Física pode motivar educadores (professores) a
compreenderem como ocorre a construção do conhecimento científico de modo que os
mesmos possam buscar novas metodologias para suas aulas.

Na etapa introdutória sobre a HFC no Ensino constatamos, como esperado, que,


por mais que a literatura da área e a legislação de vários países (inclusive do Brasil)
defendam com argumentos satisfatórios a inserção de aspectos histórico-filosóficos e
sobre a Natureza da Ciência no ensino, esses elementos eram pouco conhecidos pelos
participantes do curso de extensão (ROBILOTTA, 1988; PAGLIARINI; SILVA, 2006;
BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009).

Dois participantes afirmaram que tiveram contatos pontuais com essas temáticas
em intervenções em disciplinas no curso de graduação em Física na UFRN27.
Exemplificaram contatos esporádicos com a HFC em algumas disciplinas isoladas,
especialmente quando ministradas por professores da área de Ensino de Física, ou em
disciplinas que contaram com a colaboração de bolsistas de iniciação à docência
oriundos do PPGECNM. Citou-se, por exemplo, a iniciativa isolada de contemplar em

26
Em alguns momentos o pesquisador-ministrante do curso e a coordenação tiveram que direcionar as
discussões esclarecendo alguns pontos acerca da HFC, por exemplo, na realização da Atividade 1 a
coordenação precisou intervir e explicar alguns aspectos da Historiografia da Ciência. No entanto, as
opiniões dos participantes sempre eram respeitas de modo que por meio de diálogos criavam-se
consensos objetivando a realização das atividades.
27
Essa situação não é exclusiva do Rio Grande do Norte (MARTINS, 2007). Em pesquisa realizada com
professores da região oeste de Santa Catarina, Brinckmann e Delizoicov (2009) apontaram essa mesma
problemática. Professores haviam passado por contatos pontuais no que tange à História e Filosofia da
Ciência.
75

uma disciplina de Física Básica a construção histórica do conceito de inércia, de forma a


desfazer visões equivocadas sobre a ciência, e em contraposição à prática usual de
apresentar conceitos prontos (“produtos da ciência”).

Além das deficiências na formação docente, os participantes relataram outros


fatores que contribuiriam para o panorama atual de presença tímida da HFC no contexto
educacional básico: a preocupação de preparar os estudantes para o ENEM e o pouco
tempo disponível, inviabilizando a inserção dessa temática.

Algumas dessas respostas trazem à tona visões semelhantes às que vem sendo
diagnosticadas pela literatura especifica da área, compondo o imaginário do professor
acerca da inserção da HFC no Ensino. Pesquisa empírica, realizada com professores da
rede pública estadual do Rio Grande do Norte e alunos de graduação em Física,
registrou algumas dessas dificuldades: a falta de preparo e sensibilização do professor, o
pouco tempo disponível e a dificuldade dos alunos com a leitura (MARTINS, 2007). A
escassez de tempo, citada pelos participantes da referida pesquisa e também do curso de
extensão, poderiam constituir um falso dilema, uma vez que indicariam o não
reconhecimento da HFC como abordagem, ou seja, como estratégia didática, mas, sim
como algo a mais a ser ensinado.

No curso de extensão, transcorrida a primeira etapa de exposição dialogada,


passamos à realização das Atividades 1, 2 e 3, que procuraram trazer à tona questões
relativas à transposição didática da HFC. Para a realização das atividades estabelecemos
alguns procedimentos:
1) Divisão dos participantes do curso em grupos numerados de 1 a 9 (com no
máximo três componentes);
2) Distribuição dos textos histórico-pedagógicos (narrativas históricas)
sobre a história do vácuo e da pressão atmosférica para cada participante.
Como estratégia didática, em determinadas atividades, solicitamos que cada
componente do grupo ficasse responsável pela leitura de determinado texto e
socializasse no grupo suas observações;
3) Sorteio de alguns grupos para iniciar a socialização das respostas de
forma a estimular a discussão.

4.2.2 Realização da Atividade 1


76

A Atividade 1 exibiu o seguinte enunciado: “Os textos A, B e C do Anexo 1,


fazem parte de uma sequência de textos histórico-pedagógicos elaborados para
utilização no Ensino Médio. Convidamos você à leitura desses textos iniciais. Em
seguida, para cada um deles, pedimos que redija uma breve listagem dos episódios
históricos que observou ao longo da leitura” (APÊNDICE II).

Em adaptação realizada no curso de extensão, nessa atividade, cada componente


de grupo formado deveria ler apenas um dos textos que recebeu, socializando suas
observações com os demais componentes do próprio grupo.

Chamou nossa atenção uma dúvida surgida na realização da leitura. O


participante PP1 relatou: “Não estou encontrando nenhum episódio histórico! Não tem
nenhum, porque não tem as datas e nomes”. O que o participante concebia como
episódio histórico representava um entrave inicial significativo para a realização da
atividade. E, como se pôde notar, os demais participantes mostraram-se interessados no
questionamento.

De fato, não raro encontramos a História da Ciência em materiais didáticos


reduzida a breves notas históricas sobre acontecimentos pontuais, ilustrações de
“grandes cientistas”, sequências cronológicas de teorias e invenções. Trata-se de uma
História da Ciência constituída a partir de "descobertas", na qual cada alteração da
ciência ocorre em uma data determinada. A concepção que transparecia na fala do
participante remontava a essas características de uma historiografia positivista que se
relaciona à chamada história da ciência whig (VIDEIRA, 2007; FORATO; MARTINS;
PIETROCOLA, 2011)28.

Percebendo a relevância da questão, a coordenadora decidiu atuar a fim de


problematizar a visão de que episódios históricos seriam descobertas e invenções
pontuais em datas específicas. De forma sucinta, a coordenadora trouxe à tona aspectos
que somente seriam contemplados posteriormente na Atividade 6, a qual discute sobre
a historiografia da HC. Com base nos aspetos metodológicos da pesquisa-ação, a
relevância da situação nos fez sugerir a reordenação da Atividade 6 no material didático

28
A história do tipo whig: “[...] é presentista, atendo-se somente à apresentação dos momentos históricos
em que a ciência foi vencedora. Uma outra possibilidade de caracterizar a história de tipo whig é como
uma ratificação, quando não glorificação, do presente” (VIDEIRA, 2007, p. 141- 142).
77

(Apêndice II), consistindo numa modificação desse material a partir da vivencia no


curso.

Ainda na Atividade 1, no curso, dois grupos foram sorteados para expor suas
conclusões. O debate envolvendo os participantes em sua totalidade foi conduzido pelo
pesquisador-ministrante, autor da presente dissertação.

Notou-se que os participantes conseguiram listar os episódios históricos. Alguns


se preocuparam o tempo todo em comentá-los ou articulá-los a outras situações, o que
demandaria um tempo maior para a realização dessa atividade. Entendeu-se a
extrapolação do tempo estimado para a atividade como um aspecto positivo nesse caso.
Alguns indivíduos (dois ou três) foram de imediato além do que a atividade propunha,
centrando seus comentários em aspectos relacionados à Natureza da Ciência que lhes
chamavam a atenção. Dessa forma, por iniciativa própria e em decorrência de certa
maturidade em relação à temática, notamos que esses indivíduos, em particular,
encabeçaram considerações que anteciparam discussões referentes à Atividade 3 e
envolveram todos os grupos.

4.2.3 Realização da Atividade 2

Considerações acerca da transposição didática da História da Ciência vêm


registrando que:

“[...] a omissão ou as indicações muito sucintas à forma como o material


histórico deve ser incluído na sala de aula, deixa essa utilização ao critério de
cada professor, verificando-se o mesmo quanto ao tipo de material histórico a
utilizar e quanto à extensão a dar ao tratamento desse material” (DUARTE,
2004, p. 321; grifo nosso)

A Atividade 2 realizada no curso de extensão pretendeu abordar aspectos que se


relacionam ao trecho grifado na citação anterior. A atividade exibiu o seguinte
enunciado: “Os textos A, B e C, que você leu anteriormente são direcionados para
utilização no Ensino Médio. Vamos agora entrar em contato com um texto sobre a
mesma temática produzido sem fins didáticos por um historiador da ciência. Observe
em linhas gerais o volume e detalhamento das informações históricas presentes no
texto: MARTINS, Roberto de Andrade. O vácuo e a pressão atmosférica, da antiguidade
a Pascal. Cadernos de História e Filosofia da Ciência [série 2] 1 (3): 9-48, 1989.
78

Disponível em: https://archive.org/stream/RobertoMartinsPascalLivro/Roberto-Martins-


Pascal-livro_djvu.txt. O que você pode notar sobre a quantidade de informações
contempladas quando compara as suas listagens ao que observa no texto do historiador
da ciência? E quanto ao nível de aprofundamento com que os episódios históricos são
tratados, você percebe diferenças? Explique.”

No início da Atividade 2, cada participante do curso de extensão recebeu uma


cópia do artigo acadêmico “O vácuo e a pressão atmosférica, da antiguidade a
Pascal”, de autoria do historiador da ciência Roberto de Andrade Martins. Os
participantes foram orientados a observarem em linhas gerais, sem realizarem uma
leitura detalhada, apenas a parte do artigo referente à Antiguidade, pois somente
conteúdos históricos referentes a esse período haviam sido contemplados nos textos
histórico-pedagógicos A, B e C estudados anteriormente, na Atividade 1.

Cada grupo foi orientado a refletir sobre os questionamentos expostos na


Atividade 2. Em sorteio, dois grupos foram selecionados para expor suas observações,
de forma a dar início ao debate conjunto.

Em geral, notou-se certa convergência quanto às conclusões socializadas, as


quais foram ao encontro dos objetivos almejados pela atividade. Os participantes
perceberam as naturezas e os objetivos distintos dos dois tipos de produção escrita.
Apontaram que, diferentemente dos textos histórico-pedagógicos, o artigo
historiográfico, produzido pelo historiador da ciência, não poderia ser utilizado em sala
de aula do Ensino Médio de forma direta, por ser mais detalhado, complexo,
aprofundado, extenso (40 páginas ao todo) e não apresentar linguagem adequada ao
contexto educacional.

Observou-se que as diferenças na formulação discursiva foram um foco


importante nos comentários dos participantes, os quais, espontaneamente, anteciparam
aspectos previstos para aprofundamento posterior, na Atividade 5. Um indivíduo, por
exemplo, chamou a atenção para a linguagem e figuras contempladas pelas narrativas
históricas A, B e C: “esse tipo de linguagem e figuras facilitam a compreensão dos
episódios históricos presentes nos textos” (PP2).

A percepção externada pelo participante se relaciona a uma preocupação


recorrente na literatura especifica da área. Vem se chamando a atenção para a
79

necessidade de elaborar propostas didáticas com formulações discursivas adequadas ao


nível de escolaridade ao qual se destinam. Considera-se também a importância da
formulação de atividades de ensino adequadas sob o ponto de vista pedagógico e
epistemológico. Acrescenta-se o cuidado quanto ao nível de aprofundamento dos
episódios históricos, bem como a atenção quanto à existência de conteúdos históricos
que não são de fácil compreensão (FORATO, 2009; FORATO; MARTINS;
PIETROCOLA, 2012b).

Os aspectos percebidos pelos participantes do curso se relacionam a elementos


que nortearam o processo de elaboração das narrativas, tendo em vista facilitar a entrada
desse tipo de material no Ensino Médio: seleção de conteúdos históricos, nível de
aprofundamento das informações, seleção de mensagens sobre a Natureza da Ciência e
formulação discursiva adequada.

Ao longo da realização da Atividade 2, notou-se a antecipação de discussões


mais aprofundadas, relacionadas à produção de materiais adequados contextos
educacionais. Alguns participantes entrelaçaram essa temática às suas percepções sobre
as limitações e possibilidades de utilização das narrativas históricas em sala de aula.
Uma participante (PP3), por exemplo, manifestou considerar importante a participação
do professor na utilização dos textos em sala de aula, alegando que algumas passagens
poderiam não ser compreendidas pelos estudantes do nível médio.

Nessas circunstâncias, frisou-se que a observação da participante do curso era


extremamente pertinente: os cuidados com a produção dos textos visam garantir certa
autonomia aos alunos, mas, ao mesmo tempo, não excluem o papel essencial do
professor. A transposição didática da HC não se finaliza com a elaboração dos textos. O
professor tem papel importante nesse processo, não somente esclarecendo passagens
duvidosas, mas também selecionando aspectos a serem enfatizados, propondo e
implementando problematizações adequadas aos seus objetivos didáticos e contextos
educacionais (RIBEIRO; MARTINS, 2007; FORATO, 2009; FORATO; MARTINS;
PIETROCOLA, 2012b). A viabilidade de utilização e a flexibilidade desse tipo de
material precisam ser compreendidas e exploradas pelo professor a fim de adaptá-lo ao
seu próprio contexto (HÖTTECKE; SILVA, 2010).
80

Outro debate interessante foi observado ao longo da socialização das conclusões


dos grupos. Dois participantes (PP1 e PP4) discordaram da perspectiva apresentada
pelos demais e afirmaram que era possível e recomendável utilizar o artigo acadêmico
do historiador de forma integral no Ensino Médio. Argumentaram que a omissão da
riqueza de informações contida no texto acadêmico poderia desestimular alunos
interessados em buscar ou aprender mais. Alunos mais curiosos poderiam ficar
insatisfeitos com os textos elaborados para o contexto educacional, tendo em vista o
conteúdo limitado dos mesmos. Para esses alunos, o texto do historiador poderia ser
mais interessante29.

O debate acerca da questão levantada pelos participantes atraiu a atenção de


todos, sendo a formulação discursiva um ponto considerado: o texto do historiador seria
adequado, nesse sentido, ao contexto de um estudante do Ensino Médio?

Os dois participantes alegaram que o texto acadêmico poderia ser utilizado por
meio de uma leitura compartilhada entre o professor e os estudantes, ou, ainda, que uma
introdução preparada pelo professor poderia anteceder a utilização do texto. Em geral,
os outros participantes do curso discordaram dessa opinião e uma acirrada discussão
teve início. Acreditavam que seria muito difícil a utilização do artigo de forma direta no
ambiente escolar de nível médio. Citaram a inexistência de interesse e hábito de leitura
por parte dos alunos, afirmando que no caso do texto acadêmico a repulsa seria ainda
maior devido à sua linguagem densa e ampla extensão.

As duas vozes dissonantes eram de alunos ingressantes na licenciatura, ainda


sem experiência em sala de aula, que pareciam avaliar a questão partindo dos seus
próprios interesses aguçados pela História da Ciência. Citam-se tais ressalvas, embora
se considere significativa a visão dissonante manifestada pelos participantes. Não se
pode estabelecer um comportamento padrão geral para todos os estudantes da educação
básica: pouco interesse e aversão à leitura. De fato, é interessante considerar a
possibilidade de existência de indivíduos que ficariam insatisfeitos com a natureza
restrita das narrativas históricas, de forma que seria importante oferecer-lhes algo mais.

29
A preocupação com as omissões foi também manifestada por pelo menos dois participantes do curso
ministrado no SNEF, aos quais se mostraram inconformados com a perda da riqueza histórica na
transposição didática da HC.
81

Nesse sentido em particular, o debate vivenciado no curso de extensão teve


como desdobramento a proposta de inclusão de pontos específicos no material de
formação docente e nas próprias narrativas. Assim, considerando um processo
característico da pesquisa-ação, as narrativas histórico-pedagógicas passaram a ser
acompanhadas por uma listagem das referências que serviram de inspiração para a sua
produção. Já o material docente, por sua vez, passou a incluir a recomendação de que os
professores apontem essas referências como eventuais sugestões de leitura para alunos
que se interessarem pela temática histórica (ver APÊNDICE II).

Voltando ainda ao contexto da acirrada polêmica estabelecida no curso, na


ocasião, a coordenadora do curso de extensão lançou uma questão relevante para
reflexão posterior: com que objetivos didáticos, bem definidos e esclarecidos, os dois
participantes proporiam a utilização do texto historiográfico no Ensino Médio?

O questionamento abriria caminho para a Atividade 3. A necessidade de


simplificação e recortes dos episódios históricos vem sendo destacada na literatura
como um desafio recorrente na transposição didática da HFC (ver Capítulo 2). Nesse
processo, torna-se essencial a clareza quanto aos objetivos de possíveis intervenções
didáticas pretendidas (FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2012b).

4.2.4 Realização da Atividade 3

Ainda para a primeira fase do curso estava prevista a realização da Atividade 3


de acordo com o seguinte enunciado: “Um dos objetivos principais dos textos histórico-
pedagógicos que você leu é promover no contexto educacional a compreensão de
aspectos relacionados à natureza do conhecimento científico (o que a ciência é, como
funciona, como os cientistas atuam como grupo social, como a sociedade influencia e
reage aos empreendimentos científicos, etc.). Que informações sobre a Natureza da
Ciência você notou nesses textos? Registre o que você notou”.

Como mencionamos no Capítulo 2, a defesa da inserção da temática Natureza


da Ciência vem de longa data e conta com vários argumentos (MCCOMAS;
ALMAZROA; CLOUGH, 1998; HARRES, 1999; LEDERMAN, 2006; CLOUGH;
OLSON, 2008; LEDERMAN, 2012). O termo Natureza da Ciência (NdC) refere-se a o
que é ciência, como a ciência funciona, como os cientistas atuam como grupo social,
como a sociedade influencia e reage aos empreendimentos científicos.
82

Vêm se reiterando que a inserção da NdC no ensino pode colaborar com: a


humanização do ensino de ciências, o sucesso no aprendizado de conteúdos da ciência e
a compreensão das normas da comunidade científica (MATTHEWS, 1994;
MATTHEWS, 1995; MCCOMAS et al., 1998; GIL PÉREZ et al., 2001; PEDUZZI,
2001; MARTINS, 2006; LEDERMAN, 2007; CLOUGH; OLSON, 2008; FORATO,
2009; HOTTECKE; SILVA, 2010; LEDERMAN, 2012). Essa perspectiva transparece
na legislação de vários países. No Brasil, por exemplo, documentos oficiais como os
Parâmetros Curriculares Nacionais, a Lei de Diretrizes e Bases - LDB (BRASIL, 1999)
e os PCN+ (BRASIL, 2002a) reforçam essas indicações.

No curso de extensão, após uma discussão preliminar que englobou de maneira


sucinta os aspectos destacados a respeito da temática NdC no material de formação
docente, a Atividade 3 foi realizada com modificações a partir do seu enunciado inicial
previsto. Ao longo das etapas anteriores, observou-se que os participantes já haviam
atingido os objetivos propostos pela atividade em questão. Além disso, o
aprofundamento prematuro desse tipo de discussão, já havia consumido boa parte do
tempo reservado para a realização da própria atividade.

Face essas circunstâncias, a coordenação do curso decidiu, estrategicamente, que


a atividade deveria transcorrer de forma distinta da programação inicial prevista.
Realizou-se uma retomada dos aspectos trazidos à tona pelos participantes nas
atividades anteriores. Adicionalmente, foram enfatizadas recomendações da literatura da
área e da legislação brasileira acerca da introdução dessa temática no contexto
educacional.

Concluindo a primeira fase do curso de extensão foram discutidos os seguintes


pontos: a relação entre os recortes históricos e as mensagens de Natureza da Ciência; a
justificativa para a escolha da História do Vácuo e da Pressão Atmosférica em função da
potencialidade quanto à natureza do empreendimento científico. Indicou-se que os
recortes históricos foram realizados em função dos objetivos didáticos concernentes à
NdC, sendo esse o foco central das narrativas elaboradas. Essa perspectiva, discutida
com os participantes do curso, tem como base a consideração: “No ensino de NdC em
qualquer nível, exemplos da história da ciência são úteis para gerar discussões sobre
NdC e compreender sua natureza contextual” (CLOUGH; OLSON, 2008, p. 144).
Sendo assim, episódios históricos foram retomados para a elaboração das narrativas,
83

sendo esse tipo de suporte um dos mais recorrentes nas propostas de inserção da HFC
no contexto educacional (TEIXEIRA; GRECA; FREIRE JR, 2012).

4.2.5 Comentários finais sobre a primeira fase do curso

Os objetivos pretendidos para a primeira fase do curso foram alcançados.


Considerou-se que houve sucesso na percepção de elementos indicativos da construção
da compreensão da transposição didática da HFC por meio do conjunto de atividades
propostas. Adicionalmente, aspectos relevantes, não previstos pelos organizadores,
foram abordados a partir de demandas dos participantes e colaboraram inclusive para
alterações no material de formação docente.

Os participantes responderam negativamente quando questionados, ao início do


curso, sobre se sabiam o que significava “Transposição Didática”. Por outro lado, à
medida que as discussões avançaram foram percebidas em suas falas expressões como
“adequações”, “mudanças” e “transformações”, em referência ao processo ocorrido com
a História da Ciência acadêmica visando a sua entrada no contexto educacional. Nas
atividades realizadas, identificaram aspectos relacionados a esse processo a partir da
comparação de escritos de diferentes naturezas sobre uma mesma temática histórica: um
texto historiográfico, acadêmico, e narrativas histórico-pedagógicas voltadas para o
Ensino Médio.

Os participantes identificaram as potencialidades dos textos ao perceberem


questões sobre a NdC contempladas pelas narrativas históricas: “os textos mostram que
a ciência não ocorre por acumulação”; “os textos apresentam desacordo entre eleatas,
atomistas e Aristóteles”; “os textos mostram a criatividade dos pensadores”;
“contradição”; “novas opiniões”; “ideia científica não é absoluta”; “várias explicações
diferentes”; “a ciência precisa ser pensada”; “ideia de ruptura de pensamento”, etc.

Esse aspecto é significativo tendo em vista que, de fato, os textos histórico-


pedagógicos elaborados têm como foco principal discutir sobre a natureza do
conhecimento científico de forma explicita e contextualizada por meio dos episódios
históricos.

Essa situação surpreendeu de forma positiva o pesquisador-ministrante do curso


de extensão, que havia presenciado situação distinta no período em que realizou estágio
84

de docência assistida na UFRN (ver Capítulo 1). Naquela ocasião, durante a realização
de atividades semelhantes a partir de narrativas históricas sobre a temática gravidade
(DRUMMOND et al., 2015), os licenciandos em Física tiveram dificuldade para
identificar os objetivos específicos dos textos, os recortes históricos realizados e suas
relações com esses objetivos. Mesmo tendo passado por discussões sobre NdC na
própria disciplina, somente com a ajuda do professor conseguiam localizar trechos que
traziam alusões a essa temática. Questões relacionadas à forma e à estruturação do
material passavam despercebidas.

Uma investigação aprofundada e de cunho comparativo das situações


vivenciadas no curso de extensão e na disciplina de HFC para a licenciatura não foi
realizada. No entanto, hipóteses como maior interesse e comprometimento dos
participantes do curso de extensão poderiam ser estudadas.

Notadamente, observaram-se aspectos bastante positivos ao longo do curso. As


discussões se prolongaram, anteciparam e aprofundaram aspectos que seriam
contemplados em atividades previstas em etapas posteriores. Notaram-se indicativos de
interesse dos participantes e certa maturidade acentuada de alguns deles em relação à
temática NdC, o que fez com que trouxessem à tona de imediato debates dessa natureza,
nos quais os demais acabaram se engajando antes do previsto. Nesse sentido, em
contexto semelhante, seria possível sugerir a alteração da ordem de realização das
questões propostas no material de formação a fim de se começar pelas discussões e
atividades relacionadas à NdC. Por outro lado, a experiência pessoal do ministrante na
disciplina de HFC sugere que tal medida não possa ser tomada de forma generalizada.

4.3 Segunda Parte do Curso

Para a segunda fase do curso de extensão estavam previstos cinco momentos:


exposição dialogada intitulada “Aprofundamento sobre Natureza da Ciência”,
realização e discussão das Atividades 4, 5, 6 e Reflexões Finais.

Os dois primeiros momentos e as reflexões finais transcorreram conforme


planejado. Já as Atividades 5 e 6 precisaram ser realizadas de modo menos formal, e
sem a utilização dos slides de apoio, devido a um problema técnico no computador do
ministrante. Essa situação, no entanto, não afetou negativamente os objetivos
pretendidos pelo curso.
85

4.3.1 A etapa “Aprofundamento sobre Natureza da Ciência”

Visões deformadas sobre a ciência costumam ser sustentadas por professores de


disciplinas científicas, que pouco discutem sobre Natureza da Ciência em sua formação
(MATTHEWS, 1995; MCCOMAS et al., 1998; HARRES, 1999; LEDERMAN, 2007;
BAGDONAS; SILVA, 2013). Os professores podem influenciar negativamente seus
alunos quanto a esses aspectos. Essas visões são transmitidas e reforçadas pela própria
educação científica (GIL PÉREZ et al., 2001).

Buscando atuar, ainda que de forma limitada, nessa lacuna na formação dos
professores, realizou-se no curso uma etapa expositivo-dialogada de aprofundamento
sobre a temática Natureza da Ciência. Foram discutidos de forma abreviada os seguintes
tópicos: a cooperação na ciência, a dependência das observações em relação a
pressupostos teóricos, a possibilidade de desacordo entre os pesquisadores e a
provisoriedade do conhecimento (MCCOMAS et al., 1998)30.

Em conjunto com os participantes, procurou-se caracterizar sete visões


deformadas sobre a ciência diagnosticadas por Gil Pérez e colaboradores (2001) no
contexto educacional: visão individualista e elitista – o conhecimento científico
aparece como obra de gênios isolados, ignorando-se o caráter cooperativista da
produção do conhecimento científico; visão acumulativa de crescimento linear – o
desenvolvimento científico aparece como consequência de um crescimento linear, sendo
uma visão simplista de como o conhecimento científico foi construído; visão
socialmente neutra – não leva em consideração a complexa relação entre a ciência e a
sociedade tornando os cientistas acima “do bem e do mal”; visão aproblemática e
ahistórica – o conhecimento é transmitido de forma já elaborada, sem contextualizar os
problemas que os mesmos tentaram resolver, as dificuldades encontradas, etc.; visão
rígida – o “método científico” é o caminho único para construção do conhecimento
científico; concepções empírico-indutivista e ateóricas – destacam o papel “neutro”
da observação e da experimentação, excluindo os pressupostos teóricos inerentes ao
processo de construção do conhecimento científico; visão exclusivamente analítica –

30
Como vimos no Capítulo 2 é necessário destacar a conscientização de que a temática NdC é dinâmica
e complexa, não havendo uma visão única adequada sobre a Natureza da Ciência, contemplada em
listagem consensual de mensagens. Dessa forma, não se pretende recomendar que o ensino inclua de
forma dogmática uma listagem de aspectos fechados sobre a NdC (BAGDONAS; SILVA, 2013, p. 216).
86

destaca a necessária divisão dos conteúdos, intencionalmente para simplificar esses


conteúdos.

As considerações expostas pelos participantes sobre possíveis significados


dessas visões tangenciaram, em sua maior parte, as definições expostas pela literatura da
área. A maior dificuldade de compreensão se deu quanto à concepção empírico-
indutivista e ateórica da ciência, o que coincide com resultados observados em
pesquisas empíricas com docentes (GIL PÉREZ et al., 2001).

Colaborando com as discussões, a coordenadora do curso teceu comentários a


respeito dessa visão específica: a própria medição de uma grandeza física, como
corrente elétrica, implica levar em conta pressupostos teóricos como o conceito de
corrente elétrica e considerações teóricas prévias sobre o funcionamento de um
amperímetro, por exemplo. A simples observação do movimento da agulha do aparelho
não acarreta como consequência inevitável a medida da corrente elétrica.

No curso, essa etapa de aprofundamento retomou a relação entre recortes


históricos e discussões sobre NdC. Lembrou-se que tais discussões constituem os
objetivos didáticos centrais dos textos histórico-pedagógicos elaborados, sendo
abordadas de forma contextualizada, explicita e reflexiva por meio da História do
Vácuo (LEDERMAN, 1992; MCCOMAS, 2008; FORATO, 2009). Dessa forma, a
discussão de aprofundamento objetivou alicerçar um reconhecimento mais consciente
das discussões específicas sobre NdC, o que seria tema de atividade subsequente nessa
segunda fase do curso.

4.3.2 Realização das Atividades 4 e 5

A Atividade 4, contemplada no material didático de formação docente,


apresenta o seguinte enunciado: “Na seção anterior realizamos uma breve discussão a
respeito de aspectos da natureza do conhecimento científico, indicando oposição a
visões deformadas da ciência. A partir dessa discussão, solicitamos que você releia os
textos histórico-pedagógicos, registrando as passagens dos mesmos que ilustram os
seguintes aspectos: cooperação na ciência (1), dependência das observações em
relação a pressupostos teóricos (2), possibilidade de desacordo entre pesquisadores (3)
e provisoriedade do conhecimento (4). Identifique as passagens que contrariam as
seguintes visões deformadas de ciência: a visão a-problemática e a-histórica (a), a
87

visão individualista e elitista (b), a visão acumulativa de crescimento linear (c) e a


visão indutivista e a-teórica da ciência (d). Faça anotações nos próprios textos para
identificar/registrar essas passagens segundo os marcadores sugeridos acima”.

A atividade teve como objetivo avançar na tentativa de sensibilizar os


participantes do curso quanto à percepção, de maneira mais formal, da inserção da
temática Natureza da Ciência nos textos histórico-pedagógicos. Assim, com base na
fundamentação teórica proporcionada pela etapa expositivo-dialogada que deu início à
segunda fase do curso, procedeu-se à identificação de passagens das narrativas que
contemplam discussões sobre NdC e se contrapõem a visões distorcidas da ciência.

Como estratégia didática, solicitamos que os participantes se dividissem em


grupos de cinco integrantes. Mais dois textos histórico-pedagógicos foram utilizados,
compondo, então, uma sequência de cinco textos elaborados segundo perspectiva
cronológica de episódios da História do Vácuo. Por grupo, cada um dos integrantes
ficou responsável por um dos textos identificados de A a E. Os primeiros quinze
minutos previstos para a realização da atividade foram destinados à identificação
individual das passagens. Os outros quinze minutos foram destinados à socialização das
observações entre os componentes do próprio grupo. Em seguida, procedeu-se ao
sorteio de dois grupos encarregados de socializar suas observações dando início a
debate conduzido pelo pesquisador-ministrante.

No decorrer das discussões, os participantes, satisfatoriamente, conseguiram


identificar de maneira formal que ao longo das narrativas históricas mensagens sobre a
NdC problematizavam ou se contrapunham a visões deformadas de ciência.

Ao final das discussões relativas à Atividade 4, o computador do ministrante do


curso apresentou problemas técnicos. Face essa situação, a coordenadora interveio de
forma colaborar reajustando o planejamento inicial.

Encaminhamos uma discussão sobre as potencialidades das narrativas tendo em


vista a contextualização de mensagens sobre a NdC por meio de episódios históricos,
em contraposição a determinadas visões deformadas de ciência. Frisamos a
possibilidade de ampliação dessa proposta para outras temáticas históricas.
Ressaltamos, mais uma vez, a importância do papel do professor no que concerne à
flexibilização e à adaptação da inovação curricular a sua realidade.
88

Como abordamos no Capítulo 2, os professores necessitam se sentir


beneficiados com essas inovações curriculares, sendo esses materiais elaborados de
forma flexível e que permita aos professores uma adaptação aos seus ambientes
escolares (HÖTTECKE; SILVA, 2010). O professor, reconhecendo-se como ator
importante no processo de transposição didática da HC, pode perceber a flexibilidade
das narrativas histórico-pedagógicas elaboradas e escolher quais discussões de NdC
deseja contemplar em aula, delimitando, assim, os objetivos de possíveis intervenções,
em função de fatores como tempo didático e contexto educacional visado.

Seguindo à Atividade 4, passamos a outro aspecto do diálogo aprofundado com


os participantes. Retomamos elementos inicialmente previstos para discussão na
Atividade 5, os quais na realidade, já haviam sido antecipados ao longo das etapas
anteriores do curso: formulação discursiva, extensão e formatos apropriados ao contexto
educacional, relação de diálogo entre o aluno e os textos, etc. Tais aspectos haviam sido
parcialmente contemplados espontaneamente em falas de alguns participantes logo na
segunda atividade proposta.

Tendo em vista tais circunstâncias particulares, a Atividade 5, cujo enunciado é


transcrito a seguir, foi realizada na forma de diálogo coletivo envolvendo todos os
participantes: “Observe os textos A a F quanto à formulação discursiva utilizada nos
mesmos. Registre seus comentários. O que você nota a respeito da linguagem utilizada?
O que você poderia dizer da relação que se pretende estabelecer entre o aluno e o texto?
O que observa quanto à extensão e formato dos textos?”

À luz dos referenciais teóricos, discutimos sobre desafios e obstáculos que se


materializam na transposição didática da HC: formulações discursivas adequadas aos
níveis de escolaridade, quantidade de informações contempladas, a extensão e a
profundidade dos textos (FORATO, 2009; HÖTTECKE; SILVA, 2010; FORATO;
MARTINS; PIETROCOLA, 2012b).

4.3.3 Realização da Atividade 6

A Atividade 6, realizada no curso de extensão, contemplou a temática


historiografia da ciência, segundo o enunciado transcrito a seguir: “Observe os textos
histórico-pedagógicos A a F e registre suas respostas. O que você nota quanto às
informações biográficas sobre os personagens? E quanto à frequência de informações
89

sobre datas relacionadas aos episódios históricos? Segundo os textos, quem é o pai dos
conceitos de vácuo e pressão atmosférica? Os textos transmitem a visão de que a
História do Vácuo e da Pressão Atmosférica é um conjunto de descobertas pontuais,
independentes, realizadas em datas específicas? Transmitem a visão de que os
pesquisadores do passado eram piores do que os do presente? Segundo os textos, os
pesquisadores do passado eram ingênuos, se preocupavam com problemas tolos e não
sabiam fazer as coisas?”

A literatura sobre a inserção da HFC no ensino vem externando a preocupação


quanto a orientar educadores a respeito de conhecimentos historiográficos e
epistemológicos atuais, sem que se exija deles o conhecimento profissional pertinente a
um historiador da ciência (PAGLIARINI; SILVA, 2006, p.2).

Mais uma vez ratificamos um importante aspecto mencionado no Capítulo 2. O


reconhecimento dos pressupostos historiográficos possibilita ao professor identificar
uma série de vícios historiográficos comuns em materiais didáticos. Auxilia no uso
consciente da HFC no ensino repercutindo na postura pedagógica dos professores e
visões de ciência transmitidas em aula (VIDEIRA, 2007; FERREIRA; FERREIRA,
2010; FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2011).

É possível que o professor, consciente de aspectos básicos da historiografia


atual, reconheça facilmente as arquiteturas de um mito cientifico, como: a
caracterização de alguns pensadores da ciência do passado com “heróis”,
sobrevalorizando suas obras e descrevendo seus adversários com vilões; narrativas de
“erros” e “acertos” da ciência, sendo os primeiros um atraso à evolução da ciência;
busca da origem das ideias atualmente aceitas; glorificação à genialidade de alguns
personagens, batizados de pais de leis e teorias e o distanciamento em relação ao que
hoje é aceito como História da Ciência (ALLCHIN, 2004; PAGLIARINI; SILVA,
2006).

Já na Atividade 1, realizada na primeira fase do curso, o questionamento de um


participante (PP1) sobre não estar encontrando nenhum “episódio histórico” remontava
a uma visão historiográfica de cunho positivista e sinalizava uma demanda importante.
Como se pode notar, a Atividade 6 se encaminha nessa direção. A partir das questões
propostas, discutem-se aspectos da historiografia da ciência levados em conta na
90

elaboração dos textos31. Pretende-se contribuir para que o professor seja capaz de
reconhecer princípios básicos como, por exemplo: anacronismo, história whig, pedigree
e hagiografia (FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2011).

Na discussão da Atividade 6, percebemos que poucos participantes estavam


conscientes em termos formais a respeito desses princípios. Frente ao questionamento
sobre o significado do termo “anacronismo”, somente um participante PP5 de forma
coerente respondeu: “é você julgar os conhecimentos elaborados no passado pelo seu
conhecimento atual, que é o do presente”. O mesmo participante exemplificou sua
resposta: “Dizer que não havia democracia em Atenas. Afinal, como podia ser
democrático um regime que excluía as mulheres e estrangeiros das questões políticas?”
(PP5).

Embora não demonstrassem conhecimento formal sobre elementos da


historiografia, em resposta aos questionamentos propostos na Atividade 6 surgiram
comentários que satisfaziam aos objetivos pretendidos: “não apresentavam pai do vácuo
e da pressão atmosférica”(PP6), “os pensadores não eram tolos”(PP7), “existia muita
discordância”(PP8), “não percebi ênfase nas datas e acontecimentos históricos”(PP9),
“os textos em si desmistificam as ideias dos vilões e heróis quando mostram às
discussões, cooperações entre os pesquisadores, rupturas”32(PP10).

Em seguida à manifestação inicial dos participantes sobre a Atividade 6, e já


estabelecida a possibilidade de utilização de outro computador, o ministrante, com
auxílio de slides previamente preparados (ver APÊNDICE IV), procurou trazer à tona
comentários sobre a atual historiografia da ciência. Observou-se o distanciamento
quanto a esses elementos no contexto educacional, isto é, o afastamento em relação ao
que hoje se concebe como História da Ciência. Em contraposição, frisaram-se aspectos
das narrativas históricas elaboradas que buscam inserir no contexto educacional uma
perspectiva historiográfica atualizada: problematizando explicitamente visões
31
Videira (2007) define historiografia como: “[...] um discurso crítico, que procura mostrar, o mais
claramente possível, as bases epistemológicas, históricas, políticas e axiológicas sobre as quais os
discursos históricos são construídos” (p. 122). Segundo Videira, uma narrativa histórica será melhor,
quanto mais consciente for o seu autor dos pressupostos historiográficos empregados para elaborá-la.
32
Em janeiro de 2015, em ocasião na qual o curso foi ministrado no SNEF, os participantes
demonstraram tanto interesse pelas questões de cunho historiográfico que as discussões a esse respeito
tiveram início ainda na primeira atividade. Foram estendidas por todos os outros momentos do curso,
chegando a avançar no tempo disponível para outras discussões. Percebeu-se que essa era uma demanda
dos próprios participantes, muitos dos quais eram pós-graduandos que atuavam na linha HFC no Ensino e
desejaram aprofundar as discussões quando colocados frente à temática pressupostos historiográficos.
91

anacrônicas da História da Ciência, frisando o caráter cooperativo da ciência,


contextualizando historicamente os conteúdos da ciência, etc.

Observou-se ao longo da realização do curso uma participação expressiva dos


cursistas, a qual notadamente estabeleceu-se de forma muito proveitosa em discussões,
diálogos e debates no decorrer da realização das atividades. O interesse dos
participantes sobre a temática apresentada no curso de extensão (HFC, NdC e
Transposição Didática) é um ponto positivo a ser mencionado. Esse interesse reflete
certa maturidade dos participantes do curso se comparados aos estudantes da disciplina
de História e Filosofia da Ciência (Ver Capítulo 1). Percebeu-se empenho realçado nas
discussões sobre a historiografia da ciência (Atividade 6), o que poderia sugerir a
relevância de possível reordenação das atividades a fim de contemplar lacunas iniciais.
Os participantes mostraram-se sensibilizados quanto ao papel do professor na
transposição didática e a importância de que esse profissional esteja consciente quanto a
aspectos da atual historiografia (PAGLIARINI; SILVA, 2006; VIDEIRA, 2007;
FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2011).

Enfim, acreditamos que a criação de ambientes de formação docente para


discussões sobre questões envolvendo HFC no Ensino, NdC e Transposição Didática
possibilitaria colaborar para o preenchimento de certas lacunas.

4.4 Desdobramentos para o material didático de formação e sua utilização


na formação docente

Um dos objetivos da pesquisa-ação é “oferecer ao pesquisador melhores


condições de compreensão, decifração, interpretação, análise e síntese do material
qualitativo gerado na situação investigativa” (THIOLLENT, 2011, p. 35). É necessário
um diálogo profícuo entre o pesquisador e os participantes para que dessa forma
aconteçam as realizações, transformações, mudanças ou ações efetivas.

Na pesquisa-ação, há realmente uma ação ou participação das pessoas ou grupos,


os quais estão embutidos no problema pesquisado. Esse tipo de método não se resume
apenas à ação e à participação dos indivíduos, mas, também produz conhecimento, gera
certa experiência e contribui para a discussão da problemática abordada.
92

Nesse sentido surgiram desdobramentos oriundos da aplicação do material de


formação no curso de extensão realizado na UFRN33.

Um primeiro desdobramento advém de demanda explicitada pelos participantes


do curso. Diz respeito à inclusão de uma listagem ampliada de referências de trabalhos
sobre a História do Vácuo e da Pressão Atmosférica no material didático de formação
docente. Essas referências contemplam materiais que serviram de inspiração para a
produção das narrativas históricas. Podem ser úteis para consulta e aprofundamento do
professor, para quem é fundamental saber mais do que o conteúdo que será levado para
a sala de aula. Eventualmente, é possível que o professor sinta necessidade de
disponibilizar tais referências para alunos que demonstrarem maior interesse pela
temática (APÊNDICE II).

Outro desdobramento diz respeito a considerar a possibilidade de realização das


atividades em ordem diferente do que se observa no material didático apresentado no
APÊNDICE II. Sugere-se possível alteração no início do material didático, na secção
apresentação do material.

Notou-se que a discussão de elementos da historiografia da ciência foi uma


demanda inicial e central no curso realizado na UFRN. Nesse sentido, já para a
realização da Atividade 1 foi necessário problematizar a visão positivista de que
episódios históricos seriam descobertas pontuais de gênios da ciência e que História da
Ciência seria uma ordenação cronológica desses episódios.

Não se considera que essa seja uma ocorrência casual, uma vez que, de fato, os
professores costumam, em geral, ter pouca familiaridade em relação a pressupostos
básicos da historiografia atual da ciência. Desse modo, possivelmente seria conveniente
antecipar as discussões promovidas na Atividade 6, devendo-se considerar a
possibilidade de que essa seja a primeira a abrir a sequência de atividades.
Adicionalmente, é preciso levar em conta o interesse do público-alvo por essas
discussões, a fim de refletir sobre eventuais aprofundamentos. Nas situações
vivenciadas de aplicação do material didático, o interesse extrapolou as expectativas
iniciais do pesquisador.

33
Na realização do curso em janeiro de 2015 no SNEF, situações semelhantes foram vivenciadas,
reforçando as sugestões propostas.
93

Quanto a possíveis modificações na ordem das atividades ou no aprofundamento


das mesmas, sugere-se que no planejamento de cursos de formação docente a partir do
material didático elaborado, o perfil do público interessado seja analisado com cuidado.
Na realização do curso na UFRN algumas discussões previstas para momentos
posteriores foram antecipadas, indicando certa maturidade de alguns participantes que
trouxeram à tona espontaneamente a temática NdC. No entanto, suprimir etapas de
sensibilização quanto à NdC pode não ser adequado, uma vez que essa temática
costuma ser pouco conhecida pelos docentes. Pode-se, enfim, explorar a flexibilidade
inerente ao material didático de formação elaborado como produto da presente
dissertação, o que implica levar em conta características do público visado.
94

CAPÍTULO 5

Considerações Finais

O presente capítulo apresenta comentários referentes às considerações finais da


dissertação. São retomados aspectos importantes e sistematizados elementos relevantes
para analisar o desenvolvimento desse trabalho. Avalia-se o que foi realizado, levando
em conta aspectos positivos, negativos e lacunas identificadas.

Tomou-se como ponto de partida para a dissertação o relato vivencial descrito


pelo seu autor, o qual expôs as motivações que inspiraram a produção desse trabalho.
Foram comentadas as contribuições oriundas de sua participação como bolsista
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência na UFRN (PIBID-FÍSICA),
incluindo a experiência pessoal em processo de elaboração de narrativas histórico-
pedagógicas sobre a temática gravidade e sistemas de mundo (DRUMMOND et al,
2015). Foram abordadas ainda sua participação em Curso de Iniciação a Docência
(CID) e vivência pessoal em docência assistida em semestre da disciplina de História e
Filosofia da Ciência para a licenciatura em Física na UFRN. Essas experiências
possibilitaram a escolha da linha de pesquisa e da questão-foco da dissertação. Os
desafios e obstáculos vivenciados na construção de narrativas histórico-pedagógicas,
bem como a difícil tarefa de utilizá-las em sala de aula, apareceram como problemas no
contexto educacional e tornaram-se questão-foco (Capítulo 1).

Em função da referida escolha, refletimos sobre aportes teóricos que norteiam a


presente dissertação: as discussões sobre a inserção da História e da Filosofia da Ciência
no Ensino, a temática Natureza da Ciência, obstáculos relacionados à transposição
didática da HFC, incluindo aspectos relacionados à formação docente mencionados no
Capítulo 2 (ROBILOTTA, 1988; BIZZO, 1992; MATTHEWS, 1995; MCCOMAS;
ALMAZROA; CLOUGH, 1998; GIL-PÉREZ et al, 2001; PEDUZZI, 2001; DUARTE,
2004; GATTI; NARDI; SILVA, 2004; GOULART, 2005; MARTINS, 2005;
MARTINS, 2006; PAGLIARINI; SILVA, 2006; LEDERMAN, 2007; MARTINS,
2007; CLOUGH; OLSON, 2008; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FORATO,
2009; QUINTAL; GUERRA, 2009; FERREIRA; FERREIRA, 2010; FERREIRA;
MARTINS, 2010; HOTTECKE; SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA; MARTINS,
95

2012b; LEDERMAN, 2012; PENA; TEIXEIRA, 2013; SASSERON; BRICCIA;


CARVALHO, 2013).

A fim de contemplar lacunas observadas por essa literatura optou-se pela


elaboração de dois produtos educacionais: as narrativas histórico-pedagógicas sobre a
História do Vácuo e da Pressão Atmosférica (Apêndice I) e o material didático,
intitulado “Elementos para a formação docente tendo em vista a inserção da História e
Filosofia da Ciência no Ensino Médio: textos histórico-pedagógicos como exemplares”,
nos quais as narrativas são utilizadas como mediadores em atividades dialógicas
propostas ao professor (Apêndice II). Procura-se trazer à tona as possibilidades da
História da Ciência como contextualização para discussões sobre a Natureza da Ciência
e a sutilezas envolvidas no processo de transposição didática que se manifesta na
elaboração das narrativas.

Justifica-se a escolha da temática Natureza da Ciência tendo em vista que a


mesma vem sendo apontada como um dos eixos primordiais para a alfabetização
científica: “Compreensão da natureza das ciências e dos fatores éticos e políticos que
circundam sua prática” (SASSERON; BRICCIA; CARVALHO, 2013, p. 268). Mais
especificamente decidiu-se selecionar episódios históricos que possibilitassem abordar
os seguintes tópicos: a cooperação na ciência, a dependência das observações em
relação a pressupostos teóricos, a possibilidade de desacordo entre os pesquisadores e a
provisoriedade do conhecimento (MCCOMAS et al., 1998). As narrativas podem,
portanto, ser utilizadas para abordar determinadas visões deformadas de ciência: a-
problemática e a-histórica, individualista e elitista, acumulativa de crescimento linear e
indutivista e a-teórica da ciência (GIL PÉREZ et al., 2001).

A inserção efetiva da HFC no ensino não é trivial. É uma proposta desafiadora,


envolve superar e contornar diversos obstáculos (FORATO, 2009). Considerações sobre
a transposição didática da História da Ciência foram essenciais para a elaboração desses
produtos educacionais (FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2012b). Foram
vivenciadas na elaboração das narrativas situações delicadas, tais como, a adequação da
linguagem, a atenção constante a pressupostos historiográficos atuais e a dosagem no
aprofundamento de detalhes históricos e epistemológicos.
96

A decisão de atuar na formação docente foi motivada por lacunas citadas na


literatura, como a deficiência na percepção da HFC como estratégia didática
(MARTINS, 2007; OLIVEIRA, 2013), a insegurança a respeito de intervenções que
envolvam a HFC (DUARTE, 2004; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009;
FERREIRA; FERREIRA, 2010) e desconhecimento acerca das discussões a respeito da
temática NdC (MCCOMAS et al., 1998; HARRES, 1999; LEDERMAN, 2007).

Buscou-se atuar de forma a proporcionar alguma contribuição, ainda que


limitada, em relação a essas lacunas. Ao encontro dessa preocupação, justifica-se a
iniciativa de elaborar material didático voltado para a formação docente, o qual pode ser
utilizado de forma autodidata ou como base para cursos destinados a esse público
específico.

Nesse material são trazidas reflexões sobre aspectos da transposição didática da


História da Ciência, as quais são consideradas importantes para os professores. A alusão
detalhada ao processo de elaboração das narrativas em atividades dialógicas traz à tona
as potencialidades didáticas e limitações desses recursos. Permite que o professor
perceba-se não como mero “aplicador” de propostas engessadas, mas sim como agente
importante na transposição didática da História da Ciência, reconhecendo o importante
papel de selecionar e conduzir discussões de modo flexível em sala de aula, trazendo ele
próprio sugestões de acordo com o seu contexto educacional.

A literatura especifica da área vem reiterando a importância de ambientes de


discussão que possibilitem o contato de licenciandos e professores atuantes com
reflexões sobre a inserção da HFC em sala de aula (FORATO, 2009). Seria relavante
conhecer exemplos de propostas didáticas para a abordagem histórico-filosófica de
conteúdos de ciência e sobre a ciência, desenvolver competências que lhes permitam
compreendê-las de modo aprofundado e adaptá-las aos seus contextos específicos, bem
como elaborar suas próprias intervenções didáticas.

De acordo com as referidas considerações, realizou-se na UFRN, com base no


material didático elaborado, um curso de extensão direcionado à formação docente.
Participaram do curso trinta e seis indivíduos, dentre os quais constavam professores
atuantes e licenciandos bolsistas do PIBID.
97

O curso abordou de forma breve a argumentação acerca do papel da HFC no


Ensino e questões historiográficas. Propôs-se que os participantes realizem uma
sequência de atividades que permitiram discutir aspectos da transposição didática da
História da Ciência. As narrativas histórico-pedagógicas sobre a História do Vácuo e da
Pressão Atmosférica foram utilizadas como mediadores nas discussões. Abordaram-se
potencialidades, possibilidades e limitações na utilização dos textos.

De acordo com os referenciais metodológicos da pesquisa-ação (THIOLLENT,


2011), as contribuições dos participantes do curso de extensão e do pesquisador-
ministrante a partir de interações com esses participantes foram consideradas e
motivaram desdobramentos para o próprio material didático de formação docente. Por
exemplo, a necessidade de ter como ponto de partida a atividade que discute
pressupostos historiográficos foi um aspecto significativo (Apêndice II).

Finalizando o presente trabalho, é relevante apontar o grande interesse


despertado entre participantes do curso de extensão realizado na UFRN, sendo esse
interesse igualmente observado em ocasião na qual o curso foi ministrado no XXI
Simpósio Nacional de Ensino de Física, em janeiro de 2015 (NICÁCIO et al., 2015).
Sobretudo, em ambas as ocasiões, observou-se forte demanda por mais discussões
relativas à historiografia, a qual era “ilustre desconhecida” para parcela significativa dos
indivíduos presentes nessas ocasiões. Nesse sentido específico, ações que venham ao
encontro do que vem sendo apontado a respeito da importância da historiografia para a
inserção didática da História da Ciência precisariam ser intensificadas (VIDEIRA,
2007; FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2011).
98

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104

APÊNDICE I
TEXTOS HISTÓRICO-PEDAGÓGICOS SOBRE
A HISTÓRIA DO VÁCUO E DA PRESSÃO ATMOSFÉRICA
105

Texto A - As concepções sobre o vácuo na Antiguidade


Na Antiguidade (período histórico que durou até aproximadamente o
século V depois de Cristo), os pensadores estudavam a natureza e falavam
sobre o tema “vácuo” ou “vazio”. As visões sobre esse assunto variavam.
Os filósofos chamados “eleatas” (da região de Eleia, ao sul da atual
Itália) negavam que o vazio existisse: “aquilo que não é [o nada] não pode
ser pensado nem existir”.

Figura 1- Localização da Eleia

Um argumento era importantíssimo para os eleatas: o vazio só


precisaria existir se os movimentos existissem. Se um objeto visto em
movimento realmente estivesse em movimento estaria indo para algum
lugar vazio. Afinal, diziam eles, o objeto não poderia se mover se o universo
fosse totalmente preenchido por matéria.
Ooopa!!! Espera aí um pouquinho antes de prosseguirmos com o
texto...
Você leu com atenção o parágrafo anterior?
Se leu deve estar pensando algo do tipo: Não entendi nada! Os
eleatas eram loucos???
Como assim “se os movimentos existissem”, “se um objeto visto em
movimento realmente estivesse em movimento”?
Se eu vejo o objeto em movimento, ele só pode estar em movimento,
não?
Bem, eles não eram loucos... mas, diziam que movimento não existia.
106

Isso porque tinham uma forma especial de investigar os fenômenos


da natureza. Parece que em vez de um ditado do tipo “ver para crer”,
aceitavam um “pensar para crer”...
Acontece que, para os eleatas, mesmo que no dia a dia o movimento
pudesse ser percebido através da visão, ainda assim isso não significava
que o movimento de fato existia. Consideravam que os sentidos eram
fontes de ilusões, que enganavam as pessoas. Então, o eleata dizia: eu vejo
uma flecha se movendo, mas não posso aceitar o que vejo como verdade. Não
devo confiar nos sentidos, devo pensar sobre o movimento da flecha, isto é,
usar somente a razão.
Segundo o eleata, a razão era o único caminho para o conhecimento.
E o que acontecia quando um eleata usava a razão, isto é, refletia
sobre o movimento da flecha? Segundo os eleatas Parmênides e Zenão,
refletir sobre o movimento da flecha levava à conclusão de que esse
movimento não existia.
Mas ... como assim???
Não é difícil entender o argumento deles. Vamos lá!
Pensavam o seguinte: vamos
“congelar” a imagem da flecha em
movimento agora. Nessa imagem ela
está parada, certo? Certo!
Mas não acabamos de dizer
que ela está em movimento? Então,
como pode uma coisa estar parada e
em movimento ao mesmo tempo?

Figura 2 – Imagem “congelada” de uma “Isso é uma contradição!”,


flecha diziam Parmênides e Zenão. Usar a
razão mostrava que o movimento era
contraditório, e, portanto, não existia. Era apenas uma ilusão dos sentidos.
E, se não há movimento.... então, para quê o vazio? Qual a
necessidade de haver um lugar vazio para onde as coisas podem se mover se
elas na realidade não se movem?
O vazio não precisava existir na natureza, diziam os eleatas.
E você, leitor, o que acha? Concorda com eles?
-------------------------------------------------------------------------
Fig. 1 – Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2003/icm25/images/mapaeleia.gif>. Acesso em 10 mai. 2014.
Fig. 2 - Disponível em: < https://andrefarinha.files.wordpress.com/2012/03/234722-13-flying-arrow.jpg?w=614>. Acesso
em 10 mai. 2014.
107

Texto B - E as ideias continuavam surgindo....


Ainda na Antiguidade, pensadores chamados “atomistas” buscavam
compreender os fenômenos da natureza partindo do pressuposto de que o
mundo podia ser explicado pelo movimento de partículas indivisíveis, os
átomos, em meio a espaços vazios.
Ops... “em meio a espaços vazios”? Então ... eles discordavam dos
eleatas?
Quanto à existência do vazio, discordavam sim. Aceitavam que o
vazio existia, ao contrário dos eleatas.
E discordavam dos eleatas também em outro aspecto: aceitavam o
uso dos sentidos para a compreensão da natureza. Para o atomista, um
objeto em movimento de fato estava em movimento, ao contrário do que
diria um eleata.
Mas.. será que eles discordavam em tudo? Um grupo rejeitou tudo o
que o anterior havia dito?
Não totalmente... Os atomistas romperam em parte com as ideias
dos eleatas, aceitando então em parte o que eles haviam dito.
Concordavam a respeito de que havia uma relação direta entre vazio
e movimento: se o movimento existisse o vazio deveria existir, pois os
objetos precisariam se mover para um lugar vazio. No entanto, usavam
diferentes métodos para
estudar a natureza,
interpretavam os fenômenos
de formas distintas,
discordavam quanto às
conclusões: para os
atomistas, movimento e
vazio existiam; para eleatas,
ambos não existiam.
Figura 1 – Atomistas
E, agora, então? O
que fizeram outros pensadores diante desse conflito de ideias? O que
aceitaram? Propuseram algo diferente?

-----------------------------------------------------------------------------------
Fig. 1 – Disponível em: <http://files.encuentro-con-la-filosofia.webnode.com.co/200000009-070af08080/Atomistas-
Griegos.jpg>. Acesso em 10 mai. 2014.
108

Texto C - E a História da Ciência segue, com


rupturas e também continuidades...
O desacordo entre os pesquisadores sempre é possível.
Ciência é uma coisa complicada, os
fenômenos são estudados de diferentes
maneiras, interpretados, pensadores podem
chegar a conclusões diferentes. Isso ocorreu
na Antiguidade (e ocorre até hoje).
Voltando ao “vazio” ... houve quem
rejeitasse a relação direta entre vazio e
movimento que era aceita por atomistas e
eleatas. O filósofo grego Aristóteles estudou
muito as ideias desses pensadores, estudou
mais, mais ainda e propôs o seguinte: o
movimento podia ser visto, de fato existia, Figura 1 – Aristóteles
mas nem por isso o vazio precisava existir.
Era “do contra” mesmo: discordou dos atomistas e dos eleatas ao
mesmo tempo!
Usando o chamado “argumento da troca mútua”, Aristóteles sugeriu
que os corpos poderiam ceder lugar um ao outro. Assim, um peixe poderia
nadar num aquário cheio trocando
simultaneamente de posição com a água,
sem precisar de espaços vazios. A
existência do movimento não indicava que o
vazio necessariamente existia na natureza.
Aristóteles não parou por aí e
tentou derrubar outros argumentos que os
atomistas usavam para sustentar que o
vazio existia. Discutiu um a um esses
argumentos nos diversos livros que Figura 2 – Peixe no aquário
escreveu, propondo outras interpretações
para os fenômenos.
Para os atomistas, os corpos se contraíam nos seus espaços vazios
interiores. Já Aristóteles pensou de outro modo. Os corpos deviam se
contrair expulsando para fora o que continham dentro, tal como ocorria
quando uma esponja embebida em água era espremida.
Duas explicações para um único fenômeno? Isso era possível?
109

Era possível e continua sendo até hoje na ciência: os pesquisadores


costumam discordar entre si, pois interpretam fenômenos complicados,
partindo de diferentes pontos de vista.
Bem... voltando novamente ao “vazio” na Antiguidade... A luz pode
atravessar um aquário cheio de água sem que o aquário transborde, certo?
Você deve ter dito “sim” e os atomistas concordariam com você.
Bem, e o que isso tem a ver com o vazio que eles aceitavam?
Partindo do pressuposto de que a luz era matéria, isto é, formada por
corpúsculos, os atomistas consideravam que isso só era possível porque a luz
passava justamente pelos espaços vazios existentes no líquido. Então, esse
era um argumento atomista para defender a existência do vazio. Ele
precisaria existir para que a luz se propagasse sem a água derramar.
E agora? Será que Aristóteles “amarelou”?
Não. Ele mais uma vez rejeitou o
argumento atomista.
Para Aristóteles, a luz não era
material. Era uma modificação no meio, no
caso a água. Então, se a luz não era
material, não era formada por
corpúsculos que precisavam de vazios na
água para atravessar o aquário.
Esse caso era bem interessante,
Figura 3 – Luz no aquário então. Aristóteles partia do pressuposto
de que a luz não era material e
interpretava o fenômeno de uma maneira. Os atomistas partiam do
pressuposto de que a luz era material e interpretavam o fenômeno de
outra maneira, para a qual a existência do vazio era necessária.
E quem será que se deu bem? Será que as ideias de Aristóteles foram
bem aceitas?
Aristóteles foi bem convincente. Seus argumentos contra a existência do
vazio foram repetidos por séculos e séculos, por muitos pesquisadores. Mas
alguns se posicionaram a favor da existência do vácuo.
O assunto vazio era importante e muitos pensadores se dedicaram a
estuda-lo, como veremos no “próximo capítulo” dessa História.
----------------------------------------------------------------------
Fig. 1 – Disponível em: <http://www.ghtc.usp.br/server/Sites-HF/Paula-Sampaio2/>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 2 – Disponível em:< http://www.melhorpeixe.com/imagens/2013/06/peixes-no-aquario-lotado.jpg>. Acesso em 11
mai. 2014.
Fig. 3 – Disponível em:<http://www.aquaonline.com.br/forum/viewtopic.php?f=3&t=33464&p=211918>. Acesso em 11
mai. 2014.
110

Texto D - Ideias sobre o vácuo na Idade Média – Parte 1

A Idade Média, que vai aproximadamente do século V ao século XV,


já foi chamada de “Idade das Trevas”. Coitada! O apelido nada elogioso não
cai nada bem para esse período tão frutífero de desenvolvimento da ciência.
Os pensadores medievais intensificaram as discussões sobre o
vácuo. Resgataram elementos importantes da Antiguidade, como as obras de
Aristóteles, que traziam as concepções do filósofo sobre matéria, vazio e
movimento.
Por falar nisso... será que você se lembra dessas concepções? Da
nossa conversa no texto anterior...
Pois bem, como na História da Ciência, as
pessoas não partem do nada, no século IX, o
pensador árabe Avicena seguiu a antiga
concepção de que o vazio não poderia existir.
Usando argumentos conhecidos, ele discutiu
fenômenos do dia a dia, como o funcionamento
do sifão.
Você já deve ter visto um sifão em sua
casa, certo? Então... pense no seguinte: será que
simplesmente observando o sifão “brota” de
Figura 1 - Avicena
imediato uma explicação para o seu
funcionamento?
É claro que não! Na Ciência, seja na medieval
ou na atual, muita criatividade existe na invenção de
conceitos e explicações. A criatividade é uma
ferramenta importantíssima para a elaboração de
ideias pelos pesquisadores. A natureza não dá
respostas! Nós a construímos, isto é, a ciência é uma
criação humana, própria de cada época.
E o que isso tem a ver com o sifão e Avicena?
Figura 2 – Para ele, a explicação para o funcionamento do sifão
Esquema para se baseava em um princípio, um pressuposto teórico
funcionamento do
bastante aceito naquela época: a natureza evitaria a
de sifão
produção do vácuo. Observando o fenômeno segundo
esse ponto de vista... se uma porção de água ia descendo por uma
extremidade do sifão, a fim de evitar que o espaço deixado pela água
ficasse vazio (evitar o vácuo!), outra porção seguia junto e daí por diante.
Assim, o fluxo de água no sifão era mantido.
111

Avicena e outros muitos pensadores da Idade Média se basearam


nesse fundamento que vinha da Antiguidade e o reforçaram com exemplos:
“a natureza tem horror ao vazio”, diziam eles.
Lá pelo século XIV encontramos pensadores como o francês Jean
Buridan se apoiando fortemente nessas ideias para explicar fenômenos do
cotidiano.
Vamos a um exemplo discutido pelo Buridan... Na época dele existiam
canudinhos de junco (não de plástico, como temos hoje), que podiam ser
usados para tomar líquidos, como vinho (como fazemos com os refrigerantes
em latinhas).
Buridan explicou a subida do vinho no
canudinho de forma semelhante ao que Avicena
havia comentado sobre o sifão, usando o mesmo
pressuposto teórico: o “horror ao vácuo”.
Acho que já dá para imaginar, não? Ele
considerou que quando o ar do canudinho era
puxado, o vinho subia do recipiente, e ia subindo,
subindo, porque era necessário que algum corpo
sempre viesse logo para evitar a formação de
vácuo no canudo.
Buridan reforçou a impossibilidade do
vazio através de outros experimentos. Propôs o Figura 3 – Jean Buridan
seguinte: imagine um fole com furos
perfeitamente fechados... (Você sabe o que é um fole? No Brasil não
costumamos usá-lo, mas até que ele lembra a sanfona do forró... Veja o que
é isso na imagem ao lado. Na Europa usam para atiçar o fogo na lareira).
Segundo Buridan, o fole perfeitamente fechado e com as paredes
internas bem (bem) juntinhas não poderia ter essas paredes separadas nem
que vinte cavalos fossem amarrados para puxá-las. Isso por que separá-las
significaria “formar um espaço vazio” dentro do fole, o que a natureza não
permitiria.
Teve gente que gostou da explicação. Como
ciência é uma atividade de cooperação, isto é, o que
um propôs pode ser ponto de partida para outro
concordar (ou mesmo discordar!!!)... o argumento de
Buridan foi levado adiante por alguns pesquisadores.
Francisco de Toledo, também participante da
turma dos que negavam o vazio, concordou que seria
impossível abrir o fole tampado e acrescentou que se Figura 4 - Fole
112

uma força muito grande fosse aplicada, o fole se quebraria antes de haver a
separação de seus lados. Seria como uma ação da natureza para não permitir
o vazio.
E, então? Reparou que Buridan e Francisco de Toledo partiram
daquele mesmo princípio de rejeição ao vazio? E você percebeu também que
algumas palavras estão grifadas no nosso texto: “imagine”, “poderia”,
“seria”, “se”, “quebraria” ...
O que isso quer dizer? Eles estavam pedindo que as pessoas
imaginassem certas condições e, em seguida, pensassem nessas situações
hipotéticas, tendo como base certos pressupostos teóricos: eram
experimentos imaginários.
Então eles não fizeram os experimentos? Não, não fizeram!
Será que eles estavam errados em não fazer? Estavam com medo de
notar outras coisas? Com preguiça? Será que a Idade Média era uma época
“atrasada” e não sabiam que fazer experimento é importante?
Não, nada disso. Jean Buridan e Francisco de Toledo estavam
propondo uma situação que levava em conta pensar sobre a teoria do “horror
ao vácuo”. Em outras épocas, muito mais a frente, e bem próximo dos nossos
tempos, Albert Einstein “realizou” muitos experimentos imaginários que
levavam em conta pensar sobre a “Teoria da Relatividade”, um cara chamado
Erwin Schröedinger (nome complicado!) “fez” experimentos imaginários
sobre um gato para pensar sobre a “Teoria Quântica” (sem gato, só
imaginando o gato!).
Os experimentos imaginários continuam sendo hoje uma
importantíssima ferramenta para a Ciência. Na Idade Média, foram muito
usados tanto pelos que negavam o vácuo, isto é, a maioria dos pensadores,
quanto pelos que aceitavam a existência do vazio na natureza.
Opa! Isso quer dizer que as opiniões sobre o vazio não eram
unânimes? Não eram mesmo ... mas isso é uma conversa para o nosso próximo
texto.
Fig. 1 – Disponível em: < http://www.webislam.com/media/2005/02/16281_avicena_big.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 2 – Disponível em:< http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/sifao/Sif%C3%A3o2.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 3 – Disponível em: < http://www.cadytech.com/dumas/images/all/s000018.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 4 – Disponível em:< http://img.elo7.com.br/product/main/CE5D4/fole-para-acender-lareira-ou-churrasquei.jpg>.
Acesso em 11 mai. 2014.
113

Texto E - Ideias sobre o vácuo na Idade Média – Parte 2

A Idade Média foi mesmo um período muito importante para a


ciência. O que foi desenvolvido sobre o vácuo, por exemplo, nem coube no
texto anterior. Continuando, então...
Os pensadores que admitiam a existência do vazio não eram muitos.
O francês Nicholas de Autrecourt foi um deles. Como vimos, desde a
Antiguidade as pessoas pensavam na relação entre vazio e movimento.
Nicholas seguiu o mesmo rumo. Argumentou que quando um corpo se movia o
ar a sua frente se condensava nos espaços vazios internos à matéria “ar”.
Para ele, o fenômeno do movimento sugeria que o vazio existia na natureza.
Como se diz na ciência... O movimento seria para ele uma evidência empírica
(relacionado a experimento) a favor da existência do vazio.
Por falar em experimento, em
experimento imaginário, lembra aquela
discussão sobre o fole?
Pois é, experimentos imaginários
foram usados pelos partidários do horror ao
vazio. E, foram usados também pelos (não
muitos) que aceitavam a existência do vazio
na natureza.
No caso do fole, vimos que Jean
Buridan e Francisco de Toledo propuseram
Figura 1- Nicholas de experimentos imaginários e, partindo da
Autrecourt
ideia (pressuposto teórico) de que a
natureza tentava impedir o vácuo, argumentaram que as paredes do fole não
poderiam ser separadas. O Francisco disse até que no caso extremo o fole
chegaria a se romper se isso fosse tentado. A
natureza rejeitaria tanto o vazio que o fole se
quebraria para deixar o ar entrar.
Discordando de Buridan e de Francisco,
Bernardino Telesio, mais um dos poucos que
defendiam a existência do vazio, considerou: o
fole não se quebraria se fosse “grosso e
pesado”, podendo ser sim aberto por uma
grande força, o que significaria a formação de
um espaço vazio entre as paredes separadas. Figura 2 - Bernardino
Telesio
114

Viu os termos “quebraria”, “significaria”?


Mais um experimento imaginário... E essa não foi
a única briga envolvendo experimentos
imaginários sobre o vazio na Idade Média. Vamos
a outra?
Naquela época, o pesquisador Marsilius
de Inghen sugeriu um experimento (imaginário)
importante. Colocando certo volume de água
intensamente fria num recipiente internamente
côncavo, totalmente fechado e completado com Figura 3 - Marsilius
ar, a condensação dessa porção de ar
supostamente deveria levar à formação de espaços vazios no interior do
recipiente. Mas (e esse “mas” era mesmo muito importante para o
Marsilius!!!), como a natureza não permitiria a formação do vazio, seria
impossível, sendo Marsilius, haver a condensação do ar. A condensação
ocorreria somente se o recipiente se quebrasse, permitindo a entrada do ar.
Esse experimento chamou a atenção dos dissidentes, isto é, dos
pensadores que admitiam a existência do vazio, contrariando a antiga
tradição aristotélica do horror ao vazio.
Lembra que falamos que a ciência não é uma atividade isolada, mas
sim de cooperação? Pois bem, discordar também faz parte dessa
cooperação, já que a construção do conhecimento também se dá quando um
pesquisador pensa de forma diferente e parte da ideia do outro para
rejeitá-la.
Foi o que fizeram, nesse caso, os pesquisadores Telesio e Patrizi.
Eles pensaram em uma nova versão para o experimento de Marsilius. O
recipiente côncavo, fechado, estaria totalmente cheio de água. Imaginaram
que a água, ao se congelar, iria se contrair, ocupando um espaço menor
dentro do recipiente (pergunte ao seu professor: hoje em dia entendemos
que outra coisa ocorre com a água). Ficaria, então, um espaço vazio dentro
do recipiente.
Nem todo mundo concordou. Francisco de Toledo argumentou que o
espaço livre não ficaria vazio e sim cheio de “vapores sutis”. Outros
disseram que, para evitar a formação do vazio, o recipiente se quebraria. E
outros, ainda, disseram que, para evitar a formação do vazio, a água nem se
congelaria.
Que confusão!! Como é possível ter havido tantas visões diferentes!!
O pior... não, o melhor, é que isso não é coisa só do passado. A
existência de visões diferentes sobre um mesmo assunto foi e continua
115

sendo uma característica importante da ciência: pesquisadores sempre


podem discordar um dos outros...
Isso é bom sinal, sinal de que a ciência é muito rica, interessante e
humana, feita com muita criatividade e imaginação.
Você já notou que as pessoas costumam mesmo pensar de maneiras
diferentes, observam coisas a partir de diferentes pontos de vista? Pois é,
a natureza não dá respostas prontas aos pesquisadores. Eles interpretam,
concordam e discordam entre si muitas vezes. Basta examinar as notícias
sobre a ciência que você notará isso até hoje.
E a propósito... E o vazio? O que será que ocorreu depois da Idade
Média? E hoje... O que será que os pesquisadores pensam? Existe ou não
existe vazio? Cenas para os próximos capítulos...
--------------------------------------------------------------------------------
Fig. 1 – Disponível em: < http://41.media.tumblr.com/tumblr_ln2ux4Buc81qfoty5o1_500.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 2 – Disponível em:< http://www.biografiasyvidas.com/biografia/t/fotos/telesio.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 3 – Disponível em:< http://www.uniarchiv.uni-heidelberg.de/b-a/ba/images/bild_17.jpg>.Acesso em 11 mai. 2014.
116

Texto F - O vazio na Revolução Científica – Parte 1

Ao longo do século XVII, na chamada Revolução Científica, as


discussões sobre o vazio continuaram e tomaram novos rumos... rumos
inesperados que acabariam provocando uma ruptura com a visão de que a
natureza tinha horror ao vácuo. Vamos lá, então, entender nesse texto e no
próximo como isso ocorreu.
Pouco depois da chegada dos portugueses ao Brasil, vários
pesquisadores na Europa estavam dizendo que o ar tinha peso e pressionava
as coisas. É claro que essa ideia não surgiu de uma
hora para outra. Você já deve ter notado pelos
outros textos que as ideias na ciência não brotam
de repente. Tudo depende de esforço, trabalho e
discussões que envolvem muitos pesquisadores.
Nesse caso não foi diferente.
No século XVI, partindo de textos bem
antigos, de Arquimedes, um pesquisador chamado
Simon Stevin estudou o que chamamos de
hidrostática e afirmou que os corpos imersos na
água eram pressionados por todos os lados (os
mergulhadores em oceanos profundos sofrem com
Figura 1 - Stevin
isso!). Certo, essa é uma conclusão sobre a água...
Mas como vamos chegar ao ar e depois ao horror ao
vácuo? O que isso tudo tem a ver?
Naquela época, Isaac Beeckman, um aluno de Stevin (olha aí a
cooperação na ciência), realizou um importante
raciocínio. Ele usou uma analogia, um tipo de
pensamento muito importante na ciência: se a
água pressiona os corpos que nela estão imersos,
o ar deve fazer o mesmo. Os corpos devem ser
pressionados de acordo com a coluna de ar acima
deles: “Estamos imersos em um oceano de ar!!!!”
(Uma pausa: Se há tanto ar em cima da gente nos
pressionando, por que não somos esmagados
contra a terra, então? Pergunte ao seu
professor!).
Figura 2 - Beeckman Para Beeckman, sua conclusão tinha muito
a ver com o horror ao vácuo. Adotar a ideia de
que o ar tinha peso e exercia pressão (isto é, o novo fundamento teórico)
117

poderia causar uma revolução no modo como certos fenômenos eram


interpretados. Não é difícil entender. Beeckman pensou assim... As coisas
não “correm” para preencher espaços vazios porque a natureza tem horror
ao vazio e quer evitá-los. As coisas são pressionadas pelo ar, são
empurradas pelo ar em direção aos espaços vazios. Então, o que ele estava
dizendo era bem profundo: fenômenos que antes eram explicados pelo
horror ao vazio poderiam ser explicados de outra forma, pela pressão
exercida pelo ar.
Reparou em como isso é profundo mesmo? Os fenômenos podem ser
interpretados de diferentes maneiras. É isso o que fazem os pesquisadores.
E nesse processo de interpretação, as opiniões podem ser diferentes.
Isso ocorreu com Beeckman. Nem todo mundo concordou com ele. A
tradição do horror ao vácuo era forte. Lembra que ela vinha lá da
Antiguidade, quase dois mil anos de uma tradição com poucos dissidentes?
Vamos, então, ver uma situação bem legal, conhecida como o caso do
“sifão inoperante” em que um pesquisador usou uma ideia como a do
Beeckman e outro apresentou uma visão diferente sobre um mesmo
fenômeno.
Mais ou menos na mesma época do Beeckman, Giovanni Baliani
escreveu uma carta para Galileu Galilei (você já deve ter ouvido falar sobre
ele!) pedindo ajuda para solucionar o problema de um sifão que deveria
elevar água até uma colina de 21 m de altura, mas
não funcionava (por isso o nome “inoperante”).
Galileu respondeu de um modo bem
interessante. Para ele, a água se elevava no sifão
devido à “força do vácuo”!
Calma, calma... A ideia não é tão
complicada quanto parece. Vou usar uma analogia
para que você entenda melhor. Já viu quando a
gente mastiga uma goma de mascar e tenta
Figura 3 – Galileu esticá-la? Podemos esticá-la, esticá-la... até que
chega um ponto crítico e ela se rompe, não é?
Isso pode nos ajudar a entender o pensamento de Galileu.
Para ele, a água ia subindo, subindo, subindo pelo cano... isso ocorria
porque as porções da água tendiam a ficar juntas, coladinhas, e o vazio era
evitado. Mas havia um ponto crítico no qual a coluna de água se rompia (como
a goma de mascar!). Para Galileu, era impossível “esticar” a água até 21m de
altura. Baliani deveria desistir: o sifão não funcionaria nunca!
118

Baliani recebeu a resposta e não concordou com a explicação do


colega, embora também achasse que deveria desistir do sifão. A explicação
de Baliani era semelhante ao que Beeckman havia proposto. O ar atuava na
superfície do reservatório, pressionando a água, forçando-a a subir pelo
tubo. No entanto, como a própria água também tinha peso, a pressão do ar
conseguiria fazer com que ela fosse elevada até certa altura limite. O sifão
não funcionaria além desse limite.
É... se pensarmos no que aceitamos hoje diríamos que Galileu errou
feio e Baliani estava certo. Mas não é muito legal a gente dizer isso. Melhor
a gente tentar se aproximar do contexto da época, tentar entender a
diversidade de pensamentos, sem apontar heróis e vilões.
Não dá para a gente olhar para o passado com os nossos olhos de
hoje, considerando que bom é quem se aproximou do que aceitamos... Afinal,
quem disse que estamos certos, isto é, que nossas interpretações são
definitivas? A beleza da ciência é justamente não haver essa certeza. O
conhecimento científico é provisório.
E, por falar em mudanças, muitas virão no segundo texto sobre a
Revolução Científica... Aguardem!
---------------------------------------------------------------------------------
Fig. 1 – Disponível em:< http://mathsforeurope.digibel.be/images/stevin.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 2 – Disponível em:< https://fbcdn-profile-a.akamaihd.net/hprofile-ak-xaf1/v/t1.0-
1/c36.36.444.444/s160x160/405120_115403668592351_2592164_n.jpg?oh=8de18474cebd7534d90bdc63d5baa82f&o
e=55D4BFCA&__gda__=1440261377_5d4bdca25ac38b5830dab2d3060929ca>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 3 – Disponível em:< http://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2008/07/galileu.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
.
119

Texto G - O vazio na Revolução Científica – Parte 2


Como vimos no texto passado, no período da Revolução Científica
alguns autores, como Beeckman e Baliani, vinham afirmando que o ar tinha
peso e exercia pressão. A partir dessa afirmação, eles propuseram outras
explicações para fenômenos que até então vinham sendo explicados pelo
horror ao vácuo.
Por exemplo, explicava-se a subida de um líquido por um canudo a
partir do pressuposto de que a natureza fazia de tudo para evitar a
formação do vazio. Nesse caso, o líquido subia pelo canudo para ocupar o
espaço vazio deixado pelo ar sugado pela pessoa que tentava bebê-lo.
Mas, usando a nova afirmação era possível descrever o mesmo
fenômeno de outra maneira. O ar exercia pressão sobre a superfície do
líquido. Quando alguém usava o canudinho, ocorria certa diferença de
pressão. O líquido era empurrado para cima pela coluna de ar que repousava
sobre a superfície do recipiente e, então, subia pelo canudo.
Essa era uma explicação alternativa na época. O horror ao vazio era
predominante e as discussões sobre a existência do vazio prosseguiam...
Sobre isso ainda no século XVII um experimento simples e muito
interessante foi idealizado por Rafael Magiotti e realizado por Gasparo
Berti. Tudo começou com uma ideia que vimos nosso texto anterior. Baliani e
Galileu perceberam que a água num tubo se elevava até um certo limite. Esse
limite era de cerca de 10 metros.
Berti, então, fez um tubo bem longo, equivalente a um edifício de
dois andares. O tubo não pôde ser vidro, pois não havia tecnologia na época
para produzir um tubo de vidro desse tamanho. O tubo era de chumbo com
uma torneira na parte inferior. Foi enchido com água e colocado em um tonel
também com água. Quando a torneira foi aberta, a água desceu pelo tubo,
permanecendo nele uma coluna com aquela altura máxima já prevista.
Até aí tudo certo, mas e o que havia ficado acima da coluna de água?
Não era possível enxergar o conteúdo do tubo, uma vez que o mesmo
era de chumbo. Então um fio foi inserido pelo tubo e foi possível
argumentar que havia um espaço vazio em sua parte superior.
Para apoiar essa ideia, um balão de vidro cheio de água, com uma
torneira na extremidade, foi acoplado à lateral dessa parte superior do
tubo. Quando a torneira foi aberta a água preencheu o tubo completamente.
Esse fenômeno indicaria que antes a parte superior do tubo estaria vazia.
120

No entanto, a discordância
prosseguiu. Houve quem afirmasse que o
tubo teria poros por onde entraria e sairia
um fluido sutil. Nesse caso, ao abrir a
torneira, o fluido sairia pelos poros do
tubo e a água tomaria o seu lugar.
Variações do experimento foram
tentadas, mas os pesquisadores
continuaram divergindo.
Havia um problema. Seria
interessante visualizar o conteúdo do tubo,
mas o que poderia ser feito?
Parece que foi Galileu quem sugeriu
usar mercúrio no lugar da água. Como o Figura 1 - Experimento de Berti
mercúrio era mais denso que a água, Galileu
imaginava que a coluna máxima de mercúrio seria bem menor do que a de
água. Nesse caso daria até para usar um tubo de vidro e foi o que Torricelli,
discípulo de Galileu, fez. O experimento ficou bem mais simples e portátil.
Esse seria o famoso experimento de Torricelli.
Nos nossos livros de Física costuma ser dito que Torricelli fez esse
experimento com a intenção de medir a pressão atmosférica. Mas não foi
exatamente assim
Ele não acordou um belo dia e disse
simplesmente: hoje vou medir a pressão
atmosférica, vou usar um tubo de vidro, tem
água aqui em casa, mas vou procurar
mercúrio (que é difícil de conseguir)...
Veja que isso não faria sentido!!!
Ninguém acorda e do nada sai fazendo
experimentos estranhos, não é?
Torricelli estava interessado, na
verdade, na discussão da moda na época: o
tubo estava ou não vazio.
Figura 2 - Torricelli
Ele conhecia o experimento com a
água porque esse já era famoso. Foi influenciado por Galileu para trocar a
água pelo mercúrio. E já conhecia a ideia de que o ar tinha peso e exercia
pressão. O pensamento de Beeckman e Baliani não era bem aceito na época,
mas os pesquisadores comentavam.
121

Veja, então, que ciência é uma atividade de cooperação e não


individual. Torricelli não fez tudo sozinho, do nada. Bem, e quais, então,
foram as impressões dele?
Ele considerava que a parte de cima do tubo devia estar vazia,
porque ela podia ser novamente preenchida por líquido. Nesse caso ele não
estava dizendo nenhuma grande novidade, pois esse argumento já existia no
experimento com água e tubo de chumbo.
E quanto à sustentação da coluna de mercúrio, como Torricelli
explicava esse fenômeno?
Bem, mesmo sabendo que essa explicação não era a mais aceita na
época, Torricelli afirmou que o mercúrio era empurrado pelo tubo pelo ar
que pressionava a superfície do recipiente.
Havia quem dissesse que o vazio no topo do tubo exercia um puxão
limitado sob o mercúrio. Como o mercúrio era mais denso que a água, esse
puxão conseguia elevar uma coluna menor de mercúrio do que de água.
Podia até ser, mas Torricelli pensou então no seguinte: se isso for
verdade quanto maior o espaço vazio acima do tubo, maior será a coluna de
mercúrio, isto é, mais mercúrio será atraído.
Então ele resolveu fazer a parte superior do tubo de diferentes
formatos e tamanhos para ver no que dava. E percebeu que a coluna de
mercúrio permanecia a mesma, qualquer que fosse o tamanho ou formato
dessa parte.
Para Torricelli, não é que ele
tivesse descartado o horror ao vácuo,
mas sim que a explicação baseada na
atuação da pressão atmosférica era
suficiente. Para ele, o horror ao vácuo
já não era mais necessário.
Será que o experimento de
Torricelli pôs um ponto final nesse
dilema? De modo algum! Nem para o
próprio Torricelli, como ele mesmo
reconheceu. E muitos outros
pesquisadores continuaram estudando
o assunto. Figura 3 - Experimento de Torricelli

Como a pressão atmosférica varia com a altitude houve a sugestão


de realizar o experimento de Torricelli ao longo da subida de uma montanha.
Então, quando se notou que a coluna de mercúrio ficava cada vez menor ao
122

longo da subida da montanha alguns disseram: está comprovado que é a


pressão do ar que sustenta a coluna e não o horror ao vácuo!
Será? Estava mesmo comprovado?
Bem, experimentos não falam e as divergências continuaram porque
havia a possibilidade de outra interpretação: o puxão do vazio na parte
superior do tubo talvez variasse com a altitude.
Mas e então... O que aconteceu?
Com o passar do tempo, as explicações alternativas caíram em
desuso e prevaleceu aquela que costumamos encontrar em nossos livros. Pois
é, as coisas não foram tão simples como se costuma dizer por aí...
---------------------------------------------------------
Fig. 1 – Disponível em:< http://bibliotecadigital.ilce.edu.mx/sites/ciencia/volumen3/ciencia3/131/htm/sec_5.htm>. Acesso em 11
mai. 2014.
Fig. 2 – Disponível em: < http://fineartamerica.com/featured/3-evangelista-torricelli-granger.html>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 3 – Disponível em:< http://2pi.com.ar/torricelli.html>. Acesso em 11 mai. 2014.
123

APÊNDICE II
MATERIAL DIDÁTICO
“ELEMENTOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE TENDO EM VISTA A
INSERÇÃO DA HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NO ENSINO MÉDIO:
TEXTOS HISTÓRICO-PEDAGÓGICOS COMO EXEMPLARES”
124

Material Didático

ELEMENTOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE TENDO EM


VISTA A INSERÇÃO DA HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA
NO ENSINO MÉDIO: TEXTOS HISTÓRICO-PEDAGÓGICOS
COMO EXEMPLARES

Autoria: José Diogo dos Santos Nicácio


Colaboração: Arthur Winston Skeete
Supervisão: Juliana M. Hidalgo Ferreira Drummond
125

Sumário

Apresentação do material...........................................................................................126
HFC no Ensino: breve introdução.............................................................................130
Os textos propostos para o Ensino Médio e a temática escolhida...........................134
Discutindo sobre a Transposição Didática da HFC por meio de exemplo
Atividade 1....................................................................................................................136
Atividade 2....................................................................................................................137
Discutindo sobre as Atividades 1 e 2..........................................................................138
Atividade 3 ...................................................................................................................141
Discutindo sobre a Atividade 3 ..................................................................................142
Atividade 4....................................................................................................................145
Discutindo sobre a Atividade 4 ..................................................................................146
Atividade 5 ...................................................................................................................152
Discutindo sobre a Atividade 5...................................................................................153
Atividade 6 ...................................................................................................................158
Discutindo sobre a Atividade 6...................................................................................159
Considerações finais....................................................................................................163
Referencias bibliográficas sobre a História do Vácuo e da Pressão Atmosférica.166
Referencias Gerais ......................................................................................................168
Anexo 1
Texto A – As concepções sobre o vácuo na Antiguidade
Texto B – E as ideias continuavam surgindo....
Texto C- E a História da Ciência segue, com rupturas e também
continuidades...
Anexo 2

Texto D-- Ideias sobre o vácuo na Idade Média – Parte 1


Texto E - - Ideias sobre o vácuo na Idade Média – Parte 2
Anexo 3
Texto F – O vazio na Revolução Científica – Parte 1
Texto G - O vazio na Revolução Científica – Parte 2
126

Apresentação do material
O material didático a seguir foi elaborado tendo em vista colaborar com a
formação de professores para a inserção da HFC em salas de aula do Ensino Médio.
Essa iniciativa vem ao encontro de uma preocupação recorrente na literatura da área:
um dos principais desafios relacionados à transposição didática da HFC seria a falta
de preparação do professor (FORATO, MARTINS & PIETROCOLA, 2012b, p. 131).
Conteúdos históricos, filosóficos e de NdC ainda são pouco presentes em salas de aula.
A insegurança e o desconhecimento do assunto pelos professores costumam ser
apontados como fatores que contribuem para essa situação (MATTHEWS, 1995;
HARRES, 1999, LEDERMAN, 2007)34.

Torna-se importante, portanto, que professores (atuantes e em formação)


participem de reflexões sobre a inserção da HFC em sala de aula, conheçam exemplos
de propostas didáticas de cunho histórico-filosóficas para a abordagem de conteúdos de
ciência e sobre a ciência, desenvolvam competências que lhes permitam compreendê-
las de modo aprofundado e adaptá-las aos seus contextos específicos, bem como
elaborar suas próprias intervenções didáticas. Acredita-se que essas questões sejam
significativas para que possam participar de iniciativas conscientes de inserção da HFC
em suas salas de aula.

Dessa forma, no presente caso, toma-se como ponto de partida a conscientização


sobre o papel fundamental dos professores e a decorrente necessidade de prepará-los
para a difícil tarefa de atuar em importante etapa da transposição didática da HFC.
Considera-se que adaptar propostas didáticas a contextos educacionais particulares
depende de se compreender de fato o que representam essas propostas e quão flexíveis
elas podem ser, o que se procura discutir junto aos professores em formação.

A fim de contemplar esses objetivos, o material didático a seguir apresenta


discussões de interesse desse público específico. Aborda de forma breve a
argumentação acerca do papel da HFC no Ensino e questões historiográficas. Propõe

34
Esse material didático constitui um produto educacional o qualé parte integrante de trabalho de
conclusão de um Mestrado Profissionalizante (MP) em Ensino de Ciências Naturais e Matemática. O
estabelecimento da referida questão-foco e produto inserem-se e justificam-se no âmbito de um MP em
Ensino de Ciências: “[...] sempre voltado explicitamente para a evolução do sistema de ensino, seja pela
ação direta em sala de aula, seja pela contribuição na solução de problemas dos sistemas educativos, nos
níveis fundamental e médio, e no nível superior na formação de professores das licenciaturas e de
disciplinas básicas”. (MOREIRA, 2004, pp. 133-134; grifo nosso).
127

que os professores realizem uma sequência de atividades as quais permitem discutir


aspectos da transposição didática da HFC, principais desafios e obstáculos que vêm
sendo apontados para a inserção da HFC em sala de aula. Para que essas discussões
venham à tona, utiliza a título de exemplificação um conjunto de textos histórico-
pedagógicos sobre a História do Vácuo e da Pressão Atmosférica. Aborda
potencialidades, possibilidades e limitações na utilização dos textos no Ensino Médio.

Esse material didático pode ser utilizado pelo próprio professor-alvo em


questão, de forma autodidata, com a realização das atividades propostas e leitura dos
comentários e discussões sobre essas atividades. É importante destacar que tanto a
própria dinâmica do contato com os textos elaborados para o Ensino Médio, quanto as
atividades sugeridas são convenientes a esse público em particular e aos objetivos
específicos pretendidos junto a esse público. O material didático foi elaborado de forma
a dialogar diretamente com esse professor em formação e conserva essa característica ao
longo do percurso das atividades propostas.

Pode também ser utilizado como subsídio para a realização de cursos de


formação de professores que objetivem prepará-los para a inserção da HFC em salas
de aula do Ensino Médio. Nesse caso, as atividades propostas podem ser realizadas no
curso, de forma individual ou coletiva, e os comentários sobre as atividades
apresentados no texto a seguir podem servir como base para encaminhamento de
discussões pelo ministrante do curso de formação.

Os autores do presente material didático tiveram a oportunidade de utilizá-lo em


curso de formação docente ministrado na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, em meados de 201435. A partir de sugestão dos participantes do curso e na
vivência do pesquisador-ministrante, foi realizada uma alteração pontual no material
didático originalmente utilizado. Foi disponibilizada uma lista de referências
bibliográficas a respeito da temática histórica, os quais correspondem a leituras que
serviram de inspiração para a produção das narrativas históricas. Essas referências
podem ser úteis para consulta e aprofundamento do professor, para quem é fundamental
saber além do que será levado para a sala de aula nas narrativas. É possível, inclusive

35
Um relato dessa experiência com base no referencial metodológico da chamada pesquisa-ação
(THIOLLENT, 2011), pode ser observado no Capítulo 3 da dissertação de mestrado da qual o presente
texto faz parte como produto. O material foi também utilizado em curso de formação ministrado em
janeiro de 2015 no SNEF.
128

que o professor sinta necessidade de disponibilizar esse tipo de referência para alunos
que demonstrarem maior interesse pela temática histórica.

Em eventual utilização do material de formação docente, sugere-se, ainda,


considerar a possibilidade de realização das atividades em ordem diferente do que se
observa no material. A discussão de elementos da historiografia da ciência foi uma
demanda inicial e central no curso realizado na UFRN36. Já para a realização da
Atividade 1 fez-se necessário problematizar a visão positivista de que episódios
históricos seriam descobertas pontuais de gênios da ciência e que História da Ciência
seria uma ordenação cronológica desses episódios. De fato, professores costumam ter
pouca familiaridade em relação a pressupostos básicos da historiografia atual da ciência.
Possivelmente seria conveniente antecipar as discussões promovidas na Atividade 6,
devendo-se considerar a possibilidade de que essa seja a primeira a abrir a sequência de
atividades. Adicionalmente, na organização de cursos de formação, é preciso levar em
conta o interesse do público-alvo por essas discussões, a fim de refletir sobre eventuais
aprofundamentos. Nas situações vivenciadas de aplicação do material didático, o
interesse extrapolou as expectativas iniciais dos autores.

Em geral, quanto a possíveis modificações na ordem das atividades ou no


aprofundamento das mesmas, sugere-se que no planejamento de cursos de formação
docente a partir do material didático elaborado, o perfil do público interessado seja
analisado com cuidado. Pode-se, enfim, explorar a flexibilidade inerente ao material
didático de formação, o que implica levar em conta características do público visado.

Convém ainda observar que as discussões apresentadas aqui são limitadas pelas
próprias características do suporte em que se encontram. Para uma discussão mais
aprofundada acerca inserção da HFC e da temática Natureza da Ciência no Ensino
recomenda-se a leitura do Capítulo 2 da dissertação da qual o presente material didático
é parte integrante. Esse capítulo apresenta recomendações da legislação brasileira no
tocante a essas temáticas e considerações recentes de especialistas que trabalham com a
inserção da HFC no Ensino. Igualmente, uma apresentação mais detalhada sobre a
História do Vácuo e da Pressão Atmosférica pode ser observada pelos interessados no
Capítulo 3. A partir desse relato histórico mais rico e aprofundado, realizou-se a

36
O mesmo pôde ser notado em realização do curso SNEF.
129

transposição didática da HFC para os textos histórico-pedagógicos elaborados para


utilização no Ensino Médio.
130

HFC no Ensino: breve introdução

Você, licenciando ou professor de Física atuante, provavelmente já deve ter


ouvido algum comentário sobre a importância da História e Filosofia da Ciência para o
Ensino.

De fato, a inserção de episódios históricos no Ensino de Ciências, em especial,


no Ensino de Física tem sido defendida há décadas por diversos autores. Argumenta-se
que utilizar uma perspectiva histórica pode trazer benefícios formativos para os
estudantes: compreensão de aspectos relacionados à natureza do conhecimento
científico (o que a ciência é, como funciona, como os cientistas atuam como grupo
social, como a sociedade influencia e reage aos empreendimentos científicos, etc.),
compreensão dos conteúdos científicos específicos e ampliação do nível cultural dos
estudantes (MATTHEWS, 1994; MATTHEWS, 1995; PEDUZZI, 2001; MARTINS,
2006; LEDERMAN, 2012; FORATO, MARTINS & PIETROCOLA, 2012a).

Num sentido mais extremo, afirma-se que “uma compreensão bem


fundamentada é necessariamente histórica” (MATTHEWS, 1994, p. 50). Nessa
perspectiva, a História da Ciência é fundamental para uma compreensão aprofundada
dos conceitos, permitindo relacionar os conhecimentos científicos aos problemas a que
esses conhecimentos buscaram resolver e, inclusive, possibilitando a localização desses
conhecimentos nas tradições de pensamento. Cabe a ela não um papel acessório,
introdutório ou complementar, mas sim essencial no contexto educacional, como
elemento indissociável na tarefa de “abordar” conceitos científicos. Rejeita-se de acordo
com essa argumentação o ensino a-problemático e a-histórico (GIL PÉREZ et al, 2001).

Vem se reforçando o entendimento de que o Ensino deve contemplar o


equilíbrio entre processo e produto, de forma que o ensinar ciência e o ensinar sobre a
ciência não estão dissociados. Essa recomendação é expressa na legislação educacional
brasileira, a qual enfatiza:

é essencial que o conhecimento físico seja explicitado como um processo


histórico, objeto de contínua transformação e associado às outras formas de
expressão e produção humanas (PCNEM – Brasil, 1999, p. 22).

A Física percebida enquanto construção histórica, como atividade social


humana, emerge da cultura e leva à compreensão de que modelos
131

explicativos não são únicos nem finais, tendo se sucedido ao longo dos
tempos, [...]. O surgimento de teorias físicas mantém uma relação complexa
com o contexto social em que ocorreram (PCNEM – Brasil, 1999, p. 27).

Compreender as ciências como construções humanas, entendendo como elas


se desenvolvem por acumulação, continuidade ou ruptura de paradigmas,
relacionando o desenvolvimento científico com a transformação da sociedade
(DCNEM, 1998, Art. 10/1).

Observa-se, então, que as indicações expressas a respeito da HFC por


pesquisadores em Ensino são recorrentes e que tais recomendações encontram
ressonância na legislação educacional brasileira.

E, sendo assim, uma pergunta parece surgir quase de imediato: se pesquisadores


e legislação sustentam a importância da presença da HFC em sala de aula, por que tal
presença não ocorre de modo efetivo no contexto educacional?

Diversos fatores parecem colaborar para essa situação (vide MARTINS, 2006).
Um desses fatores é a formação dos professores, deficiente quando se trata de perceber
a História da Ciência não como algo a mais a ensinar, mas sim como uma estratégia
didática [reflita sobre a sua própria formação...]. Outro fator é a própria natureza
complexa do processo de transposição didática da História da Ciência acadêmica,
especializada.

Esses dois fatores citados anteriormente se relacionam... Para utilizar de modo


adequado a HC como estratégia didática, isto é, para atuar na transposição didática da
HC é preciso antes de tudo compreender o que é a HC, quais os obstáculos e desafios
dessa transposição, quais as possibilidades de contorná-los. Não somente os autores de
materiais didáticos, mas também o próprio professor precisa estar preparado para ela.

Mas afinal... Como o professor pode participar de iniciativas conscientes de


inserção da HFC em sua sala de aula? Como pode enfrentar desafios e obstáculos nessa
tarefa?

Os contextos educacionais são diferentes e os materiais didáticos de cunho


histórico-filosófico devem ser usados pelo professor de forma flexível, de acordo com
os seus objetivos e possibilidades. Por isso, essa flexibilidade precisa ser compreendida
132

e explorada pelo professor a fim de adaptar propostas de inserção da HFC ao seu


próprio contexto.

Mas... E então? Por onde começamos?

Começamos com algumas perguntas (possivelmente) desconfortáveis: O que é a


História da Ciência? E a sua transposição didática?

Talvez você não saiba, mas existe uma área acadêmica chamada História da
Ciência, que estuda tudo aquilo que em alguma época foi proposto ou aceito como
ciência (conhecimento sobre a natureza). Os objetivos específicos desses estudos não
necessariamente são voltados para o contexto educacional. Nem todo físico trabalha
com Ensino de Física. Igualmente, nem todo historiador da ciência trabalha com
História da Ciência no Ensino.

Sem correr muitos riscos, pode-se dizer que um texto historiográfico, produzido
por um historiador da ciência, não é adequado para ser utilizado em uma sala de aula do
Ensino Médio. O resultado do trabalho interpretativo realizado pelo historiador da
ciência normalmente é um texto complexo, detalhado, que discute de modo minucioso,
aprofundado, questões pontuais relacionadas à História da Ciência.

É essa História da Ciência, normalmente produzida com objetivos específicos


que fogem ao interesse escolar, que precisa ser apropriada, passando por um processo
de reflexão complexo, aprofundado, chamado de transposição didática, o qual implica
lidar com aspectos importantes tanto relacionados à própria História da Ciência quanto
ao contexto educacional.

Vários autores têm apontado ponderações significativas quanto aos desafios e


obstáculos relacionados a esse processo (FORATO, 2009; HÖTTECKE, SILVA, 2010;
FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012a e b). Aponta-se a necessidade de
formular atividades de ensino adequadas sob o ponto de vista pedagógico e
epistemológico. Na elaboração de propostas didáticas, precisariam ser levadas em conta
questões como a seleção de mensagens sobre a ciência e de aspectos históricos a
enfatizar, bem como a atenção quanto ao nível de aprofundamento dos aspectos
históricos, do contexto não científico e dos aspectos epistemológicos. Recomenda-se,
ainda, que o processo de elaboração de materiais e propostas didáticas deve envolver
133

uma profunda reflexão tendo em vista a construção de uma HFC que não seja do tipo
pseudo-história, Whig ou anacrônica e que, ao mesmo tempo, seja apropriada ao
contexto educacional. Essas, enfim, são algumas recomendações apresentadas pelos
especialistas...

Mas e você, professor, quando se depara com todas essas recomendações dos
especialistas... Será que as compreende? Você saberia dizer o que é uma pseudo-
história? História Whig? Anacrônica? E... O que seria uma História da Ciência
preparada para o contexto educacional? Você saberia utilizar a História da Ciência
como abordagem?

Nas seções seguintes pretendemos auxiliá-los a compreender essas questões.


Traremos considerações a respeito desses assuntos durante a apresentação e discussão
sobre um conjunto de textos histórico-pedagógicos elaborados para utilização no Ensino
Médio. Apresentaremos considerações sobre os obstáculos e desafios enfrentados na
transposição didática da HFC. Procuraremos chamar a atenção para as potencialidades,
bem como para as limitações do material elaborado, pontos que remetem explicitamente
a reflexões relacionadas à utilização dos mesmos nesse contexto educacional.
134

Os textos propostos para o Ensino Médio e a temática escolhida

Como mencionamos, a transposição para o contexto educacional do


conhecimento aprofundado e especializado em História da Ciência implica enfrentar
desafios e obstáculos (FORATO, 2009; HÖTTECKE, SILVA, 2010; FORATO,
MARTINS e PIETROCOLA, 2012a e b). Essas questões são importantes nos processos
de elaboração de propostas didáticas que objetivam tratar de conteúdos científicos e
sobre a Natureza da Ciência de modo contextualizado, por meio de episódios históricos.

Utilizaremos como exemplo para discussão sobre a transposição didática da


HFC uma temática específica: a História do Vácuo e da Pressão Atmosférica. Apesar do
inegável potencial pedagógico dessa temática, a controvérsia histórica acerca do vazio e
sua relação com o surgimento do conceito de pressão atmosférica costuma ser um
elemento ausente no contexto educacional. E essa lacuna, como você sabe, não se
restringe a esses conteúdos históricos específicos...

Em contraposição a essa situação, defende-se aqui que a inserção desses


elementos no ambiente escolar, além de recomendável dada à intrínseca relevância dos
episódios históricos para o desenvolvimento científico, permite uma melhor
compreensão dos conceitos fundamentais para a Física, na medida em que torna
possível associá-los aos problemas que lhes deram origem. Favorece, ainda, a
abordagem explícita e contextualizada de questões relacionadas à Natureza da Ciência,
como a provisoriedade do conhecimento, o caráter cooperativo da atividade científica e
a dependência da observação em relação a pressupostos teóricos.

Defendemos, portanto, como ponto de partida, a relevância da fundamentação


histórica para uma compreensão aprofundada dos conhecimentos científicos e sobre a
ciência. Esse ponto de partida poderia abranger qualquer outra temática histórica, sendo
a História do Vácuo e da Pressão Atmosférica apenas tomada como exemplo para a
discussão. No caso dessa temática específica, essa compreensão perpassa o
entendimento do contexto em que as discussões sobre essas temáticas foram forjadas,
nos períodos da Antiguidade, Idade Media e Revolução Científica. Nesse último
período, particularmente, a visão de que o ar tem peso e exerce pressão ganhou
presença, passando a explicar fenômenos que, em períodos anteriores, costumavam ser
atribuídos ao horror ao vácuo.
135

Quanto ao tipo de material didático elaborado para a inserção dessa temática,


optamos pelos textos histórico-pedagógicos, isto é, textos do tipo narrativas históricas.
Segundo um estudo recente do tipo “estado da arte”, boa parte das propostas didáticas
para a inserção da HFC no Ensino tem envolvido a elaboração e utilização desse tipo de
suporte (TEIXEIRA, GRECA, FREIRE JR, 2012). De fato, o potencial desse tipo de
material vem sendo explorado, e, com base nas iniciativas já realizadas, especialistas
apontam a necessidade de levar em conta vários aspectos em sua elaboração e utilização
(FORATO, 2009; FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012a e b). Nas seções
seguintes, convidamos você a participar de atividades e reflexões a fim de que essas
questões possam ser abordadas.
136

Discutindo sobre a inserção didática da HFC por meio de


exemplo

Como vem sendo apontado pela literatura, a transposição para o contexto


educacional do conhecimento aprofundado e especializado em História da Ciência
implica enfrentar desafios e obstáculos (FORATO, 2009; HÖTTECKE, SILVA, 2010;
FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012a e b). As atividades a seguir procuram
trazer à tona questões relativas à transposição didática da HFC, as quais são importantes
para que o professor compreenda aspectos relacionados às potencialidades, limitações e
possibilidades de utilização de textos histórico-pedagógicos em salas de aula.

Atividade 1

Os textos A, B e C do Anexo 1, fazem parte de uma sequência de


textos histórico-pedagógicos elaborados para utilização no Ensino Médio.
Convidamos você à leitura desses textos iniciais.
Em seguida, para cada deles, pedimos que redija uma breve listagem dos
episódios históricos que observou ao longo da leitura.
137

A fim de trazermos à tona um importante aspecto da transposição didática,


convidamos você a realizar também a Atividade 2.

Atividade 2

Os textos A, B e C, que você leu anteriormente são direcionados para


utilização no Ensino Médio. Vamos agora entrar em contato com um texto
sobre a mesma temática produzido sem fins didáticos por um historiador da
ciência.

Observe em linhas gerais o volume e detalhamento das informações


históricas presentes no texto: MARTINS, Roberto de Andrade. O vácuo e a
pressão atmosférica, da antiguidade a Pascal. Cadernos de História e
Filosofia da Ciência [série 2] 1 (3): 9-48, 1989. Disponível em:
https://archive.org/stream/RobertoMartinsPascalLivro/Roberto-Martins-
Pascal-livro_djvu.txt

O que você pode notar sobre a quantidade de informações


contempladas quando compara as suas listagens ao que observa no texto do
historiador da ciência?

E quanto ao nível de aprofundamento com que os episódios históricos


são tratados, você percebe diferenças? Explique.

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138

Discutindo sobre as Atividades 1 e 2

Como você deve ter observado, a diferença é grande entre a História da Ciência
acadêmica, especializada, produzida pelos historiadores da ciência e a História da
Ciência transposta para o contexto educacional. As Atividades 1 e 2 procuraram
destacar que a quantidade de informações e o nível de aprofundamento do discurso
acerca dos episódios históricos no texto acadêmico é bem superior.

Você deve ter notado, com facilidade, que o texto produzido pelo historiador da
ciência é detalhado, riquíssimo em informações, aprofundado. Essas e outras
características fazem com que o mesmo não possa ser recomendado para utilização
direta em uma sala de aula do Ensino Médio.

Produzir um texto para utilização no contexto educacional, de fato, não foi a


intenção do historiador. Já os textos A, B e C foram produzidos deliberadamente com
essa intenção. A partir do texto acadêmico, realizou-se um recorte histórico, isto é,
determinados conteúdos históricos foram selecionados.

Elaborar textos didáticos de cunho histórico-filosófico para o Ensino Médio é


um desafio qualquer que seja a temática escolhida (ver FORATO, 2009). Selecionar e
omitir conteúdos, pensar em como inseri-los depende de particularidades da temática
histórica em si, do contexto educacional para o qual se dirige a proposta didática e dos
seus objetivos específicos. Merece destaque a necessidade de simplificações e omissões,
na transposição para esse contexto, das pesquisas especializadas em História da Ciência,
produzidas pelos historiadores da ciência a partir de estudo aprofundado de fontes
primárias e secundárias. Para a elaboração dos textos, foram realizadas escolhas difíceis
diante a riqueza do material histórico e historiográfico.

Foram omitidos detalhes sobre a teoria aristotélica do movimento, como os


movimentos naturais, violentos e a “leveza absoluta”. Deixou-se de lado grande parte da
sofisticação da física aristotélica, de forma a não extrapolar os objetivos centrais da
proposta. Aspectos das contribuições medievais de Philoponos e Avempace
relacionadas ao movimento no vazio, mas não imediatamente à existência do vazio
foram omitidas. Philoponos pressupôs que para um corpo estar em movimento não era
necessário seu contato constante com uma causa externa. Para ele, uma força motriz
139

podia ser transmitida ao corpo em questão, e essa por si própria se extinguia aos poucos
mesmo no vácuo. Avempace acrescentou que a velocidade de um corpo no vazio seria
finita, visto que esse corpo precisaria de um tempo finito para atravessar certo espaço
finito correspondente (OLIVEIRA, 2013).

Procurou-se, assim, evitar a sobrecarga de informações, extensão e


complexidade excessivas que tornariam o material inadequado para o contexto e
propósitos educacionais almejados. Por outro lado, é importante considerar que
omissões e simplificações podem representar determinados riscos.

As discussões sobre o peso do ar foram citadas apenas nas narrativas elaboradas


em referência ao período da Revolução Científica. Corre-se o risco de transmitir a
impressão equivocada de que Isaac Beeckman foi o primeiro a pensar na ideia de peso
do ar. No entanto, discussões sobre o peso do ar, não contempladas nas narrativas por
motivo de simplificação, já ocorriam em períodos anteriores: “Essa questão foi muito
discutida na Idade Média, mas, aparentemente, nenhum autor procurou repetir a
experiência [de Aristóteles] ou utilizar sua ideia para determinar o peso (ou densidade)
do ar” (MARTINS, 1989, p. 24).

Também em relação à temática Natureza da Ciência, é importante destacar que a


necessidade de recortes pode, de forma análoga, implicar impressões equivocadas. Por
exemplo, ao estimular a percepção de que o conhecimento é provisório, é possível que
os alunos erroneamente o compreendam como instável.

Ainda em relação aos recortes realizados, é importante frisar que, nas narrativas,
o contexto científico no tocante às discussões sobre o vazio são destacados, ao passo
que aspectos econômicos, sociais e políticos dos períodos citados não. As narrativas não
apoiam a visão de pesquisador neutro, alheio a esses aspectos. Por outro lado,
contemplá-los não foi prioridade na elaboração das mesmas. Essa fragilidade, oriunda
de recorte deliberado, abre caminho para eventuais intervenções interdisciplinares que
possam fazer uso das narrativas em conjunto com professores da disciplina de História,
em atividades investigativas nas quais os estudantes sejam estimulados a pesquisar
sobre tais aspectos. Incompletude e mistério são características do gênero narrativo que
podem inclusive estimular a imaginação dos alunos, se bem exploradas.
140

Mas como foram destacados os episódios históricos específicos? Por que


alguns foram escolhidos e outros não? E quanto ao nível de aprofundamento?
Seriam os textos histórico-pedagógicos resumos do texto acadêmico sobre a mesma
temática?

A fim de discutirmos essas e outras questões convidamos você à leitura dos


textos D e E que estão no Anexo 2 e à realização da Atividade 3.
141

Atividade 3

Um dos objetivos principais dos textos histórico-pedagógicos que você leu é


promover no contexto educacional a compreensão de aspectos relacionados à
natureza do conhecimento científico (o que a ciência é, como funciona, como os
cientistas atuam como grupo social, como a sociedade influencia e reage aos
empreendimentos científicos, etc.).

Que informações sobre a Natureza da Ciência você notou nesses textos?


Registre o que você notou.

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Discutindo sobre a Atividade 3

A temática Natureza da Ciência ainda é pouco presente na formação dos


professores. Esse foi o seu primeiro contato com essa temática? Você teve dificuldade
para responder à Atividade 3? Para ajudá-lo, continuaremos o trabalho com os textos em
meio a uma breve discussão sobre a temática Natureza da Ciência...

De acordo com um estudo realizado por Gil-Pérez e colaboradores (2001), o


ensino de ciências reforçaria uma concepção a-problemática e a-histórica da ciência
ao transmitir:

[...] os conhecimentos já elaborados, sem mostrar os problemas que lhe


deram origem, qual foi a sua evolução, as dificuldades encontradas etc., e não
dando igualmente a conhecer as limitações do conhecimento científico atual
nem as perspectivas que, entretanto, se abrem. [...] o que dificulta a captação,
bem como a compreensão da racionalidade de todo o processo e
empreendimento científicos (p. 131).

Você pode notar que os textos histórico-pedagógicos A, B, C, D e E se


contrapõem a uma visão a-problemática e a-histórica da ciência. Ressaltam de modo
frequente e explícito a laboriosa busca de soluções para problemas como
característica importante dos trabalhos dos estudiosos.

Procuram também evitar a visão de que a ciência se constitui pela


acumulação de conhecimentos de forma linear. Essa visão inadequada ignora “as
crises e as remodelações profundas [...] não se referindo às frequentes confrontações
entre teorias rivais, às controvérsias científicas, nem aos complexos processos de
mudança” (GIL-PÉREZ, 2001, p. 132-133).

Você pode notar que os textos exploram a disputa e a dramaticidade das


mudanças de interpretações acerca de assuntos que se relacionaram à temática histórica
em foco. É inerente a esse tipo de construção deixar transparecer o caráter provisório,
mutável do conhecimento científico. A importância desse aspecto da Natureza da
Ciência motivou, ainda, a sua alusão explícita em alguns trechos dos textos elaborados.

Em consonância com o objetivo de apresentar instâncias que permitam


problematizar visões ingênuas de ciência, nos textos, a narrativa sobre problemas e
143

busca de soluções ressalta não somente os confrontos entre teorias rivais, como também
as rupturas que as interpretações propostas podem representar. Os textos lidos por você
enfatizam a imagem de uma ciência “viva”, dinâmica, marcada por controvérsias,
debates em torno de questões e assuntos que movem (e muitas vezes dividem) a
comunidade científica.

Ao longo dos textos, evidencia-se a ciência como empreendimento humano


coletivo, em contraposição à chamada concepção individualista e elitista da ciência.
Procura-se ressaltar que a atividade de cooperação se estabelece inclusive por meio de
uma característica essencial da ciência: o desacordo entre pesquisadores, ilustrado em
várias passagens. Na elaboração dos textos, também levou-se em conta a necessidade de
ressaltar em diversas passagens, de forma explicita, a importância de conhecimentos
científicos já existentes para o desenvolvimento de novas ideias.

Em diversas passagens dos textos destaca-se a concepção de que hipóteses


orientam a investigação, de modo que as observações são dependentes de
pressupostos teóricos. Essas passagens, em conjunto, contrastam diretamente com o
que Gil-Pérez e colaboradores resumem como uma concepção empírico-indutivista e
a-teórica da ciência, a qual enfatiza “o papel ‘neutro’ da observação e da
experimentação (não influenciadas por ideias apriorísticas), esquecendo o papel
essencial das hipóteses como orientadoras da investigação, assim como dos corpos
coerentes de conhecimentos (teorias) disponíveis, que orientam todo o processo” (2001,
p.129).

Resumidamente podemos dizer que, por meio da articulação dos conteúdos


históricos selecionados, tenciona-se ao longo dos textos, enfatizar de modo explícito e
contextualizado, como vêm sendo recomendado pela literatura, aspectos relacionados à
natureza do conhecimento científico: a cooperação na ciência, a dependência das
observações em relação a pressupostos teóricos, a possibilidade de desacordo entre os
pesquisadores e a provisoriedade do conhecimento (MCCOMAS et al., 1998).

Você percebe, agora, que os textos procuram contrariar determinadas visões


deformadas de ciência: a visão a-problemática e a-histórica, a visão individualista e
elitista, a visão acumulativa de crescimento linear e a visão indutivista e a-teórica da
ciência (GIL PÉREZ et al, 2001)?
144

Você percebe, ainda, que os textos problematizam essas visões ingênuas de


ciência de modo integrado?

A decisão de escrever os textos dessa maneira foi deliberada. Como a literatura


da área tem mostrado, essas concepções ingênuas de ciência não são independentes,
autônomas, mas sim, formam um esquema conceitual relativamente integrado
(DRIVER E OLDHAM, 1986): o conhecimento científico acumular-se-ia por meio de
descobertas individuais realizadas sem dificuldade por cientistas geniais, agindo de
modo neutro e imparcial. Pesquisas demonstram esse padrão de coerência, isto é, a
associação de visões deformadas entre si. 37

Realizaremos a seguir a Atividade 4 que busca formalmente identificar essas


questões nos textos elaborados. Antes, solicitamos que você leia os textos F e G, que
se juntarão a partir dessa atividade aos outros textos já lidos.

37
Essas visões deformadas sobre a natureza do trabalho científico costumam ser sustentadas em conjunto
inclusive por professores: “[...] tais deformações, que expressam, em conjunto, uma imagem ingênua,
profundamente afastada do que é a construção do conhecimento científico, mas que se foi consolidando
até tornar-se um estereótipo socialmente aceite que, insistimos, a própria educação científica reforça ativa
ou passivamente” (GIL PÉREZ et al., 2001, p. 128-129).
145

Atividade 4

Na seção anterior realizamos uma breve discussão a respeito


de aspectos da natureza do conhecimento científico, indicando
oposição a visões deformadas da ciência.

A partir dessa discussão, solicitamos que você releia os textos


histórico-pedagógicos, registrando as passagens dos mesmos que
ilustram os seguintes aspectos: cooperação na ciência (1),
dependência das observações em relação a pressupostos teóricos (2),
possibilidade de desacordo entre pesquisadores (3) e provisoriedade do
conhecimento (4).
Identifique as passagens que contrariam as seguintes visões
deformadas de ciência: a visão a-problemática e a-histórica (a), a
visão individualista e elitista (b), a visão acumulativa de crescimento
linear (c) e a visão indutivista e a-teórica da ciência (d).

Faça anotações nos próprios textos para identificar/registrar


essas passagens segundo os marcadores sugeridos acima.
146

Discutindo sobre a Atividade 4

Realizando a Atividade 4, você percebeu que por meio dos episódios


históricos, os textos enfatizam certas particularidades relacionadas à natureza do
conhecimento científico que contrastam com visões deformadas da ciência?

Podemos dizer que as mensagens sobre a Natureza da Ciência são


contextualizadas por meio dos episódios históricos.

Estamos, agora, em condições de responder a uma questão já apresentada: Mas


como foram destacados os episódios históricos específicos? Por que alguns foram
escolhidos e outros não?

Um dos objetivos principais dos textos histórico-pedagógicos elaborados é


abordar determinadas mensagens sobre a Natureza da Ciência no contexto educacional
do Ensino. Médio. Especificamente, optou-se pela temática da História do Vácuo e da
Pressão Atmosférica, devido à sua potencialidade para trazer à tona esses aspectos
importantes relacionados à natureza do empreendimento científico.

Ao longo dos textos, busca-se ilustrar essas concepções por meio de recortes
históricos, isto é, da seleção de determinados conteúdos históricos específicos tais
como: a argumentação dos eleatas, atomistas e aristotélica sobre o vácuo na antiguidade,
as concepções oriundas do período medieval relacionada o funcionamento do sifão e o
experimento do canudo e a atribuição de um novo pressuposto teórico a pressão
atmosférica na Revolução Científica.

Dessa forma, definidos o contexto educacional e objetivos da proposta didática,


a escolha das mensagens de NdC, da temática histórica e dos episódios históricos
específicos se relacionam. A partir do texto acadêmico da História da Ciência
determinados conteúdos históricos foram selecionados devido a sua potencialidade
como contextualização para aspectos da natureza da ciência. Essa contextualização foi
deliberadamente explorada na redação dos textos histórico-pedagógicos.

Esperamos que essa interligação tenha sido notada por você na atividade 4.
Citamos a seguir alguns exemplos que você pode ter percebido.
147

Em contraposição a uma visão de ciência a-problemática e a-histórica,


enfatiza-se a busca laboriosa de soluções para problemas pelos pesquisadores:

Mais ou menos na mesma época do Beeckman, Giovanni Baliani escreveu


uma carta para Galileu Galilei (você já deve ter ouvido falar sobre ele!)
pedindo ajuda para solucionar o problema de um sifão que deveria elevar
água até uma colina de 21 m de altura, mas não funcionava (por isso o nome
“inoperante”). [Texto O vazio na Revolução Científica – Parte 1].

[...] Como vimos, desde a Antiguidade as pessoas pensavam na relação entre


vazio e movimento. Nicholas seguiu o mesmo rumo. Argumentou que
quando um corpo se movia o ar a sua frente se condensava nos espaços
vazios internos à matéria “ar”. Para ele, o fenômeno do movimento mostrava
que o vazio existia na natureza. Ou, como se diz na ciência... Ele considerava
que o movimento era uma evidência empírica (relacionado a experimento) a
favor da existência do vazio. [Texto Ideias sobre o vácuo na Idade Média –
Parte 2]

Os trechos destacados acima evidenciam também outra característica importante


da ciência: a cooperação. Essas e outras diversas passagens dos textos contrapõem-se
a uma visão individualista e elitista da ciência.

Teve gente que gostou da explicação. Como ciência é uma atividade de


cooperação, isto é, o que um propôs pode ser ponto de partida para outro
concordar (ou mesmo discordar!!!)... o argumento de Buridan foi levado
adiante por alguns pesquisadores. [Texto Ideias sobre o vácuo na Idade
Média – Parte 1].

Naquela época, Isaac Beeckman, um aluno de Stevin (olha aí a cooperação na


ciência), realizou um importante raciocínio. [texto O vazio na Revolução
Científica – Parte 1].

Francisco de Toledo, também participante da turma dos que negavam o


vazio, concordou que seria impossível abrir o fole tampado e acrescentou que
se uma força muito grande fosse aplicada, o fole se quebraria antes de haver a
separação de seus lados. [Texto Ideias sobre o vácuo na Idade Média – Parte
2].

Pois bem, como na História da Ciência, as pessoas não partem do nada, no


século IX, o pensador árabe Avicena seguiu a antiga concepção de que o
vazio não poderia existir. Usando argumentos conhecidos, ele discutiu
148

fenômenos do dia a dia, como o funcionamento do sifão. [Texto Ideias sobre


o vácuo na Idade Média – Parte 1]

Pouco depois da chegada dos portugueses ao Brasil, vários pesquisadores na


Europa estavam dizendo que o ar tinha peso e pressionava as coisas. É claro
que essa ideia não surgiu de uma hora para outra. Você já deve ter notado
pelos outros textos que as ideias na ciência não brotam de repente. Tudo
depende de esforço, trabalho e discussões que envolvem muitos
pesquisadores. Nesse caso não foi diferente. [Texto O vazio na Revolução
Científica – Parte 1].

Os pensadores medievais intensificaram as discussões sobre o vácuo.


Resgataram elementos importantes da Antiguidade, como as obras de
Aristóteles, que traziam as concepções do filósofo sobre matéria, vazio e
movimento. [Texto Ideias sobre o vácuo na Idade Média – Parte 1].

O filósofo grego Aristóteles estudou muito as ideias desses pensadores,


estudou mais, mais ainda e propôs o seguinte: o movimento podia ser visto,
de fato existia, mas nem por isso o vazio precisava existir. [Aristóteles] Era
“do contra” mesmo: discordou dos atomistas e dos eleatas ao mesmo tempo!
[Texto concepções sobre o vácuo na Antiguidade].

Procura-se, assim, transmitir uma imagem de ciência viva e dinâmica. Foram


elaboradas, ainda, passagens que sinalizam as rupturas na ciência, opondo-se, assim a
uma visão acumulativa e linear do desenvolvimento científico.

Ao longo do século XVII, na chamada Revolução Científica, as discussões


sobre o vazio continuaram e tomaram novos rumos... rumos inesperados que
acabariam provocando uma ruptura com a visão de que a natureza tinha
horror ao vácuo. [texto O vazio na Revolução Científica – Parte 1].

É inerente a esse tipo de construção deixar transparecer o caráter provisório,


mutável do conhecimento científico. A importância desse aspecto da NdC motiva a sua
alusão explícita em alguns trechos dos textos elaborados.

[...] Afinal, quem disse que estamos certos, isto é, que nossas interpretações
são definitivas? A beleza da ciência é justamente não haver essa certeza. O
conhecimento científico é provisório. [O vazio na Revolução Científica –
Parte 1]
149

Os desacordos, característica marcante da ciência, podem ser inferidos a partir


dessas passagens e são explicitados em diversas outras.

Discordando de Buridan e de Francisco, Bernardino Telesio, mais um dos


poucos que defendiam a existência do vazio, considerou: o fole não se
quebraria se fosse “grosso e pesado”, podendo ser sim aberto por uma grande
força, o que significaria a formação de um espaço vazio entre as paredes
separadas. [Texto Ideias sobre o vácuo na Idade Média – Parte 2]

Lembra que falamos que a ciência não é uma atividade isolada, mas sim de
cooperação? Pois bem, discordar também faz parte dessa cooperação, já que a
construção do conhecimento também se dá quando um pesquisador pensa de
forma diferente e parte da ideia do outro para rejeitá-la. [Texto Ideias sobre o
vácuo na Idade Média – Parte 2].

O pior... não, o melhor, é que isso não é coisa só do passado. A existência de


visões diferentes sobre um mesmo assunto foi e continua sendo uma
característica importante da ciência: pesquisadores sempre podem discordar
um dos outros... [Texto Ideias sobre o vácuo na Idade Média – Parte 2].

Baliani recebeu a resposta e não concordou com a explicação do colega,


embora também achasse que deveria desistir do sifão. [Texto O vazio na
Revolução Científica – Parte 1].

Ainda no que concerne à possibilidade de desacordos, destaca-se nos textos o


uso da palavra interpretação, a fim de ao mostrar a ciência como tentativa humana de
descrever fenômenos naturais, a criativa na invenção de conceitos e explicações.
Ressalta-se, por exemplo, que ao longo da História da Ciência, existiram várias
interpretações quanto à existência ou não do vazio.

Você já notou que as pessoas costumam mesmo pensar de maneiras


diferentes, observam coisas a partir de diferentes pontos de vista? Pois é, a
natureza não dá respostas prontas aos pesquisadores. Eles interpretam,
concordam e discordam entre si muitas vezes. Basta examinar as notícias
sobre a ciência que você notará isso até hoje. [Texto Ideias sobre o vácuo na
Idade Média – Parte 2].

Reparou como isso é profundo mesmo? Os fenômenos podem ser


interpretados de diferentes maneiras. É isso o que fazem os pesquisadores. E
nesse processo de interpretação, as opiniões podem ser diferentes. [Texto O
vazio na Revolução Científica – Parte 1].
150

Na Ciência, seja na medieval ou na atual, muita criatividade existe na


invenção de conceitos e explicações. A criatividade é uma ferramenta
importantíssima para a elaboração de ideias pelos pesquisadores. A natureza
não dá respostas! [Texto Ideias sobre o vácuo na Idade Média – Parte 1].

A contraposição a uma visão indutivista e a-teórica da ciência é enfatizada


em diversas passagens que destacam a concepção de que hipóteses orientam a
investigação, de modo que as observações são dependentes de pressupostos teóricos.
Observação e experimentação não são neutras, portanto.

Para Beeckman, sua conclusão tinha muito a ver com o horror ao vácuo.
Adotar a ideia de que o ar tinha peso e exercia pressão (isto é, o novo
fundamento teórico) poderia causar uma revolução no modo como certos
fenômenos eram interpretados. [Texto O vazio na Revolução Científica –
Parte 1].

Era possível e continua sendo até hoje na ciência: os pesquisadores


costumam discordar entre si, pois interpretam fenômenos complicados,
partindo de diferentes pontos de vista. [Texto concepções sobre o vácuo na
Antiguidade].

Reparou como isso é profundo mesmo? Os fenômenos podem ser


interpretados de diferentes maneiras. É isso o que fazem os pesquisadores. E
nesse processo de interpretação, as opiniões podem ser diferentes. [Texto O
vazio na Revolução Científica – Parte 1].

[...] Para ele (Avicena), a explicação para o funcionamento do sifão se


baseava em um princípio, um pressuposto teórico bastante aceito naquela
época: a natureza evitaria a produção do vácuo. [Texto Ideias sobre o vácuo
na Idade Média – Parte 1].

Avicena e outros muitos pensadores da Idade Média se basearam nesse


fundamento que vinha da Antiguidade e o reforçaram com exemplos: “a
natureza tem horror ao vazio”, diziam eles. [Texto Ideias sobre o vácuo na
Idade Média – Parte 1].

Buridan explicou a subida do vinho no canudinho de forma semelhante ao


que Avicena havia comentado sobre o sifão, usando o mesmo pressuposto
teórico: o “horror ao vácuo”. [Texto Ideias sobre o vácuo na Idade Média –
Parte 1].
151

Você conseguiu ao realizar a Atividade 4 assinalar uma parcela significativa dos


trechos anteriores?

Para a utilização desse tipo de material em sala de aula, consideramos que seja
muito importante para o professor: perceber os objetivos centrais contemplados pelos
textos, perceber especificamente os aspectos sobre a natureza do conhecimento
científico tratados, compreender como o ensino dessa temática pode se dar de forma
explícita e contextualizada por meio dos episódios históricos.

No caso dos textos histórico-pedagógicos propostos, essa compreensão permite


que o professor explore de forma consciente determinados trechos, por exemplo, caso
sua intenção seja enfatizar o caráter colaborativo da ciência, conduzindo
problematizações acerca de possíveis visões individualistas. Ou, de acordo com a opção
didática adotada, em determinado momento o professor pode explorar determinadas
passagens no intuito de problematizar visões indutivistas e a-teóricas da ciência. Pode
ser, ainda, que a intenção do professor seja mostrar a que problemas científicos
específicos os conceitos de vácuo e pressão estavam associados.

Considera-se aqui que a flexibilidade de utilização dos textos é um aspecto


importante a ser observado. O material didático não pode ser compreendido como algo
“engessado”, ao qual a minha sala de aula deve se moldar. Muito pelo contrário, não é
na redação do material didático que a transposição didática da HFC termina. O
professor tem um papel fundamental nessa transposição. No entanto, o material didático
só pode ser apropriado de forma consciente e flexibilizado pelo professor que conhecer
o seu significado.

Nesse sentido, convidamos você à Atividade 5.


152

Atividade 5

Observe os textos A a F quanto à formulação discursiva utilizada nos


mesmos. Registre seus comentários.

O que você nota a respeito da linguagem utilizada?


O que você poderia dizer da relação que se pretende estabelecer entre o
aluno e o texto?

O que observa quanto à extensão e formato dos textos?

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Discutindo sobre a Atividade 5

Ainda no que concerne aos desafios e obstáculos inerentes à transposição da


História da Ciência para o contexto educacional, outros aspectos foram observados na
elaboração dos textos histórico-pedagógicos.

Vem se chamando a atenção para a necessidade de elaborar propostas didáticas


com formulações discursivas adequadas aos níveis de escolaridade aos quais as
mesmas se destinam.

Você observa na redação dos textos o uso de uma linguagem coloquial,


acessível, a fim de facilitar a interlocução com os estudantes-leitores? Ainda
buscando a interlocução, que outros aspectos você nota?

Os textos elaborados mostram pesquisadores em situações caracterizadas por


elementos do cotidiano vivenciado pelos próprios alunos. O primeiro texto sobre a
Idade Média, por exemplo, traz o comentário de Jean Buridan sobre o uso de canudos
para sorver bebidas e a discussão de Avicena sobre o funcionamento de um sifão. Esse
dispositivo retorna no primeiro texto sobre a Revolução Científica, na discussão entre
Baliani e Galileu sobre o sifão inoperante.

Esse mesmo episódio histórico, aliás, é utilizado no texto de forma a humanizar


o pesquisador mostrando que o mesmo faz perguntas, hesita, muda de ideia, tem
dúvidas, recorre a colegas (seu comportamento não é tão distante dos próprios
alunos):

Mais ou menos na mesma época do Beeckman, Giovanni Baliani escreveu


uma carta para Galileu Galilei (você já deve ter ouvido falar sobre ele!)
pedindo ajuda para solucionar o problema de um sifão que deveria elevar
água até uma colina de 21 m de altura, mas não funcionava (por isso o nome
“inoperante”). [Texto O vazio na Revolução Científica – Parte 1].

Buscando a aproximação por meio do diálogo, os textos apresentam


problemas e questões importantes, sobre as quais os leitores-alunos são convidados a
refletir, opinando sobre o desenvolvimento de uma ciência, cujo dinamismo é
ressaltado: “Afinal, quem disse que estamos certos, isto é, que nossas interpretações
são definitivas?”.
154

Em outros momentos, os alunos-leitores se veem diante de perguntas


importantes para determinadas épocas, e, inclusive, são assinaladas dúvidas
possivelmente compartilhadas pelos próprios alunos:

Os corpos devem ser pressionados de acordo com a coluna de ar acima


deles: “Estamos imersos em um oceano de ar!!!!” (Uma pausa: Se há tanto ar
em cima da gente nos pressionando, por que não somos esmagados contra a
terra, então? Pergunte ao seu professor!) [Texto O vazio na Revolução
Científica – Parte 1].

Os textos elaborados combatem uma perspectiva que vem sendo constantemente


criticada no ensino científico: “a apresentação de conhecimentos previamente
elaborados, sem dar oportunidade aos estudantes de contactarem e explorarem
atividades na perspectiva de um ensino do tipo investigativo” (GIL PÉREZ et al, 2001,
p. 126).

E, para que o aluno possa acompanhar a leitura e, de fato, participar através de


um “diálogo-investigação”, justifica-se o cuidado quanto ao nível de aprofundamento
dos episódios históricos, bem como a atenção quanto à existência de conteúdos
históricos que não são de fácil compreensão (FORATO, MARTINS & PIETROCOLA,
2012b).

A inserção dos conteúdos históricos no contexto educacional depende inclusive


de particularidades inerentes à própria temática histórica focalizada. Discutindo sobre a
transposição didática da HFC, já tratamos da relação entre os recortes históricos e a
seleção de mensagens sobre a natureza do conhecimento científico.

Foram produzidos textos, divididos por períodos, centrados em alguns episódios


históricos específicos. Nos textos relativos à Antiguidade foram apresentadas as
controvérsias envolvendo Aristóteles, Eleatas e Atomistas quanto à existência do vazio.
Nos textos sobre a Idade Média foram expostas evidências da época a favor da negação
do vazio. Notadamente, foram lembradas discussões dos pensadores sobre elementos do
cotidiano, como o sifão e o canudo, bem como experimentos imaginários sugeridos por
esses pensadores. A negação do vazio mostrava a força da argumentação aristotélica no
período em meio a algumas vozes dissonantes. Os dois últimos textos sobre a
Revolução Científica registram o abalo à tradição do horror ao vácuo em função da
155

retomada de argumentos atomistas e da concepção de que o ar tem peso e exerce


pressão, o que sugeria novas interpretações para certos fenômenos.

Observa-se, assim, que para a composição dos textos são estritamente


priorizados episódios que possam contextualizar as mensagens sobre a Natureza da
Ciência selecionadas. Caso contrário, os textos fugiriam aos seus objetivos, podendo
haver sobrecarga de informações, extensão e complexidade excessivas que tornariam o
material inadequado para o contexto e propósitos almejados.

Certas informações históricas são deixadas de lado, ou não são apresentadas com
a mesma profundidade que aparecem no texto de um historiador da ciência (lembra da
Atividade 2?). Na redação dos textos aqui propostos para o Ensino Médio, atenta-se
para questões como a quantidade de informações contempladas, a extensão e a
profundidade dos textos.

São necessárias omissões e simplificações. Omitem-se detalhes sobre a teoria


aristotélica do movimento, como os movimentos naturais, violentos e a “leveza
absoluta”. Deixam-se de lado aspectos das contribuições medievais de Philoponos e
Avempace sobre o movimento que indiretamente estariam relacionadas ao vazio. É
preciso também omitir a tentativa de Gerolamo Cardano de medir a densidade do ar.

Mesmo assim, apesar do recorte criterioso, você pode perceber que os conteúdos
históricos selecionados são complexos. O que fazer, então?

A complexidade da temática histórica abordada foi contrabalançada pelos


cuidados com a formulação discursiva e com o nível de aprofundamento dos episódios
históricos, tendo em vista a inteligibilidade dos textos.

No primeiro texto histórico-pedagógico, enfrentou-se o desafio de trazer para o


ambiente escolar de forma adequada, tanto em termos da linguagem quanto do nível de
aprofundamento dos conteúdos, aspectos que deixassem transparecer a complexidade
das ideias sobre o vácuo na antiguidade, mas que, ao mesmo tempo, pudessem ser
compreendidos pelos alunos. Como recurso didático, foram utilizadas analogias. Para
facilitar a compreensão do intricado argumento eleata em defesa da inexistência do
vazio (“aquilo que não é não pode ser pensado nem existir”), recorreu-se
156

estrategicamente a uma analogia com um ditado popular: o “ver para crer” dá lugar a
um “pensar para crer”.

Adicionalmente, procurou-se enfrentar possíveis dificuldades quanto à temática


e aos conteúdos históricos por meio da interligação dos cinco textos, com a introdução
cautelosa e progressiva de questões e argumentos, os quais foram retomados de um
texto para o outro. No primeiro texto, por exemplo, considerou-se importante trazer
para o estudante-leitor elementos do pensamento aristotélico, como a negação do vazio
por meio do argumento da troca mútua e da concepção de que a luz não era matéria,
mas sim uma modificação no meio. De acordo com a intenção de produzir textos
interligados, o propósito dessa alusão inicial não é discutir a validade desses
argumentos, mas sim apenas torná-los familiares. Considerando a pouca familiaridade
dos estudantes com os conteúdos abordados, a opção pela retomada de questões e
argumentos ao longo de textos, tenciona estabelecer oportunidades para que os leitores
os compreendam.

Importante destacar que definições formais de expressões possivelmente


desconhecidas pelos estudantes, como “pressupostos teóricos”, não são oferecidas no
material elaborado.

Você percebeu isso ao ler os textos? Achou estranho?

Pretende-se que os contextos de utilização dessas expressões nos textos, bem


como a recorrência das mesmas em diversas passagens, possam esclarecê-las. Explica-
se, por exemplo, e mais de uma vez, que na Revolução Científica entra em cena a
pressão atmosférica como um novo “pressuposto teórico” que leva a reinterpretações de
fenômenos anteriormente atribuídos ao horror ao vácuo.

Privilegia-se, assim, certa autonomia do estudante-leitor, embora se considere


que a leitura compartilhada do texto, guiada pelo professor, seja recomendável dada à
complexidade das discussões sobre a natureza do conhecimento científico.

Voltamos, então, ao mesmo ponto sobre o qual tanto insistimos: a


importância de que o professor reconheça as características dos textos e procure
explorá-las em auxilio aos alunos.
157

Pode-se, por exemplo, realizar uma leitura compartilhada dos textos, na qual o
professor enfatiza os questionamentos propostos nos textos, registrando as opiniões dos
alunos, conduzindo a compreensão do processo histórico em questão. Trechos não
compreendidos de um texto podem ser registrados pelo professor, que pode aguardar
com expectativa a elucidação dos mesmos na leitura do texto subsequente.

Reafirma-se aqui, portanto, que para exercer seu papel fundamental no processo
de transposição didática da História da Ciência o professor precisa conhecer de modo
aprofundado o material didático que lhe interessa. Então, continuemos nosso caminho
com a Atividade 6.
158

Atividade 6

Observe os textos histórico-pedagógicos A a F e registre suas


respostas.

O que você nota quanto às informações biográficas sobre os


personagens? E quanto à frequência de informações sobre datas
relacionadas aos episódios históricos?

Segundo os textos, quem é o pai dos conceitos de vácuo e pressão


atmosférica?
Os textos transmitem a visão de que a História do Vácuo e da Pressão
Atmosférica é um conjunto de descobertas pontuais, independentes,
realizadas em datas específicas?

Transmitem a visão de que os pesquisadores do passado eram piores do


que os do presente? Segundo os textos, os pesquisadores do passado eram
ingênuos, se preocupavam com problemas tolos e não sabiam fazer as
coisas?

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Discutindo sobre a Atividade 6

Você saberia dizer o que é uma ... História da Ciência Whig? E... o que seria
História Pedigree, hagiografia, anacronismo?

Já perguntamos isso a você. Tudo isso tem a ver com a temática da Atividade 6.
Vamos a seguir discutir por quê.

Como mencionamos, existe uma área de pesquisa chamada História da Ciência.


Na década de 1920 foi quando surgiram os primeiros profissionais dessa área. Eles
escreviam uma História da Ciência linear, progressiva, caracterizada por um grande
número de nomes e datas. Descreviam as grandes descobertas realizadas pelos grandes
gênios. Faziam o que chamamos de “hagiografia”, uma descrição das virtudes heroicas
e grandes realizações das personagens da História da Ciência.

Na interpretação de documentos antigos selecionavam ideias e teorias que


pareciam ter evoluído até chegar à ciência que conheciam naquela época. Tinham um
olhar anacrônico em relação aos episódios históricos. Descreviam os fatos do passado
com base no que aceitavam como ciência na época em que estavam, isto é, olhavam
para o passado tomando o presente como padrão do que era certo. Aquilo que não se
parecia com a ciência que conheciam era descartado ou julgado como primitivo ou
mesmo errado.

Buscavam os pais, os precursores da ciência que conheciam. Faziam o que


chamamos de História Whig, Pedigree. Separavam os heróis dos vilões, que teriam
errado, atrasando a evolução da ciência. Concebiam o cientista como um ser neutro,
imparcial, alheio à sociedade.

Da década de 1920 até hoje, a área de pesquisa História da Ciência mudou


muito. Essa maneira de escrever a História da Ciência foi profundamente questionada.
Atualmente, a História da Ciência é o estudo das expressões de conhecimento sobre
a natureza de modo contextualizado. É seu objeto de estudo tudo aquilo que em
alguma época foi proposto ou aceito como ciência (conhecimento sobre a natureza).
Considera-se que cada cultura, cada comunidade científica e cada época tem seus
objetivos, formas de ver o mundo, e critérios de verdade que regem sua ciência.
Questionando a postura anacrônica, a ciência atual deixou de ser padrão de
160

comparação. A História da Ciência não é mais um conjunto de datas e informações


biográficas sobre os grandes gênios. Considera-se inadequado falar em pais e
precursores da ciência.

Essas visões sustentadas pela historiografia da ciência das últimas décadas têm
sido ressaltadas em textos de natureza teórica sobre a inserção da HFC no ensino.
Segundo Forato, Martins e Pietrocola (2012b, p. 126): “A elaboração de narrativas
históricas e os aspectos epistemológicos que elas transmitem podem ser avaliados e
orientados pela historiografia atual da História da Ciência”.

Vamos pedir para você fazer o seguinte agora: volte àqueles trechos da
legislação brasileira para o ensino que citamos lá no início das discussões. Você percebe
que eles refletem explicitamente a relevância reconhecida dessas questões para o
contexto educacional?

Adicionalmente aos trechos já citados, você sabia que um dos critérios do PNLD
é se o livro “contempla um tratamento da história da ciência integrado à construção dos
conceitos desenvolvidos, evitando resumi-la a biografias de cientistas ou a descobertas
isoladas”?

Como você deve ter observado, essas considerações se alinham ao que é a


História da Ciência atualmente e foram levadas em conta na elaboração dos textos
histórico-pedagógicos. Esses textos, portanto, foram elaborados tendo em vista
considerações que se relacionam ao modo como os historiadores da ciência trabalham
hoje: recusa ao anacronismo, à hagiografia, a comparações que implicariam juízos de
valor, etc.

Nos textos histórico-pedagógicos que você leu, a utilização de dados biográficos


e informações sobre datas ocorrem de forma cautelosa, evitando reduzir a História da
Ciência a esse tipo de registro. São exclusivamente utilizados em caso de relevância
para os objetivos pretendidos. Deliberadamente, procura-se evitar que os estudantes
desviem a atenção do foco central dos textos, quer seja, questionamentos levem à
reflexão.

Os textos frisam a visão da ciência como atividade de cooperação, mostrando


que essa cooperação se dá mesmo pelas discordâncias e rupturas. Rejeitam a ideia de
161

vilões que cometem erros e heróis que sempre acertam. Valorizam os conhecimentos do
passado, ainda que esses tenham sido rejeitados posteriormente. Afastam-se, portanto,
de uma postura História Whig, que, em contraposição, procura mostrar os “erros” que
atrasaram a evolução da ciência. Afastam-se também da visão de ciência constituída por
descobertas em datas pontuais, realizadas por gênios isolados. Por isso, não há nos
textos referência a um possível pai do Vácuo e da Pressão Atmosférica.

Evita-se o anacronismo, por exemplo, quando se desmitifica a ideia de que o


Período Medieval foi a Idade das Trevas, mostrando contribuições de pensadores
importantes dessa época, normalmente personagens religiosos.

Ainda nos textos sobre o Período Medieval, são apresentados ao estudante-leitor


experimentos imaginários sobre o vazio apresentados por diversos autores na época,
como Jean Buridan. A fim de evitar a impressão de que experimentos imaginários eram
coisas do passado, os textos ressaltam a importância dos experimentos imaginários para
a Ciência mais recente, incluindo a Física Quântica, por exemplo. Foge-se, assim, da
concepção anacrônica de que no passado não se sabia fazer ciência. Rejeita-se a visão
de que no passado faziam experimentos imaginários porque não sabiam fazer
experimentos “de verdade”, como fazemos hoje.

Em alguns trechos, os textos ainda chamam a atenção explicitamente para o


anacronismo, problematizando essa postura ainda comum, a qual é considerada
inadequada segundo a historiografia da ciência atual:

Não dá para a gente olhar para o passado com os nossos olhos de hoje,
considerando que bom é quem se aproximou do que aceitamos... [texto O
vazio na Revolução Científica – Parte 1].

Novamente, frisamos a importância de o professor conheça tais aspectos


levados em conta na elaboração dos textos. Essa compreensão é importante para que
os textos não causem estranheza ao próprio professor, já que fogem ao padrão de
História da Ciência Whig-Pedigree-Anacrônica tão ainda encontrado em materiais
didáticos. As discussões anteriores mostram que o professor não consciente do que é a
História da Ciência atualmente pode muito bem rejeitar os textos e outros materiais
didáticos que de fato estejam em sintonia com a legislação educacional.
162

Por que os textos parecem incompletos? Não devo buscar os dados biográficos,
as informações sobre quem foi o pai disso ou daquilo, as datas que estão “faltando”... e
então “melhorar” os textos, acrescentando o que foi “esquecido” pelo autor no material
didático? O professor não consciente do que é a História da Ciência atualmente pode
transformar os textos em algo inadequado por acréscimo de informações ou ainda
abordá-los de forma inadequada em sala de aula, incorrendo em anacronismos, por
exemplo.

Por outro lado, o professor consciente pode explorar em sala de aula o que a
legislação de ensino prevê e que, como podemos notar, está em completo alinhamento
com a historiografia da ciência atual. Ademais, é sempre bom lembrar e quem é
professor sabe disso: surpresas ocorrem em sala de aula. Compreender o que é
anacronismo, por exemplo, pode ajudá-lo a problematizar possíveis visões anacrônicas
manifestadas pelos estudantes ao longo das discussões com os textos.
163

Considerações finais

Você certamente notou que ao longo das atividades realizadas frisamos a


importância do papel do professor na utilização dos textos histórico-pedagógicos em
sala de aula. Reafirmaremos aqui esse papel, acrescentando algumas discussões finais.

Os textos apresentados como exemplo de possibilidade de transposição didática


da HFC abordam aspectos relacionados à natureza do conhecimento científico. Mostram
a pluralidade de interpretações e desacordos entre os pesquisadores. Interligam a
construção dos conceitos científicos a seres humanos, estudiosos de outras épocas que
se preocuparam com seus próprios problemas, tinham dúvidas, enfrentaram os
caminhos frequentemente difíceis da investigação científica, usando mecanismos
próprios a seus contextos para resolver os desafios.

Esses textos podem ser utilizados para que os alunos compreendam vários
aspectos da NdC, os quais cabem ao professor selecionar e enfatizar nas discussões.
Prevê-se a utilização flexível desse tipo de material.

No complexo contexto educacional, o professor precisa estar preparado para


explorar as potencialidades e flexibilizar materiais didáticos, de acordo com os
objetivos das intervenções que pretende realizar, levando em consideração aspectos
como o tempo didático.

Em sala de aula, a condução de problematização prévia ao contato dos


estudantes com os textos pode ser relevante para a sensibilização quanto às questões
abordadas, como estímulo para as discussões e criatividade:

 Será que os pesquisadores trabalham de modo isolado, realizando descobertas ou


eles dependem do que outros pesquisadores fizeram ou fazem?
 Os pesquisadores discordam entre si?
 Os fenômenos físicos falam por si próprios? São interpretados? Podem ser
interpretados de formas distintas?
 O que os pesquisadores pensam quando estão investigando os assuntos? Será
que enfrentam dificuldades?
164

A realização de etapa prévia ao contato com os textos é opção do professor.


Igualmente, é prerrogativa do professor estabelecer como será a utilização dos textos.
Haverá leitura em grupo, individual, em sala de aula ou previamente à aula? Todos os
textos serão utilizados?

Como afirmamos, a redação dos textos busca a interlocução com o estudante do


Ensino Médio, por meio de linguagem coloquial e formulação discursiva adequada.
Refletem preocupação com certa autonomia dos estudantes. Deve-se, no entanto,
ressaltar que o papel do professor é fundamental no sentido de chamar a atenção para os
aspectos que julgar importantes, promover a reflexão e colaborar para o esclarecimento
de possíveis dúvidas.

Pode ser interessante a condução de discussão sobre questões abertas sugeridas


pelo professor:
 O que chamou a sua atenção na leitura?
 Identifique e anote algum detalhe que achou importante.
 O que você notou que não esperava?
 O que você notou que não sabe explicar?
 Por que os pesquisadores se interessavam por aqueles assuntos? Pareciam
considerar importante o que estavam fazendo? Por quê?
 O que estavam fazendo/discutindo?
 Como agiam os pesquisadores citados nesse texto? Onde estavam? Em que época?
 Será que o comportamento dos pesquisadores hoje é diferente?

Pode ser importante que estimular que os alunos também formulem perguntas
que possam levar a mais observações e reflexões.

A utilização dos textos em aula pode vir acompanhada de outros recursos, como
simulações sobre os fenômenos físicos em questão, slides elaborados pelo professor,
trechos de filme que remetam às épocas citadas e possam colaborar para
contextualização, etc.

Recursos como “linha do tempo” também podem ser válidos. Esse tipo de
atividade demanda cuidado porque a linha do tempo não deve apresentar a visão de que
o conhecimento se constitui de forma linear, progressiva, em datas pontuais fixas.
Muito pelo contrário, deve registrar controvérsias, rupturas e continuidades do
165

processo de construção coletiva da ciência. Esse caráter precisa ser levado em conta e,
inclusive, pode ser explicitamente refletido com os alunos.

A elaboração de uma “Linha do Tempo” do tipo “Vácuo e Pressão Atmosférica


na História” pode ser realizada de forma interdisciplinar com a colaboração do professor
da disciplina de História. Pode-se fornecer aos alunos imagens dos personagens citados
ou solicitar que os alunos obtenham essas imagens em sites na internet. A partir de
informações buscadas pelos alunos, personagens e controvérsias históricas citadas nos
textos são situados em seus contextos históricos, sociais, religiosos, econômicos, etc.
Uma possibilidade interessante é dividir a turma em grupos, cada qual responsável por
coletar informações sobre um desses aspectos. Podem ser construídas diferentes linhas
do tempo, que passam a situar os episódios da História do Vácuo em diferentes
perspectivas (histórica, econômica, social, religiosa) ou mesmo uma única linha do
tempo construída coletivamente a fim de reunir essas informações. A linha ou linhas do
tempo podem compor um mural, representando uma produção cultural da turma.

Como se pode notar a partir das reflexões que realizamos em conjunto, a atuação
do professor é fundamental no sentido de estabelecer objetivos didáticos e implementar
atividades que permitam explorar as potencialidades dos textos de acordo com esses
objetivos, utilizando outros recursos de acordo com as suas necessidades e preferências.

Esperamos de alguma forma ter colaborado para que você se aproxime das
discussões sobre a inserção da HFC no Ensino, consciente da extrema importância da
sua atuação em sala de aula para que esse processo de fato ocorra!!!
166

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THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. 18 edição. São Paulo: Cortez, 2011.


130p.
170

Anexo 1
171

Texto A - As concepções sobre o vácuo na Antiguidade


Na Antiguidade (período histórico que durou até aproximadamente o
século V depois de Cristo), os pensadores estudavam a natureza e falavam
sobre o tema “vácuo” ou “vazio”. As visões sobre esse assunto variavam.
Os filósofos chamados “eleatas” (da região de Eleia, ao sul da atual
Itália) negavam que o vazio existisse: “aquilo que não é [o nada] não pode
ser pensado nem existir”.

Figura 1- Localização da Eleia

Um argumento era importantíssimo para os eleatas: o vazio só


precisaria existir se os movimentos existissem. Se um objeto visto em
movimento realmente estivesse em movimento estaria indo para algum
lugar vazio. Afinal, diziam eles, o objeto não poderia se mover se o universo
fosse totalmente preenchido por matéria.
Ooopa!!! Espera aí um pouquinho antes de prosseguirmos com o
texto...
Você leu com atenção o parágrafo anterior?
Se leu deve estar pensando algo do tipo: Não entendi nada! Os
eleatas eram loucos???
Como assim “se os movimentos existissem”, “se um objeto visto em
movimento realmente estivesse em movimento”?
Se eu vejo o objeto em movimento, ele só pode estar em movimento,
não?
Bem, eles não eram loucos... mas, diziam que movimento não existia.
172

Isso porque tinham uma forma especial de investigar os fenômenos


da natureza. Parece que em vez de um ditado do tipo “ver para crer”,
aceitavam um “pensar para crer”...
Acontece que, para os eleatas, mesmo que no dia a dia o movimento
pudesse ser percebido através da visão, ainda assim isso não significava
que o movimento de fato existia. Consideravam que os sentidos eram
fontes de ilusões, que enganavam as pessoas. Então, o eleata dizia: eu vejo
uma flecha se movendo, mas não posso aceitar o que vejo como verdade. Não
devo confiar nos sentidos, devo pensar sobre o movimento da flecha, isto é,
usar somente a razão.
Segundo o eleata, a razão era o único caminho para o conhecimento.
E o que acontecia quando um eleata usava a razão, isto é, refletia
sobre o movimento da flecha? Segundo os eleatas Parmênides e Zenão,
refletir sobre o movimento da flecha levava à conclusão de que esse
movimento não existia.
Mas ... como assim???
Não é difícil entender o
argumento deles. Vamos lá!
Pensavam o seguinte: vamos
“congelar” a imagem da flecha em
movimento agora. Nessa imagem ela
está parada, certo? Certo!
Mas não acabamos de dizer
que ela está em movimento? Então,
como pode uma coisa estar parada e
Figura 2 – Imagem “congelada” de uma em movimento ao mesmo tempo?
flecha
“Isso é uma contradição!”,
diziam Parmênides e Zenão. Usar a razão mostrava que o movimento era
contraditório, e, portanto, não existia. Era apenas uma ilusão dos sentidos.
E, se não há movimento.... então, para quê o vazio? Qual a
necessidade de haver um lugar vazio para onde as coisas podem se mover se
elas na realidade não se movem?
O vazio não precisava existir na natureza, diziam os eleatas.
E você, leitor, o que acha? Concorda com eles?
-------------------------------------------------------------------------
Fig. 1 – Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2003/icm25/images/mapaeleia.gif>. Acesso em 10 mai. 2014.
Fig. 2 - Disponível em: < https://andrefarinha.files.wordpress.com/2012/03/234722-13-flying-arrow.jpg?w=614>. Acesso
em 10 mai. 2014.
173

Texto B - E as ideias continuavam surgindo....


Ainda na Antiguidade, pensadores chamados “atomistas” buscavam
compreender os fenômenos da natureza partindo do pressuposto de que o
mundo podia ser explicado pelo movimento de partículas indivisíveis, os
átomos, em meio a espaços vazios.
Ops... “em meio a espaços vazios”? Então ... eles discordavam dos
eleatas?
Quanto à existência do vazio, discordavam sim. Aceitavam que o
vazio existia, ao contrário dos eleatas.
E discordavam dos eleatas também em outro aspecto: aceitavam o
uso dos sentidos para a compreensão da natureza. Para o atomista, um
objeto em movimento de fato estava em movimento, ao contrário do que
diria um eleata.
Mas.. será que eles discordavam em tudo? Um grupo rejeitou tudo o
que o anterior havia dito?
Não totalmente... Os atomistas romperam em parte com as ideias
dos eleatas, aceitando então em parte o que eles haviam dito.
Concordavam a respeito de que havia uma relação direta entre vazio
e movimento: se o movimento existisse o vazio deveria existir, pois os
objetos precisariam se mover para um lugar vazio. No entanto, usavam
diferentes métodos para
estudar a natureza,
interpretavam os fenômenos
de formas distintas,
discordavam quanto às
conclusões: para os
atomistas, movimento e
vazio existiam; para eleatas,
ambos não existiam.
Figura 1 – Atomistas
E, agora, então? O
que fizeram outros pensadores diante desse conflito de ideias? O que
aceitaram? Propuseram algo diferente?

-----------------------------------------------------------------------------------
Fig. 1 – Disponível em: <http://files.encuentro-con-la-filosofia.webnode.com.co/200000009-070af08080/Atomistas-
Griegos.jpg>. Acesso em 10 mai. 2014.
174

Texto C - E a História da Ciência segue, com


rupturas e também continuidades...
O desacordo entre os pesquisadores sempre é possível.
Ciência é uma coisa complicada, os
fenômenos são estudados de diferentes
maneiras, interpretados, pensadores podem
chegar a conclusões diferentes. Isso ocorreu
na Antiguidade (e ocorre até hoje).
Voltando ao “vazio” ... houve quem
rejeitasse a relação direta entre vazio e
movimento que era aceita por atomistas e
eleatas. O filósofo grego Aristóteles estudou
muito as ideias desses pensadores, estudou
mais, mais ainda e propôs o seguinte: o
movimento podia ser visto, de fato existia, Figura 1 – Aristóteles
mas nem por isso o vazio precisava existir.
Era “do contra” mesmo: discordou dos atomistas e dos eleatas ao
mesmo tempo!
Usando o chamado “argumento da troca mútua”, Aristóteles sugeriu
que os corpos poderiam ceder lugar um ao outro. Assim, um peixe poderia
nadar num aquário cheio trocando
simultaneamente de posição com a água,
sem precisar de espaços vazios. A
existência do movimento não indicava que o
vazio necessariamente existia na natureza.
Aristóteles não parou por aí e
tentou derrubar outros argumentos que os
atomistas usavam para sustentar que o
vazio existia. Discutiu um a um esses
argumentos nos diversos livros que Figura 2 – Peixe no aquário
escreveu, propondo outras interpretações
para os fenômenos.
Para os atomistas, os corpos se contraíam nos seus espaços vazios
interiores. Já Aristóteles pensou de outro modo. Os corpos deviam se
contrair expulsando para fora o que continham dentro, tal como ocorria
quando uma esponja embebida em água era espremida.
Duas explicações para um único fenômeno? Isso era possível?
175

Era possível e continua sendo até hoje na ciência: os pesquisadores


costumam discordar entre si, pois interpretam fenômenos complicados,
partindo de diferentes pontos de vista.
Bem... voltando novamente ao “vazio” na Antiguidade... A luz pode
atravessar um aquário cheio de água sem que o aquário transborde, certo?
Você deve ter dito “sim” e os atomistas concordariam com você.
Bem, e o que isso tem a ver com o vazio que eles aceitavam?
Partindo do pressuposto de que a luz era matéria, isto é, formada por
corpúsculos, os atomistas consideravam que isso só era possível porque a luz
passava justamente pelos espaços vazios existentes no líquido. Então, esse
era um argumento atomista para defender a existência do vazio. Ele
precisaria existir para que a luz se propagasse sem a água derramar.
E agora? Será que Aristóteles “amarelou”?
Não. Ele mais uma vez rejeitou o
argumento atomista.
Para Aristóteles, a luz não era
material. Era uma modificação no meio, no
caso a água. Então, se a luz não era
material, não era formada por
corpúsculos que precisavam de vazios na
água para atravessar o aquário.
Esse caso era bem interessante,
Figura 3 – Luz no aquário então. Aristóteles partia do pressuposto
de que a luz não era material e
interpretava o fenômeno de uma maneira. Os atomistas partiam do
pressuposto de que a luz era material e interpretavam o fenômeno de
outra maneira, para a qual a existência do vazio era necessária.
E quem será que se deu bem? Será que as ideias de Aristóteles foram
bem aceitas?
Aristóteles foi bem convincente. Seus argumentos contra a existência do
vazio foram repetidos por séculos e séculos, por muitos pesquisadores. Mas
alguns se posicionaram a favor da existência do vácuo.
O assunto vazio era importante e muitos pensadores se dedicaram a
estuda-lo, como veremos no “próximo capítulo” dessa História.
----------------------------------------------------------------------
Fig. 1 – Disponível em: <http://www.ghtc.usp.br/server/Sites-HF/Paula-Sampaio2/>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 2 – Disponível em:< http://www.melhorpeixe.com/imagens/2013/06/peixes-no-aquario-lotado.jpg>. Acesso em 11
mai. 2014.
Fig. 3 – Disponível em:<http://www.aquaonline.com.br/forum/viewtopic.php?f=3&t=33464&p=211918>. Acesso em 11
mai. 2014.
176

Anexo 2
177

Texto D - Ideias sobre o vácuo na Idade Média – Parte 1

A Idade Média, que vai aproximadamente do século V ao século XV,


já foi chamada de “Idade das Trevas”. Coitada! O apelido nada elogioso não
cai nada bem para esse período tão frutífero de desenvolvimento da ciência.
Os pensadores medievais intensificaram as discussões sobre o
vácuo. Resgataram elementos importantes da Antiguidade, como as obras de
Aristóteles, que traziam as concepções do filósofo sobre matéria, vazio e
movimento.
Por falar nisso... será que você se lembra dessas concepções? Da
nossa conversa no texto anterior...
Pois bem, como na História da Ciência, as
pessoas não partem do nada, no século IX, o
pensador árabe Avicena seguiu a antiga
concepção de que o vazio não poderia existir.
Usando argumentos conhecidos, ele discutiu
fenômenos do dia a dia, como o funcionamento
do sifão.
Você já deve ter visto um sifão em sua
casa, certo? Então... pense no seguinte: será que
simplesmente observando o sifão “brota” de
Figura 1 - Avicena
imediato uma explicação para o seu
funcionamento?
É claro que não! Na Ciência, seja na medieval
ou na atual, muita criatividade existe na invenção de
conceitos e explicações. A criatividade é uma
ferramenta importantíssima para a elaboração de
ideias pelos pesquisadores. A natureza não dá
respostas! Nós a construímos, isto é, a ciência é uma
criação humana, própria de cada época.
E o que isso tem a ver com o sifão e Avicena?
Figura 2 – Para ele, a explicação para o funcionamento do sifão
Esquema para se baseava em um princípio, um pressuposto teórico
funcionamento do
bastante aceito naquela época: a natureza evitaria a
de sifão
produção do vácuo. Observando o fenômeno segundo
esse ponto de vista... se uma porção de água ia descendo por uma
extremidade do sifão, a fim de evitar que o espaço deixado pela água
ficasse vazio (evitar o vácuo!), outra porção seguia junto e daí por diante.
Assim, o fluxo de água no sifão era mantido.
178

Avicena e outros muitos pensadores da Idade Média se basearam


nesse fundamento que vinha da Antiguidade e o reforçaram com exemplos:
“a natureza tem horror ao vazio”, diziam eles.
Lá pelo século XIV encontramos pensadores como o francês Jean
Buridan se apoiando fortemente nessas ideias para explicar fenômenos do
cotidiano.
Vamos a um exemplo discutido pelo Buridan... Na época dele existiam
canudinhos de junco (não de plástico, como temos hoje), que podiam ser
usados para tomar líquidos, como vinho (como fazemos com os refrigerantes
em latinhas).
Buridan explicou a subida do vinho no canudinho de forma
semelhante ao que Avicena havia comentado sobre o sifão, usando o mesmo
pressuposto teórico: o “horror ao vácuo”.
Acho que já dá para imaginar, não? Ele
considerou que quando o ar do canudinho era
puxado, o vinho subia do recipiente, e ia subindo,
subindo, porque era necessário que algum corpo
sempre viesse logo para evitar a formação de
vácuo no canudo.
Buridan reforçou a impossibilidade do
vazio através de outros experimentos. Propôs o
seguinte: imagine um fole com furos
perfeitamente fechados... (Você sabe o que é um Figura 3 – Jean Buridan
fole? No Brasil não costumamos usá-lo, mas até
que ele lembra a sanfona do forró... Veja o que é
isso na imagem ao lado. Na Europa usam para atiçar o fogo na lareira).
Segundo Buridan, o fole perfeitamente fechado e com as paredes
internas bem (bem) juntinhas não poderia ter essas paredes separadas nem
que vinte cavalos fossem amarrados para puxá-las. Isso por que separá-las
significaria “formar um espaço vazio” dentro do fole, o que a natureza não
permitiria.
Teve gente que gostou da explicação. Como
ciência é uma atividade de cooperação, isto é, o que
um propôs pode ser ponto de partida para outro
concordar (ou mesmo discordar!!!)... o argumento de
Buridan foi levado adiante por alguns pesquisadores.
Francisco de Toledo, também participante da
turma dos que negavam o vazio, concordou que seria
impossível abrir o fole tampado e acrescentou que se Figura 4 - Fole
179

uma força muito grande fosse aplicada, o fole se quebraria antes de haver a
separação de seus lados. Seria como uma ação da natureza para não permitir
o vazio.
E, então? Reparou que Buridan e Francisco de Toledo partiram
daquele mesmo princípio de rejeição ao vazio? E você percebeu também que
algumas palavras estão grifadas no nosso texto: “imagine”, “poderia”,
“seria”, “se”, “quebraria” ...
O que isso quer dizer? Eles estavam pedindo que as pessoas
imaginassem certas condições e, em seguida, pensassem nessas situações
hipotéticas, tendo como base certos pressupostos teóricos: eram
experimentos imaginários.
Então eles não fizeram os experimentos? Não, não fizeram!
Será que eles estavam errados em não fazer? Estavam com medo de
notar outras coisas? Com preguiça? Será que a Idade Média era uma época
“atrasada” e não sabiam que fazer experimento é importante?
Não, nada disso. Jean Buridan e Francisco de Toledo estavam
propondo uma situação que levava em conta pensar sobre a teoria do “horror
ao vácuo”. Em outras épocas, muito mais a frente, e bem próximo dos nossos
tempos, Albert Einstein “realizou” muitos experimentos imaginários que
levavam em conta pensar sobre a “Teoria da Relatividade”, um cara chamado
Erwin Schröedinger (nome complicado!) “fez” experimentos imaginários
sobre um gato para pensar sobre a “Teoria Quântica” (sem gato, só
imaginando o gato!).
Os experimentos imaginários continuam sendo hoje uma
importantíssima ferramenta para a Ciência. Na Idade Média, foram muito
usados tanto pelos que negavam o vácuo, isto é, a maioria dos pensadores,
quanto pelos que aceitavam a existência do vazio na natureza.
Opa! Isso quer dizer que as opiniões sobre o vazio não eram
unânimes? Não eram mesmo ... mas isso é uma conversa para o nosso próximo
texto.
Fig. 1 – Disponível em: < http://www.webislam.com/media/2005/02/16281_avicena_big.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 2 – Disponível em:< http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/sifao/Sif%C3%A3o2.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 3 – Disponível em: < http://www.cadytech.com/dumas/images/all/s000018.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 4 – Disponível em:< http://img.elo7.com.br/product/main/CE5D4/fole-para-acender-lareira-ou-churrasquei.jpg>.
Acesso em 11 mai. 2014.
180

Texto E - Ideias sobre o vácuo na Idade Média – Parte 2

A Idade Média foi mesmo um período muito importante para a


ciência. O que foi desenvolvido sobre o vácuo, por exemplo, nem coube no
texto anterior. Continuando, então...
Os pensadores que admitiam a existência do vazio não eram muitos.
O francês Nicholas de Autrecourt foi um deles. Como vimos, desde a
Antiguidade as pessoas pensavam na relação entre vazio e movimento.
Nicholas seguiu o mesmo rumo. Argumentou que quando um corpo se movia o
ar a sua frente se condensava nos espaços vazios internos à matéria “ar”.
Para ele, o fenômeno do movimento sugeria que o vazio existia na natureza.
Como se diz na ciência... O movimento seria para ele uma evidência empírica
(relacionado a experimento) a favor da existência do vazio.
Por falar em experimento, em
experimento imaginário, lembra aquela
discussão sobre o fole?
Pois é, experimentos imaginários
foram usados pelos partidários do horror ao
vazio. E, foram usados também pelos (não
muitos) que aceitavam a existência do vazio
na natureza.
No caso do fole, vimos que Jean
Buridan e Francisco de Toledo propuseram
Figura 1- Nicholas de experimentos imaginários e, partindo da
Autrecourt ideia (pressuposto teórico) de que a natureza
tentava impedir o vácuo, argumentaram que
as paredes do fole não poderiam ser separadas. O Francisco disse até que
no caso extremo o fole chegaria a se romper se
isso fosse tentado. A natureza rejeitaria tanto
o vazio que o fole se quebraria para deixar o ar
entrar.
Discordando de Buridan e de Francisco,
Bernardino Telesio, mais um dos poucos que
defendiam a existência do vazio, considerou: o
fole não se quebraria se fosse “grosso e
pesado”, podendo ser sim aberto por uma
grande força, o que significaria a formação de Figura 2 - Bernardino
um espaço vazio entre as paredes separadas. Telesio
181

Viu os termos “quebraria”, “significaria”?


Mais um experimento imaginário... E essa não foi
a única briga envolvendo experimentos
imaginários sobre o vazio na Idade Média. Vamos
a outra?
Naquela época, o pesquisador Marsilius
de Inghen sugeriu um experimento (imaginário)
importante. Colocando certo volume de água
intensamente fria num recipiente internamente
côncavo, totalmente fechado e completado com
ar, a condensação dessa porção de ar Figura 3 - Marsilius

supostamente deveria levar à formação de


espaços vazios no interior do recipiente. Mas (e esse “mas” era mesmo muito
importante para o Marsilius!!!), como a natureza não permitiria a formação
do vazio, seria impossível, sendo Marsilius, haver a condensação do ar. A
condensação ocorreria somente se o recipiente se quebrasse, permitindo a
entrada do ar.
Esse experimento chamou a atenção dos dissidentes, isto é, dos
pensadores que admitiam a existência do vazio, contrariando a antiga
tradição aristotélica do horror ao vazio.
Lembra que falamos que a ciência não é uma atividade isolada, mas
sim de cooperação? Pois bem, discordar também faz parte dessa
cooperação, já que a construção do conhecimento também se dá quando um
pesquisador pensa de forma diferente e parte da ideia do outro para
rejeitá-la.
Foi o que fizeram, nesse caso, os pesquisadores Telesio e Patrizi.
Eles pensaram em uma nova versão para o experimento de Marsilius. O
recipiente côncavo, fechado, estaria totalmente cheio de água. Imaginaram
que a água, ao se congelar, iria se contrair, ocupando um espaço menor
dentro do recipiente (pergunte ao seu professor: hoje em dia entendemos
que outra coisa ocorre com a água). Ficaria, então, um espaço vazio dentro
do recipiente.
Nem todo mundo concordou. Francisco de Toledo argumentou que o
espaço livre não ficaria vazio e sim cheio de “vapores sutis”. Outros
disseram que, para evitar a formação do vazio, o recipiente se quebraria. E
outros, ainda, disseram que, para evitar a formação do vazio, a água nem se
congelaria.
Que confusão!! Como é possível ter havido tantas visões diferentes!!
182

O pior... não, o melhor, é que isso não é coisa só do passado. A


existência de visões diferentes sobre um mesmo assunto foi e continua
sendo uma característica importante da ciência: pesquisadores sempre
podem discordar um dos outros...
Isso é bom sinal, sinal de que a ciência é muito rica, interessante e
humana, feita com muita criatividade e imaginação.
Você já notou que as pessoas costumam mesmo pensar de maneiras
diferentes, observam coisas a partir de diferentes pontos de vista? Pois é,
a natureza não dá respostas prontas aos pesquisadores. Eles interpretam,
concordam e discordam entre si muitas vezes. Basta examinar as notícias
sobre a ciência que você notará isso até hoje.
E a propósito... E o vazio? O que será que ocorreu depois da Idade
Média? E hoje... O que será que os pesquisadores pensam? Existe ou não
existe vazio? Cenas para os próximos capítulos...
--------------------------------------------------------------------------------
Fig. 1 – Disponível em: < http://41.media.tumblr.com/tumblr_ln2ux4Buc81qfoty5o1_500.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 2 – Disponível em:< http://www.biografiasyvidas.com/biografia/t/fotos/telesio.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 3 – Disponível em:< http://www.uniarchiv.uni-heidelberg.de/b-a/ba/images/bild_17.jpg>.Acesso em 11 mai. 2014.
183

Anexo 3
184

Texto F - O vazio na Revolução Científica – Parte 1


Ao longo do século XVII, na chamada Revolução Científica, as
discussões sobre o vazio continuaram e tomaram novos rumos... rumos
inesperados que acabariam provocando uma ruptura com a visão de que a
natureza tinha horror ao vácuo. Vamos lá, então, entender nesse texto e no
próximo como isso ocorreu.
Pouco depois da chegada dos portugueses ao Brasil, vários
pesquisadores na Europa estavam dizendo que o ar tinha peso e pressionava
as coisas. É claro que essa ideia não surgiu de uma hora para outra. Você já
deve ter notado pelos outros textos que as ideias na ciência não brotam de
repente. Tudo depende de esforço, trabalho e
discussões que envolvem muitos pesquisadores.
Nesse caso não foi diferente.
No século XVI, partindo de textos bem
antigos, de Arquimedes, um pesquisador chamado
Simon Stevin estudou o que chamamos de
hidrostática e afirmou que os corpos imersos na
água eram pressionados por todos os lados (os
mergulhadores em oceanos profundos sofrem com
isso!). Certo, essa é uma conclusão sobre a água...
Mas como vamos chegar ao ar e depois ao horror ao
Figura 1 - Stevin vácuo? O que isso tudo tem a ver?
Naquela época, Isaac Beeckman, um aluno de Stevin (olha aí a
cooperação na ciência), realizou um importante raciocínio. Ele usou uma
analogia, um tipo de pensamento muito importante na ciência: se a água
pressiona os corpos que nela estão imersos, o ar deve fazer o mesmo. Os
corpos devem ser pressionados de acordo com a
coluna de ar acima deles: “Estamos imersos em
um oceano de ar!!!!” (Uma pausa: Se há tanto ar
em cima da gente nos pressionando, por que não
somos esmagados contra a terra, então? Pergunte
ao seu professor!).
Para Beeckman, sua conclusão tinha muito
a ver com o horror ao vácuo. Adotar a ideia de
que o ar tinha peso e exercia pressão (isto é, o
novo fundamento teórico) poderia causar uma
Figura 2 - Beeckman
revolução no modo como certos fenômenos eram
interpretados. Não é difícil entender. Beeckman
pensou assim... As coisas não “correm” para
185

preencher espaços vazios porque a natureza tem horror ao vazio e quer


evitá-los. As coisas são pressionadas pelo ar, são empurradas pelo ar em
direção aos espaços vazios. Então, o que ele estava dizendo era bem
profundo: fenômenos que antes eram explicados pelo horror ao vazio
poderiam ser explicados de outra forma, pela pressão exercida pelo ar.
Reparou em como isso é profundo mesmo? Os fenômenos podem ser
interpretados de diferentes maneiras. É isso o que fazem os pesquisadores.
E nesse processo de interpretação, as opiniões podem ser diferentes.
Isso ocorreu com Beeckman. Nem todo mundo concordou com ele. A
tradição do horror ao vácuo era forte. Lembra que ela vinha lá da
Antiguidade, quase dois mil anos de uma tradição com poucos dissidentes?
Vamos, então, ver uma situação bem legal, conhecida como o caso do
“sifão inoperante” em que um pesquisador usou uma ideia como a do
Beeckman e outro apresentou uma visão diferente sobre um mesmo
fenômeno.
Mais ou menos na mesma época do Beeckman, Giovanni Baliani
escreveu uma carta para Galileu Galilei (você já deve ter ouvido falar sobre
ele!) pedindo ajuda para solucionar o problema de um sifão que deveria
elevar água até uma colina de 21 m de altura, mas não funcionava (por isso o
nome “inoperante”).
Galileu respondeu de um modo bem interessante. Para ele, a água se
elevava no sifão devido à “força do vácuo”!
Calma, calma... A ideia não é tão
complicada quanto parece. Vou usar uma analogia
para que você entenda melhor. Já viu quando a
gente mastiga uma goma de mascar e tenta
esticá-la? Podemos esticá-la, esticá-la... até que
chega um ponto crítico e ela se rompe, não é?
Isso pode nos ajudar a entender o pensamento de
Galileu.
Figura 3 – Galileu Para ele, a água ia subindo, subindo,
subindo pelo cano... isso ocorria porque as porções
da água tendiam a ficar juntas, coladinhas, e o vazio era evitado. Mas havia
um ponto crítico no qual a coluna de água se rompia (como a goma de
mascar!). Para Galileu, era impossível “esticar” a água até 21m de altura.
Baliani deveria desistir: o sifão não funcionaria nunca!
Baliani recebeu a resposta e não concordou com a explicação do
colega, embora também achasse que deveria desistir do sifão. A explicação
de Baliani era semelhante ao que Beeckman havia proposto. O ar atuava na
186

superfície do reservatório, pressionando a água, forçando-a a subir pelo


tubo. No entanto, como a própria água também tinha peso, a pressão do ar
conseguiria fazer com que ela fosse elevada até certa altura limite. O sifão
não funcionaria além desse limite.
É... se pensarmos no que aceitamos hoje diríamos que Galileu errou
feio e Baliani estava certo. Mas não é muito legal a gente dizer isso. Melhor
a gente tentar se aproximar do contexto da época, tentar entender a
diversidade de pensamentos, sem apontar heróis e vilões.
Não dá para a gente olhar para o passado com os nossos olhos de
hoje, considerando que bom é quem se aproximou do que aceitamos... Afinal,
quem disse que estamos certos, isto é, que nossas interpretações são
definitivas? A beleza da ciência é justamente não haver essa certeza. O
conhecimento científico é provisório.
E, por falar em mudanças, muitas virão no segundo texto sobre a
Revolução Científica... Aguardem!
---------------------------------------------------------------------------------
Fig. 1 – Disponível em:< http://mathsforeurope.digibel.be/images/stevin.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 2 – Disponível em:< https://fbcdn-profile-a.akamaihd.net/hprofile-ak-xaf1/v/t1.0-
1/c36.36.444.444/s160x160/405120_115403668592351_2592164_n.jpg?oh=8de18474cebd7534d90bdc63d5baa82f&o
e=55D4BFCA&__gda__=1440261377_5d4bdca25ac38b5830dab2d3060929ca>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 3 – Disponível em:< http://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2008/07/galileu.jpg>. Acesso em 11 mai. 2014.
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Texto G - O vazio na Revolução Científica – Parte 2


Como vimos no texto passado, no período da Revolução Científica
alguns autores, como Beeckman e Baliani, vinham afirmando que o ar tinha
peso e exercia pressão. A partir dessa afirmação, eles propuseram outras
explicações para fenômenos que até então vinham sendo explicados pelo
horror ao vácuo.
Por exemplo, explicava-se a subida de um líquido por um canudo a
partir do pressuposto de que a natureza fazia de tudo para evitar a
formação do vazio. Nesse caso, o líquido subia pelo canudo para ocupar o
espaço vazio deixado pelo ar sugado pela pessoa que tentava bebê-lo.
Mas, usando a nova afirmação era possível descrever o mesmo
fenômeno de outra maneira. O ar exercia pressão sobre a superfície do
líquido. Quando alguém usava o canudinho, ocorria certa diferença de
pressão. O líquido era empurrado para cima pela coluna de ar que repousava
sobre a superfície do recipiente e, então, subia pelo canudo.
Essa era uma explicação alternativa na época. O horror ao vazio era
predominante e as discussões sobre a existência do vazio prosseguiam...
Sobre isso ainda no século XVII um experimento simples e muito
interessante foi idealizado por Rafael Magiotti e realizado por Gasparo
Berti. Tudo começou com uma ideia que vimos nosso texto anterior. Baliani e
Galileu perceberam que a água num tubo se elevava até um certo limite. Esse
limite era de cerca de 10 metros.
Berti, então, fez um tubo bem longo, equivalente a um edifício de
dois andares. O tubo não pôde ser vidro, pois não havia tecnologia na época
para produzir um tubo de vidro desse tamanho. O tubo era de chumbo com
uma torneira na parte inferior. Foi enchido com água e colocado em um tonel
também com água. Quando a torneira foi aberta, a água desceu pelo tubo,
permanecendo nele uma coluna com aquela altura máxima já prevista.
Até aí tudo certo, mas e o que havia ficado acima da coluna de água?
Não era possível enxergar o conteúdo do tubo, uma vez que o mesmo
era de chumbo. Então um fio foi inserido pelo tubo e foi possível
argumentar que havia um espaço vazio em sua parte superior.
Para apoiar essa ideia, um balão de vidro cheio de água, com uma
torneira na extremidade, foi acoplado à lateral dessa parte superior do
tubo. Quando a torneira foi aberta a água preencheu o tubo completamente.
Esse fenômeno indicaria que antes a parte superior do tubo estaria vazia.
188

No entanto, a discordância
prosseguiu. Houve quem afirmasse que o
tubo teria poros por onde entraria e sairia
um fluido sutil. Nesse caso, ao abrir a
torneira, o fluido sairia pelos poros do
tubo e a água tomaria o seu lugar.
Variações do experimento foram
tentadas, mas os pesquisadores
continuaram divergindo.
Havia um problema. Seria
interessante visualizar o conteúdo do tubo,
mas o que poderia ser feito?
Parece que foi Galileu quem sugeriu
usar mercúrio no lugar da água. Como o Figura 1 - Experimento de Berti
mercúrio era mais denso que a água, Galileu
imaginava que a coluna máxima de mercúrio seria bem menor do que a de
água. Nesse caso daria até para usar um tubo de vidro e foi o que Torricelli,
discípulo de Galileu, fez. O experimento ficou bem mais simples e portátil.
Esse seria o famoso experimento de Torricelli.
Nos nossos livros de Física costuma ser dito que Torricelli fez esse
experimento com a intenção de medir a pressão atmosférica. Mas não foi
exatamente assim
Ele não acordou um belo dia e disse
simplesmente: hoje vou medir a pressão
atmosférica, vou usar um tubo de vidro, tem
água aqui em casa, mas vou procurar
mercúrio (que é difícil de conseguir)...
Veja que isso não faria sentido!!!
Ninguém acorda e do nada sai fazendo
experimentos estranhos, não é?
Torricelli estava interessado, na
verdade, na discussão da moda na época: o
tubo estava ou não vazio.
Figura 2 - Torricelli
Ele conhecia o experimento com a
água porque esse já era famoso. Foi influenciado por Galileu para trocar a
água pelo mercúrio. E já conhecia a ideia de que o ar tinha peso e exercia
pressão. O pensamento de Beeckman e Baliani não era bem aceito na época,
mas os pesquisadores comentavam.
189

Veja, então, que ciência é uma atividade de cooperação e não


individual. Torricelli não fez tudo sozinho, do nada. Bem, e quais, então,
foram as impressões dele?
Ele considerava que a parte de cima do tubo devia estar vazia,
porque ela podia ser novamente preenchida por líquido. Nesse caso ele não
estava dizendo nenhuma grande novidade, pois esse argumento já existia no
experimento com água e tubo de chumbo.
E quanto à sustentação da coluna de mercúrio, como Torricelli
explicava esse fenômeno?
Bem, mesmo sabendo que essa explicação não era a mais aceita na
época, Torricelli afirmou que o mercúrio era empurrado pelo tubo pelo ar
que pressionava a superfície do recipiente.
Havia quem dissesse que o vazio no topo do tubo exercia um puxão
limitado sob o mercúrio. Como o mercúrio era mais denso que a água, esse
puxão conseguia elevar uma coluna menor de mercúrio do que de água.
Podia até ser, mas Torricelli pensou então no seguinte: se isso for
verdade quanto maior o espaço vazio acima do tubo, maior será a coluna de
mercúrio, isto é, mais mercúrio será atraído.
Então ele resolveu fazer a parte superior do tubo de diferentes
formatos e tamanhos para ver no que dava. E percebeu que a coluna de
mercúrio permanecia a mesma, qualquer que fosse o tamanho ou formato
dessa parte.
Para Torricelli, não é que ele
tivesse descartado o horror ao vácuo,
mas sim que a explicação baseada na
atuação da pressão atmosférica era
suficiente. Para ele, o horror ao vácuo
já não era mais necessário.
Será que o experimento de
Torricelli pôs um ponto final nesse
dilema? De modo algum! Nem para o
próprio Torricelli, como ele mesmo
reconheceu. E muitos outros
pesquisadores continuaram estudando
o assunto. Figura 3 - Experimento de Torricelli

Como a pressão atmosférica varia com a altitude houve a sugestão


de realizar o experimento de Torricelli ao longo da subida de uma montanha.
Então, quando se notou que a coluna de mercúrio ficava cada vez menor ao
190

longo da subida da montanha alguns disseram: está comprovado que é a


pressão do ar que sustenta a coluna e não o horror ao vácuo!
Será? Estava mesmo comprovado?
Bem, experimentos não falam e as divergências continuaram porque
havia a possibilidade de outra interpretação: o puxão do vazio na parte
superior do tubo talvez variasse com a altitude.
Mas e então... O que aconteceu?
Com o passar do tempo, as explicações alternativas caíram em
desuso e prevaleceu aquela que costumamos encontrar em nossos livros. Pois
é, as coisas não foram tão simples como se costuma dizer por aí...
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Fig. 1 – Disponível em:< http://bibliotecadigital.ilce.edu.mx/sites/ciencia/volumen3/ciencia3/131/htm/sec_5.htm>. Acesso em 11
mai. 2014.
Fig. 2 – Disponível em: < http://fineartamerica.com/featured/3-evangelista-torricelli-granger.html>. Acesso em 11 mai. 2014.
Fig. 3 – Disponível em:< http://2pi.com.ar/torricelli.html>. Acesso em 11 mai. 2014.
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APÊNDICE III: SLIDES UTILIZADOS NA PRIMEIRA PARTE DO


CURSO DE EXTENSÃO
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APÊNDICE IV: SLIDES UTILIZADOS NA SEGUNDA PARTE DO


CURSO DE EXTENSÃO
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