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Penser la Bible, trad. francesa por Aline Patte, Éd. du Seuil,Paris, 1998.
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Perante o número interminável de definições de cultura, servimo-nos da que
apresenta a Constituição Pastoral Gaudium et Spes (n.° 53), não obstante o seu teor
prolixo, bem como o seu acentuado antropocentirsmo: «A palavra 'cultura' indica,
em geral, todas as coisas por meio das quais o homem apura e desenvolve as múlti-
plas capacidades do seu espírito e do seu corpo; se esforça por dominar, pelo estudo
e pelo trabalho, o próprio mundo; torna mais humana, com o progresso dos costu-
mes e das instituições, a vida social, quer na família quer na sociedade civil; e, final-
mente, no decorrer do tempo, exprime, comunica aos outros e conserva nas suas
obras para que sejam de proveito a muitos e até à inteira humanidade, as suas grandes
experiências espirituais e as suas aspirações.»
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Cf. sobretudo o capítulo III.
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JOÃO PAULO II, 1998. A relação entre a fé e as culturas merece uma reflexão
específica (n.° 70).
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M . H E I D E G G E R , quase a terminar o seu ensaio Ciência e Reflexão (Wissenschaft
und Besinnung), considera que a idade da cultura acabou, pelo facto de uma outra
era ter surgido, que abre as portas em direcção ao ser.
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Fides et Ratio (n. os 3, 16) privilegia, entre os saberes, a filosofia, além de
aproximar tanto esta como a Bíblia da sabedoria dos povos.
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«Porque a energia que a Igreja pode insuflar à sociedade actual consiste
nessa fé e caridade efectivamente vividas e não em qualquer domínio externo,
actuado com meios puramente humanos. Além disso, dado que a Igreja não está
ligada, por força da sua missão e natureza, a nenhuma forma particular de cultura
ou sistema político, económico ou social, pode, graças a esta universalidade, consti-
tuir um laço muito estreito entre as diversas comunidades e nações (...).» (Gaudium
et spes, n.° 42; ver também Encíclicas Centesimus annus, n.° 50, Redemptoris missio,
n.° 39, Fides et Ratio n. u 12). A Carta Encíclica Ratio et Fides aprofunda a relação
entre o cristianismo e as culturas, insistindo preferentemente na sua recíproca cola-
boração (n. os 16,23), considerando que as culturas estão abertas à Transcendêncis e
à revelação divina (n. os 70,71). O Evangelho desenvolve o que nas culturas subsiste
virtualmente (n.° 71), desencadeando nas culturas novos progressos (n.° 71), mas
não aceita que as culturas sejam critério de juízo último de verdade (n.° 71).
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«Ela [a Igreja] aprendeu, desde os começos da sua história, a formular a
mensagem de Cristo por meio dos conceitos e línguas dos diversos povos, e procurou
ilustrá-la com o saber filosófico. Tudo isto com o fim de adaptar o Evangelho à capa-
cidade de compreensão de todos e às exigências dos sábios.» (Gaudium et spes, n." 44).
Fides et Ratio (n.° 61) refere-se mesmo à inculturação da fé.
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A Constituição Dogmática Dei Verbum (n.° 2), do Concílio Vaticano II, chama
a atenção para a amplitude da revelação, que excede a palavra: «Esta 'economia' da
revelação realiza-se por meio de acções e palavras intimamente relacionadas entre
si, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifes-
tam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas palavras; e as pala-
vras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido.»
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Os gestos são como as palavras naturais de toda a gente (Confessionum
1,8,13).
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«Plusieurs raisons contraignent le théologien chrétien à tenir compte de ce qui
se passe aujourd'hui dans le champ des études linguistiques. Exigences et instruc-
tions rassemblées à partir d'une théologie de la parole.» (P. Ricœur, Les Incidences
théologiques des Recherches actuelles concernant le Langage, Paris, 1974, p. 5).
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«Une phénoménologie n'épuise pas le langage; nous avons à rendre compte
de la puissance de la parole, de la puissance de dire. Or cette puissance de dire et
l'acte de dire ne s'épuisent ni dans la structure de ses éléments, ni même dans l'inten-
tion des sujets parlant. On vient au langage; ne pas se laisser embastiller dans le
monde des signes. L'acte de dire est lui-même une modalité de l'être qui suppose une
constitution de l'être tel qu'il puisse être signifié» (P. Ricœur, ibidem, p. 15).
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Prescindimos, em face dos propósitos desta reflexão, da ideia de aliança, que
pode ser também uma das entradas fundamentais para a leitura da Bíblia.
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O saber teológico tem-se ocupado da questão que pergunta pelos motivos da
encarnação do Verbo. No período da escolástica, sobressaiu a doutrina de João Duns
Escoto, sobre o Primado de Cristo, que não condiciona a encarnação ao pecado e
consequente redenção. J. A. M. Camino, Evangelizar la cultura de la libertad,
Mardrid, 2002, pp 162s. aborda o mesmo tema, aludindo a uma distinção proposta
por L. Ladaria, Antropologia Teológica, Casale Monferrato, 1995, p. 47, em que este
autor distingue dois conceitos, salvação e redenção, conferindo ao primeiro um signi-
ficado mais amplo, o de conformação com Cristo, do que uma simples redenção,
perante o pecado.
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«Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo (cf. Jo 1,3), oferece
aos homens um testemunho perene de Si mesmo na criação (cf. Rom 1,19-20) e,
além disso, decidindo abrir o caminho da salvação sobrenatural, manifestou-se a Si
mesmo, desde o princípio, aos nossos primeiros pais. Depois da sua queda, com
a promessa da redenção, deu-lhes a esperança da salvação (...).» (Constituição
Dogmática Dei Verbum n.° 3).
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0 texto da Constituição Dogmática Lúmen Gentium (n.° 2) apresenta a ordem
da acção de Deus ad extra: «O eterno Pai, pelo libérrimo e insondável desígnio da Sua
sabedoria e bondade, criou o universo, decidiu elevar os homens ã participação da
vida divina e não os abandonou, uma vez caídos em Adão (...).»
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De libero arbítrio III, VI-VIII. O próprio Deus não permite que pereçam os
que se destroem reciprocamente (Soliloquia 1,1,2).
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Na nossa contemporaneidade, sobressai a especulação de Michel Henry, um
fenomenólogo, cuja primeira grande obra se intitula precisamente L'essence de la
manifestation, Paris,1963, rumando, depois, nos últimos escritos, em direcção ao
cristianismo: C'est moi la vérité. Pour une philosophie du christianisme, Paris, 1996, e
Incarnation. Une philosophie de la chair, Paris, 2000.
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«Moisé disse a Deus:'Quando eu for ter com os filhos de Israel e lhes disser
que o Deus de seus pais me enviou para junto deles, se me perguntarem qual é o seu
nome, que lhes responderei? Deus disse então a Moisés:'Responderás o seguinte - Eu
sou Aquele que sou» (Ex 3, 13-15).
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E. Gilson é o pensador que mais aprofunda o impacte de Eu sou Aquele que
sou na filosofia, c h a m a n d o a atenção para a sobreposição do acto de ser relativa-
mente à essência, com particular incidência na metafísica de S. Tomás de Aquino
(L'être et l'essence, Paris, 1948). Progressivamente, contudo, o célebre medievalista
foi atenuando as suas interpretações a este respeito. De qualquer modo, o referido
passo do Êxodo conduziu a uma notável inflexão da metafísica, privilegiando o eixo
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O gnosticismo e o maniqueísmo c o n t r a p õ e m os dois Testamentos, o Antigo e
o Novo, precisamente porque, no primeiro, avulta o Deus criador, fonte de todos os
males, ao passo que o segundo nos a p r e s e n t a o Deus redentor, de que carecemos.
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Quem vive na fé, esperança e na caridade, n ã o precisa das Escrituras, a não
ser para instruir os outros (De doctrina Christiana 1,39,43.).
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Dum modo enviesado embora, L. Feuerbaeh, captou a diferença cristã, ao
dar relevo ao indivíduo, prescindindo da relação das estruturas culturais (Das Wesen
des Christentums 1,16).
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Na história do processo de elaboração de uma ciência da cultura, constitui
obra de referência o texto de. B. Malinowski, A scientific theory of culture and other
essays, Carolina, 1944.
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Nota E. Beaucamp que o cristianismo está presente em muitas culturas,
enquanto as outras religiões se circunscrevem a uma cultura determinada (La Bible
et se sens religieux de l'univers, Paris, 1959, p. 455).
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«Ergo Domine, non solum es quo maius cogitari nequit, sed es quiddam
maius quam cogitari possit» (Santo Anselmo, Proslogion XV).
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Gaudium et spes (n.° 58) refere-se m e s m o aos nexos entre a m e n s a g e m de
salvação do cristianismo e das culturas, mas Fides et Ratio (n. u 70) nota que a salva-
ção da fé é diferente da das culturas.