Camilacuqui Zinessérie Meia 16abr2021 2
Camilacuqui Zinessérie Meia 16abr2021 2
Camilacuqui Zinessérie Meia 16abr2021 2
Centro de Artes
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
Especialização em Percursos Poéticos e Educação
Zinessérie Meia:
Autopublicação e financiamento coletivo contínuo
Camila Cuqui
Pelotas, 2020
2
Camila Cuqui
Zinessérie Meia:
Autopublicação e financiamento coletivo contínuo
Pelotas, 2020
Camila Cuqui
Banca Examinadora:
Agradecimentos
À Rafaela Inácio, que além de me ajudar com seu belo léxico das artes
visuais no campo acadêmico no decorrer deste trabalho, esteve sempre presente
nesta monografia e na zinessérie, aparece sempre e às vezes constrói comigo as
zines. Obrigada pelas conversas, pelas ideias, por tudo que você me fez ver no
trabalho e em mim. A nossa loja & editora TECLA é a realização do meu sonho
profissional de adolescente. Ter ao meu lado essa artista incrível que é a Rafa, pra
somar e dividir, é a realização de mais um, o que faz de mim uma mulher muito feliz
e com dois sonhos realizados.
À Kelly Wendt, apoiadora da campanha, por ter anos antes me encontrado
perdida no Centro de Artes e me levado ao ateliê de gravura. Naquela prática e
depois, como monitora daquele espaço, eu conheci quase tudo o que é importante
para mim como artista hoje. A nossa amizade me fez acreditar de novo na academia
e nas trocas possíveis neste espaço. Por isso, mais ninguém poderia ter orientado
este trabalho. Agradeço que você seja essa pessoa que não poupa esforços para
ajudar e por ter topado a empreitada nesse semestre atípico.
À minha banca, Carolina Rochefort e Bitisa Mascarenhas, respectivamente a
orientadora do meu trabalho de graduação e a apoiadora mais assídua da
campanha de financiamento há anos. Cada uma de vocês fez parte deste processo,
despertou múltiplas questões e agora será uma honra poder incluir as referências
de vocês nessa nova troca.
6
Resumo
Abstract
In the following monograph the zine' series MEIA is presented: nine consecutive
autobiographical volumes written by Camila Cuqui, which became real through
continuous crowdfunding. With reference to PALMER and through the online
platform apoia.se, the work sets up an alternative to the shortage of space in the
market. The narratives of the zines themselves give rise to discussions, which
accompany FOUCAULT, BENJAMIN, DIDI-HUBERMAN, SILVEIRA, VALIATI,
MEIRELES and MAGALHÃES to think about self-publishing on the internet.
Sumário
Introdução 09
1. Antecedentes 15
2. MEIA: definições e procedimentos 21
2.1. MEIA 1 e a escrita de si 23
2.2. MEIA 2, MEIA 8 e a perda da aura 26
2.3. MEIA 3D, MEIA 5 e a página recortada 29
2.4. 19 MEIA 4, MEIA 7 e o pessoal é político 33
2.5. MEIA 6, MEIA extra e as minhas peles 37
3. Considerações sobre publicação e internet 40
4. Conclusão 48
5. Referências 52
9
Introdução
Behold the world's worst accident
I am the girl anachronism
The Dresden Dolls - Girl Anachronism
O termo fanzine veio da língua inglesa: é a mistura das palavras fanatic (fan
= fã) e magazine (revista). Ou seja, em sua origem fanzine significaria
revista de fã. Stephen Duncombe (2008) ainda em 1997 percebeu que tal
definição já não abarcava o fenômeno, posto que poucos zines hoje são
feitos por pessoas no sentido de idolatrar algo ou alguém, mas sim de criar
e opinar a tratar dos mais diversos temas e através de diferentes formatos e
linguagens. Duncombe (2008) considera os fanzines uma subcategoria,
assim como os zines de quadrinhos, zines de viagem, zines-catálogos,
entre muitos. Concordo com o autor e adoto o termo zine. Embora os zines
existam desde a década de 30, foi apenas há cerca de vinte anos que
zineiros passaram a refletir sobre suas práticas produzindo saberes a
respeito do tema em universidades.
Este texto é uma reflexão sobre uma prática que eu mesma construí,
portanto, ele é colocado sempre em primeira pessoa. A prática a que me refiro - a
de enviar zines por correio em troca de dinheiro através de uma plataforma online -
começou fora do campo acadêmico e retornou à ele. Antes disso, quase me
convenci que o trabalho não pertencia a este espaço, mas escrevi o projeto para a
especialização tentando perceber potência nos mesmos aspectos onde antes via
fraqueza.
1
Apoiadores ou apoiers são as pessoas que subsidiam financeiramente a continuidade do trabalho
através da campanha no site apoia.se.
10
2
Segundo a Wikipédia, boletim informativo (newsletter em inglês) é um tipo de distribuição regular a
assinantes e que aborda geralmente um determinado assunto.
11
3
Termo amplamente conhecido, proveniente do inglês, crowd = multidão; funding = financiamento.
14
1. Antecedentes
Uma das mais importantes características dos fanzines é que seus editores
se encarregam completamente do processo de produção. Desde a
concepção da ideia até a coleta de informações, diagramação, composição,
16
Fica óbvio que esse estilo de vida exige aprendizado constante e causa uma
sobrecarga, assim, meu site não durou muito, as coisas demoraram para funcionar
e nunca me deram real retorno. De uns tempos para cá, porém, muitas coisas
mudaram.
Plataformas online estão inovando cada vez mais as formas antigas de fazer
sites, lojas, portfolios. São muitas as opções pra quem procura um lugar ao sol
online. Há anos o crowdfunding ganha espaço na produção cultural mundial. É uma
forma direta de unir pessoas online para obter capital para realizar projetos, assim,
livros, quadrinhos, canais, ações filantrópicas e ambientais se tornam realidade sem
o intermédio de editoras e patrocinadores. Em troca do apoio, normalmente se
recebe recompensas, além da própria existência de projetos diferenciados dos quais
se acredita. PASCHOAL (s/d), criadora da Kickante4, relata em sua coluna no blog
da plataforma que desde o século XVII livros são feitos por crowdfunding, mas que o
primeiro grande projeto a se estruturar como tal foi a arrecadação de 100 mil dólares
doados por mais de 125 mil contribuintes para a construção e instalação da estátua
da liberdade nos Estados Unidos em 1884. Quem encabeçou a ação foi o editor do
jornal New York World, Joseph Pulitzer.
Para falar sobre esse tipo de financiamento coletivo e suas implicações, trarei
Vanessa Amália Valiati, num artigo publicado na revista da comunicação da
Unisinos, que relaciona os financiamentos coletivos com a indústria cultural; e
Amanda Palmer, artista, cantora e compositora, que além de ídola da adolescência
e referência para a vida, foi o centro de uma grande polêmica depois de obter uma
arrecadação maior que a esperada para o financiamento de seu disco.
4
um dos sites que oferece o serviço de financiamento coletivo pontual no Brasil.
17
5
Segundo a Wikipédia, site de financiamento coletivo contínuo, que oferece ferramentas para
criadores gerenciarem serviços de assinatura de conteúdo, bem como formas para os artistas
construírem relações e proporcionarem experiências exclusivas para os seus assinantes, ou
"patronos." Fundado em 2013 pelo artista e YouTuber Jack Conte.
18
E se a primeira página
desse livro fosse a última, com ele começando pelo fim? Uma página,
digamos, -320? E depois uma -319, -318 e assim por diante? Isso nunca
(ou quase nunca) acontece. Isso pode ser considerado uma violação tanto
das práticas do bom senso (ou do consenso) como das normas escritas. É
uma violação da ordem. Um livro com o menor grau de violação já causa
estranhamento, para qualquer público. Essa é a premissa do livro de artista
contemporâneo, como o equilíbrio o foi dos seus antecessores.
6
Site de compras internacional semelhante ao Mercado Livre.
22
"dor nas costas, mas os músculos se apertam pelo certo / isso é talvez o
que anoto da vida pra que me lembre mas minha visão já é o acontecido
todo torto então acho que assim compartilho um pouco do que procuro/"
7
Do inglês: notícias falsas. Difíceis de combater, configuram uma estratégia política atual.
8
Segundo a Wikipédia, Ethos é o conjunto de traços e modos de comportamento que conformam o
caráter ou a identidade de uma coletividade.
26
9
Segundo a Wikipédia, YouTube é uma plataforma de compartilhamento de vídeos com sede em
San Bruno, Califórnia.
10
.gif é uma extensão de formato de arquivos que reproduz vídeos de poucos frames por segundo.
27
A relação que este autor português faz com Walter Benjamin justamente
coloca a atualidade como a completa radicalização do caso da crise de autoria da
obra de arte perante sua reprodutibilidade.
A MEIA 8 fala um pouco da reprodutibilidade e das novas tecnologias quando
descreve o processo de montagem dos volumes.
Escrita para ser o fim da zinessérie, depois se torna a penúltima,
ultrapassada pela MEIA extra (da qual falaremos mais tarde). Com rabiscos de
pastel oleoso preto e recortes até que discretos do Guernica, de Picasso, essa zine
declara o fim da MEIA: "De um a oito / vou pensar no que houve / o mesmo e outro
28
está por vir" (CUQUI, 2020, p. 5). Já pensando neste texto, eu decidi encerrar a
zinessérie como ela se configurava, no intuito de pensar as reverberações e
formatos dela, encerrando assim, o objeto de estudo desta monografia.
A campanha, no entanto, continua ativa em http://apoia.se/tecla, onde outras
zines estão sendo desenvolvidas mensalmente para os apoiadores por lá, agora
com a alcunha da nossa loja virtual/ateliê, quem apoia hoje recebe também títulos
da Inácio Rafaela, ou Rafa, muito citada ao longo deste texto, minha namorada e
sócia.
29
O que chama a atenção dele, mais tarde, são objetos quase escultóricos
"inaceitáveis para o mundo da bibliofilia". Apesar do formato da zinessérie ser quase
11
Termo que a cultura pop utiliza para designar fotos tiradas de si mesmo.
12
Ruído é uma textura granulada utilizada como filtro fotográfico digital.
13
Software livre do Google para criar objetos e cenários 3D.
14
Editor de imagens vetoriais comercializado pela Adobe Systems.
30
sempre um livro com suas características formais, algumas vezes as propostas têm
o intuito de instigar os limites que abrangem esse suporte. O terceiro é
descaradamente o mais descaracterizado de todos os volumes, mas também se
dispunha a ser uma zine mais rentável possível para o projeto depois das
dificuldades do volume anterior. Com isso, resolvi explorar as escritas digitais no
vídeo em vez das impressas, mas, pra mim, mantive o objeto-livro através dessa
página única e recortável, que tem em si a possibilidade de se transformar num
pequeno sólido geométrico de papel como na imagem acima. SILVEIRA (2008, p.
23) também fala sobre a página, em si, como a menor unidade do livro quando
define seu objeto de estudo:
Este volume foi escrito entre o primeiro e o segundo turno das eleições
presidenciais no Brasil em 2018. Numa mistura de esperança com tristeza e
distopia, é a maior zine de todas, tem um aspecto de revista, com 16 páginas
tamanho A4. O título 19 MEIA 4 é uma referência à data do golpe militar que deu
início à ditadura no Brasil, em 1964. Por suas páginas: o número de telefone do
caminhão de mudanças mais barato de Pelotas na época, espaços internos, várias
Tatianas15, o dia que a Rafa posou para a disciplina de Desenho da Figura Humana
e figurinhas de agendas e cadernos escolares.
A narrativa presente na 19 MEIA 4 tenta evidenciar como as ações cotidianas
são políticas. Apesar do Brasil, "você me abre seus braços e a gente faz um país"
da Marina Lima é uma das últimas frases presentes. A última é "no fundo só
desenhe seu amor" (CUQUI, 2018, p. 15).
Criar é resistir, nos sopra Deleuze (1992). Fazer zines é um ato político, de
micropolítica. [...] Zines como bombas-caseiras, artefatos fabricados em
casa para explosões internas. Assim como as missivas. O que esperava eu
15
Nossa cachorra.
34
Fernanda Meireles fala sobre as Missivas, zines de autoria dela, mas essas
explosões são aplicáveis ao ato de fazer zines em si. O pensamento "personal is
politics" é um ponto no livro de DUNCOMBE (2008), mas esse discurso reverbera
de forma orgânica entre os fazedores de zine. Esse vaivém entre o pessoal e o
político é visível na narrativa desse volume, mas está presente - por vezes de
maneira mais ou menos implícita - em todas as escritas.
As pesquisas que tem como tema as mulheres lésbicas acabam encontrando
dificuldade metodológica: a falta de registro histórico é notável, mas o apagamento
muitas vezes é mais sutil e bastante eficiente ainda assim: as perseguições sociais
que as lésbicas sofrem desde à infância também as mantém numa intensa
Síndrome do Impostor16, o que não facilita a produção de materiais de pesquisa.
Segundo AGUIAR (2017, p. 15-16):
16
Segundo a Wikipédia, é um fenômeno pelo qual pessoas capacitadas sofrem de uma inferioridade
ilusória, achando que não são tão capacitados assim e subestimando as próprias habilidades.
35
foi escrito pela própria Úrsula. Nele, a mitologia grega de Perseu é utilizada para
fazer uma metáfora da forma como a arte pode funcionar como um espelho para a
realidade, assim como o escudo que pertence à Perseu. A Medusa transforma em
pedra qualquer um que a direcione o olhar, mas é derrotada pelo semideus, que se
37
guia pelo reflexo do escudo e, sem fixar seus olhos na deusa diretamente, corta sua
cabeça. A realidade seria, então, essa deusa cruel, e a arte o escudo através do
qual o artista consegue observar e inclusive modificar a realidade, sem que ela o
transforme em pedra.
A zine termina assim: “Uma esperança de que criar imagens lance / Fogos de
artifício silenciosos / no cotidiano opressor” (CUQUI, 2020, p. 8)
de mim.
Eu me desenho numa
espécie de casulo que me
lembra um palanquim (Figura à
direita), uma carruagem que
pertence às Diamantes no
desenho Steven Universo
38
Por trás da maioria das mais sofisticadas pesquisas sobre grandes artistas,
mais especificamente a monografia de história da arte que aceita a ideia do
grande artista em primeiro plano e as estruturas sociais e institucionais nas
quais ele tenha vivido e trabalhado como meras influências secundárias ou
apenas pano de fundo, se esconde a ideia do gênio que possui, em si,
todas as condições para o êxito próprio. (NOCHLIN, 2016, p. 19)
17
Sigla da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas.
41
A figura do artista é distorcida pelo dom divino, ideia que também dá suporte
à precarização de todo trabalho criativo. A maior parte dos artistas sempre precisou
resistir: pouquíssimos são absorvidos em circuitos que permitem algum tipo de
validação.
A resistência que é intrínseca à zine não é novidade. Contendo os discursos
mais diversos na sociedade, esses livros tem a capacidade de unir públicos
pequenos e potentes. Em seu livro, o publicitário Yuri Amaral também coloca
fanzines como um recurso de resistência identitária:
18
Termo amplamente utilizado na internet para a encomendas paga de desenhos e designs autorais.
43
Os temas dos quais a Amanda fala em seu livro são tão úteis para as artes
como o são para a forma como a humanidade se relaciona em geral. Ela percebe,
depois de realizar a sua famosa fala, que ela havia afetado não apenas os músicos
ou os produtores de cultura: ela falava com uma população desesperada por se
comunicar, por se abrir, por ser visto e aprender a pedir ajuda quando preciso.
sobre a profissão perpetuam uma lógica que nos empurra para a tal corda bamba.
Artistas são trabalhadores como qualquer outros, não devem almejar a idolatria,
mas o pagamento justo de suas atividades, o que quase nunca ocorre.
Assim, artistas são impelidos a viver no equilíbrio da ambição, na dosagem
da arrogância e da soberba, no delicado trabalho de acreditar em si mesma diante
do caos e da culpa capitalista e patriarcal, tentando desviar da fraude na
autoimagem. E, na maioria das vezes, como no meu caso, outras opressões se
entrecruzam: a minha experiência de escrita de si tenta se propor a elucidar os fatos
usuais do dia-a-dia, tentando gerar lapsos de auto compreensão e evolução
pessoal. Se tornar artista nunca é um caminho simples: há resistência constante
não apenas contra o entorno opressivo, mas também contra as armadilhas do
próprio pensamento.
Nesse sentido, Amanda incentiva seus amigos artistas a pedirem e terem
confiança em seus trabalhos, o que certamente não é uma tarefa simples. O objeto
de arte e a arte que não se encerra em objetos físicos são itens que não são
considerados de primeira necessidade: ninguém sabe que precisa de uma obra de
arte até encontrar com ela. Para chegar até alguém é preciso estar aberto a
conectar-se, senão na rua face a face, através da internet. E, ao contrário do que
pode parecer, muitas pessoas estão dispostas a pagar pelas criações, nós só
precisamos encontrar quem são estas pessoas que querem e podem ajudar:
PALMER (2015, p. 38) também cita em seu livro a passagem de Joshua Bell,
pela cidade de Washinton, D.C. O renomado violinista associa-se com o jornal
Washinton Post e, no dia seguinte de seu concerto com ingresso a 150 dólares, ele
performa a música na rua. Em um primeiro momento, parece injusto que mais de mil
pessoas passem por ele sem parar, mas Amanda faz uma leitura completamente
válida desta situação: ao observar os transeuntes no vídeo gravado naquela manhã,
a maioria estava com pressa, a caminho do trabalho, de passagem. Para apreciar
arte, é preciso um local de escuta e dedicação total para o desenvolvimento
completo da percepção. O espaço público é um local onde podem vir a acontecer
47
conexões artísticas, mas não se pode cobrar essa troca de pessoas que não se
podem dar ao luxo de parar diante de horários e compromissos rígidos.
A atividade de colocar-se artisticamente sobre um suporte é, antes de mais
nada e antes de mais ninguém, olhar para uma parte de si mesmo de fora. Essa
visualização é um desejo que sempre esteve presente na humanidade. Ver-se é um
constante exercício de autoanálise, que constrói não apenas uma poética e estética
pessoal, mas também influi em relações sociais e na construção da própria
identidade.
Registrar-se, segundo FOUCAULT, equipara-se ao ato de escrever cartas, e,
muitas vezes, é através da carta – com possível expansão na atualidade para as
comunicações virtuais – que se relata o cotidiano:
Por fim, a escrita dos movimentos interiores surge também, segundo o texto
de Atanásio, como uma arma do combate espiritual: uma vez que o
demónio é um poder que engana e que faz com que nos enganemos sobre
nós mesmos [...], a escrita constitui uma prova e como que uma pedra de
toque: ao trazer à luz os movimentos do pensamento, dissipa a sombra
interior onde se tecem as tramas do inimigo.
20
Segundo a Wikipédia, um smartphone (palavra inglesa que significa “telefone inteligente”) é um
celular que combina recursos de computadores pessoais, com funcionalidades avançadas que
podem ser estendidas por meio de programas aplicativos executados no sistema operacional.
21
Postagens de até 15 segundos, disponíveis para visualização por apenas 24h.
49
4. Conclusão
A capacidade de mediação proposta pela zine fica clara neste trecho acima.
Para os apoiadores de outras cidades, eu coloco no correio as cartas endereçadas.
Mesmo terceirizado, ali existe um “entre” bem definido e calculado. Nas entregas
que ocorrem em Pelotas de bicicleta, porém, é onde eu sinto a maior evidência
desse “entre”. Quando eu deixo a carta na caixa de alguém (esperando que ela seja
pega logo e não se molhe), a única coisa que existe no meio entre eu e meus
apoiadores é a MEIA. Essa interação direta dispensa critérios do mercado e abre a
possibilidade para um sistema alternativo de vendas que conecta o "fã" diretamente
ao artista, desenvolvendo processos cada vez mais pessoais e autorais, no
contra-fluxo, e com cada vez mais diversidade, se vê cada vez mais identificação.
Na introdução deste trabalho, falei do surgimento e das ideias iniciais da
zinessérie. No capítulo um, fiz um recorte dos antecedentes dentro da minha
22
Do inglês: faça você mesmo. É um lema do movimento punk que faz hoje muito sucesso na
internet.
50
Mais essa camada de auto observação se encerra. Olhei pros detalhes que
quis de mim, encarando e recortando a realidade. Recortei os papéis e remontei a
realidade recortada e agora olhei novamente e escrevi sobre o que fiz. Essa
camada, como todas as outras, é apenas uma peça humilde num quebra-cabeça
extremamente complexo e entrelaçado com milhares de outras histórias e criações.
51
Referências
AGUIAR, Caio Maia de. ENTRE ARMÁRIOS E CAIXAS POSTAIS: escritas de si,
correspondências e constituição de redes na imprensa lésbica brasileira. Rio
de Janeiro, 2017. 197p.
ANDRAUS, Gazy; NETO, Elydio dos Santos. Dos Zines Aos Biograficzines:
Narrativas Visuais No Processo De Formação Continuada De
Docentes-pesquisadores. In: Imaginário! n1. Grupo de Pesquisa em Humor,
Quadrinhos e Games (GPHQG) do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
da Universidade Federal da Paraíba. Disponível em: http://abre.ai/imaginario1
Acesso em: 12 de nov. 2020 às 19:05.
FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: O que é um autor? Lisboa: Passagens. 1992.
pp. 129-160. Disponível em: http://abre.ai/escritadesi Acesso em: 11 Nov. 2020 às
19:36.
TESSLER, Elisa; BRITES, Blanca (Org.). O meio como ponto zero: metodologia da
pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2002.
164p.
NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas? Edições Aurora:
São Paulo, 2016. Publicado originalmente em 1971. Tradução: Juliana Vacaro.
Disponível em: edicoesaurora.com/ensaios/Ensaio6.pdf. Acesso em 9 jun. 2020.
28p.
WOOLF, Virginia. Um Teto Todo Seu. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985. 141p.