Rodeghero J Regina
Rodeghero J Regina
Rodeghero J Regina
ABSTRACT
This article is the result of research carried out during scientific initiation, based
on whiteness’s critical studies. The main objective was to elaborate a
bibliographic review on the presence or not of the white individual in articles that
deal with Education for Ethnic-Racial Relations (ERER) in History Teaching,
using, as an analysis methodology, Michel Foucault's archeology of knowledge.
After the analysis, it was possible to conclude that in the teaching of Brazilian
History, the origin of racism is historically far from the white individual and that
racism is considered a problem only for those who suffer from it, and not for those
who benefit from it. It was observed that, although there are studies that relate
whiteness to the History classroom, they are not published in the best evaluated
journals in the field.
Keywords: Whiteness. History Teaching. Education for ethnic-racial relations.
Speech analysis.
1
Graduanda no curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail:
[email protected].
INTRODUÇÃO
2
Disponível em: ufrgs.br/aulainacabada/. Acesso em 26 jun. 2022
3
“Ensino de estudos sociais”, em tradução livre. As especificidades dessa disciplina nos EUA serão
abordadas mais adiante para não haver confusão com a disciplina brasileira de Estudos Sociais.
4
A elaboração deste referencial teórico já foi debatida e publicada anteriormente nos Anais do XII Encontro
Nacional Perspectivas do Ensino de História.
que brancos olham e retratam não-brancos, pois mesmo que haja uma empatia
do Eu sobre o Outro, ela apenas aprofunda essa binariedade e não mexe nas
posições de privilégio daquele que olha. Ela também pode ser percebida na
reatividade do branco em ser visto e apontado como ser racial, quando a lente é
revertida para ele, reatividade que pode vir na forma de negação em ouvir críticas
ou questionamentos, ou no choque em se ver como integrante fundamental das
relações desiguais de raça. Quanto à intersecção com a classe, a autora cita
uma pesquisa em que os sujeitos brancos pobres expressaram “(...) vergonha
de sua incapacidade de melhorar economicamente, apesar de sua branquitude”
(FRANKENBERG, 2004, p. 330, grifos no original), um indício de que a
branquitude significaria a garantia de uma posição de privilégio.
Não raramente, observou a autora, o simples ato de desinvisibilizar a
realidade de privilégio do branco não é o suficiente para que os brancos queiram
agir contra ela: ora, a consciência de raça não necessariamente se relaciona
com o anti-racismo, fato que a autora denominou de “reconhecimento racial
evasivo quanto ao poder” (FRANKENBERG, 2004, p. 332). O argumento denota
a negação de uma branquitude marcada para que o sujeito branco não precise
se reconhecer como o lado opressor das relações de raça, usando muitas vezes
um discurso defensor do mérito.
É nesse ponto que Maria Aparecida da Silva Bento, psicóloga negra
brasileira, aproxima o conceito da realidade do Brasil. De acordo com Lourenço
Cardoso (2008), é preciso levar em conta a centralidade de países como os
Estados Unidos, representados por pesquisadores como Frankenberg, na
emergência do campo dos estudos críticos da branquitude e a influência
simbólica que isso traz. Dessa forma, doravante olharemos mais de perto para
o branco brasileiro, a partir das pesquisas destes dois autores negros que
enfatizam as relações étnico-raciais em seus trabalhos.
Em diálogo com a psicanálise, Bento (2002) cunhou o conceito de pacto
narcísico entre os brancos, que pode ser relacionado com o reconhecimento
racial evasivo quanto ao poder, visto que trata de uma não-ação dos brancos em
reconhecimento de seus privilégios. Os pactos narcísicos no Brasil vêm na forma
de uma espécie de acordo tácito da sociedade de que o racismo não existe aqui,
e de que, as desigualdades raciais seriam um problema apenas na medida em
que os negros sofrem com uma suposta “herança da escravidão”. Dessa forma,
se torna possível para o grupo privilegiado ignorar o saldo positivo que recebe
com essa desigualdade e suposta herança, através de mecanismos grupais de
fortalecimento de identidade relacionados com a necessidade de pertencimento
social.
Todo ser humano já nasce dentro de grupos definidos e herda as
subjetividades relacionadas a eles, o que permite existir um acordo inconsciente,
uma aliança psíquica, entre sujeitos de interesses e identidades semelhantes,
que determina que é possível ignorar determinadas coisas. Alinhado a isso, está
o silêncio de brancos ditos “progressistas” ou “defensores da igualdade e da
democracia” frente à injustiça da desigualdade racial, enquanto apenas
defendem os direitos de seu próprio grupo, como o caso das mulheres
trabalhadoras brancas, no exemplo dado por Bento (2002). A autora chama essa
indignação seletiva de indignação narcísica, configurando uma discriminação
racial que não é causada por preconceitos e, sim, por interesse: o interesse dos
brancos em manterem seus privilégios simbólicos e materiais.
Outro argumento fundamental de Bento (2002) é que, no Brasil, a
branquitude anda de mãos dadas com o branqueamento, política populacional
que foi adotada pelo Estado no final do séc. XIX para trazer milhões de
imigrantes brancos europeus, e tornou-se um “valor” inculcado nas relações
raciais do país. Segundo a autora, esse processo se fundamentou no medo
coletivo que o branco brasileiro, o qual desejava se ver como europeu, tinha do
negro brasileiro. Essa herança psicológica é presente no Brasil até hoje e é
expressa na negativização de pessoas não-brancas, no voltar-se para o negro a
fim de encontrar os problemas relacionados a raça, no silenciamento sobre o
papel do branco na perpetuação dessas desigualdades e em sua permissão de
ser “invisível” na sua pretensa universalidade.
Lourenço da Conceição Cardoso, historiador negro brasileiro, em sua
dissertação de mestrado, faz um levantamento sobre a presença de pesquisas
sobre a branquitude no Brasil. Sua análise vem desde 1957, com o artigo
pioneiro de Guerreiro Ramos, Patologia Social do Branco Brasileiro, que colocou
o branco como objeto de estudo décadas antes da emergência dos estudos
críticos da branquitude nos Estados Unidos, e alcança o ano de 2007, quando,
das publicações dos últimos dois anos de cada uma, artigos em que aparecesse
a temática “Ensino de História”. Somente naquelas em que a referida temática
esteva presente é que foi feita a última etapa da busca, no mecanismo de
pesquisa das próprias revistas. O recorte temporal inicial foi de “2008 até 2022”,
utilzando como marco a publicação da dissertação de Lourenço Cardoso (2008),
por ser o trabalho de um historiador que abriu caminhos tanto para divulgação
quanto para elaboração de pesquisas sobre a branquitude.
Dentro desse recorte, foi realizado um levantamento quantitativo sobre
textos que versam sobre o Ensino de História e quantos deles falam sobre a
branquitude. Para encontrar os últimos, utilizamos nos motores de busca os
descritores “branquitude”, “branquidade” e “whiteness”. Nesse refinamento, foi
encontrado apenas um artigo dentro dos parâmetros que buscávamos, de forma
que o recorte temporal foi expandido até 2002, ano de publicação do livro
Psicologia social do racismo: Estudos sobre branquitude e branqueamento no
Brasil, de Cida Bento e Iray Carone, outro marco dos estudos críticos da
branquitude no Brasil. O mesmo movimento foi feito com a revista estadunidense
“Theory and research in social education”5, ou seja: pesquisamos o termo
“whiteness” na busca, com recorte de 2008 ou 2002, e identificamos como ele
estava sendo usado. A opção por essa revista, dentre as muitas que versam
sobre o tema nos Estados Unidos, se respalda no fato de ela ser a revista
especializada sobre ensino de História mais conhecida no Brasil.
Dessa maneira, ao longo de dezembro de 2021 e das duas primeiras
semanas de janeiro de 2022, fomos construindo o levantamento de dados sobre
os artigos. Resultados mais proeminentes sobre a branquitude foram escassos:
obtivemos apenas um artigo que trata da branquitude como conceito no Ensino
de História dentro das produções nacionais; na revista estaduniendense,
obtivemos dois artigos6. Com uma amostragem tão pequena, não foi possível
fazer uma revisão bibliográfica baseada no problema inicialmente proposto, que
era analisar de que forma pesquisadores do ensino de História têm utilizado a
branquitude, afinal nossos pesquisadores e pesquisadoras aparentemente não
têm utilizado o conceito em seus trabalhos.
5
“Teoria e pesquisa em educação social”, em tradução livre.
6
São eles Silva e Backes (2019), Hawkman (2020) e Kim (2021).
Número 8 3 3 10 13 25
total de
revistas
7
“Ensino de história”, em tradução livre.
8
“Educação histórica”, em tradução livre.
ensino de História e
História Ensino
Número de 1 0 1 5 15 10
artigos que
chegaram
à seleção
final
9
Diante desses resultados, fica uma sugestão para outros/as pesquisadores/as interessados/as em
branquitude, história e educação: se fizermos a busca nas revistas de história e nas revistas de educação
brasileiras, apenas com a palavra branquitude, sem nos preocuparmos com o "ensino de história", esse
quadro mudaria?
Nordeste 10
Sudeste 9
Centro-Oeste 9
Sul 6
Norte 3
Não é possível tirar conclusões específicas com uma amostra tão pequena,
mas as posições do Sudeste e do Sul contrariam o que o levantamento de Sonia
Miranda (2019) e a tradição do campo nos trazem sobre a distribuição de
pesquisas sobre Ensino de História. Normalmente, essas regiões são as que
mais produzem sobre o assunto, e no caso em que o filtro da presença da ERER
foi aplicado, o Sudeste perdeu para o Nordeste e o Sul ficou em penúltimo lugar.
Fica em aberto para que futuros pesquisadores lancem um olhar sobre as
relações dos estados e regiões do Brasil com a raça no ensino de História.
Outro dado a ser notado são as datas de publicação. Tendo em mente que o
recorte temporal usado na busca foi de praticamente vinte anos (2002 a 2022),
é no mínimo interessante observar que um terço dos artigos foi publicado nos
últimos dois anos (13 artigos entre 2020 e 2021). Quanto mais se retorna no
tempo, mais esparsas vão ficando as publicações, sendo 2017 o último ano em
que elas aparecem em maior quantidade (6 artigos no total). Antes, há pelo
menos um artigo por ano até 2009, data em que foi publicado o primeiro artigo
brasileiro que relacionava ERER com ensino de História dentro das palavras
chaves da busca. Anterior a isso, só se encontram três textos estadunidenses,
todos de 2004.
No Brasil, o fato de esse debate ter alcançado periódicos científicos bem
avaliados em 2009, condiz com a promulgação da lei 11.645 em 2008, e o
aumento progressivo de trabalhos sobre o tema nos anos subsequentes pode
ser visto como um dos resultados da política de ações afirmativas no ensino
superior, que trouxe mais e mais o debate sobre raça na ciência. Isso se deu
através da própria presença de pessoas negras e indígenas na academia, além
da pressão dos movimentos negros e indígenas e dos próprios/as docentes de
Educação Básica, que reivindicavam recursos para cumprir a legislação, sem
excluir a existência de acadêmicos/as comprometidos/as com essas lutas.
Essa é uma de muitas vezes em que a lei 11.645/08, juntamente com a lei
10.639/03, aparecerá nesta pesquisa. O debate sobre raça no ensino de História
brasileiro é totalmente pautado por elas, como pudemos notar ao encontrá-las
mencionadas em todos os trabalhos lidos10. Se, por um lado, a efetividade das
mesmas é comprovada pelos dados citados anteriormente, por outro, o fato de
elas parecerem ser o único motivo e força principal para orientar uma educação
racial no Brasil nos mantém um tanto quanto imobilizadas/os para explorar outras
formas de trabalhar raça e racismo em sala de aula. A ERER, na maioria dos
textos, é vista como um resgate e positivação das histórias negra e indígena
esquecidas pela narrativa hegemônica, de forma que a parte “relações” entre
raças é deixada de lado11. Por mais que a pesquisa aqui feita tenha um caráter
crítico em relação às obras lidas, é importante o trabalho feito por esses autores
e autoras, que aos poucos incrementam o necessário debate sobre raça na sala
de aula. O aumento de produções nos últimos anos precisa ser creditado a
eles/as. Nesse sentido, o que a investigação deste trabalho encontrou, ao buscar
de que maneiras o sujeito branco é inserido nos discursos quando se fala de
raça no ensino de História, foram enunciados em que a branquitude estava
disfarçada, como veremos a seguir.
Em boa parte dos textos, o argumento para explicar a exclusão das histórias
negras e indígenas é que a narrativa contada nas escolas é eurocêntrica, mas
não se fala de branco com todas as letras, e sim de europeu, colonizador,
português12. Essa forma de expressar sem querer falar aparece em enunciados
como: “No passado, o termo ‘negro’, criado pelos europeus, era considerado um
termo pejorativo, já que remetia aos seres sem luz.” (GOMES, 2017, p. 196,
10
Como exemplo, ver Silva et al. (2020), Silva (2020), Andrade (2017), Oliveira et. al. (2017) e Felipe
(2016), que trazem as leis já no resumo ou nas palavras-chave.
11
Entre eles, podemos mencionar Queiroz e Ribeiro (2020), Santos (2020), Fior Santos (2020) e Araújo e
Oliveira (2018).
12
Cléber Teixeira Leão (2020) apresenta resultado parecido em sua análise de livros didáticos.
grifos nossos) e “Nesse sentido, é importante perceber que nos livros didáticos,
muitas vezes ressalta-se a História dos colonizadores, dos exploradores.”
(ZARBATO, 2019, p. 132, grifos nossos).
Nitidamente, há uma forma específica de discurso que se repete em muitos
dos textos e que fica destacada quando lemos os trechos em sequência. Ao
deixar a branquitude aparecer apenas por atrás desses termos, o foco é afastado
dos brancos brasileiros, da branquitude não-europeia, criando a miragem de
invisibilidade (FRANKENBERG, 2004). Assim, se dificulta a percepção do papel
de quem está aqui, alunos/as e professores/as, na perpetuação dessas relações
desiguais de raça que são jogadas para o passado colonial. O mesmo pode ser
dito quando o denominador branco até aparece, mas junto de uma lista de outras
características que dilui a influência da raça nessa dinâmica de poder:
14
“Parâmetros Nacionais de História”, em tradução livre.
eles/as, podem influenciar no que está sendo produzido (KIM, 2021). Elas vão
desde raça até formação e atuação profissional, e aproximam muito mais o leitor
do tema sendo discutido15. O fato de essa sessão só aparecer nos últimos três
artigos publicados demonstra que houve um movimento para trazer aos textos a
identificação dos autores, de forma que podemos tomar esse caminho como
inspiração a publicações brasileiras, especialmente as que refletem sobre raça.
Entretanto, não chegou até nós o campo e a bibliografia das positionalities, o que
já demonstra as diferenças do referencial teórico sobre raça entre os dois países.
Nos EUA, os textos da critical race theory16 na educação não têm nenhuma
referência em comum com a ERER no Brasil, seja sobre o conceito de raça ou
a educação racial - pelo menos, dentro do escopo aqui estudado. Isso faz muito
sentido ao se levar em conta as diferenças históricas que a formação da
identidade racial teve nessas nações americanas, que pode ter levado o campo
de estudos sobre raça a seguir por caminhos diferentes.
A marcação mais contundente da raça permite que nenhum dos textos
estadunidenses deixe de apontar o branco como ente presente nas relações
raciais. Assim, ele é identificado nas dinâmicas atuais, e quando aparece como
sujeito da pesquisa, sejam alunos/as, professores/as ou comunidades em que o
trabalho está inserido, como podemos ver nos trechos:
A bibliografia sobre educação para a cidadania de professores
de social studies tem sido restrita em grande parte ao trabalho
de professores Brancos, embora uma bibliografia sobre o
trabalho de professores de cor, como professores Afro-
americanos e Asiáticos-americanos, tenha recentemente
começado a crescer. (KIM, 2021, p. 2, tradução e grifos
nossos)17
No início de cada ano letivo, a professora conduzia todos os
seus alunos através de uma pesquisa de ideologia política. Uma
esmagadora maioria dos estudantes brancos se auto-
identificava como republicana, e os seus resultados de pesquisa
revelavam uma forte ideologia conservadora. (WASHINGTON;
HUMPHRIES, 2011, p. 96, tradução e grifos nossos)18
15
As positionalities estão presentes em Martell e Stevens (2017), Hawkman (2020) e Kim (2021).
16
“Teoria Racial Crítica”, em tradução livre, movimento estadunidense que estuda as relações entre raça,
racismo e poder.
17
No original: “The literature on citizenship education of social studies teachers has largely been restricted
to the work of White teachers, although a literature on the work of teachers of color, such as African
American and Asian American teachers, has recently begun to grow.”
18
No original: “At the beginning of each school year, the teacher would lead all of her students through a
political ideology survey. An overwhelming majority of white students would self-identify as Republican,
and their survey results would reveal a strong conservative ideology.”
19
Martell (2013), Martell e Stevens (2017), Hawkman (2020) e Kim (2021).
20
Negros, Indígenas e pessoas de cor, em tradução livre.
Assim sendo, embora haja diferenças notáveis na visão sobre raça entre
o discurso estadunidense e o brasileiro, ambos se alinham em alguns aspectos.
No entanto, é a perspectiva propositiva dos textos dos EUA, que contribuem para
o ensino de relações raciais, que destaca uma constatação um tanto incômoda.
Desde 2009, todos os textos brasileiros enfatizam as ausências na educação
para as relações étnico-raciais, como a falta de inclusão de negros e indígenas
na história ensinada, a falta de discussão sobre raça em sala de aula e a falta de
histórias não-eurocentradas nos livros didáticos e nos currículos. No entanto,
parece que pouco progresso foi feito para resolver esse problema, uma vez que,
em 2021, o discurso ainda se mantém o mesmo. É importante destacar que
21
No original: “Kendra thus made the history of her students central to their study, and the students
responded by clamoring for ‘real history.’ Almost half of these students were of color, but all of them had
become accustomed to the marginalization of people of color, and preferred that Europeans be returned to
the center.”
22
No original: “Although Massachusetts does not have a statewide graduation assessment in history, my
school required teachers to cover the content found in the state history curriculum framework, which
included primarily events and figures from European American history.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS