Rodeghero J Regina

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A BRANQUITUDE E O ENSINO DE HISTÓRIA:

Onde o branco se esconde nas pesquisas sobre relações étnico-


raciais?

THE WHITENESS AND THE HISTORY TEACHING:


Where is the white person hiding in research on ethnic-racial
relations?
REGINA RODEGHERO11
RESUMO

O presente artigo é resultado de pesquisa realizada na Iniciação Científica,


pautada nos estudos críticos da branquitude. O objetivo principal foi elaborar
uma revisão bibliográfica sobre a presença ou não do indivíduo branco em
artigos que tratam da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) no
Ensino de História, utilizando, como metodologia de análise, a arqueologia do
saber de Michel Foucault. Após a análise, foi possível concluir que, no ensino de
História brasileiro, a origem do racismo é historicamente afastada do indivíduo
branco e que o racismo é considerado um problema apenas para aqueles que
sofrem com ele, e não para aqueles que se beneficiam. Foi observado, ainda,
que, embora haja estudos que relacionem a branquitude à sala de aula de
História, eles não são publicados nas revistas mais bem avaliadas do campo.
Palavras-chave: Branquitude. Ensino de História. Educação para as relações
étnico-raciais. Análise do discurso.

ABSTRACT

This article is the result of research carried out during scientific initiation, based
on whiteness’s critical studies. The main objective was to elaborate a
bibliographic review on the presence or not of the white individual in articles that
deal with Education for Ethnic-Racial Relations (ERER) in History Teaching,
using, as an analysis methodology, Michel Foucault's archeology of knowledge.
After the analysis, it was possible to conclude that in the teaching of Brazilian
History, the origin of racism is historically far from the white individual and that
racism is considered a problem only for those who suffer from it, and not for those
who benefit from it. It was observed that, although there are studies that relate
whiteness to the History classroom, they are not published in the best evaluated
journals in the field.
Keywords: Whiteness. History Teaching. Education for ethnic-racial relations.
Speech analysis.

1
Graduanda no curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail:
[email protected].

Revista História em Reflexão, Vol. 17, N. 33 | mar. a jul. de 2023


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INTRODUÇÃO

Em 2019, o filme brasileiro escolhido para concorrer ao Oscar de melhor


filme internacional foi A vida invisível, dirigido por Karim Aïnouz. O livro, que
baseia o longa, A vida invisível de Eurídice Gusmão, escrito por Martha Batalha
e publicado em 2016, propõe-se a ser um relato sobre as mulheres que não têm
voz na História. Entretanto, ao longo do romance, percebemos que as
protagonistas, duas mulheres brancas de classe baixa do Rio de Janeiro, nos
anos 1940, têm sua vida “invisível” trespassada por outras mulheres não-
brancas, as quais são desenvolvidas pela narrativa de maneira muito mais
superficial. Com todos os problemas de gênero que a autora, também branca,
promete combater no prefácio da obra, as duas personagens brancas ainda são
privilegiadas em relação a mulheres negras e indígenas que aparecem no
enredo.
A ausência de um questionamento sobre os meandros da raça quando se
fala em gênero e classe, e o privilégio aparentemente inerente das protagonistas,
são nítidas manifestações do conceito de branquitude. Esse conceito é usado
para demarcar o local de privilégio racial dos brancos e brancas, e está
associado à ascensão de uma extrema-direita que apregoa a supremacia
branca, bem como de uma parcela mais liberal da população que defende que o
racismo só existe se falarmos sobre ele.
Por outro lado, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê que, na
disciplina de História, os estudantes devam aprender a "fazer História" a partir
da compreensão de si mesmos como sujeitos, a fim de entender a existência do
"Outro". Esse desafio, sobretudo para os professores de História, destaca a
importância da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) em alcançar
a construção de um ensino democrático e antirracista, conforme as leis
10.639/03 e 11.645/08. Apesar disso, é sempre arriscado cair na armadilha de
acreditar que o "Eu" é sempre branco e que o "Outro" é qualquer pessoa que
seja diferente disso. Por essa razão, consideramos crucial, nas aulas de História,
identificarmos a identidade branca e seus privilégios, além de valorizarmos as
identidades negras e indígenas, a fim de construirmos identidades históricas
antirracistas.

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Ao ver desse estudo, para a construção de uma educação democrática, é


necessário que a branquitude seja abarcada na sala de aula de História
diariamente, nos conteúdos e discussões, trazendo também os/as alunos/as
brancos/as para o centro do debate sobre raça e racismo. Tomando a escola
como lugar de socialização de cidadãs/os em formação, em que as diferentes
identidades raciais são construídas, compreendemos que é no ensino de História
que se encontra um campo fundamental de ação antirracista. Afinal, enquanto
algumas dessas identidades são mais valorizadas, mesmo que não nomeadas,
outras são invisibilizadas ou negativadas nos componentes curriculares,
materiais didáticos e posturas pessoais (BENTO, 2002; GOMES, 2005).
Tendo em vista o pertencimento étnico-racial branco desta autora e o
caráter de ação em sala de aula do projeto “A Aula Inacabada: democracia,
utopias e ensino de História”2, ao qual esta pesquisa está vinculada, bem como
a ausência de reflexão sobre a branquitude nos mais variados campos que são
atravessados pelas relações étnico-raciais, o presente estudo busca indagar: de
que forma os pesquisadores do ensino de História têm olhado para o indivíduo
branco em seus trabalhos?
Desse modo, o objetivo foi produzir uma revisão bibliográfica de textos do
campo do Ensino de História que tratam da Educação para as Relações Étnico-
Raciais (ERER), de forma a identificar as presenças e ausências do conceito de
branquitude na produção acadêmica no Brasil. Para expandir os horizontes da
análise, a revisão também foi realizada com artigos publicados em um periódico
dos Estados Unidos situado no campo de pesquisa denominado Social Studies
Education3. Utilizamos, como metodologia de análise, a arqueologia do saber de
Michel Foucault.

1. O ESTUDOS CRÍTICOS DA BRANQUITUDE: CAMINHOS DE


PESQUISA4

2
Disponível em: ufrgs.br/aulainacabada/. Acesso em 26 jun. 2022
3
“Ensino de estudos sociais”, em tradução livre. As especificidades dessa disciplina nos EUA serão
abordadas mais adiante para não haver confusão com a disciplina brasileira de Estudos Sociais.
4
A elaboração deste referencial teórico já foi debatida e publicada anteriormente nos Anais do XII Encontro
Nacional Perspectivas do Ensino de História.

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A partir da década de 1990, o conceito de branquitude começou a se


consolidar como uma categoria de análise nos estudos das Relações Étnico-
Raciais, principalmente nas Ciências Sociais estadunidenses. O termo
"whiteness", cunhado por lá, foi traduzido para o português como "branquitude".
Desde então, autores e autoras de diversas áreas, como as Ciências Sociais,
Comunicação, História e Psicologia, começaram a abordar os estudos críticos
da branquitude. A pertença étnico-racial desses autores e autoras, em sua
maioria negros, já demonstra a dificuldade de o branco olhar para si mesmo
como problema, tendo em vista que o estudo das relações étnico-raciais no
Brasil volta-se sempre para o negro como objeto e para o racismo como uma
herança da escravidão e de problemas relativos aos próprios negros (RAMOS,
1957; BENTO, 2002; CARDOSO, 2008).
Por essa razão, algo reafirmado por muitas dessas produções é que esse
campo ainda é muito incipiente, com poucas pesquisas aprofundadas, ainda
mais quando tratamos de publicações latinófones (CARDOSO, 2008;
SCHUCMAN, 2012). Entretanto, voltar o olhar para o branco para compreender
as relações raciais se torna fundamental para combater o racismo e as mais
variadas formas de discriminação étnica nos campos pessoal e institucional.
Para iniciarmos a discussão proposta, é preciso compreender que a
branquitude se refere aos privilégios que os brancos têm sobre as outras raças
e, para tanto, é importante saber o que significa pertencer a uma raça. A
categoria de raça ainda carrega, popularmente, um estigma biológico, embora
os estudiosos do conceito se apropriem dele por um viés sócio-político e cultural,
mormente aliado ao conceito de etnia (FRANKENBERG, 2004; GOMES, 2005).
Visto dessa maneira, pode-se estabelecer que “raça” é um constructo, já que o
conceito se modifica através do tempo e do espaço para cumprir funções sociais,
políticas, culturais e identitárias. É importante assinalar que manter o termo raça,
ao invés de tratar diretamente por etnia, é fundamental porque o racismo também
atribui seus significados, positivos e negativos, por marcadores físicos e
corporais. Principalmente no Brasil, a cor da pele, os traços faciais e o tipo de
cabelo, são tão marcados para hierarquizar as pessoas quanto as suas origens,
embora os aspectos subjetivos também apareçam (GOMES, 2005).
Para Ruth Frankenberg (2004), a ideia de raça é uma “ficção terrível”: ela

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não tem forma, pois se baseia em construções que são historicamente


maleáveis. Apesar disso, a raça teve e tem um uso fundamental na
normatividade vigente, sendo eixo de orientação das relações de exploração e
opressão, junto às categorias de gênero, classe, sexualidade e nação. Por outro
lado, Nilma Lino Gomes (2005), educadora negra brasileira, também observa
que existe a possibilidade de construção de identidades sócio-políticas positivas
a partir do conceito de raça, operando como fortalecimento para grupos
subalternizados. Nesse sentido, para Gomes (2005), a raça também possui uma
função social para fins de valorização e equidade.
Acontece que, na medida que vamos internalizando o constructo do termo
raça, no contato com a mídia, no convívio com a família, na comunidade e,
especialmente, na escola, não aprendemos apenas a diferenciar as pessoas,
mas também a hierarquizá-las. É dessa maneira que, na nossa socialização, a
construção de uma identidade racial branca vai sendo permeada de aspectos
positivos: beleza, progresso, inteligência. Enquanto isso, a identidade do “Outro”,
principalmente do negro, recebe todos os significados negativos. E são esses
privilégios, atribuídos a quem “faz parte” da raça branca, que configuram o
conceito de branquitude.
Um dos textos mais revisitados na busca de uma definição do conceito de
branquitude é Miragem de uma branquidade não marcada, da socióloga branca
britânica Ruth Frankenberg (2004). Nele, a autora rebate a tese, defendida por
ela mesma em obras anteriores, de que a branquitude seria “invisível”, ou seja,
a de que a posição racial do branco é universal, não estando perceptível nas
relações sociais. Justamente por esse caráter mutável da ideia de raça, muitas
vezes a branquitude se disfarça na classe ou nacionalidade, sendo confundida
em noções universalistas como “a humanidade” ou “o Homem”, e isso é um
facilitador para a manutenção de uma hegemonia branca. Entretanto, se corrigiu
Frankenberg (2004), a branquitude só pode ser (não) vista dessa maneira pelos
próprios brancos, afinal outras raças que entraram em contato com eles, contato
esse que muitas vezes só se deu por vias colonialistas e imperialistas de
opressão e exploração, sempre viram com nitidez a aliança entre a posição
privilegiada e a raça branca.
A definição dada pela autora pode ser percebida, por exemplo, na forma

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que brancos olham e retratam não-brancos, pois mesmo que haja uma empatia
do Eu sobre o Outro, ela apenas aprofunda essa binariedade e não mexe nas
posições de privilégio daquele que olha. Ela também pode ser percebida na
reatividade do branco em ser visto e apontado como ser racial, quando a lente é
revertida para ele, reatividade que pode vir na forma de negação em ouvir críticas
ou questionamentos, ou no choque em se ver como integrante fundamental das
relações desiguais de raça. Quanto à intersecção com a classe, a autora cita
uma pesquisa em que os sujeitos brancos pobres expressaram “(...) vergonha
de sua incapacidade de melhorar economicamente, apesar de sua branquitude”
(FRANKENBERG, 2004, p. 330, grifos no original), um indício de que a
branquitude significaria a garantia de uma posição de privilégio.
Não raramente, observou a autora, o simples ato de desinvisibilizar a
realidade de privilégio do branco não é o suficiente para que os brancos queiram
agir contra ela: ora, a consciência de raça não necessariamente se relaciona
com o anti-racismo, fato que a autora denominou de “reconhecimento racial
evasivo quanto ao poder” (FRANKENBERG, 2004, p. 332). O argumento denota
a negação de uma branquitude marcada para que o sujeito branco não precise
se reconhecer como o lado opressor das relações de raça, usando muitas vezes
um discurso defensor do mérito.
É nesse ponto que Maria Aparecida da Silva Bento, psicóloga negra
brasileira, aproxima o conceito da realidade do Brasil. De acordo com Lourenço
Cardoso (2008), é preciso levar em conta a centralidade de países como os
Estados Unidos, representados por pesquisadores como Frankenberg, na
emergência do campo dos estudos críticos da branquitude e a influência
simbólica que isso traz. Dessa forma, doravante olharemos mais de perto para
o branco brasileiro, a partir das pesquisas destes dois autores negros que
enfatizam as relações étnico-raciais em seus trabalhos.
Em diálogo com a psicanálise, Bento (2002) cunhou o conceito de pacto
narcísico entre os brancos, que pode ser relacionado com o reconhecimento
racial evasivo quanto ao poder, visto que trata de uma não-ação dos brancos em
reconhecimento de seus privilégios. Os pactos narcísicos no Brasil vêm na forma
de uma espécie de acordo tácito da sociedade de que o racismo não existe aqui,
e de que, as desigualdades raciais seriam um problema apenas na medida em

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que os negros sofrem com uma suposta “herança da escravidão”. Dessa forma,
se torna possível para o grupo privilegiado ignorar o saldo positivo que recebe
com essa desigualdade e suposta herança, através de mecanismos grupais de
fortalecimento de identidade relacionados com a necessidade de pertencimento
social.
Todo ser humano já nasce dentro de grupos definidos e herda as
subjetividades relacionadas a eles, o que permite existir um acordo inconsciente,
uma aliança psíquica, entre sujeitos de interesses e identidades semelhantes,
que determina que é possível ignorar determinadas coisas. Alinhado a isso, está
o silêncio de brancos ditos “progressistas” ou “defensores da igualdade e da
democracia” frente à injustiça da desigualdade racial, enquanto apenas
defendem os direitos de seu próprio grupo, como o caso das mulheres
trabalhadoras brancas, no exemplo dado por Bento (2002). A autora chama essa
indignação seletiva de indignação narcísica, configurando uma discriminação
racial que não é causada por preconceitos e, sim, por interesse: o interesse dos
brancos em manterem seus privilégios simbólicos e materiais.
Outro argumento fundamental de Bento (2002) é que, no Brasil, a
branquitude anda de mãos dadas com o branqueamento, política populacional
que foi adotada pelo Estado no final do séc. XIX para trazer milhões de
imigrantes brancos europeus, e tornou-se um “valor” inculcado nas relações
raciais do país. Segundo a autora, esse processo se fundamentou no medo
coletivo que o branco brasileiro, o qual desejava se ver como europeu, tinha do
negro brasileiro. Essa herança psicológica é presente no Brasil até hoje e é
expressa na negativização de pessoas não-brancas, no voltar-se para o negro a
fim de encontrar os problemas relacionados a raça, no silenciamento sobre o
papel do branco na perpetuação dessas desigualdades e em sua permissão de
ser “invisível” na sua pretensa universalidade.
Lourenço da Conceição Cardoso, historiador negro brasileiro, em sua
dissertação de mestrado, faz um levantamento sobre a presença de pesquisas
sobre a branquitude no Brasil. Sua análise vem desde 1957, com o artigo
pioneiro de Guerreiro Ramos, Patologia Social do Branco Brasileiro, que colocou
o branco como objeto de estudo décadas antes da emergência dos estudos
críticos da branquitude nos Estados Unidos, e alcança o ano de 2007, quando,

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no Brasil, o debate já estava potencializado pela publicação do livro Psicologia


Social do Racismo: estudos sobre a branquitude e branqueamento no Brasil
(2002), organizado por Iray Carone e Maria Aparecida da Silva Bento. Através
do trabalho de Cardoso é possível perceber que foram os negros, principalmente
dentro da ação dos movimentos negros, que tiveram que transformar o branco
em objeto de análise: de outra forma essa virada nos estudos das relações
étnico-raciais nunca teria acontecido, dada a brancura da academia.
Uma importante colaboração conceitual do autor nesse texto é a distinção
entre a branquitude crítica, aquela que reconhece a existência do racismo e a
desaprova publicamente, e a branquitude acrítica, “a identidade branca individual
ou coletiva que argumenta a favor da superioridade racial” (CARDOSO, 2008, p.
178). A crítica é a que permite que exista o campo de estudos que questiona os
privilégios do branco, e dá margem para uma luta antirracista, sendo portanto a
categoria mais estudada. Mas Cardoso defende que também é preciso estudar
a acrítica, visto que é a partir dela que se proliferam grupos supremacistas, o
neonazismo e outras expressões da ultradireita. Por vezes, seus discursos
racistas não são voltados apenas para os negros, mas também para os
imigrantes, por um viés nacionalista.
É dessa forma que é possível perceber hierarquias dentro da própria
branquitude: brancos estadunidenses não veem como brancos os brancos
brasileiros e de outros países periféricos, e é por isso que essas diferenças
nacionais precisam ser levadas em conta quando postas em perspectiva
produções sobre a branquitude por autores de países centrais. Essas hierarquias
entre brancos também podem se dar através de outras intersecções, como o
gênero, faixa etária, religiosidade, e, de maneira já mencionada por Frankenberg
e Bento, a classe. Obtendo privilégio de maneiras distintas devido a identidades
e posições sociais distintas, a branquitude não perde a sua definição de ser uma
construção de poder pelo colonialismo, de forma que ser branco não é só estar
no poder, mas também ser poder (CARDOSO, 2008, p. 187). Existe um ganho
simbólico e material em ser branco, que estimularia o grupo a se manter coeso
em sua identidade, mas esse ganho é ignorado ao se creditar os conflitos raciais
ao déficit deixado para os negros. Solucionar o mito da democracia racial para
plenamente combater o racismo no Brasil implica em não só valorizar a história

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não-europeia, nesse ideal em que a igualdade consistiria no movimento das


raças “desfavorecidas” alcançarem a mesma posição do branco, mas também
em “desabrilhantar” o branco, mostrar que essa superioridade só existe por ter
sugado e assassinado outras histórias e subjetividades.

2. O PERCURSO METODOLÓGICO DA ANÁLISE

Com o arcabouço teórico anteriormente apresentado, concluímos que a


realização de uma revisão bibliográfica de caráter qualitativo era o caminho mais
adequado para explorar como o discurso acadêmico do ensino de História está
operando com o conceito de branquitude. A opção de expandir a análise para
produções estadunidenses surgiu a partir da revisão de literatura do projeto de
pesquisa intitulado “A Aula Inacabada”, cujos resultados indicaram que, nos
EUA, o conceito de democracia é objeto de pesquisa no ensino de História (na
área denominada Social studies education, no caso), enquanto no Brasil ele é
um objeto mais ensaístico (PACIEVITCH, 2020).
Assim, formulamos a hipótese provisória de que a análise sobre a
democracia no ensino de História nacional pode ser melhor explorada a partir do
debate sobre o conceito de branquitude, o que foi confirmado ao longo da
execução desta pesquisa. Nesse sentido, a fim de facilitar uma análise relacional
entre as produções de dois países (EUA e Brasil), a categoria de produção
utilizada foi a dos artigos publicados em revistas acadêmicas qualificadas nos
mais altos estratos, afinal estes periódicos são espaços de troca e diálogo com
os pares, e “um lugar precioso para a análise do movimento das ideias”
(SIRINELLI, 1996).
A seleção de revistas a serem revisadas se deu através de busca na
Plataforma Sucupira, do portal Capes, entre os periódicos existentes no sistema
Qualis. Como filtros, inserimos o quadriênio “2013-2016” como evento de
classificação, “Educação” e “História” como áreas de avaliação, e classificações
“A1, A2 e B1”. Dos resultados, foram selecionados títulos brasileiros que
tratavam de estudos vinculados às áreas da Educação ou da História no amplo
aspecto, sem foco específico.
Com a lista de revistas concluída, buscamos manualmente, no sumário

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das publicações dos últimos dois anos de cada uma, artigos em que aparecesse
a temática “Ensino de História”. Somente naquelas em que a referida temática
esteva presente é que foi feita a última etapa da busca, no mecanismo de
pesquisa das próprias revistas. O recorte temporal inicial foi de “2008 até 2022”,
utilzando como marco a publicação da dissertação de Lourenço Cardoso (2008),
por ser o trabalho de um historiador que abriu caminhos tanto para divulgação
quanto para elaboração de pesquisas sobre a branquitude.
Dentro desse recorte, foi realizado um levantamento quantitativo sobre
textos que versam sobre o Ensino de História e quantos deles falam sobre a
branquitude. Para encontrar os últimos, utilizamos nos motores de busca os
descritores “branquitude”, “branquidade” e “whiteness”. Nesse refinamento, foi
encontrado apenas um artigo dentro dos parâmetros que buscávamos, de forma
que o recorte temporal foi expandido até 2002, ano de publicação do livro
Psicologia social do racismo: Estudos sobre branquitude e branqueamento no
Brasil, de Cida Bento e Iray Carone, outro marco dos estudos críticos da
branquitude no Brasil. O mesmo movimento foi feito com a revista estadunidense
“Theory and research in social education”5, ou seja: pesquisamos o termo
“whiteness” na busca, com recorte de 2008 ou 2002, e identificamos como ele
estava sendo usado. A opção por essa revista, dentre as muitas que versam
sobre o tema nos Estados Unidos, se respalda no fato de ela ser a revista
especializada sobre ensino de História mais conhecida no Brasil.
Dessa maneira, ao longo de dezembro de 2021 e das duas primeiras
semanas de janeiro de 2022, fomos construindo o levantamento de dados sobre
os artigos. Resultados mais proeminentes sobre a branquitude foram escassos:
obtivemos apenas um artigo que trata da branquitude como conceito no Ensino
de História dentro das produções nacionais; na revista estaduniendense,
obtivemos dois artigos6. Com uma amostragem tão pequena, não foi possível
fazer uma revisão bibliográfica baseada no problema inicialmente proposto, que
era analisar de que forma pesquisadores do ensino de História têm utilizado a
branquitude, afinal nossos pesquisadores e pesquisadoras aparentemente não
têm utilizado o conceito em seus trabalhos.

5
“Teoria e pesquisa em educação social”, em tradução livre.
6
São eles Silva e Backes (2019), Hawkman (2020) e Kim (2021).

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Quanto à presença do ensino de História nas mais bem avaliadas revistas


do país, o levantamento foi mais expressivo. Foram recolhidos artigos que
tratassem do tema “ensino de História no Brasil” como discussão principal.
Apesar de ser mais expressiva, a busca revelou que, das 14 revistas avaliadas
na área da História dentro das três classificações, apenas 6 publicaram artigos
com essa temática, totalizando 54 artigos. Nas revistas avaliadas em Educação,
vemos um número proporcionalmente maior de artigos. Das 47 revistas
investigadas, 32 publicaram estudos, os quais totalizaram 267 artigos publicados
sobre ensino de História. Já a revista História e Ensino, que apesar de dialogar
com a História, está avaliada como A2 em Educação, sozinha conta com 291
artigos, visto que essa é sua área temática principal (Quadro 1). Assim como nas
revistas de História, a maioria dos artigos vêm de dossiês ou sessões temáticas
dedicadas ao tema, sendo que, quando não é o caso, o número cai bastante.
Com esses dados, muito pode ser observado sobre o ensino de História
brasileiro, o que proporciona novos horizontes a esta pesquisa. Entretanto, um
dos fatores observados é que, com base nessa amostra, pode-se afirmar que o
ensino de História nacional tem pouco contato com o campo dos estudos críticos
da branquitude. A partir disso, utilizando o levantamento já feito, foram
selecionados os artigos que tratavam diretamente ou indireitamente sobre a
Educação para as Relações Étnico-Raciais no ensino de História. A nova busca
foi, então, baseada na perspectiva de uma arqueologia do saber, a fim de se
examinar se, dentro do debate proposto pelo manuscrito, a pessoa branca de
alguma forma é colocada em questão, sem necessariamente o autor usar o
conceito de branquitude.
Destarte, nós utilizamos a análise de discurso de Michel Foucault (2008),
na intenção de identificar que enunciados são emitidos sobre a branquitude. O
que pode ser dito sobre ela nesse arquivo dos textos reunidos? E o que não está
sendo dito? Tomamos como exemplo o uso do conceito foucaultiano de arquivo
em Munhoz e Aquino (2020). No caso da Theory and research in social education
os artigos não foram contabilizados como nas revistas brasileiras, visto que nos
EUA a disciplina de História faz parte do campo Social Studies, como será

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explicado mais à frente, e filtrar a busca com History Teaching7 ou History


Education8 a limitaria muito. O objetivo não foi fazer uma comparação entre EUA
e Brasil, mas sim um cotejamento das discussões que são ou não são propostas
em ambos os países. Desse modo, a seleção na revista internacional também
teve seu critério expandido para além da presença do termo whiteness, e os
artigos que traziam descritores como “Social studies” e “Race” (raça, em
tradução livre) no título foram incluídos.
O recorte final dos textos brasileiros foi realizado com a seleção de
estudos nos quais o tema principal fossem sujeitos negros e indígenas no ensino
de História. Primeiramente, fizemos o recorte através dos título e, em uma
segunda triagem mais aprofundada, fizemos o recorte através da leitura dos
resumos. Quando o tema pareceu escapar, como em alguns casos em que o
assunto principal era cinema ou fotografia, e a história negra ou indígena era
apenas usada como exemplo, o artigo não foi selecionado. Também foram
cortados ensaios ou reflexões que não traziam dados e/ou resultados de
pesquisa definida, para padronizar um formato que também pudesse ser
encontrado na revista Theory and research in social education e facilitasse
relacionar com a produção estadunidense. Dessa maneira, um total de 41 artigos
foram selecionados para leitura, dos quais 32 são brasileiros e 9 estadunidenses.

Quadro 1 - Número de artigos por revista, conforme classificação no Qualis

Avaliadas Avaliadas Avaliadas Avaliadas Avaliadas Avaliadas


em História em História em História em em em
A1 A2 B1 Educação Educação Educação
A1 A2 B1

Número 8 3 3 10 13 25
total de
revistas

Número de 18 9 27 47 38 mais os 178


artigos 291 da
com revista

7
“Ensino de história”, em tradução livre.
8
“Educação histórica”, em tradução livre.

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ensino de História e
História Ensino

Número de 1 0 1 5 15 10
artigos que
chegaram
à seleção
final

Fonte: Elaborado pela autora, 2022

3. OS RESULTADOS OBTIDOS NA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA DA


PRODUÇÃO BRASILEIRA

Em uma primeira análise mais quantitativa, o conjunto dos textos já


demostra alguns dados passíveis de interpretação. Um número interessante é o
de artigos por revista. Entre as revistas levantadas na área de avaliação História,
A Revista de História (USP), avaliada como A1, e a Revista História e
Perspectivas, avaliada como B1, apenas dois artigos chegaram à seleção final.
O resto está todo dividido entre doze revistas avaliadas em Educação, das quais
três são A1 (Educação (UFSM), Educação e Pesquisa e Educar em Revista),
uma é A2 (História & Ensino) e oito são B1 (Atos de Pesquisa em Educação,
Diálogos, Educação em Foco, Educação em Perspectiva, Inter-ação, Reflexão e
Ação, Cocar e Teias). A presença mais marcada do tema, quando dentro do
recorte de busca por “Ensino de História”, em revistas com menor avaliação, e
majoritariamente em revistas de Educação, mostra que pouco espaço foi e vem
sendo dado a ele na cúpula do conhecimento acadêmico, especialmente na
História9. Quanto à distribuição geográfica, de acordo com a instituição na qual
os autores atuam, o que encontramos foi o seguinte:

9
Diante desses resultados, fica uma sugestão para outros/as pesquisadores/as interessados/as em
branquitude, história e educação: se fizermos a busca nas revistas de história e nas revistas de educação
brasileiras, apenas com a palavra branquitude, sem nos preocuparmos com o "ensino de história", esse
quadro mudaria?

Revista História em Reflexão, Vol. 17, N. 33 | abr. a jul. de 2023


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Onde o branco se esconde nas pesquisas sobre relações étnico-raciais?

Quadro 2 - Artigos sobre ensino de História e ERER por Região do Brasil

Região Número de artigos

Nordeste 10

Sudeste 9

Centro-Oeste 9

Sul 6

Norte 3

Fonte: Elaborado pela autora, 2022

Não é possível tirar conclusões específicas com uma amostra tão pequena,
mas as posições do Sudeste e do Sul contrariam o que o levantamento de Sonia
Miranda (2019) e a tradição do campo nos trazem sobre a distribuição de
pesquisas sobre Ensino de História. Normalmente, essas regiões são as que
mais produzem sobre o assunto, e no caso em que o filtro da presença da ERER
foi aplicado, o Sudeste perdeu para o Nordeste e o Sul ficou em penúltimo lugar.
Fica em aberto para que futuros pesquisadores lancem um olhar sobre as
relações dos estados e regiões do Brasil com a raça no ensino de História.
Outro dado a ser notado são as datas de publicação. Tendo em mente que o
recorte temporal usado na busca foi de praticamente vinte anos (2002 a 2022),
é no mínimo interessante observar que um terço dos artigos foi publicado nos
últimos dois anos (13 artigos entre 2020 e 2021). Quanto mais se retorna no
tempo, mais esparsas vão ficando as publicações, sendo 2017 o último ano em
que elas aparecem em maior quantidade (6 artigos no total). Antes, há pelo
menos um artigo por ano até 2009, data em que foi publicado o primeiro artigo
brasileiro que relacionava ERER com ensino de História dentro das palavras
chaves da busca. Anterior a isso, só se encontram três textos estadunidenses,
todos de 2004.
No Brasil, o fato de esse debate ter alcançado periódicos científicos bem
avaliados em 2009, condiz com a promulgação da lei 11.645 em 2008, e o
aumento progressivo de trabalhos sobre o tema nos anos subsequentes pode
ser visto como um dos resultados da política de ações afirmativas no ensino

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Onde o branco se esconde nas pesquisas sobre relações étnico-raciais?

superior, que trouxe mais e mais o debate sobre raça na ciência. Isso se deu
através da própria presença de pessoas negras e indígenas na academia, além
da pressão dos movimentos negros e indígenas e dos próprios/as docentes de
Educação Básica, que reivindicavam recursos para cumprir a legislação, sem
excluir a existência de acadêmicos/as comprometidos/as com essas lutas.
Essa é uma de muitas vezes em que a lei 11.645/08, juntamente com a lei
10.639/03, aparecerá nesta pesquisa. O debate sobre raça no ensino de História
brasileiro é totalmente pautado por elas, como pudemos notar ao encontrá-las
mencionadas em todos os trabalhos lidos10. Se, por um lado, a efetividade das
mesmas é comprovada pelos dados citados anteriormente, por outro, o fato de
elas parecerem ser o único motivo e força principal para orientar uma educação
racial no Brasil nos mantém um tanto quanto imobilizadas/os para explorar outras
formas de trabalhar raça e racismo em sala de aula. A ERER, na maioria dos
textos, é vista como um resgate e positivação das histórias negra e indígena
esquecidas pela narrativa hegemônica, de forma que a parte “relações” entre
raças é deixada de lado11. Por mais que a pesquisa aqui feita tenha um caráter
crítico em relação às obras lidas, é importante o trabalho feito por esses autores
e autoras, que aos poucos incrementam o necessário debate sobre raça na sala
de aula. O aumento de produções nos últimos anos precisa ser creditado a
eles/as. Nesse sentido, o que a investigação deste trabalho encontrou, ao buscar
de que maneiras o sujeito branco é inserido nos discursos quando se fala de
raça no ensino de História, foram enunciados em que a branquitude estava
disfarçada, como veremos a seguir.
Em boa parte dos textos, o argumento para explicar a exclusão das histórias
negras e indígenas é que a narrativa contada nas escolas é eurocêntrica, mas
não se fala de branco com todas as letras, e sim de europeu, colonizador,
português12. Essa forma de expressar sem querer falar aparece em enunciados
como: “No passado, o termo ‘negro’, criado pelos europeus, era considerado um
termo pejorativo, já que remetia aos seres sem luz.” (GOMES, 2017, p. 196,

10
Como exemplo, ver Silva et al. (2020), Silva (2020), Andrade (2017), Oliveira et. al. (2017) e Felipe
(2016), que trazem as leis já no resumo ou nas palavras-chave.
11
Entre eles, podemos mencionar Queiroz e Ribeiro (2020), Santos (2020), Fior Santos (2020) e Araújo e
Oliveira (2018).
12
Cléber Teixeira Leão (2020) apresenta resultado parecido em sua análise de livros didáticos.

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Onde o branco se esconde nas pesquisas sobre relações étnico-raciais?

grifos nossos) e “Nesse sentido, é importante perceber que nos livros didáticos,
muitas vezes ressalta-se a História dos colonizadores, dos exploradores.”
(ZARBATO, 2019, p. 132, grifos nossos).
Nitidamente, há uma forma específica de discurso que se repete em muitos
dos textos e que fica destacada quando lemos os trechos em sequência. Ao
deixar a branquitude aparecer apenas por atrás desses termos, o foco é afastado
dos brancos brasileiros, da branquitude não-europeia, criando a miragem de
invisibilidade (FRANKENBERG, 2004). Assim, se dificulta a percepção do papel
de quem está aqui, alunos/as e professores/as, na perpetuação dessas relações
desiguais de raça que são jogadas para o passado colonial. O mesmo pode ser
dito quando o denominador branco até aparece, mas junto de uma lista de outras
características que dilui a influência da raça nessa dinâmica de poder:

Frequentemente, por não se constituírem como grupos


dominantes na sociedade brasileira,os indígenas têm sua
cultura representada como sendo exótica, estranha e
diferente, em contraposição à cultura dominante, ocidental,
branca, europeia, civilizada, cristã e ‘normal’. (ALMEIDA NETO,
2015, p. 106, grifos nossos)
Em outros momentos, o branco é nomeado quando em oposição às outras
raças, seguindo a característica relacional da formação de identidades
(FRANKENBERG, 2004), como acontece nos trechos a seguir:
A autora exaltou todos os traços positivos concentrados em uma
criança branca e tudo aquilo que não corresponde de bom
agrado na sociedade fora atribuído a criança negra. (JESUS,
2012, p. 158, grifos nossos)

Em dois artigos, a categoria branco é criada para encaixar nos sujeitos


que participaram das pesquisas (FONTENELE; CAVALCANTE, 2020; JANZ;
CERRI, 2017), identificação que nunca ocorre em relação a quem está
escrevendo: nenhum autor se identificou racialmente. De qualquer maneira, toda
vez que o branco aparece das formas citadas, é de um ponto de vista crítico de
quem escreve, em uma avaliação negativa da posição de privilégio que os
brancos ocupam. Embora não seja possível analisar partindo do pertencimento
étnico-racial dos autores, sentimos que é possível inferir que esses
posicionamentos partem de uma branquitude crítica (CARDOSO, 2008), dado a
predominância branca na academia e nos espaços de poder da educação

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(legisladores/as e professores/as universitários/as). Nenhum trabalho sobre raça


no ensino de História, dentre os alcançados por esta pesquisa, parte da
branquitude acrítica.
Sendo assim, é seguro afirmar que a branquitude está sendo marcada no
subtexto pelos/as pesquisadores/as, mas há um movimento de distanciamento
em relação a qual branco é o agente das desigualdades nas histórias ensinadas.
Três textos usaram os termos branquitude/branquidade, sendo que dois deles
citam a palavra apenas uma vez, sem referenciar nenhum autor, mas apontando
a branquitude como definidora das relações raciais atuais, que excluem
afrodescendentes (ANDRADE, 2017; FELIPE, 2016). O outro é o trabalho de
Silva e Backes (2019), o único artigo encontrado que articula o conceito de
branquitude e seus estudos críticos diretamente com o ensino de História. Em
alguns casos, também, são citadas as políticas de branqueamento do Brasil,
que, como afirma Bento (2002), foram fundamentais na construção de uma
identidade branca privilegiada em nosso país. Entretanto, por mais que
identificar a influência do branqueamento seja um passo dado na direção de
compreender como opera a branquitude, novamente aqui ele é usado como um
motivo para a situação desigual entre as raças, e não centrando o privilégio
branco em questão:
Essas representações desconhecem o efeito perverso do
racismo no Brasil, que tem nas teorias do branqueamento a
negação da negritude, por isso, parte dos sujeitos da negritude
tem dificuldade de se reconhecem como negros e como negras
e buscam em si ou em seus filhos um ideal de branquitude,
como por exemplo, cabelos lisos e peles mais claras. (FELIPE,
2016, p. 61, grifos nossos)13

Da mesma forma, o mito da democracia racial (ANDREWS, 1985;


BENTO, 2002) é evocado para explicar o racismo e a desigualdade:
“Mas foi na década de 1930 que se iniciou a construção de um
novo paradigma: o da democracia racial. Não apenas as obras
de Gilberto Freire foram responsáveis por criar e consolidar essa
ideologia, mas também o contexto histórico no qual essa obra se
insere” (MORAES, 2015, p. 243, grifos nossos)

“Se não for esse o caso da invisibilização do negro nesse livro,


a inferência quefazemos é de que se trata de uma estratégia
deliberada de apagamento das tensões raciais no país
13
Para além da citação, encontramos exemplos em que as políticas de branqueamento são relembradas com
esse discurso em Janz e Cerri (2017), Pereira e Silva (2019), Zarbato (2019) e Moraes (2015).

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Onde o branco se esconde nas pesquisas sobre relações étnico-raciais?

direcionando a questão para o âmbito da democracia


racial e da naturalização das vinculações dos negros aos
estereótipos que a cada dia se perpetuam. (JESUS, 2012, p.
169, grifos nossos).

No entanto, a questão do racismo é pouco aprofundada nos artigos, sendo


que em quatro deles nem sequer é mencionada no corpo do texto, aparecendo
apenas em citações (SILVA et al, 2020; DUARTE; TEDESCHI, 2017; ALMEIDA
NETO, 2015; GOMES, 2017). A falta de aprofundamento nos conceitos de raça
e racismo pode dificultar a identificação da branquitude nas relações raciais.
Assim como o eurocentrismo é um problema apenas quando desfavorece negros
e indígenas, a raça é atribuída apenas a esses grupos, evitando questionar as
posições privilegiadas dos brancos nas dinâmicas raciais. A ausência desses
pontos nos artigos fica ainda mais evidente pela presença em uma minoria:
apenas alguns trabalhos, como os de Silva e Backes (2019) e Janz e Cerri
(2017), discutem a branquitude e seu impacto no ensino de História,
contextualizando a formação racial da cidade onde foi realizada a pesquisa.

4. OS RESULTADOS OBTIDOS NA REVISÃO BIBLIOGRAFICA DA


PRODUÇÃO ESTADUNIDENSE

Para adentrar na relação com a produção estadunidense, é preciso


contextualizar as especificidades raciais e educacionais deste outro país. Mesmo
que existam as similaridades que permitem uma comparação, estando entre elas
a luta dos movimentos sociais negros, há de se levar em conta que nos EUA não
houve a construção de um mito da democracia racial. Inclusive, o regime de
segregação adotado pelo próprio Estado lá foi um dos argumentos para a visão
de que no Brasil não existia racismo, pois o movimento de segregar aqui não era
institucionalizado, o que enfraqueceu e ainda enfraquece possibilidades de
articulação contra ele (ANDREWS, 1985). Assim, no Brasil o racismo científico
se manifestou no neo-lamarckianismo, segundo o qual bastava uma geração
para superar “deficiências” genéticas atribuídas à raça, fortalecendo o ideal do
branqueamento que mais tarde se tornaria a valorização da mestiçagem como
identidade nacional. Enquanto isso, nos Estados Unidos, o racismo científico
voltou-se para a eugenia mendeliana, segundo a qual as características

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Onde o branco se esconde nas pesquisas sobre relações étnico-raciais?

genéticas não mudariam. Dessa maneira, estabelece-se a “regra da única gota


de sangue”: basta um ancestral não branco para que o indivíduo em questão não
seja considerado branco (TELLES, 2006).
Quanto ao sistema de ensino, nos Estados Unidos ele é descentralizado,
cabendo aos estados aparelhar e legislar sobre como a educação escolar será
ofertada. Isso inclui os currículos, de maneira que cada estado tem liberdade de
ofertar as disciplinas que considerar necessárias. A escolarização se dá no ciclo
chamado de K-12, que vai do Kindergarten (Pré-Escola) para as crianças em
torno dos 6 anos de idade, passando pela Primary School e Middle School
(Ensino Fundamental), até o High School (Ensino Médio), finalizado aos 17 ou
18 anos. O que equivaleria à nossa disciplina brasileira de História, lá entra nos
chamados Social Studies, que, via de regra, são ofertados em todos os estados
tanto na Primary School quanto na High School. Os currículos de Social Studies
podem englobar conteúdos dos mais diversos dentro das humanidades, o que
traz uma grande variabilidade de cursos ofertados. Assim, cada estado e cada
escola podem ou não ofertar História, em suas mais variadas áreas, embora ela
acabe aparecendo e sendo bastante enfatizada na maioria dos currículos
(NASCIMENTO, 2015).
Dito isso, nos textos estadunidenses a relação da raça com os Social
Studies não vem evidentemente atrelada a uma legislação específica, como no
Brasil, visto que não compete ao Estado versar sobre o que é ensinado nas
escolas. Embora existam os National History Standards14, um documento
publicado em 1994, inicialmente em três volumes, que normatiza o ensino de
História e que, de acordo com Pereira e Silva (2021), pode dialogar com a lei
10.639/03, eles não têm força de lei. Sendo assim, o esforço de trazer questões
de raça para a sala de aula, aliadas à História, parece partir muito mais do
envolvimento dos/as próprios/as pesquisadores/as e professores/as com o tema.
O posicionamento mais firme do/a pesquisador/a no próprio texto é um
diferencial fundamental entre os artigos brasileiros e estadunidenses, afinal, nos
mais recentes dos Estados Unidos, existe uma sessão dedicada exclusivamente
às positionalities: os marcadores sociais dos/as autores/as que, de acordo com

14
“Parâmetros Nacionais de História”, em tradução livre.

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eles/as, podem influenciar no que está sendo produzido (KIM, 2021). Elas vão
desde raça até formação e atuação profissional, e aproximam muito mais o leitor
do tema sendo discutido15. O fato de essa sessão só aparecer nos últimos três
artigos publicados demonstra que houve um movimento para trazer aos textos a
identificação dos autores, de forma que podemos tomar esse caminho como
inspiração a publicações brasileiras, especialmente as que refletem sobre raça.
Entretanto, não chegou até nós o campo e a bibliografia das positionalities, o que
já demonstra as diferenças do referencial teórico sobre raça entre os dois países.
Nos EUA, os textos da critical race theory16 na educação não têm nenhuma
referência em comum com a ERER no Brasil, seja sobre o conceito de raça ou
a educação racial - pelo menos, dentro do escopo aqui estudado. Isso faz muito
sentido ao se levar em conta as diferenças históricas que a formação da
identidade racial teve nessas nações americanas, que pode ter levado o campo
de estudos sobre raça a seguir por caminhos diferentes.
A marcação mais contundente da raça permite que nenhum dos textos
estadunidenses deixe de apontar o branco como ente presente nas relações
raciais. Assim, ele é identificado nas dinâmicas atuais, e quando aparece como
sujeito da pesquisa, sejam alunos/as, professores/as ou comunidades em que o
trabalho está inserido, como podemos ver nos trechos:
A bibliografia sobre educação para a cidadania de professores
de social studies tem sido restrita em grande parte ao trabalho
de professores Brancos, embora uma bibliografia sobre o
trabalho de professores de cor, como professores Afro-
americanos e Asiáticos-americanos, tenha recentemente
começado a crescer. (KIM, 2021, p. 2, tradução e grifos
nossos)17
No início de cada ano letivo, a professora conduzia todos os
seus alunos através de uma pesquisa de ideologia política. Uma
esmagadora maioria dos estudantes brancos se auto-
identificava como republicana, e os seus resultados de pesquisa
revelavam uma forte ideologia conservadora. (WASHINGTON;
HUMPHRIES, 2011, p. 96, tradução e grifos nossos)18

15
As positionalities estão presentes em Martell e Stevens (2017), Hawkman (2020) e Kim (2021).
16
“Teoria Racial Crítica”, em tradução livre, movimento estadunidense que estuda as relações entre raça,
racismo e poder.
17
No original: “The literature on citizenship education of social studies teachers has largely been restricted
to the work of White teachers, although a literature on the work of teachers of color, such as African
American and Asian American teachers, has recently begun to grow.”
18
No original: “At the beginning of each school year, the teacher would lead all of her students through a
political ideology survey. An overwhelming majority of white students would self-identify as Republican,
and their survey results would reveal a strong conservative ideology.”

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Onde o branco se esconde nas pesquisas sobre relações étnico-raciais?

Dessa forma, a branquitude e o eurocentrismo também estão sendo


questionados e criticados por esses autores, como nos trabalhos brasileiros,
apesar de o termo whiteness, referenciado ou não, só aparecer nos textos a
partir de 201319. Nesses casos, ao contrário do conceito de raça, temos uma
autora como referência em comum entre os dois textos, um brasileiro e um
estadunidense, que tomam a branquitude como tema (SILVA; BACKES, 2019;
HAWKMAN, 2020), com a menção aos trabalhos de Ruth Frankenberg.
Tomando esse exemplo, pode-se inferir que os estudos críticos da branquitude,
apesar de terem encontrado fortes pesquisas por autores brasileiros como Cida
Bento, Lourenço Cardoso e Lia Schucman, ainda estão ancorados em sua
origem estadunidense.
Embora apenas um dos textos tenha uma seção dedicada à definição de
raça e outra sobre racismo (PANG; VALLE, 2004), todos eles abordam a
influência desses conceitos no ensino de Social Studies. Alguns desses textos
discutem o racismo direcionado as minorias étnicas, que no Brasil são
consideradas brancas, como russos e judeus. Asiáticos e latinos são
classificados como uma raça juntamente com brancos e negros, sem muitas
explicações, sugerindo que eles também sofrem racismo dos brancos. Isso serve
como um contraponto ao obstáculo do mito da democracia racial, que é
questionado por grande parte dos artigos brasileiros, mas que não se
aprofundam tanto no racismo em si. Já na revista americana, o racismo é
discutido em todos os artigos lidos, mesmo que dentro de um discurso
semelhante ao dos textos brasileiros, como algo a ser combatido, principalmente
por meio de uma maior representação e participação de indivíduos não-brancos
nas salas de aula. Portanto, exceto pelo texto que aborda diretamente a
branquitude, a tendência dos artigos e pesquisadores é incluir as BIPOC (Black,
Indigenous and people of color)20 e o debate sobre raça nas aulas de Social
Studies do K-12, principalmente nas aulas de História, que fazem parte de
diversos cursos de História presentes nos currículos.
O movimento que temos no Brasil, ancorado pelas políticas públicas para

19
Martell (2013), Martell e Stevens (2017), Hawkman (2020) e Kim (2021).
20
Negros, Indígenas e pessoas de cor, em tradução livre.

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Onde o branco se esconde nas pesquisas sobre relações étnico-raciais?

a ERER, lá também é feito, porém partindo da ação individual dos professores/as


e pesquisadores/as, que sentem essa necessidade em suas vivências e
experiências docentes. Afinal, não ficou evidente em nenhum artigo que
houvesse uma política pública impulsionando o estudo da temática. Se por um
lado isso traz uma certa liberdade, dentro da qual se tem mais abertura para
questionar o privilégio branco por não se ter uma cartilha a seguir, por outro isso
obviamente faz com que esse não seja um tema trabalhado pelo sistema
educacional como um todo, permitindo que na maioria absoluta dos currículos,
como apontado por muitos dos textos, a História contada seja a mais
brancocêntrica possível:
Kendra tornou assim a história dos seus estudantes central nos
estudos deles, e os estudantes responderam clamando por uma
'história real'. Quase metade destes estudantes eram de cor,
mas todos eles tinham se habituado à marginalização de
pessoas de cor, e preferiam que os Europeus fossem devolvidos
ao centro. (BRANCH, 2004, p. 538, tradução nossa)21
Embora Massachusetts não disponha de uma avaliação de
graduação em história a nível estadual, a minha escola exigia
que os professores cobrissem o conteúdo do quadro curricular
de história do estado, que incluía principalmente eventos e
figuras da história Europeia-Americana. (MARTELL, 2013, p. 72,
tradução nossa)22

Assim sendo, embora haja diferenças notáveis na visão sobre raça entre
o discurso estadunidense e o brasileiro, ambos se alinham em alguns aspectos.
No entanto, é a perspectiva propositiva dos textos dos EUA, que contribuem para
o ensino de relações raciais, que destaca uma constatação um tanto incômoda.
Desde 2009, todos os textos brasileiros enfatizam as ausências na educação
para as relações étnico-raciais, como a falta de inclusão de negros e indígenas
na história ensinada, a falta de discussão sobre raça em sala de aula e a falta de
histórias não-eurocentradas nos livros didáticos e nos currículos. No entanto,
parece que pouco progresso foi feito para resolver esse problema, uma vez que,
em 2021, o discurso ainda se mantém o mesmo. É importante destacar que

21
No original: “Kendra thus made the history of her students central to their study, and the students
responded by clamoring for ‘real history.’ Almost half of these students were of color, but all of them had
become accustomed to the marginalization of people of color, and preferred that Europeans be returned to
the center.”
22
No original: “Although Massachusetts does not have a statewide graduation assessment in history, my
school required teachers to cover the content found in the state history curriculum framework, which
included primarily events and figures from European American history.”

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Onde o branco se esconde nas pesquisas sobre relações étnico-raciais?

muitos professores e pesquisadores estão trabalhando para preencher essas


lacunas, embora suas experiências possam não ter sido incluídas nesta revisão.
Isso sugere que talvez a falta de produções qualificadas sobre a branquitude
esteja restrita às publicações de maior avaliação do meio Capes, e não seja uma
realidade generalizada no campo como um todo. Por isso, é interessante analisar
exemplos de trabalhos que vão nessa direção a partir da experiência de um país
que não compartilha de algumas de nossas limitações, apesar de enfrentar
inúmeras outras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o percurso de uma pesquisa de iniciação científica, é comum que


haja muito aprendizado prático e afetivo, mesmo que grande parte ocorra de
forma remota, como foi o caso deste artigo devido à pandemia. Embora a
principal descoberta tenha sido a falta de estudos sobre o conceito de
"branquitude" entre pesquisadores brasileiros do ensino de História, a busca por
informações proporcionou uma ampla imersão no que tem sido estudado no
campo ao longo das últimas duas décadas. Essa imersão não se limitou ao
levantamento de textos para a revisão bibliográfica, mas também incluiu
interações com outros/as pesquisadores/as, no grupo “A Aula Inacabada”, em
eventos acadêmicos e nos múltiplos espaços de troca que uma instituição de
ensino proporciona.
Os estudos críticos da branquitude foram negligenciados em publicações
mais conceituadas, especialmente em História, embora o próprio ensino de
História tenha recebido mais atenção recentemente (GONÇALVES, 2019).
Portanto, a descoberta de um aumento nas pesquisas sobre Educação para as
Relações Étnico-Raciais em nosso estudo pode estar relacionada ao crescente
interesse no ensino de História. No entanto, isso não diminui a importância das
leis 10.639/03 e 11.645/08, juntamente com os grupos e movimentos que as
reivindicaram e aplicaram, para impulsionar esse debate. Como mencionado
anteriormente, essas leis no Brasil nos fornecem ferramentas para discutir e
ensinar sobre raça (e racismo), mas também limitam a forma como podemos
abordar a Educação para as Relações Étnico-Raciais.

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Onde o branco se esconde nas pesquisas sobre relações étnico-raciais?

Em nossa pesquisa, observamos uma limitação no estímulo ao


questionamento direto do privilégio branco nas relações raciais, pois a pessoa
branca é frequentemente disfarçada por termos que a distanciam da realidade
brasileira, como "europeu", "colonizador" ou "português". Ela só é mencionada
em oposição ao negro ou ao indígena, ou como mais um item em uma lista de
características do privilegiado. Mesmo quando há uma abordagem crítica em
relação a esse privilégio, a falta de aprofundamento nos conceitos de raça e
racismo pode impedir a identificação da branquitude nas relações raciais. A
leitura de textos estadunidenses com uma perspectiva diferente sobre raça que
pode nos ajudar a combater o racismo, comprovou a possibilidade de existir um
discurso nessa direção. Embora não seja possível fazer uma comparação direta
entre os dois países devido às diferenças na forma como o material foi coletado
e entre os materiais em si, são justamente essas diferenças que podem nos
inspirar.
Apesar de não termos encontrado a crítica direta à branquitude nos textos
brasileiros examinados, eles apresentam vários elementos importantes para o
debate, criticando de alguma forma a posição privilegiada dos brancos. Alguns
textos ressaltam a influência do ideal de branqueamento na constituição da
identidade racial brasileira, enquanto outros destacam o peso do mito da
democracia racial em nossas dinâmicas raciais. Reconhecer essas
características do Brasil e adotar uma postura crítica em relação a elas é um
passo importante para o antirracismo.
A inserção nos estudos críticos da branquitude é um convite para que
mais pesquisadoras/es, professoras/es e historiadoras/es usem o conceito em
seus trabalhos, fortalecendo o antirracismo na academia e nas escolas. O
objetivo deste artigo não é apenas denunciar a ausência de discussões sobre
branquitude, mas também alertar para a necessidade de conscientização e
mudança. Embora outros trabalhos que abordem a branquitude já existam, é
importante refletir sobre o que ainda não está sendo visto ou alcançado pela
discussão dos estudos críticos. Esperamos que os resultados desta revisão
inspirem outros pesquisadores a aprofundar a colaboração entre ensino e
pesquisa para superar as invisibilidades existentes.

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Onde o branco se esconde nas pesquisas sobre relações étnico-raciais?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em 28 de julho de 2022.


Aprovado para publicação em 17 de janeiro de 2023.

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