Unidade 4

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 40

UNIDADE 4 | CAPÍTULO 1Partes

Bem-vindo!
Neste capítulo estudaremos
PSICOTERAPIA PSICODINÂMICA E ABORDAGEM PSICANALÍTICA: RECORTE CLÍNICO

1
PSICOTERAPIA PSICODINÂMICA E ABORDAGEM PSICANALÍTICA: RECORTE
CLÍNICO

A Psicoterapia Psicodinâmica consiste no uso da técnica e da teórica psicanalítica


diante do paciente e ou analisando que comparece à análise em sofrimento no
plano psíquico. O psicoterapeuta crê e aposta no efeito transformador que o
conhecimento de si opera na vida psíquica do indivíduo. Busca compreender, na
fala do sujeito, a possibilidade de ele tomar contato com as teorias que ele
engendra sobre si mesmo. Esse conhecimento do sentido que o sintoma assume
para cada um pode tirar o sujeito de uma posição passiva diante de suas
dificuldades em lidar com os próprios impulsos, evoluindo para uma postura de
agente de sua própria cura, ou seja, sujeito ativo que assume sua necessidade de
tratar-se e passa a mobilizar seus recursos nessa direção (SANTOS, 2007).
Por meio do método da associação livre, o paciente é convidado a verbalizar
livremente seus conteúdos psíquicos. Isso é válido para adolescentes e adultos,
que já dispõem do pleno domínio da linguagem e desenvolvimento das funções
cognitivas. Com crianças utiliza-se o brincar e os jogos como recursos
comunicacionais. A instauração da situação analítica se dá a partir desse convite
que se faz ao paciente para dizer tudo o que se passa em sua cabeça,
comprometendo-se a fazer um esforço para não omitir o que se apresenta em sua
mente, mesmo que lhe pareça inconveniente ou mesmo desagradável (SANTOS,
2007).
O psicoterapeuta, valendo-se da atenção flutuante, oferece sua escuta, mediante a
qual irá pontuar as resistências que se contrapõem à rememoração dos conflitos e
dificultam sua elaboração psíquica.. O paciente é estimulado a proceder a uma
busca escrupulosa dos circuitos constituídos pelas representações, mas logo
percebe que essa investigação está longe de ser conclusiva, pois outras questões
vão se configurando em meio ao percurso que se abre em abismo. As
representações se conectam, multiplicam-se, interpenetram-se ou se amontoam
em uma sucessão vertiginosa, constituindo uma cadeia de elementos
intercomunicantes (BUCHER, 1989; CORDIOLI, 2008; SANTOS, 2007).
As representações psíquicas dos fatos, que se superpõem umas às outras,
indicam que o próprio fato é sempre representação de um passado incapaz de
voltar, posto que efêmero, enquanto o acontecimento é o que guarda o sentido.
Por isso a psicanálise não é uma tentativa de restaurar fatos do passado, mas
adquirem a fluidez e o processo analítico desencadeia um desfiladeiro de
representações que, por múltiplas e sucessivas interconexões, permitem traçar
uma trama de sentidos que leva o sujeito a recriar, compreender e transformar o
que foi. A Psicoterapia surge, neste sentido, como um campo de investigação
presidido pela angústia: cada representação examinada provoca o exame de
outras representações que, por sua vez, suscitam ainda outras representações.
A abordagem psicanalítica passou a voltar seu foco de atenção ao vínculo
paciente-analista, o que se tornou possível graças à reorientação do campo
psicanalítico, ocorrida no rastro de um movimento que evoluiu dos modelos de
mente baseados nos impulsos, derivados da concepção freudiana de aparelho
psíquico, em direção a modelos fundamentados na teoria das relações objetais ou
na psicologia do self, o que fez com que o tratamento fosse dirigido para as
interpretações da relação transferencial.
A ferramenta fundamental de trabalho do psicoterapeuta psicodinâmico é o manejo
da relação transferencial. O paciente tende a transferir para a figura do terapeuta
sentimentos e atitudes vivenciados com outros personagens em outros tempos e
cenários, reeditando, assim, padrões de relacionamentos primários experienciados
com as figuras parentais na infância. Para Freud, a transferência seria a principal
forma de resistência do paciente, de modo que poder reconhecê-la e utilizar desse
conhecimento para formular as interpretações permitiria desarmar sua tendência
de repetir os padrões de conduta estereotipados do passado. A interpretação das
resistências promove mudanças na estrutura de personalidade e, por essa razão, a
Psicoterapia Psicanalítica também é conhecida como terapia reconstrutiva ou
profunda (BUCHER, 1989; CORDIOLI, 2008; SANTOS, 2007).
A técnica baseada nos princípios da teoria psicanalítica visa possibilitar o acesso
aos conflitos intrapsíquicos, com vistas a elaborá-los e resolvê-los, colocando os
recursos do psiquismo a serviço da reestruturação, reorganização e
desenvolvimento da personalidade. Nessa concepção, o sintoma nada mais é do
que uma comunicação simbólica – se bem que fracassada – a respeito do conflito
subjacente. Esse conflito, juntamente com os afetos que o acompanham, é
reencenado na relação transferencial estabelecida com o psicoterapeuta, com
base no protótipo das relações infantis. É por essa razão que o campo
transferencial é a solo de onde emanam as hipóteses do terapeuta. Assim, no que
concerne ao sintoma “uso da droga”, na Psicoterapia Psicanalítica não se visa
simplesmente sua remoção – ou redução sintomática. Freud insiste que é preciso
compreender o sentido do sintoma e não visar simplesmente seu desmonte pela
via da sugestão (SANTOS, 2007).
IMPORTANTE
O principal fator de mudança, portanto, é a possibilidade de poder internalizar um
bom objeto interno, essencial para corrigir as distorções vivenciadas no plano das
relações objetais. A propósito, uma boa relação com o primeiro objeto e, por
conseguinte, uma internalização bem-sucedida, é precondição para que seja
possível dar e receber amor, base da saúde mental. A mudança terapêutica
provém da identificação ao bom objeto (SANTOS, 2007).

Em outra vertente, verificamos na contribuição de Souza (2004) que realizou uma


pesquisa que teve o objetivo de conhecer as percepções de psicoterapeutas e
pacientes em Psicoterapia Psicanalítica acerca das características essenciais ao
exercício da Psicoterapia. Participaram da pesquisa cinco profissionais da área e
cinco pacientes em tratamento nesta mesma abordagem teórica. O método
utilizado para análise dos dados foi o qualitativo. Os resultados apontam que o
psicoterapeuta é visto como quem possui condições pessoais e técnicas que
envolvem disponibilidade, capacidade de escuta e estudo teórico. Ser um bom
psicoterapeuta envolve uma construção que se dá a partir de modelos de
identificação, prática, estudo, supervisão e tratamento pessoal. Os pacientes
percebem estas características de forma sutil, o que demonstram permanecendo
em tratamento, principalmente quando o profissional lhes transmite confiança.
Do ponto de vista da Psicoterapia Psicodinâmica, a Psicoterapia Analítica Pessoal
é vista como um dos aspectos primordiais para se tornar um bom psicoterapeuta,
visto que os profissionais consideraram extremamente necessário o
autoconhecimento para o exercício desta profissão. E a supervisão é vista como
essencial no processo de construção da identidade do psicoterapeuta.
Em relação à questão da Psicoterapia Analítica Pessoal pode-se inferir que as
percepções dos profissionais condizem com o que é visto na teoria na qual os
autores referem que supervisão constante e o estudo da teoria e da técnica são
fatores muito importantes, mas destacam o tratamento pessoal como um fator
determinante neste processo de formação. Este aspecto encontra-se reforçado
pelo exposto por Zimerman (1999) acerca da atitude psicanalítica composta pelos
atributos naturais e pelos desenvolvidos na a análise pessoal.
Os profissionais referem que para entender o paciente, e ajudá-lo, é necessário
que possam se conhecer. Mencionam ainda que por meio do tratamento pessoal,
o psicoterapeuta tem mais possibilidades de entendimento em relação ao paciente,
bem como menos probabilidade de se misturar com suas questões, fato
mencionado por Freud em 1912. Além disso, a questão do tratamento pessoal é
vista pelos profissionais como constituinte da ética profissional. Se é transmitido
para o paciente a necessidade dele se conhecer, é importante que esteja claro
para o psicoterapeuta que esta é uma condição necessária a ele.
Outro atributo mencionado por Zimerman (1999) é o respeito, no qual o profissional
deve aceitar o paciente como de fato ele é e, portanto, aceitar o que este paciente
traz. Por meio de suas verbalizações, os profissionais mencionam que é
necessário que o psicoterapeuta respeite o tempo e os desejos do paciente,
devendo ainda perceber no vínculo com o paciente o que pode ser conseguido na
relação terapêutica com ele.
Os profissionais entrevistados referiram ainda como atributos a necessidade do
psicoterapeuta reconhecer seus próprios limites; saber tolerar o não saber, bem
como o que pode lidar e o que não pode. Pode-se deduzir que o reconhecimento
destes limites pelo psicoterapeuta está relacionado com o autoconhecimento que
este adquire por meio de seu tratamento pessoal, fator já referido anteriormente.
Medianteo tratamento pessoal, o psicoterapeuta poderá conhecer seu próprio
inconsciente e, portanto suas limitações, o que facilitará seu exercício. Conforme
Bucher (1989) o autoconhecimento proporciona ao profissional em Psicoterapia
uma familiarização com suas questões inconscientes, bem como uma resolução
ao menos aproximativa de seus conflitos, fatores importantes em sua formação.
Os questionamentos acerca da preparação técnica e teórica do psicoterapeuta é
uma preocupação antiga. Precursores da psicanálise como Freud e Bion já
mencionavam os atributos referentes ao psicoterapeuta colocados também nos
relatos dos profissionais entrevistados, tais como a capacidade de ser continente, a
empatia e a conscientização de que é necessário realizar tratamento pessoal e
supervisão. Entende-se que para ser um “bom” psicoterapeuta estes atributos
devem estar internalizados e serem observados e refletidos ao longo da vida
profissional.
Conforme Goldstein (citado por CORDIOLI, 1998), na Psicoterapia Psicanalítica o
paciente é orientado a expressar seus pensamentos, sentimentos, fantasias e
sonhos, livremente, bem como as associações que lhe ocorrerem. No entanto, um
pouco diferente do método psicanalítico, as associações livres do paciente são
dirigidas pelo psicoterapeuta para questões-chave da terapia. Não há utilização do
divã, as sessões são menos frequentes, há menos regressão e a transferência não
se desenvolve com a mesma intensidade que na psicanálise.
Zimerman (1995) baseado nas ideias de Bion descreve que as condições mínimas
necessárias para uma análise eficaz são representadas por uma série de atributos
do analista, e entre estes está a identidade analítica. A identidade analítica implica
a capacidade que o analista tem de se manter basicamente o mesmo, apesar das
pressões provindas de fora e de dentro dele.

Utilizaremos uma entrevista realizada em 1926 com Sigmund Freud para


corroborar a perspectiva da Psicoterapia Psicodinâmica. Para tanto,
reproduziremos a entrevista e discutiremos os pontos mais importantes,
considerando o conteúdo desta disciplina.
Entre as preciosidades encontradas na biblioteca da Sociedade Sigmund Freud
está essa entrevista. Foi concedida ao jornalista americano George Sylvester
Viereck, em 1926. Deve ter sido publicada na imprensa americana da época.
Acreditava-se que estivesse perdida, quando o Boletim da Sigmund Freud Haus
publicou uma versão condensada, em 1976. Na verdade, o texto integral havia sido
publicado no volume Psychoanalysis and the Fut número especial do “Journal of
Psychology”, de Nova Iorque, em 1957. É esse texto que aqui reproduzimos,
provavelmente pela primeira vez em português.
“Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com serena humildade”.
Quem fala é o professor Sigmund Freud, o grande explorador da alma. O cenário
da nossa conversa foi uma casa de verão no Semmering, uma montanha nos
Alpes austríacos.
Eu havia visto o Pai da Psicanálise pela última vez em sua casa modesta na capital
austríaca. Os poucos anos entre minha última visita e a atual multiplicaram as
rugas na sua fronte. Intensificaram a sua palidez de sábio. Sua face estava tensa,
como se sentisse dor. Sua mente estava alerta, seu espírito firme, sua cortesia
impecável como sempre, mas um ligeiro impedimento da fala me perturbou.
Parece que um tumor maligno no maxilar superior necessitou ser operado. Desde
então Freud usa uma prótese, para ele uma causa de constante irritação.
S. Freud: Detesto o meu maxilar mecânico, porque a luta com o aparelho me
consome tanta energia preciosa. Mas prefiro ele a maxilar nenhum. Ainda prefiro a
existência à extinção.
Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à
medida que envelhecemos.
Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que os fardos que carregamos.
Freud se recusa a admitir que o destino lhe reserva algo especial. Por quê – disse
calmamente – deveria eu esperar um tratamento especial? A velhice, com sua
agruras chega para todos. Eu não me rebelo contra a ordem universal. Afinal, mais
de setenta anos. Tive o bastante para comer. Apreciei muitas coisas – a
companhia de minha mulher, meus filhos, o pôr do sol. Observei as plantas
crescerem na primavera. De vez em quando tive uma mão amiga para apertar.
Vez ou outra encontrei um ser humano que quase me compreendeu. Que mais
posso querer?
George Sylvester Viereck: O senhor teve a fama, disse que sua obra influi na
literatura de cada país. O homem olha a vida e a si mesmo com outros olhos, por
causa do senhor. E recentemente, no seu septuagésimo aniversário, o mundo se
uniu para homenageá-lo – com exceção da sua própria Universidade.
S. Freud: Se a Universidade de Viena me demonstrasse reconhecimento, eu
ficaria embaraçado. Não há razão em aceitar a mim e a minha obra porque tenho
setenta anos. Eu não atribuo importância insensata aos decimais.
A fama chega apenas quando morremos, e francamente, o que vem depois não
me interessa. Não aspiro à glória póstuma. Minha modéstia não é virtude.
George Sylvester Viereck: Não significa nada o fato de que o seu nome vai viver?
S. Freud: Absolutamente nada, mesmo que ele viva, o que não é certo. Estou bem
mais preocupado com o destino de meus filhos. Espero que suas vidas não
venham a ser difíceis. Não posso ajudá-los muito. A guerra praticamente liquidou
com minhas posses, o que havia poupado durante a vida. Mas posso me dar por
satisfeito. O trabalho é minha fortuna.
Estávamos subindo e descendo uma pequena trilha no jardim da casa. Freud
acariciou ternamente um arbusto que florescia.
S. Freud: Estou muito mais interessado neste botão do que no que possa me
acontecer depois que estiver morto.
George Sylvester Viereck: Então o senhor é, afinal, um profundo pessimista?
S. Freud: Não, não sou. Não permito que nenhuma reflexão filosófica estrague a
minha fruição das coisas simples da vida.
George Sylvester Viereck: O senhor acredita na persistência da personalidade
após a morte, de alguma forma que seja?
S. Freud: Não penso nisso. Tudo o que vive perece. Por que deveria o homem
construir uma exceção?
George Sylvester Viereck: Gostaria de retornar em alguma forma, de ser
resgatado do pó? O senhor não tem, em outras palavras, desejo de imortalidade?
S. Freud: Sinceramente não. Se a gente reconhece os motivos egoístas por trás
de conduta humana, não tem o mínimo desejo de voltar à vida, movendo-se num
círculo, seria ainda a mesma.
Além disso, mesmo se o eterno retorno das coisas, para usar a expressão de
Nietzsche, nos dotasse novamente do nosso invólucro carnal, para que serviria,
sem memória? Não haveria elo entre passado e futuro.
Pelo que me toca estou perfeitamente satisfeito em saber que o eterno
aborrecimento de viver finalmente passará. Nossa vida é necessariamente uma
série de compromissos, uma luta interminável entre o ego e seu ambiente. O
desejo de prolongar a vida excessivamente me parece absurdo.
George Sylvester Viereck: Bernard Shaw sustenta que vivemos muito pouco,
disse eu. Ele acha que o homem pode prolongar a vida se assim desejar, levando
sua vontade a atuar sobre as forças da evolução. Ele crê que a humanidade pode
reaver a longevidade dos patriarcas.
É possível, respondeu Freud, que a morte em si não seja uma necessidade
biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer.
Assim como amor e ódio por uma pessoa habitam em nosso peito ao mesmo
tempo, assim também toda a vida conjuga o desejo de manter-se e o desejo da
própria destruição.
Do mesmo modo com um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma
original, assim também toda a matéria viva, consciente ou inconscientemente,
busca readquirir a completa, a absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso
de vida e o impulso de morte habitam lado a lado dentro de nós.
A Morte é a companheira do Amor. Juntos eles regem o mundo. Isto é o que diz o
meu livro: Além do Princípio do Prazer.
No começo, a psicanálise supôs que o Amor tinha toda a importância. Agora
sabemos que a Morte é igualmente importante.
Biologicamente, todo ser vivo, não importa quão intensamente a vida queime
dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da “febre chamada viver”, anseia
pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o
objetivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.
Isto, exclamei, é a filosofia da autodestruição. Ela justifica o autoextermínio. Levaria
logicamente ao suicídio universal imaginado por Eduard von Hartamann.
S. Freud: A humanidade não escolhe o suicídio porque a lei do seu ser desaprova
a via direta para o seu fim. A vida tem que completar o seu ciclo de existência. Em
todo ser normal, a pulsão de vida é forte o bastante para contrabalançar a pulsão
de morte, embora no final resulte mais forte.
Podemos entreter a fantasia de que a morte nos vem por nossa própria vontade.
Seria mais possível que pudéssemos vencer a morte, não fosse por seu aliado
dentro de nós.
Neste sentido acrescentou Freud com um sorriso, pode ser justificado dizer que
toda a morte é suicídio disfarçado.
Estava ficando frio no jardim.
Prosseguimos a conversa no gabinete.
Vi uma pilha de manuscritos sobre a mesa, com a caligrafia clara de Freud.
George Sylvester Viereck: Em que o senhor está trabalhando?
S. Freud: Estou escrevendo uma defesa da análise leiga, da Psicanálise praticada
por leigos. Os doutores querem tornar a análise ilegal para os não médicos. A
História, essa velha plagiadora, repete-se após cada descoberta. Os doutores
combatem cada nova verdade no começo. Depois procuram monopolizá-la.
George Sylvester Viereck: O senhor teve muito apoio dos leigos?
S. Freud: Alguns dos meus melhores discípulos são leigos.
George Sylvester Viereck: O senhor está praticando muito psicanálise?
S. Freud: Certamente. Neste momento estou trabalhando num caso muito difícil,
tentando desatar os conflitos psíquicos de um interessante novo paciente.
Minha filha também é psicanalista, como você vê…
Nesse ponto apareceu Miss Anna Freud acompanhada por seu paciente, um
garoto de onze anos, de feições inconfundivelmente anglo-saxônicas.
George Sylvester Viereck: O senhor já analisou a si mesmo?
S. Freud: Certamente. O psicanalista deve constantemente analisar a si mesmo.
Analisando a nós mesmos, ficamos mais capacitados a analisar os outros.
O psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus
pecados sobre ele. Ele deve praticar sua arte à perfeição para desvencilhar-se do
fardo jogado sobre ele.
George Sylvester Viereck: Minha impressão, observei, é de que a Psicanálise
desperta em todos que a praticam o espírito da caridade cristão. Nada existe na
vida humana que a Psicanálise não possa nos fazer compreender. “Tout
comprec’est tout pardonner”.
Pelo contrário! – bravejou Freud, suas feições assumindo a severidade de um
profeta hebreu. Compreender tudo não é perdoar tudo. A análise nos ensina não
apenas o que podemos suportar, mas também o que podemos evitar. Ela nos diz o
que deve ser eliminado. A tolerância com o mal não é de maneira alguma um
corolário do conhecimento.
Compreendi subitamente porque Freud havia litigado com os seguidores que o
haviam abandonado, por que ele não perdoa a sua dissensão do caminho reto da
ortodoxia psicanalítica. Seu senso do que é direito é herança dos seus ancestrais.
Uma herança de que ele se orgulha como se orgulha de sua raça.
Minha língua, ele me explicou, é o alemão. Minha cultura, minha realização é
alemã. Eu me considero um intelectual alemão, até perceber o crescimento do
preconceito antissemita na Alemanha e na Áustria. Desde então prefiro me
considerar judeu.
Fiquei algo desapontado com esta observação.
Parecia-me que o espírito de Freud deveria habitar nas alturas, além de qualquer
preconceito de raças que ele deveria ser imune a qualquer rancor pessoal. No
entanto, precisamente a sua indignação, a sua honesta ira, tornava o mais atraente
como ser humano.
Aquiles seria intolerável, não fosse por seu calcanhar!,
Fico contente, Herr Professor, de que também o senhor tenha seus complexos, de
que também o senhor demonstre que é um mortal!
Nossos complexos, replicou Freud, são a fonte de nossa fraqueza; mas com
frequência são também a fonte de nossa força.
Fonte: <http://www.espacopsicanalitico.com.br/Freudentrevista.htm>.
Podemos considerar como pontos importantes desta entrevista o curso da vida não
eterna, o amor e o ódio coexistindo, a importância da autoanálise, além da
existência concreta e real. Notamos que Sigmund Freud menciona de forma
abrangente alguns de seus mais importantes postulados que reproduzem as
possíveis direções da vertente psicanalítica.
Ao mencionar sua opção pela vida não eterna e ao indicar que não se interessa
pela repercussão de sua contribuição teórica após sua morte, Freud desmistifica a
real necessidade do investimento libidinal de suas construções técnicas e teóricas
que possuem sentido para ele mesmo e para o meio científico. Sem o rigor.

2
RECORTES CLÍNICOS

Para ilustrar os aspectos teóricos ilustrados nas Unidades desta disciplina


utilizaremos de recortes clínicos advindos da experiência de 14 anos como
psicoterapeuta de abordagem psicodinâmica e formação psicanalítica da autora da
disciplina. Em primeiro lugar, tal como este conteúdo sugere falaremos da
formação e de experiências importantes para esta atuação profissional e, a partir
disso, serão relatados e discutidos teórica, técnica e metodologicamente. Em
segundo lugar recortes clínicos que falarão das fases iniciais da Psicoterapia e do
processo psicoterápico propriamente dito.
Vale ressaltar que nesta Unidade IV, o presente capítulo e o capítulo 4 ficam
dedicados ao relato da prática de recortes clínicos de Psicoterapia Psicodinâmica e
do Trabalho com grupos produzido no curso da pesquisa de Doutorado da autora.
Em relação ao contexto clínico, o setting terapêutico: as sessões são realizadas
pela abordagem psicanalítica que sugere inicialmente uma sessão semanal e
posteriormente até três sessões semanais de 45 minutos. As sessões podem ser
repostas em caso de falta se houver horários disponíveis e não serão consideradas
se canceladas um dia antes da sessão. Os atrasos não são considerados, pois o
tempo da sessão é do analisando que o utiliza de acordo com seu funcionamento
interno. A sala de análise é adaptada para sessões com crianças, adolescentes,
adultos e idosos, ou seja, possui brinquedos, jogos, poltronas e divã. O uso do divã
estabelece-se de acordo com o processo psicoterápico analítico e é sugerido ao
passo que o analisando formula suas próprias questões e demonstra possuir
condição interna e recursos internos para sustentar a si mesmo. Em situações
clínicas em que a angústia e outras manifestações psíquicas estão presentes de
forma intensa o divã não deve ser sugerido sob o risco de intensificar o estado
mental. Os autores utilizados como suporte técnico e teórico consistem a obra
Freudiana, Antonino Ferro, Wilfred Bion, Donald Winnicott, Melanie Klein, Jurandir
Freire Consta, Gilberto Safra, entre outros autores freudianos.
Trataremos primeiramente do recorte clínico de Aurora, uma senhora de 50 anos
fez contato por telefone para marcar um horário. Chamou-me atenção seu tom de
voz firme e sua disponibilidade para comparecer no horário sugerido. Ao chegar
Aurora olhou-me e sentou-se sem dizer uma palavra, apenas se comunicando com
os olhos. Ao sentar-se fixou o olhar para baixo e ficou em silêncio por cerca de 10
minutos. Considerando a postura do analista, percebi que naquela ocasião Aurora
convocava-me para estar com ela em um registro primitivo em que a verbalização
não acontecia, apenas o sentir se manifestava. E assim permanecemos durante
toda a sessão e Aurora chorava compulsivamente variando a intensidade. Eu
apenas oferecia o lenço e um copo de água. Ao final da sessão apenas disse que
percebi que estávamos no registro do sentir e a palavra não conseguiria ser útil,
apenas o sentir prevalecia. Aurora olhou-me, tomou a água, enxugou os olhos
levantou-se e antes de sair confirmamos o horário e a data da próxima sessão.

Assim que Aurora saiu registrei de forma escrita a sessão e apesar de ter
percebido o que aconteceu na sessão, marquei supervisão e discuti o caso com
minha supervisora. Tive certeza que um item de minha formação foi muito útil, não
apenas para este recorte clínico de Aurora, mas para outros casos clínicos que
representam estados emocionais primitivos da mente.
Trata-se do curso sobre a observação da relação mãe e bebê em que o analista
em formação acompanha uma dupla de mãe e bebê durante um ano e apenas
observa esta dupla por uma hora semanal sem intervir em absolutamente nada da
relação da dupla. Realizávamos supervisão semanal e discutíamos textos
importantes sobre o tema. Ao final do curso que dura em média um ano e meio a
dois anos, confeccionávamos relatório clínico contendo os relatos dos encontros
com a dupla e as construções teóricas decorrentes da experiência clínica. Inegável
a enorme contribuição deste curso para a minha formação por conduzir minha
atenção ao estado emocional primitivo manifestado em muitos analisandos de
forma singular. Este curso em Brasília é oferecido para Sociedade de Psicanálise
de Brasília.
Retornando ao recorte clínico em questão. Aurora compareceu a sessão seguinte
sorridente e aparentemente animada, cumprimentou-me e ao sentar-se perguntou-
me se havia ficado com medo dela na sessão anterior. Respondi que havia
percebido que ela convocou-me para sentir com ela o que acontecia internamente
com ela. Aurora sorriu e afirmou com a cabeça. E dali em diante pôde colocar em
palavras o que precisava primeiramente sentir. As sessões seguintes foram
repletas de questões psíquicas e emocionais de Aurora que permaneceu em
análise por cerca de um ano.
Este recorte clínico conduziu-me a pensar no papel do psicoterapeuta e analista,
uma vez que cada situação clínica convoca-nos a infinitos lugares psíquicos e
emocionais que precisamos reconhecer e seguir conjuntamente. Definitivamente
não é tarefa fácil e conhecer a teoria pode auxiliar, mas investir na formação é
essencial. No caso do psicoterapeuta o investimento precisa abarcar os aspectos
práticos supervisionados, teóricos, técnicos, metodológico e ainda pessoal no
sentido de realizarmos Psicoterapia e análise pessoal com o propósito de nos
conhecermos e identificarmos nossas questões psíquicas e emocionais. Uma
equação presente no contexto psicoterápico indica que quanto mais se avança
psíquica e emocionalmente na Psicoterapia pessoal mais avanços serão
proporcionados aos pacientes. Até mesmo pelo fato de reconhecermos em nós
mesmos o sofrimento nos ajuda e identificá-lo e, a partir disso, auxiliar no processo
psicoterápico.
Este primeiro recorte clínico destaca a postura do psicoterapeuta e as fases iniciais
da Psicoterapia. Já o segundo recorte clínico tratará do processo psicoterápico de
uma menina de 6 anos, Maria. A mãe de Maria fez contato telefônico para marcar
uma sessão para filha de 6 anos e, de acordo com a técnica psicoterápica e
psicanalítica, faz-se necessário uma sessão com os responsáveis pela criança
antes de iniciar a Psicoterapia com a criança. Na sessão com a mãe de Maria
reparei que a dupla mãe e filha investiam muito na relação delas e passavam muito
tempo juntas. A mãe de Maria, Antônia separou-se do pai dela quando ela estava
com 2 anos e mantém uma relação cordial com mesmo. Como Antônia relata, o
pai vê a filha com frequência e participa de sua vida no seu lugar de pai. Tratava-se
de pais que apenas deixaram de ter uma relação conjugal e mantinham, de forma
consciente, o lugar de pai e mãe. Antônia relatou que estava tendo dificuldades no
relacionamento com a filha no que tange os combinados e acordos do dia a dia.
Relatava que a filha passava a argumentar com ela a ordem dos afazeres e
propunha outros combinados que atendessem a ela e à mãe. Antônia relatou não
saber lidar com isso e via-se perdendo a paciência com frequência com a filha e
atribui à isso a sua criação e educação em que não havia espaço para combinados
com seus pais, apenas obedecia ou apanhava. Certamente Maria convocava essa
mãe a repensar e reformular o modelo de criação educação que recebeu, ou seja,
a construir com sua filha novas formas de relacionar e funcionar para além do que
vivera quando criança. Esta era a questão da mãe.
Na Psicoterapia de crianças deve-se destacar a importância de o psicoterapeuta
diferencia a demanda dos responsáveis da demanda da criança, o que muitas
vezes pode ser muito diferentes. Na sessão com Maria, de acordo com a prática e
com a experiência clínica, perguntei a ela se sabia porque estava ali e se ela
achava que sua mãe tinha motivos para estar preocupada com ela. Maria
respondeu que estava ali para ser educada e que sua mãe não a compreendia
como ela gostaria. Nas brincadeiras Maria sempre reproduzia as rotinas que
vivenciava com a mãe e com o pai e, utilizava uma casinha e os bonecos para
ilustrar o que acontecia. Reproduzia os momentos que antecediam a escola, o
dormir, fazer tarefas tanto com o pai como com a mãe. Usava sempre tons mais
expressivos ao reproduzir o que acontecia com a mãe. Certo dia Maria perguntou-
me: Tia, porque minha mãe não me deixa escolher minhas roupas ou o que quero
fazer quando chego da escola? Respondi perguntando por que ela achava que
acontecia isso e Maria respondeu dizendo que gostaria muito de ser diferente da
mãe. Na sessão seguinte deixei disponível na sala tintas e papéis. Ao reparar a
presença desses materiais Maria demonstrou alegria e disse que queria pintar,
mas não no papel. Queria colorir a si mesma para ficar diferente da mamãe.
Acreditava que com isso sua mãe a perceberia. Depois dessa sessão marque uma
sessão com Antônia por sugestão da minha supervisora que enxergou o momento
de intervir com a mãe, já que na sessão que Maria se pintou, assim que viu a filha
Antônia demonstrou não ter gostado do que viu.
Na sessão com Antônia foi possível reparar que o incômodo reproduzia sua
dificuldade de enxergar a filha como um sujeito de desejo e singular. Foi muito
interessante o fato de Maria precisar concretamente ficar de cor diferente para que
a mãe a enxergasse como um sujeito, um indivíduo, uma criança que constrói a si
mesma e demanda novas posturas da mãe. Ao passo que Antônia cedeu ao seu
modelo de educação em razão das demandas da filha enquanto sujeito, a relação
das duas melhorou significativamente. Ou seja, Maria ansiava pelo olhar existencial
da mãe para poder existir e não hesitou em se pintar concretamente para que ser
vista.
Este recorte clínico de Maria traduz o que compreende o processo psicoterápico e
o manejo clínico do material e do conteúdo psicológico no decorrer das sessões de
Psicoterapia. Isto requer do psicoterapeuta especial atenção às demandas
apresentadas e as possibilidades clínicas vislumbradas no processo psicoterápico.
ReflexãoFechar
Diante do descrito sobre os recortes clínicos apresentados, vamos refletir sobre a
importância da formação profissional considerando o tripé dr formação que
compreende o estudo teórico, o a atendimento e a supervisão de casos clínicos e a
Psicoterapia individual?
Como você atuaria e compreenderia, enquanto psicoterapeuta, o sofrimento
psíquico de Aurora e Maria? Como identificaria cada uma delas no processo
psicoterápico?

Saiba MaisFechar
Aurora - Nome fictício para fins de relato de recorte clínico. Pelo fato de utilizarmos
recortes clínicos que não identificam as pessoas atendidas, mas apenas ilustram o
que pretendo ilustrar da experiência e prática clínica, não foi necessário colher
consentimento livre e esclarecido das pacientes.

CAPÍTULO 2Partes

Bem-vindo!
Neste capítulo estudaremos
PSICOTERAPIA EM GRUPO

1
PSICOTERAPIA EM GRUPO

A partir das contribuições desses autores, instituímos um recorte teórico e clínico


psicanalítico para discorrer sobre a probabilidade de essa transformação instaurar
o reordenamento das representações do psiquismo por meio da experiência
psicanalítica em grupos, destacada como sendo propriamente um processo, pois é
um movimento fundamental da subjetividade que se encontra em causa (BIRMAN,
1991).
Partindo das postulações freudianas sobre grupos, Kâes (1997) aponta que as
pesquisas psicanalíticas se organizaram sob a hipótese de que o grupo “enquanto
conjunto intersubjetivo é o lugar de uma realidade psíquica própria” (p.61). Tal
hipótese iniciada por Freud, desenvolvida e fortalecida por Bion e Foulkes, “implica
dois debates fundamentais: o primeiro sobre a noção de realidade psíquica e o
segundo sobre sua extensão nas entidades pluripsíquicas organizadas, como, por
exemplo, num grupo” (p. 61).
Essas entidades pluripsíquicas se caracterizaram pelo emprego de uma situação
clínica adequada para promover pesquisa e prática terapêutica enquanto
dispositivo de trabalho fundado sobre os princípios metodológicos da psicanálise.
Kâes (1997) afirma que a atualização do regime psíquico à horda e ao outro é
constantemente posta em ênfase na situação grupal, considerada a “contrafação
sombreada e sombria do espaço do tratamento, como um filtro para as emoções,
fiador meta-individual da descoberta do inconsciente” (p .69).
Nesse sentido, Kâes (1997) afirma que

O que será objeto de um processo é o grupo enquanto o impensado desse apego


irredutível no qual, como se fosse o par do rochedo biológico, a psique encontra
seu fundamento. O que manterá impensado este objeto perseguidor e idealizado é
a ferida narcísica inerente a essa necessidade; o procede de um conjunto
emaranhado de desejos e de pensamentos precedentes a cada um de nós, ter de
se reconhecer um entre os outros e não como o centro e a origem do grupo; ter
que consentir em algumas renúncias na realização direta e necessariamente
egoísta dos fins pulsionais (pp. 28-29).

Verificamos que a situação grupal, por si só, representa a inscrição do sujeito no


social, no grupo e, automaticamente, a incorporação social, representada pelas
normas sociais e pelas Leis, simbólica e lei jurídica. A composição do grupo
convoca tanto o funcionamento individual como a reprodução do funcionamento
social em mútua e constante relação intersubjetiva.

Ao passo que criticou posicionamentos teóricos frente ao trabalho com grupos,


Costa (1989) baseou sua contribuição técnica e teórica no trabalho com grupos e
Psicoterapias de grupo, em sua experiência advinda do atendimento à população
nos ambulatórios públicos do serviço de Psiquiatria do Centro Psiquiátrico Pedro II.
Atualmente este centro foi denominado Instituto Municipal Nise da Silveira, em
homenagem à renomada psiquiatra Nise da Silveira.
Apoiamos nossa definição de grupo nas definições de Costa (1989), ao indicar que
o grupo “recebe o toque dos efeitos inconscientes”, seu “objeto de interpretação é o
fato transindividual ou interindividual” e “se define pela prática, pelos objetivos
explícitos em torno dos quais se formam” (pp. 43-51).
Nesse sentido, no grupo, “os indivíduos, com suas próprias palavras e seus
próprios significados, reelaboravam suas histórias biográficas e fantasmáticas”,
constatando que “as interpretações de sentido, próximas das construções, foram
reduzidas ao que devem ser: pontos de reequilíbrio narcísico com vistas ao retorno
das associações que permitirão a emergência de novos sem-sentido ou de
sentidos perlaborados” (COSTA, 1989, p. 52).

Em relação à experiência do grupo, Romani e Roso (2012) apontam que o trabalho


em grupo para pessoas que fazem uso de álcool e drogas, realizado nos CAPS
AD, pode ser considerado como um dispositivo possível de trabalho nessas
instituições, ao utilizar os princípios fundamentais e o rigor ético da Psicanálise
como condução técnica e teórica.
O lugar do sujeito no grupo, por meio da forma como esse se situa e é situado, ou
seja, o grupo do sujeito delimita-o em sua forma de se relacionar consigo e com os
outros. Portanto, este lugar pode significar sua constituição subjetiva por meio da
forma como adquire e constrói suas experiências psíquicas e emocionais que o
diferenciam dos outros. Em grupos, essa constituição subjetiva também se faz
presente (ZIMERMAN; OSÓRIO, 1997).
Se cada indivíduo singulariza em seus atos a universalidade de uma estrutura
social, é possível “ler uma sociedade através de uma biografia”, conhecer o social
partindo-se da especificidade irredutível de uma vida individual (GOLDENBERG,
2005).
Acreditamos ser essencial considerar os sujeitos nos planos individual e social,
bem como nos planos de sua constituição psíquica e emocional captada e
capturada pelo grupo, como organizadoras e instauradoras, que os caracterizam e
os diferenciam na sociedade. Por meio da perspectiva psicanalítica, em articulação
com outros saberes, entendemos ser possível descrever o sujeito nesses planos,
tendo em vista uma melhor compreensão do funcionamento subjetivo e
intersubjetivo em questão.
Rouchy (2001) sinaliza que os conceitos psicanalíticos se estendem cada vez mais
à reciprocidade entre o individual e o social, a partir das vivências internas e
externas entrelaçadas. Pontua ainda que, desde os estudos de Freud, observa-se
que, ao comparar os afetos primitivos, pelos quais se elabora a personalidade, com
aqueles que emergem nos estados emocionais das multidões, esses podem ser
considerados como equivalentes na origem do laço afetivo. O sujeito se constitui
individual e socialmente fazendo parte de diversos grupos e se identificando com
eles pelos mais diversos modelos.

A constituição psíquica ocorre desde o nascimento, de forma gradativa. A


possibilidade de perceber o outro passa a ser um momento crucial na constituição
psíquica, que dependerá da qualidade e intensidade das relações primordiais
estabelecidas com o sujeito desde o seu nascimento. A instauração da Lei
simbólica como possibilitadora e organizadora do sujeito respalda-se nessas
relações primordiais remetidas às gerações relacionais e antecedem a
incorporação da lei jurídica e social. Como afirma Barros (2001),

devem-se à norma fundamental a validez e a eficácia de todo ordenamento. A


norma fundamental sustenta a pressuposição de uma premissa: da obediência à
autoridade com o poder de constituir a lei. A validade da constituição e sua eficácia
derivam dessa pressuposição (p. 12)

O sujeito, desde seu nascimento, depara-se com diferentes situações e aprende a


lidar com as mesmas, interna e externamente, a partir de como percebe serem
recebidas suas expressões e suas manifestações, pelo seu meio familiar e social.
A demanda que se expressa é a de acesso ao sentido, signo de sua existência
ligada à possibilidade de pertencer a um grupo, definindo funções e papéis sociais
(BARUS-MICHEL, 2004).
A existência do sujeito pressupõe a introjeção de ordenamentos organizadores e
instauradores do social, ou seja, a relação dual inicial existente entre o bebê e sua
mãe necessita ser interditada por um terceiro, a função paterna, que introduz a lei
simbólica e a lei jurídica e social. Falamos aqui de função materna e paterna, não
de pai e mãe como conhecemos, pois, em muitas situações, a mãe exerce tanto a
função materna como paterna e vice-versa.

Dessa forma, a função materna acalenta o sujeito e instaura nele a percepção de


ter suas necessidades atendidas. Já a função paterna organiza e instaura a
presença e a existência de um terceiro, que introduz o social e suas regras. Nesse
ponto, o sujeito passa a lidar com a presença do outro e do social introduzido por
suas leis, Leis e regras de funcionamento. Trata-se da dissolução do complexo de
Édipo, que deixará a introjeção das normas e regras como herança situada no
super eu (FREUD, 1924; WINNICOTT, 1990, 2002).
O grupo do sujeito, de acordo com Kâes (1997), representa a repetição das
dilacerações e das feridas das origens e consequentemente de seus impasses, por
um lado. E, por outro lado, função simbólica representa a humanizante,
civilizadora, cumpridora do complexo de Édipo, a passagem da horda ao grupo, a
mutação das identificações imaginárias megalômanas na ordem contratual da
cultura (p.29).
O grupo de pertencimento primário, segundo Rouchy (2001),

é a matriz da identidade cultural de grupo; é a base da partilha da qual procede a


individuação. É com base nesses elementos que o indivíduo vai aprender a
realidade, dar-lhe um sentido e construí-la em sinais explicativos. As funções
psíquicas mostrariam, dessa forma, o traço das incorporações culturais do grupo
de pertencimento primário, de forma que a subjetividade só ganha sentido na e
pela intersubjetividade. É isso que se passa na origem dos pressupostos
partilhados que tornam a palavra inteligível. (p. 131)

Para esse autor, o grupo de pertencimento secundário complementa a


interiorização cultural e concretiza a apreensão do espaço e do tempo. Possui,
então, uma função de socialização e de interiorização de normas e de valores (p.
132). Tanto no grupo primário quanto no grupo secundário de pertencimento, o
olhar do outro é constitutivo da imagem de si e da relação do si a si, remetendo-
nos às relações primordiais do ser humano, isto é, suas relações familiares,
sociais, intersubjetivas.
Dentre elas, como afirma Baccara (2006), a função paterna nas relações familiares
atua como constituinte do sujeito e possibilita a organização social, além de
representar a engrenagem necessária para a manutenção da ordem simbólica, da
autoridade, da introjeção da Lei simbólica, e, consequentemente, da lei jurídica e
social no estabelecimento de limites e regras individuais e coletivas. Porém, a
falência da função paterna parece ocorrer gradualmente na atualidade, já que para
ser introduzida se faz necessário existir internamente.
A ausência ou a perda das referências constitutivas do sujeito faz acreditar que
isso pode significar o fracasso do indivíduo, assim como o fracasso social, o que
inviabiliza a interiorização da imagem e da metáfora paterna, levando à
impossibilidade da interiorização coletiva da lei e à possibilidade de quebra das
mesmas, como no conflito com a lei. Baccara (2006) corrobora tal afirmação ao
propor que o “Pai Jurídico” buscado e encontrado no conflito com a lei promove o
limite estruturador e abre muitas possibilidades de reconstrução do sentido da vida.
Se vivermos em “um mundo sem limites”, onde as referências se tornam confusas
pela falta de referenciais paternos, pode-se possibilitar que os filhos abandonados
se deixem levar pela violência, pelas condutas adictas e por manifestações
ditas boderlines.
Em uma perspectiva psicossociológica que confere à vertente psicanalítica,
Carreteiro (2001) afirma que poder ter a lei como referência em nível social é poder
imaginar uma possibilidade de ordem democrática em que haverá igualdade entre
os seres humanos. Manter a Lei paterna como referência simbólica é, ao mesmo
tempo, assumir a proibição do incesto e do assassinato, acessar ao
reconhecimento da alteridade e querer ser reconhecido em sua própria diferença.
Selosse (1997) apud Baccara (2006), enfatiza o lugar de autoridade legal que a
Justiça dispõe que reafirma tanto a existência de uma autoridade referente como o
respeito a uma realidade externa e aos direitos individuais.
Acredita-se que a falência da função paterna gera impactos estruturantes para o
sujeito individual e coletivo e com ela se constrói uma sociedade alheia à
autoridade e à lei como organizadora, perdendo seu sentido frente à violência que
ilustra o transbordar do que suporta o psiquismo (COSTA, 2003). A lei e a Lei
encontram-se no social e a segunda não pode existir sem a ocorrência da primeira,
ou seja, a lei se instaura no sujeito quando há a integração da Lei.
Acredita-se que, em não havendo a introjeção da lei e do social, instaura-se o caos
na civilização e a impossibilidade de lidar e vivenciar conflitos individuais e coletivos
pela evidência da indisponibilidade de perceber o outro. Desenvolve-se, então, a
tirania e a ideia individualista e egocêntrica de existência marcada pela percepção
apenas de si mesmo em detrimento do outro.
Nesse sentido, a alteridade pressupõe a introjeção da Lei simbólica e da lei social e
indica que a partir da condição desenvolvida de perceber a si mesmo torna-se
possível perceber o outro e o social e conviver com seus desdobramentos e
limites.
Nesse percurso, destaca-se o conflito social como inerente à condição humana e à
existência do sujeito que perpassa sua trajetória e sua história desde seus
primórdios. A habilidade de vivenciar estes conflitos remete-nos ao
desenvolvimento humano e à constituição do sujeito como amparado e amparador
da Lei e do funcionamento social. O sujeito amparado emocional e afetivamente
em seu desenvolvimento psíquico e emocional desenvolve formas criativas de lidar
com conflitos, sendo esses conflitos fundantes do sujeito individual e socialmente
(SÓCRATES, 2007).
Dessa forma, o grupo é constituído por sujeitos que constituem o grupo em
fundação psíquica e emocional que considera a triangulação necessária à
dissolução do complexo de Édipo. Ou seja, o grupo implaca sua existência entre o
sujeito e ele mesmo no social e o remete às suas experiências emocionais,
passíveis de pensamento e elaboração no ato de compartilhamento das mesmas.
Tal como ocorre na triangulação edipiana em que a função paterna assume esta
tarefa e inaugura-se o sujeito social (BARUS-MICHEL, 2004).
Compreendemos que a interação social inerente ao sujeito privilegia o
pertencimento no grupo, tal como aponta Pisani (2005),

o indivíduo é a expressão do contexto sociocultural ao qual pertence e ao qual ele


contribui para constituir; e por isso também a psicopatologia individual não pode
estar senão em estreita relação com a psicopatologia do grupo. O paciente é
porta-voz dos conflitos e problemas que investem contra todo o grupo ao qual
pertence, a começar do familiar primário. (p. 17)

Zimerman (1997) destacou as principais contribuições de Wilfred R. Bion, que,


durante a década de 1940, influenciado pelas ideias de Melanie Klein e partindo de
suas experiências com grupos realizadas em um hospital militar durante a
Segunda Guerra Mundial e na Tavistock Clinic, criou e difundiu conceitos
totalmente originais acerca da dinâmica do campo grupal. Para Bion, qualquer
grupo movimenta-se em dois planos: grupo de trabalho, que opera no plano
consciente e consiste em realizar tarefa, e grupo de pressupostos básicos, que
opera no plano inconsciente e divide-se em dependência (líder carismático e
provedor), luta e fuga (líder tirânico capaz de enfrentar ameaça) e
acasalamento/apareamento (líder místico que gera salvação). Bion ainda propõe a
relação continente-conteúdo como modelo para o vínculo que o indivíduo tem com
o grupo. Esta relação vivenciada no grupo comporta três tipos, quais sejam,
parasitário (identificação e repetição de comportamentos), comensal
(compartilhamento emocional) e simbiótico (soluções criativas).
O grupo, na visão de Pagès (1976), é um lugar privilegiado para estudar as
emoções de grupos mais vastos. Ele considera que os grupos pequenos teriam, de
certo modo, uma função terapêutica e reparariam criativamente, experimentando,
elaborando e evoluindo conflitos recusados pelo grupo mais vasto.
Em outra vertente sobre grupos, Levy (2001) sinaliza que a ligação entre a
psicanálise e a psicossociologia datam dos anos 1942-1943. Em uma perspectiva
predominantemente kleiniana, iniciou-se a construção de uma prática de análise de
grupos e de comunidades ampliadas. Houve momentos de tensão e cisões nesse
período. Redefinições de técnicas e conceitos ocorreram em prol das forças
psíquicas, conscientes ou inconscientes, inerentes aos grupos.
Nesse sentido, Levy (2001) afirma que a mais importante contribuição da
psicanálise aos processos sociais é ter definido e ilustrado a problemática da
mudança em caráter contínuo considerando a natureza particular dos processos
psíquicos individuais e coletivos, ou seja, a mudança vivida no conflito entre forças
opostas evidenciadas nas situações humanas sempre em equilíbrio instável.
Utilizando-se da teoria psicanalítica e instaurando-se o circuito eminentemente
psicanalítico de construção teórica, parte-se da experiência clínica de condução de
grupos à teorização dos pressupostos vislumbrados, ao encontro não apenas do
que consta na bibliografia a respeito do tema, mas ao que será possível verificar
em termos empíricos.
A técnica psicanalítica utilizada deverá levar em conta a mobilidade do grupo frente
à necessidade de ampliar as possibilidades interpretativas no curso do grupo. Ou
seja, quanto mais o grupo conseguir ousar e ser criativo sem afastar-se da
Psicanálise estrita e não tendenciosa, mais condições terá de adaptar as técnicas
às suas condições (BRASILIANO, 1997).
Desse modo, o propósito do Grupo de Intervenção Psicossocial é criar um espaço
de reflexão capaz de oportunizar aos participantes a busca de sentido para suas
próprias vivências na tentativa de inaugurar saídas possíveis para além do uso de
drogas ao se depararem com as situações da vida. Concordamos com Brasiliano
(1997) quando afirma que o grupo atua como receptáculo de fantasias que nele
possam ser projetadas, com postura aberta e receptiva, tendo em vista fomentar
movimentos que incidam transformação da realidade psíquica e emocional dos
sujeitos do grupo.
No contexto do estudo, apesar de ser possível verificar diferenças no
funcionamento psíquico e emocional de sujeitos que possuem diferentes
gradações e tipos de relação com as drogas, tem-se que, em muitas situações, a
droga funciona como garantia de que não se confrontarão com o desamparo
original camuflado por ela, utilizando, portanto, efeitos estufantes do ego.
Entretanto, o próprio uso de drogas também pode ser posto em xeque quando
limitado pela Lei, cerceado pela Justiça, talvez por também reproduzir essa
fragilidade que denota haver uso da função das drogas como artefato da relação
estabelecida e representada pelo sofrimento psíquico não manifesto e expresso.
Neste sentido, situamos a intervenção psicossocial no contexto da Justiça como a
condição para manifestar e expressar conteúdos para além do envolvimento com a
Justiça por uso de drogas, previsto no inciso III do artigo 28 da Lei no 11.343/2006.
Saiba MaisFechar
Perlaborar consiste no “processo pelo qual a análise integra uma interpretação e
supera as resistências que ela suscita. Seria uma espécie de trabalho psíquico que
permitiria ao sujeito aceitar certos elementos recalcados e libertar-se da influência
dos mecanismos repetitivos. A perlaboração é constante no tratamento, mas atua
mais particularmente em certas fases em que o tratamento parece estagnar em
que persiste uma resistência, ainda que interpretada. Correlativamente, ponto de
vista técnico, a perlaboração é favorecida por interpretações do analista que
consistem principalmente em mostrar como as significações em causa se
encontram em contextos diferentes” (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 339).

Saiba MaisFechar
Referimos Lei como a Lei simbólica incorporada pelo sujeito ao longo de seu
desenvolvimento psíquico e emocional, e, lei como a lei social, ordenamento
individual e coletivo regido por normas e regras individuais e coletivas.

Utilizamos “Lei” quando se trata da apropriação do ordenamento das relações primordiais e


suas funções para o sujeito e “lei” quando nos referimos à civilização e aos ordenamentos
jurídicos.

CAPÍTULO 3Partes

Bem-vindo!
Neste capítulo estudaremos
ABORDAGEM PSICANALÍTICA: INTERVENÇÃO EM GRUPOS NO CONTEXTO DA JUSTIÇA

1
ABORDAGEM PSICANALÍTICA: INTERVENÇÃO EM GRUPOS NO CONTEXTO DA
JUSTIÇA

Com o objetivo de ilustrar um caso clínico com grupos, apresentamos a seguir um


modelo de intervenção psicossocial em grupo, um dos resultados da tese de
doutorado da autora da disciplina que teve como objetivo estruturar uma
metodologia de trabalho com grupo com pessoas que se envolveram com a
Justiça por uso de drogas.
Apresentamos como um dos resultados da tese, a partir do caráter construtivo,
teórico-metodológico e interpretativo, do olhar hermenêutico e clínico psicanalítico,
com o propósito de contribuir com as intervenções psicossociais no contexto da
Justiça. A partir do trabalho de campo, relatamos os resultados pelo processo de
intervenção à pesquisa, que abrangeu toda trajetória teórica e o recorte empírico,
ou melhor, da proposta metodológica do Grupo de Intervenção Psicossocial (GIP)
à análise do processo grupal que (re)significou o envolvimento com a Justiça por
uso de drogas.
Consideramos que o processo de intervenção à pesquisa se inicia quando a
Justiça instaura o processo legal de sujeitos apreendidos por uso e ou porte de
drogas, realiza audiência coletiva e os encaminha aos Serviços Psicossociais que
realizam a triagem e os encaminham a um dos serviços da rede de atenção ao
usuário de drogas para cumprirem a medida alternativa imposta. Esse processo de
intervenção à pesquisa operou-se em quatro momentos distintos, quais sejam: 1)
participação no Grupo de Intervenção Psicossocial, que acolhe os envolvidos com
a Justiça por uso de drogas, de acordo com a proposta metodológica, a ser
apresentada neste capítulo; 2) possibilidade de os participantes refletirem acerca
da relação que estabelecem com as drogas e com eles mesmos, diante dos níveis
interacionais estabelecidos nos contextos sociofamiliar e institucional da Justiça; 3)
composição funcional mental do GIP, ao longo dos encontros, como dispositivo
reflexivo e clínico que promoveu processos reflexivos, com vistas ao
desenvolvimento de uma postura reflexiva, para além da obrigação judicial, no
intervalo entre a obrigação e a demanda; 4) o GIP como metabolizador de
experiências capaz de deslocar o uso da função do uso de drogas no circuito
pulsional, (re)significar a intervenção psicossocial no contexto da Justiça e revelar o
encontro inexorável entre o sujeito e ele mesmo, para além da relação com as
drogas e com a Justiça.
Relataremos a proposta metodológica do GIP construída como primeiro eixo de
resultado deste estudo e primeiro momento do processo de intervenção à
pesquisa, que consiste na sistematização da experiência de intervenção grupal
revelada pela pesquisa durante a condução dos grupos.
Por meio da experiência de realização dos grupos utilizando essa sistematização,
verificamos que se tratava da análise não apenas dos conteúdos emergentes do
campo de pesquisa, mas também do próprio contexto interventivo que promoveu o
alcance da proposta do GIP. Destacamos um elemento diferencial acionado e
utilizado nos encontros que integrou os registros escritos às expressões verbais
nos grupos de envolvidos com as drogas, no contexto psicossocial da Justiça.
Avaliamos que esse elemento diferencial – considerado inicialmente como
instrumento para reunir informações e servir como aquecimento dos encontros –
representou para os participantes do GIP, no decorrer dos grupos, a condição
essencial para realizarem contato com eles mesmos antes de compartilharem suas
experiências para o grupo. Funcionou como um objeto intermediário entre os
participantes e o grupo, responsável tanto por aplacar expectativas e angústias
iniciais, como para facilitar a expressão e o compartilhamento de experiências no
grupo. E o GIP, portanto, representou o espaço intermediário entre os participantes
e a Justiça, enquanto contexto de intervenção e campo originário da presente
pesquisa.
Com o objetivo de facilitar tanto a transmissão da proposta construída como a
compreensão do leitor, elaboramos um roteiro de retratação e aplicabilidade do
GIP, que abrangeu três etapas: 1) a caracterização do setting grupal; 2) o relato da
função da pesquisadora na intervenção e na pesquisa pelo espaço intermediário
do GIP ao objeto intermediário e, por fim; 3) o relato do que propomos para cada
um dos cinco encontros do GIP e como foram utilizados os objetos intermediários
nos dois grandes momentos, comum a todos os grupos, com registro escrito e
registro verbal compartilhado.

2
CARACTERIZAÇÃO DO SETTING GRUPAL

O desafio inicialmente apresentado à realização de grupos no contexto


psicossocial perpassou a aposta em uma metodologia que promovesse a reflexão
como objetivo primordial e que considerasse a própria experiência de realização
dos grupos e as contribuições dos participantes como referências e diretrizes de
sua construção.
Além disso, a definição de uma intervenção psicossocial em grupo exigiu da
proposta do GIP tanto a reunião de condições técnicas e teóricas para
proporcionar espaço reflexivo para os participantes, como a condição de extrair
percepções analíticas, interpretativas e clínicas acerca do compartilhamento da
experiência, no âmbito da pesquisa.
A partir de uma leitura atenta e analítica sobre as principais contribuições dos
teóricos dos processos grupais, reunimos referências para a construção e
organização do contexto do GIP. E, a partir da escolha do referencial teórico
psicanalítico, afirmamos o uso da lente hermenêutica para compreender o cenário
do GIP, enquanto ciência da interpretação e da prática sistemática de
desvelamento de sentidos e interpretação (MANDELBAUM, 2012).
Dessa forma, apresentamos a proposta do contrato grupal do GIP, assinalando-o
como pequeno grupo, fechado, com duração máxima de uma hora e trinta minutos,
com encontros semanais, formado por grupos homogêneos em que o processo se
refere aos aspectos dinâmicos ativados no interior da estrutura, e a comunicação
fundamental e a verbal, equivalente à associação livre. O processo de interação no
grupo pode ocorrer em dois níveis: consciente e inconsciente, requerendo da
pesquisadora intuição, flexibilidade, honestidade, paixão por esse tipo de trabalho,
capacidade empática, criatividade, características de um analista, já que a grupo
análise e a psicanálise são complementares, tal como grupo e indivíduo
(FOULKES; ANTHONY, 1972; ZIMERMAN, 1995, 1997, 2000; BION, 1970, 1975;
COSTA, 1989; BRASILIANO, 1997; KAËS, 1997; PISANI, 2005; ROMANI, 2012).
Propomos que todos os encontros sejam conduzidos por pelo menos duas
pessoas capacitadas teórica e tecnicamente, com embasamento na teoria e
técnica dos processos grupais, e sejam pautados por uma abordagem teórica para
compreensão dos processos grupais. No caso deste estudo, a pesquisadora
conduziu os GIP’s e contou com o auxílio de alunos de estágio que assumiram
função de observação e registro. Ao final de todos os encontros, a pesquisadora
registrava o que havia ocorrido e expressava suas impressões e interpretações
acerca do que percebia representar a prática dos efeitos do inconsciente
interindividuais percebidos no grupo (COSTA, 1989). Esses registros compuseram
um arsenal acionado enquanto fonte de dados, no decorrer dos resultados deste
estudo, juntamente com os registros escritos dos participantes e com os registros
das observações dos alunos.
Outro ponto que consideramos importante para a proposta do GIP consiste na
proposição de que o local para sua realização possa contar com a possibilidade de
permanência dos participantes após o término e ou cumprimento judicial. Mesmo
diante do fato de constatarmos, neste estudo, um pequeno número de
participantes que permaneceram no local para realizar acompanhamento
psicológico após concluírem o GIP, afirmamos que o trânsito observado na
obrigação à demanda requer condição de continuidade reflexiva e elaborativa. Se
não for possível, alertamos para o acionamento complementar da rede assistencial
de saúde e socioassistencial como supridoras dessas possibilidades.
A atenção às possíveis demandas que podem surgir após o cumprimento da
obrigação judicial se justificou, ainda, pela aposta na capacidade do GIP de incitar
reflexões mais aprofundadas e significativas. Inclusive, o número de cinco
encontros justifica-se pela observação de progressiva abertura psíquica à reflexão
e elaboração das experiências neste contexto.
Embora não seja contexto de tratamento, e sim apenas o cumprimento de uma
medida imposta, propomos que o GIP possa convocar reflexões ricas e singulares
ao logo dos encontros do grupo. E, mesmo dependendo do momento de vida de
cada participante e da condição psíquica e emocional em que se encontravam,
observamos a ocorrência de importantes e significativas discussões nos grupos e
para os grupos.
Vale destacar que o ponto comum a todos os participantes perpassou o
encaminhamento pelo SERUQ/SEPSI/TJDFT, conforme descrito anteriormente no
capítulo referente à metodologia, com o propósito de cumprirem a medida judicial
pelo comparecimento e pela participação no GIP. Porém, esse ponto comum não
isentou a necessidade de se estabelecerem regras que o GIP deve seguir. Essas
regras devem ser pactuadas, de preferência, no primeiro encontro, para que sejam
cumpridas nos encontros subsequentes. Os participantes devem ser envolvidos na
construção dessas regras, que remontam alguns itens do contrato grupal, além de
contemplarem coletivamente o que todos devem não apenas cumprir, mas vigiar
que seja cumprido. Assim, qualquer exceção que ocorra deve contar com a
decisão do grupo, que passa a possuir poder deliberativo.
No tocante às convergências e divergências evidenciadas nas contribuições dos
teóricos dos processos e trabalhos grupais, especialmente a respeito da
manifestação do inconsciente no grupo, a postura teórica e técnica adotada pela
pesquisadora apoiou-se na concepção de Costa (1989) ao definir que o grupo
“recebe o toque dos efeitos inconscientes”, “o objeto de interpretação é o fato
transindividual ou interindividual” que “se define pela prática, pelos objetivos
explícitos em torno dos quais se formam” (pp. 43-51).
Nesse sentido, utilizamos as palavras de Costa (1989) para expressar e transpor o
objetivo da proposta do GIP, “os indivíduos, com suas próprias palavras e seus
próprios significados, reelaboravam suas histórias biográficas e fantasmáticas”. E
“as interpretações de sentido, próximas das construções, foram reduzidas ao que
devem ser: pontos de reequilíbrio narcísico com vistas ao retorno das associações
que permitirão a emergência de novos sem sentido ou de sentidos perlaborados”
(p. 52).

Desse modo, propomos que o GIP seja realizado em cinco encontros semanais
com temas predefinidos e com o objetivo de proporcionar espaço reflexivo e
elaborativo dos desdobramentos intersubjetivos convocados pelo envolvimento
com a Justiça por uso de drogas. No início de todos os encontros, como
aquecimento e como “elemento diferencial” do grupo, definimos a utilização de
objetos intermediários temáticos e caracterizados como registros escritos prévios.
Logo que chegavam aos encontros, os participantes preenchiam o objeto
intermediário correspondente, que visava promover uma maior conexão entre eles.
Apostamos que esses registros escritos prévios auxiliavam na organização das
ideias que seriam compartilhadas no grupo.
Desse modo, os cinco encontros do GIP abrangem, respectivamente, cinco
momentos sequenciais propostos por temas previamente pensados, quais sejam,
acolhimento, relação com as drogas, relações familiares, relações sociais e projeto
de vida. E todos os encontros seguem um roteiro de realização que consiste no
uso do objeto intermediário como aquecimento pelo registro escrito individual dos
conteúdos correspondentes e posterior socialização desses conteúdos e de suas
ressonâncias subjetivas e intersubjetivas.
Na perspectiva da discussão acerca da relação com as drogas, que perpassou em
maior ou menor expressão todos os encontros do GIP, apesar de ter sido definido
um encontro para esse tema, pautou-se pela perspectiva da redução de danos,
com o propósito de ouvir as experiências com as drogas e repassar informações
para um uso consciente, tendo como marco a adoção de estratégias norteadoras
da Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral ao Usuário de Drogas e
da Política de Saúde Mental, como alternativa à política global de “guerra às
drogas” (PASSOS; SOUZA, 2011).
Neste estudo, a utilização da teoria e da técnica psicanalítica como possibilidade
interpretativa dos conteúdos advindos do desvelamento hermenêutico,
evidentemente, não recobriu toda a perspectiva clínica, bem como, não
negligenciou a importância de outras correntes teóricas mais relacionadas com os
processos sociais. Tal como afirma Levy (2001):

A transposição da psicanálise para o campo social está baseada na existência de


uma memória, de um imaginário, de emoções coletivas que impregnam,
conscientemente ou não, a psicologia dos indivíduos e impõem sua lógica própria
aos processos organizacionais e grupais. (p. 44)

Nesse sentido, a dimensão alcançada pela articulação entre a intervenção e a


pesquisa deve ampliar a significação das narrativas dos participantes como um
processo multidimensional que impacta em todos os envolvidos no contexto
empírico. Ou seja:

Recolher tais narrativas é aceitar ser por elas modificado; e fazê-las conhecer é
esperar, sem dúvida, quebrar um silêncio, talvez desfazer certezas; a menos que,
ao testemunhar a importância da história, ao renovar sua abordagem, ao reafirmar
os vínculos entre a vida das pessoas e da coletividade, essas narrativas sejam
uma forma de resposta para a angústia e para a desorientação que caracterizam
nossas sociedades modernas e ultra organizadas, ao “mal-estar na identificação”
que as impregna e cujo entusiasmo atual pelas “histórias de vida” é, talvez, o sinal.
(LEVY, 2001, p. 98)

Nesse sentido, recorrendo novamente ao que aponta Levy (2001), a intervenção


enquanto pesquisa clínica deve buscar ligar três momentos, distintos e
indissociáveis, que lhes conferiram significação: 1) o ato ou a relação clínica que
une clínicos-pesquisadores e sujeitos-participantes portadores de uma demanda
de ajuda e de compreensão; 2) o trabalho de teorização e elaboração clínica da
compreensão acerca da demanda e 3) a comunicação e transmissão das
compreensões alcançadas que relacionam sucessivamente atores sociais,
pesquisadores e destinatários potenciais.
Ressaltamos, no presente estudo, uma vertente do olhar hermenêutico e clínico
psicanalítico, o lugar diferenciado ofertado pelo GIP à reflexão provinda da
obrigatoriedade do cumprimento de medida judicial. Partimos, no entanto, da
crença na possibilidade da transformação da demanda obrigatória em demanda de
compreensão e elaboração dessa experiência no contexto do grupo. Como
proposto por Sudbrack (2003), no envolvimento com a Justiça, pode haver a
passagem da obrigação à demanda e, neste estudo, indicamos que pelo
envolvimento com a Justiça por uso de drogas pode ocorrer a participação no GIP,
que proporciona da obrigação à reflexão. Ou melhor, a obrigatoriedade do refletir
pode proporcionar o pensar, que, por sua vez, promove o compartilhamento dos
pensamentos e das experiências, gerando consciência da função do uso das
drogas, reorganizadora do pensamento e das ideias. E pode, ainda, promover um
reposicionamento diante da função do uso de drogas à atribuição de sentidos às
experiências.
A partir do diálogo entre autores das ciências sociais, torna-se possível o processo
de conhecimento, que é um processo vivo, no qual o pesquisador se converte em
núcleo gerador de pensamentos no curso da pesquisa e se torna sujeito de seu
estudo, o que é essencial para a pesquisa qualitativa.
Conforme afirma Mandelbaum (2012):

A compreensão é um método de conhecimento que se funda basicamente em


nossa capacidade de trasladar a uma vivência psíquica alheia, sobre a base dos
signos que o outro oferece à captação, e que incluem o gesto, a palavra falada, o
discurso, a obra de arte ou o texto, isto é, todas as inscrições que a realidade
humana deixa atrás de si. Todo fenômeno humano é linguagem. E é com nossa
humanidade comum – o que de estruturalmente temos em comum em nossa vida
psíquica – que captamos, através da linguagem, a humanidade do outro, os
sentidos que o mobilizam. A compreensão, portanto, pressupõe uma espécie de
fusão entre o sujeito e o objeto do conhecimento: para compreender, precisamos
nos colocar no mundo junto com o que está para ser compreendido. (p. 3)

A seguir, apresentamos como foi proposto cada um dos encontros do GIP


enquanto contexto de intervenção e campo de pesquisa. Sendo o GIP o espaço
intermediário entre os participantes e o grupo dispositivo reflexivo de envolvimento
ativo dos participantes neste processo empírico e fonte de dados, apostou-se na
metodologia do GIP como forma de atender às demandas do público a que se
destina e de representar o percurso metodológico inerente à transição entre a
intervenção e a pesquisa.
A função integradora da pesquisadora na intervenção e na pesquisa: do espaço
intermediário do GIP ao objeto intermediário
A partir da contextualização da proposta metodológica do GIP rumo à
apresentação do que propomos para os cinco encontros, acreditamos ser
importante assinalar que o grupo representou um espaço intermediário entre os
participantes e a Justiça, pelo fato de representar o elo entre a reflexão e a
movimentação psíquica e emocional, assim como entre a elaboração das
experiências vivenciadas e a compreensão e captação de sentidos intersubjetivos.
Além disso, o objeto intermediário utilizado nos encontros do grupo pautou o que
sinaliza Ricouer (2011) ao pontuar três observações acerca da noção de texto, o
discurso, o uso oral e o uso escrito do discurso e a palavra oral e a palavra escrita,
referindo-se à composição do texto. O registro escrito compôs a autonomia
semântica da escrita e abriu “caminho a uma busca de regras de composição que
a troca rápida das respostas e das perguntas da conversação não dá tempo de
desenvolver” (p. 30).
O registro escrito do objeto intermediário facilitou os relatos verbais compartilhados
no grupo, instaurando diálogo entre o escrito e a expressão oral, ou melhor, do
individual para o coletivo. Configurou-se como uma forma de recuperar o acesso à
experiência subjetiva com ele mesmo, impor a reflexão sobre as situações escritas
e, automaticamente, pensar os conteúdos que compartilhariam primeiramente com
a coordenadora/pesquisadora e, posteriormente, com o grupo.
A atuação do objeto intermediário proporcionou o caráter construtivo-interpretativo
desta pesquisa, além de que assumir função semelhante à do Objeto
Transicionalde Winnicott, enquanto dispositivo continente de angústias e
ansiedades que ocupam um espaço intermediário entre a realidade interna e a
externa (WINNICOTT, 2001).
Nesse sentido, buscou-se estabelecer o “arco hermenêutico” proposto por Ricouer
(2011) ao afirmar que a “interpretação consiste precisamente na alternância de
fases de compreensão com fases de explicação e sempre é preciso caracterizar,
no campo epistemológico, o estilo próprio de alternância entre explicação e
compreensão” (p. 24).
Avaliamos que os objetos intermediários utilizados neste estudo, no início de todos
os encontros do GIP, promoveram diferentes níveis de interação dos participantes
com eles mesmos e com o grupo e ainda tornaram possível a explicação e a
compreensão do “arco hermenêutico” de interpretação das expressões e dos
sentidos atribuídos às experiências consideradas significativas no processo
reflexivo dos grupos.
De uma forma geral, os cinco encontros do GIP abarcaram diferentes aspectos da
vida dos sujeitos participantes e envolvidos com a Justiça por uso de drogas. Cada
encontro do GIP foi intermediado por um tema e por objetos intermediários que
auxiliaram no alcance de diferentes direções reflexivas e elaborativas, conforme a
dinâmica que os grupos desenvolveram. O diferencial metodológico do GIP
consiste justamente no entrelaçamento dos registros escritos e verbais, o que
alargou tanto a experiência reflexiva e elaborativa dos participantes, como a
experiência analítica e interpretativa da pesquisadora.
Diante do exposto, considerando a dupla função exercida pela pesquisadora no
contexto da intervenção psicossocial grupal e na pesquisa advinda desse contexto,
apoiamos as possibilidades visualizadas no método do GIP pelas palavras de
Mandelbaum (2012) ao afirmar que:

O fenômeno humano se situa entre uma causalidade que reclama ser explicada e
uma motivação que reclama ser compreendida. Estes dois exercícios, o da
explicação e o da compreensão, exigem rigor e sensibilidade, uma escuta
informada cuja construção é desafio contínuo do pesquisador. (p. 7)

Afirmamos a função integradora exercida pela pesquisadora a partir do espaço


intermediário do GIP e do uso dos objetos intermediários, que integrou o registro
escrito ao verbal e ampliou a compreensão e atribuição de sentidos às
experiências compartilhadas. O gradiente continente da pesquisadora possibilitou
sua função integradora diante dos conteúdos aludidos pelos participantes (BION,
1991). A experiência clínica e a interpretação hermenêutica e psicanalítica da
pesquisadora conduziram os efeitos inconscientes interindividuais do grupo ao
reequilíbrio narcísico e à emergência de novos sem sentido ao sentido ôntico
intersubjetivo (COSTA, 1989; SAFRA, 2006).
Os cinco encontros do GIP e o uso do objeto intermediário: registro escrito e verbal
compartilhados
Ao longo da realização dos GIP’s, verificamos dois pontos que diferenciaram essa
metodologia e certamente consistiram nos alcances, interventivo e interpretativo,
retratados neste estudo. O primeiro referiu-se à função instituída pelo grupo em
relação aos participantes, como espaço intermediário entre eles e o envolvimento
com a Justiça. E o segundo representou a percepção acerca da função do uso dos
instrumentos construídos configurarem objetos intermediários que interferiram na
relação dos participantes com eles mesmos e com o grupo.
Esses dois pontos convergiram ao comum a todos os encontros do GIP, quer
dizer, as funções que desempenharam tanto o grupo enquanto espaço
intermediário, como os objetos intermediários enquanto registros escritos
transformados em registros verbais ao serem socializados no grupo.
Compreendemos que esses dois níveis de registros proporcionados ativaram o
potencial do GIP como dispositivo reflexivo e clínico, uma vez que, ao acionarem o
pensamento pelo registro escrito, verificamos que os mesmos realizavam um
primeiro contato com seus conteúdos internos, antes de serem compartilhados.
Anexaremos, ao final desta tese, objetos intermediários dos encontros
preenchidos, a título de ilustração.
Para efeito da retratação da metodologia e das experiências advindas do contexto
de realização dos GIP’s, julgamos necessário partir da proposta construída rumo
ao relato do que propomos para cada um dos cinco encontros.

O primeiro encontro: acolhimento e boas-vindas!


O primeiro encontro do GIP consiste em acolhimento e boas-vindas. O objetivo é o
registro de como os participantes estavam ao chegar ao GIP, como estavam em
relação ao envolvimento com a Justiça por uso de drogas, naquele momento, logo
após a apreensão e a audiência, o que esperavam dos encontros do GIP, o que
sentiam pelo tratamento da Justiça com o encaminhamento ao GIP e como se
sentiam em ralação a isso, além de um espaço para algo que gostariam de
registrar.
O propósito principal nesse primeiro encontro é acolher e conhecer os
participantes. O objeto intermediário de Avaliação inicial do GIP utilizado conta com
o registro escrito das questões . A seguir, apresentamos as categorias que
traduziram a sistematização dos sentimentos percebidos por participantes de GIP’s
anteriores, como descrito na metodologia. São elas:
QUESTÕES CATEGORIAS
1. Como chegou aqui hoje?
2. Como você está em relação ao seu
envolvimento com a Justiça por uso de
drogas agora?
3. Como você ficou em relação ao seu 1.1. “triste”
envolvimento com a Justiça por uso de 1.2. “ansioso”
drogas logo após a apreensão? 1.3. “apreensivo”
4. Como você ficou em relação ao seu 1.4. “preocupado”
envolvimento com a Justiça por uso de 1.5. “tranquilo”
1 drogas logo após a audiência? 1.6. “de outro jeito, qual?”
2.1. “espaço para refletir sobre meu uso
de drogas”
2.2. “espaço para refletir sobre minha
família”
2.3. “espaço para refletir sobre meus
amigos”
2.4. “espaço para refletir sobre meu
trabalho” “espaço para refletir sobre minha
vida”
2.5. ”espaço para refletir sobre meu
envolvimento com a Justiça”,
2 5. O que esperava dos encontros do GIP? 2.6. “outra coisa, qual: explique”
3 6. Como sente que a Justiça te tratou com 3.1. “acreditou em mim”
o encaminhamento para o GIP? (Pode 3.2. “me deu uma chance”
marcar mais de um item.) 3.3. “me puniu”
3.4. “me tratou como uma pessoa”
3.5. “me tratou como um processo”
3.6. “me tratou como um ‘drogado’”
3.7. “não sei dizer”, “de outro jeito, como?:
explique”
4.1. “feliz”
4.2. “triste”
4.3. “recebendo crédito da Justiça”
4.4. “ansioso para cumprir o GIP”
4.5. “não liguei, sou usuário de drogas e
quero cumprir isso logo”
4.6. “refleti sobre meu uso de drogas”
4.7. “refleti sobre minha família”
4.8. “refleti sobre meus amigos”
4.9. “refleti sobre meu trabalho”
4.10. “refleti sobre minha vida”
4.11. “refleti sobre meu envolvimento com
a Justiça”
4 7. Como se sentiu? 4.12. “outra coisa. Explique:”
Consideramos também importante traçar um perfil socioeconômico dos
participantes por meio de um questionário socioeconômico preenchido por eles,
que contém perguntas abertas sobre grau de instrução, situação de trabalho e
renda, situação civil, situação habitacional, número de pessoas com quem
residiam, religião, situação de saúde, se já haviam realizado tratamento psicológico
e ou psiquiátrico em razão ou não do uso de drogas, situação judicial e sobre o
desejo de receberem uma ligação ou realizarem acompanhamento psicológico
após o cumprimento do GIP. Os participantes devem ser orientados a não indicar
seus nomes.
Após os registros escritos, apresenta-se o contexto do GIP, por meio da relação
com a Justiça, sua proposta, a equipe composta pela pesquisadora e pelos alunos
também se apresenta, além do que vai acontecer em cada um dos cinco
encontros. Em relação à Justiça, informamos que, ao final dos encontros,
enviamos ao SERUQ uma lista com os nomes dos que frequentaram todos os
encontros do GIP, como condição de cumprimento da obrigação judicial.
Solicitamos ainda que entregassem todos os objetos intermediários ao final de
todos os encontros.
Nesse encontro, os participantes também se apresentam e socializam as
circunstâncias relacionadas ao uso de drogas que os levaram ao GIP, mas
precisamente o momento da apreensão policial. Constatamos, no relato de muitos
participantes, o abuso de autoridade e de poder dos policiais no ato da apreensão.
Apesar de a Lei no 11.343/2006 estabelecer que as pessoas apreendidas usando
ou portando drogas devem ser conduzidas à delegacia, assinar Termo
Circunstanciado e se disponibilizar a comparecer à audiência, esses relatos
ilustraram haver ainda um contraponto entre o Sistema Jurídico e a Segurança
Pública. Enquanto a Justiça trata o uso e o porte de drogas transpondo à obrigação
ao direito a espaço reflexivo, como discutimos neste estudo, por exemplo, a polícia
continua, pelo discurso dos participantes, a atuar com privação de direitos.
Analisamos ainda, neste primeiro momento, no fato de os participantes se
apresentarem pela droga de consumo e ou apreensão, a existência de uma
associação droga e sujeito, pelo fato de se identificarem pela droga de uso e ou
apreensão. Verificamos que nos três GIP’s, as demandas dos participantes por
informações sobre as drogas restringiam-se às de que faziam uso. Entretanto, a
apresentação dos participantes pela droga de apreensão ou uso já auxiliava a
preparação do encontro seguinte, que propõe a discussão da relação deles com as
drogas.
Verificamos que o primeiro encontro de todos os GIP’s realizados sempre
representou um misto de emoções. As ansiedades e expectativas das duas partes,
equipe e participantes, alcançavam seu ápice e se acalmavam nesse encontro.
Notou-se que, depois de transcorrido o previsto para esse momento, todos
compartilhavam uma mútua aceitação e acolhimento, ponto importante que
pareceu sustentar os encontros seguintes.
O espaço reflexivo ofertado pelo GIP e a postura não repressiva e não punitiva
diante dos participantes dimensionam esse espaço como neutro, ou melhor, como
lugar de produção de conhecimento, em um centro universitário ou em um
ambiente clínico, o que torna possível integrá-los à rede de Saúde, por meio desse
elo entre a Saúde e a Justiça.
Outro ponto importante desse primeiro encontro perpassa a definição das regras
de funcionamento do grupo, que são definidas por todos. Parte-se do próprio
contrato do grupo estabelecido pelo setting grupal, como definições do contexto,
rumo ao funcionamento próprio do grupo. De uma maneira geral, o que sempre se
estabelece como regra diz respeito ao horário de início e término dos encontros, ao
não uso do celular (exceto em situação de necessidade e aviso prévio ao grupo) e
ao não comparecimento aos encontros sob efeito de drogas.
O segundo encontro: vamos falar sobre sua relação com as drogas?
Esse encontro utiliza o objeto intermediário Vamos falar sobre sua relação com as
drogas?, que possui questões abertas e fechadas sobre a história do uso de
drogas, sobre os tipos de drogas de que fazem ou fizeram uso e por quanto tempo,
sobre como os participantes sentem o efeito e como se sentiam sob o efeito das
drogas de uso, se já tiveram “onda ruim”, se já deixaram de fazer alguma coisa em
razão do uso, se notaram ou se alguém notou seu uso de drogas como intenso ou
prejudicial, o que gostariam de dizer para alguém que começa a usar drogas, qual
droga originou o envolvimento com a Justiça, se o envolvimento com a Justiça por
uso de drogas os fez (re)avaliar a relação com as drogas, se conheciam algum
serviço de saúde que oferecesse tratamento ou se já realizaram algum tratamento
nos serviços de saúde.
Talvez, pelo fato de esse objeto intermediário possuir perguntas abertas, tenha
sugerido que os participantes contassem suas histórias de envolvimento com as
drogas de forma livre e, a partir disso, puderam perceber a função das mesmas em
suas vidas.
Como nesse segundo encontro o objetivo é discutir o contexto do uso das drogas e
a relação do uso na vida dos participantes, o objeto intermediário representa
importante forma de acesso e captura dessas informações, tanto para os
participantes subsidiarem a discussão quanto para a pesquisadora realizar,
posteriormente, a sistematização do tema ,baseada nos objetos intermediários
entregues pelos participantes ao final do encontro.
A partir do que foi levantado no primeiro encontro acerca da demanda de
conhecimento sobre as drogas, juntamente com o que fora introduzido pelo objeto
intermediário exposto anteriormente, enfatizamos a importância de ter
conhecimento sobre as drogas, o uso de sua função na vida dos participantes,
além da ação no Sistema Nervoso Central. Nesse ponto, ao passo que relatam
suas experiências, já sinalizam haver suposições sobre o uso da função do uso de
drogas assumir alguma função no circuito pulsional, ao associarem, por exemplo,
uma experiência vivenciada como fator considerado importante para acionar o uso
de drogas.
Esse encontro propôs ainda fornecer informações sobre o funcionamento das
drogas no SNC, pautadas pela redução de danos físicos, sociais e psicológicos,
bem como sistematizar as diferentes funções do uso de drogas relatadas na
discussão do grupo, o que pareceu pautar diferentes rumos e construções
possíveis nesse contexto. Esse encontro teve a principal finalidade de provocar
reflexão e promover a consciência acerca da relação que estabeleciam com as
drogas, além dos impactos físicos, sociais e psicológicos vivenciados nessa
relação.
Analisando as informações advindas dos registros desse encontro e do objeto
intermediário Vamos falar sobre sua relação com as drogas?, notamos um vasto e
grandioso campo de pesquisa. Muitos registros dos participantes remontam ao que
se tem na literatura sobre o tema, mas as dinâmicas percebidas na articulação
dessas fontes de informações empíricas retratam um alcance de reflexões muito
interessantes e instigantes que transitaram na vertente hermenêutica e da clínica
psicanalítica.
Partindo da iniciativa da proposta do GIP de uma intervenção que possibilitasse
reflexão, o segundo encontro conta com a condição de os participantes falarem
sobre suas experiências com as drogas. Consideramos tal encontro como um
marco importante do início da dissociação droga e sujeito, ou seja, avaliamos que,
ao passo que relatavam suas experiências com as drogas, relatavam também o
que acontecia em suas vidas, o que culminava, muitas vezes, nas lembranças de
uso como via possível para lidar com eles mesmos e com as situações
vivenciadas.
O fato de os participantes demonstrarem não associarem, em um primeiro
momento, o uso do efeito da maconha às situações vivenciadas em suas vidas e
suas consequências, reafirmou umas das hipóteses deste estudo e sugeriu a
potencialidade reflexiva dos GIP’s, tendo em vista o alcance de diferentes formas
de analisar e pensar o sentido atribuído ao efeito do uso das drogas alcançado.
Quando se discutiu como acreditavam que as pessoas percebiam o uso que
faziam do efeito da maconha, por exemplo, alguns participantes indicaram que a
família considerava seu uso intenso ou prejudicial, mesmos eles não concordando.
Porém, destacamos inconsistência entre o que percebiam sobre o uso que faziam
e o que diriam a alguém que começava a usar drogas, pois, praticamente todos os
participantes gostariam de dizer, em tom de alerta “não use drogas”. Evidenciamos
uma contradição nessas duas informações, pois, se não consideravam seu uso
intenso ou prejudicial, por que alertavam quem iniciaria o uso para não usar?
Avaliamos que essa contradição poderia estar encobrindo o papel coercitivo que o
contexto da Justiça exercia e que poderia interferir nas expressões dos
participantes, especialmente nos primeiros encontros do GIP. Mesmo em um
espaço fora do contexto da Justiça, os participantes poderiam compreender que a
participação no GIP poderia ainda representar ameaça ou a produção de provas
contra eles mesmos. Ou seja, diziam o que deviam dizer e ficavam com receio de
compartilhar suas reais opiniões sobre o fato de usarem drogas quando suas
opiniões alcançavam para além deles.
Em relação ao envolvimento com as drogas, verificamos que os participantes
indicaram a “curiosidade” e o “estar entre amigos que faziam uso”como fatores de
início do uso de drogas. Porém, um participante indicou que “sentia falta de alguma
coisa”, o que teve ressonância no objeto da presente pesquisa ao sinalizar uma
função para o uso de drogas no circuito psíquico e emocional.
O terceiro encontro: o envolvimento com a Justiça por uso de drogas e as
relações familiares
O terceiro encontro parte da discussão acerca do envolvimento com as drogas e
as relações familiares, por meio de um objeto intermediário, denominado Dinâmica
das figuras familiares, que consiste na livre escolha de figuras representativas de
cenas que expressavam relações familiares e posterior compartilhamento das
escolhas e ressonâncias emocionais e reflexivas. A partir do compartilhamento,
entendemos que a eleição das figuras não é aleatória, tendo em vista a relação
estabelecida com a escolha projetiva de experiências emocionais e o fato de a
escolha da figura remeter a experiências subjetivas dos participantes.
As socializações e as trocas configuram-se no objetivo desse encontro, que
costumou ser rico e proveitoso para os participantes. Ao longo das socializações e
no encerramento, a equipe media os diálogos e ressaltava a importância de
socializarem suas experiências, uma vez que podiam ser comuns, além de
proporcionarem ampliação da consciência e da percepção acerca dos
acontecimentos da vida.
Propomos que as figuras oferecidas devem ser sugestivas de inúmeras
circunstâncias da vida cotidiana familiar. E por mais que as figuras tenham sido
preparadas para cada GIP realizado, havia sempre figuras que indicavam famílias,
pai e filho, filhos brincando, cenas da natureza, nuvens, folha branca, folha preta,
cenas de conflitos, cenas que denotavam alegria e tristeza, cenas contraditórias,
entre outras. E as escolhas e os relatos das mesmas sempre são intensos e
emocionantes. Os participantes pareciam estar mais à vontade e expunham muito
mais suas vidas e vivências, medos e esperanças, exemplos de vida e mentores
de suas vidas.
Esse encontro representou um divisor de águas nas experiências dos grupos, uma
vez que os participantes demonstraram estar mais envolvidos emocional e
psiquicamente. Ao relatarem suas histórias de vida, pareciam se reposicionar
afetivamente em relação a elas, atribuindo algum sentido ôntico (SAFRA, 2006).
Além disso, a análise da relação que os participantes estabeleciam com as drogas
revelou a relação com dois importantes contextos, quais sejam, sociofamiliar e
institucional da Justiça, que serão reportados no Capítulo 4.
O quarto encontro: o envolvimento com a Justiça por uso de drogas e as
relações sociais
O envolvimento com a Justiça por uso de drogas e as relações sociais e de
trabalho consistem na proposta do quarto encontro, por meio da utilização de um
instrumento adaptado para este estudo, o Mapa da Rede (SANTOS, 2006). Como
objeto intermediário, o Mapa de Rede é utilizado para estimular o registro escrito e
posterior discussão sobre como percebiam esses impactos em suas relações
sociais, familiares e de trabalho, bem como, sobre como os avaliam em suas vidas.
No objeto intermediário Mapa da rede, os participantes escrevem o nome das
pessoas que identificavam em cada um dos quadrantes e, dentro do círculo e mais
próximo do centro, onde eles estavam posicionados, os nomes de quem se
posicionava mais próximo deles, afetiva e relacionalmente. Esse encontro
promoveu uma reflexão profunda a respeito de como os participantes se
enxergavam socialmente, o que repercutiu em suas experiências emocionais de
forma intensa e marcante. Nesse encontro, as emoções afloram, às vezes até mais
notoriamente do que no encontro anterior, como aconteceu em alguns grupos.
Ao longo das socializações e no encerramento, a equipe deve mediar os diálogos
e ressaltar a importância das experiências sociais como parte construtora de cada
um. Ao final desse encontro, a equipe sinaliza que, para o próximo e último
encontro, os participantes podem convidar uma pessoa importante para participar.
Esse convite tem o intuito de ampliar a percepção sobre suas relações sociais,
além de gerar condição para os participantes compartilharem o que estão
vivenciando nos encontros do GIP com a presença dessas pessoas escolhidas.
O quinto encontro: projeto de vida e avaliação do GIP
No quinto e último encontro, utilizamos os objetos intermediários Projeto de Vida e
Avaliação final do GIP. O Projeto de Vida representa um importante espaço de
registro escrito e a posterior socialização, configurando-se em um momento
catártico acerca de como os participantes se percebiam e gostariam de se
perceber em direção a um projeto de vida.
O Projeto de Vida, enquanto objeto intermediário, consiste no convite aos
participantes a registrar, de forma escrita, em cinco campos – EU, EU HOJE, EU
ONTEM, EU AMANHÃ e REGISTRO SIMBÓLICO – as percepções
correspondentes sobre eles mesmos, em momentos distintos de suas vidas. E,
posteriormente, socializam seus registros. Notamos que em poucos GIP’s havia
convidados; quando houve, tratava-se de amigos, namorados(as) e pais.
Já a Avaliação final do GIP conta com questões sobre como os participantes
pensavam que seriam os encontros do GIP, o que esperavam do GIP, como foi
participar do GIP, de qual encontro mais gostaram, se a participação no GIP gerou
algum impacto em suas vidas, se alguém, ou eles mesmos, notaram alguma
mudança enquanto frequentavam o GIP, os que achavam que levariam do GIP,
como pensavam o envolvimento com a Justiça ao final do GIP, se consideravam a
participação no GIP a melhor forma de cumprir pena/medida judicial por uso de
drogas, como avaliavam o GIP, o que mudariam no GIP (a ordem dos temas, o
conteúdo dos temas, os encontros), se indicariam o GIP para pessoas na mesma
situação, se gostariam de registrar algo que foi perguntado, se gostariam de
receber um telefonema da equipe após o GIP ou receber algum encaminhamento,
ou ser incluído no Serviço de Psicologia para atendimento psicológico e, por fim,
qual mensagem/desenho/poesia queriam deixar registrado sobre sua participação
no GIP.
O objeto intermediário Avaliação Final do GIP representa a abrangência do alcance
reflexivo e elaborativo do GIP, uma vez que os participantes compartilham seus
registros escritos e seus discursos, considerados pontos importantes na trajetória
realizada no decorrer dos encontros.
O objetivo principal desse último encontro é avaliar a participação no GIP, a partir
do registro escrito das questões. O objeto intermediário de Avaliação final do GIP
compõe também a categorização das respostas às questões 1, 2 e 3. As
categorias traduzem as expressões deles a cada questão da Avaliação final do
GIP e foram introduzidas como alternativas das questões, além de ser mantido,
ainda, um espaço aberto para outras respostas. São elas:
QUESTÕES CATEGORIAS
1.1. “exatamente como foram”
1.2. “me surpreenderam”
1.3. “melhor que esperava”
1. Como pensava que seriam os 1.4. “pior que esperava”
1 encontros do GIP? 1.5. “explique”
2 2. O que esperava do GIP? 2.1. “mudança”
2.2. “espaço para refletir”
2.3. “punição e repressão”
2.4. “não ser ouvido”
2.5. ”não ter voz”
2.6. “explique”
3.1. “pensei sobre meu uso de drogas”
3.2. “pensei sobre minha família”
3.3. “pensei sobre meus amigos”
3.4. “pensei sobre meu trabalho”
3.5. “pensei sobre minha vida”
3.6. “pensei sobre meu envolvimento com
a Justiça”
3 3. E agora, como foi participar do GIP? 3.7. “explique”
O quinto e último encontro representa o desfecho do GIP por meio de uma
proposta de resgate e construção do Projeto de vida. A Avaliação Final também
ocorria e encaminhamentos necessários eram realizados. Os participantes eram
orientados a registrar suas percepções em momentos distintos de suas vidas.
Nesse encontro, o objetivo é estabelecer, pela via escrita, simbólica e oral, uma
conexão entre o que percebiam sobre eles instantaneamente, como eram e como
pretendiam ser, ampliando assim as possibilidades de se perceberem no curso dos
acontecimentos de suas vidas.
Após o registro escrito, propomos que os participantes apresentem suas
produções para o grupo, o que reafirma a importância de se perceberem e, a partir
disso, reforçarem seus sonhos e projetos, pois isso era exclusivamente
responsabilidade deles. Nas situações em que os participantes trouxeram algum
convidado, este participou ativamente do preenchimento e da discussão do Projeto
de vida.
Em seguida, retoma-se a socialização das avaliações e de seus registros escritos.
Nesse momento, os participantes são informados, mais expressivamente acerca
da possibilidade de permanecerem no Serviço e realizarem acompanhamento
psicológico individual e ou grupal. Esta informação também consta na Declaração
de Participação no GIP, documento não judicial e simbólico que recebem ao final
do GIP.
Muitos participantes sinalizaram interesse em permanecer no Serviço de
Psicologia, mas, ao serem contatados, posteriormente, a maioria já não
demonstrava esse interesse ou havia mudado de telefone, o que impossibilitou o
contato ou a continuidade do vínculo.
As atividades desse encontro se encerraram pela sugestão de formação de um
círculo com os participantes em pé e de mãos dadas, o que remetia a uma
corrente que certamente foi construída ao longo dos encontros do GIP. Em
seguida, sugere-se que levem com eles, cada um do seu jeito e como for
conveniente, as experiências circulares ocorridas no decorrer dos dias em que
estiveram juntos. Sempre agradecíamos imensamente as contribuições deixadas,
por meio dos registros escritos e dos registros sobre cada encontro realizado, que
contemplava as socializações de suas ideias. Encerra-se o GIP, sempre
imprimindo a possibilidade de os participantes continuarem no Serviço de
Psicologia para realizarem acompanhamento psicológico.
Diante do que propomos para os encontros do GIP, recorremos à definição de
Costa (1989) sobre os grupos como “instituição social” que “auto instituem
permanentemente suas realidades”, “como condição da diversidade, da pluralidade
e da recriação permanente do universo social humano” (p. 14). Afirmamos que o
GIP representou uma situação grupal mutante que recria o universo humano a
partir da possibilidade ofertada pelo envolvimento com a Justiça por uso de drogas.
Concordamos com Costa (1989) na defesa de que o trabalho com grupo não
representa um modelo único e generalizável de atendimento e na sustentação de
três importantes pontos sobre o atendimento em grupo de serviços e ambulatórios
psiquiátricos públicos, que nos auxiliou a reconhecer o lugar da proposta do GIP
diante do público a que se destina.

Primeiro, porque não aceitamos e, mais que isso, repudiamos, a ideia de que a
população pobre deva ser assistida em massa pelo fato de ser pobre. Segundo,
porque nada em nosso conhecimento nos autoriza a afirmar que o atendimento em
grupo seja a poção mágica para todos os problemas psíquicos apresentados pelos
clientes. Terceiro, enfim, porque os resultados obtidos por esta prática ainda
permanecem sujeitos a críticas por várias razões. (pp. 14-15)

Entre as razões das críticas ao trabalho com grupo, Costa (1989) aponta o curto
tempo de experiência e as anomalias dos modelos. Mesmo hoje, quase trinta anos
após sua publicação, identificamos nesse cenário de trabalho com grupos essas
críticas e uma diversidade de modelos e aportes teóricos e técnicos no campo da
Psicanálise. Mas verificamos que nos aproximamos de Costa (1989) justamente
pela condição de lançarmos outro olhar ao sujeito envolvido com a Justiça por uso
de drogas e utilizamos o espaço grupal como subjetivação da experiência. A
proposta do GIP não aceita a ideia de assistência em massa, opção mágica e
prática acrítica.
Compreendemos que a proposta do GIP convocada pela Justiça, revela na Justiça
possibilidades para além de seu papel, apesar de qualificar sua função
metabolizada pela oportunidade gerada de trânsito entre a obrigação à reflexão, ao
pensamento, à elaboração e a novos sentidos ontológicos (SUDBRACK, 1992,
2003; SAFRA, 2006).
Consideramos ainda que, sem dúvida, os participantes contribuíram enormemente
com a proposta metodológica do GIP, tanto pelos registros escritos nos objetos
intermediários, como por meio do retorno à equipe acerca do que vivenciaram nos
encontros, como avaliaram o GIP e como se avaliaram no decorrer dos encontros.
NÃO FINALIZAR
Figura 13.

Saiba MaisFechar
Perlaborar consiste no “processo pelo qual a análise integra uma interpretação e
supera as resistências que ela suscita. Seria uma espécie de trabalho psíquico que
permitiria ao sujeito aceitar certos elementos recalcados e libertar-se da influência
dos mecanismos repetitivos. A perlaboração é constante no tratamento, mas atua
mais particularmente em certas fases em que o tratamento parece estagnar EME
que persiste uma resistência, ainda que interpretada. Correlativamente ao ponto de
vista técnico, a perlaboração é favorecida por interpretações do analista que
consistem principalmente em mostrar como as significações em causa se
encontram em contextos diferentes” (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 339).

Você também pode gostar