TCC - Sheila Mendes (LIDO)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação Gênero e Diversidade na Escola

Sheila Mendes de Souza

DIÁLOGOS COM O LIVRO DIDÁTICO JORNADAS.GEO7: abordagem da


população negra no livro e propostas de atividades que valorizem o negro

Belo Horizonte

2016
DIÁLOGOS COM O LIVRO DIDÁTICO JORNADAS.GEO 7: abordagem da
população negra no livro e propostas de atividades que valorizem o negro.

Proposta de intervenção apresentada ao Programa de


Pós-Graduação Gênero e Diversidade na Escola, da
Universidade Federal de Minas Gerais.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Villalta

Co-orientadora: Prof. Mª Thalita Rodrigues

Belo Horizonte

2016
AGRADECIMENTOS.

Este trabalho teve a contribuição de várias pessoas. Agradeço de uma maneira


especial aos professores do Curso de Pós-Graduação Gênero e Diversidade na Escola, que
acrescentaram em minha caminhada com textos e reflexões pertinentes sobre os preconceitos
existentes no Brasil e, juntamente com os alunos, propuseram ações de combate aos mesmos.

Não poderia deixar de agradecer a aluna Nilma, que sugeriu as ações positivas à
população negra presentes neste trabalho.

Ao meu orientador, Professor Dr.Luiz Carlos Villalta, que dedicou tempo de sua
caminhada na leitura criteriosa desse trabalho e pelas inúmeras contribuições, que
suscitaram maiores reflexões e melhorias no mesmo.

À tutora e co-orientadora deste trabalho Prof. Mª Thalita Rodrigues, não só pelas


contribuições dos textos, mas também por me lembrar que o tempo nem sempre estava a meu
favor.

Também não poderia esquecer do Prof. M. Raphael Rocha de Almeida, componente


da banca, que colaborou com sua leitura e proposições de melhoria deste texto. Procurei
incorporar grande parte delas.

Às Professoras Dras. Doralice Barros Pereira e Rogata Soares Del Gaudio pelas
discussões na disciplina Ideologias e Geografias, das quais aproveitei muito para a
idealização do meu trabalho.

Aos diversos alunos, que tive e aos que tenho, por suscitarem esta preocupação em
mim.

Por fim, aos meus amigos Mauro, Rosa, Karina e Eugênia, pelo incentivo e também
pelas leituras que fizeram.

O meu agradecimento segue também para a minha família, pela compreensão das
ausências.

Obrigada a todos.
RESUMO

Esta monografia faz uma análise da abordagem do negro no livro didático Jornadas.geo 7 e
propõe atividades didáticas e estudos mais aprofundados na Geografia escolar que se
conectem com o livro analisado. Com isso, objetiva não só uma abordagem crítica da
construção do racismo no Brasil, mas também apresentar atividades que valorizem a cultura
do negro. Como metodologia, foram percorridos os estudos para desvendar o papel ideológico
da escola, bem como as possibilidades que a mesma oferece para se ter um ensino mais
autônomo. É discutida também a função da ideologia na construção do racismo brasileiro,
retomando as teorias do branqueamento e da democracia racial, para posteriormente
relacioná-la com a produção do livro didático. Já as propostas de atividades apresentadas
buscam uma abordagem da construção do Brasil a partir do trabalho escravo e das políticas
implementadas pelo Estado que contribuíram para aprofundar as relações de desigualdade
entre brancos e negros e, ainda, analisar as atuais formas de inserção e as políticas de
afirmação conquistadas recentemente.

Palavras-chave: ideologia, livro didático, cultura negra.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 1: Engenho. Obra de Frans Post, século XVII (PAULA & RAMA, 2013, p. 31) --- 22

Imagem 2: Imigrantes chegando a São Paulo, após a viagem de navio, 1907 (PAULA &
RAMA, 2013, p 195)------------------------------------------------------------------------------------24

Imagem 3: Coronel Donnel com esposa e filhos, Paranaguá (PR), 1912 e Família no Parque
do Ibirapuera, São Paulo (SP), 2008(PAULA & RAMA, 2013, p 196) ------------------------ 25

Imagem 4: Grupo Folclórico Samba Lenço na cidade e Mauá (SP), 2006 (PAULA & RAMA,
2013, p 212) ----------------------------------------------------------------------------------------------26

Imagem 5: Festa de Iemanjá em Salvador (BA), 2012(PAULA & RAMA, 2013, p 212) ----27

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1: População negra e parda entre 2000 e 2010(IBGE, 2010) -----------------------28

GRÁFICO 2: Rendimento médio das populações negras, pardas e brancas 2010


(MINISTÉRIO DO TRABALHO, 2010)------------------------------------------------------------29
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO -----------------------------------------------------------------------------------------5

1 IDEOLOGIA, RACISMO E LIVROS DIDÁTICOS -------------------------------------- 10


1.1 O conceito de ideologia e a função ideológica da escola -----------------------------------10
1.2 Ideologia e a construção da ideia de racismo ------------------------------------------------ 13
1.3 Ideologia e a produção de livros didáticos----------------------------------------------------17

2O LIVRO JORNADAS.GEO. 7--------------------------------------------------------------------19


2.1 Proposta didática dos autores ----------------------------------------------------------------- 19
2.2 O livro 7 da Coleção Jornadas.geo -------------------------------------------------------------20

3. DIÁLOGOS COM O LIVRO JORNADAS.GEO 7 -------------------------------------------31


3.1 O trabalho escravo e o plantio da cana-de-açúcar ------------------------------------------31
3.2 O trabalho escravo na mineração --------------------------------------------------------------33
3.3 O trabalho escravo na produção de café e a contribuição para a indústria----------34
3.4 Estudos populacionais ----------------------------------------------------------------------------35
CONSIDERAÇÕES FINAIS-------------------------------------------------------------------------38
REFERÊNCIAS----------------------------------------------------------------------------------------39
ANEXO A – Texto: Economia colonial: Cana e trabalho escravo sustentaram o Brasil
colônia ----------------------------------------------------------------------------------------------------41
5

INTRODUÇÃO

No primeiro semestre de 2014, matriculei-me em uma disciplina isolada no Programa


de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade Federal de Minas Gerais, intitulada
Ideologias e Geografias. Essa disciplina me foi de fundamental importância, pois me permitiu
ter contato com estudos de vários autores que discutiram e conceitualizaram a Ideologia. A
partir daí, passei a analisar os fatos já com a consciência de que poderia haver uma ideologia
por trás dos mesmos.

Um dos autores analisados e muito polêmico foi Louis Althusser (1966), com sua
teorização em Aparelhos Ideológicos de Estado e sua conclusão de que a escola é um destes
principais aparelhos ideológicos. Ele é muito criticado por sua visão determinista/pessimista,
mas nem por isso inválida, pois muitos outros autores desenvolveram outras teorizações a
partir das análises de Althusser. Uma das professoras, que ministrava a disciplina sempre
lembrava o velho ditado “não vamos jogar fora a criança coma água do banho!” Ou seja,
apesar das críticas, que foram feitas a este autor, muitos estudos se sucederam a partir de suas
teorizações.

A ideologia é um termo carregado de dissenso, sendo várias as definições que ela


assume. Cada uma serviu para que pudéssemos analisar a ideologia nas várias acepções que
ela assume, para entendermos como a mesma opera. No nosso estudo, utilizaremos a
formulação de ideologia feita por dois autores: ALTHUSSER (1966) e THERBORN (1987).

A teorização de ideologia feita por ALTHUSSER (1966) trouxe a grande contribuição


de analisar as funções e as formas como ela atua na sociedade. Para ele, essa serve para a
manutenção e reprodução do sistema capitalista em que atuariam como responsáveis por esta
reprodução aos Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE’s) juntamente aos Aparelhos
Repressivos de Estado (ARE’s), dando-se maior destaque aos primeiros. Outra contribuição
deste autor é que ele insere a ideia de que a ideologia possui uma existência material,
concretizada na interpelação dos indivíduos como sujeitos.

Vejamos algumas de suas teses:


6

“A ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com as suas condições


reais de existência” (ALTHUSSER, 1966, p.77). O autor justifica que é a partir daí que se dá
a manipulação, pois as definições de mundo podem ser falseadas pelos interesses de classe.

“A Ideologia tem existência material” (ALTHUSSER, 1966, p.83). Isto é, embora


seja uma representação do mundo real, essa interfere no modo como o sujeito atua no mundo.

“A ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos” (ALTHUSSER, 1966, p.93).


Assim, ALTHUSSER explica que a ideologia só existe “pelo sujeito e para os sujeitos”
(p.93). Ela atua transformando os indivíduos primeiramente em sujeitos concretos, o que vai
garantir sua submissão ao Sujeito (dupla estrutura especular da ideologia, pois, ao se
submeterem ao Sujeito, se reconhecem nele), o reconhecimento entre os sujeitos, e a ele
mesmo como sujeito (ALTHUSSER, 1966, p.111). Tal reconhecimento acaba por garantir a
manutenção do sistema, pois perpetua “a garantia absoluta, de que tudo realmente é assim e
de que, desde que os sujeitos reconheçam o que são e se comportem consoantemente, tudo
ficará bem: «Amém -Assim seja" (ALTHUSSER, 1966, p. 137).

Goran Therborn (1987) parte da conceitualização de ALTHUSSER (1966) de que a


ideologia interpela os sujeitos, mas troca o par submissão-garantia pelo submissão-
qualificação. No conceito formulado por ele, a dialética é inserida na interpretação da mesma.
A ideologia, além da ideologia da classe dominante, possui outros sentidos. Um deles é
assumir o aspecto do cotidiano pelo qual o ser humano submete-se a uma ordem. Mas, ao
mesmo tempo, segundo o autor, o ser humano tem a capacidade de transformá-la. Vejamos
sua definição de ideologia:

La función de la ideologia em la vida humana consiste basicamente em


laconstitución y modelácion de la forma en que los seres humanos vivem sus vidas
como actores conscientes y reflexivos en um mundo estructurado y significativo
(THERBORN, 1987, p.13).

A partir desta definição, ele afirma que as mudanças sociais são possíveis, pois, ao
mesmo tempo em que o sujeito já está em um mundo estruturado e que é qualificado pelas
interpelações ideológicas, ele também pode se qualificar e contribuir para a transformação da
ideologia dominante.

Assim, quando me matriculei no curso de Pós-Graduação Gênero e Diversidade na


Escola, constatei que os temas abordados também careciam de uma análise a partir das
matrizes ideológicas que orientavam nossa sociedade. Como não se tratava de escrever uma
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tese, era necessário fazer um recorte. Então, passei a me preocupar com as coisas que estavam
diretamente relacionadas ao “chão da escola”, aos meus próprios procedimentos
metodológicos, às ferramentas didáticas que estavam ao meu dispor, sobretudo o livro
didático. Em uma das nossas rodas de conversa, explanei esta ideia para a tutora do curso, e
uma aluna me indagou: “Pra quê você fará apenas uma análise sobre a ausência da imagem do
negro no livro didático? A gente já sabe que há esta ausência! Precisamos levar ações
positivas, ações de empoderamento!” Ou seja, a aluna apontava para a necessidade de se
desenvolverem propostas pedagógicas, que se contrapusessem à orientação do livro didático,
que não se limitassem a denunciá-la. Então, veio-me a ideia de fazer esta análise, de tentar
apresentar as possibilidades deste empoderamento em conexão com o livro didático. Em
alguns casos, trata-se de propostas que já existem na Internet, algumas delas já foram até
aplicadas no curso de Pós-Graduação como ferramentas de análise para que pudéssemos ser
agentes multiplicadores na luta contra os preconceitos, mas mais especificamente aqui contra
o racismo.

Esta pesquisa aparece, portanto, sob a forma de uma proposta de intervenção na


abordagem da população negra nos livros didáticos. Para tanto, foi feito um recorte na análise
do livro Jornadas.geo do sétimo ano, em que são estudadas as questões da formação do
território brasileiro, do povo brasileiro e os estudos populacionais e regionais.

Antes da análise do livro, foi feito um levantamento teórico acerca da função


ideológica da escola, bem como da construção dos racismos e das possibilidades que a escola
pode oferecer ao propiciar um estudo mais crítico em todos os aspectos, e também de se
repensar o currículo na busca da diminuição dos preconceitos e dos racismos.

Analisar a ausência ou a presença de personagens negros no livro didático requer que


descubramos que há uma construção ideológica e que muitas vezes, os próprios agentes desta
construção não estão tão conscientes disso.
O conceito de ideologia é de fundamental importância para analisarmos o porquê do
livro ou da proposta pedagógica da escola seguir esta ou aquela orientação. A questão é
desvendar qual valor está sendo seguido.
Para tanto, foi feita a análise de como um importante instrumento de aprendizagem
pode interferir nessa construção: o livro didático, fonte de reprodução e/ou construção de
ideologias. Analiso, primeiramente, como o livro aborda a população negra, os momentos em
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que omite/silencia e os momentos em que apresenta imagens e textos que possibilitam o


diálogo e o debate contra o racismo e contribuem para a afirmação da população negra.
A partir da análise desse livro didático e dialogando com ele, foram feitas propostas de
atividades voltadas para a problematização do racismo, das lutas pela igualdade racial e da
afirmação da população negra, estabelecendo conexões com a problemática do ensino em uma
escala mais global, no âmbito da Geografia.
No primeiro capítulo, são apresentadas as teorias da ideologia que questionam a
função ideológica da escola, acompanhando-se as críticas de Louis Althusser e as proposições
de outros teóricos, que defenderam as possibilidades de mudança, assim como Therborn, que
as focaliza, sobretudo nos movimentos sociais, e Saviani, para quem elas existem dentro da
própria escola.
Ainda no primeiro capítulo, são apresentadas as ideologias que se relacionam com a
ideia da construção do racismo. São apresentadas as especificidades do racismo brasileiro,
que por vezes aparece implícito. Dessa forma, voltamos à ideologia do branqueamento,
implementada pelo Estado, que teve enormes consequências para a população negra, e a
ideologia da democracia racial, mito que ainda permanece vivo no pensamento racial
brasileiro. E chegamos a ideia de Nilma Lino Gomes, que se posiciona a favor de uma revisão
dos currículos, descolonizando-os para que possam de fato inserir a cultura africana.

Logo após, relacionamos esta ideologia com a produção dos livros didáticos, os quais
necessitam ser analisados para que se verifique se não acabam reforçando as teorias do
branqueamento ou da democracia racial, se omitem a presença do negro, ou se os apresentam
de forma estereotipada.

No segundo capítulo, é feita uma análise do livro didático Jornadas.geo 7, analisando-


se as propostas dos autores e, posteriormente, como o livro aborda a questão do negro em três
conteúdos específicos: a formação do território brasileiro, a formação do povo brasileiro e a
população do Brasil. O ensino desses três conteúdos, de forma separada, causa um
distanciamento da real história da produção do espaço feita pelo negro no Brasil. Analisar a
formação do território do Brasil implica pensar sobre a formação do povo e sobre as formas
exploratórias a que o negro foi submetido para enriquecer este país. Os estudos populacionais
do Brasil oferecem a possibilidade de se abordarem os dados socioeconômicos atuais dos
negros, bem como as relações desiguais e confrontar as ideias em um debate.
9

O terceiro capítulo já se relaciona com as possibilidades de diálogo crítico com o livro


e os temas por ele focalizados. Assim, traz propostas de análise do desenvolvimento da agro-
manufatura da cana de açúcar, da mineração, da cafeicultura e da indústria, em associação
com o estudo do trabalho exercido pelos escravos negros, da produção do espaço que
produziram, dos movimentos de resistência e das relações de desigualdade que ainda imperam
no Brasil. Ao mesmo tempo, ao estudar a população atual, são questionados os padrões
europeus de beleza, revisadas com os alunos as teorias de branqueamento e democracia racial
e problematizadas as políticas afirmativas, como o estabelecimento das cotas raciais. Propõe-
se ainda uma análise da cultura, não se prendendo aos estereótipos que comumente ainda
fazem parte desta abordagem. A consolidação deste trabalho visa apresentar propostas
positivas para a valorização do negro.
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1. IDEOLOGIA, RACISMO E LIVROS DIDÁTICOS

1.1 O conceito de ideologia e a função ideológica da escola

Louis Althusser, em Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado, escrito em 1966,


afirma que a ideologia é um sistema dotado de lógica e de representação, que possui
existência e um papel histórico bem definido. Nela, os homens representam o mundo para si
(subjetivação), porém em um mundo já marcado pela intervenção humana. Ou seja, essa
representação é a sua relação com as condições reais de existência.

A ideologia possui uma existência material e é o resultado de uma luta de classes. A


classe dominante terá o papel de se assegurar no poder através do domínio do Estado e dos
chamados Aparelhos Ideológicos de Estado.

Althusser estudou como a ideologia, que é a ideologia da classe dominante, é


constantemente renovada pelos aparelhos ideológicos de Estado. Dentre os vários aparelhos
explorados pelo autor, aquele que mais contribuiria para esta função, sob a ordem capitalista,
é a escola.

Por que ele usa esse argumento? Ele justifica que é na escola, seja com métodos
antigos ou novos, que aprendemos normas e um pacote de coisas que nos são ditas como
importantes.

Espremidas entre o aparelho ideológico familiar e o escolar, por vezes o religioso, as


crianças vão aprendendo as regras do jogo e, no fim, cumprem com o papel que a elas foi
determinado, o de permanecerem na classe dos explorados, embora os sejam com uma
consciência altamente desenvolvida, ressalta o autor. Ele também enfatiza que há uma
constante submissão às regras da ordem estabelecida, isto é, à ideologia vigente.

Podemos supor que esta ideia é ultrapassada, tendo em vista os enormes esforços de
vários campos do conhecimento em tornar a escola mais crítica e contestadora das próprias
ações do Estado.

Mas, primeiramente, vamos lembrar que o Estado aqui se configura como uma das
formas que a classe dominante encontrou para perpetuar o seu poder. Em segundo lugar, que
ideologia tem a ver com hegemonia. Os processos hegemônicos, como muito bem explanado
11

por Tomaz Tadeu da Silva, em A produção social da identidade e da diferença(2000), são o


resultado de uma luta de poderes desiguais, de onde podemos incluir as lutas identitárias e
pelas diferenças, em que uns aspectos são normatizados, considerados “normais”, enquanto
outros são tidos como os “anormais”, devendo ser corrigidos conforme os padrões de
normalidade.

Os impasses da educação e seus resultados no Brasil em muito estão atrelados ao tipo


de educação que se pretende ter e ao público para o qual a escola se volta. Os estudos
contemporâneos tentam desvendar esses sujeitos que constituem o público-alvo escolar na
tentativa de oferecer uma educação que seja mais condizente com sua realidade. Assim, o
papel da escola deveria passar de uma função de aparelho ideológico de Estado, nos termos de
Althusser (1966), para uma função mais libertadora.

Mas em que medida, estando mergulhados na convicção de que oferecemos uma


educação mais autônoma, acabamos por efetuar o seu contrário: esconder as diferenças
socioeconômicas e culturais dos indivíduos?

Assim, convictos de que estamos fazendo diferente de outras propostas curriculares,


acabamos interpelando nossos alunos sem reconhecermos suas diferenças e sem procurarmos
desenvolver neles sua autonomia.

Essa é a armadilha em que os estudos de Althusser nos colocam: a sensação de que


tudo o que fizermos também irá fatalmente contribuir para deixar as coisas nos lugares em
que elas estão.

Quando Paulo Freire indagou-se sobre a educação bancária e apresentou outra


proposta, a da educação libertadora, em suas obras Pedagogia do Oprimido (2002) e
Pedagogia da Autonomia (1997), objetivava o contrário, ou seja, colaborar para criar uma
ordem subversiva, no sentido de que a classe dos oprimidos pudesse contestar a ordem das
coisas. Depois dele, seguiram-se muitos outros cujos estudos partiram das suas indagações.
Com isso, problematizou-se e fez-se muita mudança no processo educacional do Brasil.1

Um autor que irá contribuir nesse sentido, para avançarmos em relação aos estudos de
Althusser, é Goran Therborn. Em seu estudo La ideologia del poder y El poder da

1
Vários autores contribuíram para o debate a respeito das possibilidades da escola, abordando como ela pode
exercer uma função mais libertadora. Dentre eles, cito: ENGUITA, Mariano F. A face oculta da escola:
educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989 e SAVIANI, Demerval. Escola e
Democracia. São Paulo: Cortez/ Autores Associados, 1987.
12

ideologia(1987), Therborn nos dá uma importante contribuição, desenvolvendo uma teoria da


formação dos sujeitos, influenciando-se pelo pensamento de Louis Althusser. Fundamentada
na interpelação dos seres humanos como sujeitos, ele defende que a ideologia opera na vida
humana envolvendo a constituição e a padronização de como os seres humanos vivem suas
vidas conscientes de atos dentro de um mundo e com sentido (THERBORN, 1987, p. 13).
Essa constituição e padronização são as formas pelas quais, segundo Therborn, há a efetiva
interpelação que sujeita e qualifica as subjetividades. Está atrelada à formação da
individualidade e à sua inserção em relações sociais. E é nessa inserção nas relações sociais
que o autor acredita poder se produzir novas matrizes de sanção e qualificação.

Em sua obra, Therborn apresenta as possibilidades existentes para a alteração da


ordem. Os protestos e as contestações são alternativas para se colocar à prova o poder do
Estado e seus aparatos. São formas de qualificar os sujeitos. Quanto mais qualificados os
sujeitos puderem ficar, mesmo no momento de sua submissão, mais aptos estarão para
promover uma transformação, aproveitando-se de uma situação de crise para mudar as regras
do jogo.

Dessa tese temos que é possível a coexistência de diversas ideologias, na medida em


que elas também se relacionam com nossas práticas e discursos, entrelaçados com o lugar em
que estamos.

Por meio da construção do dissenso na relação de sujeição/qualificação aparecem os


discursos contra hegemônicos, que possibilitam a contestação dos valores dominantes.

Demerval Saviani também segue esta linha, a do caminho das possibilidades. Em seu
livro Escola e Democracia (1987), ele nos traz a contribuição de que não basta saber que há a
classe burguesa e o proletariado, de que existem dois sistemas de ensino, mas que
fundamentalmente uma maneira de reduzir esta discrepância seria oferecer um ensino para os
proletários. Para ele,

Do ponto de vista prático, trata-se de retomar vigorosamente a luta contra a


seletividade, a discriminação, e o rebaixamento do ensino das camadas populares.
Lutar contra a marginalidade através da escola significa engajar-se no esforço para
garantir aos trabalhadores um ensino da melhor possível nas condições históricas
atuais. O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa
bandeira de luta de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os
interesses dominantes (SAVIANI, 1987, p. 34).
13

Todavia, para engajar-se nesse esforço, além de cuidar minuciosamente para que o
conteúdo não seja negado à classe popular, outro empenho teria que ser tomado no sentido de
permitir a aprendizagem aos que possuem dificuldades. Então, para ele, deverá ser tomado um
cuidado especial com a disciplina, como forma de garantir que os conteúdos sejam realmente
assimilados. Também nos chama a atenção para o fato de que, dado o cotidiano escolar, o
próprio professor dedica-se mais àqueles que possuem maiores facilidades de aprendizado “e
assim, nós professores, no interior da sala de aula, acabamos reforçando a discriminação e
sendo politicamente reacionários” (SAVIANI, 1987, p. 61).

1.2 Ideologia e a construção da ideia de racismo

A ideia de racismo precede de várias definições. Para tanto, utilizo os conceitos


formulados por Kabengele Munanga, no artigo Uma abordagem conceitual das noções de
raça, racismo, identidade e etnia (2004). O autor concebe o racismo como uma “ideologia
essencialista”, porque estabelece uma relação, de um lado atributos biológicos e físicos e, de
outro, características morais e intelectuais. A partir dessa naturalização, os discursos
hegemônicos se justificam para apresentar a diferença, como desigualdade.
Analisar como o racismo opera em nossa sociedade é voltar na história e tentar buscar
uma linha teórica, que explique como o racismo se constituiu nela. Nesse sentido, Luciana
Maria de Souza, em seu artigo Ideologia racial e dinâmicas do racismo no contexto brasileiro
(2014), faz um percurso teórico das peculiaridades das formas de racismo que foram
assumidas no Brasil.

O primeiro ponto de diferenciação do racismo no Brasil defendido pela autora é o de


que ele é ambíguo e muitas vezes implícito, o que dificulta que ele seja combatido (SOUZA,
2014, p. 1).

Já no embrião dos estudos raciais no Brasil surge o termo “democracia racial”,de


autoria controversa, mas que é fundamentada nos estudos raciais feitos por Gilberto Freyre,
que nos estudos do comportamento da sociedade brasileira, em comparação a outros países,
tinha uma percepção de uma sociedade menos estratificada, e com o racismo menos
acentuado, fruto de uma mestiçagem.
14

Segundo Souza, o autor Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (2002) analisa que a ideia
de “democracia racial” criou a ilusão de que no Brasil foram desenvolvidas formas de racismo
mais humanas em relação aos negros, o que influenciou as primeiras frentes de luta do
movimento negro no Brasil.
Souza, ainda, afirma que, para Guimarães, a

concepção de uma democracia racial foi recebida e apoiada pela elite brasileira
porque apresentava alternativas e justificativas para a implementação de um modelo
de sociedade sem conflitos, formalizado no Estado ou no corpo das relações sociais
e interpessoais. [...] No entanto, o que se cunhou, sob a pretensão de encarar o
problema da adoção de um modelo de estado autoritário no Brasil, tornou-se útil ao
apagamento dos conflitos raciais e à formatação de um pacto social construído e
compartilhado pela negação da violência e da exclusão que marcaram as trajetórias
negras (GUIMARÃES, apud SOUZA,2014, p. 3).

Na década de 1960, segundo Guimarães (2005), a interpretação do racismo, a partir


dos estudos feitos pela Unesco entre 1952 e 1955, recebeu um outro referencial, que coloca
em xeque a ideia da “democracia racial”. Esta é confrontada com a oposição entre mito e
realidade: a “democracia racial” é enfrentada como um mito, como “uma noção discursiva da
sociedade à qual os brasileiros são fieis em suas relações pessoais e interpessoais”
(GUIMARÃES, apud SOUZA, 2014, p. 3).
Há ainda outro lado bastante perverso do discurso da harmonia racial, pois ao valorizar
o branco e silenciar o negro, acaba por levar à interiorização deste sentimento por muitos, e,
distanciando assim da cultura que remetia à população negra. Cultura essa que vem sendo
resgatada principalmente pelos movimentos negros.
Souza trabalha com a questão do mito da democracia racial ao relacioná-lo com os
estudos de CHAUÍ (2000), para quem existe um mito fundador, que opera ideologicamente na
constituição de uma sociedade harmoniosa e sem conflitos. Para SOUZA (2014), o “discurso
da harmonia existente na relação entre brancos e negros se submete ao longo do tempo à
constante repetição de si mesmo, tornando ocultas e persistentes as violências necessárias à
sua manutenção” (SOUZA, 2014, p. 3).
Assim, ainda que colocada como um mito, a democracia racial continua a operar na
constituição dos racismos no Brasil, mesmo porque, como vimos pelos estudos de Chauí, o
mito opera com a constante repetição, tornando real aquilo que foi idealizado.

Avançado no desvendamento do por que a sociedade brasileira se pautou na negação


da existência do racismo, Souza afirma que os próprios estudos sobre o racismo foram feitos
sem se considerar as especificidades brasileiras.
15

Segundo a autora (SOUZA, 2014, p.4), o campo de estudos e interpretações das


relações raciais no Brasil se pautou pelo modelo estadunidense. Desta forma, organizou-se
com a ausência de uma perspectiva histórica do racismo, que “impossibilitou que as
definições próprias de raça e de racismo fossem incorporadas na compreensão das
desigualdades brasileiras” (SOUZA, 2014, p. 4).
Souza nos mostra que outro pensamento racial que marcou nossa sociedade foi a
ideologia do branqueamento, exercida como política migratória pelo Estado após a abolição
da Escravatura. Com base em estudos europeus sobre raças, que tomavam a raça negra como
inferior cultural e intelectualmente, foram desenvolvidas políticas de branqueamento, a
princípio com o incentivo de migrações de populações europeias e, posteriormente, com o
objetivo de haver um “gradual embranquecimento” da população Essa ideologia e política
exerceram uma pressão cultural para que o negro negasse a si mesmo, ou seja, operasse com a
desvalorização da negritude e a imposição da mestiçagem (como se biologicamente o negro
fosse inferior) como condição para a mobilidade social. A política implementada objetivava
não só o branqueamento da população, como a imposição de um modelo cultural nos padrões
europeus.
Para Iray Carone:

O estudo dessas categorias também permitiu revelar como a ideologia do


branqueamento no Brasil se constitui, num primeiro momento, como um ideal de
purificação étnica, impulsionando o processo de miscigenação, e, posteriormente,
passou a ser trabalhada como um comportamento esperado dos negros. O
branqueamento, no perverso jogo racista brasileiro, deixa de ser um dispositivo para
se tornar um discurso atribuído à falta de identidade racial positiva, inveja do branco
e baixa autoestima dos negros. (CARONE, apud SOUZA, 2014, p. 9).

Contra todo este mecanismo perverso de racismo e, ao mesmo tempo, sua negação, a
obrigatoriedade do ensino da História da África e a questão das cotas nas universidades
públicas foram grandes avanços, no sentido não só de dar visibilidade aos racismos
cotidianos, como foram frutos da luta do próprio movimento negro.
Uma contribuição muito importante para o enfrentamento ao racismo e pela inclusão
da cultura africana nos currículos é da pesquisadora Nilma Lino Gomes, em sua obra
Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos (2012). Gomes defende
uma radicalização dos currículos para inserir adequadamente a cultura africana, como também
luta por uma mudança de todos os instrumentos educacionais, que irão condizer com esse
novo currículo, como as provas nacionais e internacionais. Essa mudança radical passa pela
16

indagação da própria função curricular: se está voltada para uma visão conteudista ou para a
formação de sujeitos. A autora defende uma descolonização dos currículos, que pelo perfil
conteudista e engessado, silenciam outras realidades e outros sujeitos que lutam para serem
viabilizados.
Neste sentido, a autora analisa a importância e o alcance da alteração da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) através da sanção da Lei nº 10.639/03
regulamentada pelo parecer CNE/CP 03/2004 e pela resolução CNE/CP 01/2004 (BRASIL,
2005). Por meio da lei, tornou-se obrigatória a inclusão da matriz africana nos currículos, bem
como as reflexões sobre diversidade étnica e racial, e as desigualdades sociais que foram
produzidas. Esta mudança passa a exigir outras, vindas do campo educacional, como uma
nova formação de professores, pois, para a autora, faz-se necessária uma mudança de
paradigma. Mais do que isso, é essencial uma transformação radical nos currículos escolares.

Um ponto muito importante ressaltado pela mesma está no fato de que a inclusão da
matriz africana nos currículos não veio de nenhuma benevolência, mas sim da luta constante
dos movimentos de afirmação negra. Segundo a autora:

A força das culturas consideradas negadas e silenciadas nos currículos tende a


aumentar cada vez mais nos últimos anos. As mudanças sociais, os processos
hegemônicos e contra-hegemônicos de globalização e as tensões políticas em torno
do conhecimento e dos seus efeitos sobre a sociedade e o meio ambiente
introduzem, cada vez mais, outra dinâmica cultural e societária que está a exigir uma
nova relação entre desigualdade, diversidade cultural e conhecimento. Os ditos
excluídos começam a reagir de forma diferente: lançam mão de estratégias coletivas
e individuais. Articulam-se em rede (GOMES, 2012, p.5).

Esse ponto vai ao encontro das ideias defendidas por Therborn (1987), segundo as
quais os sujeitos devem se qualificar para uma possível emancipação. Essa só é possível,
porque na teorização de ideologia feita por ele não existe apenas a ideologia de classe. Ela
está relacionada a outros valores na subjetividade humana, que irão atuar de forma a garantir
não apenas a organização e manutenção do poder, mas também a transformação do mesmo.

Faz-se, então, necessário inserir novos instrumentos de aprendizagem e de avaliação nessa


nova matriz; ao mesmo tempo, que sejam repensadas as formas de ensinar – como reforça a
própria Nilma Lino Gomes –, não só na educação escolar, inserindo a matriz africana, como
na educação como um todo.
17

1.3 Ideologia e a produção de livros didáticos

O livro didático é uma importante ferramenta de ensino, quando não a única em


muitas escolas públicas. Orienta boa parte da prática pedagógica do professor, que pode
escolher complementá-lo com outras referências e ferramentas, como a música, vídeos,
páginas da Internet e outros.
Como ferramenta principal e escolhida pelo próprio coletivo de professores é
importante analisar, sob a ótica da diversidade cultural, se o livro não reproduz os valores da
classe branca dominante, tornando invisíveis as outras etnias ou representando-as de forma
estereotipada, ou se, pelo contrário, propõe a uma abertura consonante com as propostas da
Lei nº 10.639/03.
Independentemente de os professores poderem fazer um uso crítico do livro, mesmo
quando ele reproduz a ideologia da classe dominante, é importante que eles tenham a
consciência de que o papel da escolha do livro didático lhes pertence. Mesmo que o livro
tenha sido produzido, já sob a orientação da Lei nº 10.693/03, os professores devem verificar
se houve uma total revisão dos currículos para se adequar à lei e se a orientação que levou a
este ou àquele livro pode reforçar a manutenção das desigualdades, ao invés de oferecer uma
visão crítica a esse respeito e, ainda, uma visão positiva do negro.

Ana Célia da Silva, no artigo A desconstrução da discriminação no livro didático


(2005), analisa como alguns estereótipos ainda são reproduzidos nos livros didáticos e quais
ideologias estão por trás do mesmo. A autora chama a atenção para a necessidade de uma
análise rigorosa desse material, por acreditar que ele pode ser um veículo de reiteração de
estereótipos até mesmo não percebidos pelo professor.
Para a mesma, os livros didáticos podem omitir ou mesmo apresentar “de uma forma
simplificada e falsificada o cotidiano, as experiências e o processo histórico-cultural de
diversos segmentos sociais, como a mulher, o branco, o negro, os indígenas e os
trabalhadores, entre outros” (SILVA, 2005, p.23).
Mais do que isso, a autora afirma que, em muitos livros didáticos, o que se vê é uma
reprodução da ideologia do branqueamento, pois

ao veicular estereótipos que expandem uma representação negativa do negro e uma


representação positiva do branco, o livro didático está expandindo a ideologia do
branqueamento, que se alimenta das ideologias, das teorias e estereótipos de
inferioridade/superioridade raciais, que se conjugam com a não legitimação pelo
18

Estado, dos processos civilizatórios indígena e africano, entre outros, constituintes


da identidade cultural da nação (SILVA, 1989, p. 57).

Ou seja, a ideologia do branqueamento pode ser internalizada pelo leitor e, por


conseguinte, este passará a se rejeitar e a querer se aproximar do indivíduo estereotipado.
Possibilidade contrária é o leitor rejeitar também esse indivíduo.
Dessa forma, devemos ter cuidado quanto aos estereótipos reproduzidos nos livros
didáticos, uma vez que eles reproduzem ideologias. Mais que isso, não basta, como já
mencionado, analisar juntamente com o aluno de forma crítica tais estereótipos. É necessário
fazer análises mais críticas no momento da escolha do livro, não só porque o aluno pode ter
contato com tais estereótipos sem a presença do professor, como nem todo professor irá fazer
uma análise crítica dos mesmos. Ademais, os alunos, negros e não negros, não merecem ter
sua história folclorizada.

De grande relevância ao se tratar do racismo no Brasil é ter a dimensão que estamos


tratando de uma sociedade tão diversa quanto desigual. Incluir a discussão sobre o racismo
contra negros traz à tona outros temas das nossas mais diversas desigualdades. Não estaremos
dando aula apenas para alunos negros, nem em salas de apenas alunos brancos. Para se ter
eficácia na superação do racismo é preciso trabalhar o tema procurando englobar todos.

Naiemer Ribeiro de Carvalho, em sua dissertação de mestrado Geographia do Brasil:


a construção da nação nos livros didáticos de Geografia da Primeira República (2012),
busca em Alain Choppin (2004) o que ele trata como as quatro funções essenciais do livro
didático, a saber: a referencial, ou curricular; a função instrumental, a função documental, e
função ideológica e cultural. Para ele, esta

É a função mais antiga. A partir do século XIX, com a constituição dos Estados
nacionais e com o desenvolvimento, nesse contexto, dos principais sistemas
educativos, o livro didático se afirmou como um dos vetores essenciais da língua, da
cultura e dos valores das classes dirigentes. Instrumento privilegiado de construção
da identidade, geralmente ele é reconhecido, assim como a moeda e a bandeira,
como um símbolo da soberania nacional e, nesse sentido, assume um importante
papel político. Essa função, que tende a aculturar – e, em certos casos, a doutrinar –
as jovens gerações, pode se exercer de maneira explícita, até mesmo sistemática e
ostensiva, ou, ainda, de maneira dissimulada, sub-reptícia, implícita, mas não menos
eficaz (CHOPPIN apud CARVALHO, 2012, p. 87).

Pelo exposto, a questão que se coloca não é complicada apenas no que tange às
relações étnico-raciais, remetendo a toda uma complexa relação de imposição da cultura da
classe dominante. Diante dessa situação, é oportuna a proposição de Nilma Lino, a respeito da
necessidade de descolonização dos currículos.
19

2. O LIVRO JORNADAS.GEO. 7

2.1 Proposta didática dos autores para a Coleção

A coleção Jornadas.geo foi organizada por dois autores: Marcelo Moraes de Paula e
Angela Rama, ambos com graduação em Geografia –licenciatura e bacharelado – pela
Universidade de São Paulo, sendo que a autora também é mestre em Geografia pela mesma
Universidade.

Na proposta do livro, os autores se posicionam de maneira condizente com o


movimento de renovação da Geografia, que buscou trilhar uma didática mais crítica. Dessa
forma, categorias de análise, tais como a paisagem, o espaço geográfico, o território, o lugar, a
região, dentre outros, são apresentadas pelos autores como ferramentas para uma
compreensão crítica do mundo, que pretende abordar de forma interdisciplinar.

Do ponto de vista didático, a proposta dos autores visa atingir as três dimensões do
processo de ensino-aprendizagem: a conceitual, a procedimental e a atitudinal.

Das expectativas de aprendizagem elencadas pelos autores, destaco:

 Compreender que problemas socioespaciais, como as desigualdades e as más


condições de vida, não são naturalmente dados, mas sim produtos de processos
históricos e estruturas econômicas que caracterizam a sociedade no tempo e no
espaço;
 Valorizar e respeitar relações que cada grupo social estabelece entre natureza e
sociedade, reconhecendo o direito das diversas manifestações culturais dos povos;
 Operar procedimentos de estudos e pesquisa de forma autônoma, relacionando
conteúdos trabalhados com novos conhecimentos adquiridos em fontes diversas,
reconhecendo o livro didático como um dos instrumentos de trabalho, mas não o
único;
 Valorizar o conhecimento tradicional e a cultura popular, além de diferentes
expressões artístico-culturais, analisando-as e relacionando-as com o conhecimento
científico produzido.
(PAULA; RAMA, 2010, p. 14).

Como estratégias e recursos didáticos, os autores reafirmam que o livro didático é um


auxiliar no processo de ensino aprendizagem e, ao longo da obra, apresentam várias sugestões
de filmes, livros e sites a serem visitados. Vale ressaltar que muitas dessas proposições são
exigências do próprio Programa Nacional do Livro Didático, que estabelece alguns
20

parâmetros a serem seguidos para que o livro didático seja aceito ou não e que os autores
devem seguir os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Na avaliação, feita pelo MEC através do Guia do livro didático – PNLD – 2014, esta
coleção está condizente com as propostas e diretrizes feitas, e apresenta também coerência
com a proposta teórico-metodológica.

No guia, é avaliado que

A coleção segue estritamente as normativas legais que compõem as diretrizes


norteadoras referentes ao ensino fundamental brasileiro. Destaca-se, sobretudo, a
observância à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as quais estão
claramente alicerçando os encaminhamentos de conteúdos e estratégias de ensino
adotados nos livros que perfazem a coleção.
As temáticas e propostas didáticas apresentadas no decorrer dos volumes cumprem
integralmente com o respeito às leis, documentos e diretrizes condutoras que
governam o ensino fundamental de nove anos no Brasil. Destaca-se que essas
diretrizes propiciam a ampla promoção dos princípios éticos e democráticos e o
fortalecimento das bases do convívio social republicano no Brasil. Destaca-se o
enfoque às temáticas relativas ao respeito aos direitos civis, bem como aquelas que
promovem a valorização da diversidade étnica-cultural, da convivência igualitária,
da justiça social e das formas de liberdade de expressão político-ideológica
(BRASIL, 2013, p.82).

2.2 – O livro 7 da Coleção Jornadas.geo

No sétimo ano em Geografia, os conteúdos são relacionados com o Brasil. Apesar de


muitos alunos já terem o contato com a formação do território brasileiro e também do povo
brasileiro, esse conhecimento é sistematizado nesse ano. Com isso, oferece-se um campo
muito extenso para se abordar a história da população negra, bem como sua inserção atual, no
mundo do trabalho e nas relações cotidianas, bem como para se analisar a ideia de racismo.

As unidades que fazem parte do livro 7 dessa coleção são:

1- O território brasileiro;
2- O Brasil e suas regiões;
3- Relevo e águas no Brasil;
4- Vegetação e clima no Brasil;
5- O espaço rural brasileiro;
6- Brasil: país urbano;
7- Indústria, serviços e comércio no Brasil.
8- População brasileira.
21

Apesar das unidades 1, 2, 5, 6, 7 e 8 oferecerem campo rico para a abordagem do


tema, as unidades aqui analisadas são apenas a 1 e a 8. Ambas estão relacionadas, pois a
primeira fala da formação do território brasileiro, o que oferece a oportunidade de se
estabelecer relação com a formação do povo brasileiro. Apesar dessa relação, a formação do
território é focalizada na unidade 1, enquanto a formação do povo brasileiro é tratada apenas
na unidade 8.

Na primeira unidade, intitulada “O território brasileiro”, são apresentadas a divisão


política atual do Brasil e as duas formas de regionalização mais utilizadas – a do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)– e as geoeconômicas. No segundo capítulo,
são estudadas as dimensões e a localização do Brasil.

No capítulo 3, é apresentada a formação do território brasileiro a partir da ocupação


feita pelos portugueses. Na abertura, não é apresentada a situação dos indígenas que aqui já se
encontravam, nem abordada a cultura desses povos. Essa análise ficou para outro parágrafo,
na terceira seção do livro “A América portuguesa e o Brasil”, na qual os autores ressaltam que

O território brasileiro, na verdade, começou a ser constituído pelos colonizadores,


que se apropriaram dos espaços ocupados pelos povos indígenas, expulsando-os ou
exterminando-os. Com o tempo, os portugueses ampliaram seus territórios e
criaram, na chamada América Portuguesa, as bases culturais e administrativas do
território que deu origem ao Brasil (PAULA; RAMA, 2010, p. 28).

Logo após, os autores abordam a expansão do território para Oeste, para depois
tratarem das formas de ocupação e integração do território e das atividades econômicas
coloniais: a extração do pau-brasil, a agro-manufatura da cana de açúcar, a mineração, a
cafeicultura e a indústria.

Percebe-se que, na apresentação das citadas atividades econômicas, o elemento


humano pouco é explorado. Assim como também não se faz uma abordagem da exploração da
mão de obra dos indígenas, dos africanos que para aqui foram trazidos, bem como dos negros
que aqui nasceram e também dos demais imigrantes, como os europeus. Além disso, o livro
pouco se detém sobre a produção do espaço protagonizada por esses povos.

Na abordagem da agro-manufatura da cana de açúcar, é apresentada uma imagem do


Engenho, de Frans Post, século XVII.
22

Figura 1: Engenho, de Frans Post, século XVII

Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 31.

A imagem poderia ser explorada para se abordar o campo das diversas relações de
trabalho, dentre elas o trabalho escravo. Os autores não fizeram. Aliás, a imagem sequer foi
explorada no corpo do próprio texto. Foi apresentada, em forma de nota sobre a imagem,
apenas uma explicação sobre o que eram os engenhos. Faltou abordar a mão de obra dos
escravos, como eles foram trazidos para o Brasil, em quais condições eles trabalhavam e
relacionar sua presença com o tráfico negreiro. Apesar de não haver essa conexão, a simples
imagem pode ser explorada pelo professor, que poderá aprofundar a análise das relações
mencionadas.

O mesmo acontece na apresentação da mineração, em que há pouca análise da


produção do espaço produzida pelo trabalho escravo. Porém, na seção “não deixe de ler”, é
sugerido o livro “Império do café: a grande lavoura do Brasil”, de Ana Luiza Martins (2000).
Na sinopse feita pelos autores, é informado que o livro aborda a introdução da economia
cafeeira e o trabalho, escravo e assalariado. Não se percebem maiores conexões a respeito
deste livro no corpo do texto do livro didático.

Essa ausência se repete nas abordagens das atividades econômicas do café e da


indústria. Nas propostas de atividades, a questão cultural é explorada. Apresenta-se o
23

consumo do açúcar como elemento cultural do indígena e como traço cultural do brasileiro,
sem se mencionar a cultura do negro.

A outra unidade do livro aqui analisada é a 8: População brasileira. Na unidade são


explorados os temas:

 População brasileira: quantos somos?


 Fatores do crescimento da população brasileira.
 Distribuição da população brasileira pelo território.
 Estrutura por idade e por sexo.
 A pirâmide etária brasileira.
 Estrutura ocupacional.
 A mulher no mercado de trabalho.
 A origem do povo brasileiro (PAULA; RAMA, 2010, p. 193).

O capítulo 1 trata de alguns conceitos de população, bem como de algumas tendências


populacionais. Ao falar sobre imigração no Brasil, é mostrada uma imagem dos imigrantes
europeus chegando à São Paulo em 1907.
24

Figura 2: Imigrantes chegando a São Paulo, após a viagem de navio, 1907.

Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013., p.195.

Porém, o capítulo não analisa em que contexto esses europeus chegaram. Deixa de
lado vários aspectos que podem ser relacionados ao tema, alguns deles não coevos ao
processo de migração, tais como a opção política pela mão de obra europeia, a teoria do
branqueamento populacional. As explorações sobre o racismo ficaram, dessa forma, vazias,
bem como a questão da migração ficou bastante deslocada de sua história. Sobre a entrada dos
europeus no país, só é mencionado o quanto ela contribuiu para que a população do Brasil
crescesse.

Ainda nesse capítulo, porém em outra seção, que trata do declínio populacional, a
imagem da família negra atual é focalizada. Para retratar o declínio da taxa de natalidade, são
mostradas duas fotografias: a primeira, de uma família extensa de um coronel em 1912 e a
segunda, de uma família de pessoas negras, constituídas por quatro pessoas, mãe, pai e dois
filhos, de 2008.
25

Figura 3:Coronel Donnel com esposa e filhos, Paranaguá (PR), 1912 e Família no
Parque do Ibirapuera, São Paulo (SP), 2008.

Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013, p.
196.

A imagem da família negra é positiva e vem ao confronto da ideia que muitos alunos
trazem, como pude constatar em sala de aula: de que os negros possuem mais filhos, por
associá-los sempre à classe dos mais pobres. Tem-se, aqui, um bom momento para se explorar
tantos os estereótipos quanto às relações desiguais, que foram estabelecidas a partir dessa
diferença.

O segundo capítulo trata da distribuição e dos movimentos da população no território


brasileiro. Para tanto, é apresentado o mapa da distribuição da população em 2007. Em uma
proposta que pretende priorizar a análise da distribuição dos negros no Brasil, poderia ter sido
apresentado outro mapa com a distribuição da população negra no território, bem como
relacioná-la com as atividades econômicas desenvolvidas no Brasil, para relacioná-las com os
movimentos da população negra entre as diversas regiões do país.

No terceiro capítulo “População brasileira: idade, sexo e trabalho”, fazendo apenas a


leitura do título, constatamos que o tema etnia não é abordado, sendo analisadas as diferenças
de ocupação entre idades diferenciadas e sexo. Dá-se atenção à questão da mulher no mercado
de trabalho, mas não se menciona a questão da mulher negra, ou da população negra no geral.
Novamente, temos um bom momento para se tocar na questão das diferenças
socioeconômicas entre as etnias, analisando como estas desigualdades foram socialmente
construídas e, ainda, examinando como a população negra se afirma atualmente: os
movimentos negros, os movimentos de empoderamento, a crítica aos padrões de beleza que
26

são impostos e as conquistas feitas a partir das lutas dos negros, como a questão das cotas
raciais.

O quarto capítulo é destinado ao estudo da população brasileira e sua diversidade


cultural. Aqui, são apresentadas as contribuições dos indígenas, negros e europeus e um
pouco de sua atuação atual.

No que se refere à abordagem dos povos africanos, são destinadas duas páginas. A
seção começa abordando a importância das influências dos povos africanos nas características
físicas e culturais do povo brasileiro, sem, no entanto, elencar quais são estas influências. A
ilustração ficou por conta da fotografia do Grupo Folclórico Samba Lenço, da cidade de Mauá
em 2006. Ela, no entanto, não é analisada ao longo do corpo do texto.

Figura 4: Grupo Folclórico Samba Lenço na cidade e Mauá (SP), 2006.

Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 212

As questões da herança religiosa africana e do sincretismo são focalizadas


rapidamente na nota de uma fotografia da festa de Iemanjá em Salvador (2012).
27

Figura 5: Festa de Iemanjá em Salvador (BA), 2012

Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 212

Após falar da importância da contribuição cultural do negro, o livro aborda, em um


parágrafo, a questão do tráfico negreiro para o Brasil, dos principais destinos dos escravos e
das atividades econômicas principais em que eram empregados, bem como da abolição da
escravidão.

Sobre a condição e desigualdade em que os negros se encontram atualmente, o texto


afirma que:

Com a libertação, os ex-escravos e seus descendentes continuaram a viver em


péssimas condições, pois não tinham estudo, dinheiro e nem onde morar. Essa
situação manteve a condição de discriminação na qual os negros viviam (PAULA,
RAMA, 2012, p.212).

A forma com que a desigualdade foi apresentada empobrece sua complexidade, pois
não são mencionadas a falta de políticas públicas voltadas ao negro, a dívida social que o
Estado possui em relação aos anos de escravidão e a relação desse processo com as condições
de desigualdade atuais.
28

Na abordagem da situação atual do negro, são analisados dados do Censo de 2010, que
mostram um aumento da quantidade de pessoas que se autodeclararam negras. Os autores
relacionam que este aumento é fruto da valorização dessa parcela da população pela sociedade
brasileira. Nesse tópico, os autores poderiam ter trabalhado a questão da própria
autoafirmação e da luta pela igualdade racial, protagonizadas pelos movimentos negros.
Portanto, fica para o professor fazer essa abordagem.

GRÁFICO (1):

Brasil: Aumento da população negra entre 2000 e 2010 e Brasil: Aumento da população
parda entre 2000 e 2010

Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 212.

As diferenças socioeconômicas ficaram por conta de um gráfico sobre a diferença de


rendimento médio das populações negras, pardas e brancas (2010), com uma breve explicação
em uma nota.
29

GRÁFICO (2): Rendimento médio das populações negras, pardas e brancas (2010)

Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013,p. 213.

Na seção “Saiba mais”, é apresentado um mapa sobre as terras quilombolas em 2008 e


um texto explicativo sobre as mesmas. Mencionam-se aspectos como: número de terras
quilombolas em 2008, a garantia constitucional dos direitos a estas terras, a violação destes
direitos por fazendeiros, madeireiras e mineradoras. No entanto, não se fala nada sobre a
história da formação dos quilombos.

A análise do livro permite concluir que faltou uma conexão maior com a história da
população negra e suas contribuições, bem como com suas características atuais. Sem abordar
a fundo a história da exploração dos negros africanos e sem relacionar as políticas que foram
executadas e cujo resultado foi aumentar ainda mais a marginalização da população negra,
cria-se dificuldade para que o professor trate com o aluno a questão do mito da democracia
racial, os preconceitos gerados pela diferenciação socioeconômica, bem como os movimentos
de autoafirmação e empoderamento dos negros e negras, que têm mudado a história de muitos
deles, para uma maior valorização de sua cultura.

Apesar de receber uma avaliação positiva do Guia do Livro Didático 2014,


percebemos silenciamentos dos autores, pelo menos neste livro da coleção, em relação aos
30

processos que desencadearam as desigualdades no Brasil. Ao silenciar a teoria da democracia


racial e ainda apresentar as condições da população negra atual sem relacioná-la com a
história e nem com a produção das diferenças como desigualdades socais podemos inferir que
é a ideologia da democracia racial que está presente no livro, pois ao não a encarar enquanto
mito foi essa a ideologia que ficou mais evidente neste livro.
31

3. DIÁLOGOS COM O LIVRO JORNADAS.GEO 7

As propostas de atividades que aqui se delineiam visam complementar o trabalho com


o livro didático Jornadas.geo7. Sabemos que ele não é a única ferramenta de trabalho do
professor, nem tampouco deverá nortear todo o seu planejamento curricular. Ao usá-lo, urge,
ademais, fazer com que a Lei nº 10.693/03 seja efetivamente implementada por todo o
coletivo escolar.

Várias iniciativas já foram desenvolvidas em muitas escolas, mas também sabemos


que em muitas tal tema, na melhor das hipóteses, só é relembrado na ocasião da comemoração
do dia da Consciência Negra. Porém, por mais que o tema seja transdisciplinar, aqui tentamos
explorar as relações que poderão ser estabelecidas com a Geografia.

Pelo exposto no capítulo anterior, percebemos que há inúmeras possibilidades de se


explorar o livro, recorrendo-se a vídeos, textos, gráficos etc., que façam com que os alunos
reflitam tanto em relação às formas de preconceito existentes, quanto tomem conhecimento e
valorizem a cultura da população negra.

A primeira proposta visa esclarecer, com textos críticos, a contribuição do negro na


formação do povo brasileiro, a relação de exploração à que foi submetido, sem esquecer os
agentes responsáveis por criar esta situação. O estudo da formação do território brasileiro e do
povo brasileiro pode ser feito de forma interconectada, ao contrário do que se vê em vários
trechos do livro.

3.1 O trabalho escravo e a agromanufatura da cana de açúcar

Na abordagem da agromanufatura do açúcar, é interessante dar ênfase ao trabalho


escravo e para o fato de tal atividade ter-se concentrado no Nordeste, relacionando-se isso
com o Nordeste atual. Como tem vivido a população negra do Nordeste? Quais relações de
preconceito que ainda imperam contra o nordestino? Por que muitos ainda se encontram em
posição de inferioridade socialmente? Quais resistências os negros apresentaram e ainda
apresentam? Estas são algumas indagações que poderão orientar a abordagem aqui proposta.
32

Um bom texto introdutório para relacionar produção do espaço, agromanufatura da


cana de açúcar e trabalho escravo é “Economia colonial: cana e trabalho escravo sustentaram
o Brasil colônia”, de Renato Cancian (2005). O texto é bastante didático e explana de forma
conectada a exploração da mão de obra escrava no Brasil, no contexto do tráfico negreiro e
relacionando-a internacionalmente à produção do açúcar, dando ênfase ao trabalho. O autor
relaciona a produção do açúcar no interior do Pacto colonial e ainda com o porquê da escolha
deste produto, tanto pelo crescimento da demanda pelo produto em escala internacional
quanto pela experiência que os portugueses já tinham com sua produção nas ilhas dos Açores,
Madeira e Cabo Verde. No Brasil, os portugueses, ainda, contavam como vantagens as
condições do clima e do solo do litoral nordestino. Quanto ao trabalho escravo, o autor
relaciona-o com o máximo de lucro que os exploradores poderiam retirar e dá a ênfase de que
a riqueza produzida na produção de açúcar era feita em grande parte pelos negros trazidos à
força da África, de onde seriam retirados em uma das formas mais cruéis. Também dá
evidência para a relação de desigualdade no engenho, na Casa Grande e na Senzala. Aborda a
diferenciação social representada pelos dois espaços, os quais traduziam bem as relações que
imperavam entre brancos e negros.

A condição de inferioridade social pode ser relacionada com a produção do espaço que
ainda existe no Nordeste, com a existência, lado a lado, de casarões e favelas. Permite
estabelecer um paralelo da segregação espacial no Brasil da atualidade. Os próprios alunos
podem relatar como as desigualdades sociais são expressas na produção do espaço, a
princípio, diferenças entre bairros, bem como nos serviços essenciais da prefeitura que lhes
são prestados. Com a ajuda do professor, eles podem chegar à ideia da segregação espacial.
Uma sugestão de pesquisa a ser feita aos alunos pode referir-se às condições socioeconômicas
do negro no Nordeste, em comparação com as observadas no restante do país, analisando
também que mudanças têm sido feitas para diminuir estas discrepâncias.

Também de igual importância é mostrar os movimentos de resistência dos negros,


como por exemplo, as rebeliões, as fugas e a formação de quilombos. A importância desses
quilombos como lugar de manifestação de suas culturas. As manifestações culturais do negro
que podem ser evidenciadas nas mais diferentes áreas, como na dança, na música, religiões,
pratos típicos e nas artes. Tudo isso pode ser relacionado com o reconhecimento do dia 20 de
novembro como Dia da Consciência Negra, por meio das reivindicações do Movimento
Negro Unificado.
33

Como forma de consolidar este conhecimento, várias atividades podem ser propostas:
busca de lideranças negras para darem palestra na escola, realização de pesquisa sobre
tranças, trazer trançadeiras nas escolas para um posterior desfile, apresentações de capoeira,
samba, comidas típicas (como o vatapá, dentre outros). Ao final, pode-se pedir a produção de
textos pelos alunos em que se explicitem essas contribuições culturais e as formas de racismos
existentes.

3.2 Trabalho escravo na mineração

No enfoque da mineração, pode ser dada relevância ao trabalho escravo. Além disso, é
preciso tentar diferenciar a extração mineral do trabalho feito na agromanufatura da cana-de-
açúcar. Qual foi a produção do espaço feita a partir do trabalho escravo na mineração? Qual
era a diferença entre ser escravo nos engenhos e nas minas? Que situações atuais podem ser
repensadas a partir desse passado no trabalho escravo na mineração?

O artigo escolar de Fernando Fonseca Garcia, História das Minas de ouro e diamante:
a escravidão nas Minas, orientado para pesquisas escolares, é bastante didático nesse sentido.
Trata das especificidades do trabalho escravo nas minas, o qual é considerado o mais penoso
dos trabalhos escravos no Brasil. Ressalta-se que, além das péssimas condições de trabalho,
os escravos que atuavam nas minas viviam em média apenas cinco anos. Sua mão de obra
também foi explorada na construção de pontes, estradas e edifícios.

Objetivando o máximo de lucro, para a mineração era preferido um tipo específico de


negro, o “negro-mina”, que era baixo e forte para entrar nas minas. Daí, apesar de neste
momento serem trazidos os negros da Angola, Guiné, Moçambique e Congo, havia
preferência pelos negros vindos do Congo, tanto pelo seu porte físico, quanto pelas
experiências que já traziam da mineração.

Esse artigo é interessante também para explorar os quadros que mostravam a


escravização nas minas. De Jean-Baptiste Debret, mostra as inúmeras cenas cotidianas do
escravo, a execução de escravos fugitivos, a correção corporal, o mercado de escravos no Rio
de Janeiro, o trabalho dos escravos na carpintaria e sapataria, a exploração de granito e as
34

diversas procedências dos escravos que aqui vieram. Tem-se, assim, um campo rico para a
história dos escravos negros e da produção do espaço produzidas por eles.

3.3 O trabalho escravo na cafeicultura e sua contribuição para a indústria

Ao estudar o trabalho escravo nas fazendas de café, pode-se relacioná-lo com a


contribuição para a indústria, pois o capital acumulado na cafeicultura propiciou o
desenvolvimento da industrialização. No artigo sobre negros da página oficial do governo de
São Paulo, tais conexões são estabelecidas. Mais do que isso, sendo os últimos anos de
escravidão e os barões já sabendo dessa realidade, é apontado que a exploração como mão de
obra escrava foi máxima neste período. Os escravos negros contribuíram não só para a
produção de café, como também para a construção da infraestrutura necessária para o
escoamento do mesmo, tal como a construção da malha ferroviária. No momento em que os
negros poderiam trabalhar como mão de obra livre, com o processo de abolição, o Estado os
jogou à própria sorte, pois optou pela mão de obra europeia (às vezes, justificando que os
europeus possuíam mais experiência no plantio de café), mas guiando-se pela teoria de
branqueamento racial.

Ora o argumento da experiência não se justifica, pois, como relatado no artigo citado,
quando os italianos aqui chegaram, os negros africanos já tinham constituído toda a base para
a produção de café em São Paulo.

Essa relação de desigualdade reforçada pelo Estado carece ser enfatizada para se
entenderem as consequências posteriores: no momento em que os escravos se viram livres,
quando poderiam trabalhar nas lavouras de café de forma assalariada, o Estado preferiu pagar
pela mão de obra europeia, que foi então introduzida nesse momento. Mais do que isso, para
os imigrantes foi possibilitado o acesso aterra e à escola. Os negros, no entanto, ficaram à
margem desse processo.

A ideologia do branqueamento pode ser entendida como uma das políticas mais
perversas adotadas contra o negro desde a abolição da escravatura. Ela irá contribuir bastante
para as consequências futuras: tempos de marginalização, de poucos anos de estudos e menor
ascensão econômica.
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Relacionar o passado com o presente e, de forma bastante cuidadosa, é muito


importante, para não criar nos alunos negros um sentimento de inferioridade. Ao relacionar o
passado e o presente, é importante dar ênfase às relações de luta dos movimentos negros e de
valorização da identidade negra. Cumpre, no entanto, não se negar a história, em que se vê a
persistência da marginalização do negro, tendo-se em vista uma conscientização a respeito
desse passado.

Como momento de consolidação dos conhecimentos apreendidos, é sugerido um


trabalho de campo, em um quilombo ou em uma cidade histórica que vivenciou o período da
mineração, como Ouro Preto, Diamantina, dentre outras. O trabalho de campo é uma
atividade propícia para se relacionar o conhecimento adquirido com a situação in loco, e sua
sistematização pode ser feita em forma de relatório de campo, questionário, produção de
vídeo, dentre outros.

3.4 Estudos populacionais

Após o estudo da formação territorial do Brasil, conectada com a formação do povo


brasileiro, sugerimos a ligação com os estudos populacionais, para também se alcançar uma
melhor compreensão sobre a situação do negro na atualidade.

Dessa forma, além do uso de gráficos e textos que possam contribuir para explicar as
desigualdades sociais em que os negros, em sua maior parte, estão, sugerimos o emprego de
dois filmes, cuja análise pode contribuir para uma percepção crítica da produção dessas
desigualdades e, ao mesmo tempo, para uma reflexão sobre as atitudes racistas.

O primeiro vídeo é o Vista a minha pele (2004), um curta metragem de 13 minutos.


Nesse filme, as questões raciais são abordadas de forma bastante didática e voltadas para
adolescentes. Nele, o papeis de preconceito são invertidos, para se perceber como o racismo
se perpetua nas piadinhas, sem que, contudo, muitos se incomodem com isso. Os papeis são
invertidos em todos os aspectos: a menina branca sofre preconceito e não se vê representada
na televisão, nas revistas, na sociedade em geral, por exemplo. Ela tem um padrão de beleza
que é negado pela sociedade. Nisso, várias questões subjetivas são trabalhadas, como a
questão da autoestima e da representatividade.
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O segundo vídeo sugerido é o documentário Racismo no Brasil - Preto no Branco -


nem tudo é o que parece, exibido pelo canal Futura. Esse vídeo pode ser explorado no
momento da aprendizagem sobre a formação do território brasileiro e conectado com a
formação do povo brasileiro, bem como relacionado com as formas atuais de inserção do
negro. O documentário trata do racismo no Brasil, desde suas origens. Também explora o
mito da democracia racial, através dos relatos de pessoas negras sobre os racismos sofridos no
dia a dia, das formas de preconceito guardadas, sejam explícitas ou implícitas.

Uma das indagações levantadas no documentário é que uma grande maioria das
pessoas entrevistadas reconhece que o racismo é latente no Brasil, mas poucos se
autodeclaram racistas. Então, essas questões cotidianas são exploradas e são descobertas as
diversas formas de preconceito no dia a dia, tais como aquilo que muitas crianças aprendem
como “piadas” até sua reprodução em atos de pessoas consideradas até mesmo como negras,
mostrando como o preconceito encontra-se arraigado na sociedade.

O reconhecimento desses racismos, evidenciados na escolha de alunas sempre brancas


para apresentar em datas festivas, é um exemplo que pode ser explorado no âmbito escolar.
Necessita-se verificar se essa situação mudou ou se permanece. Também são exploradas as
questões da diferenciação social, tais como, por um lado, a quantidade de negros que possuem
universidade, que são empregadores, e, por outro, a porcentagem dos negros que são
abordados pela polícia.

A partir desse vídeo, o professor pode estabelecer várias conexões, procurando discutir
como os racismos são reproduzidos no cotidiano e aprofundar como eles foram socialmente
constituídos. Ao explorar em sala o mito da democracia racial, o professor poderá aprofundar
a análise das políticas de branqueamento, focalizando, juntamente com os alunos, a ideologia
racial que permeou a política brasileira, até que os próprios movimentos negros lutassem por
políticas mais igualitárias.

A partir do emprego desses dois vídeos, sugerimos dois debates em sala de aula: um
primeiro, para que o aluno exponha relações cotidianas onde percebe o preconceito, assim
como as situações de desigualdade identificadas no dia a dia. O outro debate pode ser sobre as
políticas de correção dessas distorções, como as políticas de afirmação, dentre elas, as cotas
raciais. Os alunos poderão buscar fontes de pesquisa complementar, orientada pelo professor,
para ter contato com todos os argumentos: favoráveis e contrários. A partir das informações
colhidas na pesquisa, eles terão condições de se posicionar com autonomia perante o
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problema, necessitando que o professor tenha o cuidado de orientar as referências para que
não se reproduza o que é falado na mídia o tempo todo.

O aprofundamento da análise das questões raciais do dia a dia pode ser relacionado
com o grande número de postagens racistas nas redes sociais. Os alunos podem trazer os
exemplos para expor para os demais, bem como explorar uma postagem que o próprio
professor levar para a sala de aula. É importante perceber que muitas das ações presentes nas
redes sociais estão presentes no dia a dia do aluno. A questão é que, na Internet, elas têm
maior visibilidade. Precisa-se explorar também esta questão, bem como desconstruir as
“piadinhas” entre os colegas e esclarecer os racismos, velados e explícitos, que são
reproduzidos pela sociedade.

O professor poderá trazer vários gráficos que expliquem a relação de desigualdade


entre negros e brancos em diversos aspectos (a questão educacional, as diferenças salariais, o
número de pobres desta etnia, a morte de jovens negros pelos policiais etc.) e sempre
relacioná-los com as formas de preconceito presentes no Brasil.

Outro campo a ser abordado é o de empoderamento da população negra. O último


vídeo mostra pessoas negras com profissões reconhecidas, bem como pessoas que lutam para
que o negro seja mais valorizado. Nesse campo, o professor pode propor vários trabalhos,
como por exemplo, a pesquisa sobre intelectuais negros, a realização de uma mostra de
artesanato e beleza negra, bem como o desenvolvimento de investigações sobre as religiões
que são comumente objeto de preconceitos. No trato da questão cultural, é importante delinear
estratégias para se tirar a ideia de “folclore” da cultura negra, entendendo-a, pelo contrário,
como uma cultura que está presente na cultura do brasileiro e questionar até mesmo por que
estas relações são ideologizadas.

É importante que estas relações sejam trabalhadas ao logo dos quatro anos de ensino,
cada ano com sua especificidade, mas que não sejam tratadas apenas no âmbito da semana de
consciência negra. A realização desta última, ademais, pode ser mais uma sistematização do
trabalho feito ao longo do ano.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As propostas de atividades apresentadas sugerem um aprofundamento do estudo da


história da população negra e da produção das desigualdades ainda existentes, frutos não só da
escravização, mas também das políticas implementadas posteriormente à abolição pelo
Estado. Assim, haverá a possibilidade de se fazer um mergulho na história do racismo
produzido no Brasil.

Ao mesmo tempo, de igual importância é a análise das diversas ideologias presentes


na construção do racismo, para se chegar a questioná-las. Por isso, propusemos que, nos
estudos de Geografia do sétimo ano, o tema “Formação do território brasileiro” fosse
abordado juntamente com a formação da população brasileira, para posteriormente se
atualizar para as formas de inserção da população, sobretudo a negra, na atualidade. Com isso,
buscamos explicar como as diferenças produziram e produzem desigualdades já desde o
embrião da formação da população brasileira e o quão importante é lutar pela superação das
mesmas.

Relacionar a produção dessas desigualdades com as condições sociais atuais, com as


políticas de afirmação, a diminuição das desigualdades a partir da luta do movimento negro,
representa possibilitar que os sujeitos desse processo tenham a visibilidade que merecem. E
também de aumentar as possibilidades para que dentro da sujeição possam se qualificar
construindo contradiscursos para subverter a ordem imposta. Daí reforçamos que a ideologia
não está no outro, está no interior das práticas sociais, a questão é: qual ideologia está sendo
seguida?

Ao mesmo tempo, dar valor às diferenças étnicas, através da abordagem da cultura, de


seu hibridismo e da desmistificação dos padrões de beleza europeus, que tanto têm sido
contestados pelos movimentos de empoderamento, é uma questão de respeito aos sujeitos
desse processo e que também possam contribuir com essa luta.

Longe ainda de se configurar em uma proposta “descolonizadora de currículos”, as


propostas aqui feitas visam um aprofundamento crítico sobre a história da população negra, a
construção do racismo e a maior valorização do negro.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e
Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Brasília, 2003. Disponível
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ANEXO A – Texto: Economia colonial: Cana e trabalho escravo sustentaram o Brasil


colônia

31/07/200509h54

Na segunda metade do século 16, começaram a ficar evidentes os interesses e os


objetivos de Portugal nas terras brasileiras.

As relações econômicas que vigoravam entre as nações europeias baseavam-se no


mercantilismo, cuja base eram o comércio internacional e a adoção de políticas econômicas
protecionistas.

Cada nação procurava produzir e vender para o mercado consumidor internacional


uma maior quantidade de produtos manufaturados, impondo pesadas taxas de impostos aos
produtos importados. Asseguravam, desse modo, a manutenção de uma balança comercial
favorável.

As nações que possuíam colônias de exploração levavam maiores vantagens no


comércio internacional. A principal função dessas colônias era fornecer matérias-primas e
riquezas minerais para as nações colonizadoras - ou seja, para as metrópoles. Ao mesmo
tempo, serviam de mercado consumidor para seus produtos manufaturados. Havia uma
imposição de exclusividade, ou monopólio, do comércio da colônia para com a metrópole,
que foi chamada de pacto colonial.

Pacto colonial

O pacto colonial pode ser entendido como uma relação de dependência econômica que
beneficiava as metrópoles. Ao participarem do comércio como fornecedoras de produtos
primários (baratos) e consumidoras dos produtos manufaturados (caros), as colônias
dinamizavam as economias das metrópoles propiciando-lhes acúmulo de riquezas.

Portugal procurou criar as condições para o Brasil se enquadrar no pacto colonial. Os


portugueses concentraram seus esforços para a colônia se transformar num grande produtor de
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açúcar de modo a abastecer a demanda do mercado internacional e beneficiar-se dos lucros de


sua comercialização.

Além da crescente demanda consumidora por esse produto, havia mais dois fatores
importantes que estimularam o investimento na produção açucareira. Primeiro, os portugueses
possuíam experiência e tinham sido bem-sucedidos no cultivo da cana-de-açúcar em suas
possessões no Atlântico: nas ilhas Madeira, Açores e Cabo Verde. Segundo, as condições do
clima e do solo do nosso litoral nordestino eram propícias a esse plantio. Em 1542, o
donatário da próspera capitania de Pernambuco, Duarte Coelho, já havia introduzido a cana-
de-açúcar em suas terras.

Plantation

O plantio da cana-de-açúcar foi realizado em grandes propriedades rurais denominadas


de latifúndio monocultor ou plantation. Essas propriedades também ficaram conhecidas como
engenhos, porque, além das plantações, abrigavam as instalações apropriadas e os
equipamentos necessários para o refino do açúcar: a moenda, a caldeira e a casa de purgar.

Para o processo de produção e comercialização do açúcar ser lucrativo ao


empreendimento colonial, os engenhos introduziram a forma mais aviltante de exploração do
trabalho humano: a escravidão. A introdução do trabalho escravo nas grandes lavouras
baixava os custos da produção.

Toda a riqueza da colônia foi produzida pelo trabalho escravo, baseado na importação
de negros capturados à força na África.

O contexto social da colonização e da superexploração da mão-de-obra pela lavoura


canavieira tornava inviável contar com o trabalho dos homens livres.

Com terras abundantes, os homens livres poderiam facilmente se apropriar de uma


gleba e desenvolver atividades de subsistência. Ou seja, não havia nem incentivo nem
necessidade de que a população livre trabalhasse no engenho. Completando o quadro, os
portugueses também exploravam o lucrativo de tráfico de escravos negros africanos. E a
simples existência do tráfico já constituía um estímulo à utilização desta mão-de-obra nas
colônias pertencentes a Portugal.
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Engenhos

Os engenhos eram as unidades básicas de produção das riquezas da colônia. Mais do


qualquer outro local, o engenho caracterizava a sociedade escravista do Brasil colonial. No
engenho, havia a senzala, que era a construção rústica destinada ao abrigo dos escravos; e
havia a casa grande, a construção luxuosa na qual habitavam o senhor, que era o proprietário
do engenho e dos escravos; juntamente com seus familiares e parentes. Consta que por volta
de 1560, o Brasil já possuía cerca de 60 engenhos que estavam em pleno funcionamento,
produzindo o açúcar que abastecia o mercado mundial.

Nos moldes como foi planejada pela Coroa portuguesa, a colonização do Brasil exigia
enormes recursos econômicos que seriam empregados na montagem dos engenhos, na compra
de escravos, de ferramentas e de mudas de cana-de-açúcar para iniciar a produção. Havia
ainda a necessidade de transporte do produto e, por fim, sua distribuição no mercado
internacional.

Para solucionar o problema do financiamento da montagem da produção açucareira,


Portugal recorreu aos mercadores e banqueiros holandeses. Por meio de inúmeros
mecanismos de cobrança de impostos, os lucros obtidos com a comercialização do açúcar
eram rateados. A maior parcela dos lucros obtidos ficava com os negociantes holandeses que
haviam investido na produção e distribuição do produto. Portugal ficava com a menor parcela
dos lucros, mas em contrapartida assegurava a posse e a colonização do Brasil, além da
imposição do pacto colonial.

O ciclo do açúcar no Brasil colonial se estendeu até a segunda metade do século 17. A
partir de então, a exportação do produto declinou devido à concorrência do açúcar produzido
nas Antilhas. Ironicamente, eram negociantes holandeses que também financiavam e
comercializavam a produção antilhana. Restava a Portugal encontrar outras formas de
exploração das riquezas coloniais. No século 18, a exploração de ouro e diamantes daria
início a um novo ciclo econômico.

Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências


sociais, é autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: Gênese e Atuação Política -
1972-1985" (Edufscar).

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