TCC - Sheila Mendes (LIDO)
TCC - Sheila Mendes (LIDO)
TCC - Sheila Mendes (LIDO)
Belo Horizonte
2016
DIÁLOGOS COM O LIVRO DIDÁTICO JORNADAS.GEO 7: abordagem da
população negra no livro e propostas de atividades que valorizem o negro.
Belo Horizonte
2016
AGRADECIMENTOS.
Não poderia deixar de agradecer a aluna Nilma, que sugeriu as ações positivas à
população negra presentes neste trabalho.
Ao meu orientador, Professor Dr.Luiz Carlos Villalta, que dedicou tempo de sua
caminhada na leitura criteriosa desse trabalho e pelas inúmeras contribuições, que
suscitaram maiores reflexões e melhorias no mesmo.
Às Professoras Dras. Doralice Barros Pereira e Rogata Soares Del Gaudio pelas
discussões na disciplina Ideologias e Geografias, das quais aproveitei muito para a
idealização do meu trabalho.
Aos diversos alunos, que tive e aos que tenho, por suscitarem esta preocupação em
mim.
Por fim, aos meus amigos Mauro, Rosa, Karina e Eugênia, pelo incentivo e também
pelas leituras que fizeram.
O meu agradecimento segue também para a minha família, pela compreensão das
ausências.
Obrigada a todos.
RESUMO
Esta monografia faz uma análise da abordagem do negro no livro didático Jornadas.geo 7 e
propõe atividades didáticas e estudos mais aprofundados na Geografia escolar que se
conectem com o livro analisado. Com isso, objetiva não só uma abordagem crítica da
construção do racismo no Brasil, mas também apresentar atividades que valorizem a cultura
do negro. Como metodologia, foram percorridos os estudos para desvendar o papel ideológico
da escola, bem como as possibilidades que a mesma oferece para se ter um ensino mais
autônomo. É discutida também a função da ideologia na construção do racismo brasileiro,
retomando as teorias do branqueamento e da democracia racial, para posteriormente
relacioná-la com a produção do livro didático. Já as propostas de atividades apresentadas
buscam uma abordagem da construção do Brasil a partir do trabalho escravo e das políticas
implementadas pelo Estado que contribuíram para aprofundar as relações de desigualdade
entre brancos e negros e, ainda, analisar as atuais formas de inserção e as políticas de
afirmação conquistadas recentemente.
Imagem 1: Engenho. Obra de Frans Post, século XVII (PAULA & RAMA, 2013, p. 31) --- 22
Imagem 2: Imigrantes chegando a São Paulo, após a viagem de navio, 1907 (PAULA &
RAMA, 2013, p 195)------------------------------------------------------------------------------------24
Imagem 3: Coronel Donnel com esposa e filhos, Paranaguá (PR), 1912 e Família no Parque
do Ibirapuera, São Paulo (SP), 2008(PAULA & RAMA, 2013, p 196) ------------------------ 25
Imagem 4: Grupo Folclórico Samba Lenço na cidade e Mauá (SP), 2006 (PAULA & RAMA,
2013, p 212) ----------------------------------------------------------------------------------------------26
Imagem 5: Festa de Iemanjá em Salvador (BA), 2012(PAULA & RAMA, 2013, p 212) ----27
LISTA DE GRÁFICOS
INTRODUÇÃO -----------------------------------------------------------------------------------------5
INTRODUÇÃO
Um dos autores analisados e muito polêmico foi Louis Althusser (1966), com sua
teorização em Aparelhos Ideológicos de Estado e sua conclusão de que a escola é um destes
principais aparelhos ideológicos. Ele é muito criticado por sua visão determinista/pessimista,
mas nem por isso inválida, pois muitos outros autores desenvolveram outras teorizações a
partir das análises de Althusser. Uma das professoras, que ministrava a disciplina sempre
lembrava o velho ditado “não vamos jogar fora a criança coma água do banho!” Ou seja,
apesar das críticas, que foram feitas a este autor, muitos estudos se sucederam a partir de suas
teorizações.
A partir desta definição, ele afirma que as mudanças sociais são possíveis, pois, ao
mesmo tempo em que o sujeito já está em um mundo estruturado e que é qualificado pelas
interpelações ideológicas, ele também pode se qualificar e contribuir para a transformação da
ideologia dominante.
tese, era necessário fazer um recorte. Então, passei a me preocupar com as coisas que estavam
diretamente relacionadas ao “chão da escola”, aos meus próprios procedimentos
metodológicos, às ferramentas didáticas que estavam ao meu dispor, sobretudo o livro
didático. Em uma das nossas rodas de conversa, explanei esta ideia para a tutora do curso, e
uma aluna me indagou: “Pra quê você fará apenas uma análise sobre a ausência da imagem do
negro no livro didático? A gente já sabe que há esta ausência! Precisamos levar ações
positivas, ações de empoderamento!” Ou seja, a aluna apontava para a necessidade de se
desenvolverem propostas pedagógicas, que se contrapusessem à orientação do livro didático,
que não se limitassem a denunciá-la. Então, veio-me a ideia de fazer esta análise, de tentar
apresentar as possibilidades deste empoderamento em conexão com o livro didático. Em
alguns casos, trata-se de propostas que já existem na Internet, algumas delas já foram até
aplicadas no curso de Pós-Graduação como ferramentas de análise para que pudéssemos ser
agentes multiplicadores na luta contra os preconceitos, mas mais especificamente aqui contra
o racismo.
Logo após, relacionamos esta ideologia com a produção dos livros didáticos, os quais
necessitam ser analisados para que se verifique se não acabam reforçando as teorias do
branqueamento ou da democracia racial, se omitem a presença do negro, ou se os apresentam
de forma estereotipada.
Por que ele usa esse argumento? Ele justifica que é na escola, seja com métodos
antigos ou novos, que aprendemos normas e um pacote de coisas que nos são ditas como
importantes.
Podemos supor que esta ideia é ultrapassada, tendo em vista os enormes esforços de
vários campos do conhecimento em tornar a escola mais crítica e contestadora das próprias
ações do Estado.
Mas, primeiramente, vamos lembrar que o Estado aqui se configura como uma das
formas que a classe dominante encontrou para perpetuar o seu poder. Em segundo lugar, que
ideologia tem a ver com hegemonia. Os processos hegemônicos, como muito bem explanado
11
Um autor que irá contribuir nesse sentido, para avançarmos em relação aos estudos de
Althusser, é Goran Therborn. Em seu estudo La ideologia del poder y El poder da
1
Vários autores contribuíram para o debate a respeito das possibilidades da escola, abordando como ela pode
exercer uma função mais libertadora. Dentre eles, cito: ENGUITA, Mariano F. A face oculta da escola:
educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989 e SAVIANI, Demerval. Escola e
Democracia. São Paulo: Cortez/ Autores Associados, 1987.
12
Demerval Saviani também segue esta linha, a do caminho das possibilidades. Em seu
livro Escola e Democracia (1987), ele nos traz a contribuição de que não basta saber que há a
classe burguesa e o proletariado, de que existem dois sistemas de ensino, mas que
fundamentalmente uma maneira de reduzir esta discrepância seria oferecer um ensino para os
proletários. Para ele,
Todavia, para engajar-se nesse esforço, além de cuidar minuciosamente para que o
conteúdo não seja negado à classe popular, outro empenho teria que ser tomado no sentido de
permitir a aprendizagem aos que possuem dificuldades. Então, para ele, deverá ser tomado um
cuidado especial com a disciplina, como forma de garantir que os conteúdos sejam realmente
assimilados. Também nos chama a atenção para o fato de que, dado o cotidiano escolar, o
próprio professor dedica-se mais àqueles que possuem maiores facilidades de aprendizado “e
assim, nós professores, no interior da sala de aula, acabamos reforçando a discriminação e
sendo politicamente reacionários” (SAVIANI, 1987, p. 61).
Segundo Souza, o autor Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (2002) analisa que a ideia
de “democracia racial” criou a ilusão de que no Brasil foram desenvolvidas formas de racismo
mais humanas em relação aos negros, o que influenciou as primeiras frentes de luta do
movimento negro no Brasil.
Souza, ainda, afirma que, para Guimarães, a
concepção de uma democracia racial foi recebida e apoiada pela elite brasileira
porque apresentava alternativas e justificativas para a implementação de um modelo
de sociedade sem conflitos, formalizado no Estado ou no corpo das relações sociais
e interpessoais. [...] No entanto, o que se cunhou, sob a pretensão de encarar o
problema da adoção de um modelo de estado autoritário no Brasil, tornou-se útil ao
apagamento dos conflitos raciais e à formatação de um pacto social construído e
compartilhado pela negação da violência e da exclusão que marcaram as trajetórias
negras (GUIMARÃES, apud SOUZA,2014, p. 3).
Contra todo este mecanismo perverso de racismo e, ao mesmo tempo, sua negação, a
obrigatoriedade do ensino da História da África e a questão das cotas nas universidades
públicas foram grandes avanços, no sentido não só de dar visibilidade aos racismos
cotidianos, como foram frutos da luta do próprio movimento negro.
Uma contribuição muito importante para o enfrentamento ao racismo e pela inclusão
da cultura africana nos currículos é da pesquisadora Nilma Lino Gomes, em sua obra
Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos (2012). Gomes defende
uma radicalização dos currículos para inserir adequadamente a cultura africana, como também
luta por uma mudança de todos os instrumentos educacionais, que irão condizer com esse
novo currículo, como as provas nacionais e internacionais. Essa mudança radical passa pela
16
indagação da própria função curricular: se está voltada para uma visão conteudista ou para a
formação de sujeitos. A autora defende uma descolonização dos currículos, que pelo perfil
conteudista e engessado, silenciam outras realidades e outros sujeitos que lutam para serem
viabilizados.
Neste sentido, a autora analisa a importância e o alcance da alteração da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) através da sanção da Lei nº 10.639/03
regulamentada pelo parecer CNE/CP 03/2004 e pela resolução CNE/CP 01/2004 (BRASIL,
2005). Por meio da lei, tornou-se obrigatória a inclusão da matriz africana nos currículos, bem
como as reflexões sobre diversidade étnica e racial, e as desigualdades sociais que foram
produzidas. Esta mudança passa a exigir outras, vindas do campo educacional, como uma
nova formação de professores, pois, para a autora, faz-se necessária uma mudança de
paradigma. Mais do que isso, é essencial uma transformação radical nos currículos escolares.
Um ponto muito importante ressaltado pela mesma está no fato de que a inclusão da
matriz africana nos currículos não veio de nenhuma benevolência, mas sim da luta constante
dos movimentos de afirmação negra. Segundo a autora:
Esse ponto vai ao encontro das ideias defendidas por Therborn (1987), segundo as
quais os sujeitos devem se qualificar para uma possível emancipação. Essa só é possível,
porque na teorização de ideologia feita por ele não existe apenas a ideologia de classe. Ela
está relacionada a outros valores na subjetividade humana, que irão atuar de forma a garantir
não apenas a organização e manutenção do poder, mas também a transformação do mesmo.
É a função mais antiga. A partir do século XIX, com a constituição dos Estados
nacionais e com o desenvolvimento, nesse contexto, dos principais sistemas
educativos, o livro didático se afirmou como um dos vetores essenciais da língua, da
cultura e dos valores das classes dirigentes. Instrumento privilegiado de construção
da identidade, geralmente ele é reconhecido, assim como a moeda e a bandeira,
como um símbolo da soberania nacional e, nesse sentido, assume um importante
papel político. Essa função, que tende a aculturar – e, em certos casos, a doutrinar –
as jovens gerações, pode se exercer de maneira explícita, até mesmo sistemática e
ostensiva, ou, ainda, de maneira dissimulada, sub-reptícia, implícita, mas não menos
eficaz (CHOPPIN apud CARVALHO, 2012, p. 87).
Pelo exposto, a questão que se coloca não é complicada apenas no que tange às
relações étnico-raciais, remetendo a toda uma complexa relação de imposição da cultura da
classe dominante. Diante dessa situação, é oportuna a proposição de Nilma Lino, a respeito da
necessidade de descolonização dos currículos.
19
2. O LIVRO JORNADAS.GEO. 7
A coleção Jornadas.geo foi organizada por dois autores: Marcelo Moraes de Paula e
Angela Rama, ambos com graduação em Geografia –licenciatura e bacharelado – pela
Universidade de São Paulo, sendo que a autora também é mestre em Geografia pela mesma
Universidade.
Do ponto de vista didático, a proposta dos autores visa atingir as três dimensões do
processo de ensino-aprendizagem: a conceitual, a procedimental e a atitudinal.
parâmetros a serem seguidos para que o livro didático seja aceito ou não e que os autores
devem seguir os Parâmetros Curriculares Nacionais.
Na avaliação, feita pelo MEC através do Guia do livro didático – PNLD – 2014, esta
coleção está condizente com as propostas e diretrizes feitas, e apresenta também coerência
com a proposta teórico-metodológica.
1- O território brasileiro;
2- O Brasil e suas regiões;
3- Relevo e águas no Brasil;
4- Vegetação e clima no Brasil;
5- O espaço rural brasileiro;
6- Brasil: país urbano;
7- Indústria, serviços e comércio no Brasil.
8- População brasileira.
21
Logo após, os autores abordam a expansão do território para Oeste, para depois
tratarem das formas de ocupação e integração do território e das atividades econômicas
coloniais: a extração do pau-brasil, a agro-manufatura da cana de açúcar, a mineração, a
cafeicultura e a indústria.
Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 31.
A imagem poderia ser explorada para se abordar o campo das diversas relações de
trabalho, dentre elas o trabalho escravo. Os autores não fizeram. Aliás, a imagem sequer foi
explorada no corpo do próprio texto. Foi apresentada, em forma de nota sobre a imagem,
apenas uma explicação sobre o que eram os engenhos. Faltou abordar a mão de obra dos
escravos, como eles foram trazidos para o Brasil, em quais condições eles trabalhavam e
relacionar sua presença com o tráfico negreiro. Apesar de não haver essa conexão, a simples
imagem pode ser explorada pelo professor, que poderá aprofundar a análise das relações
mencionadas.
consumo do açúcar como elemento cultural do indígena e como traço cultural do brasileiro,
sem se mencionar a cultura do negro.
Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013., p.195.
Porém, o capítulo não analisa em que contexto esses europeus chegaram. Deixa de
lado vários aspectos que podem ser relacionados ao tema, alguns deles não coevos ao
processo de migração, tais como a opção política pela mão de obra europeia, a teoria do
branqueamento populacional. As explorações sobre o racismo ficaram, dessa forma, vazias,
bem como a questão da migração ficou bastante deslocada de sua história. Sobre a entrada dos
europeus no país, só é mencionado o quanto ela contribuiu para que a população do Brasil
crescesse.
Ainda nesse capítulo, porém em outra seção, que trata do declínio populacional, a
imagem da família negra atual é focalizada. Para retratar o declínio da taxa de natalidade, são
mostradas duas fotografias: a primeira, de uma família extensa de um coronel em 1912 e a
segunda, de uma família de pessoas negras, constituídas por quatro pessoas, mãe, pai e dois
filhos, de 2008.
25
Figura 3:Coronel Donnel com esposa e filhos, Paranaguá (PR), 1912 e Família no
Parque do Ibirapuera, São Paulo (SP), 2008.
Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013, p.
196.
A imagem da família negra é positiva e vem ao confronto da ideia que muitos alunos
trazem, como pude constatar em sala de aula: de que os negros possuem mais filhos, por
associá-los sempre à classe dos mais pobres. Tem-se, aqui, um bom momento para se explorar
tantos os estereótipos quanto às relações desiguais, que foram estabelecidas a partir dessa
diferença.
são impostos e as conquistas feitas a partir das lutas dos negros, como a questão das cotas
raciais.
No que se refere à abordagem dos povos africanos, são destinadas duas páginas. A
seção começa abordando a importância das influências dos povos africanos nas características
físicas e culturais do povo brasileiro, sem, no entanto, elencar quais são estas influências. A
ilustração ficou por conta da fotografia do Grupo Folclórico Samba Lenço, da cidade de Mauá
em 2006. Ela, no entanto, não é analisada ao longo do corpo do texto.
Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 212
Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 212
A forma com que a desigualdade foi apresentada empobrece sua complexidade, pois
não são mencionadas a falta de políticas públicas voltadas ao negro, a dívida social que o
Estado possui em relação aos anos de escravidão e a relação desse processo com as condições
de desigualdade atuais.
28
Na abordagem da situação atual do negro, são analisados dados do Censo de 2010, que
mostram um aumento da quantidade de pessoas que se autodeclararam negras. Os autores
relacionam que este aumento é fruto da valorização dessa parcela da população pela sociedade
brasileira. Nesse tópico, os autores poderiam ter trabalhado a questão da própria
autoafirmação e da luta pela igualdade racial, protagonizadas pelos movimentos negros.
Portanto, fica para o professor fazer essa abordagem.
GRÁFICO (1):
Brasil: Aumento da população negra entre 2000 e 2010 e Brasil: Aumento da população
parda entre 2000 e 2010
Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 212.
GRÁFICO (2): Rendimento médio das populações negras, pardas e brancas (2010)
Fonte: PAULA, Marcelo Moraes; RAMA, Angela. Jornadas.geo: 7ºano. São Paulo: Saraiva, 2013,p. 213.
A análise do livro permite concluir que faltou uma conexão maior com a história da
população negra e suas contribuições, bem como com suas características atuais. Sem abordar
a fundo a história da exploração dos negros africanos e sem relacionar as políticas que foram
executadas e cujo resultado foi aumentar ainda mais a marginalização da população negra,
cria-se dificuldade para que o professor trate com o aluno a questão do mito da democracia
racial, os preconceitos gerados pela diferenciação socioeconômica, bem como os movimentos
de autoafirmação e empoderamento dos negros e negras, que têm mudado a história de muitos
deles, para uma maior valorização de sua cultura.
A condição de inferioridade social pode ser relacionada com a produção do espaço que
ainda existe no Nordeste, com a existência, lado a lado, de casarões e favelas. Permite
estabelecer um paralelo da segregação espacial no Brasil da atualidade. Os próprios alunos
podem relatar como as desigualdades sociais são expressas na produção do espaço, a
princípio, diferenças entre bairros, bem como nos serviços essenciais da prefeitura que lhes
são prestados. Com a ajuda do professor, eles podem chegar à ideia da segregação espacial.
Uma sugestão de pesquisa a ser feita aos alunos pode referir-se às condições socioeconômicas
do negro no Nordeste, em comparação com as observadas no restante do país, analisando
também que mudanças têm sido feitas para diminuir estas discrepâncias.
Como forma de consolidar este conhecimento, várias atividades podem ser propostas:
busca de lideranças negras para darem palestra na escola, realização de pesquisa sobre
tranças, trazer trançadeiras nas escolas para um posterior desfile, apresentações de capoeira,
samba, comidas típicas (como o vatapá, dentre outros). Ao final, pode-se pedir a produção de
textos pelos alunos em que se explicitem essas contribuições culturais e as formas de racismos
existentes.
No enfoque da mineração, pode ser dada relevância ao trabalho escravo. Além disso, é
preciso tentar diferenciar a extração mineral do trabalho feito na agromanufatura da cana-de-
açúcar. Qual foi a produção do espaço feita a partir do trabalho escravo na mineração? Qual
era a diferença entre ser escravo nos engenhos e nas minas? Que situações atuais podem ser
repensadas a partir desse passado no trabalho escravo na mineração?
O artigo escolar de Fernando Fonseca Garcia, História das Minas de ouro e diamante:
a escravidão nas Minas, orientado para pesquisas escolares, é bastante didático nesse sentido.
Trata das especificidades do trabalho escravo nas minas, o qual é considerado o mais penoso
dos trabalhos escravos no Brasil. Ressalta-se que, além das péssimas condições de trabalho,
os escravos que atuavam nas minas viviam em média apenas cinco anos. Sua mão de obra
também foi explorada na construção de pontes, estradas e edifícios.
diversas procedências dos escravos que aqui vieram. Tem-se, assim, um campo rico para a
história dos escravos negros e da produção do espaço produzidas por eles.
Ora o argumento da experiência não se justifica, pois, como relatado no artigo citado,
quando os italianos aqui chegaram, os negros africanos já tinham constituído toda a base para
a produção de café em São Paulo.
Essa relação de desigualdade reforçada pelo Estado carece ser enfatizada para se
entenderem as consequências posteriores: no momento em que os escravos se viram livres,
quando poderiam trabalhar nas lavouras de café de forma assalariada, o Estado preferiu pagar
pela mão de obra europeia, que foi então introduzida nesse momento. Mais do que isso, para
os imigrantes foi possibilitado o acesso aterra e à escola. Os negros, no entanto, ficaram à
margem desse processo.
A ideologia do branqueamento pode ser entendida como uma das políticas mais
perversas adotadas contra o negro desde a abolição da escravatura. Ela irá contribuir bastante
para as consequências futuras: tempos de marginalização, de poucos anos de estudos e menor
ascensão econômica.
35
Dessa forma, além do uso de gráficos e textos que possam contribuir para explicar as
desigualdades sociais em que os negros, em sua maior parte, estão, sugerimos o emprego de
dois filmes, cuja análise pode contribuir para uma percepção crítica da produção dessas
desigualdades e, ao mesmo tempo, para uma reflexão sobre as atitudes racistas.
Uma das indagações levantadas no documentário é que uma grande maioria das
pessoas entrevistadas reconhece que o racismo é latente no Brasil, mas poucos se
autodeclaram racistas. Então, essas questões cotidianas são exploradas e são descobertas as
diversas formas de preconceito no dia a dia, tais como aquilo que muitas crianças aprendem
como “piadas” até sua reprodução em atos de pessoas consideradas até mesmo como negras,
mostrando como o preconceito encontra-se arraigado na sociedade.
A partir desse vídeo, o professor pode estabelecer várias conexões, procurando discutir
como os racismos são reproduzidos no cotidiano e aprofundar como eles foram socialmente
constituídos. Ao explorar em sala o mito da democracia racial, o professor poderá aprofundar
a análise das políticas de branqueamento, focalizando, juntamente com os alunos, a ideologia
racial que permeou a política brasileira, até que os próprios movimentos negros lutassem por
políticas mais igualitárias.
A partir do emprego desses dois vídeos, sugerimos dois debates em sala de aula: um
primeiro, para que o aluno exponha relações cotidianas onde percebe o preconceito, assim
como as situações de desigualdade identificadas no dia a dia. O outro debate pode ser sobre as
políticas de correção dessas distorções, como as políticas de afirmação, dentre elas, as cotas
raciais. Os alunos poderão buscar fontes de pesquisa complementar, orientada pelo professor,
para ter contato com todos os argumentos: favoráveis e contrários. A partir das informações
colhidas na pesquisa, eles terão condições de se posicionar com autonomia perante o
37
problema, necessitando que o professor tenha o cuidado de orientar as referências para que
não se reproduza o que é falado na mídia o tempo todo.
O aprofundamento da análise das questões raciais do dia a dia pode ser relacionado
com o grande número de postagens racistas nas redes sociais. Os alunos podem trazer os
exemplos para expor para os demais, bem como explorar uma postagem que o próprio
professor levar para a sala de aula. É importante perceber que muitas das ações presentes nas
redes sociais estão presentes no dia a dia do aluno. A questão é que, na Internet, elas têm
maior visibilidade. Precisa-se explorar também esta questão, bem como desconstruir as
“piadinhas” entre os colegas e esclarecer os racismos, velados e explícitos, que são
reproduzidos pela sociedade.
É importante que estas relações sejam trabalhadas ao logo dos quatro anos de ensino,
cada ano com sua especificidade, mas que não sejam tratadas apenas no âmbito da semana de
consciência negra. A realização desta última, ademais, pode ser mais uma sistematização do
trabalho feito ao longo do ano.
38
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANCIAN, Renato. Economia colonial: cana e trabalho escravo sustentaram o Brasil colônia.
UOL, 2005. Disponível em:<http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/economia-
colonial-cana-e-trabalho-escravo-sustentaram-o-brasil-colonia.htm>. Acesso em 20 fev. 2016.
CARVALHO, Naiemer Ribeiro de. Geographia do Brazil: a construção da nação nos livros
didáticos de Geografia da Primeira República. 2012. 209f. Dissertação (Mestrado). Programa
de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2012.
GARCIA, Fernando Fonseca. História das Minas de ouro e Diamante: a escravidão nas
Minas. Disponível em: <http://monlewood.blogspot.com.br/2010/07/historia-das-minas-de-
ouro-e-diamante.html>. Acesso em 20 fev. 2016.
31/07/200509h54
Pacto colonial
O pacto colonial pode ser entendido como uma relação de dependência econômica que
beneficiava as metrópoles. Ao participarem do comércio como fornecedoras de produtos
primários (baratos) e consumidoras dos produtos manufaturados (caros), as colônias
dinamizavam as economias das metrópoles propiciando-lhes acúmulo de riquezas.
Além da crescente demanda consumidora por esse produto, havia mais dois fatores
importantes que estimularam o investimento na produção açucareira. Primeiro, os portugueses
possuíam experiência e tinham sido bem-sucedidos no cultivo da cana-de-açúcar em suas
possessões no Atlântico: nas ilhas Madeira, Açores e Cabo Verde. Segundo, as condições do
clima e do solo do nosso litoral nordestino eram propícias a esse plantio. Em 1542, o
donatário da próspera capitania de Pernambuco, Duarte Coelho, já havia introduzido a cana-
de-açúcar em suas terras.
Plantation
Toda a riqueza da colônia foi produzida pelo trabalho escravo, baseado na importação
de negros capturados à força na África.
Engenhos
Nos moldes como foi planejada pela Coroa portuguesa, a colonização do Brasil exigia
enormes recursos econômicos que seriam empregados na montagem dos engenhos, na compra
de escravos, de ferramentas e de mudas de cana-de-açúcar para iniciar a produção. Havia
ainda a necessidade de transporte do produto e, por fim, sua distribuição no mercado
internacional.
O ciclo do açúcar no Brasil colonial se estendeu até a segunda metade do século 17. A
partir de então, a exportação do produto declinou devido à concorrência do açúcar produzido
nas Antilhas. Ironicamente, eram negociantes holandeses que também financiavam e
comercializavam a produção antilhana. Restava a Portugal encontrar outras formas de
exploração das riquezas coloniais. No século 18, a exploração de ouro e diamantes daria
início a um novo ciclo econômico.