O Exercício Da Docência em Tempos Da Pandemia Covid-19: Dilemas, Desafios e Possibilidades Das Professoras Do Ensino Fundamental-I Das Escolas de São Pedro Da União - MG

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O EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA EM TEMPOS DA

PANDEMIA COVID-19: DILEMAS, DESAFIOS E


POSSIBILIDADES DAS PROFESSORAS DO ENSINO
FUNDAMENTAL-I DAS ESCOLAS DE SÃO PEDRO DA
UNIÃO – MG
Joice de Paiva

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Alfenas


Área de Concentração: Fundamentos da Educação e Práticas Educacionais
Linha de pesquisa: Cultura, práticas e processos na educação

Eixo temático 02: Políticas e práticas de formação continuada de professores da


educação básica

e-mail: [email protected]

Resumo

O objetivo deste trabalho consiste em analisar as percepções das professoras do ensino


fundamental I de São Pedro da União acerca do trabalho desenvolvido pelo ensino
remoto emergencial durante o ano pandêmico de 2020. Os objetivos específicos versam
em conhecer as principais orientações oficiais fornecidas pela secretaria de educação do
município em causa para o trabalho em 2020, identificar aspectos do cotidiano das
professoras, os desafios e dificuldades vivenciadas e os saberes mobilizados para o
desenvolvimento profissional. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com a participação de
dezesseis professoras, duas diretoras e uma secretária municipal de educação. As
informações foram analisadas pelo referencial qualitativo na perspectiva teórica
interpretativa-construtivista que comunga com a visão do sujeito situado numa realidade
sócio-histórica, cultural e política que o influencia. Os resultados revelam que os desafios
experienciados pelas professoras foram com relação ao uso das tecnologias digitais no
ensino, a adaptação de suas práticas pedagógicas, a fragilidade do vínculo com os
estudantes e os sentimentos de angústia perante a realidade vivenciada. A incorporação
de novos conhecimentos pelas professoras foi propiciada pela socialização dos saberes
entre os pares, com os estudantes e familiares. A pesquisa permitiu refletir sobre a
necessidade do desenvolvimento profissional articulado às formações contínuas que
possibilitassem novas aprendizagens sobre as tecnologias digitais. Capacitar o professor
não somente para saber usar os recursos, mas uma metodologia articulada aos
conhecimentos pedagógicos, aos saberes docentes e aos conhecimentos dos estudantes
aliada às ferramentas digitais, contudo, o desenvolvimento do profissional seria
potencializado com um processo de formação contínua.
Palavras-Chave: saberes docentes, ensino remoto emergencial, formação de
professores.

1. Introdução
No início de 2020 o trabalho docente foi significativamente impactado pela
pandemia e suas práticas tiveram que ser modificadas para adaptação do ensino remoto
emergencial. O trabalho cotidiano nas escolas foi transferido para casa e, contudo
surgiram novas demandas de trabalho, novos desafios e dificuldades para que o ensino
continuasse e minimamente atingisse os objetivos educacionais.
Através da proximidade profissional da autora desse trabalho com o município de
São Pedro da União, localizado no interior de Minas Gerais, foi possível perceber que a
pandemia evidenciou a relevância dos recursos tecnológicos na mediação das relações
sociais e do ensino. Através do acesso às escolas da rede pública, da articulação com os
profissionais inseridos naquela realidade foram construídos alguns questionamentos com
relação aos desafios impostos aos professores durante a pandemia. Considerando as
dificuldades e os dilemas enfrentados na adaptação do ensino remoto emergencial, quais
foram os saberes docentes mobilizados e construídos durante a pandemia?
Para responder o problema de pesquisa foi construído o seguinte objetivo:
analisar as percepções dos professores do ensino fundamental I de São Pedro da
União acerca do trabalho desenvolvido pelo ensino remoto emergencial durante a
pandemia no ano de 2020. Assim, os objetivos específicos: 1) Conhecer as orientações
oficiais fornecidas pela secretaria de educação do município em causa para o trabalho
docente. 2) Identificar aspectos do cotidiano do trabalho dos docentes e os saberes
mobilizados para o ensino remoto emergencial. 3) Compreender os principais desafios e
dilemas enfrentados pelos docentes em suas atividades na pandemia.
Este trabalho além de expor os dilemas na transposição de tantas dificuldades
durante o afastamento social traz reflexões importantes para ações que propiciem o
desenvolvimento profissional docente através de novas aprendizagens sobre o uso dos
recursos tecnológicos incorporados às práticas pedagógicas, com possibilidades reais de
transformação das ações e dos saberes docentes.
2. Sessões do trabalho
O trabalho apresenta na introdução a problemática de pesquisa e a construção
dos objetivos. O desenvolvimento apresenta a análise das principais publicações do
governo Federal, do estado de Minas Gerais e de São Pedro da União que orientaram os
municípios na condução de suas atividades educacionais e algumas reflexões sobre o
impacto da crise sanitária para o ensino. A fundamentação teórica buscou reflexões
sobre os fenômenos do campo de trabalho, os saberes docentes em formação e os
conhecimentos compartilhados que podem orientar as ações do professor durante a
carreira. A articulação se orientou no desenvolvimento profissional e saberes docentes.
Os procedimentos metodológicos apresentam o percurso da coleta e análise das
informações. Trata-se de pesquisa qualitativa na perspectiva interpretativa-construtivista.
O diálogo com as participantes da pesquisa foi mediado por um roteiro semiestruturado.
Em resultados e discussão são identificados os principais desafios e dificuldades
vivenciados pelas professoras em 2020 e os saberes docentes mobilizados na pandemia.
As conclusões sinalizam os objetivos alcançados pela pesquisa, reflexões para
futuras pesquisas sobre o uso das tecnologias no ensino aliadas aos saberes docentes e
a importância de formações contínuas que propiciem o desenvolvimento nesse sentido.
3. Desenvolvimento
No ano de 2020, desde o dia 17 de março as escolas não receberam mais os
estudantes. Essa foi uma decisão dos próprios gestores escolares e das secretarias
municipais, pois nesse período ainda não havia orientações claras para a atuação dos
profissionais da educação básica.
A medida provisória nº 934 (BRASIL, 2020a) publicada em 1º de abril, estabelecia
normas excepcionais para o ano letivo da educação básica e do ensino superior
decorrentes das medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde
pública. O parecer oficial aprovado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) com
relação à reorganização do calendário escolar e da possibilidade de cômputo de
atividades não presenciais foi somente em 28 de abril com o parecer CNE/CP nº 5/2020.
O parecer CNE/CP nº 5/2020 dispôs as diretrizes para orientar escolas da
educação básica e instituições de ensino superior, autorizou os sistemas de ensino a
computarem atividades não presenciais para cumprimento de carga horária e sugeriu a
utilização de períodos não previstos no calendário escolar, como recessos, férias e dias
de sábados serem computados para o cumprimento da carga horária de trabalho
(BRASIL, 2020b).
Com relação aos anos iniciais do ensino fundamental, o parecer CNE nº5/2020
sugeria atividades mais estruturadas, para atingir a construção das habilidades básicas.
Recomendava que as aulas fossem gravadas e disponibilizadas às famílias e fossem
confeccionados roteiros impressos de atividades para as crianças, vídeos e guias mais
práticos, esses materiais também deveriam ser estruturados para os mediadores.
Segundo Almeida et. al. (2021) os docentes tiveram que reinventar suas práticas
pedagógicas a partir do próprio investimento e dos recursos disponíveis no momento.
Tentaram reforçar os laços com as famílias e as comunidades, ao menos naqueles
lugares em que a pobreza e a vulnerabilidade extrema não inviabilizaram por completo a
construção de alternativas para acompanhar o ensino remoto.
A pandemia evidenciou que a educação é um ato social, afetado pelos fenômenos
e pelas relações sociais, o processo de ensino e de aprendizagem é atravessado pelas
relações e interações entre estudantes/famílias e professores e esses vínculos podem
ser frágeis quando não há a presença física do professor.
As escolas e os atores do ensino tiveram que lidar com a reorganização do tempo
disponível para a realização de suas atividades de maneira não presencial e a confecção
de materiais impressos. Contudo, os professores se depararam com os desafios de
ensinar através da mediação da tecnologia digital.
De acordo com Leão, Oliveira e Mandú (2020) os professores se depararam com
dificuldades no uso e na compreensão da epistemologia da educação mediada por
tecnologias. Mesmo com o auxílio dos recursos digitais os professores não sabiam quais
eram as aprendizagens e a apreensão do conhecimento na execução de atividades por
muitos estudantes.
A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, na tentativa de auxiliar os
professores e estudantes com as atividades não presenciais, disponibilizou as
ferramentas online: Estude em Casa e Plano de Estudo Tutorado (PET). Na plataforma
continham atividades prontas, videoaulas e apostilas. No entanto, pouco auxiliou o
trabalho docente, visto não estabelecer nenhuma interação entre professores e
estudantes, algumas atividades se restringiam à recomendação de pesquisa na internet e
outras propostas desconectadas das necessidades dos estudantes.
Estas ferramentas não auxiliaram efetivamente professores e estudantes durante
a pandemia. Não houve capacitações para o profissional e as principais publicações e
orientações oficiais foram com relação à organização do trabalho, autorização do uso das
tecnologias digitais no ensino e exigências burocráticas.
De acordo com Silva et. al. (2021) existiram vários fatores que levaram
professores a exaustão durante o ensino remoto emergencial. Estes fatores estão
relacionados à ausência de capacitações, sobrecarga de trabalho, responsabilização dos
docentes em lidar com o ensino remoto sem, contudo, que isso significasse a interrupção
do processo de ensino e de aprendizagem e a dificuldade das escolas na orientação
quanto às estratégias capazes de mediar à realidade do ensino remoto emergencial para
dentro das casas dos estudantes.
Em São Pedro da União as orientações repassadas às professoras foram sobre a
organização do trabalho remoto e demais questões administrativas (o cômputo das
horas, as normativas da BNCC que deveriam ser cumpridas, os relatórios que deveriam
ser enviados, as videoaulas que deveriam ser arquivadas, etc.). Não houve uma
formação específica para o uso das tecnologias articuladas ao conhecimento docente ou
mesmo um curso de formação básica.
O Estado não priorizou ações mais efetivas aos municípios e professores da rede
pública. Não houve destinação de recurso financeiro, capacitação ou formação para
trabalhar com as tecnologias. Pela urgência da situação não era mesmo possível um
planejamento completo e eficiente que preparasse as escolas e todos os profissionais
das organizações públicas de ensino do território nacional para o ensino remoto
emergencial. Porém, a pandemia evidenciou a impossibilidade de pensar a educação do
século XXI sem o investimento e planejamento dos recursos tecnológicos, o que já
deveria fazer parte da realidade escolar brasileira.
No entanto, não é apenas a presença física das ferramentas tecnológicas nas
escolas. De acordo com Tardif (2014) a prática docente mediada pelos recursos digitais
deve ser transformada em saber-fazer, ou seja, as relações de exterioridade com os
saberes em relações de interioridade com a própria prática. Tardif e Lessard (2012)
apontam que a introdução de novas tecnologias na escola não é um processo de
“tratamento de informação”. Deve-se questionar sua validade e, sobretudo avaliar o
impacto das tecnologias sobre os conhecimentos escolares, o ensino e a aprendizagem
dos estudantes além das condições para que a introdução de computadores, multimídias,
internet, etc. possam estar alocadas nas escolas.
Durante a pandemia, muitos professores tiveram iniciativas e buscaram novos
conhecimentos. Geralmente, o professor tem o potencial de aprender de maneira ativa e
contínua ao se implicar nas atividades de ensino, avaliação, observação e reflexão. De
acordo com Garcia (2009) o profissional ativo e autônomo é capaz de formular questões
críticas e reflexões na procura de soluções.
As práticas de ensino estão inseridas nas vivencias com outros seres humanos, e
os fenômenos do campo de trabalho, as vivencias de cidadania, inclusão e socialização
podem apresentar conflitos e desafios não previsíveis, impondo aos professores uma
atitude de constante inovação e reflexão.
Porém, é preciso contextualizar o local de trabalho, saber quais são as
possibilidades de iniciativa, autonomia e reflexão crítica do profissional e, por outro lado,
as limitações impostas para o desenvolvimento do profissional e às novas práticas
pedagógicas. Tardif (2000) salienta que para o profissional docente ser considerado
sujeito do conhecimento, ele precisa de tempo e espaço para que possam agir como
atores autônomos de suas próprias práticas e como sujeitos profissionalmente
competentes.
As próprias experiências de trabalho podem potencializar a reflexão do professor
sobre sua prática. As interações sociais dentro da escola, os vínculos com os estudantes
na sala de aula, as reuniões com familiares, a socialização dos saberes com os pares e
as interações com seus próprios familiares são exemplos de experiências que podem
potencializar ou mesmo proporcionar o desenvolvimento do profissional.
Visto que as experiências durante a vida são inúmeras, não podemos considerar
toda experiência de vida enquanto desenvolvimento profissional. Existem experiências e
possíveis identificações que podem desconstruir os saberes e o conhecimento do
docente. Além das situações de trabalho que podem impedir e/ou não favorecer o
pensamento crítico, reflexivo e autonomia do profissional.
Ao serem consideradas as experiências profissionais entendemos que a política
da experiência também faz parte do universo no qual o professor está inserido. O
contexto histórico, social, econômico e cultural está relacionado com as experiências
dentro das escolas. Nesse sentido, as experiências serão consideradas enquanto
significativas para o desenvolvimento do profissional se forem eficazes para o ensino e
para a aprendizagem, para ampliar a visão de mundo dos estudantes e ajudá-los no
desenvolvimento de suas capacidades.
O profissional docente pode também desenvolver a reflexão crítica pela formação
pedagógica continua em ação e na ação. O desenvolvimento durante a carreira pode ser
planejado, organizado e proporcionado pelas próprias instituições de ensino, pactuado ou
não pelas políticas públicas de educação. O professor pode buscar formações dentro das
teorias pedagógicas e de outras áreas, promover ações dentro das escolas e atividades
nas salas de aulas que o ajude nas reflexões de suas práticas de ensino e aprimore o
desenvolvimento profissional.
As formações contínuas devem permitir a reflexão da ação, “os profissionais da
educação, em contato com os saberes sobre a educação e sobre a pedagogia, podem
encontrar instrumentos para se interrogarem e alimentarem suas práticas, confrontando-
as” (PIMENTA, 1999, p. 26).
A apropriação do conhecimento pedagógico e a construção de novos
conhecimentos podem ser incorporados aos saberes docentes, segundo Tardif, Lessard
e Lahaye (1991) podem ser construídos pela socialização do profissional no contexto
familiar, escolar, na formação inicial e nas formações contínuas. As relações sociais
devem ser contextualizadas no ambiente escolar e passar por uma análise crítica e
sistemática da ação. Os professores tentam transformar suas relações de exterioridade
com os saberes em relação de interioridade com sua própria prática. As interações
sociais que ampliam os conhecimentos dos professores serão retraduzidas e submetidas
às certezas construídas na prática e na experiência profissional.
Os saberes docentes também podem ser construídos pelas ações de
aprendizagem. De acordo com Day (2001), as ações de aprendizagem podem estar
articuladas com a história de vida pessoal e profissional considerando novas ações para
lidar com o cenário da sala de aula e da escola, com os conflitos sociais e políticos mais
amplos nos quais trabalham.
As novas aprendizagens podem ser apropriadas através da socialização do
conhecimento e do trabalho coletivo. A socialização do conhecimento e a reflexão das
práticas docentes de maneira coletiva permitem o vínculo entre os pares e a construção
de uma rede solidária capaz de amenizar angústias e frustrações, partilhar ideias,
conhecimentos e saberes. Tardif (2014) considera que o trabalho em conjunto é uma das
ações que permite a conscientização e sensibilização dos professores em relação as
suas práticas.
No entanto, é preciso analisar que o trabalho em equipe dentro das escolas
assume diversas formas, os fatores das interações entre pares possuem natureza e
importâncias diversas. O trabalho em equipe vai depender do tamanho da escola,
organização física do espaço escolar, estabilidade da equipe, dentro outros fatores.
Podemos entender que a construção do conhecimento docente, a partir das
interações socais, ocorre durante a trajetória de vida do sujeito. A partir da socialização
com a família o ser humano inicia a construção dos saberes morais, da consciência
moral, valores da cultura e conhecimentos dos princípios que regem a sociedade. Através
da socialização estabelecida nos ambientes formais para a educação escolar os sujeitos
vão construindo os saberes sobre a docência. As identificações que vão sendo
estabelecidas com os seus mestres, àquilo que consideram ser o ofício, as motivações
necessárias, as habilidades que possuem para ensinar, etc.
Na formação inicial o conhecimento técnico científico da profissão, os estágios, os
cursos, a socialização com as instituições e com os profissionais do ensino e com seus
colegas de sala podem construir novos conhecimentos, ressignificar crenças, preceitos,
etc. que vão “reconstruindo” os saberes.
Com a inserção do professor nas organizações de ensino, Tardif e Raymond
(2000) apontam que os profissionais constroem seus saberes através das experiências
de trabalho alicerçados pela teoria, pela prática cotidiana e pela competência profissional.
No contexto em que ocorre o ensino é que o docente desenvolve certas disposições
adquiridas na e pela prática real.
As relações sociais e a vida cotidiana sofrem alterações, existem momentos
críticos e situações impostas à prática docente conforme as variações históricas, sociais
e políticas. Todavia, as exigências de racionalidade não é uma ideia preconcebida das
ciências transportada para as ações cotidianas. Supomos que os saberes dos
professores e suas ações, se apóiam em motivos que obedecem as exigências de
racionalidade e aceitamos que essa racionalidade é fluida, instável e que não
necessariamente estão todas atreladas ao pensamento lógico científico (TARDIF, 2014).
Para analisar e compreender as ações é preciso avaliar o discurso que o próprio
professor faz de sua trajetória profissional e situá-lo num quadro interpretativo
considerando vários elementos que dizem respeito aos fenômenos sociais e às situações
práticas da profissão docente. Contudo, as pesquisas em educação sobre a concepção
dos saberes docentes não podem transformar tudo em saber, como se toda produção
humana simbólica, todo constructo discursivo, toda prática orientada e toda forma
humana de existência procedessem do saber. As pesquisas devem se orientar de
maneira precisa e operatória em suas investigações empíricas para não se perderem em
conceitos genéricos e amplos sobre a concepção de saber. Fundamentalmente, os
saberes docentes devem ser àqueles capazes de orientar a prática científica, pedagógica
e profissional dos professores e que podem efetivamente alterar a qualidade do ensino.
3.1 Percurso Metodológico
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos
(CEP) da Universidade Federal Alfenas (UNIFAL-MG) através do parecer n.º: 5.184.767,
CAAE: 53493421.6.0000.5142.
Os vinte professores do ensino fundamental-I da rede pública de São Pedro da
União, as duas diretoras e a secretária de educação foram convidados. Dezesseis
professoras, a direção e secretária de educação aceitaram participar mediante assinatura
do termo de consentimento livre e esclarecido.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, segundo Minayo (2002) esse tipo de
pesquisa busca compreender e a analisar as características e opiniões de populações de
pequenas amostras, que se julgam representativas dessas populações.
As informações coletadas foram interpretadas a partir da pesquisa qualitativa na
perspectiva interpretativa-construtivista. Segundo Alves e Dias da Silva (1992), a análise
qualitativa capta diferentes significados de uma experiência vivida, auxiliando a
compreensão do indivíduo no seu contexto. A análise qualitativa se caracteriza por
buscar uma apreensão de significados na fala dos sujeitos, interligada ao contexto em
que eles se inserem e delimitada pela abordagem conceitual adotada. Estes
pressupostos estão de acordo com os objetivos da pesquisa.
3.2 Resultados e Discussão
A reorganização das atividades educativas através das orientações oficiais para o
ensino remoto emergencial inicialmente, causou sentimentos de angústia e insegurança
às professoras. Elas ficaram preocupadas com a qualidade das videoaulas e dos
materiais impressos. A preocupação também foi com relação àquelas famílias em
situação de vulnerabilidade econômica, sem acesso as tecnologias digitais.
(...) muitas crianças não tinham internet em casa, então fizemos atividades impressas e xerocadas, escrevia
detalhe por detalhe o que cada criança tinha que fazer (...) eu tinha outro ali que ao mesmo tempo tão perto,
mas eu não podia ir lá explicar (Lúcia, 2º ano).
Devemos nos atentar para as variáveis que intervêm no processo educativo,
sendo a desigualdade um dos grandes problemas que a pandemia desvelou.
Concomitante, a sobrecarga de trabalho comprometeu a rotina das professoras, a
princípio, elas não conseguiam organizar seus horários, não tinham hora para pausa e
gastavam muito tempo para gravar e baixar os vídeos, respondiam às famílias dos
estudantes mesmo fora do horário de trabalho, enfim, não sabiam administrar a rotina de
trabalho com a vida pessoal em casa.
As dirigentes escolares e a secretária de educação orientavam que a
disponibilidade deveria ser dentro do horário de trabalho. No entanto, manter esse horário
a rigor foi quase impossível para as educadoras, pois nem sempre correspondia ao
horário que as famílias estavam disponíveis e/ou ao horário que enviavam suas dúvidas.
Percebemos que o desejo de ensinar sobrepôs ao acúmulo de trabalho, as
educadoras queriam ajudar as famílias mesmo que fosse fora da jornada de trabalho. As
professoras confeccionaram o próprio material, o município não fez adesão ao PET, pois
o material estava “pronto” e não correspondia às necessidades dos estudantes.
A sobrecarga de trabalho foi acentuada pelas questões burocráticas. A adaptação
obrigatória da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi difícil e exaustiva.
Existiam planilhas de preenchimento mensal que deveriam ser enviadas para as
dirigentes escolares que, por sua vez enviavam para a superintendência regional de
ensino. Além de todo o material, impresso e digital, ser arquivado na escola.
(...) essa nova BNCC a gente ainda estava estudando (...). Vieram muitos decretos, resoluções e
muitos professores não sabiam trabalhar a multidisciplinariedade (...) (Sarah, dirigente escolar).

(...) junto com a pandemia veio a nova BNCC, eu vou ser sincera com você, lógico que tem que ter
atualização e mudanças, mas o que você tinha que preencher desses anexos de acordo com essa
tal BNCC, toma um tempo precioso (...) esses anexos foram de matar! (Renata, 5º ano).
Segundo Tardif e Lessard (2012) as condições de trabalho dos professores estão
sendo caracterizadas cada vez mais pela codificação e burocratização do trabalho. As
regras administrativas que regem as relações de trabalho, o controle interno, impactam
significativamente o trabalho docente. Além da prática de ensino, o professor, não raras
vezes, utiliza do período noturno, dos fins de semana ou das próprias férias para se
ocuparem com diversas outras atividades ligadas a seu trabalho, também precisam
utilizar desse tempo para familiarizar-se com as preferências e os gostos das crianças
para atrair o interesse. As horas e a energia empregadas nessas atividades não podem
ser excessivas, pois pode comprometer a saúde física e emocional do profissional. O
controle do ensino acentuado desconsidera as “dimensões ambíguas, indeterminadas e
variáveis do “humano”, que está no coração do trabalho escolar” (TARDIF; LESSSARD,
2008, p.107).
A sobrecarga de trabalho docente evidencia o que Tardif (2008) chama de
“trabalho elástico e trabalho invisível”, são as tarefas escolares fora das horas normais de
trabalho do profissional, um trabalho que não é visto, muitas vezes, desvalorizado, onde
os professores devem se desdobrar com as demandas escolares.
Enquanto os governos e as próprias escolas deram respostas frágeis para manter
o vínculo das escolas com os estudantes, as melhores respostas foram dos professores
que, em colaboração uns com os outros e com as famílias, conseguiram trabalhar com
estratégias pedagógicas significativas.
Tardif e Lessard (2008) apontam que as interações entre os estudantes e os
professores não ocorrem de qualquer forma. Elas formam raízes e se estruturam no
âmbito do processo de trabalho escolar. A socialização e a educação anteriores serão ou
remodelados, abolidos, adaptados ou transformados em função dos dispositivos próprios
do trabalho dos professores na escola.
Os saberes mobilizados durante o ano de 2020, as professoras reconhecem que a
incorporação de novos conhecimentos foi através do apoio e orientação da gestão
municipal e a interação entre os pares. O relacionamento com os pares favoreceu a
organização das disciplinas, matérias e conteúdos além de proporcionar maior
conhecimento no manuseio e utilização das tecnologias digitais. As professoras sentiram
que a adaptação diante da nova realidade de ensino foi fortalecida pela solidariedade.
(...) minha colega compartilhava o que ia fazer com a turma dela e eu com a minha (...). Foi mais
fácil a gente trabalhar em parceria (Luciana, 3º ano).
(...) teve uma união maior entre as professoras porque uma ajudava a outra, eu trabalhei com uma
equipe muito boa (...) era um ano atípico e que a gente precisava nos ajudar. (Edna, 2º ano).
Nós tivemos que aprender umas com as outras porque eu tenho colegas ali na escola que dão um
show com a tecnologia (...) eu sou analfabeta mesmo em tecnologia (Olívia, 1º).
De acordo com Tardif (2014) a prática da partilha de saberes entre os pares e a
experiência profissional provoca um efeito de retomada crítica dos saberes adquiridos
antes ou fora da prática profissional, permitindo reverem seus saberes, julgá-los e avaliá-
los. Estes saberes apropriados pelo professor são temporais, ou seja, são utilizados e
desenvolvidos no âmbito de uma carreira, ao longo de um processo temporal de vida
profissional de longa duração no qual estão presentes dimensões identitárias e
dimensões de socialização profissional, além de fases e mudanças.
Eu sabia pouco sobre o uso das tecnologias, mas a minha irmã, que também é professora, tem
muita facilidade, ela me ajudou muito. Nós trabalhamos juntas no mesmo ano (...) (Érica, 4º ano).
Eu como professora, eu tinha que aprender muito e quem foi meu professor naquele momento foi
meu filho de 10 anos (...) tive que aprender a reinventar e reaprender a dar aulas e, ainda
aprender com meu filho, imagina que incrível! (Amanda, 1º ano).
Os saberes docentes ficam subordinados material e ideologicamente às
atividades de produção de novos conhecimentos e novas aprendizagens. Segundo Tardif
(2014), os novos conhecimentos bem como as interações que ocorrem num determinado
meio onde os professores tentam se adaptar e integrar são oriundos de diversas fontes.
De acordo com as professoras os conhecimentos foram apropriados através da interação
com os pares que trabalhavam na mesma escola e em outras escolas, com os
estudantes e com membros da própria família das professoras.
Os saberes incorporados na prática do ensino remoto emergencial foram através
da socialização dos conhecimentos, algumas práticas de ensino foram adaptadas e
modificadas. As professoras reconhecem que as tecnologias digitais devem fazer parte
do processo de ensino e esperam novas aprendizagens para poder utilizá-las atualmente.
4. Conclusões
Durante a pandemia, as professoras tiveram que reinventar suas práticas e se
desenvolverem profissionalmente a partir de novos conhecimentos. A condução das
políticas pedagógicas, publicações e orientações governamentais foram frágeis e não
ampararam as profissionais em suas demandas. As respostas mais significativas na
interação com as crianças e famílias, vieram da atitude das professoras. Elas
preocuparam com a qualidade do ensino e sabem que as aprendizagens nessa fase do
desenvolvimento estão centradas nas interações vinculares.
A pandemia evidenciou que as tecnologias digitais não podem estar dissociadas
das escolas, principalmente considerando os avanços e o impacto delas na vida em
sociedade e no desenvolvimento das crianças. A inserção das tecnologias digitais
articuladas aos conhecimentos dos docentes e dos estudantes já deveria ser uma
realidade. Verificamos que as professoras de São Pedro da União não haviam
participado antes de nenhuma capacitação ou formação contínua destinadas a uma
abordagem metodológica para utilizar a tecnologia como auxiliar do processo de ensino.
Nesse sentido, torna-se importante o professor também exercer reflexões de
cunho político-pedagógico em seu trabalho e ter o direito de participação nas decisões
que afetam o seu trabalho. Através das práticas docentes na interação com os
estudantes podem ser identificadas as reais necessidades e os elementos que devem ser
aprimorados e incorporados aos seus saberes para o desenvolvimento da profissão.
A utilização tecnológica nas escolas deve permitir aos docentes um diálogo com
os estudantes com o objetivo de construir o conhecimento e promover a motivação com o
estudo. As tecnologias enquanto mediadoras do ensino podem ser recursos valiosos no
engajamento dos estudantes em discussões sobre a realidade vivenciada e na
construção do pensamento crítico sobre os conhecimentos/informações veiculados nos
meios digitais.
No período pandêmico os novos conhecimentos propiciados pelas interações
sociais foram essencialmente sobre o uso das tecnologias no ensino. Compreende-se
que a limitação das professoras evidencia em saber utilizar os recursos das tecnologias
digitais no ensino. Diante da realidade atual, entendemos que a educação não pode mais
ser pensada sem as ferramentas tecnológicas, essas devem estar a serviço de auxiliar o
trabalho, não é o cerne da questão. Todavia, essa é uma demanda evidente,
essencialmente formações contínuas que possam propiciar novos conhecimentos
articulados aos saberes docentes sobre o uso das tecnologias na atualidade.
Contudo, no contexto de desigualdade, como o professor pode atuar
significativamente e utilizar das ferramentas tecnológicas existentes em seu local de
trabalho? Quais são os saberes docentes que podem ser construídos através dos
conhecimentos tecnológicos? Enfim, é fundamental resgatar e registrar os desafios desse
processo que a educação vivenciou durante a pandemia, pois existem indagações que
foram evidenciadas, especialmente sobre formações contínuas que podem propiciar
saberes docentes articulados aos conhecimentos tecnológicos.

5. Principais Referências
ALMEIDA, P. A.; et. al. Práticas pedagógicas na educação básico do Brasil: o que
evidenciam as pesquisas em educação. Brasília (DF): MEC: UNESCO, 2021.

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medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública. 2020d. Diário
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______. Parecer CNE/CP nº5/2020, de 28 de abril de 2020.Diretrizes para as escolas


durante a pandemia. 2020b. Disponível em:
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