Sito Luandarejanesoares D
Sito Luandarejanesoares D
Sito Luandarejanesoares D
Campinas
2016
LUANDA REJANE SOARES SITO
Campinas
2016
Folha de aprovação
Agradecimentos
Para iniciar esta seção, quero agradecer aos universitários colombianos e brasileiros
que participaram desta tese, gentilmente compartilhando comigo suas histórias, experiências
e emoções. Essas trocas me emocionaram muito, principalmente pela coragem, energia,
determinação e sabedoria com a qual buscavam formar-se para construir um mundo melhor.
Também sou grata com seus orientadores que compartilharam as trajetórias de elaboração
dos trabalhos de conclusão de curso.
A experiência que me entrelaçou ao tema das “cotas na universidade” emergiu em
2005, quando participei da construção do “Grupo de Trabalho de Ações Afirmativas” (ou
GTAA). A esse coletivo agradeço imensamente pela oportunidade de, nas trocas, lutas,
diálogos, debates, festas, risos... transformar a UFRGS um território mais meu. Depois de
alguns anos de tropeços e estranhamentos, foi com a experiência no “GTAA” que passei a
apropriar-me da universidade, com o desejo de transformá-la. Um “obrigada” imenso aos
amigos do “GTAA”: José Carlos dos Anjos (profe Dos Anjos), João Augusto (Caco), Flávio
Gobbi, Diogo Raul, Cauê Machado, Maria Conceição Fontoura, e a minhas amigas
guerreiras Junara Ferreira, Tatiana Rodrigues, Kelly Moraes, Laura López, Mariana Selister
e Ana Paula Costa. Na Colômbia, agradeço ao grupo Carabantu e ao CADEAFRO, nas
pessoas de Yeison Meneses Copete, Ramón Emilio Perea, Maria Eugenia Morales, Arleison
Rivas, Angela Mena e Pedro León, com quem compartilhei espaços de debates e
seminários, nos quais aprendi muito sobre as lutas antirracistas da população afro-
colombiana.
Agradeço a minha orientadora, a professora Angela, pela parceria incondicional,
generosidade e abertura para o diálogo. Obrigada por me ajudar a polir meus desejos,
tensões e ideias ao longo da construção deste trabalho, com seu perfeito equilíbrio nas
orientações, nas quais nos motiva, guia e instiga. Culmino este doutorado com uma
admiração e carinho ainda maior por você, e já com saudades de nossas reuniões-cafés.
A experiência do estágio doutoral com a professora Zayda Sierra também foi muito
frutífera para este trabalho. À profe Zayda agradeço por compartilhar tanto comigo, leituras,
acompanhamento do trabalho de campo na Colômbia e trocas com seu grupo de pesquisa,
em especial, por me mostrar com tanto vigor e segurança que há caminhos de criar uma
universidade mais respeitosa com as culturas afrodescendentes, indígenas e campesinas.
Agradeço a leitura atenta, crítica e construtiva das professoras Teca Maher e
Cláudia Vóvio, que construíram comigo e Angela este trabalho, desde a primeira
qualificação (do projeto), sempre tão criteriosas e com propostas para construir conosco a
pesquisa. Também sou grata às professora Vera Regina Rodrigues, Luciene Simões, Maria
Aparecida Bergamaschi e Ana Lúcia Souza e ao professor José Jorge de Carvalho, quem
por suas trajetórias política e investigativa nutriram esta tese durante toda sua construção.
Muito me compraz ter vocês como leitores desta tese.
À professora Daniela Palma agradeço pela orientação da qualificação fora de área,
na qual pude dar vazão a uma temática por mim tão querida, mas que não coube na tese: a
identidade regional de paisas e gaúchos. Agradeço-te por ter enriquecido minhas ideias
iniciais sobre as identidades regionais e me mostrar novos caminhos para compreendê-las.
Agradeço às professoras Teca Maher e Márcia Mendonça por me proporcionarem a
participação no PED – Programa de Estágio Docente – e, com ela, a possibilidade de
ensaiar e aprender a dar aulas sobre temas tão caros para mim, letramentos, linguagem e
diversidade. E ao professor Pedro M. Garcez por ter me apresentado e iniciado na LA,
assim como ter me incentivado a voar e ir em busca dos meus sonhos acadêmicos, quando
eu nem imaginava sair de Porto Alegre. Sei que meu obrigado por sua confiança se expressa
com esta tese de doutorado!
Também expresso meus agradecimentos ao Grupo Letramento do Professor, em
especial pelas reuniões prazerosas com as amigas Paula De Grande, Carol Assis, Marília
Curado e Sílvia Letícia Pereira. Meninas, vocês tornaram esta jornada mais leve, alegre,
feliz e frutífera. Vou sentir muita falta de nossas reuniões-cafés com a professora Angela!
Também agradeço a generosidade de se deixarem mergulhar comigo neste tema, quando
tudo ainda era tão pouco claro, de maneira a me ajudar a tornar o texto mais compreensível
a outros leitores! A Camila Dilli e Bruna Morelo agradeço a amizade e o diálogo, que nos
permitiu construir um espaço muito frutífero de pensar sobre letramento acadêmico e ações
afirmativas!
Agradeço o apoio da Fapesp com a Bolsa de Doutorado no País para o
desenvolvimento da pesquisa Políticas de escritas afirmativas: estudo sobre as estratégias
de estudantes cotistas para lidar com as práticas de letramento acadêmico”, cujo resultado
final é esta tese. Sem esse apoio não teria sido possível desenvolver a pesquisa proposta
com campo em dois países e com o tempo delimitado para o doutorado.
Um agradecimento especial aos funcionários do IEL, que tanto nos apoiam nessa
longa jornada. Um imenso abraço a Rose, Cláudio e Miguel, quem, desde 2008, tornam a
CPG-IEL um espaço de acolhimento e alegria.
Por fim, agradeço a minha família e amigos, de Campinas e Porto Alegre, e também
aos de Medellín, pela escuta e ânimo que me deram em diferentes momentos do doutorado!
A Malvina, minha mãe de santo, que sempre esteve me guiando e cuidando de minha parte
espiritual (certamente os orixás estiveram comigo, apoiando-me nessa densa escrita). A
Patricia Lora, Viviane Rosa, Cristiane Souza, Elias Ribeiro e tantos outros com quem
construí zonas de conforto, para rir, chorar e pensar; a Pati um obrigada especial por me
ensinar tanto sobre a Colômbia (nossas teses se entrelaçaram muito nessa jornada
unicampeira)! A Juan Carlos, um obrigada especial por estar sempre a meu lado, com um
especial sorriso ou uma acolhedora palavra para me animar a voltar à escrita, que aqui
culmina.
RESUMO
O objetivo desta tese foi analisar como estudantes de cursos de ciências humanas que
ingressaram em universidades públicas (uma brasileira e uma colombiana) por políticas
afirmativas respondiam às demandas de práticas de letramento exigidas na universidade,
enfocando o processo de produção de seus Trabalhos de Conclusão de Curso. Na América
Latina, o século XXI iniciou com a demanda e implementação de políticas de ação afirmativa na
educação superior, com o objetivo de que a universidade abrisse suas portas a estudantes de
grupos historicamente marginalizados, física e culturalmente, do espaço acadêmico; no entanto,
esta entrada provocou controvérsias, por ser assumida de uma perspectiva deficitária em
detrimento de outras mais interculturais. Tomando essa tensão como pano de fundo, abordamos
as trajetórias de universitários, assim como suas produções do TCC, com o fim de entender
melhor como suas experiências interpelaram os programas pelos quais ingressaram na
universidade. Com interesse em conhecer essas trajetórias de letramento, e considerando a
universidade como uma zona de contato (CANAGARAJAH, 1997), alinhamo-nos à perspectiva
dos Estudos de Letramento (HEATH, 1982; STREET, 1993; KLEIMAN, 1995; ZAVALA;
NIÑO-MURCIA; AMES, 2004), especialmente dos Estudos de Letramento Acadêmico,
desenvolvida no campo da Linguística Aplicada, no qual está situada esta tese. Vinculada ao
grupo Letramento do Professor, a pesquisa consistiu em um estudo de caráter qualitativo, cujo
corpus é composto por entrevistas com estudantes e docentes, trabalhos de conclusão de curso
produzidos pelos estudantes, assim como documentos que regulam a política afirmativa nas
duas instituições. O enfoque da pesquisa está centrado em quatro trajetórias de jovens
estudantes – duas de cada país; ambas as instituições estão situadas em regiões onde há um
imaginário de branqueamento que caracteriza a população local (sul do Brasil e região andina da
Colômbia). A escolha das regiões foi orientada pela proximidade que observamos entre Brasil e
Colômbia no perfil de ação afirmativa para a educação superior. Como resultados desta
investigação, destacamos que os estudantes empregam estratégias criativas para subverter as
relações de poder e a colonialidade do saber. Ao analisar a produção do TCC – considerada uma
prática de escrita da zona de contato –, vemos que seus trabalhos visibilizam demandas e
indagações que são motivadas pelas experiências de seus grupos de origem e, com isso, retratam
processos de lutas para dominar ou transformar as práticas institucionais da universidade (seja
nos modos de fazer ou nos modos de dizer). Em paralelo, a análise das trajetórias nos mostra
que os universitários não apenas interpelam as políticas afirmativas, mas também apontam
novos horizontes para a criação de diálogos mais simétricos na produção de conhecimento, por
meio de estratégias como a autoetnografia, transculturação, crítica, colaboração, bilinguismo,
mediação, denúncia, expressões vernáculas, propostas alternativas e reconstrução de
imaginário. Ao aproximar-nos de experiências de políticas reparatórias, esta tese pretendeu
contribuir, a partir dos Estudos de Letramento Acadêmico, tanto a formação docente de nível
universitário quanto para as discussões sobre interculturalidade e políticas afirmativas para as
populações vítimas de racismo no contexto latino-americano.
Palavras-chave: letramento acadêmico – ações afirmativas – descolonialidade – universidade –
racismo
ABSTRACT
This research aims to understand how students of humanity courses, who entered public
universities (one in Brazil another in Colombia) by affirmative action policies, deal with the
literacy practices demands required at the university, through the description and analysis of
literacy trajectories and the development of their undergraduate thesis. In Latin America, the
twenty-first century began with the demand and the implementation of affirmative action
policies in higher education in order to foment the university opening its doors to students from
groups historically marginalized, both physically and culturally, from the academic space.
However, the policy caused controversy: while for some sectors of society, students who
entered university through affirmative action programs would not be able to meet academic
requirements (the deficit theory perspective); for others, on the contrary, these students would
not only have success in their training but they would also be able to break the hegemonic
discourses and to propose new forms of knowledge production (in an intercultural perspective).
By observing experiences of affirmative action in Latin America, it is possible to note
similarities between Brazil and Colombia in their affirmative actions for higher education and in
the pressure experienced by students who entered the university through these actions (pressures
related to their ethnic and racial identity). With the objective of in learning about these
trajectories, and taking the university as a contact zone (CANAGARAJAH, 1997), this thesis is
aligned with New Literacy Studies (HEATH, 1982; STREET, 1993; KLEIMAN, 1995;
ZAVALA; NIÑO-MURCIA; AMES, 2004), especially the Literacy Academic Studies,
developed in the field of Applied Linguistics. Linked to the Letramento do Professor research
group, this research consists of a qualitative study whose corpus is composed of interviews with
students and professor, the final graduation essay produced by the students, as well as
government documents related to the affirmative action policy on both institutions. The research
focuses on four young students’ trajectories – two from each country, from two institutions from
regions where there is a whiteness imaginary that characterizes the local population (Southern
Brazil and the Andean region of Colombia). The results of this investigation point out that
students employ creative strategies to subvert power relations and the coloniality of knowledge.
The analysis of their final papers – considered a practice of writing in the contact zone –
demonstrates that their works give visibility to demands and questions motivated by the
experiences as members of minority ethnic and racial groups and their struggles to learn or
transform university institutional practices ( ways of doing and ways of saying). In parallel, the
analysis of their academic literacy trajectories shows that the university students not only
question the affirmative policies, but also point to new horizons for creating a more symmetrical
dialogue for the production of knowledge through such strategies as autoethnography,
transculturation, critique, collaboration, bilingualism, mediation, denunciation, vernacular
expressions, alternative proposals and imaginary reconstruction. As we approach the reparation
policy experiences, this thesis aims to contribute, from the Academic Literacy Studies
perspective, both to teacher education programs at university level and to the discussion and
development of intercultural and affirmative policies for populations who have been victims of
racism in the Latin American context.
Key-words: Academic literacy – Affirmative action – Decoloniality – University – Racism
Title: Affirmative writing: creative strategies to subverting the coloniality in trajectories of
academic literacy.
RESUMEN
En esta investigación buscamos comprender cómo estudiantes de cursos de ciencias humanas que
ingresaron en universidades públicas (una brasileña y una colombiana) por políticas afirmativas
respondían a la demanda de prácticas de literacidad exigidas en la Universidad, enfocando sus
producciones de la tesis de grado. En América Latina, el siglo XXI se inició con la demanda e
implementación de políticas de acción afirmativa en la educación superior, con el objetivo de que la
universidad abriera sus puertas a los estudiantes procedentes de grupos históricamente marginados
física y culturalmente del espacio académico. Sin embargo, esta entrada generó algunas
controversias: mientras que para algunos sectores de la sociedad, los estudiantes que ingresarían por
la acción afirmativa no serían capaces de hacer frente a las exigencias académicas (en una mirada del
déficit); para otros, al contrario, estos estudiantes no sólo tendrían éxito en su formación como serían
capaces de romper con los discursos hegemónicos y podrían proponer nuevas formas de producción
de conocimiento (en una mirada desde la interculturalidad). Al observar experiencias de acción
afirmativa en Latinoamérica, constatamos primero una cercanía entre Brasil y Colombia en el perfil
de acción para la educación superior, y segundo una presión vivida por los universitarios que
accedieron por esas acciones (presiones relacionadas a sus identidades etnorraciales). Con interés en
conocer esas trayectorias de literacidad, y tomando la universidad como una zona de contacto
(CANAGARAJAH, 1997), nos basamos en la perspectiva sociocultural de los Nuevos Estudios de
Literacidad (HEATH, 1982; STREET, 1993; KLEIMAN, 1995; ZAVALA; NIÑO-MURCIA;
AMES, 2004), en especial los Estudios de Literacidad Académica, en el campo de la Lingüística
Aplicada, en el cual esta tesis está ubicada. Vinculada al grupo de investigación Letramento do
Professor – esta investigación consistió en un estudio de carácter cualitativo, cuyo corpus está
compuesto por entrevistas a estudiantes y docentes, tesis de grado producidas por estudiantes, bien
como documentos de la política de acción afirmativa de dos instituciones universitarias públicas. El
enfoque de la investigación está centrado en cuatro trayectorias de jóvenes estudiantes, dos de cada
país; ambas instituciones representan regiones donde hay un imaginario de blanqueamiento que
caracteriza a la población local (sur de Brasil y región andina de Colombia). Como resultados de la
investigación, destacamos que los estudiantes emplean estrategias creativas para subvertir las
relaciones de poder y la colonialidad del saber. Al analizar la producción del TCC – considerada una
práctica de escritura de la zona de contacto –, vemos que sus trabajos visibilizan demandas e
indagaciones que son motivadas por las experiencias de sus grupos de origen y, con eso, retratan
procesos de luchas para dominar o transformar las prácticas institucionales de la universidad (sea en
los modos de hacer o en los modos de decir). En paralelo, el análisis de las trayectorias nos muestra
que los universitarios no apenas interpelan las políticas afirmativas, sino también apuntan nuevos
horizontes para la creación de diálogos más simétricos en la producción de conocimiento, por medio
de estrategias como la autoetnografía, transculturación, crítica, colaboración, bilingüismo,
mediación, denuncia, expresiones vernáculas, propuestas alternativas y reconstrucción de
imaginario. Al acercarnos a las experiencias de políticas de reparación, esta investigación pretende
aportar, desde los estudios sobre literacidad académica, tanto a la formación docente de nivel
universitario, cuanto a las discusiones sobre interculturalidad y políticas afirmativas para las
víctimas de racismo de poblaciones en el contexto latinoamericano.
Palabras clave: literacidad acadêmica – acciones afirmativas – decolonialidad – universidad –
racismo
Título: Escrituras afirmativas: estrategias creativas para subvertir la colonialidad en trayectorias de
literacidad acadêmica
LISTAS DE FIGURA, GRÁFICOS E QUADROS
1
As convenções de transcrições foram adaptadas a partir de Garcez (2002) e Marcuschi (2003).
SUMÁRIO
3.1. DOS DESAFIOS DE PESQUISAR SOBRE, PARA E COM OS PARTICIPANTES ............................................ 104
3.2. O FAZER INVESTIGATIVO EM AÇÃO: NARRANDO A GERAÇÃO DE DADOS ........................................ 110
3.2.1. Do contexto: a seleção das instituições ................................................................................. 111
3.2.2. Dos participantes ................................................................................................................... 113
3.2.3. Dos dados gerados ................................................................................................................ 116
4.1. POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS NO ENSINO SUPERIOR: DEBATES E EMBATES POR CONCEPÇÕES DE
JUSTIÇA ................................................................................................................................................. 121
4.1.1. Caracterização, princípios e propósito das ações afirmativas .............................................. 125
4.1.2. Debates sobre Ações Afirmativas nos contextos brasileiro e colombiano ............................. 129
4.1.3. Notas sobre justiça e meritocracia no debate das ações afirmativas .................................... 138
4.2. MODELOS DE AÇÃO AFIRMATIVA NO ENSINO SUPERIOR ................................................................. 140
4.3. AS POLÍTICAS PÚBLICAS SOB ANÁLISE............................................................................................ 148
4.3.1. A formulação da política na Universidade Pública Gaúcha ................................................. 150
4.3.1.1. A implementação e a avaliação da política: a Coordenadoria de Ações Afirmativas – CAF .......... 156
4.3.2. A formulação da política na Universidade Pública Paisa ..................................................... 160
4.3.2.1. A implementação e a avaliação da política: o Programa Institucional para a Permanência com
Equidade ...................................................................................................................................................... 170
4.4. A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA: A INVISIBILIDADE DA PERMANÊNCIA NAS AÇÕES AFIRMATIVAS DA
EDUCAÇÃO SUPERIOR ............................................................................................................................ 172
A LA, graças a seu foco na produção das realidades sociais pela prática discursiva, está em posição ideal
para visibilizar e entender as resistências (ou ainda as reexistências) desses grupos que, a partir da periferia, produzem
novos saberes num processo de transformação do global pelo local. (Angela Kleiman, 2013)
2
Essas políticas serão discutidas nos capítulos 1 e 4. Por ora, apenas enuncio seu propósito de corrigir desigualdades
constituídas historicamente. Neste trabalho, elas serão também chamadas de políticas reparatórias, política(s)
afirmativa(s), medidas de ação afirmativa ou ações afirmativas.
17
3
“O Núcleo de Pesquisa Letramento do Professor, criado em 1991, envolve grupos de pesquisadores que estudam as
práticas de leitura e escrita de alfabetizadores, professores de língua portuguesa e outros agentes de letramento com a
finalidade de subsidiar os programas de formação de professores e contribuir para a compreensão da identidade
profissional dos que ensinam a ler e escrever numa sociedade cada vez mais escrita.” Texto disponível em:
http://www.letramento.iel.unicamp.br/portal/. Acessado em 11.jan.2015.
18
perspectiva discursiva. Esse enfoque parte do campo da Linguística Aplicada (doravante LA),
área do conhecimento interdisciplinar, ou indisciplinar4, que se propõe a “criar inteligibilidade
sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel central” (MOITA LOPES, 2006,
p. 14). E nesse campo, como nos propõe Kleiman (2013), nós, linguistas aplicados,
defendemos a LA com:
A construção das perguntas desta tese está baseada no debate das políticas de
ações afirmativas que marcou minha formação no curso de Licenciatura em Letras na
UFRGS, iniciada em 2001. Foi durante a graduação que iniciei uma história junto a coletivos
do Movimento Social Negro, a partir da minha participação voluntária em um curso pré-
vestibular popular para estudantes negros de classes populares – o Cursinho Superação5 –, em
2002, como professora de idiomas e, depois, na coordenação do curso. Dois anos mais tarde
passei a fazer parte de atividades de formação política com lideranças quilombolas6. Após
4
Para Moita Lopes (2006), o campo da LA se expandiu para uma série de contextos que se distanciam da sala de aula –
seu objeto inicial –, e passou a constituir-se em cenários interdisciplinares. Esse movimento, para o autor, indicaria que o
campo não construiu um conhecimento disciplinar, mas sim INdisciplinar, no sentido de antidisciplinar e transgressivo.
Nessa direção, para mim, o diálogo que a LA vem estabelecendo com os estudos pós e descoloniais pode configurá-la
com um caráter descolonial.
5
O Curso Pré-vestibular Superação era um cursinho popular voltado para jovens negros de baixa renda, oferecido pela
Organização Não-Governamental Instituto Brasil-África, em Porto Alegre - RS.
6
Trabalho desenvolvido junto ao Instituto de Assessoria a Comunidades Remanescentes de Quilombos (IACOREQ-RS),
organização não-governamental que integra o movimento negro. Sua principal ação era colaborar no processo
19
problema de pesquisa
24
El sentido de nación multicultural o pluricultural e interétnica tiene que ver con que al principio, en el momento de la
formación de la nación, los grupos étnicos, como los indígenas y los afros, no tuvieron presencia y representación en la
formación de la nación. (…) Es decir, que la uniformidad y el concepto de la estandarización y la hegemonización de nación
no quiebren la especificidad étnica y la especificidad cultural. O sea, que el horizonte común de nación sea el vertimiento del
reconocimiento de las distintas especificidades, de las distintas particularidades. Es decir, es necesario reafirmar la parte o
reafirmar el árbol para reconocer la existencia del bosque. (Carlos Rúa, ativista afro-colombiano) 12
La epistemología del Sur apunta fundamentalmente a prácticas de conocimiento que permitan intensificar la
voluntad de transformación social: frente a ‘la reducción de la realidad a lo que existe’. (Boaventura de Sousa Santos, 2009)
12
Em Rodrigues (2012, p. 204).
25
13
Mais informações em: http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf. Acessado em 12.jan.2015.
14
Essa polêmica se deu com mais força no Brasil. Na Colômbia, há uma invisibilidade nos meios jornalísticos e um
silenciamento nas universidades frente a esta medida afirmativa.
26
revisar suas formas de ensinar, especialmente a esse novo público que chega ao ensino
superior. Em alinhamento ao debate na mídia15 sobre essas políticas, por conta do histórico de
estigmatização de seu público-alvo, ressaltamos ainda que há uma tendência de a instituição
universitária justificar as dificuldades que esses estudantes venham a apresentar em seus
desempenhos com base no discurso do déficit (SOARES, 1986; LILLIS; SCOTT, 2007) ou no
“discurso da ausência” (SILVA, 2003)16. Esse cenário gera a necessidade de entender o
processo de consolidação de uma política afirmativa que visa à democratização do ensino
superior.
É nesse âmbito que entram as contribuições dos estudos da linguagem.
Acreditamos que a linguagem tem um papel crucial para que esses estudantes ingressantes por
programas afirmativos sejam capazes de romper com os discursos hegemônicos e propor
novas formas de produção de conhecimento, já que seu êxito acadêmico está relacionado
também a como eles se relacionam com práticas acadêmicas, como as de leitura e escrita. Isso
se dá porque a formação universitária implica uma dupla tarefa: aprender tanto os conteúdos
do campo disciplinar, quanto suas práticas discursivas (CARLINO, 2005). Nesse sentido,
formar os estudantes universitários implicaria promover ações nas quais eles pudessem
aprender as práticas de leitura e escrita tanto nas formas de usar a linguagem que caracterizam
seu campo profissional, quanto naquelas que caracterizam seu campo acadêmico.
Contudo, estudos como o de Bizon (2013) vêm mostrando que, dentro desse
debate sobre a democratização do ensino superior latino-americano, pouca atenção recebem
as questões do âmbito de ensino-aprendizagem e o papel da linguagem na formação
universitária. Frente a isso, estabelecemos um diálogo com trabalhos alinhados a uma
perspectiva crítica que estão voltando maior atenção para as práticas de uso de escrita e leitura
na academia (CANAGARAJAH, 1997; LEA; STREET, 2006; LILLIS; SCOTT, 2007;
ZAVALA; CÓRDOVA, 2010; KLEIMAN, 2010, 2013; FIAD, 2011; PASQUOTTE-
VIEIRA, 2014; MOSSMANN, 2014) e procuramos nos aproximar da perspectiva dos
estudantes, abordando experiências em dois contextos de políticas afirmativas que associam a
identidade étnico-racial ao mérito, pois esse cenário nos abre a possibilidade de visibilizar
identidades culturais e sociais antes marginalizadas no espaço acadêmico.
15
Um exemplo dessa polêmica na mídia foi a reportagem Eles são gêmeos idênticos, mas, segundo a UnB, este é branco
e... este é negro, publicada na revista Veja (Brasil) em 06 de junho de 2007. Disponível em:
http://veja.abril.com.br/060607/p_082.shtml. Acessado em 25.mar.2015.
16
No livro Por que uns e não outros?: caminhada de jovens pobres para a universidade (SILVA, 2003), o sociólogo
Jailson de Souza e Silva se propõe a mostrar trajetórias de jovens moradores da Maré (o maior complexo de favelas
carioca), no Rio de Janeiro, que acessaram ao ensino superior com o propósito de combater discursos preconceituosos e
estereotipados que descrevem atores de grupos de setores populares a partir do “não ter”, ou seja, da ausência de atributos
ou do déficit.
27
Por fim, de acordo com a ponderação de Lillis e Scott (2007) acerca do contexto
de expansão do ensino superior inglês, acreditamos que ao visibilizar uma questão
negligenciada – a relevância da linguagem, em especial a escrita, na formação universitária –
é possível enfrentar os discursos de déficit sem culpar os próprios alunos, assim como ampliar
o horizonte de respostas possíveis sobre o processo de produção de conhecimento.
17
A primeira política afirmativa foi aprovada na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em 2001 e, em 2003, na
primeira instituição federal de ensino superior, a Universidade de Brasília.
18
Em 2012, mais da metade das instituições de ensino superior federais haviam adotado alguma medida afirmativa. Ver
mapa das políticas afirmativas em: http://gemaa.iesp.uerj.br/dados/mapa-das-acoes-afirmativas.html Acessado em
11.out.2015.
19
Lei Federal n. 12.711, aprovada em 29 de agosto de 2012. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm. Acessado em 25.março.2015.
20
Quando nos referimos neste trabalho a grupos ou comunidades minoritárias, queremos indicar “aquelas populações que
estão distantes das fontes de poder hegemônico, embora, algumas vezes, numericamente sejam majoritárias em relação à
sociedade ou grupo dominantes”, conforme definição proposta por César e Cavalcanti (2007, p. 45).
28
21
Entre os principais objetivos desse Programa, estavam: “estimular maior articulação entre a instituição universitária e as
comunidades populares, com a devida troca de saberes, experiências e demandas; - possibilitar que os jovens
universitários de origem popular desenvolvam a capacidade de produção de conhecimentos científicos e ampliem sua
capacidade de intervenção em seu território de origem, oferecendo apoio financeiro e metodológico para isso”. Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12360&Itemid=714. Acessado em
25.mai.2013.
29
22
Os relatos do Programa Conexões de Saberes retratam a experiência de jovens que já estavam matriculados na
Universidade em 2005; anterior ao Programa de Ações Afirmativas, que iniciou em 2008.
23
Durante o segundo semestre de 2011, a autora da tese participou do Coletivo “Fórum de Ações Afirmativas”. Este
Coletivo foi constituído durante a preparação das atividades para o evento “Semana de Consciência Negra da UFRGS”,
de 2007. O Fórum tinha por objetivo fomentar ações com a finalidade de contribuir para o aprimoramento e para o êxito
do Programa de Ações Afirmativas dessa Universidade. Era composto por estudantes da universidade e pelos diferentes
segmentos sociais que estiveram engajados na luta pela aprovação do Programa de Ações Afirmativas da UFRGS e, na
época, também contava com a participação de novos estudantes da Universidade, dentre eles os primeiros estudantes
cotistas (do ano de 2008), com os quais pôde interatuar em diferentes espaços de ações do Fórum.
30
“Na universidade não se leva em conta para nada o que é o mundo indígena, pois não
aparece em nenhuma parte. O que se fala é muito pouquinho, mais nas referências que
se fazem a alguns por aí, mas de que exista uma consciência disso, não.” (Estudante de
Engenharia Química da Universidad de Antioquia, da etnia Embera Chamí-Caldas,
entrevista março 16 de 2002, nossos grifos).25
24
Pesquisa realizada sob a coordenação da professora Dra. Zayda Sierra, da Universidad de Antioquia.
25
Original: “[En] la universidad es que no se tiene en cuenta para nada lo que es el mundo indígena, pues no aparece por
ninguna parte. Lo que se toca es muy poquito y las referencias que le hacen a uno por ahí, pero de que exista una
conciencia de eso, no.” (Estudiante hombre Embera Chamí-Caldas, de Ingeniería Química de la U de A, entrevista marzo
16 de 2002, meus grifos).
26
Instituto Departamental para la Educación Indígena, de Antioquia.
27
Original: “–En la Universidad de Antioquia... no sentí satisfechas mis expectativas a nivel académico, pues me pareció
muy academicista, se manejaba demasiada información sin ninguna profundización, era como llenar un chorizo, había
mucho texto, había mucha información, creo que muy importante, pero no teníamos tiempo de saborearla, de deleitarla...
(Egresado Embera-Chocó de Administración Educativa de la U de Medellín y Especialización en Gerencia Social de la U
de A, rector del INDEI, entrevista abril 1 de 2002)”.
31
a cidade letrada articulou sua relação com o Poder, a quem serviu mediante
leis, regulamento, proclamações, cédulas, propaganda e mediante a
ideologização destinada a sustentá-lo e a justificá-lo. Foi evidente que a
cidade das letras arremedou a majestade do Poder, apesar de que também se
pode dizer que este regeu as operações letradas, inspirando seus princípios
de concentração, elitismo, hierarquização. Acima de tudo, inspirou a
distância entre a letra rígida e a fluida palavra falada, que fez da cidade
letrada numa cidade escriturária, reservada a uma estrita minoria (RAMA,
1984, p. 54).
por investigar uma prática de letramento envolvida na etapa final da graduação: o Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC). Este trabalho – quando é um requisito para formação – costuma
concretizar a graduação dos universitários, já que o candidato, se aprovado, é reconhecido
como mais um membro entre os pares da comunidade acadêmica e/ou profissional. Nossa
hipótese é que sua construção pode promover um exercício de produção de conhecimento e de
apropriação de práticas acadêmicas por ser um escrito de maior envergadura no curso e, em
muitos casos, ser elaborado com autoria do próprio estudante. Esse enfoque justifica-se
também por haver poucos estudos sobre letramento acadêmico que focam essa prática de
letramento (TAPIA-LADINO; MARINKOVICH, 2013; MORETTO; BUENO, 2013).
28
Faço a ressalva de que os contatos entre organizações de movimentos sociais de ambos os países se estabeleceram há
mais tempo.
29
A palavra “palenque”, na Colômbia, se remete à população africana que, no período colonial, quando fugia do sistema
escravista, construía territórios com o fim de refugiar-se; sentido muito próximo ao termo “quilombo”, no Brasil. A
experiência mais próxima a do quilombo dos Palmares é a do território de San Basilio de Palenque: essa comunidade
palenquera colombiana foi fundada por escravizados fugidos (“cimarrones”) sob a liderança de Benkos Biohó, e está
localizada no estado de Bolívar (região caribenha), próxima da cidade de Cartagena das Índias, de onde procedia a
maioria de sua população. Ressaltamos que a cidade foi um mercado de escravos para todo o país naquela época. San
Basilio de Palenque foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO, em 2008.
33
que os ocuparam historicamente. Suas análises demonstram as tensões que emergem por
haver um imaginário em transição: de países que se viam como democracias raciais e
mestiças a países que reconhecem suas desigualdades sociorraciais. Isso resulta em um
cenário de luta por garantir direitos mínimos, em paralelo a uma realidade que convive com
uma contínua política de Estado de violação dos direitos humanos. Essa vulnerabilização
histórica nos convida a uma compreensão das experiências brasileira e colombiana. Com o
propósito de analisar o contexto latino-americano, destacamos quatro elementos que foram
relevantes para compreender a conexão que estabelecemos entre os dois países:
Mito da democracia racial: esse mito ou ideologia conjuga duas facetas em paralelo:
por um lado, os discursos de negação do racismo e, por outro, um panorama de
desigualdades sistemáticas e históricas vivenciadas pelas populações por meio da
noção de “raça”; esse cenário resulta em estigma, invisibilidade e vulnerabilidade
social, em especial para as populações negras e indígenas (MUNANGA, 1999;
WADE, 1997; RODRIGUES, 2012);
Constituições cidadãs: a Constituição Federal do Brasil de 1988 e a Constituição
Política da Colômbia de 1991 reconhecem que suas sociedades são povos multiétnicos
e pluriculturais. A elaboração dessas constituições no contexto latino-americano, nas
décadas de 1980/1990, expressa um novo olhar por parte dos Estados brasileiro e
colombiano frente a suas populações.
Conferência de Durban: a participação de organizações de movimentos sociais e
políticos construiu uma rede continental entre os movimentos étnico-raciais, o que
fomentou a assinatura do Plano de Ação da III Conferência Mundial contra o Racismo,
Discriminação Racial, Xenofobia e Formas de Intolerância Correlatas (ONU, 2001).
Os Estados, ao firmarem esse compromisso, reconheceram sua responsabilidade frente
à desigualdade racial dos seus países;
Expansão da educação superior e reivindicações por equidade: ambos os países
possuem uma demanda crescente de acesso à educação superior e de criação de cursos
(em especial, licenciaturas) interculturais. Em paralelo a essa demanda, emerge uma
crítica contra as desigualdades, no ingresso à educação superior, enfrentadas por
populações racializadas (CARVALHO, 2004; SIERRA, 2004; LÓPEZ, 2009; SOLER,
2014).
34
Ao entrelaçar esse dois países por meio do tema das políticas afirmativas na
educação superior, o tema do diálogo de saberes se torna chave nessa discussão, porém cabe
discutir sobre os sentidos que atribuímos à palavra “diálogo”.
Essa palavra muitas vezes é associada a uma conversa entre pares, sem conflitos e
não hierárquica, vista quase como confluências e consensos. No entanto, para nós, que
compartimos das proposições do Círculo de Bakhtin (VOLOCHINOV, 1995) – que serão
discutidas com maior detalhe no capítulo seguinte – o diálogo é um processo de construção de
sentidos que se dá em jogos de conflito e poder, os quais são tecidos pelos sujeitos em suas
interações (dimensão sincrônica) e ao longo da história (dimensão diacrônica). Ou seja, na
perspectiva do dialogismo, o diálogo está muito mais próximo de debate, discussão e
negociação, do que de consenso, pois as respostas de um debate nem sempre resultam em
concordância, embora possam incluí-la.
Essa outra percepção de diálogo, quando conjugada à relação entre os saberes, as
epistemologias e a discriminação racial – tematizados pelas ações afirmativas –, nos leva para
um cenário ainda mais conflitivo, que é bem descrito pela noção de “zona de contato”,
proposta por Pratt (1991), definida como:
30
Ver mais discussões em Cuche (2002) e Restrepo (2012).
31
Original: “metáfora del sufrimiento humano sistemáticamente causado por el colonialismo y el capitalismo. Es un Sur
que también existe en el Norte global geográfico, el llamado Tercer Mundo interior de los países hegemónicos. A su vez,
el Sur global geográfico contiene en sí mismo, no sólo el sufrimiento sistemático causado por el colonialismo y por el
capitalismo globales, sino también las prácticas locales de complicidad con aquéllos. Tales prácticas constituyen el Sur
imperial. El Sur de la epistemología del Sur es el Sur anti imperial.”
38
32
Mais do que um programa, esse coletivo de pesquisadores (em sua maioria de origem latino-americana) se articula em
uma rede interdisciplinar para produzir uma crítica forte sobre a correlação entre a Modernidade e a Colonialidade,
considerando a modernidade como o lado obscuro da colonialidade.
33
Embora, como pontua Quijano, gênero seja uma categoria de dominação anterior ao colonialismo; foi apropriada pela
colonialidade.
34
Durante entrevistas com estudantes cotistas no Brasil, muitos apontaram que a palavra ganhou um tom pejorativo e era
associada apenas aos estudantes negros e indígenas. Logo, no imaginário das comunidades acadêmicas, parece que os
estudantes brancos de classe popular foram dissociados do programa de ações afirmativas pelo signo da cor.
42
humano; e a zona do não-ser39, na qual os sujeitos poderiam ser explorados e dominados por
serem tratados como inferiores ou não-humanos.
Assumimos, portanto, nesta tese, a concepção sociológica da noção de “raça”,
com o fim de utilizá-la como um instrumental que nos permita analisar os impactos do
racismo na produção de conhecimento. Nesse sentido, nossa postura foi a de utilizar esse
conceito como uma ferramenta analítica40 que nos permitisse entender, nas experiências dos
participantes da pesquisa, os eventos em que as relações de racialização acionavam a noção de
raça para gerar subordinação e opressão. Um bom exemplo que ilustra as identidades raciais
como uma construção histórica e contingencial, que se baseia na leitura de traços fenotípicos e
em aspectos culturais, é a diferença na leitura da noção de raça entre o Brasil e a Colômbia.
Enquanto neste país de colonização espanhola a elite criolla e mestiça possui um status de
branco, naquele de colonização portuguesa os mestiços passaram a ser mais associados à
população negra do país. Nesse sentido, como expõe Segato (2005), a raça e a cor são signos
e “seu único valor sociológico radica em sua capacidade de significar. Portanto, o seu sentido
depende de uma atribuição, de uma leitura socialmente compartilhada e de um contexto
histórica e geograficamente delimitado” (p. 03). Assim, as categorias mediadas pela noção de
raça (assim como os sentidos atribuídos a elas) têm seu berço no período colonial e no tráfico
de populações africanas para a América, mas seguiram ampliando seus elementos de
referência ao longo da história.
A perspectiva sociológica acerca de concepções de raça, racismo e racialização
com a qual trabalhamos permite desvelar as conexões entre racismo, assimetrias e
conhecimentos. Além disso, ao considerar a diferença colonial como uma construção que
categorizou e hierarquizou os grupos humanos, também reconhece que houve um processo de
subjugação (e sobrevaloração) de saberes e práticas sociais. Desse modo, um dos mecanismos
dessa lógica de desumanizar os povos racializados é o racismo epistêmico, o qual:
39
O artigo de opinião “Nós, os verdadeiros humanos” (17/02/2014), de Eliane Brum, ao analisar os casos de “justiceiros”
na capital carioca, ilustra com maestria como podemos entender a interação entre as zonas do ser (humanos verdadeiros) e
do não-ser (humanos falsos). Disponível em:
http://brasil.elpais.com/brasil/2014/02/17/opinion/1392640036_999835.html. Acessado em 23.nov.2015.
40
Em termos dos indicadores da categoria de raça, Guimarães (2003), explica que a “raça” é lida nas relações sociais
brasileiras a partir da cor da pele; assim, esse seria um dos principais signos que evoca as categorias raciais. Por isso,
muitos registros censitários incorporaram “raça/cor”, de forma a visibilizar a cor como um marcador da diferença. Como
argumenta o autor, esse elemento caracterizaria o racismo brasileiro como um racismo de marca, baseado mais no
fenótipo; perfil que se contrapõe ao estilo norte-americano, caracterizado como racismo de origem, no qual a origem
familiar é levada em conta no processo de racialização.
43
Essa subjugação promovida pela criação das identidades raciais, como “índio” e
“negro”, serviu para legitimar a dominação, e resultou em um apagamento da história e da
produção cultural desses povos para a humanidade. Como ainda argumenta o autor, durante o
projeto colonial, populações colonizadas foram expropriadas, tiveram reprimidas suas formas
de produzir conhecimento, bem como foram forçadas à conversão religiosa. Em síntese, esse
processo resultou em “uma colonização das perspectivas cognitivas, dos modos de produzir
ou outorgar sentido aos resultados da experiência material ou intersubjetiva, do imaginário, do
universo de relações intersubjetivas do mundo; em suma, da cultura” (QUIJANO, 2005, p.
237).
Nosso foco nas estratégias criadas pelos universitários vai ao encontro de ações
que visam subverter a matriz de poder colonial, ou seja, revelar as estratégias de resistência e
41
Original: “El racismo epistémico se refiere a una jerarquía de dominación colonial donde los conocimientos producidos
por los sujetos occidentales (imperiales y oprimidos) dentro de la zona del ser son considerados a priori como superiores a
los conocimientos producidos por los sujetos coloniales no-occidentales en la zona del no-ser”.
44
42
Uma discussão que enriquece essa ideia é realizada pelos autores Glăveanu, Sierra e Tanggaard (2015), no artigo
Widening our understanding of creative pedagogy: a North-South dialogue (Expandindo nossa compreensão da
pedagogia criativa: um diálogo Norte-Sul, tradução livre), no qual revisam o conceito de criatividade com contribuições
das perspectivas sociocultural e descolonial. Em sua proposta, defendem compreender a criatividade como um fenômeno
coletivo que é potencializado em cenários de diversidade e diferença.
45
política de Estado de branqueamento da população (no período entre os séculos XIX e XX),
que estava em consonância com as políticas racistas eugenistas desenvolvidas na Europa do
século XIX. Segundo os autores, essa história foi atualizada pelo racismo estrutural43 e
simbólico que seguiu o período escravista, o que configurou um padrão muito peculiar de
relações raciais, sintetizado pelos autores com as seguintes características:
43
Esse conceito compreende que a raça é um elemento-chave na produção das desigualdades em uma sociedade, de
modo que se expressa em toda sua estrutura. Nesse sentido, propõe analisar o impacto do racismo nas desigualdades em
suas múltiplas dimensões (mercado de trabalho, saúde, educação, violência, entre outras).
44
Percentual que aumentou em quase 5 pontos no censo de 2010.
45
Pela adoção que a palavra “negro” ganhou em espaços de luta antirracista no país, podemos dizer que houve um
impacto dessas campanhas. Mas atualmente, cerca de duas décadas depois das campanhas, é importante destacar que se
seguiu utilizando a palavra “preto” de modo afirmativo, como em muitas organizações de mulheres negras, por exemplo
o texto “Nós, mulheres pretas, exigimos respeito”. Disponível em: http://of.org.br/noticias-analises/nos-mulheres-pretas-
exigimos-respeito/. Acessado em 23.nov.2015.
46
raciais, expressa em oportunidades desiguais de acesso aos bens culturais e econômicos para
grupos estigmatizados pela noção de raça. Além disso, quando há a possibilidade de políticas
públicas que promovam a mobilidade social de populações negras, indígenas e de camadas
pobres, emergem discursos de ódio contra as políticas, casos que parecem ilustrar como a
“harmonia racial” se desfaz quando os atores subalternizados querem sair dos lugares
“destinados” a eles no imaginário racista da sociedade brasileira. Em notícias ou textos de
blogs nos meios de comunicação, podemos ver como os argumentos da “preguiça” ou da
“falta de capacidade” são acionados para deslegitimar as políticas para grupos
vulnerabiblizados, ou também, mais recentemente, para ser desconstruído. Como exemplo de
texto que se contrapõe a essa visão negativa, há o artigo Pagamento do “Bolsa Família” não
deixa pessoas preguiçosas46.
O impacto da variável raça/cor (positiva ou negativamente) nas trajetórias
escolares na educação brasileira tem sido objeto de estudo. Na década de 1980, Hasenbalg e
Silva (1990) revelam como os números são bastante onerosos para a população preta e parda,
indicando que a variável racial interfere no acesso e na permanência dos estudantes na escola:
segundo seus dados, a população negra ingressava mais tarde na escola, repetia mais vezes e
evadia mais cedo, em relação à população branca. Na década seguinte, Henriques (2002) faz
uma pesquisa similar, relacionando as variáveis de gênero e raça/cor. Seu estudo corrobora os
resultados de Hasenbalg e Silva (1990), explicitando como o fato de ser mulher ou negro
restringe muito as oportunidades de uma trajetória escolar exitosa, o que resulta em uma
desigualdade racial e de gênero no percurso escolar na educação básica. Em relação à
educação superior, Silva e Rosemberg (2008) apontam que, apesar de haver uma desvantagem
constante em todos os níveis da educação para as populações preta e parda, essas
desvantagens são particularmente acentuadas nesse nível de ensino.
No âmbito do ensino superior, Queiroz (2001) investiga a participação de
universitários em uma universidade federal baiana para compreender como as variáveis de
gênero e cor afetam a seleção e o desempenho em cursos de prestígio da instituição. Sua
hipótese é de que a escolha de carreiras prestigiosas estaria relacionada com o fato de que
essas carreiras poderiam gerar uma maior mobilidade social para os grupos sociais
marginalizados. Com base nos dados, a autora afirma, em primeiro lugar, que a desigualdade
se expressa pela variável de gênero, sendo mais severa sobre as mulheres “pretas”; mas é uma
inequidade maior no exame de ingresso. Conforme os dados de sua pesquisa,
46
Disponível em: http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2015/02/20/pagamento-do-bolsa-familia-nao-deixa-pessoas-
preguicosas.htm Acessado em 10.ago.2015.
47
trabalhos47, muito centrados ainda nas experiências da população negra que se localiza no
litoral pacífico.
Ao caracterizar a dinâmica do racismo colombiano, Soler e Pardo (2008) analisam
os discursos racistas que circulam nas esferas escolar e jornalística para mostrar as estratégias
discursivas utilizadas para manter os estereótipos em relação às populações racializadas.
Utilizam materiais didáticos de ciências sociais do período entre 1996 e 2006, considerando
cinco anos antes e cinco anos depois da Constituição Pública de 1991, para observar se
haveria mudanças na representação dos grupos vistos como minorias étnicas após a Carta
Magna. Como elemento histórico, destacam que há uma valorização da “brancura” ao longo
do período colonial, vista nos frequentes “casos judiciais decorrentes da difamação por causa
da herança racial” (p. 162). Além disso, pontuam o caráter “andinocêntrico” da política, ou
seja, muitos dirigentes políticos do país estabelecem as políticas públicas a partir dos
parâmetros da capital nacional, o Distrito Federal, que está localizado na região andina.
Assim, os imaginários raciais, que orientam muito a política, se mostram correlacionados ao
território, os quais vinculam à região dos litorais pacífico e caribenho uma presença negra, à
região amazônica uma maior presença indígena e à região dos Andes uma maior presença
branco-mestiça.
Os dados discutidos pelas autoras corroboram a importância de compreender a
visibilidade que os meios de comunicação conferem às populações afrodescendentes e
indígenas, pois muitas vezes a visibilidade a esses grupos apenas reafirma as assimetrias e
estereótipos existentes. As autoras mostram como, por um lado, nos discursos de materiais
didáticos, há uma ocultação dos atores, assim como de suas práticas, nas narrativas que são
ensinadas sobre o país. Outra estratégia é apresentar fatos inconclusos ou com informações
distorcidas quando esses grupos são focos da narrativa. Por outro lado, nos discursos da
imprensa, Soler e Pardo (2008) mostram como a visibilidade que é dada a esses grupos reitera
estereótipos negativos, pois quando eles passam a ser tema de notícias e reportagens são
representados como um problema, com imagens de um coletivo indiferenciado, um outro que
não possui semelhanças com o restante da sociedade ou um coletivo que sempre está em
conflito com o Estado. Essa dinâmica é sintetizada pelas autoras com a seguinte consideração
sobre o racismo colombiano:
47
Como indicam os trabalhos de Wade (1997), Escobar (1999), Restrepo (2002) e Rivas (2014).
49
48
Notícia disponível em: http://www.elespectador.com/noticias/nacional/paloma-valencia-propone-dividir-el-
departamento-del-cau-articulo-549804. Trecho original: “decidir si partimos el departamento en dos. Uno indígena, para
que ellos haga sus paros, sus manifestaciones y sus invasiones, y uno con vocación de desarrollo donde podamos tener
vías, se promueva la inversión y donde haya empleos dignos para los caucanos”.
49
Cauca é um dos 32 estados da Colômbia, e caucano é seu gentílico.
50
Pardo (2008), ao tratar os povos indígenas do Cauca como um coletivo que está em conflito
com o Estado por querer impedir o progresso da região, logo, que provoca problemas.
Esses imaginários afetam as experiências de vidas de milhares de colombianos.
Os trabalhos de García (2012) e Munévar e Mena (2013) analisam depoimentos de pessoas
que enfrentam o racismo em seu cotidiano. García (2012) investigou as experiências de
pessoas afro-colombianas que foram desterradas pelo conflito armado e viviam, no momento
da pesquisa, em assentamentos de invasão e nos bairros ou condomínios de habitação urbana.
O atual conflito armado colombiano iniciou na década de 1960. O grupo
guerrilheiro colombiano mais conhecido são as Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia (FARC), mas também há outros como o Exército de Libertação Nacional (ELN) e
o Movimento 19 de Abril ou M-19 – uma guerrilha urbana que negociou com o governo e
entregou suas armas no ano de 1989. As FARC estão em negociação (os diálogos de paz) com
o governo colombiano, na cidade de La Habana, com mediação de Cuba, desde o ano 2010.
Outro ator armado desse conflito são os paramilitares: grupos de extrema direita que, em
grande parte financiados por latifundiários e em aliança com militares, realizaram uma série
de chacinas, usando como justificativa o propósito de acabar com a guerrilha. Desse modo, a
população civil, com mais intensidade na área rural, ficou em meio a uma guerra entre os
atores armados – guerrilha, exército e paramilitares –, podendo estes inclusive se combinar
(houve cumplicidade entre exército e paramilitares). Esses atores violaram os direitos
humanitários das populações, em diversas partes do território colombiano, com o uso extremo
da força e com a motivação de diversos deslocamentos forçados50.
A partir da noção de reexistências, o autor se propõe a entender as práticas criadas
pela população desterrada para sobreviver após os eventos de violência sofridos. Uma das
narrativas mais impactantes é a de uma mulher afro-colombiana que trabalha em serviço
doméstico, devido ao grau de violência simbólica vivenciada por ela:
Já tive que chegar a uma casa que a senhora era racista e esse dia que
eu cheguei tive um dia de trabalho lá pelo Obelisco, quando o
cachorro, ela tinha um cachorro peludo, preto, eu vi que o cachorro
comia em um dos pratos, e quando vejo que ela pegou e lavou o
50
O deslocamento forçado se constitui na expulsão realizada sistematicamente por parte dos atores armados contra a
população civil. Ao serem expulsas violentamente de seus territórios, as populações rurais (especialmente) foram
obrigadas a deslocar-se para regiões distantes de seus lugares de origem, em sua grande maioria indo para zonas urbanas
próximas ou grandes capitais, como Bogotá, Medellín e Cali. Para uma melhor compreensão do impacto desse desterro, a
Colômbia é o país que conta com a segunda maior população deslocada forçadamente no mundo, ficando atrás apenas do
Sudão. Ver mais informações na página da agência da ONU para refugiados (ACNUR): http://www.acnur.org/t3/donde-
trabaja/america/colombia/.
51
51
Original: “A mí me tocó llegar a una casa que la señora era racista y ese día que yo llegué me tocó un día de trabajo por
allá por el Obelisco, cuando el perro, ella tenía un perro peludo, negro, yo vi que el perro comía en uno de los platos, y
cuando veo que lo cogió y lavó el plato y me dijo que fuera a desayunar y yo viendo que era el plato del perro, cómo le
parece, entonces me dijo vea allá el desayuno y yo le dije señora yo me voy a ir, y me vestí y me vine y yo no, respéteme,
yo no tengo porqué comer en la comida que come el perro, respéteme y ahí mismo cogí y me vine […]. También me
cogió otro trabajo que la señora era racista y el señor no, entonces la niña decía, “ay yo no quiero la comida que haga esa
morenita, no que la comida se pone negra”, mire que hay niños así que dicen la comida está negra porque la hizo la negra,
sí aquí hay mucho racismo”.
52
Afrodes ilustra o grande número de organizações que lutam pelos direitos da população afro-colombiana deslocada
forçadamente pelo conflito armado.
53
Original: “(i) actitudes y comportamientos racistas por parte de las instituciones y la ciudadanía en general, (ii) bajos
niveles educativos que son producto de los procesos de exclusión anteriores al desplazamiento, que nos colocan en
52
“Para mim, a situação é mais difícil porque sou mãe solteira, sofri
deslocamento forçado e por isso não tenho nem trabalho nem
dinheiro, além disso, é mais difícil que me deem trabalho porque não
terminei os estudos devido às gravidezes e à violência e tudo isso
situación de desventaja para articularnos laboralmente a la ciudad, (iii) los saberes y competencias, de gran riqueza en la
vida anterior, ante la imposibilidad de recontextualizarlos, empujan al desempeño de oficios mal remunerados en los que
somos víctimas de expresiones racistas, y (iv) la alta dependencia de ayuda externa, que al no facilitar la creación de
alternativas autónomas y sostenibles para la generación de ingresos, genera condiciones que incluso empujan hacia las
prácticas de mendicidad”.
54
Original: “la interseccionalidad emerge como una herramienta analítica necesaria en el estudio y la comprensión de las
maneras en que el género se cruza con otras identidades y cómo estos cruces constituyen experiencias únicas de opresión
y de privilegio.”
55
Este é o pseudônimo da intelectual Gloria Jean Watkins. A grafia de bell hooks em minúscula – inspirado no nome de
sua avó – é uma opção política da autora, com a qual quer destacar a qualidade de suas obras por suas ideias, mais do
que por seu nome ou títulos. O trabalho da autora ilustra as propostas de interseccionalidade, ao articular raça, sexo e
classe para entender as relações de dominação e opressão das sociedades capitalistas.
53
“Eu já sou uma pessoa mais velha e estou doente, por isso as
pessoas e os médicos pensam que eu não sirvo, mas pergunte a meu
filho o que seria da vida da família dele sem minha ajuda, [...] porque
desde que estamos aqui em Bogotá temos tido muitos problemas, as
pessoas são muito racistas e a ele [seu filho] quase não o contratam,
a que consegue trabalho mais fácil é minha nora porque é mais
clarinha, [...] mas isso dá a ela muita raiva porque não pode dizer na
casa onde trabalha que nós somos negros porque seguramente a põem
pra rua ou começam a desconfiar, essa gente rica é assim”57 (Palavras
de uma mulher oriunda do estado de Magdalena, com 76 anos)
(MUNÉVAR; MENA, 2013, p. 118)
56
Original: “Para mí la situación es más difícil porque soy madre soltera, soy desplazada y por eso no tengo ni trabajo ni
plata, además es más difícil que me den trabajo porque no terminé los estudios por los embarazos y la violencia y todo eso
[…], además acá las personas son muy prevenidas con las personas negras.”
57
Original: “Yo ya soy una persona mayor y estoy enferma, por eso las personas y los médicos piensan que ya no
sirvo, pero pregúntele a mi hijo qué sería de la vida de la familia de él sin mi ayuda, […] porque desde que estamos aquí
en Bogotá hemos pasado mucho trabajo, la gente es muy racista y a él casi no lo contratan, la que consigue trabajo
más fácil es mi nuera porque ella es más clarita, […] pero a ella le da mucha rabia porque no puede decir en esa casa
en que trabaja que nosotros somos negros porque seguro la botan o empiezan a desconfiar, esa gente rica es así”.
54
Para finalizar, embora tenhamos falado até este ponto sobre o racismo de um
modo mais geral que afeta a populações negras e indígenas, é importante destacar que há
particularidades nas políticas interculturais para populações indígenas, assim como na
dinâmica da discriminação racial. No caso das populações indígenas de ambos os países, há
uma política de educação diferenciada que orienta a educação básica, no Ensino Fundamental
– com escolas e currículo diferenciado, a qual repercutiu nas conquistas dos movimentos
indígenas. Como destaca o intelectual indígena Luciano (2006)
demanda. O resultado se expressou não apenas em programas de reserva de vagas, mas também
na criação de licenciaturas interculturais, como o 3º Grau Indígena, na Universidade Estadual do
Mato Grosso (UNEMAT) (a primeira experiência, em 2001), o Curso de Licenciatura da
Universidade Federal de Roraima (UFRR) e a primeira política de acesso diferenciado para povos
indígenas em cursos regulares, o vestibular unificado das universidades estaduais do Paraná.
Conforme registros de um evento sobre políticas de ação afirmativa, lideranças
indígenas destacavam – na Mesa “Ação afirmativa e direitos culturais diferenciados: as demandas
indígenas pelo ensino superior” – quatro aspectos a serem considerados nessa discussão: i. a falta
de consenso entre os indígenas em defender a ideia de uma universidade indígena e/ou a política
de reserva de vagas, ii. a dificuldade em pôr em prática a pluralidade tão marcada na legislação
diferenciada, iii. a dificuldade de, ainda com as ações afirmativas, pensar em como trabalhar a
diversidade no espaço acadêmico, iv. a necessidade de cuidar para a universidade não se tornar
um espaço de confinamento, v. e a constante perda dos direitos garantidos na Constituição Federal
de 1988. A partir desses aspectos, a principal ponderação de Gersem Luciano (Baniwá) foi que “o
diálogo pressupõe construir junto; assim, qualquer política de educação, inclusive em nível
superior, só vai ter êxito para as comunidades indígenas se tiver a efetiva participação dos seus
membros, da concepção ao planejamento e à execução, além de todas as condições necessárias
para isso” (LIMA; BARROSO-HOFFMANN, 2004, p. 60).
Os cinco aspectos apontados por lideranças indígenas expressam um receio legítimo.
Conforme estudo de Niederauer (2013), sobre como os meios de comunicação da UnB vêm
representando os universitários indígenas após a implementação de políticas afirmativas, não há
ações que abordem a alteração de imaginários estereotipados sobre as populações indígenas. Seu
interesse foi entender que processos de inclusão e exclusão se dariam em um cenário institucional
que se diz mais favorável à diversidade. Em seus resultados, a autora afirma que no discurso do
portal UnB opera um apagamento tanto do protagonismo dos atores indígenas quando de suas
pautas políticas, criando uma representação de sujeitos que apenas recebem ou pedem, mas que
poucas vezes fazem e atuam. Por outro lado, quando há uma visibilidade para esses atores, ela é
eivada de estereótipos e identidades congeladas, conforme a autora explica em sua conclusão, já
que “em boa parte das fotografias que compõem os textos da UnB aqui analisados, por exemplo,
os participantes indígenas ocupam o primeiro plano da representação visual, bastante visíveis,
portanto. A questão central, então, passou a ser “quando os textos do portal UnB conferem
visibilidade aos universitários indígenas”?” (p. 219), que tipo de imaginário promove tal
visibilidade. Esse fomento de uma imagem negativa de populações afrodescendentes e indígenas
por parte dos meios de comunicação também é criticada, desde a Análise Crítica do Discurso, por
Soler e Pardo (2008).
56
60
Fazemos a ressalva de que o movimento negro é constituído de variadas organizações, que tem como principal objetivo
eliminar o racismo e a desigualdade racial. Sua existência é de longa data. Para alguns ativistas, o movimento emergiu
desde que o primeiro africano pisou em solo americano e se rebelou contra a escravidão. Mas as organizações mais
reconhecidas são aquelas constituídas no século XX, entre as quais estão o Movimento Negro Unificado e a Unegro, com
fundação nos anos 1970; e também algumas mais antigas como o Teatro Experimental do Negro (TEN), fundado por
Abdias do Nascimento no ano de 1941, e a União dos Homens de Cor, com fundação em 1943, em Porto Alegre.
Também poderíamos considerar os clubes negros e os jornais e revistas de circulação (como Cadernos Negros) desde
pelo menos o início do século XX.
61
Página: http://www.cric-colombia.org/portal/
62
Página: http://www.oia.org.co/
63
Página: http://www.renacientes.org/
64
Exemplos são o Cabildo Universitário Chibcariwak, que reúne universitários indígenas da Universidad de Antioquia, e
o Coletivo de Estudantes Universitários Afro-colombianos, que congrega universitários afro-colombianos de diferentes
instituições de educação superior.
65
Entre os temas pautados na agenda dos movimentos por direitos humanos, estão as lutas agrárias, o reconhecimento de
territórios e práticas culturais, os mega-empreendimentos e o respeito aos direitos humanos no marco do Direito
Internacional Humanitário (DIH).
58
essas desigualdades – já que os atores armados atingem de forma mais contundente a regiões
de comunidades negras, indígenas e campesinas –, a discriminação racial entra como um tema
menor, que, inclusive, nem teria legitimidade dado à “mestiçagem” da população colombiana.
Segundo, há diferença na relação entre movimentos sociais e universidade: muitas das
decisões que institucionalizaram a reserva de vagas na Colômbia foram negociadas dentro da
própria instituição sem muito diálogo com os atores dos movimentos sociais, enquanto no
Brasil houve um intenso debate dado à resistência das instituições universitárias. O terceiro
elemento é o número de vagas, com quantidades menores no caso colombiano (em geral,
reserva de duas a cinco vagas para grupos étnicos), o que talvez justifique a diminuta reação
negativa frente aos programas. Por outro lado, o silêncio sobre as desigualdades raciais dentro
das instituições universitárias, assim como o reflexo das desigualdades da sociedade
envolvente na comunidade acadêmica, revelam pontos de encontro entre os dois países.
Preocupados com o diálogo de saberes, Carvalho e Flórez (2014) analisam
experiências do projeto “Encontro de saberes”, desenvolvido em duas instituições: na
Universidade de Brasília, no Brasil, e na Universidade Javeriana, na Colômbia. Proposto
como um projeto acadêmico, o projeto consistia em disciplinas curriculares para os cursos de
graduação e pós-graduação que contavam com intelectuais negros e indígenas como docentes
convidados da universidade, nas instituições nas quais os autores lecionavam. Uma pergunta
motivadora do projeto foi questionar se, como docente, queriam formar universitários
indígenas e afrodescendentes educados sob “lógicas brancas”, entendidas como lógicas
colonizadas. Porém, a resposta a essa questão indicou que não bastaria o ingresso por meio de
cotas. Segundo os autores, era necessário aliar a esse ingresso de cotistas uma ampliação da
diversidade de saberes, para que esses nutrissem os programas curriculares das universidades
e, assim, resultassem na transformação das desigualdades étnico-raciais. Essa afirmação está
baseada em uma análise histórica que os autores expõem sobre as universidades na América
Latina e Caribe, ao explicar que essas universidades foram criadas quase como réplicas das
instituições acadêmicas da Europa, seguindo os modelos de universidades francesas e alemãs.
Como resultado, essa imagem de superioridade se refletia em um currículo e um formato de
aulas que foram pensados “exclusivamente para grupos de estudantes de origem e formação
intelectual europeia, falantes de idiomas europeus e, claro, de fenótipo europeu branco
dominante”66 (p. 132). Pensar sobre as tensões que emergem no diálogo de saberes nos leva a
revisar os diferentes níveis de assimetrias sociais, dentro e fora das universidades.
66
Original: “exclusivamente para aulas de estudiantes de origen y formación intelectual europea, hablantes de idiomas
europeos y, por supuesto, de fenotipo europeo blanco dominante.”
59
67
Original: “ampliar el campo de la ciencia moderna occidental para permitir el ingreso de dominios prohibidos como el
de las emociones, la intimidad, el sentido común, el conocimiento ancestral y la corporalidad, y, por lo tanto, rexaminar lo
que cuenta como conocimiento relevante dentro y a través de las disciplinas para “abrir” las convenciones de la escritura
académica a nuevas formas de significar.”
60
como também pontuam Carvalho e Flórez (2014), esse é um desafio para a universidade,
sobre o qual pouco se tem discutido.
Em termos de colonialidade do saber e linguagem, destacamos a articulação que
Castro-Gómez (2005) estabelece entre o conceito de violência epistêmica e o uso da escrita,
ao mostrar como as constituições, os manuais de urbanidade e as gramáticas de idioma
funcionaram como tecnologias que, na cidade letrada (RAMA, 1984), definiram as
oportunidades de acesso à categoria de ser cidadão. Essas tecnologias possuem em um
denominador comum: sua legitimidade repousa na escrita. A partir desse elemento, o novo
marcador de diferença – a língua – constituiu uma diferença colonial, já que aqueles que
dominavam essas tecnologias podiam ser cidadãos, enquanto os “Outros”, justo aqueles aos
que o acesso à escolarização e à escrita foi interditado (FREIRE, 1989), ficam de fora dessa
categoria de cidadania.
A reflexão sobre os diálogos de saberes na/com a universidade nos exige adensar
a conversa sobre escrita e linguagem, assim como seu potencial criativo nessas zonas de
contato. Para tal, apresentamos as contribuições dos Estudos de Letramento.
61
O letramento acadêmico deveria cumprir um papel crítico e não paliativo no ensino superior, o que implica combater os
discursos de déficit acerca da falta de lógica e de racionalidade nos aprendizes. Necessitamos de uma mudança em uma
visão da conquista/fracasso baseada na “habilidade” e na “instrução” a uma que considere o estudo neste nível como uma
aprendizagem de novas formas de pensamento e de expressão para os estudantes. (Virginia Zavala, 2010)
conhecimento e tradições de pesquisa. Além disso, seu desenvolvimento pode ser visto em
paralelo a esforços de Estados latino-americanos para ampliar a oferta de educação superior.
Os estudos sobre LEU são antigos e situam-se em diferentes tradições de
pesquisa, assim como revelam variadas áreas de interesses, entre eles os campos de língua
materna e adicional, e a formação universitária nas diferentes áreas de saber. Mas, embora
esteja em pleno vigor, este tema ainda não ocupa um espaço consolidado de diálogo entre os
pesquisadores dessas diferentes disciplinas.
Um exemplo é a organização da publicação “Estudos de escrita nas
universidades latino-americanas”, sob a coordenação dos professores Charles Bazerman
(University of California Santa Barbara) e Maria Ester Moritz (Universidade Federal de Santa
Catarina). Ambos os autores justificam sua proposta de publicação devido ao pequeno número
de produções na área que integre pesquisadores latino-americanos:
Outro exemplo, a partir do qual trazemos algumas reflexões para este capítulo, foi
o evento “V Encontro Internacional e VI Nacional de Leitura e Escrita no Ensino Superior. IX
Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior”69, que congregou pesquisadores do
Brasil e da Colômbia. Esse evento, organizado pela Asociación Colombiana de Universidades
(ASCUN), a Red de Lectura y Escritura en Educación Superior (REDLEES/Colômbia) e a
Associação Nacional de Pesquisa na Graduação em Letras-ANPGL, do Brasil, teve como
propósito fazer o balanço de uma década de discussão sobre leitura e escrita no ensino
superior. Além disso, fez parte de um esforço de tecer redes entre grupos de pesquisa
brasileiros e colombianos70. Assim, sua justificativa, conforme o material de divulgação do
evento, era que ambos os países se uniriam para “fazer um balanço a respeito das
contribuições que, na última década, surgiram a partir da discussão sobre leitura, escrita e
oralidade, buscando a transformação e produção do conhecimento no Ensino Superior”. Dessa
68
Chamada para publicação, disponível em: http://www.ilees.org/novedades
69
Evento realizado em Bucaramanga-Santander, Colômbia, entre os dias 27 e 29 de agosto de 2014.
70
Em especial, os núcleos de pesquisa Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise – GEPPEP
(http://paje.fe.usp.br/~geppep/apresentacao.html), liderado pelos professores Valdir Barzoto e Cláudia Riolfi, da USP
(Brasil), e Leer, Escribir y pensar (http://gruplep.univalle.edu.co/ ), liderado pela professora Gladys Stella López, da
Univalle (Colômbia).
63
maneira, o evento visava a uma reunião de trabalhos que enfocassem a leitura, a escrita e a
oralidade na Universidade, a partir de diferentes aportes teóricos.
Na conferência de encerramento do Encontro, a pesquisadora Narváez71 (2014)
apresentou a LEU como uma área emergente que, embora seja explorada em múltiplos
campos disciplinares, ainda não constituiu seu próprio campo teórico. Para sustentar sua
interpretação, apresentou a análise do projeto “Iniciativas de Leitura e Escrita na Educação
Superior na América Latina” (ILLES72), cujo propósito é construir um mapa compreensivo,
diverso e inclusivo das tendências de pesquisa e projetos pedagógicos na América Latina73.
Em sua descrição do projeto, abordou três elementos: os campos disciplinares do tema, seus
autores mais citados e seus espaços de publicação. Conforme sua descrição, os campos
disciplinares mais frequentes a que pertenciam os participantes da pesquisa foram Linguagem
e Linguística, Educação e Humanidades (conformada por Letras, Artes e Filosofia). Embora a
LEU tenha emergido de campos das ciências da linguagem, da linguística, da educação e
humanidades, nas pesquisas analisadas no projeto ILLES se revelou uma dispersão disciplinar
e teórica. Segundo a autora, isso poderia significar um ecletismo saudável, mas também
poderia refletir uma falta de redes acadêmicas que compartilhem interesses e aproximações de
pesquisa.
No que tange aos autores do campo, segundo Narvaez (2014), havia uma
diversidade tanto na origem quanto nas orientações disciplinares dos autores influentes –
identificados na categoria de “líderes acadêmicos”, criada para a pesquisa –, quanto no
número limitado de “líderes acadêmicos” que fossem compartilhados entre os participantes da
pesquisa. A autora também observou que uma tendência visível – possivelmente
correlacionada à diversidade indicada anteriormente – foi a falta de compartilhamento entre
autores latino-americanos de língua espanhola e portuguesa, ou seja, há muita pouca troca
71
Conferência de encerramento, intitulada “Estudios de la escritura en América Latina: trazando un mapa de logros y
desafíos.”, proferida em 29 de agosto de 2014.
72
Mais informações na página do projeto: http://www.ilees.org/index.html
73
Sobre o projeto “Iniciativas de Leitura e Escrita na Educação Superior na América Latina” (ILLES), nesse esforço de
construir um mapa das tendências de pesquisa e projetos pedagógicos na América Latina, algumas das hipóteses
levantadas a partir das agendas de pesquisa dos grupos participantes do projeto foram: a) a escrita é ensinada
explicitamente em diferentes momentos da formação e para diferentes audiências (cursos de escrita no primeiro ano,
cursos no currículo das disciplinas, oficinas, tutorias, programas articulados, cursos de extensão, centros de escrita, etc.);
b) as iniciativas advogam pelo ensino da escrita disciplinar e, ao mesmo tempo, pelo ensino de um saber escrito
acadêmico transversal (desenvolver e oferecer tarefas de escrita com diferentes tipos de textos acadêmicos, desenvolver as
habilidades de leitura e escrita para o ensino superior, desenvolver as competências para a escrita nas disciplinas e nas
profissões, favorecer a publicação científica dos professores universitários, etc.); c) a tradição linguística tem uma forte
influência; d) em alguns casos se argumenta que a escrita é ensinada na universidade devido ao tipo de população
estudantil (agendas de ensino justificadas pela chegada de estudantes não tradicionais às aulas, como estudantes de
primeira geração universitária ou aqueles não expostos a reformas educativas que influenciaram o ensino da leitura e
escrita na educação básica e secundária).
64
Com base nesse panorama, a autora sugere que a falta de espaços para publicação
poderia, por um lado, indicar que o campo ainda não emergiu com uma identidade disciplinar
distanciada das bases disciplinares que o nutriram; mas, por outro lado, ao não contar com
publicações que integrem as pesquisas da região, esse campo ainda emergente poderia resultar
fragmentado antes mesmo de sua consolidação.
Mesmo nessa dispersão teórica e metodológica que aponta Narvaez (2014),
algumas perspectivas que abordam a LEU se destacam. Os trabalhos de Swales e Feak (2012),
de tradição anglo-saxã, são referência entre os estudiosos de gêneros e ensino de inglês
acadêmico e a escrita através do currículo75, tanto no Brasil quanto na Colômbia. Seu
principal argumento é que os campos disciplinares conformam comunidades discursivas, e
para participar nessas comunidades é preciso aprender a comunicar-se dentro da retórica
dessas comunidades discursivas. Esses autores, a partir dos estudos da retórica, gêneros
discursivos e comunidades discursivas, traçam orientações para cursos de escrita gerais e
específicos para diferentes campos disciplinares.
No cenário hispano-falante, Carlino (2005) é das referências mais citadas nos
estudos sobre LEU. Do marco da “alfabetização acadêmica” 76, os trabalhos de Carlino (2002,
74
Original: “Es importante destacar que en Brasil, sólo revistas brasileras fueron mencionadas y que entre los países de
habla hispana se mencionaron dos revistas brasileras: Linguagem em Discurso en Chile, y la Revista D.E.L.T.A. en Chile
y en Argentina. Estas tendencias muestran que, al parecer, hay un patrón nacional de publicación fuerte y no hay
publicaciones que integren la región” (p. 14)
75
Do inglês WAC – Writting across curriculum. Propostas dessa vertente podem ser encontradas na obra “Genre in a
Changing World” (2009), organizada por Charles Bazerman, Adair Bonini e Débora Figueiredo.
76
Como expus em Sito (2014a), na discussão hispano-falante sobre LEU, os conceitos de alfabetización académica e
literacidad académica competem, mas se referem a tradições teórico-epistemológicas diferentes: “enquanto a
“alfabetização acadêmica” está orientada para o fazer educativo, o “letramento acadêmico” enfoca um conjunto de
65
2003, 2004, 2005, 2008) dialogam com os campos da didática da língua e psicologia para
propor ações que enfoquem a linguagem no processo de formação da educação superior. Em
seu livro mais citado, “Escribir, leer y aprender en la universidad” (2005), a autora narra sua
experiência didática em uma disciplina que ministrava no curso de Psicologia, na qual
realizou a inserção de tarefas de leitura e escrita ao perceber, após regressar de seu
doutoramento, que necessitava tratar da linguagem de modo mais explícito no processo de
ensino-aprendizagem das disciplinas.
Sua reflexão sobre alfabetização acadêmica responde aos pressupostos que
embasam as reclamações de professores universitários acerca da má escrita de seus
estudantes, para questioná-los (CARLINO, 2002). Ao apontar a falácia dessas queixas,
demonstra que a linguagem deve ser um elemento que faça parte do currículo das disciplinas
universitárias ao longo da formação. Sua questão central é mostrar como
práticas culturais em torno do uso de textos. Essa distinção também é reiterada pela pesquisadora Zavala (2013), por
entender que ambos os termos se referem a conceitos que possuem objetos de pesquisa diferentes, logo se tratam de
categorias, problemas teóricos e apostas metodológicas diferenciados, ainda que interconectados” (p. 24).
77
Original: “aprender los contenidos de cada materia consiste en una tarea doble: apropiarse de sistema conceptual-
metodológico [del campo] y también de sus prácticas discursivas [teniendo en cuenta que] la lectura y la escritura deviene
herramientas fundamentales en esta tarea de asimilación y transformación de conocimiento”.
66
78
O tema proposto para o VIII Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros – SIGET (2015) – será um questionamento
se os diálogos brasileiros no estudo dos gêneros constituem uma "escola brasileira", com características próprias que a
singularizem. Gêneros acadêmicos é apenas uma da linhas que compõe esse amplo campo de estudos.
67
Nesse debate entorno a LEU, embora não haja ainda um campo de pesquisa, há
muitas pesquisas que abordam o tema a partir de perspectivas teórico-metodológicas
diferenciadas, conforme aponta Narvaez (2014), e que pode ser ilustrado com os trabalhos de
Swales e Feak (2012), a partir dos estudos da retórica anglo-saxã: de Carlino (2005, 2008),
alinhados à didática da língua de vertente francesa, de Motta-Roth (2006), a partir da
linguística sistêmico-funcional, de Cabral e Tavares (2005), baseados nos estudos sobre
competência, e de Fiad (2011), a partir dos estudos de letramento e de gênero. Contudo, quiçá
trabalhos como os de Pérez e Rincón (2013) pode indicar uma consolidação da LEU ao pôr
em diálogo diferentes vertentes que abordam o tema, incorporando algumas discussões dos
estudos de letramento. Nessa linha, os conceitos e metodologias parecem sedimentar-se entre
os campos da linguagem, didática das línguas e cultura acadêmica. Já em termos de propósito,
são pesquisas que objetivam incidir no âmbito das políticas institucionais, bem como na
prática docente.
Em todos esses trabalhos, uma lacuna que podemos sinalizar é o tema da
diversidade cultural e linguística que atravessa as práticas de leitura e escrita, também na
universidade. As abordagens da LEU ainda aparecem de uma perspectiva de ensino-
aprendizagem que não pressupõe a diversidade cultural nem estabelece espaços de
negociação, ou mesmo de subversão, das convenções acadêmicas para produção de
conhecimento. Para minimizar a lacuna existente, buscamos estabelecer uma conexão entre
práticas sociais de leitura e escrita, identidade e assimetrias na produção de conhecimento,
baseadas no campo dos estudos de letramento acadêmico.
marginalizados o acesso aos direitos humanos (RAMA, 1984; FREIRE, 1996; KLEIMAN,
1998, 2010).
Essa nova abordagem da linguagem escrita é decorrente da virada cultural e
linguística (FABRICIO, 2006). Essa virada, nos anos 1970, provocou mudanças na
compreensão da linguagem, de modo a conceber a escrita “como prática social e [buscar]
observá-la em uso, imbricada em ampla amalgamação de fatores contextuais” (p. 48).
Conforme nos explica Fabrício (2006), esse movimento implica um processo de
desaprendizagem das bases epistemológicas que conformaram a área de estudos da
linguagem, sintetizadas em três grandes revisões teóricas:
Esse giro permitiu uma abertura das concepções de linguagem e cultura de modo a
reivindicar o reconhecimento de outras maneiras de usar a linguagem. Essa compreensão
mutante da Linguística Aplicada promoveu a busca por abordagens que nos permitissem
enfocar práticas de leitura e escrita cotidianas e escolares de populações antes invisíveis a
muitos campos das ciências sociais, de maneira que pudéssemos compreender os significados
atribuídos pelos próprios sujeitos ao letramento. Assim, expandiu-se não só a classe de
perguntas sobre a leitura e a escrita, mas também seus cenários de observação. Dessa forma, a
própria universidade se inseriu como mais uma esfera de observação das formas de uso de
linguagem.
No Grupo Letramento do Professor, nossa premissa é investigar as práticas de
letramento de uma “concepção identitária”, ou seja, para nós, compreender as práticas de
letramento pressupõe tanto rechaçar visões instrumentais e funcionais do ensino da escrita,
quanto promover o reconhecimento de trajetórias singulares dos usuários da linguagem. Isso
porque, conforme destaca Kleiman (2010), reconhecer essas trajetórias nos ajuda a:
79
Destacaríamos que, em uma sociedade grafocêntrica como a nossa (KLEIMAN, 1995), um evento de letramento pode
ter diferentes maneiras de envolver o texto escrito. Barton (2001) chama a atenção para três modos que os escritos podem
integrar as interações: i) o texto como peça central na interação, ii) o texto com um papel simbólico (como a presença do
texto bíblico entre analfabetos), iii) o texto apenas como um objeto da conversa. A estas, chamaríamos a atenção para sua
diversidade nos modos de construção do texto. Um bom exemplo é a análise de Souza sobre a escrita kaxinawá (2001).
70
domínio da escrita, em geral, pessoas mais jovens do grupo que tiveram mais acesso à escola.
Logo, quem assumia a secretaria realizava a função de escriba para o coletivo. Outra forma de
lidar com as demandas de escrita que passaram a fazer parte do cotidiano local foi passar a
utilizar os caderninhos locais para registrar os novos gêneros que foram sendo apropriados e
transformados pelas lideranças durante o processo de luta quilombola.
Essa preocupação em reconhecer “quais são as estratégias que eles usam quando
fazem cursos de treinamento em serviço, quais são as operações mentais que eles utilizam
para realizar tarefas complexas, e assim sucessivamente” (KLEIMAN, 1995, p. 57-58), que
subjaz esta própria pesquisa, ilustra a agenda de pesquisa da vertente sociocultural dos
Estudos de Letramento (HEATH, 1982; STREET, 1984; ZAVALA; NIÑO-MURCIA;
AMES, 2004; JUNG, 2009; KALMAN; STREET, 2009) – que visam a (re)conhecer:
os modos como os sujeitos usam a escrita em suas interações sociais,
como a valorizam e a significam,
assim como o que fazem com ela.
Para atingir esses objetivos, procuramos desnaturalizar as concepções valorizadas
sobre a escrita a partir de um exame crítico das práticas de letramentos dominantes. Ação que
se realiza mediante a análise do uso da linguagem de uma perspectiva sociocultural. Street
(1984) propõe, com o Modelo Ideológico de Letramento (STREET, 1984), que se reconheça
que nossas práticas de letramento são atravessadas por relações de poder e inextrincavelmente
relacionadas ao contexto sócio-histórico; desse modo, é necessário assumir que essas práticas
se tornam racializadas, generificadas e marcadas pela classe (HEATH, 1982; COOK-
GUMPERZ, 1991; SOUZA, 2011; ZAVALA, 2011). Nessa concepção, revelar essas relações
é parte do exercício investigativo que empregamos.
Nas pesquisas que desenvolvemos no Grupo Letramento do Professor, estudamos
as práticas de leitura e escrita de alfabetizadores e educadores populares (VÓVIO, 2007),
professores de línguas de formação inicial ou continuada (VIANNA, 2009; VALSECHI,
2009; CUNHA, 2010; DE GRANDE, 2010, 2015), estudantes de educação básica ou ensino
superior (MATENCIO, SILVA, ASSIS, 2000; MATENCIO, 2006; BUNZEN, 2009, 2010;
SILVA et al., 2010; TINOCO, 2010), líderes comunitários e agentes de movimentos sociais e
artísticos (SITO, 2010; SOUZA, 2011). A partir dessa compreensão das práticas de
letramento em distintos cenários, nossa finalidade é subsidiar programas de formação de
professores e contribuir para a formação daqueles e daquelas que ensinam a ler e escrever em
nossas sociedades, de maneira a legitimar os participantes da pesquisa e romper com as
assimetrias existentes. Esses trabalhos se articulam em duas grandes linhas de pesquisa: a)
71
apenas o Adão mítico que chegou com a primeira palavra num mundo
virgem, ainda não desacreditado, somente este Adão podia realmente
evitar por completo esta mútua orientação dialógica do discurso alheio
para o objeto. Para o discurso humano, concreto e histórico, isso não é
possível (...) Mas a dialogicidade do discurso não se esgota nisso. Nem
apenas no objeto ele encontra o discurso alheio. Todo discurso é orientado
para a resposta e ele não pode esquivar-se à influencia profunda do
discurso da resposta antecipada. O discurso vivo e corrente está imediata e
diretamente determinado pelo discurso-resposta futuro, ele é que provoca
esta resposta, pressente-a e baseia-se nela. Ao se constituir na atmosfera do
“já dito”, o discurso é orientado ao mesmo tempo para o discurso-resposta
que ainda não foi dito, discurso, porém, que foi solicitado a surgir e que já
era esperado. Assim é todo diálogo vivo (BAKHTÍN, 2003, p. 88-9, grifos
nossos).
Com esse exemplo, busca ilustrar o fato de que nunca falamos em um vazio;
sempre respondemos a algo ou alguém, e ao fazê-lo tomamos uma posição frente a esse fato.
72
Isso significa que a orquestra na qual tocamos, ao usar a linguagem, possui diferentes tons.
No instante em que fazemos uso da palavra, tomamos uma posição social avaliativa. Seus
tons sempre revelam pontos de vista do sujeito que profere o discurso, revelando perspectivas
semânticas e axiológicas, as quais, nas palavras de Bakhtin, seriam as vozes sociais. As vozes
sociais e históricas, por tanto, povoam os discursos de índices de valor ou acentos valorativos,
os quais dão sentido às palavras. Na concepção de linguagem proposta pelo Círculo de
Bakhtin, a palavra é apenas uma arena, na qual os diferentes acentos valorativos dos
interlocutores lutam por marcar seus sentidos, pois “a palavra da língua é uma palavra
semialheia. Ela só se torna “própria” quando o falante a povoa com sua intenção, com seu
acento, quando a domina através do discurso” (VOLOCHINOV, 1995, p. 100). Esse
exercício de apropriação de uma palavra semialheia constitui-se em um diálogo com os
valores do tempo e do espaço em que ocorre o evento discursivo, revelando um discurso-
resposta, assim como discursos já ditos. A luta pelos sentidos está em alinhamento à luta que
se trava na vida, devido às desiguais posições que os interlocutores ocupam na sociedade.
Essa visão de linguagem nos requer considerar sempre os eventos em que os
discursos são produzidos, assim como nos convida a desvelar as relações de respostas
(dialógicas) implicadas nos próprios textos. Se todo discurso é orientado para a resposta, e
sempre está influenciado profundamente pelo discurso da resposta antecipada, a resposta é
tomada como uma ação ativa, já que “ela liga o que deve ser compreendido ao seu próprio
círculo”. Nesse jogo, os atos de responder e interpretar estão intrinsecamente conectados, já
que “a compreensão e a resposta estão fundidas dialeticamente e reciprocamente
condicionadas, sendo impossível uma sem a outra.” (BAKHTIN, 2003, p. 90). Em outras
palavras, o dialogismo é uma proposta baseada na alteridade, pois significar é um processo
que se constrói com o Outro.
Mais um elemento da concepção de linguagem bakhtiniana relevante para esta
pesquisa é a noção de esfera de atividade humana. Essa noção ilustra a conexão entre dizer e
fazer que está na base da proposta sociológica de linguagem do Círculo de Bakhtin. A esfera
de atividade nos ajuda a pensar a comunicação a partir das atividades humanas. Esse conceito
nos leva a ampliar a observação da linguagem das formas de dizer, envolvendo também as
formas de fazer.
Nesta tese, a noção de esfera acadêmica nos permite refletir sobre as atividades
humanas implicadas nas formas de produção de conhecimento. A partir dessas atividades,
podemos observar quais usos de linguagem estão vinculados a elas. Por fim, ao escolher esta
concepção social de linguagem, fazemos uma opção por reconhecer as relações de poder que
73
atravessam as interações humanas; assim como sua expressão na linguagem, seja por forças
que buscam mascarar a dialogicidade dos discursos de modo a dissimular a polêmica
(discurso monológico ou unívoco), seja por forças que, na contramão, buscam revelar a tensão
entre as diferentes vozes sociais que compõem o discurso (discurso dialógico ou polifônico).
Ao reconceituar a palavra “diálogo”, Faraco (2009) destaca que a cada evento em que nos
enunciamos, nos orientamos para forças centrípetas (de unificação e centralização) ou
centrífugas (de diversidade e criação), porque justamente o diálogo:
deve ser entendido como um vasto espaço de luta entre as vozes sociais (uma
espécie de guerra dos discursos), no qual atuam forças centrípetas (aquelas
que buscam impor certa centralização verboaxiológica por sobre o
plurilinguismo real) e forças centrífugas (aquelas que corroem
continuamente as tendências centralizadoras por meio de vários processos
dialógicos tais como a paródia e o riso de qualquer natureza, a ironia, a
polêmica explícita ou velada, a hibridização ou a reavaliação, a sobreposição
de vozes, etc.) (p. 69-70).
Nessa síntese do autor, há uma retomada da própria palavra diálogo, que significa
tanto o “consenso” ou a “conversa” – sentidos que costumam ser atribuídos a ela no senso
comum, quanto “dissensos” e “encontros” que provocam conflitos; pois falar de diálogo é
falar de respostas, respostas que são dadas em meio a forças que visam tanto a unificar e
provocar consensos afinados a pontos de vistas dominantes, quanto respostas que são dadas
em meio a forças que visam a pluralizar os pontos de vista.
Ao delimitar as forças centrífugas como ações empregadas pelos grupos para
corroer continuamente as tendências centralizadoras, podemos traçar uma aproximação entre
as forças centrífugas do discurso e o conceito de “táticas” na atividade social de De Certeau
(1998), quando o autor as define como “uma ação calculada”, “um movimento dentro do
campo de visão do inimigo” que empregam os grupos a margem das instituições de poder.
Justamente essas ações – que em nossa investigação trataremos com o conceito de estratégias
– são nosso escopo da pesquisa. Nossa observação sobre as práticas de letramento dos
estudantes participantes desta pesquisa recai sobre suas “táticas” como parte desses
movimentos centrífugos que realizam.
Logo, a metáfora de diálogo para o dialogismo deve ser reelaborada para
enquadrá-la em um campo de lutas entre as vozes sociais (ou verdades sociais, já que são
valores que enunciamos). Nesse combate dialógico, a resposta pode ser tanto de consenso,
convergência e acordo, quanto de dissenso, divergência ou desacordo. Nosso foco nas vozes
74
sociais busca abrir uma brecha para, com base no dialogismo, revelar as tensões de embates
históricos que afetam o uso social da linguagem.
Letramento80 (STREET, 1984; KLEIMAN, 1995), que constrói uma visão da escrita como
independente de seus contextos de uso.
Outra linha de pesquisa sobre o papel da instituição universitária na formação do
professor é a análise de cursos de formação continuada a professores do ensino público. Nesse
campo, os trabalhos sobre professores em formação de Valsechi (2009), ao analisar o
processo de apropriação de saberes, e os trabalhos de De Grande (2010) e de Vóvio e De
Grande (2010), ao investigar o processo de construção identitária, revelam conflitos que
emergem nessas experiências de ensino-aprendizagem entre universidade-escola. Suas
análises mostram como o contexto de desvalorização da profissão docente81 afeta esses
encontros de formação, valores que acabam sendo revozeados nos discursos dos próprios
docentes. No entanto, por outro lado, as autoras também afirmam que prevalece um
movimento das docentes de se legitimarem “a favor da representação dos papéis profissionais
assumidos por elas, posicionando-as como sujeitos na produção de seus discursos e como
protagonistas de suas histórias” (VÓVIO; DE GRANDE, 2010, p. 68).
Esses trabalhos se constroem em diálogo com a concepção dialógica da
linguagem, tomando a produção do círculo bakhtiniano como base teórica e epistemológica
(VOLOCHINOV, 1995; BAKHTIN, 2003). Com base nessa concepção de linguagem,
utilizamos “metodologias que permitam descrever e entender os micro-contextos em que se
desenvolvem as práticas de letramento, procurando determinar em detalhe como são essas
práticas” (KLEIMAN, 1995, p. 17). De modo mais específico, abordamos as práticas de
letramento como situações em que
Esses modelos a que se refere Matencio (2009) podem ser compreendidos pelo
conceito de “gêneros do discurso”, os quais se constituem em matrizes sócio-cognitivas e
80
Esse modelo descreve as visões da escrita que a concebem como “um produto completo em si mesmo, que não estaria
preso ao contexto de sua produção para ser interpretado” (KLEIMAN, 1995, p. 22). Essa ideologia de linguagem
compreende a língua desconectada de seus contextos de produção.
81
A própria violência policial que vem sendo empregada contra manifestação de professores ilustra essa marginalização
da categoria docente. Ver notícia sobre o caso de Curitiba, em maio de 2015 – “PM reprime protesto de professores em
Curitiba e mais de 200 se ferem”, disponível em:
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/29/politica/1430337175_476628.html
76
culturais que nos orientam a participar nos modos de dizer e de fazer que foram constituídos
historicamente pela sociedade em que estamos inseridos.
82
Lillis e Scott (2007) ressaltam que há uma considerável ambiguidade no uso das formas no singular e plural, e por isso
se pode definir melhor a perspectiva da pesquisa sobre letramentos acadêmicos a partir de sua abordagem aos cenários
investigados, com base em uma perspectiva crítica, discursiva e antropológica. Na produção brasileira o conceito é
recente e ainda não há uma polêmica em torno da pluralização. Algumas das pesquisas afiliadas aos Estudos de
77
“letramento acadêmico”, considerando que é o uso mais comum no meio acadêmico nacional,
concentrando nossa preocupação em mostrar sua pluralidade na descrição das práticas sociais.
A expansão do ensino superior parece estar provocando mudanças, ao tornar a
instituição que tradicionalmente foi agente da pesquisa em um objeto de investigação. No
pano de fundo desta pesquisa, é necessário recordar os discursos de equidade e justiça no
acesso ao ensino superior, os quais provocam reflexões sobre o papel da universidade,
situando-a entre as instituições que precisam corresponder à diversidade cultural da sociedade
que as cerca. Esse movimento é impulsionado por sujeitos interessados em uma nova
configuração da academia, com propostas para descolonizar a universidade (CASTRO-
GÓMEZ, 2005; CASTRO-GÓMEZ; GROSFOGUEL, 2007; SANTOS, 2009).
Especificamente a escrita no ensino superior tem sido historicamente objeto
teórico de diferentes áreas83, conforme ressalta Street (2010); mas, foi durante o período de
internacionalização do ensino superior, no Reino Unido, quando as políticas para a expansão
universitária ampliaram a participação de estudantes estrangeiros, que emergiram questões
sobre as práticas comunicativas na universidade (LILLIS; SCOTT, 2007). No entanto, essas
políticas vieram acompanhadas de discursos públicos sobre a falha dos modelos de ensino, o
que tornava a escrita dos estudantes como emblemática da “crise” no ensino superior; embora
essas políticas não dispensassem a mínima atenção para a linguagem. Dessa forma, muito da
produção alinhada aos Estudos de Letramento com foco na academia emergiu como resposta
a discursos de déficit no contexto de expansão do ensino superior inglês. Essa produção se
voltou tanto para elaborar cursos de escrita para estudantes, quanto para reconhecer os
conflitos que vivenciavam durante sua inserção no ensino superior. Esse histórico nos ajuda a
entender, parcialmente, por que o enfoque do campo foi se constituindo em torno a trajetórias
de estudantes de grupos minoritários e/ou discriminados.
Em um estado da arte sobre o campo, Lillis e Scott (2007) descrevem como o
letramento acadêmico se constitui em uma epistemologia específica, orientada pelos conceitos
de letramento como prática social, de ideologia e de transformação; nesse campo de
investigação o texto é visto a partir da prática. Campo que, segundo as autoras, estaria
Letramento vêm usando o termo no singular, “letramento acadêmico” (FISCHER, 2008, 2011; FISCHER, A.;
PELANDRÉ, 2010), para investigar as práticas de letramento em cenários de ensino superior. Parece-nos que é
justamente o caráter transformador e a perspectiva de linguagem adotada, de base sócio-histórica, que configuram a
abordagem de “letramentos acadêmicos” ou “letramento acadêmico”, distinguindo-a de perspectivas mais normativas.
83
Street cita a escrita através do currículo (tradução livre do termo inglês Writing across the curriculum – WAC), estudos
dos gêneros e letramentos acadêmicos.
78
trabalho realizado” (FIAD, 2013, p. 467). Entre seus trabalhos, há um enfoque especial na
reescrita de estudantes (FIAD, 2013) e na análise de eventos de letramentos acadêmicos
(PASQUOTTE-VIEIRA, 2014).
Fiad (2015) conclui suas considerações sobre o conceito de letramento acadêmico
brasileiro, indicando que este pode ser potencializado se traçamos uma ponte entre os estudos
de leitura e escrita na educação básica e na educação superior:
superior no Reino Unido, os autores sintetizam três abordagens comuns nas práticas de ensino
da escrita na academia: o modelo de habilidade, o de socialização e o acadêmico. Segundo os
autores, o ingresso na universidade acarreta uma adaptação a novas maneiras de conhecer que
podem ser interpretadas pelo conceito de práticas:
84
Original: “new ways of understanding, interpreting and organizing knowledge. Academic literacy practices-- reading
and writing within disciplines--constitute central processes through which students learn new subjects and develop their
knowledge about new areas of study. A practices approach to literacy takes account of the cultural and contextual
component of writing and reading practices, and this in turn has important implications for an understanding of student
learning”.
81
85
Original: “emphasizing the importance of explicitness in teachers marking for students the shifts in genre and mode as
they move between group work, speaking, note taking, presentation, more formal writing, etc. In particular we identify the
link between cultural practices and different genres; the importance of feedback on students’ written assignments in the
learning process; and how both students and their tutors can learn much from the foregrounding of both meaning making
and identity in the writing process”.
86
Um exemplo é o constructo que subjaz o Exame de Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para
Estrangeiros – Celpe-Bras, o qual – incorporando o conceito bakhtiniano de gênero do discurso – solicita nas tarefas
requeridas a explicitude dos componentes da situação comunicativa. Mais informações disponíveis em:
http://portal.inep.gov.br/celpebras-estrutura_exame.
83
87
Original: “In these approaches, the distance between tutors’ expectations and student-writers’ understanding of such
expectations is problematized as a mismatch which can be resolved, if tutors state clearly to student-writers in written or
spoken words what is required. However, such an approach tends to reinforce the view that conventions are autonomous
and discrete phenomena, rather than constituting and reflecting a particular literacy practice”.
84
Letramento requer compreender que a participação nas práticas comunicativas desta esfera
envolve aprender como se constroem sentidos através das convenções desse contexto
específico que é a universidade. Como a autora destaca, ainda, a interação nesse espaço requer
uma prática de letramento privilegiada na academia, a escrita da monografia (ensaio) 88. Por
ser uma prática situada, a autora investiga justamente o processo de marginalização e
exclusão decorrente de conflitos que emergem devido a uma incompatibilidade entre as
diversas compreensões acerca do que seria a escrita de uma monografia por parte de
estudantes e docentes. Nessa direção, ela ressalta que analisar os descompassos na interação
entre docentes e discentes acerca das avaliações realizadas nas disciplinas é crucial:
mesmo que prevaleça a visão de que tais convenções não são problemáticas
e de que são simplesmente "senso comum", eu argumento que a confusão é
uma dimensão tão onipresente na sua experiência como grupo de estudantes
“não-tradicionais” no ensino superior que aponta para uma prática
institucional do mistério (p. 127)89.
88
Na tradição de língua inglesa, a principal produção escrita na academia é o “ensaio”, principalmente na avaliação de
disciplinas, o que costumamos chamar, no contexto brasileiro, de “monografia”.
89
Original: “Whilst the view prevails that such conventions are unproblematic and simply ‘common sense’, I argue that
confusion is so all pervasive a dimension of their experience as a group of ‘non-traditional’ students in higher education
that it points to an institutional practice of mystery.” (p. 131)
90
Original: “I would therefore argue that it is important to view such confusion not as an individual student phenomenon
but as reflecting a dominant practice in HE, which I am calling here, the institutional practice of mystery.”
85
91
Embora em cenários diferentes, os trabalhos de Kalman (2004, 2013) e Vianna (2009) trazem aportes para as noções de
noção de “apropriação”, “disponibilidade” e “acesso”, ao mostrar que, para que se dê a apropriação de práticas de
letramento, é necessário pensar não só na disponibilidade de materiais escritos, mas também observar as interações que
mediam o acesso a esses materiais.
86
Fazer referências e citar outros textos são mais um exemplo das práticas
institucionais do mistério, as quais provocam conflitos na apropriação das práticas de
letramento acadêmico. O processo de reconhecimento desse novo modo de enunciação exige
sua explicitação, já que essas práticas se diferenciam muito de outras esferas sociais. Essas
diferenças também provocam conflitos e sentimentos negativos nos estudantes, os quais se
sentem “incomodados”, ao interpretarem que explicitar a autoria das citações seria sugerir que
eles não podem chegar a pensar algo por conta própria.
Podemos observar que emergem conflitos frente à distância exigida no texto
acadêmico e à exigência de atribuir o conhecimento a outros, como indica Zavala (2010) na
experiência de Paula, quando critica que a escrita acadêmica não é de ninguém. Também o
estudo de Boughey (2000) aborda essa questão ao refletir sobre sua experiência de ensino de
filosofia, em uma universidade sul-africana. A autora argumenta que, para os estudantes,
orquestrar as distintas vozes em seus textos se tornava um obstáculo. Conforme descreve a
autora, uma das dificuldades que ela vê com frequência nos textos de seus estudantes
Boughey (2000) nos ajuda a pensar nos mistérios que envolve orquestrar
diferentes vozes para os estudantes que chegam a esse “mundo novo”. Todo o tempo
orquestramos outras vozes, dentro e fora da universidade; porém, a diferença está nas
convenções que cada esfera social atribui aos modos de tocar a música.
Nessa direção, de outro marco teórico, Boch e Grossman (2002) analisam a
prática de citação tanto em escritos de estudantes principiantes quanto de pesquisadores para
observar as diferenças que poderiam se apresentar em seus escritos. Para sua análise, os
autores propõem uma tipologia para caracterizar os modos de fazer referência ao discurso do
outro: a evocação, quando o escritor apenas faz menção ao trabalho sem resumi-lo, o discurso
relatado, quando se resume, reformula ou cita o discurso do outro. Com base nessas
92
Original: “One difficulty which I see frequently in my work in the philosophy class concerns the negotiation of
“voices” in both spoken and written academic texts. An academic text contains many voices. It contains the voices of the
authorities the author cites and it also contains the voice of the author which appears in relation to these other voices as a
solist backed by a choir (…) In their writing, the difficulty in doing this frequently manifests itself in an apparent inability
to distinguish between the different voices.”
87
93
O Modelo Autônomo de Letramento, proposto por Street (1984), serve para descrever aquelas concepções de
linguagem que pressupõem uma única forma de lidar com a escrita, baseadas em visões de causa e resultado entre a
escrita e progresso, civilização e mobilidade social. Além disso, o que marca esse modelo é sua negação da relação entre
usos da linguagem e os contextos sociais.
88
94
Original: “Literacy, power, and identity: colonial legacies and indigenous transformations”.
95
Original: “Literacy is neither cause nor consequence; the process of self-formation, self-fashioning is, rather, mediated
by literacy” (p. 122); “conquest “of language and by language”, but also of self-fashioning “in language”” (p. 154)
89
96
Original: “en los últimos años, la investigación en este campo ha demostrado que las dificultades y, por consiguiente,
los conflictos que emergen entre estudiantes y docentes con relación a la lectura y la escritura en la universidad no se
restringen simplemente a la técnica de la lectura y la escritura, a las habilidades o a la gramática”
97
Original: “sino a aspectos que están relacionados con la identidad, la epistemología y el poder. Esto quiere decir que la
lectura y la escritura también se relacionan con nuestro sentido de pertenencia a la comunidad de la que intentamos formar
parte, con las maneras de construir conocimiento y con las valoraciones diferenciadas que se adscriben a las diversas
formas de lectura y escritura que se practican en nuestra sociedad.”
90
98
Trabalho “Letramento Universitário: o trabalho da citação em Trabalhos de Conclusão De Curso (TCC)”, apresentado
no Simpósio “Letramento crítico: a escrita na formação profissional” do IX Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada,
realizado no Rio de Janeiro, entre 25 a 28 de julho de 2011.
91
Escrita na Universidade para Estudantes Indígenas. Com base nos estudos de letramento
acadêmico, Dilli (2013) discute a abordagem pedagógica e teórica que fundamenta essas
ações de permanência, e oferece subsídios para a construção e o desenvolvimento de ações de
permanência que fomentem a diplomação de estudantes de grupos minoritários. Em diálogo
com essas proposições, Morelo (2014) analisa uma experiência de projetos pedagógicos
desenvolvida no Curso de Leitura e Escrita na Universidade para Estudantes Indígenas, de
maneira a compreender como articular a linguagem acadêmica à valorização dos saberes
tradicionais indígenas. Considerando o contexto de ingresso de estudantes indígenas nas
universidades públicas brasileiras, ambos os trabalhos visam à construção de uma educação
superior intercultural e dialógica, de modo a subsidiar práticas pedagógicas que se
contraponham ao discurso deficitário em relação às práticas letradas de estudantes de grupos
indígenas.
No cenário colombiano, Soler (2013) parte de uma típica reclamação de docentes
universitários para contradizê-la – Usted ya en la universidad y no saber escribir?99. Para
isso, discute aspectos da escrita, da geopolítica do conhecimento e do poder na universidade.
A autora sugere que, para entender o impacto desse discurso dominante sobre a escrita na
formação universitária, é necessário aproximar-se da perspectiva dos estudantes. Em sua
pesquisa, utiliza entrevistas em profundidade e depoimentos para análise das trajetórias dos
estudantes – metodologias que lhe permitem escutar de maneira atenta jovens que
ingressaram em uma universidade pública colombiana por meio de política de ação
afirmativa, centrando-se nas vozes de universitários que advêm de grupos historicamente
excluídos do ensino superior.
Suas escolhas possibilitam novas chaves de interpretação ao contrapor-se ao
“discurso do déficit”, com o fim de entender a perspectiva dos sujeitos sobre as práticas de
uso da escrita na universidade, ao invés de compará-las com as práticas de letramento
acadêmico dominantes. Além disso, estabelece conexões entre uso de linguagem e os temas
de interculturalidade e discriminação, para entender o impacto das assimetrias do ponto de
vista dos universitários.
Ao perguntar-se sobre como se ensina e aprende a ler e escrever na universidade,
as pesquisas sobre letramento acadêmico se propõem a compreender o uso social da
linguagem na esfera universitária, expandindo a preocupação com a escrita para as práticas
sociais envolvidas no processo de formação nessa esfera, tais como a construção identitária
99
Tradução: “Você já está na universidade e não saber escrever?”
92
claras para a pergunta: afinal, o que caracteriza o TCC? Uma forma de analisar essa prática
de letramento é mapeando os textos que a compõem.
A pergunta é necessária, mas não tem uma resposta fácil. O primeiro elemento a
pontuar é que o TCC não é obrigatório para todos os cursos. As Diretrizes Curriculares
Nacionais do Ensino Superior definem, para cada curso de graduação, se haverá um TCC, e
qual seu papel na formação acadêmica. Nas Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de
Filosofia, História, Geografia, Serviço Social, Comunicação Social, Ciências Sociais, Letras,
Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia100, por exemplo, o TCC aparece em dois
requisitos: ora está ao lado do Estágio Supervisionado – “o Estágio Supervisionado e o
Trabalho de Conclusão de Curso devem ser desenvolvidos durante o processo de formação a
partir do desdobramento dos componentes curriculares, concomitante ao período letivo
escolar”, ora aparece como parte de Atividades Complementares requeridas para a formação,
as quais “devem integralizar a estrutura curricular (com atribuições de créditos), atividades
acadêmicas autorizadas pelo Colegiado tais como: estágios, iniciação científica, laboratórios,
trabalho em pesquisa, trabalho de conclusão de curso, participação em eventos científicos,
seminários extra-classe, empresa júnior, projetos de extensão”. Com base nessas Diretrizes,
podemos delinear duas dimensões do TCC na formação acadêmica: por um lado, a correlação
com as práticas profissionais, e por outro a interface com gêneros acadêmicos.
O TCC, ao ter como propósito culminar uma trajetória universitária, acaba
refletindo as tensões da formação profissional na esfera acadêmica. Mas, os gêneros do
discurso em que se realiza essa prática de letramento acadêmico ilustram os modos de dizer
que foram legitimados em cada área do saber. Para Bakhtin, nessa sequência infinita de dizer
que conforma a linguagem, algumas formas de usar a língua vão se consolidando socio-
historicamente, as quais Bakhtin (2003) chama de gêneros do discurso, dado que
Esfera comunicativa
Tempo e lugar históricos (cronotopos)
Participantes (relações sociais)
Tema
Vontade enunciativa/apreciação
valorativa
Modalidade de linguagem ou mídia
Gênero do discurso Tema
Forma composicional
Unidades lingüísticas (Estilo)
Fonte: Rojo (2005, p. 198), baseado na noção de gênero de Bakhtin (2003).
Esses elementos podem se articular às demais atividades de formação durante o curso para
outorgar ao estudante o grau de diplomado. Na abordagem de Bazerman (2006), à qual subjaz
a teoria dos atos de fala, há uma ênfase nas relações entre o fazer e o dizer que contribuem
para identificar os encadeamentos nas atividades dos sujeitos, e suas relações com os modos
de dizer, que nos interessa nesta tese.
A observação e a análise das práticas sociais mediadas por textos nos ajudam a
visibilizar as várias ações que compõe as trajetórias desses estudantes. O foco nas atividades
nos revela que a cada realização desses rituais de passagem há uma potencial tensão, ativada
pela possibilidade de criação de novas formas de lidar com o texto. Desse modo, por um lado,
temos uma potencialidade criativa que é promovida por estudantes e docentes a cada
interação; e, por outro lado, temos a reiteração dos gêneros canônicos que, para o caso do
TCC, em especial, é o gênero monográfico.
Preocupadas com a orientação de trabalhos finais na universidade, as
pesquisadoras Tapia-Ladino e Marinkovich (2013) e Moretto e Bueno (2013) decidiram
abordar o Trabalho de Conclusão de Curso, elaborado nos anos finais de vários cursos de
graduação. Tapia-Ladino e Marinkovich (2013) centram-se nos cursos de graduação em
Jornalismo e Serviço Social de uma universidade do Chile. As autoras descrevem quais são as
concepções que uma comunidade de pesquisadores de cursos das ciências humanas constrói
sobre a escrita acadêmica e sobre o TCC (‘tesis de grado’), porque entendem que “a escrita
acadêmica da qual forma parte a escrita do TCC é uma atividade de inclusão nas práticas
disciplinares e profissionais específicas” (p. 150)101. Ao justificar a escolha do TCC, as
autoras afirmam que,
101
Original: “La escritura académica de la cual forma parte la escritura tesis es una actividad de inclusión a las prácticas
disciplinares y profesionales específicas”.
102
Original: “reconocemos géneros académicos como aquellos que se elaboran preferentemente dentro del ámbito
universitario. Como parte de su proceso de formación, los estudiantes universitarios requieren ingresar a la comunidad
97
discursiva de su especialidad con el fin de mantener y extender el conocimiento de su área y así pasar a ser miembros del
grupo.” (p. 150)
98
dos gêneros, com o fim de promover processos de ensino-aprendizagem que emirjam das
práticas sociais e abram espaço para transformações dos gêneros dos discursos da esfera
acadêmica.
Em relação à proposta de Tapia-Ladino e Marinkovich (2013), corroboramos seu
posicionamento em abordar a escrita do TCC como uma atividade de inclusão nas práticas
disciplinares e profissionais específicas, e reconhecer que há uma variabilidade de gêneros do
discurso que são exigidos ao longo do seu desenvolvimento. Assim, a pesquisa das autoras
nos instiga a pensar no TCC como uma prática de letramento constituída por uma variedade
de textos e atividades, que podem estar mais vinculados ao mundo laboral ou ao acadêmico,
assim como podem buscar articulá-los. Junto a isso, essa prática envolveria diferentes etapas e
processos, que, embora socioculturais, apresentam singularidades em cada instituição.
No que tange à variabilidade textual no TCC, como já notamos, a proposta de
Zavala (2010) amplia os questionamentos desse tema ao pôr em cena o potencial criativo que
estudantes vêm empregando para lidar com as práticas de letramento acadêmico. Para a
autora, o diálogo com as teorias descoloniais nos ajudaria, nos estudos de letramento, a
examinar com maior acurácia o que contaria como conhecimento relevante nas disciplinas ao
dirigir nossa atenção para novas formas de significar, flexibilizando as convenções
acadêmicas.
A autora considera que o silêncio sobre as convenções da escrita acadêmica, em
sociedades desiguais, corrobora a desvalorização de alguns conhecimentos frente a outros, o
que tratamos, nesta tese, como epistemicidio ou violência epistêmica (SANTOS, 2009;
CASTRO-GÓMEZ, 2010). Assim, essa preocupação com as novas formas de significar –
subjacente à perspectiva sociocultural de sua pesquisa – levou a autora a investigar as criações
linguísticas de universitários quéchuas para dar conta das exigências acadêmicas. Nessa
perspectiva, o letramento é analisado tanto a partir da ação dos sujeitos, como a partir dos
discursos acerca da linguagem que expressam. Conforme expõe Zavala (2011),
nos encontramos frente a uma nova noção de escrita, que já não implica um
objetivo, mas sim uma atividade. Escrever não é apenas um produto
(linguístico) ou um processo (cognitivo), mas uma prática situada, social,
material, ideológica e histórica (Canagarajah 2003). Nesta linha, os
pesquisadores começaram a se perguntar pelas estratégias que desenvolviam
os estudantes no processo de apropriação da escrita acadêmica, e não apenas
pelos textos como um produto acabado. (...) A noção de estratégia se vincula
com o emprego da agência dos sujeitos em uma tentativa de lidar com os
100
104
ditames da ideologia ou das representações dominantes na sociedade. (p.
92)
104
Original: “Nos encontramos frente a una nueva noción de la escritura, que ya no implica un objeto sino una actividad.
Escribir no es solo un producto (lingüístico) o un proceso (cognitivo), sino una práctica situada, social, material,
ideológica e histórica (Canagarajah 2003). En esta línea, los investigadores han empezado a preguntarse por las estrategias
que desarrollan los estudiantes en el proceso de apropiación de la escritura académica y no solo por los textos como
producto acabado. (…) La noción de estrategia se vincula con el despliegue de la agencia de los sujetos en un intento de
lidiar con los dictámenes de la ideología o las representaciones dominantes en la sociedad”.
105
Sua definição de estratégias é muito próxima do conceito de táticas de De Certeau (1981), pois o autor considera
táticas as ações que os sujeitos realizam em seu cotidiano para mudar a ordem estabelecida, enquanto as estratégias seriam
as ações institucionais para manter a ordem estabelecida. Nesta tese, preferimos não fazer a diferenciação entre táticas e
estratégias, e chamamos estratégia o que para De Certeau são táticas.
101
106
O trabalho de Pratt (1991) descreve a narrativa autoetnográfica de um intelectual quéchua, Felipe Guaman Poma de
Ayala. No livro “Nova crônica e o Bom Governo”, Poma de Ayala se propôs, durante a colônia, a criticar o sistema de
102
espanhola. Esse texto revela estratégias de subversão das relações coloniais, o que, como
pontua a autora, ao ter sido produzido na zona de contato (PRATT, 1991) que provoca o
colonialismo, envolveu ações colaborativas entre intelectuais letrados abolicionistas e ex-
escravos. Guaman Poma ilustra um processo de transculturação, ao usar os conhecimentos e a
linguagem da coroa para criar estratégias de mudança e de ruptura com o status quo. No
âmbito da linguagem, suas artes letradas na zona de contato foram compostas por elementos
como autoetnografia, transculturação, crítica, colaboração, paródia, bilinguismo, mediação,
denúncia, diálogo imaginário e expressões vernáculas107 – noções que serão retomadas no
quinto capítulo. Esses elementos, embora muitas vezes sejam respostas possíveis, acabam
silenciados pelo discurso monológico das grandes narrativas históricas e da normatividade.
Em diálogo com essa proposta de artes letradas na zona de contato, podemos
compreender a produção do TCC sob aspectos: por um lado, por sua função epistêmica, que
envolve a produção de conhecimento; por outro lado, por sua função sócio-relacional, que
envolve a construção de uma identidade profissional. Assim, ampliamos o espectro de análise
desses trabalhos de maneira a abordar o processo de escrita dos estudantes, suas narrativas
sobre o mesmo, assim como os indícios de suas estratégias deixados no próprio texto
(imagens, agradecimentos, dedicatórias, referências bibliográficas, etc). Suas narrativas sobre
o desenvolvimento do TCC, assim como suas próprias produções escritas, nos dão pistas para
analisar as estratégias criadas pelos estudantes, seja de apropriação dos modos de dizer
convencionais da sua área de conhecimento, seja de subversão dos mesmos. Desse modo,
nosso olhar estará enfocado tanto nas trajetórias construídas pelos estudantes, quanto nas
mudanças nas formas de dizer e de fazer nas práticas de letramento acadêmico. Ao abordar o
TCC como espaço de construção de identidade e conhecimento, esperamos contribuir para o
campo de letramento acadêmico ao propor laços entre as práticas sociais de leitura e escrita,
identidade e assimetrias na produção de conhecimento.
colonização no Peru. Pratt resgata, em sua análise, as diferentes estratégias utilizadas por Poma de Ayala para se enunciar
contra o regime colonial. Sua produção em meio à colonização é considerada pela autora uma produção da zona de
contato.
107
A autora também observa que há riscos que ameaçam os escritos da zona de contato, como a má compreensão, a
incompreensão ou mesmo a não leitura.
103
3. Entrando em campo
…there is no power without resistance. Power engenders resistance and is always being resisted. (Deborah
Cameron et al., 1992)
108
Original: “- grounded in a philosophical position which is broadly “interpretivist” in the sense that is is concerned with
how the social world is interpreted, understood, experienced o produced. (…); - based on methods of data generation
which are flexible and sensitive to the social context in which data are produced (rather than rigidly standardized or
structured, or removed from “real life” or “natural” social context, as in some forms of experimental method); - based on
methods of analysis and explanation building which involve understandings of complexity, detail and context. Qualitative
research aims to produce rounded understandings on the basis of rich, contextual, and detailed data.” (p. 4)
104
produzir nosso mundo social. Nessa escolha, quando elaboramos trabalhos investigativos com
populações que se encontram em situação de desigualdade e/ou vulnerabilidade social, um
desafio que se impõe é repensar as formas tradicionais de desenvolver pesquisa.
Em nosso contexto latino-americano, a colonização propiciou a realização de
pesquisas que serviram como ferramenta para, em um primeiro momento, conhecer os saberes
de populações indígenas e afrodescencentes com o fim de apropriar-se deles e, em um
segundo momento, invisibilizar a autoria desses saberes; processo que resultou na sua
expropriação do legado dessas comunidades. Trabalhos como os de Nieto (2000) e Castro-
Gómez (2005), na Colômbia, e de Carneiro (2005), no Brasil, analisam e mostram em detalhe
o fenômeno que Santos (2009) nomeia “epistemicidio”, entendido como “processos de
opressão e de exploração, [que] ao excluir grupos e práticas sociais, excluem também os
conhecimentos usados por esses grupos para levar a cabo essas práticas.”109 (p. 12). Essa
morte de outras formas de conhecer é parte do que Santos chama de injustiça cognitiva
global.
Reconhecendo essas injustiças cognitivas, esta pesquisa se propôs a examinar
trajetórias universitárias de jovens negros e indígenas que ingressaram em universidades
públicas por políticas afirmativas. Isso nos colocou o desafio metodológico de criar uma
experiência de escuta atenta e de envolvimento no campo, de modo a ouvir e olhar esses
sujeitos outros de forma sensível e comprometida. Para isso, ao longo do desenvolvimento do
trabalho, foi relevante questionar sobre os acordos negociados entre pesquisador e
participantes, tendo em vista que “a ética precisa ser co-construída inter ou
multiculturalmente” (CAVALCANTI, 2006, p. 250). Além disso, um dos desafios foi manter
cientes todos os envolvidos na investigação quanto aos limites da pesquisa (VÓVIO; SOUZA,
2005, p. 50). As reflexões durante o desenvolvimento da pesquisa nos levaram a inserir o
trabalho no marco de propostas de pesquisa empoderadora e colaborativa.
109
Original: “Los procesos de opresión y de explotación, al excluir grupos y prácticas sociales, excluyen también los
conocimientos usados por esos grupos para llevar a cabo esas prácticas”.
105
111
Críticas em relação à (falta de) didática na formação universitária, ao currículo ou às assimetrias entre conhecimentos
na universidade. Ver a elaboração de Kleiman (2013) sobre essa questão.
107
112
Nas consultas que realizamos com equipes de comunicação social, uma primeira etapa para a criação de um
documental é justamente uma pesquisa sobre o tema, para a qual a tese contribuirá.
108
que seria relevante como fruto da pesquisa para ambas as partes, tal como os riscos para a
comunidade com a divulgação de informações concedidas em campo. A terceira forma de
interação, ensaiada nesse momento pela pesquisadora em um trabalho com populações
carcerárias, é o que ela chama autonomias consentidas ou mutuamente reclamadas nas
respectivas práticas do conhecer. Nessa postura, a autora propõe uma quebra de assimetrias a
fim de construir um diálogo de parceria com os grupos e um princípio de que haverá ganhos
para todas as partes. Essa forma de fazer pesquisa requer negociações no mesmo nível entre
os participantes, além de pressupor que haja agendas paralelas em negociação, o que inclui
tempos e produtos diferenciados.
Ao final, a partir das reflexões acerca de sua experiência de trabalho – a mais
longo prazo com comunidades Mapuche e atualmente com população carcerária –, Briones
(2013) aponta algumas revisões e sugestões sobre como pensar a produção de conhecimento
colaborativa em contextos interculturais. Uma contribuição de sua proposição é uma
flexibilidade disciplinar, de forma que os pesquisadores possam construir experiências de
trabalho mais interdisciplinares, nas quais os conhecimentos de distintos campos se somam
para a compreensão da vida cotidiana. Outra contribuição é a recomendação do exercício de
construir agendas de pesquisa em conjunto; agendas que podem ser divergentes, mas que
fomentem a reflexão conjunta sobre a produção acadêmica. Por fim, a contribuição que mais
nutre esta pesquisa é sua orientação de reconhecer os dispositivos epistemicidas da
antropologia (e, poderíamos dizer das ciências sociais), a saber: a hegemonia hermenêutica –
expressa na supremacia da voz do pesquisador sobre os sujeitos – e a hegemonia
comunicativa – expressa na inflexão dos métodos de geração e registro de dados.
A nosso ver, as categorias de hegemonias hermenêutica e comunicativa podem ser
conceitos que nos ajudam a caracterizar com mais detalhe as relações de poder existentes nas
interações entre pesquisador e outros participantes da pesquisa a que fazem referência
Cameron et al. (1992). Assim, construir uma pesquisa empoderadora requer observar de que
ponto de vista falamos como pesquisadores, em especial, na tessitura das publicações finais,
nas quais nossa postura pode reproduzir ou transformar a supremacia da voz do pesquisador
sobre os sujeitos (hegemonia hermenêutica). Também no processo da pesquisa, a seleção dos
métodos de geração e registro de dados (hegemonia comunicativa) pode implicar mudanças
nessas hegemonias. Outra alternativa, que vemos como viável, para romper essas hegemonias
é produzir uma pesquisa que se proponha a ecoar as diferentes vozes dos participantes o mais
próximo possível de seus próprios pontos de vista.
109
113
O instrumento “diários de letramento” – ou Literacy Diary Notes, baseado em “Multilingua literacies: reading and
writing diferente worlds”, de Jones, Martin-Jones e Bhatt (2000) – possibilitaria mapear em maior detalhe as atividades de
escrita e leitura no cotidiano dos estudantes.
114
Até 2012, apenas uma estudante indígena havia concluído o curso (de Enfermagem). Em seu TCC, analisou a
presença da temática “saúde da mulher indígena” na produção científica da Enfermagem no Brasil.
111
A organização das três subseções que seguem responde às perguntas: Onde? Com
quem? Como?, em relação ao trabalho de campo realizado.
115
O nome das instituições foi omitido para preservar a anonimato da instituição, e porque não interfere nos resultados.
Muitos pontos apontados nas instituições que abordamos tendem a ser similares a outras instituições públicas de ambos os
países.
112
Universidade Pública • Política afirmativa: reserva de vagas para estudantes de escola pública
Gaúcha e negros e vagas suplementares para estudantes indígenas
Universidade federal • Público alvo: estudantes de escolas públicas, negros e indígenas.
localizada na região sul • Número de estudantes: aproximadamente 30 mil (matriculados na
brasileira. graduação)
Universidade Pública • Política afirmativa: vagas adicionais para estudantes negros e para
Paisa estudantes indígenas
Universidade estadual • Público alvo: estudantes afro-colombianos e indígenas.
localizada na parte • Número de estudantes: aproximadamente 34 mil (matriculados na
andina colombiana. graduação)
118
Essa professora, uma das pesquisadoras fundadoras do grupo Diverser, também orientou o estágio de doutoramento
que realizamos durante o desenvolvimento desta pesquisa.
119
O Programa Martin Luther King oferece bolsas de estudo para cursos de inglês e liderança para jovens negros e
indígenas no Centro Cultural Colombo-Americano. Além da formação em inglês, o curso possui um componente de
formação em liderança e responsabilidade comunitária, que se realiza com a elaboração de pequenos projetos de ação
social pelos participantes. Ao final, os estudantes viajam aos Estados Unidos para apresentar seus projetos. Mais
informações ver: http://www.colomboworld.com/index.php/component/content/article/26-noticias-slide-home/390-
convocatoria-mlk-fellowship-program-2014 Acessado em 18.maio.2015.
116
Entonces parte de la lucha es por la manera en la que se formula el problema: los términos del debate y la “lógica” que
conlleva. (Stuart Hall, 2010)
Nesta segunda parte da tese, nosso objetivo é apresentar a análise dos dados por
nós gerados, entre 2012 e 2014. Como vimos explicando, o pano de fundo desta pesquisa –
ações afirmativas na universidade – é polêmico, e os termos nos quais são formuladas as
perguntas sobre o tema costumam seguir uma lógica de déficit (ou de incapacidade dos
ingressantes). Assim, a partir da perspectiva sociocultural e descolonial de letramento, nos
propomos a reformular a lógica do debate sobre a escrita acadêmica e os programas de
inclusão universitária, com o propósito tanto de deslocar o foco deficitário quanto de voltar a
atenção para o modo como os estudantes interpelam, a partir de sua produção do TCC, os
modelos de ação afirmativa em suas universidades.
Na seara da discussão intercultural, Hall (2010) tece uma reflexão sobre a questão
racial na Inglaterra, mostrando as tensões que envolvem os termos desse debate. Segundo o
autor, quando a questão racial é ancorada em um debate sobre os números da desigualdade, é
difícil inserir novos argumentos; logo, os contra-argumentos entram em um jogo de afirmar,
modificar ou negar os dados do primeiro argumento, mas não alteram o cerne do debate. O
tema segue sendo tratado como uma questão de números. Nas palavras do autor, o difícil é
justamente transformar os termos nos quais o argumento é formulado:
122
Original: “Los argumentos contrarios son fáciles de montar. Cambiar los términos de un argumento es sumamente
difícil, ya que la definición dominante del problema adquiere, a través de la repetición, y a través del peso y la credibilidad
de quienes la proponen o subscriben, la garantía del “sentido común”.
121
123
Documento disponível em: http://www.unfpa.org.br/novo/index.php/biblioteca/publicacoes/onu/410-declaracao-de-
durban. Acessado em 21.mar.15.
124
No Brasil, a criação da Secretaria Especial de Promoção de Políticas para a Igualdade Racial fortaleceu a criação de
ações e programas específicos que transversalizavam os diferentes Ministérios, tais como o programa como o “Brasil
Quilombola” (SEPPIR e MDA) e a oferta de bolsas de iniciação científica para estudantes cotistas (SEPPIR e CNPq). Na
Colômbia, a criação de órgãos orientados para as políticas específicas ficou a cargo dos governos departamentais (nível
estadual); no caso de Antioquia, por exemplo, há na estrutura do governo a “Gerencia Indígena” e a “Gerência de
Negritudes”.
125
Como a Convenção de Direitos Humanos e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de
1989. Esta última é um instrumento jurídico que vem garantindo os direitos de povos indígenas e comunidades étnicas no
mundo. Mais informações disponíveis em: http://www.socioambiental.org/inst/esp/consulta_previa/?q=convencao-169-
da-oit-no-brasil/a-convencao-169-da-oit
125
grande maioria dos afrodescendentes estar excluída127 das recentes reformas que asseguraram
direitos coletivos, somente o Brasil e a Colômbia estão tentando elaborar outros meios legais
para combater o racismo, como a legislação relativa aos direitos civis” (p. 90). Esse
argumento é recuperado na pesquisa de doutorado de Rodrigues (2012), que comparou as
políticas territoriais para populações negras realizadas pelos dois países. Segundo os dados da
autora, a proximidade entre as políticas públicas reflete tanto um diálogo entre os movimentos
negro brasileiro e afro-colombiano, quanto a semelhança no cenário das desigualdades étnico-
raciais que vivenciam as populações negras e indígenas de ambos os países.
127
Contudo, segundo a autora, na América Latina a grande maioria das políticas para populações étnicas está orientada
para populações indígenas, pouco contemplando as populações negras de seus países. Frente a esse panorama, Hooker
pergunta “por que as elites nacionais e a opinião pública foram mais sensíveis às reivindicações dos grupos indígenas” (p.
93), apontando que esta pode ter sido uma estratégia do Estado de distanciar-se de um ponto central das reivindicações
interculturais: a discriminação racial.
128
Original: “India fue la primera democracia en el mundo que trató de combatir desigualdades sociales a través de
políticas preferenciales (Kennedy-Dubourdieu, 2006, p. 8). Dos años después de ganar su independencia del imperio
británico, fueron incorporadas acciones afirmativas (reservations) en la Constitución de 1949. En este momento
fundacional entraron en conflicto dos grandes paradigmas de igualdad: uno que seguía la tradición liberal occidental,
fundado en la presunción de igualdad formal (“todos son iguales ante la ley”) y que defendía Mahatma Gandhi; y un
paradigma de inclusión real fundado en la idea de igualdad material (personas en condiciones similares deben ser tratadas
por igual y en consecuencia, la ley no debe aplicarse necesariamente de manera idéntica a cada persona). Su defensor más
notorio fue el jurista Bhimrao Ramji Ambedkar, uno de los primeros miembros de la casta de los intocables que logró
acceder a la educación universitaria, fue redactor de la Constitución de India y fue el responsable de la inclusión de
derechos preferenciales para las castas marginadas.” (p. 45)
126
129
Entre as exceções, é importante destacar o trabalho de Carvalho (2004), que já apontava o protagonismo do jurista no
tema das ações afirmativas.
130
Original: “A diferencia de la experiencia de la India, las acciones afirmativas estadounidenses no fueron concebidas
originalmente como políticas distributivas o mecanismos de transformación social para superar desigualdades
estructurales, sino como medidas reparativas o compensatorias ante las injusticias y disparidades heredadas del régimen
segregacionista, y como paliativos ante la discriminación de facto y la multiplicación de conflictos raciales y violencia
interna, sin abandonar del todo el paradigma liberal de la igualdad formal y la confianza en las dinámicas del mercado.”
127
131
Original: “[La premisa subyacente, compartida por ambos autores, es que] una comprensión suficiente de la justicia
debe englobar, por lo menos, dos conjuntos de cuestiones: las que se proyectan en la época fordista como luchas por la
distribución y las que a menudo se proyectan hoy día como luchas por el reconocimiento”.
128
132
Na publicação dos dados do Índice de Analfabetismo Funcional, “INAF Brasil 2011: principais resultados” (Ação
Educativa; Instituto Paulo Montenegro, 2013), há indicadores que mostram uma pequena diminuição da desigualdade em
termos de raça/cor na educação na última década, período no qual um conjunto de políticas diferenciadas foi realizado.
129
133
Mais informações em: http://bi.mineducacion.gov.co:8380/eportal/web/men-observatorio-laboral/ubicacion-
geografica
130
Esse amplo debate pode ser muito saudável para a sociedade; contudo, sua
polarização cria uma sensação de que a discussão não avança em direção a algum resultado,
tonando-se pouco propositivo. No caso brasileiro, houve um processo gradual de incorporação
de políticas afirmativas com enfoque étnico-racial em diferentes setores após a Conferência
de Durban. Como exemplos, cito ações nos campos da propriedade territorial (titulação das
terras quilombolas), da saúde (plano de saúde para a população negra), da política (a criação
da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR), da mídia e do
trabalho (reserva de vagas para os grupos étnico-raciais com pouca representação nesses
espaços) e da educação (a Lei de inserção da história e cultura africana, afro-brasileira e
indígena no currículo escolar da Educação Básica e a reserva de vagas nas Universidades
públicas).
A reserva de vagas para estudantes negros e indígenas na Universidade foi a
política afirmativa que gerou mais polêmica, com posicionamentos acirrados e polarizados
registrados em inúmeras publicações. Entre os posicionamentos favoráveis à política, houve
publicações que reiteravam a pertinência do critério racial para diminuição das desigualdades
sociais. Elaborados por autores que eram, ao mesmo tempo, pesquisadores do tema, ativistas
sociais e fazedores da política, revelam o olhar daqueles que apoiaram as políticas
afirmativas. Entre elas, estão a coletânea de artigos intitulada “Educação e ações afirmativas:
entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica” (2003), organizada pelo sociólogo Valter
Silvério e a educadora Petronilha Gonçalves e Silva, da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), e o livro “Inclusão Étnica e Racial no Brasil. A questão das cotas no ensino
superior” (2004), do antropólogo José Jorge de Carvalho, da Universidade de Brasília (UnB).
Nessas obras, os autores buscaram denunciar a exclusão de negros e indígenas tanto do corpo
discente quanto docente em universidades públicas, bem como mostrar o impacto do racismo
nas práticas de produção de conhecimento, tomando a política para negros e indígenas como
um mecanismo pertinente para diminuir a desigualdade racial na própria academia.
131
134
Publicada em 2005 (volume 11, número 23).
132
“Todos têm direitos iguais na República Democrática”, de 30 de maio de 2006, com 115
assinaturas;
“Manifesto a favor das cotas e do estatuto da igualdade racial”, de 03 de julho de 2006,
com 390 assinaturas.
135
Em um primeiro momento, em 2005, emergiu como um Grupo de Trabalho articulado em uma Semana Acadêmica
das Ciências Sociais, que mobilizou estudantes de diferentes cursos de graduação. Em 2006, tornou-se um Projeto de
Extensão, orientado pelo Prof. Dr. José Carlos dos Anjos, do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
136
Uma versão dos Manifestos está disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u18773.shtml.
Acessado em 09 out. 2012.
135
Moreira e Pereira (2011), que coteja os argumentos sobre raça, estado e democracia no debate
que se dá na academia brasileira sobre as ações afirmativas, exemplifica essa complexidade.
Os autores apontam um conjunto de argumentos tanto no campo favorável à política, quanto
no campo contrário, e conseguem mostrar que há grandes matizes nesses posicionamentos de
defesa ou rechaço às políticas. No grupo dos argumentos contrários, os autores destacam sete
justificativas diferenciadas entre si, as quais são: 1. o argumento biológico, justificando a
inexistência das raças; 2. o histórico-biológico, com a noção do Brasil mestiço; 3. a
incompatibilidade com a ordem democrático-liberal das cotas (por tratar de modo diferente os
desiguais); 4. a inexistência do racismo no Brasil ou o fato de ele não ser estruturante das
desigualdades; 5. a importação de teorias e instituições estranhas à realidade brasileira, pois
as cotas teriam sido importadas dos EUA; 6. o racismo existe, mas existem outros meios de
solucioná-lo; 7. os efeitos produzidos pelas cotas são piores do que seus possíveis benefícios.
Já no grupo dos argumentos favoráveis, Moreira e Pereira (idem) identificam quatro
argumentos principais: 1. a legalidade e adequação das ações afirmativas ao ordenamento
jurídico brasileiro; 2. a eficácia da medida contra a persistência dos preconceitos e das
discriminações raciais; 3. a demanda reparatória ao Estado brasileiro pelos afrodescendentes
(e acrescentaríamos pelos povos indígenas); 4. A ação pedagógica contra o racismo que pode
decorrer dessas políticas.
Além disso, não só a questão racial esteve em jogo. Por isso, também queremos
trazer a voz de acadêmicos que trouxeram outros olhares para esse debate. Oliven (2007)
ilustra isso a partir de sua experiência profissional:
137
É muito comum que nós, de classe popular, escutemos desde pequeno, na família e na escola, que “a universidade
pública não é para pobres e negros”. Esse discurso repetido por anos cria uma realidade para os jovens dessas classes: de
que a universidade (em especial, a pública) não é para todos. A discussão do sociólogo Jailson Silva (2003) – criador do
Programa Conexões de Saberes – tematiza essas experiências.
138
Há um amplo leque de políticas afirmativas focadas nas minorias: Vagas na política, previdência social em saúde,
etnoeducação – escolas Bilíngues e Interculturais com professores da comunidade e a Cátedra de Estudos Afro-
colombianos, titulação coletiva de terras.
139
Original: “De los cuatro países considerados en la investigación, comparativamente éste cuenta con el marco
constitucional y jurídico más abierto al reconocimiento de la igualdad material o efectiva como indisociable de la igualdad
formal, además de otorgar reconocimiento expreso a los derechos sociales y colectivos en la Constitución de 1991. En el
artículo 13 de esta carta, uno de los más conocidos, se señala: “El Estado promoverá las condiciones para que la igualdad
sea real y efectiva y adoptará medidas a favor de grupos discriminados o marginados”
137
Seu principal desafio é que a lei do papel se cumpra na prática. No caso da reserva
de vagas nas universidades colombianas, não encontramos registro da discussão sobre o tema
em revistas acadêmicas, jornais ou programas (de rádio ou TV). Inclusive os documentos de
Universidades são muito sintéticos na proposição da política, sem detalhar muito os
antecedentes nem os objetivos. Além disso, embora haja um grande número de políticas
afirmativas, o conceito ainda é difuso. A obra do jurista colombiano Durango (2011), por
exemplo, discute justamente os impactos da fluidez dos diferentes termos para as políticas
afirmativas. O autor, após mostrar as variadas e indistintas formas de usar os termos – ‘ações
positivas’, ‘ações afirmativas’, ‘discriminação positiva’, ‘discriminação inversa’,
‘diferenciação positiva’ – opta pelo termo “discriminação positiva”. A indistinção do termo e
falta de debate público sobre o tema nos leva a pensar que há uma invisibilidade em relação às
políticas afirmativas, tanto no contexto acadêmico, quanto na opinião pública.
Entre os discursos favoráveis às políticas de flexibilização do ingresso nas
universidades colombianas, Soler e Pardo (2008) também destacam a responsabilidade da
academia na reprodução de discursos racistas. Nesse sentido, o ingresso dos estudantes
poderia interromper a reprodução de antigos discursos racistas ao mesmo tempo em que
legitimaria novos discursos com outros pontos de vista mais respeitosos. Nas palavras das
autoras, caberia à Universidade:
aponta que na Colômbia não houve grande controvérsia na implementação das ações
afirmativas, já que as universidades desse país já contavam com medidas em menor escala e
mais simbólicas. Essas medidas – baseadas nos imaginários raciais regionalizados –
enfocavam mais uma região do país (litoral pacífico, em especial) do que a população afro-
colombiana como um todo. Por isso, conforme argumenta o autor, a convergência da
Colômbia com o Brasil não irá além de realizar ações simbólicas, sem chegar a estabelecer
ações mais controversas como o fez Brasil com as cotas étnico-raciais. Pelos exemplos
analisados, e as discussões de Hooker (2006) e Wade (2009), consideramos que a controvérsia
está relacionada ao grau de explicitude que as políticas afirmativas dão ao racismo, que é
parte da agenda de reconhecimento identitário (FRASER; HONNETH, 2006).
140
Nos últimos anos, muitas universidades inclusive vêm alterando o desenho do exame vestibular e/ou associando ao
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), como forma de flexibilizar o acesso.
139
Em outras palavras, cria-se uma ilusão de que a longa formação escolar dos
sujeitos não está relacionada com os recursos familiares para seu desenvolvimento; o que é
desconstruído com trabalhos como os de Queiroz (2001) e Henriques (2002). Elementos como
a família (o berço) e a cor seguem atuando nas hierarquias sociais. Logo, a tão defendida
meritocracia não estaria garantida com os vestibulares por si só. Como também argumenta
Marenco (idem),
141
Grupo coordenado pelo prof. Dr. Feres Jr.
142
instituições com políticas com recorte étnico-racial, 80% delas optaram por autodeclaração
étnica como procedimento de ingresso. Segundo os autores, a opção das universidades pela
autodeclaração se justifica já que os casos de fraude aparecem com um percentual residual.
Em termos de distribuição regional dos programas, os autores indicam que há
discrepâncias, de acordo à região do país, no número de universidades que oferecem algum
programa de ação afirmativa. Podemos apontar que os programas são oferecidos de maneira
geral em todas as regiões; contudo, a região Centro-Oeste tem o indicador mais alto de oferta
desses programas – 100% das universidades públicas dessa região oferecem programas,
enquanto a região Norte é a que menos os oferece, com apenas 36%. Esse dado é
complementado com informação sobre os beneficiários: as políticas com recorte étnico-racial
são distribuídas em 04 (quatro) categorias: “negro”, “indígena”, “quilombola” e “licenciatura
indígena”142. Ao observar o público beneficiário por regiões, vemos que a região Sudeste
possui 24 (vinte e quatro) programas de ação afirmativa com recorte étnico-racial, seguida
pela região Nordeste, com 22 (vinte e dois); a região Sul, com 18 (dezoito); a região Centro-
com Oeste 13 (treze); e a região Norte, com 8 (oito) programas étnico-raciais. A única região
que possuía programa para quilombolas foi a Nordeste.
A análise mais inovadora do trabalho de Daflon, Feres e Campos (2013) é a
construção de um índice de inclusão racial, elaborado a partir dos dados examinados. Esse
índice correlaciona o perfil das políticas por região e a composição étnico-racial de sua
população, resultante da razão entre o percentual de políticas afirmativas com recorte racial e
o percentual da população por raça/cor da região: o resultado mais próximo de 1 indicaria
uma boa inclusão étnico-racial. Conforme mostram os dados estatísticos, na Tabela 8, foi
considerada apenas a proporção de pretos e pardos (não a de indígenas):
Tabela 8- Índice de inclusão racial143
Fonte: Daflon; Feres Jr; Campos (2013) e dados do INEP (BRASIL, 2013).
142
A categoria “indígena” se refere a reserva de vagas para estudantes indígenas nos cursos de graduação estabelecidos e
a categoria “Licenciatura indígena” se refere aos novos cursos de licenciaturas interculturais indígenas.
143
Cociente entre a proporção de vagas ofertadas por cota racial e a proporção de pretos e pardos na população, segundo a
região.
143
Segundo os autores, o maior índice de inclusão racial está na região sul do país. A
nosso ver, esse alto índice se deve ao fato de que, apesar de haver um percentual menor de
populações negras e indígenas na região, todas as universidades estaduais paranaenses
adotaram políticas afirmativas (o que amplia consideravelmente o número de instituições
públicas com essas políticas). O menor índice estaria nas regiões Norte e Sudeste. No
Sudeste144, em especial, há uma forte resistência ainda hoje frente às políticas afirmativas
étnico-raciais, embora haja um grande número de população negra e uma significativa
presença indígena na região.
Para conhecer os programas de ação afirmativa da Colômbia, utilizamos a
pesquisa de León e Holguín (2005), que descreve em detalhe os programas de ação afirmativa
em 12 (doze) universidades colombianas. Com base em seus dados, apresentamos uma
síntese, na Tabela 9, focando apenas os programas das instituições públicas.
144
As universidades estaduais paulistas – a Unicamp, a USP e a Unesp – adotaram o sistema de bonificação (pelo critério
socioeconômico e, dentro deste, o critério étnico).
144
145
Na Colômbia, o termo “desplazados forzadamente” faz menção a pessoas que foram deslocadas de seus territórios de
maneira forçada por serem vítimas do conflito armado. Também se fala de “desterrado”.
146
Na Colômbia, o termo “reinsertados” é usado para identificar as pessoas que abandonaram os grupos armados ilegais
(guerrilheiros ou paramilitares).
145
147
“Pilo” significa no espanhol colombiano ser esperto ou inteligente, o que poderíamos entender como uma chamada
aos estudantes para o fato de que ser esperto pode pagar sua matrícula na universidade (com uma bolsa). Mais
informações sobre o programa disponíveis em: http://www.colombiaaprende.edu.co/html/micrositios/1752/w3-article-
348560.html. Acessado em 25.março.2015.
148
Um exemplo seria a Licenciatura em Pedagogia da Mãe Terra, criada a partir de uma parceria entre a Organização
Indígena de Antioqua e a Faculdade de Educação da UdeA. Para mais informações ver:
http://www.faceducacion.org/madretierra/
149
Original: “[Ninguna de las universidades reseñadas en este capítulo cuenta con una política universitaria de acción
afirmativa,] entendida como una serie de medidas complementarias cuyo fin es disminuir las brechas que existen entre
diferentes grupos en la sociedad y que se han mantenido históricamente. [Sólo la Universidad Nacional de Colombia
cuenta con un programa de admisión especial que se acerca a una política universitaria de acción afirmativa; sin embargo,
dadas sus carencias, no se puede catalogar como tal.] En las demás universidades encontramos sobre todo medidas
especiales de admisión.”.
146
150
Nas instituições colombianas, seria o setor de bem-estar universitário.
147
151
Original: “la conquista y colonización, con masacres, despojos de territorio, desplazamientos y reorganización social y
territorial de los pobladores originales de esta parte del mundo, así como con la importación masiva de contingentes de
personas africanas esclavizadas”.
148
diferenças culturais, não dá conta das desigualdades sociais que as populações discriminadas
vivenciam em seus cotidianos. Como discutimos no primeiro capítulo, essa postura é muito
próxima do modelo multicultural definido por Walsh (2009), constituído por políticas que
visam promover a tolerância sem alterar as causas da assimetria cultural e social vigentes.
Na próxima seção, passamos a analisar com maior detalhe as medidas de ingresso
especial das universidades em questão nesta pesquisa.
152
No caso da Universidade Pública Paisa, o Acordo 236/2002; e no caso da Universidade Pública Gaúcha, a Decisão
134/2007 e, após a avaliação, a Decisão 268/2012.
151
Esse conjunto de ações desenvolvidas pelo GTAA tinha como fim contribuir para
a elaboração de uma proposta de ação afirmativa relevante para a Universidade. Com base
nesses debates, o coletivo construiu uma proposta inicial, que foi apresentada à Comissão
Especial Ações Afirmativas da Universidade, constituída por membros dos Conselhos
Superiores, no final de 2006. Durante o primeiro semestre de 2007, houve uma série de
debates nos Conselhos Superiores para análise da proposta; e concomitantemente, o coletivo
do GTAA continuou realizando visitas aos diretores de cada unidade (que seriam os votantes
da proposta no Conselho Superior) e desenvolvendo atividades políticas em torno ao tema
(Foto 1). A proposta construída a partir dessa discussão foi finalizada na reunião do Conselho
153
anualmente para atender aos estudantes indígenas especificamente. Para essas vagas, realiza-
se um processo seletivo diferenciado para os inscritos. Para candidatos egressos do Sistema
Público de Ensino Fundamental e Médio, a medida consiste na reserva de um percentual de
30% do total de vagas dos cursos, das quais a metade é para os candidatos autodeclarados
negros (15%).
Para a identificação étnico-racial dos estudantes negros154 e indígenas é requerida
uma documentação diferenciada. Para os estudantes negros, exige-se a autodeclaração
registrada na inscrição para o Vestibular e assinada no momento da matrícula nas Comissões
de Graduação (COMGRAD) dos cursos – órgão institucional indicado na Decisão para um
acompanhamento mais próximo aos estudantes. As Comissões de Graduação (COMGRAD) –
órgão responsável por receber a documentação e realizar as matrículas – possuem os dados
sobre o percurso acadêmico dos estudantes, o que lhes permite conhecer suas trajetórias nos
cursos. Para os estudantes indígenas, a identificação é atribuída por um certificado assinado
por lideranças da comunidade indígena do estudante ou da Fundação Nacional do Índio
(FUNAI). O reconhecimento étnico-racial dos estudantes, sejam negros ou indígenas, é causa
de questionamentos ainda hoje. Não aprofundarei este tema por estar fora do escopo da tese,
mas é importante ressaltar que, para esta pesquisa, os estudantes também autorreconheceram
seus pertencimentos étnico-raciais.
Avançando na Decisão 134/2007, seu segundo artigo indica os objetivos
assumidos para o Programa:
Art. 2º - Este Programa de Ações Afirmativas, através de Ingresso por Reserva de Vagas, tem por
objetivos:
I - estimular a qualificação, aperfeiçoamento e valorização do Ensino Público Fundamental e Médio
através de políticas de estímulo ao acesso ao Ensino Superior Público de excelência de egressos desse
sistema de ensino;
II - ampliar o acesso em todos os cursos de graduação para candidatos egressos do Sistema Público de
Ensino Fundamental e Médio e para candidatos autodeclarados negros egressos do Sistema Público de
Ensino Fundamental e Médio, mediante habilitação no Concurso Vestibular;
III - promover a diversidade étnico-racial e social no ambiente universitário;
IV - apoiar estudantes, docentes e técnico-administrativos para que promovam, nos diferentes âmbitos
da vida universitária, a educação das relações étnico-raciais;
154
Uma reflexão mais aprofundada sobre este tema pode ser lida na tese “Linguagem e Identificação: uma contribuição
para o debate sobre ações afirmativas para negros no Brasil”, de Kassandra Muniz (2009). A autora discute como
funciona a "essencialização" da identidade negra, que foi (e ainda é) uma estratégia linguística e política utilizada pela
população negra brasileira para adquirir os direitos que lhes foram negligenciados historicamente.
154
V - desenvolver ações visando a apoiar a permanência, na Universidade, dos alunos referidos no Art.
1º, mediante condições de manutenção e de orientação para o adequado desenvolvimento e
aprimoramento acadêmico-pedagógico. (Decisão 134/2007, grifos nossos)
Art. 11 - Caberá ao Reitor nomear Comissão de Acompanhamento dos Alunos do Programa de Ações
Afirmativas, ouvidos o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - CEPE e o Conselho Universitário -
CONSUN, que terá como atribuição propor medidas a serem implementadas, a partir do primeiro
semestre de 2008, no sentido de apoiar e dar assistência a esses alunos.
Parágrafo único - A COMGRAD (Comissão de Graduação) de cada curso deverá acompanhar os
alunos do Programa de Ações Afirmativas, propondo medidas à Comissão de Acompanhamento.
Art. 12. - No ano de 2008, serão disponibilizadas 10 vagas para estudantes indígenas cuja forma de
distribuição será definida pelo CEPE, ouvidas as comunidades indígenas e a COMGRAD dos cursos
demandados. A partir do ano de 2009 este número de vagas poderá ser alterado.
§2º - As vagas para indígenas serão criadas, anualmente, especificamente para este fim. Aquelas que
não forem ocupadas serão extintas.
§1º - Institui-se a Comissão de Acesso e Permanência do Estudante Indígena, que terá sob sua
responsabilidade os processos seletivos dos estudantes indígenas, bem como o seu acompanhamento e
inserção no ambiente acadêmico. (Decisão 134/2007, grifos nossos)
Nesse primeiro modelo de comissões, havia uma divisão entre a atenção que se prestaria aos
estudantes de escola pública (negros e não-negros) e o acompanhamento aos estudantes
indígenas. A primeira, a Comissão de Acompanhamento dos Alunos do Programa de Ações
Afirmativas, tinha a cargo o fomento de ações enfocadas nos estudantes ingressos pela reserva
de vagas. A segunda, a Comissão de Acesso e Permanência do Estudante Indígena, tinha a
cargo duas responsabilidades: a permanência e o acesso, com a realização de um processo
seletivo especial para os estudantes indígenas. Até o ano de 2012, o acompanhamento dos
estudantes esteve a cargo dessas duas Comissões. Contudo, essa estrutura se mostrou precária
para pôr a funcionar um Programa de tal dimensão: em cinco anos, a Universidade contava
com 1.445 estudantes egressos de escola pública autodeclarados negros e com cerca de 50
estudantes indígenas.
Na Tabela 10, a seguir, apresentamos dados sobre as vagas ofertadas no vestibular
e o número de vagas que foram ocupadas no período de 2008 a 2012. Esclarecemos que as
vagas destinadas para a reserva, quando não são ocupadas em sua totalidade, são remanejadas
para os outros tipos de acesso e, no caso de ainda sobrarem vagas, retornam para os inscritos
por acesso universal, o que explica os números de ocupação superiores em alguns anos para o
ingresso universal e para estudantes autodeclarados negros (Ep). Conforme os dados da
Tabela 10, por exemplo, no ano de 2008, havia 667 vagas destinadas para estudantes de
escolas públicas autodeclarados negros (Epn), mas ingressou um número menor, 295; com
isso, as 372 vagas restantes foram realocadas para os estudantes de escolas públicas (Ep), que
ocuparam 1.020 vagas no total.
MODALI- TOTAL
2008 2009 2010 2011 2012
DADE DE ocupação
INGRESSO Oferta Ocupação Oferta Ocupação Oferta Ocupação Oferta Ocupação Oferta Ocupação N %
Universal 2.978 2.997 3.148 3.170 3.419 3.417 3.460 3.489 3.650 3.715 16.788 69,86
Ep* 667 1.020 704 1.151 771 1.246 779 1.239 820 1.141 5.797 24,12
Epn** 667 295 704 231 771 247 779 265 820 407 1.445 6,01
Indígena 10 9 10 9 10 10 10 10 10 10 48 96
Fonte: Relatório de avaliação do período 2008-2012. *Ep – Egresso de escola pública. **Epn – Egresso de escola pública
autodeclarado negro.
155
É importante ressaltar que, pelo cálculo dos pontos de corte no exame vestibular, estudantes autodeclarados negros
podem ingressar tanto pela modalidade de ingresso de escola pública quanto de escola pública para negros.
158
Com a Decisão Nº 268/2012 que regulamenta o Programa de Ações Afirmativas da UPG, aprovada
pelo Conselho Universitário em agosto de 2012, criou-se a Coordenadoria de Acompanhamento do
Programa de Ações Afirmativas, ligada à Pró-Reitoria de Coordenação Acadêmica, com estrutura
própria e as seguintes atribuições:
I - realizar o acompanhamento dos estudantes ingressantes por este Programa, junto à Pró-Reitoria
da Graduação – PROGRAD – e às Comissões de Graduação – COMGRADs – de cada curso da
UPG, e buscar o atendimento de suas necessidades acadêmicas;
II - elaborar, ouvidas as Unidades Acadêmicas e as COMGRADs de cada curso, e encaminhar ao
Conselho Universitário relatório anual de avaliação do Programa;
158
Mais informações disponíveis em: http://www.cnpq.br/web/guest/pibic-nas-acoes-afirmativas
159
Com base no relatório de Avaliação, 07 (sete) ações de extensão foram vinculadas ao Programa de ações afirmativas:
Programa de Apoio à Graduação, Projeto de recuperação e estudos intensivos, Assistência Estudantil, Bolsas (de ensino,
pesquisa e extensão), Programa Conexões de saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades populares, PET-
Conexões de Saberes, Conversações Afirmativas.
159
ações foram distribuídas entre as três Pró-Reitorias e visaram aproximar-se dos estudantes a
partir das COMGRADs. Com base em entrevista informal160 realizada com equipe da
Coordenadoria, destacamos alguns elementos que ampliam a nossa visão das estratégias de
atuação deste órgão. A leitura da equipe em relação ao novo órgão é a de assumir esse espaço
como uma oportunidade para repensar as transformações que são necessárias dentro da
universidade para que acolha melhor os estudantes, já que, segundo a coordenadora da equipe,
a permanência estudantil é também uma responsabilidade institucional. Ela destaca que,
institucionalmente, se deveriam pensar as ações afirmativas em quatro etapas: ingresso,
acesso, permanência e conclusão do curso. Segundo a coordenadora, este é um órgão
transversal, ao destacar que está entre as Pró-Reitorias, a fim de promover e gerenciar ações
endereçadas à política afirmativa. Sua fortaleza está em concentrar-se em pesquisas sobre o
público-alvo da política, com o fim de propor políticas mais eficazes e acordes aos objetivos
do Programa.
Além disso, ao analisar os enunciados dos documentos de regulamentação do
Programa de Ações Afirmativa, vemos que os estudantes poucas vezes são topicalizados; e
quando o são, em geral, são objetos do tema de acompanhamento ou caracterizados como o
público-alvo da política. Há pouca descrição, mais detalhada, sobre os pressupostos e metas
da política, apesar do enfoque na avaliação ao final de determinado período.
160
Entrevista realizada em 20/05/2013.
161
Artículo 9. En cada programa se asignarán dos cupos adicionales para los aspirantes nuevos
provenientes de comunidades indígenas, y dos cupos adicionales para los aspirantes provenientes de
comunidades negras reconocidas por la Constitución Nacional [a Constituição Política de 1991].161
Com base em dados do Programa, desde seu início já ingressaram 2.359 alunos
pelas vagas complementares: 1.037 indígenas e 1.322 afrodescendentes, o que representa
cerca de 6 % do total de estudantes da universidade (aproximadamente 40.000 estudantes),
conforme pode ser observado na Tabela 11.
Afrodescendentes 101 98 117 105 111 64 140 101 122 114 124 125 1322
161
Tradução: “Artigo 9. Em cada curso de graduação serão oferecidas duas vagas adicionais para os candidatos novos
procedentes de comunidades indígenas, e duas vagas adicionais para os candidatos procedentes de comunidades negras
reconhecidas pela Constituição Nacional.”.
164
governo, gestão, controle social ou sistemas normativos próprios que as distinguem de outras comunidades, tenham ou
não títulos de propriedade, ou que não podem credenciá-los legalmente, ou que seus territórios foram dissolvidos,
divididos ou declarados vazios.”.
163
Tradução: “Definição de Afrodescendente. A Universidade, para efeitos desta regulamentação, entenderá por
"afrodescendentes" os membros das comunidades negras, como o estabeleceu a Lei 70 de 27 de agosto de 1993, em seu
artículo 2, número 5, assim: Comunidade Negra. É o conjunto de famílias de ascendência afro-colombiana que possuem
uma cultura própria, compartem uma história e têm suas próprias tradições e costumes dentro da relação campo-urbano,
que revelam e conservam consciência de identidade que as distinguem de outros grupos étnicos.”.
165
que não é elucidada, refere-se a como lidar com uma definição coletiva de pertencimento em
uma política de ingresso de caráter individualista como é na universidade.
A forma eleita pela universidade foi a cobrança de certificados de pertencimento
emitidos por organizações ou conselhos comunitários. Para que os estudantes possam se
candidatar a essas vagas adicionais destinadas para estudantes de comunidades indígenas e
afro-colombianas, precisam de documentos que certifiquem seu vínculo comunitário: o
chamado aval de organizações negras e indígenas.
Artículo 9. Parágrafo l. “El requisito para ser reconocido como aspirante indígena es el aval del
cabildo o su equivalente, o de una asociación de autoridades tradicionales indígenas”. (…)
“Para quien manifieste pertenecer a una comunidad negra, el representante legal de la respectiva
comunidad negra, reconocida por el Ministerio del Interior, certificará la descendencia Afro-
colombiana y su vinculación actual a la comunidad, de conformidad con la Ley 70/93 y el Decreto
1745/95”.164
Segundo o Acordo Acadêmico, o aval é o responsável por reconhecer o aspirante
indígena, assim como certificar a ascendência afro-colombiana dos candidatos. No caso
colombiano, as comunidades indígenas estão organizadas por “cabildos”, similar às “terras
indígenas” no Brasil; e as comunidades negras da região pacífica estão organizadas
coletivamente por meio dos Conselhos Comunitários, similar à organização quilombola no
Brasil.
Com base no mesmo Acordo Acadêmico, podemos fazer outras leituras sobre a
assinatura do aval. Quando as organizações assinam esse documento, a instituição pode
interpretá-lo não apenas como uma certificação, mas também um compromisso entre
estudante-organização. Um exemplo disso está no seguinte parágrafo:
Artículo 9. Parágrafo 1. Este beneficio será reconocido a los aspirantes que permanecieren
integrados a sus comunidades y acreditaren su participación en actividades de la comunidad o de la
asociación. Además, deberán establecer compromisos futuros de servicio con su comunidad o con la
asociación.165
O estabelecimento de compromissos futuros com as comunidades parece indicar
que o programa visa propiciar a manutenção de vínculo dos estudantes às suas comunidades
de origem. Esses compromissos assumidos pelos jovens são, em geral, projetos elaborados
pelos estudantes em parceria com as organizações que lhes fornecem a certificação étnica.
164
Tradução: “Artigo 9. Parágrafo l. “O requisito para ser reconhecido como candidato indígena é o aval do cabildo ou
seu equivalente, ou de uma associação de autoridades tradicionais indígenas. (…) Para quem manifeste pertencer a uma
comunidade negra, o representante legal da respectiva comunidade negra, reconhecida pelo Ministério do Interior,
certificará a descendência afro-colombiana e sua vinculação atual à comunidade, de conformidade com a Lei 70/93 e o
Decreto 1745/95”.
165
Tradução: “Artigo 9. Parágrafo 1. Este benefício será reconhecido aos candidatos que permanecerem integrados a
suas comunidades e participarem em atividades da comunidade ou da associação. Além disso, deverão estabelecer
compromissos futuros de serviço com sua comunidade ou com a associação.”.
166
167
Optamos por manter os dados em sua língua original no texto e inserir sua tradução em nota de rodapé e nas citações
do texto analítico. Tradução: “Aproximadamente desde 2006 aplicando as ações afirmativas que são duas vagas por
curso. Duas vagas para pessoas afros, homens ou mulheres. Como aplicaram esta ação afirmativa lá? Bom, as
organizações de base que dão o aval fazem uma apresentação e um acompanhamento do estudante, um projeto de
graduação, uma proposta que ajude às comunidades. E com este aval se apresentam e podem fazer o exame, entende? Até
aí diríamos, ah, se está cumprindo uma ação afirmativa. No ano, entre aspas, isso tem que ficar claro que estou fazendo
uma primeira recapitulação. No ano passado, com lutas, digamos, do movimento de base, e estivemos em muita discussão
com a Universidade, principalmente com DIVERSER, para que se obrigasse a abrir uma vaga docente, sabe?, porque lá
trabalha muito, mas o indígena, no afro não temos encontrado suficiente êxito. (...) O funcionário, quando sai a ação
afirmativa, temos encontrado que nós vamos e falamos com o Reitor, dizemos a ele o contexto que vimos: as pessoas
estão ingressando, estão evadindo os estudantes, né?, um a:lto índice de evasão, né?, não há acompanhamento, não há
acompanhamento? é um processo solto, quando na Universidade há um comitê de inclusão também fazemos a pergunta”.
168
série de ações que não estão registradas no Acordo Acadêmico, por ser de incumbência das
organizações políticas que fornecem o aval: “Bom, as organizações de base que dão o aval
fazem uma apresentação e um acompanhamento do estudante, um projeto de graduação, uma
proposta que ajude às comunidades [étnicas]”, ecoando a responsabilidade compartida entre
universidade-organizações implícita no documento. Além disso, Mercedes enfatiza que, se as
organizações realizassem o acompanhamento e o desenvolvimento do projeto de trabalho
comunitário, estariam realizando uma ação afirmativa (“até aí diríamos, ah, se está cumprindo
uma ação afirmativa”).
Em sua lembrança rápida sobre o tema “estou fazendo uma primeira
recapitulação”, nos ilustra uma série de ações que estão implícitas no “aval”, o documento
previsto no Acordo Acadêmico que permite que os estudantes participem da seleção especial.
Conforme Mercedes explica, na organização da qual participa, é realizada uma atividade
introdutória com os estudantes, apresentando-lhes o programa de ações afirmativas e
elaborando um projeto comunitário com eles; só depois desse processo é que fornecem o aval
aos interessados. Contudo, Mercedes afirma logo em seguida que isso não é suficiente, já que
os estudantes estão ingressando, mas também estão evadindo. Há um alto índice de evasão na
universidade; no entanto, segundo ela, não há uma política de permanência estudantil – “não
há acompanhamento, não há acompanhamento? é um processo solto”. Sua crítica desvela a
outra parte necessária do acompanhamento: a institucional.
No segmento a seguir, Raul também frisa a fragilidade do acompanhamento do
programa da universidade:
Excerto 2 - La inducción
hoy, digamos hoy los estudiantes afros entran a la universidad de Antioquia
por comunidades afros y hace creo que hace un semestre no se le hacían ni
inducción como afro-colombiano. O sea, una cosa es que hagan inducción
general, pero lo otro es que si uno entra por una organización afro es
importante que ese día en la inducción, esa organización afro vaya, les
cuente qué hace, en qué puede acompañar a los estudiantes168 (Raul,
psicólogo e ativista do movimento afrocolombiano, entrevista de 23 de
outubro de 2012)
168
Tradução: “hoje, digamos, hoje os estudantes afros entram na universidade UPP por comunidades afros e faz acho que
faz um semestre não faziam nem uma apresentação como afro-colombiano. Ou seja, uma coisa é que façam uma
apresentação geral, mas outra é que se a pessoa entra por uma organização afro é importante que nesse dia na
apresentação, essa organização afro vá, lhes conte o que faz, em que pode acompanhar os estudantes”.
169
169
Tradução: “Eu exemplifiquei essa ação afirmativa como uma geladeira. Uma geladeira é onde tu podes entrar e pegar
uma coisa mas não tens contato com mais nada. Quer dizer, tu entras na universidade e entras como muita gente que vem,
entra perdido, mas não sabes onde podes consultar com relação ao tema étnico, afro”.
170
Aos pesquisarmos quais foram as políticas praticadas nas duas universidades que
estavam orientadas para aspectos pedagógicos e de linguagem, não encontramos ações
estruturadas pelos órgãos de apoio à permanência, em parte porque estavam recém-criados.
Mas algumas ações já eram desenvolvidas por institutos e faculdades. Entre essas ações,
destacamos, na instituição brasileira, a oferta do Curso de Inglês e de Leitura e Escrita
acadêmicas para estudantes indígenas (DILLI, 2013; MORELO, 2014), discutidos no segundo
capítulo. Esses dois cursos foram solicitados pelos cotistas indígenas, e oferecidos por
estagiárias do curso de Letras – Inglês do Instituto de Letras. No caso colombiano, havia
tutorias acadêmicas oferecidas por alguns institutos, mas não pudemos conhecê-las em maior
detalhe170.
No caso brasileiro, consideramos que a centralidade das políticas na modalidade
de ingresso, mais do que na permanência, está relacionada à polêmica criada em torno das
cotas. Os posicionamentos acirrados, favoráveis ou contrários às cotas, geraram um debate
que buscava apenas provar se as cotas eram ou não o instrumento adequado no combate ao
racismo. Assim, como afirmamos em Sito (2014, p. 271), “parece que a dicotomia “cotas sim
ou não” invisibilizou questionamentos, estudos e políticas necessárias para a dimensão do
planejamento e da implementação da política”, restringindo seu escopo ao ingresso. Com a
entrada dos estudantes cotistas na universidade, as questões sobre a permanência passaram a
emergir da experiência real dos próprios estudantes.
Outro aspecto importante foi a criação de órgãos responsáveis pelo fomento de
ações para a permanência dos ingressantes e avaliação dos programas – a Coordenadoria de
Ações Afirmativas e o Programa Institucional para a Permanência com Equidade – pelas duas
instituições, o que parece ser um indicativo do amadurecimento dos programas. As equipes
desses órgãos passaram a expressar que o escopo da política não podia ser apenas o acesso, e
ampliaram seu alcance, abrangendo ações de permanência. Do nosso ponto de vista, uma
compreensão ampla das ações afirmativas abarcaria pelo menos cinco momentos – o pré-
acesso, o acesso, a permanência, a conclusão e a etapa após a graduação.
O cuidado com a permanência e o bem-estar do estudante precisará contemplar a
criação de espaços para o diálogo de saberes, como defendem Carvalho e Flórez (2014). No
entanto, como vimos em Paixão, Rossetto e Monçores (2012), as ações de permanência
invisibilizaram a questão cultural implicada nas políticas afirmativas. Essa postura de silêncio
das instituições educativas frente à diversidade está alinhada à perspectiva do déficit, que
170
Eram ações mais dispersas e pontuais na Universidade, sem vinculação com o Programa Institucional para a
Permanência com Equidade, o que dificultava entrar em contato com seus responsáveis.
175
busca construir uma “normalidade” entre os sujeitos, sempre acorde aos padrões estabelecidos
e à anulação das diferenças.
Essa contradição aponta para uma omissão frente às assimetrias na produção de
conhecimento que está presente nos cenários de ações afirmativas na educação superior. E,
em parte, isso se deve a lacunas na concepção dos próprios programas. Nesse sentido, a
análise de Maher (2007) sobre as políticas de educação indígena encontra consonância em
nosso contexto de pesquisa, pois, conforme argumenta a autora, o empoderamento de grupos
minoritários seria resultado “de três cursos de ação: (1) de sua politização; (2) do
estabelecimento de legislações a eles favoráveis; e (3) da educação do seu entorno para o
respeito à diferença” (MAHER, 2007, p. 257). A primeira ação é interna aos grupos e, nesta
pesquisa, pode ser vista na participação dos estudantes em grupos de movimentos sociais, em
especial em relação às ações afirmativas. A segunda ação também é atendida, pois há uma
atenção ao estabelecimento de legislações favoráveis às populações-alvo da política, embora
as políticas tenham apresentado um enfoque restrito às formas de acesso. Porém, a terceira
ação – a educação do entorno – ainda que enunciada em um dos documentos (a Decisão
134/2007) ficou fora do escopo das políticas interculturais estabelecidas pelas Reitorias.
Ainda assim, embora a visão do déficit vinculada à noção de mérito individual
seja dominante no espaço universitário, outras posturas vêm ganhando espaço nessa disputa.
Pesquisadores como Silva e Silvério (2003) defendem um caráter transformador de ações
afirmativas nas universidades. Em seu argumento, ressaltam o fato de que:
171
Original: “La Universidad nace sin una identidad étnica, nace más bien como un clon de la universidad occidental…
no se orienta desde su creación al conocimiento de la realidad donde está asentada, para proponer solución a sus
problemas… fue una Universidad que no fue pensada para la región ni para su gente [de mayoría afrochocoana].
También, a veces en la región, vamos a encontrar ese problema: de una descontextualización total de la Universidad en
sus carreras, en sus programas, en sus planes, en su extensión a la comunidad. (…) Entonces habíamos desconocido que
estábamos en un contexto donde compartíamos un territorio con otros grupos étnicos, y justamente se reproducía la
conceptualización que tenemos de los grupos minorizados a nivel nacional, nosotros invisibilizábamos también a los
grupos indígenas al interior de la Universidad.”
177
172
Ao caracterizar o aspecto epistêmico do projeto, os autores realizam uma observação frente ao diálogo de saberes que
consideramos importante nessa discussão: para eles, “lo importante es no tomar a priori esa posibilidad de equivalencia,
de paralelismo entre ambos tipos de saberes; ni tampoco partir de la suposición inversa, de que no hay posibilidad de
diálogo científico” (CARVALHO; FLÓREZ, 2014, p. 142). Destacamos essa observação porque nos parece que enfatiza
o carácter criativo que está implicado no diálogo de saberes.
178
O necessário é que, subordinado, embora, à prática “bancária”, o educando mantenha vivo em si o gosto da rebeldia que,
aguçando sua curiosidade e estimulando sua capacidade de arriscar-se, de aventurar-se, de certa forma o “imuniza” contra
o poder apassivador do “bancarismo”. Neste caso, é a força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a
repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera os efeitos negativos do falso
ensinar. Esta é uma das significativas vantagens dos seres humanos – a de se terem tornado capazes de ir mais além de seus
condicionantes. (Paulo Freire, 1996)
prevista se choca com as práticas institucionais universitárias, pouco afeitas a ações que
rompam com a tradição das práticas acadêmicas.
A terceira dimensão destacada pelos autores, incluindo aspectos do
desenvolvimento psicossocial, envolve a relação do estudante consigo mesmo e com outros
colegas, com a pluralidade dos sujeitos, ou mesmo com o espaço. Esse aspecto plural do
espaço universitário está presente nas narrações de muitos dos estudantes com quem
conversamos, quando descrevem a universidade como um espaço “cosmopolita”, dada à
diversidade de seu público.
Uma compreensão sobre o bem-estar universitário visto do ângulo da convivência
na diversidade nos auxilia a compreender melhor as experiências de jovens que são a primeira
geração universitária em suas famílias, que poderão estranhar ainda mais esse ambiente. As
trajetórias de universitários ingressantes por ações afirmativas trazem um elemento a mais
para esse debate: como os estudantes aprendem a viver em um espaço estrangeiro e muitas
vezes inclusive hostil por conta das múltiplas assimetrias, que vão desde as de expectativas
até as de conhecimentos?
A trajetória tem sido um tema presente nos estudos sobre letramento e cultura
escrita. Galvão et alii (2007), a partir da perspectiva da história cultural, por exemplo,
apresentam uma série de artigos que se propõem a mostrar como os modos de inserção não-
escolares, o manuscrito e a oralidade também têm constituído a cultura escrita no Brasil. Estes
estudos se preocupam pelos modos através dos quais os sujeitos que tradicionalmente foram
associados ao mundo da oralidade começaram a participar nas culturas do escrito nos séculos
XIX e XX, enfocando indivíduos, famílias e grupos sociais (o que chamam de escalas). Os
autores ainda chamam a atenção para os desafios metodológicos que se apresentam ao abordar
percursos individuais de participação na cultura escrita. Uma de suas preocupações é evitar o
risco de cair no anedótico ao analisar o percurso de trajetórias individuais; e, frente a isso,
destacam que:
Todos já estavam na fase de conclusão do curso, o que lhes permitiu refletir sobre
um passado próximo, de um ciclo que está por culminar, em especial, com a apresentação dos
TCC. Além da observação do próprio texto, a escolha do orientador foi narrada pelos
estudantes como um aspecto importante da construção do TCC, o que nos levou a mostrar
173
Os nomes dos participantes desta tese são fictícios, com o propósito de proteger suas identidades.
184
aspectos da orientação do trabalho final, que ilustraremos com os casos de Dorival e Joyce, a
partir das entrevistas com os estudantes e seus orientadores. Nessas trajetórias, marcadas pelo
estigma racial (GOFFMAN, 1988) e discursos do déficit, os estudantes demonstram
reconhecer que o encontro com docentes que acreditam no seu potencial e se dispõem a
trabalhar para que eles encontrem sua voz pode ampliar suas oportunidades de permanecer na
universidade.
Para a apresentação das trajetórias, abordamos inicialmente os dois casos da
região gaúcha, com Flávia e Dorival, e em seguida, os dois casos da região paisa, com Joyce e
Valentina.
Caso 1 – Flávia
Trajetória
Flávia nasceu em Porto Alegre, cidade onde cursou a graduação. Estudou toda sua
educação básica em escolas públicas. Chegou à universidade com um histórico de aluna
aplicada e dedicada. Atualmente, cursa os semestres finais do Bacharelado em Ciências
Sociais, na Universidade Pública Gaúcha.
Possui um irmão mais velho, que ingressou na aeronáutica. Sua mãe, vinda do
interior do estado, não completou o ensino fundamental e trabalhou como empregada
doméstica. Segundo Flávia, sua mãe veio de uma família com vários irmãos, na qual apenas
os homens puderam estudar. Foi somente quando os filhos já estavam grandes que sua mãe
retomou os estudos. Seu pai – que aparece na narrativa como uma referência para ela – fez o
ginásio (equivalente ao ensino fundamental completo) e é descrito como alguém que sempre
gostou de estudar. Tinha planos de ser militar, mas depois se tornou mecânico. Flávia contou
que ela e seu irmão motivaram os pais a voltar a estudar para melhorar sua inserção
profissional. Seus pais não chegaram a entrar na universidade, mas investiram muito no
estudo dos filhos para que o fizessem. Flávia assumiu esse compromisso, e destacou muitas
vezes a alegria de fazer parte da primeira geração a ingressar na universidade federal, um feito
de orgulho para sua família.
Ela entrou na primeira turma do programa de ações afirmativas em sua
universidade. Sua opção pelas Ciências Sociais surgiu após desistir do curso de Direito –
carreira que desejou por anos, mas abandonou depois de vivenciar um evento de
discriminação racial em seu primeiro emprego, justamente em um escritório de advocacia.
185
174
Esta avaliação, realizada por uma equipe de docentes, decidiria se o programa deveria ou não continuar. Isso
mobilizou novamente muitas organizações do movimento social local.
186
O TCC em análise
Foi na disciplina de Projeto que Flávia iniciou a construção de seu TCC, com a
estruturação da pesquisa. Durante a entrevista, Flávia salientou que o tema de sua pesquisa
emergiu a partir de discussões teóricas nas disciplinas do curso de Sociologia Contemporânea.
Logo, construiu seu tema do TCC com o propósito de analisar as relações de reciprocidade na
religiosidade de matriz africana. Ao descrever suas sessões de orientação, Flávia comenta que
elas eram realizadas por meio de reuniões periódicas, nas quais o orientador a enfrentava,
questionava, desafiava e sugeria leituras para aprofundar sua pesquisa, experiência que ela
caracteriza como muito positiva, pois a motivava a estudar ainda mais.
Um aspecto interessante da construção do TCC de Flávia é como ela entrelaça
seus interesses pelo grupo de religiosos de matriz africana ao trabalho final exigido em seu
curso, trazendo a luz um tema pouco visibilizado no seu campo de estudos: a religiosidade
afrodescendente. Sua forma de elaborar o tema de pesquisa revela uma conciliação entre um
compromisso político (propiciar a visibilidade aos religiosos de matriz africana) e um
exercício de domínio teórico (estudo do conceito de sociabilidade).
188
participação nessas coletividades. Além disso, a estudante ressalta as práticas curativas dos
terreiros de batuque, o que reelabora o imaginário negativo frente a esses espaços religiosos,
mais associados ao mal.
Para compreender o trabalho de conclusão de Flávia em relação a suas
experiências, observamos os indícios de sua trajetória no contexto de ações afirmativas que
estão presentes nos agradecimentos de seu texto, do qual reproduzimos o excerto a seguir:
“AGRADECIMENTOS
A concretização do presente trabalho não demarca somente a conclusão de uma etapa em minha
trajetória acadêmica, mas exprimi em sua simplicidade o percurso de luta da população afro-brasileira
em busca de oportunidade, respeito e reconhecimento. O gosto pelo estudo sempre fez parte da minha
trajetória. É através dele que tive e tenho oportunidade de descobrir e conhecer possibilidades. A perspectiva
de tornar-me aluna da [Universidade] foi precedida por diferentes anseios que foram perpassados pelo
sentimento de não familiaridade, não identificação. Ingressei na UPG, durante a vigência do primeiro ano
do Programa de Ações Afirmativas da UPG, em 2008. Antes deste acontecimento, experenciei, em meu
primeiro emprego de carteira assinada, o amargor do racismo. Sofri uma acusação de roubo injustamente. O
motivo do ato foi o sumiço de um cheque da empresa onde eu trabalhava, sem sequer eu ter assinado o seu
recebimento e, sobretudo, estar no setor na ocasião do desaparecimento. Provei minha inocência com
paciência, dignidade e uma boa dose de sangue frio, porque o racismo nos ensina duramente a ter essa
habilidade. Mas não fiquei calada. Ao comunicar o pedido de desligamento da empresa fui interpelada, em
meio a sorrisos irônicos sobre o que eu faria sem emprego. Respondi que me dedicaria aos estudos para
ingressar no vestibular de 2008 da UPG. Nesta ocasião, ouvi que a sorte de estudar não estava no alcance de
todos e, ainda, para UPG, surgia no caminho de poucos. Converti este episódio em determinação e superação
para vencer e provar que é possível lutar pela sorte, quando esta parece não estar em nosso alcance. Quando
ingressei na UPG, deparei-me com um cenário não tão colorido como atualmente. Atuar no Fórum de
Ações Afirmativas da UPG no ano de 2012, em busca de sua permanência e ampliação, proporcionou-
me uma ideia mais concreta e palpável do poder de influência e transformação da Universidade para
além de seus muros. Esta experiência imprimiu uma compreensão política atuante não somente em minha
formação acadêmica, mas, sobretudo, na minha formação enquanto cidadã. Portanto, concluo esta fase
grata, orgulhosa e empoderada por ter me proposto em fazer um estudo antropológico que consistisse
em uma contribuição e, especialmente, um convite para discussões pertinentes a população afro-
brasileira. (...)”
Figura 2 - Excerto dos agradecimentos
Além disso, desde este espaço inicial, Flávia se enuncia como uma estudante
negra cotista e demarca o contexto no qual ingressa na Universidade – “Ingressei na UPG,
durante a vigência do primeiro ano do Programa de Ações Afirmativas da UPG, em 2008”,
explicitando seu pertencimento ao coletivo de estudantes ingressos por esse programa. E
como aspectos determinantes do perfil cotista, a estudante ressalta tanto a “não familiaridade,
não identificação”, quanto as vivências dolorosas de discriminação racial.
O “ser negra” enunciado por Flávia é construído tanto na vivência do racismo,
quando na resistência a ele. Seguindo esses indícios, vemos como ela mostra esses episódios
como motivadores de sua luta – que faz parte do coletivo. Em seu argumento, são justamente
esses eventos que geram sua resistência: “provei minha inocência com paciência, dignidade e
uma boa dose de sangue frio, porque o racismo nos ensina duramente a ter essa habilidade.
Mas não fiquei calada”. A situação descrita por Flávia levaria a pensar que “provar a
inocência” seria o suficiente, mas ela avança destacando pelo “mas” que era necessário ir
além dessa ação e “não se calar”. Na narrativa memorial de Flávia, a ação de “não ficar
calada” aparece como um gesto de resistência, um ato para descontruir a subalternização que
tentam impor a ela, seja no episódio de racismo, seja na trajetória “não familiar” e ausente de
identificações na universidade. Sua narrativa constitui marco de transformação, no qual Flávia
constrói uma identidade positiva e de uma agente – que se enuncia como alguém que muda a
situação em que está, reelabora sua trajetória e busca alternativas, visto no uso de verbos de
ação: “convertir”, “vencer”, “provar”, “lutar pela sorte”.
Desse modo, o ingresso na universidade emerge como a superação em sua
trajetória, superação que seria a abertura de um novo cenário de luta: “Quando ingressei na
UPG, deparei-me com um cenário não tão colorido como atualmente”. Sua ampliação de
laços com grupos negros e sua atuação em ações políticas passa a ser a marca, na sua
narrativa, de sua apropriação do espaço universitário: “atuar no Fórum de Ações Afirmativas
da UPG no ano de 2012, em busca de sua permanência e ampliação, proporcionou-me uma
ideia mais concreta e palpável do poder de influência e transformação da Universidade para
além de seus muros”. As redes sociais que estabeleceu durante sua formação – como a
atuação em movimentos sociais relacionados à política de ações afirmativas – colaboraram
para que ela passasse a ver a universidade como uma instituição capaz de potencializar seus
propósitos.
Flávia reconstrói de modo positivo o imaginário sobre o estudante cotista ao
afirmar-se, primeiramente, como negra, logo, como cotista, e, na sequência, como um sujeito
exitoso: “concluo esta fase grata, orgulhosa e empoderada por ter me proposto em fazer um
190
Caso 2 – Dorival
Trajetória
Dorival também possui uma formação nos saberes de sua cultura indígena e é uma liderança
em sua comunidade.
Como parte do movimento indígena gaúcho, Dorival acompanhou o processo de
elaboração das ações afirmativas na UPG. Durante esse processo, motivou-se a ingressar em
um novo curso superior, e foi aprovado na primeira turma do Programa de Ações Afirmativas
da universidade, em 2008, para realizar a graduação em Pedagogia. No primeiro semestre,
contou com a ajuda de uma estudante que o acompanhava nas disciplinas, atividade que fazia
parte de um programa de tutoria oferecido pela Universidade aos estudantes indígenas. A
tutoria tinha o propósito de contribuir para a permanência dos estudantes, com uma função de
“tradução cultural” (SANTOS, 2009), já que, para muitos dos estudantes que vinham do
interior para a capital para cursar sua graduação, esse período inicial configurava-se em um
grande choque. O problema de evasão que se apresentava entre os estudantes indígenas era
um indicador dessa tensão.
No que se refere a sua permanência, embora Dorival tenha tido alguns eventos de
afastamento do curso, à medida que avançava nas disciplinas e ia estabelecendo relações com
novos colegas garantiu uma melhor jornada na universidade. O estudante também construiu
uma relação mais amistosa com a monitora que lhe acompanhou em semestres posteriores, o
que resultou em uma motivação maior nos cursos. Além disso, contou com uma bolsa da
FUNAI durante a graduação, destinada a estudantes cotistas indígenas, a qual, segundo
afirma,era muito inferior do que os custos de vida na cidade.
No trabalho de conclusão de curso, Dorival reflete sobre sua experiência
profissional com alfabetização em língua Kaingang. Em paralelo à Universidade, Dorival
seguiu com suas atividades de professor em escolas indígenas, trabalhando em especial na
alfabetização de crianças em escolas Kaingang. Também participava ativamente de
movimentos indígenas, especialmente do sul país.
O TCC em análise
O título de seu primeiro capítulo já apresenta os temas sobre os quais tratará: sua
trajetória escolar e a escrita kanhgág (Kaingang). Sua narrativa exprime lembranças de uma
trajetória escolar marcada pela dificuldade e crueldade – “Isso era um momento de
crueldade”, “Tudo me foi muito difícil na vida escolar”. No caso de Dorival, sua história
retrata a presença do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) nas comunidades, os eventos de
exploração do trabalho nas comunidades, a violência, o descuido com o bilinguismo, o
ingresso escolar tardio; aspectos que estão presentes em diferentes comunidades indígenas do
país. Assim, podemos dizer que a trajetória individual de Dorival e a trajetória de Flávia
refletem as vozes de coletivos com os quais se identificam.
Dorival, ao enunciar-se como um estudante cotista indígena, marca sua
experiência entre as primeiras histórias de estudantes indígenas do programa “sou o primeiro
Kanhagág”, o que mostraria a relevância de contar sua trajetória escolar. Seu primeiro
capítulo, que situa sócio-historicamente a trajetória de Dorival, é construído em torno às
196
a seu TCC. Sua proposta foi de inovar no gênero acadêmico, aproveitando a forte tradição
oral nas formas de interação do estudante. Segundo Maira,
Maira equaciona o desejo por inovação nesse contexto com a busca por
legitimidade e autoria. Ela relata como uma ideia proposta por ela foi prontamente acolhida
por Dorival e, em colaboração, construída entre ambos. Assim, o TCC contemplaria
modalidades de linguagens outras capazes de expressar o vigor da oralidade na língua
indígena.
A fim de visibilizar a presença indígena na universidade, foi criada uma terceira
via para as formas de dizer na universidade, pondo em diálogo os conhecimentos Kaingang,
com os quais se distingue Dorival, e conhecimentos acadêmicos. Consideramos que, em
espaços de encontros tensos, a criação de outras formas de dizer permite uma alternativa
frente ao processo histórico de silenciamento que ocorrem nas zonas de contato (PRATT,
1999). Assim, a proposta de inserir um CD com uma entrevista foi acolhida por Dorival, e se
tornou não só uma marca de sua pessoalidade, mas criou um espaço alternativo confortável
para que ele pudesse falar sobre suas propostas educativas.
Dessa forma, vemos na experiência de Dorival uma busca por dar voz e visibilizar
os conhecimentos indígenas, que resultaram em uma renovação do gênero TCC. Essa
alteração demonstra que a relação de orientação estabelecida entre Maira e Dorival construiu
uma prática de letramento acadêmica que rompeu com relações assimétricas de saber e levou
em conta o outro. Nesse movimento autoral, Dorival e Maira, em parceria, vão aproveitando
as brechas desse cenário de abertura institucional, com as ações afirmativas, para criar
espaços que permitam a escuta de vozes indígenas.
Nessa inovação, orientadora e orientando desenvolvem um processo de
construção do TCC que a orientadora descreve por meio da metáfora – “fazer um mosaico”:
197
Nessa metáfora, Maira elabora uma alternativa ao texto acadêmico, com uma
prática escrita que se realizaria por partes e seria finalizada com um “rejunte”, cujo papel
poderia ser atribuído à interação orientadora-orientando ou ao CD com a entrevista. O CD
traria um depoimento de Dorival, no qual relataria sua trajetória escolar, sua experiência
docente e suas propostas para a educação indígena. Destacamos o fato de que é a partir de sua
observação das práticas de escrita de Dorival que Maira vai construindo estratégias para
orientá-lo, conforme ela descreve: “então assim nós combinamos que ele ia fazendo essas
escritas e que depois a gente ia dar um sentido”. Logo, a ideia do “fazer um mosaico”, assim
como a feitura do próprio “mosaico”, emergiu desse diálogo entre estudante e professora para
construção do TCC.
A metáfora do “mosaico” nos ilustra como estudantes de tradições mais distantes
da academia desafiam os orientadores a pensarem em soluções para cumprir exigências
acadêmicas valorizando os conhecimentos construídos por esses alunos. A proposta do CD é
um exemplo concreto, apresentado desde o resumo do trabalho:
Trecho do resumo
“Complementa o trabalho escrito um CD, contendo o depoimento do autor,
que relata sua trajetória de estudante e de professor, descreve a escola
indígena diferenciada e aponta possibilidades para a educação indígena. Esta
é uma forma de valorizar a oralidade na produção e transmissão de
conhecimentos como expressão kanhgág.”
conhecimentos de seu grupo social. Desse modo, o universitário constrói uma identidade
acadêmica fortalecida e positiva, assim como comprometida socialmente com a educação e
conhecimentos Kaingang.
Mas para entender o produto do TCC, é importante olhar para seu processo de
construção. Maira, durante a entrevista, ressalta sua preocupação com a escrita de seu
orientado e como modificou suas ações para orientação do trabalho. Com base na experiência
com diferentes orientandos indígenas, e percebendo a relevância de uma postura acolhedora
com seus estudantes, a docente foi promovendo algumas mudanças nos espaços de orientação:
Nesse excerto, Maira narra como modificou sua forma de orientar trabalhos ao
observar que a universidade podia ser um espaço desconfortável para muitos de seus
estudantes indígenas. Uma orientação mais acolhedora requeria um espaço no qual eles se
sentissem bem: primeiro, na sua própria casa e, depois, na aldeia. Em seu relato, uma
orientação próxima aparece como uma estratégia tanto para encorajar a escrita de seu
orientando, quando para gerar uma melhor intercompreensão do trabalho desenvolvido. Em
síntese, a docente criou espaços que permitissem uma escuta mais sensível do outro.
não apenas visibilizando-as como também tratando as questões de uma maneira afirmativa.
Com isso, seus movimentos de alteração dos modos de fazer e de dizer deixam indícios de
alterações nas práticas de letramento acadêmico.
Experiências exitosas também foram narradas na experiência do programa de ação
afirmativa da Universidade Pública Paisa. Para apresentá-las, abordamos a experiência de
Joyce, em diálogo com seu orientador para caracterizar a elaboração do TCC, e, na sequência,
analisamos a experiência de Valentina, que se destaca pela abertura em opções para realização
do TCC oferecidas pelo curso.
Caso 3 – Joyce
Trajetória
175
Antes se acreditava que era uma língua da família chibcha.
176
Foi o primeiro sacerdote católico indígena da Colômbia, nascido no resguardo nasa de Pueblo Nuevo, em Caldono
(Cauca). Para mais informações: http://www.elespectador.com/noticias/nacional/el-legado-de-alvaro-ulcue-chocue-
articulo-527124
200
professora. Ao elaborar seu TCC, tinha um grande desafio: aprender para retornar a sua
comunidade e ensinar inglês como uma ferramenta que a ajudasse a fortalecer a identidade e a
língua Nasa yuwe ao mesmo tempo em que ensinaria inglês.
177
Tradução: “Quantos vivem, era um censo de nível nacional e todas essas coisas. E aí me dei conta da realidade que
vivia a minha, minha comunidade. Ou seja, vivia situações de fome, de pobreza, ou seja, como a gente no colégio é todo o
tempo no colégio e não contextualizam a gente nessa realidade, né? me entende? Então quando eu já saí de lá, eu disse
“ih, não”. Eu preciso, eu preciso cuidar, ajudar minha gente. Mas eu não posso ajudá-la assim, eu sou uma simples
estudante do ensino médio, eu preciso me preparar para poder servir melhor, e esse era como o lema que direciona o
movimento estudantil”.
178
Original: “Y yo quería tener herramientas para trabajar en una comunidad indígena, que yo quería por eso hacerla allá,
y que por eso esa era una de las razones porque yo había ingresado acá”.
201
quais ela não dominava. Em seu relato, essa falta de transparência sobre o perfil do curso de
graduação escolhido pode ser vista como um aspecto das práticas institucionais do mistério,
as quais atuam de forma mais excludente com sujeitos que, como Joyce, não têm uma
familiaridade com a instituição acadêmica.
O estranhamento com a graduação se replicou com a nova cidade. Para estudar,
Joyce precisou deslocar-se de sua comunidade, no Cauca, para outro estado do país,
Antioquia. Os primeiros anos no curso de Licenciatura em Língua Estrangeira foram descritos
como muito difíceis. Ela relatou que, durante sua formação na universidade, eram as famílias
que conheceu no censo comunitário realizado e as dificuldades da escola em sua comunidade
as que a motivavam a seguir em frente e não desistir. Mas à medida que ela passou a conhecer
mais a instituição e, em especial, a relacionar-se com outros estudantes e professores
indígenas, sentiu-se mais confortável no espaço universitário, processo que ela nomeia como
um reviver:
180
O filme “Los colores de la montaña” ilustra essa dificuldade nos territórios de conflito armado.
203
O TCC em análise
181
Conceito utilizado na área de ensino-aprendizagem de inglês como segunda língua.
205
183
Original: “cuando empecé a hacer esta práctica yo decía ‘¿será que yo si soy capaz de escribir un trabajo de grado?’”.
207
su trabajo. Es de los únicos, por ahí hay otro, pero es de los únicos trabajos
que tienen un distintico. Estas son las alegrías porque esto nos vamos a
pelear, como hay aquí un filtro que dice que eso es académico, treinta y cinco
hojas y no puede ser nada más, y pelea y pelea. (…) nosotros no nos vamos a
pelear mas asegurémonos de que esto esté con los elementos, que esté lo que
usted quiera decir, que es lo más importante, y si logramos hacer alguna
otra cosa vale. Cuando me dijo que lo del chumbe había pasado, ¡muy
lindo! Ella cogió eso. Pero era lo que te decía, ella llevaba esas cosas. 184
(Josué, docente de Lic. em Línguas Estrangeiras, entrevista de 05 de março de
2014)
Uma forma de imprimir mais a marca de Joyce em seu texto foi a inserção de um
elemento importante da cultura Nasa no trabalho, o chumbe. O símbolo do chumbe, como
uma construção tecida durante a gestação é muito poderoso: o TCC de Joyce foi gestado,
elaborado com muito carinho. Seu TCC era um projeto de vida para ela e, assim, embora
Joyce não tenha podido tecer um chumbe para o trabalho, conseguiu um pedaço de seu
chumbe e o inseriu como marca d’água nas páginas do trabalho. A imagem ao fundo da
página é muito mais do que uma simples figura, pois remete às práticas de elaboração de algo
de grande relevância em sua comunidade indígena de origem: projetar o futuro da criança que
chega; neste caso, o TCC.
Josué mais uma vez constrói uma identidade positiva para Joyce, ao narrar com
muita alegria as transformações que provocavam no texto: “muito lindo”, “que legal colocar
nele tal coisa”, “essas são as alegrias”, ou seja, a vitória em conseguir “dar cor” à voz de
Joyce. Em sua fala, Josué caracteriza que o mais importante no processo é que Joyce possa
dizer o que quer: “que esteja o que você queira dizer, que é o mais importante”. Assim, os
dois escolhiam as lutas que travariam – “tivemos uma briga, uma briga mas simplesinha,
pequenininha e muito linda” – na instituição para alcançar seu objetivo. Após uma negociação
184
Tradução: “Como se supõe que é um texto acadêmico, que vai ser publicado, então a gente tem que responder a esses
requisitos, entende? Tivemos uma briga, uma briga mas simplesinha, pequenininha e muito linda. Ela tem em sua cultura
tem uma faixa que se chama chumbe. Um chumbe, isso é uma coisa muito linda, um chumbe é uma faixa que elas usam
em cerimônias, e um chumbe é uma coisa tecida que os pais fazem quando a criança nasce. Então no chumbe estão todos
os sonhos, tudo o que se prepara (...) Então, não te digo que aprendi uma montão de coisas. Então, claro, ela trouxe seu
chumbe e eu lhe disse, em algum momento não sei por que “escute, Joyce, como, como tu vais dar cor a teu trabalho? Do
que tu és?” (...) que legal colocar nele tal coisa, inclusive, eu acho que vai sair um chumbe dela mesma, vai fazer um
chumbe do, porque ela sabe tecer, vai fazer um chumbe do processo de escrita e do trabalho, mas o tempo não dava, então
pegou um pedaço de seu chumbe e o colocou como marca d’água em seu trabalho. É dos únicos, por aí há outro, mas é
dos únicos trabalhos que têm uma diferençazinha. Estas são as alegrias porque nós vamos brigar por isto, como há um
aqui um filtro que diz que isso é acadêmico, trinta e cinco folhas e não pode ser nada mais, e briga e briga. (...) nós não
vamos discutir mas garantamos que isto esteja com os elementos, que esteja o que você queira dizer, que é o mais
importante, e se conseguimos fazer alguma outra coisa serve. Quando me disse que o do chumbe tinha sido aprovado,
muito lindo! Ela acolheu isso. Mas era o que eu te dizia, ela experimentava essas coisas”.
208
com a Faculdade, Josué e Joyce conseguiram que fosse permitida a impressão do chumbe
como pano de fundo nas páginas do trabalho, conforme Figura 4.
A relação de orientação entre eles é retratada como uma parceria, com o propósito
de encontrar um espaço para a voz da estudante nessa zona de contato, a prática de letramento
do TCC. Um elemento muito relevante que emerge na narrativa de Josué é sua preocupação
em promover a autoria de Joyce neste processo, dar uma cor local ao trabalho.
A discussão de César (2011) amplia a noção de autoria, ao analisar a experiência
de indígenas Pataxós quando das comemorações dos 500 anos de “descubrimento”. A autora
propõe compreender a autoria indígena em relação aos movimentos de enfrentamento, que se
façam explícitos, à ordem que pretende ser hegemônica. Com base nessa análise, César
(2011) define a construção de autoria ou movimentos de autoria como:
AGRADECIMENTOS
Acknowledgments
As always, I owe a special debt of gratitude to all my spirits of the mother Earth
who have guided me to fight for my dream against difficulties. Also, I would like
giving my heartfelt appreciation to my family, especially my mom, CL, who
believes in me and always supports me to study185.
Special thanks also JCG for his usual unfailing patience, help, suggestion and
professional advice during entire process. I know that there are not words to
thank and appreciate his teachings and explanations which were really useful for
me as a person and as a professional teacher.
I am greatly indebted to the Family NT for its kindness and for welcoming
hospitality, especially Mr. CN who shared all his wisdom with me. My thanks go
to the Chamí Community, the students, and especially to the teachers, G, Y, G and
V, for their company and encouragement.
Above all, my gratitude goes to all my teachers who devoted their time to show
me how to face the challenges and to enjoy the beauty and the responsibility of
being a teacher; special thanks to the research group, Diverser, for
complementing my education.
Nessa seção, Joyce agradece a pessoas e entidades que, com esta ação, torna
relevantes em sua formação acadêmica, entre eles os “espíritos da mãe Terra”, sua família,
seu orientador, seu grupo de pesquisa e a comunidade na qual realizou seu estágio docente.
Nessa seção, Joyce também se posiciona como professora, caracterizando a profissão como
desafiadora, bela e de responsabilidade (“como enfrentar os desafios e apreciar a beleza e a
responsabilidade de ser professora”). Sua ruptura reside na seleção daqueles a quem presta os
agradecimentos ao invocar referências de cosmovisões indígenas como parte de sua realização
do TCC (“que me guiou a lutar por meus sonhos contra as dificuldades”).
Outro aspecto importante do trabalho é o fato de ser escrito em primeira pessoa.
Nas convenções acadêmicas da Faculdade, há uma orientação para o uso de uma escrita
impessoal, que privilegia o uso da terceira pessoa. Contudo, Joyce rompe com essa norma e se
enuncia em um “eu” que se expõe, ao falar de sua experiência em sala de aula, entrelaçada às
lacunas na discussão bilíngue que observou nos documentos oficiais e pontuando sua
preocupação com o ensino de língua adicional em escolas indígenas. Como ela indica ao falar
do objetivo de seu trabalho:
185
Tradução: “Como sempre, tenho uma dívida especial de gratidão com todos os meus espíritos da mãe Terra, quem me
guiou para lutar por meu sonho contra as dificuldades”.
210
Caso 4 – Valentina
Trajetória
Valentina nasceu em Medellín, cidade na qual cursou a universidade. Seu pai veio
da região do litoral caribenho, e sua mãe da região do litoral pacífico. Eles migraram para a
186
Tradução: “Levando em conta essas desarticulações, eu pensei em criar condições e espaços para que os estudantes
fossem capazes de utilizar os três idiomas para expressar seus sentimentos, compartilhar sua cultura e aproximar-se de
outras comunidades. Eu queria transformar a aula de inglês um pouquinho e dar a ela algo de cor local”.
211
187
Tradução: “começando pela cultura de minha mãe, a cultura chocoana, ela sempre me inculcou isso, em casa sempre
escutamos que a chirimia, que os alabados [ritmos afro-colombianos], entende? Como... essa cultura do pacífico. Então,
sempre tive muita afinidade por conhecer e por contar minhas raízes e por contar essa cultura negra ((faz um gesto de
abraçar-se)). Então, quando eu ingressei aqui na Universidade, em jornalismo, sempre tratei de fazer crônicas,
reportagens, sempre como encaminhando para o tema afro”.
212
conhecer mais dessas práticas culturais, às quais se refere como “raízes” e “cultura negra”.
Chamamos a atenção para a relação indireta que a estudante constrói com a identidade negra:
herança mediada pela mãe. Porém, mesmo com esse laço indireto, ela trata de reiterar o afeto
e compromisso que possui com a população negra. O gesto corporal que Valentina realiza ao
mencionar o desejo de contar sobre a cultura de sua mãe – um abraço em si mesma – é mais
um indicador desse afeto que construiu pelas práticas ensinadas em sua casa.
Em seu discurso, o espaço da formação universitária é sempre meio, nunca
impedimento, para concretizar o desejo de dar voz à população afro-colombiana; desejo que
começa na adolescência. Nesse mesmo relato, vincula o jornalismo como um meio para
realizar seu desejo: “então, quando eu ingressei aqui na Universidade, em jornalismo, sempre
tratei de fazer crônicas, reportagens, sempre como encaminhando para o tema afro”. Valentina
constrói, ao longo da entrevista, duas identificações muito fortes: uma com a comunidade
negra, herdada de sua mãe, e outra com o jornalismo:
188
Tradução: “Quando eu saí do colégio, bem, sempre tive afinidade pelo jornalismo e pela comunicação social, então me
apresentei pela primeira vez à universidade por meio das vagas de ações afirmativas, e a primeira vez não passei, então
ingressei em um instituto que se chama Politécnico Central para estudar produção de televisão. Então quando acabou o
primeiro semestre eu voltei a me apresentar em primeira opção para o jornalismo e passei. Então já deixei o curso lá e vim
estudar jornalismo aqui”.
213
colombianos. Valentina contou também que tinha muito interesse na criação de uma empresa
jornalística, e por isso decidiu aliar essa opção de TCC ao tema afro.
O TCC em análise
Seu curso oferecia muitas modalidades para realização do TCC. O mais
interessante dessa oferta era o fato de que as opções estavam relacionadas aos gêneros
discursivos da esfera profissional do jornalismo. Dentre elas, Valentina escolheu a criação de
uma empresa jornalística, pois esta lhe daria a oportunidade de construir uma revista digital, o
que ia ao encontro com seu sonho durante o curso.
Destacamos que este foi o único curso que ofereceu um amplo leque de opções de
gêneros discursivos para compor o TCC, todos vinculados à esfera laboral da estudante. Desse
modo, o curso de jornalismo da UPP se diferencia da experiência analisada por Tapia-Ladino
e Marinkovich (2013), no qual o TCC gerava certa dificuldade para os estudantes por não
manter uma relação com sua área profissional.
Outro elemento a destacar são as disciplinas que enfocam a escrita jornalística e
acadêmica, conforme mostramos no quadro 7:
189
Tradução: “Bom, se supõe que o TCC é para ser desenvolvido em um semestre, mas isso quase nunca acontece,
porque primeiro, bem, em um semestre a gente, há um semestre no qual a gente faz o projeto escrito, no qual diz o que é
que quer fazer, quais são os objetivos, entende? Tudo escrito. Esse projeto é passado a um comitê e eles aprovam ou
reprovam o projeto. Se faltam coisas neles ((os projetos)), os reprovam ou se está muito bem o aprovam. Quando for
aprovado, a gente já pode começar a executar o trabalho de conclusão de curso. Então a gente já consegue um orientador,
que é uma pessoa que saiba do tema e que vai acompanhar a gente em todo esse processo. Mas digo que quase nunca dá
porque a Faculdade de Comunicações é muito flexível com os tempos. Então, por exemplo, eu apresentei meu projeto no
ano passado, em dois mil e doze um, em dois mil e doze dois, e me aprovaram em novembro de dois mil e doze dois. Eu
comecei a fazer em dois mil e treze um. Mas então como estava vendo outras matérias e estava trabalhando então não me
dedicava o tempo que ((era)) necessário. Então, sim, demorei um ano para terminá-lo. Então, a Faculdade é muito
flexível, porque se a gente não termina pode cancelar a matéria, então a gente tem como três possibilidades de cancelar, e
isso faz com que fiquemos muito tranquilos (...) Ah, bom, logo depois, o orientador é quem avalia a gente. Então ele dá
para a gente a nota final. Mas logo depois há umas exposições com os colegas da Faculdade. Essas exposições são para
estudantes que tenham tirado uma nota maior que quatro. Então é aí onde a gente explica”.
215
O seguinte passo foi a escolha do orientador, definido por Valentina por ser uma
pessoa que sabia do tema e a acompanharia durante todo o processo. Após o trabalho ser
realizado, passou pela avaliação do orientador, que foi quem também deu a nota final.
Entre os elementos que Valentina destaca está o fato de o orientador ser alguém
que a estudante admire, ou seja, alguém com tem tenha boa relação. Para isso, destaca que sua
experiência prévia com o professor foi determinante – “e ele sempre tinha me demonstrado
que, por exemplo, qualquer dúvida que eu tivesse ele estava ali presente”. Assim, sua eleição
parece ter sido definida considerando que esse docente, além de ajudá-la com a parte da
pesquisa de opinião e planejamento da empresa, era alguém que não a deixaria só, que seria
efetivamente um interlocutor sobre o trabalho. Além disso, mesmo que o docente não fosse
especialista no tema afro, ela destacou que já possuía uma rede social de pessoas que
poderiam colaborar com ela nessa dimensão do trabalho.
Essa rede social também é um indicador interessante da identidade positiva
construída por Valentina, já que a mostra como uma estudante com autonomia, segurança e
com uma identidade negra fortalecida. Para a apresentação pública, a faculdade organizou um
evento para que os estudantes que tiveram seu TCC aprovado com boa nota (que significa
nota acima de 4, num total de 5 pontos) o apresentassem frente à comunidade acadêmica –
evento no qual a estudante apresentou sua revista digital.
A narrativa de Valentina caracterizou o desenvolvimento do seu TCC como um
processo complexo e cheio de negociações, que requereu muito planejamento. Sua avaliação
nos faz ponderar um aspecto do letramento acadêmico: ainda que os gêneros discursivos
sejam do âmbito laboral e façam parte da formação, são complexos no processo de
190
Tradução: “A ideia do orientador é que também seja uma pessoa que a gente admire, com a qual a gente se dê bem,
entende? para não ter inconvenientes nessa parte. E ele sempre tinha me demonstrado que, por exemplo, qualquer dúvida
que eu tivesse ele estava ali presente, porque há outros orientadores que sim deixam a pessoa sozinha pois por algumas
experiências que a gente conhece as de outros colegas”.
216
191
Disponível em: http://www.ebony.com/
192
Disponível em: http://racabrasil.uol.com.br/
193
A “Conferencia Santiago + 5 Contra el Racismo, la Xenofobia, la Discriminación y la Intolerancia” tinha o propósito
de revisar o Plano de Ação elaborado na Conferência de Durban (2001). Para mais informações, ver a publicação “Los
pueblos indígenas y afrodescendientes ante el nuevo milenio”. disponível em:
http://www.cinu.mx/minisitio/Afrodescendientes/Los%20pueblos%20ind%C3%ADgenas%20y%20afro.pdf
218
194
Essas oposições hierarquizadas são discutidas por Silva (2014), ao analisar a relação entre diferença e identidade e
questionar a normalidade. O autor explica que “fixar uma determinada identidade como a norma é uma das formas
privilegiadas de hierarquização das identidades e das diferenças. A normalização é um dos processos mais sutis pelos
quais o poder se manifesta no campo da identidade e da diferença” (p. 83). Dessa maneira, ele destaca que o processo de
tornar uma identidade “normal” é arbitrário e pressupõe um parâmetro para regular e hierarquizar as demais identidades.
220
A sensação de “tumulto” reiterada por Flávia de modo enfático – ela repete três
vezes a palavra – é atribuída pela estudante ao “mundo novo”, um mundo que não era
compartilhado por ela previamente, mas que passou a estar ao seu alcance. Os sentidos de
tumulto são relacionados, no depoimento, com um grande movimento de pessoas e ruídos,
desordem, inquietação e embates; além disso, são associados pela estudante a esse trânsito de
chegada a um mundo novo – à educação superior. Assim, sua narrativa marca o ingresso ao
novo espaço como uma experiência que lhe provocou susto (“me deixou muito assustada”) e
estranhamento (“pessoas que não eram como eu”, “não eram pessoas que viviam no meu
bairro”). Flávia reconstrói um deslocamento entre o espaço do antes – marcado no “bairro” –
e o novo espaço – a universidade –, caracterizado por sobressaltos; vistos nos sentimentos de
susto e estranhamento relatados, que foram atribuídos ao fato de ela sentir-se muito distante
das pessoas desse lugar recém-conhecido.
221
Joyce retrata o “agora” como um momento em que está “muito contente”, por
estar preparada e com algumas ferramentas para concretizar seu desejo de contribuir para sua
comunidade e ajudá-la com seus conhecimentos. Ao contrário do espaço-tempo do ingresso,
em que a universidade representava ausência e medo, nesse momento final do curso, a
instituição aparece como um espaço formativo que serviu a seus propósitos: “agora sim sinto
que a universidade me preparou para o que eu ia fazer, tenho algumas ferramentas”. O
“agora” é marcado pela assertividade, pela positividade, pela concretude dos desejos. Mas
esse processo teve uma condição, a luta de Joyce: “se eu não luto pelo que eu queria fazer na
universidade, não teria tido essas ferramentas para trabalhar em minha comunidade agora” –
referindo-se à controvérsia que gerou na instituição sua solicitação para realizar o estágio de
língua estrangeira em uma comunidade indígena bilíngue (contexto similar ao que desejava
195
Tradução: “Nesse exato momento me sinto bem porque me deixaram fazer uma coisa que eu queria, então isso me
deixou muito contente, e agora sim sinto que a universidade me preparou para o que eu ia fazer, tenho algumas
ferramentas. Não vou dizer que tenho todas, ora, mas sim tenho algumas que, se eu não luto pelo que eu queria fazer na
universidade, não teria tido essas ferramentas para trabalhar em minha comunidade agora. Então isso me dá muita / me dá
muita alegria, porque agora sim sinto que vou contribuir para minha comunidade, sinto que posso ajudar, agora sim, e
nisso me sinto bem, nessa parte já me sinto bem.”
223
para seu futuro profissional) fora da capital, que a princípio não foi permitido pela
Universidade.
A narrativa de Joyce é construída por uma oposição temporal que marca
deslocamentos em sua identificação com o espaço. Paralelamente, sua imagem passa de uma
pessoa que, na sua chegada à universidade, era caracterizada como alguém resignado –
amedrontado e principiante –, à de uma pessoa que escolhe, planeja, luta e vence. No “agora”,
sua trajetória resulta em sucesso de lutas e batalhas que precisou travar na instituição para
concretizar seu propósito: ter algumas “ferramentas” para dar aulas de inglês em sua
comunidade Nasa. Assim, as ferramentas necessárias não foram “dadas” pela instituição, mas
pelejadas, ou seja, obtidas com enorme esforço (“mas sim tenho algumas que, se seu não
luto”). Assim, a batalha por realizar o que desejava antes mesmo de ingressar na universidade
implicou esforço, ganhos e perdas.
Seu êxito se expressa nesse processo intenso que vivenciou de aprender a
flexibilizar as regras do curso na universidade em prol de seus objetivos, que se mantiveram
vinculados a sua comunidade de origem: “vou contribuir para minha comunidade, sinto que
posso ajudar”. Na narrativa sobre sua trajetória de letramento, essas lutas resultaram em uma
mudança tanto no posicionamento de Joyce – de paciente a agente –, quanto na percepção da
própria universidade – de um espaço amedrontador e traumático a um espaço conhecido que
lhe promove bem-estar: “nesse exato momento me sinto bem”.
Os reposicionamentos na representação que os estudantes fazem de si e da
instituição revelam indícios dos movimentos de apropriação das práticas de letramento
acadêmico que são realizados por eles, assim como suas formas de interpretá-los. Esse
processo – sentir-se parte do novo espaço ao qual passam a acessar – é descrito como algo que
requer tempo e estratégia. No relato de Joyce, a seguir, ela também comenta que sentiu essa
transição apenas no sexto semestre da graduação:
196
Tradução: “Nessa época estava por aí, hum, por aí no sexto. No sexto ((semestre)), por isso lhe digo desde então a
gente começa a ensaiar mais conexões e a entender mais suas próprias coisas e aí foi quando eu comecei, e aí foram as
melhores épocas, a gente sentia como uma qualidade humana por parte dos professores, muito bons”
224
fazer da instituição universitária. Em seu relato, sua trajetória de graduanda exitosa culminou
ao desvendar alguns dos mistérios estabelecidos na universidade.
No relato de sua trajetória, Flávia também situa essa mudança entre um “antes” –
cheio de tumulto pelo ingresso no “novo mundo” – e um “depois” – no qual a estudante
reconhece as práticas acadêmicas e aprende como lidar com elas. Flávia descreve um percurso
que implicou batalhar para que, no “agora” do final do curso, ela pudesse dialogar “com o que
está disponível”, referindo-se aos conhecimentos que construiu nas diferentes disciplinas do
curso. Ao utilizar seu conhecimento de diferentes disciplinas para os trabalhos finais, ela
expressa que consegue “sentir uma relação um pouco mais próxima, mais simétrica” com os
professores.
Dessa forma, Flávia, que antes se caracterizava como uma caloura assustada
(conforme excerto 17), ao final da trajetória universitária passa a descrever-se como uma
estudante que domina as disciplinas e estabelece relações mais simétricas com seus docentes,
revelando-se uma agente em sua trajetória. Além disso, a simetria a que se refere é construída
como um espaço real de interlocução: pois agora “eu entendo o que eles falam e eles
entendem o que eu falo”. Por fim, Flávia projeta esse processo de intercompreensão com os
docentes como um indicador de sua apropriação das práticas desse espaço que antes era um
“mundo novo”.
As narrativas de Joyce e Flávia ilustram esse processo de apropriação das práticas
de letramento acadêmico, caracterizado por ambas as estudantes como um movimento de
compreender os modos de dizer, as práticas discursivas, da instituição. Nesses relatos, um dos
resultados da mudança que as estudantes destacam é o fato de passarem a ser interlocutoras
dos sujeitos mais experientes nesse espaço, os docentes. O ato de narrar suas trajetórias as
reconstrói, pondo em cena suas próprias interpretações desse percurso de mudanças. Como
destaca Vóvio (2007), ao analisar trajetórias de professoras alfabetizadoras:
As práticas de leitura e escrita, pela forma na qual estão conectadas com seu
contexto sócio-histórico, conformam imaginários sociais que afetam as formas em que os
sujeitos se relacionam com os modos de usar a linguagem. No cenário acadêmico, o estudo de
Canagarajah (1997) descreve como, para seus estudantes afro-americanos, a prática da escrita
acadêmica representava um “atuar como branco”, o que provocava resistências na
apropriação das convenções dessa forma de escrita por parte dos estudantes. Além disso, os
conflitos também podem resultar da diferença entre concepções sobre a linguagem que os
estudantes possuem e aquelas das convenções acadêmicas, como discute Zavala (2010),
quando nos mostra como a chegada à universidade implica mais do que um estranhamento
com o espaço e com as formas de atuar nesse mundo novo por parte dos estudantes, já que
envolve a linguagem. Nesse sentido, entendemos que o processo de apropriar-se das práticas
da universidade traz consigo um estranhamento também nas formas de dizer, em especial nas
práticas de letramento acadêmico, tópico sobre o qual passamos a enfocar a análise das
trajetórias estudantis.
227
aula dela. Só que na verdade era uma turma inteira, né? Porque, o que que
ela, ela dava exemplos que não eram próximos a mim. Ela falava das
viagens dela, ela falava das experiências de outros alunos que já têm uma
proximidade com isso, com o tema do curso. Ah, porque é um parente que é,
ou algum conhecido, sabe, ou são / ou tem pais que já estão, já tem nível
superior, então de uma certa forma já passaram pelas ciências sociais.
Então, / e todas essas contribuições familiares, enfim, isso já ajuda na forma
de tu absorver o conteúdo. E isso era para mim totalmente alheio. E aí como
é que eu, eu sentia dificuldade de acompanhar realmente a aula dela por
toda essa, esses signos que eles compartilhavam e que não eram próximos a
mim. Além disso, a questão do português, que foi muito difícil, muito
difícil. Eu estudei num colégio, D. J.B., que é um dos colégios, um dos
melhores colégios aqui de Porto Alegre, de ensino médio ((público)) ... e,
assim, dentro de toda a questão do ensino público e tal, e das dificuldades,
eu sempre fui aquela aluna cdf, aplicadíssima, e vivia com os livros
debaixo / embaixo do braço, até para passear e tudo, a diversão era
estudar, sempre gostei muito de estudar, e me sinto muito realizada
estudando, e quero estudar para o resto da vida, porque eu adoro, e aí
então, mesmo tendo esse ensino público um pouco mais forte e diferenciado
dos outros colégios de ensino público, eu senti muita dificuldade” (Flávia,
estudante afro-brasileira, Ciências Sociais-UPG, entrevista de 24 de
setembro de 2013)
Em sua narrativa, Flávia ressalta que essa situação vivenciada por ela foi muito
marcante em sua trajetória, em especial porque se instaurou um conflito que pôs em xeque sua
identidade de “boa aluna”, muito valorizada pela estudante: “eu sempre fui aquela aluna CDF,
aplicadíssima, e vivia com os livros debaixo / embaixo do braço”. Flávia se descreve como
uma excelente aluna, e o advérbio “sempre” acentua a temporalidade contínua dessa
qualidade, reiterada nos adjetivos “CDF”, “aplicadíssima” e na imagem de quem vive com os
livros junto ao corpo.
Flávia retrata que havia uma incompreensão por sua parte sobre as atividades
propostas em aula, que ela atribui à distância que possuía dos referenciais mencionados pela
docente, quando justifica que por um lado, pela distância de sua experiência de vida – “ela ((a
docente)) dava exemplos que não eram próximos a mim”, e por outro, pela sua exclusão do
grupo dos “iniciados” – “esses signos que eles ((a docente e alguns colegas))
compartilhavam”. Sua descrição dessa experiência com a disciplina é construída por uma
série de características das práticas institucionais do mistério (LILLIS, 2003), que vão
identificando a docente como uma veladora dos mistérios do letramento acadêmico.
A incompreensão sobre as formas de dizer na esfera académica é atribuída, por
Flávia, aos pressupostos e saberes compartilhados pela docente com apenas um grupo de
229
colegas, os quais estavam ausentes na sua bagagem cultural. Além disso, explica que a
persistência dessas convenções inescrutáveis lhe provocava um sentimento de incapacidade
(“achando que era eu que não estava conseguindo acompanhar a aula dela.”), o qual passou a
ser reelaborado em sua avaliação, ao ponderar que era uma sensação compartilhada com
outros colegas: “só que na verdade era uma turma inteira, né?”. A narrativa da estudante
posiciona a docente como alguém que guarda os mistérios dos modos de fazer e de dizer da
instituição e que, com isso, torna-se pouco eficiente, colaborativa, para promover sua
aprendizagem. Essas ações de velar os mistérios são caracterizadas por Flávia como uma
prática que resulta, por um lado, em uma seleção de uns poucos estudantes mais próximos à
professora, e, por outro lado, em uma exclusão do restante do grupo, pelo descaso em
compartilhar com aqueles com quem não possui afinidades e relações – “Ela falava das
viagens dela, ela falava das experiências de outros alunos que já tem uma proximidade com
isso, com o tema do curso”.
Os conflitos narrados por Flávia ilustram experiências vividas por muitos
estudantes que são a primeira geração familiar a ingressar na universidade. A trajetória de
aprender a lidar com os mistérios das convenções da escrita e da leitura acadêmicas, assim
como de outros modos de fazer, nem sempre conta com uma aproximação amigável e
orientada. Muitas vezes os docentes auxiliam pouco na diminuição das lacunas entre seus
pressupostos sobre as convenções da linguagem acadêmica e aqueles trazidos pelos estudantes
(LILLIS, 2003; ZAVALA, 2011).
Flávia conta que, no final do curso, outra experiência a impactou negativamente: a
entrega dos trabalhos finais. Flávia narra uma cena na qual a docente foi entregando os
trabalhos a cada estudante na sala de aula de acordo com a ordem decrescente de suas notas,
em frente a outros colegas: “foi a base de choque, sinceramente, assim. Ela pegava, pedia pra
gente, dava os trabalhos ao longo do semestre, provas e tudo”. Flávia classifica essa conversa
com a professora como traumática, posicionando-se como alguém que foi exposta e sentiu sua
auto-imagem197 de ótima aluna ameaçada: “foi bem difícil, bastante traumatizante, porque
para mim eu era aquela aluna que ia sempre bem, e ali eu era aquela aluna D”. Flávia
descreve sua face de boa aluna no passado – era –, rememorando que naquela interação foi
assim avaliada pela docente. Segundo narra a estudante, era um trabalho complexo e muito
exigente para o qual ela se preparou:
197
Noção criada por E. Goffman para descrever a forma em que, nas interações, os sujeitos constroem representações de
si para o outro. Em geral, há um acordo tácito para construir representações positivas um do outro (a face), mas quando
posicionamos o outro de modo negativo, essa representação do sujeito passa a ser ameaçada.
230
Entre os eventos narrados pelos estudantes, também há aqueles que nos servem
como contrapontos à forte experiência de Flávia. Na trajetória de Valentina, estudante
colombiana, os mistérios do letramento acadêmicos foram incorporados como parte do ensino
de escrita de seu curso – Jornalismo. A estudante narra experiências que indicam que as
convenções sobre as formas de dizer das práticas acadêmicas também eram desconhecidas por
ela, recém-ingressada na universidade. Porém, em sua narrativa aparecem docentes que, a
partir do conflito, promovem um espaço de ensino. Os relatos de Valentina apontam para a
presença constante de revisões em seus textos, durante sua formação:
232
198
Tradução: “Bom, com os trabalhos escritos eu fui bem. Algumas coisas, pois a princípio, algumas coisas de ortografia,
de redação, mas foram coisas que eram normais, tanto para o primeiro, como para o segundo semestre que os professores
sempre faziam anotações nos trabalhos que a gente entregava e, bom, todos os trabalhos eu os tenho guardados no meu
computador. E várias vezes me pus a analisar minha escrita ao final da graduação e o que eu escrevi no começo e a
diferença é total, pois sim aí houve um processo muito bom porque, ou seja, a forma que escrevia no início em relação
com a que escrevo agora melhorou muitíssimo”(Valentina, estudante afro-colombiana, Jornalismo-UPP).
233
e pessoal. Esses dados corroboram a proposta de Kleiman, Vianna e De Grande (no prelo),
quando defendem que a iniciação científica pode promover oportunidades sine qua non para a
apropriação tanto de práticas de letramento acadêmico, quanto de letramento para o local de
trabalho. As autoras exemplificam como, em áreas de licenciatura, a iniciação científica pode
ser um importante espaço formativo não apenas para a formação em pesquisa, mas também
em docência.
Além dessa convergência que poderíamos considerar teórico-prática, a
participação em grupos de pesquisa também promoveu uma relação mais próxima com
professores e colegas, resultando em uma ampliação das redes sociais dos estudantes. O
depoimento de Joyce ilustra esse movimento de modo mais claro:
199
Tradução: “Convocaram e foi aí que eu conheci os estudantes e daí digo que me serviu muito, e como voltei outra vez
a reviver (...) comecei a trabalhar lá com ela, digo a trabalhar como monitora ajudando-a com suas coisas, e aí porque / eu
comecei a me envolver mais com isso, e aí me dei conta de que existia a pedagogia da mãe terra, comecei a me perguntar
sobre isso (...) perceber que existiam mais estudantes indígenas então fui por aí. Conheci o professor Abadio, depois
conheci outras pessoas, ou seja, que eu já comecei a entrar em outro mundo e isso me ajudou muitíssimo.” (Joyce,
estudante indígena colombiana, Lic. em Línguas Estrangeiras-UPG)
235
uma prima mais velha, que havia sido formada pela mesma universidade, a única graduada na
família. Flávia se refere à prima como tutora, por suas ações de proteção e amparo:
A prima é caracterizada em sua narrativa como uma figura que a acolhe no novo
espaço – antes tão amedrontador. Isso porque sua prima é quem a tutela e lhe explica como
funciona o “mundo novo”. Dessa forma, Flávia relata que sentiu o ingresso na universidade
como “um processo menos dolorido” pela presença dessa mentora.
Como indicamos, a participação em grupos de pesquisa, a ampliação de redes
sociais e a presença de mentores que fortalecem a autoconfiança e autoestima dos estudantes
para permanecer no curso aparecem, nas narrativas estudantis, como estratégias criadas para
resistir aos conflitos na universidade. São processos que exigiram um enorme esforço e
culminaram em experiências descritas por uma das estudantes como um “reviver”, dando
indícios de que o “mundo novo” passou a abrir suas portas para outros mundos possíveis,
resultando não só em desencontros, mas também em reencontros.
Do conflito e da estranheza em relação às práticas da universidade, os estudantes
passaram, gradualmente, a apropriarem-se das práticas acadêmicas (VOLOSHINOV, 1995),
ou seja, das formas de dizer e de fazer convencionais da esfera acadêmica, o que resultou em
uma inserção no espaço da universidade e o desenvolvimento de um sentimento de
pertencimento a ele. Além disso, esse processo parece não só acarretar uma melhoria na
escrita dos estudantes, pois as formas de ler e de escrever, que “no início atrapalhava[m]”,
agora já são dominadas, mas também um desdobramento com rupturas e subversões para criar
um espaço de autoria no discurso acadêmico, com a inovação de gêneros e práticas.
No que tange à interação com docentes, a estudante Flávia descreve sua trajetória
como um processo de quebra de assimetrias (BRIONES, 2013), ao contar que, à medida que
se apropriava mais dos temas da universidade, percebia uma relação mais simétrica com
docentes, o que facilitava sua comunicação com eles e a compreensão mútua e, em
consequência, podemos aventar como hipótese, uma melhor aprendizagem: “eu entendo o que
eles falam e eles entendem o que eu falo”.
Nosso propósito, na abordagem das estratégias utilizadas pelos estudantes, foi
compreender como eles construíam sua trajetória de apropriação das práticas de letramento
acadêmico, como resolviam os problemas e como sobreviviam na universidade, em uma
perspectiva discursiva. Para isso, abordamos trajetórias individuais a partir de uma
compreensão do discurso e das práticas de leitura e escrita como fenômenos intrinsecamente
sócio-históricos. Em outras palavras, ao descrever e analisar essas trajetórias singulares,
consideramos que elas são “circunscritas por modos de ler que são sempre indiciários de uma
determinada época histórica vivida” (GUEDES-PINTO, 2001, p. 74). Dessa forma,
complementamos estudos que analisam estratégias de universitários e mostram como eles
desenvolvem ações que vão da acomodação, passando por uma resistência de fachada
(CANAGARAJAH, 1997), até chegar à criação e transformação de gêneros acadêmicos
(ZAVALA, 2011).
Em nosso estudo, mostramos como a apropriação (VOLOSHINOV, 1995) das
práticas de letramento acadêmico potencializa que os estudantes se tornem interlocutores em
um contexto que construíram como seu – suas zonas de conforto (as safe houses, para
PRATT, 1991). Assim, ao mostrar como os estudantes foram tornando familiar o espaço
universitário, obtemos indícios de como as estratégias criadas por eles lhes permitiram ir se
apropriando de outras vozes sociais (como ativistas, estudantes bem-sucedidos, sociólogos,
jornalistas, professores, etc.), em um contexto peculiar no qual suas instituições de ensino
levam a cabo uma política intercultural. Desse modo, vemos que o potencial dessa abordagem
de trajetórias de práticas de letramento acadêmico está em nos permitir
239
A noção de zona de contato é utilizada por Pratt (1991) para identificar tensões
sociais que emergem na interação entre sujeitos, nas quais se reflete um contexto sócio-
histórico, como já discutimos anteriormente. Porém, queremos salientar, nesta análise, que
esse cenário de confronto é tratado pela autora também como uma possibilidade de criação.
Para ela, as zonas de contato fomentam ações criativas, elaboradas pelos sujeitos, cujo
204
Língua originaria do povo indígena Embera, presentes no estado de Antioquia.
242
resultado são as zonas de conforto: “espaços sociais e intelectuais nos quais os grupos podem
se constituir como comunidades soberanas, homogêneas e horizontais com altos graus de
confiança, conhecimento compartilhado e proteção temporária dos legados da opressão”
(1991, p. 40). Baseada na definição de comunidade imaginada, de B. Anderson, a autora
defende que a comunidade emergente em uma zona de conforto muitas vezes reage a
experiências de opressão com a criação de alternativas subversivas, o que na concepção
bakhtiniana pode ser pensado a partir do conceito de forças centrífugas.
A proposta de Pratt (1991) contribui para esta tese se aceitamos a premissa de que
a própria universidade pode ser abordada como uma zona de contato, em especial, por
fomentar – com a implementação de ações afirmativas – espaços de encontros entre diferentes
grupos sociais. Um exemplo, no âmbito dos estudos da linguagem, é o trabalho de
Canagarajah (1997), que retoma as noções de zona de contato e de artes letradas das zonas de
segurança, de Pratt (1991), para caracterizar o contexto acadêmico. Segundo o autor, as
comunidades minoritárias possuem tradições de resistência e apropriação cultural, as quais
provocam a invenção de modelos criativos de novos gêneros. Ao oferecer um curso sobre
escrita acadêmica, o autor analisou quais estratégias foram criadas por estudantes afro-
americanos durante essa disciplina. Em sua análise, revela algumas estratégias encontradas
tanto em produções nas zonas de conforto quanto em escritas na zona de contato. Na primeira,
a zona de conforto, – em espaços como o fórum, vistos como um domínio informal – os
estudantes usavam estratégias discursivas vernáculas, reveladas nas referências e estruturas
argumentativas utilizadas (como no uso de referências não legitimadas na academia, tais
como histórias dos familiares, anedotas, filmes, televisão e RAP, relacionados ao tópico do
debate). No entanto, na segunda, a zona de contato, – por exemplo, na produção de um ensaio
–, os alunos não revelavam a mesma maestria para discutir as questões já debatidas no fórum:
valorizavam muito o discurso dos autores lidos, não explicitavam sua posição sobre o tema e
tampouco tentavam derrubar o argumento do autor. Em suma, os estudantes criaram
estratégias muito variadas, desde uma acomodação às convenções retóricas dominantes, sem
desafiá-las, até à criação de uma terceira via para resolver seus conflitos durante a
aprendizagem dessa nova ordem do discurso instituída.
Contudo, para o autor, os estudantes demonstravam, mesmo na zona de contato,
tentativas criativas de resolução de conflitos com os quais se depararam na produção escrita.
Ele chama essas estratégias de artes letradas das zonas de conforto. Ainda assim, na escrita
243
na zona de contato, por exemplo, os estudantes usavam uma “arte da fachada” 205 (“fronting”)
para lidar com as exigências de escrita de seus professores – um conformismo aparente que
mascarava tendências opositivas mais profundas. O autor parte do pressuposto de que é
preciso entender melhor como comunidades subordinadas negociam as forças conflitivas em
suas comunidades de origem para se engajar em práticas de letramento criativas. Afinal,
também nos parece relevante questionar as experiências de subversão de grupos
discriminados para entendê-las e expandi-las a fim de repensar o ensino na universidade.
Outro trabalho que ilustra essas criações dos estudantes, conforme já
apresentamos, é o de Zavala e Córdova (2010). As autoras se aproximam de Canagarajah
(1997) ao realizar dois estudos de caso com universitários indígenas para, a partir da análise
de trajetórias desses estudantes, mostrar quais foram as estratégias criadas por eles para dar
conta das exigências de escrita durante sua formação acadêmica. Segundo as autoras, essas
estratégias são formas de uso da linguagem empregadas pelos estudantes no seu cotidiano
acadêmico. Para isso, Zavala e Córdova (2010) abordam atividades como, por exemplo,
reunião em grupos de estudo e de pesquisa com colegas para discutir questões de suas
comunidades, encontros para debater sobre a manutenção dos vínculos com a comunidade, ou
mesmo a oferta de oficinas a jovens do ensino médio.
No caso das universidades com ações afirmativas, a autodeclaração étnica exigida
para que os jovens ingressem na universidade parece promover uma zona de contato constante
entre as culturas marginalizadas das comunidades de origem desses estudantes e as culturas
dominantes, herdeiras dos legados da colonização; no entanto, essa diversidade não tem sido
considerada para uma revisão dos currículos universitários. Doebber (2012) chama a atenção
para a ambiguidade das políticas afirmativas, ao analisar experiências de estudantes cotistas
negros: os estudantes que, em um primeiro momento, devem se reconhecer como diferentes
para acessar ao programa; logo, em um segundo momento, quando ingressam, necessitam
tornarem-se iguais para permanecerem (e sobreviverem) na universidade – o que significa
atuar como se não fossem negros, com base na norma da branquitude (o que poderíamos
chamar como uma “branco-normatividade”, a semelhança da heteronormatividade). Isso nos
permite considerar, de acordo com Canagarajah (1997), que o ambiente acadêmico é uma
zona de contato, ou seja, um espaço no qual são forjados encontros assimétricos que
atravessam as práticas de usos da linguagem.
205
Para Canagarajah, essa estratégia tem sido realizada historicamente pelos afro-americanos em resposta à pressão da
sociedade dominante e proporcionou a seus estudantes uma reconciliação temporária com seu conflito.
244
206
O termo, desenvolvido pelo antropólogo cubano Fernando Ortiz, se contrapõe às visões de “aculturação” e
“assimilação” propostas na época, para tratar o potencial criativo que se dá no encontro de diferentes culturas,
especialmente quando estas são marcadas pelo processo colonial.
246
1. Autoetnografia X X X X
2. Colaboração X X X X
3. Crítica X X X X
4. Denúncia X X - X
5. OUTRAS: Propostas alternativas - X X X
6. Transculturação - X - X
7. Bilinguismo - X X -
8. Mediação - - X -
9. Expressões vernáculas - - - X
10. OUTRAS: Reconstrução de imaginário - - - X
Fonte: baseado em Pratt (1991).
A leitura das artes letradas dos estudantes com base na noção de dialogismo nos
permite interpretar essas estratégias como uma responsividade ativa dos estudantes. Suas
ações responsivas, situadas e criativas resultam em trabalhos como o de Valentina: estudante
afro-colombiana que, em um território forjado sobre a égide do branqueamento e de visões
negativas sobre a cultura afro, aproveita um veículo de grande difusão – uma revista digital –
para provocar rupturas nos discursos estereotipados de negação do negro da região, fazendo
da visibilidade positiva uma resposta frente à negação; assim, utiliza o jornalismo como um
espaço de subversão do discurso dominante. Em relação às estratégias utilizadas pelos
estudantes para responder as demandas de letramento acadêmico na zona de contato,
destacamos que enquanto a autoetnografia, a crítica e a colaboração foram constantes nos
trabalhos analisados, a paródia e o diálogo imaginário não estiveram presentes em nenhum
dos textos, o que pode ser devido aos gêneros produzidos pelos estudantes. Por outro lado,
observamos nos dados outras duas estratégias: a reconstrução de imaginário, no qual o autor
se distancia e constrói textos que subvertam as imagens negativas sobre seu grupo; e a criação
de propostas alternativas, com planejamento e proposições diretas de um projeto alternativo.
O trabalho monográfico de Flávia se propôs a ser uma etnografia, mas também
revela traços de uma autoetnografia quando se propõe a repensar a trajetória de uma
identidade coletiva que é assumida por ela: a população negra. Constrói um texto que atende
às demandas da audiência da metrópole – neste caso, a universitária –, mas também traz
elementos que são de interesse da audiência comunitária – uma melhor compreensão por parte
dos pais de santo sobre a dinâmica dos filhos de santo nos terreiros. Sua autoetnografia está
247
207
Em especial em um período de recrudescimento de agressões por motivos religiosos. No Brasil, houve o caso de uma
menina que foi agredida na saída de um culto do candomblé, registrada na notícia: “Menina vítima de intolerância
religiosa diz que vai ser difícil esquecer pedrada”. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-
janeiro/noticia/2015/06/menina-vitima-de-intolerancia-religiosa-diz-que-vai-ser-dificil-esquecer-pedrada.html
248
desses estudantes nos dão indicadores sobre como, a partir de suas experiências, são criados
novos caminhos para a produção de conhecimento e a interpelação das políticas interculturais
na educação superior. Nos processos de desenvolvimento e escrita de TCC observados, as
estratégias empregadas pelos estudantes para subverter a colonialidade na zona de contato
revelam, nos textos produzidos, uma importante característica das “artes letradas” desses
universitários: suas perguntas e temas de pesquisa interpelam, de diversas perspectivas, as
políticas afirmativas e apontam novos horizontes para a criação de diálogos mais simétricos
na produção de conhecimento.
250
Quanto mais metodicamente rigoroso me torno na minha busca e na minha docência, tanto mais alegre me sinto e
esperançoso também. A alegria não chega apenas no encontro do achado mas faz parte do processo da busca. E ensinar e
aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria. (Paulo Freire, 1996)
Devemos também questionar os nossos modos de receber, traduzir e fazer circular epistemologias do Sul: como fazer para
não reproduzir, dentro da elitista e arcaica estrutura universitária brasileira, as relações que o centro mantém com a
periferia? Em outras palavras, e usando os temos de nossos colegas do Sul, como fazer para implantar um projeto de
modernidade e descolonialidade nos nossos locais de trabalho? (Angela Kleiman, 2013)
208
No Brasil, houve um aumento considerável no ingresso de jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior, aumento que
se viu refletido entre os jovens negros (pretos e pardos): “Em 2004, 16,7% dos estudantes pretos e pardos com 18 a 24
anos frequentavam o ensino superior, segundo a pesquisa, número que cresceu para 45,5% em 2014. Para a população
branca, essa proporção passou de 47,2%, em 2004; para 71,4%, em 2014. Ou seja, o percentual de pretos e pardos no
ensino superior em 2014 ainda era menor do que o percentual de brancos no Ensino Superior dez anos antes.” (Notícia
disponível em: http://www.brasil.gov.br/educacao/2015/12/numero-de-estudantes-universitarios-cresce-25-em-10-anos )
251
209
Coordenado pelo professor Pedro M. Garcez, PhD.
210
Outros coletivos também se identificam com essas experiências, devido às hierarquias por gênero, sexualidade,
religião, região/território, diferenças físicas, entre outras.
253
de fazer (PRATT, 1991; CANAGARAJAH, 1997; ZAVALA, 2011), o que pode romper com
as grandes narrativas estereotipadas, baseadas na herança colonial (a colonialidade do saber).
Abordar as estratégias criadas pelos sujeitos ajudou a identificar e compreender as
“pequenas mudanças” em curso, ou como diria De Certeau “as táticas” que estão empregando
sujeitos que vêm de grupos estigmatizados socialmente e passam a ocupar esses “latifúndios
do saber”211. Nesse sentido, ao analisar o aspecto subjetivo de políticas públicas a partir das
trajetórias de letramento acadêmico, e entrelaçar as discussões sobre as ações afirmativas no
ensino superior e o papel da linguagem na formação acadêmica, pude:
identificar a manutenção de assimetrias na produção de conhecimento (em diferentes
níveis: entre áreas, entre temáticas, entre metodologias e linguagens, entre os sujeitos
de conhecimento, etc.);
mostrar o impacto do racismo epistêmico/colonialidade do saber no modus operandi
das universidades;
identificar a invisibilidade sobre a linguagem nos processos formativos universitários;
propor o TCC como uma prática de letramento entre as esferas acadêmica e
profissional, na qual há produção de conhecimento;
reconhecer e descrever estratégias de subversão da colonialidade do saber.
A partir desse cenário, delineado no capítulo 5, é possível apontar desafios para a
universidade. E, em diálogo com esses desafios, quero esboçar algumas propostas em dois
aspectos: as políticas afirmativas e a formação universitária. No primeiro, é reafirmada a
necessidade de refletir sobre permanência, ações para a diversidade e diálogo de saberes.
Nesse sentido, para fomentar políticas universitárias derivadas das ações afirmativas é
imprescindível reconhecer a universidade como uma zona de contato, na qual é necessário
trabalhar tanto para o reconhecimento e a legitimação da diversidade cultural e linguística,
quanto para o rompimento de assimetrias na produção de conhecimento. Isso porque repensar
as formas de fazer e dizer das práticas universitárias pode nos abrir caminhos para subverter a
colonialidade no espaço acadêmico. Com a análise das quatro trajetórias universitárias reitero
que, quando as ações institucionais que enfocam a diversidade não chegam a pensar nas
práticas de linguagem, os monopólios do saber não são rompidos.
No segundo, a docência superior nos abre dois cenários: a formação docente e a
visibilização das práticas veladas da linguagem acadêmica. Em relação ao primeiro, destaco
que é necessário revisar as práticas de planejamento e avaliações docentes de modo a
211
Metáfora retomada de Marinho (2010).
254
contemplar mais espaços para que os estudantes possam apropriar-se das práticas discursivas
de sua área de formação e, assim, possam construir uma voz como profissionais do campo.
No entanto, esse trabalho não deveria ser independente, mas sim gozar de apoio institucional.
Para tal, a instituição pode disponibilizar espaço-tempo e pesquisadores com experiência,
especialmente do campo da linguagem, que possam auxiliar docentes das faculdades a
compor planos de estudo que contemplem a linguagem na formação dos estudantes do início
ao fim do curso, com vistas a desvelar as convenções da linguagem acadêmica. Por outro
lado, as leis e políticas para a diversidade (como a étnico-racial, de gênero, sexualidade,
deficiência física, etc.) requerem a oferta de políticas públicas para a formação de docentes
universitários para que eles possam participar mais ativamente na implementação da política,
assim como criar vagas docentes para disciplinas obrigatórias no currículo que abordem essas
temáticas, com um viés de justiça e equidade social. Essas ações podem criar legitimidade
para novos campos de conhecimento que vão se conformando na universidade.
No que tange à visibilização das práticas veladas da linguagem acadêmica, um
primeiro passo seria inserir a escrita como parte da formação acadêmica, de modo a
questionar-se sobre a pertinência dos gêneros monográficos e outros para a formação
profissional e acadêmica que estão em jogo. Conforme já argumentei, os gêneros discursivos
devem ser espaço para construção de conhecimento do campo e de identidade profissional dos
formandos, por isso a formação para linguagem deveria ir além de cursos iniciais sobre escrita
acadêmica, sendo contemplada ao longo do currículo.
Propostas há muitas, mas vão depender da abertura institucional e docente para
realizá-las. Uma possibilidade é criar espaço de discussão entre docentes e discentes de cada
faculdade sobre como será realizado o TCC do curso, oportunidade que permitiria repensar os
propósitos da própria formação e daria mais sentido para os usos de escrita da área. Essa
reflexão sobre os propósitos da formação acadêmica seria muito pertinente em um contexto
mais plural étnico-racialmente, promovido pelas ações afirmativas. Outra possibilidade é
definir entre o corpo docente e discente da faculdade os propósitos da formação profissional
que se realiza, de modo a negociar as identidades acadêmica e profissional que serão foco da
formação, assim como os gêneros discursivos que farão parte do currículo. Um bom exemplo
é o caso de Valentina: a variedade nas formas de compor o TCC em seu curso (Jornalismo)
permitiu que a estudante realizasse um trabalho que lhe propiciou criar autoria. Houve rigor
nos moldes acadêmicos, mas também espaço para que ela construísse sua voz. Além disso,
mostrou que a seleção dos gêneros para compor o TCC de um curso pode atender mais a um
critério de pertinência ao campo profissional, do que apenas a eleição do gênero monográfico.
255
Essa experiência dá pistas sobre como podemos formar nos modos de fazer ciência do campo
de saber sem fechar espaço para outros modos de produzir conhecimento.
Ao enunciar uma maior pluralidade nos modos de escrita acadêmica, em um
cenário de política intercultural, é fundamental destacar que a “luta” pela formação mais justa
de grupos historicamente marginalizados ainda se dá em duas frentes: por um lado, criar
esforços pela mudança das convenções do discurso acadêmico; e, por outro, promover o
acesso às mesmas convenções e normas da esfera acadêmica. Nesse sentido, pensar em
políticas para a permanência dos estudantes cotistas exige refletir sobre o que, para nós, ainda
é um calcanhar de Aquiles: em políticas educativas para grupos estigmatizados, como garantir
a possibilidade da diversidade nos modos de fazer e dizer e, ao mesmo tempo, romper com a
estigmatização e exclusão dos atores da política?
A experiência do estágio doutoral em projetos que construíam outras formas de
ser universidade também alimentou a esperança que subjaz a esta tese. Um desses projetos foi
a graduação Licenciatura em Pedagogia da Mãe Terra, oferecida pela UdeA: uma
licenciatura voltada para formação de professores que atuarão em comunidades indígenas. O
outro foi o projeto Rotas para uma ruralidade sustentável a partir da equidade e da
diversidade: criando alternativas educativas entre universidades e comunidades diversas
rurais (afro, indígenas e campesinas) da Colômbia212, do qual participei como parte de meu
doutorado-sanduíche. Este projeto tinha por objetivo criar um curso de graduação que fosse
oferecido a lideranças de comunidades rurais, com o propósito de brindar uma formação a
essas lideranças que fosse orientada a suas realidades e realizada em seus territórios, que
exigia reorganizar as tradicionais áreas de saber por meio da transdisciplinaridade e da
interculturalidade crítica. Esses são apenas alguns exemplos que mostram possíveis terceiras
vias para construir uma formação mais equitativa e justa no âmbito da produção de
conhecimentos.
Para concluir, como formadora, é inegável minha maior consciência sobre o giro
que implicaria dar ao visibilizar essa situação tão negligenciada que é a linguagem (ou o
ensino e aprendizagem das práticas de letramento acadêmico), ainda mais em um cenário que
se quer reconhecer a diversidade cultural. Nesse papel, preocupo-me com que nossa prática de
ensino seja mediada por uma pedagogia culturalmente sensível (ERICKSON, 2001) e crítica
(FREIRE, 1996, 2012). Por isso, busquei reconhecer espaços de aprendizagem que permitiam
aos sujeitos que encontrassem sua voz em meio a um coro tão polifônico como o é a
212
Coordenado pela professora Zayda Sierra, PhD.
256
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274
ANEXOS
Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, em uma pesquisa da área
de Linguística Aplicada. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar
fazer parte do estudo, assine ao final deste documento.
1 de 2
275
Nome: __________________________________________________________
2 de 2
276
CONSENTIMIENTO INFORMADO
Usted está siendo invitado(a) para participar, como voluntario(a), en una investigación del
área de Lingüística Aplicada. Después de tener conocimiento acerca de la investigación, en caso
de aceptar hacer parte del estudio, por favor firme al final de este documento.
1 de 2
277
Nombre: __________________________________________________________
2 de 2
278
Documentos Jurídicos
26 de octubre de 2002
Por el cual se unifica el régimen de admisión para aspirantes nuevos a los programas de pregrado.
CONSIDERANDO
1. Que, desde la expedición del Acuerdo Académico 126 del 17 de febrero de 1968,
"Por el cual se establece el régimen de admisión para aspirantes nuevos a los programas de pregrado",
esta norma ha sido sometida a diferentes modificaciones para adecuarla a la realidad del momento, por
medio de los Acuerdos Académicos 164 del 8 de marzo de 2000, 216 del 24 de julio de 2002,
y 234 del 25 de septiembre de 2002.
2. Que, con el objetivo de facilitar el manejo de estas normas, es conveniente su
unificación en una sola, con los ajustes requeridos para lograr un todo armónico.
3. Que, a la luz del literal g del artículo 37 del Estatuto General, es competencia de esta
Corporación "Definir la política y las condiciones de admisión para los programas de pregrado y de
posgrado",
ACUERDA
Artículo 1. Para ingresar a la Universidad, los aspirantes nuevos deberán acreditar los siguientes
requisitos:
a. Ser bachiller
b. Haber presentado los Exámenes de Estado o sus asimilados
c. Presentar las pruebas diseñadas y aplicadas por la Universidad de Antioquia
d. Lograr en estas pruebas los puntajes exigidos por la Universidad para ser admitido
como estudiante nuevo
Parágrafo 1. Podrán acogerse al régimen de aspirantes nuevos, además de los
bachilleres, los aspirantes que hubieren cursado estudios en otra institución de educación superior
reconocida por el ICFES, independientemente de si culminaron sus estudios o no. Además, los
213
Disponível em: http://secretariageneral.udea.edu.co/doc/u0236-2002.html. Acessado em 01.jun.2013.
282
Artículo 2. La Universidad diseñará y aplicará las siguientes pruebas para todos los aspirantes:
a. Una prueba básica sobre competencia lectora
b. Una prueba básica sobre razonamiento lógico
Artículo 3. Cada una de las pruebas anteriormente citadas tendrá un valor de 50 puntos sobre 100
(50/100).
Artículo 8. MODIFICADO. Acuerdo académico 259 de 2004. (Serán aspirantes nuevos especiales
los siguientes:
a. Miembros activos actuales de comunidades indígenas y comunidades negras,
reconocidas por la Constitución Nacional.
b. Estudiantes que obtuvieron la distinción Andrés Bello en las categorías Nacional y
Departamental.
Beneficiarios del Premio Fidel Cano del Colegio Nocturno de Bachillerato.)
Acuerdo académico 259 de 2004. Artículo 1. Modificar el artículo 8 del Acuerdo Académico 236 de
2002, el cual quedará así:
Serán aspirantes nuevos especiales los siguientes:
Miembros activos actuales de comunidades indígenas y comunidades negras,
reconocidas por la Constitución Nacional.
Estudiantes beneficiarios del Decreto 644 del 16 de abril de 2001.
Beneficiarios del Premio Fidel Cano del Colegio Nocturno de Bachillerato.
Artículo 9. En cada programa se asignarán dos cupos adicionales para los aspirantes
nuevos provenientes de comunidades indígenas, y dos cupos adicionales para los aspirantes
provenientes de comunidades negras reconocidas por la Constitución Nacional.
Parágrafo 1. Este beneficio será reconocido a los aspirantes que permanecieren integrados a sus
comunidades y acreditaren su participación en actividades de la comunidad o de la asociación.
Además, deberán establecer compromisos futuros de servicio con su comunidad o con la asociación.
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El requisito para ser reconocido como aspirante indígena es el aval del Cabildo, o de su equivalente, o
de una asociación de autoridades tradicionales indígenas.
Para efectos de esta reglamentación, se entenderá por "Cabildo Indígena", como fue descrito en el
Decreto 2164 del 7 de diciembre de 1995, así: "Es una entidad pública especial, cuyos integrantes son
miembros de una comunidad indígena, elegidos y reconocidos por ésta, con una organización
sociopolítica tradicional, cuya función es representar legalmente a la comunidad, ejercer la autoridad y
realizar actividades que le atribuyen las leyes, sus usos, costumbres, y el reglamento interno de cada
comunidad".
En el caso de los raizales de San Andrés, Providencia y Santa Catalina, los aspirantes que alegaren una
identidad raizal serán presentados por las organizaciones que representaren a los raizales en el mismo
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Departamento.
Para efectos de esta reglamentación, las organizaciones de comunidades negras y las organizaciones
de raizales, competentes para presentar aspirantes a la admisión especial para grupos étnicos, serán
aquellas, con personería jurídica, que hubieren sido reconocidas y registradas en la División de
Asuntos para Comunidades Negras del Ministerio del Gobierno.
Para quien manifieste pertenecer a una comunidad negra, el representante legal de la respectiva
comunidad negra, reconocida por el Ministerio del Interior, certificará la descendencia Afro-
colombiana y su vinculación actual a la comunidad, de conformidad con la Ley 70/93 y el Decreto
1745/95.
La Universidad, con el fin de dar una aplicación proporcional, razonable y con responsabilidad social a
la presente normativa, reconocerá como Comunidad y Parcialidad Indígena y Comunidad Negra a
aquellas que se encuentren incluidas en el censo elaborado por el Ministerio del Interior. En caso de
duda sobre la pertenencia a las comunidades Indígenas o Negras, se solicitará el peritazgo de
profesores expertos del Departamento de Antropología de la Institución.
Parágrafo 2. Los aspirantes de las comunidades indígenas y los de las comunidades negras,
previamente inscritos, deberán presentar las pruebas de admisión. Quienes no fueren admitidos por el
límite de cupos en el programa elegido, competirán por los dos cupos adicionales, y serán admitidos
los que tuvieren los mayores puntajes estandarizados, no inferiores a 40 puntos.
Parágrafo 3. Las situaciones de igualdad de puntajes para la selección de los dos aspirantes
adicionales de comunidades indígenas, o de los aspirantes de comunidades negras, se resolverán
mediante el siguiente procedimiento:
a. Se aplicará la ley 403 de 1997 sobre beneficios a los sufragantes.
b. Si persistiere el empate, o no fuere posible aplicar la ley 403, se seleccionará al
aspirante con el mejor puntaje en la prueba de razonamiento lógico.
c. Si aplicados los criterios anteriores aún continuare el empate, se ampliará el cupo
hasta en un ciento por ciento (máximo 4 admitidos).
d. De no resolverse el empate con el anterior procedimiento, el sistema efectuará la
selección aleatoriamente entre los empatados.
Parágrafo 4. Los aspirantes indígenas y los afrodescendientes, debidamente certificados
como tales, no pagarán derechos de inscripción.
Artículo 10. MODIFICADO. Acuerdo académico 259 de 2004. (Los estudiantes acreedores a la
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distinción Andrés Bello en las categorías nacional y departamental ingresarán sin examen de
admisión al programa seleccionado como primera opción.
Parágrafo 2. Los cupos asignados a los estudiantes acreedores a la distinción Andrés Bello en las
categorías Nacional y Departamental no se considerarán como adicionales.
Parágrafo 3. Los acreedores a la distinción Andrés Bello Nacional y Departamental deberán pagar
los derechos de inscripción.)
Acuerdo académico 259 de 2004. Artículo 2. El artículo 10 del Acuerdo Académico
236 de 2002 quedará así:
Los estudiantes acreedores a la distinción establecida en el Decreto 644 del 16 de abril de
2001 en el nivel nacional y departamental ingresarán sin examen de admisión al programa
seleccionado como primera opción.
Parágrafo 1. Este beneficio se reconocerá a quienes, en el momento de la inscripción,
acreditaren esa condición mediante Resolución ICFES.
Parágrafo 2. Los cupos asignados a los estudiantes beneficiarios del citado Decreto no se
considerarán como adicionales.
Parágrafo 3. Los acreedores a la distinción consagrada en el Decreto 644 del 2001
deberán pagar los derechos de inscripción.
Artículo 11. La admisión de los acreedores al premio Fidel Cano se regirá por lo
establecido en el Acuerdo Superior 54 del 17 de julio de 1995. Los cupos asignados a éstos no serán
adicionales.
Artículo 12. Para aspirar a un programa de pregrado mediante transferencia se requerirá: no haber
realizado estudios de pregrado en la Universidad de Antioquia, y haber aprobado en otra institución de
educación superior, reconocida por el ICFES, los cursos correspondientes a un año de labor
académica, o su equivalente. En el momento de la inscripción, el aspirante deberá estar en situación
académica normal de conformidad con las normas vigentes en la institución de la cual proviniere.
Artículo 13. La Vicerrectoría de Docencia conformará una comisión técnica, coordinada por el Jefe
del Departamento de Admisiones y Registro, dedicada a la investigación, la evaluación y el
mejoramiento del sistema de admisión de la Universidad de Antioquia.
listado de los estudiantes admitidos, con sus respectivos puntajes brutos y estandarizados, y otros
elementos de su perfil social y académico, con el fin de apoyar el establecimiento, en cada unidad
académica, de un plan de asesoría y seguimiento a cada estudiante, al menos en los tres primeros
períodos académicos.
Artículo 15. Se mantiene el régimen de admisión establecido anteriormente para ingresar a los
programas de Música y Teatro en la Facultad de Artes.
Artículo 16. El presente Acuerdo deroga las demás disposiciones de igual e inferior categoría que le
sean contrarias; y sustituye íntegramente los Acuerdos Académicos 126 de 1998, 164 de 2000, 216 y
234 de 2002.
DECIDE
Art. 1º - Fica instituído o Programa de Ações Afirmativas, através de Ingresso por Reserva
de Vagas para acesso a todos os cursos de graduação e cursos técnicos da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, de candidatos egressos do Sistema Público de
Ensino Fundamental e Médio, candidatos autodeclarados negros egressos do Sistema
Público de Ensino Fundamental e Médio e candidatos indígenas.
Art. 2º - Este Programa de Ações Afirmativas, através de Ingresso por Reserva de Vagas
tem por objetivos:
I – ampliar o acesso em todos os cursos de graduação e cursos técnicos oferecidos pela
UFRGS para candidatos egressos do Sistema Público de Ensino Fundamental e Médio e
para candidatos autodeclarados negros egressos do Sistema Público de Ensino
Fundamental e Médio, mediante habilitação no Concurso Vestibular e nos processos
seletivos dos cursos técnicos;
II – promover a diversidade étnico-racial e social no ambiente universitário;
III – apoiar estudantes, docentes e técnico-administrativos para que promovam, nos
diferentes âmbitos da vida universitária, a educação das relações étnico-raciais;
IV – desenvolver ações visando a apoiar a permanência, na Universidade, dos alunos
referidos no Art. 1º mediante condições de manutenção e de orientação para o adequado
desenvolvimento e aprimoramento acadêmico-pedagógico.
Art. 3º - A modalidade de Ingresso por Reserva de Vagas é constituída pelo conjunto de
critérios e de procedimentos estabelecidos nesta Decisão e que serão integrados àqueles já
adotados pela UFRGS, no Concurso Vestibular, para preenchimento de vagas dos cursos
de graduação e nos processos seletivos dos cursos técnicos.
Art. 4º - A reserva de vagas ficará em vigor por um período de cinco anos, sendo avaliada
anualmente, e poderá ser prorrogada, a partir da avaliação conclusiva, que será realizada
no ano de 2012.
Art. 5º - Do total das vagas oferecidas em cada curso de graduação da UFRGS serão
garantidas, no mínimo, 30% (trinta por cento) para candidatos egressos do Sistema Público
de Ensino Fundamental e Médio.
§1º - Entende-se por egresso do Sistema Público de Ensino Fundamental e Médio o
candidato que cursou com aprovação em escola pública pelo menos a metade do Ensino
Fundamental e a totalidade do Ensino Médio.
§2º - O candidato que desejar concorrer às vagas destinadas a candidatos egressos do
ensino público, previstas no caput deste Artigo, concomitantemente às vagas de acesso
universal, deverá assinalar esta opção no ato da inscrição no Concurso Vestibular. No
momento da matrícula, o candidato aprovado deverá apresentar à Comissão de Graduação
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Art. 12 - No ano de 2008, serão disponibilizadas 10 vagas para estudantes indígenas cuja
forma de distribuição será definida pelo CEPE, ouvidas as comunidades indígenas e a
COMGRAD dos cursos demandados. A partir do ano de 2009 este número de vagas
poderá ser alterado.
§1º - Institui-se a Comissão de Acesso e Permanência do Estudante Indígena, que terá sob
sua responsabilidade os processos seletivos dos estudantes indígenas, bem como o seu
acompanhamento e inserção no ambiente acadêmico.
§2º - As vagas para indígenas serão criadas, anualmente, especificamente para este fim.
Aquelas que não forem ocupadas serão extintas.