Politicas Públicas para A Leitura
Politicas Públicas para A Leitura
Politicas Públicas para A Leitura
E A LITERATURA NO BRASIL
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4.0 Internacional.
Conselho Editorial
1ª Edição
Belém-PA
RFB Editora
2023
© 2023 Edição brasileira
by RFB Editora
© 2023 Texto
by Autor
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Belém, Pará, Brasil
Editor-Chefe Bibliotecária
Prof. Dr. Ednilson Ramalho Janaina Karina Alves Trigo Ramos-CRB
Diagramação e capa 8/9166
Worges Editoração Produtor editorial
Revisão de texto Nazareno Da Luz
Autor
P769
Políticas públicas para a leitura e a literatura no Brasil / Maisa Barbosa da
Silva. – Belém: RFB, 2023.
Livro em PDF
126p.
ISBN 978-65-5889-658-6
DOI 10.46898/rfb.759de87a-d217-4642-9d05-448dc0c6b3b1
1. O que é uma política pública de leitura? I. Silva, Maisa Barbosa da. II.
Título.
CDD 869
I. Literatura.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO................................................................................................................. 7
CAPÍTULO 1
O QUE É UMA POLÍTICA PÚBLICA DE LEITURA?......................................................... 13
CAPÍTULO 2
O BRASILEIRO É MESMO UM NÃO LEITOR? MITOS SOBRE A LEITURA NO BRA-
SIL...................................................................................................................................21
CAPÍTULO 3
A ESCOLA, O INL E O DISCURSO DE CONSTRUÇÃO DE UM BRASIL MODERNO: PO-
LÍTICAS DE LEITURA ENTRE 1930 E 1960..................................................................... 29
CAPÍTULO 4
ANALFABETISMO E AMPLIAÇÃO DAS CIDADES: A RELAÇÃO ENTRE A ESCOLA E A
LEITURA NA DÉCADA DE 1960 E 1970........................................................................... 41
CAPÍTULO 5
RESPIRANDO ARES DEMOCRÁTICOS: A LEITURA LITERÁRIA NA PAUTA DAS POLÍ-
TICAS PÚBLICAS EM 1980............................................................................................... 49
CAPÍTULO 6
O ESPAÇO DO LIVRO E DA LITERATURA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.................59
CAPÍTULO 7
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E SELEÇÃO DOS ACERVOS LITERÁRIOS DO PNBE....69
CAPÍTULO 8
TRANSIÇÕES NA COMPOSIÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE LEITURA: O PNLD
LITERÁRIO E SEU VÍNCULO COM A BNCC.................................................................... 83
CAPÍTULO 9
O QUE É QUALIDADE PARA O PNLD LITERÁRIO? CRITÉRIOS DE SELEÇÃO E AVA-
LIAÇÃO DAS OBRAS SELECIONADAS........................................................................... 95
CAPÍTULO 10
CONTA PRA MIM.............................................................................................................. 107
CAPÍTULO 11
POR UMA LEITURA LITERÁRIA QUE OCUPE ESPAÇO ESCOLAR ��������������������������� 115
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 119
APRESENTAÇÃO
E ste livro apresenta uma história das políticas públicas de leitura no Brasil e
analisa um período que se inicia na década de trinta do século XX e vai até
as primeiras décadas do século XXI com o propósito de entender de que maneira os in-
vestimentos na formação de leitores, na manutenção de acervos de bibliotecas públicas e
escolares e no fomento à produção, divulgação e circulação da literatura no Brasil foram
sendo conduzidos ao longo desse tempo.
A busca pela construção de uma história das políticas públicas de leitura no Brasil é
motivada pela necessidade de defender que a leitura e a leitura literária são fundamentais
para o sujeito, pois possibilitam o desenvolvimento da percepção sobre a nossa história,
tanto a individual quanto a coletiva. A grande defesa que se busca fazer aqui é a de que o
ato de ler favorece nosso conhecimento sobre nós mesmos e sobre o mundo.
Ao mesmo tempo, veremos que, devido à importância da leitura para nossa
formação, não é por acaso que ela sofreu diversos cerceamentos. Como poderemos
perceber, diferentes governos ao longo de nossa história limitaram a circulação de livros
por meio da perseguição a autores, editoras e livreiros. O que se nota é que, quando um
governo promove a censura a livros, ele revela suas intenções autoritárias, pois busca tirar
de circulação discursos que representem perigos a interesses dos grupos que estejam no
poder.
A censura direta a determinados autores e livros, contudo, não é o único perigo
que o livro enfrenta. Mesmo quando não há censura, é comum determinados governos
deixarem de investir na produção de livros, nas compras governamentais para preencher
as bibliotecas e no mercado editorial. Há, também, estratégias eficazes de controle de
discursos considerados subversivos por meio de uma perseguição constante. É o que
vemos acontecer, nos últimos anos, com o pensamento de Paulo Freire. Costumeiramente
acusado de comunista responsável pela ruína da educação brasileira, Freire, que tem sua
obra estudada em diversas universidades no Brasil e no mundo, tem seu discurso des-
valorizado por parte da população. Com considerável constância, encontramos pessoas
que não leram sua obra propagando inverdades acerca de seu pensamento, pois o que
conhece dele é a partir de uma leitura mal-intencionada de diferentes grupos políticos
Como mostra Michel Foucault, em A ordem do discurso, a produção do discurso é
regulada e controlada de acordo com regras e procedimentos. Assim, a discussão feita ao
longo deste livro busca mostrar que a história de distribuição de materiais de leitura e de
livros literários no Brasil é dirigida por meio de uma série de procedimentos com o propósito
de “conjurar seus poderes e perigos” (Foucault, 1996, p. 9). Então, seja por meio da censura
direta, por meio da falta de investimento em políticas eficazes de promoção de leitura, ou
mesmo da articulação de ataques a ideias consideradas perigosas para manutenção, por
exemplo, da desigualdade do acesso ao conhecimento e a bens culturais, o que se percebe
é que a produção do saber depende de instituições, pois existem regras de formação de
práticas discursivas que normatizam como determinados objetos são definidos.
No Brasil, quando foi fundado o primeiro instituto voltado à distribuição de livros e
de livros literários, explicitava-se muito bem seu propósito regulador: tratava-se do Instituto
Nacional do Livro – INL foi criado em 1937, no governo de Getúlio Vargas. O ministro
Gustavo Capanema, à frente do Instituto, encaminhou um ofício ao então presidente com
seu ponto de vista sobre o livro. No documento, Capanema defendeu que:
O livro não é só companheiro amigo, que instrui, que diverte, que consola. É ainda e,
sobretudo, o grande semeador, que pelos séculos afora, vem transformando a face
da terra. Encontramos sempre um livro ao fundo de todas as revoluções. É, portanto,
dever do Estado proteger o livro, não só provendo e facilitando a sua produção e
divulgação, e ainda vigilando no sentido de que ele seja não um instrumento do mal,
mas sempre o inspirador dos grandes sentimentos e das nobres causas humanas.
(Capanema, 15 de dezembro de 1937).
Capanema (1937) revela o ponto de vista de que o livro é muito útil tanto pelo
aspecto da distração possibilitada pela leitura quanto pela sua importância nos momentos
de transformação da sociedade. É justamente por isso que ele defende a necessidade de
controle sobre o livro, que, segundo ele, pode ser utilizado como um instrumento do mal
devido ao seu papel frente às revoluções. Para a manutenção de uma sociedade sem
enfrentamentos, sem revoltas, com uma população que não se organize para promover
transformações, é essencial que o livro ofertado motive diversão e valorização de ideias
apregoadas pelo grupo dominante, não sentimento de indignação.
Como conhecedores e conhecedoras da importância do livro, da leitura, da leitura
da literatura na construção de sujeitos críticos e competentes, podemos entender que
é essencial desenvolver estratégias para democratizar o acesso ao ato de ler. Não há
como pensar em uma sociedade menos desigual sem entender que o acesso a diferentes
materiais de leitura possibilita o desenvolvimento do pensamento crítico, a compreensão
sobre diferentes perspectivas de mundo e o conhecimento. Regina Zilberman (2009) mostra
que a literatura, ao longo da história, também sofreu repressão. Os materiais de natureza
ficcional, como ela defende, são conhecidos por seu caráter revolucionário e, por isso,
a literatura sempre foi fundamental em momentos de grandes transformações sociais e
culturais. Como aponta Isabela Nóbrega (2015):
O Estado brasileiro sempre demonstrou grande preocupação em manter sob
controle a produção, comercialização e o consumo das obras literárias. Podendo ser
elencadas inúmeras motivações desde a manutenção da família e da moralidade à
segurança nacional, a atuação da censura no Brasil é recorrente desde o período
Colonial (Nóbrega, 2015, p. 43).
Como vimos, a censura não é a única estratégia utilizada para dificultar o acesso
por parte da população a bens culturais. Não podemos pensar como natural o fato de
que algumas classes sociais têm condição plena de acesso a diversos tipos de material
Assim, as formas por meio das quais educação é tratada pelas políticas públicas
permitem perceber como os discursos a ela relacionados são apropriados pelas instâncias
que a regulamenta. O sistema de educação mantém ou modifica a apropriação dos
discursos não somente em relação aos saberes divulgados, mas também aos saberes não
divulgados.
Diante do desejo de defesa da leitura, da leitura literária e da democratização do
direito à leitura, surge este livro. Nossa proposta se volta para a trajetória dos programas
federais de fomento à leitura e à literatura no Brasil. Para tanto, analisa o período que
compreende desde a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (1930), que
inaugurou as ações de propagação da leitura, até 1980, década na qual, com a abertura
democrática, passaram a ser criados programas de leitura sólidos e duradouros; o Programa
Nacional Biblioteca da Escola – PNBE, que foi o mais abrangente e dispendioso programa
de envio de acervos literários às escolas públicas no Brasil (1997-2014) e a primeira política
de estado voltada ao livro e à formação de leitores; os Programas criados após a extinção
do PNBE e em vigência contemporaneamente: o Programa Nacional do livro Didático –
PNLD Literário (2018) e o Conta pra mim (2019).
A nossa proposta circunscreve-se na perspectiva de que o livro não é um objeto
neutro (Chartier, 1990). Portanto, analisa como as políticas para o livro são conduzidas
ao longo dos anos. Do mesmo modo, esta proposta ainda se volta à análise da legislação
relacionada à produção, circulação e difusão do livro no Brasil.
A leitura da Tabela 1 nos leva a ver alguns aspectos para pensar as políticas públicas.
No item “Tamanho dos estratos”, temos que a menor parte da população está concentrada
na Classe Alta e a maior parte dos brasileiros está concentrada na Classe Média e Classe
Baixa. O maior estrato é justamente o Vulnerável, que abriga 19% da população e no qual
a renda per capita é de 163 e 291.
É possível interrogar, então, qual o papel das políticas públicas em um país no
qual a renda per capita mais alta é de mais de 2.480 reais e a mais baixa no máximo 81
reais? Deve-se almejar, entre outras coisas, que as pessoas integrantes das camadas mais
Além do critério SAE, outro critério que nos ajuda a entender a realidade do
brasileiro é o critério Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Este critério,
que é utilizado especialmente para marketing, ajuda a compreender aspectos como poder
de compra, investimentos das famílias em cada área e o comportamento do consumidor de
modo amplo. Um dos critérios utilizados pelo critério ABEP, além da renda per capita, é o
nível de escolarização, como podemos observar na tabela seguinte.
Tabela 2: Perfil bruto da penetração de bens duráveis e serviços públicos nos sete estratos
socioeconômicos do modelo ABEP novo de verossimilhança condicional
Os dados das notícias em relação ao mercado do livro nos deixam perceber que
a nossa produção é alta e as vendagens significativas. As dificuldades com a formação da
leitura ou da distribuição de livros por todas as camadas econômicas não é, então, fruto de
uma produção insuficiente. Há outras raízes para a dificuldade com a formação de leitores
no Brasil
Mais de cinquenta por cento da população masculina e feminina, com uma ligeira
vantagem da população feminina, é considerada leitora: no ano de 2019, 50% do público
masculino se declarou leitor e 54% do público feminino se declarou leitor. A “Retratos da
leitura no Brasil” classifica como leitora a pessoa que leu pelo menos um livro, inteiro ou
em partes, nos últimos três meses. Por consequência, a pessoa não leitora é a que não leu
nenhum livro, nem inteiro nem em partes, nos últimos três meses.
Há outros aspectos que são necessários observar. Confiram-se que o número de
leitores está representado pela população em idade escolar. É possível notar que, gradati-
vamente, o índice de leitores vai diminuindo, tanto em 2015 quanto em 2019, quanto mais
distante da escola está o público adulto.
Marcia Abreu (2001) apresenta dados que nos ajudam a entender parte das raízes
histórias da dificuldade de acesso ao livro. Em texto intitulado “Quem lia no Brasil colonial?”,
ela discute o preço no século XVIII e início do XIX para mostrar quem, entre a população
interessada em livros, podia, de fato, manter regularidade na aquisição desse objeto:
O que se nota é que desde o Brasil colonial o livro é um objeto inacessível para boa
parte da população. Na citação, mesmo para profissionais que trabalhavam diretamente
com o livro não era fácil dispor de um acervo particular, ainda mais uma biblioteca. Hoje,
podemos pensar utilizando a mesma regra. No ano de 2022, o piso salarial estabelecido
para os professores foi de R$3.845,63 para 40 horas semanais de trabalho. Consideran-
do esse valor, é possível para o professor dispor facilmente de um acervo particular? Ou,
ainda, de um acervo para compartilhar com seus alunos caso a escola na qual atue não
tenha biblioteca?
Roger Chartier (2014), em A mão do autor e a mente do editor, defende que alterar
as formas como uma comunidade lê é um trabalho extremamente moroso. Para que as
práticas e hábitos (Chartier, 2014, p. 78) se modifiquem, é preciso tempo, pois os inves-
timentos, mesmo que sejam constantes e altos, demoram a provocar efeitos duradouros.
Olhar para o brasileiro como um não leitor, julgando somente as estatísticas de não leitores
de modo isolado, não permite que a questão da leitura e da leitura literária no Brasil seja
vista com a atenção que realmente merece. É preciso, ao contrário, evidenciar as razões
pelas quais 48% de não leitores revelados pela Retratos da leitura no Brasil.
A leitura envolve fatores que vão além do processo de decodificação do código
escrito ou mesmo da produção de sentido em frente ao texto. Zilberman (2009), ao analisar
a história da leitura, destaca que se, por um lado, durante o início do século XX, a leitura foi
considerada como “escapista”; mais recentemente, é entendida como libertadora quando
se transforma em ponte para construção do conhecimento e da autonomia. Conquistar a
habilidade de ler é um passo fundamental na conquista da autonomia, por ser a leitura mais
que o domínio de um código, mas um valioso instrumento que pode ser ferramenta para a
conquista da emancipação, pois os bens culturais se tornam acessíveis aos sujeitos.
Valida-se a mesma necessidade para a leitura literária. Negar, portanto, a literatura
às crianças e adolescentes pertencentes às famílias socialmente desfavorecidas é como
negá-las qualquer outro bem essencial. Primeiro por não favorecer a expressão e reflexão
de suas emoções, sentimentos e discursos construídos em suas relações sociais. Segundo,
Assim, não importa em somente ofertar materiais de leitura, mas em entender quais
são os materiais de leitura disponibilizados à população. Quando as pessoas têm acesso a
materiais diversos, conseguem comparar discursos e ideologias, bem como entender seus
próprios posicionamentos políticos diante do mundo. Então, com o objetivo de demonstrar
como as iniciativas federais trataram a formação de leitores ao longo do tempo, os próximos
capítulos irão abordar a história dos programas oficiais de incentivo à leitura.
As mudanças, então, não foram somente no que diz respeito ao espaço físico da
escola. Envolveram, sobretudo, novas concepções acerca das formas de ensinar, que
precisavam estar em diálogo com o país que se buscava construir. Com as novas ideias
para a configuração do espaço escolar, era necessário haver certa homogeneidade no que
diz respeito a ações, conteúdos e metas, o que exigiu interferência governamental direta.
A ideia de modernidade almejada é buscada, entre outros, pela reconstrução do imaginário
popular e a escola é vista como espaço de privilégio para tais mudanças.
Para tanto, os livros infantis e escolares se fortaleceram significativamente nesse
período devido às campanhas de alfabetização lideradas por intelectuais, políticos e
educadores. Esse movimento evidenciou a carência de materiais destinados às crianças e
De fato, o foco no público escolar fez com que boa parte da produção livreira destinada
à escola fosse carregada de valores políticos relacionados ao civismo e ao patriotismo. O
propósito era fazer com que o público destinatário passasse a receber menos textos que
reproduzissem o modelo europeu, ao mesmo tempo que recebessem valores ideologica-
mente conservadores. A literatura infantil, então, passou a carregar a função de modelo de
valores, comportamentos e sociedade. Ressalta-se, contudo, que a relação entre produção
literária para crianças e escola se torna mais próxima em períodos posteriores de nossa
história, como veremos.
Nesse processo de modernização, na década de 1930, dois acontecimentos
marcaram a história dos investimentos em políticas públicas de leitura. O primeiro foi a
criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, no início do Governo de Getúlio Vargas,
em 14 de novembro de 1930. O segundo foi o reconhecimento legal, com a nova consti-
tuição federal, em 1934, da educação como direito de todos, e dever das famílias e dos
poderes públicos. Sem dúvida, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública,
os investimentos na formação de leitores estavam abrigados por um ministério, o que pos-
sibilitava a articulação de ações para o país todo, especialmente, com o reconhecimento
da educação como direito de todos. Esse fato foi essencial para que se crescessem os in-
vestimentos na educação, pois ela deixa de ser entendida como privilégio de determinados
grupos.
A escola buscava ampliar o acesso da população à educação e definiam-se as
responsabilidades da união, dos estados e dos municípios para cada fase da educação.
Pela primeira vez, também se propunham currículos e métodos de ensino por meio de uma
política nacional que era pensada de forma integrada.
Capanema, o ministro que esteve à frente da criação do INL, citado no início deste
livro, não esconde que o objetivo do governo era ter um espaço a partir do qual fosse
possível incentivar a publicação de novos livros, mas que estes não circulassem indiscrimi-
nadamente, nem tratassem de assuntos indesejados. Era fundamental que a nova produção
editorial que seria conduzida a partir dali representasse os ideais de Getúlio Vargas para a
nação que queria formar.
Aos dezenove dias do mês de novembro de 1937, em frente à Escola de Aprendizes Marinheiros,
nesta cidade do Salvador e em presença dos senhores membros da comissão de buscas e
apreensões de livros, nomeada por ofício número seis, da então Comissão Executora do Estado
de Guerra, composta dos senhores capitão do Exército Luís Liguori Teixeira, segundo-tenente
intendente naval Hélcio Auler e Carlos Leal de Sá Pereira, da Polícia do Estado, foram
incinerados, por determinação verbal do sr. coronel Antônio Fernandes Dantas, comandante da
Sexta Região Militar, os livros apreendidos e julgados como simpatizantes do credo comunista
(...)
Tendo a referida ordem verbal sido transmitida a esta Comissão pelo sr. Capitão de Corveta
Garcia D'Ávila Pires de Carvalho e Albuquerque e a incineração sido assistida pelo referido
oficial, assim se declara para os devidos fins.
Os livros incinerados foram apreendidos nas livrarias Editora Baiana, Catilina e Souza e se
achavam em perfeito estado.
Por nada mais haver, lavra-se o presente termo, que vai por todos os membros da Comissão
assinado, e, por mim segundo tenente intendente naval Hélcio Auler, que, servindo de escrivão,
datilografei.
(assinados)
Luís Liguori Teixeira, Cap. Presidente
Hélcio Auler, Segundo-Tenente Int. N.
Carlos Leal de Souza Pereira
Transcrito do jornal Estado da Bahia, de 17-12-37
Dos livros censurados, boa parte era do escritor Jorge Amado. Seus livros, con-
siderados “propagandistas do credo vermelho” eram, com frequência perseguido pelos
militares. Era comum haver uma busca incessante pelas obras de um autor específico,
especialmente, quando este se manifestava politicamente de modo público. Era justamente
o caso de Jorge Amado:
1 A transcrição acima foi extraída da reportagem: “Ditadura Vargas incinerou em praça pública 1.640 livros de Jorge Amado”, que também
discute o modo de atuação dos militares nas buscas por obras subversivas e as razões pelas quais as obras de Jorge Amado eram tão
perseguidas. RAMOS, Jorge. “Ditadura Vargas incinerou em praça pública 1.640 livros de Jorge Amado”. Disponível em: Ditadura Vargas
incinerou em praça pública 1.640 livros de Jorge Amado - Jornal Correio (correio24horas.com.br). Acesso em: 10 set. 2023.
1 O quadro foi extraído do livro Educação e Letramento. MORTATTI, Maria do Rosário. Educação e Letramento. São Paulo: UNESP,
2004.
2 O quadro foi extraído do livro Educação e Letramento. MORTATTI, Maria do Rosário. Educação e Letramento. São Paulo: UNESP,
2004.
Essa relação tão próxima entre a escola e a leitura, que se revela nos dados que
vimos anteriormente a respeito da dificuldade de sujeitos se manterem leitores depois de
saírem da escola, permanece mesmo hoje. Pode-se destacar, entre essas dificuldades, o
número reduzido de bibliotecas públicas existentes no Brasil, o valor elevado do livro e do
livro literário e a ausência de políticas públicas de leituras que estejam desvinculadas do
espaço da escola. Por mais que as políticas públicas de leitura voltadas ao espaço escolar
sejam essenciais, também é possível pensar nos espaços de leitura para além da escola,
em projetos de leitura que integrem a participação dos cidadãos para além do espaço
escolar.
Também o caráter utilitarista de uso dos materiais de leitura contribui para reforçar
a ideia de que a leitura só cabe no espaço escolar. É comum materiais didáticos trazerem
atividades que não valorizem a construção de sentidos a partir do texto literário e que se
centre apenas no uso pedagógico desse material. Quando isso acontece, o espaço de in-
terpretação do aluno é reduzido, pois a leitura acaba sendo condicionada apenas para uma
interpretação unívoca e centrada em elementos que não sejam os aspectos literários.
Magda Soares (2006) destaca ainda outro problema relacionado aos materiais
didáticos e à leitura da literatura. Como os livros didáticos costumam fazer recortes de
trechos ou citações de materiais literários, a transposição do suporte dificulta a compreensão
das particularidades referentes ao texto literário. Assim, mesmo quando há, nos materiais
didáticos que trazem o texto literário em suas páginas, é comum as atividades cobradas
serem superficiais e não relacionadas ao que há de mais importantes neles:
[...] isto é, à percepção de sua literariedade, dos recursos de expressão, do uso
estético da linguagem; centram-se nos conteúdos, e não na recriação que deles faz
a literatura; voltam-se para as informações que os textos veiculam, não para o modo
literário como as veiculam (Soares, 2003, p. 43).
Ainda que esse momento tenha sido de falhas e de controle em relação aos materiais
que circulavam dentro do espaço escolar, é nesse momento que diversas editoram vão
se voltar à publicação de obras destinadas ao espaço escolar. Ainda que com um tom
moralista, ou atendendo ao discurso de exaltação à pátria, à família, aos bons costumes, o
mercado do livro se fortaleceu. O estado sempre foi um comprador com capacidade para
influenciar no andamento do mercado do livro, e, no que se refere a materiais escolares,
essa influência sempre foi bastante perceptível.
Por um lado, o mercado do livro encontra na literatura infantil e juvenil uma fonte
de lucro; por outro, escritores que tinham suas obras cerceadas pelo rígido controle viam
nessa literatura possibilidades de não serem barrados pelos sensores, assim, ela ganhou
1 As informações sobre o Concurso Literatura para todos estão disponíveis no link: http://portal.mec.gov.br/concurso-literatura-para-to-
dos. Disponível em: 10 set. 2023.
Diante das avaliações feitas e dos resultados apresentados, nenhuma ação foi
empreendida para ampliar o conhecimento dos mediadores em leitura acerca do PNBE e
não foram realizadas ações para melhorar as práticas de leitura desenvolvidas no ambiente
escolar. É preciso haver a compreensão de que mesmo as obras de atualização profissional,
enviadas anualmente, não são suficientes para que os mediadores adquiram ferramentas
para ações no sentido de fomentar práticas de leitura. É necessário que sejam feitas ações
de modo a capacitar os mediadores para desempenharem dignamente sua função.
O PNBE, desde seu início, movimentou cifras significativas (Cf. Tabela 3), sendo
um programa de extrema relevância pelo fato de enviar obras que passam por um extenso
processo avaliativo, por meio da parceria com professores pesquisadores de universi-
dades públicas de todo o Brasil. Foi o primeiro programa de distribuição de livros e de
livros literários às escolas a permanecer em existência por tanto tempo, pois os programas
anteriores eram marcados pela curta duração, pois, geralmente, quando se mudava
o governo, os programas em vigência eram extintos. Se, antes dele, a maior parte dos
programas era finalizada conforme se alteravam os governos, com o PNBE, o que se nota
é uma grande ampliação quando há a primeira mudança de governo, no ano de 2003,
momento da transição do Governo Fernando Henrique para o Governo Luiz Inácio Lula da
Silva, e seguiu-se, até 2014, em expansão não linear.
* Em 2000 foram produzidos e distribuídos materiais pedagógicos, voltados para a formação continuadas de
professores.
** Em 2004 foi dada continuidade as ações do PNBE 2003.
***Todas as escolas públicas da Educação Infantil (86.379), do Ensino Fundamental (122.742) e EJA (39.696).
**** Não disponível.
Fonte: (BRASIL, 2017)
Nota-se, nos dados, que há, em 1998, crescimento no número de escolas atendidas
desde o primeiro ano de funcionamento. Mas foi somente a partir de 2008 que o programa
passou a ter crescimento constante, pois começou a atender um número cada vez maior de
escolas e atender diferentes etapas do ensino, o que implicou um investimento 47 financeiro
cada vez mais significativo. Em 2010, por exemplo, todas as escolas públicas de Educação
Infantil, Ensino Fundamental do 1° ao 5° ano e EJA foram atendidas. No entanto, o PNBE
não disponibilizou no site quanto foi investido para as compras desses acervos.
A análise dos programas de leitura aqui apresentada teve como propósito evidenciar
o quanto o investimento na formação de leitores, ao longo de nossa história, foi pouco
substancial, se pensarmos no Brasil enquanto país em desenvolvimento e que tem na
leitura e na educação uma das principais ferramentas para a construção de sujeitos críticos
e participativos socialmente.
Já quando se discute a principal política brasileira de fomento à leitura em vigência
no Brasil, o PNBE, confere-se sua importância justamente por atender escolas de todo o
país e por ser um programa de Estado que tem continuidade independente das mudanças
de governo. Porém, é fulcral ressaltar que, em 2017, o PNBE foi extinto2, sendo que desde
o ano de 2014 já não havia distribuição de acervos.
Diante do fato de o PNBE não ter distribuído os acervos de 2015, diversas entidades
organizaram-se e elaboraram um manifesto em defesa da priorização do ensino, organizada
durante a Flip e intitulada Brasil, Nação Leitora e envolve entidades como Associação
Brasileira de Editoras de Livros Escolares (Abrelivos), Associação Nacional de Livrarias
(ANL), Câmara Brasileira do Livro (CBL), Liga Brasileira de Editoras (Libre) e o Sindicato
Nacional dos Editores de Livros (Snel). Entre as defesas da carta, está a necessidade de
se considerar a importância do livro e da literatura na redução de desigualdades sociais:
Entendemos que a formação de leitores, assim como a constituição de acervos de
bibliotecas escolares com livros de literatura devem ser prioridades nas ações do
Estado e, portanto, do Ministério da Educação. Só assim poderemos equiparar os
2 Notícia divulgada no G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/governo-federal-seguira-sem-entregar-novos-livros-
-de-literatura-para-bibliotecas-escolares-em-2018.ghtml >. Acesso em: 10 set. 2023.
Assim, as formas com as quais educação é tratada, no discurso das políticas públicas
permitem perceber como os discursos a ela relacionados são apropriados pelas instâncias
que a regulamenta. O sistema mantém ou modifica a apropriação dos discursos não somente
em relação aos saberes divulgados, mas também aos saberes não divulgados. Um sistema
de ensino, então, é sempre um processo de ritualização da palavra, que estabelece papéis
e funções para quem profere o discurso. O não envio de livros literários e de formação
profissional às bibliotecas escolares evidencia o quanto o discurso educacional pode ser
cerceado e alterado. Se a Retratos da leitura no Brasil (2016) revelou a existência de 44%
de brasileiros não leitores, é fácil constatar que há 56% de brasileiros leitores, possuidores
de maior ou menor grau de letramento. Boa parte deles, formados leitores nos bancos
escolares, no contato com livros literários disponíveis na escola. Ao interromper o envio de
obras literárias às escolas, então, o governo impede que se exerça um dos direitos mais
básicos relacionados à educação: permitir o contato do educando com todo tipo de discurso
(Foucault, 1996).
Diante do exposto, este capítulo, que se propôs a desenvolver uma análise
diacrônica das iniciativas federais de fomento à leitura, buscou evidenciar a necessidade
de se investir na propagação do livro, da leitura e da literatura. Constatou que as cifras
investidas ao longo da existência de programas como o PNBE e o PROLER provam que
A Política Nacional do Livro surge com objetivos diversos para o fomento ao livro.
Ela apresenta aspectos gerais, como o direito do cidadão em relação ao acesso ao livro, o
foco no desenvolvimento da produção do livro, das editoras e estratégias para a promoção
da leitura. Com objetivos diversos e contínuos, a Política Nacional do Livro coloca o livro,
pela primeira vez, no cerne de uma política de estado, não somente de governo. É interes-
sante pensar que somente em 2003 foi instituída uma lei com foco na propagação do livro
e da leitura em um país tão desigual. De certo modo, essa demora no surgimento de uma
Política Nacional do Livro justifica as políticas anteriores, caracterizadas por lacunas e por
inconsistências, já que não havia um plano que alinhasse os propósitos do governo federal
em relação à formação de leitores, ao fomento à produção nacional, à mediação na escola,
entre outros aspectos.
A Política Nacional do Livro está organizada em cinco capítulos. No primeiro,
tem-se as diretrizes gerais, como vimos logo acima; o segundo apresenta o que é definido
como livro: “[...] textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou
costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em
qualquer formato e acabamento” (Brasil, 2003); o terceiro dispõe aspectos relacionados
à produção, distribuição e comercialização do livro; o quarto trata da difusão do livro e o
quinto que apresenta aspectos gerais. Voltando-nos ao quarto capítulo da lei, ela dispõe
que:
O Art. 2º institui o modo de atuação da PNLE, que tem como propósito trabalhar de
modo integrado às outras políticas já existentes, mas, também atuar com foco no fortaleci-
mento da biblioteca e da cultura letrada, de modo amplo.
Diante da legislação discutida, fica nítida a existência de uma legislação em
diálogo com as discussões acerca da importância de se propagar a leitura e a literatura. Do
mesmo modo, a legislação esclarece a necessidade de se democratizar a leitura, capacitar
mediadores e valorizar simbolicamente a leitura enquanto possibilidade de desenvolvimen-
to intelectual e da economia nacional. Tais apontamentos, na mesma direção que aponta
Chartier (1990), revela a necessidade de se pensar na necessidade da democratização do
livro e da leitura enquanto práticas culturais.
Entende-se que o simples acesso aos materiais não tem associação direta com o
seu uso, tendo em vista que a propagação da informação não pressupõe a sua apropriação.
A necessidade de se pensar a leitura como uma questão relacionada à política contribui
para entendermos o modo com o qual as políticas de distribuição dos acervos concretizam
ações com o intuito de viabilizar o encontro entre o aluno e o livro. Para pensarmos em
relação a políticas governamentais, retoma-se o fato de que é somente na década de 1980,
decorridos 50 anos após a criação do Ministério da Educação e Cultura – MEC, que a
leitura entra na pauta das políticas públicas e, mesmo assim, de forma esparsa e alvo de
diversas críticas quanto ao funcionamento e adequação das obras.
Apesar disso, é fundamental destacar a pouca atuação concreta das leis. As
primeiras políticas para o livro, criadas somente no século XXI, além de tardias, são pouco
3 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13696.htm. Acesso em: 11 dez. 2022.
4 Programas públicos sólidos poderiam reverter nossas assimetrias históricas. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/semi-
nariosfolha/2019/09/programas-publicos-solidos-poderiam-reverter-nossas-assimetrias-historicas.shtml#:~:text=Em%20uma%20
sociedade%20marcada%20pelas%20ra%C3%ADzes%20profundas%20das,pol%C3%ADticas%20contribuem%20para%20que%20
se%20revertam%20assimetrias%20hist%C3%B3ricas. Acesso em: 10 set. 2023.
1 Fonte: Portal do FNDE - FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Acesso em: 10 set. 2023.
4 Composta pelos seguintes membros: a) representante do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED): Raquel
Figueiredo Alessandri Teixeira; b) representante da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME): Adeum Hilário
Sauer; c) representante da Associação de Leitura do Brasil (ALB): Luiz Percival Leme Brito; d) representante da Fundação Nacional do
Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ): Elizabeth d’Angelo Serra e e) técnicos especialistas na área de leitura, literatura e educação: Antonio
Augusto Gomes Batista, Maria da Glória Bordini, Maria José Martins de Nóbrega e Andréa Kluge Pereira.
5 Andréa Kluge Pereira; Antonio Augusto Gomes Batista; Luiz Percival Leme Britto, Maria da Glória Bordini; Maria José Martins de
Nóbrega; Vera Maria Tietzmann Silva. Também houve a entrada de novos membros: Ângela B. Kleiman; Carmem Lúcia B. Bandeira;
Cinara Dias Custódio; Cláudia Lems Vóvio; Heleusa Figueira Câmara; Heliana Maria Brina Brandão; Hnerique Silvestre Soares; Jane
Paiva; Raquel Lazzari Leite Barbosa; Tânia Mariza K. Rösing
Nota-se que, apesar de o conceito não ter necessariamente vínculo com aspectos
da literatura, apresenta-se a concepção de infância adotada. A criança é apresentada como
cidadã com direitos e deveres e que se forma e interage com o mundo de diferentes modos.
Em 2008, há um crescimento significativo do PNBE quando ele passa a incluir
também as escolas de Educação Infantil e Ensino Médio. Passam a ser consideradas,
então, outras obras literárias, com diferentes complexidades. O atendimento integral que
passa a ser oferecido pelo Programa é essencial para a formação de uma biblioteca múltipla,
diversificada e ampla.
Em todos os editais é ressaltada a necessidade da obra ser “representativa”, porém,
apenas no ano de 2005 houve explanação do que o edital entende por representatividade:
Os títulos devem ser representativos de diferentes propostas e programas literários
– desde aqueles que já firmaram uma tradição e conquistaram o reconhecimento de
diferentes instâncias da instituição literária, àqueles que rompem com esta tradição
e propõem – contemporaneamente – novos modelos e princípios para a produção
literária (BRASIL, 2004, p. 14).
Os jovens, adultos e idosos que buscam retomar sua escolarização pela EJA
também são oriundos das mais diferentes situações socioeconômicas e culturais, trazem
uma bagagem de conhecimentos adquiridos ao longo de suas histórias de vida, obtidos
em diversas situações do cotidiano e do mundo do trabalho. Muitos são neoleitores jovens,
adultos e idosos que ainda não desenvolveram plenamente suas habilidades e competên-
cias de leitura e escrita e que, independente do nível de escolarização, estão iniciando sua
caminhada de leitores. Nessa delimitação estão desde aqueles em processos de alfabe-
tização até os que estão cursando o Ensino Médio, mas permanecem no nível básico de
domínio da leitura e da escrita (Brasil, 2009, p. 26).
Também é perceptível, nos editais, o cuidado em selecionar obras que não
contenham ditatismos, moralismos, preconceitos e outros tipos de discriminação“. Com
efeito, durante muito tempo as obras destinadas ao contexto escolar eram reprodutoras de
valores e opiniões de um universo adulto ou do que os adultos esperavam em relação aos
alunos. Esse “compromisso pedagógico” entre a literatura infantojuvenil e a escola para
inculcação de normas e valores, presente desde a gênese do gênero, persiste até hoje em
obras que instrumentalizam a literatura com outras finalidades que descaracterizam o texto
literário. Por isso, o edital prevê a eliminação das obras que apresentam as características
mencionadas.
Em relação aos textos em prosa, seriam avaliadas, como apontam os editais (Brasil,
2009, p. 14), “a coerência e a consistência da narrativa, a ambientação, a caracterização
das personagens e o cuidado com a correção e a adequação do discurso das personagens
a variáveis de natureza situacional e dialetal”. Esses elementos podem possibilitar ao
indivíduo capacidade de se comunicar e se expressar em diferentes contextos, em situação
formal ou informal, pois saberá quais recursos linguísticos utilizar em uma ou outra situação.
Dessa maneira, ressalta-se a necessidade de proporcionar aos leitores variedade de livros
Nota-se, no primeiro item, o destaque para o uso em sala das obras selecionadas
e, no segundo, busca-se ampliar as oportunidades de uso individual das obras durante o
ano letivo. Os dois subitens voltam, então, a leitura da literatura para o uso em sala de aula,
associada, assim, à prática docente. Certamente, não há problema quando se destaca a
necessidade de pensar um espaço, na sala de aula, para uma programação que envolva a
leitura. Contudo, o terceiro item destacado aponta que o propósito dessas práticas devem
ser o de contribuir com o desenvolvimento de competências e habilidades dos estudantes
com base na Base Nacional Comum Curricular - BNCC.
A Base, aprovada nos últimos anos, vem acompanhada de diversas críticas por
parte da comunidade educacional e quando o uso dos materiais literários e de leitura estão
atrelados a esse documento, nota-se, também, um alinhamento ideológico com as ideias
da BNCC. Vale lembrar que a aprovação da BNCC foi feita com bastante resistência dos
setores interessados, tendo em vista o modo arbitrário como a reforma foi conduzida:
A consequência mais perversa dessa reforma, cuja elaboração se encontra
estreitamente aninhada em três instrumentos – Lei n.º 13.415/2017, BNCC e DCNEM
–, é a construção de uma formação que se fixa no presentismo, no utilitarismo,
no imediatismo que tem como resultado a perda da perspectiva do sujeito jovem
enquanto ser social [...]. Tal condição é imprescindível para que o segmento jovem
assuma os fracassos como determinantes de suas próprias “escolhas”, de forma que
as relações de produção material fiquem intocáveis no atual regime de acumulação
do capitalismo (Koepsel, Garcia, Czernisz, 2020, p. 2).
A política voltada à distribuição de livros foi nomeada como PNLD Literário a partir
da integração das políticas voltadas à literatura com um programa inicialmente voltado ao
livro didático. Passaremos, agora, a análise de como ficou configurado esse Programa
gestado ao longo do governo Bolsonaro.
O PNLD Literário foi instituído por meio do Decreto Nº 9.099, DE 18 de julho de
2017, ainda no governo do ex-presidente Michel Temer
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º O Programa Nacional do Livro e do Material Didático - PNLD, executado
no âmbito do Ministério da Educação, será destinado a avaliar e a disponibilizar
obras didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais de apoio à
prática educativa, de forma sistemática, regular e gratuita, às escolas públicas de
educação básica das redes federal, estaduais, municipais e distrital e às instituições
comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com
o Poder Público.
§ 1º O PNLD abrange a avaliação e a disponibilização de obras didáticas
e literárias, de uso individual ou coletivo, acervos para bibliotecas, obras
pedagógicas, softwares e jogos educacionais, materiais de reforço e correção de
fluxo, materiais de formação e materiais destinados à gestão escolar, entre outros
materiais de apoio à prática educativa, incluídas ações de qualificação de materiais
para a aquisição descentralizada pelos entes federativos.
§ 2º As ações do PNLD serão destinadas aos estudantes, aos professores e aos
gestores das instituições a que se refere o caput, as quais garantirão o acesso aos
materiais didáticos distribuídos, inclusive fora do ambiente escolar, no caso dos
materiais didáticos de uso individual (BRASIL, 2017)5.
A literatura na BNCC
Como se nota, o material a ser enviado passou a contar com informações sobre
autor e obra, gênero literário, temas, além de linguagem para motivar o estudante para a
leitura. Além do material paratextual, o envio da obra também precisa incluir um material
voltado ao professor, obedecendo aos seguintes critérios:
4.21. Para os anos iniciais do ensino fundamental e para o ensino médio, o manual
do professor digital, a ser apresentado de acordo com o item 4.2.1, deve estar
em consonância, conforme o caso, com a BNCC ou as Diretrizes e Orientações
Curriculares para o Ensino Médio e ser composto por:
4.21.1. Material de apoio no formato pdf com informações que: (1) contextualizem
o autor e a obra; (2) motivem o estudante para leitura/escuta e (3) justifiquem a
pertença da obra aos seus respectivos tema(s), categoria e gênero literário; e (4)
subsídios, orientações e propostas de atividades para a abordagem da obra literária
com os estudantes.
4.21.2. Material de apoio no formato pdf com orientações para as aulas de língua
portuguesa ou língua inglesa (conforme idioma da obra literária) que preparem os
estudantes antes da leitura das respectivas obras (material de apoio pré-leitura),
assim como para a retomada e problematização das mesmas (material de apoio
pós-leitura).
4.21.3. Material de apoio no formato pdf com orientações gerais para aulas de
outros componentes ou áreas para a utilização de temas e conteúdos presentes na
obra, com vistas a uma abordagem interdisciplinar.
4.21.4. Material audiovisual tutorial/vídeo-aula facultativo que ofereça, aos
professores, informações que (1) contextualizem o autor e a obra; (2) motivem o
estudante para leitura e (3) justifiquem a pertença da obra aos seus respectivos
tema(s), categoria e gênero literário; e (4) subsídios, orientações e propostas de
atividades para a abordagem da obra literária com os estudantes.
4.21.4.1. O material audiovisual deverá ter no mínimo 5 minutos e no máximo 10
minutos e deverá ser carregado via File Transfer Protocol.
Por ser facultativo, o material audiovisual não é critério de aprovação ou reprovação.
4.21.4.2. A disponibilização do material audiovisual é condicionada a avaliação
pedagógica.
5 Guia disponível em: https://pnld.nees.ufal.br/pnld_2022_educacao_infantil_literario/pnld_2022_educacao_infantil_literario_principios_
criterios. Acesso em: 21 set. 2023.
É, portanto, no Edital 2020 que se consolida a relação que deve existir entre as
obras selecionadas com a BNCC. É possível ver que as obras devem ser trabalhadas em
consonância com o estabelecido pela BNCC, porém, é possível afirmar que essa relação
não começa somente no momento de leitura, mas, sim, no momento da produção, pois,
certamente, tal relação motiva os escritores e escritoras já produzirem uma literatura com
objetivo pedagógico.
Já no Edital 2021, essa relação se torna ainda mais evidente quando o texto
menciona:
A fim de facilitar que as obras literárias sejam trabalhadas em consonância com
o estabelecido pela BNCC, tanto para língua portuguesa como inglesa, a obra
literária endereçada ao estudante (livro impresso do estudante) será acompanhado
de um expresso paratexto que, além de contextualizar o autor e obra, traz insumos
para a reflexão do respectivo gênero literário de forma comparada. Ademais, o
livro impresso do estudante também contará com um videotutorial. Seguindo essa
mesma lógica, ao professor é destinado um valioso documento de apoio em PDF e
mais dois videotutoriais (Edital 2021, p. 94).
Outro aspecto perigoso que é necessário ressaltar é que a literatura a ser produzida
e consumida no espaço escolar deve, também, contribuir para esse processo: a fruição
literária, então, cede espaço para uma literatura que contribua com a autodescoberta do
sujeito considerando seu futuro lugar no mundo:
Significa, nesse sentido, assegurar-lhes uma formação que, em sintonia com seus
percursos e histórias, permita-lhes definir seu projeto de vida, tanto no que diz
respeito ao estudo e ao trabalho como também no que concerne às escolhas de
estilos de vida saudáveis, sustentáveis e éticos (Brasil, 2018, p. 469).
O tema parece ainda mais problemático por dizer a qual conclusão a obra deve
chegar. A impressão que se tem é que tais vulnerabilidades deixarão de existir, ou serão
reduzidas, se representadas de acordo com determinada ideologia. As desigualdades
sociais e históricas que constituem nosso país, aliás, são razões pelas quais é tão difícil
o brasileiro ter acesso constante a livros e livros literários. Para a Base e para o PNLD
Literário, a impressão que se tem é que a “precariedade econômica” e suas consequências
devem desaparecer se combatidas no texto ficcional.
Em “Bullying e respeito à diferença” o tom pedagogizante que a literatura selecionada
deve conter se confirma. O texto explicativo apresenta que:
Problemas enfrentados no que se refere ao assédio moral e físico no cotidiano
escolar. As obras podem abordar, de forma crítica, os males gerados por esse tipo
de violência, inclusive, ressaltando a necessidade de respeito à diferença (seja ela
etária, de pertencimento étnico-racial, de classe, de gênero etc.) (Edital 2018, p. 38).
O que defendemos aqui é que a literatura a ser selecionada pelo PNLD Literário
não tem, de jeito nenhum, aspectos estéticos, críticos e culturais como base para avaliação,
pois esses aspectos cedem espaço para os critérios moralizantes, pedagógicos e de acordo
com a ideologia dominante das relações de trabalho. Certamente, tratar o bullying e respeito
à diferença no espaço escolar é essencial, mas essa não é função da literatura.
Cada obra, assim, deve vir com um manual, que também é avaliado em relação à
sua qualidade, e esse material vem com propostas de atividades, interpretações pré-fabri-
cadas, orientações para as aulas, possibilidades de interdisciplinaridade. Assim, assenta-se
a ideia, já esboçada em outros momentos do edital, que a literatura, para o PNLD Literário,
é um material pedagógico, didatizante, moralizante, cuja produção, circulação e recepção
devem estar de acordo com os ideais já apontados em outros documentos relacionados à
educação, em especial, a BNCC.
Defendi, em alguns pontos deste livro, que o modo como as políticas públicas de
leitura é conduzido responde a valores ideológicos do governo sob o qual está em vigência.
Nesse sentido, defendo, novamente, que um programa de leitura gestado a partir de um
golpe à democracia e consolidado em um governo de extrema-direita, tendo em vista que
o PNLD Literário nasceu na gestão de Michel Temer e se consolidou no governo de Jair
Messias Bolsonaro, revela intenções que se evidenciam ao longo dos editais. Ao apresentar
obras literárias conduzam os estudantes a buscar vencer por meio do trabalho, ter uma
atuação resiliente em um mundo competitivo, progredir por meio do esforço individual, o
processo de avaliação e seleção das obras mostra a perspectiva alinhada à demanda do
capitalismo e à produção de sujeitos pouco questionadores frente às desigualdades sociais.
Assim, a escola contribui com a produção de uma força de trabalho empenhada,
dócil, colaborativa ao capital e que busca solucionar os próprios problemas por meio de
atitudes individualistas. Já os materiais destinados ao professor colocam este profissional
no centro da produção desses sujeitos, já que, ao receber um direcionamento sobre como
deve trabalhar em sala de aula com as obras literárias, tem pouco espaço para criação e
adaptação à realidade social na qual atua, mas reproduz os ideias da BNCC, do PNLD
Literário e de todo um projeto de educação alinhado ao capitalismo.
O Conta pra Mim almeja transpor os muros escolares e ser um programa que tem
como foco o desenvolvimento de uma dinâmica de leitura voltada ao espaço familiar. No
excerto, podemos conferir três focos distintos: as habilidades relacionadas à linguagem; o
fortalecimento dos vínculos familiares e o desenvolvimento emocional. No site do FNDE
apresenta-se que o foco é nas famílias, especialmente as mais vulneráveis, que tenham
crianças na primeira infância.
O modo de funcionamento é por meio da distribuição de materiais on-line para
incentivar pais e familiares para aplicar, em casa, práticas de literacia familiar, que é,
segundo o Programa, tema pouco explorado no Brasil. Na explicação sobre o Programa
também se diz que tais materiais podem ser utilizados e adaptados por professores.
O conceito de literacia adotado pelo programa é o seguinte:
O conjunto de práticas e experiências relacionadas com a linguagem oral, a leitura
e a escrita, que as crianças vivenciam com seus pais ou responsáveis. É interagir,
conversar e ler em voz alta com os filhos. É estimulá-los a desenvolver, por meio
de estratégias simples e divertidas, quatro habilidades fundamentais: ouvir, falar,
ler e escrever! Literacia Familiar é se envolver na educação dos filhos, curtindo
momentos especiais de afeto, carinho e diversão em família, brincando com livros
e palavras. Não é preciso ter muito estudo, materiais caros nem morar em uma
casa toda equipada e espaçosa para praticar a Literacia Familiar. As práticas de
Literacia Familiar são acessíveis a todos! Bastam duas coisas: você e seu filho! As
práticas de Literacia Familiar podem começar durante a gestação e se estender até
Nota-se um aspecto inicial que já diverge da realidade de boa parte das famílias
brasileiras: a constituição de um único tipo de família. Adota-se, por aqui, com certa
frequência, a expressão pais ou responsáveis justamente porque muitas famílias têm avós,
tios ou parentes como responsáveis pelas crianças ou adolescentes. A adoção de tal termo
pelo programa, contudo, não é por acaso: houve, de fato, um discurso de resgate da família
nuclear muito presente no Governo Bolsonaro. O Programa Conta pra Mim, ainda que não
seja um programa de distribuição de acervos literários às escolas, como é o PNLD Literário,
e tenha como foco específico contribuir nas habilidades de leitura, tem como ponto de
partida textos ficcionais, inclusive, alguns clássicos. A defesa que se busca fazer aqui é que
há um alinhamento ideológico entre os dois Programas que tem como centro uma escolari-
zação bastante equivocada da literatura.
No ano de 2022, duas ações do Programa foram realizadas: o lançamento da série
de biografias da Coleção Conta pra Mim, com o lançamento de quatro livro digitais inéditos.
A série foi lançada em formato digital colorido, para leitura, e em preto e branco, para as
crianças colorirem. As biografias são as seguintes: de Anna Nery, Irmãos Rebouças, Padre
Landell e Carlos Chagas.
A segunda ação foi o lançamento do podcast “Era uma vez...”, que contém
quarenta e quatro histórias infantis narradas. O podcast está disponível no Spotify, Deezer
e SoundCloud. É importante destacar que as três plataformas digitais são pagas, o que
contradiz o foco em famílias em situações de vulnerabilidade social. Dispor de plataformas
de músicas e podcasts pagos vai contra o ideal do Programa, que é o de ser acessível.
Além disso, como diversos materiais do Conta Pra mim estão disponíveis na própria página
em que o Programa está abrigado, por que essas histórias foram disponibilizadas por lá
também?
O Conta pra mim faz parte do PNA e tem como foco crianças de 0 a 6 anos com o
objetivo central de se trabalhar a alfabetização. O programa, contudo, apresenta problemas
estruturais: como as famílias em situação de vulnerabilidade terão acesso aos materiais do
programa, visto que estão em plataformas digitais? De que maneira os materiais digitais
contribuirão com a alfabetização? Por meio de quais estratégias? Como os resultados
serão monitorados?
As informações sobre o Conta pra mim estão descritas no site do MEC, na aba
PNA, e quando se clica na parte destinada ao Conta pra mim, tem-se o conceito de literacia
com o qual eles estão trabalhando:
Literacia familiar é estimular as crianças a desenvolverem, por meio de estratégias
simples e divertidas, quatro habilidades fundamentais: ouvir, falar, ler e escrever!
O alinhamento ideológico que se percebe, até agora, nos trechos trazidos dos
documentos e do site se confirma nessa citação, pois, por meio da leitura e da escuta dos
textos ficcionais, a criança é convidada a desenvolver habilidades. Não há um convite para
a reflexão, para a interpretação e para o diálogo com as possíveis leituras feitas a partir dos
textos: “[...] as habilidades adquiridas pelos estudantes são para atender ao progresso da
civilização, o que pode ser caracterizado como uma educação tecnicista, que tem o objetivo
de promover sujeitos que atenderão a indústria” (Santos; Assoline, 2022, p. 578).
O que o documento deixa evidente é que a relação de amor que deve haver entre
os pais e os filhos é a responsável pelo sucesso ou pelo fracasso escolar desses sujeitos.
A leitura e a partilha de histórias são tratadas como elementos centrais para esse sucesso,
pois, como o documento diz, os pais são os primeiros professores. É fundamental olhar
criticamente para dois aspectos dessa afirmação: o Brasil se caracteriza pela existência
de diversos modelos familiares, para além da família nuclear; os pais não são os primeiros
professores dos filhos. Atribui-se a esses sujeitos uma função que não é deles ao mesmo
tempo em que se diminui a profissão do docente: este sujeito se forma por meio de estudo
e prática, o que vai muito além da boa intenção dos familiares e de um desejo de contribuir
com o desenvolvimento das crianças.
Como objetivos, a portaria que institui o programa estabelece que:
Art. 6º São objetivos do Programa Conta pra Mim:
I - sensibilizar toda a sociedade quanto à importância de se cultivar a leitura em
família;
II - oferecer orientações acerca das melhores práticas de literacia familiar;
III - incentivar o hábito de leitura na população;
IV - encorajar pais a se engajarem na vida escolar dos filhos;
V - impactar positivamente a aprendizagem de literacia e de numeracia no decorrer
de toda a trajetória educacional, em suas diferentes fases e etapas;
VI - fomentar a promoção e a divulgação das práticas de literacia familiar em escolas
e sistemas de ensino; e
VII - incentivar o aprimoramento e a divulgação de conhecimentos científicos sobre
o tema da Literacia Familiar3.
Além dos materiais digitais, o Programa também disponibiliza PDF de alguns títulos
para impressão. A distribuição de materiais em PDF apresenta outro problema grave se
o propósito é formar leitores: como os pais terão acesso à impressão colorida? Quantas
famílias possuem condição de ler os materiais em PDF em um aparelho como celular ou
tablet?
2 Site do Conta pra Mim, no qual estão abrigadas as informações acerca do Programa: http://alfabetizacao.mec.gov.br/contapramim.
Acesso em: 11 dez. 2022.
3 BRASIL. Portaria nº 421, de 23 de abril de 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-421-de-23-de-abril-de-2020-253758595.
Acesso em: 11 dez. 2022.
A história começa com o elemento dêitico dos contos de fadas, “Era uma vez”, e
a história se inicia por meio da apresentação da princesa. Não se contextualiza como sua
mãe faleceu, nem o contexto em que um elemento que provocará rupturas na narrativa, a
madrasta, se insere no meio familiar. Também não há nenhuma abordagem em relação ao
Espelho Mágico, que simplesmente aparece na história. Voltando-nos a uma ideia afirmada
inicialmente no documento, é possível que os textos sejam utilizados no espaço da sala
de aula. O que se questiona é: qual a qualidade defendida pelo Conta pra mim? Depois da
criação de diversos programas com foco no aprimoramento dos processos de seleção de
acervos para comporem as bibliotecas escolares, o que o governo defende é a ideia de que
um texto superficial e empobrecido seja ofertado às famílias e às escolas.
Para comparação, veremos, agora, o início de Branca de Neves de autoria dos
Irmãos Grimm:
Há muito e muito tempo, bem no meio do inverno, quando os flocos de neve caíam
do céu leves como plumas, uma rainha estava sentada costurando junto a uma
janela com esquadrias de ébano. Costurava distraída, olhando os flocos de neve
que caíam lá fora e, por isso, espetou o dedo com a agulha e três gotas de sangue
caíram na neve. Aquele vermelho em cima do branco ficou tão bonito que ela
pensou: ‘Eu queria ter um neném assim, que fosse branco como a neve, vermelho
como o sangue e negro como a madeira da moldura desta janela.’
Algum tempo depois, ela teve uma filha, que era branca como a neve, vermelha
como o sangue e tinha cabelos negros como o ébano. Deram a ela o nome de
Branca de Neve, mas, quando ela nasceu, a rainha morreu5.
Nessa perspectiva, a autora reflete acerca do fato de que a distribuição dos bens
culturais está associada à distribuição dos bens materiais. A luta pela conquista dos bens
culturais deve estar, portanto, vinculada “à luta pelo acesso aos bens materiais”. Ao se
alcançar melhor distribuição dos bens materiais, portanto, é possível que os bens culturais,
do mesmo modo, sejam mais propagados. Com isso em mente, não se pode perder de
vista que: “[...] a leitura e a escrita, durante muito tempo, foram privilégios de poucos e, de
certa forma, ainda continuam sendo” (Espíndola, 2005, p. 29).
A leitura literária perpassa, invariavelmente, pela mesma questão: reconhecê-la
como um direito de todos e pensar modos de propagá-la, não se pode perder de vista que
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das
Letras, 2019.
ALBINO, Lia Cupertino Duarte. A Literatura Infantil no Brasil: origem, tendências e ensi-
no. São Paulo: Litteratu, 2010. Disponível em: Disponível em: https://docplayer.com.br/
8682229-A-literatura-infantil-no-brasil-origem-tendencias-e-ensino.html. Acesso em: 15
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Este livro apresenta uma história das políticas públicas de leitura no Brasil
e analisa um período que se inicia na década de trinta do século XX e vai
até as primeiras décadas do século XXI com o propósito de entender de que
maneira os investimentos na formação de leitores, na manutenção de acervos
de bibliotecas públicas e escolares e no fomento à produção, divulgação e
circulação da literatura no Brasil foram sendo conduzidos ao longo desse
tempo. A busca pela construção de uma história das políticas públicas de
leitura no Brasil é motivada pela necessidade de defender que a leitura e a
leitura literária são fundamentais para o sujeito, pois possibilitam o desen-
volvimento da percepção sobre a nossa história, tanto a individual quanto
a coletiva. A grande defesa que se busca fazer aqui é a de que o ato de ler
favorece nosso conhecimento sobre nós mesmos e sobre o mundo.
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