Politicas Públicas para A Leitura

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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA

E A LITERATURA NO BRASIL
Todo o conteúdo apresentado neste livro é de responsabilidade do(s) autor(es).
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações
4.0 Internacional.

Conselho Editorial

Prof. Dr. Ednilson Sergio Ramalho de Souza - UFOPA


(Editor-Chefe)
Prof. Dr. Laecio Nobre de Macedo-UFMA
Prof. Dr. Aldrin Vianna de Santana-UNIFAP
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Prof. Dr. Carlos Erick Brito de Sousa-UFMA
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Prof.ª Drª. Dayse Marinho Martins-IEMA
Prof. Dr. Daniel Tarciso Martins Pereira-UFAM
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Prof. Dr. Piter Anderson Severino de Jesus-Université Aix Marseille

Nossa missão é a difusão do conhecimento gerado no âmbito acadêmico por meio da


organização e da publicação de livros científicos de fácil acesso, de baixo custo financeiro e
de alta qualidade!
Nossa inspiração é acreditar que a ampla divulgação do conhecimento científico pode
mudar para melhor o mundo em que vivemos!

Equipe RFB Editora


Maisa Barbosa da Silva

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA


E A LITERATURA NO BRASIL

1ª Edição

Belém-PA
RFB Editora
2023
© 2023 Edição brasileira
by RFB Editora
© 2023 Texto
by Autor
Todos os direitos reservados

RFB Editora
CNPJ: 39.242.488/0001-07
91985661194
www.rfbeditora.com
[email protected]
Belém, Pará, Brasil

Editor-Chefe Bibliotecária
Prof. Dr. Ednilson Ramalho Janaina Karina Alves Trigo Ramos-CRB
Diagramação e capa 8/9166
Worges Editoração Produtor editorial
Revisão de texto Nazareno Da Luz
Autor

Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)

P769
Políticas públicas para a leitura e a literatura no Brasil / Maisa Barbosa da
Silva. – Belém: RFB, 2023.

Livro em PDF
126p.

ISBN 978-65-5889-658-6
DOI 10.46898/rfb.759de87a-d217-4642-9d05-448dc0c6b3b1

1. O que é uma política pública de leitura? I. Silva, Maisa Barbosa da. II.
Título.

CDD 869

Índice para catálogo sistemático

I. Literatura.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO................................................................................................................. 7
CAPÍTULO 1
O QUE É UMA POLÍTICA PÚBLICA DE LEITURA?......................................................... 13
CAPÍTULO 2
O BRASILEIRO É MESMO UM NÃO LEITOR? MITOS SOBRE A LEITURA NO BRA-
SIL...................................................................................................................................21
CAPÍTULO 3
A ESCOLA, O INL E O DISCURSO DE CONSTRUÇÃO DE UM BRASIL MODERNO: PO-
LÍTICAS DE LEITURA ENTRE 1930 E 1960..................................................................... 29
CAPÍTULO 4
ANALFABETISMO E AMPLIAÇÃO DAS CIDADES: A RELAÇÃO ENTRE A ESCOLA E A
LEITURA NA DÉCADA DE 1960 E 1970........................................................................... 41
CAPÍTULO 5
RESPIRANDO ARES DEMOCRÁTICOS: A LEITURA LITERÁRIA NA PAUTA DAS POLÍ-
TICAS PÚBLICAS EM 1980............................................................................................... 49
CAPÍTULO 6
O ESPAÇO DO LIVRO E DA LITERATURA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.................59
CAPÍTULO 7
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E SELEÇÃO DOS ACERVOS LITERÁRIOS DO PNBE....69
CAPÍTULO 8
TRANSIÇÕES NA COMPOSIÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE LEITURA: O PNLD
LITERÁRIO E SEU VÍNCULO COM A BNCC.................................................................... 83
CAPÍTULO 9
O QUE É QUALIDADE PARA O PNLD LITERÁRIO? CRITÉRIOS DE SELEÇÃO E AVA-
LIAÇÃO DAS OBRAS SELECIONADAS........................................................................... 95
CAPÍTULO 10
CONTA PRA MIM.............................................................................................................. 107
CAPÍTULO 11
POR UMA LEITURA LITERÁRIA QUE OCUPE ESPAÇO ESCOLAR ��������������������������� 115
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 119
APRESENTAÇÃO

E ste livro apresenta uma história das políticas públicas de leitura no Brasil e
analisa um período que se inicia na década de trinta do século XX e vai até
as primeiras décadas do século XXI com o propósito de entender de que maneira os in-
vestimentos na formação de leitores, na manutenção de acervos de bibliotecas públicas e
escolares e no fomento à produção, divulgação e circulação da literatura no Brasil foram
sendo conduzidos ao longo desse tempo.
A busca pela construção de uma história das políticas públicas de leitura no Brasil é
motivada pela necessidade de defender que a leitura e a leitura literária são fundamentais
para o sujeito, pois possibilitam o desenvolvimento da percepção sobre a nossa história,
tanto a individual quanto a coletiva. A grande defesa que se busca fazer aqui é a de que o
ato de ler favorece nosso conhecimento sobre nós mesmos e sobre o mundo.
Ao mesmo tempo, veremos que, devido à importância da leitura para nossa
formação, não é por acaso que ela sofreu diversos cerceamentos. Como poderemos
perceber, diferentes governos ao longo de nossa história limitaram a circulação de livros
por meio da perseguição a autores, editoras e livreiros. O que se nota é que, quando um
governo promove a censura a livros, ele revela suas intenções autoritárias, pois busca tirar
de circulação discursos que representem perigos a interesses dos grupos que estejam no
poder.
A censura direta a determinados autores e livros, contudo, não é o único perigo
que o livro enfrenta. Mesmo quando não há censura, é comum determinados governos
deixarem de investir na produção de livros, nas compras governamentais para preencher
as bibliotecas e no mercado editorial. Há, também, estratégias eficazes de controle de
discursos considerados subversivos por meio de uma perseguição constante. É o que
vemos acontecer, nos últimos anos, com o pensamento de Paulo Freire. Costumeiramente
acusado de comunista responsável pela ruína da educação brasileira, Freire, que tem sua
obra estudada em diversas universidades no Brasil e no mundo, tem seu discurso des-
valorizado por parte da população. Com considerável constância, encontramos pessoas
que não leram sua obra propagando inverdades acerca de seu pensamento, pois o que
conhece dele é a partir de uma leitura mal-intencionada de diferentes grupos políticos
Como mostra Michel Foucault, em A ordem do discurso, a produção do discurso é
regulada e controlada de acordo com regras e procedimentos. Assim, a discussão feita ao
longo deste livro busca mostrar que a história de distribuição de materiais de leitura e de
livros literários no Brasil é dirigida por meio de uma série de procedimentos com o propósito
de “conjurar seus poderes e perigos” (Foucault, 1996, p. 9). Então, seja por meio da censura
direta, por meio da falta de investimento em políticas eficazes de promoção de leitura, ou
mesmo da articulação de ataques a ideias consideradas perigosas para manutenção, por
exemplo, da desigualdade do acesso ao conhecimento e a bens culturais, o que se percebe
é que a produção do saber depende de instituições, pois existem regras de formação de
práticas discursivas que normatizam como determinados objetos são definidos.
No Brasil, quando foi fundado o primeiro instituto voltado à distribuição de livros e
de livros literários, explicitava-se muito bem seu propósito regulador: tratava-se do Instituto
Nacional do Livro – INL foi criado em 1937, no governo de Getúlio Vargas. O ministro
Gustavo Capanema, à frente do Instituto, encaminhou um ofício ao então presidente com
seu ponto de vista sobre o livro. No documento, Capanema defendeu que:
O livro não é só companheiro amigo, que instrui, que diverte, que consola. É ainda e,
sobretudo, o grande semeador, que pelos séculos afora, vem transformando a face
da terra. Encontramos sempre um livro ao fundo de todas as revoluções. É, portanto,
dever do Estado proteger o livro, não só provendo e facilitando a sua produção e
divulgação, e ainda vigilando no sentido de que ele seja não um instrumento do mal,
mas sempre o inspirador dos grandes sentimentos e das nobres causas humanas.
(Capanema, 15 de dezembro de 1937).

Capanema (1937) revela o ponto de vista de que o livro é muito útil tanto pelo
aspecto da distração possibilitada pela leitura quanto pela sua importância nos momentos
de transformação da sociedade. É justamente por isso que ele defende a necessidade de
controle sobre o livro, que, segundo ele, pode ser utilizado como um instrumento do mal
devido ao seu papel frente às revoluções. Para a manutenção de uma sociedade sem
enfrentamentos, sem revoltas, com uma população que não se organize para promover
transformações, é essencial que o livro ofertado motive diversão e valorização de ideias
apregoadas pelo grupo dominante, não sentimento de indignação.
Como conhecedores e conhecedoras da importância do livro, da leitura, da leitura
da literatura na construção de sujeitos críticos e competentes, podemos entender que
é essencial desenvolver estratégias para democratizar o acesso ao ato de ler. Não há
como pensar em uma sociedade menos desigual sem entender que o acesso a diferentes
materiais de leitura possibilita o desenvolvimento do pensamento crítico, a compreensão
sobre diferentes perspectivas de mundo e o conhecimento. Regina Zilberman (2009) mostra
que a literatura, ao longo da história, também sofreu repressão. Os materiais de natureza
ficcional, como ela defende, são conhecidos por seu caráter revolucionário e, por isso,
a literatura sempre foi fundamental em momentos de grandes transformações sociais e
culturais. Como aponta Isabela Nóbrega (2015):
O Estado brasileiro sempre demonstrou grande preocupação em manter sob
controle a produção, comercialização e o consumo das obras literárias. Podendo ser
elencadas inúmeras motivações desde a manutenção da família e da moralidade à
segurança nacional, a atuação da censura no Brasil é recorrente desde o período
Colonial (Nóbrega, 2015, p. 43).

Como vimos, a censura não é a única estratégia utilizada para dificultar o acesso
por parte da população a bens culturais. Não podemos pensar como natural o fato de
que algumas classes sociais têm condição plena de acesso a diversos tipos de material

Maisa Barbosa da Silva 8


impresso enquanto as classes mais baixas têm muita dificuldade em conseguir comprar um
único livro, ou, ainda, que tenham dificuldade para acessar bibliotecas públicas. Do mesmo
modo, é preciso pensar que mesmo estudantes têm dificuldade de acesso a livros porque
nem toda escola tem biblioteca ou mesmo uma sala de leitura.
Tal dificuldade no processo de democratização da leitura e da leitura literária se
dá por diversas razões. Uma delas é o fato de que nosso país se forma a partir de uma
colonização violenta e duradoura que fez com que desigualdades de classe, sexo e raça
se concretizassem naquele momento, mas que, também, ultrapasse o fim da colonização e
alcançassem nossos dias. Hoje, dados apontados do IBGE nos permitem constatar que a
maior parte da população mais pobre é formada por pretos ou pardos. Esse índice se agrava
quando falamos da diferença entre mulheres brancas comparadas a pretas e pardas. O
gráfico 8 do IBGE/2021 se refere especificamente à população pobre com renda per capita
inferior a US$ 1,90 considerando as assimetrias entre sexo, cor ou raça e grupos de idade.
Também é possível verificar que as crianças são muito afetadas pela pobreza. Isso acaba
por ser determinante quando se analisa o rendimento escolar, a formação da identidade e
a percepção de si próprio enquanto sujeito integrante de grupos sociais. O que se nota é:
as desigualdades que se construíram durante a nossa colonização ainda estão presentes
e provocando efeitos nos sujeitos (IBGE, 2021).

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


9
Se temos desigualdades histórias que nos constituem, é somente por meio de
políticas públicas sólidas e duradouras que elas podem ser reduzidas. Infelizmente, para
algumas classes sociais a compra de livros pode ser difícil devido ao valor econômico. É
por isso, então, que precisamos de políticas públicas de leitura para fazer com que alcance
as pessoas que não tem facilidade de aquisição desse material. Quando nos deparamos,
contudo, com um documento oficial disponibilizado pela Receita Federal no ano de 20211
alegando que um dos motivos para iniciar uma taxação tributária para os livros é o fato
de que apenas as pessoas com renda superior a dez salários-mínimos compram livros,
percebemos que nem sempre há um desejo político de que essas desigualdades realmente
sejam reduzidas.
Se tratamos das dificuldades de boa parte da população para comprar livros,
também é necessário pensarmos quais são as estratégias existentes ao longo da nossa
história com foco na distribuição de livros, de livros literários e da construção de bibliotecas
públicas e escolares. Em 2010, por exemplo, tivemos a criação da Lei n. 12.244, de 24 de
maio, sancionada no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estabeleceu
que até o ano de 2020 todas as instituições de ensino públicas e privadas de todos os
sistemas de ensino do País deveriam ter uma biblioteca. Dados do Anuário Brasileiro da
Educação Básica de 2020 indicam, contudo, que 56,3% das escolas de Ensino Fundamental
e 88,2% das escolas de Ensino Médio tem biblioteca e/ou sala de leitura (Brasil, 2020).
Apesar da importância da lei, notam-se as barreiras e o pouco esforço posterior para sua
implementação. Em um país como o nosso, em que boa parte do acesso ao livro por parte
da população só é possível por meio de espaços públicos, percebe-se a manutenção das
assimetrias relacionadas ao acesso ao livro.
Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1999), em A formação da leitura no Brasil,
quando refletem acerca da função social da leitura e do que é ser leitor, entendem-na
enquanto ato: “para o qual se canalizam ações individuais, esforços coletivos e necessida-
des econômicas” (Lajolo; Zilberman, 1999, p. 14). Ou seja, para que a leitura e a literatura
estejam ao alcance da população, é fundamental que haja um investimento governamental
substancial, pois somente os esforços individuais são insuficientes quando na transforma-
ção para o coletivo.
Com as desigualdades sociais presentes no Brasil, o número reduzido de bibliotecas
e a pouca presença de materiais de leitura provocam impactos significativos não somente no
mercado do livro, mas, principalmente, na dificuldade de se construir uma sociedade mais
justa e igualitária. Não se pode deixar de refletir, contudo, sobre o propósito de manutenção
dos sistemas de exploração:
1 No ano de 2021, a Receita Federal, por meio de um documento intitulado “Perguntas e respostas” explicava sobre a criação de um
novo imposto, a Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS, responsável por agrupar dois impostos já existentes o PIS e Cofins. Os livros
e materiais impressos sempre foram isentos desses impostos, mas, com a criação da CBS, planejava-se tributar os livros e materiais
impressos. Na ocasião, a alíquota prevista era de 12%. Fonte: https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-progra-
mas/reforma-tributaria/perguntas-e-respostas.pdf. 20 dez. 2021. [O documento foi retirado do site depois da data referenciada e da
repercussão da fala do então ministro Paulo Guedes, que alegou que só rico lê no Brasil].

Maisa Barbosa da Silva 10


[…] é preciso reconhecer grandes planos no que poderíamos denominar a
apropriação social dos discursos. Sabe-se que a educação, embora seja, de direito,
o instrumento graças ao qual todo indivíduo, em uma sociedade como a nossa, pode
ter acesso a qualquer tipo de discurso, segue, em sua distribuição, no que permite
e no que impede, as linhas que estão marcadas pela distância, pelas oposições
e lutas sociais. Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou
de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles
trazem consigo (Foucault, 1996, p. 43-44).

Assim, as formas por meio das quais educação é tratada pelas políticas públicas
permitem perceber como os discursos a ela relacionados são apropriados pelas instâncias
que a regulamenta. O sistema de educação mantém ou modifica a apropriação dos
discursos não somente em relação aos saberes divulgados, mas também aos saberes não
divulgados.
Diante do desejo de defesa da leitura, da leitura literária e da democratização do
direito à leitura, surge este livro. Nossa proposta se volta para a trajetória dos programas
federais de fomento à leitura e à literatura no Brasil. Para tanto, analisa o período que
compreende desde a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (1930), que
inaugurou as ações de propagação da leitura, até 1980, década na qual, com a abertura
democrática, passaram a ser criados programas de leitura sólidos e duradouros; o Programa
Nacional Biblioteca da Escola – PNBE, que foi o mais abrangente e dispendioso programa
de envio de acervos literários às escolas públicas no Brasil (1997-2014) e a primeira política
de estado voltada ao livro e à formação de leitores; os Programas criados após a extinção
do PNBE e em vigência contemporaneamente: o Programa Nacional do livro Didático –
PNLD Literário (2018) e o Conta pra mim (2019).
A nossa proposta circunscreve-se na perspectiva de que o livro não é um objeto
neutro (Chartier, 1990). Portanto, analisa como as políticas para o livro são conduzidas
ao longo dos anos. Do mesmo modo, esta proposta ainda se volta à análise da legislação
relacionada à produção, circulação e difusão do livro no Brasil.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


11
CAPÍTULO 1

O QUE É UMA POLÍTICA PÚBLICA DE LEITURA?


A s desigualdades históricas que assentam as relações de classe em nosso
país deixam algo evidente: para corrigi-las, é necessário empenho. Não é pelo
mero esforço, como alegam defensores da meritocracia, que trabalhadores e trabalhado-
ras que não dispõem de capital acumulado conseguirão ascender socialmente e vencer as
barreiras sociais, econômicas e culturais apresentadas às classes mais baixas do Brasil.
Mais do que ofertar uma assistência imediata para sanar um problema pontual, as
políticas públicas são planejadas com o propósito de corrigir, gradativamente, parte das
assimetrias que constituem um país desigual como o Brasil e garantir aos participantes a
possibilidade de ter acesso a itens de primeira necessidade, a bens culturais e, além disso,
de ascender socialmente.
Ao longo de nossa história fomos marcados pela desigualdade, aliás, a maneira
como fomos colonizados é a raiz de nossas diferenças e início da exclusão de determi-
nados grupos a direitos básicos de sobrevivência. Apesar disso, as políticas públicas não
são um tema tão antigo assim: em países como os da América Latina, é por volta de 1980
que o assunto passa a ser mais constante nos debates públicos. Daniel Gonzáles (2006)
defende que essa marca temporal para o início das discussões sobre políticas públicas se
dá pelo fato de que é nesse momento que começa a haver a recuperação das democracias
em toda a América Latina. Com os processos de redemocratização, começa-se a perceber
os efeitos das ditaduras e as desigualdades sociais que elas ampliaram. Já Celina Souza
(2006) aponta que pensar sobre políticas públicas tornava-se essencial para um país com
longas e recorrentes trajetórias inflacionárias.
Souza (2006) esclarece que há diferentes definições para o que seja uma política
pública, tendo em vista que se pode optar por abordagens variadas. De qualquer modo,
quando se pensa em políticas públicas, parte-se da ideia de que é necessário considerar
que a condução das políticas públicas são feitas com base em instituições, indivíduos,
interesses, ideologias e outros. Igualmente, elas provocam efeitos nas economias, nas
sociedades, em aspectos culturais de uma sociedade. Assim, entender em que momento
uma determinada política pública esteja sendo gestada e planejada contribui para a
compreensão de quais resultados ela busca provocar.
Entendo aqui, então, a política pública como sendo:
[...] o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em
ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor
mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação
de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos
traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que
produzirão resultados ou mudanças no mundo real. (Souza, 2006, p. 26).

Busca-se fazer com que um determinado governo se movimente em relação a


alguma assimetria que se apresente na sociedade, seja ela duradoura ou temporária. Essa

Maisa Barbosa da Silva 14


política, contudo, atende a diversos aspectos: em qual momento histórico ela está sendo
planejada? Por qual governo? Esse governo manifesta quais valores ideológicos?
Ainda que as políticas públicas tenham tomado forma, na América Latina, a partir do
fortalecimento dos sistemas democráticos, sabemos que os governos possuem propósitos,
que sejam apresentados ou não em suas plataformas eleitorais, que querem que se
concretizem no mundo real. Esses propósitos podem ser mais ou menos democratizantes.
O objetivo de uma política pública, então, é o de mapear as vontades e necessi-
dades de setores diferentes de uma sociedade buscando entender em qual direção essa
sociedade quer avançar. A eficácia de uma política pública é avaliada pela sua sustentabili-
dade, pela sua transparência, pela articulação entre os objetivos e as necessidades sociais
e pelo diálogo com setores sociais distintos.
A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), que dá nome ao critério SAE, que
trata da estratificação da população pautada na renda familiar corrente per capita, é o
critério principal utilizado para avaliar e planejar as políticas públicas no Brasil. Wagner
Kamakura e José Mazzón (2016) fazem uma ampla discussão sobre a relação estratifica-
ção e políticas públicas critérios de estratificação e comparação de classificadores socioe-
conômicos no Brasil. A SAE define o grau de vulnerabilidade de um domicílio com base na
condição de pobreza dele e, a partir daí, divide a população brasileira com base em sua
renda. Há três grandes grupos de classe socioeconômica – baixa, média e alta – e cada
classe contém suas subdivisões.
Tabela 1: tamanho dos estratos segundo o modelo SAE

Tabela 1: Fonte: https://www.scielo.br/j/rae/a/XJy5FwjHxmMfV6yDPhPXNxf/?format=pdf&lang=pt. Disponível


em: 10 set. 2023

A leitura da Tabela 1 nos leva a ver alguns aspectos para pensar as políticas públicas.
No item “Tamanho dos estratos”, temos que a menor parte da população está concentrada
na Classe Alta e a maior parte dos brasileiros está concentrada na Classe Média e Classe
Baixa. O maior estrato é justamente o Vulnerável, que abriga 19% da população e no qual
a renda per capita é de 163 e 291.
É possível interrogar, então, qual o papel das políticas públicas em um país no
qual a renda per capita mais alta é de mais de 2.480 reais e a mais baixa no máximo 81
reais? Deve-se almejar, entre outras coisas, que as pessoas integrantes das camadas mais

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


15
baixas tenham condições de acesso a bens que não são acessíveis, para eles, por meio da
compra e, aqui, nos interessa especificamente o acesso à leitura e à leitura literária: o alto
custo do livro, comparado com a renda mensal de parte dos brasileiros, faz com que seja
muito difícil para muitas famílias terem condição de comprá-los.
Pensando no porquê de o acesso à leitura ser considerado tão importante quanto
itens de necessidade básica é, também, pela possibilidade de materiais de leitura poderem
motivar desejos de transformação. Podem, assim, ser ferramentas fundamentais para
constituição de mudanças individuais e coletivas. É o caso, por exemplo, de Carolina Maria
de Jesus, que utilizava da leitura e da escrita para entender, por meio da escrita de seus
diários e, posteriormente, para denunciar a situação de desigualdade extrema em que
sua comunidade vivia. A sua consciência em relação às condições de raça e gênero e às
violências fruto do sexismo e do racismo era o que a motivava a buscar transformação de
sua realidade. Quando pensa sobre o casamento, por exemplo, Carolina tinha percepção
dos enfrentamentos que teria caso ela, uma escritora, resolvesse se casar:
O senhor Manuel apareceu dizendo que quer casar-se comigo. Mas eu não quero
porque já estou na maturidade. E depois, o homem não há de gostar de uma mulher
que não pode passar sem ler. E que levanta para escrever. E que deita com lápis
e papel debaixo do travesseiro. Por isso é que eu prefiro viver só para o meu ideal
(Jesus, 2000, p. 44).

Além do critério SAE, outro critério que nos ajuda a entender a realidade do
brasileiro é o critério Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Este critério,
que é utilizado especialmente para marketing, ajuda a compreender aspectos como poder
de compra, investimentos das famílias em cada área e o comportamento do consumidor de
modo amplo. Um dos critérios utilizados pelo critério ABEP, além da renda per capita, é o
nível de escolarização, como podemos observar na tabela seguinte.
Tabela 2: Perfil bruto da penetração de bens duráveis e serviços públicos nos sete estratos
socioeconômicos do modelo ABEP novo de verossimilhança condicional

Fonte: https://www.scielo.br/j/rae/a/XJy5FwjHxmMfV6yDPhPXNxf/?format=pdf&lang=pt. Disponível em: 10


set. 2023

Novamente, é fácil constatar a desigualdade de acesso à escola acompanhando a


desigualdade econômica quando se percebe que, quanto mais alto o estrato social, maior
o nível de escolarização. Observando a Tabela 2, notamos que 64,1% das pessoas que
estudaram 15 anos ou mais está na classe 1 contra 0,2% que está na classe 7. Para muitos

Maisa Barbosa da Silva 16


adolescentes e jovens adultos, é muito difícil conciliar o trabalho com os estudos. Infeliz-
mente, a desigualdade econômica condiciona também em que as pessoas conseguem
continuar estudando, dedicando-se a especialização em uma carreira.
Ainda que evidente, é preciso reforçar: uma sociedade que distribui mal suas
riquezas, que coloca parte de sua população em condição de miséria, também distribui
mal seus bens culturais. O acesso à educação formal se torna mais rareado conforme se
observa as classes mais baixas e isso faz com que o acesso a condições de transformar
a própria realidade seja continuamente sonegado das camadas mais baixas. Para Pierre
Bourdieu (1982), a dificuldade de acesso ao capital cultural também é uma forma de se
reproduzir condições sociais. Quando se afirma que a desigualdade econômica tira direitos
dos sujeitos e dá privilégios a outros é justamente porque o acesso ao capital econômico
permite que os sujeitos escolham, dentro de suas condições, moradia em espaços com
menos violência, escola com melhores índices de desempenho, universidades, livrarias,
teatros, shows e diversos outros capitais que vão promovendo a manutenção das desi-
gualdades. Não se pode esquecer, nessa perspectiva, que essas desigualdades também
sustentam a manutenção do racismo.
Pensando especificamente na leitura e na leitura literária e em seus modos de
produção e de circulação, é possível pressupor que quando o acesso é sonegado à boa
parte da população, contribui-se para que se forme um habitus. Esse conceito, de Pierre
Bourdieu (1989), pode dizer respeito tanto ao conjunto de práticas de uma determinada
sociedade que determina como os sujeitos serão divididos, a quais bem materiais e culturais
cada classe terá acesso, como também pode englobar como os sujeitos compreendem a si
próprios devido a essa divisão.
O habitus é o instrumento que permite compreender o modo como os condiciona-
mentos sociais vão levando o sujeito a se entenderem. Assim, se o sujeito nasce e cresce
em uma sociedade excludente e, dentro dela, tem acesso a um número muito limitado de
bens materiais e culturais, pode passar a entender que isso é natural e deixa de reivindicá-
-las.
Foucault, em Segurança, território e população ([1978] 2008), nomeia essa auto-
compreensão como subjetividade, que é a maneira por meio da qual o sujeito se entende.
Podemos dizer que o modo como eu me compreendo não é formado somente de acordo
com meus próprios valores e desejos, e, sim, é determinado pelo meio externo no qual eu
existo. Foucault entende que nossos pensamentos, ideais, perspectivas sobre si próprios
não são elaborados de modo totalmente individual, pois a cultura, o espaço e a história
conduzem de forma bastante significativa o desenvolvimento da subjetividade.
A subjetividade não diz respeito somente ao modo como o sujeito se compreende,
mas, também, como ele compreende o outro. Chimamanda Adichie (2019) defende, em O

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


17
perigo de uma história única, que costumeiramente formamos uma visão limitada a respeito
de um outro sujeito ou a respeito de um outro grupo a qual não pertenço. Quando não entendo
o outro como um sujeito, que deve ter acesso aos mesmos direitos e deveres, acredito que
o lugar social e cultural dentro do qual ele se encontra não precisa de alterações. Assim, é
comum vermos a naturalização das desigualdades, pois os sujeitos que não passam por
privações entendem, muitas vezes, que a dificuldade do outro se dá por mera escolha, ou
por falta de esforço (novamente, a falácia da meritocracia) e, também, que os sujeitos se
acostumam com as dificuldades.
Para Bourdieu (1987), quando falamos do mundo social, podemos entendê-lo como
um espaço multidimensional que é construído por meio da identificação de fatores de di-
ferenciação que são responsáveis por fazer com que diferenças sejam percebidas em um
determinado universo social. Além disso, o fato de nem todo mundo ter acesso a todos os
bens e parte desses bens serem escassos faz com que haja um jogo bastante competitivo
para aquisição e manutenção desses bens. É justamente por isso que as classes mais altas,
por terem a acumulação de capitais, conseguem fazer com que as gerações seguintes
recebam e se beneficiem desse acúmulo.
Então, não é somente dos capitais econômicos que as relações de poder são
mantidas, sendo o capital cultural uma das nuances por meio das quais elas se constroem
e se mantém. Desse modo, pensar os impactos da indústria cultural e sua relação com a
produção para leitores em formação parece contribuir com o questionamento e possíveis
reconstruções das relações de poder, tendo em vista ser o capital cultural um dos modos
pelos quais ele se mantém.
As políticas públicas de leitura, portanto, entendem que o acesso à leitura, à leitura
literária e à compra de livros não é, em nada, democratizado. Como bem cultural, o livro
está disponível aos pertencentes às classes mais elevadas e seu acesso por parte das
populações mais baixas depende, necessariamente, de políticas públicas sólidas.
Uma política pública tem por função permitir o avanço dos sujeitos dentro da
sociedade com foco em uma direção e que seja articulada e coerente de modo a garantir
a transformação de uma determinada situação. Políticas públicas, que precisam contar
com objetivos bem definidos, são avaliadas pela sua eficácia e pela sua capacidade em
garantir que os problemas de uma determinada sociedade tenham a possibilidade de serem
extintos. Para Gustavo Bombini (2008), em “Leitura como política educacional”, a promoção
da leitura envolve práticas e interessantes desafios epistemológicos, institucionais e meto-
dológicos, portanto, é sempre um campo de tensão.
As políticas públicas de leitura em terras brasileiras enfrentam ainda outro aspecto:
são marcadas por campos de interesse econômico que fazem com que sejam conduzidas
de modo a nem sempre serem determinantes na correção de assimetrias e na garantia do

Maisa Barbosa da Silva 18


acesso ao livro e à leitura por parte das classes mais baixas e, sim, utilizadas, não raro,
como ferramenta de jogos políticos, como veremos mais adiante, ao longo dos próximos
capítulos.
A criação de políticas públicas de leitura aqui no Brasil não é fruto do mero desejo
dos governantes. Estratégias de redução das desigualdades estão previstas na Constituição
Federal de 1988 e também estão assegurados ao cidadão direitos sociais básicos, como
educação, trabalho, lazer, saúde, segurança e moradia. Apesar disso, temos um Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH) que revela o descumprimento à constituição devido à
inexistência de políticas públicas que garantam os direitos básicos a uma existência com
dignidade.
Há que se notar, contudo, aspectos relacionados ao mercado editorial brasileiro,
bem como à produção e distribuição de livros no Brasil, que é bastante significativa. É
um aspecto necessário a se considerar, tendo em vista que, a partir da falácia de que o
brasileiro é uma não leitor, pode-se entender que tem poucos livros em circulação, ou, que
o livro é pouco consumido no Brasil. Dados relevado pela Snel revelam, nos últimos anos,
um crescimento do mercado:
O faturamento do mercado de livro no Brasil em dezembro foi de R$ 197,8 milhões, o
que representa um crescimento de 4,9% em comparação ao mesmo mês em 2019
(R$ 188,4 milhões). Segundo relatório da Nielsen e do Sindicato Nacional dos
Editores de Livros (SNEL), o volume de vendas também registrou aumento: passou
de 4,6 milhões em 2019 para 4,9 milhões no período, melhor marca de 20201.

O crescimento percebido em 2020 marca um avanço do mercado do livro brasileiro


e reflexo de uma produção livreira forte já há tempos. Em 2017, o Brasil ocupava a posição
de número 13 no ranking de maiores mercados de livro do mundo2. Já em 2020, houve
novo crescimento das vendagens em relação aos períodos anteriores:
O Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) divulgou nessa sexta-feira, 21,
os resultados do mercado editorial em dezembro, apontando um crescimento de
4,9% em relação ao mesmo período de 2020. Com uma arrecadação de 5,4 milhões
entre 6 de dezembro e 2 de janeiro, o setor fechou o ano com 55 milhões de livros
vendidos e receita de 2,28 bilhões de reais, 29,2% a mais do que em 2020. A notícia
é positiva para o mercado: é a primeira vez desde que o relatório passou a ser
publicado, em 2015, que a renda ultrapassa os 2 bilhões3.

Os dados das notícias em relação ao mercado do livro nos deixam perceber que
a nossa produção é alta e as vendagens significativas. As dificuldades com a formação da
leitura ou da distribuição de livros por todas as camadas econômicas não é, então, fruto de
uma produção insuficiente. Há outras raízes para a dificuldade com a formação de leitores
no Brasil

1 Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2021/01/20/mercado-de-livros-fatura-r-1978-milhoes-em-dezembro-e-nume-


ro-de-vendas-e-o-maior-de-2020.ghtml. Acesso em: 21 set. 2023.
2 Disponível em: https://www.publishnews.com.br/materias/2017/10/05/qual-o-tamanho-do-mercado-editorial-mundial. Acesso em: 21
set. 2023.
3 Disponível em: https://veja.abril.com.br/cultura/venda-de-livros-no-brasil-supera-r-2-bilhoes-e-bate-recorde-em-2021/. Acesso em: 21
set. 2023.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


19
Com um mercado editorial fortalecido4 ao longo das últimas décadas, com um alto
número de vendagens de livros, novamente, atesta-se que o problema, pelo menos em
relação ao mercado do livro, não é a não existência de produtos culturais, mas, sim, a sua
distribuição (Rosa; Oddone, 2006) desigual. O livro fica restrito às classes mais elevadas,
que entendem a importância desse capital cultural, enquanto as classes mais baixas nem
sempre podem renunciar a outros itens indispensáveis para sua sobrevivência e investir na
aquisição de livros e na manutenção de bibliotecas particulares.
Defendo, também, apesar das projeções negativas das estatísticas e dos dados
trazidos até agora, que há muito esforço de sujeitos e de instituições para que o acesso à
leitura seja mais democrático. Também parto da defesa de que há uma compreensão, às
vezes, preconceituosa de que o brasileiro não gosta de ler. No próximo capítulo, apresento
de quais materiais de leitura o brasileiro mais se aproxima e como a população compreende
a leitura e o ato de ler. Veremos que a relação entre o brasileiro e o livro é permeada por
mitos.

4 https://www.publishnews.com.br/materias/2017/10/05/qual-o-tamanho-do-mercado-editorial-mundial? Acesso em: 10 set. 2023.

Maisa Barbosa da Silva 20


CAPÍTULO 2

O BRASILEIRO É MESMO UM NÃO LEITOR? MITOS


SOBRE A LEITURA NO BRASIL
S e há um mito repetido com insistência é o de que o brasileiro não lê. A ideia de
que o brasileiro é um não leitor é sustentada por diversas justificativas: falta de
interesse, preguiça, procrastinação, entre outros argumentos rasos que buscam defender
outro mito já antigo: o de que somos atrasados e preguiçosos. Esse mito ganha tons ainda
mais preconceituosos quando se associa à ideia de que o brasileiro não tem cultura. É
comum ouvirmos pessoas afirmarem que o brasileiro é, naturalmente, pouco apegado ao
estudo, à leitura e ao desenvolvimento do que se considera uma cultura mais elevada.
Como se não bastasse a ideia que circula no cotidiano, por meio do senso comum,
essa assertiva foi, recentemente, reiterada pela Receita Federal Brasileira, que emitiu, em
um documento intitulado “Perguntas e respostas”1, argumentos para iniciar uma tributação
sobre os livros com a declaração de que eles só são consumidos pela faixa mais rica da
população, a que ganha acima de dez salários-mínimos.
A afirmação de que o livro não é consumido pelas camadas mais baixas da estratifi-
cação social e que isso valida a necessidade de tributação sobre ele é problemática por si só,
tendo em vista que carrega um aspecto bastante evidente: se a afirmação fosse verdadeira
e realmente as classes mais baixas não consumissem livros, seria fundamental o desen-
volvimento de políticas públicas para a promoção do livro e da leitura. Quando afirmamos,
anteriormente, que as políticas públicas precisam atuar para corrigir assimetrias, essa seria
uma delas. Contudo, discutimos também a ideia de que as políticas públicas carregam
aspectos sobre o governo e o momento histórico no qual são desenvolvidas. Percebemos,
então, que taxar os livros em 12% provocaria uma dificuldade ainda maior das populações
mais carentes no que tange ao acesso a tal bem cultural.
É necessário pensar sob quais condições se constroem as afirmativas de que o
brasileiro não lê para começarmos a compreender qual é, realmente, o problema relacionado
à leitura em nosso país. A dificuldade de acesso ao livro é, de fato, um problema para o qual
precisamos nos voltar para não corrermos o risco de corroborar mitos acerca da relação do
brasileiro com a leitura. Pensar sobre a leitura no Brasil envolve refletir sobre as condições
de produção e circulação, aspectos sobre os quais os leitores não têm tanto poder para
interferir. Quando se fala em leitura, é errôneo pensar que apenas aspectos como gosto
pessoal e escolhas individuais definem o que é um leitor. Há um jogo político sobre o qual
é fundamental pensarmos.
Se, por um lado, repetimos que o brasileiro não lê, por outro, muitas vezes, buscamos
culpabilizar a instituição que é o espaço de construção de leitores por excelência: a escola.
Vez ou outra nos deparamos com discursos que apontam as inúmeras dificuldades de as
escolas trabalharem com a formação de leitores. Na contramão dessas duas certezas,
Mirian Zappone (2017), em análise da pesquisa Retratos da leitura no Brasil deixa evidente

1 MINISTÉRIO DA ECONOMIA. https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/reforma-tributaria/pergun-


tas-e-respostas.pdf. Acesso em: 10 set. 2023.

Maisa Barbosa da Silva 22


que há, sim, práticas de leitura constantes no dia a dia dos brasileiros. A autora compara os
dados da Retratos com pesquisas acerca de outros países para mostrar que mesmo países
com maior desenvolvimento econômico possuem índices de práticas de leitura menores do
que os números brasileiros.
A afirmação de que o brasileiro é um não leitor, portanto, é um estereótipo que leva
a uma compreensão insuficiente de uma problemática real: os hábitos e práticas culturais
do brasileiro têm relação com sua condição econômica, contudo, afirmar que o brasileiro
não lê, ou só compra livros quem vem de uma família que tem renda superior a dez salários
mínimos, é negar os esforços das instituições, entre elas, as escolares, negar o avanço que
as políticas de acesso ao livro promoveram desde que começaram a ser implementadas e
desconsiderar o esforço pessoal e de diversas comunidades de promoção à leitura.
Defendemos, então, que para reinvenção das formas de opressão que acabam
por sonegar o acesso aos livros e aos livros literários é fundamental conhecer quais são
as condições da leitura no Brasil para que, a partir disso, seja feito um trabalho eficaz de
construção de políticas voltadas ao fomento da leitura. Tais políticas, além de permanentes,
precisam considerar as distintas realidades dos brasileiros. Temos uma significativa
dimensão territorial, condições econômicas e culturais muito variadas que precisam ser
levadas em conta por qualquer política que pretenda, de fato, ser transformadora.
A pesquisa mais duradoura a mapear os hábitos da leitura no Brasil tem sua gênese
em 2001, a partir de uma iniciativa de um grupo de instituições formado pela Câmara
Brasileira do Livro (CBL), pela Associação Brasileira de Celulose e Papel (BRACELPA),
pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e pela Abrelivros. Essas instituições
foram as responsáveis por iniciar a mais abrangente pesquisa sobre hábitos de leitura
no Brasil, a “Retratos da Leitura”. O objetivo da “Retratos” é mapear todos os estados de
modo a identificar a penetração da leitura de livros no país, qual o acesso dos brasileiros
aos livros, quais os hábitos de leitura no Brasil, entre outros aspectos que são investiga-
dos. Uma característica da pesquisa é o fato de cada edição trazer comparativos com as
edições anteriores (em 2021, foi publicada a 5° edição) e esse comparativo contribui para
entender como estamos avançando ou retroagindo.
Valido a necessidade de análise de tais índices com a afirmativa de Zappone (2017,
s.p.), que defende que é importante buscar entender a leitura no Brasil por meio de uma
perspectiva que considere os dados numéricos sobre as condições de acesso ao livro, pois
tais números afetam as práticas de leitura dos indivíduos.
Como se vê, é sempre necessário fazer um cruzamento entre os números da
leitura com outros dados, outros números. É preciso mapear dados acerca da presença
de bibliotecas públicas, de bibliotecas escolares, de desigualdades sociais, pois essas
referências ajudam a entender porque alguns grupos afirmam ler mais e outros dizem ler

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


23
menos. Aliás, entre os não leitores, a principal justificativa para não ler é a falta de tempo.
Para o adulto, mesmo que tenha interesse pela leitura, as cargas de trabalho exaustivas
dificultam essa aproximação. Vale à pena conferir o texto completo da última pesquisa
“Retratos da leitura no Brasil” publicada em 2021, pois ela apresenta não somente os índices
mais recentes, mas também um comparativo com as pesquisas feitas anteriormente2.
Sobre os números da leitura no Brasil, gosto especialmente dos dados acerca da
motivação para a leitura: 26% dos leitores afirmam que leem por que gostam; 17% leem
com a finalidade de “crescimento pessoal”. Entre os leitores de literatura, 38% afirmam
haver lido o último livro “por gosto” (Failla, 2021). Curioso ainda observar as motivações
para a leitura, pois há uma pluralidade de razões para as pessoas escolherem o que ler
e isso condiciona o material que buscarão. As afirmações acerca das motivações para a
leitura indicam que o ato de ler tem uma representação significativa para os brasileiros, que
entendem a leitura como uma prática necessária tanto para transformação pessoal quanto
para lazer.
Outro dado relevante acerca da Retratos é acerca da idade dos leitores. A figura
seguinte traz um comparativo entre a pesquisa feita em 2015 e 2019.
Figura 1: Leitores por idade

Figura 1: Leitores por idade. Fonte: https://www.prolivro.org.br/wp-content/uploads/2021/06/Retratos_da_


leitura_5__o_livro_IPL.pdf. Acesso em: 10 set. 2023.

Os números da 5° edição da “Retratos da leitura” nos traz um alerta: o número de


leitores vem diminuindo. A partir dos leitores de 11-13 anos de idade, vemos um declínio
que atinge de modo mais incisivo a população jovem: os leitores de 14 a 17 anos e os de 18
a 24 anos tiveram os menores índices na última pesquisa quando comparados com o ano
de 2019. Ainda assim, nota-se que a maior população de leitores é composta pelo público
em idade escolar.
2 https://www.prolivro.org.br/wp-content/uploads/2021/06/Retratos_da_leitura_5__o_livro_IPL.pdf. Acesso em: 10 set. 2023.

Maisa Barbosa da Silva 24


O gráfico, mesmo que tenha apresentado quedas, evidencia que há uma população
leitora significativa. Outro gráfico, acerca da relação gênero e leitura, evidencia um
crescimento entre as pesquisas de 2015 e 2019:
Figura 2: Gênero e leitura

Figura 2: Leitores por idade. Fonte: https://www.prolivro.org.br/wp-content/uploads/2021/06/Retratos_da_


leitura_5__o_livro_IPL.pdf. Acesso em: 21 set. 2023.

Mais de cinquenta por cento da população masculina e feminina, com uma ligeira
vantagem da população feminina, é considerada leitora: no ano de 2019, 50% do público
masculino se declarou leitor e 54% do público feminino se declarou leitor. A “Retratos da
leitura no Brasil” classifica como leitora a pessoa que leu pelo menos um livro, inteiro ou
em partes, nos últimos três meses. Por consequência, a pessoa não leitora é a que não leu
nenhum livro, nem inteiro nem em partes, nos últimos três meses.
Há outros aspectos que são necessários observar. Confiram-se que o número de
leitores está representado pela população em idade escolar. É possível notar que, gradati-
vamente, o índice de leitores vai diminuindo, tanto em 2015 quanto em 2019, quanto mais
distante da escola está o público adulto.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


25
Figura 3: Estudante e Escolaridade (2015 X 2019)

Figura 3: Leitores e escolaridade. Fonte: https://www.prolivro.org.br/wp-content/uploads/2021/06/Retratos_


da_leitura_5__o_livro_IPL.pdf. Acesso em: 21 set. 2023.

Além de destacar a importância da escola na formação e na manutenção de


leitores, pois, como se nota na Figura 2, a proximidade com a leitura vai sendo reduzida
quanto mais longe da escola está o público. Do mesmo modo, a maior parte dos leitores
está concentrada na população com maior índice de escolaridade.
Quando observamos a condição da leitura no Brasil, conseguimos perceber, por
meio dos institutos que promovem a análise da leitura no Brasil, que há, sem dúvida, uma
dificuldade significativa de fazer com que o livro seja democratizado. Assim como outros
bens, o livro, enquanto objeto, acaba ficando restrito a quem tem mais condições para
adquiri-lo.
Figura 3: Classe e Renda familiar (2015 x 2019)

Figura 3: Classe e renda familiar. Fonte: https://www.prolivro.org.br/wp-content/uploads/2021/06/Retratos_


da_leitura_5__o_livro_IPL.pdf. Acesso em: 10 set. 2023.

Marcia Abreu (2001) apresenta dados que nos ajudam a entender parte das raízes
histórias da dificuldade de acesso ao livro. Em texto intitulado “Quem lia no Brasil colonial?”,
ela discute o preço no século XVIII e início do XIX para mostrar quem, entre a população
interessada em livros, podia, de fato, manter regularidade na aquisição desse objeto:

Maisa Barbosa da Silva 26


Se um livro custava em torno de 1$000 por volume, era preciso ter uma renda
razoável para poder constituir uma biblioteca. Um aprendiz de tipógrafo que,
pelo seu ofício, deveria ter familiaridade com livros, não poderia adquiri-los com
freqüência, contando com um pagamento de $160 réis diários. Mesmo depois de um
ano de experiência junto aos prelos da Impressão Régia, quando sua remuneração
aumentava para $400 réis, ainda era necessário trabalhar dois dias inteiros apenas
para comprar um livro. Financeiramente, portanto, os livros não deveriam ser objeto
de muita preocupação, ao menos no caso das pessoas de posse, cujos bens de
outra natureza superavam largamente o valor das obras impressas. A análise
empreendida por Villalta dos inventários mineiros indica que “na média, os donos
de bibliotecas eram mais aquinhoados que os demais inventariados”. Embora tenha
localizado homens relativamente pobres em cujos inventários há livros, conclui pelo
predomínio de endinheirados entre os proprietários de bibliotecas (Abreu, 2001, p.
10-11).

O que se nota é que desde o Brasil colonial o livro é um objeto inacessível para boa
parte da população. Na citação, mesmo para profissionais que trabalhavam diretamente
com o livro não era fácil dispor de um acervo particular, ainda mais uma biblioteca. Hoje,
podemos pensar utilizando a mesma regra. No ano de 2022, o piso salarial estabelecido
para os professores foi de R$3.845,63 para 40 horas semanais de trabalho. Consideran-
do esse valor, é possível para o professor dispor facilmente de um acervo particular? Ou,
ainda, de um acervo para compartilhar com seus alunos caso a escola na qual atue não
tenha biblioteca?
Roger Chartier (2014), em A mão do autor e a mente do editor, defende que alterar
as formas como uma comunidade lê é um trabalho extremamente moroso. Para que as
práticas e hábitos (Chartier, 2014, p. 78) se modifiquem, é preciso tempo, pois os inves-
timentos, mesmo que sejam constantes e altos, demoram a provocar efeitos duradouros.
Olhar para o brasileiro como um não leitor, julgando somente as estatísticas de não leitores
de modo isolado, não permite que a questão da leitura e da leitura literária no Brasil seja
vista com a atenção que realmente merece. É preciso, ao contrário, evidenciar as razões
pelas quais 48% de não leitores revelados pela Retratos da leitura no Brasil.
A leitura envolve fatores que vão além do processo de decodificação do código
escrito ou mesmo da produção de sentido em frente ao texto. Zilberman (2009), ao analisar
a história da leitura, destaca que se, por um lado, durante o início do século XX, a leitura foi
considerada como “escapista”; mais recentemente, é entendida como libertadora quando
se transforma em ponte para construção do conhecimento e da autonomia. Conquistar a
habilidade de ler é um passo fundamental na conquista da autonomia, por ser a leitura mais
que o domínio de um código, mas um valioso instrumento que pode ser ferramenta para a
conquista da emancipação, pois os bens culturais se tornam acessíveis aos sujeitos.
Valida-se a mesma necessidade para a leitura literária. Negar, portanto, a literatura
às crianças e adolescentes pertencentes às famílias socialmente desfavorecidas é como
negá-las qualquer outro bem essencial. Primeiro por não favorecer a expressão e reflexão
de suas emoções, sentimentos e discursos construídos em suas relações sociais. Segundo,

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


27
por dificultar o desenvolvimento de sua humanidade e de uma visão crítica frente ao mundo
que o cerca. Para Antonio Candido (2004, p. 180), a literatura deve ser considerada um
bem indispensável, devido ao seu caráter humanizador: “[...] A literatura desenvolve em nós
a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a
natureza, a sociedade, o semelhante” (Candido, 2004, p. 180).
As políticas públicas de leitura, então, devem existir com o propósito de construir
bibliotecas, manter acervos e desenvolver práticas de leitura dentro e fora do espaço
escolar, justamente para constituir leitores que consigam avançar em seus níveis de leitura
e em sua relação com os materiais de natureza estética e literária. Como aponta Célia
Fernandes (2003),
A consciência do caráter político do ato de ler é importante para que o sujeito tenha
uma atitude emancipada frente ao texto, entendendo-o como produto e não como
verdade. A visão mitificada e neutra da leitura, que considera o ato de ler em si
mesmo, camufla o fato de que os discursos contêm representações de mundo
(Fernandes, 2003, p. 13).

Assim, não importa em somente ofertar materiais de leitura, mas em entender quais
são os materiais de leitura disponibilizados à população. Quando as pessoas têm acesso a
materiais diversos, conseguem comparar discursos e ideologias, bem como entender seus
próprios posicionamentos políticos diante do mundo. Então, com o objetivo de demonstrar
como as iniciativas federais trataram a formação de leitores ao longo do tempo, os próximos
capítulos irão abordar a história dos programas oficiais de incentivo à leitura.

Maisa Barbosa da Silva 28


CAPÍTULO 3

A ESCOLA, O INL E O DISCURSO DE CONSTRUÇÃO


DE UM BRASIL MODERNO: POLÍTICAS DE LEITURA
ENTRE 1930 E 1960
É possível abordar a leitura e a leitura literária, na história brasileira, a partir de
diferentes perspectivas e com objetivos distintos. Neste livro, o propósito é
abordar os investimentos para a formação de leitores com foco nas políticas públicas e na
legislação pertinente ao livro e à leitura e, por isso, partiremos da década de 1930, pois
é nessa década que contaremos com a criação das primeiras políticas públicas para a
promoção da leitura e leitura literária no Brasil.
Ainda que nosso foco seja especialmente no modo como os governos federais
trataram, desde a década de 1930, o livro e a formação de leitores, há outras possibilida-
des de leitura dessa história que são extremamente necessárias. Há três livros que traçam
caminhos distintos em relação à história do livro. Laurence Hallewell (1985), em O livro
no Brasil, analisa o desenvolvimento da comunicação impressa por meio da abordagem
dos processos de editoração. Ainda que essa seja a abordagem central, há outras investi-
gações apresentadas, como as censuras sofridas por editoras, os investimentos políticos
para o livro e para biblioteca, entre outros. Felipe Lindoso, em O Brasil pode ser um país
de leitores? Política para a cultura: política para o livro (2004), analisa a história editorial
no Brasil enfatizando as dificuldades do mercado do livro em um país com dimensões
continentais. Outra obra necessária é Livros para todos, organizado por Daniel Louzada
(2021). A obra reúne profissionais do mercado editorial e profissionais atuantes em diversas
áreas no campo das letras para refletir sobre a condição das bibliotecas, das livrarias e das
editoras no Brasil.
O período escolhido para o início desta análise foi a década de 1930 porque nesse
momento o país vivia um período de intensas mudanças nos campos políticos, econômicos
e culturais que marcaram a história do livro no Brasil e da escola. Aliás, como veremos
nos próximos capítulos, a instituição escolar sempre teve uma profunda relação com as
políticas públicas de fomento à leitura e à leitura literária.
As primeiras décadas do século XX foram momentos de muita mudança em terras
brasileiras, entre elas, há diversas alterações que influenciam diretamente na questão do
livro. Em relação ao livro didático, por exemplo, é somente no fim do século XIX, como
apontam Lajolo e Zilberman (2009), em A formação da leitura no Brasil, que começa a
haver um abrasileiramento desse material. Durante o século XVIII e em quase todo o século
XIX, esses materiais eram importados da Europa. Em um país colonizado como o nosso,
isso acaba por provocar efeitos no modo como a população pensa, se entende e conhece a
história e a cultura. Os livros didáticos sempre tiveram um peso muito forte no Brasil quando
se analisa estrutura das aulas. Até hoje, como há escassez de outros materiais de apoio, é
comum aulas se centrarem prioritariamente no livro didático.
Não eram somente livros didáticos que eram trazidos ao Brasil: Lajolo e Zilberman
(2009) citam como obras como Os lusíadas, de Camões, Ornamentos da memória, de
Roquete, entre vários outros títulos portugueses que eram oferecidos ao público escolar

Maisa Barbosa da Silva 30


e que, muitas vezes, afastavam o públic-alvo de uma compreensão crítica do Brasil e de
aspectos de nossa cultura e história, pois não havia, em larga escala, materiais escritos
com uma perspectiva não colonial para fazer um contraponto aos livros portugueses.
Para além do campo educacional, haviam outras mudanças acontecendo. No início
do século XX, o Brasil passava de um modelo econômico agrário-exportador para o ur-
bano-industrial. Com as cidades em expansão, era necessário formar mão de obra para
trabalhar nas fábricas. Portanto, era necessário reduzir o número de analfabetos, fortalecer
a escola e mudar a maneira com a qual o Brasil era percebido tanto no exterior quanto na-
cionalmente.
Era preciso, então, construir a imagem de um Brasil moderno, pois a Proclamação
da República em 1989 botava fim à monarquia e era necessário propagar os ideais da
república. Mesmo assim, valores necessários à consolidação da República, como o de
liberdade e de igualdade, eram difíceis de ser concretizados, pois o Brasil sempre foi
marcado pela presença de coronéis e oligarquias rurais tão poderosos que tinham muita
força política no Brasil. Mudanças significativas, então, para os grandes poderosos, se
mostravam um tanto quanto ameaçadoras, portanto, eram necessárias estratégias de
manutenção das velhas estruturas.
É nesse cenário que se considera a força da escola para promover um novo olhar
dos brasileiros sobre o Brasil, pois se tornava urgente o fortalecimento da República. Na
década de 1920 os rumos da educação começam a ser alterados:
Os anos 20 foram ricos em debates sobre os rumos da educação. Algumas
experiências foram introduzidas, e as discussões entre os educadores adeptos da
nova corrente e os educadores católicos tomaram-se acirradas, ainda que não de
forma frontal. O início da década foi marcado por uma efervescente discussão entre
a intelectualidade preocupada em remodelar a República. A grande preocupação,
segundo Carlos Monarcha, era promover “o acabamento da República inconclusa”.
Dentro do espírito do centenário da Independência, o “debruçar-se sobre a Nação”
tomava-se fundamental. A fundação do Partido Comunista Brasileiro, a Semana de
Arte Moderna, os levantes tenentistas de 1922 e 1924, o lançamento da revista A
Ordem (do reduto católico Centro Dom Vital), a fundação da Associação Brasileira
de Educação-ABE e as diversas experiências de reformas educacionais ocorridas
ao longo da década são indícios desta preocupação com os rumos da nação. O
Brasil precisava de uma identidade que o habilitasse a ingressar na modernidade
capitalista. Naquele momento, ‘já não se tratava mais de procurar a peculiaridade
brasileira, o típico e o insólito como essência da alma brasileira, mas de integrar o
Brasil no mundo industrializado’ (Silva, 1992, p. 24).

A exposição sobre as alterações que aconteciam no Brasil nas primeiras décadas


do século XX é feita com o propósito de contextualizar o cenário em que os primeiros in-
vestimentos no fortalecimento da distribuição de livros, de livros literários das bibliotecas e
das bibliotecas escolares foram feitos. Era urgente a construção da imagem de um Brasil
moderno para que a República se consolidasse e se, no século XVIII e em boa parte do XIX,
era por meio dos livros que circulavam na escola que se mantinha a imagem de idealização

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


31
da monarquia, também seria pelos livros que se construiria a imagem de um novo país para
que a República se consolidasse.
Na década de 1930, essas primeiras mudanças começam a acontecer. Há um
intenso fortalecimento da rede escolar, o que também foi motivado pela necessidade de
qualificar mão de qualificar mão de obra e alfabetizar e formar a população. A escola primária
obrigatória foi implementada nesse contexto, em 1934, quando a educação também é
reconhecida, pela Instituição, como direito de todos.
Assim, a necessidade de ofertar mão de obra com qualificação mínima para
trabalhar nas indústrias foi mola motora para o incentivo tanto na propagação da leitura
quanto da escola. O objetivo não era, portanto, privilegiar a formação de leitores, mas pos-
sibilitar a alfabetização e permitir que os sujeitos adquirissem um nível de leitura suficiente
para ter o desempenho suficiente no espaço das fábricas (Caldas, 2002).
Esse caminho não foi necessariamente linear. O Brasil sempre teve diversos
conflitos políticos e na década de 1930 isso ficava evidente. Somente nessa década,
tivemos três formas de governos diferentes: o Governo Provisório de Getúlio Vargas (1930
a 1934), o Governo Constitucional (1934 a 1937) e o Estado Novo, iniciado pelo outro golpe
de Vargas, a partir de 1937.
De qualquer modo, tais movimentos contribuíram com alterações na concepção das
funções da escola, que deixa de ser uma extensão do campo familiar, privado e religioso, e
passou a ser um local no qual foi sendo construída a ideia de um Brasil moderno:
É no espaço das cidades, com diferentes ritmos e intensidade, que as escolas
deixam de configurar-se como extensão do campo familiar, privado e religioso
e, gradativamente, vão integrando uma rede escolar desenhada pelos governos
municipais. Essa rede substituiu as escolas isoladas e definiu os limites do poder,
às vezes abusivo, de diretores e inspetores escolares. Essa mudança exigiu a
intervenção não só nos aspectos materiais da escola, o que envolveu a produção
de um novo espaço com prédios e material didático pertinente aos novos objetivos
educacionais, mas também em seus aspectos simbólicos, pois almejava-se da
escola primária mais do que novas carteiras, quadros ou salas. Pretendia-se
construir nela um estado de espírito moderno (Nunes, 2003, p. 374).

As mudanças, então, não foram somente no que diz respeito ao espaço físico da
escola. Envolveram, sobretudo, novas concepções acerca das formas de ensinar, que
precisavam estar em diálogo com o país que se buscava construir. Com as novas ideias
para a configuração do espaço escolar, era necessário haver certa homogeneidade no que
diz respeito a ações, conteúdos e metas, o que exigiu interferência governamental direta.
A ideia de modernidade almejada é buscada, entre outros, pela reconstrução do imaginário
popular e a escola é vista como espaço de privilégio para tais mudanças.
Para tanto, os livros infantis e escolares se fortaleceram significativamente nesse
período devido às campanhas de alfabetização lideradas por intelectuais, políticos e
educadores. Esse movimento evidenciou a carência de materiais destinados às crianças e

Maisa Barbosa da Silva 32


ao público escolar. Como aponta Lia Albino (2010), a escola foi considerada um ambiente
privilegiado para a difusão de valores por meio dos textos ofertados ao público, já que eram
os consumidores almejados pelos projetos de alfabetização que se formavam naquele
momento. Assim, o mercado percebeu a possibilidade de repetir fórmulas nesses textos,
bem como em dar ênfase à missão formadora e patriótica dessa literatura para as crianças.
Devido a lacuna existente em relação a materiais, literários ou didáticos, destinados
ao público da escola, e com a necessidade de produção desse material, a escola passou a
ser vista, assim, como um lugar importante para a difusão de valores patrióticos, moralistas
e nacionalistas:
Transformando o movimento de nacionalização em nacionalismo, a literatura
lança mão, para a arregimentação de seu público, do culto cívico e do patriotismo
como pretexto legitimador, conceitos que se manifestam por meio da exaltação da
natureza, da grandeza nacional, dos vultos e episódios históricos e do culto à língua
pátria. Nesse sentido, se por um lado a preocupação com o destinatário infantil
motivou a adaptação que fez esses textos afastarem-se dos padrões europeus;
por outro, o compromisso escolar e ideologicamente conservador atribuiu a essa
literatura a função de modelo. (Albino, 2010, p. 5).

De fato, o foco no público escolar fez com que boa parte da produção livreira destinada
à escola fosse carregada de valores políticos relacionados ao civismo e ao patriotismo. O
propósito era fazer com que o público destinatário passasse a receber menos textos que
reproduzissem o modelo europeu, ao mesmo tempo que recebessem valores ideologica-
mente conservadores. A literatura infantil, então, passou a carregar a função de modelo de
valores, comportamentos e sociedade. Ressalta-se, contudo, que a relação entre produção
literária para crianças e escola se torna mais próxima em períodos posteriores de nossa
história, como veremos.
Nesse processo de modernização, na década de 1930, dois acontecimentos
marcaram a história dos investimentos em políticas públicas de leitura. O primeiro foi a
criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, no início do Governo de Getúlio Vargas,
em 14 de novembro de 1930. O segundo foi o reconhecimento legal, com a nova consti-
tuição federal, em 1934, da educação como direito de todos, e dever das famílias e dos
poderes públicos. Sem dúvida, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública,
os investimentos na formação de leitores estavam abrigados por um ministério, o que pos-
sibilitava a articulação de ações para o país todo, especialmente, com o reconhecimento
da educação como direito de todos. Esse fato foi essencial para que se crescessem os in-
vestimentos na educação, pois ela deixa de ser entendida como privilégio de determinados
grupos.
A escola buscava ampliar o acesso da população à educação e definiam-se as
responsabilidades da união, dos estados e dos municípios para cada fase da educação.
Pela primeira vez, também se propunham currículos e métodos de ensino por meio de uma
política nacional que era pensada de forma integrada.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


33
A primeira ação diretamente relacionada ao fomento da leitura e do livro foi a criação
do Instituto Nacional do Livro – INL. O INL foi criado durante o governo de Getúlio Vargas,
por meio do Decreto-lei nº 93, de 21 de dezembro de 1937, pelo então Ministro Gustavo
Capanema, já no início do Estado Novo.
A gênese do INL foi um importante marco para a história da leitura, pois foi o
primeiro órgão criado com o intuito de promover ações com foco na propagação do livro.
O Instituto tinha por principais metas a elaboração de uma enciclopédia e de um dicionário
nacionais, editar obras que atendiam o interesse da cultura nacional, o estímulo ao mercado
editorial brasileiro, bem como a expansão das bibliotecas pelo Brasil. O INL inaugurado
com propósitos que almejavam fortalecer o ainda tímido mercado editorial brasileiro, bem
como articular esse mercado aos ideais do Governo de Getúlio Vargas.
Por mais bem intencionada que pareça uma iniciativa governamental que vise a
difusão do livro, é sempre preciso olhar para elas com cautela. O INL foi um instituto com
uma ação decisiva ao longo de sua história, pois teve, ao longo de sua existência (1937 a
1987) uma atuação centralizadora e reguladora e controlou de perto os conteúdos e temas
dos livros publicados no Brasil e também os estrangeiros que eram recebidos.
Zita Oliveira (1994) defende que o INL, na ocasião de seu surgimento, tinha uma
atuação marcada pela censura da atividade intelectual, já que, por meio do Instituto, o
Estado Novo conseguia controlar todo o processo de produção cultural impressa, pois
era responsável pela elaboração, pela editoração, pela comercialização e pela divulgação
de boa parte das produções intelectuais brasileiras. Em um momento que se objetivava
fortalecer a ideia de um Brasil moderno, o INL teve uma atuação decisiva, pois permitia que
o governo construísse exatamente a imagem que queria de si.
Hallewell (1985) chama a atenção para o fato de que a censura sempre foi bastante
presente no Brasil. Mesmo antes da criação do INL já havia repetidas práticas de censura
ao livro. Para citar apenas um exemplo, há o caso da perseguição às editoras acusadas de
publicar conteúdo comunista:
Sérias restrições ao comércio livreiro começaram quando foi criado o Tribunal
de Segurança nacional (11 de setembro de 1936), e José Olympio logo se viu
perseguido por dois lados: a polícia apreendia seus romances pré-modernistas, por
seu pretenso conteúdo comunista, ao mesmo tempo que confiscava seus livros
políticos integralista por defenderem o tipo errado de fascismo. As coisas pioraram
ainda mais com a instituição do Estado Novo [...] (Hallewell, 1985, p. 369-370).

Capanema, o ministro que esteve à frente da criação do INL, citado no início deste
livro, não esconde que o objetivo do governo era ter um espaço a partir do qual fosse
possível incentivar a publicação de novos livros, mas que estes não circulassem indiscrimi-
nadamente, nem tratassem de assuntos indesejados. Era fundamental que a nova produção
editorial que seria conduzida a partir dali representasse os ideais de Getúlio Vargas para a
nação que queria formar.

Maisa Barbosa da Silva 34


O discurso do livro como um objeto que pode representar perigo, então, acabou por
ser constante nesse momento de nossa história. O que se nota é que mesmo as ações apa-
rentemente bem-intencionadas eram atreladas à necessidade de controle do que circulava,
pois a possibilidade de haver livros circulando com ideias consideradas subversivas ou
imorais era vista sempre de modo muito negativo.
Era comum haver ordens de queima de livros após apreensões em editoras também
consideradas subversivas. A seguir, vemos a transcrição de um trecho de uma ordem de
queima a livros em Salvador. A transcrição foi extraída da reportagem: “Ditadura Vargas
incinerou em praça pública 1.640 livros de Jorge Amado”, que também discute o modo de
atuação dos militares nas buscas por obras subversivas e as razões pelas quais as obras
de Jorge Amado eram tão perseguidas.

Transcrição da ata ordenando a queima de livros em Salvador


1

Aos dezenove dias do mês de novembro de 1937, em frente à Escola de Aprendizes Marinheiros,
nesta cidade do Salvador e em presença dos senhores membros da comissão de buscas e
apreensões de livros, nomeada por ofício número seis, da então Comissão Executora do Estado
de Guerra, composta dos senhores capitão do Exército Luís Liguori Teixeira, segundo-tenente
intendente naval Hélcio Auler e Carlos Leal de Sá Pereira, da Polícia do Estado, foram
incinerados, por determinação verbal do sr. coronel Antônio Fernandes Dantas, comandante da
Sexta Região Militar, os livros apreendidos e julgados como simpatizantes do credo comunista
(...)
Tendo a referida ordem verbal sido transmitida a esta Comissão pelo sr. Capitão de Corveta
Garcia D'Ávila Pires de Carvalho e Albuquerque e a incineração sido assistida pelo referido
oficial, assim se declara para os devidos fins.
Os livros incinerados foram apreendidos nas livrarias Editora Baiana, Catilina e Souza e se
achavam em perfeito estado.
Por nada mais haver, lavra-se o presente termo, que vai por todos os membros da Comissão
assinado, e, por mim segundo tenente intendente naval Hélcio Auler, que, servindo de escrivão,
datilografei.

(assinados)
Luís Liguori Teixeira, Cap. Presidente
Hélcio Auler, Segundo-Tenente Int. N.
Carlos Leal de Souza Pereira
Transcrito do jornal Estado da Bahia, de 17-12-37

Dos livros censurados, boa parte era do escritor Jorge Amado. Seus livros, con-
siderados “propagandistas do credo vermelho” eram, com frequência perseguido pelos
militares. Era comum haver uma busca incessante pelas obras de um autor específico,
especialmente, quando este se manifestava politicamente de modo público. Era justamente
o caso de Jorge Amado:

1 A transcrição acima foi extraída da reportagem: “Ditadura Vargas incinerou em praça pública 1.640 livros de Jorge Amado”, que também
discute o modo de atuação dos militares nas buscas por obras subversivas e as razões pelas quais as obras de Jorge Amado eram tão
perseguidas. RAMOS, Jorge. “Ditadura Vargas incinerou em praça pública 1.640 livros de Jorge Amado”. Disponível em: Ditadura Vargas
incinerou em praça pública 1.640 livros de Jorge Amado - Jornal Correio (correio24horas.com.br). Acesso em: 10 set. 2023.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


35
Uma grande fogueira de livros ardia, grossos rolos de fumaça escureciam o céu
e um forte cheiro de papel queimado se espalhava pelas imediações da parte
baixa do Elevador Lacerda. Não era um incêndio comum, mas a queima de 1.827
livros considerados ‘propagandistas do credo vermelho’, como eram chamados
pelos militares que, nos dias anteriores, tinham percorrido as livrarias da cidade e
apreendido quantos exemplares encontraram. Entre os livros que viraram cinzas
naquela tórrida tarde primaveril mais de 90% - eram de autoria de um jovem
jornalista e escritor baiano: Jorge Amado. (Ramos, 2012, s.p.).

Para que se mantivesse uma determinada imagem de nação e, especialmente,


para que a população ficasse longe de pensamentos contrário aos ideais do governo,
diversos escritores brasileiros tinham sua obra perseguida. É necessário pensar, também,
no processo simbólico de queima de livros “em praça pública”. Quando a perseguição aos
escritores se fazia seguindo esse ritual, era como se outros escritores fossem avisados
do que podia acontecer com sua obra. Queimava-se, assim, os materiais, as ideias neles
contidas e possíveis intenções subversivas de outros escritores.
Assim, objetivos como o de fortalecer a propagação do livro, da biblioteca, das
editoras e, ainda, criar um dicionário nacional, eram metas que permitiriam que os órgãos
reguladores também conseguissem controlar essas produções, pois, como defendia o
Capanema, o livro poderia ser um instrumento do mal.
Voltando à atuação do NL, vemos que, apesar de um início promissor e com
grandes metas, as primeiras atuações do INL foram marcadas por atribulações. As ações
do Instituto foram definidas a partir de três seções.
A primeira, a Seção da Enciclopédia e do Dicionário, era a responsável pela
organização da Enciclopédia Brasileira e do Dicionário Nacional. Nem e a enciclopédia
nem o dicionário foram feitos. A seção acabou por se ver sem seu propósito central ser
cumprido.
A segunda era a Seção das Publicações, responsável por editar obras raras e
importantes para a formação da cultura dos brasileiros. Era voltada ao desenvolvimento
editorial, pois seria a responsável por pensar em medidas para melhorar e baratear as
publicações de livros brasileiros e por melhorar o processo de importação de livros estran-
geiros.
A última era a Seção das Bibliotecas, responsável por organizar, ampliar, manter e
articular as bibliotecas em todo o Brasil. Há uma série de pesquisas acerca dessa seção,
pois, de fato, foi a que recebeu mais atenção do INL. A pesquisa de Suely Silva (1992), “O
instituto nacional do livro e a institucionalização de organismos culturais no Estado Novo
(1937-1945): planos, ideais e realizações” tem uma excelente leitura desse momento inicial
do INL e dos investimentos nas três seções.
É interessante pensar que, mesmo que o nascimento do INL tenha sido marcado por
uma série de propostas, as seções descritas só foram criadas no terceiro ano de existência

Maisa Barbosa da Silva 36


do instituto, em 1940. Mesmo depois, faltava articulação e definições claras das respon-
sabilidades de cada seção. Do mesmo modo, alegava-se constantemente a falta de verba
para cumprir com os objetivos, grandiosos, de cada uma das seções do INL. Ainda assim,
é contraditório, como aponta Silva (1992) o fato de que havia verba tanto para a produção
quanto para a distribuições de materiais impressos relacionados ao Serviço de Inquéritos
Político-Sociais – SIPS.
O SIPS tinha por função as atividades de controle ideológico e, portanto, investigava,
por meio de uma polícia secreta, e reprimia discursos contrários à ideologia do Estado Novo.
É interessante perceber a diferença de investimentos no INL e no SIPS, pois, enquanto o
INL tinha dificuldade para concretizar seus propósitos básicos, especialmente os relaciona-
dos ao fortalecimento das editoras, o SIPS recebeu um grande investimento para editar e
divulgar materiais de divulgação a favor do Estado Novo. Como mostra Silva (1992):
Editou o Serviço de Divulgação, de 1937 a 1939, e distribuiu pelo interior do Brasil, um
total de quarenta e cinco livros e folhetos, em edições que variaram de dez a setenta
e cinco mil cada uma, entre autoridades municipais, colégios, estabelecimentos
industriais, imprensa e particulares, conforme a natureza das obras editadas. O
contraste é grande. Além da demora no início das atividades, o INL esteve aquém
desse desempenho, não conseguindo jamais lançar quarenta e cinco publicações
em dois anos, com tiragens superiores a dez mil exemplares. (Silva, 1992, p. 50).

Dentro dessa mesma perspectiva, de controle, O INL investiu especialmente na


seção das bibliotecas. Por meio dessa seção, enviava às bibliotecas públicas acervos que
obrigatoriamente passavam por análise acerca dos temas, limitando as leituras do público-
-alvo. Assim, o livro e as bibliotecas passam por fase de ampla promoção, contudo, qualquer
obra que apregoasse ideias contra os objetivos do INL era mantida fora de circulação.
Oliveira (1994) destaca que as bibliotecas públicas receberam, em oito anos, 259.480
volumes, em média 781 volumes por biblioteca. Era, nesse cenário, um aumento conside-
rável, tendo em vista os anos anteriores. Há problemas, contudo, que podem ser identifica-
dos, como o fato de as bibliotecas públicas estarem concentradas em áreas urbanas com
aglomerações de 5.000 ou mais habitantes. A meta inicial era que fosse distribuído pelo
menos um volume para cada doze habitantes. Nesse caso, como mostra Oliveira (1994), o
mínimo que cada biblioteca deveria ter recebido por ano era 416 volumes, e não a média
de 781 por todo o período de oito anos.
Portanto, era objetivo do governo cercear as leituras para dificultar revoltas, frente
ao perigo que as ideias que circulavam em determinados livros ofereciam ao governo.
Destaca-se o empenho do Governo Vargas em exercer tal controle sobre as publicações,
expondo, como motivos, a necessidade de seleção de obras que valorizassem o Brasil
como uma potência unificada (Lajolo; Zilberman, 1986, p. 124), durante os anos de 1940. É
durante a década de 1940 que as bibliotecas passam por um processo de ampliação, bem
como da grande distribuição de acervos às bibliotecas públicas. As obras consideradas
positivas para a imagem o governo eram ofertadas à população com o desejo de moldar o

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


37
modo de pensar das pessoas. O que destaco aqui é que, quando um determinado governo
busca controlar a livre circulação de pensamento, ou a formação de cidadãos mais críticos
e engajados, nem sempre isso é feito pela redução da quantidade de livros distribuídos,
mas, sim, pelo controle do tipo de livro ao qual a população tem acesso.
Por um lado, as compras do INL eram muito positivas para as editoras brasileiras
devido aos baixos níveis de tiragens que existiam até esse momento. Com o desenvolvi-
mento da Seção das Biblioteca, que incluía a doação de obras editadas pelo INL para as
bibliotecas, para muitos livreiros, autores e editores isso significou o surgimento de um
grande cliente.
Por outro lado, o controle do INL limitava a atuação de diversas outras editoras com
materiais considerados subversivos nas décadas 1940 e 1950, momentos em que o livro
sofreu duras repressões. Escritores e editoras que buscassem enfrentar o sistema eram
punidos. Caldas (2005, p. 39) destaca a editora Meridiana e a editora Calvino, que foram
alvos de processos, por editarem obras “[...] consideradas ‘proibidas’ pelos ideais do pater-
nalismo nacional”.
As compras governamentais sempre foram fundamentais para o fortalecimento do
mercado do livro. É necessário, novamente, olhar com ressalva para esse contexto, pois,
como houve destruição em massa de livros considerados subversivos, muitas editoras
acabaram por serem descontinuadas devido às dificuldades financeiras. Como aponta
Hallewell (2005), a queima massiva de livros de determinadas editoras foi suficiente para
que algumas fossem fechadas.
O destaque dado a essa contradição é fundamental para um olhar crítico em
relação ao período. O que se percebe é que realmente houve um crescimento do mercado
editorial, o que foi fundamental para os períodos seguintes de expansão do mercado do
livro. Ao mesmo tempo, também é preciso perceber que muitas editoras foram fechadas,
pois não havia liberdade de pensamento. Qualquer editora que se mantivesse firme em
suas ideias, que apresentasse qualquer discurso crítico em relação ao governo, perceberia
as consequências disso. Considerando que a maior parte das editoras não tinha grandes
vendagens, editoras contrárias aos ideais do governo não conseguiam se manter.
Quando o governo determina quais assuntos são perigosos a ponto de perseguir
editoras que insistam em publicá-los, o que se tem como resultado é que passa a haver
um direcionamento nos conteúdos, temas e autores em circulação. Certamente, diversas
editoras preferiam fechar a alterar as temáticas abordadas, mas há que se considerar,
também, que muitas delas preferiam se adequar. Possivelmente, se não houvesse o
cerceamento à leitura e à literatura como visto até aqui, as temáticas e as críticas presentes
nas publicações desse momento seriam mais diversas.

Maisa Barbosa da Silva 38


Em 1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP lançou o Decreto nº
5.077 de 29 de dezembro de 1939, responsável por definir a perspectiva do governo em
relação ao livro e à circulação de ideias:
[...]
Art. 6º A Divisão de Divulgação compete:
a) a elucidação da opinião nacional sobre as diretrizes doutrinárias do regime, em
defesa da cultura, da unidade espiritual e da civilização brasileiras;
b) interditar livros e publicações que atentem contra o crédito do país e suas
instituições, e contra a moral;
c) combater por todos os meios a penetração ou disseminação a qualquer idéia
perturbadora ou dissolvente da unidade nacional;
d) fornecer, aos estrangeiros e brasileiros, uma concepção mais perfeita dos
acontecimentos sociais, culturais e artístico: da vida brasileira;
e) organizar, periódica e frequentemente, espetáculos musicais, para o fim de pôr
em relevo a personalidade e as obras de compositor brasileiro;
f) organizar programas de música de câmera, com a apresentação de intérpretes
brasileiros;
g) organizar, regularmente, sessões literárias, nas quais sejam divulgadas as obras
dos nossos melhores poetas e prosadores. [...] (Brasil, 1939).

O documento, ao mesmo tempo que diz buscar a promoção da leitura e de eventos


literários e artísticos, também assinala que isso será feito por meio de controle em relação
a qualquer ideia que perturbe a unidade nacional. A quarta competência elencada nos
permite perceber que há, também, outro interesse para esse cerceamento: formar uma
imagem positiva do Brasil para o exterior. De fato, caso começassem a ser exportadas
obras brasileiras com uma percepção crítica do país, outros países perceberiam que não
éramos tão unificados e coesos como o governo desejava transparecer.
O período de envolvimento das atividades federais com a censura teve fim em
março de 1945 com a queda de Getúlio Vargas e, também, com o fim da DIP. O fim da
censura marca o início de um novo período para a circulação de livros no Brasil, ainda que
a censura, como aponta Hallewell, ainda tenha continuado por parte de alguns governos
estaduais.
Marcando o fim desse primeiro período analisado, caracterizado pelo controle ao
livro e pela ausência de uma política pública de fato pensada para a formação de leitores,
para a compra e distribuição de acervos literários com foco em uma formação crítica e
competente por parte dos leitores, vimos que as primeiras décadas analisadas foram funda-
mentais para o início do fortalecimento do mercado editorial brasileiro. Tal início, conturbado
e contraditório, possibilita que se veja o quanto o livro pode ser considerado perigoso.
Ainda que não tenha sido um programa governamental brasileiro, é importante
mencionar uma ação estadunidense, de abrangência mundial, que provocou algumas
influências no mercado brasileiro. Trata-se do programa USIA – United States Information

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


39
Agency. Esse programa, criado em 1950, era uma ação que tinha por objetivo do programa
era distribuir, por meio de uma parceria, materiais que divulgassem a política dos Estados
Unidos, que criticassem o comunismo, que valorizasse a cultura estadunidense e ressaltasse
aspectos da vida e dos valores do país. Hallewell trata brevemente sobre essa parceria em
O livro no Brasil e Júlio Barnez Pignata Cattai (2011) apresenta uma análise detalhada do
programa. Como ele apresenta, no Brasil, o USIA tinha uma sala de leitura, três bibliotecas
e nove institutos equipados com biblioteca.
É curioso pensar na atuação dos Estados Unidos junto aos outros países, pouco
tempo depois do fim da Segunda Guerra Mundial, para atacar o pensamento comunista e
para enaltecer a cultura e a política estadunidense. Novamente, pode parecer muito positiva
a criação de bibliotecas em um país muito carente desse espaço, mas é sempre necessário
pensar nas intenções desses movimentos.
Neste capítulo, abordamos as transformações que aconteceram entre 1930 e 1960
com o objetivo de mostrar de que maneira a escola foi palco para a consolidação dos valores
e ideais que surgiram com o fim da Monarquia e para a formação de mão de obra para as
fábricas em um país que, nesse momento, contava com uma população analfabeta muito
alta. Também abordamos as primeiras décadas de atuação do INL, que esteve em vigência
até 1989. No próximo capítulo, veremos como o crescimento das cidades movimentou os
investimentos governamentais na leitura, na literatura e na escola.

Maisa Barbosa da Silva 40


CAPÍTULO 4

ANALFABETISMO E AMPLIAÇÃO DAS CIDADES: A


RELAÇÃO ENTRE A ESCOLA E A LEITURA NA DÉCADA
DE 1960 E 1970
N o segundo capítulo deste livro, para mostrar o quanto é falacioso afirmar que
o brasileiro é um não leitor, discutimos alguns índices de leitura e de hábitos
leitores dos brasileiros a partir dos resultados da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”.
Tais resultados, que evidenciam aspectos sobre as razões das escolhas de leitura dos
brasileiros, suas motivações, gostos pessoais, tempo e espaço nos ajudam a compreender
que as dificuldades em fazer com que a leitura esteja ao alcance de todos são históricas.
A análise dos índices de leitura no Brasil nos deixa algumas informações que são
fundamentais para entendermos as políticas públicas de fomento à leitura desenvolvidas
ao longo da história brasileira: o período em que o brasileiro permanece lendo com mais
assiduidade é quando ele está na escola. Isso acontece por uma série de razões: especial-
mente para os leitores de classes mais baixas, o acesso aos livros que a escola oferta é
fundamental para que possam desenvolver práticas de leitura. Quando uma cidade não tem
bibliotecas públicas, para muitas pessoas, continuar lendo com frequência depois de sair
da escola é muito difícil. Você já parou para observar quantas bibliotecas públicas existem
em sua cidade? Elas estão em quais lugares: centro ou periferia?
De fato, sendo o livro um objeto caro comparado à realidade da maior parte dos
brasileiros, a existência de lugares nos quais materiais de leitura sejam disponibilizados é
fundamental e a escola se mostra como um lugar essencial não somente para a oferta, mas
também para a mediação. Há, inclusive, um senso comum de que as pessoas precisam se
aproximar naturalmente da leitura para que seja eficaz, mas a verdade é que se aproximar
do livro e do livro literário e gostar dessa aproximação envolve um aprendizado. Como
aponta Maria do Rosário Mortatti (2018, p. 33): “[...] aprende-se a ler e a gostar de ler;
aprende-se a ter satisfação com a leitura; aprende-se a acompanhar modismos de leitura;
aprende-se a ter critérios e opiniões de leitura; aprende-se a julgar valores estéticos. A tudo
isso se aprende lendo”. Assim, o contato e o gosto pela leitura não se dão de modo intuitivo
e, sim, por meio de um aprendizado para o qual a escola tem um papel muito relevante.
Neste capítulo, a discussão é focada nas escolas públicas brasileiras, pois é para
esse espaço para o qual, quase sempre, se voltam os olhares quando se trata de se tornar
acessível a leitura e a leitura literária. A relação da escola com a formação de leitores
surge em um momento em que se busca democratizar, também, a educação, em meados
da década de 1960. Assim, passaremos a discutir a relação entre escola com a leitura e a
leitura literária a partir da condição da educação no Brasil.
É na década de 1960 que a aproximação da escola com o livro é feita de forma mais
acentuada, pois é quando que a educação começa a ser ampliada de forma mais acelerada
do que nas décadas anteriores. Nesse momento histórico, contávamos, ainda, com uma
alta população de analfabetos que vinha sendo reduzida de forma muito lenta, consideran-
do as décadas de 1940 e 1950, e passa a haver, então, o que Mortatti (2001) chama de
democratização do ensino. As cidades estavam crescendo muito depressa e, com ela, uma

Maisa Barbosa da Silva 42


população analfabeta ou com baixíssima escolarização se ampliava. No gráfico seguinte,
de Fausto Brito (2006), é possível ver a diferença entre o crescimento da população rural e
urbana ao longo do século XX.
Figura 4: Brasil: População rural e urbana, 1940/2000

Figura 4. Crescimento da população rural e urbana no Brasi. Fonte: https://www.scielo.br/j/ea/a/


ybD6Zn3KWKf3kffYcmSPRMh/#ModalFiggrf01. Acesso em: 10 set. 2023.

No gráfico, nota-se que o crescimento das cidades se acelera na década de 1950,


tendência que se confirma nas décadas seguintes. Com a população urbana tornando-se
cada vez maior, é necessário investir em sua formação, pois passa a haver uma nova con-
figuração das cidades. Era, então, fundamental ampliar a rede escolar para integrar a parte
significativa da população que vivia em situação de exclusão social.
Mortatti (2019) explica que a imagem da escola como acesso ao mundo da cultura
se constrói, no Brasil, no século XIX, e essa representação permanece ainda hoje. Com a
instauração do regime republicano, formou-se a ideia da escola como sendo o espaço de
esclarecimento das massas e de inserção dos cidadãos em um novo país que se formava:
O processo de ensino-aprendizagem inicial da leitura e da escrita – a alfabetização
escolar – continua a representar, para a grande maioria dos brasileiros, o portal de
acesso ao mundo público da cultura escrita e, para o Estado (mesmo em tempos
de neoliberalismo), o índice de medida e testagem da eficácia da escola pública,
gratuita e laica, como um dos pilares do regime republicano instaurado em nosso
país em 1889, e à qual se atribuiu função de democratização da instrução, com as
finalidades de “esclarecimento das massas” e de inserção dos cidadãos na nova
ordem política e social desejada para a nação brasileira (Mortatti, 2019, p. 47).

Mortatti (2019) discute aprendizagem da leitura e da escrita e, também, dos


processos de alfabetização e letramento. Aqui, tratamos da questão do gosto e da prática
da leitura e dos esforços governamentais para a aproximação da relação entre sujeitos e
livros. Essa relação, continuamente, passa pela escola, pois é nesse espaço que boa parte
dos brasileiros consegue ter acesso ao mundo da escrita. No capítulo em que discutimos

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


43
práticas e hábitos de leitura dos brasileiros, vimos que a tendência é o contato com a leitura
ir sendo reduzido quanto mais o indivíduo está longe dos bancos escolares.
Avançando a análise do analfabetismo no Brasil na década de 1960, vemos, no
quadro seguinte que, entre a população com quinze anos ou mais, ainda era muito alta a
porcentagem da população analfabeta no Brasil, especialmente, até a década de 1950.
Com boa parte da população brasileira fora da escola, muitas vezes, recém-chegada aos
centros urbanos, era urgente a valorização do espaço escolar para a transformação desses
números. É, então, a partir da década de 1960 que esses índices passam a se tornar mais
favoráveis. Sem dúvidas, a ampliação da rede escolar, o aumento no número de alunos ma-
triculados contribuiu para a transformação desse cenário. O Quadro 1 apresenta os índices
da população recenseada, do número de analfabetos e a taxa de analfabetismo por faixa
etária no período entre 1920 e 20001.
Quadro 1: população recenseada, número de analfabetos e taxa de analfabetismo por faixa etária,
entre 1920 e 2000 no Brasil

O quadro mostra, também, o quanto a população brasileira cresceu nos períodos


analisados. Entre 1920 e 1960 a população recenseada cresce mais que o dobro e isso
exige que a rede escolar seja significativamente ampliada para atender às novas demandas.

1 O quadro foi extraído do livro Educação e Letramento. MORTATTI, Maria do Rosário. Educação e Letramento. São Paulo: UNESP,
2004.

Maisa Barbosa da Silva 44


O quadro seguinte mostra as taxas de escolarização da população brasileira de 7 a
14 anos, entre 1950 e 20002.
Quadro 2: taxas de escolarização da população de 7 a 14 anos, entre 1950 e 2000, no Brasil

É possível perceber a diferença da taxa de alfabetização na metade do século e


no fim do século XX. O crescimento da rede escolar foi fundamental para fortalecimento
da educação no Brasil. Ao mesmo tempo, nota-se que esse movimento para fortalecimen-
to da escola é muito recente. Até 1970, ainda tínhamos uma população significativa fora
da escola devido a uma série de desigualdades, pois a população que não tem acesso à
escola é a população mais pobre.
Nesse momento histórico, em que se tornava urgente o fortalecimento da escola,
houve um aumento importante nas consumo do livro e do livro literário. Lindoso (2004)
faz uma ampla pesquisa acerca desse período com foco no mercado editorial e investiga
algumas tendências acerca da condição do livro e das compras governamentais nesse
período. A compra de livros era voltada, especialmente, ao livro didático. Para o mercado
editorial, tais compras foram decisivas para o surgimento de editoras especializadas na
produção de livros voltados à escola. É nesse período que o INL passa a ter uma atuação
mais significativa, pois começa a financiar eventos culturais e contribuir para o fortaleci-
mento da escola. A partir desse momento e de diversas reformulações no Instituto, as suas
ações passaram a ser integradas a Comissão do Livro Técnico e Didático – COLTED e o
INL começa a ter ações diretas em relação ao processo de escolha de livros escolares,
pois é a partir daí que se cria uma comissão para escolha e seleção de livros didáticos de
forma ampla. Ainda que o foco fossem os livros didáticos, também haviam iniciativas para
compras governamentais de livros de ficção e romances, mas sem ser de forma regular e
pontual como começará a acontecer com a abertura democrática, em 1985.
O processo de ampliação do INL e de sua participação nas compras de livros para
a escola contribuiu significativamente para a ampliação do mercado do livro no Brasil, em
especial, devido à produção que se destinava ao consumo escolar, pois o setor livreiro

2 O quadro foi extraído do livro Educação e Letramento. MORTATTI, Maria do Rosário. Educação e Letramento. São Paulo: UNESP,
2004.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


45
passou a focar justamente no que a escola precisava para auxiliar a aprendizagem. É
preciso, contudo, atentar ao momento histórico no qual essas transformações estavam
acontecendo. Durante a ditadura militar no Brasil, a COLTED e o INL foram responsáveis
pela compra de muitos materiais didáticos e literários. Contudo, os materiais enviados às
escolas apregoavam valores formativos desse período, portanto, apesar da quantidade
de obras distribuídas, não se contava com pluralidade no que diz respeito às temáticas.
Como vimos, tal prática foi bastante comum no governo Vargas: a compra de um número
significativo de livros, desde que atendessem ao discurso desejado pelo governo e que não
contrariasse a imagem de Brasil que se desejava vender aos países estrangeiros.
Também na década de 1960 é criado o Serviço Nacional de Bibliotecas – SNB,
com o intuito de organizar as bibliotecas de todo o país. Para Caldas (2005), foi uma ação
interessante, ainda que o incentivo à leitura, de fato, tenha sido bem tímido. O SNB buscou
organizar e regulamentar o funcionamento das bibliotecas no Brasil, bem como promover
o crescimento delas, mas não houve, em contrapartida, ações de fomento a utilização dos
espaços.
Voltando-nos à atuação da COLTED, a Comissão foi responsável, por um lado, pela
distribuição de 51 milhões de livros, mas, por outro, exerceu forte repressão à circulação de
qualquer obra não aprovada pelo governo (Krafzik, 2006, p. 18). Assim, mesmo que tenha
atuado de modo a favorecer a circulação do livro e a ampliação das bibliotecas, operou por
meio de forte repressão aos livros, músicas e outras manifestações artísticas que não eram
aprovadas. Com isso, constata-se o quanto a arte pode favorecer a construção de uma
percepção acerca da necessidade de sua autonomia e de sua busca pelos seus direitos,
motivo que levou os governos ditatoriais a exercerem sério controle em relação a ela.
Não se pode negar, contudo, que a ampliação da rede escolar, na época, foi
favorável à circulação do livro, especialmente, para o público escolar:
Vários indícios parecem confirmar que a literatura infantil brasileira mais recente
incorporou em diferentes níveis sua destinação pedagógica. No nível externo – o
de sua circulação – ela se beneficia da legislação que recomenda sua adoção:
seu acervo é divulgado diretamente nas escolas, seu marketing visa diretamente o
professor e já se tornou familiar, na sala de aula, a figura de um autor visitante que
discute com os alunos seus textos previamente adotados naquela classe (Lajolo;
Zilberman, 1986, p. 174).

Destinando sua produção diretamente para a escola, muitas editoras se fortalece-


ram nesse período, o que favoreceu a consolidação do mercado do livro e até da literatura
infantil e juvenil, que passou a ser comprada em grande quantidade para distribuição às
escolas. Ainda assim, é importante ressaltar que, como se tratava de obras que se voltavam
diretamente para as escolas, era comum, nesse período, devido à ausência de uma seleção
criteriosa, as editoras construírem um discurso utilitário e moralista:

Maisa Barbosa da Silva 46


[...] Amparados pela legislação educacional e/ou pelo paternalismo do Estado,
editores e autores começam a empregar de forma mais racional o caráter utilitarista
da escola conjugado ao agradável dos recursos da mídia, para satisfazer às velhas
necessidades de fantasia e ficção, agora as dos segmentos populares que têm (?)
acesso à escolarização (Magnani, 2001, p. 87).

Essa relação tão próxima entre a escola e a leitura, que se revela nos dados que
vimos anteriormente a respeito da dificuldade de sujeitos se manterem leitores depois de
saírem da escola, permanece mesmo hoje. Pode-se destacar, entre essas dificuldades, o
número reduzido de bibliotecas públicas existentes no Brasil, o valor elevado do livro e do
livro literário e a ausência de políticas públicas de leituras que estejam desvinculadas do
espaço da escola. Por mais que as políticas públicas de leitura voltadas ao espaço escolar
sejam essenciais, também é possível pensar nos espaços de leitura para além da escola,
em projetos de leitura que integrem a participação dos cidadãos para além do espaço
escolar.
Também o caráter utilitarista de uso dos materiais de leitura contribui para reforçar
a ideia de que a leitura só cabe no espaço escolar. É comum materiais didáticos trazerem
atividades que não valorizem a construção de sentidos a partir do texto literário e que se
centre apenas no uso pedagógico desse material. Quando isso acontece, o espaço de in-
terpretação do aluno é reduzido, pois a leitura acaba sendo condicionada apenas para uma
interpretação unívoca e centrada em elementos que não sejam os aspectos literários.
Magda Soares (2006) destaca ainda outro problema relacionado aos materiais
didáticos e à leitura da literatura. Como os livros didáticos costumam fazer recortes de
trechos ou citações de materiais literários, a transposição do suporte dificulta a compreensão
das particularidades referentes ao texto literário. Assim, mesmo quando há, nos materiais
didáticos que trazem o texto literário em suas páginas, é comum as atividades cobradas
serem superficiais e não relacionadas ao que há de mais importantes neles:
[...] isto é, à percepção de sua literariedade, dos recursos de expressão, do uso
estético da linguagem; centram-se nos conteúdos, e não na recriação que deles faz
a literatura; voltam-se para as informações que os textos veiculam, não para o modo
literário como as veiculam (Soares, 2003, p. 43).

Ainda que esse momento tenha sido de falhas e de controle em relação aos materiais
que circulavam dentro do espaço escolar, é nesse momento que diversas editoram vão
se voltar à publicação de obras destinadas ao espaço escolar. Ainda que com um tom
moralista, ou atendendo ao discurso de exaltação à pátria, à família, aos bons costumes, o
mercado do livro se fortaleceu. O estado sempre foi um comprador com capacidade para
influenciar no andamento do mercado do livro, e, no que se refere a materiais escolares,
essa influência sempre foi bastante perceptível.
Por um lado, o mercado do livro encontra na literatura infantil e juvenil uma fonte
de lucro; por outro, escritores que tinham suas obras cerceadas pelo rígido controle viam
nessa literatura possibilidades de não serem barrados pelos sensores, assim, ela ganhou

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


47
fôlego. Escritores brasileiros voltaram sua atenção para a produção destinada à infância
e adolescência por vê-la como caminho para criticar a ausência de liberdade, incitar a
população e desenvolver nos pequenos leitores a necessidade de uma consciência crítica
acerca da situação do país, de modo bastante metafórico. Destacam-se, nessa época,
obras como Bento que Bento é o Frade, de Ana Maria Machado, 1977; O Reizinho Mandão,
de Ruth Rocha, 1978; Era uma vez um Tirano, de Ana Maria Machado, 1982 e De Olho nas
Penas, de Ana Maria Machado, 1981, entre vários outros.
Já em 1979, contou-se com outra iniciativa, que foi a criação do Programa de De-
senvolvimento e Preservação do Livro - Prodelivro, sob os recursos do FNDE. Durante o
tempo em que esteve em vigência, foi coordenado pela Fundação Nacional do Material
Escolar - Fename. Somente em 1983, quando a Fundação de Assistência ao Estudante -
FAE substitui a Fename foi que o programa muda de mãos. Em 1985, foi substituído pelo
Plano Nacional do Livro Didático - PNLD, momento em que houve algumas mudanças,
como “[...] a participação de professores no processo de escolha de livros; o fim da partici-
pação financeira dos estados; a extinção do livro descartável para permitir a sua reutiliza-
ção. Eram tempos de transição democrática no país” (Brasil, 2011b, p. 18).
A retomada aqui apresentada descortina um período em que a circulação do livro
foi fortemente impactada pelas ditaduras. Se, em alguns momentos houve grande incentivo
governamental para a ampliação das bibliotecas, da rede escolar e da ampliação dos
acervos literários nas bibliotecas, havia forte monitoramento por meio dos órgãos públicos
no que diz respeito a quais leituras eram ofertadas aos pequenos leitores. Foi somente
na década de 1980 que esse quadro passa a ser modificado. A abertura democrática foi
essencial para a construção de uma nova imagem da leitura e da literatura nas pautas go-
vernamentais. Finalmente, a partir da década de 1980, começou a ser construído um novo
discurso sobre o ato de ler, pois já não se buscava combater livros com ideias perigosas,
subversivas e imorais.

Maisa Barbosa da Silva 48


CAPÍTULO 5

RESPIRANDO ARES DEMOCRÁTICOS: A LEITURA


LITERÁRIA NA PAUTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EM
1980
N a década de 1980, com o início do processo de redemocratização do Brasil,
a literatura entrou de vez na pauta das políticas públicas e começaram a ser
planejadas ações mais pontuais em relação à distribuição de livros e à presença do livro
e da literatura, especialmente, no espaço escolar, pois a concepção de escola, de modo
amplo, se alterava também. Com as mudanças políticas do período, a escola passava a ser
concebida de modo diferente, e a perspectiva democrática passava a integrar o cotidiano
escolar, com maior participação dos diversos atores escolares nas decisões e na construção
de uma educação mais participativa. Para Oliveira (2019):
[…] no processo de luta pelo retorno à democracia, na década de 1980, o tema
gestão democrática integrava a pauta dos educadores que reivindicavam, entre
outros, mecanismos de participação - eleição de dirigentes escolares, instituição de
conselhos escolares, elaboração de regimento e de projeto pedagógico de forma
coletiva, exclusividade do financiamento da escola pública pelo poder público.
(Oliveira, 2019, p. 220).

Todo o país começava a funcionar de modo distinto e essa diferença se percebia no


funcionamento da rede escolar. Tornava-se urgente, então, pensar em novas políticas de
leitura com o propósito de permitir o acesso do público escolar a tipos diferentes de leitura
e de livros literários, que já não tivessem mais como propósito a propagação de valores
nacionalistas e moralistas.
A primeira ação foi a criação do Programa Nacional Salas de Leitura - PNSL, criado
em 1984 e extinto em 1996. A proposta era a construção de salas de leitura para, depois,
serem enviados acervos de livros literários também pelo PNSL.
No primeiro triênio de existência do PNSL – 1984, 1985 e 1986 –, foram entregues
4.131.049 títulos para 33.664 escolas. Já em 1988 o programa sofreu alteração em seu
nome, que passa a ser “Salas de Leitura/Bibliotecas Escolares”. Buscava-se, assim,
construir também bibliotecas escolares. No entanto, tais parcerias foram feitas somente
com prefeituras e os estados foram excluídos das parcerias. Criaram-se em média 10.000
bibliotecas escolares. Apesar de ter distribuído um número significativo de livros e de ter
construído muitas bibliotecas, o ano de 1996 marcou o fim do programa.
Outro programa foi criado, em 1992, o Pró-Leitura, com foco na capacitação de
professores. Ele é concretizado por meio de parceria com o governo francês. De acordo com
um estudo publicado pela UFMG, com apoio do MEC: “Inserido no sistema educacional,
o Pró-Leitura se propunha a articular os três níveis de ensino, envolvendo, em um mesmo
programa, alunos e professores do Ensino Fundamental, os professores em formação e os
pesquisadores” (UFMG, 2012, p. 3). Com isso, o Programa tinha por meta, além da criação
de bibliotecas e salas de leitura, o favorecimento do uso dos acervos enviados. Contudo,
quatro anos depois de sua gênese o Programa também foi extinto.
Como se vê, oito anos depois do surgimento do primeiro programa federal com
foco na formação de leitores, houve a existência de três. Isso evidencia a não existência

Maisa Barbosa da Silva 50


de articulação entre real interesse político na formação de leitores e dos programas
inaugurados. Tiveram, assim, seu fim decretado em pouco tempo de atuação, contribuindo
muito pouco com a propagação da leitura.
É somente em 13 de maio 1992, por meio do Decreto nº 519, que surge um
programa com maior mobilização política, o PROLER. Ainda em vigência, tem sua sede
no Rio de Janeiro, e é vinculado à Fundação Biblioteca Nacional (FBN) e ao Ministério da
Cultura - MINC. Com um investimento anual que envolve, em média 200 milhões de reais,
atua por meio da concretização de parcerias com comitês por todo o Brasil, buscando, prio-
ritariamente, formar mediadores e promover práticas de leitura e de leitura literária em seus
comitês. Entre as ações do PROLER estão:
• Formação de uma rede nacional de incentivo à leitura; • Cursos de formação de
promotores de leitura; • Assessoria para implementação de projetos de promoção
da leitura; • Implementação da política de incentivo à leitura na Casa da Leitura, com
cursos, palestras e outras atividades; • Criação da rede de referência e documentação
em leitura; • Assessoria para a implantação de bibliotecas para crianças, jovens e
adultos; • Sistema de acompanhamento e avaliação. (PROLER, 1998, p. 18).

O Programa atua visando a construir práticas de leitura efetivas, apresentando


concepções que mostram a leitura e a literatura como práticas culturais que ultrapassam
os muros escolares, tornando-se sólido ao longo de sua história e promovendo diversas
ações de práticas de leitura em todo Brasil. Uma característica do Proler é atuar por meio
de projetos articulados com diversos parceiros, o que permite que o Programa alcance
diferentes localidades de um território vasto como o Brasil.
O PROLER buscava, inicialmente, atuar junto à rede escolar de modo a fomentar
o uso do livro literário. Trabalhou nessa perspectiva até 2002, quando, de acordo com
Pszczol (2009), as mudanças políticas impactaram a continuidade das ações, que só foram
retomadas em 2006. A partir daí, com vínculo direto a FBN e com nova coordenação, o
programa atuou por meio de parcerias e de vínculos de cooperação para poder alcançar
municípios e comunidades em diferentes lugares do Brasil.
Outro programa com foco na literatura é o “Concurso Literatura para Todos”1,
inaugurado em 2005. Promovido pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão – SECAD, com recursos do MEC, o objetivo era o de lançar obras
literárias especificamente para neo-leitores jovens, adultos e idosos. Primeiramente, era
feito um concurso literário para seleção das obras e, posteriormente, reproduziam-se e
distribuem-se as obras premiadas em escolas que tenham turmas de alfabetização e EJA.
Podiam se inscrever, por meio de edital, brasileiros maiores de dezoito anos e naturais de
países com a língua portuguesa como oficial. Cada edital selecionava dez obras, de gêneros
variados. Foram lançados quatro editais, em 2005, 2007, 2009 e 2010. Vale ressaltar que,
no último ano, 2010, o número de obras selecionadas diminuiu, sendo que foram premiadas

1 As informações sobre o Concurso Literatura para todos estão disponíveis no link: http://portal.mec.gov.br/concurso-literatura-para-to-
dos. Disponível em: 10 set. 2023.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


51
apenas sete obras (Brasil, 2018). O interessante do “Concurso Literatura para Todos” era
que escritores que não tinham sua obra legitimada tinham a oportunidade de ter sua obra
divulgada. O Concurso, contudo, teve curta existência: o ano de 2010 marca-se por ser o
último acervo selecionado.
Outro programa criado é o Bibliotecas Rurais Arca das Letras, em 2003, por meio
do Ministério do Desenvolvimento Agrário. O programa buscou, em seu tempo de atuação,
possibilitar o acesso aos livros e à leitura em espaços rurais:
[...] O Arca das Letras vem germinando boas sementes e práticas que transformam
a vida e a realidade de milhares de agricultores familiares em todo o país. Presente
em mais de 2, 4 mil municípios, o programa já alcançou mais de 1 milhão de famílias
com a implantação de mais de 11 mil bibliotecas (Brasil, 2015, s.p.).

Uma característica significativa do Programa é atuar por meio da capacitação de


agentes de leitura e, quando possível, articulação de parcerias com bibliotecas de escolas
rurais. O Programa distribuiu mais de dois milhões de títulos, bem como capacitou dezenove
mil agentes de leitura (Brasil, 2015), alcançando espaços remotos, como assentamentos,
comunidades de agricultura familiar e comunidades quilombolas. As arcas eram fabricadas
em marcenarias de penitenciárias por trabalhadores sentenciados, que conseguiam redução
de pena por meio das bolsas de trabalho. Uma característica singular do Arca das Letras
é que os moradores indicam o local de instalação e os agentes de leitura são voluntários
eu ficam responsável pelos empréstimos de livros. Ao contrário dos outros programas, este
contém com pouquíssimas informações nas páginas oficiais. Não há, portanto, uma data
que marque o fim de sua atuação, ainda não também não haja atualização das informações.
O programa de maior porte já criado no Brasil é o PNBE. Apesar da data de sua
gênese ser de 1997, foi posto por último, na estrutura deste capítulo, devido a sua amplitude
e ao modo como ele foi conduzido devido às mudanças de governo, após a entrada de
Michel Temer na presidência. Enquanto maior programa federal para distribuição de acervos
literários até então, o PNBE se fortaleceu ao longo de sua história e tornou-se responsável
por inaugurar e nutrir diversas bibliotecas e espaços de leitura. Para mostrar a dimensão
que o programa foi alcançando ao longo de sua existência, apresentaremos uma análise
de sua história. Instituído pela Portaria Ministerial n.°4, de 28 de abril de 1997 do MEC,
buscava promover a leitura, a literatura e o conhecimento. Atuou, até 2014, por meio da
distribuição de acervos literários às escolas públicas brasileiras, além de material de apoio
pedagógico e de atualização profissional. Progressivamente, o PNBE passou a atender
a Educação Infantil, o Ensino Fundamental, o Ensino Médio e a Educação de Jovens e
Adultos (EJA).
Alia-se a criação do PNBE à necessidade do cumprimento do Estado de garantir
educação para todos, por meio da concepção, pelo Programa, da literatura enquanto
patrimônio cultural que deveria ser disponibilizado a todos: “[...] É necessário garantir

Maisa Barbosa da Silva 52


aos alunos e professores da rede pública de ensino o acesso à cultura e à informação,
estimulando a leitura como prática social” (Brasil, 2009, s.p.).
Inaugurado em 1997, o PNBE atuou de maneiras diversificadas. Nos primeiros
anos, focou na distribuição de acervos às bibliotecas escolares; já no ano de 2000, enviou
obras de apoio profissional. Durante os anos de 2001 a 2004, criou o projeto Literatura
em Minha Casa, responsável por fornecer às escolas coleções que os alunos de quarta à
oitava série podiam levar para casa. O projeto sofreu algumas críticas e enfrentou diversas
dificuldades, tendo em vista que boa parte dos gestores escolares alegava que as próprias
bibliotecas escolares não disponibilizavam de bons acervos. Outra questão é que alguns
diretores acabavam não repassando os livros aos alunos, mantendo-os em posse das
escolas. Entre as alegações apresentadas pelos gestores escolares para a não distribui-
ção das obras, estava, como aponta Cirino (2015, p. 40), a crença de que os alunos não
cuidariam dos livros, por não os valorizarem. É comum a percepção sobre o livro como
um objeto que precisa ser protegido e sua conservação é vista como mais importante do
que seu uso, pois livros necessariamente se desgastam com o uso. Mesmo que haja um
processo de mediação que considere o aprendizado do cuidado com a manutenção do
livro, o desgaste irá acontecer, o que é natural quando os livros circulam entre o público.
Em 2005, devido às reinvindicações dos gestores escolares, o PNBE volta-se
outra vez às bibliotecas escolares. Como aponta Maciel (2008), a volta de distribuição de
livros para as bibliotecas contribuiu novamente para a valorização desse espaço, pois para
muitas escolas é muito difícil manter compras regulares de livros: “[...] Tal ação significou
a retomada da valorização da biblioteca, como espaço promotor da universalização do
conhecimento e, também, da universalização do acesso a acervos pelo coletivo da escola”
(Maciel, 2008, p. 11).
A partir de 2005, o Programa foi sendo, ano a ano, ampliado e passou a atender
a educação infantil, o Ensino Fundamental, o Ensino Médio, A EJA. Além das obras
literárias, o programa também enviava materiais de apoio pedagógico, bem como obras
de atualização profissional; livros em Braille, com caractere ampliado, em áudio e DVD. A
seleção de tais obras contribui significativamente para a democratização da leitura, visto
que atente também os alunos com necessidades educacionais especiais.
O PNBE passou por duas avaliações governamentais que buscaram verificar
as falhas, bem como o uso dos acervos por todo o Brasil. A primeira foi realizada pelo
TCU, no ano de 2002. A investigação envolveu 60 escolas e constatou que os livros eram,
muitas vezes, mantidos encaixotados, distante dos leitores. Além disso, poucas escolas
mencionavam conhecer o programa. Uma das sérias declarações obtidas é a de que
apenas 27,6% dos gestores afirmaram conhecer o Programa (Brasil, 2002).

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


53
Com o objetivo de contribuir com o conhecimento acerca das obras do acervo, a
pesquisa traçou algumas mudanças necessárias ao PNBE:
• Acompanhamento e avaliação sistemática das ações e resultados obtidos pelo PNBE;
• Efetivação de ações de divulgação do PNBE e capacitação de professores e bibliotecá-
rios, com maior participação das secretarias de educação;
• Criação de um grupo de coordenação para interação com outros programas do MEC;
• Incorporação ao PNBE da preocupação com o princípio da eqüidade (Brasil, 2002, p.
12-13).

As problemáticas percebidas no ano de 2002 mantiveram-se até uma segunda


pesquisa acerca do Programa. Intitulada “Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE)
– uma avaliação diagnóstica”, envolveu 196 escolas, 359 alunos, 303 professores, 200
diretores, 5 bibliotecários, 152 responsáveis por biblioteca, 37 profissionais da escola e 31
pais participaram da pesquisa, feita em 19 municípios e 8 estados (Brasil, 2002).
De modo geral, já havia um número maior de gestores escolares conhecedores
do Programa e do recebimento dos acervos; por outro lado, constatou-se que raramente a
utilização das obras era adequada. Nesse sentido, a pesquisa realizada definiu que:
Do PNBE espera-se que organize o acompanhamento e a divulgação de objetivos
e metas frente às redes públicas de educação envolvidas. Articulada a isso, a
formação de professores mostrou ser uma medida fundamental, como garantia
mínima de que maiores esforços serão empreendidos, aproveitando a existência de
acervos com títulos de qualidade literária e de referência, que integram as diferentes
coleções (Brasil, 2008, p. 127).

Diante das avaliações feitas e dos resultados apresentados, nenhuma ação foi
empreendida para ampliar o conhecimento dos mediadores em leitura acerca do PNBE e
não foram realizadas ações para melhorar as práticas de leitura desenvolvidas no ambiente
escolar. É preciso haver a compreensão de que mesmo as obras de atualização profissional,
enviadas anualmente, não são suficientes para que os mediadores adquiram ferramentas
para ações no sentido de fomentar práticas de leitura. É necessário que sejam feitas ações
de modo a capacitar os mediadores para desempenharem dignamente sua função.
O PNBE, desde seu início, movimentou cifras significativas (Cf. Tabela 3), sendo
um programa de extrema relevância pelo fato de enviar obras que passam por um extenso
processo avaliativo, por meio da parceria com professores pesquisadores de universi-
dades públicas de todo o Brasil. Foi o primeiro programa de distribuição de livros e de
livros literários às escolas a permanecer em existência por tanto tempo, pois os programas
anteriores eram marcados pela curta duração, pois, geralmente, quando se mudava
o governo, os programas em vigência eram extintos. Se, antes dele, a maior parte dos
programas era finalizada conforme se alteravam os governos, com o PNBE, o que se nota
é uma grande ampliação quando há a primeira mudança de governo, no ano de 2003,
momento da transição do Governo Fernando Henrique para o Governo Luiz Inácio Lula da
Silva, e seguiu-se, até 2014, em expansão não linear.

Maisa Barbosa da Silva 54


Tabela 3: Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE (1998-2012)
ALUNOS ESCOLAS QUANTIDADE
PROGRAMA FINANCEIRO
BENEFICIADOS BENEFICIADAS DE LIVROS
PNBE 1998 19.247.358 20.000 3.660.000 29.830.886,00
PNBE 1999 14.112.285 36.000 3.924.000 24.727.241,00
PNBE 2000 * 18.718 3.728.000 15.179.101,00
PNBE 2001 8.561.639 139.119 60.923.940 57.638.015,60
PNBE 2002 3.841.268 126.692 21.082.880 19.633.632,00
PNBE 2003 18.010.401 141.266 49.034.192 110.798.022,00
PNBE 2004
**
PNBE 2005 16.990.819 136.389 5.918.966 47.268.337,00
PNBE 2006 13.504.906 46.700 7.233.075 46.509.183,56
PNBE 2008 5.065.686 85.179 1.948.140 9.044.930,30
(Acervos – E.
I.)
PNBE 2008 16.430.000 127.661 3.216.600 17.336.024,72
(Acervos – E.
F.)
PNBE 2008 7.788.593 17.049 3.956.480 38.902.804,48
(Acervos –
E.M.)
PNBE 2009 4.993.259 91.292 3.492.333 ND****
(E. I)
PNBE 2009 15.577.108 169.413 6.738.520 ND****
(E.F.: 1ª a 5ª
série)
PNBE 2009 4.153.097 51.571 1.729.880 ND****
(EJA)
PNBE 2010 24.000.000 248.827*** 10.700.000 ND****
(E.I., 1ª a 5ª
série e EJA)
PNBE 2011 12.780.396 50.502 3.861.782 44.906.480,00
(E.F.6º ao 9º)
PNBE 2011 7.312.562 18.501 1.723.632 25.905.608,00
(E. M.)
PNBE 2012 3.581.787 86.088 3.485.200 24.625.902,91
(E.I.)
PNBE 2012 14.565.893 115.344 5.574.40 45.955.469.82
(E.F. 1ª a 5ª)
PNBE 2012 4.157.721 38.769 1.425.753 11.216.573,38
(EJA)
PNBE 2013 – 12.339.656 50.556 5.207.647 56.677.338,63
Ensino
Fundamental
(6º ao 9º ano)
PNBE 2013 – 8.780.436 19.144 2.218.884 29.704.045,58
Ensino Médio
PNBE 2014 – 1.731.572 32.820 4.209.150 17.730.630,46
Educação
Infantil
Creche
PNBE 2014 – 3.645.572 79.949 7.966.028 32.807.029,60
Educação
Infantil Pré-
Escola

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


55
PNBE 2014 – 13.226.845 104.745 5.599.737 31.616.454,48
Fundamental
do 1º ao 5º
ano
PNBE 2014 – 3.589.440 36.006 1.619.100 10.208.749,32
Educação de
Jovens e
Adultos – EJA

* Em 2000 foram produzidos e distribuídos materiais pedagógicos, voltados para a formação continuadas de
professores.
** Em 2004 foi dada continuidade as ações do PNBE 2003.
***Todas as escolas públicas da Educação Infantil (86.379), do Ensino Fundamental (122.742) e EJA (39.696).
**** Não disponível.
Fonte: (BRASIL, 2017)

Nota-se, nos dados, que há, em 1998, crescimento no número de escolas atendidas
desde o primeiro ano de funcionamento. Mas foi somente a partir de 2008 que o programa
passou a ter crescimento constante, pois começou a atender um número cada vez maior de
escolas e atender diferentes etapas do ensino, o que implicou um investimento 47 financeiro
cada vez mais significativo. Em 2010, por exemplo, todas as escolas públicas de Educação
Infantil, Ensino Fundamental do 1° ao 5° ano e EJA foram atendidas. No entanto, o PNBE
não disponibilizou no site quanto foi investido para as compras desses acervos.
A análise dos programas de leitura aqui apresentada teve como propósito evidenciar
o quanto o investimento na formação de leitores, ao longo de nossa história, foi pouco
substancial, se pensarmos no Brasil enquanto país em desenvolvimento e que tem na
leitura e na educação uma das principais ferramentas para a construção de sujeitos críticos
e participativos socialmente.
Já quando se discute a principal política brasileira de fomento à leitura em vigência
no Brasil, o PNBE, confere-se sua importância justamente por atender escolas de todo o
país e por ser um programa de Estado que tem continuidade independente das mudanças
de governo. Porém, é fulcral ressaltar que, em 2017, o PNBE foi extinto2, sendo que desde
o ano de 2014 já não havia distribuição de acervos.
Diante do fato de o PNBE não ter distribuído os acervos de 2015, diversas entidades
organizaram-se e elaboraram um manifesto em defesa da priorização do ensino, organizada
durante a Flip e intitulada Brasil, Nação Leitora e envolve entidades como Associação
Brasileira de Editoras de Livros Escolares (Abrelivos), Associação Nacional de Livrarias
(ANL), Câmara Brasileira do Livro (CBL), Liga Brasileira de Editoras (Libre) e o Sindicato
Nacional dos Editores de Livros (Snel). Entre as defesas da carta, está a necessidade de
se considerar a importância do livro e da literatura na redução de desigualdades sociais:
Entendemos que a formação de leitores, assim como a constituição de acervos de
bibliotecas escolares com livros de literatura devem ser prioridades nas ações do
Estado e, portanto, do Ministério da Educação. Só assim poderemos equiparar os
2 Notícia divulgada no G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/governo-federal-seguira-sem-entregar-novos-livros-
-de-literatura-para-bibliotecas-escolares-em-2018.ghtml >. Acesso em: 10 set. 2023.

Maisa Barbosa da Silva 56


direitos garantindo a mesma qualidade na formação a todas as crianças e jovens
brasileiros, independente da cidade onde vivem, das carências e desigualdades de
cada região (Brasil, 2015, s.p.).

Desde a década de 1980, mesmo com as constantes alterações nos programas


destinados ao livro, nunca houve uma lacuna temporal com completa ausência de um
programa destinado ao envio de acervos literários às escolas. Depois do fim do PNBE, o
próximo programa só foi criado em 2018, o PNLD Literário. Considerando que a seleção é
sempre para distribuição no ano posterior, entre o fim do PNBE e início da destruição do
PNLD Literário foram pelo menos cinco anos, considerando que o último acervo distribuído
pelo PNBE foi em 2014. Não se pode deixar de refletir, contudo, sobre as questões
ideológicas que permeiam o estacionamento de um programa de fomento à leitura no Brasil.
A ficção é, reconhecidamente, palco para debate, questionamento, representações, enfren-
tamentos sobre diversas questões sociais ou relacionadas à subjetividade. A literatura é
bem fundamental no contexto escolar, pois está profundamente imbricada ao processo de
educação:
[...] é preciso reconhecer grandes planos no que poderíamos denominar a
apropriação social dos discursos. Sabe-se que a educação, embora seja, de direito,
o instrumento graças ao qual todo indivíduo, em uma sociedade como a nossa, pode
ter acesso a qualquer tipo de discurso, segue, em sua distribuição, no que permite
e no que impede, as linhas que estão marcadas pela distância, pelas oposições
e lutas sociais. Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou
de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles
trazem consigo. (Foucault, 1996, p. 43-44).

Assim, as formas com as quais educação é tratada, no discurso das políticas públicas
permitem perceber como os discursos a ela relacionados são apropriados pelas instâncias
que a regulamenta. O sistema mantém ou modifica a apropriação dos discursos não somente
em relação aos saberes divulgados, mas também aos saberes não divulgados. Um sistema
de ensino, então, é sempre um processo de ritualização da palavra, que estabelece papéis
e funções para quem profere o discurso. O não envio de livros literários e de formação
profissional às bibliotecas escolares evidencia o quanto o discurso educacional pode ser
cerceado e alterado. Se a Retratos da leitura no Brasil (2016) revelou a existência de 44%
de brasileiros não leitores, é fácil constatar que há 56% de brasileiros leitores, possuidores
de maior ou menor grau de letramento. Boa parte deles, formados leitores nos bancos
escolares, no contato com livros literários disponíveis na escola. Ao interromper o envio de
obras literárias às escolas, então, o governo impede que se exerça um dos direitos mais
básicos relacionados à educação: permitir o contato do educando com todo tipo de discurso
(Foucault, 1996).
Diante do exposto, este capítulo, que se propôs a desenvolver uma análise
diacrônica das iniciativas federais de fomento à leitura, buscou evidenciar a necessidade
de se investir na propagação do livro, da leitura e da literatura. Constatou que as cifras
investidas ao longo da existência de programas como o PNBE e o PROLER provam que

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


57
somente investimento financeiro não é suficiente: é necessário que as ações se deem de
modo articulado, como apontou o próprio TCU em pesquisa acerca do uso do PNBE nas
escolas (Brasil, 2002).
A retrospectiva feita até aqui esclarece, similarmente, que os investimentos em
programas se dão de modo bastante recente, se considerarmos que o primeiro programa
de aquisição de livros, inclusive, literários, (PNSL) para envio às bibliotecas escolares teve
sua gênese na década de 1980. Acresce-se a isso a problemática de que boa parte dos
programas apresentados teve curta existência.
No próximo capítulo, veremos como o livro e a literatura são tratados em nossa
legislação com o propósito de evidenciar quais foram as iniciativas legais que marcaram a
história do livro, da leitura e da literatura, considerando que as leis criadas em relação ao
livro têm impacto direto na constituição das políticas públicas de leitura e de distribuição de
acervos. A análise busca mostrar, também, quais leis federais foram, de fato, cumpridas e
quais não chegaram a alcançar suas metas. Como veremos, muitas leis também sofrem
impacto com as mudanças de governo.

Maisa Barbosa da Silva 58


CAPÍTULO 6

O ESPAÇO DO LIVRO E DA LITERATURA NA


LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
O bem de um livro está em ser lido. Um livro é feito de signos que falam de outros
signos, os quais por sua vez falam das coisas. Sem um olho que o leia, um livro traz
signos que não produzem conceitos, e portanto é mudo. Umberto Eco, O nome da
rosa.

N os capítulos que inauguram O nome da rosa (2015) há a apresentação de um


espaço sagrado, reservado para proteger saberes que deveriam ser mantidos
inacessíveis às pessoas comuns, pois o livre acesso ao conteúdo dos livros poderia ter con-
sequências imprevisíveis. Já discutimos, nos capítulos anteriores, o fato de que a dificuldade
de acesso ao livro no Brasil não acontece, de jeito nenhum, por acaso: há uma sequência
de projetos mal articulados para o fomento à leitura no Brasil, o que começa a ser alterado
somente a partir das últimas décadas do século XX.
É sempre importante lembrar, contudo, que as conquistas não são eternas. Mesmo
os avanços significativos podem retroagir. O novo Ensino Médio, por exemplo, que surge
após a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), tira espaço das disciplinas
de Ciências Humanas e cede espaço para disciplinas eletivas ou obrigatórias, como a
Projeto de Vida, que passam a ocupar um espaço amplo dentro do currículo escolar1.
A representação feita por Eco acerca do espaço da biblioteca remete a defesa de
uma ideia de que, quando o acesso ao livro é limitado, não é por acaso: sabe-se muito bem
quais os perigos que o saber propagado pelos livros pode representar em um contexto
histórico no qual se conhecia muito bem o perigo do livro enquanto possível meio para
questionamentos das relações de poder e era, portanto, necessário que se restringisse o
seu acesso. Uma das ideias veiculadas pelo romance é a de que “O bem de um livro está
em ser lido” (Eco, 2015, p. 21), e dialoga com a perspectiva que buscamos defender: a de
que o livro é, sim, bem a ser propagado.
Neste capítulo, o objetivo é discutir quais leis foram sancionadas tendo como foco
a difusão do livro e da leitura, pois essas leis têm impacto direto na criação das políticas
públicas voltadas à formação de leitores. Portanto, o foco será nas leis criadas a partir da
redemocratização brasileira, na década de 80 do século XX para mostrar de que maneira
as leis criadas com foco na promoção da leitura e da leitura literária foram surtindo efeitos
práticos.
Um incentivo para o mercado do livro no Brasil é o fato de que há ausência de
imposto sobre o livro, enquanto na maioria dos países europeus a tarifação aproxima-se
dos 5%. O artigo 150, inciso VI, alínea “d” da Constituição da República Federativa do
Brasil 1988 determina a imunidade tributária para livros, jornais, periódicos e para o papel
destinado à sua impressão (Brasil, 1988).
Em nosso país, a ausência de imposto sobre o livro é fundamental, pois contamos
com uma diversidade de editoras independentes ou de pequeno porte. Também há o fato
1 As informações acerca do Novo Ensino Médio são atualizadas no site do próprio MEC: https://www.gov.br/mec/pt-br/no-
vo-ensino-medio/?msclkid=1761080bbe9a11eca4bb0783817a9b21. Acesso em: 10 set. 2023.

Maisa Barbosa da Silva 60


de que comprar livros nem sempre é fácil, tendo em vista que, mesmo sem imposto, o livro
é um objeto caro, considerando a renda da maior parte dos brasileiros. Apesar disso, já
discutimos que houve, em 2020, um movimento para taxação dos livros, o que aumentaria
em 12% o valor atual dos livros. Ainda que a taxação não tenha acontecido devido ao
movimento do setor livreiro e da sociedade, percebe-se que os avanços podem ser perdidos
dependendo do interesse dos dirigentes políticos.
Outra lei que também representa um ganho para o mercado do livro é a Lei n. 7.505,
de 2 de julho 1986, que institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC e que
propõe a redução de imposto para pessoa jurídica que fizesse doação de livros adquiridos
no mercado nacional a instituições públicas.
Em 2004, foi sancionada a Lei nº10.865, que reduziu a zero a alíquota de PIS e
Cofins na venda de livros. Como mostra Tavares (2021), os resultados foram muito positivos,
pois entre 2006 e 2011 o valor médio de capa diminuiu 33%, o que provocou um aumento
de 90 milhões de exemplares vendidos ao ano. No capítulo 2, citamos um documento da
Receita Federal, intitulado “Perguntas e respostas”, acerca da taxação de livros e fim da
imunidade tributária. Tal documento referia-se ao Projeto de Lei 3.887/2000, que criou a
Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços – CBS, imposto responsável
por unir os dois impostos em questão. Nesse caso, o projeto de lei previa adotar uma
alíquota de 12% sobre o livro. Devido ao movimento do setor livreiro, o livro não chegou
a ser taxado, mas, como vimos no documento, a justificativa era a de que somente ricos
compravam livros no Brasil, o que justificava a cobrança.
A primeira lei, de fato, voltada à difusão do livro e à promoção nacional da leitura
surge somente em 2003. A Lei n° 10.753, de 30 de outubro de 2003, que institui a Política
Nacional do Livro, propaga, entre outros, a necessidade de valorização da leitura literária
no espaço escolar, mencionando a responsabilidade do Poder Executivo em desenvolver
projetos, por meio de parcerias e ações de âmbito nacional para a presença e a permanência
do livro e da leitura no espaço escolar.
O que se constata é que mesmo que anteriormente já haviam sido criados projetos
e programas de fomento à leitura, é somente em 2003 que se pode contar com uma Política
Nacional do Livro por meio de uma lei que fica conhecida como Lei do Livro. O objetivo da
Lei do Livro é instituir uma política para o livro por meio de diversas diretrizes, conforme
vemos a seguir:
CAPÍTULO I
DA POLÍTICA NACIONAL DO LIVRO
DIRETRIZES GERAIS
Art. 1 Esta Lei institui a Política Nacional do Livro, mediante as seguintes diretrizes:
o

I - assegurar ao cidadão o pleno exercício do direito de acesso e uso do livro;

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


61
II - o livro é o meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão
do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica, da conservação do
patrimônio nacional, da transformação e aperfeiçoamento social e da melhoria da
qualidade de vida;
III - fomentar e apoiar a produção, a edição, a difusão, a distribuição e a
comercialização do livro;
IV - estimular a produção intelectual dos escritores e autores brasileiros, tanto de
obras científicas como culturais;
V - promover e incentivar o hábito da leitura;
VI - propiciar os meios para fazer do Brasil um grande centro editorial;
VII - competir no mercado internacional de livros, ampliando a exportação de livros
nacionais;
VIII - apoiar a livre circulação do livro no País;
IX - capacitar a população para o uso do livro como fator fundamental para seu
progresso econômico, político, social e promover a justa distribuição do saber e da
renda;
X - instalar e ampliar no País livrarias, bibliotecas e pontos de venda de livro;
XI - propiciar aos autores, editores, distribuidores e livreiros as condições necessárias
ao cumprimento do disposto nesta Lei;
XII - assegurar às pessoas com deficiência visual o acesso à leitura (Brasil, 2003).

A Política Nacional do Livro surge com objetivos diversos para o fomento ao livro.
Ela apresenta aspectos gerais, como o direito do cidadão em relação ao acesso ao livro, o
foco no desenvolvimento da produção do livro, das editoras e estratégias para a promoção
da leitura. Com objetivos diversos e contínuos, a Política Nacional do Livro coloca o livro,
pela primeira vez, no cerne de uma política de estado, não somente de governo. É interes-
sante pensar que somente em 2003 foi instituída uma lei com foco na propagação do livro
e da leitura em um país tão desigual. De certo modo, essa demora no surgimento de uma
Política Nacional do Livro justifica as políticas anteriores, caracterizadas por lacunas e por
inconsistências, já que não havia um plano que alinhasse os propósitos do governo federal
em relação à formação de leitores, ao fomento à produção nacional, à mediação na escola,
entre outros aspectos.
A Política Nacional do Livro está organizada em cinco capítulos. No primeiro,
tem-se as diretrizes gerais, como vimos logo acima; o segundo apresenta o que é definido
como livro: “[...] textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou
costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em
qualquer formato e acabamento” (Brasil, 2003); o terceiro dispõe aspectos relacionados
à produção, distribuição e comercialização do livro; o quarto trata da difusão do livro e o
quinto que apresenta aspectos gerais. Voltando-nos ao quarto capítulo da lei, ela dispõe
que:

Maisa Barbosa da Silva 62


CAPÍTULO IV DA DIFUSÃO DO LIVRO
Art. 13. Cabe ao Poder Executivo criar e executar projetos de acesso ao livro e
incentivo à leitura, ampliar os já existentes e implementar, isoladamente ou em
parcerias públicas ou privadas, as seguintes ações em âmbito nacional:
I - criar parcerias, públicas ou privadas, para o desenvolvimento de programas de
incentivo à leitura, com a participação de entidades públicas e privadas;
II - estimular a criação e execução de projetos voltados para o estímulo e a
consolidação do hábito de leitura, mediante:
a) revisão e ampliação do processo de alfabetização e leitura de textos de literatura
nas escolas;
b) introdução da hora de leitura diária nas escolas;
c) exigência pelos sistemas de ensino, para efeito de autorização de escolas, de
acervo mínimo de livros para as bibliotecas escolares (Brasil, 2003).

Este capítulo da Política Nacional do Livro encontra, de forma bem especial,


as discussões que estamos fazendo ao longo deste trabalho, pois defendemos aqui a
necessidade de as políticas públicas considerarem a necessidade do uso do livro, seja
na escola ou em bibliotecas públicas. Essa defesa é necessária porque há políticas de
composição de acervos, como vimos, que não desenvolve estratégias de uso a partir do
momento em que a biblioteca já está constituída. Há, então, um destaque para a necessidade
de a literatura ser lida, por meio da introdução de momentos específicos para o ato de ler
nos espaços escolares. Ações como essa são essenciais para modificar a maneira por meio
da qual as atividades relacionadas à leitura são vistas, pois, muitas vezes, banalizam-se
esses momentos pelo fato de nem sempre haver um aprendizado imediato, um resultado
prático das ações de leitura.
É necessário destacar que, certamente, a formação de leitores é uma atividade
contínua e que provoca efeitos diversos nos leitores. Por isso, a necessidade da pluralidade
de livros, também é apontada pela Política Nacional do Livro. Um acervo variado, plural,
com diferentes níveis de linguagem, abordando diversas temáticas, retratando diferentes
espaços, com personagens distintos e com gêneros textuais diversificados. Para tanto, é
essencial a atuação das políticas públicas a partir da criação da lei. Com metas e planos
importantes para um país com tanta dificuldade para a formação de leitores, quais foram as
formas de atuação do governo federal após a criação da Política Nacional do Livro?
A partir dela, foi instituído o Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), por meio
do decreto n. 7.559, de 1º de setembro de 2011. Nota-se a lacuna temporal entre a criação
da Política Nacional do Livro e do PNLL. Durante esse tempo, especialmente entre 2004 e
2006, o site do Governo Federal menciona que estavam sendo desenvolvidos encontros,
debates, palestras, entre outros, entre interessados na cadeia produtiva do livro com o
propósito de definir ações para a Política Nacional do Livro. Os resultados desses encontros
foram publicados na Portaria Interministerial de agosto de 2006:

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


63
GABINETE DO MINISTRO
PORTARIA INTERMINISTERIAL No - 1442, DE 10 DE AGOSTO DE 2006
OS MINISTROS DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA, no uso da atribuição
que lhes confere o art. 87, parágrafo único, inc. II, da Constituição, e, considerando
que o Governo da República Federativa do Brasil subscreveu a “Declaração de
Santa Cruz de la Sierra”, durante a XIII Conferência Ibero-americana de Chefes de
Estado e de Governo dos vinte e um países signatários da Organização dos Estados
Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), e que é desejo
do Governo da República Federativa do Brasil dar continuidade à mobilização em
favor do fomento à leitura empreendida em 2005, durante o Ano Ibero-americano
da Leitura - o Vivaleitura, e convertê-la em política pública permanente, resolvem
Art. 1º - Fica instituído o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), de duração
trienal, tendo por finalidade básica assegurar a democratização do acesso ao livro,
o fomento e a valorização da leitura e o fortalecimento da cadeia produtiva do livro
como fator relevante para o incremento da produção intelectual e o desenvolvimento
da economia nacional.
§1 o - A implementação do PNLL dar-se-á em regime de mútua cooperação entre
a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, dela podendo participar
sociedades empresariais e organizações da sociedade civil que manifestem
interesse em aderir ao Plano.
§2 o - Anualmente, os ministros de Estado da Cultura e da Educação estabelecerão,
em Portaria conjunta, o Calendário Anual de Atividades e Eventos do PNLL, incluindo
os projetos e ações que deverão ser executados no respectivo exercício. (Brasil,
2006).

Nota-se que há um primeiro formado do PNLL, que, em sua primeira versão, de


2006, tem duração trienal, com o propósito de garantir o acesso ao livro, a valorização da
leitura, entre outros. Também se percebe que é um projeto a ser cumprido de forma cola-
borativa entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Também se nota, na
Portaria, o propósito de criar uma política pública permanente para o livro. Apesar disso,
não há maiores esclarecimentos em relação a como seriam as ações do PNLL.
É somente em 2011 que foi publicado o Decreto nº 7.559 (Brasil, 2011), dispondo
sobre o PNLL como estratégia permanente de planejamento, apoio, articulação e referência
para a execução de ações com foco no fomento à leitura no Brasil e dando maiores escla-
recimentos em relação a atuação do Plano. Um aspecto importante da atuação do PNLL é
a criação de uma publicação para apresentar a relevância do Plano, bem como seu modo
de atuação frente às necessidades do país no que se refere à formação de leitores e ao
mercado do livro. A publicação de 2014, intitulada “Caderno do PNLL: edição atualizada e
revisada em 2014” apresenta um panorama dos três primeiros anos de atuação do plano e
projeta a atuação futura, destacando os eixos de atuação.
O PNLL, desde o seu surgimento, tem como foco uma atuação dialogada entre
governos federais, estaduais e prefeituras, bem como a participação do terceiro setor e a
formação de parcerias com instituições privadas. Busca, assim, articular os setores inte-
ressados no livro e na leitura, como educadores, bibliotecários, universidades, sociedade

Maisa Barbosa da Silva 64


civil e empresas públicas e privadas para o fomento à leitura. Os principais objetivos, estão
apresentados no Art. 1º do Decreto nº 7.559, de 1º de setembro de 2011:
Art. 1º O Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL consiste em estratégia permanente
de planejamento, apoio, articulação e referência para a execução de ações voltadas
para o fomento da leitura no País.
I - a democratização do acesso ao livro;
II - a formação de mediadores para o incentivo à leitura;
III - a valorização institucional da leitura e o incremento de seu valor simbólico; e
IV - o desenvolvimento da economia do livro como estímulo à produção intelectual
e ao desenvolvimento da economia nacional2.

Especificamente no que tange à literatura, o PNLL traz algumas propostas de ações:


“linha de ação 17 - apoio à cadeia criativa do livro e incentivo à leitura literária”; “linha de
ação 19 - maior presença da produção nacional literária, científica e cultural no exterior”
(Brasil, 2011). O Plano é, portanto, bastante claro no que diz respeito à necessidade de
incentivo governamental à produção do livro, à leitura literária, bem como à divulgação de
autores brasileiros no exterior.
No que diz respeito especificamente à atuação do MEC, o Caderno do PNLL
estabelece como metas a criação de novas políticas públicas, bem como a manutenção
dos programas já existentes. Segue excerto do documento:
No âmbito do Ministério da Educação, cabe ao Fundo Nacional de Desenvolvimento
Educacional (FNDE), em parceria com a Secretaria de Educação Básica (SEB),
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade e Inclusão
(Secadi), executar programas do livro e apoiar programas de leitura, por meio de
convênios. Ao MEC cabe dar continuidade às diversas políticas e ações que 36
vem implementando nos últimos anos em diferentes frentes (acesso à produção
cientifica, didática e artístico-cultural; fomento à produção de material cientifico,
didático e artístico-cultural; pesquisa e avaliação sobre a escrita, formação de
mediadores de leitura, apoio à produção e distribuição de material literário para
neoleitores) por meio de instituições e programas como o Inep (Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira); Cibec (Centro de Informação
e Biblioteca em Educação); TV Escola; Portal de Periódicos da Capes; PNLD
(Programa Nacional de Livro Didático); PNBE (Programa Nacional de Biblioteca
Escolar); PNLD-EJA (Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização
de Jovens e Adultos); Concurso Literatura para Todos; Sinaes (Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Superior); SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica). (Brasil, 2014, p. 35-36).

Novamente, o texto destaca a importância de planejamento na atuação e da


articulação entre aquisição de livros e criação de estratégias para o uso efetivo do livro e
para a formação de leitores. É interessante notar que uma das propostas é a manutenção
do PNBE, que, apesar de ser destacado no Caderno, foi extinto no mesmo ano, mesmo
tendo sido o programa de distribuição de livros mais eficaz a amplo de nossa história.
Já em 2018, é instituída uma nova lei, a chamada Lei Castilho, que institui a Política
Nacional da Leitura e da Escrita, a PNLL:

2 https://www.gov.br/turismo/pt-br/secretaria-especial-da-cultura/assuntos/pnll/arquivos/caderno-pnll.pdf. Acesso em: 10 set. 2023.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


65
LEI Nº 13.696, DE 12 DE JULHO DE 2018.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
[...]
Art. 2º São diretrizes da Política Nacional de Leitura e Escrita:
I - a universalização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, à literatura e
às bibliotecas;
II - o reconhecimento da leitura e da escrita como um direito, a fim de possibilitar
a todos, inclusive por meio de políticas de estímulo à leitura, as condições para
exercer plenamente a cidadania, para viver uma vida digna e para contribuir com a
construção de uma sociedade mais justa;
III - o fortalecimento do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), no âmbito
do Sistema Nacional de Cultura (SNC);
IV - a articulação com as demais políticas de estímulo à leitura, ao conhecimento,
às tecnologias e ao desenvolvimento educacional, cultural e social do País,
especialmente com a Política Nacional do Livro, instituída pela Lei nº 10.753, de 30
de outubro de 2003;
V - o reconhecimento das cadeias criativa, produtiva, distributiva e mediadora
do livro, da leitura, da escrita, da literatura e das bibliotecas como integrantes
fundamentais e dinamizadoras da economia criativa (Brasil, 2018)3.

O Art. 2º institui o modo de atuação da PNLE, que tem como propósito trabalhar de
modo integrado às outras políticas já existentes, mas, também atuar com foco no fortaleci-
mento da biblioteca e da cultura letrada, de modo amplo.
Diante da legislação discutida, fica nítida a existência de uma legislação em
diálogo com as discussões acerca da importância de se propagar a leitura e a literatura. Do
mesmo modo, a legislação esclarece a necessidade de se democratizar a leitura, capacitar
mediadores e valorizar simbolicamente a leitura enquanto possibilidade de desenvolvimen-
to intelectual e da economia nacional. Tais apontamentos, na mesma direção que aponta
Chartier (1990), revela a necessidade de se pensar na necessidade da democratização do
livro e da leitura enquanto práticas culturais.
Entende-se que o simples acesso aos materiais não tem associação direta com o
seu uso, tendo em vista que a propagação da informação não pressupõe a sua apropriação.
A necessidade de se pensar a leitura como uma questão relacionada à política contribui
para entendermos o modo com o qual as políticas de distribuição dos acervos concretizam
ações com o intuito de viabilizar o encontro entre o aluno e o livro. Para pensarmos em
relação a políticas governamentais, retoma-se o fato de que é somente na década de 1980,
decorridos 50 anos após a criação do Ministério da Educação e Cultura – MEC, que a
leitura entra na pauta das políticas públicas e, mesmo assim, de forma esparsa e alvo de
diversas críticas quanto ao funcionamento e adequação das obras.
Apesar disso, é fundamental destacar a pouca atuação concreta das leis. As
primeiras políticas para o livro, criadas somente no século XXI, além de tardias, são pouco
3 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13696.htm. Acesso em: 11 dez. 2022.

Maisa Barbosa da Silva 66


eficazes. A última política, por exemplo, a PNLE, já apresentou atrasos no cumprimento de
suas metas, como apresentei em 2019, em texto publicado na Folha de S. Paulo4, e, poste-
riormente, a situação não melhorou. Buscando no site do MEC, não há menção a atuação
da PNLE nem movimento governamental para cumprimento de suas metas.
Em nosso país, sonegada pelos leitores por meio de políticas públicas insuficien-
tes, a possibilidade de aquisição de livros continua sob a detenção de uma minoria. Se,
no contexto literário evocado no início deste capítulo, a biblioteca é entendida e valorizada
como guardiã de um tesouro, não devendo ser acessível a todos, hoje, nosso cenário não
se apresenta avesso a isso.
Apesar de, hoje, contarmos com uma legislação importante para o planejamento de
ações relacionadas à leitura, pouco adianta se ela não é acompanhada de um planejamen-
to concreto de sua atuação.
Nos próximos capítulos, entraremos em outro aspecto da explicar os aspectos dos
critérios de avaliação e seleção dos programas mais recentes.

4 Programas públicos sólidos poderiam reverter nossas assimetrias históricas. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/semi-
nariosfolha/2019/09/programas-publicos-solidos-poderiam-reverter-nossas-assimetrias-historicas.shtml#:~:text=Em%20uma%20
sociedade%20marcada%20pelas%20ra%C3%ADzes%20profundas%20das,pol%C3%ADticas%20contribuem%20para%20que%20
se%20revertam%20assimetrias%20hist%C3%B3ricas. Acesso em: 10 set. 2023.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


67
CAPÍTULO 7

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E SELEÇÃO DOS ACERVOS


LITERÁRIOS DO PNBE
O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) marcou a história da educação
brasileira. Foi, certamente, o maior programa programa de fomento à leitura
no Brasil: inaugurado em em 1997, esteve em vigência até 2014 e passou por diversos
governos. Foi inaugurado no primeiro mandado do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, atravessou os mandatos do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva e da ex-pre-
sidente Dilma Roussef. Ao longo dessa trajetória, o PNBE foi crescendo, se modificando e
atendendo às demandas que iam surgindo conforme o desenvolvimento do Programa.
O Programa foi instituído pela Portaria Ministerial n.°4, de 28 de abril de 1997 do
MEC, tendo como meta promover a leitura e o conhecimento. Atuava em parceria com a
a Secretaria de Ensino Fundamental - SEF, distribuindo obras literárias para as escolas
públicas do Brasil, além de material de apoio pedagógico e atualização profissional. Inicial-
mente, era destinado apenas para a etapa inicial do Ensino Fundamental, depois passou a
atingir, gradativamente, todo o Ensino Fundamental e, em seus últimos anos, a Educação
Infantil, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
O PNBE foi um programa fundamental para o reconhecimento e valorização da
formação do leitor e do leitor literário, pois foi responsável pelo envio sistemático de livros,
literários ou não, às escolas, permitindo que muitas delas tivessem um acervo capaz de
atender à demanda escolar. Como muitas escolas se mantêm com um orçamento restrito,
fica difícil, com a própria verba das instituições, formar uma biblioteca e um acervo variado.
Antes do PNBE, como vimos, todos os programas duraram por pouco tempo e, com isso,
não havia, até então, nenhum programa que suprisse a demanda das bibliotecas escolares.
O PNBE foi o primeiro a cumprir essa função.
Assim como discutimos no capítulo 5, vimos que uma das grandes falhas dos
programas anteriores era a ausência na explanação dos critérios de escolha das obras.
Como os dois últimos Programas – o PNBE e O PNLD Literário, que será tratado nos
próximos capítulos –, apresentam tais critérios de maneira transparente, abordaremos o
processo de avaliação e seleção com foco nos critérios de seleção.
Organizaremos nossa discussão em dois momentos: no primeiro, vamos entender
os critérios seletivos de 1998 até o ano de 2004, devido ao término, neste ano, do projeto
Literatura em minha casa; em seguida, veremos os critérios de avaliação e seleção apre-
sentados nos editais de 2005 a 2012, período em que as obras foram adquiridas e enviadas
para compor os acervos das bibliotecas escolares. Para tanto, teremos como objeto de
análise os editais de seleção expedidos pelo Ministério da Educação.

Maisa Barbosa da Silva 70


Os primeiros anos do PNBE: um programa em construção

O PNBE foi instituído em 1997 e distribuiu os primeiros acervos às escolas em


1998. Desde esse momento, pouco a pouco, o programa foi sendo ampliado com o
propósito de atender de forma cada vez mais democrática alunos e professores, distribuin-
do às escolas acervos de literatura, de pesquisa, de referência e materiais de formação
docente. Os objetivos centrais do programa eram: “a democratização do acesso às fontes
de informação; o fomento à leitura e à formação de alunos e professores leitores; e o apoio
à atualização e ao desenvolvimento profissional do professor”.1
No primeiro ano em que o PNBE enviou acervos às escolas – 1998 – foram
adquiridas 4,2 milhões de obras que foram enviadas para 20 mil escolas públicas de Ensino
Fundamental.
Desde seu primeiro ano de distribuição, então, o programa já consegue atender
a uma demanda significativa de escolas. Apesar de haver um alto valor investido (R$
24.435.179,00 milhões), os critérios utilizados para seleção das obras não foram apresen-
tados em nenhum espaço de acesso à população no primeiro ano do Programa. Quando
se trata de projetos que envolvam dinheiro público, é fundamental que haja esclarecimen-
tos em relação a todos os critérios que tenham sido utilizados para o desenvolvimento da
ação. Qualquer dado que seja mal explicado, favorece situações de corrupção e dificulta,
também, o desenvolvimento de estudos acerca do projeto em questão.
No caso do PNBE, nesse primeiro ano, foram selecionados livros de pessoas ligadas
ou pertencentes à comissão de escolha, formada por um grupo de intelectuais “notáveis”.
Outro fato que merece destaque é que, de acordo com os resultados da pesquisa feita com
docentes (BRASIL, 2002b), muitas obras selecionadas foram julgadas inadequadas ao pú-
blico-alvo – 1ª a 8ª série. Pensando especificamente nesse público, o ideal é que haja uma
diversidade de obras justamente para atender os alunos mais novos, em contato com suas
primeiras leituras, bem como os alunos que já tenham intimidade com o livro.
Ainda no ano de 1998, o programa previa que o acervo seria aberto também
à comunidade, o que não ocorreu em boa parte das escolas, devido ao fato de que os
próprios alunos e professores desconheciam as obras recebidas. A pesquisa desenvolvida
pelo Tribunal de Contas da União – TCU, no ano de 2002, revelou que era bastante comum
gestores escolares não permitirem o acesso do aluno aos acervos enviados pelo PNBE,
alegando que os livros iriam estragar, que os alunos não sabiam manusear, que o espaço
da biblioteca era inadequado. Ainda que seja fundamental considerar todas as dificuldades,
não se pode perder de vista que o livro é um objeto de consumo e que seu desgaste com
o uso é natural. Claro que no contato com um objeto público, o aluno deve ser ensinado,

1 Fonte: Portal do FNDE - FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Acesso em: 10 set. 2023.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


71
também, sobre sua conservação, mas, certamente, a melhor estratégia não é manter o livro
fora do alcance dos estudantes.
No ano seguinte, 1999, a seleção das obras foi feita pela Fundação Nacional do
Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e pela Secretaria de Educação Especial (SEESP). Esta
última foi responsável para selecionar quatro obras voltadas às crianças com necessidades
educacionais especiais. A FNLIJ ficou responsável por essa seleção justamente devido às
críticas feitas à comissão anterior. Nesse momento, a Fundação já era bastante reconhecida
e com uma história sólida que começou a ser construída em 1974. Ainda assim, o processo
de seleção não escapou de críticas, pois a FNLIJ mencionou que a avaliação recaiu sobre
qualidade de texto, imagem e projeto gráfico2, mas, novamente, não explicou os critérios. Em
1999, foram selecionadas 110 obras de literatura infantojuvenil e atendidas 36 mil escolas
de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental com 150 ou mais alunos. Foram adquiridos pouco
mais de 3,9 milhões de livros, com investimento de R$ 21.427.859,77.
Apesar de os critérios de 1999 não estarem disponíveis no site do FNDE, no site
da FNLIJ, há a menção de alguns critérios norteadores. Como já mencionado, a análise
recaiu sobre a qualidade do livro em seu conjunto: texto, imagem e e projeto gráfico e
também considerou a variedade de gêneros, temas, escritores e ilustradores. Além disso,
A FNLIJ também disponibilizou na internet dois pareceres críticos – de vários especialis-
tas de literatura infantil e juvenil, votantes da instituição – que acompanharam cada título
selecionado. Como se vê, o processo de avaliação avançou em relação ao ano anterior,
principalmente por considerar o público pretendido com o acervo e dar acesso amplo aos
pareceres. Mesmo assim, os critérios selecionados ainda são um tanto vagos. Há inúmeras
possibilidades de escolha quando se aponta para a qualidade das obras literárias. Este
pode se tornar um critério subjetivo demais caso não esteja bem explicado.
No ano de 2000, o PNBE voltou-se para o preparo dos professores enviando cerca
de 3,7 milhões de livros pedagógicos destinadas aos docentes, contemplando 30.718 mil
escolas. Não houve, portanto, neste ano, distribuição de acervos literários às bibliotecas
escolares3.
De 2001 a 2004 o PNBE teve uma brusca alteração,o que foi motivo de inúmeras
críticas. O Programa caminhava para seu quarto ano de distribuição e já se mostrava
fundamental para o início da consolidação de acervos maiores nas bibliotecas públicas. Foi,
então, nesse ano que passou por uma mudança significativa, pois, nesse tempo, passou a
centralizar suas ações no projeto Literatura em minha casa. O projeto tinha como objetivo
não mais distribuir acervos às bibliotecas e, sim, diretamente aos alunos.
Foram distribuídas coleções com cinco títulos de temática diversificada para que
fossem entregues aos alunos. O objetivo principal era que o aluno pudesse compartilhar as
2 Fonte: Fonte: http://www.fnlij.org.br/livros/indice.htm. Acesso em: 10 set. 2023.
3 PNBE: Histórico. Disponível em: https://www.fnde.gov.br/programas/programas-do-livro/biblioteca-na-escola/historico/?msclki-
d=ba579242c1cb11ecab989a654172e40e. Acesso em: 16 abr. 2022.

Maisa Barbosa da Silva 72


obras com a família e ter a obra para si próprio. O grande problema encontrado a partir do
projeto, era o fato de que as bibliotecas escolares passariam a ficar sem os acervos enviados
pelo PNBE. Além disso, as obras enviadas pelo Literatura em minha casa passavam por
uma adaptação do projeto gráfico para ser mais barata, assim, eram diferentes das edições
que estavam disponíveis nas livrarias.
Além disso, houve uma oscilação significativa ao longo dos anos do projeto, pois,
no primeiro ano, 2001, houve um crescimento de obras enviadas – aproximadamente 70
milhões de obras, no ano seguinte esse número caiu para pouco mais de 21 milhões. Em
2004, deu-se continuidade às ações iniciadas em 2003.
Vamos, agora, discutir os critérios de avaliação e seleção das composições do
projeto em cada um dos anos que esteve em vigência.
No primeiro ano do projeto Literatura em minha casa 2001 –, os critérios de avaliação
e seleção das coleções foram estabelecidos por uma comissão técnica4. Os critérios de
avaliação e seleção foram apresentados em documento anexo, constituído de uma breve
introdução, contendo os princípios gerais, e de uma apresentação dos critérios de seleção,
considerados quanto à tipologia, à temática, à seleção de títulos e autores, à textualida-
de e, também, quanto ao projeto gráfico e às ilustrações (BRASIL, 2001). Analisados no
conjunto, esses critérios podem ser resumidos basicamente em duas exigências na escolha
das obras: a) diversidade gênero, assuntos, títulos e autores representativos de diferentes
épocas e regiões, textos de variados quadros de referências literários; e b) materialidade
– projeto gráfico e ilustrações adequadas ao público-alvo. Merece destaque o fato de o
julgamento das obras incluir a preocupação com o destinatário. Todavia, a esse respeito,
não fica esclarecido quem decide sobre a adequabilidade das obras às crianças e com base
em quais princípios. Em vista dos aspectos expostos, pode-se concluir que o edital para o
PNBE/2001 atentou para os mesmos critérios elaborados pela FNLIJ para o PNBE/1999.
Na segunda edição do projeto Literatura em minha casa, em 2002, a comissão
técnica designada para avaliar e selecionar as coleções de obras de literatura altera-se
apenas com a entrada de Miriam Schlickmann no lugar de Raquel F. A. Teixeira, membro
que representa a presidência do CONSED, e o acréscimo de Robert Langlady Lira Rosas
e Vera Maria Tietzmann Silva na composição dos técnicos especialistas na área de leitura,
literatura e educação. Após a designação dessa comissão, foi instituído um colegiado para
colaborar com a SEF e o FNDE na execução do PNBE/2002, realizando a avaliação e a
seleção das coleções, fundamentadas nos critérios determinados e divulgados em edital
relativo ao programa. Para compor o colegiado são nomeados: a) um representante do
Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) por estado; b) um representan-

4 Composta pelos seguintes membros: a) representante do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED): Raquel
Figueiredo Alessandri Teixeira; b) representante da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME): Adeum Hilário
Sauer; c) representante da Associação de Leitura do Brasil (ALB): Luiz Percival Leme Brito; d) representante da Fundação Nacional do
Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ): Elizabeth d’Angelo Serra e e) técnicos especialistas na área de leitura, literatura e educação: Antonio
Augusto Gomes Batista, Maria da Glória Bordini, Maria José Martins de Nóbrega e Andréa Kluge Pereira.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


73
te da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) por Estado; c) os
membros da comissão técnica estabelecida pela Portaria n. 1.440 de 15 de maio de 2002;
e d) oito representantes do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER). De acordo
com Fernandes (2007, p.72), é visível uma ampliação expressiva da representatividade na
legitimação da escolha das coleções do PNBE/2002.
Começam a ser notadas mudanças no edital de 2002. A principal delas é que a
questão de privilegiar títulos de autores de diferentes épocas e regiões ocupa segundo
plano no texto em função da relevância que assume a escolha dos autores representativos
da cultura brasileira (Brasil, 2002a, p. 15). Segundo os critérios, torna-se importante não
selecionar obras já escolhidas na edição anterior, com a inserção de um critério que exclui
obras do PNBE/2001. A temática passa também a ter atenção especial: deve contribuir
para o desenvolvimento ético do leitor e o texto e favorecer a experiência estética diversi-
ficada. Além de se elencarem os aspectos que fazem parte do projeto gráfico, explica-se
o que se espera das ilustrações e, por fim, acrescenta-se um item sobre o projeto editorial
na avaliação das coleções. Aqui, se nota que os critérios já estão melhores explicitados
e se torna mais fácil, assim, identificar a partir de quais elementos as obras estão sendo
julgadas.
No ano de 2003, a mudança de governo não impediu a continuidade do projeto
Literatura em minha casa, que foi, inclusive, ampliado para a 8ª série do Ensino Fundamental
e para a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2003). Aumentou, com isso, o número de
obras distribuídas, que saltou para oito milhões de coleções literárias distribuídas para 126
mil escolas, com um total de R$ 44 milhões.
A comissão técnica para avaliação e seleção das coleções das obras do PNBE/2003,
instituída pela portaria nº 1602 de 20 de junho de 2003, foi composta por alguns membros
da edição anterior5.
A seleção recaiu sobre a qualidade literária e gráfica das coleções, temática di-
versificada, articulação e representatividade de títulos e autores. Percebe-se que o edital
manteve como fator relevante o critério de representatividade dos autores, assim como
manteve o privilégio para escolha de títulos e autores de diferentes épocas e regiões.
Quanto ao projeto editorial, é mencionado que as coleções devem ser um “projeto orgânico”
e “não apenas uma reunião casual de textos”, com isso, elas precisam mostrar-se “como
um pequeno retrato da cultura brasileira, convidando e instigando o leitor à experiência
estética e à reflexão crítica sobre o mundo que vive” (BRASIL, 2003, p. 12).

5 Andréa Kluge Pereira; Antonio Augusto Gomes Batista; Luiz Percival Leme Britto, Maria da Glória Bordini; Maria José Martins de
Nóbrega; Vera Maria Tietzmann Silva. Também houve a entrada de novos membros: Ângela B. Kleiman; Carmem Lúcia B. Bandeira;
Cinara Dias Custódio; Cláudia Lems Vóvio; Heleusa Figueira Câmara; Heliana Maria Brina Brandão; Hnerique Silvestre Soares; Jane
Paiva; Raquel Lazzari Leite Barbosa; Tânia Mariza K. Rösing

Maisa Barbosa da Silva 74


Já em 2005, acumulavam-se críticas acerca do projeto. Começa-se a perceber a
urgência na volta de composição dos acervos escolares, pois as bibliotecas públicas não
tinham outra fonte de composição contínua e ampla como o PNBE. Ampliar.
É assim, então, que em 2005 o PNBE volta-se, novamente, às bibliotecas escolares.
Nesse mesmo ano, o Programa conseguiu algo muito significativo, que foi atender a todas
as escolas públicas brasileiras com séries do Ensino Fundamental, 1ª a 4ª série, com pelo
menos um acervo composto de 20 títulos diferentes (Brasil, 2005).
O ano de 2005 marca uma nova fase do PBNE, que passa a ser mais constante,
objetivo, transparente e democrático. Agora, as bibliotecas escolares voltam, novamente, a
ser atendidaspelo Programa e, pouco a pouco, os critério vão incorporando as demandas
apresentadas por profissionais do setor livreiro, professores e pesquisadores.

O que é qualidade para o PNBE? a seleção de livros escolares após a


renovação do Programa

A Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC) retomou, em 2005, o objetivo inicial


de qualificar as bibliotecas escolares após por fim ao Literatura em minha casa. Devido às
mudanças ocorridas a partir do ano de 2005, a análise seguinte se deterá nos critérios a
partir desse ano até 2014, ano em que o programa foi encerrado.
Todos os editais desse período apresentam três subitens avaliativos: qualidade do
texto, adequação temática e projeto gráfico. Portanto, o que faremos aqui é verificar de que
modo esses editais vão se modificando ao longo de sua atuação de modo que seja possível
entender o que vai sendo entendendo como qualidade das obras literárias. Nesses editais,
são explicitados aspectos relacionados ao conceito de literatura, sobre a compreensão
acerca do público-alvo, bem como diversos aspectos acerca da qualidade literária. Como a
análise é de caráter comparativo, serão destacados pontos em que os editais se assemelham
ou divergem entre si para, ao final, verificar quais foram as mudanças significativas durante
os anos de 2005 a 2014.
Os critérios norteadores são explanados, primeiro, por uma abordagem inicial que,
posteriormente, se dirige para subitens que tratam dos critérios específicos de avaliação.
No edital do ano de 2005 e 2006, as primeiras abordagens acerca dos critérios eram feitas
por meio do item “critérios de seleção”. Apenas no ano de 2008 passou-se a utilizar uma
introdução, a qual se detém sobre a importância da literatura.
No ano de 2008, primeiro ano em que houve a apresentação dos critérios por meio
de uma introdução, foi destacado o papel da criança no mundo contemporâneo:
Ao promover a seleção de obras de literatura para a Educação Infantil e para as séries/
anos iniciais é preciso considerar que as crianças, desde os primeiros anos de vida,
são sujeitos ativos, que interagem no mundo produzindo significados. São cidadãs,
portadoras de direitos e deveres, que, em função das inter-relações entre aspectos

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


75
biológicos e culturais, apresentam especificidades no seu desenvolvimento. Elas
interagem no mundo por meio das múltiplas linguagens: musical, gestual, corporal,
plástica, oral, escrita, entre outras e têm o brincar como sua principal (BRASIL,
2007, p. 14).

Nota-se que, apesar de o conceito não ter necessariamente vínculo com aspectos
da literatura, apresenta-se a concepção de infância adotada. A criança é apresentada como
cidadã com direitos e deveres e que se forma e interage com o mundo de diferentes modos.
Em 2008, há um crescimento significativo do PNBE quando ele passa a incluir
também as escolas de Educação Infantil e Ensino Médio. Passam a ser consideradas,
então, outras obras literárias, com diferentes complexidades. O atendimento integral que
passa a ser oferecido pelo Programa é essencial para a formação de uma biblioteca múltipla,
diversificada e ampla.
Em todos os editais é ressaltada a necessidade da obra ser “representativa”, porém,
apenas no ano de 2005 houve explanação do que o edital entende por representatividade:
Os títulos devem ser representativos de diferentes propostas e programas literários
– desde aqueles que já firmaram uma tradição e conquistaram o reconhecimento de
diferentes instâncias da instituição literária, àqueles que rompem com esta tradição
e propõem – contemporaneamente – novos modelos e princípios para a produção
literária (BRASIL, 2004, p. 14).

Aqui, se nota a necessidade de se oferecer um acervo que contemple tanto obras


clássicas quanto obras contemporâneas. Se há obras que já compõem uma tradição,
fazem parte da nossa história, não se pode esquecer que há uma diversidade de novas
obras sendo produzidas, e que essas atendem a demandas contemporâneas, represen-
tando espaços e modos de viver distintos. O contato do aluno com essa diversidade é
fundamental para a formação de um pensamento crítico e engajado
O ano de 2010 foi o ano em que o edital apresentou melhoras significativas. Se nos
anos anteriores – 2005 a 2009 – os editais pouco se diferenciavam entre si, o edital de 2010
apresentava importantes mudanças. A primeira diz respeito a mencionar a legislação que
legitima a importância da distribuição de acervos literários às escolas, enquanto a segunda
traz a fundamental consideração de a leitura ser concebida como uma prática social. A
citação confirma esses apontamentos:
Ao prover as escolas públicas que oferecem Educação Infantil, os anos iniciais do
Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (Ensino Fundamental
e médio), de acervos literários, o MEC parte do princípio de que a literatura é
um patrimônio cultural a que todos os cidadãos devem ter acesso. Trata-se de
um desdobramento do cumprimento da Constituição de 1988, que estabelece a
educação como um direito do cidadão e da Lei de Diretrizes e Bases que ressalta
o dever do Estado em oferecer uma educação básica de qualidade, nas três
etapas que a constituem: a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino
Médio. Além disso, o MEC busca dar consequência à Declaração Universal dos
Direitos Humanos, que em seu artigo XXVII, assegura a toda pessoa o direito de
participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar
do processo científico e de seus benefícios. Portanto, é necessário garantir aos

Maisa Barbosa da Silva 76


alunos e professores da rede pública de ensino o acesso à cultura e à informação,
estimulando a leitura como prática social (Brasil, 2009, p. 25).

Assim, verifica-se a associação da leitura literária com a garantia de uma educação


básica de qualidade, atitude que deveria permear todo o processo de mediação de leitura
no cerne da escola. No final da citação constata-se, ainda, a necessidade de garantir,
não apenas aos alunos, mas também aos professores, o direito de acesso à cultura e
à informação. A leitura, portanto, precisa ser uma prática social. Graça Paulino e Rildo
Cosson (2009) contribuem para essa discussão ao mencionar que o livro literário deve
circular na escola, para que se forme uma comunidade leitora e se garanta a participação
ativa dos alunos nas práticas de leitura.
Outro ganho no edital de 2010 refere-se à necessidade de refletir acerca da
concepção de literatura e leitura de acordo com cada público atendido:
A literatura tem papel fundamental na formação do leitor, em todos os níveis, etapas
e modalidades da educação. As crianças pequenas e bebês, quando convivem num
ambiente com diferentes tipos de livros, possuem com eles uma relação de grande
curiosidade e investigação. O contato das crianças com a literatura, da creche ao
Ensino Fundamental, deve promover momentos de alegria, de fantasia, de desafios
para a imaginação e para a criatividade, de troca e de experiência com a linguagem
escrita. O livro destinado às crianças precisa envolver sentimentos, valores, emoção,
expressão, fantasia, movimento e ludicidade, permitindo inúmeras interações.
Espe cificamente em relação aos livros voltados para as crianças pequenas, esses
permitem às crianças nomear objetos e personagens, inventar pequenas histórias,
desenvolver suas capacidades motoras ao apontar, folhear, abrir janelinhas, entre
outras atividades. (Brasil, 2009, p. 25).

Os jovens, adultos e idosos que buscam retomar sua escolarização pela EJA
também são oriundos das mais diferentes situações socioeconômicas e culturais, trazem
uma bagagem de conhecimentos adquiridos ao longo de suas histórias de vida, obtidos
em diversas situações do cotidiano e do mundo do trabalho. Muitos são neoleitores jovens,
adultos e idosos que ainda não desenvolveram plenamente suas habilidades e competên-
cias de leitura e escrita e que, independente do nível de escolarização, estão iniciando sua
caminhada de leitores. Nessa delimitação estão desde aqueles em processos de alfabe-
tização até os que estão cursando o Ensino Médio, mas permanecem no nível básico de
domínio da leitura e da escrita (Brasil, 2009, p. 26).
Também é perceptível, nos editais, o cuidado em selecionar obras que não
contenham ditatismos, moralismos, preconceitos e outros tipos de discriminação“. Com
efeito, durante muito tempo as obras destinadas ao contexto escolar eram reprodutoras de
valores e opiniões de um universo adulto ou do que os adultos esperavam em relação aos
alunos. Esse “compromisso pedagógico” entre a literatura infantojuvenil e a escola para
inculcação de normas e valores, presente desde a gênese do gênero, persiste até hoje em
obras que instrumentalizam a literatura com outras finalidades que descaracterizam o texto
literário. Por isso, o edital prevê a eliminação das obras que apresentam as características
mencionadas.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


77
Outro aspecto percebido em todos os editais é destacar a necessidade de compor
acervos com obras de diferentes níveis de dificuldade, para que os alunos tenham opções
de leitura não somente com foco em sua idade, mas em seu nível de leitura e, ainda, para
que possam ser lidas junto os professores e individualmente. Pode-se verificar, com isso,
a atenção do edital para que as obras da biblioteca não sejam apenas para que os alunos
realizem empréstimos, mas também para estarem presentes na sala de aula.
Vale mencionar outro critério de seleção presente em todos os editais, que é a
necessidade de adequar as obras à faixa etária e interesse dos alunos. Essa questão da
adequação das obras às faixas etárias do público pretendido suscita o questionamento do
que o edital entende por interesse tanto das crianças e dos jovens, quanto dos adultos e
dos idosos que estudam nas escolas.
No que diz respeito especificamente ao item avaliativo “qualidade do texto”, con-
sidera-se que o texto literário contribui para “ampliar o repertório linguístico dos leitores”
(Brasil, 2011). Faz-se necessário observar, nesse ponto, que as obras a serem seleciona-
das para compor o acervo devem fazer presentes os diferentes tipos de variação linguística,
não favorecendo o falar de determinada região nem apresentando um tratamento precon-
ceituoso em relação aos diferentes tipos de utilização da língua. As obras não podem trazer
de maneira estigmatizada as características da fala provenientes, por exemplo, de regiões
mais pobres, de pessoas da terceira idade ou de falantes pertencentes à classe social des-
favorecida.
Os livros a serem selecionados também deveriam ter, de acordo com os editais,
“fruição estética” e um “trabalho estético com a linguagem” (Brasil, 2009, p. 15), de modo
a estimular o leitor, visto que a literatura engloba os sentimentos de fantasia e realidade
necessários ao desenvolvimento dos leitores, proporcionando o estímulo da imaginação,
criatividade, raciocínio e reflexão. Para Barthes (1973, p. 21-22), fruição diferencia-se de
prazer:
Texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia, aquele que vem da
cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável da leitura. Texto
de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (dá até
um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a
consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em
crise sua relação com a linguagem.

Em relação aos textos em prosa, seriam avaliadas, como apontam os editais (Brasil,
2009, p. 14), “a coerência e a consistência da narrativa, a ambientação, a caracterização
das personagens e o cuidado com a correção e a adequação do discurso das personagens
a variáveis de natureza situacional e dialetal”. Esses elementos podem possibilitar ao
indivíduo capacidade de se comunicar e se expressar em diferentes contextos, em situação
formal ou informal, pois saberá quais recursos linguísticos utilizar em uma ou outra situação.
Dessa maneira, ressalta-se a necessidade de proporcionar aos leitores variedade de livros

Maisa Barbosa da Silva 78


que levem em conta a abordagem de diferentes meios culturais, sociedades, tradições e
problemas do mundo, buscando construir condições para que os estudantes desenvolvam
consciência crítica em prol de novas e melhores relações sociais.
Os textos em verso seriam avaliados de acordo com a adequação da “linguagem
ao público a que se destina” (Brasil, 2009, p. 14), devido à necessidade de se oferecer, nos
acervos, livros com vários níveis de dificuldade, para alcançar os diferentes contatos que as
crianças e adolescentes possuem com a leitura. É ausente, porém, referência aos poemas
narrativos.
Como qualidade do texto, ainda seria observado, em livros de histórias em
quadrinhos, o diálogo entre texto e imagem e novas possibilidades de leitura por meio do
texto visual. Um fato extremamente importante, já que a ilustração vem ganhando cada
vez mais espaço devido ao seu papel na construção de sentidos diante do livro, elemento
para o qual o aluno nem sempre é despertado: “a dificuldade [dos alunos] de relacionar
as ilustrações aos textos verbais advinha da falta de intimidade com o universo semântico
ali representado, o que se confirmava com leituras apenas literais dos textos verbais”
(Fonseca, 2009, p. 105).
Ainda em “qualidade do texto”, um critério presente nos editais refere-se às
adaptações e traduções que, quando selecionadas, “[...] devem ser mantidas as qualidades
literárias da obra original”. Faz-se necessário questionar, nesse ponto, o que o edital
entende quando menciona a necessidade de manter as “qualidades literárias” do original,
já que tanto traduções quanto adaptações pressupõem a reescrita da obra e terão novas
qualidades literárias, mas não as mesmas da obra que tomou como referência. Além disso,
em que medida as obras traduzidas ou adaptadas também não são originais, visto que não
são cópias? Apenas no edital de 2006 houve mudanças em relação à seleção de traduções
e adaptações. As obras seriam selecionadas de acordo com “[...] os aspectos textuais e
editoriais que particularizam cada obra” (Brasil, 2005, p. 14).
No que tange à qualidade temática, os editais pouco alteraram os critérios ao
longo do período de 2005 a 2012. Notam-se mudanças significativas, porém, no subitem
“adequação temática” do edital de 2012. Verifica-se a preocupação em serem selecionadas
obras que privilegiem diferentes “[...] contextos socioeconômicos, culturais, ambientais e
históricos que constituem a sociedade brasileira” (Brasil, 2011. p. 24).
A pesquisadora Maria Zaira Turchi (2006) contribui para o debate sobre essa
prioridade ao mencionar que a literatura vem tratando de temáticas cada vez mais amplas
e traz à tona o discurso das minorias excluídas. É necessário, portanto, a presença dessas
temáticas na escola, para que o leitor não forme apenas o gosto pela leitura literária, mas
possa construir uma visão crítica do seu lugar social a partir de suas leituras. Partindo da
ideia de que as crianças vêm de meios socioculturais distintos, possibilitar a elas o acesso

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


79
a livros que tratem da variedade desses meios contribui para a conscientização acerca de
uma sociedade plural, da necessidade de não se ter preconceito com os meios diferentes
ou menos favorecidos.
Dentre as características mencionadas nos editais (Brasil, 2009, p. 15), a serem
observadas como adequação temática, estão “a capacidade de motivar a leitura, o potencial
para incitar novas leitura, a adequação às expectativas do público-alvo, as possibilidades de
ampliação das referências do universo cultural do aluno e a exploração artística dos temas”.
O contato com os livros, independente do ciclo escolar, possibilita ao aluno o convívio com
o conhecimento de diferentes lugares, pessoas e histórias. O leitor, ao ser despertado,
irá adquirir, a cada livro, diferentes formas de ver o mundo, pois irá entrar em contato com
culturas além da qual está inserido. Para Candido (2004, p. 180), a formação do leitor
literário pode estimular “o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para
com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da
vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do seres, o cultivo do humor”.
Pensar nos efeitos apresentados por Candido (2004) torna-se extremamente
importante quando se analisa a leitura como ponto principal para o desenvolvimento da
cidadania em cada um. Deve-se considerar que a leitura literária, desde que desvinculada
de estereótipos e preconceitos, possibilita ao indivíduo uma reflexão crítica em relação a si, ao
outro e ao mundo que o cerca.
Além da qualidade do texto e da adequação temática, os aspectos gráficos também
são considerados na seleção da obra. De acordo com o último subitem avaliativo – projeto
gráfico –, as obras a serem selecionadas deveriam apresentar:
Equilíbrio entre texto principal, ilustrações, textos complementares e as várias in-
tervenções gráficas que conduzem o leitor para dentro e para fora do texto principal. Deve
garantir condições de legibilidade do ponto de vista tipográfico quanto ao formato e tamanho
da(s) fonte(s) utilizadas; do espaçamento entre letras, palavras e linhas, do alinhamento do
texto, qualidade do papel e impressão (Brasil, 2010, p. 15).
Apesar das pequenas mudanças, os critérios relacionados ao projeto gráfico
apresentam grande semelhança no que diz respeito aos elementos especificados no edital.
Apenas a partir dos editais de 2008 passaram a ser incluídas considerações mais específicas
relacionadas às ilustrações. Também a partir desse ano as biografias dos autores deveriam
ser apresentadas de modo que favorecessem o interesse dos leitores por outras obras.
Também no item avaliativo “projeto gráfico”, houve um crescimento em relação às
ilustrações, pois passou-se a mencionar, a parti de 2010, que elas deveriam não somente
dialogar com o texto verbal, mas, também, apresentar-se como possibilidade criativa,
recorrendo a outras linguagens, sendo atrativas e enriquecedoras e, assim, contribuindo
para ampliar a interpretação e construção de sentidos.

Maisa Barbosa da Silva 80


O que se nota, com a leitura dos editais de seleção do PNBE, é o quanto o programa
foi evoluindo e se modificando. Assim, conforme o programa avançava, as obras eram se-
lecionadas com critérios mais precisos em relação aos editais anteriores. É necessário
destacar, a partir disso, que é fundamental a continuidade das políticas públicas, pois, assim,
é possível que ela vá avançando e se tornando mais transparente à população. Sempre que
há o surgimento de uma nova política de leitura, como vemos no capítulo 5, é comum que
se demore um tempo até que ela, de fato, comece a produzir efeitos positivos. Quando há a
interrupção dessa política, desconstrói-se um trabalho feito de forma gradativa. O PNBE é
reflexo disso. Em seus últimos anos, ele atendia à muitdas das demandas destacadas pelos
profissionais do mercado do livro, como a necessidade de se variar autores e editoras, por
exemplo, e isso já era uma realidade dentro do programa.
Quando uma política pública apresenta problemas, é fundamental que seus
gestores saibam acolher as críticas para aprimorá-la e corrigir as falhas. A avaliação do
TCU, destacada nas primeiras páginas desse capítulo, representou uma marca da transpa-
rência da atuação do PNBE, pois, depois dela, vários problemas começaram a ser sanados.
No capítulo posterior, então, vamos discutir a política que substitui o PNBE: o PNLD
Literário.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


81
CAPÍTULO 8

TRANSIÇÕES NA COMPOSIÇÃO DAS POLÍTICAS


PÚBLICAS DE LEITURA: O PNLD LITERÁRIO E SEU
VÍNCULO COM A BNCC
A s políticas públicas de fomento à leitura criadas desde a década de 1980
passaram, como vimos, por diversas mudanças. O PNBE foi o que mais
resistiu a essas alterações devido a um esforço articulado entre pesquisadores, editores e
demais interessados na produção e circulação do livro. Contudo, 2014 foi o último ano de
distribuição de acervos de livros literários e outros materiais de leitura.
Em 2017, saiu uma série de reportagens acerca do fato de que, desde 2014, o
governo estava sem comprar livros às escolas e com previsão de nova compra apenas
para 2019. Desde a abertura democrática, em 1985, o governo brasileiro nunca ficou tanto
tempo sem abastecer as bibliotecas escolares. Como apontou a Associação Brasileira dos
Autores de Livros Educativos – ABRALE, em reportagem à época:
O governo federal vai ficar ao menos quatro anos sem entregar novos livros de
literatura para bibliotecas de escolas públicas brasileiras. A última remessa de livros
feita pelo Ministério da Educação (MEC) para toda a rede ocorreu em 2014. A partir
daquele ano o programa que garantia a compra e a entrega não foi mais executado.
A alternativa proposta pelo governo federal só terá possibilidade de enviar novos
livros a partir de 20191.

A ausência de compras governamentais em um país como o nosso – desigual –


afeta, além do contato do aluno com o livro nos espaços escolares, todo o setor livreiro. Até
então, o governo brasileiro era responsável por boa parte da movimentação do mercado
do livro. Essa lacuna prejudica, especialmente, editoras nacionais e a diversidade de títulos
que chegam às livrarias. Há, então, uma série de consequências quando um governo
decide não enviar livros às escolas. Certamente, os maiores prejuízos são para os leitores
atendidos pelas compras governamentais, pois, muitas vezes, sem condição de ter acesso
ao livro por outras vias, como bibliotecas públicas ou livrarias, precisam das bibliotecas
escolares para ter acesso à leitura.
Outras mudanças despontavam nesse momento e preocupavam, igualmente, o
setor livreiro. A possibilidade de chegada de um governo de extrema direita, considerando
que 2017 era um ano de eleição, trazia o receio de que, de fato, continuássemos sem a
compra de acervos de livros para composição dos acervos escolares, pois o golpe2consoli-
dado em 2016 já havia trazido alterações importantes para o campo da educação.
As movimentações do próprio mercado também preocupavam os profissionais
do mercado do livro: em 2014, iniciaram-se as vendas de livros físicos pela Amazon3 no
Brasil, o que já havia promovido mudanças no comportamento dos compradores de livros.
A Amazon consolidou-se como um e-commerce com poder de barateamento tão forte que
as livrarias e as editoras nacionais nem sempre conseguem se manter devido à redução

1 Disponível em: http://www.abrale.com.br/governo-federal-esta-desde-2014-sem-comprar-livros-de-li-


teratura-para-escolas-publicas/?msclkid=a074c02ac1d511ec93c891dc54cca3aa. Acesso em: 21 set. 2023.
2 Em 2016, a ex-presidente Dilma Rousseff foi afastada definitivamente da presidência acusada de praticar “pedaladas fiscais”, ainda
que sem provas de enriquecimento ilícito ou aproveitamento do cargo em benefício próprio. Dos parlamentares que a julgaram, 60%
eram suspeitos ou acusados de crimes que incluíam falsidade ideológica até abuso de poder econômico.
3 https://canaltech.com.br/empresa/amazon/#:~:text=A%20Amazon%20chegou%20ao%20Brasil,livros%20e%20ampliou%20os%20
neg%C3%B3cios.

Maisa Barbosa da Silva 84


das vendagens, pois, para o consumidor, as compras via e-commerce acabam sendo mais
viáveis.
É, então, diante de um contexto de alterações, e que não se mostrava com uma
projeção positiva para o futuro, que as entidades representativas da cadeia produtiva do
livro se reuniram para pensar em estratégias de resistência:
A última cartada conjunta das entidades se deu durante a Flip, na Casa Libre/
Nuvem de Livros, quando Associação Brasileira de Editoras de Livros Escolares
(Abrelivos), Associação Nacional de Livrarias (ANL), Câmara Brasileira do Livro
(CBL), Liga Brasileira de Editoras (Libre) e o Sindicato Nacional dos Editores de
Livros (Snel) entregaram à coordenadora da Frente Parlamentar Mista de Defesa
do Livro, a senadora Fátima Bezerra (PT/RN), e a José Castilho Marques Neto,
secretário-executivo do Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), uma carta
intitulada Brasil, Nação Leitora4.

No manifesto, as entidades buscaram evidenciar a necessidade de continuida-


de das políticas públicas de leitura e leitura literária diante dos cortes de verbas que já
aconteciam no Ministério da Educação. Segue o Manifesto Brasil, nação leitora na íntegra.
O manifesto está publicado em site próprio: http://avante.org.br/brasil-nacao-leitora/.

“Brasil, Nação Leitora


“Liberdade, espontaneidade, afetividade e fantasia são
elementos que fundam a infância. Tais substâncias são também
pertinentes à construção literária. Daí, a literatura ser próxima
da criança. Possibilitar aos mais jovens acesso ao texto literário
é garantir a presença de tais elementos, que inauguram a vida,
como essenciais para o seu crescimento. Nesse sentido é
indispensável a presença da literatura em todos os espaços por
onde circula a infância. Todas as atividades que têm a literatura
como objeto central serão promovidas para fazer do País uma
sociedade leitora. O apoio de todos que assim compreendem a
função literária é proposição indispensável. Se é um projeto
literário é também uma ação política por sonhar um País mais
digno.” BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS, in
Manifesto por um Brasil Literário, Paraty, 2009

A Associação Brasileira das Editoras Universitárias, a Associação Brasileira de Difusão do Livro, a


Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares, a Associação de Escritores e Ilustradores de
Literatura Infantil e Juvenil, a Associação Nacional de Livrarias, a Câmara Brasileira do Livro, a Liga
Brasileira de Editoras, o Movimento Brasil Literário e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, em
nome de seus associados, vêm manifestar sua preocupação em relação à continuidade da política pública
de inclusão da literatura no âmbito da Educação Infantil e dos ensinos Fundamental e Médio, tendo em
vista a imposição de cortes nas verbas do Ministério da Educação.
A educação deve ser entendida no sentido amplo, sem se restringir a ensinar a criança a ler e a escrever,
mas também a pensar, refletir e compreender. Através do hábito de leitura, a criança aumenta seu
conhecimento sobre o mundo e se prepara para exercer sua cidadania.
Hoje, apenas 25% dos brasileiros alfabetizados são leitores plenos, o que significa que 75% não têm
capacidade de compreender e interpretar textos, segundo dados do INAF — Indicador Nacional de
Analfabetismo Funcional.
Entendemos que a formação de leitores, assim como a constituição de acervos de bibliotecas escolares com
4 livros
Brasil, de literatura
Nação Leitora devem ser prioridades nas ações do Estado e, portanto, do Ministério da Educação. Só
https://www.publishnews.com.br/materias/2015/07/06/82610-entidades-assinam-manifesto-em-favor-do-pnbe.
Acesso em: 10 set. 2023.
assim poderemos equiparar direitos, garantindo a mesma qualidade na formação a todas as crianças e jovens
brasileiros, independentemente da cidade onde vivem, das carências e desigualdades de cada região.
Um grande passo nesse sentido foi a criação, em 1998, do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE),
e seu desenvolvimento
POLÍTICAS e aprimoramento
PÚBLICAS PARA A LEITURA ao longo
E A LITERATURA NO BRASILdos últimos anos. Até 2014, este programa vinha
cumprindo seu objetivo de “prover as escolas de ensino público das redes federal, estadual, municipal e85 do
Distrito Federal, no âmbito da educação infantil (creches e pré-escolas), do ensino fundamental, do ensino
mas também a pensar, refletir e compreender. Através do hábito de leitura, a criança aumenta seu
conhecimento sobre o mundo e se prepara para exercer sua cidadania.
Hoje, apenas 25% dos brasileiros alfabetizados são leitores plenos, o que significa que 75% não têm
capacidade de compreender e interpretar textos, segundo dados do INAF — Indicador Nacional de
Analfabetismo Funcional.
Entendemos que a formação de leitores, assim como a constituição de acervos de bibliotecas escolares com
livros de literatura devem ser prioridades nas ações do Estado e, portanto, do Ministério da Educação. Só
assim poderemos equiparar direitos, garantindo a mesma qualidade na formação a todas as crianças e jovens
brasileiros, independentemente da cidade onde vivem, das carências e desigualdades de cada região.
Um grande passo nesse sentido foi a criação, em 1998, do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE),
e seu desenvolvimento e aprimoramento ao longo dos últimos anos. Até 2014, este programa vinha
cumprindo seu objetivo de “prover as escolas de ensino público das redes federal, estadual, municipal e do
Distrito Federal, no âmbito da educação infantil (creches e pré-escolas), do ensino fundamental, do ensino
médio e educação de jovens e adultos (EJA), com o fornecimento de obras e demais materiais de apoio à
prática da educação básica”. Na última década, o PNBE tornou-se um exemplo de sucesso na inclusão da
literatura em sala de aula, e outros programas de igual importância foram também criados, como o PNBE
do Professor, o PNBE Periódicos, o PNBE Temático e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
(PNAIC).
Estes programas permitiram aos alunos de todo o país o acesso a uma grande diversidade de obras literárias,
de escritores e ilustradores nacionais e estrangeiros, obras estas que foram avaliadas e selecionadas por
profissionais especializados em literatura e educação. Permitiram também que editoras de todos os portes
participassem do processo de seleção e tivessem a oportunidade de incluir seus títulos nestes programas.
Em 2015, porém, segundo informações recentes do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação
(FNDE), responsável pela execução desses programas, não houve ainda a liberação de verbas para viabilizar
tanto o PNBE Temático 2013, que já estava com contratos em andamento, quanto o PNAIC 2014 cujos
livros já estavam selecionados e as editoras devidamente habilitadas para a negociação e o contrato.
Lamentavelmente, o processo de avaliação dos livros inscritos para o PNBE 2015 também estagnou. De
acordo com dados estimativos, as verbas destinadas ao PNBE Temático 2013 e do PNAIC 2014, em
conjunto, representam menos de 1% do valor do corte orçamentário de R$ 9,4 bilhões sofrido pelo
Ministério da Educação.
Além disso, o governo do Estado de São Paulo, em comunicado oficial, suspendeu a compra de livros para
escolas e bibliotecas. Temos acompanhado notícias aterradoras de paralisia de ações em diversos estados e
municípios, como o fim de um dos projetos mais emblemáticos do país, a Jornada Literária de Passo Fundo.
Casos recentes que preocupam o caminho da transformação do Brasil pela leitura.
O atraso na execução desses programas e projetos já causa reflexos preocupantes na cadeia produtiva do
livro, atingindo não somente editores e livreiros como também autores, tradutores, ilustradores, revisores e
a indústria gráfica.
Entretanto, muito mais grave do que esse prejuízo tangível da cadeia produtiva do livro é o prejuízo
incalculável e talvez irreparável causado a milhões de crianças e jovens brasileiros, que deixarão de receber
livros de literatura em suas escolas, o que representará um grande retrocesso nas conquistas educacionais
dos últimos anos e um dano irreversível ao pensamento livre e crítico da nossa população jovem.
O acesso a livros de literatura está garantido no Plano Nacional de Educação (PNE), através dos conceitos
de Custo Aluno Qualidade (Caq) e Custo Aluno Qualidade Inicial (Caqi) que estabelece, dentre as diversas
variáveis para o custo da educação, valores e parâmetros relativos aos insumos, entre eles os livros e as
bibliotecas. Essa indicação está apoiada pela Lei 12.244/2010 que, ao determinar que todas as instituições
de ensino do País tenham uma biblioteca até 2020, configura importante arco legal para a garantia desse
direito.
A leitura de livros de literatura, além de prioritária, é também um direito da criança e do jovem.
Quando a leitura literária for prioridade na Educação em nosso país poderemos clamar:
Brasil, Pátria Educadora, Nação Leitora

Paraty, 3 de julho de 2015″


O manifesto destaca a condição das práticas de leitura dos brasileiros nos últimos
anos, atentando para o fato de que o ato de ler vai muito além de somente se apropriar
do código verbal, mas da construção de condições de fomento ao pensamento crítico.
Do mesmo modo, atenta para os dados do INAF, que apontam que 75% têm dificuldade
com a interpretação e compreensão de textos. Ainda defende a relevância do PNBE e a

Maisa Barbosa da Silva 86


abrangência do Programa, que foi descontinuado justamente em um momento em que
atendia à escola brasileira de forma ampla.
O manifesto também chama a atenção para um fato sobre o qual refletimos no
capítulo 6: temos várias leis bastante necessárias no que se refere à formação de leitores,
contudo, nem sempre tais leis têm resultados na prática. Ao evidenciar uma série de ações
e projetos que vêm sendo descontinuados, o documento assinala as consequências que
aparecerão com o tempo no que se refere não somente aos índices de leitura, mas, espe-
cialmente, em relação à formação crítica dos brasileiros.
Apesar das movimentações de diferentes setores da sociedade, após a ascensão
de Michel Temer à presidência, marcou-se, de vez, a extinção do PNBE e também não
houve justificativas em relação à decisão governamental. Vale ressaltar que o ano de 2014,
ano do fim do primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, marcou o último ano de
distribuição de acervos.
O fim do PNBE, após dezoito anos de existência, marcou um período obscuro no
que tange às políticas públicas justamente porque o fim de um programa sólido, duradouro,
contínuo e que foi sendo expandido gradativamente conforme ia se consolidando inaugura
o início de um período de incertezas.
Por meio do decreto n° 9.099, de 18 de julho de 2017, o programa de compra e
distribuição de livros e materiais de leitura às bibliotecas escolares foi incorporado ao já
conhecido PNLD, em atuação desde a década de 1980. O foco do PNLD era, até esse
momento, a distribuição de materiais didáticos e, com a portaria, passa a ser responsável
também pela distribuição de materiais literários, por meio do PNLD Literário.
Em seu Artigo 1°, o decreto n° 9099 estabelece que:
Art. 1º O Programa Nacional do Livro e do Material Didático - PNLD, executado
no âmbito do Ministério da Educação, será destinado a avaliar e a disponibilizar
obras didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais de apoio à
prática educativa, de forma sistemática, regular e gratuita, às escolas públicas de
educação básica das redes federal, estaduais, municipais e distrital e às instituições
comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com
o Poder Público.
§ 1º O PNLD abrange a avaliação e a disponibilização de obras didáticas
e literárias, de uso individual ou coletivo, acervos para bibliotecas, obras
pedagógicas, softwares e jogos educacionais, materiais de reforço e correção de
fluxo, materiais de formação e materiais destinados à gestão escolar, entre outros
materiais de apoio à prática educativa, incluídas ações de qualificação de materiais
para a aquisição descentralizada pelos entes federativos (Brasil, 2017, s.p.).

O PNLD passa a ser responsável, então, pela distribuição ampla de materiais às


escolas, incluindo, além dos livros didáticos e literários, outros materiais necessários às
escolas e à prática docente. A política voltada à distribuição de livros foi nomeada como
PNLD Literário a partir da integração das políticas voltadas à literatura com um programa ini-
cialmente voltado ao livro didático. Passaremos, agora, a análise de como ficou configurado

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


87
esse Programa gestado ao longo do governo Bolsonaro, tendo em vista que, por mais que
ele tenha sido instituído em 2017, ainda no governo do ex-presidente Michel Temer, é em
2018 que sua atuação é iniciada.

PNLD Literário e o vínculo com a BNCC

O PNLD é um programa bastante abrangente. Suas ações incluem distribuição de


obras didáticas, pedagógicas e literárias, além de outros materiais para suporte à prática
educativa. O propósito central é, então, distribuir, gratuita e periodicamente, materiais
necessários à prática educativa.
A criação do PNLD se deu em 1985, por meio do Decreto nº 91.542, de 19/8/85, e
fruto das movimentações democráticas que em 1985 já geravam frutos importantes para a
educação no Brasil:
• Indicação do livro didático pelos professores;
• Reutilização do livro, implicando a abolição do livro descartável e o aperfeiçoamento
das especificações técnicas para sua produção, visando maior durabilidade e possibili-
tando a implantação de bancos de livros didáticos;
• Extensão da oferta aos alunos de 1ª e 2ª série das escolas públicas e comunitárias;
• Fim da participação financeira dos estados, passando o controle do processo decisório
para a FAE e garantindo o critério de escolha do livro pelos professores (Brasil, 1985,
s.p.)

Há ganhos muito significativos com o surgimento do PNLD, que centralizou na


União os investimentos para o livro, ampliou o atendimento ofertado pelo programa anterior,
propõs a reutilização do livro, o que aumentou sua qualidade material e permitiu que
houvesse participação dos professores no processo de escolha das obras.
A busca pela oferta de um material didático gradativamente melhor às escolas
públicas foi possibilitada graças ao esclarecimento de bases teóricas e metodológicas
em diálogo com professores, pesquisadores e gestores escolares. Esse movimento fez
com que as editoras interessadas em ter seus livros escolhidos pelos programas fossem
aprimorando a qualidade de seus materiais.
Por mais que haja a necessidade de entender qual o espaço do livro didático na
prática docente, é fundamental entender que ele tem um papel importante no cotidiano
da sala de aula e acaba por ser um dos elementos centrais da organização do trabalho
docente.
É notória a relevância do PNLD para elevar a qualidade do material didático, para
promover maior conhecimento acerca do funcionamento desse programa, inclusive, dispo-
nibilizando, nas páginas oficiais, informações sobre o investimento, história do programa,
as modificações.

Maisa Barbosa da Silva 88


Ressaltada a necessidade e relevância do PNLD, começamos a pensar: em que
momento esse programa passa a incluir, também, a distribuição de materiais literários
depois da extinção do PNBE e com que propósito? Observando o primeiro edital de seleção
do PNLD Literário, de 2018, é possível iniciar algumas percepções acerca do funcionamen-
to do programa. O edital estabelece como objetivos:
2.1.1 Avaliar obras literárias para uso em sala de aula pelos estudantes da educação
infantil, dos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano) e ensino médio até o
final dos seus respectivos ciclos de atendimento especificados neste edital.
2.1.2 Apoiar a formação dos acervos das escolas públicas, ampliando as
oportunidades de uso individual dos estudantes de literatura de qualidade durante
o ano letivo;
2.1.3 Contribuir com o desenvolvimento de competências e habilidades dos
estudantes, em conformidade com a Base Nacional Curricular Comum-BNCC.
(BRASIL, 2018, p. 2).

Nota-se, no primeiro item, o destaque para o uso em sala das obras selecionadas
e, no segundo, busca-se ampliar as oportunidades de uso individual das obras durante o
ano letivo. Os dois subitens voltam, então, a leitura da literatura para o uso em sala de aula,
associada, assim, à prática docente. Certamente, não há problema quando se destaca a
necessidade de pensar um espaço, na sala de aula, para uma programação que envolva a
leitura. Contudo, o terceiro item destacado aponta que o propósito dessas práticas devem
ser o de contribuir com o desenvolvimento de competências e habilidades dos estudantes
com base na Base Nacional Comum Curricular - BNCC.
A Base, aprovada nos últimos anos, vem acompanhada de diversas críticas por
parte da comunidade educacional e quando o uso dos materiais literários e de leitura estão
atrelados a esse documento, nota-se, também, um alinhamento ideológico com as ideias
da BNCC. Vale lembrar que a aprovação da BNCC foi feita com bastante resistência dos
setores interessados, tendo em vista o modo arbitrário como a reforma foi conduzida:
A consequência mais perversa dessa reforma, cuja elaboração se encontra
estreitamente aninhada em três instrumentos – Lei n.º 13.415/2017, BNCC e DCNEM
–, é a construção de uma formação que se fixa no presentismo, no utilitarismo,
no imediatismo que tem como resultado a perda da perspectiva do sujeito jovem
enquanto ser social [...]. Tal condição é imprescindível para que o segmento jovem
assuma os fracassos como determinantes de suas próprias “escolhas”, de forma que
as relações de produção material fiquem intocáveis no atual regime de acumulação
do capitalismo (Koepsel, Garcia, Czernisz, 2020, p. 2).

Essa associação provoca um movimento perigoso quando falamos de literatura. No


capítulo 4, quando vimos o processo de fortalecimento escolar na década de 1960 e o modo
como parte a literatura destinada às escolas passou a atender objetivos moralizantes, na-
cionalistas e pedagógicos, é importante se perguntar se a mesma coisa vai acontecer com
essa associação, pois o vínculo do trabalho com a literatura na escola está expressamente
assinalado no Edital:

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


89
[...] estamos querendo pensar nas políticas relacionadas à atual edição do Programa
Nacional do Livro Didático, que incorpora o denominado PNLD 2018 Literário,
considerando as suas contradições e todo o nexo de influências e interdependências
que são resultados das motivações híbridas e múltiplas advindas dos diferentes
sujeitos que atuam na proposição e na elaboração do programa. Sintetizando e
buscando ilustrar a ideia aqui apresentada é possível concluir que existe um
ponto de articulação entre as propostas educacionais mais recentes: Programa
Nacional do Livro Didático, Pacto Nacional pela Educação na Idade Certa, Acervos
Complementares ao PNLD, Base Nacional Comum Curricular, dentre outras
políticas que se propõem a oferecer uma educação dita de “qualidade”, ainda que
possamos questionar as múltiplas formas de significarmos a ideia de qualidade.
(Nunes, 2019, p. 83).

A política voltada à distribuição de livros foi nomeada como PNLD Literário a partir
da integração das políticas voltadas à literatura com um programa inicialmente voltado ao
livro didático. Passaremos, agora, a análise de como ficou configurado esse Programa
gestado ao longo do governo Bolsonaro.
O PNLD Literário foi instituído por meio do Decreto Nº 9.099, DE 18 de julho de
2017, ainda no governo do ex-presidente Michel Temer
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º O Programa Nacional do Livro e do Material Didático - PNLD, executado
no âmbito do Ministério da Educação, será destinado a avaliar e a disponibilizar
obras didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais de apoio à
prática educativa, de forma sistemática, regular e gratuita, às escolas públicas de
educação básica das redes federal, estaduais, municipais e distrital e às instituições
comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com
o Poder Público.
§ 1º O PNLD abrange a avaliação e a disponibilização de obras didáticas
e literárias, de uso individual ou coletivo, acervos para bibliotecas, obras
pedagógicas, softwares e jogos educacionais, materiais de reforço e correção de
fluxo, materiais de formação e materiais destinados à gestão escolar, entre outros
materiais de apoio à prática educativa, incluídas ações de qualificação de materiais
para a aquisição descentralizada pelos entes federativos.
§ 2º As ações do PNLD serão destinadas aos estudantes, aos professores e aos
gestores das instituições a que se refere o caput, as quais garantirão o acesso aos
materiais didáticos distribuídos, inclusive fora do ambiente escolar, no caso dos
materiais didáticos de uso individual (BRASIL, 2017)5.

Assenta-se uma compreensão inadequada do material literário, que passa a ser


entendido, no texto legal, como um material de apoio à prática educativa, havendo, então,
pouca diferenciação dos outros materiais didáticos. Uma concepção, aliás, que os pesqui-
sadores buscaram desconstruir ao longo das últimas décadas é da função pedagógica da
literatura, pois, comumente usada no contexto escolar como material educativo, é comum
que, para muitas pessoas, a literatura só tenha sentido se atrelada às práticas escolares.
Se o parágrafo 1º ainda se propõe a marcar a diferença entre material didático e materiais
literários, o parágrafo 2º não faz essa diferença, incluindo como um único tipo de material.

5 BRASIL. DECRETO Nº 9.099, DE 18 DE JULHO DE 2017. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/


Decreto/D9099.htm. Acesso em: 21 set. 2023.

Maisa Barbosa da Silva 90


No mesmo decreto, é mencionada a relação do Programa com a Base Nacional
Comum Curricular – BNCC:

Art. 2º São objetivos do PNLD:


I - aprimorar o processo de ensino e aprendizagem nas escolas públicas de
educação básica, com a consequente melhoria da qualidade da educação;
II - garantir o padrão de qualidade do material de apoio à prática educativa utilizado
nas escolas públicas de educação básica;
III - democratizar o acesso às fontes de informação e cultura;
IV - fomentar a leitura e o estímulo à atitude investigativa dos estudantes;
V - apoiar a atualização, a autonomia e o desenvolvimento profissional do professor;
e
VI - apoiar a implementação da Base Nacional Comum Curricular. (BRASIL, 2017).

Dois aspectos se percebem no decreto: o apoio à implementação da Base e a


ausência à especificidade do texto literário. A partir do momento que o Programa passa a
incluir, também, a distribuição de material literário, é fundamental mencionar como o faz
e porque o faz. Para além de uma mera concepção de literatura, abordar a importância e
especificidade da linguagem literária é essencial para orientação de todo o processo de
avaliação e seleção das obras. Como o aspecto evidenciado no documento é a obrigato-
riedade de trabalho a partir da Base, vamos verificar, agora, como a BNCC apresenta a
literatura.

A literatura na BNCC

A literatura é inserida dentro da área de Linguagens, no Ensino Fundamental e


dentro da área Linguagens e suas Tecnologias, no Ensino Médio. Na BNCC, a área de
Linguagens é composta pelos seguintes componentes curriculares: Língua Portuguesa,
Arte, Educação Física e, no Ensino Fundamental – Anos Finais, Língua Inglesa. Esses
componentes curriculares são válidos tanto para o Ensino Fundamental quanto para o
Ensino Médio e deixam de fora, como se vê, a literatura, que será abordada de modo
bastante tangenciado em Língua Portuguesa, que, por sua vez, está dentro do componente
curricular Linguagens. Como aponta Eldio Pinto da Silva, em artigo intitulado “A literatura no
ensino fundamental na base nacional comum curricular: uma reflexão crítica” (2019), acres-
centa-se, ainda, o fato de o documento mencionar que o objetivo da Língua Portuguesa é
garantir acesso aos conhecimentos linguísticos.
Ao fazer uma análise do campo Linguagens e da abordagem da leitura e da literatura
na Base, Silva (2019) destaca que o surgimento da BNCC se dá devido à articulação entre
os educadores do Brasil e ao objetivo de direcionar os currículos para as escolas brasileiras.
Como ele aponta, o texto da Base teve duas versões. Uma primeira versão, que havia sido
finalizada em 2017, foi rediscutida e reformulada, e o texto da Base que se legitima é de

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


91
2018, num momento político já bastante diferente dos anteriores: nesse período, assumiram,
depois do golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Michel Temer e, na
sequência, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A literatura, assim, é apresentada, no documento, somente no eixo Educação
literária, no qual se comete, inclusive, equívocos conceituais, como a utilização da literatura
como pretexto para ensino de outros conteúdos.
Não se fala, contudo, sobre como se dará esse desenvolvimento, de um leitor capaz
de fruir um texto, de modo progressivo. Além disso, há que se destacar a visão utilitarista
do texto. Em “Práticas de Linguagem – Campo artístico-literário”, o documento aponta, por
exemplo, o uso do texto literário para se ensinar variação linguística, e acrescenta:
(EF69LP55) Reconhecer as variedades da língua falada, o conceito de norma-
padrão e o de preconceito linguístico.
(EF69LP56) Fazer uso consciente e reflexivo de regras e normas da norma-padrão
em situações de fala e escrita nas quais ela deve ser usada. (Brasil, 2018, p. 161).

Os eixos norteadores mostram a literatura como apoio para a área de Linguagem


e para o ensino da Língua Portuguesa. A escolarização da literatura feita pela base, então,
se dá de modo bastante inadequado, pois o texto é visto como pretexto para o ensino de
outras questões e não se menciona um trabalho com a linguagem literária, com a escrita
literária, com a literatura oral ou com o estudo literário (Silva, 2019).
Acrescenta-se as razões para se aproximar a literatura do educando a partir de
uma compreensão bastante limitada da literatura:
Como linguagem artisticamente organizada, a literatura enriquece nossa percepção
e nossa visão de mundo. Mediante arranjos especiais das palavras, ela cria um
universo que nos permite aumentar nossa capacidade de ver e sentir. Nesse sentido,
a literatura possibilita uma ampliação da nossa visão do mundo, ajuda-nos não só
a ver mais, mas a colocar em questão muito do que estamos vendo e vivenciando.
(Brasil, 2018, p. 499).

Sem querer se delongar sobre essa definição, mas com a necessidade de


acrescentar a discussão acerca da relevância de um documento da dimensão da BNCC
em apresentar uma melhor abordagem da literatura, trazemos a discussão sobre Antonio
Candido acerca da função da literatura. Candido (1989) defende que:
A função da literatura está ligada à complexidade da sua natureza, que explica
inclusive o papel contraditório mas humanizador (talvez humanizador porque
contraditório). Analisando-a, podemos distinguir pelo menos três faces: (1) ela é
uma construção de objetos autônomos como estrutura e significado; (2) ela é uma
forma de expressão, isto é, manifesta e moções e a visão do mundo dos indivíduos
e dos grupos; (3) ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação
difusa e inconsciente (Candido, 1989, p.115).

Refletir, portanto, acerca da leitura, da leitura literária, e da propagação de ambas


implica, contemporaneamente, pensar nas relações de poder que conduziram historica-
mente as políticas públicas que buscaram promover o acesso ao livro.

Maisa Barbosa da Silva 92


Para além do caráter utilitarista que a literatura ocupa no documento, há outros
problemas evidentes nos critérios de avaliação. Não há, por exemplo, diálogo com as Leis
nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, Lei nº 11.645, de 10 março de 2008, Parecer CNE/CP
nº 3/2004 e Resolução CNE/CP nº 01/2004, assim como não há menção à seleção de obras
visando a atender um conteúdo diversificado, em consonância com as demandas éticas
contemporâneas, como a de formar uma sociedade conhecedora dos problemas sociais do
Brasil, como racismo, sexismo e desigualdades de classe.
Essas questões iniciais marcam um início atribulado no que se refere ao PNLD
Literário, pois o programa não especifica aspectos básicos acerca da literatura e que foram
se consolidando por meio de documentos anteriores, como os próprios PCNs.
No capítulo seguinte, passaremos à análise dos critérios de avaliação e seleção
das obras que compuseram os últimos acervos do PNLD Literário. A análise recairá sobre
os três primeiros editais lançados pelo Programa.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


93
CAPÍTULO 9

O QUE É QUALIDADE PARA O PNLD LITERÁRIO?


CRITÉRIOS DE SELEÇÃO E AVALIAÇÃO DAS OBRAS
SELECIONADAS
N o capítulo 7, foram discutidos os critérios de avaliação e de seleção do PNBE
com o propósito de se entender como eles foram sendo alterados ao longo
da existência do programa. Como vimos, o PNBE teve um longo caminho até que fossem
consolidados critérios transparentes em relação à seleção das obras literárias. Houve
um processo extenso para se consolidar a participação de diversos grupos vinculados à
educação, de lugares distintos do Brasil, com cada etapa sendo divulgada de modo trans-
parente por meio das páginas oficiais do FNDE. Quando o PNLD Literário entrou em
vigência, em 2018, novos critérios começaram a ser definidos, especialmente, porque o
novo programa apresentou um modelo de funcionamento com profunda relação com a
BNCC.
O propósito, agora, é analisar os editais do PNLD Literário para entender como é
feita a seleção das obras literárias pelo programa. Os critérios de avaliação em todos os
editais que serão analisados agora estão apresentados nos anexos dos editais. Também
investigaremos de que modo a avaliação se vincula à BNCC para investigar de que maneira
a relação entre o PNLD Literário e a Base foi se consolidando.
Para cumprir com tal proposta, serão analisados os primeiros editais lançados pelo
PNLD Literário.
Os editais estão intitulados da seguinte maneira:
Edital de convocação 02/2018 – CGPLI; Edital de convocação para o processo de
inscrição e avaliação de obras literárias para o Programa Nacional do Livro e do Material
Didático – PNLD 2018 Literário1 (Doravante Edital 2018); Edital de convocação 03/2019 –
CGPLI; Edital de convocação 01/2018 – CGPLI; Edital de convocação para o processo de
inscrição e avaliação de obras didáticas e literárias para o Programa Nacional do Livro e
do Material Didático – PNLD 20202 (Doravante Edital 2020).Edital de convocação para o
processo de inscrição e avaliação de obras didáticas, literárias e recursos digitais para o
Programa Nacional do Livro e do Material Didático – PNLD 2021 Literário3 (Doravante Edital
2021).
Os três editais apresentam os critérios de avaliação e seleção para as obras a
comporem os acervos a serem enviados para a escolas nos primeiros anos de funciona-
mento do PNLD Literário. Farei aqui uma leitura comparativa dos editais, com o objetivo de
evidenciar como os critérios foram sendo alterados ao longo dos primeiros editais lançados.
O site do FNDE4 contém, além dos editais, outras informações referentes ao processo de
avaliação e seleção. Vale à pena acessar o site e conhecer o modo com as informações
estão organizadas.
1 Disponível em: https://www.fnde.gov.br/phocadownload/programas/Livro_Didatico_PNLD/Editais/EDITAL%20PNLD%202018%20
LITERRIO%20-%20V13%20-%20COHER%20-%20FINAL%20-%2027%2003%202018.pdf. Acesso em: 21 set. 2023.
2 Disponível em: https://www.fnde.gov.br/phocadownload/programas/Livro_Didatico_PNLD/Editais/2020/EDITAL_PNLD_2020__
CONSOLIDADO_7__RETIFICACAO.pdf. Acesso em: 10 set. 2023.
3 Disponível em: https://www.gov.br/fnde/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas/programas-do-livro/consultas-edi-
tais/editais/edital-pnld-2021/EDITAL_PNLD_2021_CONSOLIDADO_13__RETIFICACAO_07.04.2021.pdf. Acesso em: 21 set. 2023.
4 Disponível em: https://www.gov.br/fnde/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas. Acesso em: 7 de jun. 2023.

Maisa Barbosa da Silva 96


O Edital 2018 apresenta mudanças relevantes em relação ao seu antecessor,
PNBE. A primeira é o fato de o processo de seleção as obras literárias ser apresentado no
mesmo edital de seleção das obras didáticas, unificando, assim, as ações do Programa.
Outra alteração é o fato de o PNLD Literário incluir, também, a oferta de um Guia Digital
com as informações disponibilizadas de forma mais clara e em linguagem menos técnica,
o que auxilia na busca por informações5. Apesar da relevância dos guias, eles não serão
incluídos nesta leitura, que se centrará nos editais.
Outra mudança estrutural é o fato de que as obras literárias passam a incluir um
material paratextual com informações para a busca por informações complementares em
relação ao texto. Como aponta o Edital 2018:
4.20. Cada obra literária inscrita deverá incluir, no próprio volume, informações
paratextuais que: (1) contextualizem o autor e a obra; (2) motivem o estudante para
leitura e (3) justifiquem a correspondência entre a obra, a categoria, o(s) tema(s) e o
gênero literário, exceto as obras da educação infantil (Edital 2018, p. 5).

Como se nota, o material a ser enviado passou a contar com informações sobre
autor e obra, gênero literário, temas, além de linguagem para motivar o estudante para a
leitura. Além do material paratextual, o envio da obra também precisa incluir um material
voltado ao professor, obedecendo aos seguintes critérios:
4.21. Para os anos iniciais do ensino fundamental e para o ensino médio, o manual
do professor digital, a ser apresentado de acordo com o item 4.2.1, deve estar
em consonância, conforme o caso, com a BNCC ou as Diretrizes e Orientações
Curriculares para o Ensino Médio e ser composto por:
4.21.1. Material de apoio no formato pdf com informações que: (1) contextualizem
o autor e a obra; (2) motivem o estudante para leitura/escuta e (3) justifiquem a
pertença da obra aos seus respectivos tema(s), categoria e gênero literário; e (4)
subsídios, orientações e propostas de atividades para a abordagem da obra literária
com os estudantes.
4.21.2. Material de apoio no formato pdf com orientações para as aulas de língua
portuguesa ou língua inglesa (conforme idioma da obra literária) que preparem os
estudantes antes da leitura das respectivas obras (material de apoio pré-leitura),
assim como para a retomada e problematização das mesmas (material de apoio
pós-leitura).
4.21.3. Material de apoio no formato pdf com orientações gerais para aulas de
outros componentes ou áreas para a utilização de temas e conteúdos presentes na
obra, com vistas a uma abordagem interdisciplinar.
4.21.4. Material audiovisual tutorial/vídeo-aula facultativo que ofereça, aos
professores, informações que (1) contextualizem o autor e a obra; (2) motivem o
estudante para leitura e (3) justifiquem a pertença da obra aos seus respectivos
tema(s), categoria e gênero literário; e (4) subsídios, orientações e propostas de
atividades para a abordagem da obra literária com os estudantes.
4.21.4.1. O material audiovisual deverá ter no mínimo 5 minutos e no máximo 10
minutos e deverá ser carregado via File Transfer Protocol.
Por ser facultativo, o material audiovisual não é critério de aprovação ou reprovação.
4.21.4.2. A disponibilização do material audiovisual é condicionada a avaliação
pedagógica.
5 Guia disponível em: https://pnld.nees.ufal.br/pnld_2022_educacao_infantil_literario/pnld_2022_educacao_infantil_literario_principios_
criterios. Acesso em: 21 set. 2023.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


97
4.21.4.3. Caso a avaliação pedagógica considere pertinente o material audiovisual,
será destacado no Guia Digital do PNLD que a obra dispõe no manual do professor
de tal recurso.
4.22. Para a educação infantil, o manual do professor digital, a ser apresentado
de acordo com o item 4.2.1, deve estar em consonância com a BNCC ser apenas
composto pelos materiais descritos nos itens 4.21.1 e 4.21.4. (Edital 2018, p. 5-6).

Nota-se, então, que os materiais paratextuais, bem como os materiais voltados


para o professor passam a compor uma parte importante para o envio. O PNLD Literário
almeja, assim, incluir junto ao livro literário materiais que direcionem as atividades
propostas em sala, as possíveis interpretações, os caminhos a serem seguidos pelo
professor. A associação com a BNCC também é destacada algumas vezes. Agora, as obras
literárias precisam, necessariamente, atender às orientações da Base. Há, claramente, um
processo de escolarização da leitura literária quando as obras já vêm com orientações
que condicionam o processo de recepção. Além disso, a obrigatoriedade em atender às
normativas da Base pode ter um efeito perigoso, já que boa parte da produção literária
brasileira destinada à infância e à adolescência é voltada ao público escolar, assim, no
processo de escrita e edição, certamente, tais orientações são consideradas, limitando,
assim, a pluralidade literária, já que boa parte das obras nascem buscando atender as
orientações dos documentos escolares norteadores.
No que se refere aos critérios de avaliação e seleção, como já explicado, estão
dispostos nos anexos dos editais, intitulados “Critérios para a avaliação de obras literárias”,
sobre os quais nossa análise recairá a partir de agora.
Assim como seu antecessor, PNBE, o Edital 2018 também apresenta uma introdução
que explica os propósitos dos acervos selecionados de acordo com o nível de ensino. O
primeiro parágrafo do anexo Edital 2018 estabelece que as obras selecionadas devem po-
tencializar, junto aos estudantes de todas as etapas:
[...] a capacidade de reflexão quanto a si próprios, aos outros e ao mundo que
os cerca. Estas obras devem proporcionar o contato com a diversidade em suas
múltiplas expressões por meio de uma interação eficiente – e gradativamente crítica
– com a cultura letrada, sem descuidar da dimensão estética dessa cultura (Edital
2018, p. 31).

A parte introdutória do edital explora a ideia de que as obras devem promover,


ao longo dos ciclos de ensino, a relação do aluno com o universo literário. A ideia central
apresentada é a de que a escola deve ser o lugar de transformação do estudante que, pela
pouca idade, ainda não sabe manusear o livro, no aluno que, ao final do ensino médio, se
torne o leitor-fruidor:
Sob essa lógica, cabe ao ensino médio ampliar, gradativamente, o repertório
dos anos finais do ensino fundamental (PNLD 2020), ou seja, consolidar o
desenvolvimento de leitores-fruidores ao mesmo tempo em que são aprofundadas
questões ligadas ao pleno exercício da cidadania. Para a última etapa da educação
básica, as obras literárias devem, então, alargar o contato com diferentes gêneros
e estilos dos mais diversos/as autores e autoras que podem ser contemporâneos/

Maisa Barbosa da Silva 98


as, de outras épocas, regionais, nacionais, portugueses/as, africanos/as e de
outros países. Isso implica que as obras devem aumentar a representatividade das
variedades da língua portuguesa e de diversidade no que tange à autoria (expressiva
quantidade de autoras mulheres) e no que tange ao contexto de produção (devem
ser apresentadas obras, por exemplo, de autores/as africanos/as) (Edital 2018, p.
31).

Assim, o objetivo é que, ao longo da permanência da escola e do contato contínuo


com as obras do acervo, o estudantes consigam ir progredindo eu seu nível de leitura
e também em sua proximidade com o texto literário. As obras selecionadas devem ter
como foco o desenvolvimento pessoal e a percepção ética dos estudantes. Também se
menciona a necessidade de que as obras selecionadas proporcionem uma compreensão
da diversidade tanto linguística quanto cultural. O edital ressalta aspectos importantes como
pensar em aspectos de autoria, tanto de mulheres quanto de autores africanos. O excerto
lido, então, atenda para dois aspectos: a formação cidadã e a formação do leitor.
A “Introdução”, primeiro elemento da exposição dos critérios de avaliação e seleção
do edital de 2018, sofreu alterações em todos os editais seguintes: no Edital 2020 o título
foi alterado para “Obras literárias”. A alteração mais significativa do texto entre um edital e
outro, no entanto, foi a apresentação de uma relação ainda mais próxima com a Base. O
item apresenta a seguinte defesa:
A fim de facilitar que as obras literárias sejam estudadas em consonância com o
proposto pela BNCC, tanto para língua portuguesa como inglesa, deverá existir
material de apoio ao professor que explicitará essa relação. Isso posto, a avaliação
está ancorada em quatro pontos principais: 1.1. Qualidade do texto; 1.2. Adequação
de categoria, de tema e de gênero literário; 1.3. Projeto gráfico-editorial; 1.4.
Qualidade do Manual do Professor (Edital 2020, p. 49).

É, portanto, no Edital 2020 que se consolida a relação que deve existir entre as
obras selecionadas com a BNCC. É possível ver que as obras devem ser trabalhadas em
consonância com o estabelecido pela BNCC, porém, é possível afirmar que essa relação
não começa somente no momento de leitura, mas, sim, no momento da produção, pois,
certamente, tal relação motiva os escritores e escritoras já produzirem uma literatura com
objetivo pedagógico.
Já no Edital 2021, essa relação se torna ainda mais evidente quando o texto
menciona:
A fim de facilitar que as obras literárias sejam trabalhadas em consonância com
o estabelecido pela BNCC, tanto para língua portuguesa como inglesa, a obra
literária endereçada ao estudante (livro impresso do estudante) será acompanhado
de um expresso paratexto que, além de contextualizar o autor e obra, traz insumos
para a reflexão do respectivo gênero literário de forma comparada. Ademais, o
livro impresso do estudante também contará com um videotutorial. Seguindo essa
mesma lógica, ao professor é destinado um valioso documento de apoio em PDF e
mais dois videotutoriais (Edital 2021, p. 94).

A diferença em relação ao Edital anterior é retomar a ideia, também explicitada


em outras partes do edital, de que os materiais paratextuais são critérios fundamentais

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


99
para o envio. Agora, então, há envio de um material literário com intenção pedagógica. Ao
contrário dos livros enviados pelo PNBE, que tinha como característica ser exatamente o
mesmo livro enviados às livrarias, agora, estudantes recebem materiais voltados à prática
escolar e os professores recebem direcionamentos em relação a como trabalhá-los em sala
de aula, com discussões, interpretações e atividades propostas seguindo as diretrizes da
BNCC.
Além do aprofundamento da relação do PNLD Literário com a Base já evidente
no texto inicial de cada edital, outros critérios avaliativos indicam mudanças relacionadas
às formas de avaliação. Na tabela seguinte, vemos os títulos dos critérios avaliativos de
acordo com cada edital.
Tabela 4: Critérios de avaliação e seleção do PNLD Literário
Edital 2018 1.1. Qualidade do texto; 1.2. Adequação de categoria, de tema e de gênero
literário; 1.3. Projeto gráfico-editorial; 1.4. Qualidade do manual do
professor digital.
Edital 2020 1.1. Qualidade do texto; 1.2. Adequação de categoria, de tema e de gênero
literário; 1.3. Projeto gráfico-editorial; 1.4. Qualidade do Manual do
Professor.
Edital 2021 (a) Qualidade do texto e adequação ao gênero literário; (b) Adequação
temática no âmbito do ensino médio; (c) Projeto gráfico-editorial e Paratexto;
(d) Qualidade dos materiais digitais.

Do Edital 2018 ao 2021, nota-se, de acordo com os quatro critérios de avaliação e


considerando suas alterações, que, no último edital, os materiais complementares do texto
literário ganham mais peso na avaliação. Há dois itens avaliativos somente para material
paratextual e material do professor. Além disso, no segundo item, a adequação temática
deixa de ser voltada ao gênero literário e passa, agora, ser voltada ao âmbito do ensino
médio. Comprova-se, assim, a consolidação de uma literatura pedagogizante no âmbito
dos Editais do PNLD Literário.
No item que avalia a qualidade do texto nos Editais, alguns aspectos se destacam:
para o edital, a ideia de ser necessário oferecer obras plurais é reforçada diversas vezes.
Tanto no aspecto linguístico quanto no que se refere à diversidade de etnias, condições
sociais e espaço, considera-se necessário oferecer obras que sejam diversas. A adequação
linguística ao público-alvo também é ressaltada. Os editais atentam também para a
importância de não limitar ou conduzir demasiadamente a interpretação da obra, deixando
espaço para participação criativa do leitor.
Quando se refere à qualidade do texto, os editais mencionam a necessidade de
trabalho estético com a linguagem. O excerto seguinte está presente em todos os editais:
Serão, dessa forma, avaliadas as qualidades textuais básicas e o trabalho estético
com a linguagem a partir dos seguintes critérios: a exploração de recursos
expressivos da linguagem; a consistência das possibilidades estruturais do gênero
literário proposto; a adequação da linguagem aos estudantes; e o desenvolvimento
do tema em consonância com o gênero literário em questão (Edital 2018, p. 32).

Maisa Barbosa da Silva 100


Assim, o primeiro tópico de avaliação destaca a necessidade de as obras terem
qualidade estética e serem desenvolvidas utilizando recursos expressivos de linguagem,
ampliando, assim, as possibilidades de fruição por parte do público-alvo. Ainda no primeiro
item, o que avalia a qualidade do texto, contudo, há um tópico que parece problemático,
que é a pré-seleção temática. Os três editais mantêm os temas pré-selecionados, ainda
que estes variem, considerando o ciclo de ensino ao qual o edital se refere. A seguir, apre-
sentamos alguns temas escolhidos pelo Edital para as séries iniciais e alguns dos temas
para o Ensino Médio.
Tabela 4: Temas pré-selecionados para a creche
TEMAS ENFOQUE DA OBRA
Descoberta de si Percepção do corpo (sentidos, movimentos e
gestos), explorando suas diferentes formas,
necessidades, limites, habilidades e suas
relações com o outro.
A casa e a família Espaço e relações mais imediatas das crianças,
abordando os temas da descoberta, da
responsabilidade e dos sentimentos.
O mundo natural e social Das descobertas e relações pessoais a esferas
mais amplas, como a escola, a cidade, o meio
ambiente (paisagens naturais, aquáticas,
plantas, animais) e até mesmo o universo.
Considerando-se a adequação à faixa etária,
devem ser destacados temas que estimulem o
respeito ao outro e o reconhecimento da
diferença.
Outro tema Tema livre desde que nomeado, definido e
justificado, junto com a categoria a que
pertence.
Fonte: Edital 2018, p. 34.

Tabela 5: Temas pré-selecionados para o Ensino Médio


TEMAS ENFOQUE DA OBRA
Projetos de vida Construção de projetos de vida relacionados à adolescência e às
dúvidas e/ou angústias que isso pode gerar. Ao abordar esse processo
de amadurecimento, deve-se tratar da relação de
personagens/sujeitos líricos com suas emoções e sentimentos sobre
si mesmos, o mundo que os cercam, as expectativas para a fase adulta
e os planos para o futuro.
Inquietações das Juventudes Relações pessoais e sociais dos personagens/sujeitos líricos com foco
em questões próprias do jovem, como namoro, mudanças de interesse
dos jovens, os rituais de passagens, as tensões familiares, o conflito
com as autoridades, problemáticas relativas à adaptação,
pertencimento, amadurecimento etc.
O jovem no mundo do Potencialidades e desafios relacionados à inserção no mundo do
trabalho trabalho, considerando a realização pessoal, a cidadania, as primeiras
experiências profissionais, o desenvolvimento de competências
interpessoais e a conciliação entre a escola e o trabalho.
A vulnerabilidade dos jovens Questões de realidade brasileira contemporânea que afetam o
cotidiano da população jovem, sejam elas vinculadas à precariedade
econômica, aos diversos tipos de violência e preconceitos. Nessas
obras, tais vulnerabilidades devem ser problematizadas e/ou
combatidas.
Cultura digital no cotidiano Relações típicas da cultura digital, ou seja, interações construídas por
do jovem meio de redes ou mídias sociais (com o uso, por exemplo, de
aplicativos). As obras devem, então, problematizar os vínculos
virtuais criados e desfeitos no cotidiano daqueles que se aproximam
da vida adulta, destacando o questionamento das fronteiras entre o
público e o NO
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA privado na internet e dos fenômenos das chamadas fake
BRASIL
news e dos influenciadores digitais. 101
Bullying e respeito à Problemas enfrentados no que se refere ao assédio moral e físico no
experiências profissionais, o desenvolvimento de competências
interpessoais e a conciliação entre a escola e o trabalho.
A vulnerabilidade dos jovens Questões de realidade brasileira contemporânea que afetam o
cotidiano da população jovem, sejam elas vinculadas à precariedade
econômica, aos diversos tipos de violência e preconceitos. Nessas
obras, tais vulnerabilidades devem ser problematizadas e/ou
combatidas.
Cultura digital no cotidiano Relações típicas da cultura digital, ou seja, interações construídas por
do jovem meio de redes ou mídias sociais (com o uso, por exemplo, de
aplicativos). As obras devem, então, problematizar os vínculos
virtuais criados e desfeitos no cotidiano daqueles que se aproximam
da vida adulta, destacando o questionamento das fronteiras entre o
público e o privado na internet e dos fenômenos das chamadas fake
news e dos influenciadores digitais.
Bullying e respeito à Problemas enfrentados no que se refere ao assédio moral e físico no
diferença cotidiano escolar. As obras devem abordar, de forma crítica, os males
gerados por esse tipo de violência, inclusive, ressaltando a
necessidade de respeito à diferença (seja ela etária, de pertencimento
étnico-racial, de classe, de gênero etc.). Com isso, deve-se
problematizar tanto os desafios quanto os benefícios da interação
com a diferença, destacando-se a necessidade do convívio
democrático dentro e fora da escola.
Fonte: Edital 2018, p. 96.

Quando se menciona, no documento, os critérios de seleção das obras, há a


inserção de um aspecto que não existia nos documentos anteriores: a menção a temas
pré-selecionados. Há que se notar o movimento que esse tipo de determinação implica: já
dissemos, anteriormente, sobre a importância das políticas públicas para a produção do
livro literário, especialmente, o infantil e juvenil.
Mortatti (2019) apresenta, por meio de uma análise cuidadosa da relação entre
literatura e escolha explica como a literatura, na década de 1970, tornou-se pedagogizante
devido ao fato de que era produzida para a escola, atendendo às necessidades educa-
cionais da época. Então, era comum que a produção literária desse período não tivesse,
necessariamente, um foco na literariedade, na estética literária, ou mesmo nos sentidos
possíveis de serem construídos a partir do texto literário.
É fácil fazer uma relação com o que acontece a partir do PNLD Literário. Os temas
acima elencados dialogam de modo íntimo com as novas competências propostas pelo novo
ensino médio. Um exemplo é a temática “Projeto de vida”. Ao buscar as abordagens sobre
Projeto de vida na BNCC é possível encontrá-la em alguns momentos como competência,
mas ela é descrita mais detalhadamente no subitem “A progressão das aprendizagens
essenciais do Ensino Fundamental para o Ensino Médio”. Nesse campo, o Projeto de vida
é apresentado como “eixo central em torno do qual a escola pode organizar suas práticas”
(Brasil, 2018, p. 472).
O discurso constante que se retoma na apresentação do que a Base chama de
projeto de vida é justamente a valorização de um esforço pessoal e individualizante por parte
do acadêmico, como se a escola fosse o lugar ideal para ele ser treinado para o mundo,
para o trabalho e para cumprir as competências que desenvolveu no espaço escolar:
Ao se reduzir a Educação a um processo de aquisição de competências e de
habilidades, por meio de currículos multiculturalistas, tal proposta abjura do
objetivo de desenvolvimento das funções psíquicas por meio da aprendizagem do
conhecimento científico, artístico e filosófico, pois a ênfase passa a ser no mínimo
necessário para que os cidadãos concluam seus estudos dotados de informações,

Maisa Barbosa da Silva 102


instruções e habilidades, que se constituem numa das dimensões do conhecimento.
(Filipe et al., 2021, p. 789).

Outro aspecto perigoso que é necessário ressaltar é que a literatura a ser produzida
e consumida no espaço escolar deve, também, contribuir para esse processo: a fruição
literária, então, cede espaço para uma literatura que contribua com a autodescoberta do
sujeito considerando seu futuro lugar no mundo:
Significa, nesse sentido, assegurar-lhes uma formação que, em sintonia com seus
percursos e histórias, permita-lhes definir seu projeto de vida, tanto no que diz
respeito ao estudo e ao trabalho como também no que concerne às escolhas de
estilos de vida saudáveis, sustentáveis e éticos (Brasil, 2018, p. 469).

Um tom bastante moralizante é percebido na descrição dos temas. Em “O jovem


no mundo do trabalho”, apontam-se para a necessidade de obras que contribuam para
formar um jovem ideal. As obras propostas de acordo com esse tema devem contribuir
para a formação de um jovem realizado por meio do trabalho, cidadão, e que ainda consiga
conciliar tudo isso com a escola. Considerando que o jovem sai da escola, caso não tenha
reprovações, com dezessete anos, é ideal, então, que essa literatura incentive o jovem a
trabalhar antes da maioridade, pois, assim, se realizará por meio do trabalho.
Em “A vulnerabilidade”, a moralização acentua-se. A descrição da temática diz que:
Questões de realidade brasileira contemporânea que afetam o cotidiano da
população jovem, sejam elas vinculadas à precariedade econômica, aos diversos
tipos de violência e preconceitos. Nessas obras, tais vulnerabilidades devem ser
problematizadas e/ou combatidas (Edital 2018, p. 37).

O tema parece ainda mais problemático por dizer a qual conclusão a obra deve
chegar. A impressão que se tem é que tais vulnerabilidades deixarão de existir, ou serão
reduzidas, se representadas de acordo com determinada ideologia. As desigualdades
sociais e históricas que constituem nosso país, aliás, são razões pelas quais é tão difícil
o brasileiro ter acesso constante a livros e livros literários. Para a Base e para o PNLD
Literário, a impressão que se tem é que a “precariedade econômica” e suas consequências
devem desaparecer se combatidas no texto ficcional.
Em “Bullying e respeito à diferença” o tom pedagogizante que a literatura selecionada
deve conter se confirma. O texto explicativo apresenta que:
Problemas enfrentados no que se refere ao assédio moral e físico no cotidiano
escolar. As obras podem abordar, de forma crítica, os males gerados por esse tipo
de violência, inclusive, ressaltando a necessidade de respeito à diferença (seja ela
etária, de pertencimento étnico-racial, de classe, de gênero etc.) (Edital 2018, p. 38).

O que defendemos aqui é que a literatura a ser selecionada pelo PNLD Literário
não tem, de jeito nenhum, aspectos estéticos, críticos e culturais como base para avaliação,
pois esses aspectos cedem espaço para os critérios moralizantes, pedagógicos e de acordo
com a ideologia dominante das relações de trabalho. Certamente, tratar o bullying e respeito
à diferença no espaço escolar é essencial, mas essa não é função da literatura.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


103
A organização das obras por gênero e temática se mantém nos outros editais do
PNLD Literário, confirmando a tradição de vínculo com a BNCC estabelecido pelo Programa.
No item que descreve a avaliação do projeto gráfico-editorial, outra problemática é
percebida. O edital determina que: “Deverá ser apresentado material de apoio paratextual,
em formato de anexo, no mesmo volume da obra principal, contendo informações que con-
textualizem brevemente o autor e a obra.” Cada obra – e essa prática se mantém nos anos
subsequentes do PNLD – deve apresentar material paratextual, como anexo. Quando se
insere um determinado contexto tanto em relação ao autor quanto à obra, há necessaria-
mente um direcionamento da leitura desejada. Assim, o que o PNLD propõe é que as obras
sejam produzidas com determinada perspectiva ideológica, mas, também, que, ao serem
selecionadas, sejam lidas e interpretadas de uma determinada maneira também pré-sele-
cionada.
Pode parecer muito positivo, em uma leitura superficial, o fato de que a obra já vem
com orientações de como trabalhá-la no espaço da sala de aula, mas o que se percebe é
que se reduz as possibilidades de invenção por parte do docente e da comunidade escolar,
já que já há uma espécie de manual dizendo de que modo aquele livro deve ser lido, inter-
pretado e trabalhado junto aos alunos. Cada turma e cada contexto de trabalho responde
de modo distinto aos trabalhos e desejos dos professores, por isso, limitar o uso da obra
a uma interpretação e trabalho ideal minimiza as possibilidades de leitura por parte dos
alunos.
No item que analisa a qualidade do material do professor essa leitura se concretiza:
O manual do professor digital será avaliado pela consistência e coerência dos
materiais de apoio, em formato pdf, considerando:
I – as informações apresentadas que: (1) contextualizem o autor e a obra; (2)
motivem o estudante para leitura e (3) justifiquem a pertença da obra aos seus
respectivos tema(s), categoria e gênero literário; (4) subsídios, orientações e
propostas de atividades.
II – as orientações para as aulas de língua portuguesa ou língua inglesa (conforme
idioma da obra literária) que preparem os estudantes antes da leitura das respectivas
obras (material de apoio pré-leitura), assim como para a retomada e problematização
das mesmas (material de apoio pós-leitura)
III- as orientações gerais para aulas de outros componentes ou áreas para a
utilização de temas e conteúdos presentes na obra, com vistas a uma abordagem
interdisciplinar (Edital 2018, p. 39).

Cada obra, assim, deve vir com um manual, que também é avaliado em relação à
sua qualidade, e esse material vem com propostas de atividades, interpretações pré-fabri-
cadas, orientações para as aulas, possibilidades de interdisciplinaridade. Assim, assenta-se
a ideia, já esboçada em outros momentos do edital, que a literatura, para o PNLD Literário,
é um material pedagógico, didatizante, moralizante, cuja produção, circulação e recepção
devem estar de acordo com os ideais já apontados em outros documentos relacionados à
educação, em especial, a BNCC.

Maisa Barbosa da Silva 104


A necessidade de adequação à Base faz com que a literatura selecionada pelo
PNLD Literário carregue os problemas já descritos na BNCC, que é a referência nacional
obrigatória para os currículos escolares. Filipi (2021) aponta, por exemplo, que o caráter
homogeneizante do documento suprime as especificidades locais e regionais quando
impõe objetivos e temáticas para o Brasil todo. O mesmo se nota nos editais do PNLD
Literário quando temáticas são pré-selecionadas para a inscrição das obras, quando há
atividades propostas considerando a BNCC e, também, quando o material paratextual
torna-se um documento a integrar o livro literário, direcionando os estudantes para uma
leitura pedagógica.
Acerca da BNCC e suas competências, Filipi et al (2021) defende que elas:
[...] guardam uma contradição: prometem preparar os alunos criticamente para
a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, com atividades
diversificadas, mas capitulam ao projeto ideológico de desenvolvimento da
capacidade de adaptação dos sujeitos às práticas sociais de amenização/
gerenciamento dos conflitos, para a perpetuação do status quo. Além disso,
fomentam um desenvolvimento de personalidades individualistas flexíveis,
resilientes e competitivas, ao mesmo tempo que autônomas e determinadas (Filipe
et al., 2021, p. 790).

Defendi, em alguns pontos deste livro, que o modo como as políticas públicas de
leitura é conduzido responde a valores ideológicos do governo sob o qual está em vigência.
Nesse sentido, defendo, novamente, que um programa de leitura gestado a partir de um
golpe à democracia e consolidado em um governo de extrema-direita, tendo em vista que
o PNLD Literário nasceu na gestão de Michel Temer e se consolidou no governo de Jair
Messias Bolsonaro, revela intenções que se evidenciam ao longo dos editais. Ao apresentar
obras literárias conduzam os estudantes a buscar vencer por meio do trabalho, ter uma
atuação resiliente em um mundo competitivo, progredir por meio do esforço individual, o
processo de avaliação e seleção das obras mostra a perspectiva alinhada à demanda do
capitalismo e à produção de sujeitos pouco questionadores frente às desigualdades sociais.
Assim, a escola contribui com a produção de uma força de trabalho empenhada,
dócil, colaborativa ao capital e que busca solucionar os próprios problemas por meio de
atitudes individualistas. Já os materiais destinados ao professor colocam este profissional
no centro da produção desses sujeitos, já que, ao receber um direcionamento sobre como
deve trabalhar em sala de aula com as obras literárias, tem pouco espaço para criação e
adaptação à realidade social na qual atua, mas reproduz os ideias da BNCC, do PNLD
Literário e de todo um projeto de educação alinhado ao capitalismo.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


105
CAPÍTULO 10

CONTA PRA MIM


O Programa Conta pra Mim foi instituído pela Portaria nº 421, de 23 de abril
de 2020, pelo então ministro da Educação Abraham Weintraub, que esteve
à frente do ministério entre os períodos de 2019 e 2020. O propósito do Programa é o de
promover práticas de literacia familiar. O conceito de literacia perpassa todos os documentos
norteadores do programa e há, inclusive, vídeos e textos que explicam esses conceitos em
uma linguagem direcionada aos familiares, já que o propósito é que os livros do programa
sejam lidos e ouvidos no contexto familiar. Para elaboração do material, foram consultadas
duas pesquisadoras: Dra. Barbara H. Wasik, diretora da Universidade da Carolina do Norte
e coautora do livro Handbook of Family Literacy, cuja primeira edição foi publicada em 2004,
e Dra. Pascale Engel de Abreu, professora associada em Psicologia na Universidade de
Luxemburgo (Brasil, 2019). Curioso notar as referências estrangeiras para constituição do
Programa. Não se mencionam pesquisadores brasileiros consultados, tendo em vista que,
como vimos nos capítulos iniciais deste livro, para implementação de uma política pública,
o conhecimento da realidade do lugar é essencial. As referências consultadas são exclusi-
vamente sobre o conceito de literacia, não sobre sua aplicabilidade numa realidade como
a do Brasil. Descreve-se, na página de apresentação do Conta pra Mim, que o objetivo é
[...] desenvolver nas crianças habilidades fundamentais que apoiarão o processo
de aprendizagem por toda a sua vida, por meio do desenvolvimento da linguagem
e das funções executivas, além de contribuírem com o fortalecimento dos vínculos
familiares e, como consequência, do desenvolvimento emocional das crianças1.

O Conta pra Mim almeja transpor os muros escolares e ser um programa que tem
como foco o desenvolvimento de uma dinâmica de leitura voltada ao espaço familiar. No
excerto, podemos conferir três focos distintos: as habilidades relacionadas à linguagem; o
fortalecimento dos vínculos familiares e o desenvolvimento emocional. No site do FNDE
apresenta-se que o foco é nas famílias, especialmente as mais vulneráveis, que tenham
crianças na primeira infância.
O modo de funcionamento é por meio da distribuição de materiais on-line para
incentivar pais e familiares para aplicar, em casa, práticas de literacia familiar, que é,
segundo o Programa, tema pouco explorado no Brasil. Na explicação sobre o Programa
também se diz que tais materiais podem ser utilizados e adaptados por professores.
O conceito de literacia adotado pelo programa é o seguinte:
O conjunto de práticas e experiências relacionadas com a linguagem oral, a leitura
e a escrita, que as crianças vivenciam com seus pais ou responsáveis. É interagir,
conversar e ler em voz alta com os filhos. É estimulá-los a desenvolver, por meio
de estratégias simples e divertidas, quatro habilidades fundamentais: ouvir, falar,
ler e escrever! Literacia Familiar é se envolver na educação dos filhos, curtindo
momentos especiais de afeto, carinho e diversão em família, brincando com livros
e palavras. Não é preciso ter muito estudo, materiais caros nem morar em uma
casa toda equipada e espaçosa para praticar a Literacia Familiar. As práticas de
Literacia Familiar são acessíveis a todos! Bastam duas coisas: você e seu filho! As
práticas de Literacia Familiar podem começar durante a gestação e se estender até

1 Disponível em: http://alfabetizacao.mec.gov.br/contapramim. Acesso em: 20 set. 2023.

Maisa Barbosa da Silva 108


o final da adolescência. Literacia Familiar é o reconhecimento de que os pais são os
primeiros professores de seus filhos (Brasil, 2019, p. 13).

Nota-se um aspecto inicial que já diverge da realidade de boa parte das famílias
brasileiras: a constituição de um único tipo de família. Adota-se, por aqui, com certa
frequência, a expressão pais ou responsáveis justamente porque muitas famílias têm avós,
tios ou parentes como responsáveis pelas crianças ou adolescentes. A adoção de tal termo
pelo programa, contudo, não é por acaso: houve, de fato, um discurso de resgate da família
nuclear muito presente no Governo Bolsonaro. O Programa Conta pra Mim, ainda que não
seja um programa de distribuição de acervos literários às escolas, como é o PNLD Literário,
e tenha como foco específico contribuir nas habilidades de leitura, tem como ponto de
partida textos ficcionais, inclusive, alguns clássicos. A defesa que se busca fazer aqui é que
há um alinhamento ideológico entre os dois Programas que tem como centro uma escolari-
zação bastante equivocada da literatura.
No ano de 2022, duas ações do Programa foram realizadas: o lançamento da série
de biografias da Coleção Conta pra Mim, com o lançamento de quatro livro digitais inéditos.
A série foi lançada em formato digital colorido, para leitura, e em preto e branco, para as
crianças colorirem. As biografias são as seguintes: de Anna Nery, Irmãos Rebouças, Padre
Landell e Carlos Chagas.
A segunda ação foi o lançamento do podcast “Era uma vez...”, que contém
quarenta e quatro histórias infantis narradas. O podcast está disponível no Spotify, Deezer
e SoundCloud. É importante destacar que as três plataformas digitais são pagas, o que
contradiz o foco em famílias em situações de vulnerabilidade social. Dispor de plataformas
de músicas e podcasts pagos vai contra o ideal do Programa, que é o de ser acessível.
Além disso, como diversos materiais do Conta Pra mim estão disponíveis na própria página
em que o Programa está abrigado, por que essas histórias foram disponibilizadas por lá
também?
O Conta pra mim faz parte do PNA e tem como foco crianças de 0 a 6 anos com o
objetivo central de se trabalhar a alfabetização. O programa, contudo, apresenta problemas
estruturais: como as famílias em situação de vulnerabilidade terão acesso aos materiais do
programa, visto que estão em plataformas digitais? De que maneira os materiais digitais
contribuirão com a alfabetização? Por meio de quais estratégias? Como os resultados
serão monitorados?
As informações sobre o Conta pra mim estão descritas no site do MEC, na aba
PNA, e quando se clica na parte destinada ao Conta pra mim, tem-se o conceito de literacia
com o qual eles estão trabalhando:
Literacia familiar é estimular as crianças a desenvolverem, por meio de estratégias
simples e divertidas, quatro habilidades fundamentais: ouvir, falar, ler e escrever!

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


109
Conheça os materiais do Conta pra Mim e prepara-se para aprender e se divertir
bastante2.

O alinhamento ideológico que se percebe, até agora, nos trechos trazidos dos
documentos e do site se confirma nessa citação, pois, por meio da leitura e da escuta dos
textos ficcionais, a criança é convidada a desenvolver habilidades. Não há um convite para
a reflexão, para a interpretação e para o diálogo com as possíveis leituras feitas a partir dos
textos: “[...] as habilidades adquiridas pelos estudantes são para atender ao progresso da
civilização, o que pode ser caracterizado como uma educação tecnicista, que tem o objetivo
de promover sujeitos que atenderão a indústria” (Santos; Assoline, 2022, p. 578).
O que o documento deixa evidente é que a relação de amor que deve haver entre
os pais e os filhos é a responsável pelo sucesso ou pelo fracasso escolar desses sujeitos.
A leitura e a partilha de histórias são tratadas como elementos centrais para esse sucesso,
pois, como o documento diz, os pais são os primeiros professores. É fundamental olhar
criticamente para dois aspectos dessa afirmação: o Brasil se caracteriza pela existência
de diversos modelos familiares, para além da família nuclear; os pais não são os primeiros
professores dos filhos. Atribui-se a esses sujeitos uma função que não é deles ao mesmo
tempo em que se diminui a profissão do docente: este sujeito se forma por meio de estudo
e prática, o que vai muito além da boa intenção dos familiares e de um desejo de contribuir
com o desenvolvimento das crianças.
Como objetivos, a portaria que institui o programa estabelece que:
Art. 6º São objetivos do Programa Conta pra Mim:
I - sensibilizar toda a sociedade quanto à importância de se cultivar a leitura em
família;
II - oferecer orientações acerca das melhores práticas de literacia familiar;
III - incentivar o hábito de leitura na população;
IV - encorajar pais a se engajarem na vida escolar dos filhos;
V - impactar positivamente a aprendizagem de literacia e de numeracia no decorrer
de toda a trajetória educacional, em suas diferentes fases e etapas;
VI - fomentar a promoção e a divulgação das práticas de literacia familiar em escolas
e sistemas de ensino; e
VII - incentivar o aprimoramento e a divulgação de conhecimentos científicos sobre
o tema da Literacia Familiar3.

Além dos materiais digitais, o Programa também disponibiliza PDF de alguns títulos
para impressão. A distribuição de materiais em PDF apresenta outro problema grave se
o propósito é formar leitores: como os pais terão acesso à impressão colorida? Quantas
famílias possuem condição de ler os materiais em PDF em um aparelho como celular ou
tablet?

2 Site do Conta pra Mim, no qual estão abrigadas as informações acerca do Programa: http://alfabetizacao.mec.gov.br/contapramim.
Acesso em: 11 dez. 2022.
3 BRASIL. Portaria nº 421, de 23 de abril de 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-421-de-23-de-abril-de-2020-253758595.
Acesso em: 11 dez. 2022.

Maisa Barbosa da Silva 110


Além das questões apontadas, é importante ressaltar que não há esclarecimentos
dos investimentos feitos no Conta pra Mim de modo claro, na página do Programa. Consi-
derando-se que se trata de dinheiro público, é fundamental que os dados relacionados a
investimentos estejam transparentes na página para consulta simples da população.
Para além dos problemas estruturais identificados no Conta pra mim, passemos à
análise dos textos ficcionais. Para tanto, faremos uma leitura de alguns aspectos de Branca
de neve para verificarmos como um conto de fadas clássico é ressignificado pelo programa.

A capa é de “Branca de Neve”, que está disponível nas plataformas digitais já


mencionadas, em forma de áudio, e em PDF para ser baixado no site do Programa4. As
capas e os projetos gráficos são padronizados. Não há diversidade de ilustrações, formatos
e nem cores. Todas as capas são muito parecidas, bem como as ilustrações de todas as
outras. Não há diversidade de estilo, materiais de ilustrações ou de técnicas.
Sobre os contos de fadas, o Programa defende que:
Contos de fadas são uma ótima forma de estimular a imaginação da criança, ao
apresentá-la a um universo em que a coragem, a solidariedade e o perdão são as
grandes armas dos heróis. Viajar por esse universo na companhia da família será
com certeza uma experiência que vocês guardarão por toda a vida (MEC, 2020, p.
2).

Passando à análise dos materiais, há que se destacar a pobreza linguística. Em


A branca de neve, a história é contada por meio de frases soltas de forma que se percebe
facilmente que não há um trabalho estético com a linguagem:
4 Disponível em: http://alfabetizacao.mec.gov.br/contapramim. Acesso em: 10 set. 2023.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


111
Era uma vez uma princesa que se chamava Branca de Neve. Quando bebê, sua
mãe faleceu, e seu pai se casou com outra mulher, que, embora fosse muito bonita,
era cruel e vaidosa. E, todos os dias, a madrasta perguntava ao seu Espelho Mágico.
— Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?
— Não, rainha! Em todo o mundo, não há beleza mais deslumbrante que a sua!
(MEC, 2020, p. 3).

A história começa com o elemento dêitico dos contos de fadas, “Era uma vez”, e
a história se inicia por meio da apresentação da princesa. Não se contextualiza como sua
mãe faleceu, nem o contexto em que um elemento que provocará rupturas na narrativa, a
madrasta, se insere no meio familiar. Também não há nenhuma abordagem em relação ao
Espelho Mágico, que simplesmente aparece na história. Voltando-nos a uma ideia afirmada
inicialmente no documento, é possível que os textos sejam utilizados no espaço da sala
de aula. O que se questiona é: qual a qualidade defendida pelo Conta pra mim? Depois da
criação de diversos programas com foco no aprimoramento dos processos de seleção de
acervos para comporem as bibliotecas escolares, o que o governo defende é a ideia de que
um texto superficial e empobrecido seja ofertado às famílias e às escolas.
Para comparação, veremos, agora, o início de Branca de Neves de autoria dos
Irmãos Grimm:
Há muito e muito tempo, bem no meio do inverno, quando os flocos de neve caíam
do céu leves como plumas, uma rainha estava sentada costurando junto a uma
janela com esquadrias de ébano. Costurava distraída, olhando os flocos de neve
que caíam lá fora e, por isso, espetou o dedo com a agulha e três gotas de sangue
caíram na neve. Aquele vermelho em cima do branco ficou tão bonito que ela
pensou: ‘Eu queria ter um neném assim, que fosse branco como a neve, vermelho
como o sangue e negro como a madeira da moldura desta janela.’
Algum tempo depois, ela teve uma filha, que era branca como a neve, vermelha
como o sangue e tinha cabelos negros como o ébano. Deram a ela o nome de
Branca de Neve, mas, quando ela nasceu, a rainha morreu5.

A diferença que se constata, de início, é a apresentação do espaço, elemento


essencial para a estrutura dos contos de fadas. Também se apresenta a maneira por meio
da qual Branca de Neve ganha seu apelido e a maneira por meio da qual Branca de Neve
crescerá sem a mãe.
Pensar sobre a qualidade dos contos de fadas ofertados às crianças, ainda que o
objetivo seja a literacia, é essencial. Os contos de fadas, como defende Nelly Coelho (1987),
tem uma importância profunda para a formação da criança, devido à sua capacidade de
cambiar experiências. Geralmente, são as primeiras narrativas com as quais as crianças
têm contato e eles contribuem significativamente para que as crianças percebam formas de
solução de conflitos inerentes à existência humana.
Para Walter Benjamin, o conto de fadas:
[...] é ainda hoje o primeiro conselheiro das crianças, porque foi o primeiro da
humanidade, e sobrevive, secretamente, na narrativa. O primeiro narrador
5 Disponível em: https://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/branca_de_neve. Acesso: 11 dez. 2022.

Maisa Barbosa da Silva 112


verdadeiro é e continua sendo o narrador de contos de fadas. Esse conto sabia dar
um bom conselho, quando ele era difícil de obter, e oferecer sua ajuda, em caso de
emergência. Era a emergência provocada pelo mito. O conto de fadas nos revela as
primeiras medidas tomadas pela humanidade para libertar-se do pesadelo mítico.
(BENJAMIM, 1994, p. 215).

O conto de fadas tem função básica de aconselhamento ao mostrar à criança as


experiências advindas do comportamento humano frente ao desconhecido. Personagens
em conflito são sempre presentes nos contos de fadas e tais conflitos resultam em uma
espécie de conquista do prêmio final pelo protagonista, que precisará enfrentar adver-
sidades. Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, tem uma consequência por não seguir o
caminho orientado pela mãe. João, de João e o pé de feijão, colhe bons frutos depois de
decidir confiar no vendedor que lhe entrega as sementes de feijão mágico.
Para o psicanalista Bruno Bettelheim (1980, p. 96), a criança forma ideias sobre
como organizar o caos que é sua vida interna ao permitir que a criança perceba os aspectos
da vida humana em polos: as figuras boas das más são apresentadas de modo bastante
distinto às crianças, o que é essencial para ela aprender a classificar seus próprios
sentimentos.
O que se busca defender aqui é que há, contemporaneamente, diversas versões e
atualizações dos contos de fadas. Por mais que o gênero venha se atualizando e dialogando
com problemáticas contemporâneas, tais versões continuam mantendo uma estrutura
narrativa de qualidade. Marina Colasanti, por exemplo, é uma escritora contemporânea de
contos de fadas que mostra a atualidade desse gênero, ao passo que contribui para sua
renovação. O que se critica neste texto, portanto, não é a modificação do texto por parte do
Conta pra mim, e, sim, a oferta de textos empobrecidos e reduzidos em relação à qualidade
da linguagem e do texto.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


113
CAPÍTULO 11

POR UMA LEITURA LITERÁRIA QUE OCUPE ESPAÇO


ESCOLAR
N este livro, foi feita uma análise das iniciativas federais de fomento à leitura
no Brasil com o propósito de entender de que modo, ao longo do período
investigado, as políticas públicas de leitura e a legislação relacionadas ao livro foram sendo
conduzidas. O estudo aqui apresentado se inicia na década de 1930, quando, pela primeira
vez na história do país, são pensadas as primeiras ações para reduzir os índices de analfa-
betismo, para democratizar o acesso à escola e para formar trabalhadores com algum grau
de instrução.
Antes disso, foi discutido um aspecto do comportamento leitor do brasileiro:
buscamos desmistificar a afirmação de que o brasileiro é um não leitor, pois as pesquisas
mostram a importância da leitura para a população e as buscas dos brasileiros para
conseguirem acesso a materiais de leitura, apesar das dificuldades. Como vimos, há di-
ficuldades estruturais que fazem com que a maior parte dos livros e da literatura estejam
mais facilmente acessíveis às classes mais elevadas. Nesse caso, a defesa feita aqui é a
de que somente políticas públicas consistentes podem contribuir com a redução dessas
assimetrias. Assim, o estudo apresentado almejou mostrar de que maneira tais políticas
foram sendo conduzidas dos anos 1930 até o fim do governo de Jair Messias Bolsonaro.
Na sequência, também foi definido o que é compreendido, neste livro, como política
pública: quando se pensa na criação de uma política pública, como foi visto, almejam-se
corrigir determinados aspectos de um determinado espaço que, de alguma maneira, promova
prejuízos a parte da população. Assim, o objetivo de uma política pública é reduzir ou sanar
alguma desigualdade. Apesar disso, o que se verificou é que uma política de leitura atende
sempre a aspectos ideológicos do governo no qual ela é gestada. Tal afirmação foi sendo
confirmada quando passamos à análise da história dos programas federais de fomento à
leitura e à leitura literária.
Até a década de 1980, todas as ações para compra e distribuição de livros foram
profundamente condicionadas por uma perspectiva repressora. Tanto no governo Vargas,
quanto na ditadura militar, mesmo quando havia compra massiva de livros, estes eram
controlados e cerceados de modo que só chegassem à população, por meio dessas
políticas, livros que passassem a imagem de um país unificado, em progresso e com
valores moralistas. Os problemas de tais práticas é que dificultam o acesso da população à
pluralidade de pensamento, pois, quando se condiciona o tipo de leitura e de leitura literária
aos quais as pessoas terão acesso, em certa medida, se controlam os posicionamentos
políticos, ideológicos, morais, entre outros.
No período da ditadura militar, vimos, ainda, um outro aspecto: o fortalecimento da
relação entre essas políticas com a escola, o que fez com que crescesse uma prática muito
comum nos tempos de repressão. Nesse período, as obras voltadas à escola tinham como
propósito serem usadas em sala de aula, então, além dos valores morais, era comum que

Maisa Barbosa da Silva 116


tais livros fossem escritos para o ensino de diversos temas: gramática, valores cívicos,
entre outros.
Os investimentos, de fato, em programas de compra e distribuição de livros, só
começam a acontecer com a abertura democrática, na década de 1980, pois o primeiro
programa de aquisição de livros e de livros literários (PNSL) para envio às bibliotecas
escolares teve sua gênese na década de 1980. A partir daí, uma outra problemática começa
a acontecer: a criação de diversos programas com curta existência, como vimos ao longo
dos capítulos.
Defendo a ideia de que a leitura e a literatura devem estar presentes na escola,
ocupando um lugar de privilégio. Esta última, a leitura literária, infelizmente, ainda esbarra
em uma escolarização inadequada, quando é usada para o ensino de questões que não
são sobre o literário, tais como gramática, valores morais e éticos. A prática que tinha se
fortalecido em tempos de ditadura e que, com programas como o PNBE tinha dado margem
a compras governamentais de livros mais diversificados, voltaram com os programas PNLD
Literário e Conta pra Mim. Os dois programas foram iniciados no governo Bolsonaro. O que
vimos, no discurso de ambos os programas, é que a leitura e a literatura devem servir à
formação do aluno de modo que contribuam com o ensino de diversos valores, inclusive,
de conteúdos escolares. Perde-se o que se tinha conquistado até então: a criação de
programas que tinham, de fato, o propósito de contribuir com uma formação cultural, estética
e crítica por meio da leitura e da leitura literária. É um reflexo da educação tecnicista que se
fortaleceu no momento político em questão.
Pensar na leitura a partir de uma perspectiva política é fundamental, pois é preciso
entender que o acesso à leitura é uma questão, antes, de democracia. Como aponta Ana
Espíndola (2005, p. 14):
É inegável [...] que o acesso ao mundo da leitura e da escrita deve ser tratado com
um direito por todo país que se pretenda democrático, ainda que uma democracia
nos limites do que uma sociedade regida pelo modo capitalista de produção possa
proporcionar.

Nessa perspectiva, a autora reflete acerca do fato de que a distribuição dos bens
culturais está associada à distribuição dos bens materiais. A luta pela conquista dos bens
culturais deve estar, portanto, vinculada “à luta pelo acesso aos bens materiais”. Ao se
alcançar melhor distribuição dos bens materiais, portanto, é possível que os bens culturais,
do mesmo modo, sejam mais propagados. Com isso em mente, não se pode perder de
vista que: “[...] a leitura e a escrita, durante muito tempo, foram privilégios de poucos e, de
certa forma, ainda continuam sendo” (Espíndola, 2005, p. 29).
A leitura literária perpassa, invariavelmente, pela mesma questão: reconhecê-la
como um direito de todos e pensar modos de propagá-la, não se pode perder de vista que

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


117
“ela nos liberta do caos” e pode “funcionar como um instrumento consciente de desmasca-
ramento das desigualdades e iniquidades” (Espíndola, 2005, p. 35).
Luiz Britto (1998) traça uma reflexão importante nesse sentido ao retomar que
muitas vezes se associa à leitura a ideia de que se adquire a partir da vontade individual,
não estando relacionada aos “vínculos sociais estabelecidos pelo sujeito” (1998, p. 77). No
entanto, a formação de leitores se dá por meio de relações mais complexas, que perpassam
por diferentes âmbitos e vieses, sendo necessário entender que a formação de leitores se
dá por relações mais subjetivas. Não se pode desconsiderar, portanto, “[...] as conformações
ideológicas dentro das quais se constroem os valores e saberes dominantes na sociedade
industrial de massa que informam as chamadas práticas leitoras” (Britto, 1998, 78).
O simples acesso aos materiais não teria associação direta com o seu uso, tendo
em vista que a propagação da informação não tem relação com a divulgação, apropriação
e construção do conhecimento. A partir dos diversos exemplos utilizados pelo autor,
entende-se que construir leitores é, antes de tudo, como uma “ação cultural historicamente
constituída” (Britto, 1998, p. 84). Não se pode, portanto, considerar a leitura, ou, ainda, as
assimilações, reflexões, construções de sentido que se faz a partir da leitura sem pensar na
questão política que a envolve:
Dois fatores são determinantes para que sobreviva com tanta intensidade essa
concepção ingênua e perniciosa de leitura. O primeiro é o mascaramento da dimensão
política a leitura, que permite que qualquer leitura possa ser considerada boa. O
segundo, diretamente articulado ao primeiro, é a desconsideração do objeto mesmo
sobre o qual incide a leitura: ao se considerar o ato em si de ler, desconsidera-se o
fato de que se leem textos e que textos são discursos que encerram representações
de mundo e sociedade (Britto, 1998, p. 85).

Construir práticas de leitura que almejem propagar a leitura, portanto, deve


vislumbrar a necessidade de se promover o contato entre os sujeitos e diferentes bens
da cultura letrada, que o permita ter acesso a diferentes níveis de competência de leitura.
Formar leitores envolve, invariavelmente, a necessidade de se permitir o acesso à literatura,
que exige do leitor ampla capacidade de leitura, que o possibilite interpretar, dialogar e
construir sentidos a partir de uma linguagem artisticamente construída.
Na esteira desse pensamento, a leitura, hoje, não deixa de ser arma contra
a imposição sobre os sujeitos. Para que a literatura, portanto, ocupe o espaço escolar,
ela precisa estar no discurso e nas práticas governamentais. É fundamental os próximos
governos pensem sobre a necessidade de democratização da leitura e da literatura, desde
que estas não sejam ferramentas para transmitir ideologias governamentais e valores
morais. Materiais de leitura precisam, invariavelmente, estar ao alcance de todos se, de
fato, buscamos construir um país mais justo.

Maisa Barbosa da Silva 118


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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A LITERATURA NO BRASIL


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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A LEITURA E A
LITERATURA NO BRASIL

Este livro apresenta uma história das políticas públicas de leitura no Brasil
e analisa um período que se inicia na década de trinta do século XX e vai
até as primeiras décadas do século XXI com o propósito de entender de que
maneira os investimentos na formação de leitores, na manutenção de acervos
de bibliotecas públicas e escolares e no fomento à produção, divulgação e
circulação da literatura no Brasil foram sendo conduzidos ao longo desse
tempo. A busca pela construção de uma história das políticas públicas de
leitura no Brasil é motivada pela necessidade de defender que a leitura e a
leitura literária são fundamentais para o sujeito, pois possibilitam o desen-
volvimento da percepção sobre a nossa história, tanto a individual quanto
a coletiva. A grande defesa que se busca fazer aqui é a de que o ato de ler
favorece nosso conhecimento sobre nós mesmos e sobre o mundo.

Maisa Barbosa da Silva

RFB Editora
CNPJ: 39.242.488/0001-07
91985661194
www.rfbeditora.com
[email protected]
Belém, Pará, Brasil

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