Ciência: & Saúde Coletiva

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Ciência & Saúde Coletiva

cienciaesaudecoletiva.com.br DOI: 10.1590/1413-81232024296.03872023


ISSN 1413-8123. v.29, n.6

Desigualdades sociais no diagnóstico do câncer do colo do útero 1

no Brasil: um estudo de base hospitalar

TEMAS LIVRES
Social inequalities in the diagnosis of cervical cancer in Brazil:
a hospital-based study

Nayara Priscila Dantas de Oliveira (https://orcid.org/0000-0001-9329-0235) 1


Marianna de Camargo Cancela (https://orcid.org/0000-0002-8169-8054) 2
Luís Felipe Leite Martins (https://orcid.org/0000-0001-5016-8459) 2
Janete Lima de Castro (https://orcid.org/0000-0003-1823-9012) 3
Karina Cardoso Meira (https://orcid.org/0000-0002-1722-5703) 4
Dyego Leandro Bezerra de Souza (https://orcid.org/0000-0001-8426-3120) 3

Abstract The scope of this study is to analyze the Resumo O estudo visa analisar a prevalência de
prevalence of advanced stage diagnosis of cervical estadiamento avançado ao diagnóstico do câncer
cancer and its association with individual and do colo do útero e sua associação com indicado-
contextual socioeconomic and healthcare service res individuais e contextuais socioeconômicos e
indicators in Brazil. A cross-sectional study was de oferta de serviços de saúde no Brasil. Estudo
conducted using cervical cancer cases in women transversal, realizado com casos de câncer do colo
aged 18 to 99 years, from 2006 to 2015, extracted do útero em mulheres de 18 a 99 anos, no perí-
from the Hospital Cancer Registry (HCR) Inte- odo de 2006 a 2015, extraídos do Integrador de
grator. Contextual variables were collected from Registros Hospitalares de Câncer. Variáveis con-
the Atlas of Human Development in Brazil; the textuais foram coletadas no Atlas do Desenvolvi-
National Registry of Health Institutions (NRHI); mento Humano, no Cadastro Nacional de Estabe-
and the Outpatient Information System. Multi- lecimentos de Saúde e no Sistema de Informações
1
Departamento de
Fisioterapia, Universidade level Poisson Regression with random intercept Ambulatoriais. Usou-se o modelo de regressão de
de Pernambuco. BR 203 was used. The prevalence of advanced stage di- Poisson multinível com intercepto aleatório. A
Km 2 s/n, Vila Eduardo.
agnosis was 48.4%, revealing an association with prevalência de diagnóstico em estádio avançado
56328903 Petrolina
PE Brasil. older age groups (PR 1.06; CI 1.01-1.10), black, foi de 48,4%, apresentando associação com idades
[email protected] brown, and indigenous race/skin color (PR 1.04; mais avançadas (RP 1,06; IC 1,01-1,10), raça/cor
2
Divisão de Vigilância
CI 1.01-1.07), lower levels of schooling (PR 1.28; da pele preta, parda e indígena (RP 1,04; IC 1,01-
e Análise de Situação,
Instituto Nacional de CI 1.16-1.40), no marital partner (PR 1.10; CI 1,07), menores níveis de escolaridade (RP 1,28;
Câncer, Ministério da 1.07-1.13), public referral to the health service IC 1,16-1,40), ausência de parceiro conjugal (RP
Saúde. Rio de Janeiro RJ
(PR 1.07; CI 1.03-1.11), and lower rates of cyto- 1,10; IC 1,07-1,13), encaminhamento do tipo pú-
Brasil.
3
Programa de Pós- logical examination (PR 1.08; CI 1.01-1.14). The blico ao serviço de saúde (RP 1,07; IC 1,03-1,11) e
Graduação em Saúde results reinforce the need for improvements in the menor taxa de realização de exame citopatológico
Coletiva, Departamento
national cervical cancer prevention program in (RP 1,08; IC 1,01-1,14). Os resultados reforçam a
de Saúde Coletiva,
Universidade Federal do Rio areas with low coverage of oncotic cytology. necessidade de melhorias no programa nacional
Grande do Norte. Natal RN Key words Health status disparities, Cervical can- de prevenção do câncer do colo do útero em áreas
Brasil.
cer, Hospital records, Advanced stage diagnosis com baixa cobertura da citologia oncótica.
4
Programa de Pós-
Graduação em Demografia, Palavras-chave Disparidades nos níveis de saú-
Escola de Saúde, de, Câncer do colo do útero, Registros hospitala-
Universidade Federal do Rio
res, Diagnóstico tardio
Grande do Norte. Natal RN
Brasil.
Cien Saude Colet 2024; 29:e03872023
2
Oliveira NPD et al.

Introdução diagnóstico em estadiamento avançado por tal


doença nas mais distintas regiões do Brasil.
O câncer do colo do útero é uma doença de A discussão sobre os fatores associados ao
grande impacto socioeconômico e epidemioló- diagnóstico em estádio avançado do câncer do
gico, sendo a quarta neoplasia mais incidente e colo do útero, considerando os diferentes níveis
a terceira com maior mortalidade na população hierárquicos dos determinantes sociais da saúde,
feminina mundial1. A evolução temporal da inci- possibilita a compreensão dessa doença crônica
dência e mortalidade por essa doença apresenta em nível individual e populacional. Essa discus-
disparidades entre os países desenvolvidos e em são é essencial no fomento de potenciais políticas
desenvolvimento. Isso acontece pelo fato de ser públicas que visem a promoção do diagnóstico
uma neoplasia maligna fortemente associada às precoce e a melhoria do acesso aos serviços de
dificuldades de acesso aos serviços de saúde e por saúde de atenção oncológica no Brasil.
ser uma doença altamente evitável por meio me- O objetivo deste estudo é analisar a prevalên-
didas de controle com alta efetividade e eficácia2. cia de diagnóstico em estadiamento avançado de
Nos países de renda média e baixa, o câncer câncer do colo do útero e determinar sua asso-
do colo do útero se apresenta em segundo lugar ciação com indicadores individuais e contextuais
no ranking de incidência e mortalidade entre as socioeconômicos e de oferta de serviços de saúde
mulheres, depois do câncer de mama. Aproxima- no Brasil.
damente 121 mil novos casos de câncer do colo
do útero são estimados para o ano de 2030 no
mundo1,3. No Brasil, o número de casos novos Materiais e métodos
a cada ano do triênio 2023-2025 será de 17.010
(risco estimado de 15,38 casos a cada 100 mil Desenho do estudo e participantes
mulheres), com variações de magnitude entre as
regiões do país4. As regiões com maiores índices Estudo observacional do tipo transversal.
de desenvolvimento humano (IDH) concentram Foram incluídos os casos analíticos de neoplasia
70% da incidência total de câncer do Brasil, sen- maligna do colo do útero (C53)12 em mulheres
do o câncer do colo do útero o terceiro mais inci- com idade entre 18 e 99 anos, diagnosticadas no
dente no Centro-Oeste (16,66 casos por 100 mil), período de 2006 a 2015, e atendidas em unidades
o quarto na região Sul (14,55 casos por 100 mil) hospitalares de assistência oncológica. Foram ex-
e o quinto no Sudeste (12,93 casos por 100 mil). cluídos do estudo os casos de carcinoma in situ,
Nas regiões com menores níveis de desenvolvi- os casos com ausência de dados sobre o estadia-
mento, como o Norte (20,48 casos por 100 mil) e mento tumoral e aqueles com ausência de dados
Nordeste (17,59 casos por 100 mil), o câncer do sobre a idade e o local de residência da paciente
colo do útero é o segundo tipo mais incidente na na ocasião do diagnóstico.
população feminina4.
Além de ser um fator prognóstico, o estadia- Variáveis e fontes de dados do estudo
mento ao diagnóstico do câncer é um indicador
da capacidade de oferta e acesso às tecnologias de O desfecho analisado no estudo foi o estadia-
diagnóstico pelos sistemas de saúde5. mento clínico tumoral avançado. O estadiamento
O processo de diagnóstico do câncer do colo foi classificado a partir do Sistema TNM de Clas-
do útero está associado a fatores individuais e sificação de Tumores Malignos13 e do Sistema de
contextuais que evidenciam as desigualdades em Estadiamento FIGO (International Federation of
saúde vivenciadas pela população6. Apesar da Gynecology and Obstetrics)14. O estadiamento
elevada taxa de realização do exame citopatoló- FIGO foi convertido para o estadiamento TNM
gico (66,5% a 76,8%) para o controle do câncer do tumor primário de acordo com as regras de
do colo do útero, as prevalências de diagnóstico classificação clínica para tumores ginecológicos14.
em estadiamento avançado da doença ainda são Os dados foram dicotomizados em estádio avan-
elevadas no Brasil, chegando ao valor de 46,0%7,8. çado (TNM III e IV) e precoce (TNM I e II)8,11.
A literatura atual dispõe de considerável dis- Os dados sobre estadiamento clínico do tu-
cussão sobre os preditores do diagnóstico em mor primário e condições socioeconômicas in-
estádio avançado do câncer do colo do útero9-11. dividuais foram coletados do Integrador de Re-
Entretanto, nenhum desses estudos analisou de gistros Hospitalares de Câncer (RHC)15. Os RHC
forma específica a relação entre os diferentes reúnem informações padronizadas acerca das
níveis hierárquicos na determinação social do características sociodemográficas dos pacientes
3

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oncológicos, características clínicas do tumor As variáveis relacionadas às condições con-
e atividade assistencial hospitalar16,17. As infor- textuais socioeconômicas dos estados brasileiros
mações do RHC são oriundas de provedores de (índice de Gini e índice de desenvolvimento hu-
saúde dos 27 estados brasileiros, considerados mano – IDH) foram inseridas no contexto socio-
unidades hospitalares de atenção oncológica18. político. Nos determinantes estruturais, foram
O sistema de RHC brasileiro reúne informa- agrupadas as variáveis individuais relacionadas à
ções sobre os casos de câncer atendidos nas uni- posição socioeconômica das mulheres com cân-
dades de saúde do país, que em maioria (90%) cer de colo do útero (escolaridade, raça/cor da
estão credenciadas ao sistema público de saúde17. pele, estado conjugal e tipo de acesso aos serviços
No período estudado, 184 municípios brasileiros de saúde). As variáveis raça/cor da pele e esta-
apresentaram uma ou mais unidades de saúde do conjugal foram categorizadas, considerando
cadastradas no RHC, com 273 unidades hospita- raça/cor branca e amarela e raças negra, parda e
lares vinculadas ao RHC15. indígena, e estado conjugal com parceiro (casa-
Os dados do RHC do estado de São Paulo não do e união consensual) e sem parceiro (solteira,
foram incluídos nas análises inferenciais do estu- divorciada e viúva). Nos determinantes inter-
do em decorrência do processo de coleta de da- mediários foram alocados os fatores biológicos
dos diferenciado. A inclusão do RHC desse esta- em conjunto com indicadores contextuais locais
do não permitiria a comparabilidade dos dados, relacionados à oferta e ao acesso aos serviços de
a julgar pela ausência de informações individuais saúde (densidade de profissionais médicos e taxa
sobre as condições socioeconômicas dos casos de de disponibilidade de serviços de saúde).
câncer.
O banco de dados individuais foi associado Análise estatística
a bancos com dados agregados por unidades da
federação (UF). Do Atlas do Desenvolvimento A análise descritiva espacial dos dados foi
Humano no Brasil, disponibilizado pelo Progra- realizada pelo software TerraView 4.0.0.24, para a
ma das Nações Unidas para o Desenvolvimento distribuição territorial da proporção de diagnós-
(PNUD)19 foram extraídas informações sobre o tico em estádio avançado para câncer do colo do
contexto sociopolítico com base no ano de 2010. útero entre os estados brasileiros. Os mecanismos
Os dados de oferta de serviços de saúde foram de dados faltantes do banco oriundo do RHC fo-
coletados no Cadastro Nacional de Estabeleci- ram analisados previamente25, evidenciando um
mentos de Saúde (CNES)20 e no Sistema de Infor- padrão de perda não aleatório dos dados. Fato
mações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS)21. Indi- que possibilita a análise de caso completo e cor-
cadores específicos para os anos de 2008 e 2013 rige possíveis vieses das informações que foram
foram calculados usando como denominador excluídas neste estudo.
os dados do Censo Demográfico de 2010, con- Para verificar a associação da variável depen-
tagens de população e estimativas populacionais dente com todas as variáveis independentes do
por UF, sexo e idade22: “Densidade de médicos estudo, foi realizado o teste de qui-quadrado de
especialistas em oncologia” (número de médicos Pearson. Como estratégia de análise multivaria-
especialistas em oncologia por 1.000.00 de habi- da, foi adotado o modelo de regressão de Poisson
tantes), “Densidade de médicos ginecologistas” multinível, com um intercepto aleatório, definido
(número de médicos ginecologistas por 100.000 de acordo com os resultados do teste likelihood
mulheres), “Proporção de exames citopatológi- ratio (LR).
cos” (Proporção do número de exames cervico- O modelo multinível foi analisado pelo mo-
-vaginais realizados na população feminina em delo vazio inicial, seguido da inserção das vari-
idade de rastreio). áveis do nível individual e, posteriormente, das
As variáveis independentes do estudo foram variáveis de nível contextual. Mantiveram-se no
eleitas com base no modelo teórico conceitual modelo as variáveis com significância estatística,
dos Determinantes Sociais da Saúde (DSS) de- de acordo com teste de Wald (α = 0,05), e as que
senvolvido pela Comissão dos Determinantes apresentam plausibilidade teórica. Para o modelo
Sociais da Saúde (CDSS) da Organização Mun- final, foi possível identificar o declínio da variân-
dial da Saúde (OMS). O modelo aborda três cia em comparação ao modelo vazio inicial, além
componentes básicos dos DSS: contexto socio- da manutenção da significância a partir dos re-
político, determinantes estruturais (posição so- sultados dos testes LR.
cioeconômica) e determinantes intermediários Para determinar o efeito dose-resposta entre
da saúde23. as variáveis categóricas ordinais do estudo e as
4
Oliveira NPD et al.

variáveis dependentes, foi efetuado o teste de ten- menores níveis de escolaridade (nenhuma e fun-
dência (p trend) para as variáveis que compõem o damental incompleto: RP 1,28; IC 1,26-1,40) em
modelo multinível final26. Toda a análise foi reali- comparação com o nível superior de educação;
zada utilizando o software Stata 15.1.27 não ter parceiro conjugal (RP 1,10; IC 1,07-1,13),
O uso de dados secundários de acesso públi- quando comparado a ter parceiro fixo; e à origem
co sem possibilidade de identificar os indivídu- do encaminhamento do tipo público (RP 1,07;IC
os torna dispensável o parecer de um comitê de 1,03-1,11), em comparação com o serviço onco-
ética em pesquisa, de acordo com a Resolução lógico privado de saúde. No nível 2, agregado por
580/201828. UF, o estadiamento avançado apresentou asso-
ciação com a baixa proporção de exame citopa-
tológico cervico-vaginal (RP 1,08; IC 1,01-1,14),
Resultados quando comparado às UF com elevadas propor-
ções de realização do exame.
No período avaliado foram registrados nos RHC
brasileiros 125.356 casos de neoplasia maligna
do colo do útero em mulheres de 18 a 99 anos Discussão
de idade. O fluxograma apresentado na Figura 1
resume o processo de elegibilidade dos casos nas Os resultados do estudo mostram que o diag-
etapas de análise dos dados do estudo. nóstico em estadiamento avançado do câncer do
A proporção de diagnóstico em estadiamen- colo do útero no período estudado apresentou
to avançado do câncer do colo do útero foi de prevalência de 48,4%, sendo mais expressivo nas
48,41% (IC 48,03-48,79) (Figura 2). As maio- UF das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste
res proporções de diagnóstico em estadiamen- do Brasil. O estadiamento avançado ao diagnós-
to avançado se concentram na região Nordeste, tico do câncer apresentou associação com fatores
com ênfase aos estados do Rio Grande do Norte individuais e contextuais de acesso aos serviços
(65,2%), Pernambuco (62,5%) e Alagoas (62,4%), de saúde.
e nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde Tocan- O percentual de mulheres com câncer do colo
tins (60,7%) e Mato Grasso (59,2%) se destacam, do útero em estadiamento III ou IV ao diagnós-
respectivamente. Os estados da região Sul do tico no Brasil e em todas as suas UF apresentou
país figuram com taxas de estadiamento avança- maior magnitude do que a observada em países
do mais altas do que a média nacional. No Rio de alta renda, como Estados Unidos (29,8%)29 e
Grande do Sul, 54,6% dos casos de câncer do colo Inglaterra (23,8%)30. No entanto, mostrou valo-
do útero são diagnosticados em estádios avança- res semelhantes ao observado em países de bai-
dos. Na região Norte, Acre (54,3%) e Amazônia xa renda que não têm programa de rastreamen-
(53,8%) apresentam as maiores prevalências de to e linha de cuidado para o câncer do colo do
diagnóstico avançado deste tipo de câncer. útero universal e gratuito, como Índia (50,4%)9
A Tabela 1 apresenta as prevalências e RP e Marrocos (54,5%)10. A prevalência de estadia-
não ajustadas para o estadiamento avançado do mento em estágio avançado ao diagnóstico no
câncer do colo do útero no Brasil. O diagnóstico Brasil tem mantido valores acima de 46,0%, no
em estádio avançado apresentou associação esta- presente estudo e em pesquisas realizadas nos
tisticamente significante com todas as variáveis recortes históricos de 2000 a 2009 (46,5%) e de
individuais (idade, raça/cor, escolaridade, estado 2000 a 2012 (46,7%)8,11. O diagnóstico em estágio
conjugal e origem do encaminhamento) e com va- avançado da doença está associado a pior prog-
riáveis contextuais de oferta de serviços de saúde nóstico, com reduzidas possibilidades efetivas de
(densidade de médicos especialistas em oncologia tratamento e cura31,32.
e taxa de realização de exames citopatológicos). O sistema de saúde brasileiro apresenta fragi-
Na análise multinível dos dados (Tabela lidades na prevenção e no controle do câncer. No
2), o estadiamento avançado do câncer do colo período de 2000 a 2012 houve aumento de 1,10%
do útero foi associado a variáveis individuais e ao ano (IC 0,80-1,50) do estadiamento III ou IV
contextuais de oferta de serviços de saúde, apre- nos casos de câncer do colo do útero8. Advoga-se
sentando associação com: idade mais avançada que essa realidade esteja associada às caracterís-
(70 anos e mais: RP 1,06; IC 1,01-1,10), quando ticas do nosso programa de rastreamento, que
comparada a faixas etárias mais jovens; raça/ é oportunístico, e assim muitas mulheres fazem
cor da pele preta, parda e indígena (RP 1,04; IC mais exames do que o recomendado, enquanto as
1,01-1,07), comparada à raça/cor da pele branca; mulheres com maior risco para a doença nunca
5

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Casos de câncer do colo do útero de
mulheres com idade entre 18 e 99 anos
registrados no Integrador dos Registros
Hospitalares de Câncer de 2006 a 2015 Exclusões:
(n=125.356) 31.470 casos com dados ausentes do estadiamento clínico
do tumor
27.889 casos com diagnóstico de Carcinoma In Situ
312 casos com dados ausentes sobre a UF e município de
residência da paciente

65.685 casos de câncer do colo do 11.341 casos de câncer do colo do


útero de mulheres com idade entre útero de mulheres com idade entre
18 a 99 anos incluídos no estudo 18 a 99 anos do RHC de SP

Figura 1. Fluxograma com a descrição do processo de seleção dos casos analíticos de câncer do colo do útero no
período de 2006 a 2015 do Integrador dos Registros Hospitalares de Câncer.

Fonte: Autores.

(A) (B)
65,21
62,48
62,39
60,68
59,18
54,56
54,35
53,85
52,91
51,01

48,86
48,74
48,41
48,13
47,31
46,95
46,56
45,84
45,36
44,99
50

43,51
43,11
42,08
41,73
39,82
38,66
38,16
CE
SP

PI
SC
ACS
AM

RR
SE
BR BES
AS A
IL
MR
G
PB
AP
A

RO
S
DJ
F
PA
O
RN
PE
TOL
T

R
R

M
A

P
M

Proporção de estádio avançado de câncer do colo


do útero
38.15 - 44.91
44.92 - 51.67
51.68 - 58.44
58.45 - 65.22

Figura 2. Distribuição espacial da proporção de diagnóstico em estadiamento avançado nos casos de câncer do
colo do útero no Brasil, no período de 2006 a 2015, por UF (n = 65.685).

Link das malhas territoriais: https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/malhas-territoriais.html

Fonte: Autores.

o realizam (negras, com idade acima de 50 anos, alterações citopatológicas muito abaixo do que é
baixa escolaridade e residentes nas regiões Norte esperado para um país com alta taxa de incidên-
e Nordeste)33,34. Adiciona-se a tal cenário proble- cia e mortalidade pela doença35. Como resultado,
mas associados a coleta, armazenamento e leitura os programas de rastreio do câncer do colo do
dos exames, altas taxas de lâminas rejeitadas35,36, útero apresentam cobertura desigual nesses paí-
índice de positividade inferior ao recomendado e ses, com qualidade heterogênea e baixa eficácia37.
6
Oliveira NPD et al.

Tabela 1. Prevalência e razões de prevalência não ajustadas para estadiamento tardio do câncer do colo do útero,
segundo características individuais e variáveis contextuais, no Brasil, segundo UF de residência, exceto SP (n = 54.344).
Estadiamento
avançado
n % RP IC (95%) p
Variáveis individuais
Faixa etária
18 a 29 anos 1.112 43,3 0,88 0,83-0,94 < 0,001*
30 a 39 anos 4.209 43,3 0,88 0,85-0,92
40 a 49 anos 6.531 48,6 1,00
50 a 59 anos 6.630 52,5 1,08 1,04-1,12
60 a 69 anos 4.627 50,4 1,04 1,01-1,08
70 anos e mais 3.587 52,8 1,09 1,04-1,13
Raça/cor da pele
Preta, parda e indígena 15.190 50,3 1,05 1,01-1,08 0,004*
Branca e amarela 8.749 48,8 1,00
Escolaridade
Nenhuma/ens. fundamental incompleto 14.203 50,9 1,36 1,23-1,49 < 0,001*
Ens. fundamental completo 3.722 47,0 1,26 1,14-1,39
Ens. médio/ens. superior incompleto 2.701 43,2 1,15 1,04-1,27
Superior completo 445 37,6 1,00
Estado conjugal
Sem parceiro 13.483 51,3 1,11 1,08-1,13 < 0,001*
Com parceiro 10.430 46,3 1,00
Origem do encaminhamento ao serviço oncológico
Público (SUS) 19.972 50,4 1,09 1,05-1,13 < 0,001*
Privado/convênio 3.897 43,5 1,00
Variáveis contextuais socioeconômicas
Índice de Gini
0,49-0,56 9.945 49,9 1,00 0,525
0,57-0,61 14.154 47,6 1,01 0,88-1,13
0,62-0,65 2.597 55,7 1,09 0,92-1,28
IDH
0,63-0,68 10.216 48,7 1,05 0,90-1,21 0,482
0,69-0,74 7.982 50,6 1,09 0,95-1,26
0,75-0,82 8.498 48,3 1,00
Variáveis contextuais de oferta de serviços de saúde
Densidade de médicos especialistas em oncologia
1,00-4,60 9.289 47,5 0,99 0,96-1,03 0,001*
4,70-14,10 9.357 50,1 1,05 1,02-1,09
14,20-48,30 8.050 49,9 1,00
Densidade de médicos ginecologistas
02,20-11,30 8.700 46,9 1,05 0,91-1,21 0,478
11,40-16,50 9.559 53,0 1,07 0,93-1,24
16,60-48,60 8.437 47,5 1,00
Densidade de serviços de saúde especializados em oncologia
0,00-1,90 8.566 47,0 0,97 0,89-1,06 0,098
2,00-2,60 9.553 49,9 0,94 0,87-1,00
2,70-5,60 8.577 50,6 1,00
Proporção de exames citopatológicos
0,00-10,40 9.082 48,0 1,06 1,00-1,13 0,001*
10,50-12,40 9.924 51,0 0,99 0,93-1,03
12,50-19,50 7.690 48,3 1,00
RP: razão de prevalência estimada pelo modelo de Poisson multinivel; IC: intervalo de confiança; p: teste de Wald; *
estatisticamente significativo.

Fonte: Autores.
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Tabela 2. Análise multinível entre as variáveis individuais, contextuais e o estadiamento tardio ao diagnóstico do
câncer do colo do útero em mulheres de 18 a 99 anos de idade no período de 2006 a 2015, no Brasil, segundo UF
de residência, exceto SP (n = 54.344).

Modelo 1 Modelo 2
Modelo
Variáveis
Vazio
RP (IC 95%) p RP (IC 95%)) p

Nível 1 (individual)
Faixa etária
18 a 29 anos 0,90 (0,84-0,96) <0,001 0,90 (0,84-0,96) < 0,001 *
30 a 39 anos 0,90 (0,86-0,93) 0,90 (0,86-0,93)
40 a 49 anos 1,00 1,00
50 a 59 anos 1,07 (1,04-1,11) 1,07 (1,04-1,11)
60 a 69 anos 1,02 (0,99-1,06) 1,02 (0,99-1,06)
70 anos e mais 1,06 (1,01-1,10) 1,06 (1,01-1,10)
Raça/cor da pele
Preta, Parda e Indígena 1,03 (1,00-107) 0,047 1,04 (1,01-1,07) 0,041
Branca e Amarela 1,00 1,00
Escolaridade
Nenhuma/ens. fundamental 1,28 (1,16-1,40) <0,001 1,28 (1,16-1,40) < 0,001
incompleto
Ens. fundamental completo 1,22 (1,10-1,34) 1,21 (1,10-1,34)
Ens. médio/ens. superior incompleto 1,14 (1,03-1,26) 1,14 (1,03-1,26)
Superior completo 1,00 1,00
Estado conjugal
Sem parceiro 1,10 (1,07-1,13) <0,001 1,10 (1,07-1,13) < 0,001
Com parceiros 1,00 1,00
Origem do encaminhamento ao serviço
oncológico
Público (SUS) 1,07 (1,03-1,11) <0,001 1,07 (1,03-1,11) < 0,001
Privado/convênio 1,00 1,00
Nível 2 (agregado UF)
Proporção de exames citopatológicos
0,00-10,40 1,08 (1,01-1,14) 0,001 *
10,50-12,40 0,99 (0,94-1,03)
12,50-19,50 1,00
Efeitos Fixos
Intercepto -0,707 0,349 0,342
(IC 95%) (-0,76--0,65) (0,31-0,39) (0,30-0,39)
Efeitos Aleatórios
Variância 0,020 0,017 0,018
(IC 95%) (0,01-0,04) (0,01-0,03) (0,01-0,04)
LR Test 400,77 318,36 322,15
(x², p-valor) (<0,001) (<0,001) (<0,001)
RP: razão de prevalência ajustada estimada pelo modelo multinível com intercepto aleatório; IC: intervalo de confiança; p: teste de
Wald; * p trend ≤ 0,05. Modelo 1: modelo estatístico com inclusão das variáveis de nível individual; Modelo 2: modelo estatístico
com inclusão das variáveis de nível individual e nível contextual por UF.

Fonte: Autores.

O acesso aos serviços de saúde é fator deter- serviços de saúde, por meio do baixo acesso aos
minante para o diagnóstico do câncer do colo do exames citopatológicos cervico-vaginais.
útero em tempo oportuno. Os resultados deste O processo de colonização e exploração do
estudo mostram associação do diagnóstico em Brasil gerou desigualdades interterritoriais, com
estadiamento avançado com o acesso público aos atividades produtivas e complexos econômicos
8
Oliveira NPD et al.

centralizados nas regiões Sul e Sudeste e no li- mento ginecológico após o período reproduti-
toral da região Nordeste38,39. Desigualdades que vo45. Além disso, nas mulheres idosas ocorre um
também são refletidas nas condições de saúde de processo de história natural diferenciada devido
diferentes populações, no nível de exposição aos à redução das células de zona de transformação
fatores de risco e proteção, nas causas de adoe- (menor período pré-invasivo) e a alterações no
cimento e morte e no acesso diferenciado aos sistema imunológico11,29,46.
recursos e serviços disponíveis no sistema de As mulheres brasileiras pretas, pardas e indí-
saúde40,41. genas apresentaram maior chance do diagnóstico
A própria organização do SUS reproduz es- em estádio avançado de câncer do colo do útero.
sas desigualdades. Os serviços e equipamentos Em estudo realizado no período de 2000 a 2009,
de média e alta complexidade se concentraram as mulheres pretas apresentaram 20,0% maior
nas capitais e metrópoles, notadamente localiza- chance para esse desfecho em relação às bran-
das no eixo Centro-Sul do país. Esse padrão de cas11. Situação mais agravante foi observada entre
distribuição e fragmentação da oferta resulta em as mulheres indígenas (OR 2,38; IC 1,06-5,33) no
iniquidades geográficas de acesso aos serviços de período de 2000 a 20128. Também houve maior
saúde no país40,41, o que contribui para os maiores probabilidade de diagnóstico em estadiamento
percentuais de diagnóstico de câncer em estágio III ou IV em mulheres de baixa escolaridade,
avançado nas mulheres residentes nas regiões corroborando os achados de outros estudos8,11.
Norte e Nordeste, em comparação com as mo- Destaca-se que pode ocorrer interação entre as
radoras do Sul e Sudeste8,11. Bem como contribui duas variáveis, nível de escolaridade e raça/cor da
para a manutenção de tendência temporal ascen- pele, já que as mulheres negras, pardas e indíge-
dente, o aumento do risco de morte por câncer nas apresentam menores níveis de escolaridade
do colo do útero nos quinquênios dos anos 2000, em relação às brancas.
com altas taxas de mortalidade nos estados Nor- Essas desigualdades se devem ao modo como
te e Nordeste do Brasil, apresentando coeficientes as pessoas estão organizadas socialmente, dentro
semelhantes aos de países que não têm sistema de de uma estrutura hierarquizada por valores sim-
saúde universal e gratuito42,43. bólicos e materiais, e na sociedade brasileira o
É importante destacar que, no presente estu- racismo é o principal fator associado às desigual-
do, os estados da região Norte apresentam valo- dades em saúde. Processo que naturaliza a vio-
res inferiores aos observados no Nordeste do país lentação desses corpos desde o período colonial
para as taxas de diagnóstico em estadiamento até os dias atuais, gerando milhares de mortes
avançado do câncer do colo do útero. Resulta- devido à negação do acesso à saúde, à educação,
dos que podem sugerir dificuldade de acesso aos ao trabalho e à renda, culminando na manuten-
serviços de saúde e a possível ausência de notifi- ção de altas taxas de incidência e mortalidade por
cação de tais dados aos RHC dessas localidades. doenças evitáveis47.
Essas disparidades geográficas observadas impli- As iniquidades observadas na população e no
cam dificuldades significativas para a população território brasileiro não estão sendo corrigidas
feminina que vive nessas regiões, resultando em pelo sistema de saúde. As políticas Nacional de
migração de longas distâncias para obter atendi- Controle do Câncer do Colo do Útero (PNCC)
mento oncológico especializado44. e de Atenção Oncológica (PNAO) foram im-
No presente estudo, o diagnóstico em estádio plementadas sem um estudo mais acurado das
avançado esteve associado a variáveis individuais iniquidades inter-regionais, gerando equidade
(idade, raça/cor da pele, escolaridade estado civil, reversa48-50. Novas intervenções em saúde pública
tipo de encaminhamento aos serviços de saúde) são, inicialmente, mais acessíveis e utilizadas por
e contextual (taxa de realização de citologia on- pessoas com situação econômica mais favorável,
cótica). ampliando as desigualdades em saúde já existen-
As mulheres com idade a partir de 50 anos tes. Após um tempo, em geral quando o impac-
mostraram maior chance de diagnóstico do cân- to da intervenção nos grupos mais ricos atinge
cer do colo uterino em estadiamento avançado, seu limite, a política passa a ser gradativamente
assim como as que viviam sem companheiro, re- mais acessível pela população menos favorecida.
sultados semelhantes aos apresentados por estu- O que explica em partes a menor cobertura do
dos brasileiros8,11 e internacionais9,10,29,30. A cober- exame de rastreamento em mulheres negras, in-
tura do rastreamento do câncer do colo do útero dígenas e de baixa escolaridade33,34,45.
apresenta gradiente negativo com o avançar da No Brasil, a realização do exame citopatoló-
idade, pois há uma menor procura por atendi- gico é recomendada para todas as mulheres com
9

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idade entre 25 e 64 anos, sendo efetuado anual- corrência dos registros incompletos oriundos das
mente e, após dois exames anuais inalterados, a unidades hospitalares de assistência oncológica.
cada três anos, mas não há um programa de ras- É importante destacar que o estadiamento
treamento organizado51. No ano de 2013, a fre- do câncer do colo do útero ao diagnóstico dispo-
quência de realização do exame citopatológico nibilizados nos RHC está relacionado ao acesso
chegou a 71,7% entre os estados brasileiros, atin- a exames complementares no momento do seu
gindo seu menor nível na faixa etária entre 25 e 34 registro em prontuário e da experiência do mé-
anos. Dados apontam que a cobertura dos exames dico responsável pelo atendimento do paciente11.
preventivos do câncer do colo do útero varia entre Portanto o percentual de doença com discrimi-
89,4% e 93,4% na população feminina brasileira nação do estadiamento pode ser influenciado
que tem acesso a serviços privados de saúde45. com a qualidade da assistência oncológica e do
A incorporação da vacina contra o papi- sistema de saúde local11. Corroborando essa hi-
loma vírus humano (HPV) é uma importante pótese, estudo realizado com dados do RHC no
medida de saúde pública que poderá promover mesmo período da presente pesquisa identificou
impacto nos resultados de saúde relacionados à prevalência de 32,4% de câncer do colo do útero
incidência e mortalidade por câncer de colo do com estadiamento não identificado e que esteve
útero, tornando-se ferramenta de controle para associado com encaminhamento pelo sistema
este tipo oncológico52. No Brasil, o programa de público de saúde, moradoras de estados com
vacinação contra o HPV teve início gradual em baixa densidade de oncologistas e com menor
201453, com registros de iniquidades no acesso e percentual de exames citopatológicos25. Em que
baixa adesão54,55. Estudos nacionais apontam uma pese as limitações das informações do RHC, des-
cobertura vacinal de aproximadamente 48,9%, taca-se a exclusão dos dados oriundos do RHC
com maior adesão à primeira dose da vacina, em de SP, que tem bons indicadores e uma propor-
indivíduos mais jovens e do sexo feminino52,54,55. ção significativa de casos em estadiamento inicial
A heterogeneidade da cobertura vacinal entre os (55%), entretanto a ausência dos dados sociode-
estados brasileiros é um grande desafio, que pode mográficos limitou o uso de tais dados no estu-
estar diretamente ligada às políticas públicas esta- do. Além disso, o uso de informações oriundas
duais distintas, que determinam a disponibilida- dos sistemas de informação de saúde brasileiros
de de vacinas para a população54. é uma potencialidade do presente estudo, já que
Além do acesso aos serviços, discute-se a o Integrador do RHC é a fonte de dados secun-
questão da oferta e organização da rede de aten- dários relacionados à assistência do câncer mais
ção à saúde no contexto brasileiro. Nos serviços completa disponível no Brasil, o que o possibilita
públicos de saúde existe a dificuldade de referen- a execução de estudos epidemiológicos de base
ciar as suspeitas clínicas; a execução de diversos populacional a respeito da assistência oncológica
exames é dificultada, em alguns casos pela falta de hospitalar.
insumos, os resultados das análises citopatológi-
cas são demorados; e, mesmo após a conclusão do
diagnóstico do câncer, existe dificuldade para iní- Considerações finais
cio e continuidade do tratamento oncológico56,57.
Tais constatações na dinâmica da rede de atenção Os resultados do presente estudo evidenciam a
à saúde culminam na limitação do sistema públi- associação da oferta e do acesso aos sistemas de
co de saúde para detectar precocemente o câncer saúde com o diagnóstico em estadiamento avan-
do colo do útero. çado do câncer do colo do útero. Os fatores asso-
O indicador utilizado no presente estudo re- ciados ao desfecho do estudo mostram a realida-
ferente à proporção de exames citopatológicos de do sistema de saúde no contexto da assistência
cervico-vaginal contribui na avaliação da oferta oncológica. Isso aponta para a necessidade de
de exames preventivos para o câncer do colo do reorientação de políticas públicas de saúde, que
útero no Brasil. Entretanto, o indicador não retra- devem ser direcionadas para as mulheres com
ta a real cobertura populacional do exame. Vale maior risco de desenvolvimento do câncer do
salientar que este se refere à população feminina colo do útero e em localidades com menor cober-
que tem acesso ao exame citopatológico exclusi- tura da citologia oncótica. A melhor organização
vamente pelo sistema público de saúde brasilei- e estruturação da rede de atenção oncológica nas
ro58, o que pode ser considerado uma possível regiões mais desassistidas proporcionará diag-
limitação do estudo. Cumpre ressaltar as limita- nósticos mais adequados e em tempo oportuno
ções da análise do estadiamento avançado em de- no sistema público de saúde brasileiro.
10
Oliveira NPD et al.

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