Ciência: & Saúde Coletiva
Ciência: & Saúde Coletiva
Ciência: & Saúde Coletiva
TEMAS LIVRES
Social inequalities in the diagnosis of cervical cancer in Brazil:
a hospital-based study
Abstract The scope of this study is to analyze the Resumo O estudo visa analisar a prevalência de
prevalence of advanced stage diagnosis of cervical estadiamento avançado ao diagnóstico do câncer
cancer and its association with individual and do colo do útero e sua associação com indicado-
contextual socioeconomic and healthcare service res individuais e contextuais socioeconômicos e
indicators in Brazil. A cross-sectional study was de oferta de serviços de saúde no Brasil. Estudo
conducted using cervical cancer cases in women transversal, realizado com casos de câncer do colo
aged 18 to 99 years, from 2006 to 2015, extracted do útero em mulheres de 18 a 99 anos, no perí-
from the Hospital Cancer Registry (HCR) Inte- odo de 2006 a 2015, extraídos do Integrador de
grator. Contextual variables were collected from Registros Hospitalares de Câncer. Variáveis con-
the Atlas of Human Development in Brazil; the textuais foram coletadas no Atlas do Desenvolvi-
National Registry of Health Institutions (NRHI); mento Humano, no Cadastro Nacional de Estabe-
and the Outpatient Information System. Multi- lecimentos de Saúde e no Sistema de Informações
1
Departamento de
Fisioterapia, Universidade level Poisson Regression with random intercept Ambulatoriais. Usou-se o modelo de regressão de
de Pernambuco. BR 203 was used. The prevalence of advanced stage di- Poisson multinível com intercepto aleatório. A
Km 2 s/n, Vila Eduardo.
agnosis was 48.4%, revealing an association with prevalência de diagnóstico em estádio avançado
56328903 Petrolina
PE Brasil. older age groups (PR 1.06; CI 1.01-1.10), black, foi de 48,4%, apresentando associação com idades
[email protected] brown, and indigenous race/skin color (PR 1.04; mais avançadas (RP 1,06; IC 1,01-1,10), raça/cor
2
Divisão de Vigilância
CI 1.01-1.07), lower levels of schooling (PR 1.28; da pele preta, parda e indígena (RP 1,04; IC 1,01-
e Análise de Situação,
Instituto Nacional de CI 1.16-1.40), no marital partner (PR 1.10; CI 1,07), menores níveis de escolaridade (RP 1,28;
Câncer, Ministério da 1.07-1.13), public referral to the health service IC 1,16-1,40), ausência de parceiro conjugal (RP
Saúde. Rio de Janeiro RJ
(PR 1.07; CI 1.03-1.11), and lower rates of cyto- 1,10; IC 1,07-1,13), encaminhamento do tipo pú-
Brasil.
3
Programa de Pós- logical examination (PR 1.08; CI 1.01-1.14). The blico ao serviço de saúde (RP 1,07; IC 1,03-1,11) e
Graduação em Saúde results reinforce the need for improvements in the menor taxa de realização de exame citopatológico
Coletiva, Departamento
national cervical cancer prevention program in (RP 1,08; IC 1,01-1,14). Os resultados reforçam a
de Saúde Coletiva,
Universidade Federal do Rio areas with low coverage of oncotic cytology. necessidade de melhorias no programa nacional
Grande do Norte. Natal RN Key words Health status disparities, Cervical can- de prevenção do câncer do colo do útero em áreas
Brasil.
cer, Hospital records, Advanced stage diagnosis com baixa cobertura da citologia oncótica.
4
Programa de Pós-
Graduação em Demografia, Palavras-chave Disparidades nos níveis de saú-
Escola de Saúde, de, Câncer do colo do útero, Registros hospitala-
Universidade Federal do Rio
res, Diagnóstico tardio
Grande do Norte. Natal RN
Brasil.
Cien Saude Colet 2024; 29:e03872023
2
Oliveira NPD et al.
variáveis dependentes, foi efetuado o teste de ten- menores níveis de escolaridade (nenhuma e fun-
dência (p trend) para as variáveis que compõem o damental incompleto: RP 1,28; IC 1,26-1,40) em
modelo multinível final26. Toda a análise foi reali- comparação com o nível superior de educação;
zada utilizando o software Stata 15.1.27 não ter parceiro conjugal (RP 1,10; IC 1,07-1,13),
O uso de dados secundários de acesso públi- quando comparado a ter parceiro fixo; e à origem
co sem possibilidade de identificar os indivídu- do encaminhamento do tipo público (RP 1,07;IC
os torna dispensável o parecer de um comitê de 1,03-1,11), em comparação com o serviço onco-
ética em pesquisa, de acordo com a Resolução lógico privado de saúde. No nível 2, agregado por
580/201828. UF, o estadiamento avançado apresentou asso-
ciação com a baixa proporção de exame citopa-
tológico cervico-vaginal (RP 1,08; IC 1,01-1,14),
Resultados quando comparado às UF com elevadas propor-
ções de realização do exame.
No período avaliado foram registrados nos RHC
brasileiros 125.356 casos de neoplasia maligna
do colo do útero em mulheres de 18 a 99 anos Discussão
de idade. O fluxograma apresentado na Figura 1
resume o processo de elegibilidade dos casos nas Os resultados do estudo mostram que o diag-
etapas de análise dos dados do estudo. nóstico em estadiamento avançado do câncer do
A proporção de diagnóstico em estadiamen- colo do útero no período estudado apresentou
to avançado do câncer do colo do útero foi de prevalência de 48,4%, sendo mais expressivo nas
48,41% (IC 48,03-48,79) (Figura 2). As maio- UF das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste
res proporções de diagnóstico em estadiamen- do Brasil. O estadiamento avançado ao diagnós-
to avançado se concentram na região Nordeste, tico do câncer apresentou associação com fatores
com ênfase aos estados do Rio Grande do Norte individuais e contextuais de acesso aos serviços
(65,2%), Pernambuco (62,5%) e Alagoas (62,4%), de saúde.
e nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde Tocan- O percentual de mulheres com câncer do colo
tins (60,7%) e Mato Grasso (59,2%) se destacam, do útero em estadiamento III ou IV ao diagnós-
respectivamente. Os estados da região Sul do tico no Brasil e em todas as suas UF apresentou
país figuram com taxas de estadiamento avança- maior magnitude do que a observada em países
do mais altas do que a média nacional. No Rio de alta renda, como Estados Unidos (29,8%)29 e
Grande do Sul, 54,6% dos casos de câncer do colo Inglaterra (23,8%)30. No entanto, mostrou valo-
do útero são diagnosticados em estádios avança- res semelhantes ao observado em países de bai-
dos. Na região Norte, Acre (54,3%) e Amazônia xa renda que não têm programa de rastreamen-
(53,8%) apresentam as maiores prevalências de to e linha de cuidado para o câncer do colo do
diagnóstico avançado deste tipo de câncer. útero universal e gratuito, como Índia (50,4%)9
A Tabela 1 apresenta as prevalências e RP e Marrocos (54,5%)10. A prevalência de estadia-
não ajustadas para o estadiamento avançado do mento em estágio avançado ao diagnóstico no
câncer do colo do útero no Brasil. O diagnóstico Brasil tem mantido valores acima de 46,0%, no
em estádio avançado apresentou associação esta- presente estudo e em pesquisas realizadas nos
tisticamente significante com todas as variáveis recortes históricos de 2000 a 2009 (46,5%) e de
individuais (idade, raça/cor, escolaridade, estado 2000 a 2012 (46,7%)8,11. O diagnóstico em estágio
conjugal e origem do encaminhamento) e com va- avançado da doença está associado a pior prog-
riáveis contextuais de oferta de serviços de saúde nóstico, com reduzidas possibilidades efetivas de
(densidade de médicos especialistas em oncologia tratamento e cura31,32.
e taxa de realização de exames citopatológicos). O sistema de saúde brasileiro apresenta fragi-
Na análise multinível dos dados (Tabela lidades na prevenção e no controle do câncer. No
2), o estadiamento avançado do câncer do colo período de 2000 a 2012 houve aumento de 1,10%
do útero foi associado a variáveis individuais e ao ano (IC 0,80-1,50) do estadiamento III ou IV
contextuais de oferta de serviços de saúde, apre- nos casos de câncer do colo do útero8. Advoga-se
sentando associação com: idade mais avançada que essa realidade esteja associada às caracterís-
(70 anos e mais: RP 1,06; IC 1,01-1,10), quando ticas do nosso programa de rastreamento, que
comparada a faixas etárias mais jovens; raça/ é oportunístico, e assim muitas mulheres fazem
cor da pele preta, parda e indígena (RP 1,04; IC mais exames do que o recomendado, enquanto as
1,01-1,07), comparada à raça/cor da pele branca; mulheres com maior risco para a doença nunca
5
Figura 1. Fluxograma com a descrição do processo de seleção dos casos analíticos de câncer do colo do útero no
período de 2006 a 2015 do Integrador dos Registros Hospitalares de Câncer.
Fonte: Autores.
(A) (B)
65,21
62,48
62,39
60,68
59,18
54,56
54,35
53,85
52,91
51,01
48,86
48,74
48,41
48,13
47,31
46,95
46,56
45,84
45,36
44,99
50
43,51
43,11
42,08
41,73
39,82
38,66
38,16
CE
SP
PI
SC
ACS
AM
RR
SE
BR BES
AS A
IL
MR
G
PB
AP
A
RO
S
DJ
F
PA
O
RN
PE
TOL
T
R
R
M
A
P
M
Figura 2. Distribuição espacial da proporção de diagnóstico em estadiamento avançado nos casos de câncer do
colo do útero no Brasil, no período de 2006 a 2015, por UF (n = 65.685).
Fonte: Autores.
o realizam (negras, com idade acima de 50 anos, alterações citopatológicas muito abaixo do que é
baixa escolaridade e residentes nas regiões Norte esperado para um país com alta taxa de incidên-
e Nordeste)33,34. Adiciona-se a tal cenário proble- cia e mortalidade pela doença35. Como resultado,
mas associados a coleta, armazenamento e leitura os programas de rastreio do câncer do colo do
dos exames, altas taxas de lâminas rejeitadas35,36, útero apresentam cobertura desigual nesses paí-
índice de positividade inferior ao recomendado e ses, com qualidade heterogênea e baixa eficácia37.
6
Oliveira NPD et al.
Tabela 1. Prevalência e razões de prevalência não ajustadas para estadiamento tardio do câncer do colo do útero,
segundo características individuais e variáveis contextuais, no Brasil, segundo UF de residência, exceto SP (n = 54.344).
Estadiamento
avançado
n % RP IC (95%) p
Variáveis individuais
Faixa etária
18 a 29 anos 1.112 43,3 0,88 0,83-0,94 < 0,001*
30 a 39 anos 4.209 43,3 0,88 0,85-0,92
40 a 49 anos 6.531 48,6 1,00
50 a 59 anos 6.630 52,5 1,08 1,04-1,12
60 a 69 anos 4.627 50,4 1,04 1,01-1,08
70 anos e mais 3.587 52,8 1,09 1,04-1,13
Raça/cor da pele
Preta, parda e indígena 15.190 50,3 1,05 1,01-1,08 0,004*
Branca e amarela 8.749 48,8 1,00
Escolaridade
Nenhuma/ens. fundamental incompleto 14.203 50,9 1,36 1,23-1,49 < 0,001*
Ens. fundamental completo 3.722 47,0 1,26 1,14-1,39
Ens. médio/ens. superior incompleto 2.701 43,2 1,15 1,04-1,27
Superior completo 445 37,6 1,00
Estado conjugal
Sem parceiro 13.483 51,3 1,11 1,08-1,13 < 0,001*
Com parceiro 10.430 46,3 1,00
Origem do encaminhamento ao serviço oncológico
Público (SUS) 19.972 50,4 1,09 1,05-1,13 < 0,001*
Privado/convênio 3.897 43,5 1,00
Variáveis contextuais socioeconômicas
Índice de Gini
0,49-0,56 9.945 49,9 1,00 0,525
0,57-0,61 14.154 47,6 1,01 0,88-1,13
0,62-0,65 2.597 55,7 1,09 0,92-1,28
IDH
0,63-0,68 10.216 48,7 1,05 0,90-1,21 0,482
0,69-0,74 7.982 50,6 1,09 0,95-1,26
0,75-0,82 8.498 48,3 1,00
Variáveis contextuais de oferta de serviços de saúde
Densidade de médicos especialistas em oncologia
1,00-4,60 9.289 47,5 0,99 0,96-1,03 0,001*
4,70-14,10 9.357 50,1 1,05 1,02-1,09
14,20-48,30 8.050 49,9 1,00
Densidade de médicos ginecologistas
02,20-11,30 8.700 46,9 1,05 0,91-1,21 0,478
11,40-16,50 9.559 53,0 1,07 0,93-1,24
16,60-48,60 8.437 47,5 1,00
Densidade de serviços de saúde especializados em oncologia
0,00-1,90 8.566 47,0 0,97 0,89-1,06 0,098
2,00-2,60 9.553 49,9 0,94 0,87-1,00
2,70-5,60 8.577 50,6 1,00
Proporção de exames citopatológicos
0,00-10,40 9.082 48,0 1,06 1,00-1,13 0,001*
10,50-12,40 9.924 51,0 0,99 0,93-1,03
12,50-19,50 7.690 48,3 1,00
RP: razão de prevalência estimada pelo modelo de Poisson multinivel; IC: intervalo de confiança; p: teste de Wald; *
estatisticamente significativo.
Fonte: Autores.
7
Modelo 1 Modelo 2
Modelo
Variáveis
Vazio
RP (IC 95%) p RP (IC 95%)) p
Nível 1 (individual)
Faixa etária
18 a 29 anos 0,90 (0,84-0,96) <0,001 0,90 (0,84-0,96) < 0,001 *
30 a 39 anos 0,90 (0,86-0,93) 0,90 (0,86-0,93)
40 a 49 anos 1,00 1,00
50 a 59 anos 1,07 (1,04-1,11) 1,07 (1,04-1,11)
60 a 69 anos 1,02 (0,99-1,06) 1,02 (0,99-1,06)
70 anos e mais 1,06 (1,01-1,10) 1,06 (1,01-1,10)
Raça/cor da pele
Preta, Parda e Indígena 1,03 (1,00-107) 0,047 1,04 (1,01-1,07) 0,041
Branca e Amarela 1,00 1,00
Escolaridade
Nenhuma/ens. fundamental 1,28 (1,16-1,40) <0,001 1,28 (1,16-1,40) < 0,001
incompleto
Ens. fundamental completo 1,22 (1,10-1,34) 1,21 (1,10-1,34)
Ens. médio/ens. superior incompleto 1,14 (1,03-1,26) 1,14 (1,03-1,26)
Superior completo 1,00 1,00
Estado conjugal
Sem parceiro 1,10 (1,07-1,13) <0,001 1,10 (1,07-1,13) < 0,001
Com parceiros 1,00 1,00
Origem do encaminhamento ao serviço
oncológico
Público (SUS) 1,07 (1,03-1,11) <0,001 1,07 (1,03-1,11) < 0,001
Privado/convênio 1,00 1,00
Nível 2 (agregado UF)
Proporção de exames citopatológicos
0,00-10,40 1,08 (1,01-1,14) 0,001 *
10,50-12,40 0,99 (0,94-1,03)
12,50-19,50 1,00
Efeitos Fixos
Intercepto -0,707 0,349 0,342
(IC 95%) (-0,76--0,65) (0,31-0,39) (0,30-0,39)
Efeitos Aleatórios
Variância 0,020 0,017 0,018
(IC 95%) (0,01-0,04) (0,01-0,03) (0,01-0,04)
LR Test 400,77 318,36 322,15
(x², p-valor) (<0,001) (<0,001) (<0,001)
RP: razão de prevalência ajustada estimada pelo modelo multinível com intercepto aleatório; IC: intervalo de confiança; p: teste de
Wald; * p trend ≤ 0,05. Modelo 1: modelo estatístico com inclusão das variáveis de nível individual; Modelo 2: modelo estatístico
com inclusão das variáveis de nível individual e nível contextual por UF.
Fonte: Autores.
O acesso aos serviços de saúde é fator deter- serviços de saúde, por meio do baixo acesso aos
minante para o diagnóstico do câncer do colo do exames citopatológicos cervico-vaginais.
útero em tempo oportuno. Os resultados deste O processo de colonização e exploração do
estudo mostram associação do diagnóstico em Brasil gerou desigualdades interterritoriais, com
estadiamento avançado com o acesso público aos atividades produtivas e complexos econômicos
8
Oliveira NPD et al.
centralizados nas regiões Sul e Sudeste e no li- mento ginecológico após o período reproduti-
toral da região Nordeste38,39. Desigualdades que vo45. Além disso, nas mulheres idosas ocorre um
também são refletidas nas condições de saúde de processo de história natural diferenciada devido
diferentes populações, no nível de exposição aos à redução das células de zona de transformação
fatores de risco e proteção, nas causas de adoe- (menor período pré-invasivo) e a alterações no
cimento e morte e no acesso diferenciado aos sistema imunológico11,29,46.
recursos e serviços disponíveis no sistema de As mulheres brasileiras pretas, pardas e indí-
saúde40,41. genas apresentaram maior chance do diagnóstico
A própria organização do SUS reproduz es- em estádio avançado de câncer do colo do útero.
sas desigualdades. Os serviços e equipamentos Em estudo realizado no período de 2000 a 2009,
de média e alta complexidade se concentraram as mulheres pretas apresentaram 20,0% maior
nas capitais e metrópoles, notadamente localiza- chance para esse desfecho em relação às bran-
das no eixo Centro-Sul do país. Esse padrão de cas11. Situação mais agravante foi observada entre
distribuição e fragmentação da oferta resulta em as mulheres indígenas (OR 2,38; IC 1,06-5,33) no
iniquidades geográficas de acesso aos serviços de período de 2000 a 20128. Também houve maior
saúde no país40,41, o que contribui para os maiores probabilidade de diagnóstico em estadiamento
percentuais de diagnóstico de câncer em estágio III ou IV em mulheres de baixa escolaridade,
avançado nas mulheres residentes nas regiões corroborando os achados de outros estudos8,11.
Norte e Nordeste, em comparação com as mo- Destaca-se que pode ocorrer interação entre as
radoras do Sul e Sudeste8,11. Bem como contribui duas variáveis, nível de escolaridade e raça/cor da
para a manutenção de tendência temporal ascen- pele, já que as mulheres negras, pardas e indíge-
dente, o aumento do risco de morte por câncer nas apresentam menores níveis de escolaridade
do colo do útero nos quinquênios dos anos 2000, em relação às brancas.
com altas taxas de mortalidade nos estados Nor- Essas desigualdades se devem ao modo como
te e Nordeste do Brasil, apresentando coeficientes as pessoas estão organizadas socialmente, dentro
semelhantes aos de países que não têm sistema de de uma estrutura hierarquizada por valores sim-
saúde universal e gratuito42,43. bólicos e materiais, e na sociedade brasileira o
É importante destacar que, no presente estu- racismo é o principal fator associado às desigual-
do, os estados da região Norte apresentam valo- dades em saúde. Processo que naturaliza a vio-
res inferiores aos observados no Nordeste do país lentação desses corpos desde o período colonial
para as taxas de diagnóstico em estadiamento até os dias atuais, gerando milhares de mortes
avançado do câncer do colo do útero. Resulta- devido à negação do acesso à saúde, à educação,
dos que podem sugerir dificuldade de acesso aos ao trabalho e à renda, culminando na manuten-
serviços de saúde e a possível ausência de notifi- ção de altas taxas de incidência e mortalidade por
cação de tais dados aos RHC dessas localidades. doenças evitáveis47.
Essas disparidades geográficas observadas impli- As iniquidades observadas na população e no
cam dificuldades significativas para a população território brasileiro não estão sendo corrigidas
feminina que vive nessas regiões, resultando em pelo sistema de saúde. As políticas Nacional de
migração de longas distâncias para obter atendi- Controle do Câncer do Colo do Útero (PNCC)
mento oncológico especializado44. e de Atenção Oncológica (PNAO) foram im-
No presente estudo, o diagnóstico em estádio plementadas sem um estudo mais acurado das
avançado esteve associado a variáveis individuais iniquidades inter-regionais, gerando equidade
(idade, raça/cor da pele, escolaridade estado civil, reversa48-50. Novas intervenções em saúde pública
tipo de encaminhamento aos serviços de saúde) são, inicialmente, mais acessíveis e utilizadas por
e contextual (taxa de realização de citologia on- pessoas com situação econômica mais favorável,
cótica). ampliando as desigualdades em saúde já existen-
As mulheres com idade a partir de 50 anos tes. Após um tempo, em geral quando o impac-
mostraram maior chance de diagnóstico do cân- to da intervenção nos grupos mais ricos atinge
cer do colo uterino em estadiamento avançado, seu limite, a política passa a ser gradativamente
assim como as que viviam sem companheiro, re- mais acessível pela população menos favorecida.
sultados semelhantes aos apresentados por estu- O que explica em partes a menor cobertura do
dos brasileiros8,11 e internacionais9,10,29,30. A cober- exame de rastreamento em mulheres negras, in-
tura do rastreamento do câncer do colo do útero dígenas e de baixa escolaridade33,34,45.
apresenta gradiente negativo com o avançar da No Brasil, a realização do exame citopatoló-
idade, pois há uma menor procura por atendi- gico é recomendada para todas as mulheres com
9
Colaboradores Referências
Todos os autores contribuíram significativamen- 1. Sung H, Ferlay J, Siegel RL, Laversanne M, Soerjo-
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3. Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel LR, Torre LA,
O estudo foi parcialmente financiado pela Co- Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN
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