Ciência: & Saúde Coletiva

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Ciência & Saúde Coletiva

cienciaesaudecoletiva.com.br DOI: 10.1590/1413-81232024296.00382023


ISSN 1413-8123. v.29, n.6

Organizações sociais de saúde: análise sobre as especialidades 1

e exames contratados pelo Estado de São Paulo, Brasil

TEMAS LIVRES
Social health organizations: an analysis of the specialties
and exams contracted by the State of São Paulo, Brazil

Gabriella Bigossi (https://orcid.org/0000-0002-7728-7009) 1


Francis Sodré (https://orcid.org/0000-0003-4037-9388) 1,2
Lorena Estevam Martins Fernandes (https://orcid.org/0000-0002-6113-4817) 1
Gabriella Barreto Soares (https://orcid.org/0000-0003-1382-9339) 3
Fabiana Turino (https://orcid.org/0000-0002-5291-1346) 1

Abstract Social Health Organizations (SHOs) Resumo As organizações sociais de saúde (OSS)
are private entities that receive resources from são entidades privadas que recebem repasses de
governments for the management of public he- governos para gestão de serviços públicos de saú-
althcare services. With the history of market de. Com o histórico de interesses mercadológicos
interest in public health and the high volume of na saúde pública e o aporte de vultosos recursos
resources transferred to SHOs, one must ques- às OSS, questiona-se se a lógica de mercado per-
tion if the market logic continues to be inserted manece inserida nesse modelo de gestão. Conhe-
in this management model. The understanding cer a dinâmica da oferta de serviços à população
of the dynamics of providing healthcare services ao longo das contratações pode ajudar a compre-
to the population in the different contracts may ender como se comportam as possíveis altera-
help to understand how possible changes in the ções nos serviços contratados. Trata-se de estudo
contracted services may have an influence. This descritivo-exploratório com abordagens quanti
is a descriptive-exploratory study using quanti- e qualitativa. Realizou-se pesquisa documental
tative and qualitative approaches. Documental com coleta de dados dos contratos de gestão e ter-
research was conducted through the collection of mos aditivos. A escolha pelo estado de São Paulo
data from management contracts and amend- se deu por este ter sido pioneiro na implantação
ments. The State of São Paulo was chosen be- da gestão de serviços do SUS por OSS e pela sua
1
Programa de Pós-
cause of its economic representativeness and for representatividade econômica. Especialidades
Graduação em Saúde being the pioneer state in the implementation of médicas foram incluídas em 184 repactuações
Coletiva, Universidade SUS services managed by SHO. Medical special- (6,14%) e excluídas em 187 (6,24%), enquanto as
Federal do Espírito Santo.
Av. Marechal Campos
ties were included in 184 renegotiations (6.14%) não médicas foram incluídas em 26 repactuações
1468, Bonfim. 29047-105 and excluded in 187 (6.24%), whereas non-me- (2,97%) e excluídas em 144 (16,44%). Quanto
Vitória ES Brasil. dical services were included in 26 renegotiations aos exames, 101 repactuações (18,07%) aumen-
[email protected]
2
Departamento de Serviço
(2.97%) and excluded in 144 (16.44%). Regar- taram metas e 60 (10,73%) reduziram, enquanto
Social, Universidade Federal ding examinations, 101 renegotiations (18.07%) 6 repactuações (1,07%) incluíram exames e 12
do Espírito Santo. Vitória had their goals increased and 60 (10.73%) re- (2,14%) excluíram.
ES Brasil.
3
Departamento de
duced, while 6 renegotiations (1.07%) included Palavras-chave Organização social, Sistema
Promoção da Saúde, Centro exams and 12 (2.14%) excluded them. Único de Saúde, Gestão de serviços de saúde
de Ciências Médicas, Key words Social organization, Unified Health
Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). João Pessoa
System, Management of health services
PB Brasil.
Cien Saude Colet 2024; 29:e00382023
2
Bigossi G et al.

Introdução resses de mercado estejam inseridos na complexa


administração dos serviços que compõem a rede
As organizações sociais (OS) são entidades pri- do SUS.
vadas sem fins lucrativos que recebem repasses O estado de São Paulo (SP), para além de sua
financeiros públicos dos governos para gestão importância econômica, sendo o mais represen-
de atividades que seriam, inicialmente, respon- tativo perante a região sudeste e o Brasil5, foi o
sabilidade direta do Estado, por se tratarem de primeiro a implementar, em 1998, uma legislação
direitos fundamentais previstos na Constituição regulamentando a atuação das OSS6. Tem ainda o
Federal de 1988, como o direito à Saúde1. No en- maior número de contratos e aditivos pactuados
tanto, a iniciativa privada atuante no setor, acos- com as organizações sociais de saúde, e concen-
tumada até antes da criação do Sistema Único de tra a maioria das organizações, sendo território de
Saúde (SUS) a vender leitos, serviços e insumos atuação das maiores OSS do Brasil7. Muitos dos
para o poder público – que até então não tinha estudos disponíveis na literatura sobre o tema se
uma rede estruturada de saúde –, garantiu no referem a SP, uma vez que este realiza há mais
processo constituinte sua participação no sistema tempo parcerias com o terceiro setor. Com isso,
de forma complementar. apostou-se que os dados mais representativos so-
Logo após a implementação do SUS, ainda na bre as OSS no país estariam inseridos nesse estado.
década de 1990, foi lançado o Plano Diretor da Sendo assim, esta pesquisa se delineou em torno
Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE). Essa dos contratos e aditivos pactuados com a Secreta-
reforma propôs o processo de publicização, ou ria Estadual de Saúde de São Paulo (SES/SP).
seja, a transferência para o terceiro setor (entida- Nesse contexto, o objetivo foi analisar as espe-
des privadas sem fins lucrativos) da execução de cialidades e exames pactuados nos CG e TA firma-
serviços não exclusivos do Estado, como pesquisa dos entre as OSS e a SES/SP, englobando análise
científica, educação, cultura e saúde, enfatizando da dinâmica da oferta desses serviços ao longo das
como solução o modelo de administração geren- contratualizações. Considerando que dados sobre
cial. O documento alega incapacidade da admi- especialidades e exames diagnósticos estavam dis-
nistração pública burocrática de atender a sobre- poníveis nos documentos contratuais acessíveis
carga de demandas dirigidas ao Estado, sobretudo nos sítios eletrônicos do estado de SP, sua escolha
na área social, e faz uma crítica a essa forma de como objeto deveu-se ao fato de que, durante a
administração como sendo rígida e ineficiente2. leitura flutuante8 do universo amostral dos con-
Com o histórico de interesses mercadológicos tratos e aditivos com assinatura entre 2013 e 2017,
da iniciativa privada na saúde pública e o aporte observou-se que a grande maioria dos contratos
de vultosos recursos públicos destinados às orga- tratavam da gestão de ambulatórios médicos de
nizações sociais de saúde (OSS) durante vários especialidades e hospitais com oferta de serviços
anos3, questiona-se se a lógica de mercado per- ambulatoriais, além de exames (entre gestão de
manece inserida no modelo de gestão dessas ins- outros equipamentos, como Central de Regulação
tituições. O incremento contínuo das OSS na ad- e Centro Estadual de Armazenamento e Distri-
ministração de serviços do SUS tem ocorrido sem buição de Insumos de Saúde). Além disso, per-
mais profundos estudos que apontem efetividade cebeu-se constantes mudanças nas quantidades
nos resultados desse tipo de gestão4, o que traz à e qualidades desses serviços contratados, então
tona a necessidade de mais pesquisas que estejam buscou-se averiguar quais seriam essas alterações.
empenhadas em desvelar os efeitos dessas parce- É importante mencionar que este estudo
rias em serviços de saúde ofertados aos cidadãos. integrou, em âmbito nacional, o projeto de pes-
Essas pactuações entre OSS e Estado estão, ou quisa “Complexo econômico industrial da saúde
deveriam estar, previstas e acessíveis em docu- (CEIS), inovação e dinâmica capitalista: desafios
mentos contratuais: os contratos de gestão (CG) estruturais para a construção do sistema univer-
e termos aditivos (TA). Conhecer a dinâmica da sal no Brasil” (CNPq nº 405077/2013-0).
oferta de serviços à população ao longo das con-
tratualizações realizadas entre as OSS e as secre-
tarias de saúde pode ajudar a compreender como Métodos
se comportam essas parcerias no que se refere a
possíveis alterações nos serviços contratados. É Trata-se de estudo descritivo-exploratório com
necessário que haja controle e transparência na abordagens quantitativa e qualitativa. Realizou-
forma como entidades privadas como as OSS rea- -se pesquisa documental com coleta de dados
lizam a gestão pública, já que é possível que inte- dos CG e TA pactuados entre as OSS e a SES/SP.
3

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A leitura e análise das informações contratuais pactuações em TA ou em CG “contínuos” – aque-
foram facilitadas pelo fato de os documentos ne- les que dão continuidade ao último contrato e
cessários ao estudo estarem disponibilizados no seus aditivos. Uma especialidade foi considerada
Portal de Transparência da respectiva secretaria. “incluída” todas as vezes que apareceu em TA ou
Por se tratarem de informações de interesse pú- em CG contínuo, não tendo sido contratada no
blico, sua coleta teve respaldo pela lei nº 12.527 primeiro CG estudado. Por outro lado, uma espe-
de 20119, a Lei de Acesso à Informação, que cialidade foi considerada “excluída” todas as ve-
transforma em direito constitucional o acesso a zes que desapareceu em TA ou em CG contínuo,
essas informações. tendo sido identificada na primeira pactuação.
Selecionou-se para este estudo a totalidade Para obtenção dos percentuais desta análi-
de contratos e aditivos de SP que tivessem dados se, considerou-se como unidade de repactuação
de pactuação de especialidades e/ou de exames cada possibilidade de (re/des)contratação da
contratados, com assinatura compreendida no especialidade, dada pela característica do docu-
período de 2013 a 2017, referentes à gestão dos mento contratual de conter o dado pertinente.
seguintes estabelecimentos que prestam assis- Mostrou-se necessário utilizar como denomi-
tência direta à saúde da população: ambulatórios nador a soma das repactuações apenas dos do-
médicos de especialidades (AME), centros de re- cumentos que trazem as especialidades, pois do
ferência do idoso (CRI), hospitais gerais e mater- contrário o cálculo percentual das inclusões e
nidades. Excluiu-se os TA que, apesar de terem exclusões não traria um valor real, mas subesti-
assinatura no período estudado, se referiam a mado, já que algumas repactuações não trazem
CG anteriores a 2013, e também os TA e CG com dados de especialidades. Utilizou-se então a se-
data de assinatura dentro do escopo, mas com guinte fórmula para gerar o percentual real de
efeitos para 2018. Apesar de o estudo ter uma li- especialidades incluídas e excluídas: divisão do
mitação na amostra, que não abarcou os TA refe- total de TA e CG contínuos (repactuações) que
rentes a CG anteriores a 2013, enfatizamos que a incluem ou excluem especialidades (numerador)
totalidade das unidades de saúde de média e alta pelo total de repactuações possíveis de terem es-
complexidade do estado de São Paulo foi analisa- sas alterações (denominador), multiplicado por
da, não havendo alteração na base populacional cem. Fez-se o cálculo para cada especialidade e
do estudo. considerando todas juntas. Estabeleceu-se então
Para a análise dos dados, primeiro os termos outro ranking: as especialidades médicas e não
aditivos foram categorizados de acordo com o médicas mais incluídas e excluídas.
que estava previsto nos objetos contratuais. Em
seguida, procedeu-se à tabulação das unidades Análise dos serviços de apoio diagnóstico
analíticas de interesse em planilha elaborada no e terapêutico externo
programa Microsoft Office Excel. Todas as espe-
cialidades médicas e não médicas contratadas, Quanto aos exames ofertados pelos servi-
bem como os exames diagnósticos ofertados, fo- ços de apoio diagnóstico e terapêutico externo
ram planilhados e suas alterações mapeadas. (SADT externo), referem-se, de acordo com os
Anexos Técnicos I (Descrição de Serviços) dos
Análise das especialidades documentos contratuais, a exames ofertados a
pacientes externos à unidade de saúde em ques-
Nesta análise, verificou-se quais foram as es- tão, ou seja, “àqueles pacientes que foram enca-
pecialidades médicas e não médicas pactuadas minhados para realização de atividades de SADT
nos estabelecimentos de saúde que prestam ser- por outros serviços de saúde, obedecendo ao
viços assistenciais e estabeleceu-se um ranking fluxo estabelecido pela Secretaria Estadual de
das mais e menos contratadas. Considerou-se a Saúde”.
especialidade contratada por estabelecimento de Nesta análise, verificou-se o total de estabele-
saúde caso ela tenha aparecido ao menos uma cimentos onde os exames foram ofertados e esta-
vez nos documentos contratuais ao longo de toda beleceu-se um ranking dos exames mais e menos
a vigência estudada. contratados, e ainda dos exames com a maior
Verificou-se também o total de repactuações ampliação da oferta (considerando os aumen-
com possibilidade de serem encontradas altera- tos nas quantidades de exames contratados e as
ções nas especialidades. O objetivo da obtenção inclusões de novos exames) e maior redução da
desse total foi realizar o cálculo do percentual de oferta (seja através de diminuições nas quantida-
inclusões e exclusões de especialidades nas re- des de exames contratados, seja pelas exclusões
4
Bigossi G et al.

de exames), considerando os estabelecimentos de No Quadro 1 temos o ranking das especialidades


saúde pesquisados. médicas mais e menos contratadas, e também
Importante pontuar que os tipos e quantida- das especialidades não médicas mais e menos
des de exames previstos nos TA com a repactua- contratadas, bem como a quantidade de estabe-
ção para o exercício subsequente, bem como nos lecimentos em que elas aparecem.
CG contínuos, foram comparados aos documen- Quanto ao total de inclusões, 30 (68,18%)
tos contratuais referentes à vigência anterior para de um total de 44 especialidades médicas e 4
se estabelecer a inclusão/exclusão ou aumento/re- (44,44%) de um total de 9 especialidades não
dução da oferta do exame. Já os demais TA foram médicas foram incluídas por meio de TA em
comparados às pactuações previstas nos CG ou estabelecimentos onde estas não foram inicial-
TA de “repactuação” referentes à mesma vigência mente contratadas. Já em relação às exclusões, 37
contratual. Quanto ao total de exames contrata- (84,09%) especialidades médicas e 9 (100,00%)
dos, menciona-se uma limitação nesta análise, já especialidades não médicas foram excluídas ao
que se levou em conta apenas se a repactuação menos uma vez ao longo das contratualizações.
aumentou ou diminuiu a oferta, não sendo quan- Com relação ao total de repactuações possíveis
tificado o quanto essa oferta foi alterada. de terem alterações, por categoria de TA, bem
como o percentual de inclusões e exclusões de
especialidades médicas e não médicas, conside-
Resultados rando todas as categorias de TA estudadas, estes
estão descritos na Tabela 1.
Identificou-se, no site da SES/SP, 101 CG e 518 Além de uma variedade maior de especiali-
TA no período de 2013 a 2017, sendo recorte dades médicas excluídas (37), em relação às in-
desta pesquisa apenas os contratos e aditivos dos cluídas (30), o total de exclusões em repactuações
estabelecimentos com oferta de serviços assis- também foi maior (187), se comparado ao total
tenciais em que constam as especialidades con- de inclusões (184). O mesmo ocorre com as es-
tratadas e os exames diagnósticos ofertados. Os pecialidades não médicas, porém com um abis-
resultados estão apresentados de acordo com as mo maior entre o total de inclusões e exclusões:
etapas propostas na metodologia, englobando enquanto apenas quatro tipos de especialidades
diferentes recortes. foram incluídas, todas as nove especialidades
Quanto aos objetos contratuais dos termos não médicas foram excluídas pelo menos uma
aditivos, ao todo, foram identificadas nove ca- vez ao longo das contratualizações estudadas.
tegorias: 1) repactuação exercício subsequente Foram encontradas ainda cerca de 5,5 vezes mais
(RES); 2) ampliação/inclusão de serviços; 3) su- exclusões (144) do que inclusões (26) de especia-
pressão/exclusão de serviços; 4) projetos espe- lidades não médicas nas repactuações possíveis.
ciais/mutirões; 5) readequação/ajuste de metas O Quadro 2 mostra o ranking das especialidades
(com ou sem ajuste financeiro); 6) recursos de in- médicas e não médicas mais incluídas e excluí-
vestimento; 7) descontos no custeio por descum- das, bem como o total de inclusões e exclusões.
primento de metas; 8) outras retirratificações e; A pactuação de exames do SADT externo foi
9) termo de retificação. Para este estudo, apenas verificada nos 75 estabelecimentos de saúde ana-
as categorias 1, 2, 3 e 5 foram levadas em conside- lisados. Identificaram-se ao todo 11 tipos dife-
ração, já que as alterações nas pactuações de inte- rentes de exames contratados. O ranking dos três
resse estavam presentes apenas nessas categorias. exames mais e menos contratados e ainda dos
As especialidades médicas e não médicas apa- exames com oferta mais ampliada e mais reduzi-
receram em pactuações de 73 estabelecimentos da estão descritos no Quadro 3.
de saúde (48 AME, 1 CRI e 24 hospitais gerais). Quanto aos exames, 101 de 559 repactuações
Nesta análise, não se levaram em consideração as possíveis (18,07%) aumentaram metas, enquan-
duas maternidades encontradas, devido ao perfil to 6 repactuações (1,07%) incluíram exames,
diferenciado de especialidades contratadas, o que encontrando-se aumento de metas em 7 dos 11
poderia trazer distorções nesse recorte. Ao todo, tipos de exames. Destacam-se cinco TA da cate-
foram identificadas 47 especialidades médicas e 9 goria “repactuação exercício subsequente” e um
não médicas contratadas. Dessas, 44 especialida- da categoria “readequação/ajuste de metas” que
des médicas e 9 não médicas sofreram alterações incluíram quatro tipos de exames ao longo das
ao longo das contratualizações (não se observou contratualizações em três estabelecimentos de
alterações em três especialidades médicas con- saúde, enquanto dois TA da categoria “amplia-
tratadas, por não apresentarem repactuações). ção/inclusão de serviços” ampliaram a oferta do
5

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Quadro 1. Ranking das especialidades médicas e não médicas mais e menos contratadas em 73 estabelecimentos
de saúde do estado de São Paulo (2013 a 2017).
Especialidades Total de Especialidades Total de
mais contratadas estabelecimentos menos contratadas estabelecimentos
1ª Cardiologia 66 1ª Oftalmologia neonatal 1
1ª Ortopedia/ 1ª Oncoginecologia
traumatologia 1ª Urologia infantil
1ª Cirurgia oncológica
1ª Medicina do trabalho
2ª Cirurgia vascular 64 2ª Angiologia 2
Especialidades 2ª Ortopedia infantil
Médicas 3ª Cirurgia geral 63 3ª Endoscopia 3
Digestiva
3ª Pediatria
3ª Clínica geral médica
4ª Urologia 61 4ª Oncologia 6
5ª Dermatologia 60 5ª Cirurgia cardiovascular 9
5ª Oftalmologia
1ª Enfermagem 71 1ª Serviço social 15
2ª Nutrição 68 2ª Odontologia 20
Especialidades
3ª Psicologia 61 3ª Terapia ocupacional 30
Não Médicas1
4ª Fonoaudiologia 60 4ª Farmácia 37
5ª Fisioterapia 58
1
Ao todo, foram encontradas apenas nove especialidades não médicas contratadas.

Fonte: Autores.

Tabela 1. Total de repactuações possíveis de terem alterações, por categoria de TA, e percentual de inclusões e
exclusões de especialidades médicas e não médicas contratadas em 73 estabelecimentos de saúde do estado de
São Paulo (2013 a 2017).
Total de repactuações possíveis
Categorias de TA
Especialidades médicas Especialidades não médicas
Repactuação exercício subsequente 2770 818
Ampliação/inclusão de serviços 0 0
Supressão/exclusão de serviços 19 6
Readequação/ajuste de metas 207 52
Total de repactuações possíveis (%) 2.996 (100%) 876 (100%)
Total de inclusões (%) 184 (6,14%) 26 (2,97%)
Total de exclusões (%) 187 (6,24%) 144 (16,44%)
Fonte: Autores.

exame de “métodos diagnósticos em especialida- mes. Do total de exclusões, 12 TA da categoria


des”, um devido a proposta de ampliação da ativi- “repactuação exercício subsequente” excluíram a
dade assistencial para um hospital, outro decor- oferta de 7 dos 11 tipos de exames em 6 estabele-
rente da implantação do “Serviço Especializado cimentos de saúde.
em Oftalmo Retina” em um ambulatório médico
de especialidades (AME).
Com relação às reduções na oferta de exa- Discussão
mes, 60 de 559 repactuações (10,73%) reduziram
metas assistenciais, enquanto 12 repactuações Os dados das especialidades médicas demons-
(2,14%) excluíram exames. Encontrou-se redu- trados apontam para falta de comprometimen-
ção da oferta de serviços em 8 de 11 tipos de exa- to com as necessidades em saúde da população,
6
Bigossi G et al.

Quadro 2. Ranking das especialidades médicas e não médicas mais incluídas e excluídas em 73 estabelecimentos
de saúde do estado de São Paulo (2013 a 2017).
Total de Total de
Especialidades mais incluídas Especialidades mais excluídas
inclusões exclusões
1ª Anestesiologia 26 1ª Cirurgia geral 14
2ª Nefrologia 20 2ª Obstetrícia 13
3ª Endocrinologia infantil 18 3ª Cirurgia vascular 12
3ª Pneumologia infantil 3ª Endoscopia digestiva
3ª Proctologia
Especialidades
4ª Ginecologia 8 4ª Reumatologia 11
médicas
4ª Infectologia
4ª Proctologia
4ª Urologia
5ª Gastroenterologia 7 5ª Cirurgia torácica 10
5ª Oftalmologia
1ª Farmácia 12 1ª Serviço social 42
2ª Nutrição 6 2ª Psicologia 18
3ª Fonoaudiologia 4 3ª Nutrição 15
Especialidades
3ª Terapia ocupacional 3ª Fisioterapia
não médicas 1
4ª Farmácia 14
4ª Fonoaudiologia
5ª Terapia ocupacional 11
1
Apenas três de um total de nove especialidades não médicas foram incluídas.

Fonte: Autores.

Quadro 3. Ranking dos exames diagnósticos mais e menos contratados e com maior ampliação e redução da oferta
em 75 estabelecimentos de saúde do estado de São Paulo (2013 a 2017).
Exames mais Total de Total de
Exames menos contratados
contratados estabelecimentos estabelecimentos
1º Mamografia
1º Ultrassonografia 68 1º Densiometria óssea 1
1º Anatomia patológica/citopatológica
2º Endoscopia 61 2º Diagnóstico laboratorial clínico 2
3º Métodos diagnósticos
60 3º Medic. nuclear in vivo 4
em especialidades

Exames com maior Total de Exames com maior Total de


ampliação da oferta aumentos/inclusões redução da oferta reduções/exclusões

1º Métodos diagnósticos
1º Ultrassonografia 35 26
em especialidades
2º Radiologia
2º Endoscopia 25 14
2º Ultrassonografia
3º Métodos diagnósticos
24 3º Endoscopia 10
em especialidades
Fonte: Autores.

uma vez que o remanejamento de especialidades onde são retiradas e colocadas de acordo com a
ocorre de forma indiscriminada, como se ora fos- conveniência do poder público e das OSS.
sem necessárias para a saúde da população, ora No que se refere às especialidades não mé-
não, parecendo estar em um jogo mercadológico dicas, o fato do total de tipos de especialidades
7

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excluídas ter sido maior do que a quantidade de metas serem aumentadas em menor quantida-
incluída, bem como as vezes que essas desapa- de do que são diminuídas.
receram nas contratualizações também terem se Em uma análise similar à que foi feita nesta
sobreposto à quantidade de inclusões, demonstra pesquisa, Castro10 (p. 124) aponta que 80% dos
pouca priorização na multidisciplinaridade, des- serviços analisados no estado de São Paulo en-
tacando-se a redução e exclusão na oferta de ser- tre 2013 e 2017 tiveram, na maioria de suas re-
viços de profissionais não-médicos tão essenciais pactuações de exercícios subsequentes, aumento
para a integralidade da assistência. da meta mensal em relação à vigência anterior,
Quanto à relação entre as inclusões e exclu- contra apenas 20% que tiveram em sua maioria,
sões das especialidades nos CG e TA firmados redução. Com isso,
entre as OSS e a SES/SP ao longo tempo e a ofer- o esperado seria encontrar também aumento
ta de serviços para a população, pontua-se que na maioria dos serviços [...], o que não ocorreu:
mesmo um remanejamento causa transtorno à apenas 40% dos serviços tiveram sua oferta real
população usuária, visto que muitas vezes está ampliada em relação à oferta estimada nas pri-
acostumada à oferta de certa especialidade em meiras pactuações, contra 60% que acabaram com
uma determinada unidade de saúde e a retirada suas metas reduzidas em relação ao total estima-
de qualquer serviço daquele estabelecimento se do, demonstrando que as reduções nas ofertas es-
torna um dificultador no acesso. tão camufladas por supostos aumentos de serviços.
No entanto, o que se observa, considerando Se de um lado aumenta-se a meta mensal [...], de
que a totalidade dos estabelecimentos foi anali- outro, diminui-se em maior quantidade essas mes-
sada, é que existe sim a exclusão de serviços, pois mas metas [...], demonstrando que estes aumentos
mesmo que CG e TA anteriores não tenham sido são menores que as reduções.
analisados, a partir do estudo de determinado Apesar da experiência em São Paulo demons-
documento contratual observamos adiante a ex- trar remanejamento demasiado de serviços de
clusão desses serviços, muito mais do que inclu- saúde essenciais e falta de comprometimento
sões, em especial das especialidades não médicas. com a integralidade da atenção, princípio do
Seguindo a lógica de mercado, muitas vezes SUS, Sano e Abrucio11 (p. 77-78) avaliaram a
não se considera que tal especialidade seja neces- implantação da chamada Nova Gestão Pública
sária (lei da oferta e da procura), o que está in- em diferentes unidades federativas no país e en-
clusive previsto nos contratos quando permitem contraram que o modelo das OSS no Brasil “tem
o reajuste de metas de acordo com indicadores na experiência paulista o seu caso mais bem-
de produção anteriores. Mesmo que o serviço -sucedido”, no entanto, explicam que isso se dá,
não seja o mais utilizado, ainda assim é direito em parte, devido à “precariedade do modelo ou
do usuário o acesso a uma atenção integral. Mas de sua implementação nos outros estados e na
o que está previsto nesse tipo de parceria, e que União”. Afirmam ainda que apenas as legislações
também é responsabilidade da gestão governa- de Curitiba, Bahia e São Paulo preveem a obriga-
mental que se propõe a esse tipo de contrato, é toriedade de publicação na íntegra dos contratos
que na medida em que tal serviço seja mais ou de gestão, situando esses documentos como parte
menos demandado, ocorre uma pactuação de dos mecanismos de controle dos resultados.
quantidade maior ou menor daquele serviço, Além da falta de comprometimento com a
ocorrendo muitas vezes a sua exclusão, o que integralidade da atenção em saúde da gestão es-
pode acarretar desassistência para a população tadual evidenciada neste estudo, muitos autores
que venha a precisar do serviço em questão. apontam desajustes no que se refere à gestão por
Esse jogo de “pactuação”, “repactuação” e OSS. André12 (p. 46) mostra que o Estado ainda
“despactuação” também foi observado na oferta não está preparado para a administração por ob-
de exames diagnósticos. Apesar das repactua- jetivos e contratos de gestão e afirma que falta
ções terem apresentado mais aumentos do que vontade política, que a estrutura é inadequada, as
reduções de metas, este estudo não contabilizou competências técnicas são insuficientes e que “é
o total de exames ofertados, apenas quais foram essencial à supervisão da gestão de uma institui-
ofertados e a sua dinâmica, ou seja, quantas vezes ção pelo Estado, ou por quaisquer representantes
as metas aumentaram ou diminuíram e quantas da sociedade, que a implantação de contratos de
vezes os tipos de exames eram incluídos ou ex- gestão tenha por lastro um sistema eficaz de ava-
cluídos, cabendo aqui a necessidade de mais in- liação de desempenho”12 (p. 43).
vestigações a fim de verificar o quanto as metas Pinto e Amaral13 (p. 145), sobre os processos
aumentam ou diminuem, pois há a possibilidade de prestação de contas dos Contratos de Gestão
8
Bigossi G et al.

nos municípios paulistas e na SES/SP em 2017, médica e tecnológica centrada nos interesses em-
apontam fragilidades na operacionalização da presariais16 (p. 168).
gestão e execução das atividades e serviços de Mesmo que o estado de São Paulo possa ter
saúde por meio desses documentos. Recomen- mecanismos de controle de resultados e quali-
dam a necessidade de verificação, pelo estado e dade previstos nos CG, as OSS absorvem cada
municípios, de alguns pontos que funcionarão vez mais recursos com contrapartida insuficiente
como “verdadeira matéria prejudicial à análise da na oferta de serviços à população, já que não se
idoneidade e regularidade do ajuste, bem como pode contar que serviços que são normalmente
da sua execução contratual”13 (p. 175). ofertados permaneçam sendo disponibilizados
As OSS, juntamente a entidades privadas atu- nos estabelecimentos de saúde. Chamou atenção
antes no mercado da saúde, têm construído uma a grande quantidade de exclusões de especialida-
agenda, pautando regras ao SUS e se propondo des não médicas, em especial o serviço social, a
como solução para os problemas enfrentados pela psicologia e a nutrição, que juntos foram exclu-
sociedade no acesso a serviços públicos de quali- ídos em 75 repactuações, demonstrando falta de
dade, sem, no entanto, apontarem dados que com- compromisso tanto do poder público quanto das
provem sua maior eficiência e qualidade. Também OSS, pois são serviços essenciais na qualidade da
o fato de as informações referentes ao que ocorre assistência integral prestada à população, consi-
com os serviços de saúde ofertados ao longo das derando a saúde como “um estado de completo
contratualizações estarem dispersas nos docu- bem-estar físico, mental e social, e não apenas
mentos contratuais, necessitando uma análise a ausência de doença ou enfermidade”, conceito
aprofundada para compreensão dessa dinâmica, dado pela Organização Mundial da Saúde. Sobre
aponta para a dificuldade no controle social. esse aspecto, ressalta-se a mudança do paradig-
Os argumentos a favor da gestão por OS não ma de saúde em curso desde a década de 1960:
se constituem unânimes, mas questionáveis e ques- [...] a frustração com os resultados da biome-
tionados. O primeiro seria o fato de que as contra- dicina, crescentemente caudatária do complexo
tações e processos envolvendo as OS desprezam os médico industrial, e responsável ela própria por
princípios constitucionais da impessoalidade, da provocar riscos e danos, fez com que surgisse [...]
legalidade (Lei nº 8.666/1993), da regra do concur- em várias partes do mundo ocidental, um pensa-
so público. Além disso, conceitos como autonomia mento crítico ao modelo e voltado para revalorizar
e controle social não são praticados naturalmente as dimensões sociais e culturais determinantes do
em um contexto em que as decisões não se mos- processo saúde-enfermidade, ultrapassando o foco
tram participativas ou discutidas, mas tomadas de exclusivo de combater a doença somente depois de
forma arbitrária pelos governos14 (p. 44). instalada17 (p. 131).
Observa-se na gestão por OSS dos serviços No entanto, as OSS parecem não levar em
públicos de saúde do Brasil clara atuação mer- conta esse novo paradigma, uma vez que ex-
cadológica na execução de serviços essenciais cluem serviços diretamente relacionados a fato-
prestados pelo SUS. Sestelo15 (p. 148-149) situa as res determinantes e condicionantes da saúde17,
OSS como modelos de empresas do terceiro se- como serviço social e psicologia. Sob o argumen-
tor e define o termo empresariamento como “um to não comprovado de maior eficácia e eficiência,
neologismo que se refere à transformação em ati- bem como de maior competência na utilização
vidade empresarial de processos econômicos que dos recursos públicos, as OSS gozam ainda de
anteriormente transcorriam sob outras formas grande flexibilidade na compra de equipamentos,
de organização institucional”. Braga16 concorda materiais e insumos, assim como na contratação
com a ideia ao dizer que de profissionais, o que pode agilizar os processos
[...] as forças políticas empresariais atuantes administrativos na gestão de um serviço de saúde
na área da saúde, valendo-se da cultura de crise, mas também pode fragilizar regras da adminis-
abriram caminho para um pacto de colaboração tração pública e os princípios constitucionais da
com as forças sociais em defesa dos valores, ideias e impessoalidade e da legalidade e a obrigatorieda-
práticas instituídos pelo movimento sanitário. Esse de do concurso público.
processo, em última análise, promove o enfraque- A autonomia das OSS na utilização de re-
cimento das lutas pelo SUS como sistema público cursos públicos precisa ser questionada e moni-
de saúde universal e regulado pelo controle social, torada com mais rigor. É necessário ampliar em
bem como do ideário mais amplo da proposta de quantidade e qualidade os estudos sobre gestão
Reforma Sanitária, de democratização da saúde dos serviços públicos de saúde por essas entida-
pela intersetorialidade e pela mudança da cultura des, tendo em vista as evidências apontadas.
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Ciência & Saúde Coletiva, 29(6):1-10, 2024


Delegar às organizações sociais de saúde a propostas de mudanças nos paradigmas do setor
execução de serviços públicos que promovam o Saúde almejadas no importante movimento da
direito à saúde pode significar retrocessos nas Reforma Sanitária Brasileira.

Colaboradores

Todas as coautoras participaram da revisão in-


tegral do artigo acrescentando apontamentos
pertinentes ou conferindo sugestões ao artigo, de
forma que a escrita do artigo por completo se deu
de forma coletiva.
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Bigossi G et al.

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1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e
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